J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das...

136
CADERNOS NAVAIS N.º 30 – Julho – Setembro 2009 Grupo de Estudos e Reflexão Estratégica Edições Culturais da Marinha LISBOA A “GUERRA ÀS DROGAS” J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN

Transcript of J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das...

Page 1: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

CADERNOS NAVAISN.º 30 – Julho – Setembro 2009

Grupo de Estudos e Reflexão Estratégica

Edições Culturais da Marinha

LISBOA

A “GUERRA ÀS DROGAS”

J. MARGALHO CARRILHOCapitão-de-mar-e-guerra MN

Page 2: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

O Grupo de Estudos e Reflexão Estratégica (GERE), foicriado pelo Despacho número 2/07, de 29 de Janeiro, doAlmirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA),sucedendo ao Grupo de Estudos e Reflexão de Estratégia,então com sete anos de existência.Ao GERE, situado na directa dependência do AlmiranteCEMA, incumbe, duma forma geral, a elaboração edivulgação de estudos sobre assuntos estratégicos deinteresse geral e em especial para a Marinha. No âmbito dassuas competências específicas, o GERE promove apublicação de matérias que tenham analogia com a suaactividade, através das colecções dos Cadernos Navais,editados pela Comissão Cultural da Marinha.

TÍTULO:A “GUERRA ÀS DROGAS”

COLECÇÃO:Cadernos Navais

NÚMERO/ANO:30 /Julho - Setembro 2009

EDIÇÃO:Comissão Cultural da MarinhaGrupo de Estudos e Reflexão Estratégica (GERE)

ISBN 978-989-8159-12-0

Depósito Legal n.º 183 119/02

EXECUÇÃO GRÁFICA: António Coelho Dias, S. A.; Tiragem: 600 exemplares

Page 3: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

O AUTOR

O CMG MN Margalho Carrilho licenciou-se em Medicina em 1978, naFaculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e efectuou,simultaneamente, formação em Ciência Política na Fundação Oliveira Martins.Por concurso de provas públicas, ingressa no Quadro Permanente de OficiaisMédicos Navais na especialidade de Psiquiatria em 1981.

Em 1985, na “U.S. Navy” – “Naval Air Station Miramar – S. Diego” efectuatreino em “Addiction Medicine” no “U.S. Navy Drug and Alcohol AbuseCounselor School – N.D.R.C.”, onde aprende a técnica organizacional de“Employee Assistance Programs – E.A.P.’s” e a reabilitação pelo ModeloMinnesota, que viria a difundir pioneiramente em Portugal com a publicação doseu primeiro livro em 1987.

No EMGFA, entre 1987 e 1988, no Grupo Coordenador para a Prevençãoe Combate às Toxicodependências – Divisão de Pessoal, faz parte da redacçãotécnico-científica do Programa para a Prevenção e Combate à Droga e aoAlcoolismo nas FA’s, aprovado em CCEM’s, em 12 Out.1988.

Também no EMGFA, Escola de Serviço de Saúde Militar, inicia comocoordenador pedagógico o COPATD – Curso de Operadores de Prevenção deAlcoolismo e Toxicodependências, destinado a pessoal com funções de chefiados três ramos das FA’s e Forças de Segurança GNR e PSP.

Na Marinha Portuguesa, em 1987, inicia a planificação da UTITA – Uni-dade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo – Serviçode Utilização Comum das FA’s, como primeira aplicação operacional do ModeloMinnesota de reabilitação em Portugal, para militares dependentes de Nicotina,Álcool e outras drogas.

Em 1991 publica um segundo livro sobre novos avanços na reabilitaçãoda dependência química de Álcool e Drogas e funda, em parceria, a AssociaçãoPortuguesa de Medicina da Adicção – Alcoolismo e Toxicodependências, comfins técnico-científicos e não lucrativos.

Ainda na Califórnia, em Abril de 1999, no Betty Ford Center” (PalmSprings), lidera a equipa internacional da fundação da “International Society ofAddiction Medicine – ISAM”, tendo sido eleito entre os médicos representantes

3

Page 4: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

de 31 países, membro da Direcção e coordenador da Comissão de PolíticasPúblicas desta nova associação técnico-científica médica mundial.

Em 2000 é nomeado Director da Unidade de Tratamento Intensivo deToxicodependências e Alcoolismo – UTITA – SUC das FA’s, na BNL.

Em 2005 cessa as funções de Director da UTITA e é nomeado Presidentedo Grupo Coordenador para a Prevenção das Toxicodependências e Alcoologiana Marinha e é indigitado pelo Almirante CEMA, como consultor técnico-científico de S.Exa. o Ministro da Defesa Nacional em “Employee AssistancePrograms/Addiction Medicine/Addiction Psychiatry” para meio laboral militar eprofissões de risco elevado de organizações civis.

Membro convidado de longa data do “American Club of Lisbon” e do“American Chamber of Commerce in Portugal”, entre outras associações, émembro da “American Society of Addiction Medicine – AMA” e da “EmployeeAssistance Professionals Association”, sendo ainda “Fellow of the Academy ofPolitical Science – New York – USA”.

4

Page 5: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

5

ÍNDICE

1. Definição do Problema 7

2. Antecedentes Históricos 27

3. Doutrina Politológica Anglo-Americana: 45

3.1. O Pensamento Anglo-Americano 483.2. O Entendimento Europeu do Pensamento Anglo-Americano 72

4. Discussão 87

5. Perspectivas Futuras 119

6. Observações Finais 125

Page 6: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,
Page 7: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

Na Revista de Medicina Militar de 1989, ao contrário do que seria deesperar, dado o contexto da revista (Medicina), expressámos as primeiraspreocupações, não sobre a PROCURA mas sim sobre a OFERTA, nas suasvertentes de guerrilha, crime organizado e enfraquecimento da Segurança edos Estado-Nação, nomeadamente através da democracia procedimental/insti-tucional e substantiva. (1)

Nesse ensaio de 1989, intitulado “Factores Socioeconómicos contri-buintes para o tráfico ilícito e abuso de drogas psicoactivas ilegais no mundoactual”, começamos por assinalar, no início da cadeia da Oferta:

“Existência de condições económicas deficientes e marginais, comcomunidades empobrecidas, levam a que estas se aliciem ao tráfico ilícito paraobtenção dos narcodólares”… “A análise histórica demonstra que os ganhoseconómicos oriundos do tráfico ilícito se sobrepõem a considerações de ordempolítica e ética… de que são exemplos, o Afeganistão, a Bolívia, a Colômbia ecertas áreas do Laos, do México e da Tailândia”…(1)

“As rotas do tráfico mudam constantemente… A Índia tornou-se um centrode tráfico ilícito de opiáceos, oriundos do Afeganistão e do Paquistão com os seuspólos de desenvolvimento em Peshawar e Bombaim”… “O tráfico é uma actividadealtamente rentável, de tal forma que não é de admirar que elementos de governose pessoal diplomático já tenham sido detectados nestas actividades na AméricaLatina. Muitas vezes, o tráfico de drogas está associado a outras actividadesilícitas, como as armas ou falsificações de moeda e, por vezes, estas substituem aprimazia das drogas como a prostituição, extorsão, jogo, assassinatos, raptos, etc.,o que se verificou com as tríades chinesas no Reino Unido”…(1)

“O tráfico internacional depende do indivíduo estar familiarizado com asdiversas culturas, viajar internacionalmente, ter bom domínio de línguas,conhecer os sistemas legislativos específicos e as perspectivas do mercado daoferta e procura de drogas. Turistas, pessoal das companhias aéreas e doserviço diplomático e pessoal da marinha mercante são altamente susceptíveisde serem aliciados para o tráfico… Outros elementos vulneráveis ao aliciamentopara o tráfico são os refugiados e os emigrantes”. (1)

“No Paquistão, os militares têm fomentado o divisionismo tribal dos“barões da droga”, pois de outra forma a infiltração nas Forças Armadaspoderia levar ao caos nestas. Na Colômbia, o poderio da traficância levou aoassassinato de Juízes, Ministro da Justiça e atentados ao Presidente” (1)

7

Page 8: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Continuando a analisar o poder corrosivo das elevadas mais-valias donarcotráfico, sobre os Estados-Nação, continuamos a citar, resumidamente,extractos do texto escrito em 1989, recordando que, mesmo com as mudançasna geopolítica mundial, da queda da União Soviética e do fim da Guerra Fria,de duas guerras no Golfo e no Afeganistão e uma tentativa de governaçãounipolar mundial pelos EUA, o narcotráfico com o crime organizado e asguerrilhas subjacentes (e com um crescendo de associação ao terrorismo) foi-semantendo imperturbável na sua essência, cumprindo o que afirmámos em 1989sobre o desprezar de “considerações de ordem política e ética”.

Continuamos a reflectir sobre o texto de 1989.

“Grupos extremistas na Índia têm obtido, no tráfico de ópio, o suporteeconómico para as suas actividades terroristas. Na América Central, gruposextremistas de quadrantes opostos, direita e esquerda, usam o tráfico decannabis, cocaína e opiáceos como suporte financeiro”… ”Neste momento, acorrupção atinge todas as polícias do mundo neste aspecto, quer seja num paíssubdesenvolvido quer industrializado, e já têm surgido casos em que asapreensões de droga efectuadas pelas autoridades policiais são posteriormentecanalizadas para a venda na rua”. (1)

As ”sociedades fracassam neste combate (à corrupção provocada pelonarcotráfico), porque, por um lado, pretendem eliminar o abuso de drogas e assuas consequências, mas, por outro, sem custos económicos e sociais, o que éde facto um objectivo impossível de alcançar…”. (1)

“Alguns governos que supervisionam apertadamente a cultura legal dapapoila e a produção de ópio (para fabrico de medicamentos), para que asua venda seja totalmente efectuada ao Estado, conseguem-no eficazmentequando existe um governo central eficaz e um mínimo de corrupção (ex.:países do Bloco de Leste, Jugoslávia, França, Austrália). Outros países, comprodução legalizada de ópio, vêem este escoar-se para os canais ilícitos,quer por enfraquecimento do controlo governamental quer pelos preçosbaixos oficiais”. (1)

Após estas citações resumidas do ensaio de 1989, na Revista de MedicinaMilitar, que posteriormente iremos analisar criticamente, o tempo será o melhorjuiz, após 20 anos.

8

Page 9: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Entretanto, em 2003, retomámos o referido paradigma, na sequência dosatentados de 11 de Setembro e devido também a três experiências pessoaisque foram:

– uma visita ao Estado de Israel, em Outubro de 1994, percorrendo estedesde o Mar Morto até Tiberíades, junto aos Montes Golã;

– as conversas que vínhamos efectuando com o Dr. Jorge Gleser, médicopsiquiatra Director dos Serviços de Saúde Mental do Governo de Israel,na I.S.A.M.;

– a publicação do controverso paradigma geopolítico, em 1996, do livrodo Prof. Samuel Huntington “O Choque das Civilizações – Refazendo aOrdem Mundial” (2), estes fazem-nos retomar o tema, nos Anais doClube Militar Naval, como disse, em 2003.

Não nos iremos debruçar sobre o livro do falecido Prof. Samuel Huntingtone o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeroscríticos, aconselhamos vivamente a leitura, na sua totalidade, do livro de 1996, deleitura densa, e não o ensaio anterior de 1993, publicado e resumido na “ForeignAffairs”. Sugerimos, igualmente, a visita ao território do Estado de Israel, paratroca de impressões com os cidadãos e as autoridades locais no terreno.

No ensaio de Maio de 2003, nos Anais do Clube Militar Naval, intitulado“Narcotráfico e terrorismo: a destruição maciça já começou!” (I Parte), odesafio era, e citamos, ”A pergunta que se impõe é se a “GUERRA AOTERRORISMO” evoluirá para um isolamento internacional dos EUA com a“GUERRA ÀS DROGAS” ou se, pelo contrário, irá, pela demonstração progres-siva da evidência e aderência internacional, reforçar e tirar do seu isolamentoo paradigma americano da “GUERRA ÀS DROGAS” (3).

Seis anos passados e mudado o Presidente dos EUA, de George Bush(o autor principal da doutrina da “guerra preventiva contra o terrorismo”) parao Presidente Barack Obama (de “guerra” passou a “luta contra o terrorismo”),vivendo-se uma crise financeira e económica sem precedentes, a resposta ànossa pergunta ou desafio de 2003 continua com diferentes respostaspossíveis, conforme a perspectiva do leitor. No entanto, há que realçar umadiferença positiva: a comunidade internacional de “intelligence” conseguiutrabalhar melhor em rede preventiva, após o 11 de Setembro, sobre o problemado terrorismo, do que o Direito Internacional Público, os Tribunaisinternacionais (e as polícias) sobre o narcotráfico e o crime organizado, bemcomo sobre o controlo financeiro internacionalmente regulado, contra o mesmonarcotráfico e crime organizado (mas que assustadoramente não detectou as

9

Page 10: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

fraudes e especulação financeira, na origem da actual crise mundial económico--financeira).

O princípio de “Segurança Nacional” funcionar melhor a este nível do quea simples investigação criminal (pelo óbvio, de que não existe Estado de Direitoe poderes legislativo e judicial se não se verificarem as mínimas condições deDefesa Nacional e Segurança Interna da soberania do Estado, para a suaexistência), não deve ser esquecido no futuro, até pelo mérito da respectivacomunidade internacional de “Intelligence”, bem como as lições daí a retirar pelaCiência Política (e executores práticos políticos), na hierarquização no Estadodos valores de “Segurança Nacional”. A este assunto voltaremos adiante.

Do ensaio de 2003 iremos apenas citar definições doutrinárias que nosparecem ainda importantes para a posterior análise crítica (3):

10

Características

OBJECTIVO PRIORITÁRIO

OBJECTIVO SECUNDÁRIO

ALVOS

EFECTIVOS

ORGANIZAÇÃO

ARMAMENTO

LOCAL DE ACTUAÇÃO

RECRUTAMENTO

Terrorismo

Desacreditar o PoderDestruir o Poder

Desestabilizar

Sociedade Civil em geral

Reduzidos

Clandestina (tipo Comandos)

Rudimentar/sofisticado

Meio Urbano

Universidades, Meio laboral,Industrial e comercial

Guerrilha

Conquistar o Poder

Ocupar território, zonas libertadas;Controlar populações

Forças Armadas / Forças deSegurança

Comparativamente numerosos

Clandestina (tipo Exército Regular)

Tipo Exército Regular

Meio Rural

Meio rural

DEFINIÇÕES POSSÍVEIS DE TERRORISMO (3): (com todas asdificuldades ainda existentes para consenso em termos de Direito InternacionalPúblico):

a) Departamento de Defesa dos EUA

“Por terrorismo entende-se o uso ilegal da força ou violência contraindivíduos ou propriedade para coagir ou intimidar governos ou socieda-de com o fim de se atingir objectivos políticos, religiosos ou ideológicos”;

Page 11: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

b) “United Kingdom Terrorism Act”

“Por terrorismo entende-se a ameaça ou o uso de violência contrapessoas que ponha em perigo a vida ou danifique a propriedade,criando um sério risco para a saúde ou segurança da população oudanos sérios num sistema electrónico, com o objectivo de influenciaro governo ou intimidar a população em nome de uma causa política,religiosa ou ideológica.”

(O Código Penal português apresenta uma definição mais próxima dainglesa).

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL TERRORISTA (3):

11

As organizações terroristas partilham esta estrutura descrita, na base dapirâmide. As condições subjacentes, como a pobreza, a corrupção, os conflitosreligiosos ou étnicos criam as oportunidades para o terrorismo explorar.Algumas dessas condições são reais, outras são fabricadas. Daqui surge ajustificação do terror para legitimar-se com o objectivo de uma pretensamudança política. A envolvente internacional define as fronteiras, nas quaisas estratégias terroristas tomam forma. Os terroristas necessitam duma basefísica a partir da qual possam operar. Por ignorância, incapacidade ou

LIDERANÇA

ORGANIZAÇÃO

ESTADOS

ENVOLVENTE INTERNACIONAL

CONDIÇÕES SUBJACENTES

Page 12: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

intenção, Estados em todo o mundo ainda lhes oferecem condições, querfísicas (ex. casas seguras, campos de treino), quer virtuais (ex. redes decomunicações, e financiamentos) que os terroristas precisam para planear,organizar, treinar e conduzir as suas operações. O decapitar a liderança não égarantia de anulação para todas as organizações terroristas (á semelhança dos“barões” do narcotráfico). (3)

CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL (3)

DEFINIÇÃO DOS SERVIÇOS DE “INTELLIGENCE” E SEGURANÇA DOCANADÁ (1998):

“São organizações contemporâneas que são adaptáveis, sofisticadas,extremamente oportunistas e que emergem num vasto leque de actividadesilegais e legais… expandiram as suas actividades quase ao nível de umacorporação, estando activos em larga escala em fraude de segurança,deflação de recursos naturais, meio ambiente criminal, migrações de tráficoe fraude bancária… não receiam trabalhar globalmente em qualquer paísonde a fragilidade legislativa e burocrática permitam adquirir vantagens dosistema”.

Na prática, conforme o supra referido ensaio de 2003 demonstrava,existem interligações pragmáticas entre os três, terrorismo, guerrilha ecrime organizado, bem como o fácil envolvimento de Estados fracos ouEstados falhados (e de Estados jihadistas de teocracia islamita), que assimaceleram ainda mais a sua corrosão, conforme o ensaio de 1989, sobre onarcotráfico já previne.

Mas, no nosso destino, “o que justifica Portugal é o Mar” e, talvez porisso, neste momento, também para o combate ao crime organizado transna-cional e narcotráfico, o nosso destino voltará a ser o confronto no “OceanoMoreno” do Prof. Adriano Moreira e a fatal projecção do nosso poder naval.Contudo, para isso, precisamos e precisam de uma Marinha Portuguesa forte,ao nível da ONU e CPLP, na proximidade da costa e projectada à distância nooceano, garantindo o exercício da legalidade e poder judicial internacional,sobre as rotas do narcotráfico e crime organizado (paradigma de duplo uso) nooceano, em direcção à Península Ibérica e União Europeia.

12

Page 13: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

ANÁLISE SUMÁRIA DO RELATÓRIO 2008 DA ONU – “UNODC– United Nations Office on Drugs and Crime” – GABINETE DASNAÇÕES UNIDAS CONTRA A DROGA E O CRIME

O que acabámos de afirmar, embora já consignado através da criação emLisboa, sob a égide de sete Estados-membros da União Europeia do “Centro deAnálises e Operações contra o narcotráfico Marítimo (MAOC-N)”, com apoiomilitar, não invalida uma maior envolvência da República Portuguesa, atravésda Marinha e do poder naval, em permanente cooperação com a ONU e a CPLP(Marinhas do Brasil e de Angola) directamente, atendendo às nossasresponsabilidades históricas partilhadas com os Estados da CPLP – Guiné-Bissaue Cabo Verde.

Antes da intervenção industrial ilícita da síntese química dos laboratóriosclandestinos para fabricar heroína, cocaína, etc., há que produzir agricolamenteas papoilas de ópio, as folhas de coca, etc., de acordo com a tradição milenarcultural local (a síntese química não chega a ter dois séculos de existência).Assim, a produção agrícola necessita de território, agricultores e protecção àactividade ilícita destes, pelo que, se voltarmos ao citado Ensaio de 2003, nosAnais do Clube Militar Naval, no quadro de diferenciação terrorismo/guerrilha,surge a associação da produção agrícola com a guerrilha nas suas caracte-rísticas:

– “Ocupar território, zonas libertadas. Controlar populações;

– Os alvos são Forças Armadas/Forças de Segurança;

– Efectivos numerosos (comparando com as organizações terroristas);

– Organizações clandestinas tipo Exército Regular;

– Actuação no meio rural e recrutamento de população rural”. (3)

OPIÁCEOS

Ao nível dos Opiáceos, o “UNODC”, no relatório de 2008, admite umaexpansão da agricultura de ópio de 17% no Afeganistão e de 29% no Mianmar.Assim, o Afeganistão, em 2007, foi responsável por 92% da produção de ópioe era responsável por 82% da área mundial de cultivo. (4)

Cerca de 2/3 da área de cultivo localizava-se na área sudeste doAfeganistão (só a província de Hilmand é responsável por 53% da produção

13

Page 14: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

agrícola), embora, no total do território do Afeganistão, as provínciasenvolvidas no cultivo tenham descido em número de 7, entre 2006 e 2007. (4)

No caso de Mianmar, as áreas agrícolas de ópio são a Este e Sul doestado Shan e, em ambos os países, começa a surgir a produção agrícola deCannabis Sativa.

Em 1989, no nosso primeiro ensaio, alertava-se para placas giratórias denarcotráfico de opiáceos em Peshawar e Bombaim, na União Indiana, oriundosdo Afeganistão e do Paquistão. Mas, em 2008, em Fevereiro, investigadores daFaculdade de Direito - Instituto de Criminologia da Universidade Católica deLeuven (Bélgica), Departamento de Economia da Academia Naval dos EUA emAnnapolis e Departamento de Criminologia e de Políticas Públicas daUniversidade de Maryland (EUA), publicaram um estudo, alertando para odesvio para o mercado ilícito, por parte da produção autorizada, legalmente, deopiáceos na União Indiana para a Indústria Farmacêutica mundial. (5)

Esta situação de desvio, da produção legalizada para a indústriafarmacêutica para o mercado ilícito, já aparecia no nosso ensaio de 1989 maspara países com débil controlo governamental ou por incapacidade deconcorrência dos preços oficiais. No entanto, nunca referimos a União Indiana,dado ser uma democracia estável (apesar de ser um dos maiores consumidoresmundiais de opiáceos ilícitos ao nível interno) e longe de ser um Estado fracoou falhado.

Segundo os investigadores belgas e americanos citados, são anualmentedesviados, para o mercado ilícito na União Indiana, 200 - 300 toneladas deopiáceos, o que colocaria este país no terceiro lugar mundial de ilícito produtore não citado pelo “UNODC”. (5)

O facto de a União Indiana ser o maior produtor mundial de opiáceos,autorizado e legalizado para a Indústria Farmacêutica, torna a partilha destesconhecimentos, dos criminologistas e economistas belgas e americanos, muitopreocupante a vários níveis e, sobretudo, para a saúde institucional da maiorDemocracia do mundo, expectável potência emergente ao nível geopolítico.Este será um tema que deverá ser acompanhado nos próximos anos, tendotambém em conta o papel da França e da Austrália como produtoresconcorrentes da União Indiana no mercado farmacêutico global.

Só para terminar, os criminologistas das Universidades de Leuven eMaryland e os economistas da Escola Naval da “US Navy” sugerem que os

14

Page 15: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

desvios da produção autorizada para o mercado ilícito se baseiam nas seguintessituações: (5)

1. A União Indiana (ao contrário da França e Austrália, por ex.) é o únicopaís do mundo que autoriza a extracção legal e exportação da gomade ópio, em vez do concentrado líquido de ópio, de mais difícil desvioilícito;

2. O desvio para o mercado ilícito surge de quatro formas básicas:

2.1. Extensão ilícita da área de plantação, licenciada pelo governo, emtermos de hectares não autorizados;

2.2. Os agricultores podem reclamar falsamente que as áreas licen-ciadas não deram colheitas e depois vender ilicitamente essascolheitas;

2.3. Vender excedentes, sem qualidade mínima, das áreas licenciadaspara o mercado ilícito, por não constarem dos relatórios para asautoridades de controlo;

2.4. Após a compra pelo governo, agentes corruptos ocultam noinventário oficial e vendem para o mercado ilícito. (5)

Voltando ao relatório de 2008 do “UNODC”, vamos agora passar daprodução à cadeia logística de transporte e distribuição – rotas do narcotráfico.

A heroína entra na Europa por duas rotas de tráfico terrestre principais:a rota dos Balcãs, que é historicamente importante, com as suas ramificações,depois de atravessar o Paquistão, Irão e a Turquia; a “rota da seda”, cada vezmais utilizada, através da Ásia Central e da Federação Russa.

Existem rotas de tráfico secundárias para a heroína, por exemplo,directamente do Paquistão para a Europa (Reino Unido), mas também atravésdo Paquistão e dos países do Médio Oriente e de África para os mercados ilegaisda Europa e da América do Norte.

Na União Europeia, seguem-se-lhes os Países Baixos (Holanda) e, emmenor grau, a Bélgica que desempenham o papel de distribuidores. (5) (6)

Na saída do Afeganistão, 53% dos opiáceos seguem a rota pelo Irão,33% pelo Paquistão e 15 % pela Ásia Central (geralmente pelo Tajiquistão)estando o Paquistão progressivamente a ser preferencial em relação ao Irão eà Ásia Central. (5)

15

Page 16: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Finalmente, no que respeita ao consumo, dado que as políticas na UniãoEuropeia não são uniformes, variando desde uma visão liberal-social daHolanda, com pretenso sustento na separação de mercados por grau de danos,até à política pública proibicionista da Suécia baseada no reducionismobiológico e pelo “slogan” de um país livre de drogas, apelidada de moralista eluterano-calvinista, a única coisa que podemos afirmar é que a Alemanha e aEslovénia apresentam descidas de consumo e respectivas infracçõesrelacionadas com a oferta da droga. (6)

Considerando a predominância do narcotráfico terrestre (Balcãs e “rotada seda” da Ásia Central), tudo levará a prever que o problema do consumoilícito de opiáceos na Europa irá ter a sua máxima expressão, num futuropróximo, nos países de Leste, do antigo bloco soviético (onde, curiosamente,também estão a disparar as apreensões de cocaína).

COCAÍNA

A agricultura das folhas de Coca (precursor da Cocaína) em 2007 alargou16%, no conjunto de países da Colômbia, Bolívia e Peru, mas este valor foisobretudo à custa do alargamento de 27% na Colômbia. De qualquer modo,para além dos aumentos de área cultivada na região central e do Pacífico daColômbia, as áreas aumentaram em 4% no Peru e 5% na Bolívia. (5)

Quanto à síntese de hidrocloreto de Cocaína, 61% foram produzidos naColômbia, 29% no Peru e 10% na Bolívia. (6)

No que respeita às rotas de tráfico, os pontos de partida na América paraa Europa (os EUA são o maior mercado mundial de consumo) são o Brasil,Equador e Venezuela, havendo claramente uma preferência da via marítimasobre a via aérea (11 versus 6). (5)

A entrada na União Europeia, pela via marítima, é efectuada, basicamente,pela Península Ibérica – Galiza, Andaluzia, Barcelona e Valência – e, por via aérea,Madrid. Portugal representa a segunda hipótese de entrada, infelizmente estandoa constituir a alternativa crescente, duplicando as apreensões anualmente desde2004, 2005 e 2006, em grande parte devido às placas giratórias do golfo daGuiné, especialmente os membros da CPLP – Guiné-Bissau e Cabo Verde. (5)

A estimativa mais recente é que cerca de 25% da Cocaína traficada paraa União Europeia, em 2007, passou por esta rota de África Ocidental antes dese dirigir a Portugal e Espanha. (6)

16

Page 17: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Inicialmente, a via marítima era para Espanha, com origem nos paísesamericanos de expressão castelhana – Venezuela (31% das apreensões),República Dominicana (8%), Equador (6%), Argentina (5%) e Colômbia (4%)e a nacionalidade dos traficantes era, predominantemente, colombiana e daRepública Dominicana (com alguns marroquinos), usando como placa giratóriaas Ilhas Canárias. (5)

À medida que estas rotas marítimas foram reconhecidas e controladas, ocrime organizado apercebeu-se da hipótese dos Estados fracos ou quasefalhados, de expressão lusófona, com sistemas legislativos e judiciaisembrionários ou atrasados (e recorrendo ao potencial da frota pesqueiraespanhola e portuguesa) e vem atacando esses Estados: Guiné-Bissau e CaboVerde. (5)

Mesmo assim, a rota africana de Estados fracos ou quase falhadosapresentou, no computo total de 2,1% de apreensões, uma subida de 0,1% em2000 para 0,3% em 2005 mas a verdade é que 99% da Cocaína enviada paraPortugal em 2007 e participada como apreensões individuais ao “UNODC”passou pela via marítima Africana, constituindo já em 2006 35% do total deapreensões para a União Europeia. (5)

Mais uma vez, tal como já referimos anteriormente em relação à guerrilhae ao terrorismo, será de interrogar a prioridade da “Segurança Nacional” paraa existência do Estado de Direito, sobre a posterior derivada investigaçãocriminal, a partir do poder legislativo e do poder judicial, também para estenível de crime organizado transnacional.

Na nossa perspectiva, se as opiniões públicas, os cidadãos e a classepolítica não assumirem estes custos económicos e sociais e uma nova regula-mentação dos princípios de Montesquieu e John Locke, obviamenteinalienáveis, os Estados-Nação e as suas Democracias irão, tendencialmente,sucumbir a modelos securitários e totalitários e, na pior das hipóteses, dedefesa de sobrevivência, teocracias retrógradas.

CANNABIS

A produção agrícola de Cannabis Sativa está referenciada em 172 países (4).

Em 2006 a maioria da produção agrícola de Cannabis Sativa foi nocontinente americano, México, EUA e Canadá (55%) e em África (22%) (4). Noentanto, existe a produção para o mercado de consumo interno e a produção

17

Page 18: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

para exportação e, neste caso, os países identificados são, em África, Marrocos,Nigéria e Gana e, na Ásia, Afeganistão, Paquistão e Cazaquistão (a extensão deplantação no Afeganistão começa a aproximar-se da de Marrocos e a produçãode resina - hashish – vem simultaneamente subindo no Afeganistão desde 2003e descendo em Marrocos). (4)

Em 2006, as maiores apreensões de resina de Cannabis deram-se emEspanha (45%), Paquistão (11%), Marrocos (9%) e França (7%). (4) Na Amé-rica os maiores países produtores de resina de Cannabis são a Jamaica (5%) eo Paraguai (2,5%) e, no Médio Oriente, o Líbano e o Egipto (2%). No Líbano, aprodução continua a ser, predominantemente, na zona do Vale de Beka (desdesempre controlada, para seu financiamento, pelos terroristas do Hezbolah).

Embora na maioria dos países europeus, em 2006, a cannabis tenhacontinuado a ser a droga ilegal mais frequentemente envolvida nas infracções àlegislação em matéria de droga notificadas (36% – 86%), com excepção daRepública Checa (60% das infracções por metanfetaminas) e Malta (41% dasinfracções por heroína) (6), já no que respeita à resina de cannabis – hashish –existe um decréscimo progressivo de apreensões em toda a Europa (EuropaCentral e de Leste – 29% em 2006, Espanha – 31%, França – 19%), bem comono país de importação – Marrocos (5%). (4)

AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PENSAMENTO EXPRESSO NUMAABORDAGEM POLITOLÓGICA, APÓS 20 ANOS (1989 – 2009) SOBRE OPARADIGMA “GUERRA ÀS DROGAS”

Do artigo e ensaio de 1989, sintetizaríamos as seguintes afirmações deentão (1):

• O narcotráfico gera mais-valias financeiras para comunidades deagricultores empobrecidos;

• As mais-valias financeiras do narcotráfico sobrepõem-se à Ordempolítica e ética;

• Elementos de governos e pessoal diplomático já foram envolvidos nonarcotráfico na América do Sul;

• A União Indiana surgiu já como placa giratória do narcotráfico, a partirdo Afeganistão e do Paquistão, para financiar localmente gruposextremistas de terroristas;

18

Page 19: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

• O Paquistão e a Colômbia apresentavam já uma elevada corrupção doEstado, por narcotráfico;

• Havia já um elevado desvio da produção legal e autorizada deopiáceos para a indústria farmacêutica para as actividades ilícitas denarcotráfico;

• As sociedades em geral apresentavam um dilema de difícil resolução,que era eliminar no seu seio o abuso de drogas mas sem osrespectivos custos económicos e sociais (modelo liberal versus modelosecuritário).

Na verdade, 20 anos depois, todos os problemas enunciados mantêm asua razão de terem sido formulados em 1989. Aqui, a geopolítica do mundopouco mudou… No entanto, há dois factores que se agravaram como“novidades”: por um lado, o envolvimento pelo narcotráfico da Cocaína, atravésda Península Ibérica, para a União Europeia, dos Estados fracos ou quasefalhados da CPLP como as Repúblicas de Cabo Verde e Guiné-Bissau; por outrolado, o aumento da dimensão e agressividade internacional do terrorismoislamita jihadista, financiando-se no narcotráfico, basicamente de Opiáceos eCannabis, e também na existência de Estados fracos ou falhados.

Após o 11 de Setembro, e quando retomamos o tema na I Parte doensaio “Narcotráfico e terrorismo: a destruição maciça já começou!”, em2003, (3) a genuína dúvida que nos assalta é “A pergunta que se impõe ése a “GUERRA AO TERRORISMO” evoluirá para um isolamento internacionaldos EUA, como a “GUERRA ÀS DROGAS”, ou se, pelo contrário, irá, pelademonstração progressiva da evidência e aderência internacional, reforçare tirar do seu isolamento o paradigma americano da “GUERRA ÀS DROGAS”.(3)

Na verdade, o facto de os EUA serem o país que mais investiu e maiorconhecimento tem de investigação científica sobre o Cérebro Humano (e oadoecimento deste pelas substâncias psicoactivas recreativas, vulgo “drogas”),bem como o facto de a comunidade de “intelligence” dos mesmos EUA ser dasmais avançadas do mundo sobre o conhecimento dos riscos de guerrilha,terrorismo e até crime organizado, associados ao narcotráfico, justificaram apergunta e dúvida metódica efectuada. A meritocracia do conhecimentopioneiro levam muitas vezes ao isolacionismo, perante a restante humanidade…Galileu, Sócrates e outros, foram um exemplo, no passado, deste destino efatalidade.

19

Page 20: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Recentemente, numa operação contra o narcotráfico mexicano, oProcurador-Geral actual dos EUA considerou o tráfico de drogas “uma ameaçaà Segurança Nacional” (Eric Holder Jr.).

Assim, o conceito de “guerra preventiva” “contra as drogas” (ouposteriormente “contra o terrorismo”) é um paradigma tipicamente anglo-americano e de conceptualização comum. Vejamos a nossa perspectiva emalguns aspectos a realçar:

1. “…o princípio de que o único fim para o qual as pessoas têmjustificação, individual ou colectivamente, para interferir na liberdadede acção de outro, é a AUTOPROTECÇÃO – (“homeland”). É oprincípio de que o único fim, em função do qual o poder pode sercorrectamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidadecivilizada contra a sua vontade, é o de prevenir dano a outros. O seupróprio bem, quer físico quer moral, não é justificação suficiente…O despotismo é uma forma legítima de governo, quando se lida combárbaros, desde que o objectivo seja o seu desenvolvimento, e desdeque os meios sejam justificados por verdadeiramente alcançarem essefim” (John Stuart Mill, 1859, Sobre a Liberdade);

2. Doutrina Monroe dos EUA, no século XIX, prevenindo a emergência naproximidade de qualquer potência europeia que pudesse ser ameaçapara os Estados Unidos;

3. O contacto da potência naval que são os EUA, no teatro de operaçõesterrestre no início dos anos 90, com os exércitos europeus nos Balcãse a constatação do seu diferencial tecnológico e do seu podercomparativo... gerando a convicção interna de afirmação daunipolaridade que, durante a Administração Bush (filho),posteriormente levou Robert Kegan a afirmar “os americanos são deMarte e os europeus são de Vénus” (Of Paradise and Power: Americaand Europe in the New World Order – 2003);

4. A visão e convicção messiânica dos EUA, do seu papel de expandir osideais da Democracia e do Liberalismo que explodiu com aunipolaridade pós Guerra Fria e os ataques terroristas após o 11 deSetembro…“This is what I was put on this earth for” (George W. Bush,2003), mas que já tinha uma tradição cultural da América, fundadanum misto de Luterano calvinismo e Maçonaria regular teísta, comoveremos mais adiante na Ciência Política básica dos EUA.

20

Page 21: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Mais aspectos haveria a citar mas aguardemos para mais adiante, noreferido capítulo de Doutrina Politológica Anglo-Americana Basilar. No entanto,a mudança no léxico de “guerra” para “luta” contra terrorismo (ou contra adroga) pelo Presidente Barack Obama, para além da interpretação superficialde mudança do “hardpower” para o “softpower”, tem implicações maisprofundas de operacionalização e aproximação à realidade.

Na verdade, tirando o caso da guerrilha talibã, no Afeganistão, ou dasFARC na Colômbia, que protegem as áreas territoriais de plantação e controlamas populações agrícolas, por exemplo, não parece justificar-se o uso das ForçasArmadas terrestres convencionais ou similares contra o narcotráfico, crimeorganizado ou terrorismo.

Tal já havia sido formulado em 2004 pelo Prof. Robert Jervis, de PolíticaInternacional da Universidade de Columbia, no seu ensaio “Understanding theBush Doutrine” (8):

1. “Partilha entre Estados democráticos ao nível de “intelligence” deinformação muito sensível (por ex.: sobre o terrorismo);

2. Reconstrução dos Estados falhados pela comunidade internacional;

3. Prevenção da proliferação das armas de destruição maciça pelacomunidade internacional;

4. Supervisão da economia internacional”.

A intervenção, após detecção pela “intelligence”, nos “ninhos” deterroristas e/ou “barões” narcotraficantes, será então cirúrgica por parte deoperações especiais e não por forças armadas militares convencionais, devendotudo decorrer a um nível classificado elevado. Evita-se, assim, contaminar depânico as várias opiniões públicas internacionais e não ter o factor perturbadorde eficácia, do “ruído” da comunicação social, (com interpretação confusa danobreza dos Direitos Humanos).

Quanto à reconstrução dos Estados falhados, a comunidade internacionaltem aí um papel a desenvolver e a empenhar as suas Forças Armadas e Forçasde Segurança na criação de uma Segurança Nacional forte, nesses Estadossoberanos. Seguir-se-ão, depois, as tradicionais características da democraciaprocedimental/institucional e substantiva ou ideológica (poder executivo elegislativo eleito e judicial independente) e funções do Estado.

21

Page 22: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A sustentar esta necessária visão de reconstrução dos estados falhados,recordamos apenas duas fontes bibliográficas diferentes (americana e euro-peia), o âmbito das funções do Estado e da Administração Pública, em que otopo da hierarquização pela Segurança Nacional e soberania, nos dois casos,não é certamente um acaso…

FUNÇÕES DO ESTADO (9)

1) Funções Mínimas

Fornecer Bens Públicos essenciais

• DEFESA, SEGURANÇA (Defesa Nacional, Segurança Interna)

• Direitos de propriedade

• Gestão macroeconómica

• Saúde Pública

Promover a Igualdade

• Proteger os pobres

2) Funções Intermédias

Lidar com Externalidades

• Educação, Ambiente

Regulamentação dos Monopólios

Ultrapassar uma Educação Imperfeita

Seguros, regulamentação financeira

Segurança Social

3) Funções Activas

Política Industrial

Redistribuição da Riqueza

22

Page 23: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

MISSÕES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (10)

1. Missões relativas a Representação e Segurança Externas(DIPLOMACIA, DEFESA NACIONAL)

2. Missões relativas à Segurança Interna

2.1. Segurança de Pessoas e bens (SEGURANÇA INTERNA)2.2. Segurança de certas actividades económicas e sociais

3. Missões de Regulação Social e Económica

3.1. Prevenção e composição de litígios3.2. Relações económicas e sociais externas3.3. Ordenamento do território, protecção do ambiente e defesa do

património3.4. Transportes

4. Missões de Obtenção e Protecção de Recursos

4.1. Fiscalidade e parafiscalidade4.2. Gestão e exploração de recursos naturais

5. Missões de Prestação

5.1. Cuidados de Saúde5.2. Emprego, Formação Profissional e Segurança Social5.3. Educação, cultura, desporto e tempos livres5.4. Integração social5.5. Habitação

6. Promoção do Desenvolvimento e Infra-Estruturas

6.1. Investigação científica6.2. Agricultura, pescas, indústrias, comércio e turismo6.3. Equipamento social, comunicações e telecomunicações

Missões Auxiliares

Assim, a terminar a análise crítica ao nosso pensamento de 1989, paraalém do narcotráfico alimentar, financeiramente e não só, um crescendo doterrorismo islamita jihadista, há de facto um novo paradigma que é, em

23

Page 24: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

colaboração com o Brasil e Angola, fortalecer os Estados da CPLP – Guiné-Bissau e Cabo Verde – que estão sendo atacados pelo narcotráfico e crimeorganizado da Cocaína (o retorno também aqui ao “Oceano Moreno” do Prof.Adriano Moreira).

Um aumento, ainda maior, da cooperação Militar e das Forças deSegurança na formação profissional da Segurança Nacional desses países seráuma tarefa inalienável da República Portuguesa. Igualmente, numenquadramento da CPLP, em cooperação com as Marinhas do Brasil e deAngola, a projecção do poder naval português para o Atlântico Sul até CaboVerde, no combate ao narcotráfico de Cocaína, será algo a ponderar nascomponentes do pensamento estratégico, a elaborar pelos seus responsáveisna Marinha Portuguesa, o que deixamos à sua consideração, num futuropróximo, em colaboração com as Marinhas do Brasil e de Angola.

24

Page 25: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

(1) MARGALHO CARRILHO, J., Factores Socioeconómicos contribuintespara o Tráfico ilícito e abuso de drogas psicoactivas ilegais no mundoactual, REVISTA PORTUGUESA DE MEDICINA MILITAR, Lisboa, N.º 37(3-4), pp. 57-64

(2) P. HUNTINGTON, SAMUEL, O Choque das Civilizações e a Mudança naOrdem Mundial, 1.ª Edição, Lisboa: Gradiva – Publicações Lda. 1999

(3) MARGALHO CARRILHO, J., Narcotráfico e terrorismo: a destruição maciçajá começou! (I Parte), ANAIS DO CLUBE MILITAR NAVAL, Lisboa, Vol.CXXXIII, Julho - Setembro 2003, pp. 485-511

(4) UNITED NATIONS Office on Drugs and Crime. 2008, World Drug Report.Viena – Áustria, United Nations Publications, 2008

(5) PAOLI, LETIZIA; GREENFIELD, VICTORIA A.; CHARLES, MOLLY;REUTERS, PETER. The Global Diversion of Pharmaceutical Drugs. India:The Third Largest Illicit Opium Producer? Londres – R.U. British JournalAddiction, vol. 104, n.º 3, Março 2009

(6) Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. A evolução dofenómeno da droga na Europa – Relatório Anual 2008. Lisboa – Por-tugal e Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias,2008 – Luxemburgo

(7) MILL, JOHN STUART. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, Lda. 2006

(8) CARALEY, DEMETRIOS JAMES (ed.). American Hegemony – Preventivewar, Iraq and imposing democracy; New York, USA: The Academy ofPolitical Science, 2004

(9) FUKUYAMA, FRANCIS. A Construção de Estados. Governação e ordemmundial no século XXI, 1.ª Edição Lisboa. Gradiva – Publicações, Lda.,2006

(10) CAUPERS, JOÃO. Introdução à Ciência da Administração Pública, 1.ª Edição,Lisboa, Âncora Editora 2002

25

Page 26: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,
Page 27: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.1. Breves noções introdutórias de Política Pública, através do DireitoInternacional Público como instrumento operacional.

O Direito Internacional Público é algo que sempre teve alguma afeiçãopor parte de nós, marinheiros, através do Direito do Mar, a que somosobrigados no conhecimento quer académico, na formação militar naval, querpara os que comandam navios, no conhecimento da aplicação prática nooceano. Mas, é a própria história do Direito Internacional clássico que consagraa importância do mar. Assim, o constitucionalista, Prof. Doutor Jorge Miranda,no seu curso de Direito Internacional Público divide historicamente a evoluçãoem três fases ou subperíodos ao nível clássico (1):

a) A primeira, de primórdios (em que destaca o Tratado de Tordesilhasde 1494 entre Castela e Portugal e o regime jurídico do mar e daliberdade de navegação “mare clausum” ou “mare liberum”) abrangeos tempos anteriores à paz de Vestefália;

b) A segunda fase decorre até à Revolução Francesa e aos finais doséculo XVIII;

c) A terceira fase começa nessa altura e termina na Primeira GuerraMundial (1).

Ao nível contemporâneo:

a) Uma primeira fase, até 1939, até à Segunda Guerra Mundial – é afase decorrente do Tratado de Versalhes, marcada pelo malogroda institucionalização tentada através da Sociedade das Nações;

b) Uma segunda, após 1945, traduzida juridicamente na Carta dasNações Unidas e assinalada por aquilo a que se chamaria “GuerraFria”;

c) Uma terceira fase, aberta pela queda do Muro de Berlim em 1989. (1)

27

Page 28: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Existem dois problemas pragmáticos que questionam a validade doDireito Internacional Público que o Prof. Jorge Miranda não deixa de referir: (1)

a) O Direito Internacional resulta das relações entre Estadosindependentes. O seu conteúdo em si e para si tem a forma de deverser, porque a sua realização depende de vontades soberanasdiferentes (Hegel) não havendo na ordem internacional democráticarepresentativa um órgão legislativo, um órgão judicial e muitoprincipalmente um órgão policial (1);

b) A regulamentação das formas de vinculação internacional dos Estadostem um carácter misto: consta, tanto de normas de DireitoInternacional, como de normas de Direito Interno, essencialmente porvia das normas do Direito Constitucional (1), o que pressupõe algoque não é uma realidade actual, pois o Estado de Direito democrático,conforme o entendemos, é uma excepção e não a maioria, que seconstata na comunidade internacional, havendo assim uma nãouniversalidade real e desigualdade real depois, na implementaçãointerna dos tratados.

O Prof. Jorge Miranda enumera, na sua perspectiva, quais os problemasque se colocam na actualidade ao Direito Internacional Público e quereproduzimos, pela afinidade de alguns com este trabalho (1):

a) A globalização económica e financeira com o peso crescente dasempresas transnacionais;

b) A globalização também da comunicação social e cultural, conexa coma sociedade de informação;

c) O agravamento das desigualdades entre os países do Norte e os doSul do planeta;

d) Os extensos movimentos de pessoas, sejam migrações derivadasdessa situação, sejam afluxos de refugiados, por razões políticas ouem consequência de conflitos locais, e os problemas do multi-culturalismo;

e) O exacerbamento de contrastes nacionais, rácicos e religiosos, querao nível interno (com difícil sobrevivência das minorias), quer ao nívelregional e mundial, chegando a irrupções de terrorismo;

28

Page 29: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

f) Os riscos de proliferação de armas nucleares;

g) Os problemas do clima e da preservação do ambiente e dos recursosnaturais.

A terminologia, em Direito Internacional Público, também é realçado peloProf. Jorge Miranda que discrimina tipos especiais de Tratados/Convençõesinternacionais (1):

a) CARTA, CONSTITUIÇÃO ou ESTATUTO – é o tratado constitutivo deuma organização internacional ou regulador de um órgãointernacional (ex. Carta das Nações Unidas, Constituição da OIT,Estatuto do Conselho da Europa ou do Tribunal Internacional deJustiça);

b) PACTO – é um tratado de aliança militar (ex. OTAN ou Pacto deVarsóvia), mas igualmente tratado político de grande importância (ex.Pacto da Sociedade das Nações ou Pacto de Direitos Económicos,Sociais e Culturais e de Direitos Civis e Políticos);

c) CONCORDATA – é um tratado entre a Santa Sé e um Estado acercada situação da Igreja Católica perante este (ex. Concordata entre aSanta Sé e Portugal);

d) ACTA GERAL ou FINAL – é geralmente um tratado conclusivo de umaconferência ou congresso internacional de Estados (ex. Acta Final deHelsínquia de 1975);

e) CONVENÇÃO TÉCNICA – tratado sobre matérias especializadas decarácter técnico, em regra complementar de outro (ex. Convenção deMontego Bay sobre o Direito do Mar de 1982; Convenção de Vienasobre o Direito dos Tratados entre Estados de 1969; Convenção sobrea utilização dos cursos de águas internacionais para fins diferentes denavegação de 1997);

f) PROTOCOLO ADICIONAL – tratado complementar ou modificativo deoutro sobre matérias políticas (ex. protocolo adicional ao Pacto deDireitos Civis e Políticos);

g) MODUS VIVENDI – acordo temporário ou provisório;

h) COMPROMISSO – acordo tendente à solução arbitral de conflitos (ex.declaração conjunta luso-chinesa sobre Macau de 1987).

29

Page 30: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Vamos agora abordar apenas as duas áreas que nos interessam para anossa exposição:

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS (2) – S. Francisco, EUA, 1945

Apenas iremos recordar os objectivos e os órgãos:

Objectivos (2)

– Manter a paz e a segurança internacional;

– Desenvolver relações de amizade entre as nações e o fortalecimentoda paz universal;

– Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemasinternacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário,promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do Homem (vide“Declaração Universal dos Direitos do Homem”, de 10 Dez. 1948) epelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,língua ou religião;

– Ser um centro destinado a harmonizar a acção das nações para aconsecução desses objectivos comuns.

Órgãos (2)

Ficam estabelecidos, como órgãos principais das Nações Unidas, umaAssembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Económico e Social(de onde se geram organismos juridicamente distintos da ONU como a OMS,UNESCO, FAO, etc.), um Conselho de Tutela, um Tribunal Internacional deJustiça e um Secretariado (o Secretário-Geral da ONU é nomeado pelaAssembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança e é oprincipal funcionário administrativo da ONU) (2).

CONVENÇÃO DE VIENA sobre o Direito dos Tratados entre Estados,Viena, Áustria, 1969:

a) “TRATADO” – designa um acordo internacional concluído, porescrito, entre Estados e regido pelo Direito Internacional, queresteja consignado num instrumento único, quer em dois ou maisinstrumentos conexos e qualquer que seja a sua denominaçãoparticular (2);

30

Page 31: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

b) “RATIFICAÇÃO”, “ACEITAÇÃO”, APROVAÇÃO” e “ADESÃO” designam,conforme o caso, o acto internacional assim denominado pelo qual umEstado manifesta, no plano internacional, o seu consentimento emficar vinculado por um tratado (2);

c) “RESERVA” designa uma declaração unilateral, qualquer que seja oseu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quandoassina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qualvisa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições dotratado na sua aplicação a esse Estado (2);

d) “ESTADO CONTRATANTE” designa um Estado que consentiu em ficarvinculado pelo tratado, independentemente de este ter entrado ounão em vigor (2).

Assim e a terminar estas breves noções de Direito Internacional Público,voltamos a citar o Prof. Jorge Miranda explicitando que o conceito detratado/convenção internacional pressupõe (1):

a) Um acordo de vontades;

b) A necessidade de as partes serem todas sujeitos de DireitoInternacional e de agirem nessa qualidade;

c) A regulamentação pelo Direito Internacional;

d) A produção de efeitos com relevância nas relações internacionaissejam estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordensinternas das partes.

2.2. A História do controlo de Psicotrópicos e Estupefacientes pelaComunidade Internacional.

2.2.1. Breve resumo de Políticas Públicas seguidas pela ComunidadeInternacional.

Antes de iniciar esta análise histórica de Políticas Públicas e de DireitoInternacional Público de controlo e proibição de substâncias psicoactivas parafins recreativos, há que clarificar dois argumentos demagógicos dosmovimentos liberais pró legalização:

Primeiro, “sempre existiram drogas nas sociedades”. Na verdade sempreexistiram os precursores botânicos, como as folhas de tabaco, as uvas, as

31

Page 32: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

papoilas de ópio, as folhas de coca, etc.. Todavia, daí até à síntese químicafarmacêutica e à industrialização mercantil pelo Homem dos cigarros e outrosprodutos do tabaco, bebidas alcoólicas destiladas, morfina e heroína e cocaína,principalmente nos séculos XIX e XX, vai uma enorme diferença. Daí, anecessidade sentida, pela Comunidade Internacional, de regulamentar emDireito Internacional Público, a partir também dos séculos XIX e XX;

Segundo, o proibicionismo teria uma base moralista e religiosa contranatura, em relação ao laicismo dos Estados de Direito e à evolução natural dascivilizações, ao longo da história da humanidade de “sempre existiram drogas”.

A verdade é que uma análise mais cuidadosa e rigorosa, se possível,desapaixonada, mostra que a influência dos “movimentos de temperança”surgiu sempre após o descalabro nas sociedades, das “drogas”biopsicosocialmente mais degradantes, como por exemplo, o álcool e osopiáceos, e aqui o ordenamento dos factores históricos não é arbitrário…Foram, como tradicionais reservas ético morais das sociedades e da suasobrevivência social, que os “movimentos de temperança”, frequentementecom índole religiosa, tentaram pôr cobro a uma desorganização anárquicasocial, provocada pela erosão progressiva pelas substâncias psicoactivas, numcontexto crescente de uso recreativo social.

É claro que essas reacções de pânico, por essa circunstância,enfermaram frequentemente de exageros puritanos, numa razão que lhesassistia plenamente, em termos de Direitos Humanos e de preservação da Vida.

Portugal, vítima da sua secular (e com mérito) vocação mercantil, nestaárea, tem algumas vulnerabilidades históricas ético-morais perante o mundo,desde a introdução na Europa, na época dos Descobrimentos, do hábito dosindígenas da América da inalação de fumo da queima de folhas de tabaco, atéao comércio para a China, através de Macau, do ópio, trazido principalmenteda produção agrícola da Índia, durante o século XIX e início do século XX.

Voltando aos “movimentos de temperança”, estes intervieram, aposteriori, sobre uma realidade calamitosa de desagregação social pelo abusode “drogas” (embora com o exagero, por vezes, de purificação divina das novasSodoma e Gomorra bíblicas). Vejamos só alguns exemplos.

Nos EUA, em 1650, os colonos do Estado do Connecticut, paraprevenirem as situações numa nova sociedade que repudiavam em relação aoconstatado na origem, em Inglaterra, de onde tinham partido, elaboram umcódigo de leis que Alexis de Tocqueville cita: “A preguiça e a embriaguez são

32

Page 33: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

nele severamente punidas. Os estalajadeiros não podem fornecer mais do queuma certa quantidade de vinho a cada consumidor…É assim que se encontrano mesmo código uma lei que proíbe o uso do tabaco”. (3)

Em 1874, em Inglaterra, perante o descalabro a que chegara a populaçãodo Império da China (provavelmente um em cada três homens era ópiodependente), face ao comércio, principalmente do Império Britânico, do ópioda Índia produtora para a China consumidora, um grupo de Quakers fundou emLondres a “Sociedade para a supressão do comércio de ópio”, grupo de pressãoa que rapidamente aderiram igrejas cristãs Metodistas, Baptistas,Presbiterianas, etc. A força cívica deste movimento levou o ParlamentoBritânico, entre 1875 e 1890, a pronunciar-se sobre a produção e comércio deópio mas as mais-valias económicas da Índia Britânica pesaram mais alto enada de significativo saiu legislativamente. (4)

Também quando os EUA conquistaram as Filipinas, em 1891, apesar dasmais-valias económicas do seu comércio (que era legal durante o domíniocastelhano) serem de grande interesse local, um grupo de pressão demissionários de Manila e o Bispo de Manila (natural do Canadá), ReverendoCharles Brent, perante a degradação social de ópiodependentes de etniachinesa forçaram o Presidente Theodore Roosevelt e o Congresso dos EUA,alguns anos mais tarde em 1905, a proibir a importação e venda de ópio nasFilipinas.

Em relação ao álcool, as tentativas de controlo através de “leis secas” naRússia Czarista, em 1916, e depois nos anos 80, com o Presidente Breznev daURSS, bem como nos EUA, em 1919, só a dos anos 80 na URSS não teve umaforte influência dos “movimentos de temperança” de índole moral e religiosa,mas todas surgiram após uma degradação social e da crescente proporção dedependentes. Os Estados de Rhode Island e Connecticut (o acima citado porTocqueville) foram os únicos a não ratificar a Emenda 18 – “Lei Seca” – em1919, o que não deixa de ser curioso…

De qualquer forma, para uma análise mais detalhada doscustos/benefícios dos paradigmas extremos das substâncias psicoactivasrecreativas “liberalização total versus proibição total”, remetemos para a leiturado nosso ensaio de 2004, “Narcotráfico e Terrorismo: A Destruição Maciça jáComeçou – Segunda Parte”, nos Anais do Clube Militar Naval (5) e que, naaltura, tivemos oportunidade de oferecer no “American Club” de Lisboa aoDr. Paulo Lowndes Marques, que então estava muito preocupado sobre estedebate público na sociedade portuguesa.

33

Page 34: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A verdade é que, em nossa opinião, a problemática de difusão desubstâncias psicoactivas recreativas, com a sua associação natural à guerrilha,terrorismo e crime organizado transnacional, afectam a Segurança Nacional dosEstados, a qual deve ser uma preocupação hierarquicamente prioritária emrelação às restantes componentes do Estado de Direito (nomeadamente aJustiça e investigação criminal, sob pena de estas nem sequer virem a existirem Estados fracos e falhados).

Para confirmar a nossa perspectiva, basta só reproduzir as declaraçõesdesesperadas do Ministro da Justiça da Colômbia, em 1988, na Conferênciada ONU, em Viena de Áustria, perante delegações de 106 Estados-Membros:“O tráfico ilícito de drogas ameaça a saúde e bem-estar dos indivíduos,provoca corrupção, aumenta o grau de conspiração do crime organizado esubverte a ordem pública. Provoca um cataclismo na Soberania e Segurançados Estados e provoca a ruptura da estrutura económica, social e cultural dasociedade” (Guilhermo Plazas Alcid, Ministro da Justiça do Governo daRepública da Colômbia, 1988).

A experiência histórica dramática do comércio massivo e aumento docrime organizado por psicotrópicos e estupefacientes talvez justifiquem astambém históricas posturas de liderança musculada do Direito InternacionalPúblico na ONU, dos seguintes Estados, ainda mais com o peso que têm deextensão territorial, demografia e direito de veto no Conselho de Segurança(4 e 5):

– República Popular da China (atendendo à experiência dramática deópio dependentes até meados do século XX);

– Federação Russa (atendendo ao actual problema de tráfico epopulação dependente de opiáceos-heroína oriundos do Afeganistãopela “rota da seda”);

– Estados Unidos da América (atendendo ao efeito devastador doconsumo de opiáceos interno antes e durante a guerra do Vietname,nos militares e da cocaína no seu território e população civil);

– Países Europeus da Escandinávia, especialmente a Suécia (com aexperiência dramática dos danos provocados pelo Álcool e bebidasalcoólicas);

– República Islâmica do Irão (com uma situação calamitosa de saúdepública de dependentes dos opiáceos, oriundos do Afeganistão e com

34

Page 35: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

a maior taxa de reclusos por crimes relacionados com droga no mundo,juntamente com os EUA);

– Japão (com elevados danos na população pela liberalização do Álcool– bebidas alcoólicas e de psicoestimulantes de derivadas drogasdesenhadas);

– União Indiana – tem uma postura de profundas ambiguidades, pois éum tradicional grande produtor mundial de Cannabis e, no caso deOpiáceos, actualmente o maior fornecedor mundial legalizado para aIndústria Farmacêutica (mas também o maior consumidor ilícitorecreativo na sua população), com todos os interesses mercantis que talsignificou, desde o tempo da Índia Britânica, nos três últimos séculos;

– República Federativa do Brasil – o crime organizado e a taxa dehomicídios relacionada com o tráfico de Cocaína, em cidades como S.Paulo e Rio de Janeiro, é uma realidade de conhecimento público,quase que incontrolável, em termos de Segurança Interna. O uso depolíticas públicas internas paliativas sociais de redução de danos (ex.:dependência controlada com distribuição de Metadona, troca deseringas e distribuição de preservativos, etc., para prevenção de HIV)tem sido importada de países europeus como a Holanda, Suíça e Sulda Europa. Não é previsível, no momento, a orientação da políticaexterna no futuro da República Federativa do Brasil;

– Médio Oriente e África – Por diferentes razões, apoiam o DireitoInternacional Público musculado no controlo dos psicotrópicos eestupefacientes para fins recreativos, no caso do Médio Oriente porrazões de cultura religiosa islâmica e, no caso do Egipto, a tradiçãohistórica desde o início do século XX de ter levado a ComunidadeInternacional a classificar a Cannabis nas substâncias de controlo (maugrado o tetrahidrocannabinol ser menos adictivo no Cérebro Humanoque a Nicotina, Opiáceos, Cocaína e Álcool etílico?). Em contrapartida,as guerrilhas e movimentos terroristas islamitas jihadistas financiam-sena produção e tráfico de Cannabis e outras drogas, como por exemplo,o Hezbolah, no Vale de Beka.

No caso dos países de África, o confronto real com o tráfico ilícito comonova rota e o enfraquecimento da Segurança Nacional dos Estados pelo crimeorganizado transnacional, serão os principais argumentos justificativos na suapolítica externa na Comunidade Internacional.

35

Page 36: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

2.3. Breve resumo de Direito Internacional Público

1909 – A Comissão de Ópio de Xangai (CHINA)

Esta reunião preparatória da Convenção de Ópio de Haia de 1912,decorreu em Fevereiro de 1909, na referida cidade de Xangai, e os delegadosdos Estados apenas estavam formalmente como consultores dos governos enão empossados para desenvolverem, e menos ainda aprovarem, umaConvenção Internacional de Direito Público. (4)

Inicialmente foi pensado limitar as delegações governamentais aoproblema na Ásia e aos Estados problema, mas depois foi alargado o convite àspotências coloniais, que não os grandes produtores/consumidores China eÍndia. Assim, participaram o Reino Unido, os EUA, a França, a Holanda, Portu-gal, a Alemanha, os Austro-húngaros, a Itália, a Rússia, o Japão, a China, aPérsia (Irão) e o Sião (Tailândia). A Turquia, grande produtor de morfina paraa indústria farmacêutica ocidental, apesar de convidada, não compareceu. AChina e o Reino Unido já tinham efectuado um acordo bilateral de redução de10% ao ano, entre 1908-1917, de produção agrícola, pelo primeiro, e de redu-ção do comércio de venda, pelos ingleses.

Basicamente, as recomendações da Comissão iam no sentido da Chinaprogressivamente erradicar a produção agrícola de Ópio; os Estados só deviamaceitar o uso de opiáceos para produtos farmacêuticos e deviam suprimirinternamente o consumo recreativo fumado, bem como tráfico terrestre emarítimo nas suas áreas e soberania. (4)

Existe uma nota final, nas resoluções da Comissão efectuada porPortugal: “A Delegação Portuguesa faz reserva no seu voto nas suasresoluções em todas as instâncias”. As mais-valias comerciais de Portugal noterritório de Macau, como placa giratória do Ópio da Índia para a China, nãoterão sido estranhas a esta decisão diplomática do nosso Estado monárquicode então…

1912 – Convenção Internacional de Haia

As recomendações da Comissão de Xangai não atingiram qualquerestatuto de Tratado ou Convenção, em Direito Internacional Público, pelo que,por iniciativa do Departamento de Estado dos EUA e do Governo da Holanda(que se ofereceu para anfitrião e para secretariar a reunião), realizou-se emHaia o encontro entre 1 de Dezembro e 23 de Janeiro de 1912. (4)

36

Page 37: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Os Estados representados foram a China, França, Alemanha, Itália,Japão, Noruega, Pérsia (Irão), Portugal, Rússia, Sião (Tailândia), Reino Unido eImpério Britânico, EUA e Holanda (país anfitrião). (4)

Esta Convenção Internacional (a primeira) é composta de 25 artigos e,adicionalmente ao ópio e morfina, inclui, na classificação de controlo, a heroínae a cocaína (sintetizada na Alemanha em 1860, bem como a heroína sintetizadapela indústria farmacêutica em 1898). A Itália, preocupada com a difusão doconsumo de Cannabis e de hashish nas suas colónias de África, tentou, semsucesso, introduzir estas na classificação de substâncias de controlo.

As delegações da Alemanha, França e Portugal insistiram que a Con-venção, como tratado internacional, só podia entrar em vigor após a ratificaçãopelos governos dos trinta e três Estados. (4)

Com o surgimento da I Grande Guerra Mundial, na prática, sóimplementaram internamente por autodeterminação a Convenção de Haia, osseguintes Estados: China, EUA, Holanda, Noruega e as Honduras (eposteriormente os ingleses, através do Tratado de Paz de Versalhes, em 28 deJunho de 1919). (4)

A Convenção de Haia (com a influência da Liga das Nações, criada em1920) veio depois a ser ratificada por mais de 60 Estados (em 1949 já estavaratificada por 67 Estados); originou-se sob a égide da Liga das Nações, em 15de Dezembro de 1920, a Comissão Consultiva Internacional para o Tráfico deópio e outras Drogas perigosas – “Opium Advisory Commitee – OAC”. O ReinoUnido assume a liderança desta matéria na Liga das Nações, substituindo oanterior papel dos EUA (que não faziam parte da Liga das Nações), difundindoum modelo seu de certificação estatal de controlo das exportações/impor-tações.

1925 – Convenção Internacional de Ópio de Genebra

Em termos de representatividade internacional, esta Convenção estavadesde logo vocacionada ao fracasso, pois não tinha a representar e/ou a apoiara China, EUA, Peru e Pérsia (Irão). Tinha, apesar de tudo, grandes potênciascoloniais, como o Reino Unido e o Império Britânico, Portugal e as suascolónias, o mesmo se passando com a Holanda, França e Alemanha, para alémda União Soviética, Japão, Suíça, Turquia, Bolívia e Egipto, etc. (4)

É o brilhantismo dialéctico do representante do Egipto, Dr. MohamedAbdul Sadam el Guindy (médico) e a sua formação em diplomacia (era membro

37

Page 38: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

da representação diplomática do Reino do Egipto, em Paris e Bruxelas) que levaao início da adopção na classificação de controlo pela comunidade internacionalda Cannabis e Hashish. O Dr. Guindy convenceu a maioria dos representantesdos Estados presentes em Genebra que, no Reino do Egipto, a Cannabis ederivados, se consumidos continuamente, provocavam comportamentosviolentos, dependência, quebra das capacidades e funcionalidades físicas eintelectuais e era a origem de 30% - 60% de doenças psiquiátricas no Egipto…Este médico diplomata conseguiu (mesmo com a oposição da Índia Britânica eda Holanda) o que a Itália não conseguira em Haia, em 1912… (5)

É irónico, para a ideologia liberal dos defensores da legalização, que oproibicionismo internacional da Cannabis tenha partido de um Estado islâmico,produtor agrícola e que sempre teve este consumo recreativo cultural deséculos, como tanto defendem (mau grado as neurociências actuais demons-trem que o seu THC – droga activa no Cérebro, provoca menos dependênciaque a Nicotina, Álcool, Heroína e Cocaína). É esta a nossa perspectiva pessoal,da diferença entre Ciência e a arte do possível, ou seja, o exercício políticoideológico.

Voltando à Convenção de 1925, ela tem duas partes:

1. a de 11 de Fevereiro de 1925 que estatiza, proibindo a presença dainiciativa privada na importação, venda e distribuição de ópio;

2. a de 19 de Fevereiro de 1925 (em 1928 ratificada por 56 Estados),mais destinada a operacionalizar os procedimentos administrativos daConvenção de Haia e criados pelo Reino Unido na sua sequência, bemcomo centralizar a estatística dos Estados, através de uma DirecçãoPermanente Central sobre o Ópio (PCOB) que, mais tarde, viria aoriginar a Direcção Internacional de Controlo de Narcóticos(INCB/Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas – CND) eDivisão de Drogas Narcóticas (em Nova Iorque de 1946-1955 e depoismudada para Genebra).

1931 e 1936 – Convenções Internacionais de Genebra

A primeira, decorreu entre 27 de Maio e 13 de Julho de 1931 e os EUA,apesar de não pertencerem à Liga das Nações, ratificaram esta Convençãoespecialmente dedicada ao controlo do fabrico de opiáceos pela indústriafarmacêutica para fins medicinais.

38

Page 39: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

É também esta Convenção que, pioneiramente, hierarquiza em grupos ouclasses de níveis de controlo as substâncias psicoactivas, baseando-se em doiscritérios:

1. de perigosidade para a saúde;

2. a extensão do seu uso para fins medicinais (a Heroína é totalmenteretirada destes fins, passando a ser apenas uma substância ilícita parafins recreativos), surgindo então, três agrupamentos de substânciasestupefacientes e psicotrópicas. (4)

Em 22 de Julho de 1936, foi assinada a outra Convenção, na base da qualjá não está em causa o circuito legal farmacêutico para fins medicinais, massurge a primeira tentativa de confronto com o Crime Organizado transnacional.Infelizmente, só 13 Estados a assinaram, dado os tempos convulsivos que seaproximavam de conflito entre as potências do Eixo e as Ocidentais, ou seja, aII Guerra Mundial e era difícil prescindir de países saídos ou de saída da Ligadas Nações: Alemanha – 1933, Japão – 1933, Itália – 1937 e União Soviética –1939) … Na nossa perspectiva, então como agora, nos últimos 20 anos após ofim da Guerra Fria, a complexa e conflituosa situação geopolítica internacionalfavorece o profissionalismo, não ético e não ideológico, do Crime Organizadotransnacional, de objectivo mercantil puro e simples.

Daí, a nossa perspectiva é que é à “Ciência Política” que cabeencontrar um modelo ou paradigma transideológico ao nível da ONU econsensual mundial. Mas, também, dada a importância do conhecimentoneurocientífico do Cérebro Humano no assunto (e também contributo, nagénese do terrorismo islamita jihadista, crime organizado transnacional,etc.) em que a elaboração reducionista naturalista, da escola de filosofia deKarl Popper, parece, para já, a mais adequada, por maior exactidão sobrea natureza humana e maiores expectativas de sucesso pragmático noensaio – erro experimentalista.

Não indo analisar a progressiva transferência dos mecanismos decontrolo de Direito Internacional Público e instituições internacionais sobrepsicotrópicos e estupefacientes da Liga das Nações para a ONU, a partir de1946, mais adequado para os especialistas de Direito e Relações Internacionais,há três factos que não podemos deixar de reflectir:

– A síntese química pela indústria farmacêutica de guerra alemã paraanalgésicos dos seus militares feridos durante a 2.ª Guerra Mundial, deduas novas moléculas opiáceas – a metadona e a petidina; (4)

39

Page 40: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

– A instalação pela ONU de um laboratório de toxicologia forense paraassistência internacional aos Estados, primeiro em Genebra e depoisem Viena, desde 1979; (4)

– O sucesso exemplar, ao nível da oferta/procura do Governo doPresidente Mao Tze Tung, na República Popular da China, que, com assuas políticas públicas e o suporte do Partido Comunista Chinês, con-seguiu entre 1949 – 1953 eliminar a produção, comércio e consumo deopiáceos na República Popular da China. (4)(5)

Neste terceiro facto, existe um largo campo de investigação politológico,de aprendizagem do sucesso dessas políticas públicas, sua adaptação numcontexto de Democracia ocidental de governação e, certamente, o aumento dopeso estratégico do corpo de conhecimento da Segurança Nacional nessagovernação em democracia.

1961 – Convenção Internacional Única da ONU

Em Março de 2008, esta Convenção estava ratificada por 183 dos 192Estados membros da ONU e revoga (com excepção da fracassada Convençãode 1936) todos os Tratados/Convenções internacionais anteriores.

Esta Convenção tem 51 artigos que, sob uma doutrina geral de que“todas as partes devem implementar estas medidas legislativas eadministrativas … para limitar exclusivamente a fins médicos e científicos aprodução, industrialização, distribuição e comércio do uso ou posse desubstâncias psicoactivas”, se divide em cinco áreas:

– Definição das substâncias psicoactivas sob controlo;

– Estruturação das operações dos organismos de controlo internacional

– Listagem das obrigações dos Estados membros;

– Obrigações, perante actividades de produção, fabrico, comércio econsumo de substâncias psicoactivas listadas no controlo;

– Acções a empreender contra o tráfico ilícito e consequências penais. (4)

As áreas de cultivo dos precursores botânicos (papoilas de ópio, folhas decoca, plantas de cannabis, etc.) e o licenciamento dos agricultores, acomercialização, exportação e importação, bem como o armazenamento,estariam reservados aos Estados soberanos, estando proibida qualquerintervenção da iniciativa privada empresarial ou comercial. (4)

40

Page 41: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Em 1972 foi efectuada uma Emenda através de Protocolo à Convençãode 1961, regulamentando, mais ainda, a intervenção Estatal supracitada. Foicriado, ainda, o Fundo das Nações Unidas para o controlo do Abuso deDrogas (UNFDAC), no sentido de ajudar, ao nível económico-financeiro, arestringir e substituir as plantações de ópio às estritas necessidadesfarmacêuticas para fins medicinais (estes programas tiveram sucesso naTailândia e na Turquia). (4)

1971 – Convenção sobre substâncias psicotrópicas da ONU

Neste caso, o problema já não foi afrontar interesses de paísessubdesenvolvidos, de economia de base agrícola, mas a indústria farmacêuticade países desenvolvidos (e com efectivo poder internacional). Felizmente, aética de serviço público mundial do bloco de países Escandinavos e da UniãoSoviética e países do Pacto de Varsóvia, seus satélites, venceu parcialmente asresistências mercantis (em Março de 2008 estava ratificada por 183 Estados).

Para além de setenta e seis Estados convidados a participar naConferência plenipotenciária, foram convidados a OMS, INTERPOL e repre-sentantes das maiores Companhias Farmacêuticas mundiais.

A Convenção de 1971 tem 33 artigos e reforça, essencialmente, asmedidas de regulamentação do comércio de medicamentos, de venda comobrigatória prescrição médica, cria uma escala hierárquica de quatro grupos desubstâncias psicotrópicas sob controlo. Os critérios usados nesta triagem,fornecidos pela OMS, foram o potencial de dependência das substânciaspsicoactivas, de abuso e extensão do uso recreativo com consequências nasaúde pública e ordem social.

Ficaram também definidos dois grupos de competências: a DirecçãoInternacional de Controlo de Narcóticos ficava responsável por monitorizar afabricação e comércio de substâncias psicotrópicas para fins medicinais e aSecretaria-geral (que depois originou e delegou no Gabinete de Drogas e Crimedas Nações Unidas “UNODC”, em Viena) sobre a redução da oferta ilícita.

1988 – Convenção da ONU contra o tráfico ilícito de narcóticos esubstâncias psicotrópicas

A guerrilha, o crime organizado transnacional e o financiamento deterrorismo pelo narcotráfico são já nesta altura incontroláveis pela Comunidade

41

Page 42: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Internacional, pelo que esta Convenção pouco ou nada tem sobre a redução daprocura, tratamento e reabilitação e é claramente dirigida ao narcotráfico.

Na conferência da Convenção participam 106 Estados membros e decorreem Viena, entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro de 1988 e a Convençãotem 34 artigos.

Embora a Convenção defenda o respeito pela soberania dos Estados emequidade e integridade territorial e não ingerência do exterior nos seusassuntos internos, a produção, comércio e armazenamento (mesmo paraconsumo pessoal) é criminalizada. Existe uma elevada incidência regulamentarna lavagem de dinheiro e no atingir os vértices estratégicos que comandam onarcotráfico e não apenas os pequenos traficantes de rua, bem como o controlointernacional dos precursores químicos, industriais, aperfeiçoando todas assuas formas de criminalização. Melhoraram, também, os mecanismos emDireito Internacional Penal de extradição.

1998 – “UNGASS” – Sessão especial da Assembleia Geral da ONU

Mau grado o sucesso na destruição das grandes organizações de crimetransnacional, como os cartéis Colombianos de Cali e Medellin, organizaçõesmais pequenas tomaram o seu lugar, atacando duas zonas de Estados fracos(ou até falhados), isto é, os países da Europa Central e de Leste, após a quedada URSS, com democracias ainda fragilizadas na sua emergência e estadosfalhados de África que passaram a ser a sua nova placa giratória de narcotráficodo crime organizado.

Nesse sentido, a ONU organizou, em 8-10 Junho de 1998, uma Assem-bleia Geral específica sobre o tema, conhecido na gíria internacional por“UNGASS” e de que realçamos numa perspectiva pessoal, as seguintes linhasde força (4):

– Medidas de cooperação judicial internacional;

– Partilha de responsabilidades inter-Estados;

– Afrontar o problema de forma balanceada entre a oferta e a procura;

– Respeito da soberania dos Estados e não interferência externa;

– Ligação pioneira das Convenções/Tratados de controlo de drogas àCarta das Nações Unidas e à Declaração Universal dos Direitos doHomem (art. 3 Direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal);

42

Page 43: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

– Associação, pioneira em declaração política internacional, dasguerrilhas e crime organizado do narcotráfico ao financiamento doterrorismo transnacional e tráfico de armas, bem como corrupção nosEstados;

– Ajuda internacional financeira às comunidades agrícolas empobrecidaspara substituírem as plantações de papoila de ópio, coca e cannabis omais possível até 2008.

Finalmente, em Política Pública e Direito Comunitário da União Europeia,foi para nós gratificante constatar, do lado da redução da Procura, que aComissão Europeia, em 22 de Novembro de 2004, listou como objectivos,aqueles que o Estado-Maior da Armada, em 1976, e diversos médicos navais efarmacêuticos navais, já haviam incluído no “Projecto VENCER” da MarinhaPortuguesa, desde o início dos anos 80, conforme poderão constatar na análisedas sucessivas Directivas dos Superintendentes dos Serviços do Pessoal:

“–Evitar que as pessoas se iniciem no consumo de substânciaspsicoactivas de fins recreativos

– Evitar que uma experiência de consumo se transforme num consumoregular e uso nocivo

– Intervir precocemente em padrões de consumo que apresentem riscos– uso nocivo e dependência

– Oferecer programas de tratamento, proporcionar programas dereabilitação e de reintegração social – assistência

– Reduzir os danos para a saúde e os danos sociais relacionados com assubstâncias psicoactivas de fins recreativos”

Dado que não estamos, em termos constitucionais, em situações de Estadode Guerra, Estado de Emergência ou Estado de Sítio, não é permitido aos militares,mesmo técnicos na área, interferir na sociedade civil, inclusive nestas áreas depolíticas públicas…, mas, ao não aproveitar este “know how” do “ProjectoVENCER” naval, para o meio laboral específico, Portugal (e a União Europeia)desperdiçam muitos recursos aos contribuintes, ao nível financeiro e qualidadede cidadania de 1976 a 2004… Cada um que assuma a sua responsabilidadeética, perante o Estado- Nação ou/e a federação de Estados-nação (U.E.)!

43

Page 44: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

(1) MIRANDA, JORGE, Curso de Direito Internacional Público, 3.ª Edição,Estoril, Principia Editora, Lda. 2006

(2) BACELAR DE GOUVEIA, JORGE. Direito Internacional Público – TextosFundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, Lda., 2005

(3) De TOQUEVILLE, ALEXIS. Da Democracia na América. Lisboa: Relógiod’Água Editores, 2008

(4) UNITED NATIONS Office on Drugs and Crime. 2008, World Drug Report.Viena – Austria, United Nations Publications, 2008

(5) MARGALHO CARRILHO, J., Narcotráfico e terrorismo: a destruição maciçajá começou! (2ª. Parte), ANAIS DO CLUBE MILITAR NAVAL, Lisboa,Vol. CXXXIV, Julho - Setembro 2004, pp. 511-561

(6) REUTER, PETER. Ten Years After the United Nations General AssemblySpecial Session (UNGASS): Assessing Drug Problems, Policies and ReformProposals. Londres R.U. British Journal Addiction, Vol. 104 N.º 4, Abril2009

44

Page 45: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

3. DOUTRINA POLITOLÓGICA ANGLO-AMERICANA

Introdução

Se queremos entender o paradigma da “GUERRA ÀS DROGAS”, temosque entender o pensamento politológico dos EUA como enquadramento ondenasceu, até porque, de seguida, surgiu o paradigma da Administração Bush de“GUERRA AO TERRORISMO”, felizmente já mudado pelo Presidente Obamapara um léxico mais realista de “luta contra o terrorismo”.

O nosso primeiro contacto pessoal com uma “SOCIEDADE DE FUNÇÃO”versus a “SOCIEDADE DE ESTATUTO” latino-meridional europeia (Portugal)onde nasci, deu-se, para o bem ou para o mal, no facto de a primeira viagemao estrangeiro, com fins turísticos com o meu pai aos 18 anos, ter sido, não aParis, como era então hábito e moda, mas em Setembro de 1973, ao ReinoUnido, Londres, Universidade de Oxford (e por culto do meu pai, à campade Sir Wiston Churchill).

Nessa época, muito difícil para a diplomacia portuguesa (o Primeiro-ministro era o Prof. Marcelo Caetano), o jovem adolescente de então, deimediato se apaixonou e se deslumbrou pelo estilo de vida e pensamento dosherdeiros da Magna Carta do séc. XIII e do pensamento anglo-americano…os catorze anos (1985-1999) de trabalho científico intenso com os EUA e vintecinco deslocações às diversas cidades e Estados para trabalho técnico-cien-tífico com a “US Navy” – Departamento de Defesa, Direcção do Departamentode Estado e Presidência da República dos EUA “O.N.D.C.P.” em “AddictionMedicine/Addiction Psychiatry/Employee Assistance Program”, foi apenasuma óbvia consequência desse deslumbramento juvenil pelo pensamentoanglo-americano…

Esta declaração de princípios, que não numa partilha autobiográfica, éobrigatória nos cidadãos de cultura cívica anglo-americana, para que o leitorconheça, desde o início, a perspectiva pessoal de quem escreve e seja livre eresponsável no entendimento de leitor, numa forma pluralista. Também dámaior garantia, no texto que se segue, da sua autenticidade, na análise dopensamento politológico anglo-americano, deixando ao leitor, de culturaeuropeia e continental, partilhar o deslumbramento ou ter apenas a admi-ração distante ou até o total repúdio pela forma de estar e pensar anglo--americana.

45

Page 46: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

No léxico quotidiano americano surgem duas palavras que são em nossoentender cruciais “homeland” e “overseas”. Este isolamento teve, na históriados EUA, também para o bem e para o mal, a importância de o seu isolamento,o ter tornado num “asséptico” imenso laboratório universitário, de elitespensantes e criativas, para um fim pragmaticamente aplicado de tecnologia…sempre cobiçado pelos aprendizes (mesmo que por meritocracia elevadamenteseleccionados, como na China, União Indiana, Singapura, etc.) dessas áreastecnológicas universitárias, do resto do mundo.

Mesmo com a globalização das tecnologias de comunicação actual, naspalavras de Fareed Zakaria no Foreign Affairs: “O Ensino Superior é a melhorindústria dos Estados Unidos. Há duas classificações mundiais dasUniversidades(*). Numa delas, um estudo meramente quantitativo levado acabo por investigadores chineses, oito das dez melhores universidades de todoo mundo estão nos Estados Unidos. Na outra classificação, um estudo maisqualitativo realizado pelo “Times Higher Education Supplement” de Londres, onúmero correspondente é de seis… Com apenas 5% da população mundial, osEstados Unidos dominam o Ensino Superior, tendo 42% ou 68% das primeirasuniversidades em todo o mundo (dependendo do estudo que se tomar comoreferência). Não há outro domínio em que a vantagem dos Estados Unidos sejatão esmagadora… e o grau de colaboração entre as empresas e as instituiçõesde educação, não tem rival em lado nenhum do mundo”. (1)

Mas a dicotomia no léxico quotidiano americano, “homeland” versus“overseas”, e o seu isolamento, desde a independência dos EUA, também fezevoluir estes para uma potência aeronaval (e militar em geral), longe indo ostempos de 1835, em que, citando Alexis de Tocqueville, “o Presidente dosEstados Unidos é, sem dúvida, o chefe do exército, mas este exército compõe-sede 6000 soldados; comanda a esquadra, mas a esquadra conta somente comalguns navios… separados do resto do mundo pelo oceano, demasiado fracosainda para quererem dominar o mar, não têm inimigos, e os seus interesses sóraramente estão em contacto com os das outras nações do mundo”. (2)

Voltando a citar Fareed Zakaria, no Foreign Affairs: “A economia dos EUAé a maior do mundo desde meados da década de 1880 e assim continua hoje…Esta diferença entre os EUA e a Grã-Bretanha pode ser vista no peso dosrespectivos orçamentos militares. Os britânicos mandaram nos mares masnunca em terra. O exército britânico era tão pequeno que o Chanceler alemão

46

(*) Vidé tabelas no final deste capítulo.

Page 47: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Otto von Bismark gracejou no passado que, se alguma vez os britânicosinvadissem a Alemanha, ele limitar-se-ia a mandar a polícia para os prender…Pelo contrário, as Forças Armadas dos EUA dominam em todos os níveis – mar,terra, ar e espaço – e dispendem mais que os catorze países seguintes emconjunto, representando quase 50% das despesas globais do mundo emDefesa. Há quem argumente que mesmo esta avaliação subestima o avançomilitar americano em relação ao resto do mundo, porque não tem em conta oavanço científico e tecnológico dos EUA. Os EUA gastam mais em investigação,no domínio da Defesa, que o conjunto do resto do mundo… A Guerra doIraque pode ser uma tragédia ou uma missão nobre, dependendo do pontode vista do leitor. Contudo, de qualquer forma, não levará os EUA àbancarrota. A guerra foi cara mas o custo global do Iraque e do Afeganistãoem conjunto – 125 mil milhões de dólares/ano – representa menos de 1% doPIB… O poder militar americano não é a causa da sua força mas a suaconsequência.” (1)

É claro que a dicotomia isolacionista do “homeland” versus “overseas” foia razão do sucesso dos EUA mas, na outra face, pode estar o seu declíniofuturo… Fareed Zakaria ilustra, por exemplo, para a acomodação dosamericanos, em que o inglês é a língua viva universal, não se tendo esforçadopor aprender outras línguas e as potências emergentes falam inglês, mastambém mandarim (China), hindi (União Indiana) ou português (Brasil-Angola).Recordamo-nos de, em meados dos anos 90, em visita a Toronto,representantes da Comunidade Portuguesa nos disseram que, nas suas escolasde língua portuguesa, a seguir à população estudante da comunidade, tinhamo resto das vagas preenchidas por alunos asiáticos… a aprenderem português.Se há povo com maior capacidade de diálogo intercivilizacional é o portuguêse, também, se há povo que tenha sentido na pele o custo elevado da políticade “orgulhosamente sós”, é o mesmo povo português.

Fareed Zakaria tem razão. Se a unipolaridade americana não mudar, omais elevado custo será o próprio declínio acelerado dos EUA e esse será oprincipal desafio do Presidente Barack Obama e da Secretária de Estado HillaryClinton. Vamos ver se conseguem. De qualquer forma, a não existênciapraticamente de divergências sobre política externa nos dois discursos decampanha, ainda como concorrentes às primárias do Partido Democrata,juntamente com o pragmatismo americano, auguram um esforço consolidadodos dois mas sobre isto falaremos na parte final e o futuro será o juiz temporal,como sempre.

47

Page 48: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

3.1. Compreender o pensamento anglo-americano nos seus funda-mentos: John Locke, William James e a actualidade na Academia de CiênciaPolítica dos EUA (Universidade de Columbia)

3.1.1. John Locke – O primado do poder legislativo

Ao definir o pensamento politológico passado dos anglo-americanos comdois defensores do empirismo como John Locke e William James (curiosamentedois médicos), é porque o seu pensamento filosófico com um sentimentoexperimentalista e de rigor dominantes (veja-se que já Aristóteles se opunhaao dogmatismo apriorístico idealista de Platão) está permanentementeimpregnado no homem e sociedade anglo-americana, originando o seuexpoente máximo no pragmatismo prático quotidiano dos EUA (William James).

Um exemplo contemporâneo é que, embora actualmente o financiamentoda nanotecnologia seja efectuado pelo governo dos EUA em quase o dobro doJapão, mas também com elevados investimentos dos governos da China e daAlemanha, a sua aplicação prática pragmática leva a que os EUA possuam amaior parte das patentes de nanotecnologia do mundo e têm, aproxima-damente, 85% de investimento de capital de risco do mundo para empresasamericanas de nanotecnologia. Portanto, a China, Japão e Alemanha, apesardos elevados investimentos em ciência de nanotecnologia, não conseguemtransformar este conhecimento científico na aplicação em produtos e ideiaspragmaticamente comercializáveis no quotidiano comum. (1)

John Locke nasceu em 1632, Wrington, Somerset (sudoeste deInglaterra) e, apesar de ser profissional de Medicina, iniciou a sua actividadeem política pública a partir de 1667 (o que o levou ao exílio em França entre1675-1679 e a interessar-se pelo pensamento filosófico de Descartes).

Não tendo a sua origem na Matemática e na Física (como Robert Boyle eNewton, por exemplo), manteve-se pouco influenciado pela Royal Society,apoiada pelo Rei Carlos II, que lhe deu carta real em 1662 (uma mistura demonárquicos e parlamentaristas académicos das universidades, no tempo dolorde protector Cromwell – Oxford e Cambridge).

A única obra filosófica de John Locke, que terá durado cerca de 20 anosa elaborar, é “Um Ensaio sobre o entendimento humano”(5), em que surge oempirismo experimental com um conceito que, pela sua importância,transcrevemos: “todo o homem tem consciência de que pensa e de que o seu

48

Page 49: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

espírito aplica quando pensa, as ideias que nele estão (…) Antes de mais,devemos perguntar como chegamos a essas ideias (…). Suponhamos que oespírito era como uma folha branca de papel, sem nenhuma ideia. Como teráconseguido prover-se delas? De onde lhe veio esse depósito quase ilimitado quea imaginação sem cessar manipula? Responderemos – da experiência (…). (5)

Esta pequena citação tem expressão prática no quotidiano americano,por exemplo, na formação profissional e universitária que procura, desde muitocedo, fornecer conhecimentos tecnológicos específicos e práticos (em vez dameritocracia de testes sucessivos sobre conhecimentos históricos e culturaisgerais, de tradição europeia e asiática, de longa duração liceal, não dirigida, atéao percurso universitário). A separação americana entre conhecimentotecnológico “para exercício profissional” e conhecimento cultural “para lazer”,muitas vezes excessivamente ridicularizada pelos europeus, é precisamente achave do seu sucesso tecnológico, na nossa perspectiva pessoal.

Também a hipervalorização do método experimental leva à separaçãonas Universidades americanas, entre perícia de conhecimento científico(gastando estes recursos humanos no ensino, sem que tenham o estatuto dedocência fechado apenas a possuidores de teses - doutorados) e perícia deinvestigação científica (onde são exaustivamente rentabilizados e empregues osrecursos humanos que na Europa se designam de “carreira académica” – mes-trados e doutorados, sem os desgastar a dar aulas, rentabilizando a suavocação de investigação e pesquisa experimental permanente, de métodocientífico). Neste sentido foram as declarações públicas do académicoamericano do Massachussets Institute of Technology (MIT) quando, no quadrodo acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior paracooperação, visitou as Universidades portuguesas, recentemente.

No entanto, em Ciência Política (para além do seu envolvimento naredacção da Constituição da colónia americana da Carolina), a obra que marcaJohn Locke é o “Segundo Tratado do Governo”.

A colonização da América e a exploração do Oeste transparece, como deforma premonitória, na necessidade de passagem do homem no estado deanimal selvagem “estado de natureza” (…) ”estado de guerra (em que nãoexiste apelo possível se não aos Céus, e onde não existe uma autoridade capazde dirimir os conflitos que a cada podem surgir” à situação de sociedadeorganizada. Continuando a citar Locke: “…é das principais razões que levam oshomens a unir-se em sociedade e abandonar o estado de natureza. Na verdade,onde existir uma autoridade, um poder terrestre a que se possa recorrer para

49

Page 50: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

que se faça justiça, desaparece o estado de guerra e todas as controvérsias sãoresolvidas por ele. (6)

Vemos assim surgir o conceito de entidade terceira, como autoridadepara arbitrar os conflitos e como evolução social de uma sociedade primitiva eanárquica. De seguida, Locke chama a atenção para a célula básica social, afamília ou “sociedade conjugal”, que nos humanos, para além da procriação eperpetuação da espécie, natural para todos os animais, acrescenta a protecçãodos filhos (sustento, educação, etc.) até à sua consolidada autonomia noestado adulto, no que difere dos outros animais.

Mais adiante Locke começa a discriminar o que entende na “sociedadepolítica” pela tal entidade terceira, para dirimir os conflitos e punir os infractoresque é o “sistema jurídico e judicial” e também adianta que, sempre que alguémdecide integrar essa sociedade política, está intrínseco o consentimento pessoalde perda do poder de exercer justiça pelas suas próprias mãos.

Surge, em Locke, o esboçar de um PODER LEGISLATIVO (e judicial) e umPODER EXECUTIVO para, por exemplo, “declarar a guerra e a paz”, havendode início uma certa sobreposição entre o acto de legislar e julgar, punindo osactos ilícitos, mas já com a clara definição de “corpo político” ou de governação,“no qual a maioria possui o direito de agir e de decidir pelo todo” (6), por óbvioconsentimento (individual) do conjunto de cidadãos.

Esta forma de interiorização do princípio da legalidade pelo cidadão decultura anglo americana, expressa-se, no quotidiano, em pequenos actos,como, por exemplo, adquirir um jornal colocando uma moeda, abrir o recipientee da resma de jornais só retirar o seu exemplar… Lembra um pouco a gíriaanedótica de que “o anglófono tem medo da lei, enquanto o latino tem medoda polícia”.

Dos quatro corpos especiais que são a sustentação clássica da soberaniado Estado – magistrados, diplomatas, agentes de segurança e militares – desdetempos ancestrais, é de notar que John Locke, para além do poder legislativo--judicial e poder executivo, já esboça a importância para a segurança internada “sociedade política” pela entidade Defesa Nacional. Senão, vejamos estacitação: “Por isso, só podemos supor que os primeiros cuidados e as primeiraspreocupações destes homens se tenham dirigido para a sua segurançacolectiva, perante as ameaças do exterior… Isso mesmo podemos observar naAmérica… Os seus chefes são mais do que generais responsáveis pela condição

50

Page 51: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

dos exércitos. Na guerra, comandam com autoridade absoluta. Apesar disso, anível interno e em tempo de paz, o domínio que exercem é muito escasso…ainda que, em si mesmo, a guerra não admita uma pluralidade de comandos eexija a concentração de poder”…(6)

Locke define, inclusive, no interesse comunitário essencial, a “leipositiva” – “trata do estabelecimento do poder legislativo” e a “lei natu-ral”… ”que deve nortear até mesmo o próprio legislativo, prende-se com apreservação da sociedade e, tanto quanto o bem público o permite, decada uma das pessoas que a integram”, isto é o esboço claro de umconceito de Segurança Nacional – Defesa e Segurança Interna, em nossoentender.

O poder legislativo pressupõe sempre, conforme Locke, a legitimidade doconsentimento da sociedade e o objectivo do bem público, bem como apreservação do direito de propriedade e a legitimidade controlada (comconsentimento popular) de aplicar impostos.

Locke considera também, curiosamente, que, enquanto o exercício dopoder executivo (governo) deve ser permanente, já o poder legislativo deveexistir nos períodos em que for necessário apenas (parlamento), e citamos:“Reuniões constantes do legislativo, prolongando-se desnecessariamente, nãodeixariam de constituir um fardo para o povo, produzindo com o passar dotempo, graves inconvenientes para a comunidade” (6).

Na verdade Locke considera, dentro da tradição do Direito anglo-ame-ricano ou “Common Law”, ao contrário do Direito Romano, que legislarexaustivamente é pouco pragmático, deixando ao poder executivo a capa-cidade discricionária de gerir as lacunas nas suas funções permanentes…“Nenhum legislador pode prever e providenciar através das leis tudo aquiloque será útil para a comunidade” (6). Esta prerrogativa de o poder executivogerir permanentemente as lacunas legislativas só tem, como limite do abusodo poder, a não violação do “bem público”.

É de realçar, neste breve resumo do pensamento politológico de Locke,que todos os poderes resultam sempre do conjunto de consentimentospessoais dos que prescindem desse direito inalienável em função da orga-nização em sociedade organizada – “we the people…”

51

Page 52: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

3.1.2. William James – O experimentalismo, apenas para objectivospragmáticos

William James nasceu em 1842 e faleceu em 1910, nos EUA. Como já nosreferimos, tal como John Locke, era licenciado em Medicina, tendo sidoprofessor de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard.

A sua obra mais marcante para o pensamento politológico americano épublicada na fase amadurecida do final da sua vida (1907), de nome“Pragmatism and other essays”.

Quando o Reitor de uma prestigiada Universidade dos EUA pode ser umacadémico emigrante de etnia indiana, asiática, etc., é a prova de que, sujeitoà meritocracia experimental americana, mereceu plenamente pela sua vitóriapessoal, comparadas, essas funções… enquanto não surgir alguém com ummérito ainda superior, que o substituirá, não podendo pois “adormecer” nesseestatuto (até porque a sua função não é um estatuto eterno). Esta situaçãodescrita, que é um exemplo naquilo que, concordando com Fareed Zakaria,consideramos ser o maior poder dos EUA na actualidade – as Universidades(interligadas com as empresas), é a conclusão na prática do pensamentofilosófico de W. James: o pragmatismo.

O PRAGMATISMO é assim definido por William James: “o métodopragmático é prioritariamente um método de estancar disputas metafísicas que,de outro modo, se estenderiam interminavelmente”…”o método pragmáticonesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas consequênciaspráticas respectivas”…”sob que aspectos o mundo seria diferente se essaalternativa ou aquela fosse verdadeira? Se não posso achar nada que otornasse diferente, então a alternativa não tem sentido”…”não há para nósnenhum sentido que não o prático…”. (7)

O pragmatismo “volta-se para o concreto e o adequado, para os factos,a acção e o poder”…”É espantoso ver-se quantas e quantas disputas filosóficasdão em nada, no momento em que as submetemos ao teste de traçar umaconsequência concreta”…”Não há nada de novo absolutamente no métodopragmático. Sócrates foi adepto dele. Aristóteles empregou-o metodicamente.Locke, Bekeley e Hume fizeram contribuições momentâneas à verdade por seuintermédio”. (7)

William James invoca depois conceitos que são os poucos dogmas emque assenta a sociedade americana como o seu teísmo (“in God we trust”), o

52

Page 53: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

primado do direito à privacidade individual e finalmente a preferência pelareforma progressiva e inclusão gradual de alterações, em vez da rupturarevolucionária, mesmo que no âmbito estritamente pessoal. A comprovaristo, eis algumas citações de W. James: “Eu mesmo acredito que aexperiência de Deus reside, antes de mais nada, em experiências pessoaisinternas”…”As revoluções mais violentas nas crenças de um indivíduo deixamintacta a maior parte da sua antiga ordem”…”por outras palavras, o maiorinimigo de qualquer das nossas verdades pode ser o resto das nossasverdades”. (7)

Um pouco como Karl Popper afirmará mais tarde, no séc. XX, de quenunca aconteceu tudo no passado, William James, até porque antecipa oreducionismo naturalista de Popper, afirma em 1907 que “temos de viver hojecom a verdade que podemos ter hoje, e estarmos prontos amanhã paraetiquetá-la de falsidade”…”vivemos adiantadamente… mas compreendemosrecuadamente. (7)

A terminar esta breve revisão do pensamento de W. James e a suainfluência determinante na sociologia e pensamento político americano, vamosapenas citar a forma como ele descreve a diferente funcionalidade do raciocínioda filosofia RACIONALISTA e da filosofia EMPIRISTA:

RACIONALISMO EMPIRISMO

Segue os “princípios” Segue os “factos”

Idealista Reduz-se à matéria

Monista Pluralista

Dogmático Céptico (7)

No entanto, deve, ainda citando W. James, distinguir-se o pragmatismoanglo-americano do positivismo, pois não recusa o pensamento abstracto e opragmatismo; até rejeita “fechar à vista todas as concepções metafísicas maisamplas e condenar-nos ao mais terra-a-terra naturalismo”…”Achamos que,para um general prestes a combater o inimigo, o importante é saber o númerode inimigos. Porém, mais importante ainda é saber a filosofia do inimigo” (7).Como vemos nesta citação, William James, no seu reducionismo naturalista(premonitório de Popper), não recusa o pensamento abstracto, neste caso,exemplificado com o pensamento estratégico militar clássico… estudar econhecer o inimigo.

53

Page 54: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Numa perspectiva reducionista nossa sobre estes dois pensadores,inalienáveis na funcionalidade mental Politológica Anglo-Americana,poderemos dizer que, quando os EUA actuam em “soft power” (usopreferencial de influência em Direito Internacional Público, Diplomacia,apoios comerciais, etc.), estão mais próximos de J. Locke, enquanto que,quando actuam em “hard power”, estão mais próximos de W. James, nãofazendo mais do que exercer o seu poder superior tecnológico e militar,aproveitando de forma pragmática, conforme W. James, o vazioremanescente dos outros Estados. Para além disso, conforme o “princípio dodano” de Stuart Mill (8), é excepção para a intervenção não consentida sobreoutros Estados, nos assuntos que só a estes dizem respeito, o facto de, porexemplo, os serviços de “Intelligence” detectarem perigos de que aComunidade Internacional não tem conhecimento – Doutrina da Guerra Pre-ventiva do Presidente George Bush.

3.1.3. A Actualidade na Academia de Ciência Política dos EUA(Universidade de Columbia)

A Academia de Ciência Política dos EUA é a mais antiga do mundo(nasceu em 1880, na Universidade de Columbia), no sentido de se terautonomizado, como corpo científico, separando-se por exemplo de outrasáreas como a Sociologia, Filosofia, etc.

Em 1999, tendo nós terminado o papel de ajuda ao Director doDepartamento de Estado (Administração Clinton), ao nível técnico-científico,da Medicina da Adicção, da fundação da “International Society of AddictionMedicine” e com a integração de universitários de países árabes moderados(por ex. Egipto), Federação Russa e República Popular da China, no referidoprojecto (www.isam.org-archives), esse trabalho de políticas públicas foireconhecido, com o convite para “Fellow of the Academy of PoliticalScience”. Esta situação ainda hoje nos honra e comove, como convidadoestrangeiro da academia mais antiga do mundo, atendendo, ainda por cimaao prestígio internacionalmente reconhecido, como já falámos, dasUniversidades americanas, não só em perícia de investigação mas tambémem perícia de conhecimento, que tem sido até ao momento a nossa área devocação.

Na actualidade do debate académico interno em Ciência Política, iremosdividir a análise sumária do pensamento da Academia de Ciência Política da

54

Page 55: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Universidade de Columbia em duas grandes áreas: a) INTERNA e a qualidadeda Democracia nos EUA; b) EXTERNA e as perspectivas de política internacionalpelos EUA.

a) INTERNA e a qualidade da Democracia nos EUA

Definição de Democracia: “Por Democracia entende-se democraciarepublicana ou governo representativo aquela em que a vontade do povoamericano faz parte e é respeitada pelo governo. Os requisitos normativos são:

PRIMEIRO, existem instituições e procedimentos que facilitam o controlopelo povo americano, a que se pode chamar a democracia “procedimental” ou“institucional”;

SEGUNDO, o povo reconhece-se representado naquilo que o governoexecuta, a que se pode chamar democracia “substantiva”;

TERCEIRO existem protecções vigorosas dos direitos individuais eliberdades do povo” [Robert Y. Shapiro]. (9)

Entre eleições livres, em que os cidadãos decidem se devem ou nãosubstituir as elites governantes à frente da nação, estas actuam com liberdadeexecutiva como guardiãs dos interesses públicos nacionais, apenascondicionadas por mecanismos institucionais procedimentais de controlo doabuso de poder (“Democracia Institucional”). (9)

De seguida há que ver em que medida a opinião pública se identifica comas políticas públicas executadas (“Democracia Substantiva”). No entanto, aquisurgem, desde logo, duas práticas: os políticos eleitos que entre eleições seescravizam na tomada de decisão às permanentes sondagens e aqueles que,não deixando de ter estas em linha de conta, mantêm uma fidelidade à suaideologia, procurando esclarecer o povo sobre a razão da direcção tomada,mesmo que impopular no imediato das sondagens. (9)

Em terceiro lugar, a protecção dos direitos individuais e liberdades éassegurada pela Constituição e direito constitucional subjacente (9). Valores,como eleições livres frequentes, contagem de votos rigorosa, liberdade deexpressão e informação com alternativas diversificadas, autonomia associativae cidadania de inclusão, são também inalienáveis.

55

Page 56: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Mas se estes valores democráticos são geralmente inquestionáveis, odebate académico politológico nos EUA centra-se, nos últimos 9 anos, emaspectos como questionar a qualidade da Democracia Representativa (veja-sea situação de federalismo constitucional, do estado de excepção, do “District ofColumbia”) e o atraso da democracia americana, em temos de inclusão social,por exemplo.

Na publicação controversa do ensaio de Michael Lind, “Prescrições parauma Nova Democracia Nacional”, este enfatiza, como três elementos centraisna Democracia americana, os direitos individuais, o poder igualitário do voto eo mercado social e critica os aspectos negativos das preferências fracturantesnacionais, baseadas na origem racial, a política plutocrática e o mercado livrecapitalista.

A posição polémica de Lind, que tenta que sejam leis de governaçãofederais aspectos “liberais” dos direitos de privacidade sexual (por ex. defesainclusive dos homossexuais, das mulheres, etc.) e dos aspectos “conser-vadores” dos direitos de propriedade, apresenta no entanto aspectos positivosa realçar: (9)

Maior inclusão, se possível representativa da realidade de factodemográfica, do género feminino a todos os níveis políticos;

Extinguir, progressivamente, a corrida de angariação de fundosfinanceiros pelos candidatos e a publicidade paga das candidaturas dos doispartidos, nos órgãos de informação;

Substituir o sistema social desde o “New Deal”, desligando a SegurançaSocial e a saúde nos seus custos a entidades empregadoras específicas, parauma sustentação financiada por impostos progressivos.

O problema da qualidade da democracia representativa do ColégioEleitoral para a Presidência da República dos EUA continua com críticos ferozes(Alexander Keyssar) e defensores, em que a polémica primeira eleição doPresidente George Bush na Florida, foi o factor detonador e a eleição doPresidente Barack Obama, o factor pacificador na politologia americana.

Continuando na Ciência Política básica da Academia da Universidade deColumbia e segundo o Prof. Robert A. Dahl, convidado da Universidade de Yale,a “democracia institucional” fundamenta-se em:

– Representantes eleitos;

– Eleições frequentes, justas e livres;

56

Page 57: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

– Liberdade de expressão;

– Fontes alternativas de informação;

– Autonomia de associativismo;

– Cidadania inclusiva. (9)

Discriminando estes itens, temos:

REPRESENTANTES ELEITOS – O controlo das decisões governamentaissobre as suas políticas está protegido, constitucionalmente, pelos repre-sentantes eleitos pelos cidadãos. Esta governação participada em larga escalaé a Democracia Representativa;

ELEIÇÕES FREQUENTES, JUSTAS E LIVRES – Tal significa que nãoexistem meios coactivos na escolha pelos cidadãos dos seus representantes;

LIBERDADE DE EXPRESSÃO – Os cidadãos têm o direito de se expressar,sem perigo de punição severa, nos assuntos políticos definidos, incluindo críticados representantes eleitos, governo, regime, ordenamento socioeconómico eideologia prevalecente;

FONTES ALTERNATIVAS DE INFORMAÇÃO – Os cidadãos têm o direito debuscar fontes alternativas e independentes de informação de outros cidadãos.Mais do que isso, essas fontes de informação, actualmente existentes, não estãosob controlo governamental ou de qualquer grupo político isolado tentandoinfluenciar as atitudes e as crenças públicas políticas e, para além disso, essasfontes alternativas de informação estão regulamentarmente protegidas pela lei;

AUTONOMIA DE ASSOCIATIVISMO – Os cidadãos têm o direito de formarassociações ou organizações independentes, incluindo partidos políticosindependentes e grupos de interesse;

CIDADANIA INCLUSIVA – Nenhum cidadão, no estado adulto, residindopermanentemente num país e sujeito às suas leis, pode ter negados os direitosacessíveis aos outros e necessários institucionalmente aos anteriores itens, bemcomo os direitos de oportunidade e liberdade necessários à operacionalidadeefectiva das instituições democráticas (9).

É evidente que os dois últimos itens só surgem posteriormente, ao níveltemporal, em democracias mais avançadas, constituindo o sufrágio universal asua suprema garantia.

57

Page 58: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

O aspecto de inclusão plena do género feminino na democracia (asmulheres só foram admitidas ao sufrágio universal na Nova Zelândia em 1893e na Austrália em 1902, bem como na Bélgica, França e Suíça após a 2.ª GuerraMundial) deve ser uma prioridade ocidental e, na nossa perspectiva, ao maisalto nível dos Estados-Nação, até para, racionalmente, justa e imparcialmente,contrariar a “sharia” islâmica, como perigoso modelo alternativo e agressivo.

Continuando o pensamento politológico do Prof. Robert A. Dahl, aPOLIARQUIA (por oposição aos conceitos de monarquia e oligarquia ouaristocracia) necessita das características institucionais supracitadas:

58

INSTITUIÇÕES DA DEMOCRACIAPOLIÁRQUICA

Representantes eleitos

Eleições frequentes, justas e livres

Liberdade de expressão

Fontes alternativas de informação

Autonomia de associativismo

Cidadania inclusiva

SÃO NECESSÁRIAS PARA OS SEGUINTESCRITÉRIOS DEMOCRÁTICOS

Participação efectivaControlo da agenda

Igualdade de votoControlo da agenda

Participação efectivaCompreensão esclarecidaControlo da agenda

Participação efectivaCompreensão esclarecidaControlo da agenda

Participação efectivaCompreensão esclarecidaControlo da agenda

Total e plena inclusão

Uma discussão que se mantém é a representatividade proporcional ou ade o primeiro, vencedor arrecadar a representatividade dos outros (sistema dosEUA) e, por outro lado, a questão do intervalo de tempo correcto para eleiçõesdo poder legislativo que não deve exceder os cinco anos.

A liberdade de expressão é pilar essencial em democracia, pois, decontrário, os cidadãos perdem a capacidade de influenciar a agenda e asdecisões governamentais. Cidadãos silenciosos tornam-se os sujeitos perfeitos

Page 59: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

para um líder autoritário… Ora, como afirmou um dos fundadores dos EUA,Thomas Jefferson, “um déspota esclarecido eleito não é a forma de governo porque lutámos” e, na Declaração da Independência dos EUA, também surge claroque o governo “tem os seus poderes justos obtidos do consentimento dos gover-nados” (o que é um conceito derivado do pensamento exposto de John Locke).

Algo polémico mas muito “sui generis” na democracia americana é aproporcionalidade representativa da dimensão demográfica dos Estados naCâmara dos Representantes, o que não sucede no Senado, onde o número deSenadores é independente da dimensão dos Estados e têm poder de voto igual,mas tal, no entender do Prof. Demetrios James Caraley da Universidade deColumbia, “é o preço da União”. (9)

O mesmo Professor em Ciência Política e Assuntos Públicos eInternacionais chama a atenção para o facto de a democracia americana, aomais alto nível do poder, não ser representativa proporcional directa.

Demetrios Caraley começa por recordar que a eleição de um Presidenteda República pressupõe, desde logo, que este indigite as direcções dosGabinetes, a equipa da Casa Branca e o seu chefe, bem como o Conselheiro deSegurança Nacional, os consultores económicos, embaixadores, membros doquadro da Reserva Federal, Magistrados do Supremo Tribunal, etc. (geralmentecom a aprovação do Senado). (9)

Já falámos da polémica do Colégio Eleitoral para a eleição do Presidenteda República que se agudizou com as eleições presidenciais de 2000 doPresidente George Bush, na Florida. Mas, conforme a decisão então doSupremo Tribunal recordou (Bush versus Gore 531 US 98 -2000), “O cidadãoindividual não tem direitos constitucionais federais para voto nos eleitores doPresidente dos EUA, a não ser que o poder legislativo estadual decida outraforma de indigitar os membros do Colégio Eleitoral”. Finalmente, embora oPresidente dos EUA seja, constitucionalmente, o Comandante Chefe das ForçasArmadas e tenha o poder de declarar a guerra, não tem poderes absolutos dea conduzir. (9)

Digamos que, desde os fundadores dos EUA, existiu sempre umapreocupação de equilíbrio e vigilância permanente entre os poderespresidenciais, executivo, legislativo e judicial, ao nível Constitucional e deorganização do Estado, “como precauções auxiliares, para além do controlo deeleições, às naturais, humanas, ambições de abuso de poder (Madison – PapéisFederalistas N.º 51). (9)

59

Page 60: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Esta é a principal questão que preocupa o Prof. Demetrios Caraleyquando afirma que as eleições podem não ser o único mecanismo eficaz decontrolo pelo povo, pois, à velocidade e dimensão dos acontecimentos naactualidade, no período temporal entre eleições presidenciais (4 anos), paraSenadores (6 anos) e Câmara dos Representantes (2 anos), só esta últimaapresenta alguma garantia (pela representatividade proporcional), acima detudo porque o período de 2 anos significa um maior controlo eleitoral peloscidadãos sobre os eleitos.

b) EXTERNA e as perspectivas de política internacional pelos EUA

Existe uma questão na actualidade da Ciência Política americana, sobrenegócios estrangeiros e diplomacia (que certamente, numa aproximaçãogrosseira, deve ter passado no pensamento do nosso Rei D. João II, com oconhecimento científico náutico e o poder marítimo e comercial de então, maugrado existir uma certa bipolaridade de Castela) e que não é fácil de resolver:como actuar, como Estado, na cena internacional quando, com 5% da popu-lação, se possui 42% - 68% das melhores Universidades de todo o Mundo (erespectivos cérebros), cerca de 50% do valor de orçamentos da DefesaNacional de todo o mundo e cerca de 1/4 das exportações económicas mun-diais?... (1, 11)

Este facto ainda se torna mais complexo quando, no xadrez de Estados-Nação mundial, surgem poderosos actores, não institucionais, como Estadosfracos ou párias e organizações como guerrilhas, crime organizado trans-nacional, nas suas diversas vertentes (pirataria, narcotráfico, tráfico de armase de seres humanos, etc.) e terrorismo, especialmente o islamita jihadista. Estetambém, pelo conhecimento do acima exposto em poder, definiu, e bem, oinimigo, o “Grande Satã”, a abater para alterar a ordem mundial teocratica-mente. Ao fim e ao cabo o “Grande Satã” é a Guarda Pretoriana do Ocidente.O resto é a tradicional estratégia chinesa do ataque do fraco ao forte, bemconhecida dos militares.

Existe actualmente, na Academia de Ciência Política dos EUA, o reavivardo tradicional debate, entre académicos e também entre as duas correntesdestes e os políticos de exercício prático (Democratas e Republicanos), sobreaté que ponto a credibilidade externa dos EUA influencia o comportamentocolectivo dos outros Estados-Nação e outros aliados ou inimigos, indepen-dentemente de estar em causa, por parte dos EUA, a ameaça ou o uso da“cenoura ou do bastão”.

60

Page 61: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Por isso, de forma resumida, vamos usar duas fontes académicas deCiência Política e de Governação, intelectualmente diversas na aplicação práticae depois um recordar dos discursos de candidatura nas primárias do PartidoDemocrata dos então Senadores Barack Obama e Hillary R. Clinton, comopolíticos de exercício prático, sobre o futuro da Política Externa dos EUA.

Segundo o Prof. Christopher Fettwels, de Ciência Política da Universidadede Tulane, é tradicional a clivagem entre as equipas do Departamento deEstado que, tendencialmente, são de enfoque reducionista, para as situaçõesespecíficas e Estados-Nação, directamente nelas implicados, e a visão maisabstracta da Casa Branca, num enfoque geopolítico global. (11)

Embora, pessoalmente, tenhamos tido o privilégio de trabalhar emprojectos de Medicina da Adicção, primeiro com o ex-Director do Gabinete dePolíticas de Controlo de Droga da Presidência da República/Casa Branca(Administração Reagan) e, posteriormente, para a fundação da SociedadeInternacional de Medicina da Adicção, com a Direcção do Departamento deEstado dos EUA (Administração Clinton), o facto de serem assuntosestritamente técnico-científicos médicos e de serem administrações deideologia diferente (Republicana e Democrata) não permitem traçarcomparações subjectivamente percebidas.

No entanto, nas duas conversas que tivemos com o Director do GabineteNacional de Políticas de Controlo de Droga da Casa Branca do PresidenteClinton, curiosamente um militar da 1.ª Guerra do Golfo, o General BarryMacCuffrey, na residência oficial do Embaixador dos EUA em Lisboa, e no “BettyFord Center”, em Palm Springs, na California, ficámos com a sensação de quehavia uma tentativa genuína de diálogo com o Observatório Europeu e deconciliação mínima das política públicas dos EUA e da União Europeia.

Voltando ao Prof. Christopher Fettwels, da Universidade de Tulane, estecita o Senador John McCain, em Outubro de 2002, quando afirma, noWashington Post, “A credibilidade é um enorme património em negóciosestrangeiros de uma Nação. Exige um esforço duro para se construir, maisdifícil ainda para se manter mas, uma vez na sua posse, torna possível impeliros outros a mudar comportamentos” (11). Mas será que a credibilidadeinfluencia tanto a percepção que os outros Estados-Nação ou outros inimigos(ex. Al Quaeda) têm dos EUA?

Fettwels começa com uma DEFINIÇÃO DE CREDIBILIDADE DO ESTADO,que é “uma mistura equilibrada de competência, legitimidade, capacidade de

61

Page 62: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

solucionar, autenticidade, fiabilidade, vontade de afrontar os imprevistos e/oufirmeza rígida do Estado e, em função dessa força ou fraqueza, a postura deum Estado é tida em linha de conta pela Comunidade Internacional ou émenosprezada (encorajando o agressor).

A credibilidade só é um conceito de interesse, em Ciência Política, paraos Estados que atingem o nível de participantes na geopolítica global. Nostempos de guerra fria Walt Rostow, director de planeamento político doDepartamento de Estado do Presidente John F. Kennedy, defendia que, ou seconseguia de forma credível fazer os países do terceiro mundo entrar naideologia e modelo capitalista, ou os reveses nesta estratégia, na periferia,seriam desastres estratégicos para os EUA. (11)

A Escola de pensamento de Henry Kissinger, Robert McNamara, PaulNitze, Richard Nixon e Zebignew Brzezinsky, de ideologia partidária diferente,não diverge de Walt Rostow (embora prefira o “bastão à cenoura”), quando faza leitura de que a invasão soviética do Afeganistão foi um efeito dominó dosEUA, por não terem mantido a credibilidade perante o não responder aoaventureirismo soviético no corno de África (incluindo Angola), por sua vezconsequência da perda de credibilidade dos EUA com o abandono de Saigão edo Vietname do Sul. (11)

A credibilidade externa é bem patente nesta última questão dodesastre traumático do Vietname, quando, num comunicado interno noPentágono de 1965, do então Secretário de Defesa John McNaughton, esteafirma que a presença dos EUA no Vietname do Sul resultava em 70% paraevitar uma humilhante derrota dos EUA, 20% para evitar a invasão daideologia comunista no Vietname do Sul e apenas 10% para ajudar apopulação sul vietnamita” (ainda por cima os governantes eram de crençacatólica romana). (11)

Fettwels discorda que a derrota no Vietname tenha afectado acredibilidade externa dos EUA, não só pela redução dos custos nacionais derecursos humanos e financeiros, mas também porque os seus aliados ficarammais aliviados de uma guerra incómoda, viram os EUA reorientar o seu poderpara problemas mais prementes na geopolítica mundial e esta não ser alteradapor esse fracasso… (11). Discordamos, pessoalmente deste ponto de vistaporque Fettwels está a esquecer um fenómeno: na nossa perspectiva, oconsiderarmos o Presidente da República americana conservador mais brilhantedo séc. XX, Ronald Reagan e a sua equipa estratégica.

62

Page 63: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Desde a reconstrução doutrinária, paciente, de auto-estima e orgulho dopovo americano, ainda como Governador do Estado da Califórnia, queantecedeu a aplicação, de facto, com sucesso, do paradigma estratégico de SunTzu, de derrotar o bloco soviético sem entrar em confronto, já como Presidentedos EUA, Ronald Reagan, quando um dia forem desclassificados os documentosdessa época ao mais alto nível do Estado, terá, com autenticidade e crençapessoal, efectuado o melhor desempenho de actos cinematográficos da suavida, no “filme” que é a geopolítica mundial (sem esquecer o brilhantismo dosguionistas estratégicos e outras mais valias Americanas tecnológicas,económicas, de propaganda, etc.).

Voltando aos teóricos de Ciência Política, Jonathan Mercer tem umaopinião bem diferente quando afirma que os Estados não têm capacidade decontrolar a sua reputação e nível de credibilidade externa e que, em últimainstância, os principais adversários e aliados auto fabricam as suas própriaspercepções e actuam conforme as suas decisões nacionais no xadrezgeopolítico global (11). Jonathan Mercer, afirma, com três exemplosparadigmáticos, como a 1.ª Guerra Mundial, a crise de Berlim, após a 2.ª GuerraMundial, e a crise dos mísseis de Cuba, que as decisões foram mais objecto dascontingências no imediato do que em património de credibilidade conquistadolongamente no passado. (11)

Fettwels, no seu ensaio, associa os pensadores preocupados com acredibilidade externa dos EUA, com a escolha do”bastão” ou do “hard power”,pois, conforme afirma: “o impacto de credibilidade não tem só o efeito de tersubjacente o uso da força militar, mas encoraja também um comportamentoduro e rígido na mesa das negociações diplomáticas, dificultando oscompromissos, por receio de serem uma manifestação externa decomportamento de fraqueza. (11)

Mas, no paradigma da “Guerra ao Terrorismo” (ou no da “Guerra àsDrogas”) e numa visão oposta, como a de Dale Copeland, como é que se podegarantir que uma pequena bola de neve, ao rolar por uma ravina abaixo, nãose torna num enorme balão maciço e destruidor?

Só que, conforme o “princípio do dano”, de Stuart Mill, anteriormenteexposto, em relação a “civilizações bárbaras”, não deixamos de poder colocarem causa, ou não, as afirmações de Osama Bin Laden publicadas em 1999 que,pela sua importância, citamos.

A América é um “tigre de papel”…”assistimos a isso na última década”…”odeclínio do governo Americano e a fraqueza dos soldados Americanos que têm

63

Page 64: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

a prontidão para confrontar uma Guerra Fria, mas não estão preparados paraaguentar uma guerra prolongada. Este facto ficou provado em Beirute quandoos Marines evacuaram e retiraram após duas explosões. Provou-se que ospodemos pôr em fuga em menos de 24 horas e isso repetiu-se novamente naSomália”. (11)

O mais importante em combate é conhecer o inimigo, na sua psicologiae, infelizmente, Osama Bin Laden poderá ter razão na convicção de combateda infantaria ocidental, ajudado no enfraquecimento pela opinião públicalegítima democraticamente, mas pouco esclarecida, do Ocidente. Mais do queisso, e citando o Prof. Fettwels, os grupos islamitas jihadistas poderão serpouco afectados, na sua estratégia, pela percepção externa da credibilidadedos EUA. (11)

“Muitas regiões do mundo têm populações que empatizam com oargumento que os EUA são actualmente fracos, efeminizados, imorais,corruptos e, portanto, um tigre de papel”. (11)

O conceito de credibilidade externa dos EUA não foi necessário para aguerra no Afeganistão, pois o consenso da Comunidade Internacional existiasobre os Talibãs terem criado um santuário de campos de treino de terroristasde grande risco para a Segurança Internacional (11). A guerra que se seguiu,17 meses mais tarde no Iraque, contra Sadam, teve uma ambição irreal ecolocou em causa a credibilidade externa dos EUA, pois os Neoconservadores,como Paul Wolfowitz, Richard Perle e Kristol, pensavam que a imposição daDemocracia do exterior (considerando que estes Estados têm menorperigosidade ao terem que responder perante as políticas públicas, perante oseleitores), levaria à concretização do ideal e prestígio de credibilidade da América(se lhe sucedesse um efeito dominó, na região de liberalização e democra-tização, com consequente redução dos riscos sobre armas de destruiçãomaciça). (11)

Sobre este conceito de imposição do exterior e alargamento dos Estadoscom Democracia (comum no conceito a Democratas e Republicanos), vamosfalar na IV Parte do nosso Ensaio, tendo como referência um dos últimosescritos do falecido Prof. Dr. Samuel Huntington e a pouca importância daDemocracia, quer para os Estados Árabes, quer, dentro destes, para osteocráticos islâmicos, na perspectiva de Fareed Zakaria.

Para Henry Kissinger, uma saída rápida do Iraque pelos EUA é a repetiçãode perda de credibilidade dos EUA, após a saída de Saigão…, tendo agora

64

Page 65: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

consequências previsíveis de sucesso aumentado de recrutamento pela AlQaeda e grupos islamitas jihadistas associados e consequências imprevisíveisde impacto negativo na geopolítica regional, desde a Palestina ao Irão e glo-bais, em países como a China, Rússia, da Europa e Japão. (11)

Vejamos, agora, não a perspectiva de psicologia colectiva da cre-dibilidade externa dos EUA e influência na geopolítica global do Prof. Dr.Christopher J. Fettwels e a outra perspectiva académica dos Prof. StephenG. Brooks e Prof. William C. Wohlforth, responsáveis de Ciência de Gover-nação do “Darmonth College (USA)”. Antes, porém, teremos que deixar aoleitor a dúvida sobre os art. 23, art. 32 do Conselho de Segurança da Cartadas Nações Unidas, se ainda corresponde à realidade e aos objectivos da ONU,até na representatividade dos seus cinco membros permanentes (RepúblicaPopular da China, Federação Russa, França, Reino-Unido e EUA), ao nívelglobal. A actual crise económica e financeira internacional demonstrou a maioractualidade do grupo do “G20”, em relação ao do “G8”, nessa área. Para nós,pessoalmente, este impasse na reestruturação da ONU começa pela distânciada realidade global, a assemelhar-se ao período moribundo da Liga das Naçõese o que se seguiu… a 2.ª Guerra Mundial… não é propriamente um cenáriofuturo aliciante. Por isso, os Profs. Brooks e Wohlforth, de forma sapiente,definem três prioridades para a Política Externa dos EUA:

– “Criação de uma Liga das Democracias;

– Actualizar o Conselho de Segurança da ONU;

– Revitalizar em Direito Internacional Público os mecanismos de nãoproliferação nuclear”. (10)

Na perspectiva dos autores, os poderes hegemónicos dos EUA devemapenas servir para o estatuto de liderança perante os novos poderes emergen-tes e as novas realidades, desde o terrorismo e a proliferação nuclear até àinstabilidade financeira e aquecimento global. (10)

Exemplificam, com o mesmo sucesso da flexibilidade demonstrada pelosserviços de “intelligence” da “NATO”, que estavam organizados na sua par-tilha de informação e trabalho em rede para a Guerra Fria e a União Soviéticamas que, rapidamente, se adaptaram à surpresa do terrorismo islamitaglobal (10). Mesmo no contexto operacional convencional, é preferível ter aAlemanha e a França com efectivos insuficientes do que não terem efectivosno Afeganistão. (10)

65

Page 66: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Também no contexto do controlo de não proliferação nuclear, as insti-tuições de Direito Internacional Público, pelo seu estatuto neutral e maiorpermeabilidade dos Estados às suas inspecções, facilitam mais o conhecimentoe a segurança que todo o poder unipolar dos EUA que, se empregue, provocaressentimentos dos outros Estados soberanos (mau grado estes conhecerem acapacidade unipolar de retaliação dos EUA).

O entusiasmo imediatista, entre 1999 e 2003, das vitórias no Kosovo,Afeganistão e Iraque e as dificuldades inesperadas que se seguiram não podemlevar também à leitura imediatista do declínio total americano, até porque osnovos poderes emergentes não são a mesma coisa que o conceito de já terememergido e serem equipotentes aos EUA (10). Talvez mais perigosos sejam osactores não estatais, como se está a assistir à pirataria marítima na Somália eeventual interligação desta com o sonho de uma “Armada” de pequenas embar-cações militares da Al Qaeda, e este facto de insegurança pode ser uma janelade oportunidades para a liderança, na cooperação entre Marinhas de Guerraestatais pelos EUA.

Os Profs. Brooks e Wohlforth, citando Zebignew Brzezinsky e HenryKissinger, referem que o problema para a aceitação colectiva da liderança dos EUAé a perda de credibilidade ocorrida ao nível internacional pela Administração Bushno Iraque, pelo que é pelo campo da legitimidade convincente internacional quepode ser reconquistada. (10)

Como proposta de reforma internacional liderada pelos EUA, os autorespropõem:

– jogar de forma recíproca os benefícios da reforma proposta;

– ter a certeza que a instituição que se reestrutura é para o bem público;

– efectuar uma conexão da antiga ordem com a nova ordem;

– explorar estrategicamente a incongruência das oposições às propostas;

– persuadir os outros que a mudança é necessária (10).

A “PSI” – Iniciativa de Segurança de Proliferação, liderada pelos EUA, éum exemplo dos autores do sucesso da liderança dos EUA, numa iniciativamultilateral, permitindo a revista de todos os navios com bandeira da Libériasobre eventual tráfico de armas de destruição maciça. (10)

66

Page 67: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A liderança dos EUA na (multilariedade) dos Estados deve privilegiartambém a luta contra o terrorismo e a estabilização global da economia,sempre numa postura pública desinteressada de bem comum. (10)

O alargamento da cooperação multilateral, para sanções económicas aosEstados prevaricadores da proliferação nuclear da NATO ao Japão, Coreia doSul e Austrália, é a proposta final dos autores, em termos de partilha deresponsabilidades da segurança global pelos EUA. (10)

É aqui que pode surgir uma janela de oportunidade para intervençõesmultilaterais militares navais da CPLP, no Atlântico Sul, essencialmente depatrulhamento oceânico, pelas Marinhas do Brasil, Portugal e de Angola (queconviria que adquirisse essa capacidade que não tem, com apoio na construçãonaval, tecnologia, formação profissional naval, etc.), sobre as rotas donarcotráfico de Cocaína (mas a que rapidamente se irão associar as tradicionaisalternativas do crime organizado e até terrorismo islamita jihadista). Talpermitiria ainda libertar, para o Oceano Indico, capacidades de outros paísescomo os EUA, Reino Unido, Holanda, etc.

Num outro ensaio nosso, intitulado “A Espiritualidade no tratamento dasdependências”, publicado em Julho a Dezembro de 2006 na revista oficial daGNR (12, 13), citámos, propositadamente, do discurso do Presidente RonaldRegan ao Parlamento do Reino Unido, em 8 de Junho de 1982, sobre o“Império do Mal” a “Cortina de Ferro” e a Guerra Fria: “… verdadeiramentedecisivo no combate que hoje se trava no Mundo, não vão ser as bombas, nemos mísseis - será um teste de vontade e de ideias, um teste de FIRMEZAESPIRITUAL aos valores que temos, às convicções que defendemos e aos ideaisque perseguimos”. (12, 13)

Vem isto a propósito de ir recordar apenas os discursos de campanha,nas primárias do Partido Democrata, sobre Política Externa dos EUA dospolíticos de exercício prático para a Foreign Affairs dos então Senadores BarackObama e Hillary Rodham Clinton, em finais de 2007, como candidatos.

O então Senador Barack Obama define que a América tem que voltar aser uma liderança visionária de uma cooperação multilateral para umaSegurança global de uma Humanidade Global (3). Barack Obama define asameaças (proliferação de armas de destruição maciça, terroristas alienados dasinjustiças sociais, Estados fracos ou párias e poderes emergentes com umanova visão sobre a Democracia liberal da América, aquecimento global eepidemias, bem como desastres naturais e conflitos mortíferos) e, perante elas,

67

Page 68: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

defende a tal liderança visionária da América com participação multilateral. Masavança com o conceito, que já abordámos, de CREDIBILIDADE externa pelosEUA, exemplificando com a garantia de retirada progressiva do Iraque e de nãopretenderem Bases Militares permanentes no Iraque, devendo apenas obrigarao entendimento de soberania entre sunitas e shiitas e ajudar na formação daSegurança Nacional do Iraque, que, depois, se encarregará de expulsar a AlQaeda do seu território soberano e democrático (3). Defende, ainda, a tentativade diálogo com o Irão e a Síria através da via diplomática (e a pressãosubjacente do poder Americano político, económico e militar), sem desprotegero aliado tradicional na região – Estado de Israel – na contenção dos movimen-tos terroristas como o Hamas, Hezbollah (e até a Al Qaeda). (3)

Ao nível da componente militar de Defesa Nacional, Barack Obamadefendeu também o aumento de efectivos no Exército, recrutando mais de65000 e, nos Fuzileiros Navais, mais de 27000, para além de colocar 88% daGuarda Nacional em estado de prontidão, para ser projectada à distância. “Nãohesitarei em usar a força, unilateralmente se necessário, para proteger o povoAmericano ou os nossos interesses vitais em qualquer parte do mundo ondepossam ser atacados ou estejam na eminência de ser enfraquecidos”. (3)

Contudo, de imediato avisa que, com excepção da autodefesa dos EUA,todas as operações militares dos EUA devem ser intervenções multilaterais e decooperação, dando, como exemplo, a ajuda à Federação Russa no controlo dosstocks de armas nucleares obsoletas da ex-União Soviética, “15000-16000” comurânio e plutónio capazes de fabricar “40000” armas nucleares. “A Al Qaeda fezum seu objectivo transportar uma Hiroshima para os EUA” (3), pelo queconsidera um período de 4 anos como o limite temporal para uma cooperaçãode toda a Comunidade Internacional adquirir o controlo global por esta, daproliferação de armas nucleares impedindo os terroristas de as adquirir. (3)

A cooperação a este nível, para além da Federação Russa, deve seralargada o mais possível em relação ao perigo que representam os programasnucleares do Irão e da Coreia do Norte, bem como na luta contra o terrorismo,na sua frente principal de combate que é o Afeganistão (e o Paquistão). Crucialpara o candidato Senador Barack Obama é a reforma de toda a comunidade de“intelligence”, baseada num aumento de “intelligence” humana especializadaem outras línguas e culturas, treinar nesse sentido o circuito diplomático eaumento dos recursos humanos operacionais. (3) A aposta que o PresidenteRonald Reagan fez, perante o Parlamento britânico que referimos da vitória naGuerra Fria pela guerra das ideias, é assim explanada pelo Senador Barack

68

Page 69: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Obama, em 2007: “As nossas crenças baseiam-se na esperança, as dos extre-mistas (islamitas jihadistas) baseiam-se no medo”. (3)

Dar força política às elites moderadas dos países islâmicos e exportar asoportunidades americanas, como o acesso à educação e aos cuidados desaúde, comércio e investimento, são mais importantes do que apenas palestrassobre Democracia… É preciso que a Comunidade Internacional ajude e recons-trua os Estados fracos e falhados. (3)

A realidade demonstra que as alianças têm de se alargar. A NATO já nãoé suficiente e a sua tradicional região pode não ser a mais vital. Há que serflexível, de forma a serem competidores com os novos poderes emergentesnumas áreas, e aliados e colaborantes noutras, destacando a China, o Japão ea Coreia do Sul, o Brasil, a União Indiana, a Nigéria e a África do Sul. (3)

O Senador Barack Obama defende depois a tradicional perspectivaamericana, ajudando os Estados a ter instituições que prestem serviços públi-cos, oportunidades, economia de mercado, saúde, educação e bem-estar e, paratal, a aposta, como vimos, no tradicional pensamento anglo-americano épara ele através de: “legislação forte, independência do poder judicial, forçaspoliciais não corruptas, imprensa livre, sociedades civis vibrantes”. (3) Esta é aconfirmação da nossa análise inicial sobre a filosofia política de John Locke,Stuart Mill, William James e as breves referências que fizemos sobre o debatena Academia de Ciência Política da Universidade de Columbia, sobre aqualidade da Democracia na actualidade.

O Senador Barack Obama acaba, com grande autenticidade, exempli-ficando o sonho americano da terra de oportunidades, com o seu exemplopessoal, através de seu pai, aguardando a aspiração de um visto para emigrarpara os EUA… Até que ponto a autenticidade, de um exemplo experimental aomelhor estilo empirista pragmático de William James e a fiabilidade popularassociada, terão sido decisivos nos eleitores dos EUA para a vitória doPresidente Barack Obama, é algo que deixamos ao leitor, nesta fase da análiseda Doutrina Politológica Basilar do pensamento anglo-americano.

No Foreing Affairs de Novembro - Dezembro de 2007, a candidataSenadora, Hillary R. Clinton também defende o retorno à liderança na mul-tilateralidade dos EUA, criticando o isolamento na credibilidade externa que foio desvio do Afeganistão para o erro da guerra no Iraque, levando ao isolamentointernacional americano pela Administração Bush. “Temos que reconstruir onosso poder, assegurando que os EUA estão empenhados em construir um

69

Page 70: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

mundo que todos queremos, em vez de simplesmente nos defendermos de ummundo de que temos terror.” (4)

Partindo de um princípio tradicional do Partido Democrata de promovermais a atracção do que a coacção, a então candidata Senadora Clinton defineo seu conceito de liderança como um misto de “estratégia, persuasão,inspiração e motivação”. (4)

Para o efeito, traça os seguintes objectivos (considerando como base ofracasso da Administração Bush): (4)

– Evitar falsas escolhas que derivam apenas da ideologia (só em últimainstância de autodefesa e de segurança preventiva de uma tragédia seopta pelo unilateralismo);

– Usar o poder militar, não como uma solução para todos os problemas,mas como uma das componentes de uma estratégia global nacional ecompreensível;

– Colocar as instituições internacionais a funcionar e trabalhar para elassempre que possível;

– Demonstrar que a Democracia transporta de facto mais-valias aos povos;

– O primado do poder legislativo não pode ser apenas propaganda parao exterior mas tem que ser um modelo de comportamento autênticodos EUA perante a Comunidade Internacional – autenticidade/fiabi-lidade para a credibilidade externa.

À retirada do Iraque, a Senadora Clinton aponta como alternativa, na lutacontra o terrorismo, o emprego de operações especiais contra alvos terroristasnoutras regiões. (4) Esta perspectiva da Senadora Clinton, paralelamente coma guerra das ideias e dos valores em simultâneo, como já afirmámos ante-riormente, na nossa perspectiva pessoal, parece-nos a de maior vocação desucesso numa análise custo-benefício, só se devendo empregar forças militaresconvencionais em territórios ocupados por guerrilha nos Estados fracos oufalhados, como o Afeganistão foi exemplo.

Continuando a citar a candidata Senadora Clinton, ela focaliza a guerradas ideias em relação aos islamitas jihadistas nos seus valores de sustentaçãoideológica que são os seus pontos fracos: “a rejeição da modernidade e dosdireitos humanos das mulheres, dos valores da democracia e a nostalgia porum passado mítico (o Califado). (4)

70

Page 71: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

“As actuais políticas dos EUA (2007) enfraqueceram o poder soberano,no Afeganistão, do Presidente Hamid Karzai, permitindo aos Talibã voltar acontrolar o Sul, incentivando o fabrico de drogas como a Heroína parafinanciar os mesmos Talibã e a Al Qaeda” (4). A Senadora Clinton defende,de seguida, no Afeganistão, algo que na nossa perspectiva também concor-damos, isto é, um programa internacional de financiamento aos agricultoresafegãos de substituição da papoila de ópio e um crescente papel dasmulheres na vida política pública do país – os Direitos Humanos da Mulher.

A posição da Senadora Clinton em relação à reforma da comunidadede “intelligence” dos EUA coincide com a de Barack Obama, mais “intelli-gence” humana “humanintel”, mais operacionais e analistas dominando alíngua árabe e outras línguas chave, aposta na colaboração em rede globalcom a comunidade global de “intelligence”.

Mas, ao nível dos poderes emergentes, a Senadora Clinton define,hierarquicamente, de forma clara, que a prioridade é a China, sem descurara Rússia, numa troca permanente de discussão de diferentes valores quereconhece existirem. Concorda depois com Barack Obama no aumento decooperação com a União Indiana, Austrália, Japão, Brasil, África do Sul eacrescenta o México, Argentina e Chile. (4)

O combate ao narcotráfico, crime organizado e insurreição armada naColômbia e aliados da América Central e Caraíbas é definido também comoprioridade em Política Internacional pela Senadora Clinton. Esta diferençade atenção da Senadora Clinton em relação ao Senador Obama, nacampanha das primárias do Partido Democrata, em relação ao narcotráfico,não será estranha à experiência e aos conselheiros oriundos doDepartamento de Estado do Presidente Clinton, com quem o autor teve oprivilégio de trabalhar na construção da “International Society of AddictionMedicine” em 1997–1999.

A liderança que então apoiámos do “lobby” médico científico do Egiptoe a clarividência deste ao posteriormente aumentar a participação dacomunidade científica da Rússia e da China (já depois da nossa saída daDirecção mundial e durante a Administração Bush), agora, com a equipa daSecretária de Estado Hillary Rodham Clinton, pode vir a ter um novo impulsono paradigma da “Guerra às Drogas”, através da guerra de ideias – adependência de drogas como doença do Cérebro no seu reducionismobiológico (e comportamental).

71

Page 72: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

3.2. O entendimento europeu do pensamento anglo-americano desde aversão clássica de Alexis de Tocqueville até uma visão europeia actual

3.2.1. Breves notas sobre “Da Democracia na América” – Alexis de Tocqueville

“Uma Ciência Política nova é necessária a um Mundo inteiramentenovo”…”Os homens religiosos combatem a liberdade e os amigos daliberdade atacam as religiões”…“O índio na América sabia viver semnecessidades, sofrer sem se queixar e morrer a cantar” – Alexis deTocqueville, 1835. (2)

a) Os EUA – Segurança Nacional e potência marítima, a opção estratégicadesde nascença

Os grandes pensadores têm esta característica de intemporalidade -Platão, Sócrates, Aristóteles e tantos outros posteriormente. Nada de maisactual que estas citações da obra que iremos referir em breves notas orientadasno contexto do nosso ensaio.

Alexis de Tocqueville, considerado um clássico sobre a democracia naAmérica pelos Europeus, é muitas vezes citado pelos politólogos americanoscom esta frase que sempre nos criou suspeição “quando Alexis de Tocquevillenos visitou em 1831…” o que parece ser uma visita de um ser alienígena aonosso planeta… Na verdade, para além de a América ter mudado muito desdeentão (até sofreu uma Guerra Civil União/Confederados cerca de 30 anos maistarde) Tocqueville europeu, era francês, de origem aristocrática, mesmo apósa Revolução Francesa, magistrado de Tribunal. Foi para a América a pretextode estudar o sistema penitenciário americano e veio com uma descrição doconceito de Democracia no Novo Mundo, de que apenas iremos referir aquiloque ainda hoje coincidimos sobre a observação da sociedade dos EUA naactualidade.

Embora os EUA, a União, nasça em 1789, cedo tomam uma opçãoestratégica de serem uma Potência Marítima e não continental (algo que nósportugueses voltamos há anos a ter uma enorme dificuldade em reassumir, porexemplo, no nosso texto Constitucional da III República, com sucessivosprejuízos acumulados…).

72

Page 73: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Os Constituintes dos EUA não tiveram dúvida em escrever no seu textoconstitucional de então, nos poderes do Congresso, e já lá vão mais de duzen-tos anos:

– “Organizar e manter os Exércitos, vedada, porém a alocação de recur-sos para este fim por período de mais de dois anos”;

– “Organizar e manter uma marinha de guerra”.

Esta necessidade de poder naval militar, deriva da vertente mercantilmarítima, sentida já em 1835, por Alexis de Tocqueville que citamos:

“Da baía de Fondy ao rio Sabine, no Golfo do México, a costa dos EstadosUnidos estende-se por um comprimento… Não há povo no Mundo que possaoferecer ao comércio portos mais profundos, mais vastos e mais seguros queos americanos”…(2) “A Europa é, pois, o mercado da América, como a Américaé o mercado da Europa… Nunca os dois continentes poderão viver inteiramenteindependentes um do outro… Os anglo-americanos mostraram sempre umgosto decidido pelo mar… Os Estados Unidos deviam, pois, ou fornecer umgrande alimento à indústria dos povos marítimos, se renunciassem elesmesmos ao comércio… ou tornar-se uma das primeiras potências marítimas doglobo: esta alternativa era inevitável”; (2)

Tocqueville depois foca a sua análise, a propósito da marinha mercanteamericana, em certos aspectos tipicamente americanos, ainda nos dias de hoje:o pragmatismo consistente e quotidiano da análise custo-benefício, o sentidointeriorizado da livre concorrência, a libertação do espartilho conservador dapermanente cautela, em função da oportunidade do risco e a hiper-especializaçãoempirista, desde muito cedo, nas carreiras profissionais com aplicação práticaimediata. “Os americanos não podem pois dar à cultura geral da inteligênciamais do que os primeiros anos de vida; aos quinze anos entram numa carreira;assim a sua educação acaba as mais das vezes na época em que a nossa(europeus) começa. Se continua para além desse momento, não se orientasenão para uma matéria especial e lucrativa…”; (2)

Continuando a citar Tocqueville e a vocação marítima mercantil dos EUAnaquela época (1831-1835): “Os navios dos Estados-Unidos enchem o porto deHavre e o de Liverpool. Vê-se apenas um pequeno número de embarcaçõesinglesas ou francesas no porto de Nova Iorque, o que se explica facilmente: detodas as embarcações do mundo, são os navios dos Estados-Unidos queatravessam os mares com menos gastos…o navegador europeu só com

73

Page 74: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

prudência se aventura sobre os mares…o americano negligencia estasprecauções e desafia estes perigos…O americano naufraga muitas vezes masnão há navegador que atravesse os mares tão depressa como ele. Fazendo asmesmas coisas que um outro em menos tempo, pode fazê-las a um custoinferior” (2). Tocqueville associa este facto também ao menor recurso a escalasem portos intermédios de apoio logístico pelos marinheiros americanos. “Nãoposso exprimir melhor o meu pensamento do que dizendo que os americanospõem uma espécie de heroísmo na sua maneira de fazerem comércio” (2).

A propósito das potências emergentes no Atlântico Sul vale a penacontinuar a citar Tocqueville: “Os espanhóis e os portugueses fundaram naAmérica do Sul grandes Colónias que se tornaram, entretanto, Impérios. Aguerra civil e o despotismo desolam hoje essas vastas paragens… Não se trata,evidentemente, aqui senão de uma questão de tempo: chegará, sem dúvida,uma época mais ou menos afastada em que os Americanos do Sul formarãonações florescentes e esclarecidas”. (2)

Mas a importância do mar para os EUA não era apenas o “Congressoorganizar e manter uma Marinha de Guerra” consagrada pelos Constituintes notesto básico. O poder judicial também afirmava, segundo Tocqueville: “Foiassim que todas as questões que se ligam ao comércio marítimo foram postassob a alçada dos Tribunais Federais. A razão é fácil de indicar: quase todasessas questões se integram na apreciação do direito das gentes. Nessaperspectiva, interessam essencialmente à União inteira confrontada com osestrangeiros”…”Os americanos estão já em condições de fazerem respeitar oseu pavilhão; em breve poderão fazê-lo temer”. (2)

b) Autonomia associativa e cidadania de inclusão

Em 1987, quando o autor acompanhou o Senhor Almirante GonzagaRibeiro como Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa a Filadélfia, este tinha aexperiência pessoal de uma irmã a viver há longo tempo perto. Disse-me queali, nos EUA, nós iríamos constatar a força comunitária real dos vizinhos no seubairro e não uma engenharia social ideológica utópica, europeia e semconcretização no quotidiano (totalmente individualista no caso português,acrescentamos nós).

Voltando ao clássico Tocqueville: “Na América…a comunidade, a comuna,foi organizada antes do condado, o condado antes do Estado e o Estado antesda União…No seio da comuna, vemos reinar uma vida política real, activa,inteiramente democrática e republicana”. (2)

74

Page 75: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

“A comunidade, a comuna, é a única associação que está de tal modo nanatureza que, por toda a parte onde haja homens reunidos, uma comuna seforma por si mesma” (2) (na nossa perspectiva, seria a forma mais primitiva desair do estado de natureza de John Locke ou de contrato social de Jean-JacquesRousseau), …“é composta de elementos grosseiros que se juntam à acção dolegislador” (2). “As funções públicas são extremamente numerosas e muitodivididas na comuna. Contudo, a maior parte dos poderes administrativos estáconcentrada nas mãos de um pequeno número de indivíduos eleitos cada anoem Abril ou Maio, os “SELECT-MEN”, que podem auto-convocar ou ser cons-trangidos a reunir a assembleia “TOWN MEETING”… As comunas não estão, emgeral, submetidas ao Estado, a não ser quando se trate de um interesse a quechamaremos social, quer dizer, que partilham com outras… Na América, ocobrador fiscal da comuna arrecada o imposto do Estado…a comuna emprestaos seus funcionários ao governo estatal” (2) … A comuna tinha uma extensãodemasiado restrita para que nela pudesse encerrar-se a administração dajustiça. O condado forma, pois, o primeiro poder judicial. Cada condado tem umtribunal judicial, um xerife que executa as sentenças dos tribunais e umapenitenciária onde entram em reclusão os criminosos. (2)

“Os legisladores americanos mostram pouca confiança na honestidadehumana mas deduzem sempre a inteligência do homem. Contam, pois, amaioria das vezes, com o interesse pessoal para garantir a execução dasleis.”. (2)

A este propósito, recordamo-nos sempre de duas experiências pessoaisque nos despertaram, em 1985, na Base aeronaval de Miramar – S. Diego e,em 1987, em Nova Iorque. A primeira era o cidadão (e vemos muito isso nosfilmes americanos) introduzir 25 cêntimos na ranhura, abrir a caixa com umaresma de jornais, mas só retirar um exemplar, a que tinha direito por compra(o que seria isto num país da Europa do Sul…). A outra foi na Sétima Avenidade Nova Iorque ver um anúncio espaçado – “Não pense sequer estacionar aviatura” – “New York Police Department”… o ilícito estava antes do acto, nopensamento prévio interno do cidadão.

Quanto à cidadania de inclusão, nestes longínquos anos de 1830,Tocqueville só nos pode falar sobre o respeito pelo género feminino, pois seriaentão impossível ter um afro-americano na Casa Branca…como o actualPresidente Barack Obama.

Citaremos, em primeiro lugar, a irreversibilidade para Tocqueville daigualdade do género: “Penso que o movimento social que aproxima do mesmo

75

Page 76: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

nível o filho e o pai, o servidor e o amo, e, em geral, o inferior e o superior,eleva a mulher e deverá fazer dela cada vez mais a igual do homem” (2).

“Os americanos aplicaram aos dois sexos o grande princípio da economiapolítica que, nos nossos dias, domina a indústria. Dividiram cuidadosamente asfunções do homem e da mulher, a fim de que fosse feito melhor o grandetrabalho social”. (2)

Daí vem que as americanas, que revelam com frequência uma razãomáscula e uma energia plenamente viril, conservem em geral uma aparênciamuito delicada, e continuem sempre a ser mulheres pelas maneiras, ainda quese mostrem algumas vezes como homens pelo espírito e pelo coração”. (2)

Os americanos manifestam, a todo o momento, uma plena confiança narazão da sua companheira e um respeito profundo pela sua liberdade”. (2)

c) Representantes eleitos e eleições livres e frequentes

NÍVEL ESTADUAL

O poder legislativo Estadual é dividido em duas câmaras - a do Senado eCâmara dos Representantes: “O Senado Estadual é habitualmente um corpolgislativo; mas torna-se por vezes um corpo administrativo e judicial”…”os seusmembros são sempre pouco numerosos…o mandato dos Senadores em geralmais longo do que o dos representantes”…”O Senado concorre para a escolhados funcionários”…participa no poder judicial, pronunciando-se sobre certosdelitos políticos e também estatuindo sobre certas causas civis… o outro ramoda legislatura, a Câmara dos Representantes em nada participa no poderadministrativo e não toma parte no poder judicial, a não ser acusando osfuncionários perante o Senado” (2). “Concedendo aos Senadores o previlégiode serem nomeados por vários anos, e renovando-os por série, a lei cuidou demanter entre os legisladores um núcleo de homens já habituados aos assuntosa tratar e que pudessem exercer uma influência útil sobre os recém-chegados”(2). “O poder executivo do Estado tem por representante o Governador…ummagistrado eleito…numa dependência estreita da maioria que o elegeu”. (2)

NÍVEL FEDERAL

Vejamos agora, à época de Tocqueville (1831-1835), a sofisticaçãofederalista americana: “O princípio da independência dos Estados triunfou na

76

Page 77: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

formação do Senado; o dogma da soberania nacional, na composição daCâmara dos Representantes. Cada Estado devia enviar dois Senadores aoSenado e um número de Representantes, na proporção demográficapopulacional” (2) …”A Câmara dos Representantes é eleita pelo povo; o Senadopelos legisladores de cada Estado. Uma é o produto da eleição directa, o outroda eleição em dois graus. O mandato na Câmara dos Representantes não duramais que dois anos; o dos Senadores seis” (2) …”A Câmara dos Representantestem apenas funções legislativas; não participa no poder judicial, a não seratravés da acusação dos funcionários públicos; o Senado concorre para aformação das leis; julga os delitos políticos que lhe são deferidos pela Câmarados Representantes; é, cada vez mais, o grande conselho executivo da nação.Os tratados concluídos pelo Presidente devem ser validados pelo Senado; assuas escolhas, para serem definitivas, têm necessidade de receber a aprovaçãodo mesmo corpo”. (2)

“O Presidente dos Estados-Unidos é nomeado por quatro anos, podendoser reeleito”…Faz-se do Presidente o único representante do poder executivoda União” (2). A eleição do Presidente dos EUA, que ainda hoje, com um clarosistema bipartidário de Republicanos (os ”elefantes”) e Democratas (os“burros”), mantém uma importância crucial, pois é toda a AdministraçãoPública, ao mais elevado nível, por exemplo, na diplomacia, os Embaixadores,que é mudada de acordo com o Presidente eleito.

Citando Tocqueville: “… devia confiar-se o direito de eleger ao corpolegislativo ele mesmo, representante habitual da nação, ou seria necessário,pelo contrário, formar um colégio eleitoral cujo único objectivo fosse procederà nomeação do Presidente? Os americanos preferiram esta última escolha.Pensaram que os homens que se designavam para fazer leis ordinárias sóincompletamente representariam os votos do povo, relativamente à eleição doseu primeiro magistrado. Sendo, de resto, eleitos por mais de um ano,poderiam representar uma vontade já mudada …, ao passo que, à semelhançados jurados, os eleitores especiais continuariam a ser desconhecidos no meiode uma multidão, até ao dia em que tivessem de agir, e não se mostrariam pormais do que um instante para pronunciarem a sua decisão … Estabeleceu-se,pois, que cada Estado nomearia um certo número de eleitores, os quais por suavez elegeriam o Presidente”.

Ao termos revisto os principais conceitos de divisão de poderes noEstado, de Alexis Tocqueville, em 1831, na sua visita aos EUA, o que não

77

Page 78: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

dispensa a leitura do clássico Da Democracia na América”, na nossa perspec-tiva, gostaríamos apenas de tecer algumas considerações.

Primeiro, a descentralização do poder, com proximidade entre o repre-sentante eleito e o eleitor, pois, conforme John Locke, ao decidir passar deanimal primitivo – “estado da natureza” – a uma sociedade organizada, emcada indivíduo “está intrínseco o consentimento pessoal de perda do poder…”(pessoal). Ora, como os eleitos representantes também são homens, com asmesmas vulnerabilidades, têm que, na proximidade, estar permanentementeresponsabilizados e ser transparentes para quem lhes cedeu individual e colec-tivamente o seu poder de direito.

Outro aspecto e num raciocínio de exactidão que sempre nos acompanhado reducionismo naturalista de Karl Popper, este permanente recordar do“Contrato Social” tem, subjacente ao nível biológico, a constatação de doisgrandes núcleos no Cérebro Humano: o primitivo e emocional Sistema Límbicoe o evolutivo mais diferenciado, o Cortex Cerebral. Como os dois coexistem nomesmo homem e se interligam, o sistema americano político tem semprepresente o controlo, no léxico de Locke, entre o “estado da natureza” e asociedade organizada (política); nunca existe concentração de poderes, ao nívelEstadual e Federal… poderes relativos e controlados das duas assembleias –Senado e Câmara de Representantes – dos Governadores e Presidente dosEUA.

Existe sempre a “dúvida metódica” de tentação primitiva do poderconcentrado degenerar em prepotência e a convicção da negação total dafigura do “déspota esclarecido”: o poder é sempre uma cedência constitucionaldo povo e obrigação permanente do cidadão, o seu controlo, que mais não sejaaté como cidadão contribuinte para o Fisco.

d) Liberdade de expressão e informação alternativa

Em 1831, à época de Tocqueville, a tecnologia da informação (por vezesum triste espectáculo virtual e tirânico mediático na actualidade) permitecompreender a sua limitada análise, pela fase histórica que o mesmo vivia (foicerca de 180 anos atrás), mas não lhe retira o valor da perspicácia deobservador:

“Quando os homens deixam de estar ligados entre si de maneira sólida epermanente, não se pode obter de um grande número que aja em comum, a

78

Page 79: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

menos que se persuada cada um daqueles, cujo concurso é necessário, que oseu interesse particular o obrigue a juntar voluntariamente os seus esforços aosesforços de todos os outros, o que só pode fazer-se, habitual e comodamente,através do auxílio de um jornal. Só um jornal pode vir depositar, no mesmomomento, em mil espíritos o mesmo pensamento” (2) …Os jornais tornam-se,pois, mais necessários, à medida que os homens são mais iguais e o individua-lismo mais de recear. Seria diminuir a sua importância crer que não servempara mais do que para garantir a liberdade; mantêm a civilização.” (2) …“O mal que produzem é, pois, bem menor do que aquele que curam”… “Paraque, entre um povo democrático, uma associação tenha algum poder, énecessário que seja numerosa. Os que a compõem disseminam-se por umespaço … Têm de achar meio de se falarem todos os dias sem se verem e deavançarem em comum sem se reunirem. Assim, não há quase associaçãodemocrática que possa dispensar um jornal. Existe, pois, uma relaçãonecessária entre associações e os jornais: os jornais fazem as associações e asassociações fazem os jornais”; (2)

“A América é, por isso, o país do mundo onde se encontram ao mesmotempo mais associações e jornais”… “Quanto mais numerosos são os podereslocais, quanto maior é o número dos que a lei chama a exercê-los, e mais,fazendo-se aquela necessidade sentir a todo o momento, os jornais pululam. Éo fraccionamento extraordinário do poder administrativo, muito mais ainda doque a grande liberdade política e a independência absoluta da imprensa, quemultiplica tão singularmente o número de jornais na América” … “Os jornaisnão se multiplicam somente dos preços baixos, mas também segundo anecessidade mais ou menos repetida que um grande número de homens temde comunicar em conjunto e de agir em comum” (2). “O império dos jornaisdeve, pois, crescer à medida que os homens se igualizam”. (2)

Nas 25 deslocações que fizemos a diversas cidades dos EUA, cerca de 10,eram em Abril, ao congresso anual da “American Society of Addiction Medicine– A.M.A.”, em que, no início, era quase o único estrangeiro e europeu presente.Assim, em 1991 e 1992, visitámos Washington D.C. e, da primeira vez, com-prámos uma visita turística guiada à cidade, na agência turística do próprioCongresso. O guia começou por afirmar “Eu sou maçon (maçonaria regularteísta) e é na perspectiva da Maçonaria que vos vou mostrar Washington…”.Posteriormente, quando se visitava a entrada do Hotel Willard, colado à CasaBranca, explicou-nos que o léxico inglês para a recepção dos hotéis ser “lobby”deriva daquele hotel e de ser ali que se reuniam cidadãos, naquela recepção,para, no início da União, constituírem grupos de discussão e defesa lobista junto

79

Page 80: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

do Presidente (mas transparente, legítima, embora discreta, posteriormenteregulamentada, ao contrário da visão que temos nos países latinos, de “lobby” sersecreto, tenebroso, de fins obscuros manipulativos e até de corrupção).

A honestidade da declaração de princípios prévia do guia turístico,enquadrando intelectualmente a doutrina explicativa do “tour” pela cidade e agenuína capacidade de associação cívica e legítima transparência da actividadede “lobby”, essencialmente como estrutura ética de pensamento de defesa deinteresses sectoriais, autónoma dos Partidos políticos voltou a impressionar-nosfavoravelmente.

Vamos acabar com uma citação do próprio, esta breve revisão de AlexisTocqueville: “Quando queremos conhecer e ajuizar dos anglo-americanos dosnossos dias, devemos distinguir com cautela o que é de origem puritana ou deorigem inglesa”. (2)

Na nossa perspectiva, é uma fusão de sucesso nas semelhanças,esquecendo as diferenças entre o puritanismo luterano-calvinista e o ideal damaçonaria regular teísta (não sabemos na história o peso da britânica RoyalSociety e de homens como o Reverendo John Wilkins, Rober Boyle, RobertMoray, Isaac Newton, William Patty, Christopher Wren, etc, etc.), patente porexemplo, na moeda, nas notas de dólares americanos “in God we trust”.

Esta fusão, nos muitos portugueses que nos acompanharam aos EUA, é,para eles, uma dificuldade crucial, em nosso entender, (pensamos mesmo quetambém para outros europeus) em compreender o pensamento anglo-americano … Deixamos aos estudiosos do puritanismo luterano calvinista e damaçonaria regular teísta, o aprofundar desta questão, dado não ser a nossaárea de estudo e nem termos estatuto de conhecimento sobre as duasmatérias, para além da suspeição que poderíamos criar sobre o princípio dejustiça e de imparcialidade, serem meras convicções pessoais e reservadas àintimidade da nossa vida privada.

3.2.2. Breves notas de uma visão politológica europeia actual sobre opensamento anglo-americano

a) Autonomia associativa e cidadania de inclusão

O Prof. Dr. João Carlos Espada, do Instituto de Estudos Políticos daUniversidade Católica Portuguesa, talvez o principal difusor do pensamento

80

Page 81: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

anglo-americano na vertente da Ciência Política do Reino Unido, cita, de umdiálogo com Isaiah Berlin em Oxford, em que este ao recordar os dissidenteseuropeus dos sécs. XVIII e XIX, quer de esquerda quer de direita, que seexilaram no Reino Unido, o exprimia assim: “Todos eles estavam autorizadosa viver e a exprimir as suas opiniões neste país. A Inglaterra sempre foi umpaís tolerante. Todos eles o reconheciam mas costumavam queixar-se dofacto de os ingleses os não levarem a sério. Ora pergunto-lhe eu agora a sise não será esta, de certa maneira, uma condição da tolerância? Quero dizer,se começarmos a levar tudo e todos terrivelmente a sério, iremos continuara ser capazes de os tolerar da mesma forma que os toleramos quandoadoptamos a atitude de VIVER E DEIXAR VIVER?”. (14)

Para além desta preocupação de cidadania de inclusão, o Prof. Dr.João Carlos Espada associa a qualidade do conceito de liberdade anglo-americana à autonomia associativa. Para isso, cita Michael Oakeshott: “acondição mais geral da nossa liberdade … surge de início numa difusão daautoridade entre o passado, o presente e o futuro” (a evolução correctiva,sem ruptura violenta revolucionária e a “Common Law”) … “Connosco opoder está disperso por toda a variedade de interesses e de interessesorganizados compreendidos na sociedade … Em resumo, consideramo-noslivres porque a nossa sociedade não faculta a ninguém um poder ilimitado– a nenhum dirigente, facção, partido ou classe, a nenhuma maioria, anenhum governo, igreja, corporação, negócio, associação profissional ousindicato”. (14)

O Prof. Dr. João Carlos Espada citando outro autor F. A. Hayek refere: “uma “GROWN ORDER” é uma ordem que cresce ou evolui gradualmente pelainteracção entre os seus elementos constitutivos – indivíduos, famílias,instituições e organizações – mas que não é conduzida pelo desígnio central deninguém, obedecendo apenas a regras gerais e não visando propósitosparticulares (…). Para Hayek, (…) as sociedades livres são “GROWN ORDERS”e associações civis”. (14)

É claro que estas características de autonomia associativa genuína eviva são uma visão honesta e fiável de cidadania de inclusão, são sempreacompanhadas nos EUA de um permanente e crítico pragmatismo (deWilliam James) e que o Prof. João Carlos Espada recorda através dopensamento de Karl Popper: “Só uma acção política fundada no ensaio e noerro pode lidar com a falibilidade e limitação incontornáveis do conhe-cimento humano”. (14)

81

Page 82: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

b) Liberdade de expressão e informação alternativa

Este facto, que é hoje um dado adquirido nas Democracias Ocidentais,está muito bem sintetizado pelo Prof. João Carlos Espada, quando, referindo-se ao pensamento de Karl Popper afirma: (…) “a liberdade da crítica éindispensável para o progresso do conhecimento. É na aceitação ou não daliberdade da crítica que Popper vai fundar a distinção fundamental entresociedade aberta e sociedade fechada”. (14)

O Prof. Dr. Paulo Otero também o invoca, ao citar Thomas Paine e os“direitos intelectuais” como direitos naturais do homem. (15)

O Prof. Dr. Paulo Otero aprofunda mais este conceito, recorrendo aalguém que, embora inglês, é incontornável no pensamento americano,nomeadamente na influência sobre o pragmatismo de William James – JohnStuart Mill que reforça a privacidade e direitos individuais na solidificação deuma sociedade livre:

i) “a) O domínio da consciência, configurando-se a liberdade deconsciência como direito inalienável, abrangendo ainda a liberdade depensamento e de sentimentos, e a liberdade absoluta de opinião;

ii) A liberdade de gostos e interesses, aqui se inserindo a adequação doplano da nossa vida à nossa personalidade;

iii) A liberdade de associação entre indivíduos”. (15)

Aliás também o Prof. João Carlos Espada, citando John Stuart Mill e o seupensamento, afirma que, para aquele pensador anglo-americano, ” … a liber-dade está mais próxima da libertação do poder do que na participação nopoder” (14) (a esta ideia, curiosamente adicionaremos o profundo sentido deprivacidade do provérbio inglês “an Englishman’s home is his castle”).

Voltando ao Prof. Dr. Paulo Otero e à necessidade de informaçãoalternativa, ele exemplifica com o pensamento de Karl Popper com o “plura-lismo crítico: cada teoria, visando a busca da verdade, entra em concurso comas restantes teorias, todas elas procurando a verdade, existindo uma discussãoracional que conduz à eliminação das teorias que menos se aproximam da ver-dade …na procura da verdade, na responsabilidade intelectual e na tolerância”(15) “o caminho da Humanidade é um só, o da sociedade aberta”. (15)

82

Page 83: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

c) Representantes eleitos e eleições livres e frequentes

O Prof. Dr. Adriano Moreira ensina, na forma do poder, a perspectivatridimensional constituída pelos seguintes elementos:

– FORMA (Direito Constitucional);

– SEDE DO PODER;

– IDEOLOGIA (Partidos Políticos, associações, etc.).

“Como a forma do Poder assume expressão principal, num texto legalconsiderado de dignidade superior aos outros, é a ideia de CONSTITUIÇÃO queconstitui o principal problema da forma”. (16)

A forma Constitucional de governação, não apenas anglo-americana masOcidental, é conforme o Prof. Dr. Jorge Miranda a Democracia Representativa“no essencial, resulta da modificação das instituições representativas pelarealização do sufrágio universal, corolário lógico do princípio de legitimidadedemocrática. Mas o sufrágio universal gera fenómenos desconhecidos noséc. XIX; em especial, liga-se ao enorme papel adquirido pelos PartidosPolíticos, a ponto de alguns falarem, então, em Estado de partidos (17), umproblema da corrente de marketing de votos dos Partidos, que já o falecidoDr. Francisco Lucas Pires alertava nas suas lições do Curso de Ciência Políticada Universidade Católica e agora tão discutido pelos politólogos americanos nassuas eleições presidenciais.

A sede do poder, no caso dos EUA é, no entender do Prof. Dr. JorgeMiranda, um sistema Presidencial, assentando na independência recíprocaquanto à subsistência dos titulares, do órgão de poder executivo e do órgão depoder legislativo (17) … a eterna preocupação anglo-americana de dispersão einter-controlo permanente do poder.

O Prof. Dr. Paulo Otero recorda Thomas Paine, o inglês que viveu parteda sua vida nos EUA (1737-1809), começando pelo Direito Constitucional: “ogoverno de um país livre… não está nas pessoas mas nas leis”… Pelo voto, todoo homem “é proprietário do governo” e “uma nação tem sempre um direitoinerente e inalienável de abolir qualquer forma de governo que considereinconveniente e de estabelecer o que estiver de acordo com o seu interesse,disposição e felicidade” (15).

83

Page 84: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

O Prof. Paulo Otero, no mesmo sentido, recorda o parágrafo 2) daDeclaração de Independência dos EUA de 4 de Julho de 1776, nos seguintesprincípios:

– “4.º – Os governos são instituídos para assegurar os direitosinalienáveis do homem e o seu poder resulta do consentimento dosgovernados;

– 5.º – Sempre que um governo desrespeita tais propósitos, o povo tem odireito de em situações extremas, alterar ou abolir esse governo e instituirum novo governo segundo um modelo organizativo que lhe pareça maisadequado para promover a sua segurança e felicidade”. (15)

É aqui manifesta a influência de John Locke e do seu pensamentofilosófico político de cedência e de consentimento do direito do governado, paraa evolução do estado primitivo da natureza para a organização política mas semnunca perder a noção que o direito cedido é propriedade pessoal.

Quanto à precaução constante e da desconfiança do poder centralizadoe despótico, o Prof. Dr. Carlos Espada cita James Madison numa passagem dosFederalistas:

“Se os homens fossem anjos, os governos não seriam necessários. Se osanjos governassem os homens, não seriam necessários nem controlos externosnem internos sobre os governos. Ao desenhar um governo que seráadministrado por homens sobre homens, a primeira dificuldade reside aqui:primeiro, é preciso capacitar o governo a controlar os governados; a seguir, épreciso obrigá-lo a controlar-se a si próprio. Uma dependência do povo é, semdúvida, o controlo primário sobre o governo mas a experiência mostrou àhumanidade a necessidade de precauções adicionais”. (14)

Finalizamos, lembrando uma frase do grande rei D. João II, o PríncipePerfeito: “há tempos de pomba e tempos de falcão”. Os actuais perigos donarcoterrorismo jihadista islamita global, do narcotráfico do crime transnacionalorganizado (e o risco da proliferação de armas de destruição maciça) podemlevar, por razoável sobrevivência e princípio da proporcionalidade, anecessidades da Segurança Nacional dos Estados Democráticos enveredarempara “O modelo orwelliano da sociedade: a prevalência do valor da segurança”,(15) nas palavras do Prof. Dr. Paulo Otero, mas, tal como “o bastão e acenoura” da Psicologia, devemos permanentemente publicitar o Ocidente e osvalores greco-latinos e judaico-cristãos e a Declaração Universal dos Direitos doHomem, de há 60 anos, em simultâneo.

84

Page 85: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

3. DOUTRINA POLITOLÓGICA ANGLO-AMERICANA

(1) ZAKARIA, FAREED, Is America in Decline? Why the United States willsurvive the rise of the rest. Foreign Affairs, New York, pp. 18-43, May-June 2008

(2) De TOQUEVILLE, ALEXIS. Da Democracia na América. Lisboa: 1.ª Edição,Relógio d’Água Editores, 2008

(3) OBAMA, BARACK, Renewing American Leadership. Foreign Affairs, NewYork, pp. 2-16, July-August 2007

(4) CLINTON, HILLARY RODHAM, Security and Oppurtunity for the TwentyFirst Century. Foreign Affairs, New York, pp.2-18, November-December2007

(5) LOCKE, JOHN, Essai sur l’entendement human – livres I, II, III, IV – Biblio-théque des textes philosophiques. Sorbonne – Paris. Ed. LibrairiePhilosophique J. Vrin, 2001

(6) LOCKE, JOHN, Segundo Tratado do Governo – Ensaio sobre a verdadeiraorigem, alcance e finalidade do governo civil. Serviço de Educação eBolsas – Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa. 2007

(7) JAMES, WILLIAM, Pragmatismo (e outros ensaios). S. Paulo. EditoraMartim Claret, 2005

(8) MILL, JOHN STUART, Sobre a Liberdade. Lisboa. Edições 70, Lda. 2006

(9) SHAPIRO, Y ROBERT, The Meaning of American Democracy. New York – USA.Ed. The Academy of Political Science, 2005

(10) BROOKS, STEPHEN G.; WOHLFORTH, WILLIAM C.. Reshaping the WorldOrder. How Washington should Reform International Institutions. ForeignAffairs, New York, pp. 49-63, March-April 2009

(11) FETTWELS, CHISTOPHER J., Credibility and the War on Terror in TheFuture of U.S. Foreign Policy. New York USA. The Academy of PoliticalScience 2008

(12) MARGALHO CARRILHO, J., A Espiritualidade no Tratamento dasDependências – I Parte. Pela Lei e Pela Grei – Revista da GNR. Lisboa,pp. 56-64, Ano XVIII, N.º 71, Jul.-Set. 2006

85

Page 86: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

(13) MARGALHO CARRILHO, J., A Espiritualidade no Tratamento dasDependências – II Parte. Pela Lei e Pela Grei - Revista da GNR. Lisboa,pp. 44-50, Ano XVIII, N.º 72, Out.-Dez. 2006

(14) ESPADA, JOÃO CARLOS. A Tradição Anglo-Americana de Liberdade – UmOlhar Europeu. Cascais. Principia Editora. Lda. 2008

(15) OTERO, PAULO. Instituições Políticas e Constitucionais. Volume I, Coim-bra. Edições Almedina, S.A. 2007

(16) MOREIRA, ADRIANO. Ciência Política. Coimbra. Edições Almedina, S.A.2006

(17) MIRANDA, JORGE, Ciência Política Formas de Governo. Rio de Mouro:Pedro Ferreira Editora, 1996

(*) Ordenamento académico das 500 e 200 melhores Universidades do mundo,respectivamente da:

A) Shangai Jiao Tong University (Rep. Popular da China. 2008)

1 - Universidade de Harvard (EUA)2 - Universidade de Stanford (EUA)3 - Universidade de Berkeley-California (EUA)4 - Universidade de Cambridge (R.U)5 - Instituto de Tecnologia de Massachussetts (EUA)6 - Instituto de Tecnologia da California (EUA)7 - Universidade de Columbia (EUA)8 - Universidade de Princeton (EUA)9 - Universidade de Chicago (EUA)

10 - Universidade de Oxford (R.U)

B) Times Higher Education (2009)

1 - Universidade de Harvard (EUA)2 - Universidade de Yale (EUA)3 - Universidade de Cambridge (R.U)4 - Universidade de Oxford (R.U.)5 - Instituto Tecnol. California (EUA)6 - Colégio Imperial de Londres (R.U.)7 - Colégio Universitário de Londres (R.U.)8 - Universidade de Chicago (EUA) 9 - Instituto de Tecnologia de Massachussetts (EUA)

10 - Universidade de Columbia (EUA)

86

Page 87: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

4. Discussão

4.1. O conceito de Segurança Nacional dos EUA

Naturalmente que, se a nossa área de estudo desde há 28 anos (1981--2009), tem sido as substâncias psicotrópicas e estupefacientes psicoactivasrecreativas no Cérebro Humano e nas Organizações Laborais militares (ousimilares), a nossa hierarquização de prioridades estratégicas é efectuadanessa perspectiva e enferma dessa convicção. Nunca aconteceu tudo nopassado, conforme afirma Karl Popper e, parafraseando Samuel Huntington, noChoque das Civilizações, são bem vindos paradigmas realmente alternativos,desde que com idêntica sustentação científica experimental empirista epragmática.

A cooperação multilateral, ao nível de Seguranças Nacionais parafortalecer os Estados fracos ou reconstruir os Estados falhados, comprogressivo suporte legislativo de Direito Constitucional, deve anteceder asrestantes componentes de Estado democrático, pois, na nossa perspectiva, semSegurança Nacional, nem sequer há Estado de Direito, investigação criminal,poder judicial, parlamento e governo representativo de eleições justas perió-dicas, etc.

A experiência da diplomacia portuguesa, comunidade portuguesa de“intelligence” e a cooperação militar e de segurança interna em Timor Leste ena Guiné-Bissau (sem narcotráfico e com narcotráfico, respectivamente),poderão ser o teste de realidade experimental portuguesa e de lusofonia ànossa perspectiva pessoal, no caso de a confirmar ou desacreditar, comparadigma alternativo, tal como o supracitado desafio do Prof. Doutor SamuelHuntington no Choque das Civilizações.

O Procurador – Geral, Eric Holder Jr., da nova Administração doPresidente Barack Obama afirmou, recentemente, aos órgãos de comunicaçãosocial, a propósito dos assassinatos em massa no vizinho México por tráfico dedrogas, que “o narcotráfico é um problema de Segurança Nacional” dos EUA.Assim, iremos fazer uma breve síntese doutrinária do conceito de SegurançaNacional dos EUA, antes de definir os conceitos de Segurança Nacional e DefesaNacional de Portugal (até porque o paradigma de “Guerra às Drogas” doPresidente dos EUA Richard Nixon é americano).

87

Page 88: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A definição de Segurança Nacional dos EUA é: (1) “a capacidade deinstituições nacionais actuarem preventivamente em relação a adversários quepossam usar a força e provocar danos em Americanos ou nos seus interessesnacionais e a confiança dos Americanos nessa capacidade”.

Existem duas dimensões nesta definição: Física e Psicológica

Física: Trata-se de um objectivo baseado na medida da força e dacapacidade militares da nação, para alterar as hipóteses de sucesso dosadversários, incluindo iniciar a Guerra se necessário. Esta dimensão tambéminclui uma maior proeminência no papel da “intelligence”, economia e outrosparâmetros não militares, assim como a habilidade de as usar a um nívelpolítico-militar nas relações externas com os outros Estados. (1)

Psicológica: É uma dimensão subjectiva, reflectindo a opinião e atitudesdos Americanos nas capacidades da Nação se manter em segurança emrelação ao mundo externo. Esta componente afecta a vontade e firmeza dosesforços que dão suporte ao governo para atingir os objectivos de SegurançaNacional.

A Segurança Nacional tem que ser fundamentalmente analisada numcontexto de política de Negócios Estrangeiros e diplomacia na sua estruturamultidimensional (nomeadamente instrumentos psicológicos e económicos),através de compromissos e negociações com os outros Estados, de forma aaumentar internacionalmente as condições favoráveis aos interessesamericanos. (1)

O conceito de Segurança Nacional dos EUA tem vindo a evoluir parauma forma cada vez mais complexa (tal como para a relação que sepretende cada vez mais estreita entre as duas componentes de SegurançaNacional – Defesa Nacional e Segurança Interna). Longe vão os tempos doisolamento dos EUA, antes da 2.ª Guerra Mundial, não participando na Ligadas Nações e com a satisfação plena de manter dentro das suas fronteiras a“american way of life” …

A necessidade de exportar valores americanos como Democracia, Direitosdo Homem (especialmente do género feminino e de igualdade de etnias ecrenças religiosas), liberdade, igualdade de oportunidades e livre iniciativaindividual, etc., são hoje vitais para a sobrevivência da Segurança Nacional dosEUA.

88

Page 89: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A política pública de Segurança Nacional dos EUA deve concentrar-se,prioritariamente, em formular e implementar uma estratégia nacional em que,embora esteja presente o potencial uso da força para criar um ambientefavorável aos interesses nacionais dos EUA, não sejam descuradas as sançõeseconómicas, embargos nas exportações agrícolas a adversários ou potenciaisadversários, redução das fontes estrangeiras de necessidades petrolíferas,segurança das fronteiras e limitação na exportação de produtos de tecnologiaavançada industrial. (1)

Expomos, de seguida, um quadro que demonstra que, em tempos decrise, a ponte entre políticas de Negócios Estrangeiros e SegurançaNacional é mínima ou virtualmente não existente. No séc. XXI, torna-sedifícil a separação entre as duas dado estarem interligadas naoperacionalização de missões de imposição e/ou manutenção de paz, criseshumanitárias, missões de operações especiais de “intelligence” ou daguerra convencional, ao nível internacional, especialmente no que respeitaao combate ao terrorismo global (narcotráfico), proliferação de armas dedestruição maciça e crime organizado (narcotráfico) ou guerrilhas(narcotráfico).

A actualidade internacional é imprevisível, incerta e confusa, pelo que,citando Sun Tzu, “quase todos os assuntos são de interesse para a SegurançaNacional” (dos EUA). (1)

O interesse nacional dos EUA, como já referimos, é promover osvalores e objectivos americanos no exterior. Mas esta promoção necessita deprotecção dos mesmos, que só pode ser obtida estabelecendo e implantandopolíticas de Segurança Nacional eficazes. Por outro lado, todos os Estados ouregiões que pratiquem os valores americanos, ao necessitarem de protecçãodos EUA, são objecto do interesse e da Segurança Nacional dos EUA, peloque estes necessitam de aumentar ainda mais o seu poder de projecção deforça à distância. (1)

O Presidente dos EUA é o centro vital de definição e de articulação dosinteresses nacionais dos EUA que podem ser “sérios, críticos ou vitais” (sónestes últimos entram o poder militar e a conexão total da comunidade de“intelligence”), cabendo-lhe, como Comandante-chefe das Forças Armadas echefe máximo da diplomacia dos EUA, tornar patente ao mundo qual avontade nacional do povo americano. (1)

89

Page 90: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Embora já tenhamos abordado, de forma extensa, no Capítulo 3, aauto-percepção do pensamento anglo-americano (que frequentemente nãocoincide com a visão que os Europeus têm como observadores externos), mas

90

Figura 1.1

National Security and Foreign Policy

Page 91: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

até para cruzar com a confirmação por outros autores, que temos estado acitar, “os valores dos EUA são baseados nos requisitos filosóficos, legais emorais que constituem as fundações para a continuação do sistema americano”… mesmo “os valores modernos dos EUA derivam de uma herança judaico-cristã,o legado Anglo-saxónico (incluindo a Reforma, o Renascimento, as filosofias deJ. Locke e Jean-Jacques Rousseau, entre outros, e os princípios que nortearama Revolução Americana), a Declaração de Independência e a Constituição” (1).“Os valores dos EUA cresceram a partir de uma herança judaico-cristã queprecedeu a independência republicana no séc. XVII. Para muitos americanos,isso implica uma especial sensibilidade para o humanismo, para situações decrise deploráveis e estado de dignidade dos indivíduos e uma constante buscade uma orientação divina; para esses americanos é isso que é próprio e justo,antes mesmo da definição legal de governação” (1). Esta visão puritana depovo eleito teve a sua expressão recente prática na reconstrução da Europa, nopós-guerra, com o Plano Marshall ou na defesa da Democracia Representativa,durante a Guerra Fria.

A eleição do Presidente Barack Obama e a nomeação da Secretária deEstado Hillary Rodham Clinton fazem recordar as palavras, em 1943, doPresidente Franklin D. Roosevelt: “O Americanismo é uma questão de coraçãoe estado de espírito; Americanismo não é uma questão de raça ou etnia”(acrescentamos de género, de que são exemplos recentes Madeleine Albright,Condoleeza Rice e agora Hillary Clinton dos Partidos Democrata eRepublicano).

Finalmente, para não nos tornarmos exaustivos no estudo da SegurançaNacional dos EUA, que não é o objecto final deste ensaio, existem quatroaglomerados de tradicional poder na estrutura de Comando dos EUA e cujoequilíbrio de poderes varia com as preferências e estilo de liderança doPresidente:

1. A tríade política, que consiste no Secretário de Estado, Secretário daDefesa e Conselheiro de Segurança Nacional;

2. O Director Nacional de “Intelligence” e o Chefe do Estado MaiorGeneral das Forças Armadas;

3. Conselheiros de confiança da Casa Branca do Presidente, como oChefe do “staff” da Casa Branca e conselheiro do Presidente;

4. Secretário da Segurança Interna. (1)

91

Page 92: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Figura 1.2

Policy Power Clusters and the National Security System

92

Note: a. Objects of national security policy and imputs into national security policy.

4.2. O conceito de Segurança Nacional de Portugal

4.2.1. O Direito Constitucional – CRP (2)

1. DEFESA NACIONAL (art. 273):

a) É obrigação do Estado assegurar a Defesa Nacional;

b) A Defesa Nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordemconstitucional, das instituições democráticas e das convençõesinternacionais, a independência nacional, a integridade do território ea liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressãoou ameaça externas;

Page 93: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

2. PRESIDENTE DA REPÚBLICA

(…) é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas(art.º 120) (2)

3. CONSELHO SUPERIOR DE DEFESA NACIONAL (art. 274.º) (2)

a) O Conselho Superior de Defesa Nacional é presidido pelo Presidenteda República e tem a composição que a lei determinar, a qual incluirámembros eleitos pela Assembleia da República;

b) O Conselho Superior de Defesa Nacional é o órgão específico deconsulta para os assuntos relativos à Defesa Nacional e à organização,funcionamento e disciplina das Forças Armadas, podendo dispor decompetência administrativa que lhe for atribuída por lei.

4. FORÇAS ARMADAS (art.º 275) (2):

a) Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República;

b) As Forças Armadas compõe-se exclusivamente de cidadãos portuguesese a sua organização é única para todo o território nacional;

c) As Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes,nos termos da Constituição e da lei;

d) As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigo-rosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-seda sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquerintervenção política;

e) Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os com-promissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e par-ticipar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organiza-ções internacionais de que Portugal faça parte;

f) As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, decolaborar em missões de protecção civil, em tarefas relacionadas coma satisfação, e em acções de cooperação técnico-militar no âmbito dapolítica internacional de cooperação;

g) As leis que regulam o estado de sítio e o estado de emergência fixamas condições de emprego das Forças Armadas quando se verifiquemessas situações.

93

Page 94: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

5. SEGURANÇA INTERNA – POLÍCIA (art.º 272) (2)

a) A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantira segurança interna e os direitos dos cidadãos

b) As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo serutilizadas para além do estritamente necessário

c) A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a Segurança doEstado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobrepolícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias doscidadãos

d) A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização decada uma delas única para todo o território nacional

4.2.2. Um conceito de Segurança Nacional – Instituto de Defesa Nacional (3)

1. (1979) “… a condição do Estado que se traduz pela permanentegarantia da sua sobrevivência em paz e liberdade, assegurando asoberania, a independência e unidade, a integridade do território, asalvaguarda colectiva de pessoas e bens e dos valores espirituais, odesenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de acçãopolítica dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento dasinstituições democráticas”. (3)

2. Evoluindo no conceito o IDN posteriormente definiu SegurançaNacional: “Situação que garante a unidade, a soberania e aindependência da Nação; a unidade do Estado e o desenvolvimentonormal das suas tarefas; a liberdade de acção política dos órgãos desoberania e o regular funcionamento das instituições democráticas noquadro Constitucional”. (3)

Como vemos, comparativamente entre os EUA e Portugal, o conceito deSegurança Nacional nada inclui no caso português, da parte não classificada doConceito Estratégico de Defesa Nacional, nem mesmo no Direito Constitucionalse vislumbram objectivos estratégicos do interesse nacional que importa pre-servar. A cultura “espiritual” de opção por potência marítima (?) de lusofonia,etc., também desaparece na evolução do conceito de Segurança Nacional peloIDN. Apenas resta que, no caso das Forças Armadas, está Constitucionalmenteprevista a cooperação técnico-militar (que não nas Forças de Segurança,

94

Page 95: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

embora como é do conhecimento público exista quotidianamente e tal factoseja positivo, mas deveria estar consagrado na Constituição).

Assim, o conceito de Segurança Nacional português nada tem, compa-rativamente ao dos EUA, de doutrinário e estratégico de interesses vitaisnacionais, sendo meramente funcional administrativo, mesmo na CRP. (2)

Felizmente, o Estado-Maior da Armada, em 1976, e, posteriormente, oCEMGFA e CCEM’s, em 1988, com o “PROJECTO VENCER” e o “Programa dasFA’s” respectivamente, foram visionários ao perceber que o narcotráfico e adifusão de psicotrópicos e estupefacientes recreativos eram, conforme aConstituição “uma agressão ou ameaça externa” à Defesa Nacional e “àliberdade e segurança das populações”, especificamente a população castrense(segurança militar e prontidão, bem como segurança e saúde ocupacionais).

Este sucesso das políticas públicas navais e militares portuguesas,passados 33 anos do “Projecto Vencer”, na Marinha, e 21 anos no Programadas FA’s (4), obriga-nos a abordar, na nossa perspectiva politológicainstitucional, a relação entre os militares e o decisor político, sobre a SegurançaNacional, recorrendo a um clássico do Prof. Doutor Samuel Huntington, falecidorecentemente, de quem não escondemos a profunda admiração como mestrede Ciência Política de Harvard – “O Soldado e o Estado”.

A nova realidade complexa de narcotráfico e crime organizado no “MarPortuguês”, a partir de África Ocidental, envolvendo Estados da CPLP, como aGuiné-Bissau e Cabo Verde (principalmente de Cocaína para a Europa), oterrorismo global especialmente islamita jihadista e que, do território dosEstados islâmicos moderados do Magrebe, rapidamente se pode aliar, parafinanciamento, àquelas rotas de narcotráfico marítimas, podendo, oportunis-tamente, passar pela degradação da soberania no Mar a operações de empe-nhamento agressivo como no Índico (curiosamente nos anos 90 descritas eafirmadas como ambição da “Armada” pela Al Qaeda), pelos piratas daSomália… tudo isto deve levar o decisor político a repensar a dimensão quedeve ter a projecção de forças navais da Marinha Portuguesa, na protecção dosnossos interesses vitais nacionais (Segurança Nacional).

Citando S. Exa. o Almirante CEMA Fernando Melo Gomes, em entrevistarecente aos órgãos de comunicação social: “mesmo em contra-ciclo económico,uma Marinha não se improvisa, nem se constrói de um dia para o outro;planifica-se em médio – longo prazo e o terrorismo, crime organizado epirataria têm objectivos e estratégia inteligentes … Um Estado exíguo, de meios

95

Page 96: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

navais dissuasores, rapidamente passa a estado fraco ou falhado … O vazio depoder naval é sempre ocupado”.

Quanto ao “santo salvador” da União Europeia, apenas recordamos (atépor visita pessoal a New Orleans) que não é por a Louisiana ser um Estado daUnião (EUA), há 200 anos, que deixa de ter um índice de pobreza elevado e umPIB inferior a alguns dos países da América Central e do Sul … a “DefesaNacional Federal” não existe no Tratado de Lisboa!

4.3. A Segurança Nacional e os Militares

Já afirmámos, anteriormente, um princípio básico, na nossa perspectiva,de que a primeira prioridade no Estado-Nação deverá ser a sua SegurançaNacional, pois, sem esta, todas as outras estruturas de um Estado de Direitopoderão nem sequer existir ou sobreviver (Governação, Parlamento, PoderJudicial, investigação criminal, etc.).

Qualquer elite política eleita e governante, não deve esquecer esteprincípio a todos os níveis, inclusive a dignidade económico-financeira deSolidariedade e Segurança Social, das famílias dos militares e forças de segu-rança. Historicamente, politologicamente, o conceito de Segurança Social epensão de invalidez surge na Grécia e Roma da Antiguidade Clássica “aosinválidos de guerra” … “legionários do império”. (5)

Mas, conforme aprendemos nas duas formações profissionais efectuadasna “US Navy”, em 1985, na então base aeronaval de Miramar e, em 1998, nos“Marine Corps” na Base de Fuzileiros Navais de Camp Pedleton (S. Diego), comum oficial americano: “os militares servem para defender a Democracia, nãopara a exercer”. Por isso, tão importante em Ciência Política das Democra-cias Representativas a relação entre Civis e Militares, ao nível da SegurançaNacional, que iremos sumariamente expor a partir do pensamento institucionalque nos é favorito, do falecido Prof. Dr. Samuel Huntington, de Ciência Política,da Universidade de Harvard (havendo pensadores alternativos mas com osquais não nos identificamos).

Curiosamente, em 1957, o Prof. Huntington, nas relações executivasentre civis e militares, critica, nos três modelos que expõe (“modeloequilibrado”, “esquema coordenado” e “modelo vertical”), em que o primeiro émais próximo da legalidade Constitucional portuguesa e os dois últimos maispróximos da legalidade Constitucional dos EUA, que, no conceito de Segurança

96

Page 97: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Nacional, já expusemos previamente, em termos da actualidade (1), critica,repetimos, o modelo americano em favor do modelo português – “modeloequilibrado”.

Por rigor, vamos citar, portanto, de Huntington, o modelo equilibrado”(6): este “atribui ao Presidente da República uma função puramente política –a decisão em questões políticas de alto nível e a supervisão geral da condiçãomilitar. Depois dele vem o Ministro da Defesa, também uma figura meramentepolítica, responsável por toda a organização militar. Abaixo do Ministro, ahierarquia divide-se em componentes militares e administrativos.” “O militarprofissional de posto mais elevado é o principal conselheiro militar do Ministroe, normalmente, tem o Comando das Forças Armadas.” “O Chefe Militar ésubordinado ao Ministro que, por sua vez, se subordina ao Presidente daRepública, porém nenhum dos dois civis exerce Comando militar (detido apenaspelo Chefe Militar) ”. (6)

Também subordinados ao Ministro da Defesa estão os funcionáriosadministrativos (civis ou militares) que dirigem as actividades não militareslogísticas e financeiras do Ministério”. (6)

“Este modelo equilibrado de organização tende a maximizar oprofissionalismo militar e o controlo civil”. (6)

“O Presidente da República e o Ministro da Defesa tratam das questõespolíticas, o Chefe Militar trata dos assuntos militares e os Chefes de Estado-Maiordos Ramos tratam da Administração. O alcance de autoridade do Chefe Militarprofissional limita-se à órbita militar por intermédio dos Estados-Maiores – Depar-tamentos administrativos e o nível de sua autoridade, subordinado ao Ministro,não o envolve em decisões políticas”. (6) “Interesses administrativos e militaressão ponderados pelo Ministro sob autoridade do Presidente da República”. (6)

Quando se fala de “profissionalismo” e ética militar é bom, paracompreender os conceitos acima expostos, ter em atenção as definições doProf. Samuel Huntington que sumariamente reproduzimos:

“A função militar é desempenhada por um técnico de profissão públicaburocratizada, especialista na administração da violência e responsável pelaSegurança Militar do Estado” …”a mentalidade militar é disciplinada, rígida,lógica e científica e portanto não é flexível, tolerante, intuitiva, nem emocional”daí a tentativa de etiquetar depreciativamente por alguns civis que os militaressão propensos à “belicosidade e autoritarismo”. (6)

97

Page 98: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Continuando a citar Huntington é bom não esquecer: “A existência daprofissão militar pressupõe interesses humanos em conflito e o emprego daviolência para defender esses interesses … a responsabilidade da profissãomilitar é fortalecer a Segurança Militar do Estado”. (6)

Por isso, a visão militar profissional deriva de um grupo de responsa-bilidades:

“1) Considerar o Estado-Nação como a unidade básica de organizaçãopolítica;

2) Salientar a natureza contínua das ameaças à Segurança Militar doEstado, bem como a contínua probabilidade de guerra;

3) Enfatizar a magnitude e a eminência das ameaças à Segurança;

4) Favorecer a manutenção de Forças Armadas fortes, diversificadas eem prontidão;

5) Opor-se a extensos compromissos e envolvimentos básicos doEstado, a não ser que a vitória esteja garantida … as causas daguerra são sempre políticas “mas cabe ao militar ser profissional-mente capaz de calcular o poder de combate de outro Estado”. (6)

Desta última alínea, conforme já em 1957 Huntington profetizava: “A preo-cupação dos militares com os perigos à Segurança Nacional leva-os a insistir naexpansão e no fortalecimento das Forças Armadas existentes para garantir aSegurança do Estado. A manifestação comum disso é a solicitação constantedos militares de maior dotação orçamental a partir do Orçamento Geral doEstado … o que os militares querem é força na realidade e não promessas destalatentes … desejam forças capazes de enfrentar praticamente todas as contin-gências possíveis.”. (6)

Mas, também já em 1957, Huntington falava do conceito de “GUERRAPREVENTIVA” que foi tão caro à Administração de George Bush, após o 11 deSetembro: …”o militar, por regra, opõe-se à acção precipitada, agressiva e bélica.Se a guerra com uma determinada potência é inevitável previsivelmente nofuturo, com poucas hipóteses de sucesso, o militar pode mostrar-se favorável auma GUERRA PREVENTIVA, a fim de salvaguardar a Segurança Nacional”. (6)

Quanto ao conceito de Huntington de ética militar, caracteriza-abasicamente por um “espírito corporativo, fundamentalmente anti-individualista…em que a lealdade e a obediência são as virtudes militares mais altas”. (6)

98

Page 99: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Finalizando esta nossa perspectiva e opção pessoal como fonte, do Prof.D. Samuel Huntington sobre Segurança Nacional e os Militares, vamos sórecordar as suas palavras sobre a responsabilidade tripla militar perante oEstado:

“1) FUNÇÃO REPRESENTATIVA – informar permanentemente daSegurança Militar na hierarquia do Estado o decisor político; (6)

2) FUNÇÃO CONSULTIVA – analisar e informar as implicações das linhasde acção alternativas do Estado, sob a óptica castrense, o decisorpolítico”; (6)

3) FUNÇÃO EXECUTIVA – traçados os objectivos pelo decisor político edados os meios, por esse decisor, através do financiamento docontribuinte e eleitor (mesmo que intimamente discordando), cabeao militar executar a decisão violenta soberana do Estado, ordenadapelo decisor politicamente eleito pelo povo.

4.4. O Processo de Imposição Externa da Democracia Ocidental (pelo“Hard Power” Forças Armadas e Similares), Estados Árabes, Narco-Estados e oTerrorismo Islamita Jihadista

“Quando se trata da questão de podermos ver, de facto, extremistasserem eleitos (ex. vitória eleitoral do Hamas na Palestina), eu acho que têm deperguntar a vocês mesmos se estão melhor numa situação em que extremistas,islamitas e outros se podem esconder atrás das suas máscaras e actuarem àmargem do sistema político, ou se preferem ter um sistema político aberto noqual as pessoas tenham que responder de facto pela vontade do povo”. – Condo-leeza Rice, ex-Conselheira de Segurança Nacional dos EUA.

Este raciocínio é bem conhecido nosso, dos portugueses, pois foi omesmo que o falecido “Major Melo Antunes” fez como Conselheiro daRevolução, após a vitória da ala democrática do MFA, a seguir ao confronto do25 de Novembro de 1975, quando impediu a ilegalização (e passagem àclandestinidade) da extrema-esquerda portuguesa, que os mais conservadoresexigiam então …

Apenas há dois problemas diferentes em relação ao raciocíniodemocrático comum de Condoleeza Rice nos EUA recente e do “Major MeloAntunes”, de 1975, a nosso ver, e são:

99

Page 100: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

1. Sociologicamente, a maioria dos Estados Árabes não está na fasecivilizacional de desenvolvimento da civilização Ocidental greco-latinae judaico-cristã … Basta uma visita turística de 600 km a um Estadoárabe moderado e ocidentalizado aqui ao lado, Marrocos e a cidade deMarraquexe, como melhor exemplo…

2. Por outro lado, a força e firmeza conviccional de combate do terroristaislamita jihadista, nas suas características de euforia e entusiasmodescontrolados e irresponsáveis (na visão de legalidade e direitoshumanos ocidentais), amor à violência, aventura e glória desantificação, fazem-nos lembrar, como estudante, há mais de 28 anos,do Cérebro Humano (e toxicologia) que, nos “estados limite”, a parteprimitiva emocional (Sistema Límbico) sobrepõe-se à parte racional docérebro humano (Córtex Cerebral). É por isso que nos “estados limite”falham as campanhas racionais objectivas científicas antitabágicas nosdependentes de nicotina, ou o uso de preservativo para um sexoseguro na segurança da SIDA, etc., etc.

O resto, no treino do terrorista é o enquadramento de treino regularoperacional, mas também “pensamento estratégico alinhado com cálculo custo-benefício” (7). Este treino, numa lógica de ataque do fraco ao forte, pareceincluir graus de empenhamento, inclusive, paragem transitória da jihad ecomportamento externo aparentemente normalizado para a “real politik” (7).O custo e o elevado risco, com a dor da espera emocional, que tal comportapara o indivíduo terrorista, são enquadrados na tranquilidade que é umaprovação vinda do divino, para mais tarde atingir o reconhecimento e dádivasde Alá e Maomé, o Paraíso Corânico.

O recrutamento e selecção dos indivíduos nas madrassas, mesmo emterritório ocidental (ou nos países islâmicos), até em acções sociais de saúde,lares, caridade, etc. geridas pelos extremistas, obedece primeiro a vários grausde aperfeiçoamento, controlados qualitativamente por uma elite restrita (7). Nafase mais básica, treino religioso intensivo, manifestações públicas de defesados ideais extremistas, perante a comunidade moderada e afastamento dosamigos não alinhados deste; tudo são provas que vão ou não aperfeiçoando aselecção para a ascensão. A carga horária das actividades, na vida quotidiana,também vai aumentando e medidas disciplinares para o seu não cumprimento(aumento por exemplo do financiamento, cedido dos seus próprios salários), da

100

Page 101: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

formação segundo a interpretação extremista do Corão à exposição, com efeitode choque, de fotografias e filmes de irmãos muçulmanos mutilados ou mortosno Iraque, Palestina, Caxemira, etc. (7) Tudo vai evoluindo numa memóriabiológica emocional do cérebro do candidato a terrorista islamista jihadista …legitimando ao nível cerebral racional a jihad, como defesa dos impuros, nãocrentes e suas agressões objectivas.

Chegados a este nível de crença e de “anestesia” ao risco, o Estado dedireito e o seu poder judicial, bem como autoridades policiais, são apenasnão crentes impuros, cujo combate de morte está legitimado (é como oefeito de alucinogéneos no cérebro humano, simplificando e metaforizando)… Agora, é chegada a fase de elite alcançada e o recruta parte para treinomilitar em campos apropriados se necessário … a reedificação do grandeCalifado na terra, por acção militar e o alcance do Paraíso garantido, caso amorte se verifique. (7)

Não nos alongaremos mais nesta área, não tanto da politologia e “Guerraàs Drogas”, mas mais adequada aos estudiosos da Psiquiatria/Psicologia emNeurociências e Comportamento, dos serviços de “Intelligence” e da Sociologiadas Comunidades Árabes islâmicas … mas conhecer o “inimigo” é básico paraperceber a reflexão que iremos efectuar de seguida sobre o Título destecapítulo:

O Processo de Imposição Externa da Democracia Ocidental (pelo“Hard Power”, Forças Armadas e Similares), Estados Árabes, Narco-Estados e o Terrorismo Islamita Jihadista.

A colaboração das elites, quer das Universidades, quer dos “think tanks”dos países árabes moderados e das comunidades árabes moderadas emterritórios ocidentais, para resolver este problema, que nasceu no seio e nocontexto da sua crença religiosa, não deve ser menosprezado, na abordagemmulti-factorial (em que as operações especiais de “intelligence” contra osnúcleos de elites terroristas irão ser mais decisivas, que o poder militarconvencional, na nossa modesta opinião, no imediato).

Para a questão de imposição externa da Democracia, vamos rever,inevitavelmente, uma das últimas obras em vida do Prof. Doutor SamuelHuntington e o agora popular editor da “Newsweek International” e doprograma da CNN, Fareed Zakaria ”(GPS)”.

101

Page 102: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

4.4.1. O erro do pensamento estratégico imediato do idealismoamericano de imposição da democracia a partir do exterior

Num contexto de pensamento civilizacional greco-latino e judaico-cristão não existem dúvidas que Estados-Nação, com DemocraciasRepresentativas sólidas, se tornam menos perigosas para a SegurançaInternacional … mas não é essa a realidade pragmática com que estamosconfrontados, nós do Ocidente …

O Prof. S. Huntington divide em três fases históricas as “ondas” dedemocratização dos Estados, com avanços e recuos: (8)

Iniciada na América até ao fim da I Guerra Mundial -> 30 Estadosdemocráticos; (8)

A derrota das potências do Eixo na II Guerra Mundial e a descolonização(8) essencialmente pelas potências europeias -> 1960 cerca de 36 Estadosdemocráticos

Adicionalmente, entre 1974 e 1990, mais de trinta países no sul daEuropa, América Latina, Leste da Ásia e da Europa mudaram de sistemasautoritários para sistemas democráticos de governo; (8)

Independentemente dos sistemas democráticos constitucionais(presidenciais, parlamentares, mistos Gaulistas, bipartidários, multipartidários)todos têm em comum as eleições livres, frequentes, rigorosas, comrepresentantes eleitos periodicamente, liberdade de expressão e informaçãoalternativa, nalguns casos com máxima inclusão de cidadãos eleitores.

Na terceira vaga de democratização, as Democracias Representativassurgiram de três antecedentes diferentes: (8)

– Sistemas de Partido único (bloco soviético, Taiwan e México);

– Ditaduras militares (América Latina, Grécia, Turquia, Paquistão, Nigériae Coreia do Sul);

– Ditaduras pessoais (Portugal - António Salazar/Marcelo Caetano,Espanha – Francisco Franco, Filipinas – Ferdinand Marcos, União Indiana– Indira Ghandi, Roménia – Nicolau Ceausescu, Chile – AugustoPinochet, que neste caso se iniciou com uma ditadura militar directorial).

Para compreensão de equivalência conceptual entre os principais teóricosde Ciência Política, o próprio Prof. S. Huntington propõe a seguinte tabela deequivalência: (8)

102

Page 103: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

De seguida, o Prof. Samuel Huntington exemplifica a sua terceira vaga depassagem de regimes autoritários para processos de liberalização/demo-cratização entre 1974-1990: (8)

103

Samuel P. HUNTINGTON

(1) Transformação(2) Substituição(3) Troca substitutiva

Processos-Tipo

Transformação

16

Troca substitutiva

11

Substituição

6

IntervençãoExterna

2

TOTAIS: 35

PartidoÚnico

Taiwan (*)México (*)URSS (*)HungriaBulgária

5

PolóniaRepública Checae EslovacaNicaráguaMongólia

4

Alemanha deLeste

1

Granada

1

11

DitaduraPessoal

EspanhaUnião IndianaChile

3

Nepal (*)

1

PortugalFilipinasRoménia

3

7

DitaduraMilitar

TurquiaBrasilPeruEquadorGuatemalaPaquistãoNigéria (**)Sudão (**)

8

UruguaiBolíviaHondurasS. SalvadorCoreia

5

GréciaArgentina

2

Panamá (*)

1

16

OligarquiaRacial

África do Sul

1

1

Juan J. LINZ

= Reforma = Ruptura= ?

Donald SHARE/ScottMAINNARING

= Transacção= Esgotamento / Colapso= Libertação

Regimes Anteriores

(*) Liberalizou mas não democratizou totalmente em 1990. (**) O processo inverteu-se pararegime autoritário.

Page 104: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Este quadro do Prof. Samuel Huntington, publicado em 2004,demonstra, pelo óbvio quantitativo pragmático de sucesso, que a intençãoexterna no Iraque da Administração Bush já estava vocacionada ao insucesso… Resta, no futuro, acompanhar a evolução no Afeganistão e nos Estados daex-Jugoslávia, nos Balcãs, por exemplo…

Apenas para melhor entender a conceptualização de Huntington, eledefine TRANSFORMAÇÃO ou reforma ao que ocorre quando as elites gover-nantes tomam elas próprias a liderança da democratização; SUBSTITUIÇÃO,por esgotamento e colapso, ocorre quando os grupos de oposição tomam aliderança da democratização e o regime autoritário esgotado é derrubado. Porfim, a TROCA SUBSTITUTIVA ou libertação surge por acção conjunta dedemocratização do governo e oposição. (8)

A INTERVENÇÃO EXTERNA pressupõe o uso da força armada a partir doexterior do território soberano do Estado, substituição violenta da elitegovernante e instituição musculada da democratização pela nova elite impostapelos militares estrangeiros.

O posicionamento de Portugal, pelo Prof. Huntington, é discutível,mesmo tendo em conta a ala liberal da Assembleia Nacional do Estado Novo ouda 2.ª República, a Revolução armada do 25 de Abril e o “PREC” e períodoque se seguiu até 1981-1982, no seu todo dinâmico de democratização… AConstituição da República, em vigor desde 1976, torna claro, no seupreâmbulo, a queda do regime anterior pelo Movimento das Forças Armadas e,como tal, seria, na legalidade Constitucional portuguesa, mais correctosituarmo-nos no processo SUBSTITUIÇÃO, em nosso modesto entendimento (opróprio Prof. S. Huntington neste ensaio, quando pormenoriza o processo dePortugal com a queda final do apoio das F.A.’s ao regime, confirma isto).

4.4.2. O erro do pensamento estratégico imediato do idealismo americanode imposição da democracia, a partir do exterior – países islâmicos – propostas:Fareed Zakaria versus Samuel Huntington

1. FAREED ZAKARIA

É inevitável falar dos Estados islâmicos, não só pelo terrorismo islamitajihadista mas, na nossa perspectiva, porque os principais actores internacionaisna narcoprodução e narcotráfico são o Afeganistão (opiáceos), Marrocos(Cannabis), África Ocidental (tráfico de Cocaína) e estes sinergismos vêm sendo

104

Page 105: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

perigosamente crescentes, desde que os formulámos no nosso ensaio de 1989,na Revista Portuguesa de Medicina Militar, e antes do fim da Guerra Fria, o queapenas piorou a situação imutável desde então, ao contrário da restantegeopolítica global.

Conforme Fareed Zakaria “há uma realidade que é impossível de negar.Dos 22 membros da Liga Árabe, nem sequer um é uma Democracia eleitoral, eque 63% dos Estados do mundo são Democracias”. (9)

Para agravar a situação, continuando a citar F. Zakaria “As governaçõesÁrabes do Médio Oriente são autocráticas, corruptas e de mão pesada mas,mesmo assim, ainda mais liberais, tolerantes e pluralistas do que as elites queos querem substituir. As eleições, em muitos países Árabes, poderiam produzirpolíticos cujos pontos de vista estão mais próximos de Osama Bin Laden do queda monarquia liberal da Jordânia do rei Abdullah”. (9)

Tentativas tímidas no Kuwait e na Arábia Saudita, por parte dosgovernos, de colocar mulheres nas listas eleitorais do Parlamento ouautorização de condução das suas viaturas automóveis respectivamente, foramanuladas rapidamente pela força de mobilização popular dos fundamentalistasteocratas. (9)

As eleições democráticas para os fundamentalistas teocratas são umainvenção Ocidental e só servem para ser usadas para eles substituírem osactuais dirigentes (com todos os defeitos, apesar de tudo mais liberais) einstalar o Estado teocrático islâmico. (9)

Aliás, Osama Bin Laden sintetiza, desta forma, o seu pensamentoestratégico: o problema dos países Árabes é que são deficientemente islâmicos.Só pelo regresso ao purismo do Islão, na sua interpretação e dos seus adeptos,irão os muçulmanos encontrar a Justiça. A Democracia é uma invenção doOcidente a sua natural ênfase na liberdade e tolerância é a origem dadecadência social, devassidão e libertinagem. (9)

Com o seu tronco comum Abraónico, quer a Bíblia, quer o Corão, quer aTorah, todos têm passagens em que violam os Direitos Humanos,especialmente das mulheres, elogiam Reis absolutistas e misturam a suaautoridade espiritual com a temporal … Todavia, só o Vaticano e os Papascatólicos alcançaram um estatuto legítimo, durante séculos de mistura do poderespiritual e temporal (nem o Islamismo, nem o Judaísmo conseguiram essenível, assim como em parte também os Luterano-calvinistas reformistas nãoconseguiram) (9). Este vazio hierárquico de legítima interpretação do Corão,

105

Page 106: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

detectado por Fareed ZaKaria (de etnia indostânica) é também relatado na obrado teólogo Cardeal Ratzinger, actual Papa Bento XVI, quando se refere àdificuldade da Igreja Católica encontrar no Islão quem são os líderes teológicospara estabelecer diálogos e consensos, ao nível da teologia.

Este problema, que se nos coloca, de não existirem representanteshierarquizados credíveis no Islão, também se coloca ao contrário… nadalegitima Teerão ou Osama Bin Laden como os verdadeiros representantes doIslão ou emissores das únicas fatwas (directivas religiosas). (9)

Por outro lado, nos cerca de 1,2 mil milhões de muçulmanos, apenas 260milhões vivem nas terras santas da Arábia e os Estados mais populososislâmicos são fora dessa área, isto é, na Indonésia, no Paquistão, noBangladesh e nas províncias islâmicas da União Indiana (mais de 120 milhões).Portanto, tem sido a tecnologia ocidental da globalização de informação ecomunicação que tem suportado a propaganda islamita jihadista, baseada, emmuito, na chamada humilhação dos irmãos palestinianos por Israel (com oapoio do “Grande Satã” – EUA)… A tecnologia de suporte é Ocidental e ocombate é de propaganda nas ideias, nos valores, na espiritualidade e, a umnível mais elevado intelectual, na teologia e filosofia.

O FALHANÇO POLÍTICO ÁRABE

Nasser, no Egipto, chegou a ser o porta-voz da modernidade, na uniãodo mundo Árabe, com uma ideologia de suporte, mista de nacionalismo árabe,republicanismo militar e socialismo de estado… Mas estas economiasplanificadas, tipo soviético, em vez de evoluírem para DemocraciasRepresentativas, como no pós-Guerra Fria de todo o bloco de Leste, regrediramainda mais para ditadores corruptos e reis idosos, com monarquias obsoletas…o que foi uma evolução inversa e paradigmática em relação à maioria do restodo mundo. (9)

O FALHANÇO ECONÓMICO

Estas economias retrógradas medievais poderiam evoluir com um esforçoOcidental e de erradicação da pobreza… o Plano Marshall árabe… só que arealidade é que o terrorismo global da Al-Qaeda trabalha com elites pensantese económicas e não com elementos das populações extensas excluídassocialmente e pobres (Osama Bin Laden é de uma família milionária saudita,Zawahui ex-médico cirurgião egípcio, teve um tio diplomata e 1.º Secretário da

106

Page 107: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Liga Árabe, os terroristas do 11 de Setembro tinham origem na classe média eformação académica, etc.). (9)

Aliás, vindo dos seus recursos petrolíferos próprios ou de um esforçofinanceiro Ocidental de um hipotético Plano Marshall árabe, o problema que secoloca sempre é que não existe distribuição de riqueza pelas elites governantes,essas sim, vivendo em opulência e investindo basicamente em forças armadase polícias opressoras e sustentadoras de regimes. Uma economia de mercadolivre, partidos políticos e eleições credíveis, responsabilização e princípio delegalidade, tudo isso são valores ocidentais altamente perigosos para estesregimes árabes (não só para os fundamentalistas islamitas jihadistas)instituídos na actualidade. (9)

O MEDO DA OCIDENTALIZAÇÃO

A tentativa de evolução do mundo Árabe para a modernidade falhou nossucessivos modelos tentados – socialismo, secularismo, nacionalismo. Agora, osÁrabes associam o falhanço das suas elites de governação, no secularismo, comuma causa doentia Ocidental do modelo de governação e não dos seusexecutantes árabes. (9)

A Globalização económica liberal, iniciada nos anos 90, criou, no mundoárabe, um fenómeno de atracção – repulsão bem conhecido das escolas dePsicologia comportamental clássicas: só alguns têm acesso a certos produtos,dado que os modelos autoritários de governação dos Estados não dãoigualdade liberal e dinâmica de oportunidades fora das elites governantes. (9)

O DESPERTAR RELIGIOSO FUNDAMENTALISTA

Fareed Zakaria localiza o nascimento ideológico do fundamentalismoislamita jihadista quando, no início dos anos 50, o Presidente Nasser (de crençaislâmica), do Egipto, reprime a insurreição da Irmandade Muçulmana com areclusão de mais de um milhar de adeptos e execução de 6, em 1954. (9)

No meio dos reclusos estava um intelectual, Sayyid Qutb que escreveu naprisão o livro “Guia de Sinalização da Estrada”. Nele, o autor torna o cidadãomuçulmano, de espectador impotente, em participante activo de oposição.Como alternativa à Democracia Representativa Parlamentar, a Madrassapassou a ser o local de discussão política e conspiração, confundindo com acomponente teocrática e moralista Abraónica (sem separação do poder secular

107

Page 108: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

como os outros dois ramos, Judaísmo e Cristianismo; esta mistura de religiãocom política, na história universal, sempre foi uma mistura explosiva). (9)

O segundo grande momento histórico, para Fareed Zakaria, na ideologiafundamentalista islamita, é a Revolução Iraniana com o derrube do Xá e asubida ao poder do Ayatolah Ruhollah Khomeni. Este amplificou a propaganda(mesmo quando anteriormente exilado em Paris), através de um meio dedifusão de invenção ocidental e de baixo custo – as audiocassetes. Mas estas,ao atacarem o Ocidente, o “Grande Satã” – EUA, apelando à austeridadeislâmica primitiva e à jihad, não tiveram como alvos as populações maisempobrecidas, para quem a ocidentalização, nos aspectos mais básicos, eraapenas uma miragem, como alimentação e cuidados de saúde.

Os clientes deste discurso inflamado foram, pelo contrário, estratos deestudantes nos países Árabes, à procura de posterior emprego no Ocidente eem que a Arábia Saudita forjou um jogo perigoso para manter o regimeautoritário que foi, numa aliança explosiva, dar a estes jovens a solução que foia difusão e ensino do Wahhabismo (interpretação rígida e extremista do Corão)na sua mente confusa entre dois modelos ambicionados, mas de antagonismoexterminável.

Nas décadas de 80 e 90 e na competição teocrática entre o Irão e aArábia Saudita para liderar nesta ideologia o mundo árabe, as Madrassasdifundiram-se por países tão diversos como o Iémen, as Filipinas, a Indonésia,o Paquistão, etc., e colocaram no poder os Talibãs, no Afeganistão. (9)

A SOLUÇÃO PROPOSTA

Fareed Zakaria defende que não é pela imposição da DemocraciaRepresentativa ocidental que o ocidente deve apostar mas antes pela modificaçãopara um liberalismo económico constitucional dos Estados. O país alvo deve sera “alma intelectual do mundo árabe”, ou seja, o Egipto (onde se iniciou, segundoele, a ideologia fundamentalista islâmica) e, de seguida, o Iraque (tem petróleoe tem recursos hídricos, sendo a antiga civilização mesopotâmica).

Combinar a “cultura Árabe com dinamismo económico, tolerância religiosa,política liberal e modernidade de visão, caso exista sucesso, pode ser umapandemia infecto-contagiosa” (9). (Sem desmerecer o brilhantismo intelectual deFareed Zakaria, é bom não esquecer a sua origem étnica indostânica, com anatural vocação mercantilista e a complexa democraticidade politeísta).

108

Page 109: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Fareed Zakaria defende que o modelo de transição deve ter uma duraçãomínima de 5 anos [dando, como exemplo, o Afeganistão (?) e Timor Leste (?)].

2. SAMUEL HUNTINGTON

Dos quatro paradigmas de democratização anteriormente expostos peloProf. Samuel Huntington,

– Transformação

– Troca substitutiva

– Substituição

– Intervenção Externa,

vamos escolher dois: Transformação e Substituição, por nos pareceremos mais adequados para os Países Árabes, neste momento, e para as elites quepretendem mudar esses sistemas autoritários de Estado, por via laica, seminstalar teocracias.

Transformação – Linhas guia (8):

1. Assegurar a base política. Tão cedo quanto possível colocar apoiantesda democratização em posições chave do governo, do partido e nosmilitares;

2. Manter a legitimidade na retaguarda, isto é, fazer alterações nosprocedimentos estabelecidos pelo sistema autoritário e tranquilizar ossituacionistas com concessões simbólicas, fazendo um percurso dedois passos à parte e um passo atrás;

3. Ir mudando gradualmente o grupo alvo de apoiantes dos situacionistaspara o grupo de apoiantes de oposição defensores da Democracia;

4. Estar preparado para os situacionistas terem uma acção extrema dedesespero para parar a mudança (por exemplo, tentativa de golpemilitar ou outro); pode até estimular-se esse desespero, se estivergarantido, a posteriori, esmagamento da insurreição, isolando edesacreditando os “duros” à mudança de regime;

5. Ter sempre o controlo e o dimensionamento da iniciativa de demo-cratização. Apenas liderar a oposição e nunca introduzir medidas dedemocratização como resposta a pressões óbvias dos grupos oposicio-nistas mais radicais;

109

Page 110: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

6. Manter sempre as expectativas baixas, tanto quanto a distância paramudar pode permitir. O discurso deve ser sempre em termos decontinuidade, até onde o processo pode ir, em vez de uma profundaelaboração democrática utópica;

7. Encorajar o desenvolvimento de um partido de oposição responsávele moderado que as elites chave na sociedade (incluindo os militares)possam aceitar como plausíveis alternativas não traumáticas àgovernação instituída;

8. Criar uma dinâmica de inevitabilidade sobre o processo de demo-cratização, de forma a ser largamente desejado e aceite como umaevolução natural mesmo que uma pequena minoria ache indesejável.

A exemplificação dada pelo Prof. S. Huntington são os processos do Brasile Espanha.

Substituição – Linhas guia:

Com excepção de Gandhi, os líderes que criaram regimes autoritáriosgeralmente não demonstram capacidade para os democratizar e lhes pôrtermo. Nunca esquecer que os militares são o último suporte do regime: se elesprivam o regime do seu suporte, se efectuam um golpe militar contra o regimeou se recusam usar a força na defesa do regime, o regime fatal e obviamentecai como instituição consolidada. (8)

1. Focalizar as atenções na ilegitimidade ou legitimidade dúbia do regimeautoritário, este é o seu ponto mais vulnerável. Atacar o regime nosassuntos que são uma preocupação generalizada, como a corrupção ebrutalidade. Não esquecer que, se o regime está com um desempenhode sucesso (especialmente economicamente), estes ataques tornam-seineficazes. Se, pelo contrário, existe um mau desempenho, comoacontece geralmente, fazer realçar a sua ilegitimidade deverá ser oobjectivo mais importante para o desalojar do poder.

2. Tal como nos elementos de governação democrática, os governantesautoritários com o tempo perdem adeptos. Encorajar estes grupos dedesiludidos a apoiar a Democracia como alternativa ao sistema instituído,torna-se uma prioridade. Esforços especiais devem ser efectuados paraactivarem líderes de negócios, profissionais de classe média, figurasreligiosas e políticas que no passado foram cruciais para instalar oregime autoritário. Quanto mais uma imagem “respeitável” e “respon-sável” a oposição tiver, mais fácil se torna angariar adeptos novos.

110

Page 111: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

3. Investir na cultura dos oficiais generais militares. Em última análise,quer o regime entre em colapso ou não, muito depende do suportedestes ao regime, devendo mantê-los na proximidade, mesmo que emnão oposição activa ou manifesta. O suporte dos militares seráfundamental quando ocorrer a crise mas, de imediato, o que sepretende é o seu enfraquecimento na defesa do regime.

4. Praticar um discurso de não-violência. Entre outras coisas, tal facilitaráa adesão das Forças de Segurança: os polícias tendencialmente nãosimpatizam com quem lhes atira cocktails Molotov.

5. Ponderar todas as oportunidades para expressar a oposição aoregime, incluindo participar nas eleições que este organiza.

6. Desenvolver contactos com os órgãos de comunicação social globais,organizações de Direitos Humanos estrangeiras e organizaçõestransnacionais religiosas (especialmente a Igreja Católica). Dramatizaras causas de luta, providenciando elementos de prova audiovisuais ediscursos nos períodos nobres dos órgãos de comunicação.

7. Procurar consensos entre os diferentes grupos de oposição (o líderautoritário geralmente usa a táctica de dividir para reinar). Os grandeslíderes são, habitualmente, grandes trabalhadores de consensos.

8. Quando o regime autoritário cair, deve estar-se preparado para,rapidamente, preencher o vazio de poder que ocorre. Ter um líderdemocrático carismático, organizar rapidamente eleições paralegitimar o governo e obter legitimidade internacional e de DireitoInternacional Público (ONU – Conselho de Segurança e AssembleiaGeral, EUA e União Europeia, Conselho da Europa, etc.).

A exemplificação dada pelo Prof. S. Huntington é Portugal, desde a quedada II República, “Salazar/Caetano”, em 25 de Abril de 1974, até à acção militarde 25 de Novembro de 1975, liderada por “António Ramalho Eanes”. (8)

4.5. Revisitando o PARADIGMA DA “GUERRA ÀS DROGAS”

Tal como existe na população, em geral, uma visão deturpada históricadas diversas tentativas de “Lei Seca” para o Álcool, focalizando só naexperiência dos EUA (e esquecendo, por exemplo as tentativas na Rússia como Czar, em 1916, e com a URSS, nos anos 80), também no paradigma da“GUERRA ÀS DROGAS” americano, e que é essencialmente uma “guerra” de

111

Page 112: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

ideias, valores e políticas públicas, se esquece a verdadeira 1.ª Guerra àsDrogas (e essa verdadeiramente com operações militares), entre o Império daChina e o Império Britânico, a Companhia das Índias Orientais.

Tal como nos produtos do tabaco é mais rápido, para atingir os centrosde prazer no cérebro, inalar o fumo do que mascar, o método de administraçãona China, fumando ópio em vez de o mascar, como na Índia, terá sidofundamental para o descalabro de ópiodependentes chineses.

Em 1839, iniciou-se a repressão chinesa ao mercantilismo ocidental doópio vindo da Índia, o que levou ao ataque da Marinha de Guerra britânica e àderrota do Império da China, sendo mesmo uma derrota humilhante para oschineses, pois foram obrigados a assinar o Tratado de Nanking em 1842,cedência de Hong Kong para território soberano da coroa britânica e aberturade entrepostos comerciais em Cantão e outros portos da costa chinesa.

A segunda guerra do ópio, decorreu entre 1856 e 1858, com novaderrota humilhante da China. A Marinha de Guerra Britânica, desta vez com aajuda do exército francês, tomaram Pequim, onde incendiaram o palácioimperial e forçaram os chineses a assinar o Tratado de Tientsin que legalizavatotalmente a importação de ópio pelos chineses (e aumentou a própriaprodução agrícola interna até 1906).

“Quem com ferros mata, com ferros morre” e “não pratiques o malesperando que daí venha o bem”, estes dois provérbios da sabedoriatradicional portuguesa, estão exemplificados na derrota militar dos anglo--americanos – EUA, na Guerra do Vietname, onde a prevalência do consumode opiáceos – heroína chegou a atingir 25% dos militares americanos,afectando totalmente as suas capacidades operacionais e de prontidão paracombate aos vietcongues.

Perante este facto, o Presidente Richard Nixon declarou e criou oparadigma de “GUERRA ÀS DROGAS”, no início dos anos 70, focalizada naheroína e nos militares e veteranos e complementava o Direito Público anteriorpara o abuso de Álcool, tudo preparado pelo falecido Senador Harold Hughes(veterano militar e ex-alcoólico), que tivemos o privilégio de apresentar aoContra Almirante Gonzaga Ribeiro, em 1987, em Filadélfia, quando este exerciaas funções de Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (Hughes Act; US PublicLaws 92-129 e 91616). Note-se que o conceito de “GUERRA ÀS DROGAS”, noDireito Público dos EUA, tinha três vertentes – detectar, tratar e reabilitar (bemcomo a investigação científica do Cérebro que originou o NIAAA e NIDA).

112

Page 113: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

É evidente que a vertente “tratar e reabilitar”, nos militares, era dirigidapara a abstinência total/”tolerância zero” ao consumo de psicotrópicos eestupefacientes recreativos (e não dependência controlada, com drogas desubstituição opiáceas como Metadona, Buprenorfina, etc) por razões deSegurança Nacional (e segurança ocupacional).

A adopção do “Modelo Minnesota”, com os 12 passos dos AlcoólicosAnónimos (Narcóticos Anónimos, Cocaína Anónimos e Nicotina Anónimos),visava a reconstrução humana espiritual (não religiosa) em ideias e valoresmistos de judaico-cristianismo luterano-calvinista e orientais, essencialmente obudismo e o taoísmo, dentro da “guerra das ideias”, na altura da Guerra Fria,contra o laicismo marxista-leninista.

Quando voltámos a recuperar estes conceitos no ensaio “Aespiritualidade no tratamento das dependências”, na Revista da GNR, de Julhoa Dezembro de 2006, a “guerra das ideias” já é outra … a dos islamitasjihadistas, através de uma aliança entre o pensamento espiritual Ocidental eSino indiano, que nos parece ser um futuro de sucesso. (4)

Mas, voltando ao paradigma do Presidente Richard Nixon de “GUERRA ÀSDROGAS”, em 1980 um inquérito do Departamento de Defesa dos EUA, emmilitares no estrato etário entre os 18-25 anos, revelou que os consumidoresmilitares eram 40% no Exército, 20% na Força Aérea, 47% na Marinha eFuzileiros Navais. Perante estes resultados a “US Navy” efectuou em 1981 umrastreio de toxicologia de urina a 160.000 militares dos 18-25 anos … e 47,8%eram positivos para consumo de THC (Cannabis/Hashish). (4)

Tal como o Império Chinês desencadeara as guerras do ópio, no séc. XIXquando o seu consumo atingira os militares chineses e a alta hierarquia doEstado, o Secretário de Estado de Defesa dos EUA Caspar Weinberger, aceleroua “GUERRA ÀS DROGAS” no meio laboral militar (agravado por um escândalode militares consumidores, num sinistro, em 26 de Maio de 1981, no portaaviões Nimitz, com 14 mortos e 42 feridos), claramente consolidado pelaAdministração do Presidente Ronald Regan.

O prestígio e amizade pessoal, alcançados pelo nosso trabalho técnico--científico junto do médico (e amigo) pediatra adiccionologista Donald IanMacdonald, Director do Gabinete Nacional de Política de Droga – “O.N.D.P.” doGabinete Executivo da Presidência da República dos EUA de Ronald Regan (queem 26 de Setembro de 1997 trouxemos ao Congresso de Toxicologia daMarinha Portuguesa, no Hotel Estoril Palácio), permitiu depois um

113

Page 114: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

extraordinário trabalho internacional com o Departamento de Estado doPresidente William Clinton.

Iniciado também, em 1997, no Hotel Estoril Palácio, numa reunião deMedicina da Adicção Portuguesa, depois em Nova Orleães, em 1998, e,finalmente, com a fundação da “International Society of Addiction Medicine”(http://www.isamweb.org.-Archives-ISAM history), foi-nos muito difícilconvencer o Departamento de Estado do Presidente Clinton, através do Dr.G.D. Talbott, que o primeiro Presidente do ISAM, em 25 de Abril de 1999, emPalm Springs – California, não deveria ser um americano mas a pessoa que,desde o início dos anos 90, vinha apreciando, nas reuniões anuais em Abril, daAssociação Americana, o Prof. Nady El-Guebaly, para uma difusão transculturaldo conceito de “GUERRA ÀS DROGAS”/doença do Cérebro.

O Prof. Nady El-Guebaly era o canadiano responsável pela Adicção naUniversidade de Calgary, Canadá mas, ao estudar o seu curriculum, tinha paranós o perfil perfeito: era Egípcio de nascimento, da cidade cosmopolita deAlexandria, frequentara o Liceu francês e tirara a especialidade de Psiquiatriano “Maudsley Hospital” de Londres. Imigrado para os EUA onde não seadaptara, refugiara-se na cultura mais europeia canadiana. Para mais, nosnossos convívios anuais de Abril, desde o início dos anos 90, na “ASAM”,revelava-se tecnologicamente americano, tinha sempre latente um humor deantiamericanismo… era para nós o homem e amigo ideal para liderar o projectotranscultural e, como atrás disse Fareed Zakaria, pertencia à elite pensante domundo árabe – o Egipto. Foi para nós uma grande alegria quando em 25 deAbril de 1999 conseguimos que a “aposta” pessoal fosse transformada emdecisão (e com a ”bênção” do Departamento de Estado do Presidente WilliamClinton e do General Barry R. McCaffrey, presente em Palm Springs, mas comquem conversámos antes em Lisboa, numa recepção oficial na residência doEmbaixador dos EUA e que agora era o Director do Gabinete Nacional deControlo de Política de Droga “O.N.D.C.P.” do Gabinete Executivo daPresidência da República dos EUA, da Administração William Clinton).Infelizmente, a Administração Bush e o pior do neoconservadorismo, desper-diçou todo este trabalho. Esperamos que a nova Secretária de Estado Hillary R.Clinton repesque líderes dessa equipa do Departamento de Estado e volte aapostar no Prof. Nady el Guebely e na “ISAM”…

Voltando ao paradigma de “GUERRA ÀS DROGAS”, do Presidente RichardNixon, ele sempre encontrou popularidade nos EUA (independentemente deAdministrações Republicanas ou Democratas), pois os americanos, desde o

114

Page 115: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

início do séc. XX, sempre consideraram que o problema das drogas tinha origemdo estrangeiro – “overseas” e não nos consumidores internos – “homeland”.

Já no início do séc. XX, foram os imigrantes e as minorias étnicas doschineses, na construção dos Caminhos de Ferro, que trouxeram o problema dosopiáceos para a costa Oeste: Cocaína, eram os Afro-americanos no Sul osculpados e a Cannabis eram os imigrantes Mexicanos no Sudoeste, portanto,um ataque do exterior à estabilidade e valores genuínos dos EUA.

Mas foi de facto o Presidente Ronald Regan que, conjuntamente com oquerido colega e amigo Dr. Donald Ian Macdonald, primeiro Director da“O.N.D.P.” (aprovado pelo Congresso em 1988) Departamento do GabineteNacional de Política de Droga do Gabinete Executivo da Presidência daRepública dos EUA, consolidaram o paradigma da “GUERRA ÀS DROGAS”.Primeiro, com os Programas de Assistência a Empregados, baseados nosrastreios toxicológicos laboratoriais de urina, nas Forças Armadas, e, a partir de1986, com o alargamento, por obrigatoriedade contratual, a todas as empresascivis fornecedoras de organismos governamentais federais, tendo sempre comoprincípio base a “tolerância zero” ao consumo nos trabalhadores e no seu meiolaboral.

Por outro lado, o financiamento pela estratégia do “O.N.D.C.P.” na“GUERRA ÀS DROGAS” era muito claro: 2/3 para a repressão de SegurançaNacional da oferta e 1/3 para a redução da procura do orçamento federal (estadistribuição manteve-se com a Administração Democrata do Presidente WilliamClinton e era essa a opinião do seu Director da “O.N.D.C.P.”, o General BarryMcCaffrey.

A verdade é que, em 2004-2005, os EUA apenas consumiram 5% daprodução de heroína mundial e 33% da produção de Cocaína mundial.

Em Agosto de 1996, o Presidente William Clinton, com uma estratégiavisionária científica e de coerência ético-moral, avançou com o conceito de“GUERRA ÀS DROGAS” para os produtos do tabaco – Nicotina, ao colocar estessob a custódia da “FDA - Food and Drug Administration” entidade controladorados produtos farmacêuticos e consultiva do grau de perigosidade dassubstâncias psicotrópicas e estupefacientes recreativas (a “D.E.A. – DrugEnforcement Administration” tem mais um papel de “intelligence” epolicial/fiscalizador). Mas o Supremo Tribunal anulou esta estratégia brilhantede Clinton, deixando para o Congresso o papel de legislar especificamente (oque até hoje a indústria Tabaqueira sempre atrasou…).

115

Page 116: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A “GUERRA ÀS DROGAS” focalizou-se, desde Ronald Regan, nas acçõesexternas (sobrevoar com herbicidas as plantações, financiar a substituição deculturas, etc. ). Na América Latina – o México como fornecedor de heroína ecannabis e a Colômbia com as FARC, como fornecedor de cocaína (e em menorgrau na Bolívia e Peru), os esforços dos EUA no Afeganistão, Paquistão eMyanamar sempre foram comparativamente e de forma directa baixos.

A associação da “Guerra ao Terrorismo” do Presidente George W. Bushcom a “Guerra às Drogas” e a sua reestruturação de Segurança Nacional, apóso 11 de Setembro, criando o Departamento de Segurança Interna e colocandona alçada deste os Serviços Alfandegários e a Guarda Costeira, poderão vir aaumentar as apreensões nas fronteiras e nos aeroportos… Resta ver osresultados objectivos, agora com a administração do Presidente Barack Obama,com o muito importante Departamento de Estado de Hillary Clinton.Curiosamente em 2003, o Senado dos EUA numa inquirição também detectouque a Coreia do Norte, para obter divisas estrangeiras, criara o negócio denarcotráfico para o exterior, de Heroína e Metanfetaminas, o que mais reforçouentão a associação da “Guerra ao Terrorismo” (e proliferação de armas dedestruição maciça) com a “Guerra às Drogas”.

Mas a Democracia na América tem as suas complexidades e, paralela-mente, existem movimentos contra o paradigma securitário de “GUERRA ÀSDROGAS”. Assim, em 2005 (e após o referendo de Novembro de 1996 doEstado da Califórnia legalizar o uso medicinal de THC – Cannabis), 36 Estados,contrariando a Política e Direito Público Federais, tinham aprovado leis paraautorizar o uso medicinal de Cannabis. E, para baixar o custo aos contribuintesdo Sistema Penitenciário Estatal, referendos em 1996 no Arizona e 2000 naCalifórnia, lançaram regulamentações que os detidos por posse de drogas, semterem cometido outros crimes, fossem enviados para tratamento e reabilitaçãocompulsivos e não pura e simplesmente para estabelecimentos de reclusãopenitenciários.

Embora não tenhamos qualquer dúvida que, a nível de SegurançaNacional dos Estados-Nação, o paradigma de “Guerra às Drogas”, quer naversão “hard power”, quer na “soft power”, dada a sua associação aoterrorismo global, crime organizado transnacional e guerrilhas, que dificilmentetem alternativa, não deixámos de fazer um ensaio sobre os custos-benefíciosdos paradigmas extremos liberalização total, versus proibicionismo total (e atéuso medicinal de Cannabis) – “Narcotráfico e Terrorismo: a destruição maciçajá começou (2.ª Parte) ”, nos Anais do Clube Militar Naval, Jul. – Set. 2004, queainda hoje consideramos de ponderar como análise de extremos.

116

Page 117: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4. DISCUSSÃO

(1) SARKESIAN, SAM C.; WILLIAMS, JOHN ALLEN; CIMBALE, STEPHEN J.U.S. National Security: Policymakers, Processes & Politics. Fourth Edition.Boulder CO. USA. Lynne Rienner Publishers. 2008

(2) Constituição da República Portuguesa. Coimbra. Portugal. EdiçõesAlmedina S.A.. Setembro 2007

(3) ALVES, ARMANDO CARLOS. Em Busca de uma Sociologia da Polícia.Lisboa. Ed. Revista da GNR. Maio 2008

(4) MARGALHO CARRILHO, J. Factores Socioeconómicos contribuintes para otráfico ilícito e abuso de drogas psicoactivas ilegais no mundo actual.Revista Portuguesa de Medicina Militar. Vol. 37 (3-4), pp. 57-64. Lisboa.1989

(5) CONCEIÇÃO, APELLES J. B. Segurança Social – Manual Prático. 7.ª Edi-ção. Lisboa. Editora Rei dos Livros. 2001

(6) HUNTINGTON, SAMUEL P. The Soldier and the State. Renewed Edition.Cambridge, MA, USA. Bibliex – Harvard University Press. 1985

(7) WIKTOROWICZ, QUINTAN; KALTENTHELAR, KARL. The Rationality ofRadical Islam in Terrorist Attacks and Nuclear Proliferation Strategies foroverlapping Dangers. New York. USA. Ed. The Academy of PoliticalScience. 2007

(8) HUNTINGTON, SAMUEL P. How Countries Democratize in AmericanHegemony – Preventive War, Iraq and imposing Democracy. New York.USA. Ed. The Academy of Political Science. 2004

(9) ZAKARIA, FAREED. Islam, Democracy and Constitutional Liberalism inAmerican Hegemony – Preventive War, Iraq and imposing Democracy.New York. USA. Ed. The Academy of Political Science. 2004

117

Page 118: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,
Page 119: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

5. PERSPECTIVAS FUTURAS

Tal como em 1989 avançámos com um paradigma na Revista Portuguesade Medicina Militar agora, 20 anos depois, submetemos ao julgamento experi-mental do tempo a evolução actualizada do paradigma.

Numa perspectiva estrita do que é o narcotráfico (não temos qualquercompetência para avaliar outras variáveis do sistema como tráfico de armas ede seres humanos, proliferação de armas de destruição maciça, etc.) e dentroda forma pessoal de raciocinar pragmático-legalista, filosoficamente baseadaem John Locke, Stuart Mill e William James, vamos lançar um paradigmaespeculativo futuro, aberto a alternativas, de interesse para a nossa SegurançaNacional, essencialmente na sua componente Naval a que pertencemos.

Sobre psicotrópicos e estupefacientes recreativos ilegais (e focalizandona Cocaína como problema dominante actual para Portugal), existem doisconceitos básicos associados à actividade mercantil do tráfico de drogas:

119

Tal como afirmámos em 1989, o narcotráfico usa Estados fracos oufalhados, por mais fácil oportunidade de custo-benefício mas, se necessário,também pode enfraquecer – corromper Estados estabilizados e a sua SegurançaNacional, bem como mudar a elite governante (na altura descrevemos o caso

Page 120: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

120

de Hong Kong, ainda sob soberania britânica e a necessidade de intervençãode forças militares especiais Gurka).

Temos três meios de transporte possíveis dos produtores de Cocaína(Colômbia, Bolívia e Peru) para o Consumidor, União Europeia, através dePortugal e Espanha:

Marítima, Aérea e Terrestre

A flexibilidade de predominância entre as três torna-se uma variável difícilde prever a médio-longo prazo e no imediato, conforme as contingências dediversos tipos, em que a dimensão militar e policial é apenas um factor, mas depeso.

Vamos admitir duas hipóteses dominantes previsíveis, ilustradas no mapainfra.

Hipótese A: ….. Mais próxima da actual, de predomínio aeronaval, comestrutura de base no Crime Organizado transnacional e usando o norte doAtlântico Sul, limitado ao nível dos Estados de Cabo Verde e Guiné.

Hipótese B: - - - Aliança estratégica entre o Crime Organizado Trans-nacional e os movimentos islamitas jihadistas do Magrebe e subsarianosafricanos, financiando o narcoterrorismo islamita, envolvendo nesse caso todoo Atlântico Sul até ao sul de África.

A decisão da passagem da Hipótese A para a Hipótese B será, em últimainstância, uma decisão estratégico-militar do “Estado-Maior” da Al Qaeda.

A “responsabilidade partilhada mundial” da nova Administraçãoamericana do Presidente Barack Obama e do seu Departamento de Estado deHillary Clinton (muito sensível ao paradigma de luta contra o narcotráfico edrogas), dá às Seguranças Nacionais dos Estados da CPLP uma especialresponsabilidade, essencialmente de patrulhamento oceânico e necessidade deaumento da projecção do poder naval do Brasil e de Portugal (a exiguidade depoder naval da Marinha de Angola, sem capacidade sequer de patrulhamentooceânico, é uma fragilidade dramática no Atlântico Sul por parte da CPLP).

Existe um obstáculo real na via terrestre: a democracia ocidentalizada eestabilizada no Magrebe do Estado de Marrocos, aos objectivos narcoterroristasislamitas jihadistas. Mas, a tradicional rede ilegal interna de produtos de derivadosda Cannabis – Hashish, aliada ao facto que as mais-valias são crescentementeexponenciais na proximidade do consumidor, para a Cocaína e União Europeia,são óptimas para financiar a instabilização do Estado de Marrocos.

Page 121: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Conforme a Constituição da República Portuguesa, “a cooperaçãotécnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação”, deve levar oExército Português a investir fortemente nos seus congéneres dos Estados daGuiné-Bissau e Cabo Verde (e cedência diplomática por este último, na suasoberania, do uso do seu território para estacionamento de aeronaves depatrulhamento oceânico da Força Aérea Portuguesa e da Força Aérea do Brasil).Deverá também proceder-se a emenda na nossa Constituição, prevendocooperação técnico-policial, para que se possa legitimar totalmente aparticipação de conselheiros em Segurança Interna portugueses nesses países.

Para a Marinha Portuguesa, que deverá ser objectivamente beneficiadaneste contexto, em função das ameaças nas duas hipóteses A e B aosinteresses nacionais e Segurança Nacional, ao nível do narcoterrorismo e do

121

Mapa 1

Page 122: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

crime organizado transnacional e numa doutrina politológica de “princípio dodano” de Stuart Mill/”guerra preventiva” de Samuel Huntington, deverá serponderado pelo Estado Português:

– Aumento da cooperação permanente com a Marinha do Brasil liderante,na divisão do patrulhamento oceânico do Atlântico Sul, tendo CaboVerde como nosso limite;

– Ajuda plena no que for solicitado, por via diplomática, pelo Estado deAngola, para a sua Marinha ser dotada de capacidade de patru-lhamento oceânico no Atlântico Sul até ao sul de África (com o Brasil),por parte da Marinha Portuguesa (incluindo as nossas capacidades deconstrução e reparação navais) a todos os níveis;

– Exportação da tecnologia do “Projecto VENCER” de “tolerância zero” aoconsumo de drogas e abuso de álcool para as Forças Armadas e ForçasPoliciais (Segurança Nacional) de todos os Estados da África Ocidental,começando obviamente pelos da CPLP (cooperação técnico-militarpara consolidação dos Estados através da Segurança Nacional);

– Face à hipótese B e a distância de projecção de força naval portu-guesa, se a renovação da Esquadra efectuada (aquisição de armassubmarinas, construção de patrulhas oceânicos e aquisição das fra-gatas holandesas) foi inquestionavelmente acertada, apenas nestecontexto de narcoterrorismo e de crime transnacional organizado noOceano Atlântico. Também, enquanto permanecer a vulnerabilidade aonível dos Estados da CPLP, especialmente da Marinha de Angola,torna-se urgente, tão cedo quanto possível, a dotação do navio poli-valente logístico, renovação do navio reabastecedor da Esquadra eapetrechamento actualizado das forças de infantaria embarcadas(Fuzileiros Navais).

Concluindo, certamente que, na visão de “responsabilidade globalpartilhada” multiEstados da nova Administração da Superpotência restante, osEUA, do Presidente Barack Obama, ao nível da sua Secretária de Estado,Conselheiro de Segurança Nacional e responsável do Departamento de Defesa,compreenderão que o nosso esforço militar (e do contribuinte português) decooperação na luta ao narcoterrorismo seja mais obviamente predominantenaval e aeronaval no Atlântico Sul (e não tanto no Afeganistão ou no OceânicoÍndico) e em rede com os países da CPLP, como potência historicamentemarítima e não continental.

122

Page 123: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

A cooperação, aos níveis diplomático, poder judicial, forças policiais efunções militares logísticas permanecerá, numa menor capacidade edisponibilidade, disponível, no contexto da ONU e Direito Internacional Público,bem como do Tratado do Atlântico Norte – “NATO”, e conforme o Tratado deLisboa, fora do contexto de Defesa Nacional – Forças Armadas nacionais paraa União Europeia e suas necessidades nos moldes já em curso.

123

Page 124: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,
Page 125: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

6. OBSERVAÇÕES FINAIS

Todo o texto anterior deste ensaio permite-nos agora a elaboração deuma análise num quadro em que procurámos, ao nível mundial global,relacionar os pontos fracos e os pontos fortes, no nosso modesto entendimentodesta revisão do paradigma “Guerra às Drogas” uma abordagem politológica:Narcoterrorismo Global Islamita Jihadista, Crime Organizado Transnacional eGuerrilha Insurreccional.

125

PONTOS FRACOS

Da Sociedade Ocidental

– Hedonismo/Mercantilismo/Individualismo

selvagem

– Fraca convicção espiritual e ético-moral

– Ausência de autoridade de interpretação

litúrgica por ausência de hierarquia clerical

nos países luterano-calvinistas (versus poder

diplomático do Vaticano)

– Baixa tolerância da Opinião Pública Ocidental

a baixas entre as suas Forças Militares

PONTOS FORTES

Dos Islamitas Jihadistas eMovimentos de Teocracias Islâmicas

– Extensão demográfica e geopolítica do“cinturão islâmico” (Marrocos – Indonésia)

– Narcoterrorismo islâmico jihadista, trans-territorial global, sem Estado e territóriosoberano específico em geral

– Convicção de combate e apoio popular doscombatentes islamitas jihadistas

– Suporte financeiro no petróleo (ex.Madrassas sunitas sauditas) e cultivo deopiáceos e cannabis (ex. Talibãs noAfeganistão)

– Estados Árabes autoritários e com elitesgovernantes corruptas e/ou envelhecidas

– Solidariedade e Segurança Social de baseislamita, não estatal laica, no terreno real.

Page 126: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

Recordando apenas, como entendimento do léxico:

– GEOPOLÍTICA: entende-se a combinação dos factores geográficos epolíticos que caracterizam a específica condição de um Estado ouRegião e enfatizam o impacto da geografia na política;

– ESTRATÉGIA: entende-se como uma aplicação compreensiva eplanificada de medidas que visam alcançar um objectivo central ouvantagem vital, de estrito significado militar;

– GEOESTRATÉGIA é a fusão das supra expostas consideraçõesestratégicas e geopolíticas. (2)

Existe, claramente, conforme já exposto ao longo deste ensaio, uma claraassociação do terrorismo islamita jihadista e de guerrilha talibã à produção

126

PONTOS FRACOS

Da Teocracia Islâmica e Islamitas Jihadistas

– Sharia– Violência da jihad quando atinge irmãos

islâmicos colateralmente– Atraso tecnológico e económico liberal– Atraso de bem-estar socioeconómico da

maioria da população – Shiitas/Sunitas e ausência de uma

hierarquia clerical e legítimosrepresentantes da interpretação do Corãopara diálogo interreligioso com o ocidente

– Necessidade de ocupação territorial pelasguerrilhas na narcoprodução agrícola eenquadramento protector aos agricultoresde papoila de ópio e cannabis

– Muito frágil ou inexistente liberdade deexpressão e informação alternativa

PONTOS FORTES

Da Sociedade Ocidental

– Fortalecer os Estados-nação por cooperaçãoe treino das componentes (DefesaNacional/Segurança Interna) de SegurançaNacional

– Direitos humanos, principalmente do génerofeminino, colocando cada vez maismulheres, políticas de mérito, nas elites degovernação ocidentais

– Bem-estar socioeconómico médio– Tolerância laicista religiosa– Avanço tecnológico e económico real– Reforço da “Intelligence” humana

(“humanintel”) e de língua árabe,progredindo

– Hierarquia clerical da Igreja CatólicaApostólica Romana na interpretação daBíblia, Estado do Vaticano e Diplomacia

– Poder naval e potencial de aumento eprojecção do mesmo na superfície marítimaterrestre

– Direito Internacional Público

Page 127: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

ilícita de opiáceos no maior produtor mundial – o Afeganistão; também osmaiores produtores de Cannabis – hashish mundiais decorrem no Magrebeislâmico, neste caso por exemplo, Marrocos.

Mas a produção (Colômbia, Bolívia, Peru) de produtos de Coca decorre,a partir da guerrilha insurreccional de ideologia laica, e o narcotráfico, até aomomento associado ao crime transnacional, a partir do Atlântico Sul paraintroduzir a Cocaína na União Europeia, através de Portugal e Espanha.

Pelo meio, existem placas giratórias na África Ocidental em que umEstado da CPLP, a Guiné-Bissau, foi envolvido e ao nível insular (para além dasIlhas Canárias) o crime transnacional procurará conquistar outros Estados.

Descendo agora ao nível dos interesses da República Portuguesa eSegurança Nacional (Defesa Nacional e Segurança Interna), aparece aqui umperigo mas também uma janela de oportunidade associada ao Mar Português,ao “Oceano Moreno” e à Marinha Portuguesa que, com rigor, reflicta os nossosinteresses nacionais.

De imediato, a Constitucional “cooperação técnico-militar no âmbito dapolítica nacional de cooperação” com a nossa zona geopolítica e geoestratégicabem definida, a CPLP, o narcotráfico de cocaína e hashish e o potencial perigode terrorismo islamita jihadista se instalar na África Ocidental e Magrebe,aliando-se, por interesses de oportunidade, financeiros ou outros, ao crimeorganizado transnacional actual.

Sem desrespeitar os acordos internacionais e a aliança a quepertencemos, a NATO, com os nossos compromissos, o nosso interesse e osnossos riscos não estão no Afeganistão e podemos ser mais rentáveis, internae externamente, com a NATO e o nosso aliado tradicional EUA, sevocacionarmos a nossa solidariedade e os nossos recursos para a áreaaeronaval e do Atlântico Sul, na intervenção militar multilateral com o Brasil eAngola. O nosso cidadão contribuinte assim o exige!

Cabe, dentro do paradigma que defendemos (ao contrário da Hipótesede Liberalismo Constitucional de Fareed Zakaria ou de demonstraçãopragmática do falhanço de impor a Democracia do exterior por “hard power”do Prof. S. Huntington, nos Estados fracos ou falhados), começar pelacooperação técnica de Segurança Nacional (sem a qual nem sequer nascem osoutros poderes do Estado de Direito). Cabe, pois, com emenda Constitucionalà Assembleia da República, no art.º 272 – Polícia (1) assegurar à GNR, con-forme o que constitucionalmente já está legitimado para o Exército Português,

127

Page 128: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

o apoio de Conselheiros Técnicos à Segurança Nacional Interna das Repúblicasda Guiné-Bissau e Cabo Verde, no imediato.

Conforme o Mestre de Ciência Política portuguesa, Prof. Dr. AdrianoMoreira, “o presente é demasiado complexo para que se possa com razoabi-lidade prever o futuro”.

128

Page 129: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Constituição da República Portuguesa. Coimbra. Portugal. EdiçõesAlmedina S.A.. 2007

(2) BRZEZINSKY, ZBIGNIEW Game Plan: A Geostrategic Framework for theconduct of US – Soviet Contest. Boston. USA. The Atlantic Monthly Press.1986

(3) KREPS, SARAH E. Multilateral Military Interventions: Theory and practicein Political Science Quarterly. New York. The Academy of Political Science.Winter 2008-2009 (pp. 573-603)

(4) KRAMER, HILDE HEALAND; YETIV, STEVE A. The U.N. Security Council’sResponse to Terrorism: before and after September 11, 2001 in PoliticalScience Quarterly. New York. The Academy of Political Science. Fall 2007.(pp. 409-432)

(5) MOREIRA, ADRIANO. Ciência Política. Coimbra. Edições Almedina, S.A. 3ªEdição. 2006

NOTA FINAL:

Este trabalho só foi possível elaborar graças à Universidade de Columbia,Barnard College – Academia de Ciência Política e Universidade de Harvard,Instituto de Estudos Estratégicos John M. Olin e Associação Americana deCiência Política, de onde foram retirados quase todos os contributosbibliográficos que o sustentam e respectiva doutrina em Politologia.

129

6. OBSERVAÇÕES FINAIS

Page 130: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

130

Page 131: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

CADERNOS NAVAIS

Volumes Publicados

1. A Marinha e a Revolução nos Assuntos MilitaresVice-Almirante António Emílio Sacchetti.

2. Papel das Marinhas no Âmbito da Política Externa dos EstadosContra-Almirante Victor Manuel Lopo Cajarabille

3. Conceito Estratégico de Defesa NacionalVice-Almirante António Emílio Sacchetti, Contra-Almirante Victor Manuel Lopo Cajarabille

4. O Contexto do Direito do Mar e a Prática da Autoridade MarítimaDr. Luís da Costa Diogo

5. Considerações sobre o Sistema de Forças NacionalVice-Almirante Alexandre Reis Rodrigues

6. Portugal e a sua CircunstânciaProfessor Doutor Adriano Moreira, Vice-Almirante António Emílio Sacchetti,Dr. João Soares Salgueiro, Professora Doutora Maria do Céu Pinto,Professora Doutora Maria Regina Flor e Almeida

7. O Poder Naval. Missões e MeiosCapitão-de-Mar-e-Guerra Carlos Nélson Lopes da Costa

8. Sobre o Vínculo do Militar ao Estado-Nação.Breve Abordagem Filosófico-Estatutária

Tenente Carla Pica

9. Portugal e os EUA nas Duas Guerras Mundiais: a Procura do Plano Bi-Lateral

Professor Doutor José Medeiros Ferreira

131

Page 132: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

10. A Estratégia Naval PortuguesaVice-Almirante António Emílio Sacchetti, Professor Doutor António José Telo,Vice-Almirante Magalhães Queiroz, Almirante Vieira Matias, Contra-Almirante Lopo Cajarabille,Comandante-Mar-e-Guerra Marques Antunes, Dr. Nuno Rogeiro,Vice-Almirante Ferreira Barbosa,Dr. Tiago Pitta e Cunha, Vice-Almirante Reis Rodrigues, Contra-Almirante Melo Gomes,Vice-Almirante Alexandre Silva Fonseca, Vice-Almirante Pires Neves, Vice-Almirante Rebelo Duarte

11. O Direito Humanitário, as Regras de Empenhamento e a Condução das Operações Militares

Capitão-de-Mar-e-Guerra José Manuel Silva Carreira

12. As Forças Armadas e o TerrorismoContra-Almirante José Augusto de Brito

13. O Mar, um Oceano de Oportunidades para PortugalAlmirante Vieira Matias

14. Opções Estratégicas de Portugal no Novo Contexto MundialProfessor Doutor Hernâni Lopes, Professor Doutor Manuel Lopes Porto, Dr. João Salgueiro,Professor Doutor José Carlos Venâncio, Dr. Salgado Matos, Dr. Félix Ribeiro,Professor Doutor Fernando Santos Neves, Dr. Joaquim Aguiar,Professor Doutor Adriano Moreira

132

Page 133: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

15. A Security em âmbito marítimo. O Código ISPSDr. Luís Manuel Gomes da Costa Diogo, Capitão-Tenente José António Velho Gouveia

16. O Mediterrâneo, Geopolítica e Segurança EuropeiaVice-Almirante António Emílio Ferraz Sacchetti

17. As Grandes Linhas Geopolíticas e Geoestratégicas da Guerrae da Paz

Capitão-Tenente José António Zeferino Henriques

18. A Nato e a Política Europeia de Segurança e Defesa. Em Colisão ou em Convergência?

Vice-Almirante Alexandre Reis Rodrigues

19. Segurança e Cidadania. Conceitos e PolíticasDr. António Jorge de Figueiredo Lopes

20. Continentalidade e Maritimidade.A Política Externa dos Impérios e a Política Externa da China

Professor Doutor António Marques Bessa

21. O Poder na Relação Externa do EstadoProfessor Doutor Luís Fontoura Embaixador Leonardo Mathias

22. Seminário “Uma Marinha de Duplo Uso”Intervenções dos Conferencistas

23. A Definição de Agressão da Assembleia-Geral das Nações Unidas:História de uma Negociação

Dr. Maria Francisca Saraiva

24. Uma Visão Estratégica do Mar na Geopolítica do AtlânticoCoordenadores:Professor Doutor António Marques Bessa Professor Doutor Pedro Borges Graça

133

Page 134: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,

25. A Europa da Segurança e DefesaVice-almirante António Rebelo Duarte

26. 1.º Simpósio das Marinhas dos Países de Língua Portuguesa

27. Formulação da Estratégia Naval Portuguesa. Modelo e processoContra-almirante António da Silva Ribeiro

28. O Sistema de Planeamento de Forças Nacional. Implicações daAdopção do Modelo de Planeamento por Capacidades.

Capitão-de-Mar-e-Guerra Carlos César Martinho Gusmão Reis Madeira

29. Reflexões sobre o Mar.Uma Homenagem ao Vice-Almirante António Emílio Ferraz Sacchetti

Nota: Os Cadernos Navais encontram-se disponíveis na internet, no site daMarinha: www.marinha.pt

134

Page 135: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,
Page 136: J. MARGALHO CARRILHO Capitão-de-mar-e-guerra MN · e o seu paradigma do “Choque das Civilizações” mas, em relação aos inúmeros críticos, aconselhamos vivamente a leitura,