IX ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE … · Piccinini, 2003). A partir de uma abordagem...

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IX ENCONTRO N ACIONAL DE P ESQUISA EM E NSINO DE F ÍSICA 1 ASPECTOS DA CULTURA CIENTÍFICA NUMA ATIVIDADE DE LABORATÓRIO ABERTO DE FÍSICA Maria Candida Varone de Morais Capecchi [e-mail ([email protected])] Anna Maria Pessoa de Carvalho [e-mail ([email protected])] a Doutoranda da Faculdade de Educação da USP b Professora Titular da Faculdade de Educação da USP RESUMO Este trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo é analisar como a cultura científica é disponibilizada no plano social da sala de aula através das interações estabelecidas durante a realização de atividades de experimentação. A análise apresentada aqui corresponde ao período de coleta de dados numa atividade de laboratório aberto. As interações foram abordadas a partir da identificação de funções comunicativas realizadas pelos diferentes modos semióticos empregados por alunos e professora na construção de explicações (análise multimodal). As ações dos alunos identificadas representaram importante papel na construção de significados, proporcionando o emprego de conhecimentos básicos na construção de hipóteses e previsões, e oferecendo oportunidades de verificação das mesmas. INTRODUÇÃO Tradicionalmente, os cursos de Ciências são voltados para o acúmulo de informações, muitas vezes consideradas como uma realidade preexistente absoluta descoberta pelos cientistas. O principal foco de atenção está sobre os produtos da Ciência e o desenvolvimento de habilidades estritamente operacionais, em que, muitas vezes, o formalismo matemático e outros modos simbólicos (como, gráficos, diagramas e tabelas) carecem de contextualização. Esta prática dificulta a compreensão por parte dos alunos sobre o papel que diferentes linguagens representam na construção dos conceitos científicos. Mesmo quando ferramentas culturais como as mencionadas acima são empregadas em aulas de laboratório, o uso de roteiros de trabalho preestabelecidos - que também privilegiam ações de caráter operacional - costuma mascarar a importância das mesmas para a construção de explicações dentro da cultura científica. Numa tentativa de aproximar as práticas escolares daquelas realizadas em laboratórios científicos, Gil Pérez e Martínez Torregrosa (1983) sugeriram converter atividades de resolução de problemas (habitualmente trabalhadas na forma de exercícios dentro da cultura escolar) em problemas abertos, que envolvem a análise qualitativa de uma dada situação. O foco do presente trabalho é a investigação de uma situação de implementação de uma atividade de laboratório aberto, inspirada naquela proposta, com o intuito de compreender como aspectos da cultura científica podem ser disponibilizados para os estudantes no plano social da sala de aula. DIFERENTES LINGUAGENS NAS A ULAS DE CIÊNCIAS É crescente o número de pesquisas sobre o papel que diferentes linguagens representam nas aulas de Ciências (Kress et. al., 2001; Lemke, 2000; Jewitt et. al., 2001; Franks e Jewitt, 2001; Piccinini, 2003). A partir de uma abordagem semiótica das interações estabelecidas no plano social da sala de aula, estes trabalhos questionam a supremacia normalmente atribuída à linguagem verbal nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem. Do ponto de vista da semiótica social, a aprendizagem

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I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M EN S I N O D E F Í S I C A 1

ASPECTOS DA CULTURA CIENTÍFICA NUMA ATIVIDADE DE LABORATÓRIO ABERTO DE FÍSICA

Maria Candida Varone de Morais Capecchi [e-mail ([email protected])] Anna Maria Pessoa de Carvalho [e-mail ([email protected])]

a Doutoranda da Faculdade de Educação da USP

b Professora Titular da Faculdade de Educação da USP

RESUMO

Este trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo é analisar como a cultura científica é disponibilizada no plano social da sala de aula através das interações estabelecidas durante a realização de atividades de experimentação. A análise apresentada aqui corresponde ao período de coleta de dados numa atividade de laboratório aberto. As interações foram abordadas a partir da identificação de funções comunicativas realizadas pelos diferentes modos semióticos empregados por alunos e professora na construção de explicações (análise multimodal). As ações dos alunos identificadas representaram importante papel na construção de significados, proporcionando o emprego de conhecimentos básicos na construção de hipóteses e previsões, e oferecendo oportunidades de verificação das mesmas.

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, os cursos de Ciências são voltados para o acúmulo de informações, muitas vezes consideradas como uma realidade preexistente absoluta descoberta pelos cientistas. O principal foco de atenção está sobre os produtos da Ciência e o desenvolvimento de habilidades estritamente operacionais, em que, muitas vezes, o formalismo matemático e outros modos simbólicos (como, gráficos, diagramas e tabelas) carecem de contextualização. Esta prática dificulta a compreensão por parte dos alunos sobre o papel que diferentes linguagens representam na construção dos conceitos científicos. Mesmo quando ferramentas culturais como as mencionadas acima são empregadas em aulas de laboratório, o uso de roteiros de trabalho preestabelecidos - que também privilegiam ações de caráter operacional - costuma mascarar a importância das mesmas para a construção de explicações dentro da cultura científica. Numa tentativa de aproximar as práticas escolares daquelas realizadas em laboratórios científicos, Gil Pérez e Martínez Torregrosa (1983) sugeriram converter atividades de resolução de problemas (habitualmente trabalhadas na forma de exercícios dentro da cultura escolar) em problemas abertos, que envolvem a análise qualitativa de uma dada situação. O foco do presente trabalho é a investigação de uma situação de implementação de uma atividade de laboratório aberto, inspirada naquela proposta, com o intuito de compreender como aspectos da cultura científica podem ser disponibilizados para os estudantes no plano social da sala de aula.

DIFERENTES LINGUAGENS NAS AULAS DE CIÊNCIAS

É crescente o número de pesquisas sobre o papel que diferentes linguagens representam nas aulas de Ciências (Kress et. al., 2001; Lemke, 2000; Jewitt et. al., 2001; Franks e Jewitt, 2001; Piccinini, 2003). A partir de uma abordagem semiótica das interações estabelecidas no plano social da sala de aula, estes trabalhos questionam a supremacia normalmente atribuída à linguagem verbal nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem. Do ponto de vista da semiótica social, a aprendizagem

I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M EN S I N O D E F Í S I C A 2 é vista como um processo dinâmico de construção de novos significados, assim como transformação daqueles já existentes. Esses processos são mediados por meios de representação específicos, socialmente organizados e autênticos, denominados modos (Kress et. al., 2001). Desta forma, além da linguagem verbal, outros modos mediam a construção de conhecimentos em sala de aula, e merecem ser investigados.

Em um estudo sobre textos científicos, Lemke (1998) chama atenção para a origem comum de diferentes modos semióticos empregados na comunicação humana e observa que a separação de escrita e desenho como modos semióticos distintos, assim como a diferenciação entre modos comunicativos (fala e gestos) e seus traços mais duradouros (escrita e desenho), é resultado do aprendizado. Essa perda de unidade entre os diversos modos de comunicação, segundo o autor, possibilita o refinamento dos mesmos, à medida que são usados em situações sociais, proporcionando sua evolução em diferentes especializações.

Kress et. al. (2001) também chamam atenção para a especialização funcional sofrida pelos diferentes modos de comunicação em função de seus usos ao longo da história. Ou seja, cada modo desenvolve-se melhor que outros em determinadas direções e, portanto, apresenta potenciais e limitações particulares para a construção de significados. Outro aspecto destacado pelos autores é a materialidade dos meios empregados em cada modo. A característica temporal/seqüencial do som, que é o meio empregado na linguagem verbal oral, por exemplo, possibilita potenciais e limitações diferentes daqueles de uma imagem, cuja materialidade envolve características espaciais e simultâneas.

As diferentes especializações apresentadas pelos modos de comunicação têm papel importante para a construção de significados, o que pode ser estendido para a sala de aula. Kress et. al. (2001) caracterizam a seleção de modos de comunicação pelo professor como um processo retórico para promover o entendimento do conteúdo por parte dos alunos. Diversos estudos (Kress et. al., 2001; Lemke, 2000; Jewiit et. al., 2001) têm observado que diferentes modos representam papéis específicos na construção de conceitos em sala de aula, contribuindo, entre outros, para a ampliação das possibilidades de comunicação. Além disso, estes estudos destacam o caráter multimodal dos conteúdos de Ciências e do conhecimento científico. Neste último caso, a especialidade de um dado modo pode torná-lo mais, ou menos, adequado para a comunicação e representação de características do mundo material.

Modos de Comunicação e a Sala de Aula

As pesquisas sobre diferentes modos de comunicação empregados em sala de aula, citadas anteriormente, têm contribuído para a compreensão dos papéis representados pelos mesmos na construção de significados. A seguir passamos a abordar alguns modos de comunicação relacionados às interações estabelecidas entre professor e alunos em aulas de Ciências, especialmente aqueles envolvidos na seqüência de ensino investigada na presente pesquisa.

Crowder (1996) se refere aos gestos como instrumentos empregados pelos estudantes na construção de significados. Nos momentos em que estão construindo explicações, os gestos empregados pelos estudantes ajudam-nos a fazer previsões, revisar e coordenar elementos de um modelo explicativo. Por outro lado, ao descreverem um modelo já memorizado, estes estudantes empregam gestos com uma função mais enfática do que construtiva, de forma redundante à linguagem verbal. A autora categoriza gestos em dois grupos: o primeiro relacionado a conteúdos e o segundo relacionado ao processo de comunicação.

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Em relação às ações sobre objetos concretos em sala de aula, Franks e Jewitt (2001) identificam como significativas aquelas que são estruturadas, transformadoras, comunicativas e geradoras. Os autores diferem a ação do comportamento, destacando que esta última envolve interesses e motivações, estando relacionada a processos psicológicos superiores. Para tanto, recorrem ao conceito de atividade de Leontiev, que envolve um sujeito humano, um instrumento mediador (ou ferramenta) e uma meta (objeto). Desta forma, durante a realização de uma atividade de laboratório, por exemplo, a meta de fazer medidas, envolve uma tarefa que pode ser mediada pelas linguagens verbais oral e escrita e pelo uso de instrumentos.

Considerando que “as pequenas ações só fazem sentido se os estudantes entenderem-nas como parte necessária do contexto maior de padrões de ação que são possíveis dentro da aula de Física”, os autores concluem que a identificação destes padrões na ação dos alunos pode ser considerada como evidência de aprendizagem. Desta forma, assumem a ação física como mais um modo de significação ao lado da linguagem verbal e dos gestos.

Modos e suas funções na construção de significados

Considerando que cada modo semiótico adquire suas especializações ao longo de seu uso, um importante aspecto a ser considerado numa análise multimodal é a impossibilidade de emprego de um sistema interpretativo único para todos os modos. A solução adotada por diferentes pesquisadores da área para poder comparar diferentes modos de comunicação (Kress et. al., 2001, Franks e Jewitt, 2001, Lemke, 1998) é procurar olhar para aspectos mais gerais da construção de significados, buscando identificar que funções estes modos podem representar dentro daquele processo, sem perder de vista suas características específicas. Embora o instrumento que inspira esses autores tenha sua origem na lingüística, este tem-se mostrado bastante adequado para a descrição do papel de outros modos de comunicação. Trata-se de uma adaptação das funções lingüísticas desenvolvidas por Halliday (1976). Para o teórico, toda comunicação envolve três funções lingüísticas – ideacional; interpessoal e textual – que podem aparecer em diferentes graus de proeminência.

A função ideacional está relacionada ao tema da comunicação e representa a idéia que o locutor deseja transmitir. Já a função interpessoal, está relacionada ao posicionamento deste locutor em relação à platéia e em relação ao próprio tema da comunicação. Por último, a função textual, através da articulação das duas primeiras funções é aquela que dá coerência à apresentação, caracterizando-a como um texto. Neste ponto, é importante notar que um conjunto de idéias soltas, sem nenhum elo de ligação que lhes dê coerência, tanto interna, quanto em relação ao contexto externo, não pode ser considerado um texto. É neste ponto que a função textual tem seu papel.

Lemke (2000) estende esta idéia de Halliday para outros modos de comunicação. Para o autor, todo processo de significação envolve simultaneamente três tipos de significados: um significado de apresentação, que no caso das interações em sala de aula interpretamos como relacionado ao conteúdo; um significado de orientação, representando o posicionamento do locutor em relação ao tema e a seus interlocutores, que na sala de aula associamos às expectativas do professor em relação ao papel dos alunos, e, por último, um significado de organização, possibilitando a articulação dos dois primeiros na formação de um texto coerente. Este último é interpretado dentro da presente pesquisa como os aspectos que estão envolvidos na construção da narrativa da aula de Ciências, que deve apresentar tanto coerência interna quanto coerência externa dentro do planejamento curricular.

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Para analisar as interações estabelecidas entre professor e alunos no plano social da sala, portanto, nos propomos a interpretar os papéis exercidos por diferentes modos de comunicação na construção de textos que possibilitem ao professor construir junto com os alunos significados sobre aspectos da cultura científica.

QUESTÃO SOB INVESTIGAÇÃO

Como aspectos da cultura científica são disponibilizados no plano social da sala de aula através das interações professor/alunos e alunos/alunos durante a realização de uma atividade de laboratório aberto?

Dois temas estão envolvidos na questão acima. O primeiro refere-se ao conteúdo trabalhado em sala de aula e suas relações com aspectos da cultura científica. Enquanto o segundo refere-se ao modo com que a professora guia o processo de comunicação para proporcionar aos estudantes uma compreensão sobre o papel das ferramentas culturais identificadas na construção do conhecimento científico.

METODOLOGIA E CONTEXTO

Esta pesquisa é caracterizada como um estudo de caso, referente a aulas de Física em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública da cidade de São Paulo. Nove aulas com duração de uma hora e quarenta minutos foram registradas em vídeo, incluindo notas de campo. A seqüência registrada era parte de um programa de ensino de Física desenvolvido por um grupo de professores do Ensino Médio, incluindo a professora da turma acompanhada. Os professores deste grupo estavam engajados em um projeto para a melhoria da qualidade do ensino de Física1.

A transformação dos dados brutos em dados da pesquisa contou com etapas de transcrição e delimitação de eventos dentro de cada aula registrada. Nas transcrições, além da linguagem oral, outros modos de construção de significados foram registrados: gestos e ações motoras, modos visuais, uso de instrumentos e uso da lousa, considerando o papel dos mesmos na construção de significados durante as aulas.

ANÁLISE DE DADOS

O tema proposto para experimentação foi o estudo do aquecimento da água. Após todo o desenvolvimento da atividade, que envolveu uma série de aspectos da cultura científica, a professora introduziu o conceito de calor específico e, a partir do caso da água, estudado experimentalmente, chegou à definição da equação fundamental da calorimetria.

Atividade de Laboratório Aberto

Etapas da Atividade Aspectos da Cultura Científica Identificados

1 Quando os dados foram coletados, este grupo de professores já vinha trabalhando junto ao Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física (LaPEF) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, sob orientação da professora doutora Anna Maria Pessoa de Carvalho há dois anos. O programa de ensino de Física implementado ao longo das aulas registradas havia sido desenvolvido pelo grupo e publicado na forma de um livro destinado a professores de Ensino Médio (Carvalho et al, 1999).

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Motivação e planejamento da Investigação:

Apresentação do problema e hipóteses iniciais

Planejamento de teste experimental

Problema Hipóteses

Teste experimental

Aspectos conceituais e metodológicos

(técnicos)

Execução da Investigação:

Coleta de dados 1a inscrição: materiais → tabela Medidas

Interpretação da 1a inscrição Similaridades e diferenças

2a inscrição: tabela → gráfico

Incertezas Aproximações

Interpretação da 2a inscrição Regularidades

Análise dos dados Conclusões

3a inscrição: gráfico → função

Reta média

A realização da atividade ocupou o período de cinco semanas (4 aulas e meia) 2, contando com diferentes etapas de trabalho, que estavam previstas dentro do planejamento da professora: proposta do problema; levantamento de hipóteses; elaboração de plano de trabalho; montagem dos arranjos experimentais e coleta de dados; análise dos dados e conclusão.

A partir das características das etapas que compõem a atividade e os aspectos da cultura científica identificados, optamos por dividir a mesma em duas fases de trabalho. A primeira fase compreendeu a motivação para realização de uma investigação e o planejamento da mesma. De um ponto de vista epistemológico, as etapas 1 e 2 da atividade possibilitaram caracterizar o conhecimento científico como resposta a um problema (Bachelard, 1996) e, além disso, apresentaram o teste empírico como uma forma de contrastar hipóteses dentro dos processos de construção e validação daquele conhecimento. O planejamento do teste empírico envolveu discussões tanto de caráter técnico quanto conceitual. A definição de uma metodologia de trabalho para investigação das hipóteses foi baseada na identificação das variáveis envolvidas e dos recursos materiais e teóricos disponíveis.

A segunda fase correspondeu à execução da experimentação e envolve a construção de inscrições, o que lembra o processo de inscrição literária descrito por Latour e Woolgar (1986). Na sala de aula, assim como no laboratório, este processo teve início durante a coleta de dados, quando os estudantes obtiveram informações sobre algumas características dos materiais em estudo através de medições. Estas informações, agrupadas em uma tabela, representaram a primeira inscrição das propriedades daquele material que estavam relacionadas ao fenômeno em discussão. O conjunto de transformações que caracteriza a análise dos dados só estava começando, e novas inscrições foram realizadas. De um conjunto de números dispostos numa tabela, as informações sobre o fenômeno foram transformadas em um gráfico, segunda inscrição, e, posteriormente, numa função matemática, terceira inscrição.

2 É importante lembrar que as aulas filmadas eram duplas e, portanto, uma aula dentro da seqüência, eqüivale compreende 105 minutos, dos quais 5 correspondem ao intervalo entre aulas.

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Ao longo deste processo de transformação, foram discutidas as propriedades das inscrições, como e porquê empregá-las. Neste ponto, mais aspectos da cultura científica foram identificados, tanto metodológicos – emprego e limitações dos instrumentos de medida, desvios experimentais, realização de aproximações etc. – quanto epistemológicos, que justificaram e regularam o uso que foi feito dos mesmos.

No presente trabalho apresentamos a análise da fase de coleta de dados, em que os estudantes obtiveram a primeira inscrição do fenômeno sob investigação.

Realização da Primeira Inscrição

O evento descrito e analisado a seguir teve início aos vinte e dois minutos da aula. Naquele momento, três dos quatro estudantes do grupo III estavam reunidos na bancada preparando os materiais para começar a experiência. A condição de teste desse grupo, que foi atribuída pela professora na aula anterior, foi a seguinte: 100 ml de água; recipiente de vidro; sem tampa e 2 lamparinas.

Cena 3 (∆t)

Ação Verbal Oral

1 (22’24”)

Gu: observa colegas Tom: acompanha Bel Bel: mede temperatura inicial da água Vic: anota

Bel: dezoito graus [p/ Vic]

2 (22’44”)

Gu: olha no relógio de pulso e fala Tom: pega as duas lamparinas, colocando-as na altura dos olhos. Compara os pavios, enquanto fala p/ Bel. Bel: olha p/ Gu Vic: deixa o grupo

Gu: ó ... já são dez e vinte Tom: essa aqui num tem mais álcool?

3

Gu: Fala p/ Bel (mantendo uma mão sobre o relógio de pulso) Tom: Coloca lamparinas embaixo do tripé Bel: segura o Termômetro fora do béquer /

Gu: já são dez e vinte

4 (22’59’)

Gu: olha para grupo ao lado Tom: curva-se para verificar lamparinas sob o tripé Bel: acompanha os movimentos de Tom

5

Tom: pega caixa de fósforos com grupo ao lado e prepara – se para acender lamparinas Bel: olha outros grupos e fala p/ Tom Gu: fala p/ Tom

Bel: ninguém acendeu ainda Gu: não acende ainda

6 (23’49”)

Tom: olha na direção da professora, segurando o palito de fósforo, pronto para acender as lamparinas. Vic: retorna para o grupo

3 Para descrever as ações simultâneas dos alunos ao longo da seqüência, optamos por uma transcrição dividida em cenas. Em algumas dessas cenas apresentamos a marcação do tempo da aula.

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7 (24’17”)

Gu: olha p/ outro grupo Bel: mede a temperatura da água e anota Tom: pega lamparinas para acender Vic: observa Tom

Neste extrato observamos três diferentes posicionamentos dos estudantes em relação ao experimento. Tom está preocupado em certificar-se das condições iniciais padronizadas, verificando o tamanho dos pavios das lamparinas (tema que havia sido discutido na fase anterior). Gu, que cuida do tempo, está preocupado em começar o experimento. Bel faz a medida da temperatura inicial da água. A autoridade da professora está presente no discurso e ações dos alunos. Ao sinal de dúvida de Tom, Bel procura chamar P. Os alunos também aguardam algum sinal para iniciar o teste.

Em relação à função ideacional, observamos que as ações dos estudantes estão voltadas para o controle das condições iniciais: Tom compara cuidadosamente as lamparinas e através do discurso oral expressa sua preocupação em relação à quantidade de álcool. Gu mantém uma mão sempre sobre o relógio e controla a passagem do tempo mesmo antes do início da experimentação. Bel mede a temperatura da água.

Em relação à função interpessoal, nota-se uma postura cooperativa neste início de atividade, em que embora exercendo diferentes funções dentro do grupo, os alunos mantém um elo de ligação, compartilhando expectativas e dividindo responsabilidades – Tom faz comentários sobre a lamparina com Bel; esta acompanha seus movimentos; os alunos estão compromissados com o restante da classe, aguardando o momento de iniciar o experimento. Outro aspecto a ser notado em relação à função interpessoal é o papel de autoridade da professora, mesmo em sua ausência.

C (∆t) Ação Verbal Oral

8 (24’38”)

Tom e Vic ajeitam lamparinas embaixo do tripé Bel: observa as ações dos colegas atentamente e procura ajudá-los, sem soltar o termômetro. Tom, Bel e Vic: mostram um sorriso de excitamento enquanto colocam as lamparinas sob o tripé.

9 Bel: pega uma caneta e prepara-se para escrever, enquanto segura o termômetro fora da água. Vic: fala p/ Tom

Gu: vai começar Vic: ( ) muda ... não é melhor? Um lá e outro aqui?

10 (24’51”)

Tom: move as lamparinas cuidadosamente sob o tripé. Vic: ajuda Tom Bel: observa Tom e Vic, segurando o termômetro fora da água.

11 (24’58”)

Vic: curva-se para frente para verificar a posição das chamas embaixo do tripé Tom: observa os movimentos de Vic.

Gu: ah ... tá ótimo Gu: eu já comecei

12 Vic: fala p/ Bel Bel e Vic: trocam de posição na bancada

Vic: você quer que eu anote?

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Neste extrato observamos um grande envolvimento dos alunos com a montagem. Apesar da discussão realizada nas aulas anteriores e da determinação das condições de experimentação, a ação de realizar o experimento envolve a tomada de decisões: qual a melhor maneira de dispor as lamparinas sob o tripé?. Vic, Tom e Bel dedicam-se a este aspecto, enquanto Gu, que tem a tarefa de controlar o tempo de aquecimento, preocupa-se em iniciar logo o experimento.

Em relação à função interpessoal, nota-se que há uma certa ansiedade e bastante entusiasmo por parte dos estudantes para a realização da atividade. Observa-se que há um grande engajamento dos alunos, que continuam compartilhando responsabilidades, havendo espaço para a atuação de todos dentro do grupo.

Na seqüência os alunos demonstram uma preocupação com o rigor na realização de suas funções. Vic e Tom pedem esclarecimentos sobre as anotações de Bel. Outro aspecto importante é a preocupação dos alunos com o sincronismo na realização das medidas (cena 17). Ainda nesta cena, Tom ajusta a posição do termômetro com delicadeza, revelando uma possível concepção sobre o papel distanciado de um observador na obtenção de informações sobre um fenômeno.

O posicionamento dos estudantes na bancada favorece a divisão de poder. Tom, que está no centro do grupo e mais próximo do aparato experimental, assume a posição de líder do grupo. Esta tendência pode ser observada também na cena 17, em que o aluno assume esse papel delegando funções aos colegas.

C (∆t) Ação Verbal Oral

19 (26’40”)

Gu: olha relógio e fala Tom: pronto para ler a temperatura Bel: observa o termômetro à distância Vic: pronta para escrever

Gu: faltam cinco segundos

20 Gu: fala Tom: olha termômetro

Gu: vai já deu ... Tom: trinta e oito

21 (26’48”)

Bel: estica o braço para tocar o termômetro e fala Tom: bloqueia ação de Bel Gu: olha a escala do termômetro à distância, tentando verificar a temperatura

Bel: trinta e oito [em voz baixa] Tom: trinta oito

22 Vic: fala p/ Tom e anota valores Tom: movimenta a cabeça afirmativamente Gu: parece surpreso

Vic: trinta e oito? Gu: trinta e oito?

23 (26’50”)

Vic: fica em pé e verifica temperatura Bel: toca o termômetro delicadamente, tentando ler a temperatura de sua posição distante e fala.

Bel: quarenta e um [fala em voz baixa]

24

Vic: observa as anotações e fala Bel: olha o termômetro

Vic: em dois minutos ... aumentou vinte graus! Tom: _____vinte graus [fala junto com Vic]

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Nesta passagem, numa função interpessoal, as ações dos alunos revelam que estes continuam apresentando uma atitude de engajamento em relação à realização da atividade. Todos estão empenhados na obtenção de dados: na cena 19, os alunos estão de prontidão à espera do sinal para fazer a medida; na cena 20, Tom efetua a medição; que é prontamente conferida por Bel e Gu (cena 21). Observa-se que os alunos não limitam-se apenas a suas funções específicas dentro da atividade, mas também participam e colaboram nas funções dos colegas, constituindo efetivamente um grupo de trabalho. A cena 22 também exemplifica esta constatação, quando Gu, que é responsável pelo controle do tempo, demonstra estar atento também aos valores medidos de temperatura. Ainda dentro desta tendência, na cena 23, Vic, responsável pela anotação dos dados, também participa da verificação da temperatura. Mesmo ocupando uma posição desprivilegiada em relação ao aparato experimental, distante do mesmo, Bel também esforça-se para participar.

Em relação à função ideacional, na cena 24, o registro dos dados na forma de uma tabela possibilita uma primeira constatação de Vic sobre a taxa de variação de temperatura ao longo do tempo.

C (∆t) Ação Verbal Oral

25 (28’57”)

Gu: fala Tom: observa termômetro e fala Bel: olha rapidamente para outro grupo Vic: verifica anotações e fala Gu: olha para outro grupo, enquanto aguarda passagem do tempo

Gu: vai ... agora Tom: cinqüenta e oito Vic: tá de vinte em vinte graus Tom: se pode ver ... o próximo vai ser ... Vic: setenta e oito Tom: o próximo vai ser? Vic: setenta e oito

Nesta seqüência, os alunos continuam realizando as medições e um importante aspecto da cultura científica é observado: além de identificarem uma tendência na taxa de variação da temperatura, os estudantes começam a fazer projeções para as próximas leituras.

C (∆t) Ação Verbal Oral

26 (29’09”)

Tom: fala para Vic Tom: vamos ver se seus cálculos tão certos

27 Gu: olha o relógio Tom: olha grupo ao lado. Fica de costas para seu grupo. Volta para o grupo. Curva-se para observar as lamparinas sob o tripé e fala Bel e Vic: comentam algo inaudível Gu: observa colegas ser intervir

Tom: o álcool não acabou Vic: ô professora ... ô professora ... a quantidade de álcool num tem que ser a mesma aqui?

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28 Estudantes: olham para a direção em que P está (fora do campo de visão da Câmera) Estudantes: prestam atenção no outro grupo, embora mantenham atenção sobre o experimento.

Vic: não

Os alunos continuam envolvidos com a expectativa de confirmação de suas projeções. As ações de Tom são marcantes neste sentido. Após comentar suas expectativas com Vic, o aluno volta-se para outros grupos, numa aparente vontade de trocar experiências e, ao voltar-se para sua equipe, imediatamente verifica a quantidade de álcool nas lamparinas, demonstrando grande envolvimento com a atividade. A atitude das colegas não é muito diferente, estas estão atentas aos movimentos de Tom, e prontas para tomar decisões. Ao primeiro sinal de irregularidade nas lamparinas, Vic solicita ajuda da professora.

C (∆t) Ação Verbal Oral

29 (30’15”)

Gu: olha o relógio Tom e Bel: observam termômetro

Vic: ô [p/ Gu] ... num é o tempo ainda? Tom: setenta e cinco ... ainda tão faltando três graus Gu: tá faltando cinco segundos

30 Gu: fala p/ Tom Tom: verifica temperatura

Gu: vai ... vê aí Tom: setenta e um e meio

31 (30’44”)

Gu, Bel e Vic: estão surpresos Bel: toca levemente o termômetro, tentando lê-lo à distância

Vic: setenta e um? Tom: claro Bel: setenta e um? (questão sem muita ênfase) Gu: tá louco!

32 Tom: verifica a temperatura e surpreende-se Tom: setenta e sete Bel: setenta e sete

33 Gu: verifica a temperatura no termômetro Vic: reclama devido à indecisão dos colegas

Gu: setenta e oito Tom: não ... setenta e sete e meio Bel: setenta e sete Tom: e meio Vic: e meio? Bel: não ... setenta e sete

Na cena 29, os alunos continuam cumprindo seus papéis (função textual) e demonstrando envolvimento (função interpessoal). Mesmo que ainda não seja momento de verificar a temperatura, Bel e Tom acompanham atentamente a escala do termômetro. Vic também demonstra estar atenta quando questiona Gu sobre o controle do tempo. Ainda nesta cena, Tom continua fazendo projeções.

Após a realização da leitura por Tom (cena 30), seus colegas surpreendem-se ao verificar que, diferentemente das previsões anunciadas pelo mesmo (função ideacional), o resultado observado é inferior ao valor mencionado na cena anterior. A reação imediata do grupo é fazer a verificação da leitura.

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C (∆t) Ação Verbal Oral

34 (33’05”)

GU: enquanto controla o tempo, observa grupo ao lado TOM: observa o conjunto experimental e fala BEL: observa o conjunto experimental

TOM: tá evaporando

35 Tom: fala com grupo ao lado Bel: observa o conjunto experimental Gu: olha para o conjunto experimental e fala para Vic Vic: observa suas anotações e indica tabela

Tom: tá evaporando Gu: tá indo gradualmente? Vic: daqui pra cá ... tá indo de vinte em vinte

36 Gu: olha conjunto experimental Vic: verifica dados Tom: olha conjunto experimental Bel: olha conjunto experimental

Gu: sempre de vinte em vinte? Vic: não ... nos três primeiros Bel: vamos ver se ele vai até cem graus

37 (35’)

Gu: olha conjunto experimental Tom: olha conjunto experimental Bel: olha conjunto experimental

Gu: já vai chegar em cem

38 Gu: olha relógio Tom: verifica temperatura Bel: olha conjunto experimental Vic: toma notas

Gu: agora Tom: noventa e sete ... ainda Bel: noventa e sete Vic: noventa e sete

Nesta passagem os alunos começam a trazer seus conhecimentos anteriores para interpretar o fenômeno. Ao constatar que a água está começando a evaporar, Tom procura dividir suas idéias com colegas de outro grupo. Bel faz uma hipótese sobre a temperatura de ebulição e o clima de envolvimento é ainda maior, todos ficam atentos ao conjunto experimental.

É importante notar que, neste momento de resgate de conhecimentos, a linguagem verbal começa a exercer um papel mais relevante, associando hipóteses dos alunos a evidências empíricas obtidas por meio das ações dos alunos. Em relação à função ideacional, portanto, estes dois modos apresentam-se de forma complementar neste momento da discussão.

C (∆t) Ação Verbal Oral

39 (36’04”)

Tom: olha conjunto experimental Vic: fala com colegas, fazendo gestos com as mãos, indicando que a temperatura da água está constante

Tom: noventa e sete e meio ... eu acho que a água pode ir só até cem Bel: ( ) Vic: ( )

40 Estudantes: prestam atenção ao conjunto experimental

Tom: até ela vai evaporar ... vai chegar até cem

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41 Gu: olha relógio Todos Estudantes: lêem a temperatura

Gu: vê ... vê agora Tom: a mesma Gu: noventa e sete? Bel: noventa e sete e meio Tom: será que o limite da água não é noventa e sete e meio? Gu e Tom: professora

42 P: aproxima-se do grupo Estudantes: olham para professora e Tom fala P: sorri e move a cabeça afirmativamente

Tom: o limite da água é noventa e sete e meio ... professora?

43 P: verifica dados dos estudantes Estudantes: ( )

44 (37’20”)

Alunos prestam atenção em P Gu: continua controlando tempo

P: oh ... espera mais um pouquinho Tom: não passa de cem P: é uma das nossas hipóteses Tom: olha [p/ Gu]

45 P: deixa o grupo

Nesta seqüência, os alunos estão bastante empenhados em verificar a confirmação de sua hipótese. A demora em obter alguma variação na temperatura, leva Tom a uma nova possibilidade: será que o limite da água não é noventa e sete e meio?. A aproximação da professora permite uma tentativa de confirmação dessa nova idéia. Embora esboce um sorriso de confirmação, a professora procura manter uma atitude científica, incentivando os estudantes a coletarem mais dados para que possam confirmar ou não a hipótese.

É importante ressaltar que, mais uma vez, o aparato experimental tem um papel de destaque em relação à função ideacional. As evidências empíricas levam os alunos a questionarem uma hipótese provavelmente construída ao longo da escolarização.

Nas cenas seguintes (46 a 52) esta tendência de grande participação dos alunos se repete até que, na cena 53 Bel observa um dado novo:

C (∆t) Ação Verbal Oral

53 (44’10”)

Bel: observa termômetro e surpreende-se Vic: olha para BEL

Bel: espera ... tá diminuindo ... olha Vic: mesmo? Bel: foi para noventa e sete

54 Tom: lê temperatura e faz uma expressão afirmativa Gu: olha o relógio

Vic: que isso? Bel: que isso ... ô professora

55 Bel: lê temperatura Vic: anota a temperatura

Gu: vai ... agora Bel: noventa e sete Vic: noventa e sete

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56 (46’33”)

P: aproxima-se do grupo Estudantes: observam a professora P: aponta béquer com água

P: está diminuindo? P: olha o que está acontecendo ... está metade fora da água

57 Gu: olha o relógio Vic: olha para BEL Bel: lê a temperatura P: observa o experimento

Gu: vai ... vê a temperatura Vic: noventa e sete? Bel: é P: vai ter que parar porque não tem mais água Tom: a água tá diminuindo ... a gente tá anotando aqui

58 (46’55”)

Tom, Bel e Vic: apagam as lamparinas e observam o termômetro fora da água

P: é ... e o termômetro está fora da água ... vocês já fizeram bastante ... pode parar

A percepção de um novo fato, a queda gradativa da temperatura da água, desperta o interesse da equipe, que busca coletivamente identificar a causa de tal fenômeno. A professora se aproxima e direciona os olhares dos estudantes para o béquer com água, promovendo a compreensão da causa do problema: o termômetro está fora Finalmente solicita o término da atividade.

Tabela 1 – Resumo do Período de Coleta de Dados

Modos de Construção de Significados Funções de Significado Gestos / Ações Verbal Oral

Ideacional Indica objetos de interesse (C1 a C4) / Controle de condições iniciais / Tomada de decisões (montagem) / Preocupação com sincronismo / Ajustes para evitar interferências nas medidas (visão de Ciência) Medidas (dados) / Repetição de medida (rigor) / Evidências empíricas / Dado novo

Controle de condições (álcool) / Tomada de decisões (montagem) / Esclarecimentos sobre anotações (rigor) / Preocupação com sincronismo / Comunicação de medidas / Identificação de irregularidade na leitura / Taxa de variação da temperatura / Projeções / Hipótese sobre temperatura de ebulição / Modificação de hipótese / Explicação para dado inusitado

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Interpessoal Funções dentro do grupo / cooperação / envolvimento / entusiasmo / compromisso com outros grupos / engajamento / compartilhamento de responsabilidades / relações de poder (posição na bancada) / prontidão / controle (alunos conferem medidas) / cooperação

P é autoridade para solução de dúvidas e início do experimento Divisão de responsabilidades / trabalho cooperativo / envolvimento

Textual Ações padronizadas repetem-se na construção do texto: controle de tempo, medições e registro.

Ao longo deste evento as ações dos alunos sobre a aparato experimental e a linguagem verbal exerceram funções importantes, relacionando-se de forma diferenciada. Em alguns momentos estes modos representaram informações redundantes (correndo em paralelo), enquanto em outros foram complementares (estendendo significados).

Vários aspectos da cultura científica foram identificados e realizados tanto por meio das ações sobre objetos concretos e contato direto com o fenômeno sob investigação, quanto por meio da linguagem verbal oral. O processo de coleta de dados possibilitou aos alunos realizarem relações com seus conhecimentos anteriores (expectativas em relação à temperatura de ebulição da água); identificar regularidades e trabalhar com projeções; relacionar hipóteses e evidências empíricas; buscar explicação para fato inusitado (decréscimo da temperatura da água durante aquecimento). As ações proporcionaram temas, que foram comentados e desenvolvidos pelos alunos por meio da linguagem verbal. Desta forma, a realização da experimentação revelou-se um momento rico para a construção de significados por parte dos alunos.

As atitudes de cooperação e divisão de responsabilidades revelaram grande envolvimento do grupo com o tema da aula. O engajamento dos estudantes foi observado do início ao fim da atividade, demonstrando que a atenção dos mesmos não estava relacionada apenas a uma curiosidade sobre os materiais empregados, mas a um interesse em obter informações para contrastar suas expectativas com a realidade. O que caracteriza o conjunto de ações dos mesmos como a realização efetiva da atividade.

As repetidas ações dos alunos, controlando o tempo, observando o fenômeno, fazendo medições e registrando dados obtidos, colaboraram para a construção de um texto dentro da estória científica em desenvolvimento – a obtenção de uma primeira inscrição do fenômeno sob investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No grupo analisado, os alunos demonstraram grande engajamento com o trabalho e domínio das condições necessárias para a realização de suas funções. Partindo da premissa de que o envolvimento dos alunos na realização de uma atividade está relacionado à compreensão que apresentam sobre os objetivos envolvidos na mesma (Franks e Jewitt 2001), estes alunos parecem ter construído importantes significados relacionados à prática de laboratório, tais como: rigor na realização de medidas; cuidados para evitar interferências externas; contraste entre hipóteses e evidências empíricas.

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As ações dos alunos durante a coleta de dados no laboratório aberto representaram importante papel na construção de significados, proporcionando aos mesmos o emprego de conhecimentos básicos na construção de hipóteses e previsões, oferecendo oportunidades de verificação das mesmas.

Os instrumentos de análise empregados possibilitaram conciliar aspectos de pesquisas voltadas para análise do discurso e daquelas voltadas para análise multimodal. A concentração da análise de cada modo em suas funções na construção de significados possibilitou relacioná-los, sem perder de vista a contribuição de instrumentos desenvolvidos para análise do discurso, consistindo num ponto de partida para trabalhos posteriores de integração das pesquisas voltadas para a linguagem verbal e aquelas sobre outras linguagens.

REFERÊNCIAS

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Jewitt, C.; Kress, G.; Ogborn, J. & Tsatsarelis, C. Exploring learning through visual, actional and linguistic communication: the multimodalenvironment of a science classroom. Educational Review, vol. 53, no. 1, 2001.

Kress, G., Jewitt, C., Ogborn, J. e Tsatsarelis, C. Multimodal teaching and learning: the rethorics of the science classroom. Londres e Nova York: Continuum, 2001.

Latour, B. e Woolgar, S. A vida de laboratório:a produção de fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.

Lemke, J. Multiplying meaning: visual and verbal semiotics in scientific text. In: Martin, J. e Veel, R. (eds.), Reading Science. Londres, Routledge, 1998.

Lemke, J. Multimedia literacy demands of the scientific curriculum. Linguistics and Education, 10 (3): 247 – 271, 2000.

Mortimer, E. F. e Scott, P. H. Meaning Making in Secondary Science lassrooms. Buckingham, UK: Open University Press, no prelo.

Ogborn, J.; Kress, G.; Martins, I. e McGillicuddy, K. Explaining science in the classroom, Buckingham: Open University Press, 1996.