J. H. ELLIOTT

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ELLIOTT, J. H. “O Processo de Assimilação” e “A Nova Fronteira”. IN: O Velho Mundo e o Novo. 1492- 1650. - O Processo de Assimilação Sobre o mito edênico nas terras descobertas, o mito de Atlântida: “O novo Mundo, tal como era concebido pelos Europeus no fim da Idade Média e do principio da Renascença, provou frequentemente não passar de uma construção mental muito frágil. [...] A utopia dos humanistas, tal como as Sete Cidades dos exploradores, parecia cada vez mais remota e irreal. Em meados do século XVI, as discrepâncias entre a imagem e aa realidade já não podiam ser sistematicamente ignoradas. Havia demasiados factos estranhos que começavam a impedi-los.” (p. 41) O impacto social e cultural da descoberta, e a filosofia cientifica e religiosa da época: “Apesar dos (crescentes) problemas levantados pelo conhecimento progressivo da América, não se organizava ainda qualquer ataque fundamentado à precisão cronológica e histórica da bíblia sobre a criação do homem e da sua dispersão depois do diluvio. A filosofia politica e social da Europa quase não estava ainda afetada pelos resultados da observação e da pesquisa etnográfica. As possibilidades do relativismo, como arma para desafiar as presunções religiosas, politicas e sociais da há muito estabelecidas, também mal tinham sido apreendidas.” (p. 42) A principio, era questionado a origem dos ameríndios. “O século XVI colecionava fatos como colecionava objetos exóticos, juntando-os a fim de os expor em cosmografias, como se fossem raridades num armário. Porem, as curiosidades tinham também o seu devido lugar num enquadramento cristão mais vasto.” (p. 44)

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ELLIOTT, J. H. “O Processo de Assimilação” e “A Nova Fronteira”. IN: O Velho Mundo e o Novo. 1492-1650.

- O Processo de Assimilação

Sobre o mito edênico nas terras descobertas, o mito de Atlântida: “O novo Mundo, tal como era concebido pelos Europeus no fim da Idade Média e do principio da Renascença, provou frequentemente não passar de uma construção mental muito frágil. [...] A utopia dos humanistas, tal como as Sete Cidades dos exploradores, parecia cada vez mais remota e irreal. Em meados do século XVI, as discrepâncias entre a imagem e aa realidade já não podiam ser sistematicamente ignoradas. Havia demasiados factos estranhos que começavam a impedi-los.” (p. 41)

O impacto social e cultural da descoberta, e a filosofia cientifica e religiosa da época: “Apesar dos (crescentes) problemas levantados pelo conhecimento progressivo da América, não se organizava ainda qualquer ataque fundamentado à precisão cronológica e histórica da bíblia sobre a criação do homem e da sua dispersão depois do diluvio. A filosofia politica e social da Europa quase não estava ainda afetada pelos resultados da observação e da pesquisa etnográfica. As possibilidades do relativismo, como arma para desafiar as presunções religiosas, politicas e sociais da há muito estabelecidas, também mal tinham sido apreendidas.” (p. 42)

A principio, era questionado a origem dos ameríndios.

“O século XVI colecionava fatos como colecionava objetos exóticos, juntando-os a fim de os expor em cosmografias, como se fossem raridades num armário. Porem, as curiosidades tinham também o seu devido lugar num enquadramento cristão mais vasto.” (p. 44)

“O conhecimento de novas terras e das novas gentes podia, tal como sugeriu Acosta, aumentar a grande tarefa da evangelização da humanidade.” (p. 45)

As descrições: “o instinto de colecionador [dos europeus] estimulou a tentação de acumular, indiscriminadamente, dados etnográficos aleatórios, o que tornava difícil estabelecer um padrão coerente das ideias.” (p. 46)

“A gradual aceitação por parte da Europa do fenômeno natural e geográfico da América foi obstruída e ajudada simultaneamente pela dependência daquela do conhecimento geográfico dado pela antiguidade Clássica. [...] Era tão difícil romper com a tradicional concepção da orbis terrarum, com os seus três grandes continentes, a Europa, a África e a Ásia, como romper com ideia de uma zona tórrida desabitada e impossível de atravessar, no hemisfério sul.” (p 55-56)

A questão da humanidade na América: “Foi, porem, esta questão da humanidade, ou do grau de humanidade, dos povos da América que foi a causa do tão agitado debate durante o século XVI, porque o homem americano, mais ainda do que a entidade

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geográfica da América, impunha aos europeus uma revisão fundamental das atitudes e ideias tradicionais.” (p. 57)

O índio como ser inferior, e, portanto, passível de ser escravizado pelos europeus (espanhóis). Um entendimento aristotélico pelos europeus: “Esta presunção indica que existia, pelo menos entre os colonos espanhóis, uma cruel teoria biológica que podia ser utilizada para justificar a teoria aristotélica de Sepúlveda da natural servidão dos índios baseada na inferioridade em relação aos espanhóis.” (p. 60)

“A racionalidade, medida pela capacidade de viver em sociedade, era o critério de civilidade; e se esta civilidade não era coroada, como deveria, pela cristandade, isto tendia a construir mais um infortúnio do que um crime.” (p. 62)

A questão do conceito de “Bárbaro” com a descoberta da América: “A descoberta da América era de varias formas importante, em muitas áreas do pensamento, para a alteração e aperfeiçoamento do conceito de barbarismo tido pela Europa, e noção tanto pelas ideias novas, como por forçar os europeus a enfrentarem ideias e problemas que já vinham inseridos na sua própria tradição cultural.” (p. 65)

Las Casas encontra em Cícero a resposta que possa provar que os ameríndios eram seres racionais. Na fala de Cícero: “Todos os povos do mundo são homens; e existe apenas uma definição para todos e cada um dos homens, e esse é a de que é um ser racional.”. O argumento de Las Casas “implicava a existência de diversos níveis de barbarismo e civilização e Las Casas, de fato, conclui a sua historia analisando o significado de ‘bárbaro’ e dividindo bárbaros em diferentes tipos.” (p. 66)

1- Bárbaros poderiam ser aqueles que não professam a religião cristã e neste caso os índios de enquadrariam como bárbaros; e

2- Bárbaro podia ser também aplicado àqueles que, estando fora de si, se comportavam como irracionais; “aos que se recusam submeter-se às leis e à vida social; aqueles que não sabiam escrever e falavam línguas estranhas”. No caso ambos os povos são bárbaros, pois uma fala uma língua diferente da do outro.

“Por volta de 1660, tendo já trazido a América até os limites do seu mundo intelectual, e os europeus podiam olhar a Terra com orgulho, confiantes na sua superioridade técnica, na sua capacidade militar e no poder econômico.” (p. 72)

- A Nova Fronteira

Relações econômicas e sociais entre a América e Europa: “As consequências econômicas e sociais, para a Europa, provenientes da descoberta da América, por mais ambíguas e incertas, estão tão intimamente ligadas às consequências politicas que qualquer divorcio entre elas parece artificial e errôneo.” (p. 73)

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A descoberta de América e suas consequências econômicas: “Para Adam Smith, bem como para Raynal, as consequências ao longo prazo da descoberta da América permaneciam, para a humanidade em geral, obscuras; porem, um dos efeitos principais, no que dizia respeito à Europa, fora ‘elevar o sistema mercantil a um grau de esplendor e gloria que nunca teria atingido de outro modo’... Em consequência dessas descobertas, as cidades comerciais da Europa, em vez de serem manufaturadoras e transportadoras para uma pequena parte do mundo se tornariam produtoras de manufaturas para numerosos e prósperos cultivadores da América e transportadoras, em alguns aspectos, para quase todas as nações dos outros continentes, ate então conhecidos.” (p. 74)

Posteriormente, a descoberta da América for entendida como “um impulso nunca visto e, consequentemente, um rápido desenvolvimento do elemento revolucionário na vacilante sociedade feudal. [...] A descoberta da América fica assim intimamente ligada ao surgimento do capitalismo europeu e o Novo Mundo transforma gradualmente a vida econômica do Velho.” (p. 75)

“Como resultado da exploração do Novo Mundo, a população relativamente estável da Europa encontrou-se subitamente presenteada com um excesso de terra e capital, e a dramática alteração da proporção entre a terra, a população e o capital, lançou a Europa numa extensão de quatro séculos, a qual chegou ao fim com o encerramento da ‘fronteira’ por volta de 1900.” (p. 79)

“Ouro e poder: foi sempre esta a atitude de Castela para com a riqueza, e a descoberta de ouro nas índias pareceu ser a realização de um velho sonho castelhano, embora tal descoberta e, ainda mais, da prata viesse preencher uma necessidade real europeia. A Europa medieval não vivia num vácuo monetário. Pelo contrario, as suas reservas de ouro e prata subiam e desciam em resposta a movimentos globais sobre os quais exerciam pouco controle.” (p. 81)

“... a Europa começou a usar o ouro, porque as suas reservas de prata estavam terrivelmente baixas. Neste complicado contraponto de Europa e Ásia, aquela parece ter sido razoavelmente dotada com ouro no final do século XV, se bem que as regiões mediterrâneas sofressem de grande falta de prata.” (p. 81) Opinião esta compartilhada por Jean Delumeau.

Uma questão que Elliott irá fazer é: “Se os lingotes do Novo Mundo ajudaram a modificar a relação econômica entre Europa e Ásia, a que ponto estimularam a modificação econômica e social dentro da própria Europa?” E ira responder com o seguinte: “Os argumentos tradicionalmente apresentados [ - historia tradicional - ]são de que o fluxo da prata americana provocou uma revolução dos preços, que começou na Espanha e se espelhou pelas outras zonas do continente; que esta revolução dos preços inflacionou os lucros dos mercadores e fabricantes à medida que os preços subiam mais do que os custos e salários e consequentemente incentivavam a formação de capital e o crescimento da indústria; e que as condições inflacionarias criaram uma rápida mudança social, porque setores de influencia da sociedade que viviam de rendimentos fixos se viram em desvantagem comparados com aqueles grupos sociais que eram

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suficientemente dinâmicos ou bem colocados para agarrarem as oportunidades oferecidas pelos níveis de aumento de preço.”. Ou seja, os metais vindos da América causaram grandes mudanças na Europa, mudanças estas como: Surgimento do sistema econômico capitalista (não de todo desenvolvido, para que não cometamos anacronismos), desigualdades sociais (devido a acumulação de capital por um determinado grupo) e “queda” do sistema feudal, um esfacelamento, que segundo Elliott, “este novo fenômeno causou grande confusão e preocupação.” (há de se considerar que não foram apenas estes fatores, descritos acima, que acarretaram estas mudanças) (p. 83)

Situação econômica na Espanha: “Os preços dos bens de Castela subia mais depressa do que os dos outros países e sua balança de pagamento ia piorando porque importava mais do que exportava, e cobria a quebra com a prata americana.” (p. 83)

“O próprio êxito de Castela foi sua ruina” (p. 83)

Elliott questiona a razão para a queda de Espanha. A problemática que ele ira trabalhar, é a de que provocou a derrota espanhola, se foi puramente de um processo econômico, devido aos grandes aumentos de preços, devido “o resultado de uma diversidade excessiva dos bens produzidos no país, para o mercado de exportação americano [...] Ou seria, essencialmente, um problema moral e psicológico, o resultado de uma ambição de riquezas facilmente?” (p. 85)

Saturação do processo de expansão: “... No inicio do século XVII, atingiu-se o ponto de saturação. O mercado colonial dos bens europeus atingiu os limites de sua expansão, e a partir de 1622, com a diminuição da procura americana, a prata chega a Sevilha em pequenas quantidades, o trafego atlântico de Sevilha decai, decisivamente, quer em valor quer em volume, e a Europa entra na depressão, a meio do século XVII.” (p. 92)