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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1680 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL, O PAPEL DO ESTADO E O CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA EDUCACIONAL Alzira Batalha Alcântara [email protected] (UERJ / UNESA) Resumo A partir do contexto de mundialização do capital, pretendese debater o papel do Estado, as transformações no conceito de participação, de liberdade e suas implicações na política educacional, sobretudo no campo da gestão, a partir dos anos 90 até o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2007. Para tanto, Chesnay, Mészaros, Poulantzas, Boron, Montaño, Silva e Paro foram alguns dos interlocutores privilegiados. Na reestruturação do capital foram retomados princípios clássicos do liberalismo, em especial a noção de liberdade. Com uma liberdade plena, todos supostamente ganhariam, pois a competitividade estaria em condições ideais através da restauração da “mãoinvisível”. Em nome da liberdade de ação, advogase o mercado como saída para restaurar a rentabilidade. Todos estariam livres para apresentar suas aptidões e, assim, obterem sucesso na escala social. Segundo Chesnay (2001), no processo de reorganização do capital, o Estado teve um papel fundamental, inclusive, no desmantelamento de normas e instituições então vigentes que possibilitaram ampla liberdade de ação ao capital. Esse mesmo Estado, no entanto, cerceia o ir e vir do trabalhador e desorganiza movimentos operários e sindicais subordinando a política social ao novo arranjo econômico. Neste contexto, o Estado, os sindicatos, a noção de participação, o conceito de gestão e o próprio trabalhador deviam ser metamorfoseados. Exigiase um rearranjo políticosocial que se adequasse à reestruturação do mundo capitalista. A luta coletiva era deslegitimada em prol do individualismo e do conformismo. Os sindicatos deviam perder a sua identidade como espaço de resistência e assumir o papel de parceiro na construção de novos pactos sociais. A política educacional, enquanto área da política social, também foi reconfigurada para se adequar às novas exigências. Nos anos 90, a educação imersa num ideário salvacionista foi apresentada em diferentes documentos internacionais como instrumento para assegurar a competitividade de um país. Em relação à gestão democrática, bandeira tão valorizada nos anos 80, a Lei de Diretrizes e Bases /LDB 9394/96 foi bastante lacônica. O mesmo ocorre com os conselhos educacionais. Estes, a princípio, indicam práticas democráticas, pois, supostamente, implicam a participação de distintos segmentos da sociedade. No entanto, até que ponto esses conselhos asseguram uma efetiva participação da sociedade? O PDE em proclamado um compromisso com a democratização da educação, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Qualidade que se traduz na busca de uma melhoria da educação, que implica, entre outros aspectos, um regime de colaboração pautado numa gestão participativa. Ocorreu, na prática, uma superposição de planos e o incentivo à institucionalização de distintos conselhos, fato visível no Plano de Ações Articuladas /PAR. Contudo, os critérios presentes nos indicadores do PAR da área da gestão democrática apontam para uma institucionalização de mecanismos de representação formal, que não possibilitam uma participação substancial dos múltiplos sujeitos envolvidos na educação. Concluise que, embora o governo federal tenha potencialidade para induzir políticas, não vêm sendo construídos caminhos que auxiliem na superação dessa cultura dominante, pautada numa concepção elitista e formal. Palavraschave: Política educacional. Estado. Participação. Mundialização do Capital. Pretendese, a partir do contexto de mundialização do capital, debater o papel do Estado, as transformações no conceito de participação, de liberdade e suas implicações na política educacional, sobretudo no campo da gestão, abarcando o período da redemocratização, em especial a partir dos anos 90 até o Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007. A política

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 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

1680 

A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL, O PAPEL DO ESTADO E O CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA EDUCACIONAL 

 Alzira Batalha Alcântara  

[email protected]  (UERJ / UNESA) 

 Resumo 

 A  partir  do  contexto de mundialização  do  capital, pretende‐se debater  o papel  do  Estado,  as  transformações no conceito de participação, de  liberdade e suas  implicações na política educacional, sobretudo no campo da gestão, a partir dos anos 90 até o Plano de Desenvolvimento da Educação  (PDE), em 2007.  Para  tanto, Chesnay, Mészaros, Poulantzas, Boron, Montaño, Silva e Paro foram alguns dos  interlocutores privilegiados. Na reestruturação do capital foram  retomados princípios clássicos do  liberalismo, em especial a noção de  liberdade. Com uma  liberdade plena, todos supostamente ganhariam, pois a competitividade estaria em condições  ideais através da restauração da “mão‐invisível”. Em nome da  liberdade de ação, advoga‐se o mercado como  saída para  restaurar a  rentabilidade. Todos estariam livres para apresentar suas aptidões e, assim, obterem sucesso na escala social. Segundo Chesnay (2001), no processo  de  reorganização  do  capital,  o  Estado  teve  um  papel  fundamental,  inclusive,  no  desmantelamento  de normas e  instituições então vigentes que possibilitaram ampla liberdade de ação ao capital. Esse mesmo Estado, no entanto, cerceia o  ir e vir do  trabalhador e desorganiza movimentos operários e  sindicais  subordinando a política social ao novo arranjo econômico. Neste contexto, o Estado, os  sindicatos, a noção de participação, o conceito de gestão e o próprio trabalhador deviam ser metamorfoseados. Exigia‐se um rearranjo político‐social que se adequasse à reestruturação do mundo capitalista. A luta coletiva era deslegitimada em prol do individualismo e do conformismo. Os sindicatos deviam perder a sua identidade como espaço de resistência e assumir o papel de parceiro na construção de novos pactos  sociais. A política educacional, enquanto área da política  social,  também  foi  reconfigurada para  se adequar às novas exigências. Nos anos 90, a educação imersa num ideário salvacionista foi apresentada em diferentes documentos  internacionais  como  instrumento  para assegurar  a  competitividade de  um país.  Em  relação  à  gestão democrática, bandeira tão valorizada nos anos 80, a Lei de Diretrizes e Bases /LDB 9394/96 foi bastante  lacônica. O mesmo ocorre com os conselhos educacionais. Estes, a princípio, indicam práticas democráticas, pois, supostamente, implicam a participação de distintos segmentos da sociedade. No entanto, até que ponto esses conselhos asseguram uma efetiva participação da sociedade? O PDE em proclamado um compromisso com a democratização da educação, tanto  do  ponto de  vista  quantitativo  quanto  qualitativo. Qualidade  que  se  traduz  na  busca  de  uma melhoria  da educação, que implica, entre outros aspectos, um regime de colaboração pautado numa gestão participativa. Ocorreu, na prática, uma superposição de planos e o incentivo à institucionalização de distintos conselhos, fato visível no Plano de Ações Articuladas  /PAR. Contudo, os critérios presentes nos  indicadores do PAR da área da gestão democrática apontam  para  uma  institucionalização  de  mecanismos  de  representação  formal,  que  não  possibilitam  uma participação  substancial dos múltiplos  sujeitos envolvidos na educação. Conclui‐se que, embora o governo  federal tenha potencialidade para  induzir políticas, não vêm  sendo construídos caminhos que auxiliem na superação dessa cultura dominante, pautada numa concepção elitista e formal.   Palavras‐chave: Política educacional. Estado. Participação. Mundialização do Capital.  

 

Pretende‐se, a partir do contexto de mundialização do capital, debater o papel do Estado, 

as  transformações  no  conceito  de  participação,  de  liberdade  e  suas  implicações  na  política 

educacional,  sobretudo  no  campo  da  gestão,  abarcando  o  período  da  redemocratização,  em 

especial a partir dos anos 90 até o Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007. A política 

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adotada  nos  anos  90  colidiu  com  as  bandeiras  e  expectativas  gestadas  no  processo  de 

redemocratização. Houve um  refluxo dos movimentos sociais, em especial das  lutas sindicais, e 

uma mercantilização desenfreada dos direitos  sociais,  sobretudo  a partir do  governo  Fernando 

Henrique Cardoso (FHC), que promoveu uma “reforma” do Estado, a fim de viabilizar, do ponto de 

vista  jurídico  e  ideológico, mudanças  econômicas  e  políticas.  Para  tanto,  esta  foi  apresentada 

como uma  resposta  inexorável diante das  transformações  capitalistas e de  interesse de  toda  a 

sociedade.  Tal  movimento  estava  afinado  com  mudanças  maiores  do  próprio  capitalismo  e 

proporcionou uma reconfiguração na noção de participação e gestão democrática. 

 

Uma liberdade genérica: persiste uma relação assimétrica  

 

Em nome da liberdade de ação, da competitividade, advoga‐se o mercado como saída para 

restaurar a  rentabilidade. No processo de  reorganização do capital,  foram  retomados princípios 

clássicos  do  liberalismo,  em  especial  a  noção  de  liberdade.  Com  uma  liberdade  plena,  todos 

supostamente  ganhariam,  pois  a  competitividade  estaria  em  condições  ideais  através  da 

restauração da “mão‐invisível”, da ação do mercado. Todos estariam  livres para apresentar suas 

aptidões e, assim, obterem sucesso na escala social, isto é, revigorou‐se a meritocracia. Todavia, o 

que esta liberdade escamoteia? Por um lado, esta liberdade não está posta para todo e qualquer 

capital e, por outro, vale lembrar, que o sentido de liberdade para o trabalhador restringe‐se ao 

campo do Estado de direito, da igualdade formal, outro preceito liberal. Em diferentes partes do 

mundo, medidas  legais  cerceiam o  ir  e  vir  deste  trabalhador.  Sua  liberdade  de movimentação 

restringe‐se aos estritos limites dos interesses do capital. Ademais, nunca é demais ressaltar que a 

liberdade de escolha do  trabalhador não é  a mesma do  capitalista.  São de naturezas distintas, 

ainda que tal diferença tenda a ser diluída no ideário liberal. Para o capitalista, sua escolha pode 

interferir no grau de lucratividade, mas o trabalhador necessita se submeter a um “contrato” para 

garantir a venda de sua  força de  trabalho, condição essencial para assegurar sua sobrevivência. 

Segundo Chesnais (2001), a bandeira do mercado é um verdadeiro eufemismo, pois encobre um 

movimento concentrador de poder econômico por parte do capital industrial e, em especial, do 

financeiro. Há uma ilusão de liberdade, pois as trocas não se efetuam livremente, mas conforme 

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os  interesses dos  grandes  grupos econômicos que movimentam o  capital de  forma  a  fugir dos 

impostos  e  auferir  maiores  lucros.  Ou  seja,  os  investimentos  feitos  pelo  capital  passam  por 

critérios  altamente  seletivos.  O  poder  destes  grupos  é  tão  expressivo  que  podia,  segundo 

Chesnais, “curto‐circuitar” o próprio mercado. Por trás deste manto da liberdade – ampla para o 

grande capital – há um  rearranjo político e econômico, em que o capitalismo impõe um  tipo de 

existência imediatista que perpassa diferentes dimensões da vida social. Vale o “aqui e agora”, a 

sociedade do descartável, o “ficar”, o pragmatismo como concepção de vida. O tempo parece voar 

e resta a sensação de um “envelhecimento” precoce diante da recusa deste jeito de ser e agir.  

Mészáros (1989) ressalta que o caráter de utilidade no capitalismo é definido em função do 

grau  de  rentabilidade.  Diante  do  imperativo  da  lucratividade,  há  uma  redução  contínua  e 

crescente do valor de uso em benefício do valor de troca. Ou seja, no capitalismo avançado, a taxa 

de uso é decrescente em relação seja aos bens e serviços, instalações e maquinário, seja ao uso da 

força de trabalho, o que é especialmente perverso para os subalternos. Afinal, a necessidade cada 

vez menor  de  trabalho  vivo  acirra  uma  contradição  estrutural  do  capitalismo:  o  desemprego. 

Mészáros aponta como o avanço tecnológico justifica, do ponto de vista ideológico e político, uma 

“taxa  de  obsolescência  planejada”,  em  relação  tanto  aos  bens  de  consumo,  que  se  tornam 

prematuramente obsoletos, “exigindo” a sua substituição1, quanto à força de trabalho, que carece 

de  uma  requalificação  permanente para  acompanhar  o  processo  de  reestruturação  produtiva. 

Nesta  ótica,  o  trabalhador  de  vítima  passa  a  ocupar  o  lugar  de  réu,  pois,  caso  se  encontre 

“excluído” do mercado de trabalho, é porque usufruiu mal de sua liberdade de escolha, isto é, não 

fez as opções mais convenientes para o seu processo de qualificação/requalificação profissional.  

                                                           1 A prematura obsolescência do valor de uso de bens e  serviços, apontado por Mészáros, nunca  foi  tão evidente. Todavia,  tal  fato  está  longe de  ser observado  criticamente  pela maioria da  sociedade.  Perde‐se, na memória,  o tempo em que móveis e eletrodomésticos, por exemplo, podiam atravessar décadas. Ao se observar a voracidade do consumo, a “necessidade” em adquirir – ou  simplesmente  substituir pela  ‐ mercadoria mais moderna, de última geração, seja a TV de plasma, o celular, o iPod, o lap top, o vídeo game, evidencia‐se o poder que o capital possui em criar necessidades, ainda que em detrimento, muitas vezes, de bens mais essenciais para nossa alegria e bem‐estar. Faz‐se urgente debater tal questão e evidenciar nossas prisões demarcadas por grades invisíveis. 

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O Estado na mundialização do capital 

 

Chesnais  ressalta  a  importância  de  se  rechaçar  as  representações  que  apresentam  a 

mundialização  do  capital  como  um  fenômeno  natural  ou mesmo  exclusivamente  econômico. 

Afinal, sem a ajuda dos Estados, os grandes grupos industriais e financeiros não teriam “chegado 

às  posições  de  domínio  que  sustentam  hoje”  (2001,  p.11).  O  capital  só  obteve  uma  ampla 

liberdade de ação e de movimentação no plano internacional a partir de medidas legislativas que 

desmantelaram as instituições e normas então vigentes. Além disso, como já exposto, a liberdade 

não  possui mão‐dupla,  pois  ela  é máxima  quando  se  refere  aos  interesses  do  capital, mas  é 

interditada  quando  se  trata  da  ótica  dos  trabalhadores.  Ou  seja,  o  Estado  não  só  estipula  a 

natureza da liberdade como também a quem cabe desfrutá‐la. Assim,  

[...]  o  triunfo  atual  do  “mercado”  não  poderia  ser  feito  sem  as  intervenções políticas  repetidas  das  instâncias  políticas  dos  Estados  capitalistas  mais poderosos,  os  Estados  Unidos  assim  como  os  outros  países membros  do  G7. Graças a medidas cujo ponto de partida remonta a “revolução conservadora” de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan dos anos 1979‐1981, o capital conseguiu soltar  a  maioria  dos  freios  e  anteparos  que  comprimiram  e  canalizaram  sua atividade nos países industrializados (CHESNAIS, 2001, p.10).  

Para  consolidar  esta  política  de  desregulamentação,  Chesnais  também  destaca  como 

fundamental  o  “Consenso  de Washington”  e o  tratado  de Marrakech de  1994,  que  instituiu  a 

Organização  Mundial  do  Comércio  (OMC)2.  Ainda  que  os  apologistas  do  mercado  tenham 

explorado a queda do Muro de Berlim  (1989) e o desmoronamento do  regime soviético  (1991), 

Chesnais  considera que  a  restauração  liberal  ganhou  impulso uma década  antes. Os dirigentes 

políticos  e  sindicais  que  buscaram  conter  movimentos  genuinamente  democráticos  e 

anticapitalistas, ocorridos no período de 1968‐1978,  tanto na Europa quanto nos EUA, acabaram 

por  fortalecer  grupos  políticos  conservadores.  Os  acontecimentos  de  1989‐91  certamente 

corroboraram para “acentuar as mudanças nas  relações econômicas e políticas entre o capital e 

                                                           2 A OMC foi fundada em substituição ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). A OMC “visa promover e regular políticas relativas ao comércio entre as nações”. Devemos estar atentos à OMC porque ela “incluiu, na sua pauta de serviços comercializáveis, a educação escolar” (NEVES & PRONKO, 2008, p.92).  

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trabalho”, como também para implantar a ideia da vitória do mercado, do seu caráter inexorável. 

Decretava‐se, portanto, o “fim da história”, o fim das utopias.  

Tais ideias têm tido um duplo papel. Por um lado, apresentam uma função conformadora, 

pois se erigiu um consenso em torno da falta de alternativas; por outro, encobrem o caráter feroz 

e o efeito  camaleão em que o  capitalismo, mais do que nunca,  tem  se  revestido. Bandeiras e 

conquistas de ontem foram desqualificadas ou substituídas, em face da “impossibilidade” de sua 

continuidade. Neste sentido, José Paulo Netto afirma que o 

[...] capitalismo nunca esteve tão bem organizado quanto atualmente, com uma insuspeitada  capacidade  de  se  refuncionalizar  e  de  responder  rapidamente  a novas demandas. Tudo  indica que este processo de reconversão do  capitalismo em escala planetária é um componente  fulcral para a análise da vulnerabilidade de instituições que foram decisivas na constituição e na manutenção do chamado Estado de bem‐estar social (NETTO, 1995, p.31).  

Se o capital se mundializou, este processo “não apaga a existência dos Estados Nacionais 

nem as relações políticas de dominação e de dependência entre estes. Ao contrário, acentuou os 

fatores de hierarquização entre estes” (CHESNAIS, 2001, p. 14). Por um lado, a ação dos Estados 

foi – e ainda é ‐ fundamental para criar mecanismos e estratégias que possibilitam ao capital alçar 

grandes voos: ampliou a liberdade deste capital, tornou o trabalhador cada vez mais vulnerável ao 

desorganizar os movimentos operários e  sindicais,  subordinou  a política  social  ao novo  arranjo 

econômico,  trazendo  perda  de  direitos  e  conquistas  históricas.  Por  outro,  naturaliza‐se  uma 

redefinição na divisão internacional de  trabalho em que se sacramenta, em novos moldes, uma 

subordinação do Terceiro Mundo em relação aos países centrais.  

 Do  ponto  de  vista  financeiro,  a  mundialização  do  capital  foi  facilitada  pela  ruptura 

unilateral  do  sistema  Bretton  Woods,  no  início  dos  anos  70,  realizada  pelo  governo  norte‐

americano, tornando o câmbio flutuante. Tal ruptura abriu caminhos para “medidas mais radicais 

de  liberalização  e  desregulamentação  financeiras  empreendidas  a  partir  de  1979”  (CHESNAIS, 

2001,  p.14).  Se  a mundialização  do  capital  não  é  um  fenômeno  natural,  tampouco  são  seus 

resultados.  

Durante  vinte  anos,  assistimos  à  reaparição,  nos  países  pobres,  das  piores calamidades de desnutrição, isto é, a fome, doenças e pandemias devastadoras. Estas calamidades não são naturais, assim como não o são, nos países da OCDE, o  aumento  do  desemprego,  das precariedades  e  dos  sem  teto.  Elas  atingem 

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populações  que  são marginalizadas  e  excluídas  do  círculo  da  satisfação  das necessidades  básicas,  portanto  bases  da  civilização,  em  razão  da  sua incapacidade  de  transformar  essas  necessidades  imediatas  em  demanda solvente, em demanda monetária. Logo essa exclusão é de natureza econômica (CHESNAIS, 2001, p. 23‐24).  

  Se o quadro de exclusão é fruto de uma ordem econômica que revigora, com alterações, o 

ideário  liberal, a ordem política, segundo Chesnais,  foi essencial para o  forte avanço do capital, 

contando  com  as  ações  do  Estado  ou  mesmo  de  partidos  e  sindicatos  que  cooptaram 

trabalhadores, sobretudo do setor público, a se “adaptarem à mundialização”. Assim, movimentos 

de resistência mais expressivos surgem fora da órbita do “movimento operário” oficial, como, no 

caso brasileiro,  a  luta encetada pelo Movimento dos  Trabalhadores  Sem  Terra  (MST). Chesnais 

(2001) realça a ilusão de que se podem encarcerar os grandes grupos econômicos em códigos de 

conduta. Vale  lembrar  a não‐neutralidade do Estado de Direito, ainda que  caiba a ele, por um 

lado, ocultar os antagonismos de classe e, por outro, legitimar uma igualdade formal, dando, em 

especial  no  contexto  latino‐americano,  um  arcabouço  jurídico  para  o  processo  de 

redemocratização.  

A mundialização do capital é um processo complexo que exige ações objetivas e subjetivas. 

Por  isso,  o  Estado  é  fundamental,  não  havendo  contradição  entre  esta  necessidade  e  a 

revitalização  do  ideário  liberal.3  Todavia,  o  Estado  não  é  um  bloco monolítico  que  responde 

mecanicamente aos interesses das classes dominantes. O Estado, segundo Poulantzas, traduz uma 

relação de forças que não se restringem às “frações do bloco no poder, mas também a relação de 

forças entre estas e as classes dominadas” (2000, p. 143). Como expôs Poulantzas, as lutas sociais 

e não apenas as de classe estão  

[...] sempre inscritas nos aparelhos de poder que as materializam e que, também eles, condensam uma relação de  forças.  (...) A configuração precisa do conjunto dos aparelhos de Estado, a organização deste ou daquele aparelho ou  ramo de um  Estado  concreto  (exército,  justiça,  administração,  escola,  igreja,  etc) 

                                                           3 Se o liberalismo advoga a não intervenção do Estado, cabe frisar que este princípio possui um caráter relativo. Com a revitalização do  ideário  liberal,  recrudesceram as  teses do Estado mínimo e do princípio do mercado como ente auto‐regulatório. Curioso observar  como muitos dos  que  abominavam  a ação  do  Estado na  economia  buscaram enfaticamente o socorro financeiro estatal após a explosão da crise econômica em 2008. Bancos Centrais de vários países  desenvolvidos  injetaram  somas  muito  expressivas  para  salvar  da  bancarrota  instituições  financeiras  e empresas. O Estado salvando o mercado. Manchetes dos jornais beiravam o surrealismo quando empresas privadas de países capitalistas centrais buscavam a nacionalização, ainda que parcial, como saída para a bancarrota.  

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dependem  não  apenas  da  relação  de  forças  internas  no  bloco  no  poder, mas igualmente da relação de forças entre este e as massas populares, logo da função que  eles  devem  exercer  diante  das  classes  dominadas.  O  que  explica  a organização diferencial do exército, da polícia, da igreja, [acrescentaria o aparelho escolar] nos diversos Estados e que  funciona como a história de cada um deles, história que é também a marca impressa em seu arcabouço pelas lutas populares (2000, p. 144).  

 Se os acontecimentos de 1989/91 colaboraram para espraiar a ideia do caminho único, do 

congelamento  da  história,  o  Estado  tem  cumprido  um  papel  essencial  na  reestruturação  do 

capitalismo.  Coube  a  ele  criar  estratégias  e  medidas  diferenciadas  que,  por  um  lado, 

possibilitaram, do ponto de  vista  político‐jurídico  e  econômico,  a  liberdade  tão  requerida  pelo 

capital,  e,  por  outro,  cooptaram  parcela  dos  subalternos,  desorganizaram  seus movimentos  e 

metamorfosearam bandeiras e conquistas históricas no campo das políticas sociais. 

Estado mundializado e metamorfoses múltiplas  

 Segundo  Atílio  Borón,  as  lutas  populares  impulsionaram  as  democracias  burguesas  a 

efetuar reformas que proporcionaram ganhos efetivos aos subalternos. Apesar de o processo de 

democratização  submeter‐se  a  limites  estruturais,  por  conta  das  tensões  entre  a  igualdade 

proclamada e a desigualdade “material” implícita nas relações burguesas, Borón ressalta que não 

se  podem  desmerecer  os  avanços  registrados  desde  a  Primeira  Guerra  nem  “minimizar  as 

dimensões do Estado Keynesiano de bem‐estar desde os anos 30” (1995, p. 74). Todavia, ele alerta 

que, ao longo da história, homens e mulheres sempre lutaram por “novas e mais fecundas formas 

de participação e de construção do poder político” (1995, p. 76). Ou seja, contentar‐se com uma 

noção  de  democracia minimalista,  nos marcos  da  representação  política,  seria,  por  um  lado, 

desprezar as lutas sociais que se empenharam em ir além da concepção de democracia formal e, 

por outro, ignorar a concretude histórica da América Latina ainda imersa em desafios gigantescos, 

que vão da extrema pobreza, com todas as suas implicações, ao narcotráfico. Para encontrarmos 

esta  triste e perversa  realidade, não  se  faz necessário  ir muito  longe. Afinal, o Brasil  comporta 

diferentes Brasis.   Apesar destes enormes desafios, o cenário  latino‐americano, desde o  final 

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dos  anos 80,  apresentou um quadro não  favorável  ao  avanço de uma democracia  substancial4, 

tampouco à manutenção de políticas sociais. Duas facetas de um mesmo processo. 

 Para  tanto,  o  arcabouço  neoliberal,  que  se  espraiou  pela  América  Latina nos  anos  90, 

serviu  de  base  ideológica  para  legitimar  o  desmantelamento  da  política  de  proteção  social, 

mudança situada no bojo da reestruturação do capital. Do ponto de vista político‐ideológico, esta 

reorganização atacou o modelo do Estado Keynesiano, pois este seria responsável pela redução da 

rentabilidade  do  capital  e,  ao  mesmo  tempo,  apontou  o  mercado  como  saída  para  a  crise 

econômica.  O  intervencionismo  estatal  era  visto  como  um  duplo  erro,  pois  não  só  tirava  a 

liberdade  requerida  pelo mercado,  como  comprometia  o  esforço  dos  indivíduos  ao  atuar  no 

campo  da  política  social.  A  saudável  competitividade  exigia  liberdade  plena5  tanto  no  plano 

estritamente econômico quanto na política  social, para que os  indivíduos não  se acomodassem 

diante das “benesses” do Estado.  

Na mundialização do capital, o Estado, os sindicatos, o conceito de participação6, a gestão e 

o próprio trabalhador deviam ser metamorfoseados. Exigia‐se um rearranjo político‐social que se 

                                                           4 Ainda que uma concepção de democracia participativa tenha se imposto, particularmente no Brasil após a Carta de 88, possibilitando a criação de vários Conselhos de natureza distinta, o que não deixa de ser um ganho, temos um largo desafio para  que  estes Conselhos  não  se  restrinjam ao  campo  institucional  e possam  ir além do  papel  de legitimar  às  políticas  governamentais.  Silva  apresenta  um  recorte  muito  interessante  acerca  do  debate  sobre democracia e participação. A autora  ressalta que o modelo de democracia participativa, gestado nos anos 60 na Europa,  apresenta  uma  noção  de  participação  presa  ao  conteúdo  liberal,  visto  que  “não  ocorrem  mudanças significativas na concepção de indivíduo” e perdura a naturalização da desigualdade social (SILVA, 2003, p. 12‐22).  

5  Vale  ressaltar  que  a  defesa  de  “liberdade  plena”  tanto  no  liberalismo  quanto  no  chamado  neoliberalismo  é absolutamente relativa, pois o objetivo prioritário não é resguardar a  liberdade em  si, enquanto valor universal e abstrato, mas os  interesses do capital. O Bonapartismo ontem ou as ditaduras mais  recentes expressam como as classes dominantes abrem mão prontamente desta liberdade, caso percebam que seus interesses estão ameaçados.  

6 Novo  conceito  de  participação  atrelou‐se  ao  revigoramento do  termo  sociedade  civil.  Este,  segundo  Acanda,  foi recuperado no final dos anos 70 do século XX no seio de intensas disputas políticas com um viés idealista. Sociedade civil foi a saída vislumbrada para contextos não só diferentes, como antagônicos. Acanda identifica basicamente três cenários distintos em que cada um atribuiu um sentido peculiar à noção de sociedade civil. O primeiro refere‐se à conjuntura de crise nos países comunistas do Leste Europeu. Sociedade civil, neste contexto,  foi utilizada para  se contrapor ao Estado centralizador que cerceava as  liberdades e a participação dos  indivíduos. Ou  seja,  sociedade civil  abarcava  movimentos  oposicionistas  ao  governo  instituído  e,  portanto,  expressava  o  anticomunismo.  O segundo cenário trata dos países capitalistas desenvolvidos, em especial EUA e Inglaterra. Aqui, o termo sociedade civil é usado pela “nova direita” como esteio das idéias neoliberais. O Estado é apresentado como o grande vilão e, por isso, deve ser controlado pela sociedade civil. Esta teria o papel de mediar os conflitos e colaborar com o avanço da democracia, instaurando um tipo moderno de cidadania, com uma participação sob novos moldes, que iria além dos critérios de classe social. O terceiro cenário  identificado por Acanda refere‐se ao contexto de ditadura militar nas sociedades latino‐americanas. Aqui, sociedade civil abarca todas as associações e movimentos que se opuseram às arbitrariedades do regime militar e lutaram pelo retorno da ordem democrática (ACANDA, 2006).  

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adequasse à reestruturação do mundo capitalista. Os movimentos populares e sindicais dos anos 

80 deviam ser esvaziados de seu conteúdo crítico para possibilitar a emergência de movimentos 

alicerçados  em novas  bases.  A  luta  coletiva  era  deslegitimada  em  prol do  individualismo  e do 

conformismo. Como expôs Amaral, os sindicatos deviam perder a sua identidade como espaço de 

resistência, de  ação  ativa e  assumir o papel de parceiro, daquele que  colabora no  “espaço de 

negociação”, na formulação de novos pactos sociais, função que vai ao encontro do ideário liberal, 

pois este dilui os antagonismos de classes  (2001). Nas empresas, o  trabalhador se esvanece em 

prol da figura genérica do “colaborador”. Se os sindicatos foram transmutados, o mesmo deveria 

ocorrer com os movimentos populares e com a noção de participação. A crise econômica facilitou 

o  desmantelamento  destes movimentos,  pois  ampliou  o  desemprego  criando  uma  “simbiose 

[interessante sob a ótica do capital] entre as faces formal e informal da economia. Fora do débil 

sistema de proteção social e sujeitos a uma jornada de trabalho mais exaustiva, os trabalhadores 

manifestaram pouca disposição para participar de mobilizações” (SILVA, 2003, p. 40).  

Ao mesmo  tempo  em que  o  Estado  se  encolhe na política  social, o  chamado  “terceiro 

setor” ganha centralidade nesta questão. Impõe‐se uma visão fetichizada em relação ao “terceiro 

setor”,  pois  este  não  seria  ineficiente,  como  o  Estado,  nem  se  pautaria  meramente  ‐  ou 

exclusivamente  ‐  no  lucro,  como  o mercado. O  “terceiro  setor”,  composto  pelas  entidades da 

sociedade  civil,  proporcionaria,  supostamente,  maior  participação  e  autonomia,  pois  está 

ancorado no âmbito local. Além disso, ao descentralizar os serviços sociais, possibilita atender as 

especificidades  da  localidade,  elaborar  uma  gestão mais  eficiente  e  com  transparência,  o que 

implicaria um avanço na construção do regime democrático.  

Montaño (2007) apresenta uma crítica contundente ao “terceiro setor” tanto do ponto de 

vista teórico quanto político‐econômico e social. Tal denominação embaça a análise do real, pois 

não só nos induz a pensar a sociedade de forma fragmentada, em setores estanques (1˚ Estado, 2˚ 

mercado,  e  3˚  sociedade  civil)  como  apresenta  o  terceiro  setor  de  forma  idealizada.  Fato  não 

gratuito, pois, segundo Montaño, tal visão colabora para aceitação do mesmo e dificulta perceber 

algo  essencial: uma mudança  radical  no  padrão  de  resposta  à  questão  social.  Tal mudança  se 

expressa,  com  a  “desresponsabilização  do  Estado,  a  desoneração  do  capital  e  auto‐

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responsabilização do cidadão e da comunidade local” (MONTAÑO, 2007, p. 185). Assim, este autor 

afirma que ocorre uma  

[...]  verdadeira  transformação  de  uma  questão  político‐econômico‐ideológica numa  questão meramente  técnico‐operativa.  Em  lugar  de  debater  a  função social  de  resposta às  demandas  sociais  e os  valores  que  a  sustentam  –  seus fundamentos, modalidades e  responsabilidades – discute‐se,  isoladamente,  se as organizações de determinado “setor” podem dar tal resposta. Opera‐se não apenas  a  já  mencionada  setorialização  do  real,  mas  uma  verdadeira despolitização  do  fenômeno  e  do  debate.  A  discussão  é  levada  para  a comparação  entre  instituição  estatal  –  tratada  como  burocrática,  ineficiente, corrupta,  rígida e em  crise  (fiscal) – e organizações do  “terceiro  setor” –  tidas como  dinâmicas,  democráticas,  “populares”,  flexíveis,  atendendo  às particularidades regionais e categoriais (MONTAÑO, 2007, p.185).   

O novo trato dado à questão social, através do “terceiro setor”, encobre o que deveria ser 

absolutamente central neste debate: a inserção da política social no processo muito mais amplo 

de reestruturação do capital e suas implicações. Tal processo abarca alterações que vão desde os 

valores sociais, o perfil do cidadão, a legislação  trabalhista7 até a base democrática, pois implica 

“menor participação da sociedade nos processos decisórios nacionais” (Idem, 187).  

A política social deve ser redimensionada para atender à reestruturação capitalista. Como 

expôs Montaño  (2007), a questão social perde a condição de “direito” e passa a ser um serviço 

comercializável  ‐  se  for  rentável  ‐  ou  uma  atividade  filantrópica  /  voluntária.  Neste  novo 

tratamento, a questão social sai da esfera do Estado em direção ao mercado ou à sociedade civil, 

pois, supostamente, estas empresas/ entidades  responderão de  forma mais eficiente. O destino 

depende  da  potencialidade  de  lucro.  Há,  portanto, um  processo  de  privatização  seletiva  cujos 

contornos  dependem  da  oferta  de  incentivos  fiscais,  da  transferência  de  fundos  públicos  ou 

mesmo da contratação de serviços privados.  

No  chamado  “terceiro  setor”,  as  “Organizações  não‐governamentais”  /  ONGs  têm  tido 

posição de destaque.  Situam‐se numa  fronteira movediça entre o público e o privado  ‐ público 

                                                           7  “Flexibilização”  ou  “reengenharia  empresarial”  funcionam  como  verdadeiros  eufemismos,  pois  tentam minimizar perdas de conquistas históricas, como leis que amparavam o trabalhador, e impor um “novo contrato”, sob rubricas originais, que, via de  regra, apresenta uma carga mais pesada de  trabalho com  salário  igual ou mesmo  reduzido. Empresas,  de  diferentes  setores,  inclusive  educacional,  têm  processado  sua  “reengenharia”  em  nome  da modernização ou para enfrentar a crise econômica, o que gera a sensação de um movimento de caráter inevitável e, portanto, uma atitude conformada diante de tais alterações.  

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não‐estatal – o que  contribui para ofuscar o  “processo de privatização de  serviços públicos” e 

desmobilizar os movimentos sociais (SILVA, 2003, p. 40‐41).  

O caráter universal e solidário da política social  transmuta‐se numa ação  focalizada, pois, 

diante  da  crise,  o  Estado  deve  reduzir  os  benefícios  e  atender  os mais  necessitados,  o  que, 

aparentemente,  comporta  uma  lógica  irretocável.  Contudo,  o  problema,  como  bem  aponta 

Montaño  (2007),  é  quando  nos  defrontamos  com  os  resultados  desta  opção  política. 

Metamorfoseia‐se o cidadão em consumidor. Como no passado, ressuscita‐se a noção de cidadão 

ativo  e  passivo,  pois  a  qualidade  dos  serviços  depende  do  poder  aquisitivo  de  cada  cliente. 

Legitima‐se,  portanto,  uma  política  dual  na  oferta  de  serviços  sociais.  Alguns  poderão  exigir 

porque pagaram e outros, destituídos dos seus direitos, recebem, via de regra, serviços precários, 

de qualidade questionável, sejam estatais ou no âmbito da sociedade civil através de entidades de 

caráter  filantrópico ou  atividades  voluntárias. Na  ausência  do  Estado o  “terceiro  setor”  vai  ao 

encontro dos “esquecidos”, daquele que é quase um não‐cidadão (MONTAÑO, 2007, p. 197).  

No entanto, outro quadro é possível. Afinal, a ação da sociedade civil popular proporcionou 

avanços que não podemos desprezar. Todavia, não devemos ter a ilusão de que a participação por 

si  só  irá  alterar  a natureza  do  Estado,  enquanto  representante  das  forças  hegemônicas.  Há  a 

necessidade  premente de  se  (re)construir  um  duplo movimento:  lutar  pela  ampliação  de uma 

participação substancial8 da sociedade civil popular e, ao mesmo  tempo,  fortalecer movimentos 

sindicais  democráticos  ou  similares  que  tenham  a  clareza  de  que  a  dimensão  de  classe  está 

presente, de forma explícita ou não, em maior ou menor grau, nas diferentes lutas que perpassam 

a sociedade (POULANTZAS, 2000, SILVA, 2003).  

                                                           8 Uma participação substancial e não meramente formal ainda é um grande desafio. Não basta ocupar assentos em diferentes conselhos, independente de sua natureza, num jogo de cartas marcadas. As regras devem ser postas em debate, como também o significado da sociedade civil. Como bem expôs Silva, não se pode cair na ingenuidade de que a mera boa vontade de todos os envolvidos fará superar as divergências gerando um “pacto social” satisfatório a todos (2003, p. 22‐24).  

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“Reforma” do Estado brasileiro, política social e participação institucionalizada. 

 

No Brasil a  implantação da  chamada Reforma de  Estado, nos  anos 90, possibilitou uma 

retração acentuada das políticas sociais. Estas alterações, segundo Amaral, eram essenciais para 

se  adequar  às  novas  necessidades  do  capital,  já  que  direitos  e  conquistas  eram  vistos  como 

“restrições  à  liberdade  de  acumulação  [...];  os  capitalistas,  seus  teóricos  e  práticos  falam  em 

“engessamento” do capitalismo, vale dizer, da liberdade” (2001, p. 30).  

Os neoliberais responsabilizam as políticas sociais universais pelo esvaziamento dos fundos 

públicos. Segundo o ex‐ministro Bresser Pereira, o Estado no Brasil é “burocrático e paternalista”. 

Tal fato se intensificou com a promulgação da Carta de 88 que teria aprofundada a crise fiscal do 

Estado. Ou  seja, para Bresser Pereira,  a Constituição  significou um  “retrocesso burocrático  sem 

precedentes”,  promovendo  um  “surpreendente  engessamento  do  aparelho  estatal”(BRESSER 

PEREIRA apud MONTAÑO, 2007, p. 188).  

A  solução  seria  reformar  este  Estado  que  implicou,  por  um  lado,  uma  campanha 

sistemática  em  prol  da  privatização  para  encolher  o  Estado  que  se mostrava  ineficiente9.  Ao 

mesmo tempo, cabia modernizar a administração pública, ou seja, esta deveria passar a ter como 

paradigma o modelo da gestão empresarial, símbolo de eficiência. Assim, o Estado é privatizado 

duplamente, não só pela venda de empresas públicas, como também pela mentalidade gerencial 

que  se  impõe  ao mundo  público.  O mercado  se  afirma  como  verdadeira  panaceia.  O  Estado 

deveria  romper  com  o  “engessamento”  em  distintas  direções  a  fim  de  possibilitar  uma 

flexibilidade  nas  relações  trabalhistas,  na  política  social,  no  financiamento,  nas parcerias.  Para 

tanto,  houve  uma  alteração  expressiva  no  arcabouço  legal  para  dar  um  suporte  jurídico  às 

transformações em curso.  

                                                           9 A título de exemplificação, vale lembrar os inúmeros problemas que a Petrobrás se defrontou dentro e fora de suas plataformas ao  longo dos dois mandatos do governo FHC. Para além das perdas materiais,  trabalhadores  ficaram feridos em diferentes acidentes. O sindicato dos petroleiros denunciava como a “terceirização” de setores básicos comprometia a qualidade dos serviços, além da possibilidade da existência de boicotes. Tais acidentes denegriam a imagem da  instituição perante a sociedade, o que justificaria o caminho da privatização, como ocorrera, aliás, com tantas outras, como a Vale do Rio Doce ou mesmo a Companhia de Siderúrgica Nacional. O sindicato dos petroleiros, sem voz na grande mídia,  recorreu a palestras e panfletagem em universidades públicas, entre outros espaços e estratégias.  

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A CF de 88 define a Seguridade Social em  três campos: Saúde, Previdência e Assistência 

Social. Montaño (2007) aponta como, gradativamente, através de uma série de leis e decretos que 

visavam  regulamentar  a  Seguridade  Social,  se  configurava  um novo  padrão  de  gestão  pública. 

Impunham‐se  mudanças  regressivas,  pois  desresponsabilizavam  o  Estado  ao  transferir, 

crescentemente,  as  atividades  estatais  para  o  setor  privado,  como  também,  ampliavam‐se, 

legalmente,  os mecanismos  para  transferir,  direta  ou  indiretamente,  recursos  públicos  para  o 

privado. Ironicamente, a transferência dos serviços públicos para o “terceiro setor” era chamada 

por Bresser Pereira de “publicização” (MONTAÑO, 2007, p. 220).  

Importa  ressaltar  que  tal  concepção  também  perpassa  a  educação,  enquanto  política 

social, o que pode  ser evidenciado por  leis que alicerçam  tanto  a política de  seguridade  social 

quanto a educacional. Algumas destas  leis ganham vida e são  internalizadas como “alternativas” 

aos  grandes  desafios  como  a  fome,  o  analfabetismo,  a  repetência  escolar,  o  desemprego. 

Concordando ou não com a  lei que dispõe sobre o serviço voluntário  (Lei 9.608/ 98), é  forçoso 

reconhecer que esta  lei  integra o dia‐a‐dia das pessoas. Afinal, há uma avalanche midiática que 

incentiva o  trabalho  voluntário  como ocorreu, por exemplo, na Campanha  “Amigos da  Escola”. 

Ademais, apresenta‐se o  trabalho voluntário como um plus no currículo pessoal,  já que indicaria 

um perfil  cooperativo, habilidade  valorizada no mundo empresarial.  Engajar‐se numa  atividade 

voluntária seria um diferencial que poderia beneficiá‐lo na acirrada competitividade por uma vaga 

no mercado de trabalho.  

Vale também destacar as leis 9637/ 98 e 9790/ 99. A primeira “qualifica como organizações 

sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao 

ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio 

ambiente,  à  cultura  e  à  saúde”,  o  que,  concordando  com  Montaño,  foi  uma  “verdadeira 

transferência  de  atividades  estatais  para o  setor  privado”  (2007,  p.  203).  A  segunda  “qualifica 

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de 

Interesse Público (Oscip), e institui e disciplina o termo de parceria” (idem, ibid).  

Concomitante  a  estas  leis,  O  Estado  viabilizou  um  aparato  legal  que  possibilitou  o 

financiamento público de instituições do “terceiro setor”, voltadas para atividades educativas e de 

assistência  social,  sem  fins  lucrativos.  Tal  financiamento  ocorria  através de  auxílios,  convênios, 

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parcerias,  contratos,  ou,  indiretamente,  através  da  isenção  de  impostos,  da  contribuição  à 

seguridade social, ou mesmo via modalidades similares.  

Por isso, como bem apontou Montaño (2007, p. 204), é possível entender a “preocupação” 

com o social por parte do empresariado e o crescimento expressivo10 do “terceiro setor”. Este se 

ampliou em  função dos  incentivos  financeiros, mas  também  como uma  “alternativa” diante do 

desemprego ascendente e estrutural. Além disso, o autor alerta que ocorrem distorções sérias no 

interior do  “terceiro  setor”,  pois  a  captação de  recursos  deveria  ser  atividade  auxiliar, mas  se 

torna  prioritária,  tendo  em  vista  a  dependência  dessas  organizações  por  recursos.  Assim, 

objetivos, população  alvo, prazos podem  ser alterados em  função dos  critérios priorizados pela 

agência  “doadora”.  Fins  passam  a  ser meios  gerando  uma  perversa  inversão.  A  expansão  do 

“terceiro setor” deve‐se, por um lado, à visão romantizada da realidade, por outro, ao conjunto de 

mudanças que perpassam do econômico ao cultural. Segundo Montaño,  

[...]  a  atividade  de  financiar  organizações  do  “terceiro  setor”  insere‐se  num conjunto de mudanças culturais, valorativas e institucionais. Mudanças culturais e valorativas na população, referidas tanto à excessiva desconfiança do Estado (tido como  ineficiente,  burocrático,  lento,  caro,  corrupto  etc)  como  à  exagerada confiança  na  “sociedade  civil”  como  instância  supostamente mais  próxima  do povo,  do  excluído,  mais  flexível,  mais  democrática,  mais  eficiente. Mudanças culturais e valorativas empresariais, [...] como “maior sensibilidade social” [...] na verdade são mudanças de estratégia de marketing e redução de custos e tributos. [...] É a partir de dois mecanismos que as ONGs se expandiram na década passada: primeiro, pela mudança de orientação dos doadores  internacionais de não mais destinarem recursos diretamente aos movimentos sociais e população, mas agora às ONGs  (ora diretamente, ora  indiretamente por  via de  recursos dirigidos aos governos);  em  segundo  lugar, dada a  criação  de  um  vasto número  de ONGs  o objetivo central, senão único, é a própria captação desses recursos e a geração de (auto)emprego” (2007, p. 210; 224).   

Tendo em vista a dependência financeira das entidades do “terceiro setor”, estas, segundo 

Montaño, carecem de solidez. Quando o Estado não mais renovar as parcerias, o vazio virá à tona. 

Ficará claro a perda da política social como direito universal, e como o chamado “terceiro setor” 

contribuiu  para  encobrir,  do  ponto  de  vista  ideológico,  os  efeitos  reais  da  reestruturação  do 

capitalismo: aumento da desigualdade social, do desemprego, da economia informal, das relações 

                                                           10 Em 1995, o “terceiro setor” , com cerca de 1, 12 milhão de pessoas, já representava, aproximadamente, o dobro do número de funcionários públicos federais da ativa , que girava em torno de 512 mil (MONTAÑO, 2007, p. 206).  

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trabalhistas  instáveis  e  precárias,  da  intolerância,  da  violência  social,  das  ondas  xenófobas 

(ANTUNES, 2002).  

Nesta  perspectiva,  é  possível  compreender  a  necessidade,  sob  a  ótica  do  capital,  de 

emudecer os movimentos populares, operários, sindicais em favor de uma participação mitigada, 

controlada, institucionalizada.  

Do ponto de vista político‐social, os anos 90 enquadram, gradativamente, os movimentos 

sindicais e sociais. Se estes buscaram, nos anos 70 e 80, ampliar o grau de participação para além 

do  sistema eleitoral,  nos  anos  90,  passou‐se  a  reconhecer  e  a  legitimar  apenas  a participação 

institucionalizada. Segundo Almeida, o “período da Nova República talvez tenha sido também o do 

apogeu  dos  “engenheiros  institucionais”,  cuja principal  função  foi  esvaziar  a  ideia  corrente  de 

democracia de qualquer conteúdo de crítica social.  

 

A política educacional no Brasil diante da reestruturação capitalista 

 

A política educacional, enquanto área da política social, também foi reconfigurada para se 

adequar às novas exigências. Para compor o quadro da política nacional de educação é importante 

ir além da legislação stricto sensu, pois a política educacional é mais abrangente do que o mundo 

legal em  si. Realiza‐se  também,  como expuseram  Shiroma, Moraes &  Evangelista, não  só pelo 

planejamento educacional como pelo financiamento de programas governamentais e ações não‐

governamentais  (2002,  p.87).  Além  disso,  há  leis  e  leis,  isto  é,  algumas  caem  na  zona  de 

penumbra, outras ganham visibilidade.  

Nos anos 90, imersa, mais uma vez, num ideário salvacionista, a educação foi apresentada 

em  diferentes  documentos  internacionais  como  instrumento  básico  para  assegurar  a 

competitividade de  um  país. Muitos  desses  documentos  influenciaram  não  só  a  definição  das 

políticas públicas, como a própria economia. Portanto, não deve ser minimizado o papel indutor 

dessas “recomendações” apresentadas pelos organismos multilaterais e / ou princípios  firmados 

em Conferências Mundiais.  

Na Conferência Mundial sobre “Educação para Todos”, realizada em Jomtien, na Tailândia 

em  1990,  estiveram  presentes  diferentes  países,  agências  internacionais  e  organismos  não‐

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governamentais.  O  Brasil,  na  época  incluído  entre  os  “E  9”‐  os  9  países  com maior  taxa  de 

analfabetismo  mundial  ou  como  se  auto‐denominaram  “os  líderes  dos  nove  países  em 

desenvolvimento de maior população do mundo” –  subscreveu a declaração  aprovada naquela 

conferência que assegurava educação básica a crianças,  jovens e adultos. O que se entendia por 

“educação  básica”?  Torres  (1996,  2006)  aponta  a  diversidade de  acepções  que  tal  termo  tem 

suscitado, inclusive no interior de um único organismo, como o Banco Mundial (BM). A Declaração 

de  Jomtien  apresenta  a  importância  de  todos  os  signatários  promoverem  a  educação  básica, 

essencial para um desenvolvimento sustentável. No entanto,  tanto a Declaração quanto o Plano 

de Ação produzidos em Jomtien não especificam o que vem a ser “educação básica”.  

 Rosa Torres alerta que o termo “básico” é polissêmico, o que gera dúvidas e imprecisões. 

De forma geral, a “educação básica” tem sido interpretada como a educação escolar obrigatória, o 

que também muda conforme o país e vai de encontro à noção de educação ampliada defendida na 

Conferência Mundial. Afinal, essa noção  requer uma educação que se prolonga por  toda a vida, 

não se restringindo a um período escolar, vai além do sistema formal, reconhece a incapacidade 

desse sistema oferecer aprendizados significativos e abrange crianças, jovens e adultos.  

Em relação à gestão democrática, bandeira tão valorizada nos anos 80, a LDB 9394/96 foi 

bastante lacônica. No artigo 14, as normas de gestão democrática referem‐se ao ensino público da 

educação  básica  e  ancoram‐se  em  apenas  dois  princípios:  “participação  dos  profissionais  da 

educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e participação das comunidades escolar 

e local em conselhos escolares ou equivalentes”. Compartilho com Paro (2007) de sua indignação 

frente  à  pobreza  deste  artigo.  Como  entender  que  uma  LDB,  que  traça  diretrizes  e  princípios 

norteadores da educação nacional,  restrinja a gestão democrática ao ensino público? Na escola 

privada, então, é  cabível uma  gestão  autoritária? Tal  artigo,  como expôs Pinto  (2007),  revela o 

desprezo  de  nossas  elites  pelos  procedimentos  democráticos.  Mais  uma  vez,  em  nome  da 

liberdade, a escola privada está “livre” para escolher e imprimir o tom que deseja em sua gestão. É 

possível separar o ato educativo do processo de gestão? Um projeto pedagógico não pode cumprir 

sua função se construído à revelia dos profissionais da educação. De certa forma, o artigo anuncia 

algo  óbvio,  como  sinaliza  Paro  (2007). No  entanto,  considerando  as  práticas  autoritárias  ainda 

reinantes,  tal explicitação  ganha  sentido. O  segundo princípio, o qual  advoga  a participação da 

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comunidade  escolar  nos  conselhos,  peca  pelo  caráter  genérico,  não  assegurando  sequer  uma 

função deliberativa aos mesmos. Tais princípios têm legitimado uma prática comum entre muitas 

Secretarias de Educação de perceber a direção escolar como cargo de confiança. Assim, muitas 

escolas são loteadas entre amigos, familiares e aliados políticos em detrimento de eleições, antiga 

reivindicação dos educadores, expressa nas lutas dos movimentos sindicais.  

Se a gestão democrática estipulada em lei ficou aquém do desejado, o mesmo ocorre com 

os  conselhos.  Estes,  a princípio,  indicam práticas democráticas, pois,  supostamente,  implicam  a 

participação de distintos  segmentos da  sociedade. No entanto,  cabe  verificar  até que ponto os 

conselhos asseguram participação da sociedade ou legitimam políticas previamente estabelecidas.  

Hoje,  temos  uma  gama  de  conselhos  na  política  social  e  particularmente  na  esfera 

educacional.  A  luta  pela  constituição  de  conselhos  foi  guiada  pela  crença  da  importância  da 

participação da sociedade civil na construção de uma sociedade democrática. A vitalidade de cada 

Conselho  reproduz, mas  também produz os  limites, as potencialidades,  as  tensões do processo 

democrático.  Se determinações estruturais  condicionam e  limitam  a atuação desses Conselhos, 

isso não significa, como expôs Donaldo Souza, ausência de “possibilidades de transformação e de 

virem  a  se  constituir  em  espaços  de  aprendizado democrático,  uma  vez  que  não  se  afiguram 

acabados ou definitivos” (2008, p. 26).  

Nos  idos dos anos 80, Vitor Paro  tecia considerações, ainda muito atuais, sobre a gestão 

democrática  da  escola  pública.  Cabe  destacar  pelo  menos  três,  pela  pertinência  e  porque 

extrapolam o âmbito escolar. Partindo da premissa de que a escola é uma  instituição que pode 

ajudar na transformação social, Paro distingue potencialidades já existentes, daquelas que podem 

vir a ser. O autor alerta que a escola que temos está muito longe de ser transformadora.  

[...]  uma  coisa  é  falar de  suas  potencialidades  ...  uma  coisa  é  falar  “em tese”,  falar  daquilo  que  a  escola  poderia  ser.  Uma  coisa  é  expressar  a crença de que, na medida em que consiga, na forma e no conteúdo, levar as camadas  trabalhadoras  a  se  apropriarem  de  um  saber  historicamente acumulado  e  desenvolver  a  consciência  crítica,  a  escola  pode  concorrer para a transformação social; outra coisa bem diferente é considerar que a escola que aí está já esteja cumprindo essa função. Infelizmente essa escola é  sim  reprodutora  de  uma  ideologia  dominante...é  sim  negadora  dos valores dominados e mera chanceladora da  injustiça social, na medida em 

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que recoloca as pessoas nos  lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura econômica (PARO, 1997, p. 10)11.  

Paro  também  ressalta  a  não‐homogeneidade  dos  grupos  dominantes, mas  lembra  que 

estes “têm interesses coincidentes quando contrapostos aos interesses dos trabalhadores”. Assim, 

somente  com  organização  e  pressão  popular,  a  escola  poderá  ser  transformada  em  prol  dos 

interesses da maioria. Portanto, seria ingenuidade esperar concessões espontâneas por parte dos 

detentores do poder. Além disso, Paro  aclara que  a defesa de  autonomia escolar  significa dar 

poder e condições concretas para a escola alcançar seus “objetivos educacionais articulados com 

os  interesses das camadas  trabalhadoras”  (PARO, 1997, p. 11). Uma escola sem  recursos e  sem 

capacidade para interferir na esfera decisória não possui uma real autonomia. 

Tais  considerações  vão muito  além do espaço escolar. As questões  apontadas por Paro 

perpassam  o  Conselho  Escolar  (CE), mas  também  o  Conselho Municipal  de  Educação  (CME), 

dentre outros. Ao apontar a distinção entre funções existentes e potencialidades, Paro destaca a 

necessidade de não sucumbirmos diante de análises ingênuas, ainda que sedutoras. Não confundir 

a utopia que nos mobiliza com a realidade em si. Conselhos são possibilidades voltadas para uma 

cidadania participativa. No entanto, a existência do Conselho em si não assegura mudanças nas 

relações  de  poder.  Há  empecilhos  de ordem  estrutural  que  não  devem  ser menosprezados.  A 

escola,  o  CE  ou  qualquer  outro  Conselho,  independente  da  esfera  administrativa,  não  estão 

imunes  aos  conflitos de  classe que perpassam o  Estado e a  sociedade em  geral. Muitas  vezes, 

ocorrem  avanços  do  ponto  de  vista  popular,  tendo  em  vista  fissuras  no  interior  do  bloco 

dominante. Todavia, a história aponta que em momentos de tomada de decisões cruciais, como a 

destinação de  verbas públicas, diferenças  são diluídas em  favor de alianças que  viabilizem  seus 

interesses.  Ou  seja,  numa  sociedade  de  classes,  o  confronto  está  posto,  latente  ou  explícito, 

cabendo a  todos aqueles comprometidos com a escola pública auxiliarem na organização e  luta 

popular.  

                                                           11 A publicação é de 1997. No entanto, este  livro de Paro reúne textos apresentados em diferentes momentos. Este texto foi apresentado originalmente em 1986 num evento da ANPAE e publicado, pela primeira vez, no ano seguinte em Cadernos de Pesquisa.  

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Com  a  “Nova República”  recuperamos nossos direitos  civis, políticos e  instaurou‐se uma 

luta para  ampliar  os  direitos  sociais,  ainda  hoje  tímidos.  Vislumbrava‐se  a  construção  de uma 

sociedade democrática com a participação dos setores organizados em busca de justiça social. A 

CF/88  lançou as bases para a criação de diferentes mecanismos que possibilitam a participação 

desses setores organizados na construção das políticas. Os Conselhos, sejam na educação, saúde, 

ou meio  ambiente,  traduzem  este  espírito.  Independente dos  debates  jurídicos  e  políticos  em 

torno  da pertinência  do município  ser  considerado um  ente  federativo,  é  fato  que  ele,  ao  ter 

obtido uma maior  autonomia  administrativa,  teve um horizonte de possibilidades nunca  antes 

experimentado.  Tal  autonomia  se  expressa  especialmente  no  campo  educacional  com  a 

possibilidade de se construir um sistema municipal de educação. Muitos municípios  tinham um 

sistema de ensino de fato, mas não de direito, pois não podiam estabelecer normas pedagógicas. 

A nova Carta reverteu esta situação.  

A política  federal  recente expressa no Plano de Desenvolvimento da Educação  (PDE)  tem 

proclamado  um  compromisso  com  a  democratização  da  educação,  tanto  do  ponto  de  vista 

quantitativo quanto qualitativo. Qualidade que se traduz na busca de uma “melhoria da educação” 

e na edificação de uma gestão participativa, pautada na autonomia.  

No entanto, um  regime de colaboração que possa auxiliar na construção de uma gestão 

democrática não se impõe por decreto nem se concede, tendo em vista os interesses antagônicos 

em  disputa  em  uma  sociedade.  Todavia,  se  essa  não  surge  por  decreto,  cumpre  ressaltar  a 

importância de uma política  indutora comprometida com essa nova  relação. Para  tanto, a ação 

que  se  estabelece  entre  o  governo  federal  e  demais  entes  federativos  não  é  de  menor 

importância. Embora Estado e governo não se confundam, este pode imprimir uma política que 

torne o aparato estatal mais ou menos sensível a uma cultura participativa de bases democráticas.  

Há muito,  as organizações populares no Brasil  lutam por  criar essa  cultura participativa. 

Nessa busca,  idas e vindas marcam a  relação entre sociedade civil e Estado. Nesse processo de 

lutas,  a  sociedade  civil  foi evocada de  forma veemente e o Estado,  juntamente  com o modelo 

centralizador, foram rechaçados com a redemocratização. No entanto, nos anos 90, acentuou‐se o 

processo de  transferência de  responsabilidades para o nível  local  sem o devido  financiamento, 

penalizando  justamente  as  áreas mais  pobres.  Segundo  Laura  Soares,  houve uma  “focalização 

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geográfica invertida” . É um processo de descentralização destrutiva, gerando um “Estado de mal‐

estar  social”, pois desmonta‐se uma política  social de âmbito nacional, mas nada  se oferece e 

delegam‐se competências aos municípios sem os recursos necessários. Há uma subordinação dos 

ministérios “sociais” aos que ditam a política econômica (SOARES apud MONTAÑO, 2007, p. 193‐ 

195).  Diante  desse  desmonte,  as  organizações  populares  lutaram  para  resguardar  direitos 

conquistados e ameaçados pela avalanche (neo) liberal.  

Como bem sintetizou Semeraro, as organizações populares,  

[...] nos últimos anos, no entanto, saíram da resistência e da crítica e direcionaram suas  energias  na  construção  de  um  “Estado  ético”  democrático  e  popular. Começaram  a  ver  no  Estado  não  mais  uma  esfera  externa  e  superior  a  ser combatida, controlada e melhorada, mas um terreno a ser disputado, recriado e dirigido  coletivamente  em  sintonia  com  o  próprio  projeto  de  sociedade (SEMERARO, 2008, p.50).  

 Estaria a política educacional recente, expressa no PDE, auxiliando a superar a concepção 

dominante pautada no  individualismo, no pragmatismo e nos valores  imputados pelo mercado? 

Os  instrumentos  priorizados  na  política  atual  colaboram  na  edificação  desse  “Estado  ético, 

democrático  e  popular”  indicado  por  Semeraro  (2008)?  Estaria  o  PDE  contribuindo  para  a 

construção de uma nova cultura política?  

Afinal,  o  PDE,  via  Plano  de  Ações  Articuladas  (PAR),  anuncia  um  novo  regime  de 

colaboração entre as esferas de governo, pautado na participação, como também se compromete 

a  dar  esteios  que  possam  romper  com  a  histórica  descontinuidade  que  prima  nas  políticas 

educacionais.  

Ocorreu,  na  prática,  uma  superposição  de  planos,  uma multiplicidade  de  programas  e 

ações,  como  também  o  incentivo  à  institucionalização  de  distintos  conselhos. Muitos  desses 

programas podem  trazer  ganhos  importantes,  como  laboratórios de  informática,  construção de 

rampas, aquisição de materiais pedagógicos, enfim resultados que podem ser contabilizados e dão 

visibilidade à política em curso.  

Entretanto, busca‐se  focar o processo,  algo de  visibilidade distinta e não mensurável. O 

PAR apresenta objetivos pretensiosos, pois visa servir de instrumento para estabelecer uma nova 

relação  do  governo municipal  com  o  federal,  possibilitar  ao  “município  olhar para  si  próprio”, 

através  do  diagnóstico,  como  também  dinamizar  conselhos  que  integram  a  área  da  gestão 

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democrática.  Contudo,  os  critérios  presentes  nos  indicadores  do  PAR  apontam  para  uma 

institucionalização  de  mecanismos  de  representação  formal,  que  não  possibilitam  uma 

participação  substancial dos múltiplos  sujeitos envolvidos na educação.  Levando‐se em  conta  a 

potencialidade  de  induzir  políticas,  o  governo  federal  não  construiu,  portanto,  caminhos  que 

auxiliem na superação dessa cultura dominante, pautada numa concepção elitista e formal.  

  No  âmbito  local,  um dos programas  que mais  tem mobilizado  a  rede  foi  o  PDE‐escola. 

Independente de ganhos pontuais, cabe frisar que esse programa, que nasceu, aliás, nos anos 90, 

através de acordo  firmado  com o Banco Mundial,  imprimiu uma  lógica  gerencialista, em que  a 

dimensão  técnica parece  se  impor,  como  se  os  planejamentos  não  comportassem  pretensões 

políticas. Além disso, o PDE‐escola primou pela  fragmentação, pela concorrência de projetos. O 

PAR visava apresentar uma visão mais ampla da rede através de um diagnóstico que expressasse 

as  lacunas da  realidade municipal. O PDE‐escola, por sua vez, sem diálogo com o PAR, significou 

ações diversificadas fragmentadas, pois o foco centrava‐se na unidade escolar.  

Além  do  PDE‐escola,  destacou‐se  no  âmbito  local  o  programa  “Mais  educação”.  Este 

depende de uma  relação direta  com  a  comunidade para  a  seleção de monitores, que  ganham 

valores muito modestos, como  também para  ter acesso, via parcerias, a um local que viabilize a 

realização das oficinas, ainda que esteja  longe do  ideal, como a igreja, o salão da Associação de 

Moradores  ou mesmo  da  Associação  Comercial.  Importa  realçar  que  tal  programa  prioriza  os 

alunos mais  necessitados do ponto de  vista pedagógico.  Justamente  aos mais  necessitados  tal 

programa acaba por legitimar uma política dual na oferta de serviços sociais. Para aquele que é 

quase um  “não‐  cidadão”, na expressão de Montaño  (2007),  vale  a política do  “jeitinho” e da 

precarização da oferta educacional. Realmente, é “mais” educação?  

 

Conclusões provisórias  

 

O  caráter  universal  e  solidário  da  política  social  transmuta‐se  numa  ação  focalizada, 

pontual, pois, diante da crise, o Estado deve reduzir os benefícios e atender os mais necessitados, 

o  que,  aparentemente,  comporta  uma  lógica  irretocável.  Contudo,  o  problema,  como  aponta 

Montaño  (2007),  é  quando  nos  defrontamos  com  os  resultados  desta  opção  política. 

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Metamorfoseia‐se o cidadão em consumidor. Como no passado, ressuscita‐se a noção de cidadão 

ativo  e  passivo12,  pois  a  qualidade  dos  serviços  depende  do  poder  aquisitivo  de  cada  cliente 

(MONTAÑO, 2007, p. 197). 

Ou seja, o Estado, ao invés de imprimir uma política de cunho universal, pautou suas ações 

em  políticas  fragmentadas  que  buscam  amenizar  os  problemas,  mas  não  alteram,  de  forma 

profunda, as suas determinações. Dentro da lógica gerencial que se impõe, meios e processos são 

secundarizados em nome de uma “Pedagogia de resultados”, como aponta Saviani (2009).     

A  política  educacional  em  curso  se  caracteriza,  por  um  lado,  por  uma  lógica  gerencial 

produtivista, e, por outro, por  representações de participação  formal. A criação de conselhos de 

distintas ordens com a participação de representantes de diferentes segmentos da sociedade tem 

potencialidade  para  edificar  práticas  democráticas, mas  pouco  pode  significar  se  não  houver, 

concomitantemente,  processos  que  possibilitem  o  surgimento  de  novas  culturas  em  que  as 

relações de poder possam ser debatidas de forma ética e responsável. Essa nova cultura seria um 

caminho fecundo para a sonhada elevação intelectual e moral das massas.  

 

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                                                           12 Há uma diferença que merece destaque. Ontem, esta divisão  tinha um amparo no Estado de Direito através da ordem constitucional, via o voto censitário. O tempo republicano não comportou esta divisão. Contudo, quando o cidadão transforma‐se em consumidor e perde, enquanto direito universal, os serviços sociais, recria‐se esta divisão, pois  alguns  poderão  comprar  tais  serviços  e  outros  dependerão  da  oferta  do  Estado  que,  hoje,  aparece  como doação. Tal diferença não é mero  jogo de palavras, pois um doente, por exemplo, pode ter rumos absolutamente distintos em função do tratamento que recebe. O mesmo ocorre com a educação. Realidade tão perversa que não é necessário sequer sair do âmbito municipal para percebê‐la.

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