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20 de abril a 05 de maio de 2013 3 Doméstica vence concurso nacional de ensaios Claudenir de Souza levou o prêmio “Mulheres negras contam sua história” GABRIELA SLACEDO $ EDFKDUHO HP )LORVRタD H estudante de Letras da Ponti- fícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Claudenir de Souza gosta de escrever pelos cafés e pada- rias da região central da cida- de. Chega por volta das 6h da manhã, toma uns quatro, cinco cafés, até a hora de ir trabalhar, às 7h30, como empregada do- méstica numa casa no bairro Nova Campinas. Se está preci- sando entregar um de seus tex- tos, nem sono sente, escreve até de noite. “Não gosto de escrever muito em casa. Quando o café do [supermercado] Pão de Açúcar era 24h, eu virava a noite lá.” Foi em três viradas, sentada em uma das mesinhas do supermercado, que Claude- nir corrigiu o texto vencedor do Prêmio “Mulheres Negras Contam Sua História.” No concurso, promovido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Governo Fe- deral, seriam premiados dois trabalhos, um na categoria re- dação, outro em ensaio, e os vencedores devem ir a Brasília para receber o prêmio de R$ 10 mil. Claudinha, como é chama- da pelos amigos, ganhou em primeiro lugar na categoria en- saio. Ela escreveu 37 páginas, divididas em três capítulos, sobre o trabalho doméstico no País. “Eu achava que não ia passar, é muito crítico”, conta. No texto, por meio de uma análise histórica, há uma co- nexão do trabalho doméstico com a servidão escravocrata e a mulher. Ela conta que, de 8 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, 70% são negros e apenas 6% são homens e eles ainda são mais bem remunerados. “Se alguém falar do traba- lho doméstico no Brasil e não falar da escravidão, não beber dessa fonte, está cometendo XP FULPH KLVWyULFRオ DタUPD Segundo Claudenir, há 468 anos começou o trabalho do- méstico no País, com a chegada dos negros. Destes, 343 anos foram de trabalho escravo e 48 anos de trabalho por comida, sem direito algum, já que, de- pois da abolição, as escravas voltaram às casas de suas se- nhoras para fugir da fome. E, SRU タP DQRV GH OXWD SRU direito e respeito à vida, con- quistados com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) TXH タFRX FRQKHFLGD como a PEC das domésticas. Pela nova legislação, os traba- lhadores domésticos passam a ter todos os direitos de outros SURタVVLRQDLV FRQWUDWDGRV SHOR regime da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), como o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Claudinha tem 44 anos de idade, 30 de doméstica e nove de luta pelos seus direi- tos, quando se sindicalizou. Considera a PEC uma espécie de libertação, um desvínculo do trabalho doméstico com o trabalho servil. “Só quem está vivendo essa realidade sente como é. Dentro do ônibus, eu e outras domésticas rimos, olhamos uma para outra e ri- mos. Agora a gente é gente!” Aos 14 anos, Claudenir perdeu a mãe e ela foi traba- lhar em uma fazenda na sua cidade natal, Santa Fé do Sul, onde aprendeu a fazer o traba- lho doméstico. Aos 17, um ir- mão a chamou para Campinas. “Todo mundo acha que na ci- dade grande vai ter emprego, vai melhorar.” Mas, na cidade grande, ela continuou trabalhando como GRPpVWLFD タFRX DQRV HP uma casa que tinha um trato, a pedido dela, com os patrões: eles deviam corrigi-la quando cometesse erros de gramática durante a fala. Também vol- tou a estudar. “Eu era muito curiosa, queria saber de tudo e queria falar certo. Tinha muito vício de linguagem, nós vai, QyV タFDオ Ela já estava formada no Ensino Fundamental quando o patrão morreu. A patroa, para manter a renda, começou a alugar quartos da casa para estudantes universitários de “todo que é canto do mundo”. “Foi quando eu entrei em con- tato com esse pessoal e pensei: quer saber, vou prestar vesti- bular!”. Claudinha entrou em Fi- ORVRタD HP H VH IRUPRX em 1999. Em 2006, prestou vestibular de novo, com um objetivo certo: continuar es- crevendo. “Não estudei para enriquecer e deixar de ser do- méstica. Estudei porque sou faminta de conhecimento. O conhecimento liberta!”, conta, meio gritando, num dos tantos cafés que se tornaram escritó- rio para ela. Não estudei para enriquecer e deixar de ser doméstica. Estudei porque sou faminta de conhecimento. O conhecimento liberta! -Claudenir de Souza empregada doméstica Jornada de Jornalismo discute cobertura internacional Alunos e comunidade poderão assistir a palestras de jornalistas brasileiros e estrangeiros MAYRA BISSO A Faculdade de Jornalis- mo da PUC-Campinas realiza a Jornada de Jornalismo nos próximos dias 7 e 8 de maio. O tema deste ano é “Corres- pondentes internacionais: a re- portagem sem fronteiras”. Segundo o diretor do cur- so, Lindolfo Alexandre de Souza, as palestras estão aber- tas não só para os alunos, mas também para qualquer pessoa da comunidade, basta compa- recer ao Auditório Dom Gil- berto ou à sala 800, conforme a programação. Souza considera muito importante os alunos parti- ciparem. “Primeiro porque é possível entrar em contato FRP SURタVVLRQDLV TXH HVWmR no mercado de trabalho e que têm experiências que podem complementar a formação do aluno. O segundo aspecto é o fato de que o aluno tem opor- tunidade de estabelecer rela- ções e entrevistar alguém que tem uma história importante. A partir da experiência dessas pessoas, o aluno pode rever e reconstruir sua história”, ex- plica. A jornada, para o diretor, é uma oportunidade para que o aluno tenha uma formação mais completa. Para Souza, “não é só a sala de aula que forma um bom jornalista”. A programação da jornada foi organizada pelos professo- res que fazem parte do Conse- lho da Faculdade: Arlindo Fer- reira Gonçalves Júnior, Ciça Toledo, Fabiano Ormaneze e Luiz Roberto Saviani Rey. No dia 7, para abrir a programa- ção, os alunos vão assistir à palestra de Luiz Carlos Aze- nha, das 8h30 às 11h30, no Auditório Dom Gilberto. Aze- nha foi correspondente da TV Globo em Nova York. No mes- mo dia, à noite, das 19h30 às 22h30, no Auditório Dom Gil- berto, Kléster Cavalcanti, pre- so na Síria quando foi cobrir a guerra em 2012. A palestra de Kléster completa também um trabalho que está sendo desenvolvido na disciplina de Jornalismo Literário, cujos alu- nos estão lendo o livro “Dias de Inferno na Síria” (Editora Benvirá). Na manhã do dia 8, Lucia- na Xavier-Vasconcellos, que foi correspondente em Nova York pela Agência Estado, con- versa com os alunos. A jorna- da se encerra na noite do dia 8 com a palestra de Natália Ramos Miranda, na sala 800. A chilena Natália foi contra- tada pela agência de notícias francesa France Press, como correspondente internacional. Há um ano mora no Brasil e continua trabalhando como correspondente. Claudenir de Souza, de 44 anos, costuma escrever em cafés pelo centro de Campinas

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Página 3 da edição 108 do Jornal Saiba +

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20 de abril a 05 de maio de 20133

Doméstica vence concurso nacional de ensaiosClaudenir de Souza levou o prêmio “Mulheres negras contam sua história”

GABRIELA SLACEDO

estudante de Letras da Ponti-fícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Claudenir de Souza gosta de escrever pelos cafés e pada-rias da região central da cida-de. Chega por volta das 6h da manhã, toma uns quatro, cinco cafés, até a hora de ir trabalhar, às 7h30, como empregada do-méstica numa casa no bairro Nova Campinas. Se está preci-sando entregar um de seus tex-tos, nem sono sente, escreve até de noite.

“Não gosto de escrever muito em casa. Quando o café do [supermercado] Pão de Açúcar era 24h, eu virava a noite lá.” Foi em três viradas,

sentada em uma das mesinhas do supermercado, que Claude-nir corrigiu o texto vencedor do Prêmio “Mulheres Negras Contam Sua História.” No concurso, promovido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Governo Fe-deral, seriam premiados dois trabalhos, um na categoria re-dação, outro em ensaio, e os vencedores devem ir a Brasília para receber o prêmio de R$ 10 mil.

Claudinha, como é chama-da pelos amigos, ganhou em primeiro lugar na categoria en-saio. Ela escreveu 37 páginas, divididas em três capítulos, sobre o trabalho doméstico no País. “Eu achava que não ia passar, é muito crítico”, conta.

No texto, por meio de uma

análise histórica, há uma co-nexão do trabalho doméstico com a servidão escravocrata e a mulher. Ela conta que, de 8 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, 70% são negros e apenas 6% são homens e eles ainda são mais bem remunerados.

“Se alguém falar do traba-lho doméstico no Brasil e não falar da escravidão, não beber dessa fonte, está cometendo

Segundo Claudenir, há 468 anos começou o trabalho do-méstico no País, com a chegada dos negros. Destes, 343 anos foram de trabalho escravo e 48 anos de trabalho por comida, sem direito algum, já que, de-pois da abolição, as escravas voltaram às casas de suas se-

nhoras para fugir da fome. E,

direito e respeito à vida, con-quistados com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)

como a PEC das domésticas. Pela nova legislação, os traba-lhadores domésticos passam a ter todos os direitos de outros

regime da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), como o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Claudinha tem 44 anos de idade, 30 de doméstica e nove de luta pelos seus direi-tos, quando se sindicalizou. Considera a PEC uma espécie de libertação, um desvínculo do trabalho doméstico com o trabalho servil. “Só quem está vivendo essa realidade sente como é. Dentro do ônibus, eu e outras domésticas rimos, olhamos uma para outra e ri-mos. Agora a gente é gente!”

Aos 14 anos, Claudenir perdeu a mãe e ela foi traba-lhar em uma fazenda na sua cidade natal, Santa Fé do Sul, onde aprendeu a fazer o traba-lho doméstico. Aos 17, um ir-mão a chamou para Campinas. “Todo mundo acha que na ci-dade grande vai ter emprego, vai melhorar.”

Mas, na cidade grande, ela continuou trabalhando como

uma casa que tinha um trato, a pedido dela, com os patrões: eles deviam corrigi-la quando cometesse erros de gramática durante a fala. Também vol-tou a estudar. “Eu era muito curiosa, queria saber de tudo e queria falar certo. Tinha muito

vício de linguagem, nós vai,

Ela já estava formada no Ensino Fundamental quando o patrão morreu. A patroa, para manter a renda, começou a alugar quartos da casa para estudantes universitários de “todo que é canto do mundo”. “Foi quando eu entrei em con-tato com esse pessoal e pensei: quer saber, vou prestar vesti-bular!”.

Claudinha entrou em Fi-

em 1999. Em 2006, prestou vestibular de novo, com um objetivo certo: continuar es-crevendo. “Não estudei para enriquecer e deixar de ser do-méstica. Estudei porque sou faminta de conhecimento. O conhecimento liberta!”, conta, meio gritando, num dos tantos cafés que se tornaram escritó-rio para ela.

Não estudei para enriquecer e

deixar de ser doméstica.

Estudei porque sou faminta de conhecimento.

O conhecimento liberta!

-Claudenir de Souza

empregada doméstica

Jornada de Jornalismo discute cobertura internacionalAlunos e comunidade poderão assistir a palestras de jornalistas brasileiros e estrangeiros

MAYRA BISSO

A Faculdade de Jornalis-mo da PUC-Campinas realiza a Jornada de Jornalismo nos próximos dias 7 e 8 de maio. O tema deste ano é “Corres-pondentes internacionais: a re-portagem sem fronteiras”.

Segundo o diretor do cur-so, Lindolfo Alexandre de Souza, as palestras estão aber-tas não só para os alunos, mas também para qualquer pessoa da comunidade, basta compa-recer ao Auditório Dom Gil-berto ou à sala 800, conforme a programação.

Souza considera muito importante os alunos parti-ciparem. “Primeiro porque é possível entrar em contato

no mercado de trabalho e que têm experiências que podem complementar a formação do

aluno. O segundo aspecto é o fato de que o aluno tem opor-tunidade de estabelecer rela-ções e entrevistar alguém que tem uma história importante. A partir da experiência dessas pessoas, o aluno pode rever e reconstruir sua história”, ex-plica.

A jornada, para o diretor,

é uma oportunidade para que o aluno tenha uma formação mais completa. Para Souza, “não é só a sala de aula que forma um bom jornalista”.

A programação da jornada foi organizada pelos professo-res que fazem parte do Conse-lho da Faculdade: Arlindo Fer-reira Gonçalves Júnior, Ciça

Toledo, Fabiano Ormaneze e Luiz Roberto Saviani Rey. No dia 7, para abrir a programa-ção, os alunos vão assistir à palestra de Luiz Carlos Aze-nha, das 8h30 às 11h30, no Auditório Dom Gilberto. Aze-nha foi correspondente da TV Globo em Nova York. No mes-mo dia, à noite, das 19h30 às

22h30, no Auditório Dom Gil-berto, Kléster Cavalcanti, pre-so na Síria quando foi cobrir a guerra em 2012. A palestra de Kléster completa também um trabalho que está sendo desenvolvido na disciplina de Jornalismo Literário, cujos alu-nos estão lendo o livro “Dias de Inferno na Síria” (Editora Benvirá).

Na manhã do dia 8, Lucia-na Xavier-Vasconcellos, que foi correspondente em Nova York pela Agência Estado, con-versa com os alunos. A jorna-da se encerra na noite do dia 8 com a palestra de Natália Ramos Miranda, na sala 800. A chilena Natália foi contra-tada pela agência de notícias francesa France Press, como correspondente internacional. Há um ano mora no Brasil e continua trabalhando como correspondente.

Claudenir de Souza, de 44 anos, costuma escrever em cafés pelo centro de Campinas