Jornal da ABI 381

of 48 /48
PÁGINA 44 Nelson Rodrigues e seu começo editando quadrinhos CARREIRA 381 AGOSTO 2012 Emoção e lágrimas em ato da 61ª Caravana da Anistia, no Rio VIDAS JÚLIO BRAZIL • IRAMAYA BENJAMIN • JOE KUBERT • HARRY HARRISON ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA MARTIN CARONE DOS SANTOS JOSÉ DUAYER PÁGINA 36 Georges Méliès, o cineasta que levou o homem à Lua CINEMA PÁGINA 42 A arte genial de Liniers em exposição no Brasil ARTE SEQÜENCIAL PÁGINA 27 PÁGINA 12 PÁGINA 12 Edmar Morel, um repórter sem medo Edmar Morel, um repórter sem medo PÁGINA 30 PÁGINA 5

Embed Size (px)

description

Quatro entrevistas se destacam nesta edição: - Autor do livro Memórias de Uma Guerra Suja, Rogério Medeiros afirma que a imprensa "só desceu da companhia dos militares quando o regime mostrou a sua podridão interna". - Natalia Viana fala do início de carreira, seu aprendizado na Caros Amigos, o trabalho nos Centros de Jornalismo Investigativo, o encontro com Julian Assange, e o surgimento da Pública - Agência de Jornalismo Investigativo, uma experiência inédita no Brasil que valoriza o trabalho do repórter. - Nas duas outras entrevistas, Marco Morel fala de seu avô, o jornalista Edmar Morel, cujo centenário se comemora neste ano; e Fernando Meirelles bate um papo com Celso Sabadin a respeito de seu novo filme. Outros destaques da edição: - O obra do cartunista argentino Liniers ganha mostra no Brasil; - Outro que tem sua obra exposta: o cineasta Méliès, que levou o homem à Lua; - Nelson Rodrigues fez histórias em quadrinhos no começo de carreira; - A paixão segundo Joe Kubert.

Transcript of Jornal da ABI 381

  • PGINA 44

    Nelson Rodrigues e seucomeo editando quadrinhos

    CARREIRA

    381AGOSTO

    2012

    Emoo e lgrimas em ato da 61 Caravana da Anistia, no Rio

    VIDAS JLIO BRAZIL IRAMAYA BENJAMIN JOE KUBERT HARRY HARRISON

    RGO OFICIAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE IMPRENSA

    MA

    RTIN

    CA

    RO

    NE D

    OS SA

    NTO

    SJO

    S D

    UA

    YER

    PGINA 36

    Georges Mlis, o cineastaque levou o homem Lua

    CINEMA

    PGINA 42

    A arte genial de Liniersem exposio no Brasil

    ARTE SEQENCIAL

    PGINA 27 PGINA 12PGINA 12Edmar Morel, um reprter sem medoEdmar Morel, um reprter sem medo

    PGINA 30

    PGINA 5

  • 2 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    DESTAQUES

    UM INVENTRIO DO HORROR

    03 ESPECIAL - Memrias de uma guerra

    que ainda sangra

    09 REFLEXES - Os demnios esto de volta,

    por Rodolfo Konder

    10 COMEMORAO - Os 80 anos da ACI, a voz

    da comunicao em Santa Catarina

    11 DISPUTA - A guerra de audincia dos Jogos Olmpicos

    12 CENTENRIO - Edmar Morel,

    um gigante do jornalismo

    18 LEGISLAO - O Senado aprova

    a Pec do Diploma

    19 SUGESTO - Ca prope nome

    de Abdias para a Via Light

    20 IMPRENSA - O resgate histrico

    do Estado

    29 CINEMA - Fernando Meirelles, um

    cineasta internacional made in Brazil

    30 DEPOIMENTO - Natalia Viana, olhar independente

    35 CULTURA DE MASSA - A guerra global das mdias

    36 CINEMA - A ressurreio de Mlis,

    que levou o homem Lua

    39 COMEMORAES - O Brasil festeja trs

    mestres da mpb

    42 ARTE SEQENCIAL - Liniers, o idioma

    das coisas que passam

    44 CARREIRA - Os quadrinhos de Nelson Rodrigues

    SEES

    080ACONTECEU NA ABI

    Estudantes de Jornalismo visitam a Casa

    26 LIBERDADE DE IMPRENSANo Par, Prefeito candidato ameaa

    jornalistas de O Globo

    27 DIREITOS HUMANOS

    Emoo e lgrimas na Caravana da Anistia

    VIDAS

    46 A paixo segundo Joe Kubert

    47 Iramaya Benjamin, Jlio Brazil, Harry Harrison

    EDITORIAL

    MAURCIO AZDO

    SO ESTARRECEDORAS AS REVELAES fei-tas em depoimento aos jornalistas RogrioMedeiros e Marcelo Netto pelo ex-Delega-do do Dops Cludio Guerra, que expe comriqueza de pormenores os crimes cometidosnos pores da ditadura sob a chefia dele e deoutros criminosos que serviram ditaduramilitar 1964-1985, como o Delegado SrgioFleury, um dos monstros que infestaram osistema de represso desse perodo omino-so da vida nacional.

    AGORA TRAVESTIDO DE PRCER religio-so, como se sua alegada f pudesse absolv-lo dos crimes que cometeu, Cludio Guerraenunciou nomes e situaes que conduziram prtica de dezenas de assassinatos, grandeparte deles consumada com requintes de ini-maginvel perversidade. Um dos cenrios des-ses crimes foi a sinistra Casa da Mortemontada em Petrpolis, na regio serranafluminense, e que foi reproduzida, para osmesmos hediondos fins, em outras cidadesdo Pas. Ali ocorreram brutalidades sem pre-cedentes na nossa Histria e que s encon-tram smile na barbrie espalhada pelos na-zistas pela Europa e pela antiga Unio Sovi-tica durante a Segunda Guerra Mundial epelos Estados Unidos com suas bombas denapalm no territrio do Vietn na guerra dosanos 1960 a 1970 contra o povo vietnamita.

    APS A DIVULGAO DAS CONFISSES deCludio Guerra, a Comisso Nacional da Ver-dade tomou a iniciativa de ouvi-lo sobre odepoimento que prestara, para confirmaodas graves revelaes que fizeram. Tal comono depoimento a Medeiros e Marcelo Netto,Cludio Guerra absteve-se de citar nomes dosprofissionais da represso que participaramdos crimes por ele expostos, deixando a cri-trio destes a revelao da parte que lhes coubenesse inventrio do horror. O assassinoGuerra, carrasco de dezenas de presos pol-ticos, invocava suposto drama de conscin-cia: embora matador por atacado, afeta pou-par-se do papel de delator.

    SEJA PELO QUE TENHA REVELADO Co-misso Nacional da Verdade, confirmandoou alargando o depoimento transformado emlivro, Guerra abriu a porteira de um itiner-rio que a CNV tem a obrigao de percorrer,mediante o levantamento de quantos servi-ram empreitada criminosa, sobre os quaishaver registros em escalas de servio, ematos de designao de lotao e em tudo maisque compe a burocracia oficial, mesmo parafins ilcitos, como aqueles em que se esme-rou a represso da ditadura. No ser por faltade pistas que se deixar de identificar essesassassinos e exp-los exprobrao pbli-ca que h muito merecem.

    O OLHAR DE ALPINO Publicado no portal Yahoo! Notcias, em 3 de agosto.

    ILUSTRAO DE JOE KUBERTPARA A MINISSRIE INDITAJOE KUBERT PRESENTS 46

  • 3JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    ESPECIAL

    E

    MEMRIASDE UMAGUERRA

    QUE AINDASANGRADepoimento de torturador

    que matou dezenas de presospolticos desvenda um filo

    de crimes cometidos durante aditadura militar e que deveroser investigados pela Comisso

    Nacional da Verdade.

    POR PAULO CHICO

    les tratam do mesmo tema: os crimes cometidos du-rante a ditadura militar no Brasil. Ambos ganharamamplo espao na mdia quase que de forma simult-nea. Em 16 de maio era instalada, em solenidade ofi-

    cial na capital federal, a Comisso Nacional da Verdade-CNV.Poucos dias depois, mais precisamente no dia 21 do mesmoms, o livro Memrias de Uma Guerra Suja teve realizado seulanamento no Rio de Janeiro evento que se repetiu logoem seguida em So Paulo (em 26 de maio) e em Braslia (nodia 30 subseqente). A comisso ainda d seus primeirospassos nas investigaes. A obra editada pela Topbooks, porsua vez, resultado final de muita pesquisa e entrevistasde flego, comandadas pelos jornalistas Rogrio Medeirose Marcelo Neto.

    Logo de cara, Memrias de Uma Guerra Suja causou sur-presa e revirou estmagos mais sensveis, pelo teor explosi-vo das revelaes feitas por seu personagem central. O livro,na verdade, um vasto e detalhado depoimento do ex-dele-gado do Dops (Departamento de Ordem Poltica e Social)Cludio Guerra, colhido pelos dois jornalistas autores daobra. Em 15 anos, o militar capixaba teria participado de umacentena de mortes como matador e estrategista do ServioNacional de Informaes-SNI. Arrependido de tais atos, apster experimentado o que descreve como um encontro comDeus, Guerra resolveu dar seu testemunho.

    MU

    NIR

    AH

    MED

  • 4 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    ESPECIAL MEMRIAS DE UMA GUERRA QUE AINDA SANGRA

    O Presidente da Ordem dos Advoga-dos do Brasil-Seo do Estado do Rio deJaneiro, Wadih Damous, considera que necessrio investigar com profundidadeas informaes contidas em Memrias deUma Guerra Suja: Esses relatos podem vira dar alguma pista sobre o que mais que-remos, que o paradeiro dos desapareci-dos, uma ferida ainda no cicatrizada naHistria da democracia brasileira. E tam-bm no se deve aceitar de pronto tudoo que est sendo relatado. Temos a Pol-cia Federal, o Ministrio Pblico Federal.Esses rgos devem, a partir de relatoscomo esse, iniciar uma investigao.

    Rose Nogueira, Presidente do TorturaNunca Mais de So Paulo, classifica Clu-dio Guerra como assassino e ru confes-so. Ele cometeu crimes permanentes, deseqestro e de desaparecimento de cor-pos. Ele cometeu crime de tortura, deexecuo sumria. Esses crimes so delesa-humanidade, so imprescritveis.Esse livro muda toda a Histria. H mui-tos fatos ali que so congruentes, quebatem com aquilo que a gente sabia,sublinhou Rose. Ela ponderou que o relatode Guerra situa a esquerda como umaquadrilha que se aproveitava do dinhei-ro dos empresrios, viso afinada com apoltica de Estado dos anos de chumbo.Rose, no entanto, defende que o direito resistncia um dos Direitos Humanos:Quando se fala em luta armada, eu pen-so que quem a fez contra o povo brasilei-ro foi a ditadura militar. O que ns fize-mos foi uma luta de resistncia.

    A viso radical de Rose Nogueira no compartilhada por Marcelo Neto. Eleingressou na Igreja Assemblia de Deus, naqual hoje pastor. Guerra tem a conscin-cia de que vai viver uma vida muito com-plicada a partir do que contou no livro, quevai ter um resto de vida cheio de polmi-cas, acusaes. Mas ele est tranqilo,consciente de que o seu papel ajudar aesclarecer o que se passou. Ele quer colabo-rar com a Comisso Nacional da Verdade,quer mesmo se colocar disposio paraficar em paz consigo mesmo.

    ENFIM, O DEPOIMENTO COMISSO DA VERDADE

    Por sugesto dos autores de Memriasde Uma Guerra Suja e tambm por funda-mentada presso da mdia, Cludio Guer-ra foi convidado a depor na ComissoNacional da Verdade. No dia 25 de junhoo ex-delegado do Dops reafirmou os cri-mes que cometeu durante a ditaduramilitar. De acordo com o coordenador dacomisso, Ministro Gilson Dipp, Guerrasugeriu que o grupo ouvisse algumas pes-soas citadas por ele no livro. As dennciasde incinerao de cadveres feitas porGuerra fato que teria ocorrido na usinade acar Cambahyba, em Campos, noNorte Fluminense esto sendo investi-gadas pelo Ministrio Pblico Federal epela Polcia Federal.

    Perguntado sobre a possibilidade de asinvestigaes prejudicarem os trabalhosda Comisso, Dipp disse que necessrioesclarecer que o grupo de trabalho coman-dado por ele no jurisdicional ou perse-

    Assim, o livro traz informaes sobreos bastidores das Operaes Condor eBandeirantes e outros episdios marcan-tes, como o caso Riocentro, o assassina-to do jornalista Alexandre von Baumgar-ten e a morte do Delegado Srgio ParanhosFleury, tambm do Dops. A obra mostracomo Cludio Guerra e seu grupo tenta-ram dificultar ao mximo a aberturapoltica proposta pelo ento PresidenteErnesto Geisel (1974-1979) com umasrie de atentados a bomba, falsamentecreditados ao Partido Comunista. Ele co-mandou, por exemplo, uma exploso noprdio de O Estado de S.Paulo e arquitetouum ataque ao Jornal do Brasil, desarticula-do por ordem do General Golbery doCouto e Silva.

    Os autores do livro participaram doprograma Observatrio da Imprensa, comgrande repercusso. No dia 5 de junho aatrao da TV Brasil, comandada por Al-berto Dines, exibiu trechos de entrevis-ta exclusiva feita pelo jornalista comCludio Guerra a primeira concedidapelo militar aps o lanamento da obra.Em meio narrativa do ex-delegado doDops, cuja preciso de detalhes revelou-se to impressionante quanto a aparen-te frieza do relato, Marcelo Neto e Rog-rio Medeiros chamaram a ateno paraum fato: diante do teor das revelaesfeitas por Guerra e de sua disposio decolaborar para o esclarecimento de mui-tos dos crimes cometidos pelos militaresna poca, mostrava-se urgente a necessi-dade de que o personagem central de Me-mrias de Uma Guerra Suja fosse convida-do a colaborar com a recm-instalada Co-misso Nacional da Verdade.

    Os autores contaram que o ex-Delega-do j sofrera duas ameaas. A primeirahavia ocorrido em novembro do ano pas-sado, quando um ex-companheiro man-dou um tenebroso recado a Guerra: que-la altura, afirmava, ele j estaria fedendo.

    A Comisso da Verdade, ou mesmo aPolcia Federal, que precisa dar garantiasde segurana ao Cludio, devem corrermais. Pois ele um senhor de 71 anos deidade e tem problemas de sade. O Guer-ra pode acrescentar muito mais coisas. Te-nho certeza disso. A cada conversa com eleapreendemos um detalhe novo. E eu e oRogrio Medeiros no conseguimos maisdar conta disso. O Estado brasileiro quedeve se ocupar dessas informaes quepodem ajudar a esclarecer muitos crimes,disse Marcelo Neto no programa de Dines.

    Rogrio complementou: O CludioGuerra estava numa casa de idosos mas,aps algumas ameaas, saiu de l e foi paraoutro local, espera da convocao paradepoimento na Comisso da Verdade.

    APS AS DURAS CONFISSES,AS NATURAIS REAES

    As pessoas nem precisam acreditar emmim, mas devem, sim, investigar. Hmuitas famlias que ainda aguardam res-postas. E muitos dos militares que forammeus companheiros de aes esto a,vivos. Ser que eles vo querer se apresen-tar? Acho que deviam faz-lo. Eles nodevem ter medo da verdade, podem con-

    tar a histria que aconteceu. Houve anis-tia para os dois lados, os crimes j tm maisde 20 anos esto, portanto, prescritospela lei. Por causa desse livro, das revela-es que fiz ali, perdi minha companheirade 18 anos. Tive perdas pessoais e a con-denao moral. Mas eu no sou dedo-duro, no vou apontar as aes dos outros.Falo apenas na primeira pessoa. Aquelesque quiserem, que contem suas prpriashistrias, afirmou Cludio Guerra a Al-berto Dines.

    Antes do debate no estdio, em edito-rial, o apresentador do Observatrio daImprensa comentou que o livro no podeficar esquecido porque um tremendosafano naqueles que acham que a Co-misso da Verdade intil.

    Deste livro sai um Brasil irreconhec-vel, que s se reconhecer quando fordevidamente apurado o que est contadocom tantos detalhes nestas pginas. possvel que a prioridade da Comisso da

    Verdade seja desvendar o que aconteceucom os desaparecidos. Mas os corpos inci-nerados por Cludio Guerra em uma usi-na de acar em Campos dos Goytacazes,no Estado do Rio, jamais sero resgatados.Cabe a ns, e a todos os buscadores daverdade, o resgate de suas histrias, ava-liou Dines. Para ele, mesmo que parte dosdados possa ter sido inventada, esta umapauta que precisa ser verificada.

    Eu sentia sim que estava cometendocrimes. Mas naquela poca entendia aqui-lo como cumprimento do dever. Apren-di desde criana a ver o comunismocomo inimigo. No apenas os militarescometeram crimes, mas tambm muitoscivis. Na verdade, muitos empresrios sebeneficiaram da revoluo de 1964. Al-guns deles davam prmios para quemexecutasse lderes de movimentos popu-lares, tentou justificar-se Cludio Guer-ra, numa clara sinalizao de que aindatem muito a revelar.

    O grupo terroristade Cludio Guerra

    tentou impedir aabertura poltica

    iniciada noGoverno Geisel

    com uma srie deatentados a

    bomba, como oscasos do Riocentro(ao lado) e da ABI.Guerra comandou

    o atentado aoprdio de O Estado

    de S.Paulo.AN

    IBAL PH

    ILOT/AG

    NC

    IA O G

    LOB

    OAC

    ERVO AB

    IARQ

    UIVO

    AE

  • 5JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    cutrio, nem atua visando a fornecer da-dos para o Ministrio Pblico. Os depoi-mentos que vm sendo colhidos pela Co-misso da Verdade seguem em carter sigi-loso. Os membros acreditam que essa t-tica pode facilitar a obteno de novosdados e convencer pessoas importantes acontriburem com os trabalhos do rgo.

    Se os jornalistas Rogrio Medeiros eMarcelo Netto concordaram sobre a ne-cessidade de uma participao ampla deGuerra na Comisso da Verdade, eles di-vergem sobre as reais intenes do militarao revelar sua histria secreta ao Pas. Eue Rogrio temos posies diferentes. ORogrio muito ctico com relao aoGuerra, talvez tenha dvida da f dele. Eusou absolutamente materialista, nuncaacreditei em Deus, no acredito em nada dereligio. E, no entanto, nesses meses todos,anos de conversa, passei a achar que o Clu-dio acredita em Deus. Eu acho que ele real-mente est a fim de ajudar, disse Marce-lo, durante debate no ato de lanamento dolivro no Rio de Janeiro, ocorrido na Livra-ria Travessa do Shopping Leblon.

    Ele um assassino. Quando me pro-curaram para entregar essa histria claroque eu iria trat-lo como um assassino,porque realmente ele . A questo religi-osa serve para ele, mas no o caminho.Ele se vale da Bblia para mudar a prpriavida, retrucou Rogrio. Eu tenho feitoesforo, e vou apanhar muito por causadisso, no sentido de mostrar que muitomelhor tirar dele informaes do quepartir para cima, tentar destru-lo e des-qualific-lo, ponderou Neto.

    Os jornalistas aproveitaram para re-forar, mais uma vez, duas linhas distin-tas da atuao de Cludio Guerra quandoa servio da ditadura militar. A primeiraatividade, e talvez a mais chocante, era ade execuo sumria de pessoas da extre-ma esquerda, oposicionistas ao regimevigente. Algo que o militar j estava acos-tumado a fazer em terras capixabas. De-pois, com a prolongao do regime deexceo, militares descontentes com oincipiente processo de abertura poltica,grupo do qual faziam parte Cludio e seuscompanheiros mais prximos, estabele-ceram uma rotina de atentados, sempreassociados a atos supostamente de ori-gem comunista, numa tentativa de mo-bilizar a populao em favor da perma-nncia dos militares no poder.

    O fato irrefutvel que Guerra temmesmo muito a dizer. Ele afirma ter conhe-cimento da existncia de cemitrios clan-destinos em Belo Horizonte, Rio de Janeiroe em So Paulo. Em Minas, cita a Lagoa daPampulha e o subsolo da Delegacia de Rou-bos e Furtos de Belo Horizonte como pon-tos de descarte de presos polticos executa-dos. Em So Paulo, contou no livro, ajudoua descartar corpos no stio de um ex-policialpaulista. Haveria, ainda, outro cemitrioclandestino em Petrpolis, na Regio Ser-rana do Rio. Os autores de Memrias de UmaGuerra Suja adiantaram que uma nova edi-o do livro est em preparo, j que algumasdenncias devem ser confirmadas e atua-lizadas. H tambm rico material fotogr-fico de pesquisa a ser publicado.

    Para aprofundar um pouco mais a re-flexo sobre a importncia de Memriasde Uma Guerra Suja, bem como entendermelhor o papel de Cludio Guerra, perso-nagem central da obra, o Jornal da ABIentrou em contato com um dos autoresdo livro. Rogrio Medeiros fundador dojornal eletrnico Sculo Dirio e traba-lhou em veculos como Jornal do Brasil, OEstado de S. Paulo, A Tribuna e A Gazeta.Escreveu diversos livros, entre eles UmNovo Esprito Santo Onde a CorrupoVeste Toga, em colaborao com o jorna-lista Sten ka Calado, falecido recentemen-te. As obras Esprito Santo, Maldio Eco-lgica e Tradies Populares do Esprito Santoso outras de suas publicaes. Tambmfotgrafo, criou e dirigiu a Vix, uma dasprimeiras agncias de fotografia do Pas.Sindicalista, fundou e dirigiu o Sindica-to dos Jornalistas Profissionais do Esp-rito Santo e representou a entidade naFederao Nacional dos Jornalistas.

    Na participao no Observatrio daImprensa, Rogrio contou que h 30 anoshavia publicado uma reportagem no Jor-nal do Brasil que acabou com a ura decombatente do crime organizado que

    Guerra mantinha no Esprito Santo. Em2009, um advogado do ex-Delegado pro-curou o jornalista, levando-o ao hospitalonde Guerra estava internado. Logo rece-beu o convite para escrever o livro. Os au-tores consideraram que o depoimento so-aria como verdadeiro se fosse feito na pri-meira pessoa e precisaram convencerGuerra a aceitar esse formato. Eles chega-ram a alertar o militar de que, com a publi-cao das revelaes, ele poderia morrer ouvoltar para a cadeia, onde cumpria penapela acusao de ter matado um bicheiro.Alerta feito, condies estabelecidas,Cludio topou falar. Assim, Memrias deUma Guerra Suja chegou s livrarias eentrou para a Histria como uma das maisimpactantes obras que retratam as atroci-dades cometidas durante o regime militar.

    Jornal da ABI De todo o relato feitopor Cludio Guerra, qual foi o momentomais marcante? No parece existir nelecerta frieza ao relembrar passagens, porvezes, chocantes e dramticas?

    Rogrio Medeiros Olha, a frieza doCludio pode ser uma percepo de quementra agora nos crimes que ele cometeu para

    o regime militar. Voc h de considerar queele no era um matador novo, e sim tinha40 anos de experincia, quando andou ma-tando a servio das elites militares no Nortedo Esprito Santo e Leste de Minas Gerais.E depois passou a atuar para as elites pol-ticas capixabas. Matar, para ele, era uma coi-sa relativamente normal, penso eu. Da con-versa com o Cludio o momento maismarcante foi quando o convenci de falardos crimes de que ele participou. E que issofosse dito na primeira pessoa. Demorou,houve momentos at de pnico, pois hou-ve desconfiana em reas militares de queele desse com a lngua nos dentes.

    Jornal da ABI No parece ter sido t-mido o espao dedicado divulgao dolanamento do livro de vocs na gran-de imprensa? A que credita esse fato?

    Rogrio Medeiros Eu no estou aquipara tratar de discutir a timidez da imprensada elite brasileira. Mas nunca se esquea deque Cludio relata no livro um falso aten-tado casa do Roberto Marinho e a utiliza-o de carros devidamente identificados daFolha de S.Paulo por agentes da represso. Dpara voc entender, meu caro reprter?

    ROGRIO MEDEIROS

    Reprter que se prezacorre atrs dos fatos

    JOS D

    UA

    YER

  • 6 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    Logo ao tentar entrar em contato como Ministro Gilson Dipp para tratar dospassos iniciais da Comisso Nacional daVerdade, este reprter encontrou algumasdificuldades. A mais evidente delas foi jus-tamente acompanhar as notcias sobre o rit-mo dos trabalhos do grupo que havia sidoconstitudo em maio. O problema foi solu-cionado em 26 de julho, com o lanamen-to do site oficial da Comisso, ainda provi-srio, que pode ser acessado no endereowww.cnv.gov.br. Nele podem ser consulta-dos os perfis dos seus membros, a agenda deatividades e o histrico dos debates j rea-lizados, alm de um bem-vindo canal FaleConosco aberto para o recebimento de per-guntas, sugestes e colaboraes.

    Estreitar os laos da Comisso com apopulao fator decisivo para que ostrabalhos a serem desenvolvidos ganhemeficcia e tenham relevncia. Tratar deviolaes aos direitos humanos pauta deinteresse geral. O gacho Gilson Langa-ro Dipp o primeiro presidente da CNV outros membros se revezaro nesta fun-o. Nascido em Passo Fundo em 1944,Dipp bacharel em Cincias Jurdicas eSociais pela Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Rio Grande doSul-UFRS. Ministro do Superior Tribu-

    Jornal da ABI Seria de se esperar que,aps as revelaes feitas no livro, a im-prensa partisse atrs de outras hist-rias, de agentes do regime militar que,segundo o prprio Guerra, talvez esti-vessem dispostos a falar... Por que issono ocorreu? Falta vigor investigativo grande imprensa, hoje, no Brasil?

    Rogrio Medeiros Vamos deixar a gran-de imprensa pra l, porque anteriormentej elucidei a sua timidez em tratar do livro.

    Jornal da ABI Ento, na verdade, boaparte dos veculos tem algum rabo pre-so com o regime militar prestaramapoio de alguma forma... Para muitosjornais no interessa levantar hist-rias desse perodo?

    Rogrio Medeiros Sim, mas qual era aimprensa que estava contra o golpe mili-tar? Ela estava do lado dos militares. Sdesceu da companhia dos militares quan-do o regime mostrou a sua podrido inter-na. Esses detalhes vo ser conhecidos...Neste sentido, o depoimento de CludioGuerra na Comisso da Verdade, em 25 dejunho, poder ter ajudado muito.

    Jornal da ABI Falta agilidade Co-misso da Verdade?

    Rogrio Medeiros No, voc pode verque ela foi at gil. Ela j convocou e ou-

    viu o Cludio Guerra. A voc tem que di-ferenciar uma coisa: ele s falou aquilotudo para no faltar credibilidade ao tra-balho: Fiz atentados, eu matei, quei-mei.... Nisso coube ao meu companheiroMarcelo Neto pesquisar as circunstnci-as em que se deram os fatos contados porele. Na verdade, o livro do Cludio Guer-ra. Se o livro na primeira pessoa, dele.Nessa longa convivncia com o Cludio,de trs anos atrs, quando ainda no exis-tia a Comisso de Verdade, o Marceloentrou nos ltimos sete meses e fez umbelo trabalho. O Guerra me contou mui-ta coisa que vivenciou, mas da qual noera protagonista. Porque ele teve ascensomuito grande na comunidade de informa-o. Ele entra como executor, depois passaa brao direito do principal mentor ideol-gico do Doi/Codi, o Coronel Freddie Perdi-go, e acaba como estrategista no escritriodo SNI no Rio de Janeiro. Ento, ele sabemuito. Eu ouvi dele que h mais seis Clu-dios Guerra dentro da comunidade de in-formao que podem at no ter matadotanto quanto ele, mas mataram a ponto dese tornarem criminosos. Isso vai ficar porconta da Comisso da Verdade. Alis, ele foipara l convencido a contar tudo. Ele esttomado de uma religiosidade enorme queassumiu com a condio de evanglico,membro da Igreja Assemblia de Deus,

    tarefas, produzem material de informa-o destinado a subsidiar as proposiesque a Comisso vai suscitar, e que podemser de visitas a locais, coleta de papis,pesquisa em arquivos pblicos ou parti-culares e naturalmente outras inquiri-es, novas ou complementares.

    Jornal da ABI Como descreveria odepoimento do ex-delegado do DopsCludio Guerra, cujas histrias deramorigem ao livro Memrias de Uma GuerraSuja? Ele indicou novos nomes quepossam colaborar com depoimentos Comisso?

    Gilson Dipp O Senhor Cludio Guer-ra dissertou sobre aspectos de seu livro demaneira mais informal que um textoescrito. Mas as eventuais consideraesque no tivessem cabido no livro noconstituram desde logo novidade. De sua

    GILSON DIPP

    J estamos cumprindo o nossopapel de fomentar a discusso

    onde j foi dicono e se transformou empastor. A j pensou onde vai dar isso...

    Jornal da ABI Voc, Marcelo Neto eCludio Guerra sofreram novas ame-aas aps a repercusso do lanamentodo livro? Temem por sua segurana?Tomam cuidados efetivos?

    Rogrio Medeiros Esse um assunto quepara mim passa batido. Estou muito velhopara que possa me achar um heri. Me con-sidero um reprter que andou atrs dos fa-tos e chegou a dados edificantes capazes demudar a Histria do Pas. Me sinto um pri-vilegiado, assim como qualquer reprter sesentiria em uma situao dessas. Emboratenha passado pelo Jornal do Brasil, O Estadode S. Paulo e tenha publicado importantesmatrias. Vejo nos debates de que participoem So Paulo, no Rio de Janeiro, que os jo-vens vo e se perguntam como um reprterl da roa encontrou a matria-prima dessagrandeza?. A resposta simples: aos 76 anoscontinuou na rua, fazendo matria. Repr-ter que se preza corre atrs dos fatos.

    Jornal da ABI Qual foi a tiragem destaprimeira edio de Memrias de uma Guer-ra Suja? Procede a informao de que difcil encontrar o livro no mercado?

    Rogrio Medeiros Isso no de meuconhecimento, mas o editor Jos Mrio

    Pereira j fez vrias edies. Basta verque o livro est entre os mais vendidosnas atuais listas.

    Jornal da ABI Por fim, uma pergun-ta absolutamente pessoal: qual sua ava-liao sobre a trajetria de CludioGuerra, bem como sua deciso de re-velar suas aes em favor do regimemilitar? At que ponto seus relatos soplenamente confiveis?

    Rogrio Medeiros So totalmente con-fiveis. Ns passamos trs anos checan-do, rechecando as coisas dele. Esse livrotem algo extremamente interessante, ra-zo pela qual estou nele. que, quando noJB, levantei 35 crimes de Cludio Guer-ra no Esprito Santo em matrias minhas.Justo quando ele era a figura mxima docombate criminalidade o que resultouna sua queda e na sua demisso do servi-o pblico. E o que valeu o inqurito ondefoi apontado como o chefe do crime or-ganizado. Isso est no livro. Depois de 30anos, ele no hospital, me chamou e disseque quase tudo que eu escrevi era verda-de, mas quis entregar sua vida para que eua contasse. Tudo comeou da. Agora valeo registro de que, desde o incio, disse aoGuerra que, questo religiosa parte, euiria trat-lo como um criminoso. E o livroo trata exatamente assim.

    nal de Justia, ele cauteloso ao falar dosobjetivos da Comisso que preside. Nosegue a linha de revisitar fantasmas.Mexer em feridas. Ao contrrio, adota apostura dos que defendem uma espcie depacificao da memria nacional.

    Gilson Dipp respondeu s perguntasenviadas pelo Jornal da ABI com a mesmadiscrio com que tem pautado suas aes frente da Comisso. A partir de suasponderaes possvel concluir que,apesar do calor do tema, a temperaturados trabalhos segue amena. No h ind-cios de febres, nem se vislumbram fortesemoes. Parte disso deve-se ao fato deque foi decidido que a Comisso deverfazer algumas audincias sigilosas. Amedida, segundo o Ministro, tem comoobjetivo preservar os depoentes e nocolocar em risco as investigaes. Nopodemos desperdiar uma oportunidadede se atingir a verdade pela simples pos-tura de divulgar imediatamente aquilo sociedade. Vamos tomar depoimentossigilosos, mas eles vo dar vrios indci-os de onde podemos procurar informa-es mais detalhadas, garantiu.

    Jornal da ABI Que balano o Senhorfaz destes trs meses iniciais da Comis-

    so Nacional da Verdade, da qual oprimeiro Presidente? Quais as princi-pais aes desenvolvidas e quantos de-poimentos j foram ouvidos? Qual, atagora, o mais marcante?

    Gilson Dipp Os primeiros momentosde qualquer instituio nova so natural-mente de organizao interna e aqui no diferente. Mas na avaliao que faopenso que houve avanos significativos deordenao dos temas a abordar e a propo-sio de linhas e subgrupos de trabalho,como distribuir tarefas e encargos porexemplo: audincias; coleta de documen-tos; exame de material j existente; revi-so bibliogrfica... Depoimentos de perso-nalidades envolvidas no so em si a par-te mais decisiva do objeto da Comisso,que, pela lei, dever encarregar-se do escla-recimento das graves violaes de direitoshumanos. E, nesse sentido, no h um re-lato mais importante do que outro, j que o resultado que qualifica as iniciativas.

    Jornal da ABI A partir desses depoi-mentos, como se desdobram os traba-lhos da Comisso? No que essas infor-maes levantadas podem resultar?

    Gilson Dipp Os depoimentos, comoo desenvolvimento de todas as demais

    ESPECIAL MEMRIAS DE UMA GUERRA QUE AINDA SANGRAFA

    BIO

    RO

    DR

    IGU

    ES POZZEB

    OM

    /AB

    R

  • 7JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    entrevista alguns pontos foram destacadospara oportuna verificao juntamente comoutros aspectos. O que ser feito assim queos subgrupos tenham completado suas es-tratgias e planos de trabalho.

    Jornal da ABI Jornais tm dedicado re-portagens de capa a pautas investigativas,com o apontamento de torturadores doregime militar, como que num desdobra-mento editorial da srie de esculachosrealizados pelo Pas. Em que medida aimprensa ajuda ou pode ajudar a pau-tar a Comisso da Verdade? Imprensa eComisso poderiam ou deveriam ca-minhar de mos dadas?

    Gilson Dipp O interesse que a impren-sa tem revelado pelos trabalhos da Comisso,assim como por achados em arquivos pbli-cos e at por manifestaes pblicas, como oschamados esculachos, mostra que a prpriacriao da Comisso resulta muito do interes-se que diferentes setores da sociedade tmpelo tema. Quando as pessoas debatem os atose opinies da Comisso j estamos cumprin-do o nosso papel de fomentar a discusso. Asinstituies, porm, tm cada qual seu cami-nho e no h nenhum inconveniente que si-gam seus objetivos prprios.

    Jornal da ABI Chegaram a ser veicula-das crticas postura de alguns membrosda Comisso, em especial em relao de-fesa da no reviso da Lei de Anistia. Re-ver esse posicionamento, isto , vislum-brar a possibilidade de punio real aautores de crimes como a tortura, no um ponto vital para que os trabalhos daCNV tenham rumo definido, e cheguema um bom termo final?

    Gilson Dipp A Conselheira Rosa Cardo-so em entrevista recente ao jornal Valor Eco-nmico exps com preciso sua opinio, que ameu ver coincide com a proposio mais ade-quada. A Comisso no tem finalidade per-secutria nem busca a penalizao de condu-tas, mas sim o exame e esclarecimento dasgraves violaes de direitos humanos ocorri-das no perodo das Constituies de 1946 a1988. De outra parte, o Brasil assumiu com-promissos internacionais em face de diver-sas convenes e tratados pelos quais tm res-ponsabilidades das quais dever dar satisfa-es no concerto das naes.

    Jornal da ABI Quais so os canais aber-tos para quem deseja colaborar com aComisso? O andamento dos trabalhos,em alguma poca e de alguma forma, tal-vez online, estar aberto consulta p-blica? H algum projeto neste sentido?

    Gilson Dipp O site da CNV oferece osdados, endereos e local onde qualquer in-teressado poder dirigir-se para emprestarsua colaborao, solicitar informaes ousimplesmente familiarizar-se com os seustrabalhos. Ao final do prazo ser editado umrelatrio que abranger todos os aspectos daatuao da CNV, embora periodicamenteseja distribudo material informativo, po-dendo, eventualmente, ser disponibilizado consulta aqueles informes cuja confirma-o da opinio pblica possa ser interessanteou constituam conhecimento til para opblico em geral ou especializado.

    Em bom momento a nossa ABI feztranscrever em seu site matria publi-cada em 5 de abril passado sob o ttu-lo A liberdade de Imprensa no Brasil e nomundo, pela Associao Riograndensede Imprensa-ARI.

    O fato incisivo da citao liga-se ainmeros casos relativos violnciacontra jornalistas no Brasil e no mun-do e levaram-me a reviver um fatoatroz que se deu, em poca passada, emSalvador, Bahia, relativo ao assassina-to do nosso pai, jornalista Arthur Fer-reira, proprietrio do Jornal A Hora, noano de 1927, crime esse perpetrado co-vardemente pelo dirigente de uma em-presa estatal do Estado.

    Esta matria resulta, pois, das lem-branas, jamais desvanecidas, emoldu-radas que ficaram em todos os seus cru-ciantes aspectos, mormente quandonos vem mente o imolar de jornalis-tas pela sanha assassina de inconfor-mados criminosos.

    Sob todas as nuances que revestemesses crimes, foi meu pai abatido emrazo do af que o levava a jamais es-quivar-se de lutas que julgava perten-cerem ao seu jornalismo. Essas lutas,ao que soube e do que tenho lido a res-peito do nosso malogrado pai, foramfomentadas nos meandros das cortespalacianas, quando as classes poltico-partidrias se digladiavam entre si, cul-tivando discrdias, mas que em mo-mentos oportunos se bandeavam, naprocura de outros interesses, como ali-s at hoje o fazem.

    Seabrista (partidrio de Jos Joa-quim Seabra), Governador da Bahia,Arthur Ferreira j em 1918 sofreria oempastelamento do seu jornal, A Hora.Perseguido em Salvador por foraspolticas contrrias,com possibilida-de de ser aprisionado,foi defendidopelo Senador Rui Barbosa, o qual usoude veemente discurso como orador degrande prestgio que era, a fim de de-fend-lo, conforme transcrio efetu-ada no jornal A Hora em 31 de maiode 1918.

    A expresso mdia no me lembrode ter sido usada para exprimir, como

    hoje, fatos relativos imprensa, ativi-dade essa, todavia, merecedora das ob-servaes dos jornais da Bahia, palcoque foi do que poderamos chamar deestratgias polticas de grande parte desenadores e deputados cujos partidosconflitavam na busca de eleitores.

    Segundo a mdia da poca, a Bahiafoi palco de estratgias polticas detodos aqueles que ambicionavam portodos os meios, morais ou no, assu-mir o seu Governo. Os perodos maisacirrados foram entre os anos de 1896e 1920, nos quais a imprensa baiana os-cilava no pr ou contra os nomes quesurgiam como candidatos ao Gover-no do Estado. Da, fatos de grande re-percusso envolveram, como no po-deria deixar de ser, o jornal A Hora eo seu dirigente e proprietrio ArthurFerreira.

    Dois fatos teriam como pano defundo a figura do meu pai. O primei-ro foi o imprevisto que o fez matar ointendente municipal, Tenente Prop-cio Carneiro da Fontoura, que haviaprometido chicote-lo na face quandoo encontrasse: Ele tentaria faz-lo,quando o jornalista, em companhia decolegas e amigos, tomava seus drin-ques em um dos cafs da Cidade Bai-xa, em Salvador. Ao notar a presena doTenente Propcio, Arthur Ferreira aler-tou-o a no prosseguir no seu intentoe alvejou-o com sua arma quando otresloucado oficial brandia o chicote procura do seu rosto.

    Meu pai, graas a inmeras teste-munhas do incidente, no chegou aser pronunciado pela Justia. Todaviao fato, segundo relato da nossa vene-rada me, acabrunhou-o bastante, em-bora sua ao tivesse sido compreen-dida por todos os presentes, como emdefesa de sua honra, pois que um ho-mem de brio no poderia permitir quefosse chicoteado.

    O segundo incidente se deu no dia8 de setembro de 1927. Eu tinha ape-nas trs anos e meus dois irmos, oitoe doze. Nossa me continuava com pre-ocupao constante, face vida atribu-lada do meu pai, s voltas com os seustrabalhos jornalsticos, e foi ento quea nova tragdia aconteceu.

    Na data citada, quis o destino traarum novo embate trgico. No mesmolocal onde fora obrigado a matar um

    POR BERNARDINO CAPELL FERREIRA

    Seu filho, scio da ABI, que tinha trsanos na poca, evoca os dias dramticos

    daqueles tempos em Salvador.

    Em 1927, o jornalista era Diretor de A Hora, polmico jornal de uma Bahia conturbada.

    O fim trgico deArthur Ferreira

    Bernardino Capell Ferreira, scio da ABI, economista, jornalista e scio titular do InstitutoGeogrfico e Histrico Militar do Brasil, daAcademia Ferroviria de Letras e da Academia doLions Clube do Rio de Janeiro.

    semelhante, o restaurante Gastrono-me, o malogrado jornalista seria vti-ma de um desafeto, dirigente da Nave-gao Baiana na poca, AristtelesGes, que o matou a tiro, covardemen-te, pelas costas, sem dar-lhe tempo paradefender-se. O algoz foi preso em fla-grante, no nos cabendo discorrer so-bre as razes que motivaram o estpi-do crime, aparentemente em razo depossveis matrias publicadas em AHora sobre a administrao da empre-sa onde trabalhava o covarde assassino.

    Torna-se ainda hoje cada vez maiscrucial a liberdade de imprensa no Bra-sil e no mundo. Na verdade, a prpriaevoluo social, trazendo-nos diver-gncias abrangentes e em cadeia, ma-trias que envolvam interesses comer-ciais ou industriais; as questes religi-osas; a poltica de bastidores, as crti-cas mordazes contra desmandos, tudoisso nos leva a temer reaes que te-nham como objetivo principal silen-ciar os rgos da imprensa, seus repr-teres e jornalistas, que atuam dia a diana busca de esclarecimentos e fazemcrticas mordazes que nem sempre soaceitas, mormente aquelas que denun-ciam corrupo.

    Deixemos, todavia, que o tempo,este nosso grande amigo, nos socorraou, melhor, demonstre cada vez maiso valor da liberdade da Imprensa, comtodas as possveis falhas de suas dire-es, dos seus jornalistas e possveistrfegos que no deixam de existir, afim de que saibamos sempre erigir aimprensa como um rgo cuja tarefaprincipal a de informar e fiscalizar averdade das denncias, para o bem e asegurana da sociedade.

    Para fechar, devo lembrar que ao nos-so lado temos como garantia de um pa-dro jamais questionado a nossa Asso-ciao Brasileira de Imprensa, a qual,desde a sua fundao, tem demonstra-do para que veio no que tange defesados princpios que regem a nossa Car-ta Magna, apresentando periodicamen-te exemplar trabalho na veiculao dematrias que envolvem aspectos pol-ticos, tcnicos ou econmicos do Pas.

    LEMBRANAS

  • 8 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    Jornal da ABI

    O JORNAL DA ABI NO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRFICO DOS PASES DE LNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO N 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

    Editores: Maurcio Azdo e Francisco [email protected] / [email protected] grfico e diagramao: Francisco UchaEdio de textos: Maurcio Azdo

    Apoio produo editorial: Alice Barbosa Diniz,Conceio Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria IlkaAzdo, Ivan Vinhieri, Mrio Luiz de Freitas Borges.

    Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva.

    Diretor Responsvel: Maurcio Azdo

    Associao Brasileira de ImprensaRua Arajo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

    REPRESENTAO DE SO PAULODiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

    REPRESENTAO DE MINAS GERAISDiretor: Jos Eustquio de Oliveira

    Impresso: Taiga Grfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP

    RGO OFICIAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE IMPRENSA

    Jornal da ABIDIRETORIA MANDATO 2010-2013Presidente: Maurcio AzdoVice-Presidente: Tarcsio HolandaDiretor Administrativo: Orpheu Santos SallesDiretor Econmico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretora de Assistncia Social: Ilma Martins da SilvaDiretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

    CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage eTeixeira Heizer.

    CONSELHO FISCAL 2011-2012Adail Jos de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, JorgeSaldanha de Arajo, Lris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e ManoloEpelbaum.

    MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012Presidente: Pery CottaPrimeiro Secretrio: Srgio CaldieriSegundo Secretrio: Jos Pereira da Silva (Pereirinha)

    Conselheiros Efetivos 2012-2015Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Ceclia Costa, Domingos Meirelles, FichelDavit Chargel, Glria Suely Alvarez Campos, Henrique Miranda S Neto, Jorge MirandaJordo, Lnin Novaes de Arajo, Lus Erlanger, Mrcia Guimares, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Arajo Cotta e Vtor Irio.

    Conselheiros Efetivos 2011-2014Alberto Dines, Antnio Carlos Austregsilo de Athayde, Arthur Jos Poerner, DcioMalta, Ely Moreira, Hlio Alonso, Leda Acquarone, Maurcio Azdo, Milton Coelho daGraa, Modesto da Silveira, Pinheiro Jnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn,Tarcsio Holanda e Villas-Bas Corra.

    Conselheiros Efetivos 2010-2013Andr Moreau Louzeiro, Bencio Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flvio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, Jos GomesTalarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, MrioAugusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jernimo de Sousa e Srgio Cabral.

    Conselheiros Suplentes 2012-2015Antnio Calegari, Antnio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro

    Lopes), Arnaldo Csar Ricci Jacob, Continentino Porto, Ernesto Vianna, HildebertoLopes Aleluia, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Jordan Amora, Luiz Carlos Bittencourt,Marcus Antnio Mendes de Miranda, Mrio Jorge Guimares, Mcio Aguiar Neto,Rogrio Marques Gomes e e Wilson Fadul Filho.

    Conselheiros Suplentes 2011-2014Alcyr Cavalcnti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, Jos Pereira daSilva (Pereirinha), Maria do Perptuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa,Sidney Rezende, Slvio Paixo e Wilson S. J. Magalhes.

    Conselheiros Suplentes 2010-2013Adalberto Diniz, Alfredo nio Duarte, Aluzio Maranho, Arcrio Gouva Neto, DanielMazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonalves, Ilma Martins da Silva, JosSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurlio Cndido Ferreira, SrgioCaldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Baslio.

    COMISSO DE SINDICNCIACarlos Felipe Meiga Santiago, Carlos Joo Di Paola, Jos Pereira da Silva (Pereirinha),Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antnio Mendes de Miranda.

    COMISSO DE TICA DOS MEIOS DE COMUNICAOAlberto Dines, Arthur Jos Poerner, Ccero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

    COMISSO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSPresidente, Mrio Augusto Jakobskind; Secretrio, Arcrio Gouva Neto; AlcyrCavalcnti, Antnio Carlos Rumba Gabriel, Arcrio Gouva Neto, Daniel de Castro,Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonalves, GilbertoMagalhes, Jos ngelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azdo,Maria Ceclia Ribas Carneiro, Martha Arruda de Paiva, Miro Lopes, Orpheu SantosSalles, Srgio Caldieri e Yacy Nunes.

    COMISSO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTNCIA SOCIALIlma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do PerptuoSocorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda.

    REPRESENTAO DE SO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George BenignoJatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.

    REPRESENTAO DE MINAS GERAISJos Mendona (Presidente de Honra), Jos Eustquio de Oliveira (Diretor),CarlaKreefft, Ddimo Paiva, Durval Guimares, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, Jos BentoTeixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Mrcia Cruz eRogrio Faria Tavares.

    ACONTECEU NA ABI

    Um grupo de cinco alunos doterceiro perodo do curso deJornalismo da Universidade FederalRural do Rio de Janeiro-UFRRJvisitou pela primeira vez o EdifcioHerbert Moses, sede da ABI, no dia 3de agosto. Acompanhados pelaProfessora Cristiane Venncio, queleciona a cadeira JornalismoImpresso II, eles conheceram ahistria da entidade e de jornalistasque ajudaram a construir a trajetriacentenria.

    Em virtude da greve dosprofessores das universidades federaissurgiu a idia de ocuparmos a nossaagenda com diversas atividades,inicialmente dentro da prpriaUFRRJ, mas depois chegamos concluso de que seria melhorsairmos do espao acadmico,explicou Cristiane.

    Antes da visita, os estudantestinham pouca informao a respeitodo histrico de lutas da ABI pelasliberdades. Eles adquiriram osprimeiros conhecimentos sobre aentidade durante as minhas aulas,porque sempre que possvel procuroagregar o contexto histrico aocontedo dado em sala de aula. Estaexperincia extremamenteenriquecedora, de carter acadmicoe pedaggico, certamente abrir oshorizontes dos alunos sob doisaspectos principais: a prticaprofissional jornalstica e o papelpoltico e social do jornalista nomundo, sublinha Cristiane.

    As aes extraclasse fazem parteda rotina acadmica dos alunos deJornalismo da UFRRJ, que jpercorreram as Redaes dos jornaisO Globo, Extra e O Dia e da RdioTupi. Na semana seguinte o gruporeuniu-se para conhecer o Centro deCultura e Memria do Jornalismo,instituio de pesquisa do Sindicatodos Jornalistas Profissionais doMunicpo do Rio de Janeiro.

    Estudantes de Jornalismo visitam a CasaAlunos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ficaram impressionados com o seu histrico de lutas pela liberdade.

    Gostei muito de obterinformaes sobre a contribuioda ABI para o jornalismo e aHistria poltica do Brasil. O acervofotogrfico da entidade um dosdestaques desta visita, disse aaluna Bruna Rodrigues, que seimpressionou com a galeria de fotossobre a Casa montada no nonoandar do Edifcio Herbert Moses.O estudante Kleber Costa, que

    deseja seguir a carreira dereprter, tambm chamoua ateno para o acervo daAssociao. Achei muitointeressante conhecer aBiblioteca da ABI e saberque temos este espao pararealizar pesquisas sobre aHistria da Imprensa noBrasil, para trabalhosacadmicos e at mesmopara estudos maiscomplexos, como amonografia de conclusode curso. uma fonteimportante acessvel aestudantes e profissionaisda rea, disse ele.

    De acordo comCristiane, os alunos seroestimulados a escreveruma matria sobre oencontro na ABI, parapublicao no blog docurso de Jornalismo,disponibilizado no site doInstituto de CinciasHumanas e Sociais-ICHS.

    O curso de Jornalismo da UFRRJteve incio em 2010, e j o terceiromais procurado dentro do universode 51 carreiras oferecidas pela Rural.Por enquanto, temos apenas trsturmas (1, 3 e 5 perodos). A Rural a nica universidade pblica naBaixada Fluminense, regio formadapor 12 Municpios no Estado do Riode Janeiro, informou a ProfessoraCristiane. (Cludia Souza)

    A Professora Cristiane Venncio e seus alunos de Jornalismo Impresso II, da UFRRJ, no Edifcio Herbert Moses.

    CL

    UD

    IA SO

    UZA

  • 9JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    REFLEXES

    POR RODOLFO KONDER

    RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, Diretor da Representao daABI em So Paulo e membro do Conselho Municipal de Educao daCidade de So Paulo.

    Os demniosesto de volta

    De alguma imprevisvel esquina do tempo,surgem personagens e exrcitos trazidosdas sombras para nos aterrorizar. Sua fe-rocidade vem de longe, das plancies africanas, dosplanaltos e das cavernas. Envolve tribos antigas eimprios atuais. Rene o General Custer e o Presi-dente Bush, Mdici e Stroessner, PapaDoc e Leonid Brejnev, Bin Laden e Na-bucodonosor, ditadores e fariseus.

    Os inimigos da inteligncia tmhoje garras de tungstnio, olhos queenxergam na escurido e se estendemalm do horizonte, um faro capaz delocalizar os esconderijos mais recn-ditos, e ouvidos que podem distinguiras rvores pelo farfalhar de suas fo-lhas. Eles avanam e destrem. Theysearch and destroy. a guerra.

    Pelas frestas dos confrontos, res-surge Nabucodonosor, tirano impla-cvel que invadiu Jerusalm, depor-tou multides, sitiou a cidade de Tirodurante treze anos e ergueu mura-lhas quase intransponveis entre osRios Tigre e Eufrates, numa regioconhecida como Mesopotmia, al-guns sculos antes de Cristo.

    Embora os exrcitos, os imprios,e os ditadores tambm se desman-chem no ar, como tudo que e slido,ficaram os prejuzos, as perdas, asausncias. As pessoas j no so nemsero as mesmas, porque as guerras e as ditadurasnos recolocam diante do estilhaado espelho da His-tria, em que redescobrimos sempre a fera esprei-ta ou o lagarto esfomeado.

    As mesmas exploses que rasgam o silncio, acarne e a cronologia, junto aos barrentos e poludosrios da Mesopotmia, no Sudo ou na Etipia, tra-zem da Itlia dos anos 1940 um enfurecido Duce.

    O fascismo chega s paisagens desoladas, e das co-lunas de fumaa emergem outros ditadores Pino-chet, Gomulka, Ceausesco. Vemos exrcitos que jforam disciplinados e assustadores, mas, na ps-mo-dernidade, lavam suas fardas pudas e descascambatatas nos fundos de quartis decadentes.

    Os espanhis da Falange, discpulos de Francis-co Franco que comandou um golpe contra o go-verno constitucional, a partir de 1936, at a toma-da do poder, em 1939 , continuam vivos e ativos.Sonham com a volta da represso franquista, coma selvageria da Guerra Civil Espanhola e da SegundaGuerra Mundial, entre 1939 e 1945. Ento, aindaestarrecidos diante dos massacres ocorridos duran-

    te o conflito, diante da bestialidade revelada nos cam-pos de extermnio Dachau, Treblinka, Birkenau,Auschwitz, Sobibor e tantos outros descobrimosque os homens precisavam se proteger dos prprioshomens. Em 1948, redigimos a Declarao Univer-sal dos Direitos Humanos, aprovada na Onu. Qual

    foi o resultado? Tivemos a GuerraFria e incontveis conflitos localiza-dos. Ao longo do sculo 20, o pero-do mais sangrento da Histria, asguerras mataram 191 milhes de sereshumanos. Sabemos agora do que ohomem capaz, concluiu o pensadorfranco-suio George Steiner, debru-ado sobre os registros daqueles tem-pos atormentados.

    Entramos no sculo 21, mas o qua-dro permanece inalterado. No hou-ve avanos. Ao contrrio, a situaoparece cada dia mais ameaadora. sditaduras e s guerras, somamosagora o terrorismo, a droga, a crimi-nalidade crescente. O que fazer?

    Nas tempestades de areia do nossodestino, nas cavernas mais profun-das da nossa aventura, escondem-seterroristas e delatores, torturadorese carcereiros, cassandras e fanticos,patriotas e usurpadores, predadorese corruptos, seqestradores e socio-patas. As ditaduras e as guerras soo seu espao vital, os momentos da

    sua plena realizao. Mas os principais inimigos cabe lembrar ainda so a intolerncia, o precon-ceito, o dio, a ignorncia. Esto em toda parte, in-clusive dentro de ns. Os principais inimigos, por-tanto, somos ns mesmos.

    A intolerncia, o preconceito, o dio, a ignorncia soos maiores inimigos. Esto em toda parte, inclusive dentro de ns.

    ELIAN

    E SOA

    RES

  • 10 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    A fundao da Associao Catarinense deImprensa deu-se em Florianpolis pelo esforoe liderana do jornalista e Professor Altino Flo-res, um profissional tico, independente, cultoe rigoroso na poltica, que marcou destacada pre-sena na comunicao do Estado durante maisde cinco dcadas. Notabilizou-se, tambm, porse constituir num dos jornalistas mais polmi-cos de seu tempo. No abria mo de suas con-vices polticas, ideolgicas e ticas e, por isso,pagou elevado preo ao longo da carreira.

    De formao liberal e depois um dos expo-entes da extinta Unio Democrtica Nacional(UDN), ocupou cargos destacados no magis-trio, at ser convidado para exercer a Secreta-ria da Casa Civil em vrios Governos.

    O calendrio oficial do Estado indicou durantetodo o sculo passado como sendo em 1934 adata de criao da Associao Catarinense deImprensa. Constava de documentos do Insti-tuto Histrico e Geogrfico de Santa Catarinae da Academia Catarinense de Letras, alm devrias obras de renomados historiadores. Por isso,o Instituto Histrico e Geogrfico de SantaCatarina decidiu realizar em 2009 sesso come-morativa dos 75 anos de fundao da ACI.

    Convidado para falar na ocasio, decidirealizar pesquisas nos jornais da poca na Bi-blioteca Pblica de Florianpolis. Lendo os jor-nais de maior circulao, constatei a publica-o de um edital de convocao dos profissio-nais para re-fundao da Associao. Portan-to, a entidade j existia. Faltava identificar adata de fundao, pesquisa que exigiria mui-to tempo, pois no havia a menor refernciasobre data anterior a 1934.

    A primeira luz surgiu com uma cpia doDirio Oficial do Estado, contendo a Lei Estadu-al n 173, de 1937, que declarava de utilidade p-blica a Associao Catarinense de Imprensa. Oato era assinado por Nereu Ramos e mencionava1932 como o ano de fundao da entidade.

    O extrato da Reforma de Estatutos cons-ta de documento oficial da Imprensa Oficial doEstado e indica o registro na Biblioteca Pbli-ca sob nmero 21.078, de 31-10-83. Revela:

    A Associao Catharinense de Imprensa,sociedade civil, fundada a 31 de julho de 1932,em Florianpolis, onde tem sua sede, compe-se dos que trabalham na imprensa do Estadode Santa Catarina, de cuja classe se torna r-go de amparo, seleo e disciplina.

    O ato histrico aconteceu na sede da LigaOperria Catarinense, na Rua Tiradentes,esquina com Rua Nunes Machado.

    A nova dataTranscrevo do livro Altino Flores Fundador

    da ACI o trecho que documenta a descobertada nova data e traz novos dados sobre os jor-nalistas e intelectuais que colaboraram com acriao da entidade. Entre os que tiveram ati-

    fundao da Associao Catarinense de Im-prensa. Estavam, pois, presentes, os nossosconfrades srs. Oswaldo Mello, Ney Luz, JooBaptista Pereira, Benjamim Lucas de Oliveira,Dagoberto Nogueira, Biagio DAlascio, L. Ro-manowski, Gensio Paz, Professor Altino Flo-res, Cssio da Luz Abreu e Gustavo Neves. Ossrs. Larcio Caldeira de Andrada, Othon DEae Tito de Carvalho se fizeram representar pelosr. Professor Altino Flores, que o declarou.

    O Senhor Professor Altino Flores, em ligeiraspalavras, exps os propsitos da reunio, convo-cada pelo Estado, e apresentou algumas sugestesdesde logo aceitas pelos presentes, atinentes ori-entao que deveria nortear a vida da Associaoque se estava fundando. Dentre essas sugestes,trs foram unanimemente votadas para figura-rem em ata como princpios assentes que viro aconstar dos Estatutos a serem elaborados:

    1) que podero fazer parte da Associao osdiretores, redatores e gerentes dos jornais pu-blicados em lngua estrangeira, no Estado deSanta Catarina; 2) que a Associao Catari-nense de Imprensa no ter, por enquanto,carter beneficente; 3) que nenhum membroda Associao Catarinense de Imprensa poder,sem se incompatibilizar com a prpria perma-nncia no quadro social, aceitar da incumbn-cia de censor de qualquer jornal, no caso deestabelecer-se a censura imprensa.

    Foi, em seguida, aclamada a seguinte direto-ria provisria: presidente, Professor Altino Flo-res; secretrio, Oswaldo Mello; tesoureiro, Ben-jamim Lucas de Oliveira. Essa diretoria nomeouos seguintes conscios para elaborarem os Es-tatutos: Prof. Larcio Caldeira de Andrada, NeyLuz e Gensio Paz. Essa comisso far, tambm,ttulo provisrio, a sindicncia.

    Para o cargo de tesoureiro, e, depois, paramembro da comisso de redao dos Estatu-tos fora tambm aclamado o nome do sr. JooBaptista Pereira, tendo esse confrade declinadode um ou de outro cargo, pedindo disso escu-sas aos presentes e alegando achar-se sobrecar-regado de ocupaes presentemente.

    Ficou ainda assentado que se enviassemcirculares a todos os jornais do interior do Es-tado, convidando seus diretores, redatores egerentes a se filiaram nominalmente Asso-ciao. Tambm ficou fixada a mensalidade de3$000 para os associados.

    A Associao, o Sindicato, a CasaAo longo destes 80 anos, a semente plan-

    tada por Altino Flores e seus companheiros fru-tificou. Durante o Estado Novo a entidade so-freu perseguies e viveu perodos de inatividade.A partir da redemocratizao, em 1946, retor-nou com o nome de Associao dos Profissio-nais de Imprensa, tornando-se mais vigorosana dcada de 1950. Esta Associao foi funda-mental para criao do Sindicato dos Jornalis-tas Profissionais de Santa Catarina.

    Em 1968, o jornalista Alirio Bossle, consta-tou em Porto Alegre que a Associao Riogran-dense de Imprensa era uma entidade agregadorae forte, que reunia jornalistas, radialistas eempresrios de comunicao. Trouxe a idia paraSanta Catarina, criando a Casa do Jornalista.

    Na gesto de Osmar Teixeira, a entidaderetornou denominao original, com a mu-dana do nome, passando a se denominarAssociao Catarinense de Imprensa.

    A ACI tem hoje na presidncia o jornalistaAdemir Arnon.

    gerentes, a se reunirem, domingo prximo, s10 horas, em ponto, no salo da Liga OperriaCatarinense, rua Tiradentes.

    Era realmente frustrante o relato, eis que,nas edies anteriores, o jornal tratara do assun-to em suas colunas.

    Na edio do dia 28 de setembro de 1932, acapa traz bem no alto o ttulo AssociaoCatarinense de Imprensa, o que j indica adeterminao de sua direo em torno da novaentidade. O tom do escrito revelador:

    A necessidade da unio dos profissionais daimprensa incontrastvel.

    J o reconheceram os jornalistas de todos ospases, mesmo no Brasil, havendo, porm, al-guns Estados, onde, por desdia, essa unioainda est por se realizar.

    Santa Catarina no deve ser o ltimo delesa congregar, em bloco harmnico, para a defe-sa dos interesses da classe, aqueles que laboram,entre ns, na profisso jornalstica, diretores,redatores, reprteres e gerentes dos dirios e pe-ridicos locais, estejam, ou no, no presentemomento, em atividade.

    Foi norteado por essa idia que O Estado to-mou a iniciativa de promover a fundao daAssociao Catarinense de Imprensa, o que sefar no prximo domingo, s 10 horas, no saloda Liga Operria, rua Tiradentes.

    Para o aludido ato de fundao, rogamos ocomparecimento de todos quantos se encon-trarem nas condies acima aludidas.

    Dois dias depois, a 30 de julho, O Estadoretoma o tema para reiterar convite a todos osprofissionais em torno da nova causa. O des-taque dado pelo matutino era sinal eloqentedo empenho de seu diretor, o jornalista AltinoFlores, em torno do projeto. Ttulo, outra vezAssociao Catarinense de Imprensa. E, acen-tuando, em forma de apelo:

    Amanh, s 10 horas, reunir-se-o, na LigaOperria, os jornalistas residentes nesta capi-tal quer estejam em atividade profissional, querno, para o fim de ser fundada a AssociaoCatarinense de Imprensa.

    O Estado, que tomou essa iniciativa, renovao convite, que j fez de suas colunas, aos direto-res, redatores e gerentes dos jornais desta capitale aos do interior do Estado, que, porventura, seachem em Florianpolis, bem como a todos osjornalistas mesmo atualmente afastados doexerccio da profisso, para se associarem, comsua presena, reunio de amanh.

    No dia 31 de julho, o jornal Repblica traz,igualmente, convite para a criao da ACI. Ttulo:Associao Catarinense de Imprensa. Texto: Aconvite dos nossos confrades do Estado reunir-se-o hoje, s 10 horas, na sede da Liga OperriaBeneficente, os jornalistas residentes nessa capi-tal, para tratarem da fundao da AssociaoCatarinense de Imprensa.

    A data oficial de criao da ACI publica-da nas edies anteriores de O Estado e de ou-tros jornais da Capital. Pelo interior, espalha-se a informao, quase sempre com destaque.

    O Estado publicou o seguinte relato sobre afundao da ACI no dia 10 de agosto de 1932:

    Estiveram, ontem, s 10 horas reunidos,na sala das sesses da Liga Operria Beneficente,gentilmente cedida pela sua digna diretoria, aspessoas que aderiram at agora iniciativa da

    va participao destacam-se Othon GamadEa, Jos Diniz, Martinho Calado Jnior, Se-bastio Vieira, Osvaldo Melo, Joo Baptista Pe-reira, Larcio Caldeira de Andrada, Tito Carva-lho, Gustavo Neves, Flvio Bortoluzi de Sou-za. A narrativa a seguinte:

    Estabelecida a convico de que a criao daACI no se dera em 1934, o principal desafio seconcentrou em descobrir quando se dera realmen-te a fundao. Uma meta que exigiria semanas,talvez meses de investigao, obrigando o peno-so manuseio de colees dos jornais de Desterrodurante pelo menos trs dcadas: de 1910 aosanos 1930. Isto nas precrias instalaes da Bi-blioteca Pblica do Estado, uma sauna no veroe um freezer no inverno, com as edies antigasdos jornais com pginas destrudas e folhas emaltssimo grau de fragilidade.

    Consultas feitas entre historiadores resul-taram infrutferas. Nas bibliotecas e nos arqui-vos do Instituto Histrico e Geogrfico de SantaCatarina e na Academia Catarinense de Letrasno h um nico documento que trate da ACIem perodo anterior a 1934. Pesquisa efetuadana Biblioteca Central da UFSC revelou-se igual-mente improdutiva.

    O documento revelador facilitou as novasconsultas nas edies encadernadas da BibliotecaPblica. Edies de vrios jornais de Florianpolise de vrias cidades do interior comemoram a fun-dao da ACI. Ali, a registrar dois fatos novos. Oprimeiro, pelo destaque dado ao evento histrico,quase sempre no alto da capa dos dirios. Segun-do, o relato das dificuldades encontradas para cri-ao da entidade. O Estado narra em sua edio de26 de julho de 1932 que no fora possvel fundar aentidade. Mas, por motivos no esclarecidos, dei-xa de oferecer as razes. Muito provavelmente pelaausncia de qurum ou nmero insuficiente paraconcretizar o projeto, fato alis, ocorrido tambmna Associao Brasileira de Imprensa, em abril de1908. Ou, ainda, porque o lder do movimento,Altino Flores, j era conhecido como o jornalistamais polmico do Estado. Num perodo contur-bado da vida nacional, a fundao de uma entidadede jornalistas representava mudana e risco de con-frontaes. Altino Flores, tambm a exemplo doque ocorrera com Gustavo de Lacerda, era um ho-mem dos debates elevados, da polmica, do apoioa movimentos sociais e, de certa forma, com umtrao de simpatia pelo anarquismo.

    A nota est na capa daquela edio, sob ottulo Associao Catarinense de Imprensa,alis, usado repetidas vezes por quase todos osjornais daquela poca:

    Foi recebida com simpatia a iniciativa toma-da, h poucos dias, pelo Estado, para a funda-o da Associao Catarinense de Imprensa.

    Infelizmente, porm, circunstncias abso-lutamente alheias vontade dos jornalistas, orapresentes em Florianpolis, os impediram de sereunirem na data fixada para a realizao da-quele projeto.

    Sendo, como , absoluta a necessidade de searregimentarem, em coeso bloco, os profissio-nais da imprensa catarinense, pois h vriosproblemas atinentes classe que esto a exi-gir uma ao conjunta para se obter resultadospalpveis, na hora que atravessamos, O Esta-do convida a todos os que laboram no jornal danossa terra diretores, redatores, reprteres e

    Moacir Pereira, jornalista e escritor, membro daAcademia Catarinense de Letras e comentarista doGrupo RBS. Foi Presidente da ACI.

    COMEMORAO

    POR MOACIR PEREIRA

    Os 80 anos da ACI, a voz dacomunicao em Santa Catarina

    Fundada sob a liderana de um dos mais polmicos intelectuais do Estado, o jornalista e Professor Altino Flores,

    a Associao Catarinense de Imprensa festeja o 80 aniversrio de sua criao.

  • 11JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    Sobre a luta da TV Record para batera audincia das concorrentes, as opiniesde especialistas do mercado de mdia, jor-nalistas e publicitrios se dividem em re-lao s transmisses oficiais dos JogosOlmpicos de Londres 2012, exibidas comexclusividade pela emissora. Em notatransmitida imprensa, o canal do bispoevanglico Edir Macedo, comemora e dizque durante as 165 horas de exibio doevento passou 36 liderando a audincia,atingiu 87% dos domiclios na Grande SoPaulo e 86% no Painel Nacional de Televi-so (PNT).

    Segundo a emissora, mais de 40 milhesde telespectadores acompanharam a Olim-pada de Londres pela Record no PNT. EmSo Paulo e no Rio de Janeiro a mdia ge-ral da transmisso foi de 7 pontos, en-quanto a terceira colocada ficou com 5(cada ponto equivale a 60 mil domicliosna Grande So Paulo).

    Para conquistar pela primeira vez ostatus de emissora oficial de uma Olim-pada como a de Londres 2012, a Recordfechou um contrato com os patrocina-dores do Comit Olmpico Internacional(COI), em 2007 e pagou US$ 60 milhespelos direitos de transmisso dos Jogos valor quatro vezes maior que os US$15 milhes pagos pela TV Globo paratransmitir a Olimpada de Pequim, em2008. Pelos direitos de transmisso dosJogos de Atenas, na Grcia, em 2004, aemissora do Jardim Botnico pagou US$5 milhes.

    Em sua primeira empreitada olmpica,a Record levou para Londres um contin-gente de 350 profissionais, que produziumais de 40 horas de matrias jornalsticassobre as Olimpadas. Um saldo positivo,na avaliao da emissora, que divulgou tertido um crescimento de 35% de audin-cia geral do canal nas classes AB, desde oincio do evento, em 27 de julho, at cerimnia final, em 12 de agosto.

    Citando dados do Ibope, coletadosentre os dias 25 de julho e 5 de agosto, noperodo das 10h s 19h, horrio de maiorpique das transmisses, a colunista Cris-tina Padiglione, que escreve sobre televi-so no Estado, divulgou que a Recordteve um crescimento de 67% na GrandeSo Paulo nas classes AB.

    Com a transmisso da partida final dofutebol masculino entre Brasil e Mxico,em 11 de agosto, a emissora paulista ba-teu recorde de audincia em Braslia, com26 pontos de mdia. Em So Paulo, foram17 pontos, e no Rio foi atingida a mdiade 18 pontos de audincia.

    meia hora, transmitidos via satlite a to-dos os assinantes do servio. O acordo per-mitiu Globo utilizar seis minutos deimagens por dia, em no mximo trs pro-gramas jornalsticos regulares, com a pos-sibilidade de cada um deles utilizar at doisminutos, sem direito de ultrapassar 30segundos sequer, por evento ou prova.

    As restries impostas pelo COI for-aram a Globo a apresentar uma cobertu-ra jornalstica mais limitada do que a queos telespectadores se acostumaram a assis-tir quando a emissora detinha os direitosde transmisso. O que se viu foi um noti-cirio concentrado nos principais fatosdos Jogos, nos telejornais da tv aberta e nosprogramas produzidos de Londres pelaequipe do canal a cabo SporTV.

    Quando questionada sobre o impactona sua programao da transmisso dosJogos Olmpicos pela Record, por meio daCentral Globo de Comunicao (CG-Com) a emissora informou ao Jornal daABI que no houve impacto significativo,e sustenta que manteve a liderana en-tre os canais de tv aberta durante todosos dias da Olimpada.

    A Globo no divulgou os nmeros re-lacionados a faturamento publicitriodurante os Jogos Olmpicos. At o fecha-mento desta edio, a informao trans-mitida pela CGCom de que o fecha-mento dos nmeros relacionados a fatu-ramento s ser conhecido pelo mercadomais adiante e ser, como de costume,divulgado no projeto Inter-Meios.

    Mercado publicitrioOs Jogos Olmpicos de Londres 2012

    chegaram ao fim. E agora chegou a hora deGlobo e, principalmente, a Record faze-rem as contas e apurar se lucraram ou ti-veram prejuzos com o evento. Segundo aAssessoria de Imprensa da Record, a emis-sora vendeu cotas de patrocnio no valorde R$ 279 milhes para nove patrocinado-res: Caixa Econmica, Cervejaria Petrpo-lis, Coca-Cola, MacDonalds, Nestl, Petro-bras, P&G, TIM e Visa.

    Nos bastidores do setor publicitrio cir-cula uma informao, veiculada na edio de13 de agosto, do caderno Negcios do Estado,de que os dados sobre audincia em poderde publicitrios e diretores de marketing degrandes agncias e de patrocinadores dosJogos no foram dos mais animadores.

    Isto porque apesar de em boa parte dastransmisses da Olimpada a Record ocu-par a vice-liderana, em algumas ocasies

    pulou para o terceiro lugar e chegou a ficaratrs do SBT, quando transmitia a gins-tica feminina e o canal de Slvio Santosapresentava reprise da srie Chaves.

    Sobre esse quadro, um especialista emmercado publicitrio disse ao Estado queo setor no tinha dvidas de que a Recordno ultrapassaria a audincia da Globo,mas no dava para imaginar que em al-guns momentos ela fosse ter queda nondice. Na mesma reportagem RafaelPlastina, diretor da Nielsen Sports, obser-vou que a queda de audincia acaba afe-tando a exposio das marcas.

    Entretanto, parece que para alguns exe-cutivos de agncias envolvidos no pacotede patrocnio da Record a instabilidade daaudincia da emissora, demonstrada du-rante as transmisses dos Jogos, no chegoua ser um grande problema: Compramosquantidade, e no qualidade, disse umpublicitrio ao Estado, acrescentando quetodos sabiam que no estavam comprandoaudincia, mas freqncia na programao,uma vez que suas marcas estariam sendoinseridas mais vezes que na Globo.

    Prximos eventos esportivosDentro das emissoras de televiso bra-

    sileiras a ordem agora pensar desde j nofuturo e se preparar para a maratona degrandes eventos esportivos que iro acon-tecer no Brasil nos prximos quatro anos,como a Copa das Confederaes 2013, aCopa do Mundo 2014 e a Olimpada 2016.

    A Globo informou que usar toda a suaestrutura na cobertura dos prximoseventos a que tem direito de transmisso,como a Copa das Confederaes, a Copado Mundo e a Olimpada. A emissora jtrabalha com uma equipe que rene pro-fissionais de diversas reas da empresa,dedicada ao planejamento dessas cober-turas especiais, que no se limitaro scompeties esportivas.

    Queremos que os telespectadores bra-sileiros se lembrem da importncia de ser-mos anfitries dos maiores eventos espor-tivos mundiais e que sigam essa experinciaconosco de forma bem abrangente, infor-mou a Central Globo de Comunicao.

    J a Record garante que o esporte olm-pico continua nos seus planos. Em 2014,o canal vai transmitir a Olimpada de In-verno em Sochi, na Rssia. Em 2015, vaicobrir com exclusividade os Jogos Pan-americanos de Toronto, no Canad. Almdisso, a Record tambm vai ser a emisso-ra oficial da Olimpada do Rio, em 2016.

    Mesmo com a exclusividade da cobertura obtida em contrato com oComit Olmpico, a TV Record no alcanou a amplitude desejvel,

    at por culpa das diferenas de fusos entre o Brasil e a Inglaterra.

    DISPUTA

    A guerra de audinciados Jogos Olmpicos

    Vice-lideranaMesmo com tantos nmeros favorveis,

    a Record no conseguiu abalar a lideranade audincia da TV Globo. Em sua colunano caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, acolunista Keila Jimenez informou que amdia de audincia da Record na transmis-so dos Jogos, de 27 de julho (dia da abertu-ra) at o dia 7 de agosto, foi de 6,3 pontos.

    Jimenez observa que apesar do cresci-mento na sua audincia por causa da Olim-pada, a Record no chegou perto da Glo-bo, que seria a sua principal concorrente.Para justificar a sua informao, a colunis-ta cita que a mdia alcanada pelo canal dafamlia Marinho nos 12 dias iniciais detransmisses dos Jogos de Pequim (2008)foi de 14,3 pontos. Ou seja, mais que odobro da mdia atingida pela Record nacompetio em Londres este ano.

    Na Olimpada de Pequim, a Globo atin-giu a mdia geral de 10,4 pontos na rede.Um dado importante lembrado por Jime-nez foi que, por causa do fuso horrio,muitas modalidades eram transmitidas noBrasil de madrugada. Alm disso, a emisso-ra dividiu as transmisses com a RedeBandeirantes.

    J o colunista da Veja, Lauro Jardim,noticiou que a audincia da Record na l-tima semana das Olimpadas foi uma es-pcie de sntese da mdia alcanada comas transmisses de todo o evento. Apesar deconquistar a liderana durante a exibiodo jogo da Seleo Brasileira com 17 pon-tos contra 6 da Globo, dados do Ibopemostram que a tv do bispo Macedo perdeua disputa para a concorrente no sbado,quando a Globo foi lder de audincia en-tre as 7h e meia-noite.

    A vice-liderana da Record continuouno domingo, 12 de agosto, quando a Glo-bo alcanou 15 pontos com a apresenta-o do Programa do Fausto e a transmis-so dos jogos do Campeonato Brasileiro.Durante a exibio da cerimnia de encer-ramento, a Record ficou empatata com oSBT com 7 pontos.

    Planejamento alternativoSem a exclusividade na transmisso

    dessa ltima Olimpada, a Globo adotoualgumas medidas prticas para no de dei-xar de atender sua clientela com a co-bertura jornalstica do evento. Comprouda OBS (Olympic Broadcast Services)o acesso s imagens dos Jogos Olmpi-cos vendido a no detentores dos direi-tos de transmisso que aceitam as re-gras do COI para a utilizao jornals-tica em suas coberturas.

    A OBS produziu boletins atualizadosde 30 minutos sobre as Olimpadas a cada

    DIVU

    LGACAO

    /COB

    Arthur Zanetti conquistou o primeiro lugar nas argolas da ginstica artstica masculina. POR JOS REINALDO MARQUES

  • 12 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    ntre as mais honrosas efe-mrides de 2012 inscreve-se o centenrio de nasci-mento do jornalista e es-critor Edmar Morel, um

    dos maiores nomes da Histria da impren-sa brasileira. A trajetria de mais de cin-co dcadas dedicadas ao jornalismo e de-fesa das liberdades pontuada por sua in-tensa atividade e dedicao ABI, da qual historiador ilustre. Na entrevista a se-guir, Marco Morel, jornalista, historiadore professor do Departamento de Histriada Universidade do Estado do Rio de Ja-neiroUerj, neto do jornalista, que man-teve intensa convivncia com o av,expe os aspectos mais relevantes da vidae da obra do brilhante reprter, sinnimode integridade e lisura profissional, tica,interesse pblico e dignidade pessoal.

    Jornal da ABI A partir da reconhecidatrajetria de Edmar Morel, o que seria im-portante resgatar nas comemoraes pelocentenrio de seu nascimento?

    Marco Morel No meio jornalstico, emgeral, meu av pouco conhecido. As no-vas geraes de jornalistas, digo jovens nafaixa de 30 anos, conhecem muito pouco ouquase nada sobre ele. Percebo isso commuita freqncia no apenas no meio aca-dmico, mas tambm como jornalista, poissou formado em Comunicao Social. Podeser at mesmo em funo de uma caracte-rstica da categoria dos jornalistas, que nocultiva uma Histria prpria, uma mem-ria prpria. Tudo muito descartvel. Es-

    ro, no qual ele j afirmava que o CaboAnselmo era um agente infiltrado, entreoutras coisas que s foram descobertasdepois. O livro ficou mal visto no meioacadmico, ao qual eu perteno, porqueas pessoas, em geral, no lem livros e sebaseiam apenas pelo ttulo. Neste caso,contestam o contedo da obra alegandoque o golpe no comeou em Washington.J ouvi vrias crticas de pessoas que ja-mais leram este livro.

    Jornal da ABI Edmar Morel comeou ase dedicar aos livros inspirado em suaorigem nordestina?

    Marco Morel Sim. O Drago do Mar fruto da infncia dele em Fortaleza, ondeconvivia com jangadeiros e pescadoresque contavam essas histrias e conhece-ram o Drago do Mar. Os ltimos aboli-cionistas, j idosos na poca, tambmconversavam muito com meu av, quesempre foi curioso e, como queria serreprter, gostava de puxar assunto com aspessoas na rua. Anos mais tarde, quandoele decidiu escrever e pesquisar foramessas histrias que o motivaram e tm,sim, muito a ver com a origem dele. Esti-ve recentemente no Cear e descobri queningum o conhece. Um negcio impres-sionante. Participei de um seminrio emuita gente veio me dizer que no sabianada sobre Edmar Morel. Profissionaisdas reas de Histria e de ComunicaoSocial ouviram falar vagamente. Noexiste memria. A ditadura durante todosestes anos no foi em vo.

    CENTENRIO

    POR CLUDIA SOUZA

    Cassado em 1964 por ter levantado

    a histria da Revolta da Chibata de 1910,

    ele foi um dos maiores reprteres do Pas

    e o primeiro jornalista a denunciar que

    o golpe de 1964 comeou em Washington

    UM GIGANTE DO JORNALISMO

    pecificamente sobre meu av, algumas pes-soas ouviram falar uma vez, outras sabemque ele escreveu tal livro, mas a maioria des-conhece a atuao dele como reprter. AABI quase uma exceo nesse sentido, pelovnculo mais direto dele com a Casa e comos jornalistas da Associao. A gerao delefoi derrotada com o golpe de 1964 e ficourelegada ao segundo plano.

    Jornal da ABI Quais nomes dessa gera-o voc citaria?

    Marco Morel Osvaldo Costa, o prpriopessoal da ABI Fernando Segismundo,Gumercindo Cabral, Joo Antonio Mes-pl e as pessoas que trabalharam em jor-nal, como Lourival Coutinho. Eles fize-ram parte de um grupo mais identificvelde jornalistas militantes do nacionalis-mo de esquerda, do qual meu av foi umdos mais conhecidos. Entretanto, hojequase ningum ouve falar deles. Meu avse tornou um pouco mais conhecido emfuno dos livros que publicou, mas a atu-ao dele como reprter, sua principal ati-vidade, pouco conhecida.

    Jornal da ABI Edmar Morel escreveu 16livros, entre os quais A Revolta da Chibata.Que outros ttulos voc destacaria pelarelevncia histrica e jornalstica?

    Marco Morel O livro de maior desta-que foi A Revolta da Chibata, obra que temmais permanncia e da qual as pessoas selembram. Mas h outros ttulos impor-tantes, anteriores inclusive, como o Dra-go do Mar - O Jangadeiro da Abolio, com

    prefcio de Gago Coutinho e apresenta-o de Rubem Braga, o primeiro em quemeu av narra a histria de um heri daral, um heri da plebe, como ele costu-mava chamar. A obra descreve a luta dosjangadeiros do Cear pela Abolio nofinal do sculo 19. O Cear aboliu a es-cravido quatro anos antes da Lei urea.Foi um movimento social, uma luta declasse levada frente pelos jangadeiros,em sua maioria escravos libertos ou des-cendentes de escravos. Lanado em1949, o livro, muito marcante, o pri-meiro, e praticamente o nico, a apresen-tar a biografia do Drago do Mar, ape-lido de Francisco Jos do Nascimento,lder dos jangadeiros cearenses, citadonos versos da msica Mestre Sala dosMares, de Joo Bosco e Aldir Blanc, quediz: H muito tempo nas guas daGuanabara/ o Drago do Mar reapare-ceu/ na figura de um bravo feiticeiro/ aquem a Histria no esqueceu. A letrafaz referncia ao Drago do Mar e tam-bm ao lendrio Joo Cndido, outroheri biografado por meu av. Destaca-ria tambm o livro O Golpe Comeou emWashington, com apresentao de JoelSilveira, o primeiro a ser publicado con-tendo crticas ao golpe militar. A obra foilanada em 1965. Meu av aponta vriasevidncias de que havia uma articulaoda presena dos Estados Unidos na exe-cuo do golpe, fato que hoje em dia todomundo sabe, como a existncia da Ope-rao Brother Sam, divulgada apenas em1974, dez anos depois. um livro pionei-

    Edmar MorelEdmar Morel

    E

    Desenho de RamonLLampayas emO Mistrio daExpedio Fawcett,adaptao para osquadrinhos do livrode Edmar Morel,editada pela Ebal.

  • 13JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    Jornal da ABI O desejo de ser um repr-ter surgiu ainda no Cear?

    Marco Morel Sim. Meu av foi umapessoa de origem muito modesta. Ele saiudo Cear aos 20 anos e veio para o Rio deJaneiro com o firme propsito de ser re-prter. Antes disso, conseguiu empregoem um jornal no Cear, nas funes deauxiliar de tipografia e contnuo, tudopara ficar perto da atividade. A vontadede ser jornalista era uma coisa dele, dacuriosidade que o movia. Ele costumavacontar que ficava fascinado com a leitu-ra de jornais e revistas na barbearia demeu bisav. Tinha tambm uma persona-lidade muito irrequieta que se identifica-va com o trabalho da imprensa.

    Jornal da ABI Que iniciativas Edmar Moreltomou para se tornar um jornalista?

    Marco Morel Ele fez uma vaquinha paracomprar a passagem de terceira classe emum navio e desembarcou no Rio sem co-nhecer ningum. Ao saber da disposiode meu av de seguir para o Rio de Janei-ro, Filinto Barroso, um intelectual cearen-se, escreveu uma carta de recomendao ecomprou um queijo para que meu aventregasse ao filho dele, Gustavo Barroso,que estava no Rio de Janeiro e era umapersonalidade pblica como advogado,jornalista, escritor, professor e poltico,um dos lderes da Ao Integralista Brasi-leiraAIB. Meu av passou muita fomedurante a viagem, acabou comendo o quei-jo inteiro e ficou com vergonha de entre-gar apenas a carta de recomendao. Aodesembarcar noite no Rio de Janeiro,acabou dormindo no banco da praa.Quando acordou pela manh, saiu vagan-do pelas ruas e reconheceu a figura deMaurcio Lacerda, um poltico importantena poca, pai do jornalista Carlos Lacerda.Dois anos antes disso, em 1930, MaurcioLacerda fizera um comcio pela AlianaLiberal em Fortaleza. Na ocasio, meu av,que era muito espevitado, preparou umasaudao a ele em nome dos jovens dacidade. Bom dia, Sr. Maurcio Lacerda.Sou aquele jovem do Cear que o saudoudurante o seu comcio, disse meu av aoreconhec-lo. Maurcio de Lacerda convi-dou-o para almoar na casa dele e prome-teu ajud-lo a conseguir um emprego.Depois do almoo, levou meu av ao Jor-nal do Brasil e o apresentou ao Chefe deRedao, que era ningum mais ningummenos que o jornalista Barbosa Lima So-brinho. Isso aconteceu em 1932. Meu avcomeou a trabalhar no jornal e mandoubuscar toda a famlia. Ele era o irmo maisvelho de seis filhos. Como meu bisav ti-nha morrido, vieram a me, uma tia e oscinco irmos. A famlia estava enfrentan-do muita dificuldade no Cear.

    Jornal da ABI Edmar Morel foi casadodurante 53 anos com Aurora, teve um fi-lho, Mrio Morel, cinco netos e oito bis-netos. Como foi a sua convivncia com ele?

    Marco Morel Quando meus pais se se-pararam, eu tinha cinco anos de idade e fuimorar com meus avs paternos EdmarMorel e Aurora. S sa da casa deles paracasar, aos 28 anos de idade. Meu av faleceuno ano seguinte. Assim sendo, dos cincoaos 28 anos, nossa convivncia foi muitoprxima. Meus pais so vivos at hoje.

    Jornal da ABI Voc escolheu a profissode jornalista influenciado pelo exemplode seu av?

    Marco Morel Inicialmente, sim, masdepois percebi que o jornalismo tinha setransformado, alm disso eu no tinha operfil do meu av, sempre fui mais reserva-do. Acabei mudando para a rea de Histria.

    Jornal da ABI Seu pai, Mrio Morel, tam-bm jornalista, um dos pioneiros da tvno Brasil.

    Marco Morel Ele trabalhou ao lado deWalter Clark, de Fernando Barbosa Lima,na TV Rio. Pertenceu a essa gerao.

    Jornal da ABI Outros membros de sua fa-mlia optaram pela Comunicao Social ?

    Marco Morel Minha irm Mnica formada em Relaes Pblicas e duas sobri-nhas do meu av tambm so jornalistas.

    Jornal da ABI Alm da formao jorna-lstica, Edmar Morel aprofundou o vis depesquisador. Isto pode ser observado noslivros e matrias que escreveu.

    Marco Morel Ele comeou fazendoreportagem, depois fez livro-reportageme, em seguida, jornalismo histrico. Faziano s um livro sobre determinada repor-tagem, mas tambm se dedicava pesqui-sa histrica a partir do jornalismo. Aomesmo tempo em que ele fazia a pesqui-sa histrica, escrevia de uma maneirajornalstica com um texto mais agradvel,mais claro, fcil de se entender. Ele foi umdos pioneiros, no no livro-reportagem,mas no jornalismo histrico. Atualmen-te podemos citar, dentre outros, Fernan-do de Morais nesta linha de trabalho.

    Jornal da ABI Que ttulo voc citaria en-tre os livros-reportagens de maior reper-cusso?

    Marco Morel E Fawcet No Voltou, comprefcio do Marechal Rondon, rene umasrie de reportagens que ele fez na Amaz-nia para os Dirios Associados. Moscou Idae Volta, com apresentao de Joel Silveira,tambm foi um livro-reportagem impor-tante, sobre a viagem de meu av aos pa-ses da Cortina de Ferro, perodo em que es-creveu diversas matrias. A Revolta da Chi-

    bata um livro histrico, pois ele precisoupesquisar dados, entrevistar pessoas.

    Jornal da ABI A publicao de A Revoltada Chibata trouxe problemas para EdmarMorel em 1964?

    Marco Morel Sim. O fato de ele terescrito A Revolta da Chibata gerou muitoressentimento entre os oficiais da Mari-nha. Meu av foi muito perseguido e teveos direitos polticos cassados em 1964.Cada vez que ele tentava arranjar empre-go em um jornal, os almirantes pressiona-vam para ele ser demitido. O historiadorHlio Silva costumava contar essa hist-ria, porque meu av no falava sobre es-sas coisas em famlia. Alm disso, as re-portagens dele apresentavam um cunhoinvestigativo e social muito forte, o quede alguma maneira tambm incomodava.

    Jornal da ABI Como foi a passagem deEdmar Morel pelo Departamento de Im-prensa e PropagandaDip?

    Marco Morel Ele foi nomeado redatordo Dip quando exercia a mesma funonos Dirios Associados. As reportagensque ele fazia para os Dirios Associadoseram aproveitadas e republicadas peloDip. Ele permaneceu assim algum tempoat escrever a reportagem intitulada ABeliscada. A pauta chamou a ateno demeu av em Recife, onde existia a basearea norte-americana. Ele observou quemuita gente ficava esperando passar ocaminho de lixo da base area norte-americana para catar as sobras de alimen-tos. Crianas, mulheres e velhos disputa-vam os restos de comida dos militares.Quando a matria foi publicada, meu avcomeou a ser perseguido e recebeu umcomunicado informando a sua transfe-rncia para o Dip do Amap, uma coisaassim (risos). Como ele era uma figura,correu para o banheiro, pegou um pedaode papel higinico e escreveu: Peo demis-so! e entregou para a chefia. Ainda assimexistem pesquisadores que dizem queEdmar Morel trabalhou no Dip porque eraaliado do Governo. Meu av participouapenas do Governo Joo Goulart na fun-o de assessor de imprensa dos Minist-rios da Sade e da Viao e Obras Pblicas.

    Jornal da ABI Em que perodo EdmarMorel enfrentou maior dificuldade paraconseguir emprego?

    Marco Morel Em 1952, ele j tinhasado dos Dirios Associados e viajou paraa Unio Sovitica. Na volta ao Brasil,ficou quase um ano desempregado. Era apoca do marcarthismo. Assim comoaconteceu nos Estados Unidos, aqui tam-bm havia esta coisa de lista-negra nasRedaes, perseguio a comunistas, etc.Foi at curioso porque meu av viajoupara a Unio Sovitica credenciado porvrios jornais do Rio de Janeiro e de ou-tros Estados para fazer reportagens. Osveculos de comunicao se cotizarampara pagar a passagem de avio, hospeda-gem e outras despesas e receber as mat-rias. Porm, os mesmos que custearam aviagem se recusaram a publicar os textos.Para completar a situao, um padre re-solveu escrever uma carta para um dessesjornais dizendo que na Unio Soviticase fazia sopa com carne de criancinhas(risos). Houve at um episdio que temrelao com a ABI. Quando meu avvoltou da Unio Sovitica, fez escala emRoma, porque no existia vo direto.Quando ele chegou em Roma, telefonoupara Herbert Moses, ento Presidente daABI, e explicou que estava retornando eque poderia estar correndo o risco de serpreso. O vo chegou ao Rio por volta das4 horas da manh. Herbert Moses foi pes-soalmente aguard-lo no aeroporto. Mo-ses era um homem muito conceituado,um empresrio rico com boas relaes.Ele passou direto pela Alfndega, cumpri-mentou meu av e perguntou se ele esta-va trazendo algum material subversivo.Meu av respondeu que no, mas deixaestar que ele j tinha enviado todo omaterial para o Brasil pelo correio deRoma com o envelope endereado mi-nha av(risos). Moses, ento, deu o braoa ele e passaram direto sem problemas.

    Jornal da ABI Edmar Morel chegou a serpreso em alguma situao?

    Marco Morel Na poca do golpe de1964, quando foi publicado O Golpe Come-ou em Washington, ele soube nas Redaesque existia uma lista-negra dos jornalistasque seriam presos, na qual o nome deleestava includo. Ele resolveu, ento, con-versar com a escritora Rachel de Queiroz,que era conterrnea e amiga dele no Cea-r. Se conheceram na adolescncia. A Ra-chel, alm de ter apoiado o golpe, era pa-rente do Castelo Branco. Meu av expli-cou para a Rachel que sabia que seria pre-so e pediu apenas para ficar preso no Riode Janeiro, no queria ficar confinado. Naconversa com Castelo Branco, Rachel con-tou que Edmar Morel era cearense, filho defulano, sobrinho de beltrana, primo desicrana, essas histrias. Sendo assim, digaa ele que ns no vamos aborrec-lo, res-pondeu Castelo Branco. Bem antes desteepisdio, mais precisamente em 1935,meu av estava se dirigindo para o jornalA Manh, onde trabalhava, e encontrouum conterrneo do Cear que tinha entra-do para a Polcia. O amigo avisou que es-tava tendo uma confuso danada na ruaporque o jornal A Manh tinha sido fecha-do e todos os jornalistas que chegavampara trabalhar estavam sendo presos. Meu

    Nos anos 1960, houve uma tentativa de adaptar para o cinema o livro A Revolta da Chibata, de Morel

    FOTOS: ACERVO MARCO MOREL

  • 14 JORNAL DA ABI 381 AGOSTO DE 2012

    av disfarou, se despediu do amigo poli-cial e deu meia volta (risos).

    Jornal da ABI O perfil de jornalista com-bativo esteve presente desde o incio dacarreira de Edmar Morel?

    Marco Morel Posso afirmar que eledesenvolveu isto depois. Comeou fazen-do reportagem na editoria de Polcia, umatradio no incio da carreira no jornalis-mo. Quando trabalhou em O Globo fezreportagem para as editorias Geral e Ci-dade. Nos Dirios Associados comeou ater espao para o que ele chamava de re-portagem popular, jornalismo popular,com matrias de grande repercusso quesensibilizavam a populao, mas nadaexplicitamente poltico que pudesse sercensurado ou vetado.

    Jornal da ABI Qual foi a primeira mat-ria importante com estas caractersticas?

    Marco Morel A primeira reportagemde impacto foi sobre a gua Farpa, reali-zada em 1944, durante a Segunda Guer-ra Mundial, quando havia racionamentode leite, de alimentos, em geral. Cadafamlia tinha direito a uma quantidademuito pequena de leite por semana.Quem tinha criana pequena em casa oualgum doente enfrentava muita dificul-dade para comprar o produto. As pessoasformavam