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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA IZABEL CRISTINA FERREIRA OLIVEIRA OS PASSOS DA FÉ: UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A PEREGRINAÇÃO A DIVINA PASTORA SÃO CRISTÓVÃO - SE 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

IZABEL CRISTINA FERREIRA OLIVEIRA

OS PASSOS DA FÉ: UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A

PEREGRINAÇÃO A DIVINA PASTORA

SÃO CRISTÓVÃO - SE

2012

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IZABEL CRISTINA FERREIRA OLIVEIRA

OS PASSOS DA FÉ: UM OLHAR ETNOGRÁFICO SOBRE A

PEREGRINAÇÃO A DIVINA PASTORA

Orientador: Jonatas Silva Meneses

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em

Antropologia da Universidade Federal de Sergipe, como

requisito parcial para obtenção do título de mestre em

Antropologia.

SÃO CRISTÓVÃO-SE

2012

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ct

or.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses (UFS)

Presidente / Orientador

______________________________________________________

Prof. Dr.ª Fátima Regina Gomes Tavares (UFBA)

Primeira Examinadora

____________________________________________________

Prof.º Dr. Ulisses Neves Rafael (UFS)

Segundo Examinador

______________________________________________________

Prof.º Dr.Hippolyte Brice Sogobossi (UFS)

Suplente

São Cristóvão, 15 de outubro de 2012

Vi

cto

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“A estrada liberta, a estrada pede esforço, a estrada cansa o

corpo. A alma asfixiada pelo corpo sedento de comodidades

toma, então, fôlego para suas arrancadas. E a meta desta marcha,

o objetivo desta libertação, é Deus, a descoberta de Deus, uma

aproximação maior do Senhor, ao lado de quem nós vivemos,

sem conhecê-lo.”

Luciano Cabral Duarte

Vi

ctor.

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Dedico esta pesquisa aos peregrinos, devotos de Nossa

Senhora Divina Pastora, que se sacrificam em nome da

fé e que se tornaram a minha fonte de inspiração.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força e coragem para continuar, mesmo quando tudo parecia perdido.

À minha mãe, grande incentivadora e principal informante.

Ao Santuário de Nossa Senhora Divina Pastora, na pessoa do Padre Hélelon Bezerra.

A todos os professores do mestrado em Antropologia, pela tolerância com as nossas falhas e

pela preciosa contribuição em nossa formação.

Agradeço de forma especial, ao meu orientador, Professor Doutor Jonatas Silva Meneses,

pelas suas correções e opiniões sempre pertinentes e construtivas que tanto me ajudaram na

construção deste trabalho.

Aos Professores Doutores Hippolyte Brice Sogbossi e Ulisses Neves Rafael, por suas valiosas

contribuições durante o exame de qualificação.

Aos romeiros, que através do seu testemunho contribuíram para o melhor entendimento do

ritual.

A todos aqueles que me incentivaram e me apoiaram direta ou indiretamente, para a

realização de mais uma conquista.

A todos, meu “MUITO OBRIGADA”.

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RESUMO

Esta dissertação tem como tema central o estudo sobre a peregrinação à Divina Pastora,

município do Estado de Sergipe. A problemática aborda o esforço feito pelos peregrinos, ao

fazerem tal percurso, enfrentando as adversidades da caminhada de nove quilômetros. O

principal objetivo foi realizar um estudo antropológico desse ritual religioso, sob a

perspectiva das relações entre o peregrino e a divindade, que se consolida a partir do

pagamento de promessas em agradecimento às graças obtidas, que, na maioria das vezes,

estão relacionadas às curas milagrosas. Iniciamos o trabalho fazendo uma abordagem

histórica, analisando o contexto em que a peregrinação foi criada no Estado de Sergipe e a

maneira como a tradição se recria ano após ano. Demos ênfase à literatura sobre

peregrinações e documentos históricos, inclusive os livros tombos da igreja da cidade de

Divina Pastora e da Cúria Metropolitana de Aracaju. Através de dados etnográficos,

buscamos identificar o universo da peregrinação sob o ponto de vista do peregrino, analisando

o seu perfil sociocultural e as suas razões para peregrinar. A ideia central foi compreender os

motivos que levam os peregrinos ao Santuário de Divina Pastora.

Palavras Chave: Peregrinação, Promessas, Devoção.

Vi

cto

r.

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ABSTRACT

This dissertation is focused on the study on the pilgrimage to the Divina Pastora, a

municipality of the State of Sergipe. The issue concerns the efforts made by the pilgrims, to

make this journey, experiencing the hardships of the journey of nine miles. The main

objective was to conduct an anthropological study of religious ritual, from the perspective of

relations between the pilgrim and divinity, which is consolidated from the payment of pledges

in thanks to the graces obtained, which in most cases are related to miracle cures . We began

the work by making a historical approach, analyzing the context in which the pilgrimage was

established in the State of Sergipe and how the tradition is recreated year after year. The

emphasis on pilgrimages to literature and historical documents, including the books falls

church city Divina Pastora and the Metropolitan Curia of Aracaju. Through ethnographic

data, we identify the universe of pilgrimage on the pilgrim's point of view, analyzing the

socio-cultural profile and their reasons for pilgrimage. The central idea was to understand the

reasons why the pilgrims to the Shrine of the Divine Shepherdess.

Keywords: Pilgrimage, promises, Devotion.

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LISTA DE FIGURAS

Foto 1: Frei Isidoro de Sevilha........................................................11

Foto 2: Participantes da peregrinação de 1958.............................. 17

Foto 3: Padre Luciano Cabral......................................................... 19

Foto 4: Tenda da Esperança da Congregação Batista.................... .50

Foto 5: Evangélicos distribuindo pulseiras......................................52

Foto 6: Pulseiras distribuídas pelos evangélicos............................. 52

Foto 7 : Peregrina pagando promessa.............................................. 57

Foto 8: Peregrina pagando promessa................................................57

Foto 9: Peregrina pagando promessa de joelho............................... 58

Foto 10: Romeiros em paus de arara............................................... 61

Foto 11: Ex votos expostos no Cruzeiro.......................................... 62

Foto 12: Queima de velas no Cruzeiro..............................................62

Foto 13: Queima de velas no Cruzeiro..............................................62

Foto 14: Devota fazendo orações no Cruzeiro..................................65

Foto15: Peregrino depositando a roupa usada na caminhada............65

Foto 16: Ex-votos antropomorfos no Cruzeiro..................................65

Foto 17: Catadoras de parafina......................................................... 68

Foto 18: Devotos oferecendo objetos para serem abençoados...... ...70

Foto 19: Devotos oferecendo objetos para serem abençoados...... ...71

Foto 20: Comércio ambulante...........................................................74

Foto 21 : Comércio ambulante...........................................................75

Foto 22: Comércio ambulante............................................................75

Foto 23: Estacionamento dos ônibus que levam os romeiros........... 77

Foto 24: Peregrinos alojados na praça............................................. .77

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Foto 25: Vice governador na peregrinação 2010..............................78

Foto 26: Faixas de políticos............................................................. 79

Foto 27: Uso da bebida alcoólica......................................................80

Foto 28: Igreja matriz de Divina Pastora..................................... .....83

Foto 29: Fiéis na Igreja de Divina Pastora........................................84

Foto 30: Imagem de Nossa Senhora Divina Pastora.........................90

Foto 31: Missa de encerramento.......................................................92

Foto 32: Preparação para a missa final..............................................92

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO I: Oração à Nossa Senhora Divina Pastora..............................................108

ANEXO II: Questionário aplicado junto aos romeiros..........................................109

ANEXO III: Mensagem do ex- jucista Geraldo Oliveira.......................................112

ANEXO V: Artigo sobre as modificações propostas para a peregrinação 2010.......115

ANEXO IV: Artigo sobre a primeira peregrinação em Sergipe.............................120

LISTA DE TABELAS

TABELA I- Perfil do peregrino e as principais curas atribuídas à Divina Pastora............. 54

TABELA II- Programação da peregrinação à Divina Pastora - 2010...........................86 – 87

TABELA III- Programação da peregrinação à Divina Pastora - 2011.........................87 – 88

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1

2. DADOS HISTÓRICOS SOBRE A PEREGRINAÇÃO À DIVINA PASTORA ............... 11

2.1 – A ORIGEM DO CULTO À DIVINA PASTORA ...................................................................... 11

2.2 – A PRIMEIRA CAMINHADA EM SERGIPE ........................................................................... 13

2.3 – A DIVULGAÇÃO DO EVENTO .......................................................................................... 20

2.4 – O DECLÍNIO E CONSOLIDAÇÃO ....................................................................................... 22

2.5 – A PEREGRINAÇÃO À DIVINA PASTORA E AS DEMAIS PEREGRINAÇÕES DO BRASIL E DO

MUNDO...................................................................................................................................25

2.6 – A PEREGRINAÇÃO DA SANTA .......................................................................................... 29

3. PEREGRINAÇÃO: TEÓRICOS E TEORIA SOBRE O TEMA ......................................... 31

3.1 – RITUAL .......................................................................................................................... 31

3.2 – PEREGRINOS, VOTOS E PROMESSAS ................................................................................ 33

3.3 – MILAGRES...................................................................................................................... 35

3.4 – CURAS MILAGROSAS ...................................................................................................... 36

3.5 – SÍMBOLOS ...................................................................................................................... 38

3.6 – PEREGRINAÇÕES ............................................................................................................ 39

3.7 – CULTO AOS SANTOS ....................................................................................................... 43

4. ROMEIROS A CAMINHO DO SAGRADO ...................................................................... 45

4.1 – A VIAGEM ...................................................................................................................... 46

4.2 – A CAMINHADA ............................................................................................................... 48

4.3 – O APOIO DOS EVANGÉLICOS .......................................................................................... 49

4.4 – A BUSCA PELA CURA DIVINA .......................................................................................... 53

4.5 – A LADEIRA ..................................................................................................................... 59

4.6 – O CRUZEIRO ................................................................................................................... 61

4.7 – AS CATADORAS DE PARAFINA ........................................................................................ 66

4.8 – A FÉ NAS MÃOS DA SANTA ............................................................................................. 69

4.9 – ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: O COMÉRCIO ............................................................. 71

4.10 – PROBLEMAS DE INFRAESTRUTURA ............................................................................... 76

4.11 – SE BEBER NÃO VENHA, SE VIER NÃO BEBA: LEI SECA ................................................... 79

4.12 – A IGREJA MATRIZ ......................................................................................................... 82

4.13 – AS CELEBRAÇÕES ........................................................................................................ 84

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5. CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 94

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 98

7. FONTES CONSULTADAS .............................................................................................. 102

8. ANEXOS ........................................................................................................................... 107

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1. INTRODUÇÃO

O culto aos santos constitui uma das principais características do catolicismo

popular. Para os fiéis, o santo é a representação de um poder superior e capaz de estreitar os

laços entre o homem e a divindade através da confiança. Segundo Montero (1986), a partir do

século XVII, a figura dos santos, através das curas e milagres, passa a atrair a atenção de

muitos devotos, que intensificam a realização de procissões e peregrinações aos locais eleitos

como sagrados.

De acordo com o folclorista Câmara Cascudo (1972), foram os portugueses que

trouxeram a tradição das peregrinações para o Brasil, mas só a partir de 1900 começaram as

grandes viagens incentivadas pela Igreja Católica. Atualmente, no Brasil, são muitos os

centros de romarias que atraem grande número de fiéis. São exemplos, as peregrinações a

Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo e as que reverenciam Padre Cícero, no Ceará. Em

Sergipe, duas grandes caminhadas se destacam: a de Nossa Senhora Aparecida, que se realiza

na cidade de mesmo nome, no agreste sergipano e a peregrinação a Divina Pastora, na região

do Cotinguiba.

A devoção à Nossa Senhora Divina Pastora teve início no século XVIII, em Sevilha,

na Espanha, quando no ano de 1703, o frei Isidoro de Sevilha teve uma visão, na qual viu a

imagem de Maria em traje pastoril. Inicialmente a imagem vista por frei Isidoro recebeu o

nome de Virgem Zagala, que significa a pastora que cuida do seu rebanho. A primeira

imagem da santa foi esculpida em 1705, mas só em 1709 as autoridades eclesiásticas

aprovaram o culto à Nossa Senhora Divina Pastora, cujo o culto chegou a região do

Cotinguiba, em Sergipe, em 1782. No entanto, só em 1958, com o retorno do Padre Luciano

Cabral Duarte, da França, após concluir seu doutorado na Sorbonne, surgiu, em Sergipe, a

ideia de criar a primeira caminhada em louvor à Divina Pastora. Em 24 de agosto de 1958, um

grupo de estudantes universitários liderados por aquele, que depois se tornaria arcebispo de

Aracaju, saem em caminhada da cidade de Riachuelo com destino à igreja matriz de Divina

Pastora, percorrendo um total de nove quilômetros.

Em 1971, a peregrinação ocupa o seu espaço no calendário religioso e a cidade de

Divina Pastora passa a ser o maior centro de devoção popular do Estado de Sergipe, com um

fluxo de visitação de aproximadamente sessenta mil pessoas durante o dia do evento, que

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ocorre no terceiro domingo do mês de outubro. A tradição que os romeiros buscam preservar

ano após ano, não surgiu espontaneamente, foi arquitetada para atender uma determinada classe

social, que, com o passar do tempo, se metamorfoseou passando por algumas fases importantes.

A primeira dessas fases acontece em 1971, quando o então arcebispo Luciano Cabral Duarte

convida a comunidade católica sergipana a participar da solenidade religiosa criada por ele.

Esse foi o primeiro passo para transformar aquela cidade em um grande centro de peregrinação.

Mais tarde, em 1982, a igreja novamente reestrutura o evento na tentativa de atrair um maior

número de romeiros. Naquele ano, a arquidiocese organiza uma romaria, na qual a santa vai ao

encontro do devoto proporcionando uma maior aproximação com o sagrado e a reafirmação do

compromisso de retribuir a visita da santa, aumentando assim significativamente o número de

devotos presentes na solenidade religiosa.

O povoado Ladeira, como era chamada a cidade de Divina Pastora, pertencia à vila

mais antiga da região do Cotinguiba, Santo Amaro das Brotas. Por força provincial de 12 de

março de 1833, a povoação passou à categoria de Vila e, em 15 de dezembro de 1838,

conforme lei estadual, passou à categoria de cidade. O município de Divina Pastora fica a 39

km da capital do Estado, Aracaju. Sua área geográfica é de 92 km², e, conforme o censo de

2010, sua população é de 4.326 habitantes, distribuídos na sede do município e nos povoados

Bomfim e Maniçoba. A exploração do petróleo é bastante significativa para a economia da

cidade, que possui 258 poços de petróleo. O artesanato, baseado na renda irlandesa, originada

na Europa durante a Idade Média e trazida para Sergipe por missionárias europeias, o ponto

cruz e o redendê se destacam na economia do município. Desde a sua criação, a cidade de

Divina Pastora tem como padroeiro São Benedito, que é comemorado no dia 11 de fevereiro.

A partir da década de 1970, por conta da peregrinação, o município passa a ter Nossa Senhora

Divina Pastora também como padroeira.

. Meu primeiro contato com a peregrinação se deu em 1992, quando fui convidada por

um grupo de amigos que participava da peregrinação todos os anos. Devo confessar que não

gostei da experiência. A caminhada não me incomodou tanto quanto o fato de ficar o dia

inteiro acampando sem barraca, em um sítio de bananeiras. Apesar de ser na primavera, a

cidade estava muito quente. Na hora do almoço, as pessoas faziam suas refeições ali mesmo

no chão, um solo argiloso, úmido e escuro, sem nenhuma condição de higiene e muito menos

conforto. Outro grande problema era a permanência na cidade e o uso do banheiro público.

Eram dois sanitários (masculino e feminino) localizados em um pequeno galpão pertencente à

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igreja. O lugar era fétido e muito molhado por conta de alguns fiéis usarem o lugar para tomar

banho. Mesmo assim, alguns romeiros preferiam passar o dia por ali mesmo. Eu olhava tudo

com bastante estranheza, afirmando que não me exporia a tal sacrifício outra vez. Não

entendia qual o motivo que levava tantas pessoas a deixarem o conforto de suas casas para

estarem ali, nas calçadas, nas ruas, na praça, sempre mal acomodadas, mas com aparência de

estarem satisfeitas, isso me chamava bastante atenção.

A escolha deste tema ocorreu em virtude desse primeiro contato, que me incentivou à

produção de reflexão sobre as representações feitas a partir dos milagres de cura e de outras

graças pedidas e alcançadas pelos romeiros na peregrinação de Divina Pastora, bem como por

ter vivido uma situação inusitada há cinco anos, quando meu filho, então com dez anos,

passou por um sério problema de saúde e, mesmo acompanhado por vários médicos, não tinha

um diagnóstico concreto. Minha mãe, que é devota de Nossa Senhora Divina Pastora,

prometeu que se a Santa curasse o seu neto, ela o levaria na próxima peregrinação a pé da

cidade de Riachuelo à Divina Pastora. Em poucos meses meu filho estava curado e contra a

minha vontade, era hora de pagar a promessa. Como mãe, a princípio não concordei em fazer

uma criança andar por 9 km exposta ao sol. O pai se dispôs a ir junto, pois no caso de a

criança cansar ele, o pai, o levaria no colo para completar o percurso, mas a autora da

promessa afirmava que, uma vez que o voto era pela saúde do menino, a criança deveria

cumprir sozinha, ainda que precisássemos parar a cada metro para descansar. O garoto

cumpriu com obediência toda a caminhada e afirmava o tempo todo não estar cansado e, pelo

que eu pude observar, ainda conseguia se divertir com toda aquela situação.

Numa segunda visita ao santuário, algumas mudanças foram evidentes, não só na

estrutura da cidade, que agora contava com mais residências, como na organização do evento.

As pessoas ainda ficavam pelas calçadas, mas alguns moradores já ofereciam suas casas para

que os romeiros pudessem tomar banho pagando uma pequena quantia por isso. Também

vendiam almoço e algumas guloseimas nas calçadas. Como a minha mãe participava da

peregrinação todos os anos e já conhecia algumas pessoas na cidade, passamos o dia

hospedados na casa de uma família amiga. Durante todo esse dia, aproveitei a oportunidade

para conversar com algumas pessoas sobre os motivos que as levaram ao santuário e percebi

que a maioria dos que estavam lá pagando os votos feitos à Santa tinham motivos ligados à

cura de alguma enfermidade ou de alguém de sua família. A partir desse dia, a peregrinação a

Divina Pastora passou a me despertar um grande interesse antropológico.

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A terceira visita ao santuário de Divina Pastora ocorreu no ano de 2010 e já tinha um

caráter etnográfico, uma vez que escolhi a peregrinação como objeto de pesquisa para a

dissertação do mestrado. Percebi, desde a saída da paróquia em Aracaju, que muita coisa tinha

mudado. O número de fiéis que se deslocava para o evento, por exemplo, já não era o mesmo,

a quantidade havia diminuído em relação a cinco anos. Era um grupo de trinta pessoas que

não fazia orações, nem cantava hinos da Igreja durante a viagem. Isso era comum num

passado recente.

O padre Luiz Lemper, pároco responsável pela Igreja Bom Jesus dos Navegantes no

bairro de Atalaia velha, já não estava presente, como de costume, por motivo de saúde.

Grande parte desse grupo de romeiros era formada por pagadores de promessas, mas também

estavam ali adolescentes que procuravam fugir da rotina do cotidiano, idosos, (alguns faziam

parte de grupos de oração), crianças que acompanhavam os pais e pessoas que iam apenas

passear. A concentração em frente à igreja matriz da cidade de Riachuelo era formada por um

grande número de pessoas que esperavam a saída do cortejo até a cidade de Divina Pastora,

onde as mudanças eram mais visíveis. O espaço da festa passou por uma reorganização por

parte dos responsáveis, mudanças essas que, aparentemente, desagradaram a comunidade

local.

Com a pesquisa, procuramos responder às seguintes questões: a busca pela cura de

enfermidades constitui o principal motivo das promessas pagas no santuário? Que

representações os peregrinos fazem do espaço sagrado? O nosso objetivo foi analisar o ritual

da peregrinação enquanto espaço de troca de dons através do qual, o peregrino busca retribuir

através do pagamento de promessas a cura alcançada de forma sobrenatural. Procuramos

também, observar os principais aspectos simbólicos que envolvem as práticas de

autoflagelação presentes no pagamento dos votos à santa. A construção da etnografia do

percurso da procissão e dos atores sociais que participam da peregrinação também constitui

um dos nossos objetivos, assim como analisar o papel das catadoras de parafina no evento

religioso. Objetivamos também identificar os motivos que levaram um grupo de evangélicos a

participar da peregrinação em 2010. Buscamos entender como a reestruturação religiosa pela

qual passou a igreja católica no início do século XX, influenciou no surgimento da

peregrinação sergipana e os motivos que levaram os católicos sergipanos a aderirem a um

culto criado pela igreja católica.

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A peregrinação à Divina Pastora apresenta um formato diferenciado das demais

peregrinações que acontecem no Brasil e no mundo, as informações históricas sobre o evento,

revela que se trata de um ritual criado e incentivado pela arquidiocese sergipana com

objetivos político-eclesiásticos, ao contrário do que se percebe em outras peregrinações onde

o ritual religioso surge a partir de uma aparição ou manifestação do sagrado e se estrutura

dentro dos moldes do catolicismo popular. Ainda que a peregrinação sergipana não tenha

essas características, os romeiros que vão a Divina Pastora são atraídos pela fé e compromisso

com a santa e não pelo turismo religioso como é comum afirmar-se a respeito desses rituais.

Esses dados se confirmam nos depoimentos colhidos durante a pesquisa de campo e nos ex-

votos deixados no Cruzeiro.

A partir dos ensinamentos de Malinowsk (1998), ao relatar a sua experiência entre os

trobianeses, no trabalho em que ressalta a importância da presença do antropólogo no campo

entre os grupos estudados, com o objetivo de acompanhar o seu cotidiano, aprender a língua

nativa, observar com imparcialidade os seus rituais, seus valores, o que dizem e o que fazem,

seja individual ou coletivamente. Por esse motivo, fui a campo e acompanhei de perto todas

as dificuldades enfrentadas pelos peregrinos desde a sua saída até a sua volta para casa,

quando realizei visitas nos anos de 2010 e 2011, quando estive presente entre os romeiros

durante todo o evento. Exercitando a nossa maneira de ver e de ouvir o fenômeno que me

dispus a estudar, fiz uso do método etnográfico através da observação direta, que é um

recurso fundamental na construção da pesquisa.

Esse período me possibilitou participar das celebrações entrevistando os romeiros e

coletando recursos visuais como fotos e vídeos com o objetivo de obter material suficiente

para entender a prática ritual. Em 2011, durante a minha segunda visita exploratória, decidi

ficar alojada na praça, durante todo o dia, como fazem quase todos os romeiros. Essa foi uma

experiência muito produtiva, que me possibilitou fazer observações importantes para a

pesquisa, tais como a maneira como esses atores sociais se organizam durante o evento, assim

como os interesses pessoais que levam cada um dos romeiros ao santuário.

Durante esse período, além da conversa informal, também aplicamos questionários

com perguntas objetivas sobre a idade, sexo, escolaridade, ocupação, estado civil, cidade de

origem e os motivos que os levaram à peregrinação. O objetivo da aplicação dos questionários

foi traçar o perfil socioeconômico dos fiéis. Também realizamos entrevistas com os romeiros

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pagadores de promessa ou não, representantes da igreja católica, moradores da cidade de

Divina Pastora e representantes da administração pública municipal. Quanto ao espaço a ser

estudado, delimitamos o percurso da peregrinação, que compreende as cidades de Aracaju,

Riachuelo e Divina Pastora e a volta para Aracaju, ou seja, todo o percurso feito pelos

romeiros a pé ou de ônibus. Para realizar as entrevistas, principalmente durante a caminhada,

foi necessário ter uma certa habilidade e muita disposição, pois ao mesmo tempo que tinha

que ser rápidas, pela própria natureza do evento, também tinha que absorver toda a

representação simbólica que o peregrino fazia do evento religioso.

As entrevistas não foram aleatórias, a maior parte dos entrevistados era de

promesseiros. Assim, pude visualizar melhor o perfil desses indivíduos. Dessa forma, a

proposta foi estudar o ritual religioso, sob a ótica do peregrino e analisar o pagamento de

promessas enquanto consolidação das relações entre o peregrino e a Santa. A participação no

evento religioso no ano de 2011 serviu também para preencher algumas lacunas deixadas na

observação do ano anterior. Como método, optamos pelo estudo de caso, usando como

técnica a pesquisa de campo, na qual observamos os aspectos físicos do lugar, a maneira

como a peregrinação transforma a vida da população local, o comportamento dos peregrinos,

o grau de sacrifício desprendido no pagamento das promessas e o roteiro da viagem. Busquei

analisar os dados de forma qualitativa, utilizando o material que pude recolher durante o

período em que estava em campo para ilustrar os resultados da pesquisa. Alguns peregrinos

estranharam o meu interesse em estudar a peregrinação, pois para eles, era uma atitude

corriqueira que não necessitava de estudo.

Como forma de me preparar para o trabalho de campo, antes de seguir para a

peregrinação, visitei a Cúria Metropolitana de Sergipe e a igreja matriz da cidade de Divina

Pastora, onde conversei com o padre Hélelon Bezerra e recolhi informações importantes sobre

a origem desse evento religioso, a sua evolução, assim como os preparativos por parte da

diocese. Em 2010 e 2011, conversei com alguns peregrinos da paróquia Bom Jesus dos

Navegantes, no bairro Atalaia, e da paróquia Nossa Senhora Aparecida, no bairro Farolândia.

Acompanhei a divulgação e a venda dos bilhetes de passagem e por diversas vezes, conversei

informalmente com dona Maria Zenaide, a organizadora da “excursão”, moradora do bairro

Atalaia (Aracaju-SE). Essa aproximação me abriu algumas portas, uma vez que fui

apresentada a romeiros pagadores de promessas e tive a oportunidade de acompanhá-los

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durante a peregrinação. Em 2011, concentrei minhas pesquisas junto aos romeiros do bairro

Farolândia (Aracaju-SE).

Poucos romeiros que viajavam no ônibus, na segunda viagem ocorrida em 2010,

sabiam que eu ia como pesquisadora e que meu objetivo era puramente científico. Entretanto,

os que sabiam da pesquisa traziam todas as informações que julgavam ser importantes para

meu trabalho. A princípio, escolhi minha mãe e Maria Zenaide como minhas informantes, o

que foi muito proveitoso, uma vez que me deram informações preciosas. A primeira, do ponto

de vista do romeiro pagador de promessa; e a segunda, do ponto de vista da igreja. Durante a

caminhada, juntei-me ao grupo de romeiros formado por pessoas vindas de todas as partes do

Estado de Sergipe. Nesse momento, tentei aproximação com vários peregrinos e, apesar de

estarem sempre com pressa, caminhando a passos largos, davam atenção às minhas

indagações. Durante o percurso, vários episódios chamaram a minha atenção, a exemplo da

solidariedade de um grupo de evangélicos e algumas promessas que eram pagas com práticas

de autoflagelação. Bastante curioso também era o comportamento das catadoras de cera no

cruzeiro, as quais fazem questão de pousar para a foto e serem entrevistadas. Em Divina

Pastora, conversei informalmente com moradores sobre os festejos religiosos em louvor à

santa.

Apesar de já ter participado da peregrinação em anos anteriores, dessa vez tudo era

visto com estranheza e fascínio. Eu não queria perder nenhum detalhe de tudo aquilo que

estava acontecendo. Culturalmente falando, era tudo muito rico, mas nada me era familiar,

uma vez que não tinha nenhuma intimidade com aquele universo de ritos e símbolos

religiosos. O discurso dos romeiros estava sempre permeado de narrações milagrosas

atribuídas à Nossa Senhora Divina Pastora. Boa parte desses depoimentos diziam respeito aos

milagres da cura de algum tipo de enfermidade, mas também havia relatos em que o voto era

pago em agradecimento pela conquista de emprego, da casa própria, ou de algo semelhante.

Durante as entrevistas, tive a oportunidade de observar que os romeiros, apesar de sua

devoção, participam de várias outras peregrinações e festas religiosas dentro e fora do Estado

de Sergipe, a exemplo da peregrinação à Nossa Senhora Aparecida (SP), a procissão de

Senhor dos Passos (SE), a romaria em reverência a Padre Cícero (CE) e à Nossa Senhora

Aparecida (SE). Assim, é preciso assinalar que, apesar da fé incondicional do peregrino na

Divina Pastora, ele não se prende apenas a essa peregrinação e devoção.

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Alguns autores foram de importância relevante na construção deste trabalho, dentre

os quais é possível citar Victor Turner (2008) que contribuiu na construção do conceito de

peregrinação, enquanto período liminar, em que o indivíduo momentaneamente, afasta-se do

seu papel social dedicando-se exclusivamente ao sagrado. Essa obra também me permitiu

perceber a importância dos símbolos rituais nos processos sociais e religiosos, além de

compreender as semelhanças e diferenças entre a peregrinação à Divina Pastora e outras

peregrinações que acontecem dentro e fora do país em diferentes momentos da história da

humanidade.

Com o objetivo de entender a interface das religiões populares, busquei auxílio na

obra de Carlos Rodrigues Brandão (1980), para compreender como os peregrinos constroem

suas crenças e a sua maneira de se relacionar com o sagrado, levando em consideração a

maneira como o sagrado e o profano se manifestam dentro desse universo religioso. Procurei

ilustrar os pontos convergentes e divergentes dos elementos constituintes da peregrinação sob

a ótica dos textos de Mircea Eliade (O Sagrado e o Profano, 1972), enfatizando o sentimento

religioso desprendido pelos devotos que estabelecem essa comunhão com o mundo sagrado.

Emile Durkheim (As formas elementares da vida religiosa, 1989) nos permitiu entender o

conceito de religião como algo coletivo e o ritual como essencial na construção do sagrado e

das representações religiosas como algo que constitui a sociedade.

O contato com os textos de Pierre Sanchis (Catolicismo: unidade religiosa e

pluralismo cultural, 1992) nos permitiu analisar a pluralidade cultural dentro da religião

católica, assim como a questão da afiliação e o tratamento de doenças no espaço religioso.

Para entender a relação da peregrinação à Divina Pastora e a romanização do catolicismo

brasileiro, utilizei o texto de Carlos Alberto Steil, ( O Sertão das romarias, 1996) que me

abriu um novo campo de compreensão sobre os santuários e sobre o pagamento de votos

pelos peregrinos. Ainda fiz uso da obra de Rubem César Fernandes (Os cavaleiros de Bom

Jesus, 1982), trabalho em que o autor, através de vasta etnografia a respeito da romaria ao

santuário de Bom Jesus de Pirapora, forneceu informações sobre os conceitos de religião e de

magia e o contraste entre o sagrado e o profano. O texto “O feiticeiro e sua magia”

(Antropologia Estrutural, 1984) de Levi Strauss, me permitiu nortear o meu conhecimento a

respeito da cura mágica, que consiste em uma das temáticas da nossa pesquisa. A obra de

Paula Montero ( Magia e pensamento mágico, 1986) também foi importante na construção da

análise da cura mágica dentro da religiosidade popular, confrontando o discurso hegemônico

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da medicina oficial com o discurso da magia. A obra de Marcel Mauss (Ensaio sobre a

dádiva, 2003) contribuiu para entender a relação de reciprocidade entre o peregrino e a santa,

ressaltando o conceito de dar e receber.

Na célebre obra de Mary Douglas (Pureza e Perigo,1921) busquei elementos para

entender o comportamento dos romeiros no que diz respeito ao que é puro ou impuro dentro

do espaço sagrado. Ela também forneceu ferramentas para discutir o poder da magia no ritual

religioso. A obra de Mariza Peirano ( Rituais ontem e hoje, 2003), favorece o entendimento

do conceito de ritual no seu sentido mais amplo, o que colaborou para que eu pudesse

entender alguns aspectos importantes da peregrinação. Documentos históricos, inclusive os

livros tombos da Igreja matriz de Divina Pastora e da Cúria metropolitana de Aracaju também

foram essenciais na construção da abordagem histórica do ritual religioso.

Após as leituras feitas e a pesquisa etnográfica concluída, iniciei a organização do

trabalho, que foi estruturado em três capítulos organizados da seguinte maneira: no primeiro

capítulo, procuro resgatar a origem do culto e da peregrinação à Divina Pastora em Sevilha,

na Espanha, e em Sergipe, dando destaque a todos os períodos do evento religioso desde a

primeira caminhada, passando pelo esforço do Padre Luciano Cabral Duarte em organizar os

primeiros eventos e propagar a devoção à santa espanhola, até o momento de declínio do

evento religioso, destacando os atores sociais, o processo de institucionalização do culto e o

modo como a peregrinação se desenvolve nos dias atuais.

O segundo capítulo apresenta a peregrinação enquanto ritual e culto, no qual os

conceitos-chave da pesquisa são discutidos, analisando-se como os mesmos se desenvolvem

no espaço da peregrinação.

No terceiro capítulo, a análise recai sobre as representações e sobre as práticas que

caracterizam o evento e as dificuldades que os peregrinos enfrentam desde a sua saída até a

volta para casa, além das experiências que esses atores sociais adquirem no caminho para o

santuário. O discurso dos romeiros e os sacrifícios por eles desprendidos também fazem parte

deste capítulo, no qual estão presentes os depoimentos das graças alcançadas pelos peregrinos

de todas as idades, os lugares considerados sagrados e o como os peregrinos manifestam sua

fé nesses locais.

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Enfim, na conclusão, apresento o resumo das principais análises construídas ao longo

da dissertação.

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2. DADOS HISTÓRICOS SOBRE A PEREGRINAÇÃO A DIVINA PASTORA

Como aquele que ‘perde sua vida para encontrá-la’ de que fala Jesus Cristo no

Evangelho, o peregrino é um despojado na esperança (DUARTE, 1958, p. 01).

2.1 – A origem do culto à Divina Pastora

Vinte e quatro de junho de 1703, noite de festa em louvor a São João Batista, o frei

Isidoro de Sevilha enquanto fazia suas orações no coro baixo da igreja conventual dos padres

capuchinhos, teve uma visão da virgem Maria em traje pastoril no centro e sob a sombra de

uma árvore. Aparecia uma senhora irradiando do seu divino rosto, amor e ternura. Vestia uma

túnica vermelha e seu busto estava coberto de branco até os calcanhares. Um manto azul no

ombro esquerdo contornava seu corpo até o ombro direito. Tinha um chapéu pastoril e junto,

à direita, aparecia o cajado do seu poder. Na mão esquerda sustentava o Menino e pousava a

mão direita sobre um cordeiro que acolhia em seu regaço. Algumas ovelhas rodeavam a

Virgem, formando seu rebanho1.

Foto 01: Frei Isidoro

Grande propagador

da devoção à Nossa

Senhora Divina

Pastora

Fonte:http//www.divinapastoramadeira.blogspot.com

1Divina Pastora Madeira. Disponível em: www.divinapastoramadeira.blogspot.com – acesso em 20 de abril de 2011.

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A primeira imagem da Santa Divina Pastora foi esculpida em tamanho natural pelo

artista Francisco Ruiz Gijón, dois anos após a visão do Frei Isidoro em 1705. Em 1709, as

autoridades eclesiásticas aprovaram o culto à Santa, a princípio chamada de “Virgem Zegala”,

que significa a Pastora que cuida do seu rebanho. Os frades capuchinhos foram responsáveis

pela propagação do culto à Nossa Senhora Divina Pastora pelo mundo. A devoção à Nossa

Senhora Divina Pastora logo ultrapassou as fronteiras espanholas se espalhando

principalmente pela América Latina. No Brasil, o Estado de Sergipe merece destaque, onde

anualmente acontece a peregrinação em homenagem à Santa espanhola, contando com a

participação de aproximadamente cem mil romeiros que percorrem um trajeto de nove

quilômetros entre as cidades de Riachuelo e Divina Pastora, ambas localizadas no interior de

Sergipe.

Durante a pesquisa não foi identificada nenhuma outra aparição da santa além da que

foi relatada por Frei Isidoro, também não há informações sobre milagres nos primeiros cultos

à Santa, o que não impediu que o mito da Virgem Maria em traje pastoril se propagasse. A

Virgem Maria simboliza a pastora de ovelhas, inclusive daquela desgarrada que se distanciava

do rebanho de Deus, que, ao ser atacada por um lobo, o qual simbolizava o pecado e o

demônio, ao ver-se em perigo invoca por Maria. Nesse momento, surge São Miguel Arcanjo e

crava uma flecha na cabeça do lobo, salvando a ovelha desgarrada e dando segurança a todo o

rebanho².

Assim surgiu o mito de Nossa Senhora Divina Pastora, o qual busca retratar os

perigos de se afastar do sagrado, ao mesmo tempo em que ilustra o seu poder. Segundo

Mircea Eliade (1972), o mito é o início de uma história sagrada:

O mito conta uma história sagrada, quer dizer um acontecimento primordial que teve

lugar no começo do tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a

revelar um mistério, porque as personagens do mito não são seres humanos: são

Deuses ou heróis civilizadores, e por esta razão as suas gestas constituem mistérios.

O homem não poderia conhecê-los se lhos não revelassem (ELIADE, 1972, P.107).

O mito tem o poder de revelar o surgimento de uma nova situação sagrada. A visão

do Frei Isidoro simboliza a revelação da sacralidade da obra da Virgem Maria em traje

pastoril. Nesse momento, inicia-se a construção do símbolo religioso.

______________________________ 2Divina Pastora Madeira. Disponível em: www.divinapastoramadeira.blogspot.com – acesso em 20 de abril de 2011.

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Os símbolos estão intimamente ligados à religiosidade, seja oficial ou popular e, à medida

que esses símbolos são desvendados, fornecem elementos que formam valores capazes de

nortear o comportamento social.

Em outubro de 1705, a imagem da Divina Pastora sai para sua primeira procissão até

a igreja Paroquial de Santa Marina em Sevilha. O rito que se inicia com a primeira procissão

se expande pelo mundo e, como todo rito, estabelece a ordem, recriando o mito à medida que

aproxima o homem do sagrado.

2.2 – A primeira caminhada em Ser

A peregrinação ao santuário de Nossa Senhora Divina Pastora em Sergipe pode ser

interpretada como fruto da reestruturação religiosa pela qual passou a Igreja Católica

brasileira na passagem do século XIX para o século XX. A romanização do catolicismo diz

respeito à reorganização institucional da Igreja com base em decisões da Cúria romana.

Significa, portanto, uma reação do catolicismo oficial frente ao catolicismo popular.

No Brasil, esse processo inicia-se com a Proclamação da República, quando o Estado

se distancia da Igreja. Essa medida beneficiou a Igreja na medida em que deu oportunidade

para nomear seu próprio clero de acordo com as determinações de Roma. Entretanto, a

liberdade religiosa prevista na Constituição republicana trouxe consigo ameaça ao monopólio

religioso do catolicismo oficial, o que, consequentemente, fez com que o catolicismo popular

se desenvolvesse, alargando, assim, o espaço para rezadores e beatos que agiam

principalmente na zona rural. Como estratégia para se proteger do que era interpretado como

negação da prática do catolicismo romano, a Igreja Católica resolveu investir na organização

de novas dioceses.

No final do século XIX, D. Macedo Costa elaborou um documento oficial, chamado

“Pontos de Reforma na Igreja do Brasil”, com o objetivo de atrair e disciplinar a devoção

popular para o catolicismo oficial. A doutrinação foi a grande preocupação do clero no

2.2- A primeira caminhada em Sergipe:

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processo de romanização, mas se efetuava de forma branda para não se chocar com o modelo

religioso praticado por boa parte da população. Era comum que se trouxesse da Europa,

religiosos, crenças, santos e costumes religiosos, a exemplo das peregrinações. Como meio de

se fortalecer a Igreja Católica, o clero procurou expandi-la por meio da criação de novas

dioceses e arquidioceses por todo o território nacional. Dentre as principais reformas que o

processo de romanização provocou no catolicismo brasileiro, pode-se citar o controle

exercido pelo clero nas manifestações religiosas, assim então esse movimento reformador se

estendeu ao catolicismo popular no sentido de evitar nos eventos religiosos as práticas

consideradas supersticiosas e liderados por pessoas com grande carisma junto à comunidade,

mas que não faziam parte do clero: eram beatas(os) ou rezadores que organizavam as

procissões e festas dos santos. O caráter centralizador da romanização do catolicismo oficial

fez com que o clero buscasse estar à frente dos eventos religiosos, principalmente das

romarias com o intuito de inibir cada vez mais o caráter profano inevitável nessas práticas

religiosas. Essa seria uma das estratégias para enfraquecer o papel dos leigos que antes

organizavam as festas aos santos padroeiros nesses moldes, que foram substituídos pelos

padres.

Em fins do século XIX e início do século XX, algumas manifestações religiosas

chamaram a atenção do episcopado, a exemplo de Juazeiro no Ceará onde um suposto milagre

fez com que a comunidade católica local atribuísse poderes sobrenaturais ao Padre Cícero

Romão Batista, aumentando cada vez mais a sua popularidade e comprometendo a proposta

da Igreja naquele momento, que era reforçar a autoridade da igreja católica oficial

controlando a fé popular. O suposto milagre do Padre Cícero gerou uma certa crise dentro da

igreja que culminou com a suspensão das ordens sacerdotais do padre milagreiro. Isso quer

dizer que a reforma proposta pela Igreja Católica ia além das preocupações com o catolicismo

popular, propunha também uma reorganização dentro do próprio clero.

Em 1922 surge a Ação Católica, um novo movimento dentro da proposta de reforma

da Igreja Católica, cuja proposta doutrinária buscava traçar estratégias para conservar os

costumes católicos e aumentar o número de sacerdotes. Para tanto foram criadas várias

escolas, faculdades e universidades católicas no sentido de buscar inibir qualquer outra

ideologia que pudesse de alguma maneira ameaçar os princípios da doutrina cristã. O público

alvo seriam os estudantes, uma vez que eles seriam futuros formadores de opinião. A JUC

(Juventude Universitária Católica) era um dos grupos da Ação Católica, que buscava

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evangelizar os estudantes mantendo-os voltados para a doutrina cristã e afastados das práticas

políticas. Em 1958, a diocese de Natal, Rio Grande do Norte, cria alguns projetos com o

objetivo de resolver alguns problemas sociais. Assim, a igreja católica passa a organizar

programas de rádio voltados para a educação e evangelização de jovens e adultos e essa ideia

logo se espalhou por todo o país. Esse era exatamente o cenário em que surgiu a peregrinação

a Divina Pastora, que se baseava na crença em uma santa e em um hábito religioso trazido da

Europa pelo Padre Luciano Cabral Duarte que algum tempo depois, tornou-se arcebispo de

Aracaju.

A peregrinação a Divina Pastora, criada no ano de 1958, portanto há 54 anos,

idealizada pelo Padre Luciano Cabral Duarte³ que retornava a Sergipe após ser titulado doutor

na Sorbone. O então padre chegou ao estado sergipano com o anseio de abrir novos caminhos

para as solenidades religiosas de Sergipe. Ao retornar a Aracaju, o padre ocupou o cargo de

assistente eclesiástico da juventude universitária. Esse cargo lhe deu não só a chance de estar

junto aos jovens universitários como de lhes apresentar novas propostas, uma das quais era a

realização de uma peregrinação.

Os peregrinos seriam os membros da JUC (Juventude Universitária Católica) e o

destino seria a cidade de Divina Pastora. Essa ideia de organizar uma caminhada de cunho

religioso teria vindo da experiência adquirida pelo Padre, uma vez que, na Europa, peregrinar

era uma prática bem difundida. A peregrinação a Divina Pastora baseava-se no ritual religioso

realizado na França, onde os estudantes saíam de Paris para a Catedral de Chartres, antigo

templo gótico dedicado à Nossa Senhora e centro de peregrinações desde a Idade Média.

Era uma proposta audaciosa que exigiu três meses de preparação incluindo reuniões

frequentes com os jovens universitários, além de medidas práticas como confecção de

panfletos, escolha e treinamento de líderes.

__________________________

³Luciano José Cabral Duarte nasceu na cidade de Aracaju, em Sergipe, em 21 de janeiro de 1925. Ingressou no Seminário menor do

Sagrado Coração de Jesus aos 11 anos. Em 1942, mudou-se para o Seminário de Olinda, em Pernambuco. Em fevereiro de 1945, transferiu-

se para São Leopoldo no Rio Grande do Sul, onde concluiu os estudos eclesiásticos necessários para se tornar padre. Foi ordenado

sacerdote no dia 18 de janeiro de 1948, iniciou suas atividades de sacerdote na Igreja do Salvador, onde foi assistente eclesiástico da

juventude universitária católica (JUC). Tornou-se bispo auxiliar de Aracaju em 1966. Foi nomeado arcebispo de Aracaju em 1971

permanecendo no cargo até 1998. Atualmente vive recluso em sua residência, devido a problemas de saúde. (Fonte:

tadeuaraujofaria.blogspot.com.br/2011/01/dom-luciano-jose-cabral-duarte.html ).

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As reuniões aconteciam à noite na escola de serviço social, durante as quais,

aprendia-se a cantar a Ave Maria do peregrino, com a mesma música entoada na França, a

cantar alguns salmos de Gelineau, (Joseph Gelineau, padre jesuíta, músico e liturgista

francês), a exemplo de “O Senhor é meu Pastor”, “Ó vinde”, “Adoremos o senhor”, “Quem

semeia entre lágrimas”, “Pequei Senhor, misericórdia” e o “Magnificat de Nossa Senhora”.

As reuniões serviam também para instigar debates sobre a fé cristã.

Provavelmente, a escolha da cidade de Divina Pastora se deu por conta de sua

localização geográfica. Situada no alto do morro, a cidade seria uma representação simbólica

da via sacra vivida por Jesus. Também não pode ser desprezado o fato de a matriz da cidade

ser um templo votivo, com espaço reservado para pagar promessas e depositar os ex-votos. As

peregrinações europeias, que serviram de modelo para o evento religioso implantado em

Sergipe, estavam ligadas à busca da natureza. Esse ponto também pode ter influenciado na

decisão do Padre Luciano Cabral Duarte quanto à escolha da cidade santuário sergipano.

Carlos Alberto Steil (1996), ao se referir à origem do santuário da Lapa, também vê na

natureza o elemento central do culto:

Para os romeiros, como vimos anteriormente, a peregrinação a Lapa é um ritual

topográfico em busca da fonte, onde sacia sua sede de sentido, fim principal e

condição básica da existência humana. Mas é também um ato performativo, que

reinventa a natureza como lugar de manifestação do sagrado, em contraposição ao

espaço urbano do convívio social (STEIL, 1996. p. 213).

Como no santuário da Lapa, os universitários sergipanos, liderados por seu assistente

eclesiástico, também abandonaram temporariamente a vida urbana para buscar o sagrado

junto à natureza, deixando para trás os prazeres do mundo, o que, segundo Steil (1996), seria

a busca da transcendência do tempo e do espaço ordinário.

______________________________________

4 As informações foram organizadas com base nas informações contidas no artigo escrito pelo ex jucista Geraldo Oliveira

intitulado: Padre Luciano Duarte e a 1° peregrinação à Divina Pastora. Disponível em

<http.www.arquidiocesdearacaju.org/?pg=artigo&iartigo=107. Acesso em 15 de maio 2011. Análise do artigo: As ovelhas

da pastora de autoria de autoria de Magno F. de Jesus Santos, editado na Revista Brasileira de História das Religiões. Livro

Tombo da arquidiocese de Aracaju. Vol.I e II.

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Os estudantes, juntamente com o Padre Luciano Cabral Duarte, saíram de Aracaju no

dia 24 de agosto de 1958, às sete horas e trinta minutos da manhã, com destino ao município

sergipano de Riachuelo onde chegaram após uma hora de viagem. Em frente à igreja matriz

de Riachuelo, o Padre Luciano Cabral e o pároco local realizaram uma breve pregação dando

início à caminhada rumo à cidade de Divina Pastora4.

As dificuldades enfrentadas no caminho foram inúmeras, a exemplo do forte calor e da

poeira da estrada de piçarra. Foi um ritual performático onde os universitários caminhavam

enfileirados e uniformizados em dois grupos. Na frente, o grupo das moças, seguidas pelo

grupo dos rapazes, debatendo temas como “A divindade de Jesus” e entoando cânticos que

foram aprendidos anteriormente nas reuniões preparatórias. O tema da primeira caminhada

foi: “Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador”.

Foto:2- Participantes da 1° peregrinação a Divina Pastora.

Fonte: Revista 25 anos de sacerdócio de Dom Luciano Cabral.

Autor: desconhecido (Apud. Magno F. de Jesus Santos, 2010).

Para Santos (2010), o grande diferencial da primeira peregrinação a Divina Pastora, em

1958, teria sido a seleção do público alvo e a preparação dos romeiros, ou seja, a primeira

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caminhada foi um ato teatralizado a tal ponto que foi necessário estudar e ensaiar passo a

passo o que teria de ser feito. Outro ponto que chama a atenção do primeiro evento religioso

rumo a Divina Pastora foi a ausência de imagens sagradas.

Em seu artigo “As ovelhas da Pastora”, Santos (2010) aponta o motivo pelo qual a

Diocese de Aracaju abraçou a ideia de criar uma peregrinação, na qual se buscava refletir

questões sobre a fé católica.

Além do prestígio que o Padre Luciano Cabral Duarte detinha na mesma, a

peregrinação poderia se tornar alvo de um novo fôlego para a orientação devocional

da igreja, reflexo das preocupações católicas da época. Outro motivo que tornou a

proposta atrativa foi o fato de tentar prender os olhares dos universitários na questão

da fé, evitando assim os perigosos e sedutores desvios que rondavam,

principalmente as idéias do comunismo marxista (SANTOS, 2010, p. 173).

A partir da década de 1950, a teoria marxista ultrapassa os muros não só das escolas

secundaristas como também das faculdades brasileiras. A União Nacional dos Estudantes

(UNE) criada em 1938, nesse momento volta-se para os temas políticos sempre defendendo

os interesses da esquerda. É um período de grande politização da classe estudantil. Entre os

autores mais lidos nessa época de doutrinação podemos citar Karl Marx, Engels, Lenin e

Lebret.

A politização dos estudantes toma conta do país, inclusive do estado de Sergipe e

como meio de minimizar os efeitos desse crescente movimento de esquerda, na Igreja

Católica elabora estratégias para resgatar os jovens estudantes secundaristas e universitários,

não só aqueles que já estavam envolvidos politicamente como também aqueles que

porventura ainda não tivesse se envolvido. Para tanto, busca-se envolver os jovens em alguns

eventos religiosos com o objetivo de evangeliza-los. A primeira caminhada a Divina Pastora

tinha como pano de fundo a preocupação de afastar principalmente os membros da JUC

(Juventude Universitária Católica) das ideias de esquerda que contagiavam os jovens da

época.

Assim se explica também a escolha pelos universitários, uma vez que o universo

acadêmico, com tendência marxista, representava certo perigo às ideias católicas. O Padre

Luciano Cabral e a Diocese da Cidade de Aracaju decidiram inserir questões da fé católica no

espaço acadêmico como forma de semear um novo modelo de evangelização.

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Como acontece atualmente, a primeira peregrinação foi encerrada com missa, na

época realizada pelo bispo Dom José Vicente Távora, na igreja matriz de Divina Pastora, às

seis horas da tarde. O sentimento de encantamento foi descrito pelo jucista Geraldo de

Oliveira em seu artigo “Padre Luciano Duarte e a primeira peregrinação a Divina Pastora.”

Mais ou menos às seis horas, começou a Missa, com a igreja repleta dos peregrinos e também

da comunidade local. A igreja me impressionava. O painel do teto com aquelas colunatas

ascendentes e a imagem da Divina Pastora, transmitia-me indescritível sentimento estético e

religioso. Os salmos de Gelineau tocavam-me o coração e um grande espírito de fraternidade

fazia-se presente durante toda a Missa. Foi grande o número de comungantes, coroando com a

Santa Eucaristia aquele memorável dia de encontro com o Senhor, no caminho cheio de fé que

nos conduziu como peregrinos à Igreja de Divina Pastora (Oliveira, 2008).

Grande parte das peregrinações descritas na literatura diz respeito às manifestações

do catolicismo popular, ao contrário da peregrinação a Divina Pastora, que tem suas raízes

fincadas na religiosidade oficial, representada pelo clero com foco somente no sacramento. A

Diocese de Aracaju criou o santuário de Nossa Senhora Divina Pastora com o objetivo de

evangelizar os universitários aracajuanos para que assim, esses indivíduos não se desviassem

do caminho da fé católica. Ao mesmo tempo, implantava um modelo religioso europeu que,

aos poucos, foi absorvido por toda a sociedade sergipana.

Foto 03: Luciano Cabral Duarte.

Fonte:http//www.arquidiocesedearacaju.org/images.

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2.3 – A divulgação do evento

A imprensa sergipana, por meio do jornal “A Cruzada,” e da Rádio Cultura5 que

iniciava sua atuação na capital sergipana, foram os principais instrumentos difusores da

devoção que a Diocese implantava em Sergipe.

Embora o maior divulgador do evento religioso tenha sido o próprio Padre Luciano

Cabral Duarte, precursor da peregrinação a Divina Pastora, através da coluna que escrevia no

jornal “A Cruzada”, onde buscava incessantemente esclarecer o povo sobre a importância do

ato de peregrinar.

Em 1959, mais um grupo de estudantes segue em peregrinação até a cidade de

Divina Pastora. Agora era a vez de um grupo de moças secundaristas, que se deslocavam em

direção ao sagrado. Essa marcha seguiu os mesmos moldes da primeira. Talvez para não

oferecer perigo ao projeto inicial da Diocese de Aracaju de criar uma cidade santuário no

interior de Sergipe, nesse momento, percebe-se que o público ainda continuava seleto como o

da primeira caminhada, evidenciando a preocupação em envolver os estudantes secundaristas

e universitários nos programas da Igreja, assim, mantendo-os afastados de qualquer ideologia

que pudesse contrariar o movimento reformador da Igreja Católica.

O cenário continuou o mesmo, mas os atores começaram a se diversificar a partir de

1960, quando diferenciados segmentos da sociedade passaram a seguir o exemplo dos

universitários que fizeram a marcha inaugural rumo a cidade de Divina Pastora. As viagens,

ainda estimuladas pelo Padre Luciano Cabral Duarte, agora eram realizadas mensalmente. Já

não havia os debates, mas os hinos religiosos ainda eram entoados durante a caminhada na

estrada de piçarra.

___________________________

5- O jornal católico “A Cruzada”, era um impresso de caráter doutrinário criado pela Diocese de Aracaju em 1918,

circulando até 1969 era distribuído para as paróquias sergipanas com o objetivo de reforçar os princípios e valores da religião

cristã. A Rádio Cultura de Sergipe foi fundada pelo Bispo de Aracaju D. José Vicente Távora, com o objetivo de colaborar no

projeto de educação popular do movimento de educação de base (MEB), e evangelizar a comunidade católica sergipana.

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No dia 30 de outubro de 1960, as “filhas de Maria” da cidade de Aracaju fariam o

percurso entre Riachuelo e Divina Pastora com o objetivo de buscar o sagrado. Percebe-se

mesmo que discretamente, o controle do Padre Luciano Cabral Duarte, uma vez que o

encontro da véspera da viagem foi realizado na igreja de São Salvador onde ele exercia

funções de capelão.

O ano de 1960 foi promissor para a realização do sonho do padre que propôs novos

rumos para a religiosidade sergipana. Após a Legião de filhas de Maria, chegou a hora dos

comerciários, apoiados pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e pelo Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial (SENAC), promovido pelo grupo Missionário da Igreja do

Salvador, os quais também fizeram o percurso supervisionado por três sacerdotes. Essa

viagem também teve como ponto de partida a igreja de São Salvador em Aracaju.

Observa-se claramente que todas as versões da peregrinação ao santuário sagrado

criado pela Diocese sergipana tinham em comum o fato de estarem sob o domínio da igreja

católica, tendo como incentivador a figura do Padre Luciano Cabral Duarte, que sempre

direcionava não só os passos como também as atitudes dos peregrinos que se submetiam a tal

sacrifício. Não se pode negar que o Estado de Sergipe já tinha assumido uma nova face no

que diz respeito ao novo modelo religioso, baseado nas sacrificantes caminhadas religiosas, o

que já se observava não só na Europa como nos grandes centros urbanos brasileiros.

As aparições da Virgem Maria e, consequentemente, as cidades santuários eclodiam

em todo o Brasil. Sergipe, apesar de não contar com nenhuma aparição, já tinha o seu

santuário sagrado, graças ao padre Luciano Cabral Duarte e toda a Diocese sergipana. Sendo

assim, a peregrinação a Divina Pastora nasce e se consolida dentro dos moldes traçados pelo

catolicismo oficial, que, em cada caminhada, tem a preocupação de separar o sagrado do

profano. Para o idealizador do projeto religioso, o objetivo da peregrinação era ir ao encontro

do sagrado, ao encontro de Maria, mãe do Cristo, que acolhe todos os seus fiéis, ou seja, a

peregrinação é uma caminhada por devoção e não por diversão. Assim, para que a prática

profana fosse descartada, o evento religioso estava sempre sob os olhos controladores da

igreja.

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2.4 – O declínio e consolidação

De 1958 a 1961, a caminhada rumo ao santuário sagrado parecia ter se consolidado.

Periodicamente a diocese de Aracaju escolhia pequenos grupos que, liderados por

representantes da igreja católica sergipana e incentivado pelo padre Luciano Cabral, seguiam

rumo à cidade santuário. Contudo, entre os anos de 1961 e 1971, observa-se um declínio na

realização do evento religioso. Nesse intervalo de tempo a peregrinação sergipana aos poucos

deixa de existir. Santos (2010) associa esse fato às ausências do Padre Luciano Cabral Duarte,

uma vez que ele era o grande incentivador e divulgador do evento. Durante esse período, o

idealizador da peregrinação fez duas viagens, a mais longa durou dois anos. Esse tempo foi

bastante para que a peregrinação rumo ao santuário da mãe pastora caísse no esquecimento.

Em 1966, o mesmo foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Aracaju e, em

1971, tornou-se Arcebispo. Esse ano foi muito importante para a carreira eclesiástica desse

religioso, pois tal nomeação sinalizou a possibilidade de popularizar a peregrinação a Divina

Pastora.O ritual religioso passou por algumas modificações. A Igreja Católica buscou

organizar um grande evento com a participação de toda a população que estivesse disposta a

enfrentar as dificuldades do caminho que leva ao santuário. O evento religioso, que se propôs

restritivo nos primeiros anos, apresentou versão popular, onde já não havia a preocupação

com a seleção dos participantes nem com o comportamento dos mesmos durante a caminhada.

Todas as paróquias sergipanas foram incumbidas de convocar os seus fiéis a participarem da

peregrinação, que tinha como ponto de partida o templo religioso de cada bairro ou cidade

sergipana, para ser direcionada ao município de Riachuelo, de onde os devotos seguiriam a pé

até a cidade de Divina Pastora. A data escolhida pela Arquidiocese de Aracaju foi 15 de

outubro de1971.

Conforme documentos da Paróquia de Divina Pastora, o pároco dessa cidade,

Raimundo Cruz, desenvolveu um importante papel na preparação da cidade para recepcionar

os peregrinos. O agora Arcebispo de Aracaju já não estava mais só, encontrou no Padre

Raimundo Cruz, que foi pároco da cidade de Divina Pastora por aproximadamente doze anos,

um forte aliado na tarefa de incentivar os católicos sergipanos a participarem da nova edição

da peregrinação em homenagem a Virgem Pastoril. Torna-se pertinente lembrar que o evento

religioso reconstruído a partir de 1971, prezou pela necessidade de ampliação do número de

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romeiros, como forma de consolidar o fenômeno no Estado de Sergipe. Seguramente a

pretensão do agora Arcebispo era que a peregrinação a Divina Pastora se expandisse a cada

ano, fazendo parte do calendário religioso do Estado e, principalmente, arrebanhando o maior

número possível de romeiros.

Entretanto, nessa nova fase, que teve início em 1971, o ritual religioso parece ter

escapado ao controle não só do seu criador como da Igreja como um todo. O povo não só se

apropriou do evento como o redesenhou inserindo nesse novo contexto um novo elemento

que fez toda a diferença nesse novo formato da romaria, a fé popular, que é a semente dos

votos e promessas dirigidas à Nossa Senhora Divina Pastora. Logo, pedir a intersessão da

Virgem Pastoril é o mesmo que pedir a intersessão de Maria, que se destaca por ser a mãe de

Jesus. A crença católica entende que o papel de mãe lhe permite intermediar os pedidos dos

seus filhos terrenos junto ao seu filho Jesus. Lembra-nos Menezes que:

“A proliferação de invocações indica a capacidade polissêmica da santa de

assumir diversos ‘papéis” diante dos fiéis que a invocam, fazendo-se

presente, ao menos virtualmente, em todas as alegrias e desventuras da vida

humana. Se Maria é uma só, cada uma das suas invocações permite colocar

em foco um aspecto diverso da “biografia”, da “personalidade” ou da

“possibilidade de atuação” da santa – de seu “carisma”(MENEZES, 1996, p.

6).

Uma dessas Marias recebe o título de Nossa Senhora Divina Pastora e é só mais uma

das denominações dentre as inúmeras existentes no Brasil e no mundo, mas mesmo diante

dessa “capacidade polissêmica da santa” (Menezes, 1996,p.6) a igreja sente a necessidade de

reafirmar que Maria é uma só, e foi esse discurso de universalidade que garantiu a adesão dos

devotos sergipanos ao culto à santa espanhola e, consequentemente, a consolidação do evento

religioso. Essa associação entre a Virgem Maria e a Divina Pastora provavelmente foi uma

estratégia da igreja para estimular a participação popular, como percebemos nas palavras de

padre da cidade: “Que Maria Santíssima, a Mãe do Divino Pastor, por isso é conhecida pelo

título de Divina Pastora, continue intercedendo por cada um de seus filhos, nós seus

devotos!”(Padre Helelon Bezerra, 2010, p. 01). O ano de 1982 foi intitulado pela

Arquidiocese de Aracaju como o ano Mariano, pois marcava a comemoração dos duzentos

anos da chegada da imagem da Divina Pastora a Sergipe. Esse pode ser um dos motivos pelos

quais os devotos se renderam tão rapidamente a proposta de Dom Luciano Cabral.

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Enfim, a peregrinação a Divina Pastora apresenta dois momentos distintos. No

primeiro onde se destacam as peregrinações das décadas de 1950 e 1960, em que o evento

estava pautado num modelo mais intelectualizado e teatralizado e sob o total controle da

igreja católica. Foi um evento cuidadosamente organizado, onde todos os passos e falas eram

cronometrados. A primeira caminhada marca o início de um modelo devocional no Estado de

Sergipe onde a diocese detinha todo o controle do evento religioso, inclusive do número e do

comportamento dos seus participantes, que foram incentivados a fazer um curso intensivo de

três meses. Ali, os estudantes liam e discutiam textos e aprendiam cânticos que foram

previamente escolhidos pelo clero sergipano. Essa etapa foi importante no sentido de

capacitar os estudantes para enfrentar a caminhada com propósito religioso, ou seja, formado

por um público mais intelectualizado. Atingir esse tipo de público foi o grande objetivo da

primeira peregrinação, incutir a doutrina cristã no universo acadêmico reforçando os costumes

religiosos baseados no catolicismo oficial.

Já no segundo momento, a partir de 1971, o ritual religioso apresenta-se totalmente

envolvido pela devoção popular que divide espaço com o poder da igreja. Nesse segundo

momento, algumas diferenças foram significativas, como, por exemplo, a presença da

imagem da santa padroeira, a procissão, os ex-votos, o pagamento de promessas, além do

número elevado de peregrinos. A diocese já não tem mais o controle sobre o número exato de

participantes, muito menos podem interferir no seu comportamento, já não havia a

preocupação em controlar os peregrinos nem antes nem durante o ritual, o público não pode

mais ser selecionado previamente uma vez que o crescimento numérico dificultava essa

prática.

À medida que o povo se apropria do ritual, esse assume as características do

catolicismo popular, as notícias dos supostos milagres ultrapassam as fronteiras do Estado de

Sergipe e por conta disso, o número de devotos da Santa cresce bastante a cada ano e a igreja

já não tem mais domínio total do evento o que dá margem ao surgimento do lado profano do

evento, marcado por fatores como o comércio e a diversão. Portanto, a peregrinação nos

moldes que conhecemos hoje teve sua origem a partir do evento de 1971 e alcançou seu auge

em 1982, em comum com a primeira caminhada tem apenas o seu idealizador.

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2.5- A Peregrinação de Divina Pastora e as demais peregrinações do Brasil e do mundo:

O fato de mobilizar maior contingente populacional fez com que o evento criado por

Dom Luciano Cabral Duarte, no final da década de 1950, fugisse do controle do clero. Esse é

um processo que vai na contramão do que aconteceu na maioria dos santuários sagrados, em

que o catolicismo oficial se apropria da devoção popular. O que se percebe em Divina Pastora

é justamente o contrário, o ritual religioso criado pelo clero se expandiu de tal modo que se

consolidou como importante centro de devoção popular do Estado.

Apesar da peregrinação de 1971 ainda estar sob a constante vigília da arquidiocese,

essa já não se apresentavam os mesmos moldes que as anteriores, já não se percebia a

preocupação com a preparação do peregrino, o objetivo da igreja nesse momento, era

transformar aquele tímido evento religioso iniciado no final da década de 1950 do século XX,

em um grande acontecimento no cenário devocional sergipano. O crescente número de

devotos fez com que a peregrinação de Divina Pastora se assemelhasse aos grandes eventos

religiosos que ocorrem no Brasil, contudo, o evento sergipano possuía algumas

características que a diferenciavam das demais, a exemplo de ser um ritual religioso criado

com o propósito de evangelizar um grupo de estudantes universitários e afastá-los dos ideais

políticos revolucionários do comunismo que rondavam a sociedade sergipana na época. Outra

exclusividade da peregrinação de Divina Pastora é o fato de o lugar apontado como sagrado

pelo Padre Luciano Cabral nunca ter sido palco de nenhum milagre nem aparição da Santa,

como é comum em outros rituais do gênero.

Geralmente as peregrinações surgem a partir da manifestação do sagrado seja por

meio de aparição do santo (a) aos seus fiéis ou por um milagre que tenha ocorrido em

determinado lugar. Podemos citar como exemplo o início da devoção à Nossa Senhora da

Conceição Aparecida, padroeira do Brasil. De acordo com relatos dos romeiros e de membros

da igreja católica, três pescadores na cidade de Guaratinguetá em São Paulo, em um dia de

pescaria fraca, numa situação em o peixe não entrava na rede, os pescadores rezaram e

pediram a ajuda da Virgem Maria, em seguida, ao lançar a rede no rio Paraíba, resgataram o

corpo de uma imagem feita em madeira. Quando jogaram a rede outra vez, apanharam a

cabeça da imagem e logo após a recuperação da imagem completa, aconteceu o primeiro

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milagre, a pescaria que até então era fraca tornou-se abundante. No caso da padroeira do

Brasil, o culto à Santa teve início não só com a aparição da imagem como também com o

milagre que se deu durante a pescaria.

A devoção ao Padre Cícero ou” Padim Ciço” como é conhecido na devoção popular

também ocorreu a partir de um milagre efetuado pelo religioso durante uma missa. Ao

oferecer a hóstia consagrada à beata Maria de Araújo, a hóstia se transformou em sangue na

boca da religiosa. Esse fato se repetiu diversas vezes por dois anos. Assim como em

Guaratinguetá (SP), em Juazeiro (CE), como também em outros santuários no Brasil e no

mundo, a devoção acontece sempre após o milagre ou aparição do Santo(a), ou seja, o sagrado

escolhe o lugar e o momento para se manifestar, ao contrário do que ocorreu na cidade

sergipana de Divina Pastora, onde “o sagrado foi provocado a se manifestar” (Santos, 2010, p.

37).

A peregrinação ao santuário de Fátima é um dos principais rituais religiosos do

mundo. Teve início em 1917, quando três crianças Jacinta Marto, Francisco Marto e Lúcia de

Jesus, testemunharam seis aparições de Nossa Senhora entre os meses de maio a outubro do

mesmo ano. Durante as aparições Nossa Senhora pediu às crianças que rezassem o terço todos

os dias e que fosse construída uma capela em seu louvor naquele lugar. Hoje, a capela se

transformou em uma grande basílica para acolher seus peregrinos.6

Atualmente, o santuário de Fátima é um dos mais importantes centros de devoção

mariana do mundo, sendo visitado por mais de cinco milhões de visitantes por ano. Apesar da

visitação ocorrer durante todos os dias do ano, o maior fluxo de peregrinos se dá nos dias 12 e

13 de maio se estendendo até o mês de outubro. No mês de agosto é realizada a peregrinação

do emigrante e, para ajudá-lo, durante a visitação o Centro Nacional de Cultura, juntamente

com entidades responsáveis pelo santuário de Fátima, lançou, em 2003, um projeto que

demarca os caminhos de Fátima, no sentido de guiar os peregrinos que visitam o lugar

sagrado.

_____________________________

6 As informações foram organizadas com base no site oficial do Santuário de Fátima. Acesso em 26 de junho de 2012.

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Assim, surgem dois caminhos: o caminho de Tejo, que liga Lisboa a Fátima; e o

caminho do Norte que liga o Porto a Fátima, esse ainda em fase de conclusão. O culto à Nossa

Senhora de Fátima foi bastante difundido pelo mundo através das visitas da imagem da

Virgem Peregrina (uma das denominações da Virgem Maria).

Algumas peregrinações têm como destino lugares onde estão depositados restos

mortais de pessoas consideradas santas. Foi assim que surgiu a peregrinação a Santiago de

Compostela7, na Espanha. Esse ritual inicia-se após a descoberta dos restos mortais do

apóstolo Tiago pelo ermitão Pelayo, ao observar uma chuva de estrelas que caíam em um

determinado lugar do bosque em Libredón, na Espanha, e proporcionava uma grande

luminosidade. Ao saber do fenômeno, o bispo Teodomir deu ordens para que o lugar onde

ocorria a chuva de estrelas fosse escavado.

As escavações revelaram que naquele local haviam sido depositados os restos mortais do

apóstolo Tiago. Essa descoberta despertou a curiosidade de muitos fiéis que passaram a fazer

visitas frequentes ao lugar.

Os séculos XII e XIII representaram o ponto auto das peregrinações, entrando em

declínio no século XVI mas no século XX volta a ser uma das principais rotas de

peregrinação do mundo. Os caminhos que levam a Santiago de Compostela são muitos e

podem ser observados por toda a Europa, geralmente sinalizados por setas amarelas, no chão,

nos muros, nos postes, nas árvores e marcos de granito e concreto.Os três principais

caminhos que levam o peregrino a Santiago de Compostela são: o caminho francês, o

caminho português e o caminho inglês.

_____________________________

7 ALMADA, Lourenço José, 2000.

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Ao longo desses caminhos é comum encontrar alguns albergues que estão instalados

em construções da Idade Média, exclusivamente para atender os viajantes que levam consigo

além da sua bagagem, um mapa e uma credencial que deve ser carimbada em uma das igrejas

ou órgãos de turismo da região. A peregrinação termina quando o andarilho chega a catedral

de Santiago onde apresenta a credencial e recebe a Compostelana, um certificado de

conclusão do percurso.

Nos grandes centros de peregrinação como Bom Jesus da Lapa, Juazeiro do Norte,

Aparecida, entre outros, a romaria e o culto ao santo de devoção acontece durante todo o ano,

com maior concentração no dia da festa. Em Divina Pastora, a peregrinação só acontece uma

vez por ano, no dia determinado pela igreja. Um outro ponto que diferencia o ritual religioso

sergipano dos demais é o destino dado aos ex votos, na maioria das romarias os ex-votos são

depositados pelos fiéis em uma sala apropriada para tal fim, nesse espaço fica exposto tudo

que foi doado à santa: peças de vestuário, velas, mechas de cabelos, réplicas do corpo

humano, etc. O espaço onde ficam depositados os ex-votos dá a dimensão do poder da

divindade e da fé do romeiro. Apesar da igreja matriz de Divina Pastora ser um templo votivo

com espaço reservado para receber ex-votos, lá não é permitido depositar os testemunhos

materiais de fé levados pelos romeiros.

Segundo o padre Helélon Bezerra, responsável pela matriz da cidade, após a

restauração do templo em 2007, não é mais permitido que os ex-votos permaneçam guardados

no interior da igreja por conta dos insetos que são atraídos por estes objetos principalmente os

cupins, uma vez que a maioria desses materiais são produzidos a partir da madeira. Por esse

motivo, os ex-votos são queimados em, no máximo, duas semanas após serem depositados na

matriz, para impedir o desgaste do prédio. Essa queima não envolve nenhum ritual, é visto

apenas como meio de preservação do patrimônio público. Quanto aos ex-votos depositados no

Cruzeiro, também são queimados um mês depois que são depositados pelos romeiros.

A origem da peregrinação a Divina Pastora, as suas semelhanças e diferenças com as

demais romarias do Brasil e do mundo parece não despertar a curiosidade dos fiéis, grande

parte deles afirma não saber como a devoção teve início, os romeiros em sua maioria,

desconhecem como e com que intenção foi criada a peregrinação, mas isso não influencia a

reprodução do culto nem diminui a fé dos devotos em Nossa Senhora Divina Pastora.

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2.6 – A peregrinação da Santa

A década de 1980 inicia-se com novidades no cenário religioso por conta da

comemoração dos duzentos anos do culto à imagem de Nossa Senhora Divina Pastora em

Sergipe. A novidade fica por conta de a peregrinação ocorrer em sentido inverso. Agora é a

imagem da Santa que se desloca do seu universo sagrado em direção às paróquias sergipanas.

Essa grandiosa comemoração foi também organizada pela Arquidiocese de Aracaju, em

novembro de 1982, e o convite foi feito pessoalmente por Dom Luciano Cabral durante a

peregrinação no mês anterior.

A visita da Santa ao devoto estreita a relação entre ambos ao mesmo tempo em que

conquista novos fiéis peregrinos. Isso certamente causaria um aumento significativo no

número de romeiros nas peregrinações seguintes. A visita da imagem ao seu devoto gera uma

reciprocidade, pois o fiel, para agradecer a visita recebida, compromete-se em retribuí-la indo

à cidade de Divina Pastora em peregrinação. A imagem saiu da cidade de Divina Pastora no

dia 18 de novembro de 1982, visitando 61 igrejas, onde ficava exposta a visitação pública por

sete dias aproximadamente.

Em outubro de 1983 a imagem da Santa chegou à cidade de Riachuelo de onde saiu

em peregrinação até o santuário de Divina Pastora. Essa imagem da santa só voltou a sair da

cidade de Divina Pastora em 2010, quando outra vez foi acompanhada por seus fiéis em

procissão da cidade de Riachuelo até o seu santuário. Segundo o padre Helelon Bezerra, em

2012, serão comemorados os 230 anos do início do culto à Nossa Senhora Divina Pastora no

Brasil e em Sergipe e, como ocorreu há trinta anos, novamente a imagem da santa sairá em

visitação às paróquias sergipanas, a partir do mês de maio de 2012, retornando ao seu

santuário em outubro do mesmo ano, dando continuidade às comemorações, em que Dom

José Palmeira Lessa, Arcebispo de Aracaju, dará a igreja matriz de Divina Pastora o título de

Santuário e a cidade que abriga a santa pastoreira receberá o título de maior centro de devoção

mariana do Estado de Sergipe.

A igreja matriz de Divina Pastora ainda não recebeu oficialmente o título de

santuário pelas autoridades eclesiásticas sergipanas, mas há muito tempo foi reconhecida

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como tal pelos devotos por conta dos supostos milagres que os mesmos atribuem à Santa.

Para que um local de culto seja oficialmente considerado santuário é necessário que preencha

vários requisitos, a exemplo do lugar onde se situa o local sagrado. Para Góes, tem “maior

importância aqueles localizados no topo dos montes, montanhas, penhascos.” (Góes, 2009,

p.114). Esta definição ocorre, possivelmente, por conta das muitas passagens da bíblia que

fazem relatos de acontecimentos que têm essas formas de relevo como cenário. Uma outra

exigência do clero é que o local que concorre ao título de santuário deve ter um administrador

paroquial permanente para realizar os sacramentos como batismos, casamentos, a eucaristia, a

extrema unção etc. Entretanto, o dado mais importante para que o local receba o título de

santuário é a sua popularidade, que é medida pelo número de fiéis que recebe durante o ano.

Assim, é possível entender que cabe às autoridades eclesiásticas conceder o título de

santuário, mas é o devoto através da sua fé e das suas promessas que dá sustentação ao título.

Outra vez a cidade de Divina Pastora se diferencia dos demais santuários, pois geralmente as

autoridades eclesiásticas só avalizam ou reconhecem o local de culto enquanto santuário. Em

Divina Pastora vai além, uma vez que a igreja católica sergipana além de criar, incentivou a

devoção, para depois ela própria reconhecer o local como sagrado.

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3. A PEREGRINAÇÃO: TEÓRICOS E TEORIAS SOBRE O TEMA:

“É por isso que o Cristão peregrina. Peregrinar é pôr-se em marcha, é lançar-se pela

estrada, pela experiência de deixar o que se tem, em busca do que ainda não tem,

mas se espera” (DUARTE, 1958, p. 01).

Peregrinar é um fenômeno muito comum no Brasil e no mundo, e por esse motivo,

atrai a atenção de tantos estudiosos pelo entendimento de que essa prática religiosa compõe

um universo de ritos, cultos e símbolos que unem o homem ao sagrado e, mesmo na

modernidade, ainda continua despertando o interesse espiritual de milhões de fiéis.

Grande parte dos santuários no Brasil estão no norte e nordeste, dentre eles o de Bom

Jesus da Lapa, que se tornou objeto de estudo do autor Carlos Aberto Steil. Esse autor, em sua

obra “O Sertão das Romarias” (1996), faz uma análise antropológica a respeito de como

surgiu a romaria de Bom Jesus da Lapa no interior baiano e qual o papel dos devotos nesse

evento religioso. A grande contribuição da obra concentra-se na discussão dos votos e

promessas enquanto alvo central das romarias. O autor também destaca os conflitos entre o

sagrado e o profano, a demarcação do território em que cada um deverá agir e a importância

dos dois (sagrado e profano) para a construção e perpetuação dos rituais.

Outro autor importante que trata desse fenômeno, Fernandes (1988) revela as várias

faces da religiosidade popular brasileira por meio de sua obra sobre a devoção à Nossa

Senhora Aparecida, retratando as diversas nomenclaturas atribuídas à Santa. Desse autor vem

uma importante obra sobre peregrinações no Brasil, “Os Cavaleiros de Bom Jesus”, cujo

excelente enfoque etnográfico revela ao leitor a saga de um grupo de cavaleiros com destino à

romaria de Pirapora na periferia de São Paulo. Nessa obra, o autor discute temas importantes

para o estudo das religiões populares, a exemplo de religião e magia, sagrado e profano,

dentre outros. O texto também evidencia, não só a visão dos moradores, como também a visão

dos visitantes, assim como destaca a opinião daqueles que fazem parte de outras

denominações religiosas.

A festa no santuário da Penha no Rio de Janeiro foi objeto de estudo de Renata de

Castro Menezes, que descortinou a relação entre rituais e poder que estão presentes nas festas

Vi

c

tor.

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de santo. Essa romaria diferencia-se das que foram anteriormente citadas pelo fato de ser uma

festa de santo que se realiza em um santuário imerso no seio de uma grande metrópole.

Para melhor compreender o fenômeno das peregrinações em Sergipe, Magno

Francisco de Jesus Santos (2010) aponta as principais transformações ocorridas na

peregrinação a Divina Pastora desde a sua criação, buscando mostrar o perfil sociocultural dos

primeiros caminhantes e os esforços do Padre Luciano Cabral Duarte para que esse ato

religioso fizesse parte do calendário religioso do Estado de Sergipe, tomando as proporções

que hoje apresenta. O artigo possui uma etnografia bastante detalhada, oferecendo uma vasta

contribuição na pesquisa histórica, como também um olhar crítico de como e com que

interesse surgiu a peregrinação a Divina Pastora.

3.1 – Ritual

Ao estudar o Sistema Totêmico na Austrália, Émile Durkheim nos fornece grande

contribuição no estudo dos ritos, os quais são descritos como “regra de comportamento que

prescrevem como o homem deve se comportar com as coisas sagradas” (DURKHEIM, 1989,

p.72). Afirma ainda esse autor que a religião nada mais seria que o conjunto das crenças e dos

ritos e que os ritos são práticas que estão intimamente relacionadas aos deuses e às crenças da

sociedade.

Turner (2005) conceitua ritual como “um comportamento formal prescrito para

ocasiões não sujeitos à rotina tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou

poderes místicos” (TURNER, 2005, p. 49). Para o autor, os rituais têm grande importância na

vida em comunidade uma vez que representam um rompimento da rotina da estrutura social.

A grande contribuição de Turner concentra-se justamente no fato de estudar o rito como um

processo liminar o qual o autor conceitua como “o afastamento voluntário ou involuntário de

um indivíduo de uma matriz socioestrutural” (TURNER, 2008, p. 47).

A peregrinação, enquanto ritual religioso, apresenta essa quebra no elemento

cotidiano, o que é inevitável, uma vez que o peregrino se distancia do seu papel dentro da

estrutura social por um período de no mínimo doze horas, com o objetivo de renovar seus

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votos com o sagrado. Steil corrobora com essa teoria, ao analisar a Romaria de Bom Jesus da

Lapa na Bahia, afirmando que

(...) “Trata-se de uma jornada que retira do seu ambiente social e do seu lócus geográfico e os

segrega os romeiros espacialmente por um período de três dias. Como observam Turner &

Turner, se num certo sentido a romaria se aproxima da segregação sócio espacial dos ritos de

passagem das sociedades tribais caracterizada por Van Gennep, por outro difere destes, na

medida em que comporta sempre um retorno (1978: 2). Enquanto os ritos de passagem

introduzem num estágio permanente, a romaria precisa ser repetida todos os anos, como um

meio pelo qual se torna possível entrar em contato com os sentidos e símbolos fundamentais da

cultura em que se inscreve esta experiência humana.” (STEIL, 1996, p. 90).

Desse modo, o autor não vê a romaria como um rito de passagem, pois, segundo ele,

esses ritos seriam um estágio permanente, o que não é o caso, já que na romaria é necessário

que o fiel repita o ato anualmente para estabelecer um estreito contato com os símbolos

sagrados. Concordo com Steil, pois durante o período desta pesquisa, observei que os

peregrinos que participam da caminhada já o fazem há muito tempo e ainda pretendem fazer

por muito mais tempo, acreditando que os laços que os prendem à divindade devem

obrigatoriamente ser renovados a cada peregrinação.

Douglas (1991) nos mostra o papel importante dos rituais, quando coloca que “o rito

não só exterioriza a experiência, não só a ilumina, como a modifica pela própria maneira

como a exprime” (p.81). Para Steil (1996), a romaria, enquanto ritual, pode ser tomada como

um ato performativo, uma vez que “produz resultados em virtude de ser realizado”. Talvez se

possa pensar na própria viagem como um ato que se realiza como uma performance, pois

através de mecanismo análogo ao que sustenta a eficácia simbólica, não só durante a

caminhada, como também ao participar dos rituais propostos na peregrinação, o devoto tem

claro o objetivo a ser alcançado, que é a busca pelo que é sagrado e os benefícios que lhes

possam ser oferecidos através dessa experiência.

3.2 – Peregrinos, votos e promessas

Durante a caminhada e ao chegar ao santuário, um dos objetivos do peregrino é

agradecer por bênçãos obtidas e, para tanto, assume compromissos com a divindade seja em

seu nome ou em nome de outras pessoas. É comum durante a viagem presenciar pessoas que

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pagam promessas feitas por outras pessoas ou ainda fiéis que pagam a promessa como

retribuição de uma graça alcançada por um parente.

A dádiva entre os seres humanos é um costume em diversas civilizações. Para Mauss

(2003), a sociedade é construída em cima das dádivas. O dom seria, para o autor, uma

representação social, uma vez que, na verdade, não existe caráter voluntário, o presente

recebido deve ser retribuído. Dentre as alianças produzidas pelas dádivas, estão as alianças

religiosas que se refletem nos sacrifícios entendidos como modo de relacionamento com os

deuses.

O compromisso assumido para com a divindade pode ser uma promessa ou um voto.

Tomaremos como base as definições de Steil (1996), na sua obra O Sertão das Romarias,

para entendermos a diferença entre um e outro. Entende-se por voto um compromisso de

longa duração, por conta do qual o romeiro se submete a participar da peregrinação por um

longo período de tempo ou por toda a vida. Já a promessa, é um compromisso de curto prazo,

podendo ser pago em uma única ida ao santuário.

Tanto o voto quanto a promessa estabelecem o elo de reciprocidade e de lealdade

entre o fiel e a Santa que fomenta um código de valores religiosos. Para Steil (1996), “o voto

é no contexto da romaria, um instrumento relacionador por excelência, não apenas entre os

seres humanos e os santos, mas também entre os homens e mulheres que se fazem peregrinos”

(p.102).

Durkheim também menciona o aspecto agregador da religião, afirmando que a

religião fortalece a sociabilidade, uma vez que o peregrino está despido do seu papel social e

o que se percebe é uma grande solidariedade entre os mesmos, ou seja, o fato de se cumprir

uma promessa ou um voto em público faz com que os peregrinos se comuniquem entre si,

principalmente trocando experiências pessoais do seu relacionamento com o sagrado, muitas

vezes fazendo surgir laços de amizade entre os devotos.

Esse fator também é apontado por Turner (2008), quando expõe as razões pelas quais

os devotos vão ao santuário sagrado. Também deixa claro que essa circulação contínua une

não só o peregrino à divindade, como os paroquianos entre si.

(...) um indivíduo pode cumprir uma promessa (promesa) ou fazer um voto para o

padroeiro do santuário em troca de uma ajuda sobrenatural supostamente concedida

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contra uma afiliação ou de um parente. Uma promessa também pode ser feita para se

obter auxílio espiritual ou temporal no futuro. O peregrino pode também partir para

obter ajuda numa necessidade ou na cura de uma doença. Ele pode ir manifestar

gratidão por uma dádiva recebida, ou para obter graças pelo simples fato de visitar o

santuário, tocar seus objetos sagrados e em seguida esfregar as mãos no seu corpo

ou no de seus filhos. Todavia, o fato de haver peregrinações anuais regulares

garantem a interação contínua entre as paróquias distantes e os centros espirituais

(TURNER, 2008, p. 197).

3.3 – Milagres

De acordo com Brandão, o milagre é “um acontecimento de plena prova de poder

absoluto e da vontade soberana de Deus. É um tipo de ocorrência extraordinária, por meio da

qual a divindade quebra o curso da “ordem natural das coisas”, em nome do seu amor por um

fiel, ou por um grupo deles, o uso do poder total de sua palavra” (BRANDÃO, 1980, p. 131).

Ainda segundo Brandão (1980), o milagre surge do relacionamento estreito entre o

fiel e a divindade, da fidelidade mútua entre ambas as partes, da troca de favores, ele é

reordenador. Para o fiel, o importante não é só o fato de acontecer o milagre. A proteção da

qual ele se reveste nos locais sagrados também é importante. A peregrinação é uma prática

religiosa que, através dos símbolos e mitos, confere aos devotos a certeza de estar protegido

pelo poder do sagrado, sendo, assim, merecedor do milagre.

Minayo (1998) argumenta que o milagre está presente nas mais variadas crenças e

classes sociais e acontece a partir do momento em que o indivíduo entrega suas aflições ao

sobrenatural, para que as forças que estão presentes no universo sagrado possam agir

positivamente sobre esses problemas.

A categoria milagre se reserva para significar consecção de um bem (saúde, ou bem

material, ou bem espiritual) considerado de ser atingido pelas forças naturais ou

pelos recursos ao alcance do devoto. Milagres serão, pois, a recuperação da saúde

para os doentes desenganados da medicina, de aleijados, de cegos. Mas se considera

milagres também para a família sem recursos financeiros para realizar uma

intervenção na vista de uma criança, intervenção tida como imprescindível pelos

médicos, a recuperação por meios sobrenaturais dessa vista. Milagre também será

para o devoto de classe social elevada a recuperação do filho drogado ou a volta ao

lar da filha que desaparecera (MINAYO, 1994, p. 66).

Dessa forma, o milagre pode ser interpretado como a intervenção do sagrado, do

sobrenatural no cotidiano natural dos indivíduos, algo que seria humanamente impossível de

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ser alcançado. Os milagres são acontecimentos extraordinários que surgem no mundo dos

homens e que não se referem apenas à cura de enfermidades, mas a qualquer manifestação do

poder do sagrado.

3.4 – Cura milagrosa

Para Turner, o devoto sempre espera estar protegido dentro desse espaço liminar da

peregrinação, de onde espera não só a cura física como também espiritual.

Um centro de peregrinação, do ponto de vista do ator crente, também representa um

limiar, um local e um momento “dentro e fora do tempo”, e este ator – conforme

atesta o testemunho de diversos peregrinos de várias religiões diferentes – espera ter

lá uma experiência direta de ordem sagrada, invisível e sobrenatural, seja sob o

aspecto material da cura miraculosa, seja sob o aspecto imaterial da transformação

íntima do espírito ou da personalidade (TURNER, 2008, p. 184).

Geralmente o indivíduo que recorre ao milagre da cura busca o restabelecimento da

ordem na sua vida espiritual e social. Para Terrin (1998), o pensamento positivo e a confiança

no poder do sagrado são os principais fatores que levam às chamadas curas milagrosas e

afirma que “uma oração pode contribuir para a cura mais do que uma injeção ou ingestão de

pílulas com certa composição química’’ (p. 192).

De certa maneira, na perspectiva do doente, este produz sua própria cura à medida

que não aceita a doença e crê que sua força espiritual, o seu otimismo e a fé que tem no

sagrado são suficientes para livrá-lo do estado patológico. Nesse caso, o inconsciente é quem

determina a cura fisiológica. Assim, como descreveu Levi - Strauss (Antropologia Estrutural,

1984), no texto O Feiticeiro e sua magia, a cura divina nas peregrinações também está

apoiada em um tripé formado pela figura da santa, que é responsável pela cura, pelo

peregrino, que acredita nos poderes mágicos da divindade para livrá-lo da doença e pela

comunidade formada por fiéis, que também acredita no poder do sagrado ali estabelecido.

Douglas (1991), em Pureza e Perigo, discute o poder da cura pela magia e, supondo que a

magia não se trata de pura ilusão, acredita que os símbolos são realmente capazes de produzir

mudanças, mas que estão voltadas para a psicologia individual e para a vida social do

indivíduo. Ainda seguindo o pensamento de Douglas, vimos que o homem é dotado de

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poderes espirituais, a exemplo das bênçãos, maldições, fórmulas mágicas e invocações que

podem ser desencadeados a sua revelia e em seu próprio benefício.

Por outro lado, Montero (1985) acredita que existe um sistema lógico por trás das

chamadas curas divinas bastando o indivíduo se despir dos seus preconceitos:

Se deixarmos de lado a solução demasiado fácil de atribuir a essa crença a etiqueta

preconceituosa de “crendice” – etiqueta que evita seu reconhecimento ao descartá-

las como subproduto da falta de instrução – somos obrigados a descobrir, por trás

dessa aparente irracionalidade, um sistema lógico de conhecimento (p.01).

Para Rubem César Fernandes, os resultados obtidos com as promessas podem ser

comparados ao resultado de um jogo de azar. O autor faz a seguinte colocação:

A maioria dos ex-votos refere-se a ocorrências corriqueiras que poderiam afinal ter

um encaminhamento não religioso. As promessas normalmente não pedem ao santo

para mudar o mundo, acabar com a morte ou fazer o rio correr para cima. Não se

dirigem a lei da existência. Ocupam-se antes das incertezas a que estão sujeitos os

indivíduos ou os grupos específicos em situações concretas. Ocupam-se das crises,

como as doenças, acidentes, as passagens perigosas, situações sobre as quais uma

pessoa esclarecida pela ciência é forçada a dizer “deu sorte”, ou “deu azar”! São, em

síntese, uma alternativa à loteria (FERNANDES,1982, p. 46).

Logo, a cura milagrosa que os devotos atribuem à divindade pode ser produzida

dentro de cada um, à medida que o fiel acredita ser possível se desvincular da patologia

acreditando no poder dos símbolos sagrados.

Habitualmente durante a peregrinação acontecem os pedidos e os agradecimentos. A

suposta cura normalmente ocorre em um outro momento, longe do santuário. Além da fé, é

importante também a questão do merecimento, pois segundo relatos dos devotos, quem faz o

pedido e pretende pagar a promessa deve realizá-lo com bastante seriedade. A promessa

deverá ser paga na íntegra, sem nenhuma medida de suavizar o sacrifício.

Quanto ao aspecto da voluntariedade nas peregrinações, Turner afirma que,

quando se começa com a obrigatoriedade, surge a voluntariedade; quando se começa

com a voluntariedade, a obrigação tende a entrar em cena. Em minha opinião, esta

ambigüidade é em parte conseqüência da liminaridade da própria situação

peregrinatória – um intervalo entre dois períodos distintos de envolvimento

intensivo na existência social estruturada, fora da qual uma pessoa escolhe cumprir

seus deveres de peregrino (TURNER, 2008, p. 163).

O peregrino, ao ver atendidas as suas preces, se vê na obrigação de participar daquele

evento religioso com maior frequência possível. Outras vezes, ao contrário, o devoto vai à

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peregrinação pela primeira vez sem nenhum compromisso e daí em diante, passa a ir ao

evento com mais frequência, por acreditar que a continuidade da participação e a construção

da fidelidade sua o aproxima do sagrado. De uma forma geral, percebe-se que se estabelece

uma relação de troca entre o devoto e a Santa. O pedido de ajuda que é feito ao sagrado

alicerça bases sólidas entre as partes (o fiel e a divindade).

Para o devoto, a partir do momento em que seus pedidos foram atendidos por forças

sobrenaturais, as quais ele considera como milagres, cabe, daí em diante, por parte do fiel,

como forma de retribuição pela graça alcançada, um envolvimento maior com o sagrado. É

importante ressaltar que são muitos os casos de pessoas que participam da peregrinação pelo

desafio de percorrer quilômetros a pé ou por outros motivos que não a devoção, a fé, a busca

ou agradecimento de milagres. No entanto, pelos resultados das entrevistas, pude perceber

que, na maioria dos casos, como também em outras peregrinações o que move o peregrino é a

fé. Durkheim (1989) lembra que a fé é “o sentimento unânime dos crentes de todos os tempos,

não pode ser puramente ilusório” (p. 494).

3.5 – Símbolos

Em sua obra clássica, Floresta de símbolos (2005), Turner, ao estudar os Ndembus

da Zâmbia, aponta o símbolo como “a menor parte do ritual que ainda mantém as

propriedades específicas do comportamento ritual, é a unidade última da estrutura específica

em um contexto ritual” (TURNER, 2005, p. 49). Ou seja, o símbolo é uma fração do ritual

que traz na sua essência características capazes de representar todo o contexto ritual e

produzir ações. Torna-se necessário então entender melhor as ações e os significados

produzidos pelos símbolos.

Para tanto, Turner coloca que esse é o papel do antropólogo, que, através de suas

técnicas e conhecimentos, pode interpretar melhor esses significados levando em conta o

contexto nos quais os símbolos estão inseridos, ao contrário dos participantes do ritual os

quais estão envoltos em uma série de interesses e sentimentos que se tornam obstáculos a sua

compreensão. As ações produzidas pelos símbolos rituais podem representar várias ações

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dentro de uma só formação e, ao mesmo tempo, aglutinar várias ideias e fenômenos. É

importante ressaltar que os símbolos possuem um caráter dinâmico, uma vez que instigam a

ação social construindo e modelando a realidade que, por sua vez, também é dinâmica,

portanto os símbolos são capazes de operar mudanças na sociedade.

Na obra A interpretação das culturas, Geertz (1978) vê os símbolos como

modeladores e ordenadores do comportamento social. Quanto aos símbolos religiosos, o autor

argumenta que

os símbolos religiosos modelam o mundo, induzindo o crente a um certo conjunto

distinto de disposições (tendências, capacidades, propensões, habilidades, hábitos,

compromissos, inclinações) que emprestam um caráter crônico ao fluxo de sua

atividade e à qualidade de sua experiência (GEERTZ, 1978, p. 109).

Assim, por conta dessa dualidade criada pelo fato dos símbolos modelarem a

sociedade ao mesmo tempo em que se adequam a ela, o crente é induzido a formular ideias

gerais de ordem e a ter capacidade de compreender a estrutura social na qual está inserido. Os

símbolos religiosos têm também o poder de ordenar a sociedade até mesmo quando não são

totalmente compreendidos conscientemente, uma vez que transcendem a racionalidade

humana.

3.6 – Peregrinações

A palavra peregrinação deriva do latim peregrinatio, que significa ato de peregrinar em

direção a lugares sagrados, enquanto o peregrino é aquele que segue a trilha que o colocará

em contato com o sagrado. O termo peregrinação recebe conotação religiosa no século XII,

para denominar os cristãos que viajavam a Roma e à Terra Santa. Turner (2008) afirma que,

já na Idade Média, os ingleses se dispunham a enfrentar todas as dificuldades, a fim de

alcançar os benefícios para o corpo e para a alma por meio desses rituais. Um exemplo

importante de peregrinação no continente europeu é São Tiago de Compostela, na Espanha,

que foi e continua sendo um dos principais centros de peregrinação na Europa.

Os sacrifícios a que as pessoas são submetidas podem advir até mesmo por

imposição de autoridades eclesiásticas ou civis como sanção penal para crimes seculares. Para

Turner (2008), as viagens sagradas budistas já poderiam ser tomadas como peregrinações,

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ressaltando que os budistas e os hindus, assim como os romeiros da Europa medieval, faziam

visitas frequentes aos centros de peregrinações.

Outro aspecto da peregrinação é sugerido pelo conceito budista destas viagens

sagradas. Supõe-se que o costume budista tenha derivado primeiramente da prática

hindu. Isto torna interessante o fato de que a forma pali da palavra em sânscrito para

peregrinação (pravrajya, pabbajja, em pali, literalmente, ‘’seguir adiante”, “retiro do

mundo”) seja o termo técnico para admissão ou “ordenação”do primeiro grau do

título de monge budista. Alguns budistas e homens santos hindus, bem como os

romeiros da Europa medieval, passaram suas vidas inteiras visitando centros de

peregrinação (TURNER, 2008. p. 170).

O ato de peregrinar não é algo exclusivamente da religião católica. É comum

observar peregrinações em quase todas as religiões, a exemplo da peregrinação à Cidade

Santa dos muçulmanos, Meca, que se situa na Arábia Saudita, terra onde nasceu o profeta

Maomé. De acordo com a religião islâmica, o muçulmano deve participar do Hajj, pelo menos

uma vez na vida e, ao chegar a Meca, é importante que toque a pedra negra que, para eles, é a

representação do sagrado.

As águas do Rio Ganges também atraem muitos peregrinos hindus, que acreditam

que se banhar nessas águas representa o perdão dos pecados e a salvação da alma. Outra

peregrinação bastante conceituada é a que leva os devotos à cidade de Jerusalém, onde nasceu

Jesus Cristo, que recebe milhões de fiéis de diversas religiões com o objetivo de visitar seus

lugares sagrados.

O destino das peregrinações pode ser uma gruta, um templo ou outros lugares eleitos

como sagrados pelo povo e/ou pelo clero. Esses lugares sagrados surgem a partir de duas

possibilidades: a primeira diz respeito às aparições do Santo, a exemplo da peregrinação ao

santuário de Fátima, em Portugal, onde a Virgem Maria apareceu para três crianças; a

segunda seria simplesmente o culto à imagem do Santo, relíquias deixadas pela divindade ou

até seus restos mortais. A romaria ao Senhor do Bonfim, na Bahia, é um exemplo de culto à

imagem do Santo. A devoção teve origem no século XVIII, quando um devoto português

trouxe a imagem de Lisboa, colocando-a para adoração na capela onde hoje acontecem várias

manifestações de fé, inclusive com a lavagem das escadarias da igreja.

Pierre Sanchis (2006) conceitua peregrinação como

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Um caminhar, muitas vezes penoso, doloroso até, em condições voluntariamente

precárias, por isso demorado, mas cheio de encantos – imersão numa natureza

selvagem e encontros lúdicos no caminho até a concretização da apresentação e

presença do peregrino a um “santo”: santuário próximo ou longíquo, sagrado feito

gente, com quem se vive uma pequena porção de tempo, o tempo feito festa: comida,

bebida, encontros danças, até a volta do cotidiano transfigurado, já na espera de outra

romaria. (SANCHIS, 2006. p.86).

Sanchis define muito bem como acontecem as peregrinações, a princípio as

demonstrações de fé seguidas por momentos festivos. Peregrinar é seguir por um caminho

nem sempre fácil, mas a todo momento, o devoto consegue se fortalecer pela certeza de que

ao final estará no santuário bem próximo ao sagrado. Silva (2011) destaca que, “quando se faz

o caminho, os peregrinos se humanizam”, o que facilmente se percebe através de suas ações e

comportamentos. Para eles, o objetivo é exatamente este: a busca pela renovação e pelo bem

estar, mesmo que para isso seja necessário algum tipo de sacrifício, que só os tornam ainda

mais merecedores da proteção da divindade.

O termo peregrinar está sempre associado à palavra caminhar, apesar de nem sempre

as peregrinações acontecerem a pé. Muitas vezes o peregrino se utiliza de meios de

transportes como ônibus, caminhão, automóveis, cavalos, motos ou até bicicletas para se

deslocar até o santuário sagrado. Dessa forma, não importa como o peregrino chega ao

santuário, o objetivo do devoto é sempre o mesmo: a comunhão com o sagrado, que transmite

ao devoto a sensação de crescimento espiritual e, em alguns casos, a cura física.

A peregrinação, além de ser um espaço onde se renova e fortalece a fé do devoto,

também é um espaço onde as relações sociais se estreitam por conta da convivência dos

participantes. O estreitamento dos laços sociais gera o caráter festivo do evento religioso,

fazendo com que o sagrado e o profano dividam o mesmo espaço.

No Brasil, o fenômeno das peregrinações é algo muito recorrente em todas as suas

regiões. As peregrinações foram trazidas por portugueses ainda durante o período de

colonização. Esses rituais religiosos geralmente atraem milhares de devotos ao espaço

sagrado. O fluxo de visitação de romeiros pode ser constante em todas as épocas do ano ou

somente no dia reservado às festividades. Existem várias rotas de peregrinações no Brasil, a

exemplo de Bom Jesus de Pirapora em São Paulo, Nossa Senhora da Conceição Aparecida,

padroeira do Brasil, também em São Paulo, romaria da Penha, no Rio de Janeiro, Romaria a

Juazeiro do Norte, no Ceará, o Cirio de Nazaré, em Belém do Pará, dentre outras.

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Alguns santuários surgem no século XVII, onde os rituais de fé eram realizados no

ambiente doméstico, o que não diminuía a sua importância enquanto ritual religioso. Azzi

comenta que “As expressões de fé estiveram sempre muito mais vinculadas ás imagens

milagrosas, em demanda as quais o povo peregrinava em romaria, do que o culto litúrgico

paroquial. A afluência do povo aos santuários de devoção foi geralmente muito maior do que

sua presença nas igrejas matrizes e catedrais” (AZZI, 1978. p. 44).

Azzi refere-se à devoção popular praticada no Brasil colonial onde o culto aos

santos geralmente acontecia no seio familiar diante de um oratório, (nicho feito de madeira

onde ficam as imagens dos santos), ou em pequenas capelas. Muitos santuários surgiram

dessas pequenas capelas e o culto normalmente era dirigido por pessoas do povo, beatos.

Algumas capelas nem tinham a autorização do clero. Esse quadro sofreu modificações

consideráveis no início do século XX com a ação dos bispos reformadores, por meio do

movimento conhecido como romanização do catolicismo.

A partir desse momento, a Igreja interveio de forma enfática sobre os cultos

populares, principalmente sobre as peregrinações. Nesse período, nota-se também o

surgimento de algumas peregrinações em homenagem a santos de origem europeia que foram

idealizadas e incentivadas pelo clero com a intenção de sufocar o crescimento das práticas

populares que se desenvolviam principalmente no interior do Brasil. Araújo, ao fazer

referência à participação dos devotos das peregrinações, afirma que para os fiéis devotos,

participar dessas grandes romarias brasileiras significa fazer experiência de multidão, das

‘gentes’ que, mesmo diferentes, ali se encontram iguais, num mesmo objetivo: chegar a casa

do santo. É, portanto, um culto massivo de visitação(ARAÚJO, 2009. p. 57).

As peregrinações que ocorrem no Brasil atualmente são eventos grandiosos que

deslocam um grande número de fiéis para a morada do sagrado, onde os milagres se

multiplicam, onde simbolicamente o fiel e o Santo se encontram. Em Sergipe, duas grandes

peregrinações fazem parte do evento religioso do Estado. A mais tradicional é a peregrinação

em homenagem à Santa espanhola Nossa Senhora Divina Pastora, cujo culto, organizado e

incentivado pela Igreja católica, teve início na década de 1950. A outra peregrinação

sergipana faz homenagem à padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Foi criada pelo

padre Jadilson Andrade Santos, em 12 de outubro de 2004, ano em que o Papa João Paulo II

decretou indulgência plenária (perdão dos pecados) a todas as paróquias e santuários

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dedicados à Nossa Senhora Aparecida. Por conta desse decreto, os devotos passaram a

frequentar a paróquia da cidade de Nossa Senhora Aparecida, que fica a 98km da capital,

Aracaju. Os peregrinos saem do Povoado Queimadas, em Ribeirópolis (município sergipano

vizinho à cidade de Nossa Senhora Aparecida) e percorrem cerca de 6,5km até a cidade de

Nossa Senhora Aparecida. Chegando lá se dirigem à Igreja matriz da cidade.

Dessa forma, percebe-se que tanto a peregrinação a Divina Pastora como a

peregrinação à Nossa Senhora Aparecida têm um elemento em comum: diferente de outros

santuários, ambas surgiram por conta da determinação do catolicismo oficial. No caso dos

rituais sergipanos, não há registros de aparições nem de milagres no local onde se realiza o

culto. No tocante às peregrinações sergipanas, não foi o Santo que elegeu o espaço como

sagrado, entretanto isso não diminui a fé dos peregrinos.

3.7- Culto aos Santos:

O culto aos santos é uma prática comum na fé católica, que surge no início do

cristianismo. A Igreja Católica considera como santas aquelas pessoas que foram martirizadas

e se destacaram por atitudes heroicas e exemplares, e por serem fiéis a Deus e destituídas de

pecado, após sua morte são considerados pela igreja como indivíduos santificados, por esse

motivo aptos a interceder por aqueles que lhes rogam graças.

Os primeiros santos da Igreja Católica foram os mártires que morreram professando

a sua fé mesmo diante das maiores provações. A morte violenta dos mártires lembrava o

sofrimento de Jesus e o túmulo onde essas pessoas eram enterradas foram considerados

verdadeiros santuários, onde os fiéis pediam e agradeciam graças, além de fazerem suas

orações, pois acreditavam que, de alguma maneira, o santo estaria ali, uma vez que, naquele

lugar estavam depositados seus restos mortais. Assim, o santo estava presente no céu e na

terra, por esse motivo eram vistos pelos fiéis como intercessores junto ao sagrado.

Na Idade Média, surgem as imagens, pinturas e esculturas que retratam as

características físicas dos santos, a quem os devotos passam a oferecer os ex votos como fitas,

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velas, flores etc. Segundo Araújo, a imagem do santo vai além de um pedaço de madeira ou

de gesso, essa figura para o devoto está repleta de poderes sobrenaturais.

“A imagem do santo, que todos sabem ser de material perecível, não é

reduzida, por isto à condição de uma figura simbólica. É de gesso, de barro, ou de

madeira, mas é nesses elementos que a santidade efetivamente se manifesta, de modo

a ser vista e ser tocada. A matéria não é morta. Ou melhor, a santidade vence a morte

que permeia a matéria. O lugar do santo destaca-se porque, nele, a morte foi

efetivamente vencida. Não se trata apenas de um sinal, ou promessa, de uma vitória a

ser alcançada em outro plano de existência. No realismo fantástico da devoção aos

santos, vê-se a ultrapassagem das finitudes naturais.”(FERNANDES, 1990, p.116

apud, ARAÚJO, 2009, p.22).

Para o devoto, a imagem significa a vitória do santo sobre a morte, ao mesmo tempo

em que acredita que o grau de proximidade, intimidade e afinidade entre ele (devoto) e o

sagrado é tão forte que, em algumas situações, não é necessário que o pedido seja efetuado

pois, o santo sabe exatamente do que ele precisa. A relação entre o devoto e o santo é tão

intensa e diversificada, mas também compartimentalizada, uma vez que o fiel recorre a santos

diferentes para resolver problemas diferentes.

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4. ROMEIROS A CAMINHO DO SAGRADO

O peregrino é assim um homem que põe nos seus passos a inquietação

interior de sua alma (DUARTE, 1958, p. 01).

Os motivos que levam os peregrinos aos santuários sagrados são essencialmente a

busca e o agradecimento da graça. Por esses motivos, os fiéis se sacrificam não só na

exaustiva caminhada de nove quilômetros como também no pagamento das promessas feitas,

as quais fortalecem a relação entre o devoto e a divindade através da troca de dons. Essa

retribuição se dá através do pagamento da promessa, que, quanto mais sacrificante for para o

devoto, mais valiosa será a dádiva (MAUSS, 2003).

Normalmente os indivíduos cumprem promessas em troca de ajuda sobrenatural. Na

maioria das vezes, voltadas para doenças, que, em alguns casos, a ciência define como sem

cura. A doença, seja qual for o nível de gravidade, pode ser entendida como uma desordem e

a cura torna-se necessária para restabelecer a ordem para o indivíduo que se recusa a aceitar a

enfermidade, ao mesmo tempo em que acredita ser possível superar a doença através da fé

(Douglas, 1991).

É essa fé que impulsiona os peregrinos na árdua caminhada em busca do espaço

sagrado e do símbolo religioso, o que facilita a compreensão do mundo, a precisão dos

sentimentos e dá definição a suas emoções. Nesse sentido, o simbolismo desempenha um

papel considerável na vida religiosa do peregrino e dos fiéis de uma forma geral ( Geertz,

1989).

O ritual da peregrinação para os atores sociais significa a passagem do impuro para

o puro, da doença para a cura, da desordem para a ordem. No ritual, o fiel espera descobrir

poderes e verdades que não podem ser alcançados através do esforço consciente (Douglas,

1991). Frequentemente, quando os peregrinos recorrem a esse instrumento de cura, é porque

não obtiveram êxito quando utilizaram o tratamento convencional ou mesmo não dispuseram

de recursos financeiros para um tratamento adequado, mas também quando essas variáveis

não estão presentes.

Vi

ctor

.

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Quando questionados sobre os motivos que os levam a peregrinar, grande parte dos

devotos normalmente ressalta a importância do agradecimento por uma graça alcançada, ou

seja, o milagre é que impulsiona a fé dos devotos. Para Chauí, “o milagre, ao mesmo tempo

em que reafirma a onipotência da divindade a quem se apela (...) manifesta uma relação

estritamente pessoal entre o poder supremo e o suplicante – único momento em que se tem

certeza de que o grito, abafado, explodiu e foi ouvido” (2003, p.79).

Algumas vezes, o fiel afirma que participa da peregrinação apenas pela fé em

Nossa Senhora Divina Pastora, mas ao desenvolver sua fala naturalmente faz referência a

alguns pedidos feitos e promessas que já foram cumpridas, seja para si ou para parentes

próximos, o que revela que a fé dos romeiros está intimamente ligada à graça alcançada, ao

milagre recebido, conforme fica claro no relato de dona Lourdes:

Todo ano eu venho “de a pé”,” num sabe”, não é promessa não, é pra agradar a

Nossa Senhora por tudo que ela faz por mim e por minha família, quando eu fiz a

cirurgia da vesícula eu me apeguei tanto com ela e deu tudo certo, o médico ficou

admirado porque eu sarei muito rápido, demais, graças a Nossa Senhora.

Dessa forma, o relacionamento do peregrino com a santa está apoiado em um sistema

de troca de dons: o peregrino pede, a divindade concede e o devoto retribui pagando a

promessa (MAUSS, 2003).

4.1 – A viagem

A saída estava marcada para as cinco horas da manhã e o ponto de partida seria em

frente à paróquia Bom Jesus dos Navegantes, no bairro Atalaia velha, na cidade de Aracaju.

No horário marcado estava no local apenas Maria Zenaide, a responsável pela viagem. Aos

poucos, as pessoas foram chegando e o ônibus só saiu trinta e cinco minutos após o horário

combinado. Aproximadamente dois quilômetros depois da saída, o ônibus fez sua primeira

parada, na Av. Heráclito Rollemberg, para embarcar minha família e dona Consuelo, uma

devota de Nossa Senhora Divina Pastora, que todos os anos, vai à peregrinação pagar

promessa. A próxima parada foi no posto de saúde do Conjunto Augusto Franco onde entrou

dona Gilvanda Leite, que, em tom de brincadeira, reclamou da demora de quase uma hora.

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Éramos aproximadamente trinta passageiros em um micro ônibus. Entretanto, em um

passado recente, já houve bem mais devotos, que chegavam a lotar dois ônibus com

capacidade para quarenta e cinco passageiros cada um. Esse fato causou uma certa estranheza

entre os presentes, mas não foi feita nenhuma referência pública sobre o assunto. Todos se

conheciam, pois faziam a mesma viagem todos os anos. Essa obrigatoriedade que se destaca

nas peregrinações é consequência da liminaridade da própria situação de peregrino. Aí se

estabelece “um intervalo entre dois períodos distintos de envolvimento intensivo na existência

social estruturada, fora da qual uma pessoa escolhe cumprir seus deveres de peregrino”

(TUNNER, 2008, p. 163). Mas nem todos que estavam ali eram pagadores de promessas,

também havia aqueles que afirmavam estar indo apenas por devoção.

O primeiro engarrafamento que enfrentamos foi próximo a cidade de Riachuelo.

Paramos por cerca de vinte minutos. Alguns mais ansiosos desciam para começar dali mesmo

a caminhada. A nossa chefe de viagem nos aconselhou a esperar, pois a caminhada só deveria

começar na Igreja Matriz de Riachuelo. Lentamente, o ônibus seguiu até chegarmos ao ponto

em que todos deveriam descer. Logo ao deixar o ônibus, encontramos um grupo de ciclistas

que foram pedalando de Aracaju, saindo por volta das quatro horas da manhã.

Seguimos junto com centenas de pessoas rumo à Igreja Matriz de Riachuelo onde

estava a imagem da Divina Pastora. Quando parei para falar com os ciclistas, me dispersei do

meu grupo de viagem, mas seguimos caminhando e percebi que alguns romeiros param pelas

ruas estreitas da cidade para tomar café da manhã. Os moradores do lugar vendem mingau,

mungunzá, arroz doce, café, pão com manteiga, bolos e biscoitos nas calçadas onde também é

possível comprar chapéus de todos os tipos e modelos.

Na calçada da Igreja Matriz de Riachuelo estavam concentrados alguns padres,

seminaristas, freiras, jovens ligados a pastorais da juventude, senhoras integrantes da Legião

de Maria, equipe de liturgia, além do grupo de canto da paróquia local. Esses personagens

procuravam, através dos hinos de louvor e adoração, animar o grande público que se formava.

Ao lado esquerdo da Igreja, os fiéis se enfileiravam para tocar as mãos da Santa. Esse é um

momento especial para os devotos, que aproveitam para fazer pedidos e agradecimentos.

Geralmente os fiéis emocionados pedem força para enfrentar a caminhada, outros ainda

aproveitam a ocasião para tirar fotos junto à imagem da Santa, que mais tarde, logo após a

missa, sai em procissão. A todo momento os padres pediam aos devotos para não beberem

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durante a peregrinação. Muitos peregrinos não ficam para assistir à missa campal que inicia a

procissão rumo ao santuário. Preferem seguir a caminhada imediatamente por conta do sol

forte.

4.2 – A caminhada

Às seis horas e cinquenta e cincos minutos, saímos de Riachuelo, pegando a Rodovia

estadual, onde reencontrei o meu grupo de viagem. Por toda a extensão da rodovia havia

pequenas barracas que vendiam água mineral, água de coco, lanches, refrigerantes e bebidas

alcoólicas. O policiamento estava bem distribuído assim como o serviço de atendimento de

emergência, a exemplo do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e

ambulâncias locais.

Em alguns pontos da estrada, pude observar a presença de pequenos grupos que

cantavam hinos religiosos e faziam orações. Normalmente os fiéis carregam faixas

identificando a paróquia e a cidade de onde vêm. Há fiéis de todas as idades: crianças, jovens,

adultos, idosos e até bebês também fazem parte do ritual religioso bem como deficientes

físicos, deficientes visuais etc. Os promesseiros estão por todas as partes. A maioria está

descalça e grande parte são mulheres. Quando perguntamos o motivo das promessas, alguns

se negam a contar, mas outros, apesar da pressa por causa do sol, contam os motivos que os

leva ao santuário todos os anos e aproveitam para ressaltar os laços que os ligam à Santa.

À medida que avançamos, começam a surgir pequenas subidas, o sol já castiga o

romeiro que já apresenta sinais de cansaço. Normalmente, eles carregam consigo mochilas

com lanches, água, almoço, sombrinhas etc. O número de barracas às margens da rodovia

aumenta e se diversifica. Nas barracas vendem sandálias, óculos escuros, guarda-chuvas etc,

mas isso não tira o foco do romeiro.

Durante o percurso do ato religioso, só é permitido o tráfego de ambulâncias,

viaturas da polícia, carros e motos de apoio e de reportagem, mas, ao se aproximar da ladeira,

existe uma barreira que impede que qualquer veículo prossiga. É o momento mais difícil da

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caminhada, pois a ladeira é muito longa e alta; e o romeiro já está exausto do percurso.

Entretanto, apesar do calor e de todo o cansaço, pode-se ver no semblante do romeiro uma

certa alegria de estar se aproximando do santuário sagrado.

4.3 – O apoio dos evangélicos

Uma das grandes divergências entre católicos e evangélicos diz respeito ao culto e

adoração aos santos e imagens. Para os evangélicos, os ritos de adoração a imagens não

passam de heresia, pois eles não creem que os santos possam assumir um papel intermediador

entre o homem e Deus. Concordam, entretanto, que a fé em Deus é capaz de curar, mas não

acreditam que essa cura possa ser produzida pelos santos e que esses possam exigir tanto

sacrifício por parte dos fiéis em troca da cura. Uma vez que não concordam com o culto aos

santos, os evangélicos também não veem sentido nas peregrinações. Ao abordar o assunto,

Fernandes (1982) coloca que “a peregrinação católica é feita entre duas cidades na terra,

representando horizontalmente a diferença vertical entre o profano e o sagrado. Esta

horizontalidade desaparece na romaria do crente, e com efeito desaparece a própria tradição

das romarias” (FERNANDES,1982, p. 107).

Analisando as palavras de Fernandes, fica claro que, na peregrinação católica, os

devotos elegem os lugares sagrados na terra, enquanto que para os evangélicos, a busca do

sagrado está associada à busca de Deus. Assim, as peregrinações são apenas relações

mundanas.

Mesmo diante dessas diferenças, os evangélicos da Primeira Igreja Batista de

Aracaju participaram da peregrinação a Divina Pastora, em 2010, montando um ponto de

apoio em uma escola municipal do povoado Bomfim na cidade de Divina Pastora. Na calçada

da escola havia uma grande tenda onde um grupo de evangélicos oferecia lava-pés, massagens

nos pés e/ou nas costas, água mineral, aferição da pressão arterial e cadeiras para o descanso

do peregrino. Dentro da escola, outro grupo de evangélicos da mesma Igreja organizava a fila

para o uso do banheiro. Segundo Robson dos Santos, um dos integrantes do grupo, o objetivo

era evangelizar. Afirma ele:

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Nós estamos aqui com o objetivo de evangelizar, divulgar o Evangelho e ajudar ao

próximo, esse é o nosso propósito. Já fizemos esse trabalho também no Pré-caju e

foi muito bem recebido. Ofertamos a pulseirinha para que as pessoas se lembrem

que Jesus morreu por amor a cada um de nós e que eles façam esse sacrifício para

agradecer a Deus por tudo, sempre pedindo a Deus que nos perdoe e nos abençoe

cada dia mais.

A atividade faz parte de um projeto maior chamado “Tenda da Esperança”, criado

em 1991 pela Igreja Batista, abrangendo vários Estados brasileiros. Têm como objetivo

evangelizar pessoas em situação de vulnerabilidade social, prestando-lhes assistência médica,

odontológica, além de massagens e outras formas de relaxar o corpo e alimentar o espírito

através da evangelização. O caráter proselitista do projeto da Igreja Batista fica evidenciado a

medida que os evangélicos através da distribuição de panfletos e do seu próprio discurso

tentam arrebanhar novos adeptos e divulgar sua doutrina.

Foto 4: Tenda da esperança da congregação Batista.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Alguns romeiros reagiam indignados, afirmando que os evangélicos tumultuavam o

evento quando os abordavam e, consequentemente, faziam com que o peregrino diminuísse o

ritmo da caminhada ou até mesmo parasse para lhes dar atenção. Por ter sido abordada, Rosali

reclama da atitude dos evangélicos: “Os católicos não vão nas festas dos crentes, pra dizer que

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eles têm que ir pra nossa igreja. Eu não sei o que eles vêm fazer aqui. Ficam tomando o tempo

da gente, esse bando de desocupados”.

É importante ressaltar que essa não era a opinião de todos os romeiros, que, na

maioria das vezes, ficavam muito agradecidos com a colaboração dos evangélicos, embora

dessem mais atenção às ações oferecidas do que às palavras evangelizadoras.

Na saída, ainda como forma de evangelizar, os protestantes entregam aos romeiros

panfletos da sua igreja, juntamente com uma pulseira feita artesanalmente em cordão, com

quatro bolinhas nas cores preta, branca, azul e vermelha, segundo o evangelizador, o preto

significa o pecado, o vermelho significa o sangue que Jesus derramou na cruz para a salvação

da humanidade e o branco, a paz que vem da salvação, já o azul representa a cor do céu. O

uso dessas cores nas pulseiras oferecidas pelos evangélicos nos remete à análise feita por

Turner (2005), ao estudar o ritual Ndembu. O autor aponta que cada cor está carregada de

simbologia, ficando explícita a antítese entre o branco e o negro. Já o vermelho, é sempre algo

ambivalente. “As cores são concebidas como rios de poder, que têm sua nascente comum em

Deus e permeiam todo o universo de fenômenos sensoriais com suas qualidades específicas.

Mas, além disso, são consideradas também como tinturas da vida moral e social da

humanidade” (TURNER, 2005, p. 106).

A analogia entre as cores das pulseiras artesanais e as cores utilizadas no ritual

Ndembu é visível. A cor branca, tanto para um como para o outro, significa sorte, saúde e paz,

ou seja, uma ordem moral e social, ao contrário do negro, que simboliza a maldade, o pecado

o sofrimento. Assim como no ritual descrito por Turner, o vermelho das pulseiras também

representa o sangue que, por sua vez, reflete o poder da vida. Ao presentear o peregrino com

essa pulseira, o evangélico de certa forma propõe ao romeiro que saia do estágio de pecado

simbolizado pela bolinha de cor preta e “aceite Jesus” que está presente na bolinha de cor

branca que representa a paz e salvação e para que haja essa transição pecado/salvação é

necessário, tão somente que o romeiro migre para uma nova religião e se torne membro da

Igreja Batista.

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Foto 5: Evangélicos distribuindo pulseiras

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Foto 6: Pulseira distribuída pelos evangélicos.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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4.4 – A BUSCA PELA CURA DIVINA:

As práticas de cura são comuns em todas as peregrinações no Brasil e no mundo.

Na medicina, a cura é a superação do mau funcionamento do organismo através do tratamento

pelo uso de medicação e/ou intervenções cirúrgicas. Enquanto que para os devotos do

catolicismo popular, a cura também pode se dar através da fé, que não cura só o corpo físico,

como também a alma.

A oração é o elo de comunicação utilizado pelo doente ou por seus familiares

quando sentem a necessidade da intercessão da divindade pela recuperação da saúde, o mundo

sagrado está materializado na imagem da santa e a oração que lhe é dirigida” pode causar

fenômenos extraordinários”(MAUSS,1909).Certamente um desses fenômenos extraordinários

é a cura tão almejada pelo enfermo.

Nesse sentido, as palavras pronunciadas durante a oração de um devoto são como

uma ponte entre o mundo dos homens e o mundo do sagrado, as quais são solidificadas pela

fé que o doente deposita na divindade e é peça fundamental para que o objetivo se efetive. O

devoto de Nossa Senhora Divina Pastora não a procura somente pela sua eficácia em atender

seus pedidos mas principalmente por acreditar no seu poder milagroso o qual está apoiado

numa crença coletiva A obtenção da cura é interpretada pelo fiel e pela Igreja Católica como

uma benção recebida de Deus e intermediada pela santa.

Durante a pesquisa, pude observar vários relatos de cura que vão desde dores de

cabeça até doenças mais graves como o câncer. Nossa Senhora Divina Pastora, não é só a

santa protetora dos seus devotos, também é vista como aquela que cura, que cuida, que trata

os males físicos assim como é capaz de promover a libertação do vício das drogas lícitas e/ou

ilícitas, esses pedidos na maioria das vezes são feitos por familiares do dependente químico.

A tabela abaixo ilustra as principais enfermidades que os fiéis afirmam terem sido

curados milagrosamente por Nossa Senhora Divina Pastora. Além de trazer informações sobre

a escolaridade, idade e a profissão do romeiro sergipano.

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TABELA I: Perfil do peregrino e as principais curas atribuídas a Divina Pastora

SEXO DOENÇA IDADE NÍVEL DE

ESCOLARIDADE

PROFISSÃO

Feminino Dor de cabeça 35 2° grau Trabalhadora do

lar

Feminino Problema na visão 63 --------------- Agricultora

Feminino Dor nas

articulações

65 1°grau incompleto Trabalhadora do

lar

Masculino Asma 10 1° grau Estudante

Feminino Dificuldade para

engravidar

28 1° grau Trabalhadora do

lar

Feminino Parto de risco 30 1° grau Trabalhadora do

lar

Masculino Resultado de

cirurgia

42 2° grau Funcionário

público

Feminino Traumas por

acidente de

trânsito

21 2° grau Comerciário

Feminino Acidente vascular

cerebral

56 1° grau Trabalhadora do

lar

Feminino Câncer de mama 69 1° grau Trabalhadora do

lar

FONTE: Pesquisa de campo realizada em 2010

Os dados da tabela mostram que são vários os tipos de doenças que fazem com que o

romeiro busque a interseção da santa para que sejam curados milagrosamente. Quanto à faixa

etária, não existe um padrão, é sempre muito variada, observei durante todo o percurso da

peregrinação crianças de todas as idades, assim como jovens, adultos e idosos, todos

empenhados em retribuir da melhor forma possível, a graça que lhes foi concedida pela

divindade. O grau de instrução dos fiéis entrevistados variava sempre entre o primeiro e o

segundo grau sendo na sua maioria mulheres e sem profissão definida.

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O grau de escolaridade está intrinsecamente relacionado à renda do romeiro e do

cidadão em geral. As chances de melhores salários geralmente são para aqueles indivíduos

que mais estudaram e se qualificaram. A tabela indica que a maioria dos romeiros de Divina

Pastora estudaram pouco e por esse motivo, ocupam cargos pouco privilegiados e mal

remunerados no mercado de trabalho.

São inúmeras as razões que levam os peregrinos a estreitarem seus laços com a

divindade através da promessa ou do voto. Isso também foi constatado durante as nossas

entrevistas. O peregrino aproveita-se do momento da comemoração do dia do santo para lhe

agradecer por todos os pedidos atendidos. “Em troca de proteção, de saúde, de abundância, de

satisfação de um pedido particular, oferece-se ao ser divino a exaltação da sua glória através

de gestos simbólicos. A festa é a forma mais recorrente de concretização dessa exaltação,

momento privilegiado de pagar promessas e de se pedir graças” (AZZI, 1978, p. 90-91).

Para Menezes (1996), é comum nas peregrinações que os devotos se sacrifiquem no

pagamento das promessas que refletem a gratidão por uma graça alcançada. Essa relação com

a divindade pode ser entendida como uma troca de favores entre o devoto e a santa. Fazendo

referência à obra de Sanchis, Renata de Castro Menezes, coloca que

a promessa é a relação estabelecida entre a condição humana concreta e um

invólucro de santidade que a rodeia. Faz parte de uma visão do mundo dentro da

qual constitui um modo de comunicação essencial. Por isso mesmo ela aproxima-se

do sacrifício, ao mesmo tempo que se insere no quadro de uma economia, a de

troca.(...) Graças a estas trocas recorrentes, estabelece-se e mantêm-se (não seria

mantém-se?) uma solidariedade entre as duas sociedades, a humana e a divina, a da

vulnerabilidade perante as forças detrutivas do cosmos e das paixões, e a que emerge

na santidade: homenagens dolorosas, longas caminhadas a pé até o santuário, ou de

joelhos em sangue, em volta da igreja ou da estátua, ou ainda, ofertas semi-rituais e

sacrifícios dos bens mais preciosos, substituídos hoje, muitas vezes, pelo seu valor

em dinheiro. Em troca ganha-se um maior sentimento de segurança, uma certeza de

proteção, uma presença do sagrado que acompanhará o desenrolar quotidiano da

existência. Trata-se com certeza de uma verdadeira economia, graças a qual o

mundo vive em paz e a vida continua (SANCHIS, 1983, p. 47-48 apud MENEZES,

1996, p. 74).

No entanto, a busca pela cura de doenças é um pedido recorrente entre os devotos da

Divina Pastora. Aqui me refiro à cura enquanto restauração da saúde física por meio de

processos milagrosos estabelecidos entre o peregrino e a Santa.

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Observei que, em Divina Pastora, a principal forma de pagar as promessas feitas

pelos romeiros é sempre andar descalço, usar trajes semelhantes aos da Santa ou ainda

carregar objetos que refletem a graça alcançada. Durante o percurso da peregrinação de 2010

e 2011, presenciei várias pessoas cumprindo os votos feitos à Nossa Senhora Divina Pastora.

Uma dessas pessoas é a dona Zezé, de 63 anos, que já há 17 anos vai à peregrinação, sempre

com o objetivo de pagar promessas feitas. Em 2010, ela estava renovando seus votos e

pedindo à Santa que “limpasse suas vistas”. Em troca, prometera, até o dia em que morresse,

acompanhar todo o percurso da peregrinação vestindo roupas brancas e com os pés descalços.

Dona Gilvanda, de 56 anos, é outra peregrina que encontrei durante a caminhada

rumo ao Santuário. Ela afirma que mora no conjunto Augusto Franco, na capital sergipana, e

que participa da caminhada há pelo menos 20 anos, quando sua filha, ainda muito pequena,

com cerca de três anos de idade, teve uma forte crise de asma. Naquele momento,

desesperada, ela clamou à Nossa Senhora Divina Pastora pela cura da filha e, como forma de

agradecimento, seguiria, acompanhada da jovem, caminhando de Riachuelo a Divina Pastora

sempre com os pés descalços.

A entrevistada conta que há quatro anos sofreu um acidente vascular cerebral (AVC)

e, durante o tempo em que esteve no hospital, novamente recorreu à Nossa Senhora Divina

Pastora, renovando sua promessa no sentido de buscar melhorar seu quadro clínico. Apesar de

o AVC ter deixado sequelas e Dona Gilvanda apresentar dificuldades de locomoção, ela só

deixou de ir à peregrinação por um ano. No ano seguinte, lá estava a devota para pagar mais

uma promessa, mas dessa vez o percurso foi feito de ônibus. Em 2010, fez todo o percurso a

pé, mesmo com as limitações de locomoção resultante da doença. Ao ser questionada como se

sentia ao final da caminhada, ela respondeu com um sorriso tímido:

Estou melhor do que quando saí de casa, aqui a gente não se cansa, parece que a

gente vem nos braços de Nossa Senhora e hoje eu vim com muito gosto, porque

quem passou pelo que eu passei e hoje “tou” aqui, eu tenho é que agradecer mesmo.

Enquanto vida eu tiver venho agradecer a minha santinha.

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Foto 7 e 8: Peregrinas pagando promessa.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Chamou-me bastante a atenção o caso da Dona Cleidineide, que foi capaz de superar

todas as adversidades físicas, inclusive a dor ao subir a ladeira, que é sem dúvida, o momento

mais difícil da peregrinação. Essa devota o fez de joelhos para pagar uma promessa que não

era sua, mas de uma irmã que já falecera. “Minha irmã era casada há quinze anos e

engravidou, foi uma gravidez muito difícil, só que depois ela acabou falecendo, mas deixou o

filho dela comigo e com a minha mãe e hoje eu “tô” agradecendo por ela”.

Ao chegar ao Cruzeiro, seus joelhos sangravam, seu semblante refletia muita dor e

cansaço. A entrevista foi bastante rápida, pois a romeira falava pouco e estava bastante

abatida com todo o desconforto da situação, mas afirmou que faria tudo de novo para

agradecer a graça que a irmã recebeu. Para Fernandes, “Quanto mais profunda a devoção mais

se exige do promesseiro e maiores os favores que é capaz de alcançar. Existe, portanto, uma

reciprocidade que engrandece a parte fraca perante seus iguais, emprestando poderes ao

devoto, que o distinguem na rede social a que pertence” (FERNANDES, 1982, p. 46).

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Foto 9: Peregrina pagando promessa.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Por mais que pareça estranho, é muito comum encontrar pessoas que pagam

promessas por extensão, ou seja, devotos que se veem no dever de pagar por um pedido feito

por um ente querido que, por algum motivo, esteja impossibilitado de agradecer a intercessão

do sagrado em sua vida.

A obrigação de retribuir por uma graça alcançada nos remete ao conceito de

reciprocidade em que o eixo central da sociedade repousa em três pontos distintos: dar,

receber e retribuir (Mauss, 2003). É essa reciprocidade que percebo entre os peregrinos que se

esforçam para retribuir à santa a graça que lhe foi concedida. A dádiva não retribuída torna

inferior quem a recebeu, é preciso retribuir mais do que recebeu, o que explica o fato de os

romeiros cumprirem votos tão sacrificantes (Mauss, 2003).

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Durante a peregrinação de 2011, encontrei uma jovem mãe de vinte e um anos, corpo

bastante franzino, que carregava nos braços o filho de um ano e sete meses. Ela contou que

fizera a promessa para corrigir um erro seu.

Quando eu fiquei grávida, eu não queria ter um filho, eu achava que não era hora e

que ele só ia me atrapalhar. Eu tava morando com meu namorado há pouco tempo e

ele também não fazia questão que eu tivesse o menino. Aí, eu resolvi tirar, tomei

muitos remédios, remédio forte mesmo, fiz um monte de coisas que o povo me

ensinava e nada, não consegui tirar. Aí, quando ele nasceu, eu fiquei com medo dele

ter algum problema, aí, eu pedi à Divina pastora que se ele nascesse sadio, eu trazia

ele todo vestidinho de branco pra ela ver. Agora eu descobri que ele é surdo, mas

mesmo assim eu trouxe porque ele é sadio, eu vim cumprir a promessa. É só esse

ano.

O pagamento de promessas é a retribuição pelas intervenções do sagrado. É a

maneira de o devoto se comunicar com o sagrado. A ação simbólica de pagar promessas é

também uma forma de exaltar o nome da Santa que lhes proporcionou a proteção ou

restabelecimento da saúde física ou espiritual.

4.5 – A ladeira

O final da caminhada é marcado pelo desafio de subir uma ladeira bastante íngreme

fisicamente e repleta de simbolismo, uma vez que se apresenta como fronteira entre o espaço

profano e o sagrado, uma espécie de porta que oferece passagem para o mundo sacralizado,

diminuindo a distância entre o devoto e a Santa. Esse espaço fronteiriço entre o profano e o

sagrado é definido como espaço limiar “que distinguem e opõem dois mundos – e o lugar

paradoxal onde estes dois mundos comunicam, onde pode efetuar-se a passagem do mundo

profano para o mundo sagrado. (...) É no limiar que se oferecem sacrifícios às divindades

guardiãs” (ELIADE, 1999, p. 39).

Subir a ladeira significa que a caminhada está chegando ao fim, significa também

que o peregrino está se aproximando do sagrado, ultrapassando a fronteira do impuro para o

puro. “À medida que o indivíduo se aproxima do santo dos santos, os símbolos se tornam

mais densos, mais ricos, mais envolventes – a própria paisagem se codifica em unidades

simbólicas repletas de significado cosmológico e teológico” (TUNNER, 2008, p. 184).

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Transpor a ladeira exige do peregrino um grande sacrifício de ordem física, que pode

ser ainda maior quando o devoto decide subir a ladeira de joelhos como meio de cumprir os

votos feitos à Santa. Todo esse sofrimento voluntário faz parte da condição de romeiro que

busca associar de alguma maneira a sua penitência ao drama de Jesus, como coloca Steil:

O ato da peregrinação está efetivamente marcado por uma visão de sacrifício,

associada ao sacrifício do Bom Jesus, de forma que cada romaria significa, em

menor escala, uma repetição do sacrifício da cruz (Eade & Sallnow, 1991:10). Trata-

se na verdade, de um sacrifício auto-infligido que retira seu significado do sagrado

da tradição católica que associa a flagelação corporal e outras formas de tortura

voluntária à penitência e ao perdão dos pecados (STEILL, 1996, p. 110).

Durante a subida, alguns fiéis passavam mal, chegando a desmaiar, outros resistiam

apoiando-se na necessidade de cumprir o que haviam prometido. O romeiro acredita que,

quanto mais sacrificada for a caminhada, mais bem aceita será pela divindade, como se o

tamanho da fé fosse medido pelo tamanho do esforço físico desprendido no momento de

pagar a promessa, ou seja, o sacrifício de subir a ladeira após aproximadamente três horas de

caminhada, quando o corpo já está tomado pelo cansaço, representa tão somente a força da fé

de cada peregrino. À medida que o fiel amplia as dificuldades na subida da ladeira, seja

enfrentando o obstáculo de joelhos ou carregando crianças no colo, ignorando seus limites

físicos, o devoto torna pública a sua dívida com a Divina Pastora. Para algumas fiéis, a subida

realmente parece não cansar, como é o caso da Dona Nalva, de 73 anos, que afirma: ”Só

cansa quem não tem fé, quem sobe com fé não se cansa”.

A maneira de enfrentar o obstáculo é uma particularidade de cada um. Alguns

devotos enfatizam suas orações, outros fazem todo o percurso da ladeira cantando e dançando.

Há ainda aqueles que passam a andar mais rápido, outros têm os passos cada vez mais lentos.

O topo da ladeira é margeado por paredões e lá em cima, estava um grupo de jovens da Igreja

Matriz de Divina Pastora, que cantava hinos religiosos, com o objetivo de dar as boas vindas

aos romeiros que agora estavam muito próximos do santuário. O espaço entre a ladeira e o

Cruzeiro é bastante curioso, pois é o local onde se aglomeram alguns ônibus e caminhões

“pau de arara”8 que chegaram à cidade no dia anterior.

___________________________________

8 Pau de arara é o nome dado ao tipo de transporte irregular que ainda é utilizado no nordeste do Brasil. Consiste em

caminhões adaptados para o transporte irregular de passageiros. Os caminhões paus de arara foram bastante utilizados

durante o êxodo de nordestinos para o sudeste do país.(www.dicionarioinformal.com.br).

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Além disso, ali ficam também pessoas comercializando bonés, camisas, flores,

sandálias e outros pequenos objetos. Temos a impressão de que nesse intervalo entre os dois

cenários simbólicos existe uma pausa no ritual. É como se “Para o homem religioso, o espaço

não é homogêneo: o espaço apresenta roturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente

diferente das outras” (Eliade,1972, p.25).

Foto 10: Romeiros em paus de arara.

O espaço pode apresentar várias significações simbólicas que são conferidas pelos

devotos que transitam nesse cenário. Dessa forma, pode ser classificado como sagrado ou não

de acordo com sua interpretação e apropriação. As atribuições feitas ao espaço normalmente

estão pautadas na tradição e nas práticas rituais lá estabelecidas, assim como no tempo ritual.

4.6- O Cruzeiro:

Após a sacrificante subida da ladeira, o peregrino chega ao Cruzeiro, que talvez

possa ser classificado como a principal representação simbólica do sagrado na peregrinação a

Fonte: MEDEIROS, Rafael. (2011)

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Divina Pastora. Trata-se de uma pequena praça de forma circular na entrada da cidade. No

centro da praça, fica uma estrutura de cimento que é a base para uma cruz de madeira de

aproximadamente dois metros de altura.

Foto 11: Ex-votos expostos no Cruzeiro.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Foto 12: Queima de velas no Cruzeiro. Foto 13: Queima de velas no Cruzeiro.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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É nessa cruz que são depositados os objetos ofertados pelos romeiros em

agradecimento às graças recebidas, os denominadas ex-votos, além das vestimentas usadas

durante a caminhada, chamadas pelos devotos de mortalhas. Essas mortalhas são trajes que

podem ser usados por ambos os sexos compridos e largos, com mangas longas, nas cores

branco, preto, azul ou roxo, podendo trazer na cintura um cinto do mesmo tecido.

É no cruzeiro que são depositados os ex-votos, réplicas de cabeças, braços, pés,

pernas, feitos na maioria das vezes em madeira. Vemos também miniatura de casa, além de

muitas fotos e velas de todos os tamanhos, que são oferecidas à Santa como um testemunho

público de gratidão. É uma prática religiosa que revela a fé do devoto na santa protetora

criando um vínculo sobrenatural capaz de livrá-lo da doença e de outros males que os afligem.

Geralmente, o ex-voto representa uma promessa feita anteriormente pelo fiel e o momento do

depósito é o momento do agradecimento, da retribuição. Alguns pesquisadores sobre o tema,

a exemplo de Góes (2009), classificam os ex-votos da seguinte maneira:

Antropomorfos: que representam o corpo humano em sua totalidade ou

parcialmente.

Zoomorfos: representam as graças obtidas com relação aos animais.

Simples: objetos de uso cotidiano e/ou religiosos.

Arquitetônicos: trata-se de construções (geralmente capelas) erguidas como

pagamento de promessas.

Grande parte dos ex-votos que são depositados em Divina Pastora são antropomorfos

ou seja representam o corpo humano em partes (cabeça, braços mãos, pés, pernas) ou

totalmente, provavelmente esse tipo de ex-voto representa a preocupação do devoto com o

bem estar do corpo físico, esses objetos muitas vezes são acompanhados por pequenas

bilhetes destinados à Santa que trazem no seu texto os motivos da promessa que os levaram

até o local sagrado.

São inúmeros os ex-votos simples encontrados no Cruzeiro em Divina Pastora,

esses são representados por objetos do cotidiano, sendo de ordem religiosa ou não, peças de

roupas utilizadas durante a peregrinação, mechas de cabelo, terços, imagens da santa, velas,

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cruzes, assim como réplicas de casas e carros todos com o mesmo objetivo, a gratidão pela

benção alcançada.

O pagamento da promessa por meio do ex-voto revela um caráter de comunicação

social uma vez que o ato de desobriga normalmente é realizado em público, seja no Cruzeiro

ou na Igreja Matriz, contudo em nenhum dos dois ambientes, percebi a preocupação do

romeiro ou dos representantes da Igreja com a ordenação dos objetos doados à Santa, esses

são depositados uns em cima dos outros, as peças de roupas utilizadas durante a caminhada

são amarradas na grande cruz de madeira que fica localizada na praça do Cruzeiro e os demais

signos votivos são amontoados sem que haja nenhum critério. Fernandes (1982) conceitua o

local destinado aos ex votos como “um impressionante amontoado simbólico das misérias

humanas” (FERNANDES,1982.p. 45). Na maioria dos santuários brasileiros, os ex-votos se

multiplicam em salas adequadas para tal fim, nestes espaços os objetos são reorganizados

periodicamente com o objetivo de oferecer espaço para os que ainda irão chegar.

O Museu dos Ex-votos9 localizado na cidade de São Cristóvão, antiga capital de

Sergipe, é parte integrante do Complexo do Carmo tombado pelo IPHAN em 1967 e

reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 2010; o museu

conta com um acervo de 6. 402 peças (segundo dados de 2010). São objetos considerados

sagrados não só por quem o deposita como pela Igreja que abriga esses objetos e por todos os

devotos que visitam o local sagrado. O acervo é bastante diversificado, lá são deixados

objetos de uso pessoal como roupas, sandálias, inúmeras fotos, partes do corpo humano

confeccionada em madeira, material escolar, cópias de exames médicos e de documentos e

bilhetes endereçados ao Santo. Todo esse material é cuidadosamente organizado, o que

explicita o respeito pela demonstração de fé do devoto do Senhor dos Passos. Em Divina

Pastora, o quadro é totalmente diferente, os ex-votos são simplesmente incinerados alguns

dias depois da peregrinação para evitar a proliferação de insetos principalmente o cupim.

_________________________

9 PEREIRA, Lúcia Maria, 2012.

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Foto 14: Devota fazendo oração após o depósito de ex-voto.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Foto 15:Peregrino depositando a roupa usada na caminhada. Foto 16: Ex-votos antropomorfos no Cruzeiro.

Fonte: MEDEIROS, Rafael (2011).

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Na figura nº.11 (p.65), uma senhora deposita um ex-voto antropomorfo, trata-se de

um pé, provavelmente testemunho da cura de alguma enfermidade no membro inferior. Após

ter colocado o objeto com todo o cuidado aos pés da cruz, ela faz uma longa e silenciosa

oração certamente agradecendo por ter se livrado de alguma angústia, sofrimento e aflição. A

emoção dos peregrinos nesse espaço, ao depositar os ex-votos é latente. É um momento de

total comunhão e entrega ao sagrado. É importante destacar que nem todos os romeiros param

no Cruzeiro. Lá estão apenas aqueles que vão pagar promessas ou fazer algum pedido especial

à Santa ou aqueles que vão tão somente pedir a benção para si e para a sua família. Ainda no

Cruzeiro, observei um grupo de fogueteiros formado por funcionários da prefeitura local,

assistidos de perto por policiais do corpo de bombeiros, que desempenham a função de

queimar os fogos que foram prometidos como pagamento por graças recebidas. A queima de

fogos é também uma forma de agradecimento, e é um gesto cujo objetivo é retribuir a graça

alcançada.

Ao entregar os fogos aos fogueteiros, não percebi nenhuma preocupação do romeiro

em vê-los queimar, ao contrário, preferem ficar distantes da queima por conta do barulho e

das eventuais faíscas. Quando sai do santuário sagrado, o peregrino sente-se purificado e com

a sensação de dever cumprido, como relata Dona Silvestra: “Agora 'tô' satisfeita, já cumpri

minha promessa, acendi minhas velas, agradeci muito a Nossa Senhora, entreguei a ela minha

família, pedi que ela abençoasse a gente, agora sim. Graças a Deus”. As palavras da romeira

destacam não só a questão da lealdade que os fiéis têm para com a santa Divina Pastora, como

também a renovação, uma vez que, após ter passado pelo local sagrado e cumprido os seus

votos, o devoto se sente mais leve e mais forte para encarar os desafios que lhe são propostos

no seu dia a dia.

4.7 – As catadoras de parafina

É comum nas festas religiosas os fiéis acenderem velas como forma de retribuição

das dádivas alcançadas. Simbolicamente a vela e a luz que ela provoca remetem à figura do

Cristo. Foi dessa forma que o Cristo se identificou em determinada passagem do evangelho:

“Eu sou a luz do mundo, aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”

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(JOÃO, 8, 12). Por representar o próprio Jesus, as velas e a luz são símbolos litúrgicos

utilizados em todos os sacramentos da igreja católica.

Para Menezes (1996), a oferta de velas “são como ex-votos que se consomem em luz

para o louvor da santa” (1996, p. 82). Esse pensamento remonta à ideia de queimar velas

como forma de expiar os pecados. Nesse caso, as velas representam os pecados dos devotos

que as ofertam e, ao queimá-las, juntos são queimados os seus pecados.

Na peregrinação a Divina Pastora não é diferente. É grande o número de fiéis que

queimam velas no Cruzeiro ao fazer as preces de súplica ou de agradecimento. São velas das

mais variadas formas e tamanho. Velas cuja luz simboliza a iluminação dos caminhos, como

também queimam (as velas) os pecados dos homens. Ambas as situações remetem ao Cristo

como luz do mundo e como aquele que remiu pecados ao morrer na cruz do calvário.

É importante ressaltar que as peregrinações são espaços ecléticos onde se percebe

uma multiplicidade de interesses, dentre os quais o econômico, que motiva as catadoras de

parafina. São mulheres economicamente carentes, com pouca instrução e geralmente não

residem em Divina Pastora. Afirmam serem católicas apesar de não frequentarem a igreja

com frequência. Elas estão agachadas em meio aos devotos e ex-votos, muito próximas das

velas acesas, o calor e o eventual perigo parece não ter importância para elas. A função dessas

mulheres consiste em catar com espátulas os resíduos de parafina deixados pelas velas

queimadas pelos fiéis e por elas próprias. Quando o peregrino tem medo de se aproximar do

local reservado para a queima de velas, entrega as velas a fim de que as catadoras de parafina

as acendam. Entretanto, não se percebe nenhum cuidado por parte delas ao receber as velas

para queimar. A impressão passada é a de que se trata de um objeto meramente

mercadológico, mas, ainda assim, as características de símbolo religioso permanecem

inalteradas.

A parafina recolhida pelas catadoras é colocada em um balde para posteriormente ser

reciclada e vendida nas fábricas de velas do Estado de Sergipe. Essas trabalhadoras, que não

estão ali somente pela fé, mas também pela necessidade econômica, reconhecem a sua

importância para a perpetuação dos eventos religiosos, como coloca Dona Lúcia:

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Essa cera a gente transforma em parafina, peneira, lava, deixa bem alvinha e vende

para as fábricas de novo”. “Num viu”, dando na televisão que tá faltando parafina

nas fábrica? foi porque num tavam deixando a gente catar. Nós cata cera aqui, em

“Rusáro”, em Aparecida, em Carmópolis onde tem festa “nós vai”, que é pra ajudar

as fábricas e receber o nosso.

Foto 17: Catadora de Parafina.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

A peregrinação é um espaço que vai além da motivação religiosa. As catadoras de

parafina são exemplos de pessoas que viajam aos lugares sagrados por outros motivos que não

somente a fé. Elas sobrevivem através da promessa alheia. A vela, enquanto símbolo religioso

que representa a fé, a dádiva e o agradecimento, também representam o lado material, passa a

ser mercadoria. Sobre esse aspecto ambivalente dos símbolos religiosos, Fernandes (1982, p.

92) destaca que “o capitalismo realiza a “reificação” de todas as relações sociais,

mercantilizando até mesmo o que é do domínio das ideias e dos sentimentos.” É o que se

observa no Cruzeiro em dia de peregrinação, a necessidade econômica associada à falta de

ocupação formal faz com que as catadoras vejam naquele espaço, que para muitos é sagrado,

é apenas o seu ambiente de trabalho, o local de onde tiram o sustento.

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4.8 – A fé nas mãos da Santa

Um dos principais rituais observados durante a peregrinação a Divina Pastora é o

culto à imagem da Santa. A maioria dos devotos que participam do evento religioso param em

frente à imagem da Santa para ali fazer seus pedidos e agradecer por graças alcançadas. A

imagem da Santa fica localizada atrás do Cruzeiro, do lado direito, onde há um andor

ornamentado com flores e fitas e onde está uma pequena imagem de Nossa Senhora Divina

Pastora. É lá que os romeiros, auxiliados por um funcionário público da cidade, passam às

mãos da Santa, objetos como chapéus de palha, chaves de carro e de casas, óculos, imagens

de santos, objetos comprados no comércio local, fotografias e até crianças. Alguns romeiros

chegam a chorar de emoção ao se sentirem tão próximos da santa de devoção. Todos os

gestos dos fiéis fazem ver quão grande é a fé e quão pequena é a distância entre o devoto e a

Santa. Com esse propósito, assim se expressou Eliade: “No recinto sagrado, é tornada

possível a comunicação com os Deuses; por consequência, deve existir uma 'porta' para o alto,

por onde os Deuses podem descer à terra e o homem pode subir simbolicamente ao céu”.(

ELIADE, 1972, p.40).

Certamente, na peregrinação a Divina Pastora, essa “porta” que liga o peregrino a

Deus está localizada no cruzeiro. O gesto de tocar as vestes e as mãos da Santa é o bastante

para que haja essa comunicação tão estreita entre o fiel e a divindade. Comunicação esta, que

se materializa pelos gestos e preces rápidas, mas das quais se esperam resultados, nessas

pequenas orações estão contidos os motivos de o romeiro está ali na morada da santa, é o

momento de agradecer e ou de selar um novo compromisso. A fé do devoto faz com que ele

acredite que o simples fato de tocar na imagem ou nas suas vestes trará prosperidade e saúde,

além de livrar do mal não só o devoto que fez a oração como toda a sua família.

A adoração à imagem da Divina Pastora nos reporta a Durkheim (1989), quando este

pesquisador conceitua o culto como “sistema de ritos, de festas, de cerimônias diversas que

apresentam todas este caráter de retorno periódico”(DURKHEIM, 1989, p. 96-97). Esse

momento é importante para o fiel reforçar o laço que lhe mantém unido à Santa e de certa

forma, causando uma certa dependência, é por conta dessa dependência que os romeiros

voltam todos os anos em busca da proteção de Nossa Senhora Divina Pastora. Ali, diante do

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fiel está presente a Virgem Maria, a mãe do Cristo, aquela que intercede por cada um dos seus

filhos e que lhes ouve e atende os seus mais variados pedidos, é assim que o devoto vê a

imagem com a qual ele faz questão de ter um contato direto através do toque.

Antes de deixar o Cruzeiro os devotos cumprem mais um ritual, é o momento de pedir

e agradecer à Nossa Senhora Divina Pastora, os devotos tentam chegar o mais próximo

possível da pequena imagem peregrina e elevam os chapéus que foram utilizados durante a

caminhada para que esses sejam abençoados pela santa, estes objetos a partir daquele

momento terão um significado diferente para quem o utiliza uma vez que, tem o poder de

proteção e de livramento. Dona Josiene dos Santos exibiu para a imagem os seus óculos e

questionada sobre tal ato explicou que: “Eu passei “meus óculos” nos pés de Nossa Senhora

porque eu vou fazer uma operação de catarata nos dois olhos e eu pedi a Santa para guiar a

mão do médico e que dê tudo certo na operação. Eu tenho muita fé em Deus e em Nossa

Senhora Divina Pastora e próximo ano eu venho para agradecer a Nossa Senhora.”

Outros romeiros oferecem as chaves de carros ou de casas, por motivos

semelhantes, nesse caso para livrar o bem (móvel ou imóvel) e quem o utiliza de acidentes,

assaltos ou quaisquer outros tipos de sinistros ou simplesmente para agradecer a aquisição do

bem. Ainda tem aqueles fiéis que exibem para a imagem, fotos, óculos e vários outros

objetos, sempre buscando a intercessão da Santa protetora para si mesmos ou para os seus

familiares.

Foto 18: Devotos oferecendo objetos para serem abençoados.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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Foto 19: Objeto sendo oferecidos à santa.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

4.9. Entre o sagrado e o profano: o comércio

As peregrinações, de modo geral, atraem milhares de pessoas aos espaços

considerados sagrados. Contudo, além de participar dos rituais religiosos, eles têm como

objetivo também o entretenimento. O comércio informal é uma das principais formas de

diversão nas romarias. É possível perceber a importância do comércio religioso na

peregrinação e, dessa forma afirmar que o fiel não vai às peregrinações apenas por seu

aspecto religioso, o comércio também funciona como atrativo (TURNER, 2008, p. 175).

Durante a peregrinação, o comércio em Divina Pastora é bastante variado. É possível

encontrar produtos religiosos, como chaveiros com gravuras de santos, imagens de santos,

terços, camisas e objetos de decoração com motivos religiosos. Os produtos não religiosos

também fazem parte do comércio na peregrinação a Divina Pastora. Várias barracas

comercializam calçados, chapéus, peças de vestuário, produtos eletrônicos, brinquedos,

artigos para cozinha etc. É impressionante o prazer do peregrino ao olhar os produtos,

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perguntar preços e em gastar com produtos vendidos nas barracas. Steil define esse lugar

como espaço de lazer do romeiro.

“Para os romeiros, o comércio parece se integrar na festa, incorporando-se ao sistema de trocas

simbólicas que se estabelece no culto da peregrinação. Muitos gastam grande parte do seu

tempo na Lapa olhando, especulando preço e eventualmente comprando. Levar uma lembrança

do santo para casa, uma pequena estátua ou uma estampa emoldurada, é uma forma de

prolongar a presença do Bom Jesus no seu cotidiano.”(STEIL, 1996, p. 83)

As barracas que vendem lanche também são bastante visitadas. Alguns moradores

vendem refeições e banho. O banho custa em média dois reais, o uso do sanitário fica entre

R$ 0,50 e R$ 1,00. O dia da peregrinação é de grande movimento nas ruas de Divina Pastora.

Os devotos vão e vêm durante todo o dia com o objetivo de comprar lembrancinhas para si ou

para familiares. Os objetos comprados no comércio ambulante são abençoados pelo padre na

missa de encerramento. É possível observar que o mais relevante para o romeiro não é só o

fato de adquirir os objetos, sejam eles religiosos ou não, mas tê-los comprado em um espaço

considerado sagrado. Para os fiéis, alguns artigos religiosos como as fitinhas, as imagens, os

terços, entre outros, à medida que são abençoados, ultrapassam o sentido utilitário e

decorativo assumindo um poder sobrenatural de proteção para aqueles que os recebem e os

utilizam. Isso faz lembrar a lei do contágio (Frazer, apud Montero, 1986). De acordo com essa

lei, a magia é transmissível através de ligações simpáticas, ou seja, o objeto, por ser adquirido

em um espaço e tempo sagrado e receber a benção do padre em nome da Santa que é

invocada, recebe e leva consigo os poderes dessa divindade, fazendo com que essas bênçãos

se expandam a todos aqueles que entrarem em contato com tal objeto.

Durante vários anos, os vendedores ambulantes ocupavam aleatoriamente todos os

espaços da rua principal da cidade, concentrando-se principalmente nas imediações da praça

da matriz. A partir da peregrinação de 2010, o quadro mudou. O espaço do evento religioso

passou por uma reorganização significativa. As autoridades eclesiásticas e política da cidade

de Divina Pastora adotaram algumas medidas no sentido de melhor acomodar os romeiros.

Aproximadamente dois meses antes da peregrinação, os vendedores ambulantes são

cadastrados para obterem a licença de comercialização. Em um artigo divulgado na página

eletrônica da arquidiocese de Aracaju, o administrador paroquial da cidade explica as medidas

tomadas no sentido de organizar o espaço destinado ao comércio no dia da festa. Apresenta

como novidades de âmbito organizativo e religioso.

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“Enquanto organização e estruturação da Peregrinação, neste ano e nos vindouros, para que os

vendedores ambulantes e proprietários de barracas comercializem em nossa cidade, durante tal

evento, faz-se necessário o cadastramento de todos junto à Secretaria Paroquial. Para o povo

pastorense o cadastramento foi durante o mês de julho, para os vendedores que moram fora do

nosso Município o cadastramento está ocorrendo de 01 a 30 de setembro do corrente ano. No

ato do cadastramento se paga uma taxa e as vagas são limitadas!

Ainda no âmbito logístico informamos: primeiro, vendedores sem o cadastro terão sua merce

apreendida e devolvida somente no final do evento; segundo, os moradores da cidade não

poderão alugar as calçadas de suas casas, isso para evitar que se obstrua a passagem principal

por onde circulam os peregrinos” (BEZERRA, 2010, p. 01).

Houve uma diminuição relevante no número de ambulantes e no espaço destinado

ao comércio. Os comerciantes passaram a ocupar um lugar restrito que ia das imediações do

Cruzeiro até o início da praça da matriz. A praça da matriz ficou reservada para as atividades

religiosas e para a acomodação dos peregrinos. Nesse espaço, considerado sagrado pelos

peregrinos e representantes da igreja católica, não era permitida a venda de nenhum tipo de

produto. As ruas e calçadas adjacentes à Igreja Matriz deveriam permanecer livres para os

romeiros. Essa atitude da igreja católica nos remete à passagem bíblica em que Jesus expulsa

os vendilhões do templo10 acusando-os de tornar o lugar sagrado em um covil de ladrões por

conta das suas atividades comerciais.

Nesse momento, o templo que deveria ser um local sagrado tornou-se local de comércio

perdendo as suas características religiosas, portanto a atitude de Jesus foi uma tentativa de

resgatar o caráter de sacralidade do espaço destinado a oração. A Igreja Católica de Divina

Pastora juntamente com a diocese de Aracaju, ao tomar a atitude de afastar os comerciantes

do espaço sagrado também buscou resgatar as características sacras do ritual religioso. Esse

fato gerou conflito entre os moradores da cidade de Divina Pastora e a Igreja Católica,

representada pela figura do padre Hélelon Bezerra. Os moradores não aprovaram as mudanças

por terem sido impedidos de usar suas calçadas para comercializar na maioria das vezes

produtos alimentícios como lanches e guloseimas.

__________________________

10 O texto bíblico afirma que Jesus visitou o templo de Jerusalém, cujo o pátio estava repleto de animais e mesas dos

cambistas, a cidade estava lotada de peregrinos judeus que tinham vindo para a páscoa. “Fez ele um chicote de cordas,

expulsou todos do templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as

mesas. Disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa do meu pai uma casa de negociante.” (João

2:15-16).

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Por outro lado, os comerciantes alegavam que o espaço destinado ao comércio estava muito

distante da aglomeração dos romeiros, o que acarretaria na queda das vendas. Reivindicavam

também, que o calendário com o prazo para fazer o cadastramento necessário para obter a

licença para negociar durante o evento, fosse mais divulgado através dos meios de

comunicação de massa, uma vez que muitos ambulantes perderam o prazo do cadastro, que

fora de 1° a 30 de setembro de 2010.

Os romeiros, em sua maioria, aprovaram a nova dinâmica do espaço religioso. Esse

novo modelo oferecia ao devoto a oportunidade de caminhar pelas ruas sem esbarrões e sem

vendedores ambulantes lhes oferecendo produtos dos mais diversos. Alguns romeiros que

buscavam diversão e já estavam acostumados ao consumo de bebidas alcoólicas, reclamaram

dessa nova determinação da Igreja, afirmavam que as pessoas que faziam uso da bebida não

traziam nenhum prejuízo ao ritual religioso.

Foto 20: Comércio ambulante.

Fonte: arquivo pessoal da autora.

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Fotos 21 e 22:Comércio ambulante:

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

No ano seguinte, a igreja ainda defendia a ideia de preservação do espaço aos

arredores da Igreja Matriz para exclusividade dos peregrinos. Por conta disso, a expectativa

era de um número ainda menor de ambulantes em relação ao ano anterior. Entretanto, por um

equívoco do poder municipal, foi cadastrado um número bem maior de comerciantes do que o

que foi estipulado em reunião entre as autoridades políticas e religiosas. Como resultado, as

barracas se espalharam por todos os cantos da cidade de Divina Pastora, desde o Cruzeiro até

o estacionamento dos ônibus, inclusive nas imediações da Igreja.

Por esse motivo, as autoridades da Igreja Católica tomaram a decisão de suspender a

saída da imagem da santa da igreja. Nesse ano não haveria a procissão, segundo o pároco da

cidade, essa medida foi tomada para evitar incidentes durante a procissão dentro da cidade,

uma vez que o corredor que seria utilizado para o cortejo que sairia do Cruzeiro até o

palanque que está situado na praça estava repleto de ambulantes e romeiros em compras. Os

peregrinos não entenderam muito bem as explicações, no entanto aceitaram mais essa

manifestação sutil do poder da Igreja sobre o ato religioso.

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4.10- Problemas de infraestrutura:

O município de Divina Pastora conta com uma população de aproximadamente

4.326 habitantes (IBGE, 2010) e durante o dia da peregrinação, chega a receber cerca de cem

mil romeiros (segundo dados da Polícia Militar de Sergipe). É esse grande número de devotos

que evidencia os problemas de infraestrutura da cidade. O tamanho da cidade não suporta o

número de romeiros que recebe no dia do evento religioso.

As medidas tomadas por parte do poder público municipal e estadual são

insuficientes e não atendem os anseios e necessidades dos devotos. A falta de restaurantes,

pousadas e principalmente a falta de um lugar adequado para estacionamento dos ônibus, que

atualmente situa-se no alto de um morro, um local de difícil acesso e para chegar até o local, o

peregrino enfrenta muita lama ou poeira dependendo das condições climáticas. O grande

número de ônibus somado à desorganização do lugar faz com que o devoto possa levar até

uma hora para encontrar e se acomodar no veículo que os levará de volta para casa.

Ao contrário de outros locais de peregrinação, Divina Pastora não conta com

rancharias que são casas simples que abrigam provisoriamente os fiéis. Por esse motivo, os

peregrinos ficam espalhados pelas ruas, sentados nas calçadas, expostos a todas as

intempéries do tempo. É comum que no dia da peregrinação alguns moradores da cidade

deixem suas casas disponíveis para serem alugadas por dois ou três dias (geralmente o final

de semana), o valor do aluguel fica em torno de R$ 200,00 e R$ 400,00 dependo do tamanho

do imóvel e sua localização tendo valor mais elevado aqueles que ficam mais próximos da

praça da matriz, onde acontece o evento religioso. Esse valor é dividido por todos os que

ocupam a casa, que pode chegar até a vinte pessoas. Alguns outros moradores simplesmente

abrem suas casas para os romeiros oferecendo banho e abrigo gratuitamente, os que agem

dessa forma, acreditam que de alguma maneira estão contribuindo com para o

engrandecimento do evento e principalmente estão buscando agradar a Nossa Senhora Divina

Pastora, uma vez que, para esses moradores, acolher o peregrino seria algo semelhante a

acolher a Santa.

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Foto 23: Estacionamento dos ônibus que levam os romeiros.

Fonte: MEDEIROS, Rafael (2011)

Foto 24: Romeiros alojados na praça.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

A ausência de restaurantes faz com que muitos fiéis levem marmitas feitas em casa.

Alguns moradores vendem quentinhas para o almoço a um preço médio de R$ 5,00 a R$ 7,00.

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Por exigência dos órgãos municipais e da Igreja, as pessoas que desejarem oferecer refeições

para os peregrinos devem afixar cartazes nas portas oferecendo seus produtos e não devem

colocar mesas nem bancas nas calçadas. Infelizmente o bem estar do romeiro não recebe a

atenção merecida e o que se percebe é uma grande deficiência no que diz respeito à

hospedagem e à alimentação. A cidade ainda não dispõe de uma logística para atender o

número de romeiros crescente a cada ano. Diante desse quadro de deficiência na recepção e

permanência dos romeiros, estes entendem que, para que as mudanças aconteçam, é

necessário que sejam feitas cobranças efetivas por parte de todos aqueles que participam do

ritual religioso, ainda que saibamos que as autoridades políticas têm conhecimento do

problema, uma vez que costumam frequentar a peregrinação.

Nessa ocasião, os políticos buscam garantir a fidelidade dos seus eleitores e quem

sabe conquistar novos votos através da sua momentânea popularidade. Se mostrar presente no

evento é o mesmo que se mostrar igual, é afirmar que comunga do mesmo credo, é mais uma

tentativa de convencer o eleitor que é merecedor do seu voto. É comum encontrar vereadores

de diversos municípios sergipanos, inclusive da capital (Aracaju), além de deputados

estaduais e federais, prefeitos, o Governador do Estado e de ex-governadores. Pensam os

romeiros, segundo os depoimentos, que é necessário que os representantes do povo que

costumam ir à peregrinação vejam o ritual não só como meio para angariar votos, mas com

sensibilidade para buscar soluções cabíveis e urgentes para os mesmos.

Foto 25: Vice-governador Jackson Barreto na peregrinação (2010).

Fonte: OLIVEIRA, Rita (2010).

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Foto 26: Faixas de políticos presentes na caminhada.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

4.11 – Se beber não venha, se vier não beba: a lei seca

A peregrinação a Divina Pastora em 2010 foi marcada por uma grande polêmica. As

autoridades eclesiásticas decidiram fazer uso de uma linguagem de orientação no sentido de

motivar os romeiros que vão à peregrinação se voltarem exclusivamente para o interesse

religioso. Nesse sentido, tem se organizado não só no nível do discurso como prático também,

com o objetivo de criar estruturas para proibir o uso e comercialização de bebida alcoólica nas

imediações da praça da matriz durante o evento religioso.

Essa decisão dividiu a opinião não só dos romeiros como da população em geral.

Grande parte dos romeiros, em sua maioria mulheres, apoia a atitude da Igreja católica,

enquanto outros resistiam a tal determinação. Nesse ano (2010), durante todas as etapas do

evento, era recomendado ao romeiro que não fizesse uso de bebida alcoólica, apesar de ser

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comercializada em todo o percurso da viagem, inclusive dentro da cidade, com exceção dos

arredores da praça, onde os romeiros se concentram após a caminhada.

Foto 27: Consumo de bebida alcoólica.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Essa atitude aumentou ainda mais a insatisfação da população local. As mudanças

implementadas aumentaram as arestas entre a comunidade e os representantes da Igreja. Ao

final do sermão da missa de encerramento, o padre Hélelon, responsável pela paróquia de

Divina Pastora, chamou a atenção dos fiéis para a importância da não utilização da bebida

alcoólica no tempo e espaço sagrado: “Aproveitamos o ensejo para ressaltar que a

Peregrinação e a bebida alcoólica são como “óleo e água”, não se misturam! Quem vier a

nossa Peregrinação deve se conscientizar: se vier ao Santuário não beba e se beber não

venha”!! ! (BEZERRA, 2010, p. 01).

Essa frase evidencia que a pregação também dá conta de um discurso

conscientizador ainda que não abra espaço para o debate e que apresente certo caráter de

imposição:

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Mesmo que os padres digam que a finalidade primeira de sua pregação é a

conscientização, suas palavras, proferidas no contexto ritual, não comportam a

contestação e o debate, exigências fundamentais em qualquer processo de

conscientização. Ou seja, há certa incompatibilidade entre ritual, enquanto espaço da

conversão e da adesão, onde a palavra vem sempre revestida da autoridade divina, e

a conscientização, que requer sempre um clima de discussão e debate, onde quem

quer convencer também corre o risco de ser convencido (STEIL, 1996, p. 119).

Posteriormente, a peregrinação de 2011 foi ainda mais impactante. Foi decretada a

lei seca na cidade de Riachuelo, de onde sai a romaria até a cidade de Divina Pastora. O uso

da bebida alcoólica foi proibido durante todo o percurso da peregrinação, com pena de multa

para o comerciante formal ou informal que desobedecesse. A Igreja Católica justificou a

proibição do consumo e comercialização de bebida alcoólica, apontando o álcool como

elemento prejudicial não só à saúde, como às relações sociais, atrelando, assim, o uso da

bebida a brigas, confusões e desentendimentos que eventualmente ocorrem durante os festejos

em consagração à Santa. Essa afirmação evidencia que o sagrado não deve ser contaminado

pelo impuro, “para nós os objetos e os lugares sagrados devem ser protegidos das impurezas.

O sagrado e o impuro são pólos opostos” (DOUGLAS, 1991, p.20).

Em alguns pontos do percurso, podia-se observar motoqueiros a serviço da

administração pública da cidade de Divina Pastora com o objetivo de coibir a venda de

bebidas alcoólicas no trajeto feito pelos romeiros. Por conta da lei seca, houve uma queda

significativa do número de ambulantes que comercializavam o produto no caminho dos

romeiros como também no espaço reservado aos camelôs dentro da cidade. Obviamente, nem

todos os peregrinos acataram a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.

Durante a peregrinação, embora a Igreja se esforçasse para que isso acontecesse,

alguns participantes criaram maneiras de burlar a determinação da Igreja Católica, ao levarem

a bebida alcoólica na bagagem desde a sua cidade de origem. Somado a isso, ainda era

possível encontrar ambulantes que vendiam cervejas escondidas no fundo do isopor de gelo

em meio a bebidas não alcoólicas. O romeiro, ao comprar o produto, imediatamente o

transferia para uma embalagem de refrigerante. Por conta da proibição, o preço do produto

estava muito elevado, o que não assustava o consumidor que se predispunha a pagar o preço

cobrado.

É importante mencionar que a Igreja busca estratégias para separar o sagrado do

profano, embora sem sucesso, uma vez que um ponto está intimamente ligado ao outro. Como

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observa Brandão: “apesar dos esforços da igreja para separar uma parte propriamente

religiosa das outras, folclóricas ou das francamente profanas, para o devoto popular o sentido

da festa não é outra coisa se não a sucessão cerimonial de todas estas situações, dentro e fora

do âmbito restrito dos ritos da igreja” (BRANDÃO, 1989, p. 37).

Certamente, quando os devotos saem em romaria, o seu objetivo não se restringe

unicamente ao rito sagrado em si. O lado lúdico também faz parte do cerimonial e isso inclui

as feiras, festas e toda a descontração que também fazem parte do ritual religioso.

3.12- A Igreja Matriz

A Igreja Matriz da cidade de Divina Pastora é uma construção do século XVIII, o

seu frontispício revela o inconfundível estilo jesuítico, na sua estrutura interior predomina o

barroco e no forro da nave central está a maior pintura painelística do Estado de Sergipe, de

autoria do artista baiano José Teófilo de Jesus. A originalidade dessa igreja consiste em

possuir, ao longo da nave, um corredor aberto com cinco arcadas, que são atribuídas ao fato

da igreja ter sido construída com o objetivo de ser uma basílica votiva de peregrinação

(Figura 14). A construção foi tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional) em 1943 e no ano de 2007 passou por um minucioso processo de

restauração11.

No dia da peregrinação a igreja recebe um grande número de romeiros, por esse

motivo o templo é esvaziado, os bancos são retirados e os romeiros formam uma imensa fila

para entrar no recinto sagrado (Figura 15). Em passos lentos, tomados pela emoção, param

rapidamente em frente ao altar mor para pedir bênçãos e fazer seus agradecimentos por graças

alcançadas. A beleza do lugar impressiona os devotos que afirmam não se importar com a fila

___________________________

11 As informações foram organizadas através do texto de Ivan Rêgo Aragão analisando a home page

<http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art.asp?id. Acesso em 10 de janeiro de 2012.

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o que importa é o tão esperado encontro com a Santa. Ao sair, o devoto acredita está

purificado pelo olhar sublime da mãe Divina Pastora.

Figura 28: Fachada, interior e teto da Igreja de Divina Pastora

Fonte: Miranda, Joselito, 2010. Fonte:Miranda, Joselito, 2010.

http.//www.google.com.br Fonte: Gouvêa, Lara/Ascom,2010.

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Foto 29: Fiéis na fila e no interior da Igreja.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

3.13- AS CELEBRAÇÕES

O ano de 2010 foi marcado pelas grandes modificações na peregrinação à Divina

Pastora. Ao mesmo tempo em que a Igreja se propõe a organizar o espaço do evento religioso,

reafirma o seu controle sobre a solenidade, chegando a ditar as normas de comportamento

para o romeiro como recomenda o padre Helelon Bezerra, o qual informa ao peregrino que a

partir daquele ano o devoto teria que cumprir “sete passos,” que segundo o pároco, seria

necessário “para se viver bem, intensamente e em profundidade este tempo de peregrinação/

oração/ sacrifício/ oferta/ devoção e comunhão com Deus e com os irmãos. (BEZERRA,

2010, p.01).

1° Passo:

Fazer a peregrinação a pé da cidade de Riachuelo até o santuário (saúde permitindo),

sendo que do Povoado Bomfim até o Cruzeiro reza-se a Via sacra.

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2° Passo:

No Cruzeiro, reza-se e acende-se uma vela;

3° Passo:

Visita-se o santuário e diante da imagem de Divina Pastora, reza-se o credo, um pai-

nosso e uma Ave-Maria pelo santo padre, o papa;

4° Passo:

Ainda no santuário ou nos seus arredores, reza-se ao menos um terço, suplicando a

graça pela qual fez a peregrinação;

5° Passo:

Confessar-se (isso se a quantidade de padres for suficiente), vale também

confessar-se nos quinze dias antes ou quinze dias depois da peregrinação;

6° Passo:

Participar ao menos de uma missa;

7° Passo:

Levar seu chapéu de palha com fita azul e seu cajado, ambos são sinais visíveis do

peregrino devoto de Nossa Senhora Divina Pastora.

Percebi que poucos são os peregrinos que seguem as recomendações do pároco

local, alguns nem têm conhecimento dos “sete passos” estabelecidos pela arquidiocese de

Aracaju e preferem aproveitar o momento para cumprir os votos feitos a santa. O uso do

cajado e do chapéu de palha seria a identificação do peregrino enquanto pertencente ao grupo

de devotos da Virgem Pastora. Esses símbolos são normalmente usados nas grandes festas

religiosas, são chapéus, fitas, mortalhas na cor do traje da Santa. O cajado e o chapéu de palha

estão presentes na imagem de Nossa Senhora Divina Pastora, por esse motivo, foi escolhido

como símbolo da peregrinação ainda nas primeiras edições e que foi retomado em 2010.

Observei que o chapéu foi adotado pelos devotos até mesmo como meio de se proteger do sol

forte, mas o cajado ainda não é utilizado pelos romeiros.

A programação do evento é disponibilizada no site da Arquidiocese onde constam as

atividades que se desenvolvem desde o amanhecer até as dezessete horas quando é encerrada

a solenidade.

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TABELA N° 2: PROGRAMAÇÃO DA PEREGRINAÇÃO À DIVINA PASTORA 2010.

Dia Horário Evento

14/10/2010

Quinta-feira

15 às 19h.

19:30h.

Adoração em preparação para a peregrinação; durante o mesmo horário teremos confissões.

Santa missa celebrada pelo padre Marcos Rogério (Riachuelo/ Santa Rosa), o

mesmo irá nos falar sobre o porquê de peregrinar.

15/10/2010

Sexta-feira

15h.

19:30

O povo pastorense com o seu sacerdote irão para a cidade de Riachuelo, de

onde partirá a peregrinação do povo pastorense às 16:30 (cada um leva a sua

vela);

Santa missa celebrada pelo padre Ronaldo (Dores), o mesmo irá nos falar

sobre a “oferta” que somos no peregrinar da vida, durante esta celebração, o

padre Anderson Pina estará atendendo confissões.

16/10/2010

Sábado

10:30

15 às 23h.

17h.

18:30h.

Chegada da peregrinação da pastoral da juventude com a pastoral

universitária; após breve momento de restauro, teremos missa no santuário

celebrada pelos respectivos responsáveis. Padre Geofred e Padre Anderson Pina.

Confissões sempre no santuário.

A imagem peregrina de Divina Pastora será levada para o Cruzeiro de onde

viremos com os primeiros peregrinos para a missa de abertura oficial da

peregrinação, durante o percurso até o Cruzeiro e o retorno ao santuário,seremos animado pelo Ministério Shalom;

Missa celebrada pelo padre Valdes (Siriri) e animada pelo Ministério de

música Nova Aliança (Maruim). Logo após a missa, a imagem peregrina de

Divina Pastora será levada para a igreja de Riachuelo; Logo após a Santa

missa teremos show com o Ministério Nova Aliança e Banda de Divina

Pastora.

17/10/2010

Domingo

5 às

15h.

5h.

7h.

Confissões no santuário e em seu anexo, a Escola Dina.

Missa celebrada dentro do santuário pelo padre Araújo. (Serra do Machado)

e animada pelo Apostolado de Oração.

Missa celebrada fora do santuário pelo padre Helelon (administrador

paroquial do santuário) e animada pelo Ministério de música Força Jovem.

Logo após a missa, teremos a exposição do Santíssimo sacramento na Tenda

de Oração.

Dom Henrique (Bispo auxiliar de Aracaju) partirá em peregrinação da cidade

de Riachuelo, ele estará com os peregrinos e trazendo a imagem peregrina de

Divina Pastora em direção ao Cruzeiro, onde todos serão recebidos com

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8:30

10h.

12h.

13:30h.

14h.

15h.

fogos e muita festa em louvor de nosso Deus que nos deu por mãe e pastora, a Virgem Maria.

Missa celebrada com a presença de Dom Marcos Eugênio (Bispo de Estância)

e Dom Mário (Bispo de Propriá) e animada pela Banda Comunidade que Canta.

A comunidade Shalom apresentará o “Canto das Irias” (teatro).

Animação com a Banda Divina Pastora.

Saída da imagem peregrina de Divina Pastora do Cruzeiro.

Missa de encerramento da peregrinação; esta será presidida pelo nosso arcebispo Dom José Palmeira Lessa e animada pela Banda Divina Pastora.

TABELA N° 3: PROGRAMAÇÃO DA PEREGRINAÇÃO À DIVINA PASTORA - 2011

DIA HORÁRIO EVENTO

13/10/2011

Quinta-feira

Das 15 às

19h.

19:30

Adoração em preparação para a peregrinação; durante o mesmo

horário haverá confissões

Santa missa celebrada pelo padre André (Cumbe)

14/10/2011

Sexta-feira

15h.

19:30

O povo pastorense com o sacerdote irão para a cidade de Riachuelo, de onde partirá a peregrinação, as 16:30.

Santa missa celebrada pelo padre Renato (Laranjeiras).

15/10/2011

Sábado

Das 15 às 23h.

17h.

Confissões no Santuário;

A imagem peregrina de Divina Pastora será levada para o Cruzeiro,

de onde virá com os primeiros peregrinos para a missa de abertura

oficial da peregrinação. Durante o percurso até o Cruzeiro e o

retorno ao santuário, haverá animação da Banda Ministério de

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18:30

música e Força Jovem do Discípulo amado;

Missa celebrada pelo padre Cleberton (Nossa Senhora Aparecida) e

animada pelo padre Adeilson Carlos e a Banda Toque de Louvor.

Logo após a missa, a imagem peregrina de Divina Pastora será

levada para a Igreja de Riachuelo. Logo após a Santa missa, haverá

show com o padre Adeilson Carlos (Mosqueiro) e a Banda Toque de Louvor

16/10/2011

Domingo

Das 5h. às 15h.

5h.

7h.

8:30h.

10h.

13:30

14h.

15h.

Haverá confissões no santuário e em seu anexo, na Escola Dina;

Missa celebrada dentro do santuário pelo padre Valdes (Siriri) e animada pelo Apostolado de Oração;

Missa celebrada dentro do santuário pelo padre Helelon e animada

pelo Ministério de Música Força Jovem do Discípulo Amado. Logo

após a missa, haverá a exposição do santíssimo sacramento, na Tenda de Adoração.

Dom Henrique (Bispo auxiliar de Aracaju) partirá em peregrinação

da cidade de Riachuelo, ele estará com peregrinos e levando a

imagem peregrina de Divina Pastora em direção ao Cruzeiro.

Missa celebrada com a presença de Dom Mário (Bispo de Propriá) e

animada pela banda Comunidade que canta, a qual fará um show

logo após a missa;

Animação com o Ministério de música Nova Aliança;

Saída da imagem peregrina de Divina Pastora do Cruzeiro;

Missa de encerramento da peregrinação realizada pelo arcebispo

Dom José Palmeira Lessa e animada pelo Ministério de Música

Nova Aliança.

Fonte: ASN E ASCOM/Prefeitura da cidade de Divina Pastora.

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Não há participação efetiva por parte dos romeiros em todos os momentos do evento,

até mesmo porque grande parte desses só chegam às cidades onde acontece o ritual religioso

na manhã do domingo. O auge do ritual é sempre a caminhada entre a cidade de Riachuelo e

Divina Pastora, que reúne grande número de devotos para os quais, é fundamental o sacrifício

da caminhada à procissão que leva à Santa do Cruzeiro para a praça da matriz onde se realiza

a missa final também conta com a participação de grande número dos devotos.

O culto à imagem da Santa está dividido em três momentos. O primeiro acontece

no final da tarde da sexta-feira que antecede a peregrinação, quando a imagem peregrina sai

da Igreja Matriz de Divina Pastora com destino a cidade de Riachuelo em um andor muito

bem ornamentado, forrado com tecido do tipo cetim na cor azul bebê e decorado com rosas

artificiais na cor azul, cravos também artificiais na cor branca e bastante folhagem, em cima

do andor, encontra-se a imagem de Nossa Senhora Divina Pastora peregrina, do lado direito

um carneirinho e no colo do lado esquerdo carrega o menino Jesus, nos braços da santa e do

menino Jesus os romeiros amarram fitas geralmente nas cores branca e azul, como mostra a

figura 15.

Nas primeiras horas da manhã do domingo, a imagem da Santa é exposta na parte

externa da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Riachuelo onde

seminaristas e jovens ligados a movimentos da Igreja Católica local recebem os romeiros com

hinos de louvor e orações. No lado direito da calçada da Igreja, fica uma tenda onde está a

imagem da Santa que recepciona seus devotos que, aos poucos, vão chegando. Grande parte

dos peregrinos ao chegar a cidade de Riachuelo, faz questão de se aproximar da tenda para

tocar na imagem, tirar fotos e fazer orações. Às sete horas e trinta minutos, acontece a

primeira missa celebrada pelo bispo auxiliar Dom Henrique, juntamente com o pároco da

cidade de Riachuelo e de Divina Pastora.

Ao terminar a missa, a imagem sai em carro aberto em procissão seguida pelos

representantes da Igreja e por uma multidão de fiéis, que em determinado momento se mistura

com os romeiros que se antecederam a este ritual, criando uma massa amorfa. Esse é um dos

rituais mais importantes no contexto das peregrinações, é o momento em que o sagrado se

desloca proporcionando a sacralização dos espaços por onde passa,”demarcando a paisagem

religiosa”(STEIL, 1996).

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Figura 30: Imagem de Nossa Senhora Divina Pastora

Fonte: Crislaine Aparecida. Disponível em<http.//santarosaonline.com.br/peregrina.html

Uma das características marcantes nas romarias é o que Fernandes (1982, p. 37) chama

de identidade comum: “No cotidiano cada um é o que é pela sua relação com um outro,

segundo posições que ocupe na estrutura social. Aqui, ao contrário, adquiriam uma identidade

comum a todo universo de que eram parte”.

Durante a procissão, o que se percebe é que há uma despreocupação dos indivíduos

quanto ao seu papel e tempo social, possibilitando uma certa igualdade entre os peregrinos

que caminham lado a lado em um mesmo espaço, ao mesmo tempo em que as autoridades

eclesiásticas, todos em uma só direção separados apenas pela hierarquia a qual determina a

ordem em que cada grupo deve se posicionar. No carro aberto, junto à imagem da Santa,

estão o bispo auxiliar Dom Henrique Soares da Costa e o pároco da cidade de Divina Pastora,

Hélelon Bezerra. Seguem o cortejo a pé os seminaristas e representantes das paróquias de

municípios vizinhos que são acompanhados pelos romeiros entoando cânticos e preces até

chegar ao Cruzeiro localizado no município de Divina Pastora. O Cruzeiro é um lugar

emblemático, onde os devotos depositam os ex-votos, é lá que a imagem fica exposta para o

rito de adoração.

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O segundo momento do culto inicia-se no meio da tarde quando os romeiros que

estão concentrados na praça da matriz movimentam-se em direção ao Cruzeiro, com o intuito

de participar da segunda procissão do dia. Agora a imagem da Santa que ficou no Cruzeiro

pela manhã será levada em procissão até o palco armado na frente da igreja de Divina Pastora.

Ao longo do dia da peregrinação, são realizadas quatro missas: três pela manhã e

uma à tarde quando a imagem de Nossa Senhora Divina Pastora chega ao santuário, (vinda do

Cruzeiro em procissão) dando início o terceiro e último momento do culto, quando começa a

missa de encerramento dirigida pelo arcebispo Dom José Palmeira Lessa. Ao chegar em

procissão, a imagem é colocada do lado direito do palco, onde há um número expressivo de

sacerdotes além de representantes da política municipal e estadual. O posicionamento dos

clérigos no altar, em um lugar mais alto que os romeiros, revela a hierarquia e o poder da

Igreja, assim como o simbolismo presente no espaço religioso. É no ritual da missa que o

clero desempenha o papel de mediador entre os devotos e a divindade (Steil, 1996). A missa é

um momento marcante da peregrinação e atrai a atenção da maioria dos peregrinos, pois é o

momento de benzer os objetos que foram comprados durante o dia na cidade.

Os peregrinos são bastante estimulados a participarem do ritual, seja respondendo às

perguntas ou acompanhando os hinos de louvor. De uma maneira ou de outra, a celebração

consegue envolver completamente os devotos que são incentivados cada vez mais pela

técnicas de comunicação de massa, enriquecidas pelas apresentações de bandas com

repertório e cânticos religiosos, que animam e atraem ainda mais o romeiro. Ao descrever as

celebrações na peregrinação à Bom Jesus da Lapa, Steil (1996, p. 117) comenta que “os

sermões são parte essencial da romaria, tanto do ponto de vista dos dirigentes, que dão uma

ênfase especial à pregação da palavra, quanto dos romeiros, que os vêem sobretudo como

peças de uma estrutura ritual mais abrangente”.

Na peregrinação a Divina Pastora, o sermão da missa de encerramento também

recebe ênfase especial por parte de todos que participam do ritual como um todo. Muitos

peregrinos não conseguem conceber a peregrinação sem a participação na missa final, uma

vez que esse rito confere o sentido de fechamento do ritual religioso. Nesse momento, as

tensões diminuem e a missa funciona como elemento aglutinador em que todos se voltam para

o sagrado.

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Foto 31: Missa de encerramento.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Foto 32: Preparação para a missa de encerramento.

Fonte: MEDEIROS, Rafael (2011).

Após a missa de encerramento, a imagem volta para a igreja, passando por um

corredor protegida por cordas e seguranças. Antes de entrar no santuário, o andor faz uma

parada para um rito final, onde os peregrinos destroem literalmente o andor onde se encontra

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a imagem da santa. Dele retiram as flores e enfeites para levar para casa como lembrança.

Steil (1996, p. 127) também faz referência ao ato de desfazer o andor: “O caráter efêmero do

andor intensifica ainda mais a sensação fantástica e o radicalismo utópico da presença do

Bom Jesus neste lugar sagrado”.

A ornamentação do andor pode ser algo momentâneo, mas, simbolicamente, cada flor

e cada fita retirada carregam consigo uma carga mágica que suscita a presença do sagrado até a

próxima visita do romeiro ao santuário de Nossa Senhora Divina Pastora.

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CONCLUSÃO:

O romeiro cumpre a devoção fazendo uma viagem, e, de romaria em

romaria, os devotos desenham um circulo imaginário em torno de determinado

centro sagrado (Rubem César Fernandes, 1982).

Ao finalizar este trabalho, faz-se necessário retomar algumas considerações sobre a

peregrinação a Divina Pastora que aparecem ao longo do texto. Com o objetivo de entender

melhor o tema abordado e situá-lo no tempo e no espaço, procuro enfatizar algumas questões

religiosas como: a cura milagrosa, a prática de promessas e o culto aos santos, atitudes que

certamente influenciam no comportamento do peregrino. Entretanto, deixo claro que não foi

minha intenção esgotar as discussões sobre esse tema tão complexo e rico, nossa proposta foi

contribuir com as discussões já existentes e ampliar para novas possibilidades.

O culto à Santa Pastoril em Sergipe está inserido em um universo bastante complexo

e permite diferentes leituras, no sentido de elucidar todas as questões que se mostram

intrínsecas ao ritual, a exemplo da performance do evento, a devoção dos fiéis, o aspecto

mercadológico, além da dicotomia entre o sagrado e o profano que permeiam o espaço sagrado.

A peregrinação ao Santuário de Divina Pastora é uma “tradição inventada”

recentemente pelo catolicismo oficial com o objetivo de inovar o universo religioso sergipano e

que veio a ser reinventada pelo povo que implantou no evento o caráter devocional. O culto a

Divina Pastora não está alicerçado em nenhum mito que garanta a sobrevivência do rito, o que

não impediu o crescimento e legitimação da prática religiosa.

Nesse sentido, entender porque os católicos sergipanos aderiram ao culto criado pela

igreja foi um dos objetivos deste trabalho. Como conceber que o peregrino se proponha a andar

por aproximadamente nove quilômetros em direção a um santuário onde jamais ocorreu um

milagre, onde não houve nada de sobrenatural que justificasse tal ritual? Ficou evidente neste

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trabalho que o fiel reinventa as suas crenças, mesmo que aparentemente pareça ter sido uma

imposição hierarquicamente construída.

Ao iniciar a pesquisa, busquei respostas extraordinárias e complexas, entretanto, com o

desenrolar do trabalho, entendi que o principal motivo que impulsiona os milhares de devotos

ao santuário sergipano é a fé. A fé na Virgem Maria que envolve o homem religioso em uma

relação de reciprocidade entre o fiel e a santa tendo em vista a obtenção de uma graça para ele

próprio ou para sua família. Constatei ainda que grande parte das promessas feitas pelos devotos

está relacionada ao reestabelecimento da saúde do corpo e da alma e em retribuição o peregrino

cumpre seus votos reiterando uma relação de lealdade e cumplicidade. A promessa feita à Santa

geralmente está permeada por práticas que sacrificam o corpo. Para o devoto, o sacrifício tem a

função de aproximar o peregrino da divindade, ao mesmo tempo em que funciona como meio

de comunicação entre ambas as partes. Ao se sacrificar no pagamento de uma promessa, o fiel

não só se purifica como se faz merecedor da dádiva, o sofrimento que está contido na promessa

dá a dimensão da graça alcançada.

Apesar de todo envolvimento emocional por parte do romeiro, que de certa forma, só

reforça a devoção na Santa e mobiliza cada vez mais fiéis, a Igreja tem a preocupação de

organizar o evento de forma racional e ordenada, ao mesmo tempo em que tenta garantir o

controle do ritual. A popularização do evento inevitavelmente revela o seu caráter profano, que

mais tarde, a partir de 2010, é contestada pelas autoridades eclesiásticas que tentam combater as

práticas mundanas, a exemplo da bebida alcoólica e manifestam a organização do espaço da

festa, a preocupação em estabelecer um local próprio para a comercialização dos produtos

típicos do evento.

As mudanças na estrutura física e administrativa do evento demonstram o empenho da

Igreja, no sentido de racionalizar e definir normas que orientam a ação dos fiéis na eterna

tentativa de separar o sagrado do profano. Mesmo que essas medidas da Igreja gerem um certo

conflito entre o peregrino e o clero, o culto em si não foi afetado, o que se observa é que o

romeiro sempre encontra meios para driblar as determinações da Igreja e traçar caminhos

alternativos para manter a tradição, reinventando, dessa forma, os próprios caminhos na

romaria. Este fato mostra que a Igreja busca a todo momento, reafirmar sua autoridade no

controle do evento como um todo, não só do que é considerado sagrado, como também daquilo

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que é considerado profano, é a sua oportunidade de mostrar o seu poder sobre o evento que

criou.

O povo surge como estímulo para que a peregrinação crie forma, a presença do devoto

dá o ar de veracidade que o ritual necessita, ao passo que constrói a história que dá sustentação

a solenidade religiosa. Nas primeiras fases do evento (1958 a 1971) o foco era a caminhada em

si, era na estrada que ocorria todo o ritual performático organizado pela arquidiocese de

Aracaju. A partir de 1971, o foco da peregrinação passa a ser a cidade santuário, o lugar

escolhido pela igreja sergipana como sagrado. É lá no Cruzeiro onde se aglomeram os

peregrinos que vão pagar promessas, pedir graças e benção a santa, é no Cruzeiro que o sagrado

se manifesta, a emoção dos fiéis no santuário revelam o tamanho da sua fé. A fé que cura, a fé

que renova, a fé que fortalece, a fé em Maria, mãe do Cristo, que lá recebe o título de Divina

Pastora, é essa fé que legitima a adesão popular a solenidade religiosa idealizada pelo padre

Luciano Cabral.

Atualmente a peregrinação a Divina Pastora é um espaço eclético que costuma atrair

outros grupos religiosos, a exemplo dos evangélicos que utilizam o tempo e o espaço da romaria

e dos romeiros para evangelizar. A pesquisa revela ainda que a maior parte dos devotos que

participam desse ritual religioso busca pagar promessas que foram feitas à Santa como forma de

retribuir a graça alcançada, essa graça geralmente diz respeito à cura para os mais diversos tipos

de enfermidade. Essa relação de reciprocidade aproxima o peregrino do sagrado. Vale a pena

ressaltar que a peregrinação é formada por diversos elementos, dentre os quais os interesses

econômicos que motivam os comerciantes e as catadoras de parafina que fazem da peregrinação

um espaço que vai além da motivação religiosa.

A pesquisa também possibilitou encontrar elementos para traçar o perfil socio

econômico dos devotos da Divina Pastora, a princípio formado por um pequeno grupo de

intelectuais e com o passar dos anos, tornou-se um evento popular que envolve pessoas de

diversas classes sociais, principalmente os menos favorecidos. São personagens diversos, mas

que durante a peregrinação assumem o que Fernandes chama de “Identidade

comum”(FERNANDES, 1982, p.37), uma vez que os devotos que ali estão, independente da

classe social ou nível de escolaridade, o objetivo naquele momento são as graças, seja para

pedir ou agradecer, o peregrino busca na excepcionalidade do lugar de culto a intervenção de

Maria para as suas agruras terrenas. Enfim, a peregrinação a Divina Pastora pode ser tomada

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como um espaço repleto de símbolos que agrega o homem religioso que busca incansavelmente

se aproximar do sagrado e na medida e na proposição dos seus interesses consegue estabelecer

esperanças e metas para novas caminhadas.

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9. FONTES DOCUMENTAIS:

9.1 Fotografias:

Acervo de Izabel Cristina Ferreira Oliveira

Acervo de Joselito Miranda

Acervo de Crislaine Aparecida

Acervo GOOGLE imagens

9.2 Impressos e documentos:

Artigo: Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora Divina Pastora

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9.3 Entrevistas:

ANJOS, Helelon Bezerra dos. Pároco da Igreja de Divina Pastora. Entrevista concedida em 23

de março de 2012. Divina Pastora.

ARAÚJO, Maria Angélica. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

BRITO, Gilvanda Leite. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

CONCEIÇÃO, Letícia Silva. Integrante do grupo de jovens da igreja Bom Jesus dos

Navegantes. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

CRUZ, Jorge dos Santos. Chefe de viagem. Entrevista concedida em 16 de 2011. Aracaju

FERREIRA, Ariel. Entrevista concedida em 10 de novembro de 2010. Aracaju.

FERREIRA, Silvestra Oliveira. Entrevista concedida em 06 de agosto de 2010. Aracaju.

FONTES, Damião. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

FONTES, Maria Zenaide. Chefe de viagem. Entrevista concedida em 20 de outubro de 2010.

Aracaju.

HONÓRIO, Vera Lúcia. Entrevista concedida em 10 de outubro de 2010. Aracaju.

JESUS, Lúcia Silva de. Catadora de parafina. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010.

Divina Pastora.

LEMPER, Padre Luiz, Entrevista concedida em 10 de agosto de 2010. Aracaju.

MARINHO, Maria Jocasta. Entrevista concedida em 12 de outubro de 2011. Aracaju.

MENEZES, Isabela. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011. Divina Pastora.

OLIVEIRA, Adélia Araújo de. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011. Divina

Pastora.

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OLIVEIRA, Maria de Lourdes. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011. Divina

Pastora.

RODRIGUES, Edson. Ex-seminarista. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011.

Divina Pastora.

RODRIGUES, Rosali Conceição. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina

Pastora.

SANTANA, Maria Gracinda. Entrevista realizada em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SANTOS, Cledineide. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SANTOS, Maria Gedalva. Entrevista concedida em 10 de outubro de 2010. Aracaju.

Santos, Maria Irailde dos. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SANTOS, Maria Josiene dos. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2010. Divina

Pastora.

SANTOS, Robson. Evangélico participante do projeto Tenda da Esperança. Entrevista

concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SILVA, Adriana da. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011. Divina Pastora.

SILVA, Maria da Conceição. Entrevista concedida em 16 de outubro de 2011. Divina Pastora.

SOUZA, Ana Virginia de. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SOUZA, Claudiana de Oliveira. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina

Pastora.

SOUZA, Gislene Rodrigues. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

SOUZA, Valdice Santos. Entrevista concedida em 14 de setembro de 2010. Aracaju.

TATUM, Consuêlo. Entrevista concedida em 17 de outubro de 2010. Divina Pastora.

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ANEXOS

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ANEXO I

ORAÇÃO À NOSSA SENHORA DIVINA PASTORA

“Oh, Divina Pastora,

Levai-me a Jesus, o Bom Pastor,

Para que nada me falte.

Fazei-me repousar em verdes pastagens.

Conduzi-me junto as águas refrescantes.

Restaurai as forças de minha alma.

Levai-me pelos caminhos retos,

Por amor ao nome de Jesus.

Ainda que atravesse o vale escuro,

Que eu nada tema, pois estais comigo.

Que o vosso cajado seja meu amparo.

Amém!”

(Fonte: Títulos Marianos. Disponível em: <http://reportedecristo.com/nossa-senhora-divina-

pastora. Acesso em 10 de fev. 2012).

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ANEXO II

Questionário aplicado aos peregrinos de Divina Pastora, em 17 de outubro de 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ANTROPOLOGIA

MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

QUESTIONÁRIO

1- DADOS PESSOAIS:

Nome:___________________________________________________

Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

Idade: _____________

Residência: ( ) Aracaju e região metropolitana

( ) Interior de Sergipe ( ) outros estados

2- Renda Pessoal:

( ) Até 01 salário mínimo

( ) 01 a 03 salários mínimos

( ) acima de três salários mínimos

3- Estado civil:

( ) casado ( ) solteiro ( )divorciado ( ) viúvo

( ) relação estável

Tem filhos? ( ) sim ( ) não Quantos?______________

4- Grau de escolaridade

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( ) 1° grau incompleto ( ) 1° grau completo

( ) 2° grau incompleto ( ) 2° grau completo

( ) superior completo ( ) superior incompleto

5- Qual sua religião?

( ) Católica ( ) Evangélica ( ) Espírita

( ) outras Qual?________________________________

6- Com que frequência vai à igreja?

( ) Uma vez por semana ( ) duas vezes por mês

( ) Uma vez por mês ( ) Só em datas especiais

7- É devoto(a) de algum santo(a) ?

( ) sim ( ) não Qual?_____________________________

8- Por que resolveu participar da peregrinação?

( ) Para pagar promessa

( ) Devoção / fé

( ) Diversão

( ) Pedir graças

( ) Incentivo da paróquia

9- Quantas vezes já participou da peregrinação a Divina Pastora? _________________

10- Já teve algum pedido alcançado a partir de promessas feitas a Divina Pastora?

( ) sim ( ) não

11- Já pagou alguma promessa durante a peregrinação?

( ) sim ( ) não

12- Que tipo de transporte utilizou para chegar à peregrinação?

( ) Transporte coletivo ( ) Transporte próprio

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( ) Caravana da paróquia ( ) Outros

13- Quanto tempo levou de sua casa até aqui?

( ) 30 a 60 minutos ( ) 1 a 2 horas

( ) 2 a 5 horas ( ) mais de 5 horas

14- Como se sente após a peregrinação?

___________________________________________________________________________

15- Costuma frequentar outras peregrinações?

( ) sim ( ) não

Qual? _____________________________________________________________

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Anexo III

Mensagem enviada a Dom Luciano Duarte na Comemoração do seu Natal

2011, pelo ex-jucista Geraldo Oliveira

Parece que tudo aconteceu ontem, tão vivas são as impressões gravadas na alma de

cada um de nós, jucistas. Já se vão cinquenta anos, ou mais, dependendo dos momentos

tomados como referência... e foram tantos... e, melhor, todos encadeados numa sutil e bela

oportunidade de viver. Tivemos vários: a primeira manhã de formação, na sede da Ação

Católica, as reuniões preparatórias da 1ª Peregrinação Universitária a Divina Pastora, na

Escola de Serviço Social; essa Peregrinação que ocorreu no radioso e ensolarado dia 24 de

agosto de 1958, na estrada que levava da Matriz de Riachuelo ao Santuário Mariano de

Divina Pastora e encheu de graças e bênçãos que se estendem até hoje, aquele grupo de

universitários das escolas superiores de Aracaju. Todos cantando a Ave Maria do Peregrino,

discutindo amplamente o tema da divindade de Jesus e participando da celebração Eucarística,

quando se ouvia o grupo entusiasmado entoando os inesquecíveis Salmos de Gélineau.

Outro momento encantador foi o 1° Retiro em Santo Amaro, quando o então Padre

Luciano nos colocou diante de posições de pensadores, então em voga, como a corrente

existencialista de Albert Camus e nos orientou no salto do absurdo para a descoberta de Deus

e para o real sentido da vida. Ali, vivemos em orações, adorações diante do Santíssimo e

tivemos mesmo uma pequena procissão em homenagem à Imaculada Conceição

acompanhados da comunidade local. Foram momentos realmente encantadores e muitos já no

barco que nos levou de volta a Aracaju, se comoviam com Wellington. Aquele retiro

representou também o momento em que Juarez foi conduzido à Presidência da JUC e Cármen

à vice-presidência. E assim, eles que trabalhavam no silêncio, com tanto amor, na preparação

de tudo aquilo, no belo ano de 1958, e a partir de então, teriam motivos para explicitar ações e

resultados.

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Vale também lembrar, o encantamento dos que ouviam as aulas magistrais do Padre

Luciano, sobre o pensamento de Bergson, para seus alunos, e abertamente sobre os Diálogos

de Platão, desde o contexto do mundo grego antigo até as belíssimas exposições de obras tais

como: a Apologia de Sócrates, o Fédon, O Banquete , o Fedro, o Menon, o Crito, o Hípias

Maior e o Menor.

Recentemente, quando da viagem do Papa Bento XVI à Jornada Mundial da

Juventude, na Espanha, o Pontífice dirigindo-se ao mundo universitário reunido no Escurial,

lembrava um pequeno trecho do Diálogo Parmênides de Platão, em que se recomendava a

Sócrates a importância de se exercitar na busca da verdade, enquanto jovem, para que ela não

lhe escapasse das mãos. Como foi bom, avaliamos hoje, aquele tempo apreciando Platão em

nossa JUC... Preparou-nos, mesmo para guardar, por exemplo, da premiada obra de Boris

Pasternak, “O Doutor Jivago”, importante frase que dizia: “ Para buscar a verdade é preciso

ser só e romper com todos aqueles que não a amam bastante”.

Voltando aos diversos acontecimentos daqueles dias gloriosos, outros poderiam

escolher referência as magníficas exposições do Padre Luciano sobre os países europeus em

1959, no Instituto Histórico, completamente lotado.

Outros referenciais ainda poderiam ser buscados nas excursões à Serra de Itabaiana e à

Ribeira, repletos de amenidades, de companheirismo e também de excelentes reflexões, ou

ainda, nas participações com o meio estudantil de Aracaju daqueles anos, que motivaram

alguns a perseguir melhoras nas condições das comunidades. Enfim, temos ainda hoje um

inúmero leque de acontecimentos importantes, a recordar e a viver.

Por oportuno, lembro que, no domingo de Páscoa de 1989, após a Missa, na residência

do Padre, formávamos um pequeno grupo de pessoas amigas conversando amenidades, alguns

assuntos mais sérios e também ouvindo a boa música francesa e assistindo clássicos do

cinema americano. O que me toca, nesse instante, é um trecho de uma canção francesa,

interpretada em duo por Mireille Mathiei e Charles Vanel. Acho que o título é “ La vie rien ne

la vaut”, para quem quiser apreciar. Tratava-se da expressão de um homem já avançado nos

anos que se entusiasma com o futuro “porque tinha projetos”.

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Recordo vivamente do brilho no olhar de Dom Luciano, repetindo o compromisso

com o futuro, porque tem projetos.

Aqui, não estamos celebrando o passado. Estamos todos comemorando o presente,

com os olhos esperançosos no futuro que vamos construir, porque confiamos em Deus e

temos projetos.

Nosso agradecimento carinhoso e perene a Dom Luciano, por tudo o que ele

representa para todos nós. E, por isso damos, pois, graças a Deus.

Geraldo Oliveira

Ex- Jucista

Recife, 10 de dezembro de 2011

Fonte: http/www.institutodomlucianoduarte.com.br

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ANEXO IV

Padre Luciano Duarte e a 1ª peregrinação a

Divina Pastora

Publicada: 21/09/2008

Texto: Geraldo de Oliveira (Químico industrial e ex-militante da JUC)

Naquele começo do segundo semestre de 1958, no dia 24 de agosto, domingo, a JUC realizou

a primeira peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora, na cidade de Divina Pastora. Esse foi

um dos grandes momentos da vida dos universitários católicos, que já se vinham preparando,

desde o começo do ano, nas manhãs de formação realizadas na sede da Ação Católica, na rua

de Propriá, ou no Oratório de Dona Bebé, próximo ao Hospital de Cirurgia.

A peregrinação sempre esteve presente na experiência religiosa dos cristãos. Daí, o espírito

missionário, o atendimento à palavra do Senhor que mandou os discípulos irem por todo o

mundo pregar o Evangelho, a veneração aos lugares sagrados onde ocorreram os mistérios da

salvação ou repousam os mártires e, ainda, onde se realiza especial devoção. São muitos os

motivos que os incentivam a sair, com pobreza de recursos, carregando seu próprio

suprimento de comida e água, pelas estradas, em busca do lugar sagrado, como uma meta de

chegada, um propósito a ser atingido.

A peregrinação dos universitários de Aracaju a Divina Pastora foi movida pelo entusiasmo do

assistente eclesiástico de nossa JUC, o Padre Luciano Duarte. Sua experiência na França, deu-

nos a felicidade de compartilhar o encanto da jornada que atraía, na Europa, grande número

de estudantes saindo de Paris para a Catedral de Chartres, antigo templo gótico dedicado a

Nossa Senhora, e centro de peregrinação desde a Idade Média.

Pois bem, a nossa peregrinação foi organizada, procurando observar, nas condições em que

vivíamos, as linhas gerais da monumental peregrinação a Chartres.

Um primeiro passo foi a escolha do local, para onde iriam os jovens peregrinos. Foi escolhida

a Igreja Matriz de Divina Pastora.

Ao que parece, a devoção a Nossa Senhora, a Divina Pastora, surge dentro do movimento

cultural do Século XVIII, que manifestou, com o arcadismo, na literatura, a escolha de temas

pastoris, bucólicos e de maior contato com a natureza.

Em Sergipe, a cidade de Divina Pastora, situada na área de produção da cana-de-açúcar,

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possui bela igreja-matriz consagrada à Virgem Maria, invocada com aquela expressão

bucólica. A igreja, construída no estilo barroco, apresenta belíssimo teto com efeito

ilusionista, pintado por José Teófilo de Jesus, mostrando a Virgem Maria com o Menino

Jesus, cercada por carneirinhos. No altar principal encontra-se, atrás de um vidro, belíssima

imagem da Divina Pastora, portando um chapéu de abas e sentada debaixo de uma árvore

frutada, enquanto o Menino Jesus brinca com os carneirinhos.

Em frente à Igreja, acha-se um amplo largo cercado de casario, com um relvado adequado

para

receber os peregrinos.

Naquele ano de 1958, participei da peregrinação como um dos membros da equipe da Escola

de Química. Não fiz qualquer trabalho de organização.

As reuniões de preparação ocorreram na Escola de Serviço Social, à noite. Eu morava, então,

no bairro de Santo Antônio, de onde saía com minha bicicleta pelas ruas calmas de Aracaju.

Quando a reunião acabava, lá pelas dez horas, o caminho de volta deixava mesmo uma ligeira

apreensão, pois os cinemas, uma vez encerrada a sessão, não mais contribuíam com um

pequeno ajuntamento nas ruas. Era tudo meio deserto. O que não diminuía meu interesse, nos

encontros, pelo nível de informação religiosa e cultural. Lembro bem das imagens que

ilustravam as explicações do então Padre Luciano sobre Chartres e o caminho de Péguy.

Guardo na memória a visão da Catedral a partir da Beauce. As duas torres na fachada oeste

apareciam ao longe. E, depois, com a fachada próxima, podíamos ver a torre do sul, em gótico

puro, e a do norte, em gótico “flamboyant”.

De que modo admirável Padre Luciano falava sobre o fervor daqueles construtores da

Catedral. Acho que foi então que ouvi o comentário sobre a fé daqueles homens, começando

sempre o seu trabalho após participar da Santa Eucaristia.

Lembro, também, do relato sobre a cripta daquela Catedral de Nossa Senhora, no lugar onde

outrora os celtas pagãos tinham um templo dedicado à “Virgem que deveria dar à luz”. Se a

memória não me falha, a cripta da Catedral escapou ilesa de um incêndio, ainda na Idade

Média.

Durante as reuniões aprendia-se a cantar a “Ave-Maria do Peregrino” com a mesma música

entoada na França. E ali tomamos conhecimento dos trabalhos de Gelineau sobre os salmos,

inclusive quanto à recuperação da música através de pesquisa em velhas fontes. Assim,

aprendemos a cantar alguns “Salmos de Gelineau”, para a Missa que encerrava a

Peregrinação. Dentre eles, lembro-me de “O Senhor é Meu Pastor”, “Ó Vinde, Adoremos o

Senhor”, “Quem Semeia Entre Lágrimas”, “Pequei Senhor, Misericórdia” e o “Magnificat, de

Nossa Senhora”.

Durante as reuniões na Escola de Serviço Social, foram recapitulados os temas referentes ao

“Problema de Jesus’, que já fora objeto de estudo desde a primeira manhã de formação, no

mês de abril. Assim, foram examinadas: a posição crítica de Renan sobre Jesus, visto apenas

como um personagem histórico ao qual seus discípulos colocaram uma auréola de divindade;

a posição do Dr. Couchoud, de Paris, para quem Jesus fora apenas um mito sobre o qual se

construiu uma moldura histórica, e, finalmente, a posição cristã. Toda uma argumentação

apresentada afastava as teses dos críticos e preparava os membros da equipe jucista para os

debates durante a Peregrinação.

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No que dizia respeito à estrutura, os peregrinos seriam distribuídos em dois grandes grupos:o

das moças que iriam à frente, e o dos rapazes.

O grupo dos rapazes constaria de três capítulos, com linhas de cinco participantes, cada um. À

frente do capítulo um jucista portava um símbolo litúrgico e, no centro de cada linha, um

jucista procurava avivar a discussão sobre o tema da Peregrinação, que foi “Jesus Cristo,

Filho de Deus, Salvador”.

Cabia ao grupo de organização preparar os cartazes, as insígnias dos peregrinos (uma fita com

a data e o local da Peregrinação), recomendações gerais, tais como tipo de roupa, comida e até

mesmo sobre o suprimento de água que deveria ser levado, “pois a água existente ao longo da

estrada continha amebas”.

Também o grupo organizador percorreu, previamente, a estrada, marcando os locais de parada

para discussão e almoço.

O evento foi amplamente divulgado em todas as faculdades, por meio de cartazes e

informações dos jucistas.

Na véspera da Peregrinação, à noite, houve um encontro, para os últimos detalhes, no salão,

sobre a Sacristia da Igreja de São Salvador. Seguiu-se uma hora de prece e adoração, na

Igreja, como uma vigília para os participantes.

Naquele domingo de fim de agosto, o tempo amanheceu bom. Às 7h da manhã, o ônibus

(acho que eram dois) já se encontrava à frente da Escola de Serviço Social.

Às sete e meia saímos em direção a Riachuelo. O ambiente era descontraído. Roupas leves,

bonés, mantimentos e cada qual com sua reserva de água, como planejado. Ao peito, a

insígnia com os dizeres: “Peregrinação Universitária a Divina Pastora”.

“Peregrinos do Absoluto, em busca do essencial”, estávamos todos num momento de alegria,

confraternização e entusiasmo.

Mais ou menos às oito e meia, já estávamos em frente à Matriz de Riachuelo, quando

ouvimos de Padre Luciano e do Pároco local, ligeiras pregações lançando a Peregrinação.

A distância para Divina Pastora, naquela estrada de piçarra, como dizíamos, então, é de cerca

de dez quilômetros. A primeira etapa da marcha constou de debates sobre o tema “A

Divindade de Jesus”. Como a discussão não começava espontaneamente, já tínhamos

perguntas provocativas para a ocasião. Não me lembro de nenhuma posição definida em torno

das teses de Renan e do Dr. Couchoud. Não obstante, com fundamento no Evangelho,

lembrávamos a corajosa resposta de Jesus diante do Sumo Sacerdote, afirmando ser o “Filho

de Deus” e enfrentando a ameaça de morte por parte do Sinédrio. Ora, diante do perigo

iminente, ninguém em pleno uso da razão, iria cometer tamanha ousadia. Mas Jesus, coerente

consigo mesmo, com sua missão e com todo o resto de sua vida, diz abertamente quem Ele é.

Ele que se conhece a si mesmo melhor do que qualquer outra pessoa, diz, diante da morte:

“Eu sou o Filho de Deus”.

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Após uma hora de discussão, vieram os cânticos de Ave-Maria do Peregrino e do Glória ao

Pai.

Às dez e meia, houve a primeira parada. As questões levantadas nos diversos capítulos foram

objeto de comentários e respostas por parte do Padre Luciano, e também do Padre José de

Araújo Mendonça e do Padre Claudionor Brito Fontes.

As discussões prosseguiram na Segunda etapa da caminhada com os cânticos puxados pelas

moças à frente, e respondidos pelos rapazes, atrás. Lembro-me que a marcha era vagarosa,

sem pressa, inclusive pelo limite imposto aos rapazes pelos passos das moças. Mas tudo saía

cronometrado. Às doze e meia paramos, novamente, para discutir problemas pendentes com

os padres que faziam a Peregrinação conosco. Após, seguiu-se o almoço, num lugar

belíssimo, muito bem escolhido, à sombra de grandes tufos de taquaras elevadas, que

fechavam por cima.

O ambiente ameno e repousante permitia um almoço tranqüilo e agradável. As refeições eram

compartilhadas, o que tornava maior o espírito de companheirismo e amizade.

A marcha foi retomada às duas horas da tarde, discutindo-se o tema da Salvação. Recordo-me

que a crítica do ilustre pensador sergipano Tobias Barreto, no poema “Ignorabimus”, à

Salvação pelo sacrifício de Cristo, foi matéria de discussão durante a tarde. Após esses

quarenta anos, 1958 já vai longe, lembro-me que a crítica de Tobias baseava-se no sofrimento

do mundo que permanece presente. E, assim, de que fomos mesmo salvos? E, respondia-se

lembrando que o notável pensador não conseguia entender que a redenção não é um caminho

fácil, mas que passa pela cruz ensangüentada do Calvário.

Houve a parada das três e meia da tarde e a retomada do caminho até as cinco horas.

Finalmente, avistávamos a cidade e as torres do Santuário de Nossa Senhora, Divina Pastora.

Aquele era o momento final da caminhada, antes de entrarmos na cidade. Era um campo de

vegetação rasteira, com algumas árvores altas de copa rala.

Ali fizemos as últimas discussões sobre o tema geral da Peregrinação e ficamos aguardando a

chegada do bispo diocesano, Dom José Vicente Távora.

Na ocasião foram feitas algumas fotos.

Daquele ponto, fomos, com a mesma organização, à frente o Senhor Bispo, em direção à

cidade. Era grande a curiosidade dos moradores que se postavam às janelas de suas casas.

Mais ou menos às seis horas, começou a Missa, com a igreja repleta dos peregrinos e também

da comunidade local. A igreja me impressionava. O painel do teto com aquelas colunatas

ascendentes e a imagem da Divina Pastora, transmitia-me indescritível sentimento estético e

religioso. Os salmos de Gelineau tocavam-me o coração e um grande espírito de fraternidade

fazia-se presente durante toda a Missa. Foi grande o número de comungantes, coroando com a

Santa Eucaristia aquele memorável dia de encontro com o Senhor, no caminho cheio de fé

que nos conduziu como peregrinos à Igreja de Divina Pastora.

Após a Missa, sentados no relvado do grande largo, abrimos nossos farnéis e partilhamos os

alimentos em ambiente de grande amizade.

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O retorno a Aracaju transcorreu animado, todo o pessoal cantando canções como “Está

chegando à hora” e “Serenou na Madrugada...”Às das nove da noite, chegamos de volta.

Fonte: Jornal da Cidade

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ANEXO V

Peregrinação ao Santuário Nossa Senhora Divina Pastora (2010)

Pe. HELELON Bezerra dos Anjos

Administrador paroquial

13/09/2010 - 08:15:58

Este ano completamos 52 anos de Peregrinação e só temos a agradecer a Deus que depositou

no coração de Dom Luciano Cabral Duarte, nosso Arcebispo emérito, um projeto que ainda

hoje dá bons e grandes frutos. Foi ele quando padre, no saudoso setembro de 1958 que iniciou

pequenas peregrinações ao nosso Santuário, testemunha-nos Maria Giovanni dos Santos

Mendonça: “A estrada de piçarra que ligava Riachuelo a Divina Pastora nunca presenciara

antes o espetáculo de jovens em marcha, cantando com entusiasmo e alegria desde as primeiras

horas do dia, tratava-se de estudantes liderados pelo Padre Luciano…”. Quem diria que tal

iniciativa tornar-se-ia a maior Peregrinação e evento religioso do nosso Estado? Também não

podemos esquecer do Cônego Raimundo Cruz, o qual em 1983, por ocasião dos 25 anos da

Peregrinação, divulgou a devoção à Nossa Senhora Divina Pastora e a fez conhecida em todo o

Estado de Sergipe. Hoje somos conhecidos como Santuário além dos confins do nosso Estado

e por que não concretizarmos o pedido da Virgem feito ao Frei Isidoro de Sevilha no ano 1703,

na Espanha: “Por onde fores, difunde a minha devoção sob o título de Nossa Senhora Divina

Pastora”. Logo, façamos com que esta devoção seja conhecida em todo o Brasil, e por que não

no mundo?

A partir deste ano, vista a presença fixa de um sacerdote morando na cidade de Divina Pastora,

após 26 anos de espera para que tal sonho se realizasse, a Peregrinação se apresenta com

novidades de âmbito organizativo e religioso. Enquanto organização e estruturação da

Peregrinação, neste ano e nos vindouros, para que os vendedores ambulantes e proprietários de

barracas comercializem em nossa cidade, durante tal evento, faz-se necessário o cadastramento

de todos junto à Secretaria Paroquial. Para o povo pastorense o cadastramento foi durante o

mês de julho, para os vendedores que moram fora do nosso Município o cadastramento está

ocorrendo de 01 a 30 de setembro do corrente ano. No ato do cadastramento se paga uma taxa

e as vagas são limitadas!

Ainda no âmbito logístico informamos: primeiro, vendedores sem o cadastro terão sua merce

apreendida e devolvida somente no final do evento; segundo, os moradores da cidade não

poderão alugar as calçadas de suas casas, isso para evitar que se obstrua a passagem principal

por onde circulam os peregrinos; terceiro, a entrada de veículos na cidade será permitida

somente até às 22h do sábado (este ano dia 16 de outubro), excetuando-se aos veículos

autorizados, esta medida foi devida a grande quantidade de peregrinos que vêem ao nosso

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Santuário, ultimamente temos em média de oitenta a cem mil peregrinos; quarto e último

ponto, quanto à venda de bebida alcoólica, infelizmente não podemos proibir, visto que o

espaço utilizado para o evento religioso é público, todavia os pontos de venda deste produto já

foram delimitados. Todos estes pontos da nova organização foram e são contemplados no

Decreto N° 37/2010 de 03 de setembro de 2010, emitido pela Prefeitura Municipal de Divina

Pastora, e a infração de alguns destes pontos serão corrigidos com o diálogo, e se necessário,

com a ação militar presente durante todo o evento para uma maior segurança dos nossos

peregrinos.

Aproveitamos o ensejo para ressaltar que a Peregrinação e a bebida alcoólica são como “óleo e

água”, não se misturam! Quem vier a nossa Peregrinação deve se conscientizar: se vier ao

Santuário não beba e se beber não venha!!!

Já no âmbito estritamente religioso, faz-se necessário informar ao peregrino que deste ano em

diante existem “sete passos” a se cumprir para se viver bem, intensamente e em profundidade

este tempo de peregrinação / oração / sacrifício / oferta / devoção e comunhão com Deus e com

os irmãos: primeiro, Peregrinação a pé da cidade de Riachuelo até o Santuário (saúde

permitindo), sendo que do Povoado Bomfim até o Cruzeiro reza-se a Via-Sacra; segundo, no

Cruzeiro, reza-se e acende-se uma vela; terceiro, visita-se o Santuário e diante da imagem de

Divina Pastora, reza-se o Credo, um Pai-nosso e uma Ave-Maria pelo Santo Padre, o Papa;

quarto, ainda no Santuário ou nos seus arredores, reza-se ao menos um Terço, suplicando a

graça pela qual fez a Peregrinação; quinto, confessar-se (isso se a quantidade de padres for

suficiente), vale também confessar-se nos quinze dias antes ou nos quinze dias depois da

Peregrinação; sexto, participar ao menos de uma Missa; sétimo, levar seu chapéu de palha com

fita azul e seu cajado, ambos são sinais visíveis do peregrino devoto de Nossa Senhora Divina

Pastora.

Por fim, recordamos a todos que a Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora Divina Pastora

este ano será no 17 de outubro, sempre o terceiro domingo de outubro, como também

informamos que teremos confissões já no sábado, das 15h às 23h. Desde já estamos de braços e

corações “escancarados” à espera de cada peregrino. Que Maria Santíssima, a Mãe do Divino

Pastor, por isso é conhecida pelo título de Divina Pastora, continue intercedendo por cada um

de seus filhos, nós seus devotos!

Fonte: www.arquidiocesedearacaju.org/?pg=artigo&idartigo=107