Jornal de Classe Edição 02 - Agosto de 2014

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certo Praça Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unimep Agosto/2014 • Edição 02 Jornal Classe de Praça minha minha minha minha Vida Vida Conforme estimativa da prefeitura, cerca de 100 pessoas passam dias e noites nas ruas da cidade, mas na praça José Bonifácio, a principal do município, em pleno Centro, eles se confundem com a paisagem e fazem do coreto um lar. Página 3. O céu é o limite Por um pedaço de chão O humor gráfico é uma das alterna- tivas para transmitir ideias e informa- ções de forma leve e direta ao público. Em entrevista ao Jornal de Classe, Dalcio Machado, artista gráfico com quase 30 anos de profissão, fala sobre a importância política da atividade e destaca a influência que já exerceu em diferentes momentos na história da imprensa do país. Dálcio revela detalhes de sua atuação em veículos de comunicação como a revista Veja e O Estado de S. Paulo. Página 8. Lucas Jacinto Carolina Figueira O céu azul de Rio Claro ficou colorido durante os meses de junho e julho. A cidade foi sede durante esses meses do Campeonato Brasileiro e da 21ª edição do Mundial de Balonismo, que reuniram dezenas de competidores. Página 16. Instalado no bairro rural Monte Branco, em Piracicaba, o acampamento Nelson Man- dela abrigou durante meses 51 famílias ligadas ao MST (Mo- vimento dos Trabalhadores Sem Terra). O grupo é forma- do por trabalhadores, donas de casa, jovens e crianças. O cotidiano das famílias, que foram despejadas da pro- priedade logo após as entrevis- tas feitas para esta edição do Jornal de Classe, inclui cuidar de pequenas plantações e de animais de estimação e man- ter mobilização pela Reforma Agrária. Páginas 4 e 5. Bruna Pires Traço

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PraçaJornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unimep

Agosto/2014 • Edição 02

Jornal Classede

Praçaminhaminha

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Conforme estimativa da prefeitura, cerca de 100 pessoas passam dias e noites nas ruas da cidade, mas na praça José Bonifácio, a principal do município, em pleno Centro, eles se confundem com a paisagem e fazem do coreto um lar. Página 3.

O céu é o limite Por um pedaço de chão

O humor gráfico é uma das alterna-tivas para transmitir ideias e informa-ções de forma leve e direta ao público. Em entrevista ao Jornal de Classe, Dalcio Machado, artista gráfico com quase 30 anos de profissão, fala sobre a importância política da atividade e destaca a influência que já exerceu em diferentes momentos na história da imprensa do país. Dálcio revela detalhes de sua atuação em veículos de comunicação como a revista Veja e O Estado de S. Paulo. Página 8.

Lucas Jacinto

Carolina Figueira

O céu azul de Rio Claro ficou colorido durante os meses de junho e julho. A cidade foi sede durante esses meses do Campeonato Brasileiro e da 21ª edição do Mundial de Balonismo, que reuniram dezenas de competidores. Página 16.

Instalado no bairro rural Monte Branco, em Piracicaba, o acampamento Nelson Man-dela abrigou durante meses 51 famílias ligadas ao MST (Mo-vimento dos Trabalhadores Sem Terra). O grupo é forma-do por trabalhadores, donas de casa, jovens e crianças.

O cotidiano das famílias, que foram despejadas da pro-priedade logo após as entrevis-tas feitas para esta edição do Jornal de Classe, inclui cuidar de pequenas plantações e de animais de estimação e man-ter mobilização pela Reforma Agrária. Páginas 4 e 5.

Bruna Pires

Traço

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na

edição 02 • Agosto/2014Jornal Classede

EDITORIAL

PONTO DE VISTA

LITERATURA

EXPEDIENTE

Órgão laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba)

Reitor: Gustavo Jacques Dias Alvim

Diretor da Faculdade de Comunicação:Belarmino Cesar Guimarães de Costa

Coordenador do Curso de Jornalismo:Paulo Roberto Botão

Orientação de Conteúdo e Editor Responsável: Paulo Roberto Botão (MTB 19.585).

Orientação de Fotografia:Joyce Guadagnucci

Editores Assistentes:Gabriela Andrade Ferraz e Leon Domarco Botão

Editora Assistente de Imagem:Carolina de Souza Figueira

Repórteres:Aline Soriani Vasconcelos da Silva, Bianca Azzali Dal Pozzo, Bruna Caroline Pires, Bruna Graziela do Carmo Togni, Carolina de Souza Figueira, Clara Garcia Grizotto, Evandro Pelligrinotti, Fábio Antonio Salvatore Pesaresi Filho, Gabriela Andrade Ferraz, Iamaris Masvestiti, Isabella Uliani, Jéssica Fernanda de Souza, Karen Costa Pinto, Larissa Romani Mizuhira, Leon Domarco Botão, Leonardo Francisco Alves, Liliane Maracaja do Nascimento, Lucas Jacinto, Marcela Gallo, Murilo Buzolin Rodrigues, Nayara Tramontina da Conceição, Rodrigo Alonso da Silva

Ilustrações:Allan Prado, Danilo de Almeida, Diego Henrique Oliveira Santos e Guilherme Silva, (Alunos do 3º semestre de Design Gráfico, sob a orientação do professor Camilo Riani)

Projeto Gráfico e Arte Final:Sérgio Silveira Campos (Laboratório de Planejamento Gráfico)

Versão digital: soureporter.com.br.

Correspondência:Faculdade de Comunicação – Campus Taquaral – Rod. do Açúcar, Km 156 – Cx. Postal 68 – Tel.: (19) 3124.1676 – E-mail: [email protected]

Impressão: Jornal de Piracicaba. Tiragem: 1.000 exemplares

Mostrar os dramas sociais, principalmente os que envol-vem as populações mais carentes e excluídas, é papel fundamental do jornalismo. Nenhuma outra instituição

apresenta tanto potencial para mostrar a vida de pessoas que vivem marginalizadas do processo político e econômico, as dificuldades de sobreviver sem um teto para morar ou um emprego que garanta renda para a subsistência.

Compete ao jornalismo, nestes tempos de tanta comunicação despida de sentido político e social, ir ao encontro destas realida-des e dos seres humanos que a vivem, contar as histórias destas pessoas, relatar o seu sofrimento e seus sonhos. E a ação do jorna-lista repórter, aquele que sai de sua zona de conforto e da frente do computador e vai às ruas, é a única forma de realizar esta tarefa.

O propósito principal desta edição do Jornal de Classe, a segunda, é o de estimular os estudantes de jornalismo a buscar esta prática, a de construir pautas ousadas e desafiadoras, e de sair às ruas para transformar estas pautas em reportagens carre-gadas de realidade.

Este propósito destaca-se em duas das reportagens realizadas, que abordam as situações de moradores de rua e de acampados em Piracicaba. Permeia também o enfoque dado a outros temas, como o das mulheres que sofrem com o assédio sexual e o das jovens adolescentes que são violentamente expostas na Internet.

Como complemento a esta perspectiva, a edição também busca a pluralidade temática, que compreende as muitas dimensões da vida humana, que inclui a cultura, a tecnologia, o esporte, a educa-ção. O uso intenso do recurso da fotografia, que ressalta ambien-tes e estados de espírito, qualifica o trabalho de reportagem, pois evidencia a dimensão icônica dos fatos e realidades retratadas.

O jornalismo que vai às ruas

Leon Botã[email protected]

O Estado de São Paulo está secando. Mas a culpa é de quem?

Governo estadual, municipal ou das pessoas? De todos. A capacidade de reservatórios como o do Sistema Cantarei-ra está cada vez mais baixa, e isso até obrigou o estado a colocar em uso a água do volume morto. Nos rios, a situação não é diferente: vazões cada vez mais baixas. Os governantes adotam en-tão medidas a fim de evitar o racionamento, que ficaria muito feio para uma gestão em ano eleitoral. Multas aos contribuintes que aumen-tarem o consumo de água e campanhas de conscientiza-ção. Medidas estas compre-ensíveis e fáceis de aplicar. A segunda, por exemplo, deveria ser corriqueira.

Desde o início do ano, quando não choveu o que era esperado, e o estado viveu o verão mais seco da história, especialistas e vários órgãos alertavam para que fossem adotadas medidas visan-do amenizar os reflexos da seca. Pouco foi feito e agora o governo tenta remediar. A população também tem sua parcela de culpa, já que a falta d’água foi um dos temas mais abordados em todos os meios de comunicação.

Enquanto o Estado fingia que nada estava acontecendo e que o reservatório do Siste-ma Cantareira iria suportar a estiagem do inverno, o grupo técnico do Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí emitiu um alerta de que a água do volume morto secaria antes de voltar a chover. Mesmo assim, um evento para sele-tas autoridades inaugurou o início da captação do volume morto, como se fosse algo po-sitivo e não um curativo frágil em uma ferida que o Estado nunca fez questão de cuidar.

Se espelhando no Gover-no Estadual, a Prefeitura de Piracicaba tem um dos piores índices de perda de água captada: 40%. Isso quer dizer que a cada 100 litros que são captados pelo muni-cípio, apenas 60 são usados, o resto se perde em virtude de problemas na rede e em

vazamentos que demoram a ser reparados. Enquanto isso, o volume de água dos rios Piracicaba e Corumbataí, que abastecem a cidade, fica cada dia menor.

Mas onde entra a popula-ção nisso tudo? O primeiro erro se deu nas urnas, mas isso é conversa para outubro. O problema é mais profun-do, é cultural. Não é de hoje que as pessoas sabem que é preciso economizar água, mas é difícil deixar de lado costumes e prazeres indivi-duais, ainda mais quando é possível pagar. O problema é que quando não houver água, pobres e ricos, gente que economiza e gente que esbanja, estarão no mesmo ‘balde’, e ele estará vazio.

O Fantástico, da TV Glo-bo, exibiu no dia 27 de abril reportagem abordando a crise hídrica. O vídeo mos-tra o caso de uma família de seis mulheres (a mãe e cinco filhas), que vive ainda com duas empregadas, e gastava 36 mil litros de água no mês. É como se, nesse tempo de seca, quase dois segundos de toda a água que corre pelo Rio Piracicaba fosse desti-nada a elas. De acordo com a recomendação da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Pau-lo), 110 litros de água são su-ficientes por dia por pessoa, o que quer dizer que aquela família deveria consumir 26 mil litros de água por mês.

Aqui volto a falar dos ca-prichos e prazeres de quem pode pagar. A casa da família mostrada na reportagem era grande, aparentava ser de pa-drão médio para alto. A mãe diz sorridente que toma três banhos por dia, a filha, de 14 anos, não se envergonha em dizer que demora mais de 30 minutos no banho, e a empregada, esqueceu que existe vassoura e lava tudo o que vê pela frente, e com água da torneira. Reutilizar a da máquina de lavar, por exemplo, nem pensar.

Essa família é só mais uma pelo Brasil que paga e usa quanta água quer e pode, mas uma família que irá sofrer o dobro, ou até o triplo, quando houver o tão evitado, porém provável ra-cionamento de água.

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Alexandre [email protected]

Pode chegar! Pode chegar que o Brasil é fácil – é “facinho”.

Pode chegar sem medo que em nossa terra pátria tudo (tudinho) é viralates-camente inho. Afinal, para boa parte de nossos pen-sadorezinhos – e de nossa midiazinha – a crônica de nosso tempo parece que só pode ser mesmo escri-ta pelo prisma miserável do diminutivozinho. E não é para menos? Para esses inhos, não temos povo – temos povinho. Também não temos PIB, temos pibinho. Igualmen-te não temos governo, temos governinho. Santa mãezinha! Quanta men-tirinha! Quanta facilidade em transformar, por meio de texto, o que é grande em mera coisinha.

Quando se trata de es-crever para crianças, en-tão, a coisa às vezes fica ainda mais perigosinha. A professora Fanny Abra-movich – em um livro já bem antiguinho, intitulado Gostosuras e Bobices – nos chama a atenção para o risco de intoxicarmos nossas crianças com textos repletinhos de “tatibitati-ces” – que é aquele jeitinho chatinho de se dirigir às criançinhas de maneira debiloidinha (cheia de nhenhenhés, mimimis e inhoinhos). Aquela coi-sa das HQs infantis, por exemplo, de transformar o

Pelé em Pelezinho, o Sena em Seninha, o Bola em Bo-linha, a Lulu em Luluzinha e por aí vai.

Aliás, e falando em textos para crianças, foi Drummond quem, certa vez, disse que criar uma literatura para crianças era pior que chover no molha-do – ou no molhadinho. “O gênero literatura infantil tem, a meu ver, existência duvidosa” – escreveu o po-etinha em suas Confissões de Minas. Enquanto nos puxava as orelhas – e nos questionava se, por acaso, no rol das grandes artes, “haverá música infantil ou pintura infantil” –, o mestre de Itabira nos punha ainda a pensar: “será a criança um ser à parte, estranho ao homem, reclamando uma literatura também à parte?”

Na contramãozinha me-díocre dessa historinha, não faltam na praça obras repletas de tatibitatices. Padre Marcelo Rossi, por exemplo, não se limitando a publicar para adultos a sua insólita reflexão acer-ca de um conceito grego chamado ágape, lançou também uma versão infan-til de sua religiosa obra: o Agapinho. Não incrível? Se a moda pegar, dentro em breve teremos outras obras convertidas também para o mundo do inho. Ima-ginemos: de Kant, “Criti-quinha da razão purinha.” De Freud, “O Inconscien-tinho”. De Marx, “O Capi-talzinho.” E, extraído da

bíblia, o temível e terrível “Apocalipsezinho”.

Em tempo de filósofas brasileiras da envergadura (e silhueta) de uma Valesca Poposuda, todavia nada é mais deplorável do que a idiota proposta de se dis-tribuir nas escolas versões adaptadas e facilitadas dos livros de Machado de As-sis – o nosso Machadinho. A iniciativa, que tem o apoio da Lei de Incentivo à Cultura, visa simplificar o texto machadiano a fim de facilitar a sua leitura por parte dos estudantes brasileiros – nossos estu-dantinhos. Oras! Se facili-tar a escrita é, como se diz aqui no interior, a “arma” do negócio, então pode vir, pode comprar, que o nosso Machadinho agora vai ficar fácil, facinho.

A medo – entre aga-pinhos, machadinhos e outros inhos –, vê-se que a barganha da leitura no varejão do mercado edito-rial e das publicações vol-tadas a leitores ávidos por facilidades pode transfor-mar paulatinamente nossa memória literária em uma nebulosa lembrancinha. Se não mudarmos a for-ma de olhar nosso país e nossa literatura, em breve nossas letrinhas nada te-rão o poder e a beleza da arte literária que somos e fomos capazes de produzir até hoje. Triste? Triste. Ou, como diria uma antiga apresentadora de progra-mas infantis, uma peninha.

Agapinhos, Machadinhos e outros inhos

O balde está vazio, e a culpa é de quem?

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edição 02 • Agosto/2014 3Jornal Classede cidade

Bruna [email protected]

Lucas [email protected]

Abandono, maus tratos, exclusão, humilhação e principalmente vio-

lência e ameaças já viraram rotina para os moradores de rua que vivem em Piracicaba. Conforme estimativa da pre-feitura, cerca de 100 pessoas passam dias e noites nas ruas da cidade, mas na praça José Bonifácio, a principal do município, em pleno Centro, eles se confundem com a pai-sagem e fazem do coreto um lar. Jovens, idosos, doentes e inclusive trabalhadores aca-baram formando uma família e entendem que o poder pú-blico não cumpre seu papel e não oferece oportunidades para sua reinclusão social.

Carlos Augusto, 31 anos, natural de Feira de Santana (BA), é morador de rua em Piracicaba há 16 anos, atual-mente, passa seus dias e noi-tes na praça José Bonifácio. A realidade enfrentada por Augusto, segundo ele relata, tem piorado nos últimos me-ses. “A polícia está agredindo todo mundo. Na noite de on-tem, era 21 horas e a polícia veio me chutar enquanto eu dormia. Levei porretada nas costas e nas pernas”, conta.

Passadas pouco menos de 24 horas depois do ocorrido, quando os responsáveis por esta reportagem estiveram na praça José Bonifácio, o dedão do pé direito de Augusto ain-da estava sangrando. Segundo ele, os curativos foram feitos pelos próprios moradores da praça, pois os policiais teriam se recusado a ajudá-lo.

O jovem Leandro Cristia-no da Silva, 23 nos, natural de Piracicaba vive nas ruas há seis anos e também reclama das ameaças de populares e da ação policial. “Mês passa-do, eu estava aqui e passaram dois policiais. Um deles me ‘xingou’ e me mandou em-bora da praça, disse que iria

Espaços públicos, como a praça José Bonifácio, abrigam homens e mulheres de diferentes idades

Moradores de rua sofrem com violência

me matar. Chegou perto e bateu na minha barriga com um revolver”.

Apesar de usarem o termo polícia, os dois reclamantes estão referindo-se à ação de guardas municipais, conforme explicaram quando pergunta-dos sobre o vínculo dos oficiais que seriam responsáveis pelos fatos relatados. No caso de Silva, ele informa também que, logo após o ocorrido, registrou um boletim de ocorrência contra o oficial. “O problema é que agora, quando algum parente ou conhecido vem me procurar aqui, eles percebem e fazem ameaças”, desabafa.

Os estudantes responsáveis por esta reportagem fizeram diversos contatos com a Guar-da Civil de Piracicaba, para falar sobre as denúncias, mas até o momento de fechamento da edição não houve retorno.

AcolhimentoExistem outras queixas

do grupo, como a de Oseias dos Santos, natural do Rio de Janeiro, que vive em Piraci-caba há 23 anos. Ele reclama do serviço de acolhimento nas casas de passagem. “Um dia fui para o albergue da prefeitura [O Centro Pop] e eles me disseram que eu não tinha perfil para passar a noite lá. Por eu estar lim-po, acharam que eu não era morador de rua. Mas quem

disse que quem não tem casa pra morar não tenta ter o mínimo de higiene? Sempre trabalhei, só não saí desta condição porque não con-segui boas oportunidades”, explica Santos.

Em relação ao acolhimen-to, a Semdes (Secretaria Mu-nicipal de Desenvolvimento Social) afirma que atualmen-te, graças a projetos próprios e mantidos por ONGs parcei-ras, existem mais de quatro casas atendendo moradores

de rua de toda a cidade, das quais algumas agem com in-cidência maior na praça José Bonifácio. Segundo a asses-soria da Secretaria, existe um projeto de abordagem social que realiza ações durante a noite, de segunda á sexta--feira, e que é promovido pelo Centro Pop.

O objetivo do projeto é di-recionar os moradores a um espaço onde podem fazer sua higiene pessoal, lavar as rou-pas, guardar seus pertences e se alimentar. A secretaria afirma ainda que, além do Centro Pop ser responsável pela abordagem, oferece o serviço especializado para pessoas em situação de rua e conta com um trabalho técnico para análise das de-mandas dos usuários, acom-panhamento especializado e articulação com a rede socioassistencial.

Apesar disso, existem queixas em relação à difi-culdade de receber o atendi-mento nestes locais, além da burocracia para conseguir um simples pernoite nas casas de apoio. A moradora de rua Maria Gorete dos Santos, 33, natural de Gua-rulhos, com residência em Sorocaba, vive nas ruas de Piracicaba para conseguir acesso a tratamento médico que só conseguiu na cidade. “Esse tratamento só é ofereci-do aqui, então tive que deixar minha família em Sorocaba e vir pra cá. O problema é que como não tenho dinheiro para pagar uma moradia, para eu conseguir passar três noites no Centro Pop foi uma bagunça”, reclama.

A moradora reclama ain-da que pessoas que não são naturais de Piracicaba não têm direito a estadia. Maria admite, entretanto, que já conseguiu estadia mediante a comprovação de seu tra-tamento médico. “Se não fosse o tratamento não con-seguiria, só por não ser de Piracicaba”, lamenta.

A falta de oportunidade de emprego também gera reclamações dos moradores da praça José Bonifácio. Se-gundo os relatos de vários deles, a prefeitura não oferece nenhuma forma de reinte-gração social. Os projetos

existentes atualmente, como o Frente de Trabalho, são vistos como medidas palia-tivas, que não auxiliam na inserção dentro do mercado de trabalho fixo.

Em contrapartida, a asses-soria de imprensa da Semdes informa que o programa Frente de Trabalho oferece aos trabalhadores bolsistas em uma jornada de 30 horas semanais, um salário míni-mo, auxílio deslocamento e cesta básica. A secretaria diz ainda que a Frente de Trabalho faz contratações em órgãos públicos, por período determinado e sem vinculo empregatício. As contrata-ções ocorrem geralmente nos setores de manutenção, cozinha, limpeza, controle de

acesso, entre outros. Um dos morado-

res da José Bonifa-cio que não quis se identificar, confirma as informações, no entanto, acredita que existem falhas no programa. “Traba-lhei três vezes no programa Frente de Trabalho. É servi-ço geral, mas é uma carga horária curta, não é pesado. O pro-blema é que, além de ganhar pouco, você

não tem carteira assinada e já sabe que depois de seis me-ses, vai estar na rua de novo. Ninguém muda de vida ga-nhando salário mínimo por seis meses”.

Na opinião do morador descontente, se existe de-manda para o trabalho reali-zado pelos moradores de rua na cidade, é um equívoco não investir nesta mão de obra, e dar um trabalho digno para quem aceita participar do programa. “Eles vêm, convo-cam alguns moradores de rua e terceirizam. Este programa usa a mão de obra para pres-tar serviço para a prefeitu-ra. Quem não gostaria de trabalhar para a prefeitura? Quem deixaria de se manter em um emprego como esse, digno como qualquer outro, mas com carteira registrada? Falta coração nas decisões da câmara dos vereadores”, desabafa.

Ação públicaCiente dos problemas e

da existência de moradores de rua em diversas praças da cidade, a Prefeitura de Piracicaba mantém, segundo informações de sua asses-soria de imprensa, diversas iniciativas com o objetivo de enfrentar a situação.

Em 2013, realizou o pri-meiro fórum sobre pessoas em situação de mendicân-cia, que teve como objetivos avaliar os serviços existentes e definir políticas públicas nesta área. Segundo a asses-soria, existem muitos casos de ex-moradores de rua que utilizaram os serviços e hoje conquistaram independên-cia financeira e o retorno ao convívio familiar. Estes casos estariam sendo utiliza-dos como exemplos a serem seguidos.

Conforme dados do IP-PLAP (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracica-ba), 160 moradores de rua passaram pelas Casas de Passagem da Prefeitura de Piracicaba em 2012. Já em 2013, esse número teve um aumento de 44%, passando para 231 pessoas. Segundo dados da Semdes, o número de pessoas que vive nas ruas é variável por se tratar de uma população migrante.

e falta de apoioFotos: Lucas Jacinto

‘Marmitex’ é opção na hora do jantar (acima); Moradora exibe exames que justificam sua permanência em Piracicaba (abaixo)

Identidade: moradores da praça José Bonifácio exibem documentos que demonstram sua inserção social

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edição 02 • Agosto/20144 Jornal Classedeterra

Bruna [email protected]

“Companheiro e com-panheira, essa terra é de primeira, boa de nós trabalhar.Já sentimos até derrota, mas a gente não importa, vamos ter que conquistar.Contra o capitalismo, va-mos firme e decidido, não deixar pra outra hora.É a força popular, levan-tando essa bandeira e construindo nossa história.Saio ou não saio, vai sair pra você ver. Esse nosso acampamento é do MST.Saio ou não saio, vai sair pra você ver. Esse nosso acampamento é do MST.”

É entoando essa canção sobre o MST (Movi-mento dos Trabalhado-

res Sem Terra), que 51 famílias levam o dia a dia no acam-pamento Nelson Mandela, localizado na estrada que leva à Anhumas, no Monte Branco, em Piracicaba. Há aproxima-damente dois meses no local, cedido por um vereador da cidade, os moradores ten-tam construir uma história,

Acampados “estruturam” moradias, plantam seus alimentos e organizam convivência comunitária

baseando-se na filosofia do movimento. São pessoas que possuem uma forte ligação com a terra e disto querem viver. Plantam e se alimentam daquilo que suas próprias mãos e o solo produzem.

O acampamento Nelson Mandela possui nove meses de existência. Martinho Oli-veira da Paixão, guia durante minha visita ao local, para re-portagem do Jornal de Classe, conta que tudo começou num terreno na região de Lavínia, em Piracicaba, onde foi insta-lado inicialmente. A ordem de reintegração de posse chegou em três meses e então, o acam-pamento partiu para outro espaço, no distrito de Tupi. Mais uma vez, um pedido de reintegração de posse fez com que fosse preciso encontrar outra área e o destino foi a área no Monte Branco.

A insegurança faz parte do cotidiano dos acampados, que estão sempre à espera de um lugar definitivo para se instalar, “chamar de lar, plantar e ser feliz”, como diz Paixão. Os acampados sabem que de uma hora para outra podem ser obrigados a irem embora de onde estão. Não há um amanhã decidido, porém, isso não tira o brilho

nos olhos quando se fala da palavra esperança. Eles são unânimes na certeza de que um dia terão um pedaço de chão para chamar de seu.

Paixão, por exemplo, par-ticipa há mais de 18 anos da luta pela terra empreendida pelo MST. Natural do estado da Bahia, ele está há 14 anos em Piracicaba. Junto com a esposa, vive num barraco de madeirite e lona. Em seu “quintal”, cultiva alimentos e está construindo um viveiro, que segundo ele, servirá para a criação de galinhas. É enfá-tico ao dizer que sua vida está na roça e que não sabe fazer outra coisa senão plantar. Também de orgulha do modo de vida coletivo implantado no acampamento. “Aqui é tudo decidido junto. É preciso ter essa união”, salienta.

O nome do acampamento foi decidido coletivamente, em agosto de 2013, antes da morte do homenageado, o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, morto em dezembro de 2013. O co-letivo também decide sobre a entrada de novos membros, e a entrada e permanência de novas familiar precisa ser aprovada por todos.

E são famílias como a de dona Selma Esteves do Nascimento. Aos 44 anos, ela está junto ao movimento desde seu início e os seus seis filhos a acompanham nessa trajetória. Selma conta que antes de aderir ao MST vi-veu na cidade, mas a vida no campo era uma opção à falta de recursos da cidade grande. Há 20 anos em Piracicaba, ela deixou o estado de Minas Gerais em busca de uma vida melhor, encontrou muitas dificuldades, mas garante que não perde a esperança de que um dia sua situação irá melhorar.

Apesar de ser um país considerado continental, o quinto maior do mun-do, com uma área total de 8.515.767 km², os conflitos relacionados à ocupação do espaço na zona rural do Brasil remonta o período colonial. As demandas entre grandes proprietários de terra, os chamados latifun-diários, e trabalhadores sem terra já provocaram inclusi-ve muitas mortes ao longo da história do país.

Uma das estratégias para buscar um uso mais racional da terra, tendo como princí-pio a coexistência sadia entre homem e terra, é a realização da Reforma Agrária. Segun-

Nova ordem judicial, nova mudançaLogo após a realização desta reportagem, os moradores do acampamento Nelson Mandela foram novamente removidos do local em que estavam instalados. A deso-cupação da área foi determi-nada a partir de uma liminar concedida pela Justiça aos proprietários da área, um grupo de 17 pessoas. Um dos representantes do gru-po informou que o vereador que autorizou o uso, ainda que provisoriamente, não é um dos proprietários. O pai do vereador é que seria um dos herdeiros. Desde que se instalou em Piracicaba, em agosto de 2013, os acam-pados já foram retirados de três áreas diferentes.

do dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em re-latório realizado até 30 de janeiro deste ano, partindo de dados coletados a anos anteriores a 1994 e até 2013, o país já desapropriou 881.197 km², ou mais de 125 milhões de campos de futebol, em áreas destinadas à Reforma Agrária. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o país possui mais de 3 mi-lhões de km² destinados à agricultura,.

O II Programa Nacional de Reforma Agrária, insti-tuído em 2003, prevê que a desapropriação de terra seja

feita seguindo preceitos de desenvolvimento econômi-co sustentável e compatível com a infraestrutura ofe-recida. O objetivo, além de assentar famílias é fomentar a produção agrícola é gerar trabalho e renda, contri-buindo para o crescimento do país. Segundo dados dos anos anteriores a 1994 e o levantamento mais completo, feito de 1995 a 2013, o Incra assentou ao menos 1.288.444 famílias em território na-cional. Só na região Sudeste foram 61.475, num espaço de 1.445.526 hectares. Neste período também foram mais de 30 milhões de decretos desapropriados.

Reforma agrária é desafio para o país

Insegurança e esperança no Nelson Mandela

A maior preocupação de dona Selma são os filhos: todos vão para a escola com o ônibus que passa pela es-trada. Os filhos mais velhos ou já terminaram ou aban-donaram os estudos. Uma de suas filhas, Janaína Esteves de Souza, de 18 anos, está grávida de nove meses e con-ta com Selma para ajudá-la. A filha primogênita, Greide Esteves de Souza, 26 anos, é vizinha da mãe.

O barraco de Greide, onde vive com o marido e os três filhos, é um dos mais organi-zados. Os cômodos são divi-didos entre o quarto do casal, uma cozinha e o quarto das crianças. No quintal, o mari-do de Greide cultiva rúcula, cebola, alface e coentro, e o casal ainda mantém galinhas

presas dentro de um viveiro. A esperança também ali-

menta e dá sentido à vida de Américo Roque de Miciano. Aos 54 anos, ele e a esposa Adriana vivem com cinco filhos num espaço aperta-do, mas bastante “ajeitado”, como ele mesmo diz. Micia-no construiu inclusive um banheiro e improvisou uma fiação elétrica para acender lâmpada dentro da casa à noite. A energia? Vem da bateria do seu carro e ali-menta a lâmpada através de fios instalados pelo próprio morador, pois os acampados não têm energia elétrica. Atualmente desempregado, já foi motorista de caminhão, mas agora faz bicos e planta.

Raul Pereira tem uma his-tória parecida. Fazia bicos até se juntar ao MST. Sua vida é plantar e ele não quer outra que não seja na roça. Pereira conta que passa horas traba-lhando com a inchada, para retirar o mato que teima em crescer em sua horta e na plantação de feijão. Pouco antes de minha visita ao acampamento ele havia aca-bado de construir um fogão à lenha improvisado. Aos 45 anos, se diz feliz por viver no local, apesar de toda a insta-bilidade e das dificuldades que enfrenta. “Aqui eu posso fazer o que amo”, afirma, referindo-se ao trato com a terra. A preocupação prin-cipal dele e de sua esposa, Maria Aparecida, na época da visita era com a chuva. “Se não chover vamos perder toda a plantação de feijão”, explicou.

Os acampados sentem na pele o preconceito das pessoas para com a vida que escolheram, porém, sabem que tem papel importante na cultura de alimentos, mas também sabem do grande poder dos latifundiários, a quem criticam: “Eles só que-rem saber de plantar cana. Cana não alimenta ninguém”, argumenta o lavrador Fran-cisco Barbosa.

Não há um só acampado que não sorria perante a ideia de conseguir sua própria terra. O coletivo do MST faz o possível para conquistar direitos, mas reconhece que é muito difícil conseguir avan-ços. Recentemente, consegui-ram que a prefeitura enviasse, duas vezes por semana, um caminhão-pipa de água ao local. Até então, consumiam água proveniente de um poço artesiano, o que estava cau-sando episódios de diarreia. Aos poucos, os esforços mos-tram resultados, mas todos sabem que a caminhada é longa, como canta Reinaldo Pereira da Silva, o artista oficial do acampamento: “Somos bem organizados, muito bem acompanhados. Homem, menina e mulher”.

Selma, 44, mora no barraco com seis filhos e se divide entre afazeres domésticos e o cultivo de alimentos

Fotos: Bruna PiresRaul Pereria capina em sua horta para manter a plantação de feijão em dia

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edição 02 • Agosto/2014 5Jornal Classede terra

Reportagem fotográfica mostra o cotidiano do acampamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) Nelson Mandela, implantado em Piracicaba a partir de ocupação em área no bairro Monte Branco, na zona rural da cidade. São imagens do cotidiano de 51 famílias, de homens, mulheres, jovens e crianças, que descrevem visualmente a vida desta pequena comunidade que luta dia a dia para buscar condições de sobreviver com dignidade. (Texto e fotos: Bruna Pires)

Acampamento retratoem

REPORTAGEM FOTOGRÁFICA

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edição 02 • Agosto/20146 Jornal Classedepolítica

Lucas [email protected]

Na madrugada do dia primeiro de abril de 1964, o Brasil assistiu

a um dos episódios mais tristes de sua história, o Golpe Mili-tar de 64. Os piracicabanos se informaram do fato principal-mente por meio da imprensa. Jornal de Piracicaba, O Diário de Piracicaba e a Folha de Pi-racicaba, cada um a seu modo, contaram esta história, e as di-ferenças de narrativa e enfoque chamam a atenção.

Poucos dias antes do Gol-pe, em sua edição de 25 de março de 1964, o Jornal de Piracicaba destacou em sua capa: “Santos fará hoje a passeata pela Liberdade”. A primeira frase da notícia constatava: “Espalha-se pelo Brasil o movimento de repul-sa as tendências esquerdizan-tes do governo federal”.

Em contrapartida, a Fo-lha de Piracicaba noticiou, no mesmo dia, aconteci-mentos políticos diversos. As manchetes do impresso foram: “Governadores vão estudar fortalecimento da democracia”; “Passeata da direita sairá na Guanabara” e “Presidente de associação terrorista pode ser preso”.

Para Cecílio Elias Netto, diretor da Folha de Piracica-ba no período, a justificativa para a discrepância é simples. “O Folha era o único jor-nal de resistência na época”. Elias Netto, que tinha apenas 21 anos, foi o jornalista da cidade que mais se expôs como opositor ao golpe. “Fui denunciado pela lei de segurança nacional”, conta. Na sua avaliação, a imprensa naquele momento, era con-trolada, de modo geral, por nomes influentes da cidade, como empresários, políticos e comerciantes. “Escolhi o meu lado para defender. Pa-guei um preço alto por isso. Redução de anunciantes e boicotes acarretaram poste-riormente no fechamento da Folha de Piracicaba”, afirma.

O noticiário político do dia 26, nos três jornais lo-cais, mostra a tendência de posicionamento. A Folha de Piracicaba traz como man-

chete mensagem enviada pelo governador do Estado de São Paulo, por telegrama, ao prefeito de Piracicaba: “Combate ao comunismo para a pacificação dos espíri-tos”. O Diário de Piracicaba, por sua vez, ‘manchetou’: “Presidente desistiu de as-sinar decreto”, notícia sobre decreto que garantiria abono emergencial ao funcionalis-mo civil e militar; enquanto o Jornal de Piracicaba relatou as últimas conquistas do XV de Piracicaba.

Adolpho Carlos Françoso Queiroz, professor dos cursos de jornalismo e publicidade e propaganda da Universida-de Presbiteriana Mackenzie, afirma que a Folha era o jor-nal mais preocupado com os acontecimentos políticos. “O Folha dava visão mais analítica e crítica aos fatos. Os demais jornais apoiaram o golpe com maior ou menor nível de enga-jamento”, explica. “Enquanto o jornalista Cecílio Elias Netto, diretor da Folha, foi preso no G-CAN em Campinas, os de-mais não quiseram se indispor com os acontecimentos de Brasília”, completa.

Mais próximo do golpe, no dia 29 de março, a revolta dos marinheiros ainda gerava alvoroço. João Goulart con-cedera anistia aos rebelados, o que gerou vários opositores ao então presidente. A notí-cia chegou até Piracicaba por meio do Diário e da Folha. No Diário, a manchete foi: “Crise na marinha: Almiran-tes protestam contra a anistia concedida aos rebelados”. “Anistia ao pessoal da mari-nha”, foi o título da Folha, que trazia em destaque, também na primeira página, notícias sobre a proeminente reali-zação da marcha da família com Deus pela liberdade em Piracicaba e sobre a mani-festação dos sorocabanos em favor da democracia.

No dia 31 de março, a di-ferença entre o que chegou aos leitores piracicabanos chama a atenção. Manchete do jornal Folha de Piracica-ba: “M.A.F organiza em Pi-racicaba a Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O assunto também foi tratado no Diário de Piracicaba na-quele dia: “Marcha da família com deus pela liberdade con-vida a população”.

Neste dia, o Jornal de Pi-racicaba também noticiou a Marcha da Família, mas o destaque da edição foi vol-tado para a desmoralização de Jango. “Violento pronun-ciamento do Presidente da república” foi o título da ma-téria que tratava de banquete realizado pelos militares, em homenagem a João Goulart. Na ocasião o presidente tra-tou de se solidarizar com os marinheiros revoltosos e afirmou, segundo a notícia, que nunca se viu tanta indis-ciplina no exercito.

Na opinião de Evaldo Vi-cente, diretor do jornal A Tribuna Piracicabana, jornal que ainda não circulava na época, as diferenças entre os periódicos são claras: a Folha tinha postura reacionária, o Diário progressista, e o Jornal de Piracicaba conservadora. “Os jornais representavam a fi-gura de seus diretores, Cecílio Elias Netto da Folha, Sebastião Ferraz do Diário e Fortuna-to Losso Netto do Jornal de Piracicaba”, explica. Vicente ressalta também que os três tinham plena consciência de que escreviam em defesa de Piracicaba. “Era o jornalismo comunitário implantado”.

Dia D Na manhã do golpe, os

impressos chegaram aos lei-tores com títulos fortes nas capas. “Minas Gerais assume

posição revolucionária: Mi-neiros não mais reconhecem Goulart como Presidente da república”; “Moura Andra-de: A gravidade da situação não afastará o Congresso de Brasília”; “JK distribuiu manifesto aos Brasileiros”; “Presidente da república faz pronunciamento ao país”, foram as principais notícias da Folha de Piracicaba. “Re-belião das forças militares se-diadas em Minas: Magalhães Pinto volta-se contra o Go-verno Federal”; “Reassumiu o título da pasta da guerra, general Jair Dantas Ribeiro”, foi o que noticiou o Diário de Piracicaba.

No primeiro de abril, o Jornal de Piracicaba também revelou o golpe para a popu-lação, mas o tom é diferente do registrado nos concorren-tes. Suas manchetes foram: “Magalhães Pinto proclama--se chefe do movimento de apoio à constituição”; “O II Exército também em defesa da Constituição”; “Calma a situação em São Paulo”; “A reação do governo federal.”

A edição do Jornal de Pi-racicaba no dia dois de abril destaca aos piracicabanos notícia sobre a ampliação do movimento contra Jango. “General Amaury Kruel, categórico: O II Exercito está contra o comunismo e a favor da lei”. E no dia seguinte as notícias mantiveram a mesma linha, registrando-se títulos como “Nome de Ma-rechal Dutra monopolizam preferências para completar mandato de João Goulart”; “Ademar Kruel exige expurgo de comunistas” e “Goulart teria deixado o país”.

Ao mesmo tempo, quase na mesma perspectiva, res-pectivamente nos dias 2 e 3, o Diário de Piracicaba desta-cou: “Cessadas as operações militares” e “A calma volta a reinar no país”.

Em contrapartida, a Folha de Piracicaba apresentou aos seus leitores, no mesmo pe-ríodo, notícias sobre o para-deiro de Jango, sobre Brizola e as posições do II Exército do Rio Grande do Sul, sobre o fechamento do jornal Ul-tima Hora de Recife, e sobre nomeações de ministros na ausência de Jango. O perió-dico também tratou de temas como a situação de dirigentes políticos que solicitaram formação de ministério apar-tidário e todas as agitações políticas que permeavam o Brasil nos primeiros dias em que se instalou a ditadura.

A tendência mais conser-vadora por parte do Jornal de Piracicaba é reafirmada pelo especialista em propaganda política Adolpho Queiroz, que é autor de pesquisa que analisou o comportamento do periódico em relação às elei-ções municipais de Piracicaba no período de 1966 a 1992. O estudo, segundo ele, mostra a mesma tendência. “O JP sempre teve posturas mais conservadoras em relação à sociedade que os demais con-correntes na cidade”, salienta.

A consulta aos arquivos dos jornais impressos da cidade é possível a todos os cidadãos e pode ser feita em vários acervos, públicos e particulares da cidade. Para a confecção desta repor-tagem, o Jornal de Classe consultou acervos e arqui-vos da Biblioteca Municipal de Piracicaba e do Centro Cultural Martha Watts. Na Biblioteca é possível encon-trar, em microfilme, as edi-ções do Jornal de Piracicaba e de O Diário de Piracicaba. No Martha Watts, podem ser lidos os exemplares do jornal Folha de Piracicaba e de O Diário de Piracicaba, dispo-níveis em brochura.

Jornais piracicabanos apresentam visões diferentes sobre início da ditadura militar no país

Impressõesdo Golpe

Acervo CCMW

Reprodução de páginas do Jornal de Piracicaba, Diário de Piracicaba e Folha de Piracicaba, de 1964, dão indicativos sobre a visão apresentada aos piracicabanos sobre o Golpe Militar

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edição 02 • Agosto/2014 7Jornal Classede política

Liliane Maracajá [email protected]

Jéssica [email protected]

Com a força da comu-nicação por meio das mídias sociais, milha-

res de pessoas, em diversas cidades do Brasil, foram às ruas em junho de 2013. A partir deste momento, o país vivenciou as maiores mani-festações da história desde o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello em 1992.

Em Piracicaba, as ma-nifestações começaram no dia 20 de junho de 2013, e aproximadamente 20 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento das tarifas de transporte público e pela revogação de aumento de 66% no salário dos vereadores. Com o início dos protestos, outras reivin-dicações surgiram em torno de temas diversos, como os gastos com a preparação para a Copa do Mundo, a corrup-ção, a necessidade de mais investimentos em saúde e educação, além das críticas à PEC 37, dispositivo legal que anula o poder de investigação do Ministério Público.

Os protestos permitiram a emergência de muitos gru-pos populares e movimentos sociais da cidade, entre os quais três se destacaram pela atuação no período e permanência após as ma-nifestações: o Reaja Piraci-caba, o Levante Popular da Juventude e o Pula Catraca. Apesar de possuírem formas de atuação e reivindicações diferentes, somaram forças para viabilizar os protestos de junho na cidade.

O Reaja Piracicaba surgiu em 2013 com o objetivo de promover o exercício da cidadania. De acordo com a ativista Sara Ceribelli, o movimento defende princí-pios ligados à transparência na gestão pública. “O Reaja Piracicaba é um movimento popular que luta pela partici-pação democrática na gestão dos recursos públicos com o intuito de promover o exer-cício da cidadania”, explica.

De acordo com Sara, o movimento se pauta pelos princípios do apartidaris-mo; pacifismo, pois defende sempre o diálogo; trans-versalidade, na perspectiva da pluralidade de temas e inclusão. Sara enfatiza que a participação no Reaja é aberta a todas as pessoas, in-dependente do gênero, etnia, função social, ideologia, pro-fissão, preferência política, religião ou classe social.

O grupo atua no embate com os órgãos públicos, a fim de ampliar a participação e controle social na gestão das políticas e recursos públicos. “Nos defendemos a constru-ção de uma cidade mais justa, igualitária e inclusiva, com a democracia participativa”, afirma Sara.

Sara explica que os pro-testos realizados pelo Reaja são planejados e debatidos coletivamente. “Os membros discutem em assembleia a necessidade de chamar a

vão às ruas em PiracicabaEstimulados pelos protestos de junho 2013, Reaja Piracicaba, Pula Catraca e Levante Popular da Juventude mobilizam população, que manifesta seu descontentamento e exige mudanças

atenção para determinada ação do poder público, discu-tir qual a ação a ser tomada e começar o processo de mobi-lização”. A partir daí inicia-se o processo de mobilização, que na atualidade é reforça-do pelas ações na internet. “Nossas mídias sociais são acionadas e sempre que pos-sível também programamos panfletagem, que serve para divulgar a data do evento e convidar as pessoas a parti-ciparem”.

JuventudeCom foco na política e na

ação dos jovens, outro movi-mento que teve atuação des-tacada em Piracicaba durante os protestos e se mantém atu-ante é o Levante Popular da Juventude, que atua em mais de 400 movimentos sociais e na luta por uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político.

Segundo Guilherme Gan-dolfi, ativista do Levante, os protestos são uma forma de luta, mas têm limitações. “Protestos são sempre um bom sinal, eu mesmo orga-nizei e participei de vários. As mudanças necessárias para o Brasil só vão aconte-

cer através da luta, é preciso ir para rua, mas só isso não basta. É preciso estudar a conjuntura, fazer trabalhos de base, convencer os outros de nossas pautas e estar sem-pre espertos com relação ao jogo político, sabendo que a direita não fica parada”.

O Levante atua dentro e fora das universidades. “Atu-amos em diversos lugares, dentro e fora das universida-des, no centro e na periferia e por quase todos os estados do Brasil. Em Piracicaba estamos no João Guido-ti, Avante, Esalq, Unimep, Casa do Hip-Hop e Colégio Técnico Industrial”, informa Guilherme.

E como em grande parte das cidades do país, em Pira-cicaba o transporte coletivo foi um dos temas que puxou a mobilização. Sob a liderança do movimento Pula Catraca, que defende redução das ta-rifas de ônibus e gratuidade para os estudantes, entre ou-tras medidas nesta área, mui-tas pessoas foram motivadas a participar dos atos públicos.

Eliane Macedo, ativista do Pula Catraca e Levante Popu-lar da Juventude, explica que

Movimentos popularesMovimentos populares

a participação dos jovens foi muito importante, pois eles puderam demonstrar suas opiniões e insatisfações com a política brasileira. “Acho que foi muito bom, pois o povo saiu às ruas, há muito tempo não se via a população lutando por seus direitos, e mesmo com a direita que-rendo desviar o foco dos protestos, o povo mostrou que apesar da maneira um pouco desorganizada é pos-sível conseguir vitórias”.

Ela também afirma que toda organização de protesto tem o propósito de apostar na transformação social e que ao impedir o acesso à Câmara de Vereadores – a mesa diretora do legislativo de Piracicaba impôs restri-ções e limitou o ingresso de pessoas durante as manifes-tações – a instituição agiu com censura e autoritaris-mo. “Tenho a opinião de que esse “comportamento inadequado” (acusação feita por parte dos vereadores aos manifestantes) é meramente moralista”, comenta.

Durante os protestos na cidade também aconteceram muitos atos de vandalismo,

como brigas, depredações, discussões com a polícia e furtos. Estes fatos, na visão de Eliane Macedo, não reti-ram ou diminuem o mérito das ações. “O vandalis-mo acontece diariamente e atinge uma camada muito grande da sociedade, o povo brasileiro sofre na pele as garras da opressão, o des-caso com a saúde pública, falta de moradia e educação. A mídia fará de tudo para queimar a imagem daqueles que lutam por seus direitos, pois não é interessante para eles que o povo esteja orga-nizado”, observa.

HistóriaA coordenadora de pro-

jetos de extensão do Nepep (Núcleo de Estudos e Progra-mas em Educação Popular) da Unimep, Márcia Apare-cida Vieira Lima, avalia que os movimentos populares não são um fenômeno novo e precisam ser vistos em um contexto histórico. “Os movimentos sociais sempre atuaram na sociedade. São os verdadeiros protagonistas da história. É muito comum só conhecermos os heróis, ou seja, àqueles que estiveram à frente destes movimentos, e isso não é por acaso”, afirma.

A educadora também res-salta a importância do caráter coletivo das ações. “Acredi-tarmos que a história é feita

por “iluminados” e não pela união de pessoas que quer ver a mudança é uma das for-mas de manter a sociedade nos mesmos moldes. Portan-to, este “modelo antigo” de ensino de história tem uma razão política de ser”.

De acordo com Márcia, os movimentos sociais são os principais responsáveis pelas mudanças e também pelas grandes conquistas históricas, principalmente das minorias, que acabam conseguindo fazer valer suas reivindicações. “Os movi-mentos sociais legítimos têm sempre cunho popular, pois representam interesses das classes populares, as que querem transformação social por reconhecer a situação injusta e indigna a que foram submetidos historicamente”, defende.

O sentido político de transformação social dos movimentos é reforçado por Márcia. “De um modo geral, os movimentos sociais assumem o protagonismo das transformações sociais ao reconhecerem a impossi-bilidade da neutralidade e ao afirmarem que ao conserva-dor interessa manter as coisas como estão. Portanto, comu-mente os movimentos sociais se assumem progressistas, no sentido de busca e luta pelas transformações sociais que considera necessária”.

Tiago Degaspari

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edição 02 • Agosto/20148 Jornal Classedeentrevista

Leon Botã[email protected]

Gabriela Ferraz [email protected]

Desenhar. O que não passa de uma ati-vidade corriqueira

para a maioria das crianças despertou um talento que virou profissional. Premiado em salões por todo o país – também em Piracicaba – Dalcio Machado, de 42 anos, fez trabalhos para a revista Veja, Folha de S. Paulo e é chargista do Correio Popular, de Campinas. Perto de com-pletar 30 anos de carreira, o artista avalia, em entrevista concedida momentos antes da abertura da 22ª. edição do Salão Universitário de Humor de Piracicaba, o papel social e político do humor gráfico. Fala sobre o trabalho dos chargistas e caricaturistas que atuaram na imprensa brasileira durante a Ditadura e discute as tendências da atividade diante das novas tecnologias de produção.

Neste ano o Brasil reme-mora 50 anos do Golpe Mi-litar de 1964. Qual foi a im-portância dos cartunistas na época da ditadura militar?

Para mim, eles são como heróis. São os caras em quem eu me inspirei, não só no desenho, mas na postura. Hoje eu trabalho em uma imprensa que é livre, faço praticamente o mesmo tra-balho que eles faziam na-quela época, só que vivemos em uma democracia. Se eu quiser falar do Lula, posso falar, claro que com critérios e embasamento. Há 30 anos, se eu fizesse algo assim, mes-mo com tudo embasado, eu poderia ir parar na cadeia. Então a coragem deles era muito grande. Se eu falar do governo hoje em dia, o máxi-mo que pode acontecer, caso eu faça algo muito errado, é receber um processo, mas naquela época eu poderia até ser morto. Eles eram heróis por isso, sabiam do risco, mas faziam esse trabalho e viviam o que falavam.

O humor gráfico publica-do na imprensa influencia a opinião pública?

Querendo ou não, somos formadores de opinião. Na-quela época, eram poucas as fontes de informação, o trabalho era todo censurado muitas vezes e ainda assim conseguiam passar men-sagens bacanas e o público aguardava ansiosamente por isso. Eles eram a voz dos leitores, só que a cara deles

é que ia a tapa. Acredito que mesmo com trabalho de formiguinha, eles têm parte na construção da de-mocracia que temos hoje. Eu sei que não vou mudar o mundo com o meu trabalho, mas minha ideia maior é mudar a mim mesmo. Se eu fizer uma crítica através de um desenho, preciso estar alinhado com aquilo. Meu amadurecimento veio com essa necessidade de mudan-ça. Não posso desenhar uma coisa que eu não sou.

Os cartunistas de hoje têm o papel de defender essa democracia conquistada?

É difícil ficar pensando nisso, “Hoje estou defenden-do a democracia”. A charge é uma coisa muito intuitiva, muito rápida, faço diaria-mente para o Correio. Minha primeira preocupação é me agradar, eu sou um sensor muito chato do meu próprio trabalho. Depois quero pren-der a atenção do leitor, quero que ele perca um tempo ali, seja rindo, refletindo, cho-rando e o leitor refletir sobre meu trabalho, se emocionar, já ganhei meu dia. Antes de mudar a sociedade, quero mudar a mim mesmo para ser uma pessoa melhor. E o trabalho é até rotineiro, eu leio dois jornais, entro na internet, e escolho qual assunto é mais forte. Anoto algumas ideias e escolho o que eu quero fazer, se será algo engraçado, reflexivo, ou

Nós chargistas, jornalistas, formadores de opinião, somos

observadores do cotidiano

Desenhosque ‘fazem’a cabeça

dos pontos positivos que eu via e outras vezes, quando acabavam pegando mais pesado nos protesto, eu não deixava de falar também.

O trabalho dos cartunis-tas mudou com o auxílio da tecnologia?

Mudou muito. Acho que teve uma mudança não só no meu trabalho, mas no da maioria dos cartunistas, não só no Brasil, mas no mundo todo. É uma ferramenta mui-to bacana, possibilita que os artistas consigam resultados que não obteriam com tinta. Uma pintura em aquarela de-morava dias para ficar pron-ta, uma caricatura dessas que se manda para salão. Concor-ri a vida inteira assim. Fazia uma caricatura pra concorrer em salão, de nível pra ganhar e ficava cinco dias pintando. No Photoshop é mais ou menos o mesmo processo, só que a tinta não seca, você não precisa refazer a tinta. Não corre o risco de esquecer a mistura de cores que usou se a tinta acabar. O Photoshop acabou possibilitando que eu conseguisse usar novas técnicas. Foi uma coisa mais democrática, porque muita

gente que queria desenhar coisas mais avançadas con-seguiu fazer.

Existe preconceito por parte dos artistas mais an-tigos em relação a isso?

Eu acho que sim, mas hoje em dia muita gente se vale dessa técnica. Os meus dese-nhos, por exemplo, são feitos 90% digitalmente. Acredito que o Photoshop é só mais uma técnica, como o pincel, como a tinta acrílica, todo mundo usa um pouquinho de cada. Geralmente eu faço o desenho no papel primeiro, passo para o computador e finalizo a pintura. Como meu trabalho é impresso em jornal, preciso de um dese-nho bonito publicado. Como obra de arte, ter o original é muito bacana. Eu gosto de dar uma parada de vez em quando e fazer desenhos só com tinta, não ligo nada na tomada. Mas geralmente é algum trabalho pessoal ou pra mandar para salões.

Como começou sua car-reira, como você descobriu seu talento?

Eu morava em uma fazen-da e meu pai era treinador de cavalo de corrida. Eu cresci e morei lá até os 21 anos. Então tinha muitos bichos, referências demais. Eu ado-rava aquele ambiente e desde criança tentava fazer o retrato daquilo. Eu tinha facilidade pra desenhar e tentava fazer aquilo igualzinho, mas sem-pre acabava distorcendo sem querer, não conseguia fazer direito. Uma perna ficava mais fina, o pescoço ficava mais grosso e aí sem querer eu estava fazendo caricatura. Era uma coisa que eu gostava de ficar fazendo e eu nem sabia o nome daquilo. Na escola também comecei a

fazer caricatura da moleca-da e meio que surgiu assim. Depois, foram os livros didá-ticos com as ilustrações que me chamaram a atenção. Eu olhava aquilo e não ligava para a matemática que tava lá, mas para a ilustração. Foi uma coisa muito rápida, eu saquei que eu queria fazer aquilo cedo.

E como começou a atua-ção profissional?

Meu primeiro trabalho profissional, que é quando começo a contar minha car-reira, foi com treze anos. Foi em um jornal de sindicato em Campinas. Publiquei duas charges, ganhei meu primeiro dinheiro e comprei uma caneta de nanquim, pois eu não tinha grana, era bem pobre. Na época até pensei: “Pô, os caras ainda me pagam pra fazer isso”. E aí eu entrei no Correio Popular, de Cam-pinas, com dezesseis anos.

Em que veículos você já trabalhou, além do Correio?

Foram vários. Lá em Cam-pinas, no Correio, no Diário [Diário do Povo], que são os dois maiores jornais. Para a revista Veja trabalhei uns treze anos mais ou menos, fazia caricaturas, charges e capas. Parei o ano passado para me dedicar aos livros infantis, que agora eu estou publicando também, como autor. Antes eu ilustrava li-vro para outros autores, mas sempre escrevi como hobby. Há vinte anos escrevo como hobby e guardei muita coisa. E em 2012 decidi que aquilo teria que ser publicado, não podia largar na gaveta. Fui atrás de editoras e escolhi a Companhia das Letras. Eles gostaram do primeiro proje-to e agora estou me dedican-do ao livro infantil.

Artista gráfico com quase 30 anos de profissão, Dalcio Machado fala sobre o papel das charges e caricaturas na imprensa brasileira

até um besteirol. Gosto de variar para não ficar repeti-tivo. Minha ideia é sempre me divertir fazendo meu trabalho e mesmo depois de 30 anos fazendo isso, tem dia que eu faço alguma coisa e dou risada sozinho.

Como você avalia as ma-nifestações de 2013 no Bra-sil e o papel dos cartunistas diante destes eventos?

Aquilo teve uma impor-tância absurda, era uma coisa quase que inédita. As ma-nifestações tiveram pontos negativos e positivos. Mas acho que o saldo foi muito positivo pra acordar o povo. As pessoas viram que não têm que ficar dentro de casa só reclamando, podem sair à rua. Às vezes a gente esquece que tem esse poder. Mas aí tem essa questão da violên-cia, e quando partem para a violência perdem todo o argumento. Eu deixei isso bem claro em várias charges. Nós chargistas, jornalistas, formadores de opinião, so-mos observadores do coti-diano. Gosto de ver tudo de fora para poder ter a minha própria opinião a respeito daquilo. Fiz charges falando

Caro

lina

Figu

eria

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edição 02 • Agosto/2014 9Jornal Classede cultura

Aline [email protected]

A música, como toda forma de arte, pode transformar a vida

daqueles que têm contato com ela, seja como ouvintes ou como criadores. E quan-do esse contato começa já na juventude, abre diversos caminhos e possibilidades para a construção de uma so-ciedade melhor. Pelo menos isso é o que pensam maestros e jovens que trabalham com a música popular e erudita em Piracicaba.

A Orquestra Filarmônica Jovem de Piracicaba, que foi criada em 2010, é um exemplo dessa situação. Ca-pacitando jovens com idades entre 15 e 29 anos, possui por volta de 130 alunos, que integram suas atividades durante 6 anos em média. “Neste tempo, eles aprendem o repertório do instrumento escolhido, repertório de câ-mara e orquestral e a teoria, que os prepara para ingressar em qualquer faculdade de música”, explica Anderson de Oliveira, maestro da Fi-larmônica Jovem.

A ação envolve a apren-dizagem da música, mas vai além desta questão técnica, pois inclui mudanças de comportamento e o estímu-lo para o aprimoramento dos participantes em todos os aspectos do seu cotidia-no. “Além do aprendizado do respeito ao professor e comprometimento com as atividades e as aulas, eles também lidam com a respon-sabilidade de participar das apresentações com empenho, sabendo que fazer música é um prazer, mas requer tanta responsabilidade quanto qualquer outra atividade”, explica o maestro Oliveira.

Ao serem indicados para ingressar no projeto, em 2003, os gêmeos Gabriel e Gesiel Portella, de 19 anos, sabiam que sua formação viria da música. “Desde pe-quenos nós já gostávamos da música erudita. Além de agradável e bem construída, poder tocá-la traz uma sensa-ção muito boa e gratificante”, conta Gesiel.

O violino foi o instrumen-

Jovens Erudita ou popular, música transforma vidas e cria alternativas de futuro

to escolhido pelos irmãos, que tocam juntos desde os 14 anos de idade. Após pas-sarem por uma iniciação, os dois buscaram a Filarmônica para ampliar seu conheci-mento musical. “Além de aprendermos toda a técnica envolvida, ser regido por um maestro que nos cobra e incentiva a estudar cada vez mais nos ajuda a crescer”, completa Gabriel.

E esta perspectiva de de-dicação e aprendizado não se restringe à música erudi-ta. Atuando em outra área musical, identificada mais com o repertório popular, o Água de Vintém constrói sua carreira a partir de histórias muito parecidas. O grupo de choro se formou há qua-tro anos, graças ao desejo comum de dois músicos do Conservatório de Tatuí – um dos conservatórios de maior renome do país – Vitor Casa-grande e Guilherme Soares, na época com 17 e 26 anos, respectivamente. Hoje, o Água de Vintém é formado por cinco integrantes: Vi-tor Casagrande (bandolim), Guilherme Soares (violão sete cordas), Paula Borghi (violão), Xeina Barros (pan-deiro) e Saulo Ligo (cavaco).

Mesmo com uma trajetória ainda de poucos anos, o Água de Vintém já é reconhecido

“O Vitor sempre foi um aluno muito talento-so. Ele é um exemplo de disciplina e de dedica-ção ao trabalho que faz”, comenta Regina Gomes – idealizadora do projeto Som Maior – referindo-se a Vitor Casagrande. Mú-sico desde os doze anos de idade, encantado pelo choro e pelo bandolim, o jovem abre cada vez mais caminhos para uma car-reira de sucesso.

O incentivo para come-çar veio de ninguém me-nos que sua avó, Francisca de Aguiar Casagrande, a dona Chica. “Foi ela que deu o pontapé inicial, comprou um cavaquinho para mim e me colocou na aula. A partir daí eu não parei mais, fui toman-do cada vez mais gosto”, lembra Casagrande. E é em homenagem a ela – e a seu cafezinho servido

Café da Dona Chica

como o único grupo de choro jovem já consolidado no mer-cado. Casagrande acredita que a busca pelo estilo por jovens que querem se profis-sionalizar é a mesmo que a do passado. “A quantidade de jovens que conhece e busca o choro vai existir de qualquer maneira, porque eles rece-bem essa influência em seu círculo social. O que é difícil é a formação do público, de pessoas que conheçam a mú-sica e apreciam os grupos. Se tivéssemos um público maior, naturalmente teríamos mais músicos”, afirma.

EstruturaA formação de músicos

entre os jovens depende também de iniciativas do poder público e de outras instituições sociais e em-presas. A oportunidade de se tornar um músico profis-sional quase sempre é bem aproveitada por aqueles que têm esta chance. E a atuação da Guarda Mirim de Piraci-caba, parte do Grupo Formar, que mantém uma banda com adolescentes e jovens, é exemplo disso.

O maestro responsável pela banda, Marco Antônio Abreu – que durante muito tempo estudou saxofone no grupo – é entusiasta do po-tencial da música na vida do

jovem. “Ingressei na Guar-da Mirim com 13 anos, e desde então a música tem importância imensurável em minha vida. A formação como indivíduo, a percepção da sociedade, a disciplina, e toda uma forma de lidar com as diferenças, vêm do que se aprende durante as aulas”, conta Abreu. Ele explica que como maestro procura trans-mitir esses mesmos valores aos seus alunos.

A principal característica do projeto não é profissio-nalizar, e sim mudar qua-dros sociais. “O preparo que oferecemos é no sentido de formar cidadãos cônscios de sua capacidade cultural. Se essa formação os levar à profissionalização, é um bô-nus altamente gratificante”, explica o coordenador de Projetos Culturais do Institu-to Formar, Maurício Ribeiro. “A importância de projetos como o Formar, que trabalha há mais de quarenta anos, é fomentar a arte com a prática gratuita de um instrumento”, finaliza Abreu.

talentos

durante os ensaios – que o grupo nomeou seu primei-ro álbum de “Café da Dona Chica”. A escolha homena-geia e marca para sempre a importância do estímulo inicial recebido pelo neto à história do Água.

O primeiro salto mais significativo na carreira de Casagrande ocorreu aos 17 anos de idade, quando foi selecionado para ingresso no Conservatório de Ta-tuí. E o desempenho foi sempre positivo, segundo ele, graças à dedicação constante e à paixão pela música. “Eu ia bem porque quando você gosta muito de uma coisa, quando apa-rece alguma dificuldade, ela não é encarada como um fardo, mas como um desafio. Eu tinha prazer em estudar as coisas que eram difíceis”, explica.

Hoje, além do Água de Vintém, Casagrande se dedica a uma licenciatu-ra em música na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos). O objetivo é ganhar direcionamento profissional e ampliar o repertório nas áreas de criação e musicalização infantil. Com isso, espera contribuir também para estimular outros jovens que queiram seguir o ca-minho da música, desde que estejam dispostos e se dedicar, pois na sua opi-nião o esforço individual é indispensável. “O estudo musical depende muito e, principalmente, da dedi-cação individual”, ressalta.

Os irmãos Gabriel e Gesiel Portella: paixão pela música desde a infância

Maestro Anderson de Oliveira regendo a Orquestra Filarmônica Jovem (acima); Vitor Casagrande (direita)

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edição 02 • Agosto/201410 Jornal Classedecomportamento

Clara [email protected]

“Eles vêm por trás, tentam encostar em você, falam

alguma coisa e as vezes até sussurram no ouvido. Então você precisa dar uma cotove-lada, encarar feio, pisar no pé, pra ver se eles se tocam e se afastam. E sempre tem uma desculpa: é porque tá muito cheio, tá apinhado de gente, não dá pra se locomover”.

O relato é da podóloga Márcia Maria Bourbom Nas-cimento, que afirma já ter sido assediada “aos montes” no transporte público, prin-cipalmente quando morava no ABC Paulista.

“Nas próprias estações de trem tem policiais. Eles veem isso, mas não fazem nada. Sempre eram os mesmos asse-diadores, e eles se aproveitavam da situação e ‘encoxavam’ você. Só que ninguém fala nada, não é? Você tem que tomar uma postura. A gente que é mulher precisa se resolver ali, porque as autoridades não fazem nada”, lamenta Márcia, que atualmen-te reside em Piracicaba.

“Isso aí é toda hora, né?”, responde a funcionária pú-blica E.S.P. (que prefere não se identificar), quando ques-tionada se já recebeu abor-dagens de cunho sexual. “Já cheguei a presenciar um homem que falava besteiras todos os dias para mim e minhas amigas na avenida 31 de março. Um dia, ele se escondeu atrás de uns pés de goiaba, tirou a roupa e ficou se exibindo”, conta.

As histórias são muitas e ilustram uma realidade refletida também em dados oficiais sobre crimes contra as mulheres. As estatísticas apontam que, no ano passado, no estado de São Paulo, ocor-reram 414 casos de estupro consumado e 40 de tentativa de estupro. Crimes contra a

dignidade sexual atingiram 38 casos, enquanto constrangi-mento ilegal chegou a 167. Em Piracicaba, foram registrados 18 estupros e três tentativas, de autoria conhecida e desco-nhecida, além de seis casos de ato obsceno.

No primeiro trimestre de 2014, a cidade teve quatro estupros consumados contra 133 no estado, e uma tentativa contra sete. Os crimes contra a dignidade sexual chegaram a 14 e de constrangimento ilegal, 63. Os dados também incluem três atos obscenos.

CulpaOs dados são alarmantes,

mas não sensibilizam a todos e na visão de muitas pessoas as situações são até toleráveis, como revela pesquisa divul-gada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que provocou intenso debate sobre o assunto na mídia. Realizado entre maio e junho de 2013, com 3.810 pessoas de 212 cidades, o levantamento apontou que a violência con-tra a mulher é tolerada e até mesmo incentivada, e que ela é vista muitas vezes como um objeto sexual.

Dos entrevistados, 34,6% afirmaram concordar total-mente que existem mulheres para casar e mulheres so-mente para levar para a cama. Para 26%, mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas sexu-almente, e 58,5% concordam, total ou parcialmente, que se as mulheres soubessem se com-portar haveria menos estupros.

Para a psicóloga Mariana Negri, o fato da sociedade

responsabilizar a vítima pelo assédio sexual é herança da história feminina, na qual a mulher sempre ocupou lu-gar de passividade. Por isso é comum que as vítimas se sintam culpadas pelo abuso que sofreram, como se pu-dessem ter evitado isso, caso “ocupassem seu lugar” de submissão.

“O sentimento de culpa, sentido pela maioria das víti-mas, ocorre como uma reação adaptativa ao evento estres-

Allan Prado

Mulheres sofrem com desrespeito, assédio sexual e abusos em espaços públicos

sante. Ela pensa: ‘porque eu coloquei essa roupa e não outra?’ ou ‘eu não deveria ter vindo por esse caminho e sim por aquele que estou mais acostumada’”, explica Mariana.

A merendeira Camila Bor-ges conta que foi exatamen-te o que sentiu quando foi abordada por um homem, aos 17 anos, que lhe disse que gostaria de levá-la para o motel e observa-la tomando banho. “Fiquei apavorada, e muito constrangida. Na hora,

só consegui dizer não e sair correndo”, lembra.

O grave é que os números podem ser bem maiores do que apontam as estatísticas. Segundo a delegada Monali-sa Fernandes dos Santos, da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Piracicaba, as vítimas ainda relutam em denunciar os crimes, seja por medo, vergonha ou certeza de que não será feita justiça.

“Muitas vezes a vítima vem aqui e faz o BO (Boletim de Ocorrência) contra o agressor, isso vai para o Fórum, e ela vê que ele não ficou preso. Sain-do daqui, ela diz para outras pessoas que não adianta de-nunciar. Ela se sente insegura, pois amanhã o agressor pode voltar a fazer a mesma coisa, ele não vai ser segregado e retirado do círculo social”, afirma. Ela admite ainda que penas leves e a falta de um tipo penal para categorizar o assédio nas ruas desencoraja as vítimas e aumenta a sensa-ção de impotência.

Mas, a denúncia pode resultar em consequências, como ocorreu com Ales-sandra [nome fictício], que ao contrário de muitas mu-lheres, não se calou. Após presenciar um homem pra-ticando atos obscenos diri-gidos a ela, denunciou o fato à polícia, que rapidamente tomou providências e deteve o responsável pelo crime. O caso, entretanto, representa uma exceção, pois a maioria das vítimas não sabe nem como proceder.

“Para fazer a denúncia, ela pode passar somente as características do agressor, e

incomodam‘Cantadas’ que

Apesar de não ser com-pleta, a legislação penal existente no país permite enquadrar a maioria das situações de abuso sexual contra as mulheres, como explica a delegada Monalisa Fernandes dos Santos. Os assédios sofridos nos espa-ços públicos podem confi-gurar importunação ofensi-va ao pudor, perturbação da tranquilidade, ato obsceno, tentativa de estupro e estu-pro consumado.

O ato de “encoxar” no transporte coletivo, por exemplo, representa impor-tunação ofensiva ao pudor, prevista no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, e prevê pena e multa para atos ocorridos em lugares públi-cos ou acessíveis ao público.

O artigo 65 da mesma Lei configura a perturbação da tranquilidade, que consiste em molestar alguém ou

dizer-lhe coisas ofensivas. “Poderia até ser um elo-gio, mas dá pra ver que a pessoa já tem a intenção de uma prática sexual”, explica Monalisa. A pena é de 15 dias a dois meses de prisão ou multa.

O ato obsceno se enqua-dra no artigo 233 do Código Penal e ocorre quando, por exemplo, a pessoa expõe os órgãos genitais em espaço público, sob pena de deten-ção de três meses a um ano ou multa.

Estupro é o crime mais grave. Enquadrado no arti-go 213, consiste em forçar a relação sexual com alguém, mediante violência ou ameaça. A pena é a reclusão de seis a 10 anos. No caso da tentativa de estupro, o criminoso inicia os atos se-xuais, mas não concretiza, e a pena nesse caso é diminu-ída para um terço.

Legislação penal prevê punições

nós vamos buscar imagens para identificar. Temos como investigar, através de passa-gens, álbum de imagens. O agressor pode ser punido”, enfatiza a delegada Monalisa. Ela completa: “A punição é leve, mas a lei determina que mais de uma já não é mais réu primário. Se em menos de cinco anos o agressor tem vários processos pelo mesmo motivo, o juiz deve considerar isso na hora de aplicar a pena”.

Monalisa acredita que uma mudança nas leis também incentivaria as mulheres a denunciarem. “Se está acon-tecendo muito e a mídia está chamando a atenção para isso, seria conveniente criar um tipo penal para ter uma punição mais pesada”.

LutaA internet tem sido parcei-

ra das mulheres na luta con-tra todos os tipos de abusos e crimes sexuais e no estímulo às denúncias. A campanha Chega de Fiu Fiu, encabeça-da pelo site thinkolga.com, é exemplo e tem como in-tenção lutar principalmente contra o assédio sexual em espaços públicos.

“Quando transformamos em coisa rotineira o fato da mulher não ter espaços pri-vados, nem mesmo serem donas do seu próprio corpo, incentivamos a violência. E isso não é normal. Temos o direito de andar na rua sem sermos intimidadas”, registra a descrição no site, criado pela jornalista Juliana de Faria e pela socióloga Bárbara Castro.

Nos últimos meses, a cam-panha lançou uma plataforma online de mapeamento dos casos de violência contra a mulher. A intenção é reunir depoimentos de vítimas de assédio e organizar um banco de dados para identificar as cidades brasileiras onde mais ocorrem casos. Qualquer pes-soa pode dar seu depoimento.

O site cantadaderua.com.br também está reunindo da-dos a respeito de casos de as-sédio. Criado em novembro de 2012, tem o propósito de investigar como as mulheres se sentem quando são abor-dadas em espaços públicos por homens desconhecidos. “Percebia que algumas mu-lheres reclamavam bastante, outras diziam que gostavam, enquanto os homens em ge-ral minimizavam o assunto”, afirma Åsa Dahlström Heu-ser, criadora da plataforma.

Com o tempo, porém, o site passou a receber não só relatos de cantadas, mas de todos os tipos de abuso, o que surpreendeu Åsa. O anoni-mato e a acolhida de outras pessoas que passaram pelas mesmas situações fizeram com que a página contabili-zasse, em pouco tempo, mais de mil depoimentos.

Após um ano e meio de site, Åsa avalia positivamente a iniciativa. “Já recebi relatos de mulheres que depois de le-rem depoimentos na página criaram coragem para rea-gir, porque perceberam que não eram elas que estavam erradas. Várias disseram que nunca gostaram disso, mas que sempre ouviram que elas é que eram ‘frescas’”.

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edição 02 • Agosto/2014 11Jornal Classede comportamento

Karen [email protected]

O avanço das tecno-logias de comparti-lhamento de fotos e

vídeos têm criado situações dramáticas para jovens e adolescentes. Os registros de garotas que fotografam seus corpos em situação íntima, ou até mesmo tendo rela-ções sexuais, enviam para o namorado ou amigo e pos-teriormente são expostas na internet, cresce a cada dia e as consequências na maioria dos casos são graves.

A situação não é recente, mas vem tendo repercus-sões cada vez maiores com o avanço do uso do aplica-tivo “Whatsapp” entre os adolescentes. Com a nova ferramenta, aumenta a ve-locidade de disseminação das imagens na rede.

Em 2005, Talita (nome fictício) conversava com um amigo pelo MSN através da webcam de seu computador. Depois de alguns minutos de conversa, o garoto a convenceu de mostrar seus seios e partes íntimas no vídeo, tirou “printscreen” da conversa e enviou para os amigos.

A menina tinha somente 11 anos quando isso acon-teceu e até hoje lamenta. “Eu não sabia o que estava acontecendo, as pessoas na escola me olhavam estranho, riam, apontavam. Quando me contaram, eu não pude acreditar. Fiquei em estado de choque. Foi horrível, me senti envergonhada, ridícula.”

Como sempre teve óti-mo desempenho na escola, a situação surpreendeu e chocou sua família. “Meus pais choraram muito, eles são bem conhecidos por causa da nossa Igreja e eu era muito nova. Acabou criando toda uma imagem de perversidade que eles não esperavam da minha parte e ainda queimando bastante a imagem deles na comunidade”, conta.

Recentemente, Renata (nome fictício), 19, enviou fotos suas de lingerie e ou-tras mais íntimas para um namorado. Assim que o na-moro terminou, as imagens começaram a serem com-partilhadas pelo aplicativo “Whatsapp”. Além disso, foi criada uma conta no “Ins-tagram” com as fotos. “Era o meu corpo, minha intimi-dade que em pouquíssimo

tempo estava nas mãos da cidade toda”, lembra.

Para tentar minimiza o prejuízo, Renata agiu rapi-damente. Procurou a Dele-gacia de Polícia mais próxi-ma de sua casa e registrou um boletim de ocorrência contra o ex-namorado. Ela explica: “Foi a medida que encontrei para me proteger, agora estou dando continui-dade ao processo”.

Intimidade

Iamaris [email protected]

Isabella [email protected]

O voto aos 16 anos foi uma conquista do movimento estudan-

til incorporada à Constitui-ção Federal de 1988. Trata-se, entretanto, de um voto que não é obrigatório para os eleitores desta faixa de idade e a participação dos jovens nos processos políticos ainda divide opiniões. Muitos se sentem motivados pela possi-bilidade, mas outro tanto não acredita na política e prefere não exercer o direito.

Para o estudante de econo-mia Adolfo Moraes o desin-teresse pela política não é só dos jovens, mais sim da so-ciedade em geral. “É comum associarmos a política a algo ruim, o que faz com que as pessoas desacreditem ainda mais do sistema. Não serei hipócrita a ponto de dizer que a política se encontra as mil maravilhas, porém acre-dito numa visão otimista, não utópica, mas uma visão real, de uma política justa e com possibilidade de avanço”, diz.

A análise é compartilhada pelo estudante João Victor Teixeira. Ele acredita que uma minoria de pessoas re-almente se interessa e atribui

Participação política e voto dividem opinião entre os jovenso fato ao comportamento dos políticos. “A nossa juventude ficou ao longo do tempo de-sacreditada devido há alguns fatos no cenário nacional en-volvendo políticos”, afirma.

O jovem, entretanto, en-tende que é preciso mudar este quadro e cita as manifes-tações populares do ano pas-sado, em todo o país, como um sinal de mudança. “Pre-cisamos resgatar essa parti-cipação, penso que isso vem sendo mudado. Ano passado tive-mos uma prova de que a juventude realmente está voltando à ativa, como vimos nas manifestações de julho”, salienta.

O conformis-mo é compreen-dido por alguns dos jovens como um dos motivos para o desinte-resse. “Ultimamente, vi mais jovens se interessando, mas ainda não é o bastante. Acre-dito que é por que eles não veem nenhuma melhoria, nenhum avanço, ou já se con-formaram com a situação em que vivemos”, diz a estudante de publicidade e propaganda Amanda Paes.

O desinteresse faz inclu-sive com que muitos jovens eleitores olhem para a polí-

tica de forma burocrática. A postura da estudante Camila Jhenifer dos Santos, mostra esta situação, pois ela deixa claro que o seu interesse se resume em saber os dias de votação, “Não me interesso, só procuro ficar informada quanto às datas de votação, para não ter problemas de-pois com o meu título”, conta.

ResgatePara o especialista em ci-

ências políticas Silvio Marcelo Britto, é fundamental os jovens deixarem o atual estado de “alienação política” e vota-rem com consciência. “Se a juventude se interessar pela vida política do país, podemos avançar cada vez mais em uma nação soberana e forte, sem tirania e tiranos”, opina.

E apesar de ser cada vez mais raro encontrar “eleitores conscientes”, existem também muitos jovens interessados em política, caso do estudante Daniel de Souza. “A política é a

essência de nossas vidas, pois é através dela que tudo acontece em nosso dia a dia, sem ela ficamos presos em nossas deci-sões. A política tem o controle de tudo”, argumenta.

O estudante Adolfo Moraes concorda. “O voto para mim é de extrema importância, pois se trata da ferramenta mais eficaz para exercermos nosso direito de cidadão e termos possibilidade de viver em uma sociedade democrática e justa”, enfatiza. Em sua opinião, “o voto muda a realidade do país, pode melhorar ou piorar a si-tuação, a única diferença é que essa decisão parte do povo”.

Outro aspecto que divide opiniões é o voto obrigatório.

Contrário à obriga-toriedade, o es-

tudante Moraes argumenta que a imposição ge r a i r re s -ponsabilidade daqueles que exercem esse

direito. Aman-da pensa pareci-

do e acredita que esta não é a melhor

solução. “O que pre-cisamos mesmo é pessoas interessadas. Obrigar uma pessoa a votar sem ela ter interesse algum, não adianta em nada”, argumenta.

Na opinião do estudante João Victor, entretanto, a população ainda não está consciente o suficiente para o fim da obrigatoriedade. “Penso que a nossa demo-cracia é muito recente e que a população ainda não está preparada”, defende.

Ademir Lima, especia-lista em ciências políticas, observa que com ou sem obrigatoriedade de voto, o importante é a politização dos jovens. “O jovem é o futuro do país, quando ele se interessa, o voto passa a ser consciente. O país só tem a ganhar, eu espero que eles possam entender que anular o voto não mudará em nada a nossa realidade”, completa.

exposta

Para essas jovens e adoles-centes que têm suas imagens expostas na internet, a pior parte é enfrentar a família: “Ver seus pais te olharem diferente, magoados, de-cepcionados, não há fofoca que supere essa rejeição”, diz Renata .Ela desabafa: “O problema dessas pessoas que compartilham as fotos de outras é que elas não têm consciência que este

tipo de material perpetua o sofrimento de outra pessoa e que as consequências são irreparáveis”.

Segundo a psicóloga May-ne Beraldo, a vaidade e a ca-rência afetiva estariam entre os motivos que explicam o comportamento das meninas que se expõem. “Vivemos buscando um reforço social e gestos de afeto que inten-sificam a nossa autoestima e nos fazem sentir bem. Muitas pessoas acabam utilizando essas fotos íntimas para obter um elogio, um reconheci-mento, uma aproximação e até mesmo um ganho maior de afetividade”, explica.

O que as vítimas não ima-ginam é que o custo desses elogios vá ser tão alto. . “Após os fatos, a garota acaba se ar-rependendo, se sente enver-gonhada e entra em tristeza profunda, causando até uma depressão”, diz a psicóloga. Ela ressalta que em virtude do alcance psicológico da situação, o apoio dos pais é fundamental para a supera-ção do incidente.

Além do aspecto psicoló-gico, existe o legal. Segundo a Delegada de Polícia da Delegacia da Mulher de Limeira, Andrea Rachid Arnosti, quando alguém publica uma imagem ínti-ma de outra pessoa, ou até mesmo compartilha com terceiros, comete crime

cibernético. O delito está tipificado no artigo 154-A da Lei 12.737/2012, que tra-ta especificamente do tema.

A delegada lembra que a Lei Maria da Penha também protege a mulher contra os crimes na internet: “Essa lei foi criada para proteger con-tra qualquer lesão, física ou moral, que afete a integridade da mulher”.

A punição para quem co-mete este tipo de crime é de seis meses a dois anos de prisão e, em casos me-nos graves, de multa. Mas, para que a punição ocorra, é fundamental que as vítimas registrem os fatos em boletim de ocorrência, o que pode ser feito em qualquer dele-gacia. Andrea recomenda que, sempre que possível, a vítima deve recorrer a uma Delegacia da Mulher.

Em março deste ano, o mo-vimento feminista Marcha das Vadias postou na internet um vídeo com uma mensa-gem de conscientização que tem tido grande repercussão. A gravação mostra um casal registrando cenas de ato se-xual, até que a mulher pega a câmera e diz: “Você pensou que fosse mais uma garota caindo na net, mas não”. Em seguida, conclui: “este vídeo é para você compartilhar por-que concordei com ele, mas outras meninas são vítimas desse crime”.

Iamaris Malvestiti

Para o estudante Daniel de

Souza, a política é essencial

Amanda: o voto sem

interesse, não acrescenta nada

Cresce o número de casos

envolvendo o compar-

tilhamento de fotos e vídeos de

garotas nuas ou fazendo

sexo

Isabella Uliani

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Karen Costa

Page 12: Jornal de Classe Edição 02 - Agosto de 2014

edição 02 • Agosto/201412 Jornal Classedeinformação

Evandro [email protected]

As mídias sociais são cada vez mais fontes de informa-ção para muitas

pessoas. Pesquisas da área de comunicação mostram que o público está usando a cada dia mais esse meio para rece-ber notícias e compartilhá-las com amigos e parentes. Esta foi uma das teses principais apresentadas durante a Aula Magna do Curso de Jorna-lismo da Unimep 2014, que teve como tema “Jornalismo, mídias sociais e as novas gerações”. O palestrante foi o jornalista professor norte--americano Stephen C. Coon, que permaneceu na Unimep durante o primeiro semestre deste ano, atuando como docente visitante.

Professor emérito da Gre-enlace School of Journalism and Comunication, na Iowa State Univesity, e especialis-ta em mídias sociais e pro-dução em rádio e televisão, Coon enfatizou a urgência dos cursos de comunicação, principalmente de jorna-lismo, de aprofundarem o debate sobre os impactos destas novas mídias perante a atividade jornalística. “A mudança é inevitável. Todos os momentos de cada gera-ção são breves. Ficaremos conectados ou via internet ou alguma forma dela por muito tempo”, destacou.

Coon salientou ainda as constantes transformações

Mídias sociais

Em aula magna na Unimep, Stephen C. Coon avalia produção da notícia e comportamento das novas gerações de leitores

que ocorrem na sociedade, de tempos em tempos, e que a juventude está cada vez mais ‘antenada’ com as novas tendências. “A tecnologia vai mudar. Por exemplo, pode-remos usar o Google Glass para tirar fotos, criar vídeos e ficar online. Nós vamos ter mais inovação semelhante o tempo todo. A maneira na qual vamos usá-la mudará. O conteúdo disponível em rede vai mudar e os hábitos dos consumidores vão mudar também”, reforçou.

Com a crescente evolução tecnológica, muitos jornalis-tas apostam no fim do jornal impresso, o que é rechaçado pelo especialista, que acredi-ta, isso sim, na possibilidade de uma diminuição na tiragem desse modelo de mídia. “Não acredito nisso. A circulação de muitos jornais e revistas impressos tem caído, claro, e mais leitores estão migrando aos sites dessas publicações. Contudo, haverá jornais im-pressos por muitos anos. Porém, talvez, em números reduzidos”, disse.

Para Coon, tanto nos EUA quanto no Brasil, a mídia tem usado bem essas novas ferramentas. Neste aspec-to, avaliou positivamente o

comportamento dos meios tradicionais frente às novi-dades da tecnologia. “Os dois países estão usando as mídias sociais para melhorar e expandir cada vez mais sua cobertura de notícias e informações. Em termos ge-rais, acho que tanto no Brasil quanto nos EUA, os meios de comunicação têm apro-veitado bem as vantagens e oportunidades disponíveis pelas mídias sociais.”

Apesar desta avaliação po-sitiva, alertou para os riscos que os meios correm em re-lação ao compromisso com a veracidade das informações. “Contudo, o perigo é que as mídias sociais tornam a cober-tura mais fácil e rápida, o que traz a publicação de informa-ção com tal rapidez que resulta em muitos erros. Muitos jorna-listas e meios de comunicação contam com mais velocidade e menos veracidade”.

Mediador da palestra, o professor Belarmino Cesar Guimarães da Costa, diretor da Faculdade de Comunicação da Unimep destacou a impor-tância do debate sobre o tema. “A vinda do professor Coon, como docente visitante do curso de jornalismo da Facul-dade de Comunicação e com a

Gabriela Andrade [email protected]

Tocante, sensível, do-loroso e cômico. Ao mesmo tempo infan-

til e maduro, o romance “A culpa é das estrelas”, do norte americano John Green, em sua adaptação ao cinema, chegou derramando lágri-mas até do mais inabalável espectador. Abordando o tema do amor juvenil, po-rém com a ótica do câncer, o filme, dirigido por Josh Boone, conta com elementos de reflexão, prismas dife-renciados de entendimento e percepção da vida e sua realidade, com a dor e a superação. O diferencial do longa-metragem é sua carac-terística de abordar a doença, sem a manipulação para a venda de emoções baratas sem conteúdo. O câncer é exibido como um entrave que perde suas forças perto das diversas ramificações do amor demonstradas.

Hazel Grace Lancaster, vivida por Shailene Woo-dley, é uma adolescente de dezessete anos, que desde a

infância enfrenta um câncer de tireóide que resultou também em uma metástase para os pulmões. Juntamente c o m s u a c o m p a n h i a inseparável, um cilindro de oxigênio com uma cânula no nariz para possibilitar a respiração, Hazel enfrenta o conflito da morte e a perda de momentos preciosos. Em busca de minimizar a frustração de sua filha, a mãe de Hazel propõe que ela freqüente um grupo de apoio de jovens com câncer. A menina segue o conselho, apenas para possibilitar um pequeno nível de contenta-mento à figura materna, que sofre diariamente em silên-cio. “A única coisa pior que morrer de câncer é ver seu filho morrer de câncer”, é um conceito dito e generoso de Hazel, que por vezes se culpa inconscientemente pela dor que desperta em todos ao seu redor.

Com as visitas ao local da terapia, Hazel encontra Augustus Waters, de dezoito anos, que perdeu uma per-na em razão de um câncer desenvolvido no local e que

está há um ano, sem um diagnóstico de malignidade. Gus, que é seu apelido no filme, passa a interagir com Hazel e ambos se apaixonam rapidamente. A personagem busca evitar um envolvimen-to maior que a amizade, por acreditar que poderá causar sofrimento. Ao mesmo tem-po, Hazel está obcecada por um livro escrito por um es-critor holandês sobre câncer e tem o sonho de encontrar com o escritor para saber a continuação da história que é interrompida pela metade, tal qual ela acredita que sua vida será. Gus consegue o contato com o autor e a leva para a Holanda, após muita discordância entre a comu-nidade médica, por Hazel estar doente demais.

Nesta viagem, vários fatos ocorrem e o adolescente se declara para Hazel, mos-trando que o amor não é uma escolha e que o tempo é um fator relativo, pois “al-guns infinitos são maiores do que outros”. Vivido por Ansel Elgort, o personagem Gus é bastante contraditório e intrigante à medida que

vivencia os problemas com positividade e humor, es-condendo suas fragilidades. A interação entre os atores é viva, intensa e transmite muita pureza, apesar de suas consciências estarem desgastadas pelos obstáculos impostos em suas vidas.

O filme não expõe a pato-logia, mas os humanos que existem e que são maiores que suas doenças. Expõe o amor dos pais, suas dores e sacrifí-cios para proporcionar alegria mesmo com a esmagadora sensação de perda anuncia-da; Transmite a importância da parceria para enfrentar as mazelas cotidianas e, acima de tudo, demonstra o amor em sua forma mais bruta e talvez mais bela, inocente e efêmera com data de validade terrena, mas não espiritual. A produ-ção Hollywoodiana, com final completamente inesperado, surpreende as expectativas dos atuais filmes transmitidos ao público jovem e derrama o incentivo da superação e da importância de valorizar os pequenos e preciosos momen-tos em meio às adversidades, por vezes, cruéis.

Um Best-Seller sensível e não plastificadoRESENHA / A CULPA É DAS ESTRELAS

palestra de hoje, permite uma reflexão sobre o jornalismo quando ocorre essa passagem do analógico tipográfico para as mídias digitais”.

Costa chamou a atenção para a necessidade de in-terpretar o comportamento das corporações de mídia e também dos jovens, obser-var como esses jovens se informam e como ficam as estruturas de comunicação. “É importante compreender dimensões éticas, técnicas e as transformações do jor-nalismo na televisão, nos meios impressos e também na internet”.

A aula magna foi reali-zada no auditório Verde da Unimep, no dia 28 de maio, e contou com a presença de aproximadamente 150 pesso-as, entre estudantes de jorna-lismo, jornalistas e docentes da Unimep. Graças a uma iniciativa da coordenação do Curso de Jornalismo da uni-versidade, os participantes fizeram a doação de 95 litros de leite e 17 agasalhos, que foram encaminhados ao Lar Betel de Piracicaba.

FulbrightA presença do professor

Stephen C. Coon na Unimep,

no período d e m a r ç o a junho de 2014, foi viabilizada graças à obtenção pelo especialista de uma bolsa como Professor Grant Fulbright Sênior, concedida pela Fundação Fulbright Brasil. Coon já re-alizou ações de ensino na Ni-géria, Bangladesh, Kosovo, Guatemala, Jordânia, Equa-dor, Venezuela, Zimbábue e Índia, entre outros países.

O professor aprova a ex-periência vivenciada em Pi-racicaba. “Minha estada aqui tem sido muito boa. Acho os brasileiros muito simpáticos. Tanto os docentes quanto os alunos da Faculdade de Comunicação e do curso de jornalismo são muito inteligentes, animados, bem motivados e são recursos ricos para o futuro do país”, enfatizou ao final do evento.

Costa considera de grande valia para alunos e docentes essa convivência com Coon. “Nós temos a visão de um

professor que tem muita ex-periência internacional e tem participado de atividades de extensão e também em sala de aula, permitindo que nós tenhamos uma compreensão melhor do jornalismo norte americano e possamos tam-bém perceber as tendências que estão acontecendo com as novas plataformas de mídia. É uma condição que ocorre pela primeira vez, ter-mos um professor da bolsa da Fulbright, o que nos permite olhar nossas experiências e também perceber proces-sos que são acadêmicos e também as ações que são profissionais. Isso enriquece muito a formação dos alunos e a formação de nós, profes-sores”, finalizou.

Coon aponta as mudanças do jornalismo para platéia de estudantes da Unimep

transformam o jornalismo

Fotos: Evandro Pelligrinotti

Divulgação

Ansel Elgort e Shaelene Woodley protaconizam o longa

Page 13: Jornal de Classe Edição 02 - Agosto de 2014

edição 02 • Agosto/2014 13Jornal Classede educação

Método de ensino aposta que contato com animais ajuda no desenvolvimento dos alunos

Leonardo [email protected]

Murilo Busolin [email protected]

A ampliação do alcan-ce da internet e das novas tecnologias da

informação tem desafiado escolas e educadores de todos os níveis de ensino. E as pos-turas das instituições frente ao fenômeno são as mais diversas. É possível observar, de um lado, experiências de uso intensivo das ferramentas, e de outro, ainda situações de cautela e mesmo recusa e aposta no estímulo ao contato com a natureza e a chamada “vida concreta”.

Centenário, o tradicional Colégio Piracicabano, da Igreja Metodista, criado em 1881 e localizado no centro de Piracicaba, tem experi-mentado a inserção dos seus alunos no ambiente digital e conta com aulas totalmente voltadas para a inclusão de novas tecnologias.

Os alunos do 6º ano do Fundamental II participam de uma aula, uma vez por semana, de uma disciplina chamada “Mídias sociais”. As aulas são 100% em labo-ratório de informática e com o uso dos computadores e internet. “O conteúdo possui uma parte flexível. Devido às constantes mudanças tec-nológicas procuramos estar sempre atualizados para po-dermos mostrar as mudan-ças aos nossos alunos para que possam contextualizar a importância e a influência que aquela novidade pode trazer ou não ao cotidiano deles”, afirma o professor da disciplina Luis Antônio Gimenes Albino. Entre os temas oferecidos estão: redes sociais, tablets, smartphones, compras online, pesquisas de assuntos, temas e buscadores, criação e administração de e-mails, atividades de lógica e raciocínio.

A parte fixa do conteúdo refere-se a ferramentas utili-zadas para elaboração de tra-balhos e arquivos produzidos em aula, desde processadores de texto e slides até a operação de sistemas online que o por-tal educacional oferece como o “Diga lá”, espaço virtual similar à rede social Twitter.

Albino conta que a discipli-na surgiu para atender à pro-cura por aulas de informática e tecnologia entre os alunos. A série de oferecimento foi definida pelos professores em função do amadurecimento necessário dos estudantes para o uso correto das novas tecnologias e vida em rede. Neste aspecto, além da par-te tecnológica, o trabalho envolve a reflexão sobre os impactos sociais e éticos do uso das ferramentas.

E a recepção por parte dos alunos é positiva. Sofia Regi-na Chiquitmo, de 10 anos, é aluna do 6º ano da institui-ção e fala com empolgação a respeito da “rede social” que os alunos utilizam. “Eu

Escolas ampliam uso da internet, mas experiências com o ‘mundo real’ ainda dão bons resultados

acho bacana aprender além da sala de aula, é importante aprender com essas novas tecnologias e fazer os exercí-cios através do computador”.

Sofia é usuária entusiasta da rede social interna do co-légio, que possui também se-melhança com o ambiente do Facebook. Todos os alunos possuem um perfil na rede e são identificados por nome e foto. O espaço contém mural, resolução de exercícios, notas de provas e recados deixados pelos professores, tudo em um ambiente de total inte-gração e interatividade dos alunos com os professores.

A estudante Ana Júlia de Moraes Silva conta que em 2013 os alunos do 6º ano adiante fizeram uma espé-cie de prova para avaliar a possibilidade de implanta-ção de tablets no ensino. A ferramenta substituiria os materiais tradicionais, como cadernos e fichários, com o objetivo de tornar o apren-dizado mais dinâmico. O projeto ainda está em fase de estudo pela direção da escola.

Outra experiência signi-ficativa é a do Colégio COI,

de Araras, que recebeu, há pouco menos de um mês, a lousa digital como um atrativo educacional em seu sistema de aulas. O aparato é um complemento para os alunos de 6º e 7º anos, que também utilizam notebooks em sala de aula para auxiliar nos estudos.

A diretora administrati-va da escola, Gabriela Fer-nandes Victorino, explica que a inovação serve como um mais instrumento para despertar o interesse dos alunos: “Aderindo à lousa digital esperamos que as au-las sejam mais motivadoras, aumentando um leque de

possibilidade em matérias de pesquisa, curiosidades e novos conhecimentos”.

Na avaliação da direção da escola, os primeiro resul-tados estão sendo positivos. Os professores do colégio explicam que a motivação nas salas de aula aumentou e que o investimento está de fato provocando maior inte-resse dos jovens. A novidade está permitindo aos docentes agregar elementos digitais, como fotos e vídeos, às aulas, o que também amplia a expe-riência sensorial dos alunos.

TerraEm tempos marcados cada

vez mais pelo virtual, nada mais significativo do que o contato com a terra para representar opção oposta à da imersão no mundo das novas tecnologias. É o que ocorre no processo de ensino da Escola Municipal Agrícola de Rio Claro (SP), que existe há mais de 27 anos e fica localizada em Ajapi, distrito da cidade. A instituição, que conta com apoio da Prefeitu-ra de Rio Claro e de patroci-nadores, atende a estudantes do 1º ao 9º ano.

A Escola Agrícola possui 315 alunos, todos moradores da zona rural da cidade, e segundo sua coordenadora, Cátia Fernanda Biafori, tem como objetivo melhorar a qualidade de vida no campo. A expectativa é que os estu-dantes passem aos seus fami-liares o conteúdo que apren-dem e com isso contribuam na realização das atividades agrícolas de sua rotina.

Cátia conta que muitos alunos, após concluírem os estudos, acabam se es-pecializando e se forman-do em cursos técnicos na área agrícola. As aulas são em período integral, com

Lousa digital no COI, em Araras, estimula criatividade; abaixo, ambiente com mídias sociais no Colégio Piracicabano

Tecnologiana sala de aula

início às 07h30 e término às 16h20, totalizando cinco horas no período matutino e três à tarde.

Além de receberem o con-teúdo tradicional para as sé-ries que frequentam, entre o 6º e o 9º ano, os alunos apren-dem três tipos diferentes de atividades agrícolas. “Assim todos têm a oportunidade de conhecer melhorias para o espaço onde vivem. Além de aprenderem no campo, tirando leite de vacas, ma-nuseando animais ou dando algum tipo de trato necessá-rio, os jovens também rece-bem o aprendizado de várias culturas, como jardinagem, plantio e até a compostagem”, explica a coordenadora.

A unidade também conta com o espaço de “Criações”, onde os estudantes cuidam de porcos, tratam os ga-linheiros, carneiros e até peixes. Após esta etapa, eles são encaminhando para a “Agroindústria”, onde tudo que é plantado, ou mesmo retirado da natureza é em se-guida processado e analisado para a venda.

Todas as atividades são acompanhadas pelo técnico agrícola Adirlei da Silva, que auxilia o trabalho dos pro-fessores e supervisiona dire-tamente a ação dos alunos. Silva defende a iniciativa e acredita que ela contribui de-cisivamente na formação dos estudantes. “É importante que os alunos prossigam com qualquer outro tipo de curso após nosso ensino, os jovens podem até seguir um curso técnico, mas chegarão ao futuro colégio com uma base diferenciada de qualquer escola comum”, salienta.

O estudante Adrian Ribei-ro, de 14 anos, confirma que muitas das atividades que ele já aprendeu na Escola Agrí-cola foram úteis em sua vida e repassadas aos seus pais. “Passei a dar mais valor em muitas coisas que faço em casa, quando estou ajudando minha mãe. Já ensinei muitas coisas a ela também e vejo que é muito bom trabalhar em equipe”, afirma.

Na avaliação de Cátia, essa vantagem da prática e dos valores como resultados do próprio esforço dos alunos é o principal diferencial da Escola Agrícola: “A escola não ignora a tecnologia. De fato é até difícil o sinal de internet para a coordenação, assim como o sinal de celula-res, mas procuramos orientar os alunos em seu ambiente, com ensinamentos práticos e que sejam úteis para uma melhoria na qualidade na vida deles”.

Leonardo Alves

Fotos: Murilo Busolin Rodrigues

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edição 02 • Agosto/201414 Jornal ClassedesaúdeCristiano Araújo

Médicas

Nay

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Larissa [email protected]

Nayara Tramontinana_tramontina @hotmail.com

Piracicaba recebeu 25 profissionais cubanos do Programa Mais Mé-

dicos no primeiro semes-tre deste ano. Eles já estão atuando nas Unidades do PSF (Programa Saúde Famí-lia) distribuídas na cidade. Cumprem uma jornada de 40 horas semanais, mas são liberados pelo município oito horas por semana para estu-dar especialização. Segundo o assessor de imprensa da Se-cretaria Municipal da Saúde, Rodrigo Guidi, inicialmente o grupo ficou hospedado em hoteis da cidade, enquanto aguardava moradia defini-tiva. Possuem contrato de trabalho por três anos, que poderá ser renovado por mais um ano.

De acordo com Mercedes Rosário Sosa Herrera, 42 anos, que atua no PSF Boa Esperança II, o que motiva os médicos formados em Cuba é o princípio de solidariedade e humanidade com o próximo. Por isso, sempre que outro país solicita auxilio todos se mostram interessados e dispostos a viver uma nova experiência, vista por eles como uma missão.

Mercedes, que já atuou na Bolívia, não pensava em vir para o Brasil. Queria ajudar a população da África, onde há paises que, em sua opinião, são mais carentes de médicos e em alguns destes locais também se fala inglês. Mas seu diretor disse que os brasileiros pre-cisavam muito da assistência dos profissionais de Cuba, o que a levou a deixar seus dois filhos aos cuidados de seus pais, que já estão acostumados com o modo de vida viajante da filha, para atuar em mais uma missão.

A médica diz que já ouviu a respeito do preconceito que alguns médicos brasilei-ros tinham em relação aos profissionais cubanos, uma

Profissionais do programa Mais Médicos atuam em PSFs e em unidades básicas de Piracicaba

vez que pensavam que iriam ocupar o lugar deles. No entanto, isso não é um pro-blema para ela, pois acredita que o trabalho que fazem é diferenciado, cuidando da saúde da família toda e não interferindo na atuação dos profissionais locais.

Desde que chegou a Pira-cicaba, já esteve hospedada em quatro hotéis, enquanto a moradia definitiva não fica pronta. Disse que o salário daqui é bom, e que conside-rando a diferença de valor entre as moedas do Brasil e de Cuba, consegue um salá-rio maior do que em seu país.

Na sua visão, a rede de saúde de Piracicaba está muito bem organizada, bem estabelecida. O único fator que poderia melhorar é o tempo que o paciente leva para conseguir agendar as consultas e o retorno. Se-gundo a doutora, às vezes o tempo para ele voltar é tão grande que ela nem se lembra mais do paciente. Ela relata um caso de uma pessoa que fez a primeira consulta com seis meses de gestação. O tempo de espera, conforme relata, é bem maior no caso do paciente que precisa de consultas com especialistas. “Essa burocracia toda é um problema que precisa ser repensado, pois recurso ma-terial nós já temos, só falta o recurso humano”, ressalta.

“No início eu não pensava em ficar aqui por mais de três anos, queria que esse período passasse voando. Mas agora, já percebi que as pessoas gostam e precisam desse tipo e trabalho, talvez a maioria dos médicos cubanos não pensem assim, mas eu penso, pois adoro ser médica”, enfa-tiza Mercedes.

A paciente Graziela Renata Mamede, de 23 anos fez o pré-natal de sua filha com Mercedes, e se diz muito satisfeita com o trabalho dela. “Não é que os médicos brasileiros não sejam bons, mas os cubanos são mais prestativos, a doutora é muito

atenciosa, antes mesmo de eu perguntar alguma coisa ela já explica tudo.”

Outra médica que resolveu deixar Cuba para integrar no Programa Mais Médicos é Yolaysi Frometa Torres, que está atuando no PSF Boa Esperança I. A profissional, que chegou ao Brasil dia 30 de janeiro, apesar de achar tudo muito bonito, diz que ainda está em fase de adapta-ção. “Estava em uma missão na Venezuela quando soube que o Brasil estava carecendo de médicos. No primeiro momento não queria, voltei para Cuba, e só depois de um tempo resolvi me inscrever. O país é muito diferente, a Venezuela é mais parecida com Cuba. Mas vou fazer um grande esforço para ficar esses três anos aqui”, diz.

De segunda à quarta-feira ela trabalha o dia todo. Vem e volta de ônibus para o hotel em que está hospedada, no centro da cidade. Já de quinta e sexta-feira, atua somente das oito ao meio dia, pois no período da tarde faz o curso de especialização em saúde da família (à distância), inte-grado no pacote de intercam-bio oferecido pelo governo.

Em relação ao preconceito, diz que não sentiu em ne-nhum momento, que todos a acolheram muito bem, a população aceitou bem e todos estão contentes com o seu trabalho. “A equipe é maravilhosa”, diz. Ela atende em média 30 pessoas por dia, e considera o trabalho tranquilo, já que todas as consultas são com hora mar-cada. Apesar de acreditar que a estrutura do projeto esteja muito boa, enfatiza que ainda há falta de médicos para a cidade, pois a população não só de Piracicaba, mas do Bra-sil todo, é muito grande, há muitos pacientes para poucos profissionais.

Em sua primeira consulta com Yolaysi, Marisa Me-neghini, 49 anos, achou a médica uma pessoa muito simples, “bem do povo”, o atendimento muito bom. “Só é um pouco complicado de entender o que ela diz, mas é só ter paciência que a gente entende”, observa. Marisa ressalta que é preciso melhorar a questão do tempo que os exames levam para ficarem prontos e o agenda-mento do retorno. “Demora uns dois meses para o exame ficar pronto, aí para marcar o retorno são mais dois meses, é muito complicado, às vezes demora até um ano pra você voltar a consultar.”

Na opinião de Juliete Al-menara Alves da Silva, 55 anos, também paciente do PSF, depois da chegada da cubana o atendimento me-lhorou e não há mais tumulto para agendamento e atendi-mento. Ela ainda se consulta com médicos brasileiros e não tem queixa de nenhum dos que a atenderam. “Passei pela Yolaysi porque meu esposo precisava renovar a receita, e a achei muito atenciosa, pediu exames, solicitou uma consul-ta, falou muito bem, mesmo não sendo eu a paciente e sim meu marido, ela se mostrou muito interessada.”

Larissa Mizuhira

atendimentomelhoram

cubanas

Larissa Mizuhira

à população

As médicas cubanas Mercedes Rosário Sosa Herrera e Yolaysi Frometa Torres

Page 15: Jornal de Classe Edição 02 - Agosto de 2014

edição 02 • Agosto/2014 15Jornal Classede bem estar

Marcela [email protected]

Reduzir o peso tem se tornado uma obsessão para muitas pessoas.

Em alguns casos trata-se de desejo estético, mas em muitas situações trata-se de uma necessidade para evitar problemas de saúde. As es-tratégias para atingir o obje-tivo são muitas e as cirurgias bariátricas estão entre as que oferecem melhor resultado.

A realização de cirurgias, entretanto, não é indicada em todos os casos. A recomen-dação se estende somente às pessoas consideradas obesas, aquelas que possuem IMC (índice de massa corporal) maior que 40, ou para os que possuem IMC entre 35 e 40 e que não obtiveram sucesso em tratamentos clínicos em um período de dois anos.

“A cirurgia bariátrica é feita somente com recomen-dação médica, somente para aquelas pessoas realmente muito acima do peso e com

problemas associados, como diabetes, hipertensão, apneia do sono, infertilidade”, expli-ca o médico Irineu Rasera, especialista em cirurgias do aparelho digestivo. A in-tervenção é um tratamento metabólico para a redução de peso e há três maneiras de fazer a redução do estô-mago: Gastrectomia Vertical, Banda gástrica e Cirurgia de Capella.

“A cirurgia de Capella é a mais utilizada, porque é mais eficaz. Há menos complica-ções e o menor número de pacientes voltam a engordar. Nessa cirurgia, nós cortamos o estômago e emendamos com o intestino. Os dados mostram que somente 10% voltam a engordar, os outros 90% emagrecem e mantém o peso estável.”, informa Ra-sera. 

Holanda Camolesi, 61 anos, utilizou todos os mé-todos possíveis e se tratou com um endocrinologista por sete anos, mas nenhum teve bons resultados. Obesa e

Cirurgia

Técnica é cada vez mais usada para enfrentar casos de peso acima do indicado, principalmente quando a riscos à saúde

Bianca Azzali Dal [email protected]

Estudar nunca é demais. E parece que pessoas com mais idade, acima

dos 50, estão a cada dia mais descobrindo novas possibi-lidades de realização pessoal e profissional a partir do re-gresso aos bancos escolares.

Homero de Carvalho, 60 anos, é exemplo desta tendên-cia. Formado em direito pela Unimep nos anos 80, o ‘dou-tor Homero’, como é chamado até pelos amigos mais próxi-mos, voltou à universidade em 2013. Está cursando o 5º semestre de Jornalismo. “Tive que abrir mão de algumas coisas. Confesso que tem sido difícil conciliar meu trabalho, entre escritório, rádio e TV, mas tento programar-me para que possa ainda freqüentar a faculdade, que é o meu grande sonho”, diz Carvalho.

Apesar de advogar profis-sionalmente, atuando prin-cipalmente na área criminal, já há alguns anos tem se dedicado também a produzir e apresentar programas de rádio e televisão. Esta pro-ximidade com a área serviu como estímulo para buscar uma segunda graduação e

quem sabe espaço em uma nova carreira.

Outro estudante que op-tou por fazer jornalismo é o administrador de empresas José Ferreira Filho, 50 anos. Ele decidiu voltar a estudar após ter viajado pelo Brasil durante alguns anos e depois também para fora do país, o que permitiu o contato com outras culturas. “Minha op-ção por voltar à faculdade depois de um longo perío-do após minha graduação no curso de  administração, concluída em 1984, se deve ao fato de que, sempre gostei de estudar”, diz Ferreira Fi-lho, que foi gerente de banco durante 30 anos, atividade da qual está aposentado.

Homens e mulheres até pouco tempo considerados “idosos” voltam a estudar e almejam novas carreiras

Universitários aos 50

A iniciativa de estudar também tem sido tomada por pessoas que estão cur-sando seu primeiro curso universitário, como é o caso

Bianca Azzali Dal [email protected]

A Universidade Aberta a Terceira Idade Unimep tem como objetivos proporcio-nar conhecimento, cultura, trocas de informações e de experiências, e acesso ao saber cientifico. O programa também visa proporcionar qualidade de vida a pessoas com mais de 50 anos e ofere-ce atividades como ginástica localizada, artesanato e lian gong, entre outras.

A coordenadora do pro-grama, Elizângela Corte Real, salienta que o importante da iniciativa é o respeito à experiência das pessoas. “Eu gosto muito da palavra “respeito”: terceira idade é sinônimo de experiência, por isso, é preciso saber ouvi-los é respeitar a sabedoria de uma vida inteira”, diz.

A Universidade Aberta a Terceira Idade Unimep tra-balha com dois projetos: o conhecimento na maturidade e o grupo da terceira idade.

O conhecimento na ma-

Unimep tem programa para terceira idade

turidade, que atende pessoas a partir de 50 anos, tanto homens como mulheres, pro-porciona aos participantes a retornada do estudo. A uni-versidade oferece descontos para que as pessoas consigam ocupar vagas remanescentes em cursos de graduação su-perior em diversas áreas. Os descontos são de 20% para pessoas com idades entre 50 e 54 anos, 50% para estudantes com idade entre 55 e 60 anos e 70% para os que têm a par-tir de 61 anos

O grupo da terceira idade também é direcionado para pessoas a partir de 50 anos, e promove atividades a cada 15 dias para um grupo de mora-dores dos bairros vizinhos ao Campus Taquaral da Unimep, como o Cecap, São Francisco, Eldorado, entre outros. As atividades são realizadas no campus e incluem palestras, mini-cursos e ações culturais. Segundo Elizângela, as ses-sões têm contado com uma participação de uma média de 20 pessoas, mas a tendência é de ampliação.

com a saúde comprometida, teve que recorrer à cirurgia. “Na consulta, o médico me disse: opte pela cirurgia ou pela morte”, conta. A bariá-trica foi realizada em 2002 e desde então ela segue todas as recomendações médicas e até hoje mantêm peso adequado e boa qualidade de vida. 

Problemas no joelho, que dificultavam os exercícios físicos e consequentemente, seu emagrecimento foram a justificativa para a cirurgia de Patrícia Cannela Fernan-des. A partir do inicio do tratamento médico sua vida mudou totalmente, pois teve que fazer uma reeducação

alimentar. “Antes de operar, o médico diz que é sempre melhor os pacientes se cons-cientizarem, que a mudança de hábitos começa no dia em que você procura um cirur-gião”, relata.

Patrícia pesava 117 quilos e precisou emagrecer quatro quilos para realizar a cirur-gia. No seu caso, o método utilizado foi o Capella, e a cirurgia foi feita em junho de 2013. Hoje, ela pesa 78 quilos – 35 a menos que antes do tratamento – e garante que leva uma vida mais saudável.  

Todos os pacientes fazem preparo antes da cirurgia. São atendidos por psicólogo,

de Carmen Maria Freitas do Amaral Santos, 53 anos. A operadora de caixa de super-mercado pretende conseguir uma nova opção profissio-nal. “Voltei a estudar por minha própria opção, pra ser alguém na vida”, explica Carmen.

Elizabete Nievas Salles, hoje com 74 anos, estudou pedagogia, mas por ter se casado muito jovem, com 18 anos, nunca exerceu a profissão. “Me casei muito jovem, tive filhos e fui obri-gada a parar com os estudos, mas aos 52 anos quis voltar”, conta. Ela também lembra que sempre quis buscar al-ternativas inovadoras e após pesquisar muito descobriu um curso chamado Dinâmi-ca Energética do Psiquismo. “A escolha foi pelo prazer da leitura que sempre tive”, afirma. Após este curso, ela continuou a estudar e abriu um consultório, onde traba-lhou durante 14 anos como terapeuta.

Outro motivo que leva as pessoas a voltarem aos estu-dos é a necessidade de atuali-zação. Este é o caso de Maria José, 54 anos. “Eu sentia ne-cessidade de me atualizar, de ganhar mais conhecimento dentro da área que atuo hoje”, diz. Atualmente ela é gerente operacional em uma clínica médica que realiza exames de endoscopia e garante que os estudos que está fazen-do têm sido importantes para poder exercer a função. Maria José é atualmente estudante de tecnologia de recursos humanos.

fisioterapeuta, nutricionista, preparador físico, enfer-meiro, tratamento que deve continuar depois da redução de peso, a fim de se evitar complicações.

Lucia Valvassori, 50 anos, passou pela cirurgia aos 44. Ela pesava 113 e hoje está com 63 quilos. Sua cirurgia foi uma indicação médica, mas havia também o desejo pessoal de emagrecer e ser mais saudá-

bariátricamuda vidas

vel. “Acredito que se a pessoa não está bem esteticamente, não está bem de saúde tam-bém. É muito ruim você se privar de sair de casa, ir a reu-niões, festas e até trabalhar. A gente acaba se fechando para a vida.”, diz Lúcia.

Os riscos da cirurgia, se-gundo o médico Rasera, são muito baixos e isso en-coraja os pacientes. Lúcia, explica que não sentiu medo: “Quanto aos riscos, corre-mos perigo todos os dias. Até uma infecção dentária pode causar uma septicemia. Então, se a pessoa está bem preparada, fez os exames dentro de um centro clínico de referência, com profissio-nais reconhecidos, não há o que temer. Além é claro, de seguir as recomendações pós-cirúrgicas”.

Rasera explica que as técnicas dessa cirurgia não mudaram nos últimos anos necessariamente, o que evo-luiu foi a tática cirúrgica, o jeito de fazer. Ou seja, o que mudou foram os equi-pamentos, que ficaram mais tecnológicos, e os materiais, como grampeadores, pinças, entre outros.

Segundo o especialista da bariátrica, fazer a cirurgia significa ficar mais saudável. Mas há sempre aquela neces-sidade de fazer exercício físi-co, escolher os alimentos que vai ingerir. “A cirurgia deve ser vista como oportunidade de mudar de vida”, diz.

Pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a espera para fazer cirurgias bariátricas chega a cerca de três anos. A cada ano, 600 pacientes são operados pelo serviço público em Piracicaba.

Dr. Irineu Rasera Jr, especialista em cirurgia do Aparelho digestivo, em seu consultório

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Fotos: Bianca Azzali Dal Pozzo

Para Maria José, volta aos estudos contribui em sua atividade profissional

Natália Camolesi, aos 61 anos, mostra sua

foto com 115 quilos, antes da cirurgia

Universidade Aberta da Terceira Idade promove palestras, cursos e eventos

A terapeuta Elizabete voltou a estudar por gostar de ler

Homero Carvalho: advogado militante quer carreira também no jornalismo

Page 16: Jornal de Classe Edição 02 - Agosto de 2014

edição 02 • Agosto/201416 Jornal Classedeesporte

Fabio Pesaresi [email protected]

Rodrigo [email protected]

O céu de Rio Claro ficou colorido durante pratica-

mente dois meses, entre junho e julho. No perío-do, a população da cidade teve a oportunidade de ver de perto dezenas de balões de esportistas que participaram do Cam-peonato Brasileiro e da 21ª. edição do Mundial de Balonismo. Durante a competição global, reali-zada pela primeira vez na América Latina, a cidade recebeu representantes de, ao menos, 22 nações diferentes.

O balonismo também é explorado como forma de lazer e entretenimento e ganhou força no Bra-sil a partir de 2000. A realização dos torneios demonstrou a sua evolu-ção. Atualmente, a CBB (Confederação Brasileira de Balonismo) conta com 49 pilotos credenciados. São pessoas, no geral, com idade na faixa dos 50 anos, a maior parte empresários.

Para tirar a licença de pilotagem é necessário ter 18 anos ou mais. De acordo com o presidente da CBB, Edson Romagno-li, o primeiro passo para ingressar na modalidade é entrar em contato com a entidade e buscar infor-mações sobre os instruto-res de voos credenciados em cada região do país.

O interessado também precisa adquirir e alugar os seguintes equipamen-tos: tecido especial para a modalidade, cesto, maçarico, cilindros e gás

Torneios nacional e mundial movimentam Rio Claro, que recebe dezenas de balões

propano. Nas aulas teóricas, baseadas no Código do Ar Brasileiro, os alunos apren-dem leitura de mapas e cli-matologia. Depois de todo o treinamento, realizam uma prova que certifica se estão habilitados para pilotar.

Para disputar torneios oficiais também existem requisitos mínimos, como explica Romagnoli. “Para participar de competições nacionais é necessário ter no mínimo 16 horas de voo com instrutor, oito horas de aulas teóricas e um total de 50 horas de voo. Para parti-cipar de competições inter-nacionais, caso do Mundial, são necessárias pelo menos 100 horas de voo”.

As competições têm um diretor de provas que estabelece os desafios do dia, como modo de disputa, al-vos e onde os pilotos devem decolar. Cada prova tem uma pontuação. Segundo o presidente da CBB, o público comparece em peso nos cer-tames. “O público, durante os campeonatos e apresenta-ções, é sempre muito bom, até porque o colorido dos balões encanta as pessoas e não custa nada. Não é um esporte que as pessoas pagam ingressos para assistir às provas”, afirma.

Amante da modalidade, o operador de máquinas Fabio Silveira, de Araras, tem o costume de prestigiar os eventos de balonismo acompanhado da família. “Já tenho participado há algum tempo e é sempre um espetáculo à parte. Os campeonatos têm melhora-do a cada ano”, diz.

De acordo com Romag-noli, México e Estados Unidos são as principais potências no esporte. “Hoje, o balonismo conquistou to-

Além de promover competições, a modalida-de também é explorada como lazer por meio de passeios turísticos. A Air Brasil Balonismo é umas das empresas que oferecem esse tipo de entretenimento para a região de Piracicaba. A procura ainda é pequena, mas, segundo Guilherme Moretti, ajudante de voo do local, o número de passeios tem aumentado.

“O passeio é procura-do principalmente por pessoas que já conhecem a modalidade ou que já praticam algum esporte radical. Muita gente ain-da não conhece, por isso tem um pouco de medo de realizar o passeio. Mas, isso está mudando con-forme o esporte fica mais conhecido”, observa.

Os turistas são os maiores frequentadores, tanto pela curiosidade de conhecer mais sobre a área visitada como pela oportunidade de fazer fotos. “Os moradores da região piracicabana não têm o costume de realizar o passeio. Geralmente

Passeios atraem turistas da região

pessoas de outras cidades ou da capital paulista se interessam e querem conhecer mais a nossa região” afirma Moretti.

Os passeios de balão também são usados para comemorações de da-tas importantes ou até mesmo para pedidos de casamentos. “Já teve aqui pedidos de casamentos, comemorações de bodas de prata e aniversários. Mas, geralmente o pú-blico é de pessoas que já conhecem a modalidade e pilotos de outros balões”, informa.

Existem dois tipos de percursos feitos pela Air Brasil: pela região serrana de São Pedro e pelo rio de Piracicaba. O tempo esti-mado para cada viagem é de aproximadamente uma hora. O custo depende da quantidade de pessoas no balão. O valor é de R$ 340 para um adulto; R$ 300 por pessoa para dois ou mais adultos; e R$ 150 para cada criança de seis a 12 anos. Já a participa-ção de menores de seis anos não é recomendada pela empresa.

Céu

dos os continentes. Dezenas de milhares de balões estão registradas em clubes e de-partamentos de aviação civil, pois, como toda aeronave, o balão deve ser registrado em seu país de origem”.

Praticante desde 1988, o paulistano Feodor Nenov, da Air Brasil Balonismo, situa-da em São Pedro, destaca a importância do treinamento dos atletas para os certames e revela utilizar os passeios também para alcançar metas. “Durante os treina-mentos, procuramos sempre simular toda dinâmica dos campeonatos. Mesmo quan-do estou voando com um balão de passageiros, procu-ro definir alguns objetivos para cada voo”.

DificuldadeParte dos balonistas para

de praticar o esporte por um determinado tempo ou até mesmo desiste da moda-lidade devido às despesas. De acordo com Nenov, cada voo de competição custa em média R$ 900, valor gasto com equipamentos de ba-lões convencionais, utiliza-dos para levar mais de dois passageiros.

Os custos elevados, entretanto, não diminuem o interesse dos praticantes e uma das alternativas nesta área é buscar patrocínio. “Como o valor de cada voo é alto, geralmente todos os praticante procuram viabili-zar o esporte através de pa-trocínios de empresas. Mas, mesmo com valor elevado, o esporte está crescendo”, explica Nenov.

Também vale a criativi-dade e ousadia, como no caso do próprio Nenov, que para viabilizar a prática

da modalidade começou a produzir seus próprios equipamentos. “Acabei me tornando construtor de balões, e desde 1995 cons-truo alguns equipamentos. Tive o prazer de ajudar na produção de um balão que fica em Piracicaba, que é considerado o maior do Brasil, com capacidade para 16 passageiros”, relata.

Organizado pela CBB e FAI (Federação Aeronáutica Internacional), em parceria com a Prefeitura Municipal de Rio Claro, o Mundial de Balões reuniu praticantes da: Alemanha, Argentina, Austria, Africa do Sul, Bra-sil, Canada, China, Estados Unidos, Espanha, França, Holanda, Ingalterra, Itália, Japão, Lituânia, Luxembur-go, México, Polônia, Repú-blica Tcheca, Rússia, Suíça e Ucrânia.

Mais de 100 balonistas participaram da competi-ção e o campeonato contou com 40 provas em 13 voos competitivos. As disputas envolvem precisão, navega-bilidade e pilotagem.

A previsão inicial era de que a edição deste ano do Mundial ocorresse em São Carlos, mas por problemas contratuais a CBB mudou o local. A escolha da cidade é bem vista por Nenov, que elogia as condições técnicas existentes e principalmente o interesse do público pelo evento.

O Campeonato Brasilei-ro foi realizado no perí-odo de 4 a 8 de junho e o Mundial entre os dias 17 e 27 de julho.

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