J. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Dividir vara reinar;...

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J. Introdução; 2. Dividir vara reinar; 3. O desenvolvimento da fábrica. Stephen Marglin** * Este texto constitui a primeira parte do livro What do bosses do?; Origins and functions of hierarchy in capitalist production. É reproduzido com permissão de Publicações Escorpião, Porto, Portugal. ** Professor de economia na Harvard University. 1. INTRODUÇÃO É a organização econômica e social determinada pela tecnologia ou a tecnologia pela organização econômi- ca e social? Pode o trabalho favorecer o desenvolvimento dos indivíduos numa sociedade industrial complexa ou te- remos que pagar pela prosperidade material o preço da alienação no trabalho? Todas as discussões sobre ..,-; possibilidades do êxito de uma verdadeira revolução vêm, mais cedo ou mais tarde, dar a esta pergunta. Se a autoridade hierárquica for indispensável para atingir uma produtividade elevada, o livre desenvolvimento no trabalho será, quando muito, privilégio de uma pe- quena minoria - e isto qualquer que seja o regime so- cial e econômico. E as satisfações desta minoria serão sempre pervertidas pelo fato, salvo raríssimas ex- ceções, de assentarem na opressão dos outros. Mas a organização do trabalho é determinada pela tecnologia ou pela sociedade? A autoridade hierárquica é real- mente necessária para obter níveis de produção eleva- dos? Ou será a prosperidade material compatível com uma organização do trabalho não-hierárquica? Os paladinos do capitalismo estão profundamente convencidos de que a hierarquia é inelutável. O seu úl- timo argumento é que a pluralidade das hierarquias ca- pitalistas é preferível a uma hierarquia socialista única. E podem mesmo invocar em seu auxílio um aliado inesperado: Friedrich Engels. Talvez sob o efeito de um desvario passageiro, Engels sustentou numa certa época da sua vida que a autoridade era determinada tecnologicamente e não socialmente. "Se o homem, à força de saber e de gênio inventivo , domesticou as forças da natureza, estas tiram a sua vingança submetendo-o, na medida em que ele as emprega, a um verdadeiro despotismo independente de qualquer organização social. Pretender abolir a autoridade na grande indústria é o mesmo que pretender abolir a própria indústria, destruir o tear mecânico para voltar à roda de fiar." 1 Voltar à roda de fiar é evidentemente absurdo - e, se o produtor tem por natureza que receber ordens, não se vê muito bem como é que o trabalho poderá, de uma forma geral, não ser alienante. Se as ciências sociais fossem experimentais, seria fácil sabermos se a organização hierárquica do traba- lho é ou não indispensável para uma produtividade elevada: elaboravam-se técnicas de produção que per- mitissem uma organização igualitária do trabalho e experimentava-se o seu funcionamento real. A expe- riência diria se a organização igualitária do trabalho é utópica ou não. Mas as ciências sociais não são experi- mentais. Nenhum de nós sabe o suficiente sobre o fa- brico do aço ou dos tecidos para criar uma nova tecno- logia, que seja ainda por cima tão radicalmente dife- rente da norma atual como o exigiria uma tentativa séria para mudar a organização do trabalho. Além dis- so, numa sociedade cujas instituições de base - da es- cola à fábrica - assentam na hierarquia, qualquer ten- tativa de mudança pontual está provavelmente votada ao fracasso. Indubitavelmente e, apesar de todos os R. Adm. Ernp., Rio de Janeiro, 18(4): 7-23, out.ldez. 1978 1 I I I Origens e funções do parcelamento das tarefas Stephen Marglin

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J. Introdução;2. Dividir vara reinar;

3. O desenvolvimento da fábrica.

Stephen Marglin**

* Este texto constitui a primeira partedo livro What do bosses do?; Origins

and functions of hierarchy in capitalistproduction. É reproduzido com

permissão de Publicações Escorpião,Porto, Portugal.

** Professor de economia na HarvardUniversity.

1. INTRODUÇÃO

É a organização econômica e social determinada pelatecnologia ou a tecnologia pela organização econômi-ca e social?

Pode o trabalho favorecer o desenvolvimento dosindivíduos numa sociedade industrial complexa ou te-remos que pagar pela prosperidade material o preço daalienação no trabalho? Todas as discussões sobre ..,-;possibilidades do êxito de uma verdadeira revoluçãovêm, mais cedo ou mais tarde, dar a esta pergunta. Sea autoridade hierárquica for indispensável para atingiruma produtividade elevada, o livre desenvolvimentono trabalho será, quando muito, privilégio de uma pe-quena minoria - e isto qualquer que seja o regime so-cial e econômico. E as satisfações desta minoria serãosempre pervertidas pelo fato, salvo raríssimas ex-ceções, de assentarem na opressão dos outros. Mas aorganização do trabalho é determinada pela tecnologiaou pela sociedade? A autoridade hierárquica é real-mente necessária para obter níveis de produção eleva-dos? Ou será a prosperidade material compatível comuma organização do trabalho não-hierárquica?

Os paladinos do capitalismo estão profundamenteconvencidos de que a hierarquia é inelutável. O seu úl-timo argumento é que a pluralidade das hierarquias ca-pitalistas é preferível a uma hierarquia socialista única.E podem mesmo invocar em seu auxílio um aliadoinesperado: Friedrich Engels. Talvez sob o efeito deum desvario passageiro, Engels sustentou numa certaépoca da sua vida que a autoridade era determinadatecnologicamente e não socialmente. "Se o homem, àforça de saber e de gênio inventivo , domesticou asforças da natureza, estas tiram a sua vingançasubmetendo-o, na medida em que ele as emprega, aum verdadeiro despotismo independente de qualquerorganização social. Pretender abolir a autoridade nagrande indústria é o mesmo que pretender abolir aprópria indústria, destruir o tear mecânico para voltarà roda de fiar." 1

Voltar à roda de fiar é evidentemente absurdo - e,se o produtor tem por natureza que receber ordens,não se vê muito bem como é que o trabalho poderá, deuma forma geral, não ser alienante.

Se as ciências sociais fossem experimentais, seriafácil sabermos se a organização hierárquica do traba-lho é ou não indispensável para uma produtividadeelevada: elaboravam-se técnicas de produção que per-mitissem uma organização igualitária do trabalho eexperimentava-se o seu funcionamento real. A expe-riência diria se a organização igualitária do trabalho éutópica ou não. Mas as ciências sociais não são experi-mentais. Nenhum de nós sabe o suficiente sobre o fa-brico do aço ou dos tecidos para criar uma nova tecno-logia, que seja ainda por cima tão radicalmente dife-rente da norma atual como o exigiria uma tentativaséria para mudar a organização do trabalho. Além dis-so, numa sociedade cujas instituições de base - da es-cola à fábrica - assentam na hierarquia, qualquer ten-tativa de mudança pontual está provavelmente votadaao fracasso. Indubitavelmente e, apesar de todos os

R. Adm. Ernp., Rio de Janeiro, 18(4): 7-23, out.ldez. 1978

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IOrigens e funções do parcelamento das tarefas Stephen Marglin

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seus defeitos, a teoria neoclássica tem razão em pôr atônica no equilíbrio geral em detrimento do equilíbrioparcial.

Em vez de procurarmos criar outros modelos de or-ganização, temos pois que seguir um caminho maisdesviado. Perguntar-nos-emos por que é que, no cursodo desenvolvimento capitalista, o produtor direto per-deu o controle da produção. Como é que nasceu a re-lação hierárquica operário-patrão, que caracteriza aprodução capitalista? E que função social cumpre ahierarquia capitalista? Se chegarmos à conclusão deque a origem e a função da hierarquia capitalista nãotêm grande coisa a ver com a eficácia, faltará ainda de-terminar se a organização hierárquica da produção éindispensável para assegurar um nível de vida materialelevado. E os trabalhadores - manuais, técnicos e in-telectuais - poderiam encarar suficientemente a sérioa possibilidade de uma organização igualitária do tra-balho para se perguntarem como mudar essas insti-tuições sociais, econômicas e políticas que os conde-nam a todos - com raras exceções - a ver no traba-lho apenas um modo de viver e não uma parte inte-grante da própria vida.

Mostraremos neste ensaio que não foi por motivosde superioridade técnica que os patrões adotaram asduas medidas decisivas que despojaram os trabalhado-res do seu controle sobre o produto e o processo deprodução:

a) o desenvolvimento da divisão parcelar do trabalhoque caracteriza o putting-out systemi-

b) o desenvolvimento da organização centralizada quecaracteriza o sistema de fábrica (factory system).

Longe de aumentarem a produção a fatores cons-tantes, estas inovações na organização do trabalho fo-ram introduzidas para que o capitalista receba maiorporção do bolo.

A organização hierárquica do trabalho não tem porfunção social a eficácia técnica, mas sim a acumu-lação. Ao interpor-se entre o produtor e o consumi-dor, a organização capitalista permite gastar muitomais com a expansão das instalações e a melhoria dosequipamentos do que o fariam os indivíduos se pudes-sem controlar o ritmo de acumulação do capital. Estasidéias, .que constituem o objeto deste estudo, podemser reagrupadas em quatro proposições:

I. A divisão capitalista do trabalho - tipificada pelocélebre exemplo da manufatura de alfinetes, analisadapor Adam Smith - foi adotada não por causa da suasuperioridade tecnológica, mas porque ela g~lJ'lDtia aoe . rio um papel essencial no processo de-pro-dução: o o coor enador que, com I ando os es-forços separados dos seus operários, obtém um produ-to mercantil.

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2. Do mesmo modo, a origem e o êxito da fábrica nãose explicam por uma superioridade tecnológica, maspelo fato de ela despojar o operário de qualquer con-trole e dar ao capitalista o poder de prescrever a natu-reza do trabalho e a quantidade a produzir. A partirdaí, o operário já não é livre de decidir como e quanto

Revista de Administração de Empresas

quer trabalhar para produzir o que lhe é necessário:tem que optar por trabalhar nas condições do patrãoou não trabalhar de todo - o que, na prática, não lhedeixa escolha.

3. A função social do controle hierárquico da pro-dução consiste em permitir a acumulação de capital.Regra geral, o indivíduo não opta deliberadamente econscientemente por poupar. Exercem-se sobre ele de-masiadas pressões que o incitam a gastar. Quandoexiste poupança pessoal (a "poupança doméstica"),ela resulta de um defasamento dos hábitos de despesaem relação ao aumento do rendimento, pois a pou-pança, como todas as atividades, tem que ser aprendi-da - e a aprendizagem leva tempo. Deste modo, apoupança individual é conseqüência do crescimento enão causa independente dele.

As sociedades aquisitivas - pré-capitalistas, capita-listas ou socialistas - criam instituições graças àsquais as coletividades determinam a taxa de acumu-lação. Na sociedade capitalista moderna, a taxa deacumulação é determinada principalmente pela grandefirma, o trust. A sua hierarquia - e esta é uma dassuas funções sociais básicas - decide qual a parte dasreceitas que será afetada ao aumento dos meios de pro-dução. Na ausência de um controle hierárquico daprodução, a sociedade teria de ou criar instituiçõesigualitárias para assegurar a acumulação de capital oucontentar-se com o nível de capital já acumulado.

4. A tônica posta na acumulação explica em grandeparte o fracasso do socialismo do tipo soviético "emalcançar e ultrapassar" o mundo capitalista, quanto aformas igualitárias de organização do trabalho. Aoatribuir a prioridade à acumulação de capital, a UniãoSoviética repetiu a história do capitalismo, pelo menosno que se refere à relação dos homens e das mulheres·com o trabalho. O seu fracasso não foi aquele, descri-to por Santayana, das pessoas que, não conhecendo ahistória, a repetem involuntariamente, Foi consciente,e deliberadamente que os soviéticos adotaram a manei-ra de produzir capitalista. E os defensores da via so-viética de desenvolvimento econômico nem sequerpensarão em desculpar-se: ao fim e ao cabo, argumen-tariam eles, não era possível criar de um dia para o ou-tro instituições e uma mentalidade igualitárias e aUnião Soviética era demasiado pobre para aceitar umaparagem indefinida da acumulação. Agora, helas!, ossoviéticos lançam-se na aposta de "alcançar e ultra-passar os Estados Unidos"; aqui, como no mundo ca-pitalista, é necessária uma revolução para transformara organização do trabalho.

Vamos agora retomar pormenorizadamente cadauma destas proposições, esperando mostrar que elastraduzem os fatos.

2. DIVIDIR PARA REINAR

Os capitalistas não inventaram a hierarquia nem a or-ganização herárquica da produção. Nas sociedadespré-capitalistas, a produção industrial era organizadade acordo com uma estrita hierarquia mestre-companheiro-aprendiz, que hoje só sobrevive no nosso

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ensino superior. A hierarquia capitalista e a pré-capitalista diferem em três pontos. Em primeiro lugar,tanto no cimo como na base da hierarquia pré-capitalista, encontrava-se um produtor. O mestre-artesão trabalhava com o seu aprendiz, em vez de sim-plesmente lhe dizer o que ele devia fazer. Seguidamen-te, a hierarquia era linear e não piramidal: o aprendizserá um dia companheiro e, verossimilmente, mestre.Sob o capitalismo é raro que Uul operário se torne se-quer contramestre, para não falarmos das possibilida-des de se tornar empresário ou PDG. Finalmente, e is-to é talvez o mais importante, o artesão membro deuma corporação não estava separado do mercado por

. um intermediário. Regra geral, vendia um produto,não o seu trabalho -e assim controlava a um tempo oproduto e o processo de trabalho.

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sTal como a hierarquia, a divisão do trabalho

também não nasceu com o capitalismo. A divisão so-cial do trabalho, a especialização das tarefas, é umacaracterística de todas as sociedades complexas e nãoum traço particular das sociedades industrializadas oueconomicamente evoluídas; basta pensar na divisão dotrabalho por castas, e na hierarquia que o acompanha,na sociedade hindu tradicional. Tampouco a divisãotécnica do trabalho é específica do capitalismo ou daindústria moderna. A produção de tecidos, por exem-plo, mesmo no sistema corporativo, estava divididaem tarefas separadas, cada uma das quais era contro-lada por especialistas. Mas, como dissemos, o artesãomembro de uma corporação controlava o produto e oprocesso de produção. O que nós temos de explicar é arazão por que a divisão do trabalho de tipo corporati-vo não resistiu à divisão do trabalho de tipo capitalis-ta, em que a tarefa do trabalhador se tornou tão espe-cializada e parcelar que ele já não tinha praticamentequalquer produto para vender, e, em conseqüência,era forçado a entregar-se ao capitalista para combinaro seu trabalho com o trabalho de outros operários, demodo a fazer do todo um produto mercantil.

Adam Smith afirmava que a divisão capitalista dotrabalho surgiu por causa da sua superioridade tec-nológica; segundo ele, a vantagem de dividir o traba-lho em tarefas cada vez mais especializadas e parcela-res só era limitada pela dimensão do mercado.3 Paracompreendermos os limites desta explicação, temosque precisar o sentido de "superioridade técnica", edas idéias vizinhas de eficácia e ineficácia; na verdade,estas idéias estão no centro deste estudo.

Digamos, de acordo com o uso corrente, que ummétodo de produção é tecnologicamente superior a umoutro, se criar mais produto com os mesmos fatores.Para ser tecnologicamente superior, não basta que umnovo método forneça maior produção diária, pois po-de acontecer - supondo que o trabalho é o único fatorem jogo - que esse novo método exija mais horas detrabalho, ou um esforço mais intenso, ou condições detrabalho mais desagradáveis: em qualquer destes ca-sos, ele fornecerá mais produto contra mais fatores, enão contra a mesma quantidade. Mais adiante mostra-remos Que - contrariamente à lógica neoclássica -um novo método de produção não tem que ser tecno-

logicamente superior para ser adotado: a inovação de-pende também das instituições econômicas e sociais,dos que controlam a produção e das coerções de queesse controle está cheio.

As expressões "eficácia tecnológica" e "ineficáciatecnológica", tais como as utilizam os economistas,têm um sentido ligeiramente diferente da idéia de me-lhoria e de deterioração que evocam na linguagem cor-rente. Diz-se que um método de produção é tecnologi-camente eficaz se não existir nenhum outro tecnologi-camente superior. Assim, pode haver (e normalmentehá) mais do que um método tecnologicamente eficazpara um mesmo produto: o trigo, por exemplo, podeser produzido eficazmente com muita terra e relativa-mente pouco adubo, como no Kansas, ou com muitoadubo e relativamente pouca terra, como na Holanda.

Mas, se considerarmos a superioridade e a eficáciatecnológicas do ponto de vista da economia global, es-

I tes conceitos são, em certos casos, reduzidos à superio-. ridade e à eficácia econômicas. Nas hipóteses dos ma-

nuais referentes à concorrência perfeita e universal, ométodo de produção tecnologicamente eficaz é o quecusta menos, e a redução do custo é um índice de supe-rioridade tecnológica.s Na realidade, as coisas não sãoassim tão simples, pois o desenvolvimento do capitalis-mo, longe de se conformar ao modelo concorrencial,exigia necessariamente a recusa (e não o cumprimento)das hipóteses de concorrência perfeita.

Voltemos a Adam Smith: A riqueza das naçõesavança três argumentos a favor da superioridade tec-nológica de uma divisão do trabalho levada tão longequanto o permita a dimensão do mercado.

"(Este) grande aumento na quantidade de obraque um mesmo número de braços está em condições defornecer, em conseqüência da divisão do trabalho,deve-se a três circunstâncias diferentes: em primeirolugar, a um aumento de perícia em cada operário to-mado individualmente; em segundo, à poupança dotempo que normalmente se perde quando se passa deum tipo de trabalho para outro; finalmente, em tercei-ro lugar, à invenção de um grande número de máqui-nas que facilitam e encurtam o trabalho e permitem aum homem realizar a tarefa de vários.">

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Destes três argumentos, um - o ganho de tempo -é sem dúvida alguma importante. Mas onde se foi bus-car a idéia de que se obtêm ganhos de tempo com a es-pecialização parcelar que caracteriza a divisão capita-lista do trabalho? Um camponês, por exemplo, paraganhar tempo na organização do seu trabalho, lavraránormalmente um campo inteiro antes de o sachar, emvez de sachar cada sulco à medida que os vai lavrando.Ora, a agricultura camponesa é a antítese da especiali-zação capitalista: o camponês individual encarrega-senormalmente de todas as tarefas necessárias para levaruma cultura desde a semente até o produto mercantil.Nada, no plano da instalação dos utensílios, diferenciaa agricultura da indústria. Para ganhar "o tempo quenormalmente se perde quando se passa de um tipo detrabalho para outro", basta prosseguir continuada-mente uma mesma tarefa durante o tempo suficientepara que o tempo de instalação se torne uma porção

Parcelamento das tarefas .

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insignificante do tempo de trabalho total. Quandomuito, a economia de tempo exigiria que cadaoperário efetuasse urna única atividade durante dias.A economia de tempo implica a separação das tarefase a duração de urna atividade, não a especialização.

o terceiro argumento de A. Smith - a propensãopara a invenção - não é muito convincente. De fato,o próprio Smith fez-lhe urna crítica arrasadora numcapítulo posterior de A riqueza das nações:

"Com os progressos realizados pela divisão do tra-balho, a ocupação da grande maioria dos que vivemdo trabalho, ou seja, a massa do povo, limita-se a umnúmero muito pequeno de operações simples, muitasvezes a urna ou duas. Ora, a inteligência da maior par-te dos homens forma-se necessariamente pelas suasocupações ordinárias. Um homem que passa toda a vi-da a executar um pequeno número de operações sim-ples, cujos efeitos, possivelmente, são sempre os mes-mos, ou muito aproximadamente os mesmos, não temoportunidade de desenvolver a sua inteligência nem deexercer a sua imaginação na procura de expedientespara evitar dificuldades que nunca surgem; ele perdeportanto, naturalmente, o hábito de desenvolver ou deexercer essas faculdades e, regra geral, torna-se tão ig-norante e estúpido quanto é possível a urna criaturahumana ... "

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"O mesmo não acontece nas sociedades bárbaras -corno é costume chamar-se-lhes - de caçadores, depastores e mesmo de agricultores, quando a agricultu-ra se encontra no estádio rudimentar que precede oaperfeiçoamento dos processos de fabrico. Nessas so-ciedades, as variadas ocupações de cada homem obri-

lgarn-no a desenvolver as suas aptidões e a inventar ex-pedientes para evitar as dificuldades que continuamen-te surgem. A imaginação conserva-se desperta e oespírito não corre o risco de cair nessa estupidez sono-lenta que, numa sociedade civilizada, parece embotara inteligência de quase todas as camadas mais baixasda sociedade."6

Na realidade, a questão não consiste em optar entrea estupidez e a barbárie, mas entre um operário comuma margem de controle suficiente para compreendero que está a fazer e um operário reduzido a executaruma tarefa monótona, cortada do contexto e portantodesprovida de sentido. O que seria de surpreender eraque a propensão do trabalhador para a invenção nãotivesse sido enfraquecida pela extrema especializaçãoque caracteriza a divisão capitalista do trabalho.

"O aumento de perícia em cada operário tomado in-dividualmente" surge portanto, ao fim e ao cabo, co-mo a única justificação da especialização das tarefas.De boa vontade o admitiríamos se Adam Smith falassede músicos, de dançarinos ou de cirurgiões, ou mesmose falasse da divisão do trabalho entre os fabricantesde alfinetes e os fabricantes de tecidos. Ora, não é denada disso que ele fala, mas muito simplesmente da di-visão parcelar de atividades industriais banais em dife-rentes especialidades. Consideremos o seu exemplo fa-vorito da manufatura de alfinetes:

Revista de Administração de Empresas

"Do modo corno esta indústria é atualmente condu-zida, não só forma no seu conjunto um ofício es-pecífico, corno ela mesma é dividida num grandenúmero de ramos, a maioria dos quais constitui outrostantos ofícios específicos. Um operário extrai o fio dabobina, um outro endireita-o, um terceiro corta a pon-ta, um quarto aguça-a, um quinto amola a extremida-de que vai receber a cabeça. A própria cabeça é objetode duas ou três operações separadas: batê-la é uma;branquear os alfinetes é outra; mesmo picar os papéispara pôr os alfinetes constitui um ofício distinto e se-parado - em suma, o importante trabalho de fazerum alfinete está dividido em cerca de 18 operações dis-tintas, as quais, em certas fábricas, são executadas poroutras tantas mãos diferentes, embora em outrasfábricas o mesmo operário execute duas ou três. Viuma pequena manufatura deste tipo, que só emprega-va 10 operários, e onde, por conseguinte, alguns delesestavam encarregados de duas ou três operações. Mas,embora a fábrica fosse muito pobre e por isso mal ape-trechada, quando eles se lançavam ao trabalho, conse-guiam fazer cerca de 12 libras de alfinetes por dia.Ora, cada libra contém mais de quatro mil alfinetes detamanho médio; assim, esses 10 operários podiam fa-zer mais de 48 mil alfinetes num dia; portanto, se cadaoperário fazia urna décima parte deste produto, pode-se considerar que fazia 4.800 alfinetes por dia. Mas seeles tivessem trabalhado separados e independente-mente uns dos outros, e se não tivessem sido moldadospara esta ocupação particular, nenhum deles teria se-guramente feito vinte alfinetes, talvez nem um só, emtodo o dia ... ,,7

Na medida em que as qualificações em causa sejamdifíceis de aprender, pode admitir-se que haja vanta-gem em dividir a produção em especialidades separa-das. Mas, a avaliar pelos salários dos diversos especia-listas empregados na fabricação de alfinete, nenhumpossuía uma qualificação especial que merecesse umsalário superior. Numa manufatura de alfinetes doinício do século XIX, cujos arquivos, muito pormeno-rizados, chegaram até nós, T.S. Ashton encontrou,para os homens adultos, salários de 20 xelins sema-nais, qualquer que fosse a tarefa em que eles estives-sem empregados.f As mulheres e as crianças, de acor-do com o costume, ganhavam menos, mas, tambémaqui, não parece ter havido grandes diferenças entre astarefas. Dá a impressão de que os segredos deste pro-cesso de fabrico foram aprendidos relativamente de-pressa e que a divisão parcelar das tarefas levou muitorapidamente a destreza de cada um ao seu pontomáximo. É decididamente difícil deduzir da indústriados alfinetes qualquer justificação para a estreita espe-cialização dos operários. 9

Pelo contrário, teria sido tecnicamente possível ga-nhar o tempo da instalação sem especialização. Um ar-tesão, com a mulher e os filhos, poderia passar de umatarefa para outra, tirar fio suficiente para cem ou milalfinetes, depois endireitá-lo, em seguida cortá-lo epor aí adiante, beneficiando-se assim das vantagens deuma divisão de todo o processo de produção em tare-fas sucessivas.

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Por que será então que a divisão do trabalho noputting-out system provocou a especialização e a sepa-ração das tarefas? Sem dúvida nenhuma porque, parao capitalista, esse era o único processo de tornar o seupapel indispensável. Se cada produtor tivesse podidocombinar as diferentes tarefas que entram no fabricodos alfinetes, rapidamente teria descoberto que podiacolocar-se no mercado do alfinete sem a mediação doputter-outertv e embolsar ele próprio o lucro. Só pelaseparação das tarefas especializadas atribuídas a cadaoperário é que, antes da introdução de máquinas dis-pendiosas, o capitalista podia assegurar o controle daprodução. Por isso foi a especialização dos produtoresde subprodutos o sinal distintivo do putting-out sys-tem.

Ao fim e ao cabo, tal como se desenvolveu noputting-out system, a divisão capitalista do trabalhoaplicava o princípio em que desde sempre as potênciasimperiais basearam a-sua dominação: dividir para rei-nar. Explorando, ou criando, os diferendos entre hin-dus e muçulmanos na Índia, os britânicos conseguiramafirmar-se indispensáveis à estabilidade do subconti-nente. E, por vezes, com uma satisfação mal dissimu-lada, puderam invocar os milhões de mortos que se se-guiram à partilha para provar quão necessários eles ti-nham sido. Mas esta tragédia apenas prova que os bri-tânicos se tinham tornado indispensáveis como media-dores.

Do mesmo modo, o desenvolvimento de um sistemaindustrial assente na mediação do capitalista não pro-va que o desmembramento das tarefas tenha sido tec-nologicamente superior à sua combinação pelopróprio produtor. Não é porque ele fosse o único ca-paz de combinar os trabalhos dos operários que o capi-talista podia enriquecer nas suas costas, mas sim por-que os tinha colocado ele próprio na incapacidade deexercerem a função que para si desejava reservar.

Mas, se assim é, como conseguiu o capitalista impe-dir cada um dos seus operários de colocar no mercadoum produto acabado, e mesmo de o vender mais bara-to, já que não haveria um patrão a retirar um lucro so-bre os alfinetes, o tecido ou a louça dos produtores in-dependentes? Por que é que não houve um homem em-preendedor e de talento que organizasse os produtorescom vista a eliminar o putter-outer capitalista? A res-posta é que o seu esforço teria sido mal recompensado:se o organizador fosse um produtor, teria que se con-tentar com um salário de produtor. Os seus compa-nheiros cotizar-se-iam para oferecer um jantar em suahonra ou para lhe dar um relógio de ouro, mas é de du-vidar que a sua gratidão os levasse muito mais longe".Para tirar proveito do trabalho de organização, erapreciso que ele se tornasse um putter-outer capitalista!Deve acrescentar-se que os que possuíam os meios pa-ra se estabelecerem neste oficio não tinham, na época,necessidade de se consertar entre si: era do interesse decada um e de todos confiar tarefas separadas aoperários separados. Não era preciso grande espertezapara compreender que a prosperidade de cada putter-outer, e mesmo a sua existência, dependia deste siste-rna.t!

A vantagem da interposição entre o produtor e omercado já se tinha revelado na época das corpo-rações. Os estudos de George Unwin sobre a indústriados séculos XVI e XVII levaram-no a pensar que "osdiversos corpos de ofício estavam de fato empenhadosnuma luta constante, procurando cada um interpor-seentre os outros e o mercado." 12 E Unwin nota - mas,infelizmente, não desenvolve este ponto - que "esteentrecruzar dos interesses do negociante e do artesãoabriu progressivamente caminho a uma nova forma deorganização que abrangesse as duas classes, procuran-do alargar a sua autoridade sobre a manufatura tãoamplamente quanto possível". 13

É evidente que não é fácil obter uma prova conclu-dente de que foi a preocupação de "dividir para rei-nar", e não a procura da eficácia, que esteve na ori-gem da divisão capitalista do trabalho. Não se podepedir ao capitalista, ou a quem quer que esteja interes-sado em preservar a hierarquia e a autoridade, queproclame publicamente que a produção está organiza-da para explorar o operário. Quanto ao operário sufi-cientemente esperto para se dar conta disso, ele podia,nas sociedades relativamente móveis em que a revo-lução industrial começava a tomar pé, juntar-se ás fi-leiras dos exploradores.

Não obstante, acontece que às vezes a verdade sai daboca dos próprios patrões. Por exemplo, Henry Ash-worth Jr., dirigente de uma das empresas de algodãoAshworth, defende a especialização como método dedominação, numa época pouco posterior ao putting-out system. No seu jornal, ele elogia um concorrentepor não permitir a nenhum dos seus empregados, nemsequer ao seu diretor, misturar o algodão; e acrescentaque o seu diretor Henry Hargreaves nada sabe das mis-turas e do custo do algodão, para que nunca possaafastá-lo do seu negócio; cada vigilante tem uma tare-fa completamente separada da dos outros e, por conse-.guinte, ninguém, a não ser ele próprio, sabe o que éque exatamente se faz no total. 14

1

Esta história tem um paralelo recente. Conheço umhomem que, durante um certo tempo, fabricousandálias. Para aprender o oficio, empregou-se num"mestre" fabricante de sandálias. O bom homemensinou-lhe sistematicamente todos os segredos daprofissão - menos a arte de comprar o couro. O meuamigo teria podido aprender este aspecto capital daprofissão se pudesse dispor dos mil dólares ne-cessários. Não tendo podido arranjar essa quantia,não chegou nunca a estabelecer-se por conta própria. ";..

Um outro comentário do século XIX faz pensarque, no início do capitalismo industrial, as pessoas dis-cerniam melhor do que nós hoje o papel da divisão dotrabalho na manutenção da hierarquia social. TheSpectator aprovava a cooperação entre os patrões e osseus empregados enquanto ela não ameaçasse o capita-lismo. Pois a cooperação, enquanto se limitasse à par-ticipação nos lucros, podia reforçar o capitalismo econsolidar a sua hierarquia. As cooperativas de traba-lhadores, em contrapartida, representavam umaameaça expressa, ameaça essa que The Spectator acha-

Parcelamento das (arejas

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va necessário conjurar, antes de enaltecer as virtudesda participação nos lucros:

"Até aqui, este princípio de cooperação só foi postoem prática em Inglaterra, pelas associações deoperários, mas as experiências de Rochdale, por maisimportantes e conseguidas que tenham sido, foram in-completas em um ou dois pontos. Elas mostraram queas associações de operários podiam, com êxito, geriroficinas. moinhos e qualquer forma de indústria e me-lhoraram grandemente a condição dos operários; noentanto, não deixavam aos patrões um lugar clara-mente definido, Ora, isto t: um defeito. \.' por trêsrazões. " 15

2

É interessante examinar estas razões:

"Em primeiro lugar, há na Inglaterra grandes quan-tidades de dinheiro detidas por indivíduos; em segun-do lugar, existe entre nós, amplamente difundida, umaaptidão para a administração ou, como se costuma di-zer, para os negócios - que é do mais alto valor paradirigir com sabedoria o trabalho das associações deoperários -, que aumenta grandemente o valor do seutrabalho mas à qual lhe repugna consagrar-se numabase de estrita igualdade. Nenhuma função que não se-ja a de patrão é compensadora, diz o Sr. Brassey - Fi-nalmente, a cooperação entre operários não convémtanto ao gênio nacional como a cooperação entre pa-trões e operários - nós temos a monarquia limitadano sangue - e um sistema que se harmonize com o gê-nio nacional é rapidamente aceito, ao passo que umsistema que não corresponda a esse gênio, mesmo queseja intrinsecamente superior, só muito lentamenteavança." 16

A primeira razão - a saber: "grandes quantidadesde dinheiro são detidas. por indivíduos" - só podejustificar a organização hierárquica se se considerar arepartição da riqueza intocável. De fato, pode virar-seo argumento do avesso: a produção hierárquica exigegrandes desigualdades de riqueza! A segunda- que"a aptidão para a administração aumenta grandemen-te o valor do trabalho" mas "à qual lhe repugnaconsagrar-se numa base de estrita igualdade" -. é des-mentida pelos êxitos atribuídos às experiências deRochdale. A terceira - o "gênio natural" para-a"monarquia limitada" - é um truque muito batido:se o levássemos a sério. nunca poríamos em causa ostatu quo.

Resta, já o dissemos, a dificuldade de provar que adivisão capitalista do trabalho procurava, antes de tu-do, "dividir para reinar". Mas, na falta de provas di-retas decisivas, não haverá provas indiretas? Se osoperários foram especializados para permitir ao capi-talista controlá-los, seria de esperar que não en-contrássemos qualquer especialização parcelar quandoo capitalista pudesse reinar sem dividir.

E isso acontece realmente num caso, pelo menos,que é aliás o único de que tenho conhecimento: o daindústria hulhífera britânica, em que a divisão capita-lista do trabalho nunca se implantou. O método da ex-tração a mão, tão primitivo no plano técnico como a

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manufatura no putting-out system, estava ainda em vi-gor no século XX nas hulheiras britânicas:

"A responsabilidade de todo o trabalho de extraçãoassenta francamente nos ombros de um pequeno gru-po autônomo, que executa o ciclo completo das ope-rações;"!" Este grupo fazia diretamente um contratocom o diretor das hulheiras e, "ainda que o contratopudesse estar em nome do picador da hulha, ele eraconsiderado como uma empresa comum. O própriogrupo assegurava a organização e o controle do traba-lho comum, constituindo uma unidade autônoma eresponsável" .18 Além disso, "cada mineiro (era) umoperário poli valente normalmente apto a substituir ou-tro membro da equipe ... Ele tinha orgulho da profis-sào e a independência do artesão" .19 Parece que oproprietário da mina não sentia necessidade de espe-cializar os homens; as jazidas eram pouco numerosas,todas tinham o seu proprietário, de modo que não ha-via para os operários qualquer hipótese de seestabelecerem por conta própria.

Mas isto é só o princípio da história. O seu capítulomais interessante começa quando a mecanização daextração exige uma nova organização do trabalho. Co-mo o escrevem Trist e Bamforth, a mecanização "fezsurgir a necessidade de uma equipe comparável, pelasua dimensão e a sua complexidade, a um pequeno de-partamento de fábrica" .20 Segundo que modelo? "Naépoca em que se desenvolveu o método de exploraçãopor galeria longa, não havia ainda qualquer experiên-cia de utilização dos processos mecânicos na mina. Porisso, na ausência de experiências pertinentes, foi-sebuscar a inspiração aos métodos utilizados na. indús-tria": 2\ especializou-se cada homem numa só tarefa.

A idéia de base do sistema de galeria longa era divi-dir o trabalho entre as equipes: cada equipe devia serresponsável por um subconjunto das operações ne-cessárias para trazer o carvão à superfície.

"O trabalho era decomposto numa série de ope-rações cujo ciclo completo era desdobrado por trêsequipes, que trabalhavam cada uma sete horas e meiapor dia; são preciso 24 horas úteis para concluir um ci-clo completo."

"A especialização das equipes faz-se na base seguin-te (para uma altura de galeria média): as duas primei-ras, de 10 homens cada, estão afetadas à escavação e àextração; a terceira, de 20 homens, está encarregadado aterro. "22

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Contudo, esses métodos não deram o resultado es-perado. Não havia qualquer processo de controlar e decoordenar os grupos assim especializados cada um emuma só das três operações. 23

A solução que fínalmente se adotou foi a de recons-tituir grupos de trabalho de forma a que cada equipefosse "responsável por toda a seqüência das tarefas,em vez de o ser apenas por uma tarefa predeterminada... A responsabilidade da coordenação co do controlecabia ao próprio grupo" .24 Este novo sistema, chama-do "sistema de galeria longa em equipe polivalente(composite longwall system), tinha quatro carac-terísticas :

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1. "O método de trabalho":

"De acordo com a tradição de polivalência, os ho-mens da equipe que descia deviam retomar os traba-lhos onde a equipe que subia os tivesse deixado. Quan-do uma equipe concluía a sua tarefa principal, os ho-mens deviam iniciar as tarefas seguintes, fizessem par-te do mesmo ciclo ou do ciclo seguinte."

2. "Os operários":

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it "Para assegurar este desenvolvimento contínuo do

trabalho, era preciso que os operários de cada grupo- fosse qual fosse a sua qualificação oficial - fossemsuficientemente competentes para realizar todas as ta-refas que pudessem surgir. Não era indispensável quecada membro do grupo polivalente soubesse fazer tu-do, mas era necessário que o grupo tivesse em cadaequipe homens competentes em número suficiente pa-ra fazer face às tarefas que podiam aparecer."

3. "Os grupos de trabalho":

"Cada equipe polivalente devia arranjar o seu che-fe. O próprio grupo devia repartir entre os seus mem-bros as diversas tarefas que a direção houvesse prescri-to. Para maior regularidade o grupo acabou por intro-duzir um sistema de rotação das tarefas e das equi-pes."

4. "Método de pagamento":

"Tal como nos sistemas de extração a mão, o gruporecebia uma remuneração coletiva e a cada um dosseus membros cabia uma parte igual dela, pois se par-tia do principio de que cada um fornecia a mesma con-tribuição. "25 •

A indústria hulhífera inglesa é um dos raros casosem que foi tentada a comparação direta de diferentesmétodos de organização do trabalho. A experiêncianão é absolutaménte concludente, porque não se po-dem aplicar sucessivamente os mesmos métodos numaúnica galeria. De qualquer modo, os resultados sãoimpressionantes: verificou-se que o método de explo-ração por equipes polivalentes produzia 20070 mais doque o método convenciona1.26

Não deixa de ser interessante para o nosso propósitoo.efeito que teve esta reorganização sobre a direção:

"A auto-organização do grupo teve finalmente porefeito simplificar a estrutura de direção da mina. Umcontramestre foi retirado: verificou-se que não haviatrabalho para ele. "27

Não é dificil imaginar as dificuldades com que teriadeparado a organização se o contramestre tivesse sidoencarregado da sua aplicação.

Se os patrões aceitaram a reintrodução na mina dosgrupos de trabalho auto-organizados, não especializa-dos e não hierarquizados, foi porque os riscos eramnegligenciáveis: as jazidas de carvão eram raras e todastinham dono.28 Se houvesse possibilidade de os minei-ros se estabelecerem por conta própria, a direção teriatalvez achado necessário recorrer à especialização co-

mo meio de manter o operário no seu lugar - e o pa-trão no dele.

A mina de carvão é muito característica da etapa dodesenvolvimento industrial que se seguiu ao putting-out system; mas, em minha opinião, é falso atribuiruma importância primordial ao crescimento do capitalfixo; aos custos elevados dos meios de produção, paraexplicar a proletarização da força de trabalho. Comefeito, a transformação do produtor independente emtrabalhador assalariado verificou-se antes de asmáquinas se tornarem dispendiosas. Foi uma conse-qüência direta da especialização dos homens em tare-fas parcelares características do putting-out system. Écerto que o capital tinha um papel neste sistema: oputter-outer era já, apesar de tudo, um "capitalista".Mas, no putting-out system, as máquinas eram primi-tivas, o capital fixo não tinha importância. O capitalfornecido pelo fabricante consistia sobretudo em capi-tal circulante - stocks de bens em curso de fabricação- e em adiantamentos de salários.

O papel desempenhado pelos adiantamentos desalários merece mais atenção do que a que se lhe temconcedido, já que, pelo menos em certas profissões,parecem ter constituído um importante meio de su-jeição:29 eles criavam um laço de"dependência comple-mentar daquele que resultava da especialização,

3. O DESENVOLVIMENTO DA FÁBRICA

A especialização parcelar característica do putting-outsystem só fez desaparecer um dos dois aspectos docontrole operário da produção: o controle sobre o pro-duto. O controle operário do processo detrabalho ain-da se mantinha intacto: o operário era livre de escolheras horas e a intensidade do seu trabalho. Esta liberda-de só lhe foi retirada pela fábrica.

Os historiadores da economia explicam habitual-mente o desenvolvimento da fábrica pela superiorida-de tecnológica das grandes máquinas, as quais, em vir-tude das suas necessidades de água e de energia, ti-nham necessariamente que se concentrar na proximi-dade de fontes de energia recentemente domesticadas.Segundo T.S. Ashton, as primeiras fábricas surgiramno início do século XVIII, quando, por motivos téc-nicos, se procedeu à reunião de pequenos grupos deoperários em oficinas ou pequenos moinhos de água.30Mas os primórdios da fábrica moderna são geralmenteassociados a Richard Arkwright, cujas fiações substi-tuíram o fabrico doméstico do fio de algodão. O tear aágua de Arkwright exigiria a organização da fiação emfábrica: "Ao contrário da jenny, o tear exigia para o .seu funcionamento uma força superior à dos músculoshumanos e por isso, desde o início, a fabricação foiexecutada em moinhos ou em fábricas."31 Há outrosespecialistas da mesma opinião. Por exemplo, PaulMantoux: "A utilização das máquinas é o que distin-gue a fábrica do putting-out system, o que caracterizaa nova forma da produção relativamente a todas as an-teriores. "32 E, mais recentemente, David Landes es-crevia:

Parcelamento das tarefas

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"A revolução industrial exigia máquinas que não sósubstituíam o trabalho manual, mas também impu-nham a concentração da produção em fábricas - emoutras palavras, máquinas cujas necessidades em ener-gia eram demasiado grandes para as fontes domésticase cuja superioridade mecânica permitia vencer a resis-tência das formas mai •.. ant iga •.. de producào ma-nual." 33

Estes especialistas, é preciso dizê-lo, reconhecem asoutras vantagens oferecidas pela fábrica, nomeada-·mente um sistema de disciplina e de vigilância que eraimpossível no putting-out system. Como o diz Ashton,"essa necessidade de controle levou Peter Stubbs areunir nas suas oficinas de Warrington os fabricantesde limas dispersos")4 Mantoux nota também "asvantagens evidentes do ponto de vista da organização eda vigilância"35 que se verificam na reunião de nume-rosos operários numa só oficina. De acordo com Lan-des, a necessidade de disciplina e de vigilância levou"os empresários a pensar nas oficinas em que os ho-mens estariam reunidos para trabalhar sob o controlede contramestres vigilantes")6 E, em outra passagem,Landes é ainda mais explícito: "A essência da fábrica- escreve ele na introdução a um volume de ensaiossobre o desenvolvimento do capitalismo - é a discipli-na e as possibilidades de direção e de coordenação dotrabalho que ela oferece." 37

Não obstante, quando explicam o êxito do sistemade fábrica, os autore. dão habitualmente uma impor-tância secundária ás maiores possibilidades de controlee disciplina que ele permite.

Mantoux, constatando as vantagens da fábrica, con-clui que "o sistema de fábrica era a conseqüência dire-ta do maquinismo" .38 De igual modo, embora fazen-do da disciplina a essência da fábrica, Landes atribui oseu êxito a fatores tecnológicos: "De faro, o triunfo daconcentração sobre a dispersão foi tornado possívelpelas vantagens do maquinismo. A fábrica teve quebater a indústria a domicílio no terreno do mercado, enão foi uma vitória fácil." 39

É fácil reconhecer o raciocínio que subjaz a esta in-terpretação: a fábrica sobreviveu, portanto, é precisoque ela tenha sido um método de produção menos dis-pendioso que os outros. E já que, numa economia demercado concorrencial, só os métodos de custo maisbaixo são tecnologicamente eficazes, é preciso que afábrica tenha sido tecnologicamente superior ás outrassoluções. Mas devemos desconfiar deste raciocínio: osnossos próprios autores reconhecem que uma das ra-zões que levaram os patrões a adotar o sistema defábrica foi a maior facilidade com que passavam a po-der impor a disciplina e a vigilância. Mas, desde que seadmita que uma e outra - que o mexrno é dizer: acoerção no trabalho - foram mais duras lias fabricas,tem-se também que admitir que elas violaram as regrasnão escritas da concorrência perfeita: ao oporoperários sob vigilância e disciplinados aos operários adomicílio, a fábrica reduziu os seus custos sem se vernecessariamente obrigada a adotar uma tecnologiamais eficaz. O argumento da superioridade tecnológi-

Revista de Adminisrraçüo de 1:II1/Jre\({\

ca não é, portanto, nem necessário nem suficiente paraexplicar o advento e o êxito da fábrica.

A tese que nós vamos defender será esta: a concen-tração dos operários nas fábricas foi uma conseqüên-cia lógica do putting-out system (ou, se se preferir, dassuas contradições internas) e o seu êxito não tinhagrande coisa a ver com a superioridade tecnológica dasgrandes máquinas. O segredo do êxito da fábrica, a ra-zão da sua adoção, é que ela tirava aos operários ocontrole do processo de produção e transferia-o paraos capitalistas. Na ausência de uma tecnologia supe- .rior, a disciplina e a vigilância podiam reduzir os cus-tos.

Um dos observadores da época, pelo menos, An-drew Ure, estava claramente consciente disso. Num li-vro publicado em 1835, este advogado do sistema defábrica atribuiu muito explicitamente o êxito de Ark-wright às suas proezas administrativas:

"A principal dificuldade (encontrada por Ark-wright ) não consistia tanto, receio-o, em inventar ummecanismo automático para estirar e torcer o algodãonum fio contínuo, mas antes em ensinar os homens adesfazerem-se de hábitos de trabalho desordenados e aidentificarem-se com a regularidade invariável da au-tomatização complexa. Promulgar e pôr em vigor umcódigo eficaz de disciplina industrial, apropriado ásnecessidades da grande produção - tal foi a empresahercúlea, a obra grandiosa de Arkwright. Mesmo nosnossos dias, em que o sistema está perfeitamente orga-nizado, e embora o trabaiho esteja facilitado aomáximo, é praticamente impossível, após a puberda-de, transformar as pessoas vindas de ocupações ruraisou artesanais em bons operários de fábrica. Depois dese lutar algum tempo para vencer os seus hábitos de in-dolência ou de indocilidade, ou eles renunciam espon-taneamente ao emprego ou então são despedidos peloscontramestre por falta de atenção."

"Se a fábrica Briareus tivesse podido ser criadagraças apenas ao gênio mecânico, ela deveria ter vistoa luz do dia 30 anos antes; pois já passaram mais de 90anos desde que John Wyatt, de Birmingham, não sóinventou a série de cilindros canelados (os "dedos defiar". normalmente atribuídos a Arkwright ), como ti-rou a patente e construiu uma "máquina de fiar sem oauxílio das mãos" na sua cidade natal ... Wyatt era umhomem de boa educação, que desfrutava de uma po-sição respeitável, muito estimado pelos seus superiorese, portanto, bem colocado para amadurecer o seu ad-mirável projeto. Mas era um homem de caráter doce epassivo, pouco qualificado para triunfar das dificulda-des que a criação de uma empresa levanta. De fato, erapreciso um homem com a audácia e a ambição de umNapoleão para vencer a atitude recalcitrante deoperários habituados a aplicarem-se de forma irregu-lar e esporádica ... Assim era Arkwrightf'r'"

Os esforces de Wyatt e o seu fracasso final conti-nuam envoltos em mistério. Na realidade, é im-possível distinguir a sua contribuição da do seu cola-borador, Lewis Paul. Já não existe nenhum modelo damáquina Wyatt-Paul; mas Mantoux, tal como Ure,

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pensa que Wy~tt e Paul estavam à frente de Arkwrightno plano técnico. Segundo Mantoux, a maquina deArkwright "só difere da de Wyatt em pormenores. Es-sas diferenças menores não explicam o êxito triunfalde Arkwrighl". 41

Documentos da época levam a pensar que o fracassode Wyatt-Paul deveu-se em grande parte às dificulda-des que eles encontraram em se fazer obedecer pelosoperários. A correspondência entre os patrões e osseus "quadros" mostra que a disciplina era uma dassuas preocupações permanentes. Edward Cave, co-manditário e detentor de uma licença do processo deWyatt, lançou-se na fabricação manual, enquanto ten-tava encontrar uma instalação hidráulica conveniente.pouco depois, escrevia a Paul: "Nem metade do meupessoal veio hoje trabalhar e não sinto um grande en-tusiasmo à idéia de depender deste gênero de gente. "·12A disciplina não melhorou com a mecanização dafábrica. Quando Wyatt visitou a nova fiação em Nor-thamptom, em 1743, verificou que "só quatro tearestrabalhavam de forma regular, pois raramente haviaoperarios em número SlI Iiciente para cinco". ~\ A pro-cura de novas formas de "disciplinação" continuava.Um mês mais tarde, o "lugar-tenente" de Cave escre-viaa Wyatt:

"Acho que eles (os operários) fizeram em quatrodias desta semana tanto como na semana em que vocêcá esteve ... Não havia braços suficientes para fazertrabalhar as cinco máquinas, mas quatro funcionavamem pleno, o que deu mais de 100meadas por dia paracada uma, havendo mesmo algumas que faziam 130.Uma das razões deste progresso é que o Sr. Harrison(o diretor da fábrica) comprou quatro lenços, um porcada máquina, no valor de meio penny cada, ependurou-os em cima das máquinas como prêmios pa-ra as raparigas que fizessem mais."44

Aparentemente, estas tentativas grosseiras de "ven-cer a atitude recalcitrante dos operàrios" fracassaram.Esse fracasso é um dos raros fatos bem assentes no quese refere às tentativas de Wyatt-Paul.

Mas há ainda um outro fato que prova que o êxitoda fiação industrial não se deveu a uma superioridadetecnológica. Para além da indústria do algodão, afiação industrial implantou-se também na da lã, e oseu êxito neste ramo só pode dever-se a razões de orga-nização. Durante muitos anos após o advento dafábrica, a técnica da fiação da lã não tinha evoluído:continuava a ser a da indústria doméstica.e! Ora, deacordo com J. L. e B. Hammond, a fiação em fábricatinha-se tornado predominante desde o início do sécu-10XIX:

"Cerca de 1803, a transformação estava pratica-mente consumada. Uns atrás dos outros, os fabrican-tes de tecidos tinham adotado o sistema das "oficinasde fiação" para a sua indústria doméstica e os tecelõesreceavam ter de vir também a trabalhar sob o teto doseu empresário."46

Pode ser que algum tenham utilizado a energiahidráulica para o funcionamento das máquinas de

fiar,47 mas não parece que tenha sido esse o caso geral.Benjamin Gott, a quem Mantoux chama o "primeirodos grandes fiandeiros do Yorkshire" ,48 só utilizouenergia humana nas suas oficinas de fiação e tecela-gem, o que não parece tê-lo impedido de obter um lu-cro confortável.é? Contudo, durante os 25 anos da suacarreira, Gott nunca confiou a fiação e a tecelagem aoficinas domésticas - que teriam podido fazê-las tãobem como as suas fábricas - deixando para estas ape-nas as operações (cardagem e pisoamento) para asquais utiliza máquinas a vapor. Este fato é ainda maisnotável por a cardagern e o pisoamento, por um lado,a fiação e a tecelagem, por outro, constituírem, na al-tura em que Gott abriu a sua fábrica (1793), dois ra-mos distintos. 50

O caso da tecelagem é ainda mais claro que o dafiação. As grandes oficinas de tecelagem manual deGott não eram as únicas no seu gênero. Muito antesdos teares mecânicos, os tecelões manuais estavamreunidos em oficinas onde teciam segundo as técnicasda tecelagem ao domicílio. É evidente que as oficinasde teares manuais não se teriam mantido se o em-presário não tirasse lucro delas; e é igualmente eviden-te que, neste caso, a fonte desse lucro não podia residirna superioridade da tecnologia utilizada: com efeito, otear manual utilizado na fábrica capitalista não diferiaem nada, ao que parece, do utilizado pelo tecelão adomicilio.

Não encontrei estimativas numéricas da importânciarelativa das fábricas que utilizavam teares manuais e,sem dúvida, seria necessário um esforço de investi-gação mais profundo para emitir sequer umahipótese.>' Um estudo recente da história da tecelagemmanual do algodão conclui que "embora nunca tenhaconstituído a forma de organização predominante natecelagem do algodão, o número das grandes oficinasde tecelagem manual não era despiciendoã- e a suaprodução não se limitava aos artigos de fantasia" .53 Oautor deste estudo prossegue:

1

"Segundo o historiador de Rossendale, nos anos de1815-30,altura em que a tecelagem manual do algodãoera a mais espalhada, havia em Rossendale, de acordocom as estimativas mais baixas, 30 grandes oficinas detecelagem, sem contar com os teares existentes nas ca-sas de habitação. A originalidade das grandes oficinasconsistia em empregar numerosos tecelões em tearesmanuais fora das suas próprias casas e famílias; eramsensivelmente maiores que as oficinas de quatro ou seis(teares) propriedade de um mestre-tecelão e dos seusaprendizes em alguns dos ramos mais especializadosem Bolton ou Paisley, Encontraram-se casos isoladosde oficinas com 150 ou 200 teares manuais, algumastendo entre 50 e 100, e um número considerável com20 ou mais. Este tipo de oficina podia ver-se em toda azona da fiação, nas cidades como no campo."

" ... tanto para o empresário como para o operário,a grande oficina de teares manuais representava na or-ganização da tecelagem de algodão uma etapa de tran-sição entre o verdadeiro sistema doméstico e a fábricamecanizada. Todavia, isto não significa necessaria-

Parcelamento das tarefas -

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mente que a grande oficina de teares manuais tenha si-do uma forma de organização relativamente tardia nosetor do algodão, ou uma imitação consciente dafábrica equipada com teares mecânicos. Com a intro-dução do dandy/oom (um tear manual melhorado),nos fins da década de 1820, houve provavelmente umaumento do número destas oficinas. Mas há notas pu-blicadas em jornais locais que provam que elas exis-tiam já na década de 1780-90. "54

Mesmo numa data já tão tardia como 1838, é contraa oficina de teares manuais e o seu proprietário, e nãocontra o tear mecânico, que se dirigia a animosidadedos tecelões, nomeadamente de Thomas Excell, doGloucestershire. Excell, segundo Wadsworth e Mann,"queixava-se da concentração de teares manuais e demáquinas de fiar na oficina do fabricante" quando es-crevia. "Eles expulsaram-nos das nossas casas e dosnossos jardins parar trabalharmos como prisioneirosnas suas fábricas e nas suas escolas de vícios. "55

16

Durante os primeiros anos do século XIX, a concen-tração dos operários em oficinas conquistou tambémoutros ramos. Para Peter Stubbs, o desejo de contro-lar a mão-de-obra foi não só "um motivo para reuniros fabricantes de limas nas suas oficinas de Warring-ton", mas também uma razão econômica suficientepara manter uma organização industrial em vez doputting-out system, O pormenorizado t'''! lido da em-presa Stubbs feito por Ashton56 não propõe nenhumargumento de ordem tecnológica em favor da concen-tração dos fabricantes de limas, pelo menos nenhumargumento que ele considere decisivo. Tampouco dizque o antigo método de organização do trabalho tenhasido abandonado: pelo contrário, algumas oficinasdessa época existiam ainda no seu tempo,57

Não se trata aqui de tentar negar a importância dastransformações tecnológicas que se têm verificado des-de o século XVIII. Simplesmente, essas transfor-mações não constituíram causas independentes do ad-vento da grande indústria. Pelo contrário, a organi-zação industrial modelava e determinava as formasparticulares que a transformação tecnológica assumia.Não é por acaso que a evolução tecnológica declinouno quadro do putting-out system, após a introduçãoda máquina de fiar de Hargreaves, e se desenvolveu noseio da fábrica. Do lado da procura, o capitalista for-neciaum mercado às invenções e aos melhoramentos eera do seu interesse - por motivos de controle e disci-plina - adotar o sistema de fábrica. Do lado da ofer-ta, a situação era só um pouco mais complexa. Emprincípio, um inventor podia arranjar uma patente e'autorizar os fabricantes - ou, de fato, os produt-oresindependentes - a utilizar as suas invenções. Naprática, na medida em que a produção se fazia em ca-sas dispersas, era difícil, senão impossivel, detectar epunir as fraudes sobre as patentes. Era muito maisfácil salvaguardar os direitos do inventor se- a pro-dução se concentrasse nas fábricas, e este fato bastapara orientar a atividade inventiva para o mercadomais compensador. Pela sua própria natureza, muitosaperfeiçoamentos não eram susceptíveis de ser paten-teados e as suas vantagens só podiam ser postas em

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evidência e rentabilizadas no quadro da organizaçãocapitalista das fábricas.

Poderá daí concluir-se que a fábrica oferecia umadinâmica tecnológica superior e um clima maispropício ao progresso técnico? Responderemos queum clima propício à inovação não implica necessaria-mente uma superioridade tecnológica, dinâmica ouestática. Pois a superioridade da fábrica neste domínioassentava, por seu turno, num conjunto particular dedisposições institucionais relativas, nomeadamente, àremuneração dos inventores pela concessão de mo-nopólios legais às patentes. Uma invenção, como' o sa-ber em geral, é um "bem público": a utilização deuma idéia por uma pessoa não reduz o estoque de sa-ber, do mesmo modo que o consumo de um bocado depão reduz o estoque de trigo. É evidente que os "benspúblicos" nào podem ser distribuídos eficazmente pe-lo mecanismo do mercado; por isso não se podem de-fender as patentes em nome da eficácia econômica.

Na realidade, elas são normalmente defendidas porse lhes atribuir a virtude de estimularem a inveção.Mas o argumento não é convincente. Não se vê aprioripor que não encontraria a sociedade outros processosde recompensar os inventores. No século XVIII, porexemplo, foram concedidos 14 mil libras a ThomasLombe, em vez de se renovar a sua patente da máquina

'de tratamento da seda; comparada com as 120 mil li-bras que a patente lhe tinha rendido em 14 anos, erauma quantia pequena, mas sem dúvida alguma sufi-ciente para incitar o mais desconfiado dos gênios a tor-

t nar públicos os seus segredos.58 A avaliar pela práticainglesa, é certo que a recompensa pública dos invento-res era uma solução aleatória e pouco segura, mas issonão quer dizer que, havendo vontade, não se tivessepodido encontrar um processo de pôr esse sistema emmarcha. Se a instituição das patentes não tivesse feitoo jogo dos capitalistas mais poderosos, favorecendo osque dispunham de quantias suficientes para' comprarlicenças (e, incidentalmente, contribuindo para a pola-rização das classes produtoras em patrões e operários),não se teria tornado o principal modo de remuneraçãodos inventores.

Falta-nos examinar uma última questão: por que éque o mecanismo do mercado - cujos defensores, acomeçar por Adam Smith, supunham que ajustaria ointeresse particular do produtor ao interesse geral -não conseguiu engendrar um controle e uma disciplinaadequados no putting-out system? A resposta é esta: adisciplina e o controle só faziam falta do ponto de vis-ta do capitalista, não do operário. E ainda que, nummodelo suficientemente abstrato de concorrência per-feita, os lucros sejam conformes tanto ao interessepúblico como ao privado, essa identidade de interessesnão caracteriza nenhuma economia capitalista real, se-ja o capitalismo "concorrencial" do tempo de AdamSmith, seja o capitalismo de monopólio contemporâ-neo. No modelo de concorrência perfeita, não há capi-talistas nem operários, só há agregados familiares dis-pondo cada um de uma certa quantidade de recursos,que são todos (incluindo o trabalho) trocados em mer-cados em que ninguém possui poder econômico. Nesse

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delo é impossível dizer se os operários alugam omOpitaI ~u se os capitalistas alugam o trabalho, e a fir-ea I 'I 'I' N-ma não tem qualquer pape n~tave na ana ise. ~ r~a-!idade, o putting-ou~ sy'sterr:tl~ha como caractensncadistintiva uma especlahzaçao. tao parcelar que vedavaao operário o mercado relativamente amplo (concor-rencia!!) existente para os produtos e o sujeitava ao es-treitíssimo mercado de um subproduto que, numa da-da zona geográfica, podia ser controlado por um pe-queno número de fa?ri~antes. 59 ~sta desnaturaç.ã~ ~oprinCÍpio da concorrencla, que esta no cerne da divisãocapitalista do trabalho, fazia da disciplina e da vigilân-cia um assunto de classe mais do que de eficácia tec-nológica; uma falta de disciplina e de controle podiaser desastrosa para o lucro, sem ser ineficaz. A indisci-plina das classes laboriosas, ou, mais cruamente, a suapreguiça, foi largamente notada pelos observadores doséculo XVIII:

"É um fato conhecido de todos ... que, até um certograu, a penúria encoraja a indústria e que o operárioque pode prover as suas necessidades trabalhando trêsdias em sete ficará ocioso e embriagado durante o res-to da semana ... Os pobres, nos condados onde há ma-nufaturas, nunca trabalharão mais horas do que asque precisam para se alimentarem e proverem aos seusexcessOs hebdomadários ... Podemos dizer sem receioque uma redução dos salários nas manufaturas da lãseria uma hendição e uma vantagem para a nação,além de que não prejudicaria os pobres. Por esse pro-cesso, poderíamos preservar o nosso comércio, manteras nossas rendas e, ainda por cima, reformar as pes-soas. "60

Por outras palavras, se os operários optavam portrabalhar menos quando os salários aumentavam, fa-ziam prova de indisciplina. Em termos mais neutros,dir-se-á que a preguiça traduzia simplesmente umapreferência pelo lazer! Longe de consistir "uma inver-são insensata das leis do comportamento econômicoracional" ,61 uma curva de oferta de trabalho com de-clive negativo é um fenômeno naturalíssimo enquantoo operário controla a oferta de trabalho.

Em todo o caso, nenhum partidário da interpre-tação tradicional (em termos de curvas de indiferençadas opções entre a procura de lazeres e o consumo debens) ousaria afirmar que haja algo de anormal numacurva de oferta de trabalho com declive negativo.62 Adistinção entre efeitos de substituição e de rendimentoé o eixo da análise das opções de consumo em termosde curvas de indiferença. Uma alta de salários torna olazer relativamente mais caro para o operário. Mas,jogando em sentido contrário a este efeito de substi-tuição negativo, deve considerar-se o efeito de rendi-mento: além de modificar os termos de troca entre la-zeres e bens, uma alta de salários permite ao operáriooferecer-se mais lazer. Sendo o lazer um bem "nor-mal" (para o qual o efeito de rendimento é positivo),os efeitos de substituição e de rendimento funcionamem sentido contrário. E o resultado é imprevisível; ne-nhum economista neoclássico sério diria que o efeitode substituição deve ser mais forte que o efeito de ren-dimento.63

Todavia, num mercado concorrencial, a forma dacurva de oferta global de trabalho tem pouca impor-tância. Por definição, qualquer capitalista pode alugarquantos operários quiser à taxa de salário corrente. Opreço de mercado do seu produto reflete os saláriosque ele paga. Seja o salário baixo ou alto, ele recebe ataxa de lucro determinada pela concorrência. Mas, pa-ra o pequeno grupo de fabricantes necessitados demão-de-obra, o fato de um aumento de salários levaros operários a trabalhar menos era, além de perverso,desastroso. Em 1769, Arthur Young observava a "opi-nião generalizada" entre os fabricantes de algodão deManchester de Que "a sua melhor arma é a consti-t uicão de reservas consideráveis" .64

O êxito do capitalismo pré-industrial continha emgerme a sua própria transformação. Numa altura emque o comércio interno e externo da Grã-Bretanha sedesenvolviam, os salários subiram e os operários exigi-ram a troca de uma parte do seus proventos por maislazeres. Por mais razoável que, do seu ponto de vista,tenha sido esta reação, ela não ajudava o capitalistaempreendedor a andar para a frente.

O seu primeiro recurso era a lei. No século XVIII, oParlamento por duas vezes promulgou leis a exigir dostrabalhadores a domicílio que terminassem e entregas-sem o trabalho nos prazos acordados. Em 1749, o pra-zo foi fixado em 21 dias e, em 1777, reduzido para oi-to.65 Mas tornava-se necessária uma ação mais direta.A salvação do capitalista era ser ele mesmo a fixar aspartes respectivas de trabalho e de lazeres. Os interes-ses do capitalista exigiam que o operário dispusesse sóda opção entre submeter-se ao patrão ou então nãotrabalhar: o sistema de fábrica não lhe deixará outrasaída.

Em larga medida, a vigilância e a disciplina vinhamdar ao mesmo na fábrica. Sob o olhar vigilante do con-tramestre, o operário perdera a liberdade de estabele-cer a sua própria cadência. Mas a vigilância eratambém importante por uma outra razão: no putting-out system, o operário dispunha da matéria-prima du-rante o processo de fabrico. Isso lhe fornecia um mon-te de oportunidades para aumentar seus proventos:podia substituir a lã boa por uma medíocre, ou escon-der imperfeições na fiação, Oll molhar a lã para torná-la mais pesada. óó Sobretudo, tinha simplesmente apossibilidade de desviar mercadoria. É verossímil queessas possibilidades se tenham multiplicado com o de-senvolvimento e o crescimento do comércio, pois, coma expansão e a multiplicação dos mercados, o escoa-mento dos bens desviados tornava-se mais fácil. Dequalquer modo, os capitalistas passaram a recorrer ca-da vez mais freqüentemente aos poderes legislativo,policial e judicial do Estado durante o século XVIll.67Mesmo a tradicional máxima da justiça inglesa - umhomem é inocente enquanto a sua culpabilidade não ti-ver sido provada - pouco peso teve num momento emque o lucro era ameaçado por um perigo tão claro etão premente. Uma lei do Parlamento, de 1777, permi-tia proceder a uma busca no domicilio de um operáriocom base na simples suspeita de desvio de mercado-rias. Se fossem encontrados bens suspeitos, era o

Purcelulllenw das tarefas

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operário quem tinha de provar sua inocência. Se o nãoconseguisse, era considerado culpado, mesmo que nãohouvesse nenhuma prova. 68

Por maior que fosse a diligência com que o Parla-mento tentava servir aos interesses da classe capitalis-ta, a desonestidade do operário, tal co.no a sua pre-guiça, não podia ser curada pelo recurso à lei. Talvezos magistrados locais, sobretudo quando eram mem-bros da pequena nobreza de terras, não reconhecessemsuficientemente as -necessidades dos mestres-fabricantes.é? Em todo o caso, a justiça foi de umagrande lentidão, sobretudo quando as produções esta-vam dispersas por um vasto território. Não admiraque, como diz Landes, "os empresários tenham co-meçado a pensar em oficinas em que os homens esta-riam reunidos para trabalhar sob o controle de contra-mestres vigilantes do Blackburn Mail encorajava o re-curso ao sistema de fábrica para combater o desvio demercadorias:

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"Já é altura ( ... ) de adotarmos as oficinas ou asfábricas equipadas com teares, sejam manuais, sejammecânicos, agora que o roubo atinge pelo menos umsexto da produção de artigos de algodão. "70

Repare-se como a disciplina e a vigilância da fábricanada tinham portanto a ver com a eficácia, pelo menosno sentido em que o termo é utilizado pelos economis-tas. Disciplinar a força de trabalho significava um au-mento das quantidades produzidas peto aumento dotrabalho fornecido, conservando-se idêntica a produti-vidade do trabalho."! A vigilância da mão-de-obra -na medida em que não se confundia com a disciplina- limitava-se a reduzir o salário real: ao acabar comos desvios de mercadorias e outras formas de fraude,modificava-se a partilha do bolo em proveko dos capi-talistas. No modelo concorrencial, é impossível melho-rar a posição de um indivíduo ou de um grupo em de-trimento dos outros. Mas a história das relações pa-trões operários no putting-out system desmente o mo-delo concorrencial. O desvio de mercadorias e as ou-tras formas de fraude eram pequenas manifestações deum poder compensador. 72 A fábrica pôs efetivamentetermo, ao mesmo tempo, à desonestidade e à preguiça.

O sistema de fábrica, portanto, não apresentavaqualquer superioridade tecnológica em relação aoputting-out system, pelo menos até o momento em quea tecnologia foi remodelada em função do trabalho nafábrica. Mas seria a nova tecnologia mais eficaz? Seriasuperior às outras técnicas de produção, não só para ocapitalista, mas também para o operário de fábrica?(que, apesar de tudo, ganhava mais que o operário adomicílio) Não tinham os operários escolhido afábrica - nenhuma coerção legal os forçava a ir traba-lhar lá - marcando assim uma preferência pela orga-nização industrial ou, pelo menos, pela combinaçãodo modo de organização e do modo de remuneraçãoespecíficos da fábrica?73 Pelo menos, é o que a teorianeoclássica insinua. Mas observemos tudo isto mais deperto.

Em primeiro lugar, é bastante estranho falar de li-berdade de escolha quando o que se verifica é apenas

Revista de Administração de Empresas

uma ausência de coerção legal. A avaliar pela origemda mão-de-obra recrutada pela fábrica no seu início,os operários não dispunham de uma opção efetiva:

"No início, o pessoal das fábricas compunha-se doselementos mais díspares: camponeses expulsos dassuas aldeias pelo alargamento das grandes proprieda-des, soldados desmobilizados, indigentes a cargo dasparóquias, o rebotalho de todas as classes e de todos osofícios. "74

A questão não está tanto em saber se era preferíveltrabalhar numa fábrica a morrer de fome, mas antes seo trabalho de fábrica era preferível a outras formas deorganização produtiva que deixassem ao operário umaparte de controle sobre o produto e o processo de pro-dução, mesmo pelo preço de uma produção e de ga-nhos menores.75 Essa questão não a puseram os capi-talistas do século XIX britânico (nem tampouco os dehoje). Pois se, ao fim e ao cabo, o controle operário doproduto e do processo de produção não deixava lugarpara o capitalista, não é de admirar que o desenvolvi-mento do capitalismo, ao alargar o reino do mercadoda esfera do-trabalho e ao estender o leque das especia-lizações, não tenha criado muitos empregos em que osoperários afastados dos ofícios tradicionais dos seuspais pudessem controlar o produto e o processo deprodução.

Está provado que, onde isso era possível, osoperários se afastavam da fábrica e iam em massa paraoutros empregos. Para os que não tinham um ofício, atecelagem a domicílio era uma das raras soluções alter-nativas - talvez a única importante - ao trabalho nafábrica. E, apesar do nivel extremamente baixo dossalários, subsistiam no início do século XIX cerca deduzentos e cmqüerua mil tl'l'L'\Ôl:' de aluodão a do-micílio. O fato de este número de tecelões se ter manti-do apesar dos falecimentos e da emigração prova queeste ofício continuava a fazer novos adeptos.If Toda-via, como as fábricas se foram tornando os desti-natários praticamente exclusivos dos inventores, astécnicas artesanais tornaram-se cada vez menos com-petitivas.J? O putting-out system, com seus miseráveisvestígios de controle operário, praticamente desapare-ceu na Grã-Bretanha em meados do século. A tecela-gem foi o último bastião da indústria a domicilio:quando esta via se fechou, a liberdade de o operáriorecusar a fábrica era a liberdade de morrer de fome.

E mesmo quando o homem adulto podia realmenteoptar,78 sua mulher e seus filhos, que constituiam amaioria esmagadora dos trabalhadores dependentesnos inícios da fábrica."? não se empregavam por opçãomas porque assim lhes exigiam os seus maridos ou osseus pais.

Nos casos das crianças da Assistência Pública, ascoisas eram ainda mais claras: vendidos pelas autori-dades paroquiais como aprendizes de fábrica por umperíodo que podia ir até dez anos ou mais, de forma apoupar ao contribuinte local o custo da sua alimen-tação, da sua roupa e dos seus alojamentos, estes infe-lizes não tinham qualquer opção, legal ou ilegal. Emsi, o aprendizado não era novo, n(',.IDtampouco o era a

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olocação das crianças entregues à assistência das au-~oridades paroquais ..Mas, ~o fim do século. XVIl.I, ~.nstituição do aprendIzado ja não era um meio de limi-~ar o acesso aos oficios e às profissões e de garantir oseu nível. Em consonância com as exigências da em-presa capitalista, o aprendizado unha-se tornado umsistema da servidão a longo prazo.80 A medida que asfábricas imprimiam sua marca à paisagem, tornavam-se correntes anúncios como estes:

"ALUGA-SE o trabalho de 260 crianças com ofici-nas e tudo o que é necessário para tratar o algodão.Para mais pormenores, dirigir-se ao Sr. RichardClough, Common Street, Manchester.,,81

MantouX chega a dizer que, nos primeiros temposdas fábricas, nunca os pais permitiriam que seus filhoslá entrassem, de modo que os aprendizes fornecidospela Assistência pública eram "as únicas crianças em-pregadas nas !ábricas" .82 Apesar do tes~emunho co?--temporâneo citado por Mantoux em apoio de sua afir-mação, isto será talvez um pouco exagerado. A fábricaOldknow, em Mellor, parece ter funcionado, aprinCÍpio, graças a grupos familiares (mães e crianças)e Unwin sugere que Samuel Oldknow se preocupavasempre em arranjar um emprego para O~ pais. nor-malmente fora da fábrica. Não obstante tal fato. osaprendizes vindos da Assistência constituíam uma par-te importante da mão-de-obra em Mellor: 25070 no fimdo século XVIl1.83

Não é nossa intenção. entrar numa discussão sobre amoralidade do trabalho das crianças em geral, ou doaprendizado dos assistidos, em particular. 84 Partindoda existência das fábricas, o trabalho das crianças, pe-lo menos no início, era provavelmente um mal ne-cessário. Tal como escrevia Ure:

"É praticamente impossível, após a puberdade,transformar as pessoas vindas de ocupações rurais ouartesanais em bons operários de fábrica. Depois de selutar algum tempo para vencer os seus hábitos de indo-lência ou de indocilidade, ou eles renunciam esponta-neamente ao emprego ou então são despedido- peloscontramestres por falta de atenção."

Nem sempre assim aconteceria, como o mostrou ahistória: apesar de tudo, a fábrica sobreviveu à abo-lição do trabalho dos menores. Não é de admirar quesó o recrutamento da primeira geração de operários defábrica tenha constituído um problema grave. Para ascrianças dessa geração, a fábrica fazia parte da ordemnatural, talvez mesmo da única ordem natural. Chega-da à idade adulta, fortificada pela disciplina da Igrejae da Escola, a geração seguinte pôde provavelmenteser recrutada para a fábrica sem mais dificuldades doque os filhos de mineiros para a mina ou os filhos dossoldados profissionais para o exército.

o recrutamento da primeira geração de operáriosdesejosos e capazes de se submeter a uma disciplina ex-terna constitui um obstáculo constante à expansão dosistema de fábrica. A própria América de meados doséculo XX teve de enfrentar esse problema, e tambémaqui a ausência de opção teve um papel importante.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, a General Mo-tors introduziu cadências impostas numa fábrica demontagem em Framingham, Massachusetts. Mais de85070 de uma amostra85 de operários entrevistados poruma equipe de sociólogos, sob a direção de CharlesWalker e Robert Guest, tinham antes disso ocupadolugares em que eles próprios determinavam a sua ca-dência. No inquérito de 1949, conduzido pela equipeWalker-Guest, metade da amostra indicou que o queos levara a entrar para a G.M. fora a impossibilidadede encontrar outro emprego.

E cerca de um quarto afirmou que aceitaria uma di-minuição de salário desde que conseguisse arranjar ou-tro trabalho.86 Um deles declarou: ';Eu aceitaria prati-camente qualquer trabalho para sair daqui. É fisica-mente insuportável. A minha saúde está em primeirolugar. Para que serve o dinheiro se um tipo arruina asaúde?" 87

Mas se o obstáculo que se opunha à concentraçãodos trabalhadores era a ausência de uma mão-de-obradisciplinada e subordinada - e não a ausência de umatecnologia conveniente - porque é que o sistema defábrica só aparece no fim do século XVIIl? A verdadeé que ele remonta a uma época muito mais longínqua,pelo menos à época romana: segundo Tenny Frank, osistema de fábrica era o modo de organização domi-nante para fabricar, pelo menos, duas mercadorias: ostijolos e a cerâmica de verniz vermelho.88 A mão-de-obra das fábricas romanas - o fato é interessante parao nosso objetivo - parece ter sido quase exclusiva-mente composta por operários com uma liberdade deopção tão minguada como a das crianças da Assistên-cia do século XVIII em Inglaterra: escravos. Em con-trapartida, as fábricas eram muito raras nas atividadesdominadas pelos homens livres. Frank enumeravárias: fabrico de lanternas de barro, de artigosmetálicos, de jóias, condutas de água, em que os escra-vos eram relativamente raros. Todas essas atividadesestavam organizadas em corpos de oficios restritos.ê?Este dualismo, no fim de contas, não é de surpreender:artesãos independentes que produzem diretamente pa-ra o mercado não têm necessidade de ser controlados,ao passo que a mão-de-obra servil é evidentementedificil de ser mobilizada sem vigilância. A fábrica ofe-recia ao mundo antigo, como ao moderno, uma orga-nização favorável a uma vigilância rígorosa.P? Talvezos nossos conhecimentos sobre a época sejam demasia-do exíguos para serem probatórios, mas eles nos fazemcrer que a organização do trabalho em corpos deoficios ou em fábricas era, na época romana, determi-nada não por considerações tecnológicas, mas pelaforça relativa das duas classes produtoras. Os homenslivres e os cidadãos tinham poder suficiente para man-ter uma organização de tipo corporativo; os escravosnão tinham poder e iam cair às fábricas.

1~

Este raciocínio é corroborado pelo desenvolvimen-to do capitalismo nos tempos modernos. A organi-zação corporativa da produção e da distribuição aca-bou por abrir caminho ao putting-out svstem por duasrazões: era mais vantajoso para a classe que estava emcondições de se interpor entre o produtor e o mercado

Parcelamento das tarefas

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e, fato igualmente importante, os lucros conferiram àclasse capitalista nascente o poder político necessáriopara acabar com as instituições corporativas - regrasestritas de aprendizado, associação estrita da pro-dução e do negócio, e por aí fora - e substituí-las porInstituições favoráveis ao putting-out system: o merca-do livre tanto do trabalho como das mercadorias, es-corado pelas regras estritas da disciplina industrial,com severa repressão do desvio de mercadorias e deoutras infrações. Enquanto não foi vencido o poderpolítico dos pequenos mestres e companheiros, oputting-out system não pôde prosperar, pois a divisãodo trabalho, que constituía a sua essência, se opunhatanto ao acesso do .aprendiz ao ofício do mestre comoà confusão do produtor e do negociante numa únicapessoa.

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Ao mesmo tempo, o putting-out system era necessa-riamente um sistema de transição. Uma vez criado ummercado livre do trabalho, era de esperar que, mais ce-do ou mais tarde, o patrão se servisse da fábrica comomeio de reprimir essas liberdades que faziam baixar oslucros. As disposições legais cuidadosamente elabora-das para proteger o empresário contra a preguiça e adesonestidade dos operários não eram, como vimos,aplicáveis com plena satisfação do capitalista.

De fato, tudo leva a crer que a fábrica teria surgidobem mais cedo se os pequenos mestres e companhei-ros, conduzindo o combate da corporação contra o ca-pitalismo, não tivessem conseguido, durante algumtempo, utilizar para os seus próprios fins a estratégiadividir para reinar. Tirando partido das divisões entreclasses mais poderosas, os pequenos mestres e os com-panheiros conseguiram fazer alianças provisórias, que,pelo menos durante algum tempo, impediram o adven-to da fábrica. A aliança do pequeno mestre tecelãocom o grande negociante, por exemplo, permitiu man-ter um estrito controle do aprendizado até ao séculoXVII.91

Esta estratégia teve como resultado - e este é umdos exemplos mais interessantes do êxito dessasalianças com interesses mais poderosos - uma inter-dição parlamentar das oficinas de teares. O Wea-vers ' Act de 1555, duzentos anos antes de Ar kwright ,exprime-se assim:

"Os tecelões deste reino, na presente sessão do Par-lamento como em diversas outras alturas, têm-se quei-xado de que os ricos fabricantes de tecidos os oprimemde muitas formas: alguns instalam e mantêm em suascasas vários teares e colocam-nos nas mãos deoperários pagos ao dia e de pessoas sem aprendizado,em detrimento de um grande número de artesãos edu-cados desde a infância na arte de tecer ... Para reme-diar a situação descrita e evitar todas as desagradáveisconseqüências que dela podem advir se não forem pre-venidas a tempo, é ordenado e promulgado pela auto-ridade deste presente Parlamento que nenhuma pessoaque exerça a profissão de fabricante de tecidos e quemore fora de uma cidade, de um burgo, de uma vilacom mercado ou em município constituído, tenha emsua casa ou em sua posse mais do que um tear delã ... "92

Revista de Administração de Empresas

Talvez, como o sugere Unwin, o objetivo principaldesta lei tenha sido "deixar o controle da indústria nasmãos dos empresários das cidades (aos quais não eraaplicável), travando o crescimento de uma classe de ca-pitalistas rurais".'H De qualquer modo, foi precisa- ,:....1..mente por se agarrarem a interesses mais poderosos!que os pequenos mestres e os companheiros consegui-ram preservar os seus interesses próprios durante tantotempo.

Na realidade, não é muito importante saber exata-mente quem era a favor e quem era contra a lei de1555: o que é importante é a sua existência numa datatão precoce. Não há fumo sem fogo, e, portanto, deviahaver algum motivo poderoso para concentrar osoperários, muito antes de haver justificação para amáquina a vapor ou a água. Salvo em períodos de caçaàs bruxas, os corpos legislativos importantes não cos-tumam promulgar leis contra males imaginários. Paraterem originado uma repressão parlamentar, as ofici-nas de teares tiveram de constituir uma ameaça econô-mica real para os tecelões independentes desde o séculoXVI. Mais, havia certamente uma classe que tentavatirar partido do desenvolvimento da organização dafábrica. O século XVI distingue-se dos séculos seguin-tes pela relação de forças entre essa classe e as classesopostas ao desenvolvimento da empresa capitalista.

O capitalismo industrial não alcançou o poder de re-pente; a sua progressão fez-se por etapas e de forma ir-regular, como o demonstra a obra de Unwin.P+ Mas,no fim do século XVIII, o processo estava praticamen-te concluído. A revogação total das leis que limitavamo aprendizado ou que regulamentavam a exploraçãocapitalista limitava-se a refletir as novas realidades.Nessa época, a transformação da organização do tra-balho num sentido mais favorável aos interesses daclasse capitalista estava em pleno desenvolvimento.Não foi a fábrica a vapor que nos deu o capitalismo;foi o capitalismo que engendrou a fábrica a vapor. O

I Engels, f, Da autoridade. In: Almenacco republicano, 1894. Tra-dução inglesa em Marx & Engels. Basic writings in politics and phi-losophy. New York, L. Feuer (ed.), Doubleday & Co., Garden City,1959, p. 483. O destaque é nosso.

~ Baseado na distribuição de matérias-primas a artesãos, aos quais•é depois comprado o produto acabado.

J Aliás, este argumento é ainda mais antigo: Considerations uponthe East-India frade, de Henry Martyn, foi publicado em 1701.

~ Encontra-se uma dissertação concisa e elegante sobre a relaçãoentre a eficácia tecnológica c os métodos de produção pelo menorpreço em Koopmans, Tjalling. Three essays on the state of economicscience, New York, McGraw-Hill, 1957, especialmente p. 66-126.

5 Smith, A. The wealth ofnations. New York, Cannan, RandomHouse, 1937, p. 7.

'Smith, A. op. cir., p. 734-35.

7 Smith, A. op. cir., p. 4-5.

" Ashron, T .5. The records of a pin manufactory, 1814-21. Econo-mica, novo de 1925, p. 281-92.

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9 OUtro exemplo: a tecelagem manual do algodão, embora descritapar J. L. e aarbara Hammond num livro intitulado The skilled la-bO rer (O trabalhador hábil), London, Longmans Green. 1919. era

urentemente um oficio fácil de aprender (p. 70). Um fabricanteapa . ã 1 •• d Id larou perante uma cqnuss o-par amentar que um a o escented~CcatOrzeanos pode obter um conhecimento suficiente do ofício emeis semanas". The hadloom weaver, de Duncan Blythell, England,

~ambridge, 1969, que cita este testemunho, é muito explicito: "des-de a sua origem, a tecelagem manual do algodão era um empregoque não requeria qualquer' habilidade ou atenção particular, quefornecia uma ocupação doméstica ~e tempo parcial a milhares demulheres e crianças .,;" (p. 270).

A aparente facilidade com que, segundo J. L. e Bárbara Ham-mond, as mulheres substituíram na tecelagem da lã os homens quetinham ido combater Napoleão faz pensar que tampouco essa tecela-gem era muito difícil de aprender (op. cit., p. 60-162). De fato, emcertoS ramos do setor do algodão, a concorrência das mulheres erade tal ordem que, pelo menos uma vez, os homens se sentiram obri-gadoS a comprometer-se coletivamente "a não permitir a nenhumamulher aprender o oficio" (íbid., p. 162), ação. que não teria sido ne-cessária se a força ou a habilidade requeridas não estivessem ao al-cance das possibilidades femininas. O papel desempenhado pelasfaltas de mão-de-obra ocasionadas pela guerra na eliminação dosobstáculos artificiais ao emprego das mulheres, e as dificuldadesconsecutivas ao restabelecimento desses obstáculos, fazem lembrar aexperiência americana da IIGuerra Mundial.

10 Literalmente, o que manda fazer um trabalho no exterior.

11 Isto não quer dizer que o fabricante, ou "mestre-manufatureiro",não tenha dado contribuições importantes, no plano tecnológico,para o processo de produção. Mas sempre que o capitalista contri-buiu verdadeiramente para uma inovação tecnológica útil, eleapropriou-se eficazmente das vantagens daquilo que, em termoseconômicos, é um bem coletivo, impedindo os outros (e, em particu-lar, os seus operários) de aprender e imitar os seus segredos deoficio. Haverá melhor processo de assegurar o sigilo do que insistirem que nenhum operário conheça mais do que uma parte do conjun-to? O sistema da patente era notoriamente ineficaz (as retribuiçõesde umanação reconhecida demasiadamente aleatórias) para queuma pessoa se fie nelas, em particular no que se refere aos melhora-mentos marginais, que representavam o máximo que a maior partedos inovadores conseguia realizar.

12 UUWIlI,l..Je:orge,lndustrialorganization in lhe Sixteenth and Se-venteenth Centuries. Oxford, The Clarendon Press, 1904; reimpres-so por Cass, London, 1957, p ..96.

13 Id. Ibid., p. 96.14 Citado por Boyson, Rhodes. The Ashworth cotton enterprise,Oxford, Oxford University Press, 1970, p. 52.

..I~ The Spectator. London, 26 Mar. 1866, p. 569. O destaque é nos-so.

"16 Id. Ibid. p. 569.17 Trist, E. L. &. Bamforth, K. W. Some social and psychologicalconsequences of the Longwall method of coai getting. Human Reta-tions, 4(1): 6, 195I.

18 Id, Ibid., p. 6.

19 Id, Ibid., p, 6.

20 Id. Ibid., p. 9.

21 Id. Ibid., p. 23-4.

II Id. Ibid., p. l l.

23 Como veremos, a necessidade de vigilância era um problema ine-rente à especializaçãO no putting-out system. O sistema de fábricavinha trazer uma solução a esse problema; solução que refletia maisos interesses do capitalismo do que uma pretensa superioridade tec-nológica.

24 Harvard business school case study, British coai industries (C),preparado por Gene W. Dalton sob a direção de Paul R. Lawrence.-e baseado em Trist, E.L. &. Murray, H. Work organizalion at coaiface, doc. 506, London, Tavistock Institute.

2S Harvard business school case study, British coai industries (B).

26 British coal industries (C).

27 lbid. O destaque é nosso.

28 A nacionalização não transformou o conceito de propriedade:limitou-se a transferir para o Estado o título de propriedade darni-na.29 T. S. Ashton (An Eighteenth Century industrialist. Manchester.Manchester University Press, 1939, capo 2-3) sublinha a importân-cia dos adiantamentos de salários na transformação dos metais. Osadiantamentos aos tecelões eram prática corrente do fabricanteSamuel Oldknow. Em todo o caso, o seu montante era relativamentereduzido, da ordem de uma semana de salário (Unwin, G. et alii. Sa-muel okiknow and the Arkwrights. Manchester, Manchester Uni-versity Press, 1924, p. 49). Se, de fato, a metalurgia era o único setorem que os adiantamentos de salário constituíam um instrumento decontrole capitalista importante, seria interessante conhecer o moti-vo. George Unwin cita um .exemplo da ligação endividamento-trabalho forcado já no reinado de Henrique VII (lndustrialol1lani-zation in lhe Sixteenth and Seventeenth Centuries, p. 52).

30 Ashton, T.S. The industrial revolutíon; 1760-183U.London.Ox-ford University Press, i948, p. 33.

31 Id. lbid., p. 72.32 Mantoux, P. The industrial revolution in the "Eighteenth Century.New York, Harper and Row, 1962, p. 39.

3l Landes, D. S. The unbound Prometheus. Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1969, p. 81.

)4 Ashton, i.S. The industrial revolution. p. 109. Veja, também,Ashton, T. S. An Eignteenth Century tndustriaitst. p. 26. .

3S Mantoux, P. op. cit., p. 246.

36 Landes, op. cit ., p. 60.37 Landes, D. S. The rise of capitalism. New York, Macmillan,1966, p. 14.

21

3M Mantoux, P. op. cit ,; p. 246.

39 Id. Ibid., p. 14. Cf. Heaton, Herbert. The Yorkshire woolen andworsted industries. Oxford, Oxford University Press, 1920: "A van- .tagern econômica da fábrica deve-se sobretudo ao fato de ela recor-rer a máquinas capazes de realizar o trabalho rapidamente e de a uti-lização da energia permitir que elas funcionem a grande velocidade"(p.352). .'1')-'

~;.~ -;( f •

40 Ure, A. The philosophy of manufactures. London, CharlesKnight, p. 15-6. As comparações militares abundam nas obser-vacões contemoorâneas dos inícios da fábrica. Boswell descrevia f'

Mathew Boulton, o sócio de Wyatt no fabrico de máquinas a vapor,como um capitão do ferro no meio das suas tropas, em seguida auma visita às suas oficinas, em 1776 (citado por Mantoux, op. cit.,' .,..p.37). .!;V:."; ..

.. ;,~.;.':!"'.'::'

41 Mantoux. 00. cít., p. 223. Wadsworth e Mann não são destaôpi~:nião. Veja Wadsworth, Alfred. P. &. Mann, Julia Delacy. Thecotton trade and Industrial Lancashire, Manchester UniversityPress, 1931, p, 482-3. :'.f,:.1t';42 Citado por J~lia Delacy Mann em The transition 10 mach~t'spinning, In Wadsworth &. Mann, op. cít., p. 433. ;i;!M:'

43 ld, lbid., p. 436.

44 Id. Ibid., p. 437.

4S •• Até ao fim da década de 1820, e provavelmente ainda depois de1830, data em que a mule de Crompton se tomou automática. nlohouve: qualquer progresso técnico na indústria da lã" (Crump, '11'.B.The Leeds Wooten Industry; 1780-1820. Leeds, Thoresby Society,1931, p. 25). >-",.'.ofY''':'-

46 J.L. & Hammond, Barbara. op. cit., p. 146.

47 Id. Ibid., p. 148.

48 Mantoux, P. op. cir., p. 264.

Parcelamenlo das tarefas','

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49 Crump, op. cit., em particular p. 24-5, 34.

50 Id. Ibid., p. 24.

51 Usher, Albert P. An introduction to the industrial history of En- .gland. Boston. Houghton Miff1in, 1920. O autor apresenta algumasestatísticas para 1840, mas sem citar as fontes: "em Coventry, nodistrito da fita de pano, havia 545 teares manuais nas fábricas, 1.264teares manuais pertencentes a capitalistas fora das fábricas e 121 tea-res de mestres independentes. Em Norwich, havia 656 teares nasfábricas, para um total de 3.398 em todo o distrito" (p.353).

52 "Despiciendo _ de pouco valia, de pouco valor, que pode serposto de lado, desprezado, não levado em conta." In: Grande di-cionário etimológico prosódico da língua portuguesa.

53 D. Blythell, op. cit., p ..33.

54 Id. Ibid., p. 33-4.

55 Wadsworth & Mann, op, cit., p. 393.

56 An Eighteenth Çentury industria/ist.

57 Id. lbid., p. 26.

58 Mantoux, op. cit., p. 195-6. No caso de Lombe e do seu irmãoindependentemente do seu talento de organizadores, o gênio consis-tiu em roubar uma invenção italiana.

22

S9 No que se refere ao poder dos patrões sobre os operários, veja en-tre outros, Landes, op. cir., p. 56; Thompson, E. P. The making ofthe Eng/ish working class. New York, Random House, 1963, capo 9,em particular as citações relacionadas com este assunto, p. 280-97.Adam Smith era muito claro: "Os patrões estão sempre, em todo olado, reunidos numa espécie de liga, constante e uniforme, para ele-var os salários acima da taxa atual. Violar essa regra constitui em to-do o lado uma traição e um motivo de censura para os seus vizinhose semelhantes. Na realidade, nunca se ouve falar desta liga, porqueela é c estado habitual e, pode-se dizê-lo, o estado natural da coisa eninguém lhe presta atenção." The wealth of nations, p. 66-7.

60 Srnith, J. Memoirs of wool. 1747, apud E. P. Thompson, op. cit ..

p.277.

61 A apreciação é de Landes (op. cit., p. 59).

62 Contrariamente ao que subentende Landes, para que uma curvade oferta de um bem ou de um serviço com declive invertido consti-tua uma vantagem para o vendedor (como o tempo) não é necessário"definir de forma muito rigorosa um nível de vida considerado co-mo decente" (op. cit ., p. 59).

63 É muito curioso que a aplicação da curva de indiferença a um dosproblemas mais fundamentais da opção econômica pressuponhauma condição importante que é incompatível com o capitalismo: pa-ra se poder aplicar o modelo de curva de indiferença às opções entreconsumo de bens e procura de lazer, é necessário que o operário de-tenha o controle do seu tempo de trabalho.

6-1 .4 young Northern tour, apud. Wadsworth & Mann, op. cit., p.

389.

65 Heaton, op. cit., p. 422. Estas leis tinham precedentes históricos.Unwin cita uma postura municipal de 1570 em Bury SI. Edmunds,que exigia às mulheres celibatárias que trabalhassem seis libras de li!por semana. Os empresários tinham a obrigação de avisar as autori-dades sempre que alguém desobedecesse a essa ordem (op, cit .; p.

94).

66 Heaton, op. cit., p. 418.

67 Heaton, op, cir., p. 418-37, trata da indústria da lã; Wadsworth& Mann, op. cir., p. 395-400, da indústria do algodão.

68 Heaton, op. cit .; p. 428.

69 Heaton, op. cit., p. 428.

iO Apud, Blythell, op. cu., p. 72.

Revisto de Administração de Empresas

71 Em termos técnicos, o fato de já não ser o operário mas sim o. ,. d ca,pnausta quem.tem ~ po er de escolha entre mais consumo de bensou mais lazer e analisado como um deslocamento ao longo de udada função de produção e não como um deslocamento da próp~afunção, a

72 Qualquer comentário sobre a pretensa imoralidade destas ma .festações de resistência é provavelmente supérfluo. Tratava-se ~I-uma época em que os sindicatos eram associações ilegais, proibida eque caiam sob a alçada da lei contra as conspirações, antes de ser: eobjeto do Combination Act (1799). rn

'73 Os salários oferecidos pela fábrica para a tecelagem manual eramais elevados do que os salários oferecidos para o mesmo trabalh

m'.

efetuado a domicílio - provavelmente para compensar a obriga"ão

da submissão á vigilância e á disciplina da fábrica. Veja Blythell ~ o :;,cit ,; p. 134. ' p.

74 Mantoux, op, cit ., p. 375.

7$ Preferível é utilizado aqui numa acepção mais ampla do quea convencionalmen~e admitida pelos economistas quando cornpa,ra~ dlf~rentes provisões de bens, mesmo qu~ndo se dão ao trabalhode íncluir o lazer como um desses bens. A tntegridade - pessoal e 'cultural - não pode ser represent ada numa curva de indiferençPara uma discussão dos efeitos da mudança econômica na integrid::de cultural, veja Polanyi, Karl. Class interest and social change. InThe great transformation. New York, Rinehart, 1944; reimpress~em Primitíve, archalc and modem economies, sob a direção deGeorge Dálton. New York, Doubleday, 1968, p. 38-58.

76 Sobre a i~portân.cia dos efetivos no setor da tecelagem de algo-dão a domicilio, veja Landes, op. cit ., p. 86-7; Blythell, op. cit.,capo 6 e anexos; Chaprnan. Sydney J. Lancashire Cotton lndustry;Manchester . Mancnester Universit y Press, 1904, p. 43-4.

. 77 Espantoso é como os tecelões a domicílio conseguiram agüentartanto tempo, prova, como o diz Landes, "da obstinação e da tenaci-d~de d~ homens que se recusavam a trocar a sua independência peladisciplina. melhor remunerada, da fábrica" tUnbound Prometheusp.86). '

A repugnância dos tecelões a domicílio em se submeterem á disci-plina da fábrica foi objeto de numerosos comentários por parte doscontemporâneos. Já em 1836, um célebre detractor da fábrica, JohnFielden, escrevia: "eles não só não irão para as fábricas como nãodeixarão ir os seu; filhos" (apud. Blythe!l, op. cit., p. 252). Um ou-tro, testemunha perante uma comissão de inquérito parlamentar,declarou que um tecelão a domicilio não procuraria emprego numafábrica porque aí "estaria submetido a uma disciplina que nenhumtecelão poderia agüentar" (Comissão de inquérito às petições dos te-celões sobre os teares manuais. !834; apud. Thompson, E. P. op.cit .. p. 307).

Que a incapacidade de adaptação à fábrica tenha sido uma Ques-tão de gosto, ou esteja relacionada com a ausência das atitudes psi-cológicas essenciais á disciplina da fábrica, é um probkma de alcan-ce não só histórico, mas ainda atual (Ure - a sua opinião não mere-cera muito crédito - coloca-se claramente do lado dos que pensamque o tecelão a domicílio não podia adaptar-se, em oposição aos queachavam que ele não queria). A idéia de que o papel da escola é pre-cisamente o de inculcar atitudes fa\'oràveis à disciplina do trabalho édesenvolVida por Gint is , Herbert. Education, tcchnology and thecharacteristics of worker productivity. American Economic Review,Mar., 1971.

7~ Para os homens, o emprego na fábrica podia ser bastante atraen-te. A conceru ração dos operários não tinha resolvido de repente to-dos os problemas de disciplina: nas fiações por exemplo, os homensadultos formavam uma espécie de corpo de subofíciois. e as mulhe-res e crianças eram a infantaria. O emprego na fábrica era relativa-mente sedutor para esses aristocratas 'do .trabalho, Citemos Ure:"Pode acontecer que o economista se interrogue ... corno ~ possívelmanter os salários dos bons fiandciros à sua taxa atual. A esta per-gunta, um dos manufatureiros mais bem informados respondeu-me:Não temos grande vantagem em economizar nos salários em pre-juízo do contentamento que eles provocam e por isso os conserva-mo, o mais elevados que podemos, para rcrrno- o direito de obter amelhor qualidade de trabalho. Um fiandeiro conta ganhar muito di-nheiro ao longo <la 'lia viela com a responsabilidade de um par de

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tnules, por isso fará tudo para manter a sua posição e para conservara elevada qualidade do nosso fio" (Ure, op. cir., p. 366).ca-

ensrnairia '

ini-de

as e'em

94 Id.lbid.

79 por exemplo, na fiação Oldknow, de Mellor, só 10070 dosoperários (sem sequer contar com os aprendizes menores) eram che-fes de família. Unwin, G. et alii, Samuel Oldknow and lhe Ark-wrighlS, op. cit.

SOVeja Ashton. An Eighteenth Century industriallst, p. 28, que se• refere a Dunlop, O. J. English apprenticeship and child labour, p.

196. Veja também Blythell, op. cit., p. 52, e Wadswonh & Mann,op. cit., p. 407-8.am

lhocãoop,

81 Wheelers Manchester Chronicle, 7 de agosto de 1784; citado porWadsworth & Mann, op. cit., p. 408. Se estivéssemos inclinados pa-ra um negócio de envergadura mais modesta, podíamos deixar-nostentar pela oferta global de uma fábrica de dezesseis teares e o traba-lho de doze aprendizes. Manchester Mercury, I dez. 1789, apud.Blythell, op. cit ., p. 52.[ue

pa-lhoLI e,a.da-In,ssode

:0-t.,rr.

arci--laIS,

ii-osIniou-r,lame-p.

s-,i·,-e-:nre:-érev,

I· 1l' iIS

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82 Mantoux, op. cit., p. 411.

83 Unwin, George et alii. Samuel Otdknow and lhe Arkwrights, p.66-175.

84 Cada um leva a água ao seu moinho. Bastará talvez reparar comoum homem como Unwin revela mais do que a pobreza da sua irnagi-nação quando, com todo o seu esforço para ser honesto e objetivo,defende o sistema baseando-se na sua superioridade em relação à 50'

lução das workhouses.

85 A amostra representava pouco mais de um quinto do total do,operários.

~h Walker, Charles R. & Guest , Robert H. The IIIUI/ 01/ file LI.\,\('/IIN,

line. Cambridge, Harvard University Press, Mass., capo 6,1952. Uminquérito continuado ás atitudes dos operários seria apaixonante:em que medida aqueles que, inicialmente, se opunham ao aspectodesumanizante do trabalho em cadeia e se ofendiam com ele vierama aceitá-lo - a troco de salário-, relativamente ctcvado- e da 'c·>.!1I

rança do emprego? Qual foi o procc';,,, de mudunca do- \ ;!I",~,"dos critérios dos operários 111' <cguimcnro da Slla cnlrada 1""" "G.r v1.? Em que medida procuraram dcpoi-. um Irahallo" '1"\' Ih•.,conviesse melhor?

87 Id. Ibid., p. 88. Às vezes parece que o problema do recrutamentode uma mão-de-obra conveniente é resolvido de uma maneira queinibe, em vez de estimular, as atitudes para com o trabalho ne-cessário á expansão do capitalismo industrial. A abundância dos de-sempregados estrangeiros e indianos enxerta um sistema de fábricaexógeno na sociedade indiana, sem com isso desenvolverem a disci-plina característica da mão-de-obra ocidental. Os trabalhadores in-dianos têm uma mobilidade de emprego muito maior do que os seushomólogos ocidentais, porque há sempre um contingente de substi-luto, pronto a tapar os furo' da procura. Ricc, A. 1-:. Produrtivtt vand organization: the Ahmedabad experimenl. London. Tavistock ,1958, p. 79-118, defende incidentalmente esta hipótese.

R~ Frank, Tenney. An economic history of Rome. 2~ edição revista.Baltimore, John Hopkins University Press, 1927, capo 14.

89 Id. Ibid., capo 14.

90 É preciso notar que, aparentemente, os homens livres trabalha-'Iam a troco de um salário, embora fora das fábricas. A existência deum proletariado parece incontestável. Id. Ibid., p. 269-70 e capo 17.

91 Unwin. Industrial organization in the Sixteenth and SeventeenthCenturies, p. 199.

92 Citado por Mantoux, op. cit., p. 34-5.

93 Unwin , op. cit .; p. 93.

DO nas organizações brasileiras: aceitaçãoreal ou fictícia?Paulo C. da Costa Moura

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