Jesus de Nazare Filho de Deus

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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância CULTURA TEOLÓGICA Jesus de Nazaré, Filho de Deus Autor: Pe. Wilson Cardoso de Sá EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação

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Apostila para estudo na área de Teologia.

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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância

CULTURA TEOLÓGICA

Jesus de Nazaré, Filho de Deus

Autor: Pe. Wilson Cardoso de Sá

EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 – OS DADOS CRISTOLÓGICOS DO ANTIGO TESTAMENTO ........ 05

1.1 Chave de Leitura ............................................................................................... 05

1.2 O mediador Régio da Salvação ......................................................................... 07

1.3 O mediador Sacerdotal da Salvação ................................................................. 09

1.4 O Mediador Profético da Salvação .................................................................... 10

1.5 O Mediador Celestial da Salvação .................................................................... 11

UNIDADE 2 – A INFÂNCIA DE JESUS .................................................................. 15

2.1 Encarnação ....................................................................................................... 15

2.2 Anunciação a Maria ........................................................................................... 16

2.3 Epifania ............................................................................................................. 18

2.4 Circuncisão ........................................................................................................ 19

2.5 Apresentação de Jesus no Templo ................................................................... 21

2.6 Vida Oculta ........................................................................................................ 23

UNIDADE 3 – OS MISTÉRIOS DA VIDA PÚBLICA DE JESUS ............................ 27

3.1 Batismo de Jesus .............................................................................................. 27

3.2 Tentação ........................................................................................................... 32

3.3 Jesus e o Reino ................................................................................................. 40

3.4 Morte ................................................................................................................. 45

3.5 Ressurreição ..................................................................................................... 47

UNIDADE 4 – AS HERESIAS CRISTOLÓGICAS .................................................. 50

4.1 Noções Introdutórias ......................................................................................... 50

4.2 Negação da Humanidade: Docetismo Gnóstico ................................................ 51

4.3 Negação da Divindade: Adocionismo, Nestorianismo e Arianismo ................... 52

4.4 Problemas da Natureza, da Pessoa, das Vontades: Monofisismo, Monotelismo e Monergismo .......................................................................................................... 54

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4.5 O problema da alma de Jesus: apolinarismo .................................................... 55

UNIDADE 5 – OS DOGMAS CRISTOLÓGICOS .................................................... 57

5.1 Segunda pessoa da Santíssima Trindade ......................................................... 57

5.2 Deus e Homem Verdadeiro ............................................................................... 58

5.3 Mesma natureza do Pai e do Espírito Santo ..................................................... 58

5.4 Uma única Pessoa, Duas Naturezas, Duas vontades ....................................... 59

5.5 Conteúdo complementar ................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 63

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INTRODUÇÃO

“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,14). Iniciar esta disciplina de

cristologia com a pergunta do próprio Cristo é de grande relevância, pois, poderemos

perceber que não é algo recente a preocupação em conhecer Cristo, o próprio

manifestou sua “curiosidade” de saber o que diziam as pessoas a seu respeito.

Fazer esta pergunta continua sendo de grande importância, pois, a sociedade

hodierna, mesmo depois de dois mil anos de cristianismo, ainda não conhece a

Cristo. Quando perguntamos nas comunidades, nos diversos meios em que vivemos

sobre a Pessoa de Cristo, não será raro receber várias respostas que não condizem

com a Tradição cristã e as Sagradas Escrituras.

Sendo assim, esta disciplina nos ajudará a compreender vários aspectos da

Pessoa de Cristo, e nos mostrará claramente qual é a fé verdadeiramente cristã no

Filho único do Pai. Para que ao sermos questionados pelo mundo, ou pela própria

consciência quem é Cristo, possamos dar respostas racionais com certeza e

verdade.

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UNIDADE 1 – OS DADOS CRISTOLÓGICOS DO ANTIGO

TESTAMENTO

O objetivo desta unidade é inserir o acadêmico no conhecimento de Jesus

Cristo, tendo como base os dados cristológicos encontrados nos textos

veterotestamentários. Fazendo com que o mesmo consiga perceber uma relação

entre o Antigo e o Novo Testamento.

1.1 Chave de Leitura

Para começar nossa reflexão proposta, devemos, antes de tudo, levar em

consideração um ponto que é de fundamental importância para nossa leitura

cristológica do Antigo Testamento. Não há uma revelação clara de Jesus Cristo nos

textos da primeira aliança (Antigo Testamento). Então, poderemos nos questionar:

Como falar de dados cristológicos no Antigo Testamento, se não há revelação de

Jesus Cristo?

Só podemos contemplar e chegar a estes dados, a partir do próprio evento

Jesus Ressuscitado, isto é, como se olhássemos para trás e conseguíssemos

contemplar o que antes não víamos, pois, a luz do Ressuscitado iluminou toda a

história de salvação, e conseguimos enxergar o que outrora ignorávamos. Desta

forma, o centro de toda a vida de Jesus está na sua Ressurreição. É ela que nos

permitirá falar do passado e também do futuro do Messias.

Se possível, vamos apresentar uma comparação que nos ajudará a

compreender o que dissemos acima. Claro que toda comparação por mais perfeita

que seja é sempre uma comparação, não a realidade, e por isso mesmo, gera um

prejuízo no conteúdo que desejamos apresentar, mas sabemos também que sem

comparações, às vezes, não alcançamos o mínimo proposto para a compreensão do

assunto, por isso arrisco comparar esta proposta de leitura a partir do Ressuscitado

com uma pessoa que anda por um ambiente escuro, indo à busca de uma vela, ou

lamparina: no trajeto até o objeto almejado passa por muitas coisas, ora totalmente

despercebidas devido à falta de visão, ora por vultos que não permitem reconhecer

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o que se tenta ver. Quando, porém, chega até a vela, ou lamparina e a acende, todo

o trajeto percorrido é iluminado e o que antes não era perceptível, agora passa a ser

conhecido. Mais ou menos assim, é o que acontece com os dados cristológicos no

Antigo Testamento, estavam sempre ali,

presentes ao longo da economia de salvação,

porém a Ressurreição é como a lamparina que

acendeu a luz da história e hoje podemos contemplar os dados cristológicos nos

textos veterotestamentários.

Por isso, quando questionados: Há revelação de Jesus Cristo no Antigo

Testamento? Sabemos que não há, mas podemos falar dele no Antigo, a partir do

Novo Testamento. Em Jesus Ressuscitado, tudo foi revelado, o Antigo e o Novo

Testamento estão revelados em plenitude.

Iniciaremos nosso estudo sobre Jesus Cristo a partir do Antigo Testamento,

pois o mesmo,

forma o horizonte de compreensão, a partir do qual pode unicamente ser apreendido todo o peso teológico da Cristologia neotestamentária. [...] Isto significa, falando talvez com demasiada ênfase: enquanto o NT mostra “quem é o Cristo”, diz-nos o AT “o que é o Cristo”; pois “se o NT anuncia que Jesus é o Cristo, aponta para o AT”. (FEINER; LOEHRER,1973, p. 93-94).

O que queremos dizer com isto é que, todas as categorias que o Novo

Testamento utiliza para definir Jesus Cristo são categorias do Antigo Testamento,

pois Jesus é a concretização de tudo o que o povo estava esperando. Desta forma,

“o AT não é a pré-história meramente preparatória de Jesus, mas um pressuposto

interno, e mais: uma dimensão permanentemente constitutiva de Jesus e da fé em

Cristo”. (SCHNEIDER, 2001, p. 222).

Vale ressaltar um pensamento do Catecismo da Igreja Católica, que diz:

A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da “Primeira Aliança”, tudo ele faz convergir para Cristo; anuncia-o pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. Desperta, além disso, no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda. (CAT 522)

Quando falamos de “economia da salvação” nos referimos à história de salvação.

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Como podemos perceber, a vinda de Jesus Cristo é um grande

acontecimento, que não ocorre repentinamente. A vinda do Messias, do Deus

conosco é preparada por Deus Pai já desde a Antiga Aliança, e, ao chegar a

plenitude dos Tempos, Jesus encarna-se no seio da virgem, não como um fato ao

acaso, mas como um processo de amor e cuidado da parte de Deus para com a

humanidade.

Este carinho e amor é tão grande, que quis

preparar o seu povo, para o grande

acontecimento. Acompanhemos a partir de agora

alguns fundamentos veterotestamentários (Antigo

Testamento), para a Cristologia do Novo

Testamento. Seguiremos esta unidade

parafraseando o Compêndio de Dogmática

Mysterium Salutis que nos ajudará a alcançarmos

o objetivo desta unidade.

Fonte: http://migre.me/giv8i

1.2 O Mediador Régio da Salvação

Você já ouviu dizer que Jesus é Filho de Davi? Já ouviu dizer que ele é Filho

de Deus? Que o reino dele não terá fim? (Lc 1,32) Pois bem, quem nos ajuda a

entender estas definições que dizem respeito a Jesus, é justamente o Antigo

Testamento. Nele encontramos todo o fundamento necessário para esta

compreensão. Dois temas nos ajudarão num melhor entendimento de Jesus como

mediador régio de salvação: A promessa

davídica com a obra histórica do Javista e os

Salmos régios. Outros tópicos que colaboram

nesta perspectiva serão propostos como leituras complementares mais adiante.

Régio quer dizer que pertence, que diz respeito ou que emana do rei: ato régio. Real.

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a) A promessa davídica e a obra histórica do Javista

Para que possamos contextualizar este momento, é importante que você

pegue a sua bíblia e leia: 2 Sm 7. Este capítulo é o fundamento da promessa de

Deus feita a Davi.

Após termos lido esta passagem, torna-se mais claro o que diremos a seguir.

Retomando o texto, é fundamental percebermos que a iniciativa de edificar

um reino para si é de Deus. A obra de salvação então, não é uma iniciativa humana,

não pode ser construída a partir da vontade do homem, mas é uma vontade divina,

realizada claro com as mãos humanas.

A menção ao trono de Davi vai ganhando importância, e o reconhecimento de

Jesus como filho de Davi vai sendo construído a partir deste texto. Note que o reino

de Davi será governado por outro, não é Davi que governará para sempre, mas o

seu reino será mantido para sempre por um descendente de sua casa. Isto é

fundamental. A descendência da casa de Davi será a segurança para um verdadeiro

herdeiro. A casa de Deus, assim, alcançará sua meta num descendente. Então,

podemos dizer que Jesus irá encerrar a série dos reis de sua linhagem. Jesus será a

concretude da promessa feita outrora a Davi.

Mas juntamente com esta promessa feita a Davi, vem a obra histórica do

Javista. Esta passagem de 2 Samuel que acabamos de ler, está intimamente ligada

à promessa feita a Abraão. “Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e

exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênção” (Gn 12, 2s). De acordo com

os estudiosos, esta obra histórica javista respira os mesmos ares do já estudado

texto de 2 Samuel, “portanto tenciona igualmente, entre outras coisas, ancorar a

casa real davídica na precedente história dos patriarcas e com isso, legitimá-la

teologicamente”. (FEINER; LOEHRER, 1973, p. 96).

O que queremos dizer com tudo isto? A promessa de um Rei que governará o

seu povo para sempre, não é uma missão puramente dada a Jesus, como uma

novidade revelada somente com a vinda de Cristo. A preparação de um povo que o

Senhor escolheu, já é anunciada desde o início da bíblia, passando pelo governo de

Davi e a promessa feita a ele.

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O reino que não terá fim, prometido a Davi, a nação que será dada a Abraão

serão concretizados, realizados em Jesus Cristo, o Rei dos reis e Senhor dos

senhores. Cristo, de certa forma, concretiza todas as promessas feitas outrora aos

antepassados de Israel. Ele é o mediador régio da salvação, o Rei que nos dará a

verdadeira salvação.

b) Os salmos régios

Na mesma perspectiva que abordamos o tópico anterior, vêm corroborar para

uma melhor compreensão do assunto, os salmos régios. Novamente, os salmos que

tratam da realeza de Davi e sua descendência serão em suma uma grande

preparação para a acolhida do verdadeiro Rei.

Como não nos cabem realizar uma exegese dos salmos, vale só mencioná-

los para que ao lermos, possamos perceber a realeza davídica como fundamento da

realeza de Jesus. Podemos encontrar estes salmos régios em vários casos como o

Sl 78 que diz: “Escolheu Davi, seu servo, tirou-o do aprisco das ovelhas; da

companhia das ovelhas fê-lo vir para apascentar Jacó, seu povo, e Israel, sua

herança; ele os apascentou com coração íntegro e conduziu-o com mão sábia”. (Sl

78, 70-72).

Igualmente como este, muitos outros salmos tratam do rei Davi, de seu

governo e descendência como: Sl 132, Sl 89, Sl 2, Sl 110, Sl 101, Sl 72, Sl 45, Sl 20

e 2, Sl 18, Sl 144 e Sl 118. Desta forma, vamos percebendo a importância do

governo do Rei Davi e de sua descendência que chegará à plenitude e

concretização em Jesus. Vale a pena você ler os salmos citados e conferir

pessoalmente esta dimensão que acabamos de falar.

1.3 O Mediador Sacerdotal da Salvação

Assim como já ouvimos muito falar que Jesus é Rei, Filho de Davi. Outro

adjetivo cristológico muito utilizado é o de Jesus sacerdote. Quando lemos a carta

aos Hebreus podemos logo notar o quão importante é esta definição de Jesus. Não

só a carta aos Hebreus, bem como o desenvolvimento da cristologia dogmática trata

do sacerdócio de Jesus Cristo. Pois bem, intrínseco ao reinado está o sacerdócio.

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Dizemos isto, com base nos próprios textos do Antigo Testamento.

Começamos lendo o texto do Deuteronômio 33,8-11. Este texto é a fonte mais

importante para o sacerdócio já no período pré-exílico. A tribo de Levi é como que

portadora do sacerdócio, são os membros desta tribo que oferecem o incenso e os

holocaustos a Deus como podemos ver no versículo 10 da leitura apresentada do

Deuteronômio.

Nesta forma, o sacerdócio vai ganhando uma dimensão cúltica, a classe

sacerdotal vai sendo formada e tornando-se hereditária. Quando no único texto que

faz menção a Davi como sacerdote, lemos “Tu és sacerdote para sempre segundo a

ordem de Melquisedec” (Sl 110,4), estamos vendo um crescendo desta classe

sacerdotal, que tem em seu rei o sacerdote por excelência, todos os demais

sacerdotes serão instituídos pelo rei, para fazer as suas vezes.

Sendo Davi ligado ao sacerdócio de Melquisedec que lemos em Gn 14,17-20,

toda a descendência da realeza de Davi irá receber o ministério sacerdotal em si.

Como no tópico anterior vimos, a união de Jesus ao Rei Davi, agora também vemos

não só a realeza como o sacerdócio de Jesus.

Durante o exílio e imediatamente após fica o templo, [...] no primeiro plano da atenção, no que concerne à mediação sacerdotal da salvação. Quer isto dizer: Centro e fonte da salvação, doravante, embora em matizes vários, amplamente vista como escatológica, é, como lugar da presença de Deus garantida e celebrada cúltica e sacerdotalmente, juntamente com a nova Jerusalém, o santuário novo prometido e esperado. Isto se demonstra logo na grandiosa visão de Ezequiel sobre o templo novo, Ez 40-48. O Templo, minuciosamente descrito, será o penhor da presença de Deus no meio de seu povo e se tornará com isso a fonte da salvação e da vida. (FEINER; LOEHRER, 1973, p. 96).

No Novo Testamento veremos também, uma ligação muito próxima de Jesus

ao Templo. Quando ele faz menção de si mesmo, ao falar: Destruirei este Templo e

reconstruirei em três dias. (cf. Jo 2, 19).

1.4 O Mediador Profético da Salvação

Juntamente com o ministério de mediador político-cúltico, cujos

representantes são os reis e os sacerdotes, também se faz presente a função

mediadora carismática.

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O que seria um mediador carismático? O mediador carismático é o dom da

profecia, são os profetas que Deus instituiu em favor do povo.

O texto que é a base para a compreensão da função profética é o de

Deuteronômio 18,9-22. Moisés será assim, o grande símbolo do profetismo. Moisés

será o modelo de profeta para todo Israel.

Moisés atribui a instituição do profetismo ao Senhor por ocasião da teofania no Horeb (cf. Ex 20, 19-21 e Dt 5, 23-28), instituição a que fazem alusão, no Novo Testamento, São Pedro (At 3,22-26) e Santo Estevão (At 7,37). Fundamentados neste texto do Deuteronômio, os judeus esperam o Messias como Novo Moisés (cf. Jo 1,21) (Roda pé da Jerusalém Dt 18,18)

Desta forma, toda a experiência profética originária em Moisés, passando

pelo tempo profético terá como base a experiência de Moisés. O anúncio e a

denúncia próprios do carisma profético serão plenamente realizados em Jesus

Cristo, que será visto como o Novo Moisés. Os evangelistas João e Mateus fazem

um grande esforço por unir a figura de Cristo à de Moisés.

1.5 O Mediador Celestial da Salvação

Recorrendo ao Antigo Testamento, também podemos encontrar alguns

elementos muito significativos na concepção não só cristológica como também

trinitária, mas como nosso enfoque é Jesus Cristo, nos deteremos a analisar as

figuras seguintes como uma concepção de forma implícita do Messias esperado,

Nosso Senhor Jesus.

Uma figura recorrente no Antigo Testamento, que pode ser um sinal de dado

cristológico no Antigo Testamento é a figura do Anjo de Javé. Em várias passagens

dos textos da Antiga Aliança poderemos encontrar esta figura muito recorrente. Mas

como podemos fazer alguma ligação cristológica com esta figura? Vejamos.

Primeiro, em muitos textos a figura do Anjo de Javé é expressa com tanta

intimidade com Javé, que fica muito difícil distinguir o Anjo da Pessoa de Javé.

Parece que a forma do Deus transcendente aparecer e agir na história é realizada

pela figura do Anjo, quase como uma versão sensível da atuação concreta de Deus.

Outro sinal importante é perceber que o Anjo em muitos casos aparece de forma

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independente de Javé, porém, há uma estreita relação entre o Anjo e Javé, de

maneira que desobedecer ao Anjo é desobedecer ao próprio Deus. Significativo, é

perceber também, a função que o Anjo muitas vezes desempenha como aquele que

dá acesso ao Pai. Por intermédio do Anjo chega-se a Javé.

Assim, o Anjo revela Javé, isto é, possui uma função revelatória. Possui

funções soteriológicas (de salvação), como podemos perceber na passagem de

Jacó que lemos em Gn 48,17, em que o anjo salva Jacó. Não podemos esquecer-

nos da função de intercessor. Encontramos esta função no livro de Tobias 12,12.15.

Com o olhar cristocêntrico do Novo Testamento, é bem provável ver no Anjo a figura

de Jesus Cristo.

Mas, não somente o Anjo colabora nesta reflexão, outra figura que nos ajuda

a trilharmos os dados cristológicos no Antigo Testamento é a personificação da

sabedoria. O que seria isto exatamente?

Em linhas gerais, e de maneira muito sucinta, dizemos que a sabedoria,

quando lemos os livros sapienciais, parece ser expressa de tal maneira que ganha

vida própria. Em Pr 8 a sabedoria age, fala, exorta. A tal ponto que poderíamos

identificá-la como uma pessoa. Claro que a intenção do autor não é dar um sentido

de hipóstase (pessoa), e sim se utilizar de um recurso literário para expressar sua

ideia, porém, as personificações do Antigo Testamento ganham uma proporção

muito maior no Novo Testamento, fazendo com que possamos ver na Pessoa de

Jesus a concretização das personificações veterotestamentárias.

Trilhamos aqui um pequenino resumo sobre as dados cristológicos no Antigo

Testamento, claro que tem muito mais a ser falado, e muitas coisas ficaram em

aberto. Por isso mesmo, o que vimos aqui é como uma bússola que nos indica a

direção a caminhar, porém, não é o ponto final. Principalmente para entendermos

melhor esta unidade deveremos nos aprofundar em livros, e pesquisarmos em

outras fontes. Claro que a sugestão de leitura será essencial para tirarmos as

dúvidas que até aqui podemos ter tido, e sanar as limitações causadas pela redação

deste simples e breve texto.

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Exercício 1

1. A respeito dos dados cristológicos no Antigo Testamento, indique Verdadeiro ou Falso:

O povo da Antiga Aliança já conhecia Jesus como Messias, o mesmo já havia se revelado em várias passagens do Antigo Testamento.

A vinda de Jesus é um acontecimento muito grande. Desta forma, Deus quis ao longo de toda a história do Povo de Israel prepará-los para tão grande acontecimento.

O Antigo Testamento é de suma importância para uma verdadeira compreensão cristológica no Novo Testamento.

2. A respeito do texto que estudamos sobre o Mediador régio da salvação, indique Verdadeiro ou Falso:

A realeza de Jesus está fundamentada na aliança que a Igreja fez com o Império Romano.

O único rei instituído por Deus é Jesus. Desta forma, toda tentativa de instituir reis no Antigo Testamento não passou de desobediência do povo em relação a Deus.

Somente os salmos, de modo especial os salmos régios são verdadeiras preparações para a vinda do verdadeiro Rei Jesus.

3. Responda “V” para verdadeiro ou “F” para falso:

A instituição dos reis, dos sacerdotes e também dos profetas de certa forma é uma preparação para compreendermos Jesus Cristo no Novo Testamento.

Sugestão de Leitura

Penso ser extremamente necessária a leitura desta clássica obra de Teologia para uma compreensão melhor dos dados cristológicos no Antigo Testamento.

FEINER, Johanes; LOEHRER, Magnus (org.). Mysterium Salutis: Compêndio de Dogmática Histórico-salvífica. Vol III. Tomo 1. Petrópolis: Vozes, 1973.

A leitura é um pouco densa, isto exigirá um esforço maior para a compreensão, porém, a obra é riquíssima em conteúdo e fundamental para uma melhor compreensão da unidade. Aconselho a leitura do terceiro capítulo desta obra.

Fonte: http://migre.me/givQe

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O Anjo de Javé é a prefigura de Jesus Cristo e a personificação da Sabedoria é o Espírito Santo. Estas são as formas que Jesus e o Espírito Santo encontraram para revelarem-se já no Antigo Testamento.

A Sabedoria personificada não significa que a Sabedoria é uma hipóstase (pessoa).

Há um esforço muito grande em alguns textos do Novo Testamento em demonstrar que Jesus é o Novo Moisés.

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UNIDADE 2 – A INFÂNCIA DE JESUS

O objetivo desta unidade é levar o acadêmico a uma reflexão e pesquisa

sobre a infância de Jesus. Bem sabemos que são poucos os detalhes deste período

histórico, no entanto, os tópicos que aprofundaremos são de grande importância

para uma melhor compreensão sobre a vida e missão de Jesus Cristo.

Como base fundamental desta unidade, vamos utilizar a trilogia de Bento XVI:

“Jesus de Nazaré”. Estas três obras refletem de maneira minuciosa vários aspectos

da vida de Cristo. Com uma linguagem acessível, e de forma sintética, o santo

Padre expõe questões teológicas e algumas reflexões bíblicas que contribuirão na

construção do nosso saber nesta unidade. Acompanhe!

2.1 Encarnação

O mistério da encarnação de Jesus Cristo é um dos pontos mais belos e de

maior perplexidade para uma concepção racionalista moderna. Mas o que

entendemos por encarnação? “A Igreja denomina ‘encarnação’ o fato de o Filho de

Deus ter assumido uma natureza humana para realizar nela a nossa salvação.”

(CAT 461).

Como não sendo o bastante, a fé católica professa também, esta encarnação

por meio de uma mulher. “Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, enviou

Deus o seu Filho, nascido de uma mulher,

nascido sob a Lei, para remir os que

estavam sob a Lei, a fim de que

recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4-5).

Este assumir a natureza humana dá-se

pelo fato de nascer de uma mulher, assim,

pela encarnação é possível acontecer o

que os Santos Padres chamaram de

“sacrum commercium”.

Fonte: http://migre.me/giwAX

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De fato, o Filho de Deus – Deus verdadeiro de Deus verdadeiro – deixou o seu esplendor divino ‘... despojou-se de si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens, aparecendo com a forma humana, humilhou-se a si mesmo... até a morte de cruz’ (cf. Fl 2,26ss). Deus realizou como dizem os Padres – o sacrum commercium, o intercâmbio sagrado: assumiu o que era nosso, para que pudéssemos receber o que era seu, tornar-nos semelhantes a Deus. (BENTO XVI, 2007, p. 3)

Com certeza a encarnação de Jesus é uma iniciativa amorosa de Deus, que

quer estar perto da humanidade. Ainda hoje, temos ideia de um Deus distante, que

está nos céus (fisicamente). A mentalidade de um Deus arquiteto, como a maçonaria

propõe, é muito forte também hoje. Este arquiteto divino teria criado todas as coisas

e agora repousa longe da humanidade, mais ou menos, como aquele que só assiste,

observa a humanidade, e não intervém na história. “O dogma da Encarnação, pelo

contrário, introduz radicalmente e pessoalmente a presença divina na história

humana.” (GONZÁLEZ, 1992, p. 351).

2.2 A Anunciação a Maria

Vejamos agora, alguns pontos relevantes sobre a anunciação do Anjo a Maria.

Abra a sua bíblia em Lc 1, 26-38, faça uma leitura rápida para que possamos

analisar de modo mais claro a passagem. Como

podemos perceber o texto apresenta um diálogo

entre o Anjo e Maria. Salta-nos à vista, num

primeiro momento a expressão: “No sexto mês”.

Esta referência ao sexto mês está ligada à

concepção de João Batista; uma clara intenção do

autor é fazer a correlação entre João Batista e

Jesus. Há uma ligação muito forte entre os dois.

Fonte: http://migre.me/gix7B

Sacrum commercium é uma expressão latina que significa intercâmbio, troca sagrada. Expressão utilizada principalmente pelos Padres da Igreja (período patrístico), para explicar a experiência que Cristo proporciona para a humanidade. Deus assume a nossa humanidade para que a humanidade possa ser semelhante a Deus.

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A narrativa da aparição do Anjo a uma virgem remonta a Is 7,14: “Pois sabei

que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem está grávida e dará à luz

um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”. Vale ressaltar que a tradução grega traz,

em lugar de “jovem”, a expressão “virgem”.

A primeira saudação que o Anjo faz para Maria é: “Alegra-te cheia de graça”.

Ratzinger, quando fala sobre esta passagem, nos leva a compreender que a

expressão Khaire (alegra-te) impressiona ao ser utilizada no lugar da expressão

hebraica shalom (a paz esteja contigo). Temos aqui uma singela e, às vezes, quase

que imperceptível mudança.

“Como vimos, ‘alegra-te’ é, primeiramente, uma saudação em grego, e

assim, nessa palavra, abre-se imediatamente também a porta para os povos do

mundo; tem-se uma alusão à universalidade da mensagem cristã.” (RATZINGER,

2012, p. 30).

Vale lembrar que a saudação do Anjo também remonta à alegria descrita na

profecia de Sofonias, quando diz: “Rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria,

Israel! (...) O Senhor, o teu Deus, está no meio de ti.” (Sf 3,14-17). Nesta

perspectiva, vamos fazendo ligações de textos, e vamos chegando até a expressão

do Êxodo, que mostra Deus habitando no seio de Israel, vemos isto em Ex 33,3;

34,9. Não tem como não perceber deste modo a expressão de Lc 1,31: “Eis que

conceberás no teu seio [...]” Maria, desta forma, pode ser comparada como a Filha

de Sião, a nova Arca da Aliança, consecutivamente como figura da Igreja.

Outro ponto fundamental na Anunciação é a revelação do nome do menino:

Jesus. O Nome que o menino irá receber esconde o tetragrama [YHWH]. “O Nome

de Deus, que começou na sarça ardente, é completado em Jesus.” (RATZINGER,

2012, p. 33).

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2.3 Epifania

Fonte: http://migre.me/gixiv

Vamos ler Mt 2,1-12.

Nesta passagem do Evangelho de Mateus, contemplamos muitas realidades

significativas para conhecer melhor a Pessoa de Jesus Cristo. Primeiro, a revelação

do nome da cidade do nascimento do menino. Belém é uma palavra de origem

hebraica Bêt’lehem, que significa casa do pão. Com certeza não é uma mera

coincidência, pois, como futuramente o próprio Jesus dirá: “Eu sou o pão vivo

descido do céu” (Jo 6, 51).

O Evangelho de Mateus tem um cunho bastante judaizante. Quando o texto

mateano introduz a narrativa da visita dos reis magos, faz com que seja evidenciada

a universalidade da missão de Jesus. Há de forma notória, o desejo de salvação

para todas as nações. “A adoração dos magos era o cumprimento dos oráculos

Epifania ou Teofania é entendida como aparição de Deus. Nome dado a conceito e a fenômeno bem definido e característico, que ocorre em muitas passagens do AT. Estes fenômenos são caracterizados por revelar o próprio Deus. No NT vemos na visita dos Reis Magos a manifestação de Deus para a humanidade. (cf. MACKENZIE, 1984, p. 923.)

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messiânicos a respeito da homenagem que as nações prestariam ao Deus de Israel.

cf. Nm 24,17; Is 49, 23; 60, 5s; Sl 72,10-15.”1 (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2008)

Na narrativa da visita dos reis magos, também são significativos os presentes

recebidos por Jesus. A tradição não bíblica denomina os magos de Baltazar,

Melchior e Gaspar. Não tem como comprovar nem histórica, nem biblicamente isto,

mas os nomes são bem difundidos de modo popular. Mas tirando este pequeno

comentário paralelo, os três reis trouxeram, segundo o texto de São Mateus: ouro,

incenso e mirra. (cf. Mt 2,11).

Muito cedo a tradição patrística entendeu o significado dos presentes como

sendo: Ouro, o reconhecimento da realeza de Jesus; o ouro era “marca registrada”

dos reis. Incenso, o reconhecimento da divindade; o Incenso era utilizado nos

sacrifícios para agradar a Deus. Mirra, o reconhecimento da humanidade e uma

forma de profetizar a morte de Jesus, isto é, a sua paixão. A mirra é um perfume

utilizado para embalsamar os corpos. Nisto a tradição bíblica vê em Jesus, a

realeza, a divindade e a humanidade do Cristo.

2.4 Circuncisão

Quando falamos da vida de Jesus, não podemos deixar de fora a prática

religiosa da circuncisão. A circuncisão e a apresentação de Jesus no Templo

encerram a história do nascimento de Jesus Cristo. A circuncisão era realizada no

oitavo dia depois do nascimento e a apresentação no Templo depois de quarenta

dias. Mas, o que é circuncisão e qual o seu significado?

A circuncisão é a prática de cortar a membrana do pênis, o que chamamos de

prepúcio. Muito parecido, se não idêntico ao que chamamos hoje de cirurgia de

fimose. Desta forma, o pênis fica com a glande exposta. Em muitas culturas esta

prática já era realizada, não há muitas comprovações históricas para a origem desta

prática, mas é sabido que vários povos já recorriam a este recurso alegando melhor

higienização. Em outros aparece como um rito de passagem entre a infância e a

vida adulta, ao circuncidar o rapaz estavam dizendo que o mesmo já estava apto

para uma vida sexual, e consecutivamente para o matrimônio, pois em algumas

1 Comentário a Mt 2,11, em nota de rodapé.

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culturas acreditava-se que a circuncisão facilitava a própria atividade sexual (cf.

MACKENZIE, 1984, p.170).

Já no mundo hebreu, do qual Jesus provém, a circuncisão é realizada no

oitavo dia, como já dissemos acima. Logo, a prática de um rito de passagem para a

vida adulta não faz nenhum sentido neste caso. Agora que sabemos o que é a

circuncisão de forma prática e externa, devemos nos perguntar: O que esta prática

tem a ver com Jesus? Por que o povo judeu submetia os meninos no oitavo dia a

este rito?

Para conseguirmos fazer uma ligação entre o rito judaico e a vida de Jesus,

precisamos recorrer à origem bíblica deste rito judaico.

A Lei da circuncisão aparece em Gn 17,10-14:

E eis a minha aliança, que será observada entre mim e vós, isto é, tua raça depois de ti: todos os vossos machos sejam circuncidados. Farei circuncidar a carne de vosso prepúcio, e este será o sinal da aliança entre mim e vós. Quando completarem oito dias, todos os vossos machos serão circuncidados, de geração em geração. Tanto o nascido em casa quanto o comprado por dinheiro a algum estrangeiro que não é de tua raça, deverá ser circuncidado, de geração em geração. Tanto o nascido em tua casa, quanto o comprado por dinheiro a algum estrangeiro que não é de tua raça, deverá ser circuncidado o nascido em casa e o que for comprado com dinheiro. Minha aliança estará marcada na vossa carne com uma aliança perpétua. O incircunciso, o macho cuja carne do prepúcio não tiver sido cortada, esta vida será eliminada de sua parentela: ele violou minha aliança.

Então, a circuncisão de Jesus não tem nada a ver com a prática de higiene ou

de iniciação à vida sexual e matrimonial. Na cultura judaica, a circuncisão é o sinal

de pertença ao povo escolhido por Deus. Justamente constatamos isto ao lermos o

referido texto supracitado. A circuncisão é o sinal da Aliança que Deus faz com seu

povo, assim como fez com Adão e Eva no paraíso, com Noé, através do arco-íris, e

agora com Abraão e sua descendência. Todos os meninos ainda hoje são

circuncidados no oitavo dia na religião judaica.

Mas, Jesus é circuncidado simplesmente para cumprir um preceito? Não.

Com a circuncisão, “Jesus é formalmente recebido na comunidade das promessas

que nasce de Abraão; agora pertence juridicamente ao povo de Israel.”

(RATZINGER, 2012, p.69-70). Com a circuncisão, as expectativas para o

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cumprimento da Aliança estão cada vez mais fortes. A esperança é restaurada, o

Deus que salva (Jesus) está em nosso meio.

2.5 Apresentação de Jesus no Templo

Quando se completaram os dias para a purificação deles, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém a fim de apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor, e para oferecer em sacrifício, como vem dito na Lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos. E havia em Jerusalém um homem chamado Simeão que era justo e piedoso; ele esperava a consolação de Israel e o Espírito Santo estava nele. Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que não veria a morte antes de ver o Cristo do Senhor. Movido pelo Espírito, ele veio ao Templo, e quando os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir as prescrições da Lei a seu respeito, ele o tomou nos braços e bendisse a Deus [...] (Lc 2,22-28).

No tópico anterior, vimos a circuncisão de Jesus, que aconteceu no oitavo

dia. A apresentação no Templo acontece, como já falamos, no quadragésimo dia.

Deste ritual judaico “fazem parte três acontecimentos: a ‘purificação’ de Maria, o

‘resgate’ do filho primogênito, Jesus, através de um sacrifício prescrito pela Lei e a

‘apresentação’ de Jesus no Templo”. (RATZINGER, 2012, p. 70).

Antes de nos deter no assunto que nos propomos aqui, vale lembrar que

todos os temas tratados sobre a infância, inclusive a apresentação no Templo,

revelam um fundamento judaico-cristão muito forte da família de Nazaré, e também

revelam um pouco sobre o redator do texto, no caso, o evangelista Lucas. Fica

evidente a influência forte da cultura grega no autor do texto e o seu pouco

aprofundamento no conhecimento da legislação veterotestamentária. Claro, que a

preocupação do evangelista não era deter-se nestas legislações antigas, “mas

concentra-se no núcleo teológico do acontecimento, que pretendia tornar evidente

aos seus leitores”. (RATZINGER, 2012, p. 70).

Para uma compreensão melhor do que iremos tratar, é preciso recorrer à

passagem bíblica de Lv 12,1-4. 6-8:

O Senhor falou a Moisés e disse: Fala aos israelitas e dize-lhe: Se uma mulher conceber e der à Luz um menino, ficará impura durante

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sete dias, como por ocasião da impureza das suas regras. No oitavo dia, circuncidar-se-á o prepúcio do menino e, durante trinta e três dias, ele ficará ainda purificando-se do sangue. Não tocará coisa alguma consagrada e não irá ao santuário, até que se cumpra o tempo da purificação. [...] Quando tiver cumprido o período da sua purificação, quer seja por um menino, quer seja por uma menina, levará ao sacerdote, à entrada da Tenda da Reunião, um cordeiro de um ano para holocausto e um pombinho ou uma rola em sacrifício pelo pecado. O sacerdote os oferecerá diante do Senhor, realizará por ela o rito de expiação e ela ficará purificada de seu fluxo de sangue. Essa é a lei referente à mulher que dá à luz um menino, ou uma menina. Se ele não tiver possibilidade de conseguir a soma necessária para um cordeiro, tomará duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e o outro em sacrifício pelo pecado. O sacerdote fará por ela o rito de expiação e ela ficará purificada. (Lv 12,1-4.6-8).

A passagem que acabamos de ler, não só elucida a temática da

apresentação de Jesus no Templo, como

nos remete ao que já tratamos, isto é, a

circuncisão. Notemos que depois do oitavo

dia, que é a circuncisão, a mulher

permanece mais 33 dias purificando-se do

seu sangue. Terminado este tempo, a

mulher deve ir ao Templo oferecer o seu

sacrifício, que deve ser um cordeiro e uma

pombinha ou rolinha. Sendo esta mulher

pobre, sem condições de oferecer um

cordeiro, deve apresentar então duas

pombinhas ou rolinhas.

Fonte: http://migre.me/gj5Xe

Vamos recorrer ao texto de Lucas novamente, e vejamos qual foi a oferta de

Maria. O que devemos constatar é que Maria fez a oferenda dos pobres. Todo o

evangelho de Lucas é permeado pela teologia dos pobres e a Sagrada Família de

Nazaré era considerada como uma família pobre de Israel. Ao ofertar as pombinhas,

Maria faz o rito de purificação. O que podemos dizer sobre isso é que Maria não

precisava deste rito, não havia necessidade de purificação já que a purificação do

mundo havia nascido dela, porém sua submissão ao ritual judaico enfatiza ainda

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mais sua obediência à Lei e afirma com esta atitude que o tempo do cumprimento de

tudo o que foi prometido está acontecendo.

Agora podemos nos perguntar: E o resgate? Em que passagem bíblica fala

do resgate do primogênito Jesus? Este, sem dúvida é outro ponto que salta-nos à

vista, quando lemos a passagem escrita por Lucas. O evangelista não narra um fato

fundamental deste rito, que é o resgate. Havia um resgate, que deveria ser pago

para qualquer sacerdote em qualquer lugar do

país. O preço era cinco siclos.

Com isto, deduzimos que o evangelista quer dizer que: “este menino não foi

resgatado nem voltou à propriedade dos pais; antes, pelo contrário, foi entregue no

Templo pessoalmente a Deus, totalmente dado a Ele em propriedade”.

(RAZTZINGER, 2012, p. 71). Em vez do resgate, Lucas já fala da Apresentação, o

termo grego usado para referir a Apresentação é paristánai, que tanto podemos

traduzir por apresentar, como por oferecer. O segundo, porém, nos remete ao

sacrifício realizado no Templo, e com certeza não é uma mera coincidência, temos

aqui uma clara referência ao sacrifício e ao sacerdócio.

2.6 Vida Oculta

Este termo, vida oculta, é usado para referir-se a Jesus, no período que vai

desde sua apresentação no Templo até o seu batismo. O único episódio que temos

neste período é Jesus aos doze anos no meio dos doutores. Muito se tem falado e

especulado sobre este período da vida do Messias, porém, as referências bíblicas

não nos garantem nada a respeito disso. O que podemos é deduzir um pouco da

vida que Jesus levou, como decorrência lógica da cultura da época. O Catecismo da

Igreja Católica, quando trata deste assunto nos diz: “Durante a maior parte de sua

vida, Jesus compartilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida

cotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica

submetida à Lei de Deus, vida na comunidade.” (CAT 531)

Siclo: unidade de medida que corresponde a 11,4 gramas.

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Desta forma, vemos nesta atitude de Jesus uma imensa empatia para com a

humanidade, quando dizíamos que Jesus assumiu a humanidade, ele o faz de fato

desde a vivência cotidiana. Diz-se que Nazaré é a escola, onde Jesus aprende junto

de seu pai adotivo, São José, a arte da carpintaria, é

obediente aos pais, apreende a cultura, a religião. É

de fato um ser humano diríamos hoje, inserido na

realidade. Logo, não teremos um salvador alienado,

esplêndido, glorioso. Mas um Deus que esvaziou-se

de si mesmo, como veremos posteriormente e

abraçou a vida dos seres humanos na sua labuta

diária.

Fonte: http://migre.me/gjfFU

Como dissemos antes, a vida oculta de Jesus, faz uma brevíssima pausa

quando narra a passagem de Jesus no meio dos doutores. Esta narrativa quer

lembrar que, mesmo no oculto do cotidiano, Jesus é o Messias, o esperado de Israel

que deve cuidar das coisas de seu Pai (cf. Lc 2,49). O ordinário da vida de Jesus faz

com que o mesmo assuma tudo o que é da humanidade, não somente a natureza,

mas o estado de vida, as lutas, os desafios, as alegrias e tristezas. Com esta atitude

podemos verdadeiramente afirmar sem medo de errar: ‘Verdadeiro Deus e

verdadeiro homem. Logo após o reencontro entre os doutores da Lei, Lucas nos diz:

“Desceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe, porém,

conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração. E Jesus crescia em

sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens”. (Lc 2,51-

52).

Esse crescimento diante de Deus e diante dos homens nos garante a

fidelidade à Lei, os preceitos religiosos de sua época e a dignidade do trabalho e a

vida social. Jesus, assim, era um homem exemplar.

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Exercício 2

1. Quanto à encarnação de Jesus Cristo, analise os enunciados a seguir:

A Igreja denomina ‘encarnação’ o fato de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana para realizar nela a nossa salvação.

Sacrum commercium é a troca que Jesus faz com a humanidade. Ele deixa de ser divino e assume a humanidade e o ser humano deixa de ser humano e recebe a graça da divinização.

Segundo Gálatas 4,4-5, a encarnação de Jesus permitiu-nos ser adotados por Deus.

2. A respeito da Epifania de Jesus, analise os enunciados a seguir:

Epifania ou panteísmo é a manifestação de Deus através das coisas criadas.

A visita dos três Reis Magos a Jesus narrada por São Mateus quer significar a aceitação de Jesus Cristo à astrologia.

Baltazar, Gaspar e Melchior são, segundo o Evangelho de São Lucas os reis de outras nacionalidades que representam a universalidade da salvação.

3. Relacione as colunas:

Circuncisão realizada no oitavo dia

Apresentação no Templo

realizada no quadragésimo dia

Duas pombinhas ou duas rolinhas

oferta de uma família pobre

Paristánai apresentar ou oferecer

4. Coloque “V” para verdadeiro e “F” para falso.

A vida oculta de Jesus é narrada pelos evangelistas, em especial São João. Este é

o período em que os evangelhos narram o dia a dia de Jesus e da Sagrada Família.

Com a circuncisão, Jesus é formalmente recebido na comunidade das promessas

que nasce de Abraão.

A vida oculta de Jesus denota a sua condição de Deus. Não seria adequado e

muito menos concebível que Deus andasse cotidianamente pelo meio do povo. Só

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depois de sua revelação como Deus esta atitude seria permitida pelo Pai.

O arco-íris, a circuncisão, foram as formas visíveis da Aliança que Deus selou com

seu povo. Porém, devido à infidelidade da humanidade, Deus enviou seu Filho

único para ser o Sangue de Cristo a nova e eterna Aliança.

Sugestão de leitura

Aconselho a leitura da Trilogia de Bento XVI como suporte teórico para as

Unidades 2 e 3.

BENTO XVI. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007.

BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Da entrada

em Jerusalém até a Ressurreição. São

Paulo: Planeta, 2011.

BENTO XVI. A Infância de Jesus. São

Paulo: Planeta, 2012.

Fonte: http://migre.me/gjfF0

A leitura destas obras é de grande riqueza teológica e histórica, com leitura

agradável e fácil. O Papa Bento apresenta os principais acontecimentos da vida de

Jesus, e dá uma visão global dos principais aspectos da vida de Jesus Cristo.

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UNIDADE 3 – OS MISTÉRIOS DA VIDA PÚBLICA DE JESUS

O objetivo desta unidade é aprofundar algumas das principais temáticas da

vida pública de Jesus, fazendo com que o acadêmico consiga posteriormente uma

reflexão mais apurada dos textos, superando um “literalismo” bíblico e percebendo o

sentido teológico da construção dos textos dos evangelhos.

Abordaremos aqui somente uns poucos temas sobre a vida pública de Jesus.

Com certeza deveremos buscar outras informações e leituras complementares, que

vamos propor logo mais, para adquirirmos mais aprofundamento nestes temas. Vale

ressaltar, que diferente do que acontece com a unidade anterior, esta unidade da

Vida Pública de Jesus é vasta de relatos, e com isto, nos limitamos a quatro pontos

que consideramos essenciais para uma visão inicial da pessoa e da missão de

Jesus Cristo: o batismo, as tentações, Jesus e o Reino e a morte de Jesus.

3.1 Batismo de Jesus

Para que possamos ter uma visão geral deste acontecimento importantíssimo

na vida e missão do Messias, vamos comparar os textos dos quatro evangelhos.

Mt 3, 13-17

Nesse tempo, veio Jesus da Galileia ao Jordão até João, a fim de ser batizado por ele. Mas João tentava dissuadi-lo, dizendo: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu vens a mim?” Jesus, porém, respondeu-lhe: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça”. E João consentiu. Batizado, Jesus subiu imediatamente da água e logo os céus se abriram e ele viu

Mc 1, 9-11

Aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi batizado por João no rio Jordão. E, logo ao subir da água, ele viu os céus se rasgando e o Espírito, como uma pomba, descer até ele, e uma voz veio dos céus: “Tu és meu Filho amado, em ti me comprazo”.

Lc 3, 21-22

Ora, tendo todo o povo recebido o batismo, e no momento em que Jesus, também batizado, achava-se em oração, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho, eu, hoje, te gerei!”

Jo 1, 29-34

No dia seguinte, ele vê Jesus aproximar-se dele e diz: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Dele é que eu disse: Depois de mim, vem um homem que passou adiante de mim, porque existia antes de mim. Eu não o conhecia, mas, para que ele fosse manifestado a Israel, vim batizar com água. E João deu testemunho, dizendo: “Vi o Espírito descer como uma pomba vinda do céu, e permanecer

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o Espírito de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele. Ao mesmo tempo, uma voz vinda dos céus dizia: “Este é meu Filho amado, em quem me comprazo”.

sobre ele. Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou para batizar com água, disse-me: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que batiza com o Espírito Santo’. E eu vi e dou testemunho que ele é o Eleito de Deus.

Acabamos de ler os relatos que os Evangelhos fazem sobre o batismo de

Jesus. Claramente perceptíveis são as peculiaridades e semelhanças de cada

relato.

Para início de conversa, é importante ressaltar que estamos diante do relato

que dá início à vida pública de Jesus. O Batismo de Jesus no Jordão é assim, o

início do ministério de Jesus Cristo, e não é por acaso que o início de sua missão

pública coincide com o momento de seu batismo por João Batista. Ao terminarmos

esta reflexão, deveremos perceber esta associação entre o início público do

ministério de Jesus e o batismo.

A figura de João Batista aparece aqui como um “eixo”, uma “dobradiça”, que

liga o Antigo Testamento ao Novo Testamento. A transição fica bem expressa no

relato quando João Batista afirma: “Eu batizo com água, mas virá aquele que

batizará com o Espírito Santo e com o fogo”. (cf. Lc 3,16).

Os evangelhos narram que João diz que não é digno de desamarrar a

sandália de Jesus. Isso não só conota uma humildade do Batista, como também

remonta à tradição de passar o direito de primogenitura para o mais novo. O que

seria este direito? É o direito de governo dos bens, da casa, da família, deixado pelo

pai para o filho mais velho, o desamarrar a sandália seria o sinal de que o filho mais

Propomos que antes de continuar a leitura, faça um pequeno exercício:

Elenque as diferenças e semelhanças de todos os evangelistas no relato do

batismo de Jesus, só depois continuaremos a nossa reflexão.

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velho passaria o seu direito para o mais novo. Aqui, então, temos uma clara

referência de que a Boa Nova, o Novo chegou para assumir sua missão.

Agora podemos nos questionar: Por que Jesus quis ser batizado se o batismo

de João é um batismo de arrependimento e perdão dos pecados? Jesus teria

pecados então?

Logicamente que o motivo que levou Jesus a querer receber o batismo de

João não é porque ele pecou. A construção teológica feita pelas comunidades

primitivas no que se refere ao batismo de Jesus é muito significativa e fundamental

para o entendimento da missão do Filho de Deus. Acompanhemos então, pontos

fundamentais na compreensão deste acontecimento na vida de Jesus.

Devemos, antes de tudo, situar o batismo de João Batista no contexto

histórico e doutrinal de sua época. O batismo que João pregava, não era um mero

rito de ablução, muito frequente na religião

judaica. O apelo à conversão, o convite para

confessar os pecados é um chamado para uma

mudança de vida radical, pois, às portas está o

Messias esperado. Há um tom escatológico, de

cumprimento da promessa, aquele que é maior do que eu está chegando, quero

preparar vocês para o encontro com o Messias.

Desta forma, o rito realizado por João não é uma simples purificação dos

pecados, mas uma ruptura com a vida velha, uma morte para o que até então se

tinha vivido e iniciar uma nova vida, transformada, restaurada. É um novo tempo, o

Tempo do Novo que se aproxima.

Mas, ainda podemos nos questionar: então Jesus

confessou seus pecados? Até mesmo no texto do

evangelho de Mateus, que você pode retornar a ler,

encontraremos o espanto do Batista, “eu que deveria ser

batizado por Ti e Tu vens a mim?” (Mt 3,14) A resposta

de Jesus é um tanto difícil de compreender: “Deixa estar

por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a

justiça”. (Mt 3,15). O Papa Bento XVI quando explica

esta passagem nos diz:

Fonte: http://migre.me/gjfCE

Ablução: Ritos de purificação ligados ao judaísmo. Podemos comparar com banhos, ou limpeza por meio da água. Sempre com um sentido espiritual.

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O sentido desta enigmática resposta não é fácil de decifrar. Em todo o caso, esconde-se no termo achri - “por agora” – uma certa reserva: numa situação específica, provisória, prevalece um determinado modo de agir. Decisivo para a interpretação da resposta de Jesus é o sentido da palavra “justiça”: toda a “justiça” deve ser cumprida. Justiça é neste mundo, no qual Jesus está, a resposta do homem à Tora, aceitar toda a vontade de Deus, levar o “julgo do reino de Deus”, tal como fora formulado. O batismo de João Batista não foi previsto pela Tora, mas Jesus reconhece-o com esta palavra – “justiça” – como expressão para o ilimitado sim à vontade de Deus, como acolhimento obediente do seu julgo. (RATZINGER, 2007, p. 33).

Em Jesus Cristo, o batismo de João ganha proporções muito maiores, pois, a

missão do Messias é aceita, Jesus coloca-se totalmente obediente ao Pai, e aceita

publicamente seu caminho e missão. Quando estudamos o sacramento do batismo,

fica muito evidente a dimensão da morte. Aqui, faz-se mister falar deste sentido. A

água simboliza purificação, vida? Sim! Porém, também simboliza morte, descida. A

experiência do dilúvio no livro dos Gênesis é ainda uma experiência muito marcante

para o povo. Assim como a água trazia vida, como é o caso dos grandes rios que

levam vida, saciam homens, animais, fazem a natureza crescer, limpam, lavam,

também remete ao afogamento, à morte, o dilúvio o fim da vida. Esta aparente

antítese vida e morte, não é puramente coincidência em relação ao batismo, ela será

o fundamento do batismo cristão, que só entenderemos depois da paixão, morte e

ressurreição de Jesus, mas, aqui nesta passagem já se faz presente.

Decorrendo do que acima dissemos, podemos vislumbrar na passagem do

batismo de Jesus no Jordão, a antecipação da morte de Jesus na cruz, e também

sua ressurreição. Dizemos isto a partir da própria experiência de descer às águas,

fazendo assim, menção muito forte à descida aos infernos, realizada na sua morte.

Mas o retorno das águas e a voz que diz: “Este é meu Filho amado”, nos remete a

uma bela certeza da missão realizada, e da vida ressurreta de Jesus Cristo. É

belíssimo conseguir compreender estes dados aparentemente escondidos nas

entrelinhas.

Vale também mencionarmos aqui, a experiência da interpretação da Igreja,

desde muito cedo sobre a descida nas águas. Como dissemos, a religião judaica

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preza muito os ritos de abluções, com estes ritos, purificavam-se. Automaticamente,

a água imersa era, como podemos dizer, a que continha a impureza, o pecado.

Ao Jesus descer às águas, onde os pecadores despojavam-se de seus

delitos e faltas, lembramo-nos do Cordeiro (Jesus), que leva sobre si os pecados da

humanidade, o redentor, que assume para si todas as faltas, os pecados da

humanidade e dá a salvação. “O batismo de Jesus é assim entendido como

repetição de toda a história, na qual o passado é agarrado e o futuro, antecipado: a

entrada nos pecados dos outros é descida ao ‘inferno’...” (RATZINGER, 2007, p. 35).

Muito rica esta temática da vida de Jesus. Desta forma, continuamos as

nossas percepções. Uma questão muito cedo compreendida pela Igreja, desde o

período patrístico, e até hoje acreditada pela Igreja Católica, é o poder de

santificação das águas. No ritual de batismo, fica claramente expressa esta união,

da santificação das águas através da descida de Jesus às águas do Jordão, sem

contar na figura essencialmente significativa da descida do Espírito Santo em forma

de pomba. Esta imagem faz lembrar a passagem da narrativa da origem que diz: “O

Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). Agora é o tempo da nova

criação: em Jesus seremos Novas Criaturas. Haverá um novo nascimento. “O

Espírito que Jesus possui em plenitude desde a sua concepção vem “repousar”

sobre Ele. Jesus será a fonte do Espírito para toda a humanidade.” (CAT 536).

Toda esta beleza teológica é ainda mais alargada, quando lemos nas

narrativas dos sinóticos (confira em Mateus e Lucas) a expressão “e os céus se

abriram”, ou a expressão de Marcos “rasgou-se o céu”. A clara menção de que é

possível o acesso ao céu. O que outrora Adão e Eva fecharam com seu pecado,

Jesus Cristo abre. Porque ele é o ungido (Cristo). Ele é o Cordeiro de Deus que tira

o pecado do mundo. “No Batismo de Jesus, ‘abriram-se os Céus’ que o pecado de

Adão havia fechado; e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do

Espírito, prelúdio da nova criação.” (CAT 536).

A descida do Espírito sobre Jesus também revela o caráter da Unção: ele é o

Ungido, o escolhido, o Messias. A plenitude do Espírito está com Ele, para realizar

todo o projeto de Salvação do Pai. Desta forma, podemos dizer que a visibilidade do

Ungido de Deus é possível no batismo. Portanto, o batismo de Jesus ganha também

um caráter de revelação divina, pois vislumbramos a Trindade Santa já nesta

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passagem. Embora alguns teólogos não gostem de falar de visão Trinitária no texto,

é inegável uma concepção trinitária na construção dos textos evangélicos.

Concluímos este tópico, só retomando o que já dissemos a respeito da

antecipação da morte de Jesus. Não somente a descida nas águas nos faz lembrar

este acontecimento: o anúncio feito pelo próprio João de que Jesus é o Cordeiro de

Deus é de fundamental importância para a compreensão do sacrifício e morte de

Nosso Senhor Jesus Cristo.

Acompanhe logo abaixo um diagrama que de forma resumida ajudará na

fixação do conteúdo proposto neste tópico.

3.2 Tentação

Agora refletiremos sobre outro acontecimento de grande importância na vida

de Jesus e da sua missão: as tentações no deserto. Podemos nos perguntar: Por

que este assunto tem grande relevância? Tem algum significado o fato de ser

Morte e

ressurreição

Santificação das águas

Início da

vida pública

Acesso ao

céu perdido por Adão

Nova

Criação

Cristo o

ungido do Pai

Batismo de Jesus

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apresentado logo depois do batismo de Jesus? Estas perguntas são de grande

relevância para compreender um pouco mais a respeito da figura de Jesus Cristo.

Antes de analisarmos os textos dos sinóticos que narram a passagem da

tentação no deserto, é importante mencionar aqui a relação intrínseca entre o

batismo de Jesus e sua tentação. Como vimos no tópico acima, o batismo de Jesus

conota toda a obra de salvação que o ungido deve realizar.

A passagem de Jesus no deserto e sua tentação aparecem como uma grande

preparação para sua obra. No deserto, Jesus faz a experiência do profundo abismo

em que a humanidade se encontra. Faz a experiência da crise, da tentação, da

fragilidade.

Quando estudávamos o nascimento de Jesus, vimos a dimensão do

Emanuel, o Deus conosco. Toda a vida de Jesus é marcada por esta verdade. Jesus

é o Deus conosco, que de tão próximo assume a nossa humanidade decaída a fim

de restaurá-la. Na verdade é preferível dizer, recriá-la. Em Jesus, nasce a nova

humanidade. Para isso, Jesus assume em si nossas fraquezas, ele sabe o que é ser

verdadeiramente homem, e na fragilidade e debilidade humana assume em si

nossas dores.

Como já diziam os padres capadócios: “O que não é assumido não é

redimido”. A redenção de Jesus é plena e perfeita porque ele assumiu todas as

consequências de ser verdadeiro homem, sendo verdadeiro Deus.

A Kênosis, que vemos ao longo de toda a

vida de Jesus e sua missão, é perfeitamente

narrada por Paulo na sua Carta aos Filipenses quando diz:

Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como Deus, mas se despojou, tomando a forma de um escravo. Tornando-se semelhante aos homens, e reconhecido em seu aspecto como um homem abaixou-se tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz. (Fl 2,6-8)

É nesta perspectiva que temos que ler a passagem da tentação de Jesus no

deserto. Com um olhar de kênosis. Pois, corremos um risco muito grande de olhar

para o acontecimento da tentação de Jesus e dizer: Mas ele é Deus. Aí é fácil não

Kênosis: palavra grega que significa esvaziamento, descida.

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cair em tentação. O Senhor Jesus permitiu-se assumir a condição humana e sentir

em seu ser o que de fato é ser tentado. Com esta ótica, vamos acompanhar as três

narrativas da tentação de Jesus, para depois conseguirmos uma maior

compreensão do texto.

Mt 4, 1-11.

Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. Então, aproximando-se o tentador, disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. Mas Jesus respondeu: “Está escrito: não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordens a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra.” Respondeu-lhe Jesus: “Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus.” Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe: “Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares”. Aí Jesus lhe disse: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele só prestarás culto.” Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo.

Mc 1, 12-13.

E logo o Espírito o impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por Satanás; e vivia entre as feras, e os anjos o serviam.

Lc 4, 1-13

Jesus, pleno do Espírito Santo, voltou do Jordão; era conduzido pelo Espírito através do deserto durante quarenta dias, e tentado pelo diabo. Nada comeu nesses dias e, passado esse tempo, teve fome. Disse-lhe, então, o diabo: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão”. Replicou-lhe Jesus: “Está escrito: Não só de pão vive o homem”. O diabo, levando-o para mais alto, mostrou-lhe num instante todos os reinos da terra e disse-lhe: “Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem eu quiser. Por isso, se te prostrares diante de mim, toda ela será tua. Replicou-lhe Jesus: “Está escrito: Adorarás ao Senhor teu Deus, e só a ele prestarás culto”. Conduzi-o depois a Jerusalém, colocou-o sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordens a seus anjos a teu respeito, para que te guardem. E ainda: “Eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra”. Mas Jesus lhe respondeu: “Foi dito: Não tentarás ao Senhor , teu Deus”. Tendo acabado toda a tentação, o diabo o deixou até o tempo oportuno.

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Como já fizemos com as passagens do batismo, vale também, comparar os

textos entre si, para perceber o que há em comum e o que é peculiar a cada um dos

evangelistas. Mas, antes de determos nestas peculiaridades, é importante

retomarmos os textos para a análise mais profunda com uma observação de Bento

XVI:

A história das tentações mantém assim uma estreita relação com a história do batismo, na qual Jesus se solidariza com os pecadores. Próximo dela está a agonia no jardim das Oliveiras como a outra grande luta de Jesus motivada pela sua missão. Mas as “tentações” acompanham todo o caminho de Jesus, e assim a história das tentações aparece – de um modo semelhante ao batismo – como uma antecipação na qual se condensa a luta de todo o caminho. (RATZINGER, 2007, p. 40).

Ao analisarmos os textos, o que salta à vista é a narrativa sucinta do

evangelista Marcos. Porém, mesmo sendo breve em sua narrativa, Marcos nos dá

pontos importantes na reflexão da vida e missão de Jesus Cristo. Quando o

evangelista narra Jesus entre as feras, faz uma

clara alusão à paz do paraíso, profetizado por

Isaías 11,6-9. Esta paz torna-se a esperança da

criação que perdeu o equilíbrio e começou a

atacar-se mutuamente após a expulsão do

Jardim do Éden. Além desta missão de trazer a

paz, os anjos cuidam de Jesus, isto denota a

proteção divina que Jesus receberá ao longo de

toda a sua vida.

A Tentação de Jesus nos ensina como o Messias vence o Mal, através da

obediência. O Filho de Deus coloca-se como aquele que irá destruir o que outrora

fora quebrado por parte da humanidade. A desobediência dos primeiros pais (Adão

e Eva), as infidelidades do povo de Israel ao longo de toda a sua história, tudo isto

Antes de continuar, sugiro que faça uma análise dos textos lidos: no

caderno ou em seu computador elenque o que há em comum e o que há de

diferenças entre as três narrativas apresentadas.

Marcos omite, ou ignora, os pormenores das três tentações, que Mateus e Lucas colheram nalguma outra fonte. A alusão às feras evoca o ideal messiânico, anunciado pelos profetas, de um retorno à paz paradisíaca, associação ao tema do retiro no deserto. O serviço dos anjos exprime a proteção divina. (Rodapé, Bíblia de Jerusalém. Mc 1,12).

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agora é retomado em Cristo e o Ungido do Pai testemunhará para o mundo que é

possível vencer o maligno. Na obediência e fidelidade ao Pai, Jesus de certa forma

antecipa sua vitória gloriosa sobre a morte e o Mal.

Os evangelistas assinalam o sentido salvífico desse acontecimento misterioso. Jesus é o novo Adão, que ficou fiel onde o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre à perfeição a vocação de Israel: contrariamente aos que provocaram outrora a Deus durante quarenta anos no deserto, Cristo se revela como o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisso Jesus é vencedor do Diabo [...] A vitória de Jesus sobre o tentador no deserto antecipa a vitória da Paixão, obediência suprema de seu amor filial ao Pai. (CAT 539).

É importante que percebamos que Jesus torna-se assim, o modelo, o

paradigma da humanidade. Jesus resgata a dignidade humana e mostra como é

possível vencer as tentações e o Mal. Olhar para Cristo é olhar para o que é ser

verdadeiramente humano. A tentação de Jesus continua sendo uma grande

tentação nossa hoje. Um aspecto muito relevante é perceber que Satanás tenta tirar

toda e qualquer dependência de Deus e colocar a vontade do ser humano sobre

tudo. Tendência mais do que corriqueira nos dias de hoje. Somos tentados a todo o

momento a sermos deuses de nós mesmos.

O antropocentrismo (o homem no centro de tudo), tão em voga na sociedade

hodierna, entra na vida dos seguidores de Jesus como uma grande tentação.

Vejamos mais de perto as ações e alguns detalhes desta passagem na vida de

Jesus que nos revela mais um pouco de Jesus Cristo.

Comecemos a nossa análise com o número quarenta (40), os números na

bíblia são sempre cheios de significados, e não poderia ser diferente nesta

passagem. Os quarenta dias e quarenta noites que Jesus passa no deserto faz uma

alusão aos quarenta anos que Israel passou no deserto. Quarenta também foram os

dias que Moisés passou no monte Sinai antes de receber os dez mandamentos

(Decálogo). O jejum de Abraão antes de oferecer Isaac em sacrifício durou quarenta

dias e quarenta noites.

Juntamente com estes acontecimentos marcantes da história de salvação

ligados ao numeral quarenta, temos também a concepção patrística do número

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quarenta, que simboliza o tempo necessário, principalmente tempo de preparação

para realização de alguma missão. Desta forma, o tempo de deserto é também um

tempo de preparação para a obra salvífica que deverá realizar.

Agora vamos debruçar-nos sobre as tentações propriamente ditas, tanto

Mateus quanto Lucas apresentam uma narrativa idêntica só invertendo a ordem das

tentações. Vamos seguir a ordem do evangelho de Mateus.

Primeira tentação: “Se és Filho de Deus” (Mt 4,3). O diabo coloca para

Jesus a primeira tentação: provar que Deus está com ele. A expressão Filho de

Deus aqui não tem o sentido estrito de designar Filho por natureza de Deus, pode

também designar a humanidade fiel à palavra do Senhor, embora não vamos entrar

nestes méritos. O que podemos retirar aqui num enfoque cristológico é a questão de

que Jesus Cristo, sendo de condição divina, assumiu a condição humana em tudo, e

é colocado à prova em relação à sua confiança no Pai, pois é bem difundido que

Deus ampara o justo.

Ao ser tentado a matar a fome, algo que deseja muito, é convidado a duvidar

da proteção divina e tirar a prova real se de fato ele é o Filho de Deus. Observe que

o diabo usa a Palavra para tentar Cristo, e usa a tentação para uma realização

plausível e necessária: matar a fome. Por outro lado, o pano de fundo é a obediência

à Palavra, ao querer fazer Jesus transformar a pedra em pão, Satanás coloca em

cheque justamente o valor da Palavra. E esta Palavra Jesus deveria viver

plenamente, sendo na verdade ele mesmo a Palavra viva do Pai.

Se Jesus cedesse à tentação, estaria duvidando de tudo o que lhe foi

proposto realizar, inclusive no que se refere a ele mesmo e sua missão. Porém a

resposta de Jesus é: “Não só de pão vive o homem mais de toda palavra que sai da

boca de Deus.” (Mt 4,4). Neste caso, ele mesmo será o verdadeiro pão vivo descido

do céu (Jo 6), pois é Ele mesmo a Palavra que sai da boca de Deus. Ser fiel à

missão, sendo verdadeiramente quem é, e não duvidando de sua própria natureza,

eis uma tentação muito frequente inclusive hoje.

Segunda tentação de Jesus está relacionada ao tentar Deus. E para que

a tentação seja maior, o inimigo tenta Cristo com as palavras da Sagrada Escritura.

Satanás é um grande conhecedor da Bíblia, alguns estudiosos fazem pequenas

brincadeiras a ponto de chamá-lo de um grande teólogo. A manipulação da verdade

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em favor do bem próprio é o que mais vemos hoje em dia. E o Diabo é um grande

doutor neste quesito. Não poucas vezes hoje, nos deparamos com situações muito

parecidas, inclusive em pregações, igrejas, em que a verdade é manipulada em

favor do pregador. Mas, astúcia a parte, o que de fato é central nesta tentação é o

encorajamento que Satanás tenta dar para que Jesus confirme se de fato o Pai

cuidaria Dele.

Olhemos para nós mesmos, será que em algum momento de nossa vida já

não nos passou o sentimento de dizer: Se de fato me ama, concede-me isto!? Cura

aquele, realiza isto!? É, mais uma vez, retorna ao pano

de fundo a questão da confiança. A missão de Jesus

exige dele total confiança e dependência no Pai.

Satanás tenta de todas as formas abalar isto. Pensa o

poder que seria estar protegido por Deus, a ponto de

lançar-se num abismo e ser segurado por Ele. É uma

provação desnecessária, que não passaria de um

alimento do ego e uma afirmação de poder totalmente

oposto ao convite do Pai a Jesus. A resposta de Jesus

também caminha na direção de um grande conhecedor

da Palavra: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mt 4,7).

Fonte: http://migre.me/gjfAN

Jesus soube esperar a verdadeira hora de se lançar no abismo, o momento

certo de não tentar a Deus com sua atitude, mas na confiança total a Deus realizar a

vontade do Pai. Na hora oportuna e necessária as mãos do Pai o amparariam e não

num gesto puramente egocêntrico e de manifestação de poder.

A partir desta cena no pináculo do Templo abre-se também o olhar para a Cruz. Jesus não se atirou no pináculo do Templo. Ele não saltou para o abismo. Ele não tentou a Deus. Mas Ele desceu ao abismo da morte, à noite do abandono, à exposição dos que nada valem. Ele ousou dar este salto como ato do amor de Deus para com o homem. (RATZINGER, 2007, p.49).

Somos convidados também nós, a olharmos nossas convicções e atitudes e

nos questionar. Até que ponto confio verdadeiramente em Deus? Quais as vezes

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que coloco Deus à prova em minha vida? Não estou eu usando dos meus dons e

talentos para um proveito próprio, buscando nas coisas divinas um local de status e

poder?

A terceira tentação com certeza também é muito frequente, ainda mais num

contexto materialista, consumista que vivemos. Mas bem, vejamos a tentação de

Cristo.

O diabo mostra os reinos do mundo e seu esplendor. Tudo pode ser de

Jesus. (Mt 4,9) Uma bela tentação. A tentação do ter, do possuir, do governar.

Jesus foi tentado a resistir ao poder que estava na sua frente, que era palpável,

certeza. Em outras palavras, materialmente falando era certeza possuir os bens da

terra. Já os bens celestes demandam a espera e a fé. Pede uma renúncia a tudo o

que temos em mente sobre possuir. Possuir os reinos desta terra traz uma felicidade

e uma realização concreta e imediata. Já os bens celestes são valores totalmente

antagônicos aos pregados aqui na terra. Justamente, porque a realização do ter

temporal é rapidamente gratificante e garantido. A tentação de adorar a Satanás e

possuir os bens terrenos é um grande convite que desperta desejo em qualquer

humano.

Jesus responde: “Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele só prestarás culto” (Mt

4,10), afirmando a necessidade de uma vida em Deus. O verdadeiro poder, o

verdadeiro governo está em fazer a vontade do Pai e adorar o Deus vivo e

verdadeiro. Não tem como professar a fé no Deus vivo e manter-se apegado aos

poderes escravizadores deste mundo. Adorar a Deus é não deixar-se conduzir por

valores mundanos, mas antes por sua confiança nas coisas celestes que não

passam, onde os ladrões não roubam e a ferrugem não vai corroer. (Mt 6,20).

A plenitude do ser humano justamente está na derrota das tentações a que

somos submetidos a toda hora. Olhar Jesus é olhar a ação da nova criação, recriada

em Jesus Cristo. Cristo venceu a tentação, a humanidade pode vencer. Com este

relato, Jesus mais uma vez demonstra para toda a criação humana que só

alcançaremos o fim, a meta, o escopo desejado por Deus se, seguindo os passos de

Jesus, rompermos com todas as tentações que Ele próprio venceu, como exemplo

de que nós também podemos vencer.

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3.3 Jesus e o Reino

Vamos falar neste tópico sobre Jesus e o Reino. Num primeiro momento,

pode-nos parecer estranho tratar sobre esta temática. Teria importância este

assunto? Tratamos sobre o batismo, a tentação, logo mais sobre a morte, temas

muito fortes e pertinentes. Agora, por que tratarmos sobre o Reino?

Embora não parece para muitos, mas a temática do Reino é de fundamental

importância, pois é o “carro chefe” de sua pregação. Podemos afirmar isto quando

olhamos com um pouco de atenção os evangelhos. Parece que o conteúdo central

dos evangelhos está resumido num ensinamento de Jesus: O “Reino de Deus está

próximo”. Mergulharemos assim, num anúncio central da pregação de Jesus. O

Messias, o esperado das Nações chegou com uma Boa Nova, o Reino está próximo.

Soa com tom de convite, de chamado à conversão e de adesão à fé, esta

proclamação do Reino em Jesus. Podemos constatar isto, com uma análise mais

estatística dos evangelhos e dos escritos do Novo Testamento.

Vejamos! Nos textos neotestamentários a expressão “Reino de Deus”

aparece 122 vezes. Deste número, 99 vezes ocorrem nos textos dos evangelhos

sinóticos, isto é, Mateus, Marcos e Lucas. E destas 99 vezes que a expressão

aparece nos sinóticos, 90 vezes estão na boca de Jesus. Quando alguém fala muito

sobre um determinado assunto, podemos deduzir que este assunto é muito caro

para ele. Da mesma forma vemos aqui: Jesus está querendo nos dizer que esta

temática é importante e central em seu anúncio. (cf. RATZINGER, 2007, p. 58).

Se você olhar com bastante atenção para os evangelhos e começar a

procurar e contar as informações numéricas que acabamos de fazer menção,

poderá perceber outra coisa muito interessante: no evangelho de Mateus não

aparece a expressão Reino de Deus, mas Reino dos Céus.

Muitos nem notariam a diferença, ou não viriam nela grande interesse. De

fato, não há uma mudança no conteúdo quando se diz Reino de Deus e Reino dos

Céus. A variação na nomenclatura está justamente por causa do contexto que vive a

comunidade de Mateus. Claro que não aprofundaremos aqui o estudo do evangelho

de Mateus, até porque não cabe à nossa disciplina, mas, é significativo ressaltar

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que, a comunidade do evangelho de Mateus é uma comunidade fortemente

judaizante, isto é, é uma comunidade de cristãos que estão extremamente ligados à

cultura e às tradições judaicas. Logo, pronunciar o nome de Deus, não seria muito

fácil e muito menos aceito naquela comunidade. A adaptação da expressão Reino

de Deus para Reino dos Céus é simplesmente uma adequação linguística e

doutrinal. Então, não há diferença em dizer Reino de Deus ou Reino dos Céus,

lemos as duas expressões com a mesma perspectiva.

Pois bem, já vimos que este assunto sobre o Reino não é algo simples, e sem

importância, bem pelo contrário, é fundamental e central. Vejamos então, o que de

fato a proclamação do Reino quer dizer.

Quando Israel esperava seu messias, esperava logicamente a libertação e a

soberania do Povo de Deus, em relação a todos os sofrimentos que já haviam

passado ao longo da sua história. Fazendo uma breve retrospectiva, percebemos

que o povo de Israel sempre esteve submetido a outros povos, foram egípcios,

assírios, babilônios, persas, gregos, romanos. O exílio e a escravidão foram

marcantes na história de Israel.

O Messias justamente era esperado e visto como aquele que vem para

libertar. Instaurar o Reino de Deus, isto é, chegará o comando do Senhor. Deus irá

governar seu povo, livrá-lo das amarras deste poder que destrói, escraviza, explora.

Dizer que o Messias chegou, é dizer o Reino de Deus vai ser implantado. Mas que

Reino é este? Será esta concepção política-religiosa de Reino que Jesus vai pregar?

Esta espera era tão significativa para os judeus, que havia grupos como os zelotas,

que acreditavam no Messias como um grande general de guerra que iria conduzir o

povo à vitória através da violência.

E agora, o Messias chegou. O Reino de Deus está próximo. Com certeza este

anúncio causou muitas expectativas nos ouvintes desta proclamação. Alguns se

sentiram animados, é chegada a hora, outros com certeza o receberam com dúvidas

e incredulidades. Como pode Jesus nos conduzir ao Reino de Deus!? Não tinha

força, status, exército, nem influência política, nem dinheiro. Então, que Reino é este

que está anunciando?

Recorrendo à história da Igreja podemos encontrar algumas ideias do que de

fato seria o Reino de Deus. Alguns viram o anúncio do Reino de Deus num enfoque

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cristológico. Orígenes nos chama atenção para isto, quando designa Jesus como

autobasileia. Basileia é a expressão grega para Reino. Quando, então, vemos o

Reino de Deus numa perspectiva cristológica de autobasileia estamos afirmando

que o Reino de Deus é o próprio Jesus. Ele é a salvação, é para Ele que devemos

acorrer. Nele o senhorio de Deus é realizado.

Outro enfoque, que o mesmo Orígenes apresenta é a concepção de um

Reino idealista, isto é, de forma mística o Reino de Deus está dentro de nós. O

coração do homem é o local para o Reino de Deus acontecer. Aceitar a boa nova,

viver da fé, esta interioridade é fundamental. O Reino está no nosso meio, está no

coração de cada um. Logo, o Reino não ganha a dimensão territorial, não é um lugar

propriamente dito, em algum ponto do mapa. Não é concretamente visível.

Por outro lado, há também uma concepção eclesiológica do Reino. O que isto

significa? Significa que há o Reino de Deus e a Igreja. Embora, haja uma diferença

entre Igreja e Reino, não há muito separação, chegando ao ponto de coincidir o

Reino de Deus com a Igreja. Desta maneira, a Igreja seria a chegada do Reino de

Deus na terra. A assembleia dos fiéis seria a manifestação da visibilidade do Reino

entre nós.

Viu como não é tão simples compreender o Reino de Deus assim? Há vários

modos de ver este anúncio do Reino.

Mas, se olharmos com uma atenção

especial, e sem optar de modo fechado

para uma só das formas apresentadas,

perceberemos que há uma

complementação em cada um, e que não

há contradição nem erro em conceber

cada uma das formas apresentadas.

Claro, que se escolhermos um só, vamos

desfigurar o que de fato é o Reino.

Fonte: http://migre.me/gjfVQ

Olhando para os Evangelhos, podemos perceber algumas características do

Reino (cf. NOLAN, 1987, p. 71-132):

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- A Boa Nova, isto é, o Evangelho é anunciado de modo todo especial para os

pobres e oprimidos. Dizemos isto porque, os surdos ouvem, os cegos recuperam a

vista, os coxos andam e os pobres recebem a Boa Notícia. Claramente vemos aqui

uma ruptura com o pensamento judaico, pois, ensinavam que essas pessoas não

passavam de malditos perante Deus.

- O Reino de Deus é o oposto do reino da riqueza, das terras em abundância.

Assim, um coração solidário e de partilha manifesta este Reino querido pelo Senhor.

- O Reino de Deus se contrapõe ao prestígio da época de Jesus. A

ostentação perpassava a vida religiosa e social. Logo, a característica mais forte do

Reino de Deus é o serviço, o último lugar.

De forma concreta, o Reino vai aparecendo, vai tornando-se uma realidade

em nosso meio. Claro que isto não é o todo do Reino. Seria muito pouco, ter o Reino

de Deus consumado já em ações terrenas e sociais. Por isso dizemos que o Reino é

já e ainda não. Esta tensão do já e ainda não vai perpassar todo o anúncio do Reino.

Levando em consideração o que até aqui dissemos sobre o anúncio do

Reino, é importante perceber, que este anúncio não foi querido por todos. Não foi

um anúncio agradável de forma unânime. Logicamente, os pobres e excluídos

sentiram-se mais acolhidos, incluídos, mas não só, com certeza, pessoas ricas

também perceberam na fala de Jesus um convite à conversão e uma palavra de

conforto que o judaísmo não estava oferecendo.

Num primeiro momento, pode parecer que a rejeição ao Reino seja somente

uma questão político-social, que com certeza também é, mas não só. A fala de

Jesus mexe com o coração do homem. Fala em sua vida. Questiona ações,

posturas, sentimentos. Toca na moral, na forma de agir. Não é só uma questão de

poder. Mas obviamente, que o anúncio do Reino não poderia deixar de incomodar

os poderosos. Já que a ideia do Reino de Deus é completamente oposta ao que se

tinha até então como verdade.

Na mentalidade dos judeus, ser rico, saudável, ter terra, filhos homens, etc.

eram considerados sinais da bênção de Deus. Agora, vem um anúncio diferente,

que proclama bem-aventurados os pobres, pois deles é o Reino! Como pode um

Messias governar? São os ricos e poderosos que devem governar. E agora, no

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Reino de Deus, não serão mais eles, os ricos, que governam, mas Deus. Será o

Messias, o Cristo! Com certeza, o medo de perder o poder político assolava os

poderosos. É só retornarmos ao nascimento de Jesus e ver o medo de Herodes

quanto ao Rei que iria nascer.

De forma simplista, mas não equivocada, dizemos assim: Os pobres

acolheram a mensagem e o anunciador. Os ricos desprezaram o anúncio o e

anunciador. Pobres e ricos aqui, não só na questão financeira, social. Mas antes de

tudo nos apegos pessoais, em suas ideias próprias. Quem se apega a si, a suas

ideias, a seus projetos, mesmo que não tenha muito dinheiro, também é rico. Rico

de si mesmo. O projeto do Reino de Deus é justamente o oposto, é enriquecer-se de

Deus. De sua vontade, de seus desígnios.

Podemos dizer de um jeito mais simples: Jesus anuncia, à medida que fala do reino de Deus, simplesmente Deus e precisamente o Deus vivo, que é capaz de agir de modo concreto no mundo e na história e que já está exatamente agora em ação. Ele nos diz: Deus existe e: Deus é verdadeiramente Deus, quer dizer, Ele tem nas suas mãos os cordelinhos do mundo. Neste sentido, a mensagem de Jesus é muito simples, sempre mais teocêntrica. O que é novo e totalmente específico na sua mensagem é dizer: Deus está em ação agora, esta é a hora em que Deus se mostra na história, de um modo que supera tudo o que aconteceu até agora, como seu Senhor, como o Deus vivo. (RATZINGER, 2007, p. 64).

O Reino de Deus está próximo, convertei-vos. Aderir ao projeto do Reino, é

antes de tudo, aceitá-lo em nossas vidas. É deixar morrer as antigas atitudes, para

que o novo, que nos é anunciado, tome posse dos nossos corações e de nossas

ações. Assim, o Reino começa no coração do homem, que acolhe o anúncio,

trasborda pelas mãos, através das nossas ações, e assim vai concretizando o Reino

já aqui, e aguarda o que há de vir no céu, como consumação e plenitude deste

Reino já iniciado aqui. Aí estaremos verdadeiramente em Cristo Jesus.

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3.4 Morte

A morte de Nosso Senhor Jesus na cruz, antes de tudo, numa concepção

social da época era escandalosa e vergonhosa, pois, principalmente os ladrões e

malfeitores eram condenados a esse tipo de morte. (cf. 1Cor 1,22-25). A

condenação à morte de cruz com certeza é escândalo para os judeus e loucura para

os gregos, porém, para os que creem é salvação. O projeto salvador de Deus

realizou-se “uma vez por todas pela morte redentora de seu Filho, Jesus Cristo.”

(CAT 571). Desta forma, a morte de Jesus faz parte do projeto salvífico de Deus

para a humanidade e é intrínseca à ressurreição.

3.4.1 As Causas da Condenação

As causas da condenação de Jesus ficam evidenciadas ao longo dos relatos

do Evangelho. E na disciplina de Evangelhos Sinóticos se aborda o estudo das

mesmas. Mas aqui, quero apresentar um outro enfoque.

Sugestão de Leitura

Proponho uma leitura atenta do livro sugerido, para um aprofundamento na

vida de Jesus e, sobretudo um aprofundamento sobre

o Reino de Deus.

NOLAN, Albert. Jesus Antes do Cristianismo. São

Paulo: Paulus,1987.

O autor apresenta Jesus Cristo com uma

abordagem histórico crítica que ajudará a ampliar

nossa visão a respeito de Jesus, permitindo com que

ampliemos nossa forma de ver Jesus, às vezes muito

reduzida.

Fonte: http://migre.me/gjfzd

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Estas causas têm um cunho social e religioso, lembrando que religião e

política era algo extremamente relacionado, sua separação é muito difícil senão

impossível. Vemos apelos religiosos quando diz: “é por Belzebu que expulsa os

demônios” (Mc 3,22), viola o sábado (cf. Mc 2, 23-28). Porém, no relato da Paixão o

sumo sacerdote alega que não possuem outro rei senão a César. (cf. Jo 19, 12-16).

Mas significativo é lembrar, que a Igreja não condena o povo judeu de sua época,

tampouco o atual.

Na concepção teológica, a causa da morte de Nosso Senhor são os

pecadores, eles sim são os autores da Paixão de Cristo. (cf. CAT 598). E quem são

os pecadores? Todos nós! Aqui sim temos um sentido mais profundo e verdadeiro.

Cristo morreu pelos meus pecados. São os nossos pecados, os pecados dos que o

antecederam e os pecados dos que iriam de vir. Em Jesus o pecado foi crucificado,

e vencido pela ressurreição de Cristo.

3.4.2 A Consciência de Jesus

Jesus, ao longo dos relatos evangélicos demonstrava de vários modos sua

consciência de que a morte chegaria para si, vários textos corroboram isto. Lc 13,34,

11,49, Mc 12,6-8 entre outros. “Por causa da contundente rejeição por parte das

autoridades de Jerusalém, Jesus tinha de contar com a possibilidade de uma morte

violenta. Essa possibilidade deve ter se transformado para Ele em certeza inevitável

nos últimos dias.” (SCHNEIDER, 2001, p. 254).

Agora, precisamos dizer, que mesmo tendo

consciência de sua morte, ele não a desejou como

um psicopata ou um masoquista. A morte era

consequência e não fim. Se pudermos comparar é,

mais ou menos, parecido com um diretor de

empresa honesto e competente. Na realização de

suas atividades ele é convidado a corromper-se em

favor de sua empresa, em troca ganhará muito

dinheiro e permanecerá no cargo. Fonte: http://migre.me/gjgyl

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Acaso ele decida agir como deve, a partir da verdade e honestidade ele vai

perder seu emprego, no entanto, não é este seu desejo, mas se preciso for, ele

perde para que possa ser coerente com seus princípios. Isto vale também em

relação à morte de Jesus. Não procurou a morte, mas sabia que sua missão o

levaria até a morte, e mesmo assim, não desistiu, foi fiel à sua missão até o final.

3.4.3 O Sentido da Morte

O significado da morte de Jesus fica bastante evidenciado na fala de

Serenthà (2005): podemos interpretar a morte de

Jesus na cruz como um sacrifício que torna

santos os homens, pois assume toda a

humanidade, gerando uma aliança entre Deus e

o homem e apagando todos seus pecados, pois,

a Morte de Jesus tem um sentido expiatório muito

grande. A dimensão de redenção também é

fundamental, pois, no espírito do go’el que paga

o resgate, assim também Cristo com sua morte

resgata a humanidade decaída.

3.5 Ressurreição

Sua ressurreição foi um acontecimento real que

teve manifestações historicamente constatadas. Isso se

dá também como testemunho daqueles que o viram

morto na cruz e ressuscitado. O testemunho que temos

nos atesta dois pontos que comprovam esta realização.

O primeiro é o fato do sepulcro vazio e o outro é o fato

das aparições a várias pessoas. As aparições são uma

experiência vivida pelos Apóstolos que chegaram a

afirmar: “(...) É verdade! O Senhor ressuscitou e

apareceu a Simão!” (Lc 24,34).

Fonte: http://migre.me/gjgFT

Para compreender o significado de o go’el, leia Nm 35,9-34. Go’el é aquele que paga a dívida de outro. É o parente mais próximo da vítima (Dt 19,12). Go’el é também o protetor de direito de seus parentes: ele tem o dever de impedir a alienação das terras (Rt 4,3s). Por extensão, Deus será chamado o go’el de Israel (Is 41,14; Jr 50,34; Sl 19,15). A ideia fundamental é a de proteção. (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2008).

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A afirmação da ressurreição de Jesus pode ser considerada como o cerne da fé cristã. Sua formulação, sobretudo no Oriente, retoma exatamente o resumo catequético de Paulo já citado: “ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Cor 15,4). A convicção de que todo o advento de Jesus se realizou “segundo as Escrituras” é um dos leitmotiv do Novo Testamento. Morte e ressurreição de Jesus não seriam críveis se não fosse dado o sinal de que pertencem a um desígnio de Deus, misteriosamente anunciados antes de ser realizado. (SESBOÜE, 2002, p. 107).

Porém, em dados históricos, a ciência não é capaz de nos provar tal

afirmação, agora vivemos das certezas de fé, relatadas nos escritos bíblicos. A

inexistência do dado arqueológico e científico da ressurreição enfatiza ainda mais o

mistério e a certeza de fé, e histórica pelos relatos bíblicos. Porém, a formulação da

doutrina de fé, e a constituição de um grupo de pessoas, que logo mais vai

desenvolver-se em uma Igreja, não pode estar fundamentado em boatos ou mitos. A

própria Igreja constituída é uma prova muito significativa da veracidade da

ressurreição de Jesus Cristo.

Exercício 3

1. Levando em consideração o que vimos sobre a vida pública de Jesus,

analise os enunciados a seguir:

O Batismo dá início à vida pública de Jesus.

Jesus Cristo é visto como uma “dobradiça” que faz o elo, entre o Antigo e o Novo

Testamento.

O Batismo de Jesus tem um grande significado, pois através do Batismo Jesus é

livre do pecado original e assim pode santificar a humanidade.

2. A respeito da tentação de Jesus, analise os enunciados a seguir:

A passagem de Jesus no deserto e sua tentação aparecem como uma grande

preparação para sua obra.

A kênosis é o que a Igreja denomina o esvaziamento. Através desta perspectiva

podemos entender melhor a Tentação de Jesus.

Se Cristo venceu a tentação, a humanidade pode vencer também.

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3. Responda “V” para verdadeiro e “F” para falso:

O Reino de Deus é a era do governo cristão em vez do Império Romano.

São Lucas defende a ideia de Jesus ser o próprio Reino de Deus.

O Reino de Deus já chegou e ainda não.

Reino de Deus e Reino dos Céus têm o mesmo significado, a mudança acontece

por motivo religioso. O Evangelho de Marcos tem um cunho judaizante muito forte,

isto faz com que a pronúncia do nome de Deus não seja usada pela comunidade.

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UNIDADE 4 – AS HERESIAS CRISTOLÓGICAS

O escopo desta unidade é fazer com que o acadêmico tenha uma visão geral

das principais heresias cristológicas, tendo capacidade de identificar conceitos e

formulações de fé paradoxais ao professado pela Igreja em suas origens.

4.1 Noções Introdutórias

Faz-se mister, antes de mais nada, compreender etimologicamente a palavra

heresia. Heresia é uma palavra de origem grega (háireses), que significa escolha ou

opção. Logo, quando falamos de heresia estamos falando de opções doutrinais por

uma parte da verdade. Nenhum herege quis ser um destruidor da doutrina ou da

Igreja, mas antes foram homens de fé que embora pertencentes à Igreja, optaram

por defender parte de uma verdade, ou deturpar a própria verdade. Isto é de

fundamental importância que tenhamos como base, antes de iniciarmos nossa

reflexão nesta unidade. A palavra heresia ganhou um cunho estritamente pejorativo

e facilmente podemos olhar para os assim chamados hereges com um preconceito

muito rápido e sem fundamento. Voltamos a advertir, o herege que aqui fazemos

menção não é um inimigo da Igreja, bem pelo contrário. Muitos deles pensavam em

fazer o melhor, e defendiam o que de fato achavam ser a verdade. Claro que alguns,

fizeram sua opção muito mais por questões políticas e de poder, mas não podemos

generalizar.

A fé da Igreja está baseada na fé no Cristo ressuscitado, por isso, como

falamos no início dos nossos estudos, é fundamental saber quem é Jesus Cristo. Ao

longo da história da Igreja, ela foi descobrindo e desenvolvendo a fé de forma

sistemática. A elaboração da doutrina de fé acerca de Jesus Cristo não foi algo

tranquilo e definido desde o começo, mas a Igreja precisou crescer no

conhecimento. Este progredir da fé gerou na história da Igreja muitos pensamentos,

embora cheios de boas intenções, mas que não condiziam com a verdadeira fé em

Cristo. Claro que a Igreja não tinha um catecismo elaborado, uma bíblia redigida e

um direito canônico pronto, com toda certeza, temos que olhar aqui a história dos

dogmas e o combate das heresias, antes de tudo com um olhar místico, pois

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somente um olhar histórico crítico não conseguirá entender como pode a Igreja ter

aos poucos organizado e sistematizado sua fé. Os problemas foram aparecendo

desde o início da Igreja primitiva, perduraram muito no período patrístico e até hoje

podemos ouvir vivas estas heresias que perpassam a natureza, pessoa e vontades

de Cristo. Veremos agora alguns exemplos destas heresias.

4.2 Negação da Humanidade: Docetismo Gnóstico

“As primeiras heresias, mais do que a divindade de Cristo, negaram sua

humanidade verdadeira.” (CAT 465). Esta heresia que nega a humanidade

verdadeira de Cristo, nós denominamos Docetismo Gnóstico. Para esta corrente

herética: “De modo geral Cristo era, segundo seu aspecto, só uma dokesis, um “ser

aparente”. No docetismo gnóstico a verdadeira humanidade de Jesus Cristo é

sempre reduzida ou inteiramente negada, e a redenção só diz respeito à parte

pneumática do ser humano, não à corporalidade plena, e muito menos às criaturas

não humanas.” (SCHNEIDER, 2001, p. 297).

Quando então ouvimos dizer que Jesus não é verdadeiro homem, estamos

caindo na heresia doceta. Esta heresia tem variações nas suas explicações como:

Afirmar que Jesus teria recebido a unção (Cristo) no batismo e logo

antes de ser crucificado, a força espiritual divina de Jesus o abandonou,

retornando para o céu. Ou, afirmar que, na verdade, foi Cirineu que foi

crucificado no lugar de Jesus.

A carne de Jesus não era uma carne humana, era uma “carne

espiritualizada”. (cf. SCHNEIDER, 2001, p. 297.)

Para o docetismo, a divindade em hipótese alguma poderia sofrer, ser

crucificada ou muito menos morrer. Sem contar que os docetas de certa forma

desprezavam a carne. A divindade então, não poderia ser “contaminada” pela carne.

A carne era ligada ao pecado. Aceitam, desta forma, a encarnação no seio da

virgem, mas não aceitam que Jesus tenha recebido algum material genético, de

Maria. Toda a tentativa doceta será em justamente defender este pensamento.

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4.3 Negação da Divindade: Adocionismo, Nestorianismo e Arianismo

Assim como alguns tinham dificuldades de conceber que Jesus era

verdadeiramente homem, outros encontravam dificuldade de acreditar que Jesus é

verdadeiramente Deus. A negação da divindade de Jesus foi concebida por algumas

correntes teológicas do início do cristianismo, e não foram poucas as tentativas de

negar a divindade do Filho de Deus. Interessante perceber que de forma mais ou

menos parecida, as heresias que trataremos aqui ainda continuam vivas em muitos

pensamentos atuais, inclusive em algumas crenças religiosas.

4.3.1 Adocionismo

O adocionismo já estava presente desde o primeiro século, porém, só foi

sistematizado no fim do século segundo. Teófilo de Bizâncio é “o primeiro a

sistematizar e a defender o adocionismo: Jesus era puro homem, nascido

naturalmente da Virgem, o qual, no batismo, havia recebido uma força especial.”

(FRANGIOTTI, 1995, p.22).

Paulo de Samósata, bispo de Antioquia, foi um grande propagador e defensor

desta heresia. A palavra adocionismo, vem de adoção. O próprio nome da heresia

deve nos ajudar na compreensão da mesma. Neste caso, Jesus não é Filho de Deus

por natureza, e sim por adoção. Jesus nasce ser humano, como todos os outros.

Num determinado momento, Deus o ilumina e a partir de uma ação especial, ou

melhor, a partir de uma graça toda particular, Jesus vai tornando-se o Cristo, o

ungido, o filho de Deus, por adoção e não por natureza. Temos assim, um

aperfeiçoamento da natureza humana de Jesus até o ponto de ser reconhecida

como uma natureza divina.

4.3.2 Nestorianismo

Já o nestorianismo é a heresia que nega a possibilidade de Deus assumir

uma natureza que não é dele, isto se daria pela imutabilidade de Deus. Desta forma,

“Jesus de Nazaré não deve ser chamado Deus, visto que é apenas um homem em

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que habita o Logos divino, ou melhor, em que coabita uma pessoa divina, [...]

negando assim a união hipostática.” (FRANGIOTTI, 1995, p.128).

Vamos entender melhor esta heresia. Nestório, bispo de Constantinopla, do

ano 422-432 ensinava que: tendo Jesus duas naturezas, então deveria ter duas

pessoas no Cristo. Desta forma, Nestório

via ora a atuação de Jesus como Deus e

ora atuação de Jesus como homem.

Então, o ser de Jesus era composto por

duas naturezas (humana e divina) e duas

pessoas (humana e divina).

Fonte: http://migre.me/gjgFT

A união hipostática supracitada, defendida pela Igreja, é a união das duas

naturezas de Cristo (humana e divina) numa única Pessoa (divina). Esta é a fé da

Igreja, e que na próxima unidade iremos aprofundar. Combatendo esta união

hipostática, Nestório via a impossibilidade de Maria ser a Mãe de Deus e só poderia

ser a Mãe de Cristo. Logo, Maria teria dado a luz à pessoa humana e não à pessoa

divina.

4.3.3 Arianismo

O Arianismo é uma heresia criada por Ário, um sacerdote de Alexandria, por

volta do ano 318. Esta doutrina herética afirma que Jesus Cristo é uma criatura

especial, o primeiro a ser criado e por isso de grande importância. Não é igual aos

outros seres humanos, mas não é Deus, seria um ser intermediário (cf. LADARIA,

2005, p.183).

Nesta linha de pensamento Ário defendia que ninguém e nada pode ser da

mesma natureza que o Pai, logo a expressão consubstancial, da mesma substância

não pode ser empregada de forma alguma. Só o Pai é um ser sem princípio, tudo o

mais começa a existir a partir de um período

determinado pelo Pai. Jesus, não possui a

mesma ousia que o Pai. Sim, é verdade que

Ousia: expressão grega que corresponde à essência, natureza.

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para Ário, Jesus não é uma mera criatura, como as demais. Jesus teria sido criado

antes do tempo e da criação do mundo, logo, não é uma criatura como as outras,

mas mesmo assim, começou a existir num determinado momento, não é eterno.

Sugestão de Leitura

Sugiro que você leia o capítulo 7 desta obra, para aprofundar de maneira

mais sistemática no Arianismo.

LADARIA, Luis F. O Deus Vivo e Verdadeiro: O Mistério

da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005.

O texto, do secretário da Congregação para a

Doutrina da Fé do Vaticano, trata de maneira sintética e

objetiva a doutrina ariana, sem contar que explica alguns

conceitos fundamentais de teologia que servirão para

outros momentos de estudo.

Fonte: http://migre.me/gjh2h

4.4 Problemas da Natureza, da Pessoa, das Vontades: Monofisismo,

Monotelismo e Monergismo

O problema de Natureza, pessoa e vontade em Jesus, rendeu para a Igreja

uma grande luta contra as heresias.

Nesta problemática temos o Monofisismo. (cf. FRANGIOTTI, 1995, p.139). A

própria etimologia nos ajuda a entender a heresia. Monós = um, só, único; fýsis =

natureza. Esta heresia então defendia a existência de uma única natureza em Jesus

Cristo.

Eutiques, era um monge de Constantinopla e foi particamente o fundador e

propagador desta heresia. Justamente esta heresia brota para combater outra

heresia, o nestorianismo (cf. FRANGIOTTI, 1995, p.127), que defendia duas

pessoas em Jesus Cristo. No pensamento de Eutiques, a natureza divina é muito

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forte e predominante, fazendo com que a natureza humana de Jesus seja absorvida

pela divina, chegando assim, ao que denominamos hoje de monofisismo.

Já o monotelismo e monergismo surgem como um último “grito” dos

monofisistas, já que não foi aprovada a teologia de uma única natureza, então

tentam defender uma única atuação e uma única vontade. “Esta é a raiz do

monergismo (doutrina da única atuação) e do monotelismo (doutrina da única

vontade), que são as últimas ramificações das desafortunadas tentativas de

compreender a unidade entre Deus e o ser humano em Cristo como unidade de

natureza.”(SCHNEIDER, 2001, p. 323; cf. FRANGIOTTI, 1995, p. 153-156).

O monotelismo é a doutrina criada pelo Patriarca Sérgio. Nesta heresia a

etimologia nos ajuda também na compreensão “μoυoζ” (mono= um) e de “τελησιζ”,

que significa vontade. A dedução é óbvia, para o monotelismo Jesus possui uma

única vontade, vontade divina. Já o monergismo prega uma única ação de Jesus, a

ação divina. Logo, toda a ação de Jesus corresponde à sua divindade, Jesus nunca

agiu como ser humano verdadeiramente.

4.5 O problema da alma de Jesus: apolinarismo

Apolinarismo é uma heresia contemporânea ao arianismo. Esta heresia

possui este nome por causa de seu mentor e propagador primeiro: o bispo

Apolinário de Laudiceia, da Síria. Por ser um grande defensor do Concílio de Niceia

(325), Apolinário tentava combater os arianos ensinando que em Jesus não há uma

alma humana.

Para isto, Apolinário defendia que: se Jesus possuísse por completo duas

naturezas (humana e divina), Ele teria que ter duas pessoas ou “dois eu” e isto seria

uma aberração, uma deformidade. Desta forma, afirmando a Divindade de Jesus ao

extremo, contra os arianos, o bispo apolinarista diz que: o Logos faz as vezes da

alma humana de Jesus. Desta forma, Jesus não possuiria uma alma humana e sim

só sua natureza divina, o Verbo encarnado é o suficiente para Jesus. Se houvesse

alma humana, teria vontade humana, e como a vontade humana é o princípio do

pecado, Jesus não poderia ter vontade humana, logo, não poderia ter alma humana.

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Exercício 4

1. Com base no estudo sobre as heresias cristológicas, analise os enunciados a seguir:

Todos os condenados por heresias eram pagãos que queriam destruir a Igreja e sua doutrina.

Heresia significa escolha.

Existem apenas duas heresias cristológicas.

2. A respeito das heresias que negam a divindade de Jesus Cristo, analise os enunciados a seguir:

O Adocionismo vem da palavra adoção e defende que Jesus Cristo adotou toda a humanidade, por isso podemos ser chamados filhos de Deus.

Nestório defendia a ideia de que Maria não poderia ser Mãe de Deus, somente mãe da pessoa humana de Jesus. Justamente por isso, no nascimento de Jesus a Pessoa Divina é inserida em Jesus e absorve por completo a Pessoa humana. Tornando Jesus uma pessoa Divina com aparência humana.

O arianismo é uma doutrina católica que combate a heresia adocionista.

3. Responda “V” para verdadeiro e “F” para falso:

O monofisismo é uma heresia que prega que Jesus é o próprio Pai. Porém, com uma aparência diferente.

Monotelismo é a heresia que tem por doutrina uma única vontade em Jesus, e essa vontade é a vontade humana. Todas as ações são realizadas pela natureza humana de Jesus.

O docetismo prega a impossibilidade de conhecer a divindade, por isso mesmo, o que sabemos de Jesus só pode ser fruto de sua natureza humana.

Ário acreditava que Jesus não era da mesma essência de Deus, ele seria uma criatura especial, dotada de uma graça toda particular, porém uma criatura.

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UNIDADE 5 – OS DOGMAS CRISTOLÓGICOS

Os dogmas cristológicos foram definidos pela própria Igreja de forma mais

sistemática, a partir do I Concílio Ecumênico de Niceia no ano 325, e se estende até

o III Concílio de Constantinopla ( 680-681 – VI Ecumênico). Portanto, são esses dois

concílios que realmente marcam as controvérsias em torno da compreensão da

pessoa de Jesus Cristo. É através dos Concílios que a Igreja continua pelos séculos

fiel à verdade.

Não abordaremos aqui os aspectos históricos de cada Concílio, porém, fica a

dica para buscarmos aprofundar na História da Igreja esta temática que será de

grande valia para uma melhor compreensão dos próprios dogmas. Interessante

ressaltarmos, que a Igreja não foi criando dogmas de forma arbitrária, mas os

dogmas foram sendo proclamados à medida que a necessidade eclesial foi sendo

notada.

A analogia com uma criança, cabe muito bem aqui para entendermos as

definições de fé. Quando olhamos uma criança, ela não sabe todas as coisas, mas

aos poucos vai sendo orientada, e um fator muito interessante para saber se é ou

não tempo da criança saber algum assunto é a própria curiosidade e perguntas que

a criança faz. O desenvolvimento dos dogmas na Igreja, vai sendo igual a esta

criança, que nas suas necessidades e questionamentos vai conhecendo a verdade.

A seguir, vamos acompanhar algumas definições dogmáticas pertinentes às

questões cristológicas.

5.1 Segunda pessoa da Santíssima Trindade

“Jesus Cristo é o acontecimento uno, no qual se nos deparam o verdadeiro

ser humano (verdadeiramente humano e libertador para outros a partir de uma

completa relacionalidade com Deus) e, nele, inteiramente e sem distorção, o

verdadeiro Deus.” (SCHNEIDER, 2001, p. 393).

Esta é a verdade de fé que a Igreja desde seus primórdios viveu como fé

implícita e que a história da Igreja foi desenvolvendo para que pudéssemos

professar de maneira explícita no credo. Assim, professamos nossa fé, “as pessoas

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divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada um deles é Deus por

inteiro”. (CAT 253). Esta verdade ficou expressamente definida no ano 325, no

Concílio de Niceia, quando confessa que o Filho é consubstancial ao Pai, e mais

adiante no ano de 381, o Concílio de Constantinopla manteve esta expressão e

professou: “O Filho único de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz da

luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao

Pai.” (CAT 242). Por isso, sem dúvida alguma, a Igreja conclui que Jesus Cristo é o

Filho de Deus e a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Para compreender esta proclamação de fé, é necessária também uma rápida

reflexão Trinitária. Perceber, que a Igreja concebe a Deus com três hipóstases, isto

é, três pessoas, e uma ousia, que traduzimos por essência. Cada pessoa da

Trindade possui plenamente a essência divina, não são vistas como um aglomerado

de três pessoas que formam uma, muito menos vistas como três pessoas distintas.

No mistério da unidade da trindade, a Igreja professa a plenitude da divindade em

cada uma das Pessoas divinas. O Pai é plenamente Deus, o Filho é plenamente

Deus e o Espírito Santo é plenamente Deus.

5.2 Deus e Homem Verdadeiro

O Concílio de Éfeso aconteceu em 431, sob o Pontificado de Celestino I.

Diante da controvérsia da heresia nestoriana, o Concílio declarou Maria como Mãe

de Deus (Theotókos) e falou de uma misteriosa união das duas naturezas em Cristo,

posteriormente chamada de união hipostática. O Concílio definiu que em Jesus

Cristo o verbo assumiu realmente a carne humana, de modo que a relação entre o

verbo e Jesus é real no sentido de que o Verbo de Deus assumiu a humanidade

sem excluir de modo algum a divindade. Este pensar da Igreja só veio a confirmar o

que já era professado no credo Niceno-constinopolitano, verdadeiramente Deus e

verdadeiramente homem.

5.3 Mesma natureza do Pai e do Espírito Santo

Retomando a definição do Concílio de Florença em 1438, que declarou

claramente a divindade do Espírito Santo, confirma o que desde 381, o Concílio de

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Constantinopla professava: “Cremos no Espírito Santo, que é Senhor e que dá a

vida; ele procede do Pai.” Contudo, “a origem eterna do Espírito Santo não deixa de

estar vinculada à do Filho: ‘O Espírito Santo, que é a Terceira Pessoa da Trindade’,

é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma

natureza.” (CAT 245).

5.4 Uma Única Pessoa, Duas Naturezas, Duas vontades

O Concílio de Calcedônia aconteceu no ano 451, sob o pontificado de Leão I,

condena Eutiques e formula uma profissão de fé cristológica: Jesus Cristo é

verdadeiro Deus e verdadeiro homem; tem uma só pessoa divina em duas naturezas

– divina e humana – sem divisão e nem separação. A vontade humana de Cristo

cumpre sempre a vontade divina, isto ficou firmado neste mesmo Concílio.

Já o Concílio de Constantinopla III, aconteceu no ano 681, sob o pontificado

de Agatão, reafirma o credo de Niceia e proclama que Cristo desejou a nossa

Salvação com duas vontades naturais e define que a vontade humana de Cristo está

em plena conformidade com a divina, que é uma única pessoa, duas naturezas e

duas vontades.

5.5 Conteúdo Complementar

Para nos ajudar a compreender as duas últimas unidades, aprofundar a

capacidade reflexiva e fazer uma síntese geral das heresias e dogmas, segue uma

tabela com os principais Concílios, suas definições e heresias combatidas. Claro que

a tabela não trata tudo o que vimos, porém nos ajudará a ter uma visão mais geral

do conteúdo apresentado.

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Quadro 1 - Definições dos Concílios

Concílio Matéria - ocasião

Decretos e definições

Niceia I (ano 325)

Papa: Silvestre I Arianismo

O Verbo é verdadeiro Filho de Deus, da mesma substância do Pai (homooúsios) e, portanto, verdadeiro Deus.

Constantinopla I(ano 381)

Papa: Dâmaso I

Macedonianos e Apolinarismo

O Espírito Santo é verdadeiro Deus, como o Filho e o Pai (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). / Em Cristo há duas naturezas completas (humana e divina) unidas na pessoa do Verbo.

Éfeso (ano 431)

Papa: Celestino INestorianismo

Cristo, Deus-Homem, é uma só Pessoa: a união hipostática é substancial, não acidental; física, não moral. Maria é Mãe de Deus: Theotókos.

Calcedônia (ano 451)

Papa: Leão Magno

Eutiquianismo-monofisismo

As duas naturezas em Cristo estão unidas na única Pessoa do Verbo, não confundidas, nem alteradas de nenhum modo.

Constantinopla III(ano 680-81) Papa: Agatão

Monotelismo Em Cristo há duas vontades, como há duas naturezas, embora numa só Pessoa, que é a Pessoa do Verbo.

Fonte: http://www.paroquiadecanela.com.br/formacao/98/

Outra proposta muito pertinente, é recorrermos ao Credo Niceno-

Constantinopolitano, nele encontraremos muitas definições estudadas aqui, e que

fazem parte do corpo doutrinal ainda hoje professado por um grande número de

cristãos no mundo inteiro. Este símbolo de fé, foi elaborado entre muitas discussões

e atritos, demorou anos para chegar a uma definição final.

A origem deste Símbolo oficialmente atribuído ao primeiro concílio de Constantinopla pelo de Calcedônia é um tanto quanto obscura. A despeito das inúmeras aventadas, é muito provável que o concílio de Constantinopla o tenha emendado, completado e promulgado sem tê-lo realmente composto. Após ter conhecido um monte de eclipse na primeira metade do século V, esse Credo foi adotado em quase todo o Oriente como Símbolo batismal a partir do século VI. Fato mais importante ainda para o futuro: ele é introduzido na mesma época na liturgia da missa, no Oriente primeiro (a partir de Constantinopla), depois no Ocidente, onde seu uso se generalizará progressivamente, na Espanha no final do século VI, na Irlanda, depois na Gália e na Germânia no VIII, para ser adotado em Roma no IX. Mas o Ocidente terá a audácia de proceder de maneira unilateral a um novo adendo, o do “Filioque”, afirmando que o Espírito Santo procede do Pai “e do Filho”. Esse incidente alimentará um longo contencioso entre Oriente e

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Ocidente ainda não resolvido. É este Símbolo que é proclamado ou cantado hoje ainda nas liturgias dominicais. Ele chega até nós trazidos por séculos de confissão de fé. Constitui uma referência ecumênica capital entre as Igrejas divididas. (SESBOÜE, 2002, p. 87-88).

Credo Niceno-Constantinopolitano

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,

Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,

Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos:

Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,

gerado não criado, consubstancial ao Pai.

Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para a nossa salvação,

desceu dos céus: e encarnou pelo Espírito Santo,

no seio da Virgem Maria, e se fez homem.

Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;

padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia,

conforme as escrituras; E subiu aos céus,

onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos;

e o seu reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida,

e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho

é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja una, santa,

católica e apostólica. Professo um só batismo

para remissão dos pecados. Espero a ressurreição dos mortos; E a vida do mundo que há de vir.

Amém.

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Sugestão de Leitura

Aconselho a leitura desta fabulosa obra. Para uma melhor compreensão de

toda a problemática da definição de fé e das heresias no início da Igreja.

SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação. São Paulo: Loyola, 2002.

De forma muito bem aprofundada, o autor expõe toda a história, os conteúdos

das heresias e das definições dogmáticas da Igreja. É um livro denso, grande, mas

se lido ampliará a visão teológica com certeza. O livro faz parte do primeiro volume

de uma coleção de 4 tomos. Vale a pena lançar-se na leitura desta obra.

Exercício 5

1. Falando em dogmas cristológicos, analise os enunciados a seguir:

Os dogmas foram declarados pelo próprio Cristo. Coube à Igreja a missão de pô-los em prática.

Único dogma contestado pela Igreja é o dogma da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Hoje já se compreende que há só uma pessoa divina.

Os dogmas foram sendo proclamados aos poucos, e não nasceram prontinhos, foi necessário muito diálogo, Concílios, heresias para que a Igreja chegasse até a formulação dos dogmas.

2. Analise os enunciados a seguir:

Em Deus existe uma ousia e três hipóstases.

União hipostática é o nome empregado pela Igreja para a unidade da Pessoa Divina de Jesus com suas duas naturezas: humana e divina.

Jesus é somente Pessoa Divina.

3. Responda “V” para verdadeiro e “F” para falso:

Ousia significa essência.

Há duas vontades em Jesus. A vontade humana e a vontade divina.

Jesus ora utiliza a natureza humana, ora a natureza divina. Cada ação é de modo separado.

Por Jesus ser verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, a Igreja professa que Jesus é Pessoa humana e Pessoa divina.

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REFERÊNCIAS

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______. Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011.

______. A Infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.

______. Quinta-feira Santa. L’Osservatore Romano. 14/04/2007. p.3

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