ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e ... uma relação ontológica entre o...

232
Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO IX – Nº 48 – JAN/FEV 2016 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ben-Hur Silveira Claus, Carlos da Fonseca Nadais, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Daiane Tacher Cunha, José Tadeu Neves Xavier, Neide Adriana das Chagas, Nina Koja Cassali, Rodrigo Alves Zaparoli ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

Transcript of ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e ... uma relação ontológica entre o...

Page 1: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano IX – nº 48 – JAn/Fev 2016

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR eXecutIvo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho edItoRIAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAboRAdoRes destA edIçãoBen-Hur Silveira Claus, Carlos da Fonseca Nadais, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas,

Daiane Tacher Cunha, José Tadeu Neves Xavier, Neide Adriana das Chagas, Nina Koja Cassali, Rodrigo Alves Zaparoli

ISSN 2236-5346

comItê técnIcoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

Page 2: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 9, nº 48, Jan./Fev. 2016. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Page 3: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Carta do Editor

Na edição de nº 48 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial foi abordado no assunto especial o tema: “A Desconsideração da Persona-lidade Jurídica no Novo CPC”.

Com a recente aprovação do novo CPC, muito se tem discutido acerca das mudanças que o novo diploma processualista trará ao con-texto jurídico e social quando entrar em vigor no tocante à desconside-ração da personalidade jurídica.

O novo diploma processualista contará com um capítulo autôno-mo para disciplinar a aplicação do instituto, qual seja, o capítulo IV do título II, denominado justamente “Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica”.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil a apli-cabilidade e a efetividade da desconsideração da personalidade jurídica poderão dar a impressão de que o novo Código se preocupou em dema-sia com a segurança patrimonial dos sócios a serem executados.

Para tratar de assunto tão relevante, a Revista SÍNTESE Direito Em-presarial contou com a participação de grandes juristas: Drs. Carlos da Fonseca Nadais, Ben-Hur Silveira Claus e José Tadeu Neves Xavier.

Na Parte Geral da Revista publicamos importantes doutrinas sobre diversos temas do direito empresarial, além de um Ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosamente selecionado e preparado para você, com Comentários elaborados pela equipe SÍNTESE.

Publicamos também, na Seção Especial “Acontece”, artigo intitu-lado “Contratação Diferenciada de Micro e Pequena Empresa”, de auto-ria da Dra. Daiane Tacher Cunha.

E, por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de for-ma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notí-cias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

Page 4: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...
Page 5: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

A DesconsiDerAção DA PersonAliDADe JuríDicA no novo cPc

DoutrinAs

1. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica Previsto no CPC 2015 e o Direito Processual do TrabalhoBen-Hur Silveira Claus ...............................................................................9

2. Primeiras Reflexões Sobre o Incidente de Desconsideração da Personalidade JurídicaJosé Tadeu Neves Xavier ..........................................................................52

3. Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)Carlos da Fonseca Nadais ........................................................................80

Parte GeralDoutrinAs

1. Aspectos Polêmicos Atrelados ao Direito de ArenaRodrigo Alves Zaparoli ...........................................................................114

2. Os Contratos de Seguro sob a Perspectiva EconômicaNina Koja Cassali ...................................................................................137

3. As Controvérsias Relacionadas à Trava Bancária, no Âmbito da Recuperação JudicialCláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas e Neide Adriana das Chagas ...153

JurisPruDênciA

Acórdão nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................174

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................187

Seção Especial

Acontece

1. Contratação Diferenciada de Micro e Pequena EmpresaDaiane Tacher Cunha ............................................................................219

Page 6: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Clipping Jurídico ..............................................................................................224

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................230

Page 7: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Page 8: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...
Page 9: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Assunto Especial – Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo CPC

O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica Previsto no CPC 2015 e o Direito Processual do Trabalho

BEN-HUR SILVEIRA CLAUSJuiz do Trabalho, Mestre em Direito.

Nada de complicações processuais que possam retardar e di-ficultar a marcha e a solução dos casos que lhe são afetos. Nada de prazos dilatados. Nada de provas tardias. Nada de formalismos inúteis e prejudiciais. Nada disso. A jurisdição do trabalho deve ser simples e célere.

(Carlos Ramos Oliveira, 1938)

SUMÁRIO: Introdução; 1 O direito material conforma o procedimento; 2 O subsistema jurídico tra-balhista brasileiro; 3 A compatibilidade como critério científico à aplicação subsidiária do processo comum; 4 O critério científico da compatibilidade subsiste ao advento do novo CPC; 5 As razões por que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC não se aplica à execução trabalhista; 6 A primeira incompatibilidade radica na exigência de iniciativa da parte; 7 A segunda incompatibilidade está na suspensão do processo; 8 A terceira incompatibilidade está em atribuir ao credor a prova dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica; 9 A quarta incompatibilidade está na exigência de contraditório prévio; 10 A quinta incompatibilidade reside na previsão de recurso imediato; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem por finalidade enfrentar a questão de saber se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC aplica-se ao processo do trabalho. Isso porque o art. 795, § 4º, do CPC de 2015 prevê que “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”. Trata-se de uma das mais importantes questões jurídicas trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, um problema teórico a ser estudado

Page 10: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pela ciência processual trabalhista e um problema prático a ser equa-cionado pela jurisdição trabalhista. Na tentativa de responder a essa questão específica, parece indispensável enfrentar a questão geral da aplicação do direito processual comum ao processo do trabalho. O tema é complexo. Parece apropriado iniciar pelo estudo da relação ontológica que se estabelece entre direito material e procedimento.

1 O DIREITO MATERIAL CONFORMA O PROCEDIMENTO

O sistema jurídico brasileiro compreende os subsistemas jurídicos derivados dos distintos ramos do direito material: o subsistema jurídi-co trabalhista, o subsistema jurídico tributário, o subsistema jurídico do consumidor, o subsistema jurídico civil, o subsistema jurídico penal etc. Cada subsistema jurídico conforma o respectivo procedimento com pe-culiaridades próprias ao direito material correspondente. Isso porque há uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo direito pro-cessual. Essa relação ontológica fica mais evidente quando é percebida a natureza instrumental do direito processual: o processo é instrumento à realização do direito material. Diz-se que há uma relação ontológica en-tre o direito material e o respectivo direito proces sual porque as normas de procedimento guardam uma originária relação com o direito substan-cial correspondente, na medida em que as normas de procedimento têm por finalidade a aplicação das normas do direito substancial respectivo.

Depois de assinalar que o procedimento não é pura forma, Mauro Cappelletti registra que sobre o procedimento recai o imenso desafio de nossa época, cabendo-lhe articular rapidez, eficiência, justiça, liberda-de individual e igualdade; uma das mais eloquentes formulações acer-ca da relação ontológica em que se entrelaçam procedimento e direito material1.

Na teoria jurídica, essa genética relação entre direito substancial e procedimento é compreendida como expressão do fenômeno do perten-cimento que se estabelece desde sempre entre objeto (direito material) e método (procedimento). Daí a consideração epistemológica de que di-reito substancial e procedimento são categorias conceituais que operam em uma espécie de círculo hermenêutico: as respostas procedimentais nos remetem ao direito material a ser concretizado. Em outras palavras:

1 Proceso, Ideologías e Sociedad. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1974. p. 90.

Page 11: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

somos reconduzidos ao direito material quando nos dirigimos às ques-tões procedimentais. A circularidade entre pergunta e resposta vem à teoria jurídica enquanto legado da filosofia hermenêutica de Gadamer: o direito processual somente se deixa compreender no retorno ao direito material em que reconhece sua própria identidade; em uma metáfora, o direito processual mira-se na superfície do lago do direito material em busca de sua identidade.

No estudo acerca da relação ontológica que se estabelece en-tre direito substancial e procedimento, a teoria jurídica percorreu um rico itinerário hermenêutico cujo inventário não tem espaço neste pe-queno ensaio. Entretanto, parece indispensável lembrar, com Mauro Cappelletti, a peculiaridade desse fenômeno. Para o jurista italiano, a natureza instrumental do processo o reconduz ao direito substancial a que serve2:

Al igual de todo instrumento, también ese derecho y esa técnica deben en verdad adecuarse, adaptarse, conformarse lo más estrechamente posi-ble a la naturaleza particular de su objeto y de su fin, o sea a la naturaleza particular del derecho sustancial y a la finalidad de tutelar los institutos de esse derecho.

No direito processual civil brasileiro, uma das lições mais didáti-cas acerca da relação entre direito substancial e procedimento é reco-lhida na doutrina de Ada Pellegrini Grinover. A relação originária exis-tente entre direito material e procedimento é identificada pela jurista na instrumentalidade do processo que, conquanto autônomo, está conexo à pretensão de direito material e tem como escopo a atuação da norma objetiva e a viabilização da tutela do direito violado ou ameaçado. Daí a conclusão de Ada Pellegrini Grinover, no sentido de que “o processo, o procedimento e seus princípios tomam feição distinta, conforme o di-reito material que se visa a proteger”3.

No âmbito do subsistema jurídico trabalhista, a natureza especial desse ramo do direito exerce uma influência ainda maior na confor-mação do vínculo originário que se estabelece entre direito material e procedimento. Depois de afirmar que o Direito Processual do Trabalho

2 Idem, p. 5-6.3 Processo do trabalho e processo comum. Revista de Direito do Trabalho, 15:87.

Page 12: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

12 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pretende ser um direito de renovação, Mozart Victor Russomano subli-nha o fato de que o procedimento trabalhista “[...] é herança recebida do Direito do Trabalho, ao qual o Direito Processual do Trabalho corres-ponde, como consequência histórica”4. Para o jurista, o caráter tutelar do direito material se projeta sobre o procedimento5. Para recuperar a expressão consagrada por Héctor-Hugo Barbagelata6, é dizer: o particu-larismo do direito material do trabalho se comunica ao procedimento la-boral. Na feliz síntese formulada por Wagner D. Giglio acerca do estudo do tema, somos conduzidos à consideração superior de que “o caráter tutelar do Direito Material do Trabalho se transmite e vigora também no Direito Processual do Trabalho”7.

Uma das características de qualquer sistema de conhecimento – a lição é de Carlos Eduardo Oliveira Dias – é a sua capacidade de produzir seus próprios princípios. É isso o que distingue determinado sistema “[...] e permite que se possa identificar nesse sistema alguns dos principais atributos tendentes ao reconhecimento de sua autonomia científica”8. A histórica capacidade com que o Direito Processual do Trabalho tem produzido seus próprios princípios permite afirmar – com Wagner D. Giglio9 – que o subsistema jurídico trabalhista é dotado dessa autonomia científica de que fala o jurista.

Embora a pesquisa do tema não estivesse completa sem a refe-rência à posição de Valentin Carrion, para quem o processo do traba-lho é simples desdobramento do processo civil, na teoria justrabalhista brasileira prevalece a concepção de que o processo do trabalho é do-tado de autonomia científica em relação ao processo civil, isso porque se apresenta conformado por princípios próprios e constitui subsistema jurídico procedimental especial, como tal reconhecido pela ciência jurídica nacional. Na pesquisa realizada por Carlos Henrique Bezerra

4 Direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1977. p. 21-22.5 Idem, p. 43.6 El particularismo del derecho del trabajo y los derechos humanos laborales. 2. ed. Montevideo: Fundación

de Cultura Universitária, 2009. p. 39. 7 Direito Processual do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 83-4. Para Wagner D. Giglio, a autonomia

do direito processual do trabalho decorre do fato de que esse ramo jurídico possui princípios próprios. O jurista destaca quatro princípios próprios ao direito processual do trabalho: (a) princípio protecionista; (b) princípio da jurisdição normativa; (c) princípio da despersonalização do empregador; (d) princípio da simplificação procedimental (p. 83-6).

8 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 15.

9 Direito Processual do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79.

Page 13: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������13

Leite, alinham-se nessa última corrente de pensamento Amauri Mascaro Nascimento, Sergio Pinto Martins, Mozart Victor Russomano, Humberto Theodoro Júnior, José Augusto Rodrigues Pinto, Wagner D. Giglio e Coqueijo Costa10.

Com efeito, a existência de princípios próprios e a condição de subsistema procedimental especial reconhecido como tal pela teoria jurídica brasileira conferem ao Direito Processual do Trabalho a fisio-nomia própria sem a qual já não se poderia compreender a jurisdição trabalhista brasileira na atualidade. É neste contexto que ganha densida-de hermenêutica a observação de Américo Plá Rodriguez, de que a ar-ticulação entre os princípios próprios a cada ramo do Direito conforma a especialidade de cada subsistema jurídico. Isso porque os princípios harmonizam as normas, evitando que o subsistema se converta em uma série de elementos desarticulados. Assim é que se mostra precisa a con-clusão do jurista quando observa que “[...] a vinculação entre os diversos princípios contribui mais eficazmente para a sistematização do conjunto e para delinear a individualidade peculiar a cada ramo do direito”11.

É o que ocorre também no âmbito do subsistema jurídico traba-lhista brasileiro.

2 O SUBSISTEMA JURÍDICO TRABALHISTA BRASILEIRO

O subsistema jurídico trabalhista brasileiro faz revelar, com no-tável intensidade, a relação ontológica desde sempre estabelecida en-tre o direito material do trabalho e o direito processual do trabalho: à urgência do crédito trabalhista alimentar há de corresponder um pro-cedimento simplificado, célere e efetivo. Simplificado para ser célere. Simplificado para ser efetivo. As palavras de Manoel Carlos Toledo Filho sintetizam o projeto procedimental em formação na década de 193012: “[...] o processo do trabalho foi desde sempre pensado para ser simples, desburocratizado e maximamente expedito”.

Um procedimento complexo e moroso não atenderia à exigência de rápida realização do direito material do trabalho. O nascente Direito

10 Direito Processual do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 89.11 Princípios de direito do trabalho. 1. ed., 4. tir. São Paulo: LTr, 1996. p. 16. Sem itálico no original.12 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código

de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 330.

Page 14: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

14 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Processual do Trabalho enfrentará esse desafio, no final da década de 1930, mediante a edição de normas procedimentais originais e simplifi-cadas, porquanto as normas do então vigente CPC de 1939 caracteriza-vam-se pelo formalismo e individualismo e, portanto, não poderiam res-ponder ao desafio que então se apresentava, conforme revela a pesquisa de Manoel Carlos de Toledo Filho. Para demonstrar o vínculo genético da novel ciência processual trabalhista com o cânone da simplicidade das formas, o jurista recolhe da doutrina do processualista Carlos Ramos Oliveira a seguinte passagem histórica registrada em 1938: “Nada de complicações processuais que possam retardar e dificultar a marcha e a solução dos casos que lhe são afetos. Nada de prazos dilatados. Nada de provas tardias. Nada de formalismos inúteis e prejudiciais. Nada disso. A jurisdição do trabalho deve ser simples e célere (Justiça do Trabalho. Revista do Trabalho, p. 65, fev. 1938)”13.

Manifestada muito tempo depois, a preocupação do processualista Júlio César Bebber diante dos riscos que a burocratização do procedi-mento pode causar ao processo parece nos remeter à época do surgi-mento do subsistema jurídico trabalhista e aos desafios de simplificação das fórmulas procedimentais então colocados para a ciência processual laboral nascente. Depois de lembrar que os formalismos e a burocracia são vícios que entravam o funcionamento do processo, o jurista observa que tais vícios “[...] são capazes de abranger e de se instalar com efeitos nefastos, pelo que se exige que a administração da justiça seja estrutura-da de modo a aproximar os serviços das populações de forma simples, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das decisões”14.

Como já assinalado, no contexto histórico do surgimento do sub-sistema jurídico laboral brasileiro, disposições procedimentais originais e simplificadas são então concebidas para promover a consecução dos objetivos fundamentais do Direito do Trabalho, o que não seria possível se a aplicação do direito material do trabalho dependesse das normas procedimentais do então vigente CPC de 1939. É nesse contexto que ganha especial significado a expressão melhoria procedimental, empre-gada por Luciano Athayde Chaves na resenha histórica dos primórdios do Direito Processual do Trabalho. A melhoria procedimental de que de-pende a realização do direito material nascente pressupõe normas pro-

13 Idem, p. 330. Consultar a nota de rodapé nº 10, p. 330.14 Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 132.

Page 15: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������15

cedimentais diversas das formalistas normas procedimentais do direito processual comum vigente à época. A feliz síntese do jurista justifica a transcrição15:

Naquele momento, o processo comum era mais formalista e profunda-mente individualista. Esta era a ideologia que orientou a sua construção. Em razão disso, não seria possível à recém-criada Justiça do Trabalho valer-se de um processo comum que não atendia às características so-ciais do Direito do Trabalho. Por isso, as normas processuais trabalhistas foram instituídas como uma melhoria procedimental em face do proce-dimento comum, que poderia – como ainda pode – ser aplicado, mas somente em função da melhoria da prestação jurisdicional especializada.

Quando do surgimento da CLT em 1942, sua parte processual teve mais inspiração no Decreto-Lei nº 1.237/1939 do que no CPC de 1939, conforme a pesquisa realizada por Bruno Gomes Borges Fonseca. O ju-rista destaca esse antecedente normativo para “[...] demonstrar que o compromisso histórico do processo do trabalho sempre foi diferente do processo comum”16.

É nesse contexto histórico que ganha sentido a afirmação teórica de que os arts. 769 e 889 da CLT foram concebidos como normas de contenção; normas de contenção ao ingresso indevido de normas de processo comum incompatíveis com os princípios do Direito Processual do Trabalho; normas de contenção à influência de preceitos do processo comum que acarretem formalismo procedimental; normas de contenção a institutos que impliquem burocracia procedimental.

3 A COMPATIBILIDADE COMO CRITÉRIO CIENTÍFICO À APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO PROCESSO COMUM

No estudo da heterointegração do subsistema jurídico laboral pre-vista nos arts. 769 e 889 da CLT, a teoria jurídica assentou o entendi-mento de que a aplicação subsidiária do processo comum no processo do trabalho é realizada sob o critério da compatibilidade previsto nes-ses preceitos consolidados. Vale dizer, a compatibilidade prevista nos

15 Interpretação, aplicação e integração do Direito Processual do Trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde. (Org.). Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 41-42. Sem grifo no original.

16 Reflexos do novo Código de Processo Civil na atuação do Ministério Público do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 370.

Page 16: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

16 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

arts. 769 e 889 da CLT opera como critério científico fundamental para “[...] calibrar a abertura ou o fechamento para o processo comum”, na inspirada formulação adotada por Homero Batista Mateus da Silva17 no estudo do Direito Processual do Trabalho brasileiro.

A especialidade do subsistema jurídico trabalhista sobredetermina essa compatibilidade, conferindo-lhe dúplice dimensão: compatibilida-de axiológica e compatibilidade teleológica. Essa dúplice dimensão da compatibilidade é identificada por Manoel Carlos Toledo Filho sob a denominação de compatibilidade sistêmica18. Vale dizer, a compatibi-lidade é aferida tanto sob o crivo dos valores do Direito Processual do Trabalho quanto sob o crivo da finalidade do subsistema procedimental trabalhista, de modo a que o subsistema esteja capacitado à realização do direito social para o qual foi concebido. O critério científico da com-patibilidade visa à própria preservação do subsistema processual traba-lhista, na acertada observação de Paulo Sérgio Jakutis19. Com efeito, o diálogo normativo entre subsistemas jurídicos pressupõe “[...] buscar al-ternativas que não desfigurem o modelo originário, pois isso o desnatu-raria enquanto paradigma independente”20, conforme preleciona Carlos Eduardo Oliveira Dias ao abordar o tema do diálogo das fontes formais de direito no âmbito da aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho.

A norma de direito processual comum, além de ser compatível com as regras do processo do trabalho, deve ser compatível com os princípios que norteiam o Direito Processual do Trabalho, conforme pre-leciona Mauro Schiavi21. Os princípios do direito processual do trabalho restariam descaracterizados caso se concluísse pela aplicação automá-tica do processo comum ao processo do trabalho, razão pela qual a observância do critério da compatibilidade se impõe quando se examina a aplicabilidade subsidiária do processo comum ao subsistema jurídico

17 Curso de direito do trabalho aplicado. Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 9, 2015. p. 33.

18 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 330.

19 A influência do novo CPC no ônus da prova trabalhista. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 439.

20 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 18.

21 A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 57-8.

Page 17: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������17

trabalhista. Daí a pertinência da observação de Carlos Eduardo Oliveira Dias sobre o tema, jurista para o qual “[...] o que mais tem relevância, nesse processo intelectivo, é o pressuposto da compatibilidade, ou seja, o fato de a norma a ser utilizada se ajustar aos fundamentos do direito processual do trabalho”22.

Depois de afirmar que a ideia de compatibilidade é muito cara ao processo do trabalho, Bruno Gomes Borges da Fonseca assevera que tal compatibilidade “[...] ocorrerá apenas na hipótese de o texto do proces-so comum afinar-se com o princípio da proteção”23. Assim, somente será possível a aplicação subsidiária quando a norma de processo comum guardar plena compatibilidade com os fundamentos do processo do tra-balho. Caso isso não ocorra, de acordo com Carlos Eduardo Oliveira Dias, “[...] sacrifica-se o processo integrativo, mas não se pode afetar o núcleo principiológico do processo do trabalho”24. Isso porque as regras de processo comum somente podem ser aplicadas subsidiariamente se forem compatíveis com as singularidades do processo do trabalho. Se a regra do CPC for incompatível com a principiologia e singularidades do processo do trabalho, pondera Mauro Schiavi, ela não será aplicada25.

No estudo do tema da heterointegração do subsistema processual trabalhista, Guilherme Guimarães Ludwig afirma que a aplicação subsi-diária do processo comum ao processo do trabalho tem por fundamento a realização do princípio da eficiência, conferindo conteúdo específico à compatibilidade prevista nos arts. 769 e 889 da CLT. Ao discorrer sobre o princípio da eficiência no âmbito da heterointegração do subsistema procedimental trabalhista, o jurista ressalta que o princípio da eficiência opera tanto como fator de abertura quanto como fator de fechamento do subsistema procedimental, ponderando26:

22 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 17.

23 Reflexos do novo Código de Processo Civil na atuação do Ministério Público do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 369.

24 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 19.

25 A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 56.

26 O Princípio da eficiência como vetor de interpretação da norma processual trabalhista e a aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 108.

Page 18: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

18 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Quando analisado sob a perspectiva do processo do trabalho, o princípio da eficiência, enquanto autêntico vetor de interpretação da norma pro-cessual, deve também funcionar como um filtro que restrinja a adoção das regras do novo Código de Processo Civil e do correspondente mode-lo colaborativo, em caráter subsidiário ou supletivo, na medida em que elas não guardem compatibilidade com as diretrizes fundamentais do ramo processual laboral, em que se prestigia o valor celeridade em favor do credor trabalhista.

Fixadas algumas balizas teóricas acerca da heterointegração do subsistema processual trabalhista, cumpre agora enfrentar a questão da subsistência do critério da compatibilidade diante do advento do CPC de 2015.

4 O CRITÉRIO CIENTÍFICO DA COMPATIBILIDADE SUBSISTE AO ADVENTO DO NOVO CPC

Diante do fato de o art. 15 do CPC não fazer referência ao critério científico da compatibilidade, surge a questão de saber se esse requisito previsto nos arts. 769 e 889 da CLT teria subsistido ao advento do novo CPC para efeito de aplicação subsidiária do processo comum ao pro-cesso do trabalho. No âmbito da teoria do processo civil, a resposta de Nelson Nery Junior é positiva. Depois de afirmar que o novo CPC aplica--se subsidiariamente ao processo trabalhista na falta de regramento espe-cífico, o jurista pondera que, “de qualquer modo, a aplicação subsidiária do CPC deve guardar compatibilidade com o processo em que se pre-tenda aplicá-lo”, acrescentando que a aplicação supletiva também deve levar em conta este princípio27.

A resposta da teoria jurídica trabalhista também é positiva, por-quanto prevaleceu o entendimento de que o art. 15 do CPC de 2015 não revogou os arts. 769 e 889 da CLT28, preceitos nos quais está prevista a compatibilidade como critério científico necessário à aplicação subsi-

27 Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC – Lei 13.015/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 232.

28 O art. 15 do NCPC não revogou o art. 769 da CLT. Essa é a conclusão que tem prevalecido entre os teóricos do Direito Processual do Trabalho. Essa conclusão tem prevalecido com base nos seguintes fundamentos: (a) não houve revogação expressa do art. 769 da CLT pelo novo CPC (LINDB, art. 2º, § 1º); (b) o art. 769 da CLT é norma especial, que, por isso, prevalece sobre a norma geral do art. 15 do NCPC; (c) o art. 769 da CLT é mais amplo do que o art. 15 do NCPC, não tendo o art. 15 do NCPC regulado inteiramente a matéria do art. 769 da CLT (LINDB, art. 2º, §§ 1º e 2º), de modo que ambos os preceitos harmonizam-se; (d) o subsistema procedimental trabalhista é reconhecido no sistema jurídico brasileiro como subsistema procedimental especial informado pelas normas de contenção dos arts. 769 e 889 da CLT.

Page 19: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������19

diária do processo comum. Para Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, não houve revogação total ou parcial do art. 769 da CLT, porquanto o preceito celetista é muito mais amplo do que o art. 15 do novo CPC29, entendimento no qual tem a companhia de inúmeros juristas, entre os quais estão Guilherme Guimarães Feliciano30, Homero Batista Mateus da Silva31, Carlos Eduardo Oliveira Dias32, Manoel Carlos Toledo Filho33, Danilo Gonçalves Gaspar34 e Mauro Schiavi35. Assim é que, para Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, “[...] o CPC somente será fonte supletiva ou subsidiária do direito processual do trabalho naquilo que for compa-tível com suas normas, por força do art. 769 da CLT”36.

Nada obstante o art. 15 do novo CPC estabeleça a possibilida-de de aplicação subsidiária e supletiva do Código de Processo Civil de 2015 ao processo do trabalho na ausência de normas processuais traba-lhistas, para Danilo Gonçalves Gaspar é certo “[...] que não se elimina a necessidade de compatibilização da norma com o processo do trabalho, tal qual previsto na CLT”37, entendimento no qual é acompanhado por Ricardo José Macedo de Britto Pereira. Para esse jurista, a aplicação sub-sidiária prevista no art. 15 do CPC de 2015 deve ocorrer “[...] sem afetar a exigência de compatibilidade como determina o art. 769 da CLT”38.

29 A teoria dinâmica do ônus da prova. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 457.

30 O princípio do contraditório no novo Código de Processo Civil. Aproximações críticas. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 126.

31 Curso de direito do trabalho aplicado. Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 9, 2015. p. 33.

32 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 15.

33 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 332.

34 Noções conceituais sobre tutela provisória no novo CPC e suas implicações no Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 386.

35 A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 56.

36 A teoria dinâmica do ônus da prova. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 457.

37 Noções conceituais sobre tutela provisória no novo CPC e suas implicações no Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 386.

38 O novo Código de Processo Civil e seus possíveis impactos nos recursos trabalhistas. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 568.

Page 20: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

20 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A subsistência do critério científico da compatibilidade decorre da não revogação do art. 769 da CLT, mas também acaba por se impor enquanto exigência hermenêutica necessária à preservação da autono-mia científica do subsistema jurídico trabalhista. Daí porque tem razão Carlos Eduardo Oliveira Dias quando pondera que seria até desneces-sário que o legislador processual comum ressalvasse a necessidade de que, na aplicação subsidiária do novo CPC, fosse observada a compa-tibilidade com o outro ramo do direito processual, “[...] pois, se isso não existisse, estaria inviabilizada a própria existência autônoma des-se segmento”39. De fato, pudesse ser eliminado o critério científico da compatibilidade na aplicação subsidiária do processo comum, haveria o risco de desconstrução estrutural do direito processual do trabalho, tal qual adverte Carlos Eduardo Oliveira Dias com pertinácia40: “[...] não se pode adotar uma solução normativa exógena que, independentemente de ser fundada em omissão da CLT, não guarde compatibilidade com o processo laboral e possa vir a ser fator de sua desconstrução sistêmica”.

A posição de Iuri Pereira Pinheiro alinha-se aos entendimentos an-tes referidos. Para o jurista, não se pode esquecer que o direito proces-sual do trabalho constitui ramo dotado de autonomia científica, no qual a colmatação de lacunas exige a compatibilidade ideológica proclama-da nos arts. 769 e 889 da CLT. Daí a conclusão do jurista no sentido de que, “a despeito da previsão simplista do novo CPC, a sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho irá se operar apenas diante de sinto-nia principiológica, sob pena de mácula à autonomia do ramo proces-sual especializado”41. A especialidade do subsistema jurídico trabalhista exige que se lhe confira um tratamento metodológico diferenciado, que preserve a sua própria fisionomia, de modo que a heterointegração seja realizada com a observância dos princípios do direito material que lhe são inerentes e que afetam diretamente a prática jurisdicional trabalhis-ta, conforme o magistério de Carlos Eduardo Oliveira Dias42.

39 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 18.

40 Idem, p. 20-1.41 Reflexões acerca da penhorabilidade de bens à luz do novo CPC – avanços, retrocessos e a possibilidade da

derrocada de alguns mitos. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 496.

42 O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015. p. 18.

Page 21: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������21

Também para Mauro Schiavi, a exigência de compatibilidade se impõe à aplicação do CPC de 2015 ao processo do trabalho. Para o jurista, da conjugação do art. 15 do novo CPC com os arts. 769 e 889 da CLT resulta que o novo CPC aplica-se ao processo do trabalho da seguinte forma: “[...] supletiva e subsidiariamente, nas omissões da le-gislação processual trabalhista, desde que compatível com os princípios e singularidade do processo trabalhista”43.

Nada obstante considere que o art. 15 do novo CPC configura-se como norma de sobredireito, Élisson Miessa pondera que não ocorreu revogação dos arts. 769 e 889 da CLT. O jurista observa que “[...] a in-serção de normas comuns em um microssistema jurídico sempre impõe a compatibilidade com o sistema em que a norma será inserida, sob pena de se desagregar a base do procedimento específico”, para con-cluir que “[...] os arts. 769 e 889 da CLT sobrevivem à chegada do art. 15 do NCPC”44.

Mesmo para Edilton Meireles, jurista que considera que o art. 769 da CLT foi revogado pelo art. 15 do novo CPC, o critério da compatibi-lidade permanece sendo indispensável à aplicação subsidiária da norma de processo comum ao processo do trabalho, conclusão que adota por ser a legislação trabalhista norma especial em relação ao CPC. O jurista considera que “[...] a regra supletiva ou subsidiária deve guardar coesão e compatibilidade com o complexo normativo ou a regra que se preten-der integrar ou complementar”, para concluir que, “[...] se a norma do novo CPC se revela incompatível com o processo do trabalho (em seus princípios e regras), lógico que não se poderá invocar seus dispositivos de modo a serem aplicados de forma supletiva ou subsidiária”45.

A posição de Edilton Meireles acerca do tema da autonomia do di-reito processual do trabalho faz evocar a precitada doutrina de Valentin Carrion. Ambos os juristas parecem convergir quanto ao entendimento de que o direito processual do trabalho não seria dotado de autono-mia científica em relação ao direito processual civil. A concepção de

43 A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 56.

44 O novo código de processo civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 28.45 O novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo

Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 46.

Page 22: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

22 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Valentin Carrion sobre o tema opera sob o pressuposto teórico de que “o direito processual do trabalho não possui princípio próprio algum, pois todos os que o norteiam são do processo civil (oralidade, celeridade etc.); apenas deu (ou pretendeu dar) a alguns deles maior ênfase e relevo”46. O direito processual do trabalho, para Valentin Carrion, não surge do direito material laboral e, por isso, não poderia aspirar à autonomia em relação ao direito processual civil, do qual seria mera subespécie.

Nada obstante Valentin Carrion negue a existência de autonomia do direito processual do trabalho em relação ao processo civil, o juris-ta conclui, no estudo do art. 769 da CLT, que a aplicação subsidiária de normas do processo comum ao subsistema jurídico trabalhista sub-mete-se ao requisito da compatibilidade. Vale dizer, a compatibilidade subsiste enquanto requisito científico indispensável à heterointegração, ainda quando não se reconheça autonomia científica ao processo do trabalho em relação ao processo civil.

Na formulação teórica concebida por Valentin Carrion, a heteroin-tegração de normas de processo comum ao processo do trabalho somen-te será viável “[...] desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (‘casos omissos’, ‘subsidiariamente’); b) não ofendam os princípios do processo laboral (‘incompatível’); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade ma-terial de aplicação (institutos estanhos à relação deduzida no juízo traba-lhista); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias”47.

Diante das indagações teóricas que têm sido suscitadas quanto ao Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica trazido pelo novo CPC (arts. 133 e seguintes), parece oportuno transcrever a especí-fica lição de Valentin Carrion sobre o método científico a ser adotado pelo juslaboralista no estudo acerca da aplicação de novos dispositivos do processo comum ao processo laboral. Preleciona o jurista: “Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão

46 Comentários à CLT. 38. ed. Atual. Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 679.47 Idem, p. 678-9.

Page 23: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������23

a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas. Nada de novos recursos, novas formalidades inúteis e atravancadoras48”.

A concepção de tutela constitucional do processo de que nos fa-lam Tereza Aparecida Asta Gemignani e Daniel Gemignani valoriza a compatibilidade como critério capaz de preservar a especialidade do subsistema jurídico trabalhista. Para os juristas, “[...] essa concepção de tutela constitucional do processo, que sustenta a espinha dorsal do mo-delo adotado pelo processo trabalhista, nos termos do artigo 769 da CLT, vai impedir, por incompatibilidade, a aplicação das disposições contidas no novo CPC quando enveredam pela diretriz privatística”49.

Portanto, o critério científico da compatibilidade subsiste ao ad-vento do novo CPC, permanecendo indispensável ao processo herme-nêutico de avaliação da aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho, de modo que também o incidente de desconside-ração da personalidade jurídica previsto no CPC de 2015 submete-se ao crivo da compatibilidade previsto nos arts. 769 e 889 da CLT, quando se trata de enfrentar a questão da aplicabilidade desse incidente ao subsis-tema jurídico laboral.

5 AS RAZÕES POR QUE O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PREVISTO NO NOVO CPC NÃO SE APLICA À EXECUÇÃO TRABALHISTA

No que diz respeito à técnica da desconsideração da personalida-de jurídica, o novo CPC instituiu um procedimento cível especial, autô-nomo, incidental ao rito de cumprimento da sentença, já não bastando a “mera” decisão judicial fundamentada, conforme observa Guilherme Guimarães Feliciano50.

Com o advento do novo Código de Processo Civil e diante da previsão de aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho (CLT, art. 769), a questão que então se apresenta para a ciência processual trabalhista é a de responder se se aplica subsidiariamente ao

48 Idem, p. 679.49 Litisconsórcio e intervenção de terceiros: o novo CPC e o Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.).

Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 269.50 O princípio do contraditório no novo Código de Processo Civil. Aproximações críticas. In: MIESSA, Elisson

(Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 121.

Page 24: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

24 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

processo laboral o incidente de desconsideração da personalidade jurí-dica instituído pelo CPC de 2015.

Entretanto, não se trata de questionar a aplicabilidade da técnica da desconsideração da personalidade jurídica à execução trabalhista, porquanto é pacífica a utilidade dessa técnica jurídica à efetividade da jurisdição trabalhista. Na verdade, mais do que a utilidade da providên-cia, a adoção dessa técnica jurídica é medida indispensável à satisfação de inúmeras execuções nas quais se revela a insuficiência do patrimônio da sociedade executada. Trata-se de situação ordinária na jurisdição tra-balhista que exige então o redirecionamento da execução trabalhista aos bens da pessoa natural dos sócios da empresa executada.

Esse redirecionamento da execução aos bens dos sócios é conse-quência natural do princípio da despersonalização das obrigações tra-balhistas, princípio segundo o qual os beneficiários do trabalho prestado pelo empregado respondem – a lição é de Cleber Lúcio de Almeida – pelos créditos trabalhistas respectivos51. A formulação do jurista evoca o art. 2º, caput, da CLT, preceito que atribui ao empresário a responsa-bilidade decorrente do risco da atividade econômica empreendida, res-ponsabilidade que se comunica diretamente da empresa aos respectivos sócios, os verdadeiros artífices do empreendimento econômico.

Não se trata, portanto, repita-se, de questionar a aplicabilidade da técnica da desconsideração da personalidade jurídica à execução traba-lhista, consagrada técnica jurídica destinada à promoção da efetividade da execução trabalhista; trata-se de questionar a aplicabilidade do novo procedimento instituído pelo Código de 2015 à execução; o que está em questão é pergunta acerca da aplicação do itinerário procedimental instituído pelo CPC de 2015 à execução trabalhista enquanto procedi-mento cível, especial e autônomo.

Previsto nos arts. 133 e seguintes do CPC de 2015, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica instituído pelo novo Código de Processo Civil parece revelar-se incompatível com os princípios do Direito Processual do Trabalho, razão por que entendemos que tal inci-

51 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 285.

Page 25: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������25

dente não é aplicável à execução trabalhista, a teor dos arts. 769 e 889 da CLT, conforme tentaremos demonstrar a seguir.

A necessidade de iniciativa da parte (art. 133), a previsão de au-tomática suspensão do processo (art. 134, § 3º), a atribuição ao credor do ônus da prova quanto à presença dos pressupostos legais que autori-zam a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (art. 134, § 4º), a exigência de contraditório prévio (art. 135) e a previsão de re-curso autônomo imediato da decisão interlocutória respectiva (art. 136 e parágrafo único) tornam o incidente de desconsideração da persona-lidade jurídica previsto nos arts. 133 e seguintes do NCPC incompatível com o processo do trabalho, por revelar-se, na prática, manifestamen-te contrário aos princípios jurídicos trabalhistas do impulso oficial, da concentração dos atos, da celeridade e da efetividade, da simplicidade das formas e da irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias, incompatibilidade essa que inviabiliza a aplicação subsidiária desse in-cidente – burocrático e ineficaz – à execução trabalhista (CLT, arts. 769 e 889).

É necessário fundamentar a opinião agora manifestada.

6 A PRIMEIRA INCOMPATIBILIDADE RADICA NA EXIGÊNCIA DE INICIATIVA DA PARTE

A primeira incompatibilidade radica no fato de que a exigência de iniciativa da parte (NCPC, art. 133), para realizar-se a desconsideração da personalidade jurídica, apresenta-se em contradição com o princípio do impulso oficial que caracteriza o processo do trabalho na fase de execução, princípio previsto na norma do art. 878, caput, da CLT52 de forma expressa.

A possibilidade da execução de ofício singulariza a processualísti-ca trabalhista brasileira desde seu surgimento, sob a inspiração dos prin-cípios da indisponibilidade dos direitos do trabalho e da efetividade da jurisdição. Trata-se de característica peculiar do processo do trabalho, identificada na teoria jurídica como fator de caracterização da especia-lidade do subsistema procedimental laboral, verdadeiro fator de afirma-ção da autonomia da ciência processual trabalhista no sistema jurídico nacional. Essa faculdade sempre foi compreendida como um poder-de-

52 CLT, art. 878, caput: “A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio, pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior”.

Page 26: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

26 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ver do magistrado mesmo antes de a Constituição Federal consagrar a razoável duração do processo entre as garantias fundamentais do cida-dão (CF, art. 5º, LXXVIII53), na medida em que sempre incumbiu ao juiz do trabalho o dever funcional de velar pela rápida solução da causa, de acordo com a norma do art. 765 da CLT54. Nesse particular, é notável a harmonia que se estabelece entre o preceito do art. 878, caput, da CLT e a norma do art. 765 da CLT: enquanto o art. 878 da CLT confere ao ma-gistrado a iniciativa da execução, o art. 765 da CLT faculta ao juiz adotar todas as medidas necessárias à rápida solução da causa – faculdade que inclui adotar as medidas executivas necessárias à realização do direito material objeto da decisão judicial.

A execução de ofício constitui uma das medidas destinada a en-frentar o desafio de promover o reequilíbrio da assimétrica relação de emprego. O equacionamento dessa desigualdade é conduzido sob a ins-piração do princípio da proteção, princípio que se comunica ao proces-so do trabalho. Equacionar essa desigualdade real na perspectiva de uma igualdade ideal implica adotar tratamento diferenciado aos litigantes, de modo que a superioridade econômica do empregador seja compensada por vantagens jurídicas asseguradas ao litigante hipossuficiente. Con-forme relembram Gabriela Neves Delgado e Renata Queiroz Dutra, tal equacionamento “[...] somente se faz por meio do tratamento diferencia-do aos desiguais”, diretriz hermenêutica que remonta ao clássico ensina-mento da filosofia aristotélica de tratar desigualmente os desiguais. Para as juristas citadas, “o exemplo clássico é o impulso oficial da execução, que se desdobra em diversas condutas de dirigismo do magistrado em relação à satisfação do direito”55.

É necessário registrar que a desconsideração da personalidade jurídica empresarial constitui “[...] ponto delicado de incômodo dos processualistas civis em relação à conduta proativa da magistratura trabalhista em relação à execução”. Faz-se necessário reproduzir essa observação de Gabriela Neves Delgado e Renata Queiroz Dutra para

53 CF, art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

54 CLT, art. 765: “Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”.

55 A aplicação das convenções processuais do novo CPC ao Processo do Trabalho na perspectiva dos direito fundamentais. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 197.

Page 27: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������27

evidenciar que se forma uma tensão hermenêutica quando operadores jurídicos oriundos de distintos subsistemas jurídicos examinam a técnica da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação em cada situação concreta.

No ensaio que escreveu sobre a desconsideração da personalida-de jurídica nos diversos subsistemas jurídicos que compõem o sistema jurídico brasileiro, Eduardo Milléo Baracat demonstra a dificuldade te-órica dos juristas comercialistas para compreender que a superação da personificação societária no processo do trabalho orienta-se por critérios distintos daqueles que servem de diretriz hermenêutica para a aplicação da técnica da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito comercial. Ao mesmo tempo em que identifica a prevalência do princípio jurídico da autonomia patrimonial no subsistema jurídico co-mercial-societário, o jurista destaca o predomínio do princípio jurídico da proteção do trabalhador no subsistema jurídico trabalhista, realizando a científica distinção que cada subsistema jurídico impõe ao intérprete, de modo a fazer evidenciar que o interesse jurídico prevalente em cada subsistema exercerá influência decisiva tanto na interpretação quanto na forma de aplicação da técnica da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade devedora, bem como na própria definição dos critérios justificadores da superação da personificação societária em cada situação jurídica específica56, de modo a revelar que a técnica da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade conformar-se-á necessariamente às características hermenêutico-estruturais do subsiste-ma jurídico no qual será aplicada.

Em interpretação dos arts. 878 e 765 da CLT conforme a Consti-tuição, no subsistema jurídico trabalhista a desconsideração da perso-nalidade jurídica da sociedade empresarial de ofício sempre foi com-preendida como expressão concreta do princípio da proteção na fase de execução do procedimento laboral, bastando para tanto a emissão de simples decisão interlocutória fundamentada quando caracterizada situação de insuficiência de bens da sociedade executada. A jurisdição trabalhista consolidou essa compreensão ao longo de sete décadas. Pas-sar a exigir a iniciativa da parte para a desconsideração da personalidade

56 Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada no processo do trabalho: interpretação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. In: SANTOS, José Aparecido dos (Coord.). Execução Trabalhista. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 183.

Page 28: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

28 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

jurídica seria retrocesso social histórico. Além disso, seria vedar a atua-ção do magistrado trabalhista em questão particular (desconsideração da personalidade jurídica) quando, para assegurar a efetividade da juris-dição, a interpretação conforme dos arts. 878 e 765 da CLT lhe confere iniciativa para a execução em geral.

Não é necessário maior esforço para concluir que o grau de efeti-vidade da execução trabalhista cairia significativamente caso fosse exigi-da a iniciativa do credor trabalhista para aplicar-se a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente considerando-se a circunstância de que as ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial encontram-se concentradas no juízo da execução. Com o advento de um novo diplo-ma processual civil, a possibilidade de diálogo normativo que então se coloca para o processo do trabalho deve estar orientada pela aptidão das novas normas processuais à realização dos direitos fundamentais sociais. Essa aptidão não se pode reconhecer ao incidente de desconsi-deração da personalidade jurídica instituído pelo novo CPC, na medida em que exige da parte a iniciativa que o processo do trabalho sempre conferiu também ao magistrado.

Assim, submeter a desconsideração da personalidade jurídica à iniciativa da parte implicaria afrontar o princípio do impulso oficial da execução trabalhista (CLT, art. 878, caput), com prejuízo à garantia constitucional da efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV e LXXVIII), o que basta para impedir a importação subsidiária do incidente do novo CPC à execução trabalhista, sendo para tanto determinante a incompa-tibilidade da exigência de iniciativa da parte com os preceitos que infor-mam o subsistema procedimental laboral (CLT, arts. 769 e 889).

7 A SEGUNDA INCOMPATIBILIDADE ESTÁ NA SUSPENSÃO DO PROCESSO

A segunda incompatibilidade está na circunstância de que o inci-dente previsto no novo CPC provoca automática suspensão do processo quando a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade é re-querida na fase de execução (NCPC, art. 134, § 3º), suspensão proces-sual que contraria tanto o princípio da concentração de atos quanto o princípio da celeridade processual, com evidente prejuízo à garantia da efetividade da jurisdição.

No subsistema procedimental trabalhista, a regra é a não suspen-são do processo, privilegiando-se a celeridade processual, com vistas à

Page 29: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������29

efetividade processual. A originária vocação do processo do trabalho para constituir-se como processo de resultado conduziu o legislador a estabelecer um procedimento – concentrado – no qual a suspensão do processo do trabalho foi concebida como hipótese excepcional. Em re-gra, as exceções não suspendem o andamento do processo trabalhista, diretriz legislativa destinada a promover a realização do direito material objeto da causa de forma célere.

De acordo com o art. 799, caput, da CLT, “nas causas da jurisdi-ção da Justiça do Trabalho, somente podem ser opostas, com suspensão do processo, as exceções de suspeição57 ou incompetência58”. Trata-se da exceção. Já o § 1º do art. 799 da CLT estabelece a regra: “§ 1º As demais exceções serão alegadas como matéria de defesa”. No procedi-mento sumaríssimo adota-se a mesma regra: “Art. 852-G. Serão decidi-dos, de plano, todos os incidentes e exceções que possam interferir no prosseguimento da audiência e do processo. As demais questões serão decididas na sentença”.

Portanto, a regra no processo do trabalho é a resolução das exce-ções e incidentes sem a suspensão da tramitação do processo, mediante decisão interlocutória. Porém, essa decisão interlocutória não enseja – regra geral59 – recurso imediato, decisão interlocutória cujo merecimen-to tem sua apreciação remetida à oportunidade do recurso cabível da decisão definitiva proferida na respectiva fase processual (CLT, art. 893, § 1º60 c/c art. 799, § 2º61). Ao impedir recurso imediato das decisões interlocutórias, o subsistema jurídico trabalhista visa evitar dilações des-necessárias, reforçando a opção desse subsistema pela concentração dos

57 E impedimento. A doutrina identifica aqui uma omissão do Direito Processual do Trabalho, colmatando a lacuna mediante recurso à previsão do CPC, mediante a aplicação subsidiária do processo comum autorizada pelo art. 769 da CLT.

58 Incompetência em razão do lugar. A incompetência em razão da matéria é decidida em sentença.59 A Súmula nº 214 do TST identifica a regra geral prevista no art. 893, § 1º, da CLT e específica três exceções.

Eis o enunciado da S. 214/TST: “Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante disposto no art. 799, § 2º, da CLT”.

60 CLT, art. 893, § 1º: “Os incidentes do processo serão resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva”.

61 CLT, art. 799, § 2º: “Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final”.

Page 30: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

30 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

atos processuais, sempre na perspectiva da celeridade do procedimento laboral.

No processo do trabalho, a desconsideração da personalidade ju-rídica é realizada mediante simples decisão interlocutória fundamenta-da, sem a suspensão do processo, em uma concreta demonstração de aplicação do princípio da concentração dos atos procedimentais. Em síntese precisa, Luciano Athayde Chaves rejeita a aplicação do incidente à execução trabalhista exatamente “[...] porque se trata de formalismo incompatível com a concentração de atos processuais que marca o Pro-cesso do Trabalho”62. No mesmo sentido orienta-se a doutrina de Cleber Lúcio de Almeida. Pondera o processualista – sob inspiração do princí-pio da simplificação das formas – que o subsistema jurídico trabalhista “[...] impede a instauração de incidente de desconsideração da perso-nalidade jurídica como procedimento autônomo”63. E conclui de forma categórica pela incompatibilidade do incidente autônomo do novo CPC com o Direito Processual do Trabalho64:

Não é compatível com o direito processual do trabalho a previsão de que, requerida a desconsideração da personalidade jurídica, deverá ser instaurado incidente, com suspensão do processo, medida que se mostra, inclusive, injustificável, na medida em que faz depender do reconheci-mento do crédito (objeto da demanda) a fixação da responsabilidade pela sua satisfação (objeto do incidente).

A razão está com Eliana dos Santos Alves Nogueira e José Gonçalves Bento, quando afirmam que, para efeito de redirecionamento da execução contra os sócios, a fraude patrimonial é presumida diante do descumprimento da obrigação trabalhista, motivo pelo qual susten-tam que “[...] a desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho não depende de formalidades e tampouco necessita de prévia citação do sócio”65. Aliás, a prévia ciência do sócio tende a esvaziar a constrição de bens objetivada pela desconsideração da personalidade

62 O novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: uma análise sob a ótica do cumprimento da sentença e da execução forçada. O artigo é uma versão adaptada da exposição realizada no I Seminário Nacional sobre a Efetividade da Execução Trabalhista, promovido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), no dia 7 de maio de 2015. mimeo.

63 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 294.

64 Idem, ibidem.65 Idem, p. 303.

Page 31: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������31

jurídica sociedade empresarial, porquanto daria oportunidade a conhe-cidas medidas de ocultação patrimonial. Sobre a aplicação do incidente do novo CPC ao processo do trabalho, também os referidos juristas são categóricos ao rejeitá-la66:

Assim e, em linhas gerais, temos que o instituto do Incidente de Des-consideração da Personalidade Jurídica, tal qual delineado pelo novo CPC, não é aplicável no Processo do Trabalho, eis que incompatível com as regras processuais trabalhistas. Aliás, além da incompatibilidade prin-cipiológica, há, como frisamos, incompatibilidade processual, já que a execução trabalhista tramita de ofício e prevê o atingimento dos bens dos sócios sem qualquer necessidade de instauração de incidente processual para tal finalidade.

É de ver que os princípios que dirigem o processo do trabalho não autorizam a pensar em procedimentos – é o caso do incidente de des-consideração da personalidade jurídica previsto no CPC de 2015 – que dificultem a persecução do patrimônio societário. Isso porque é preciso ter em conta que os riscos da atividade econômica incumbem à socie-dade e aos sócios (CLT, art. 2º, caput), não podendo ser transferidos ao empregado, que assumiria tal ônus caso a insuficiência do patrimônio da sociedade pudesse tornar inefetiva a execução trabalhista, conforme prelecionam os autores antes citados67. Embora a aplicação do novo CPC ao processo do trabalho tenha por pressuposto, na lição de Gabriela Neves Delgado e Renata Queiroz Dutra, a obtenção de “soluções menos burocráticas”68, o que se percebe é que o incidente de desconsideração da personalidade previsto no CPC de 2015 constituiria, para a execução trabalhista, fator de burocratização procedimental, sem falar na severa perda de efetividade da jurisdição que acarretaria.

Submeter a execução trabalhista à suspensão implicaria vulnerar os princípios da concentração de atos procedimentais e da celeridade processual, com evidente prejuízo à garantia constitucional da efetivida-de da jurisdição, o que importa concluir que o requisito da compatibili-dade está ausente quando se coteja a suspensão do processo prevista no

66 Idem, p. 307.67 Idem, ibidem.68 A aplicação das convenções processuais do novo CPC ao Processo do Trabalho na perspectiva dos direito

fundamentais. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 198.

Page 32: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

32 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

incidente instituído no novo CPC com os princípios do Direito Proces-sual do Trabalho.

8 A TERCEIRA INCOMPATIBILIDADE ESTÁ EM ATRIBUIR AO CREDOR A PROVA DOS REQUISITOS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A terceira incompatibilidade está na atribuição ao credor do ônus da prova quanto à presença dos pressupostos legais que autorizam a des-consideração da personalidade jurídica da sociedade executada (NCPC, art. 134, § 4º), exigência que se revela incompatível tanto com o princí-pio da proteção quanto com o princípio da simplicidade das formas, que caracterizam o Direito Processual do Trabalho.

O preceito do novo CPC exige que a prova dos pressupostos legais necessários à declaração de desconsideração da personalidade jurídica deva estar pré-constituída quando do requerimento de desconsideração, o que autoriza a conclusão de que tal encargo probatório é atribuído ao credor. O dispositivo estabelece que “o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para a desconsi-deração da personalidade jurídica” (NCPC, art. 143, § 4º), dispositivo que o processualista civil Cássio Scarpinella Bueno interpreta no senti-do de que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve ser apresentado pelo credor “[...] com a demonstração dos pressupostos materiais”69 necessários à desconsideração.

A interpretação tópico-sistemática também conduz a essa con-clusão, uma vez que, já no primeiro dispositivo do incidente, a regên-cia legal da matéria submete o requerente ao dever de observância dos requisitos legais pertinentes à técnica da superação da personificação societária. Com efeito, o dispositivo do § 1º do art. 133 do NCPC es-tabelece que “o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei”. Ao elemento hermenêutico de direito material previsto no § 1º do art. 133 do NCPC corresponde o itinerário procedimental previsto no § 4º do art. 134, onerando o re-querente com o prévio encargo probatório de “[...] demonstrar o preen-chimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica”; é dizer, onerando o requerente com o prévio encargo probatório de demonstrar os “pressupostos materiais” necessá-

69 Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 133. Sem grifo no original.

Page 33: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������33

rios à declaração de desconsideração da personalidade jurídica, para reproduzir a precitada expressão adotada por Cássio Scarpinella Bueno nos seus comentários ao preceito legal.

Se pode ser considerada razoável a opção de atribuir ao credor tal ônus de prova no processo civil, em que o devedor costuma apresentar--se em condição de inferioridade econômica em relação ao credor, o mesmo não ocorre no âmbito do processo do trabalho. O credor traba-lhista encontra-se em situação de inferioridade econômica em relação ao executado. Por conseguinte, atribuir ao credor trabalhista o encargo probatório de demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais espe-cíficos à desconsideração da personalidade jurídica implicaria dificultar a utilização da técnica da desconsideração da personalidade jurídica dada a conhecida dificuldade que tem o credor trabalhista para desin-cumbir-se desse ônus probatório, o que significaria criar entrave proce-dimental nunca cogitado no subsistema processual trabalhista brasileiro; entrave procedimental que constituiria retrocesso histórico da ciência processual trabalhista. Não pode haver dúvida de que aqui resta eviden-ciada a incompatibilidade do novo incidente com o princípio jurídico trabalhista da proteção.

Uma das razões para a ciência processual trabalhista ter adotado a denominada teoria objetiva70, na desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial, foi exatamente a dificuldade que o credor trabalhista teria para desincumbir-se do ônus da prova de de-monstrar a ocorrência ou de desvio de finalidade ou de confusão patri-monial, para se ter por caracterizado então o abuso da personalidade jurídica, nos termos da teoria subjetiva71, adotada pelo art. 50 do Código Civil; para a teoria objetiva, adotada pelo art. 28, § 5º, do CDC, basta a pessoa jurídica não ter bens para que a execução seja direcionada aos sócios. Conforme asseveramos alhures, no âmbito da Justiça do Tra-balho, a mera inexistência de bens da sociedade para responder pela execução de crédito trabalhista abre imediatamente as portas que dão o acesso à superação da autonomia patrimonial mediante a técnica da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita ou me-diante a técnica da desconsideração inversa da personalidade jurídica, conforme se trate de obrigação trabalhista da sociedade ou de obrigação

70 A teoria objetiva também é conhecida como teoria menor. 71 A teoria subjetiva também é conhecida como teoria maior.

Page 34: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

34 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

trabalhista do sócio, respectivamente72. O abuso de direito na utilização da personificação societária configura-se in re ipsa sempre que a autono-mia patrimonial é invocada para sonegar obrigação decorrente de direi-to de natureza indisponível, conforme preleciona Ari Pedro Lorenzetti73. Foi sob a inspiração do princípio da proteção que o subsistema jurídico trabalhista, para efeito da técnica da desconsideração da personalidade jurídica, adotou a teoria objetiva, e parece que não poderia ser diferente em face da natureza indisponível do Direito do Trabalho.

No âmbito de uma interpretação sistemática do ordenamento jurí-dico brasileiro, não se faz razoável conferir ao consumidor tutela jurídica superior àquela assegurada ao credor trabalhista, porquanto isso impli-caria indireta contrariedade à norma do art. 186 do CTN, diploma legal que tem hierarquia de lei complementar e que situa o crédito trabalhista em posição jurídica privilegiada em relação ao crédito do consumidor. Na medida em que o art. 28, § 5º, do CDC – lei ordinária – assegura ao consumidor obter declaração de desconsideração da personalidade jurídica do devedor na ocorrência de simples inadimplemento da obri-gação, negar essa mesma tutela jurídica ao trabalhador sob a mesma situação de fato – simples inadimplemento da obrigação – implicaria instalar crise sistemática no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o referido preceito da lei complementar (CTN, art. 186) restaria con-trariado – ainda que indiretamente – por preceito de lei ordinária (CDC, art. 28, § 5º). A unidade e a coerência do sistema jurídico restariam aba-ladas por essa contradição74. Da mesma forma, não se poderia negar ao trabalhador, no âmbito de interpretação sistemática, a inversão do ônus da prova assegurada ao consumidor (CDC, art. 6º, VIII) no que diz res-peito à caracterização dos pressupostos materiais da desconsideração da personalidade jurídica na ocorrência de inadimplemento da obrigação pelo devedor. A crise sistemática referida tem solução quando se confere

72 CLAUS, Ben-Hur Silveira. Execução trabalhista: da desconsideração clássica à desconsideração inversa da personalidade jurídica. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Porto Alegre, n. 42, 2014, p. 68.

73 A responsabilidade pelos créditos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2003. p. 198.74 Essa contradição sistemática subsiste mesmo diante do entendimento doutrinário de que não há relação de

hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. Isso porque a contradição sistemática que se caracteriza na situação examinada independe da existência de eventual hierarquia entre as referidas fontes formais de direito, configurando-se ainda quando lei complementar e lei ordinária são consideradas sob a mesma hierarquia jurídica. O entendimento de que não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária é defendido, entre outros juristas, por Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, na obra Curso de direito constitucional (4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 924).

Page 35: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������35

ao credor privilegiado a tutela jurídica assegurada ao credor classificado em posição inferior na ordem jurídica nacional.

A doutrina de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva expressa o entendimento predominante na teoria processual trabalhista acerca do ônus da prova na desconsideração da personalidade jurídica. Pondera o jurista que “no processo do trabalho não se exige a demonstração ine-quívoca dos pressupostos previstos em lei, como os do art. 50 do Código Civil”75, argumentando que o credor trabalhista pode invocar a previsão do art. 28 do CDC para fundamentar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade na fase de execução do processo, bastando para tanto que a empresa devedora não tenha bens suficientes para responder pela execução.

É precisamente por isso que, na execução trabalhista, constitui dever jurídico do sócio indicar bens da sociedade quando chamado a responder pelo débito (Lei nº 6.830/1980, art. 4º, § 3º; CLT, art. 889). À previsão da Lei de Executivos Fiscais soma-se a previsão do art. 596, § 1º, do CPC de 1973 (art. 795, § 1º, do CPC de 2015). Essas previsões legais conferem ao sócio o denominado direito de ordem: o direito de o sócio indicar bens da sociedade à penhora, sob pena de responder com seu patrimônio pessoal pelo crédito trabalhista. A jurisprudência traba-lhista está consolidada no sentido de que “[...] basta a insolvência da sociedade devedora – na sintética formulação de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva – para que se promova a desconsideração de sua per-sonalidade jurídica”76, isso porque a regra jurídica é a de que respondem pela dívida os sócios que participaram da sociedade ao tempo da cons-tituição da obrigação trabalhista.

O risco da atividade econômica empreendida pelo sócio (CLT, art. 2º, caput) atrai sua responsabilidade pessoal quando a sociedade não tem bens (Lei nº 6.830/1980, art. 4º, § 3º; CLT, art. 889) para respon-der pelo crédito trabalhista77, solução jurídica sem a qual a fraude tor-nar-se-ia regra, em prejuízo a direitos trabalhistas dotados da qualidade de direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal (CF,

75 Temas polêmicos no novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho. In: DIAS, Carlos Eduardo Oliveira e outros. Os impactos do novo CPC no Processo do Trabalho. Escola Judicial. Tribunal Regional da 15ª Região, 2015. p. 59.

76 Idem, p. 59-60.77 Crédito privilegiado no sistema jurídico brasileiro (CTN, art. 186).

Page 36: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

36 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

art. 7º), além de desconstituir qualquer possibilidade real de estabeleci-mento de relações contratuais baseadas na boa-fé objetiva. As normas procedimentais do processo civil, na precisa lição de Jorge Luiz Souto Maior, devem ser compreendidas “[...] como complementos que sirvam à utilidade do processo do trabalho e não como escudos que inviabili-zem a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista”78.

A doutrina justrabalhista majoritária tem manifestado posição con-trária à aplicação do incidente do novo CPC ao processo do trabalho. Depois de sublinhar que a despersonalização das obrigações constitui verdadeiro princípio do Direito do Trabalho, Cleber Lúcio de Almeida afirma que o princípio da simplificação das formas e dos procedimentos impede a instauração de incidente de desconsideração da personalida-de jurídica como procedimento autônomo79, entendimento no qual é acompanhado por Manoel Carlos Toledo Filho, jurista para o qual o incidente do novo CPC caracteriza-se como figura procedimental “[...] enfadonhamente burocrática”80. É semelhante o entendimento de Iuri Pereira Pinheiro, que reputa inaplicável o incidente autônomo do novo CPC “[...] por incompatibilidade com a processualística laboral, que tem como uma de suas vigas mestras a informalidade”81. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva qualifica o novo incidente como procedimento buro-crático82, para depois concluir que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é manifestamente incompatível com o processo do trabalho, no qual não se admite a intervenção que provoque a sus-pensão do processo83.

Merece destaque a formulação teórica adotada por Manoel Carlos Toledo Filho no particular, jurista que agrega um produtivo elemento hermenêutico ao tratamento do tema quando detecta, com rigor cientí-

78 Relação entre processo civil e o processo do trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 163.

79 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 294.

80 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 333.

81 Reflexões acerca da penhorabilidade de bens à luz do novo CPC – avanços, retrocessos e a possibilidade da derrocada de alguns mitos. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 495.

82 Temas polêmicos no novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho. In: DIAS, Carlos Eduardo Oliveira e outros. Os impactos do novo CPC no Processo do Trabalho. Escola Judicial. Tribunal Regional da 15ª Região, 2015. p. 56.

83 Idem, p. 60.

Page 37: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������37

fico, que o incidente de desconsideração revela-se “[...] rigorosamente incompatível com a diretriz estrutural taxativamente exposta ao Juiz do Trabalho pelo artigo 765 da CLT”84. A produtiva percepção científica de que o art. 765 da CLT é regra representativa de diretriz estrutural do pro-cedimento laboral abre todo um horizonte de exploração hermenêutica para os propósitos do Direito Processual do Trabalho, capacitando os processualistas à reflexão superior proposta por Carlos Henrique Bezerra Leite, no sentido de se perceber que o processo do trabalho nada mais é do que direito constitucional aplicado85.

Norma de sobredireito processual trabalhista, a regra estrutural do art. 765 da CLT conforma hermeneuticamente todo o procedimento do subsistema jurídico laboral brasileiro, irradiando especial eficácia à ju-risdição laboral no propósito da realização dos direitos fundamentais sociais; um preceito cuja potencialidade produtiva espera pela explora-ção hermenêutica dos pesquisadores mais ousados da ciência proces-sual trabalhista.

Atribuir ao credor o ônus da pré-constituição da prova dos pres-supostos legais da desconsideração da personalidade jurídica afronta o princípio da simplicidade das formas e os princípios da celeridade e da efetividade da jurisdição, razão por que também essa exigência torna o incidente do novo CPC incompatível com o processo do trabalho.

9 A QUARTA INCOMPATIBILIDADE ESTÁ NA EXIGÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO

A quarta incompatibilidade decorre da exigência de contraditório prévio (NCPC, art. 135). Na desconsideração da personalidade jurídica adotada na fase de execução do processo trabalhista, o contraditório é diferido, sendo exercido mediante embargos à execução86 após a garan-tia do juízo.

84 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 333.

85 Princípios jurídicos fundamentos do novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 74.

86 Têm sido admitidos embargos de terceiro em determinadas situações concretas. O novo CPC optou por reconhecer ao sócio legitimidade para opor embargos de terceiro quando seu patrimônio é atingido por penhora decorrente de desconsideração da personalidade jurídica. É nesse sentido a previsão do art. 674, § 2º, III, do NCPC: “§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento de embargos: [...] III – quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte”.

Page 38: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

38 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Nas situações em que o contraditório prévio acarretaria prejuízo à própria tutela do direito material, a opção do legislador pela técnica do contraditório diferido é mera consequência da garantia constitucional à tutela jurisdicional efetiva e à técnica jurídica adequada à tutela do direito substancial. A técnica do contraditório diferido está consagra-da, por exemplo, no procedimento de antecipação de tutela previsto no art. 273 do CPC de 1973, não se justificando a resistência de certos setores da doutrina – na acertada observação de Guilherme Guimarães Feliciano – à adoção dessa especial técnica de contraditório, a qual é exigida para assegurar a tempestiva tutela do direito material em deter-minadas situações em que o contraditório prévio acarretaria prejuízo à proteção do direito substancial implicado87.

Exigir contraditório prévio à desconsideração implicaria frustrar o resultado útil da execução, porquanto estimularia o sócio a desviar bens, sobretudo dinheiro depositado em contas correntes e aplicações e outros bens móveis. Com o contraditório prévio à desconsideração da perso-nalidade jurídica, “[...] oportunizam-se, é claro, outras ‘providências’ de caráter defensivo, como, v.g., o esvaziamento das contas bancárias pessoais e familiares, antecipando penhoras eletrônicas...”, de acordo com a realista observação de Guilherme Guimarães Feliciano. “Ora, em especial no processo do trabalho, “avisar” previamente os sócios da provável desconsideração da personalidade jurídica da respectiva so-ciedade empresarial – prossegue o jurista – corresponderá, amiúde, ao comprometimento de todos os esforços executivos da parte ou do juiz”88.

Esse mesmo entendimento encontra-se na doutrina de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva. Após registrar que o incidente do novo CPC tornará a medida constritiva absolutamente ineficaz, o jurista sen-tencia: “[...] não sobrará nada na conta bancária do terceiro (sócio), que, por lei, (art. 795 e parágrafos do novo Código), é responsável subsidiário pelo adimplemento das obrigações da sociedade”89. Para quem conhece as vicissitudes da execução na Justiça do Trabalho, não há exagero na

87 O princípio do contraditório no novo Código de Processo Civil. Aproximações críticas. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 123.

88 Idem, p. 121-2.89 Temas polêmicos no novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho. In: DIAS, Carlos Eduardo Oliveira e

outros. Os impactos do novo CPC no Processo do Trabalho. Escola Judicial. Tribunal Regional da 15ª Região, 2015. p. 59.

Page 39: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������39

crítica que o jurista dirige ao novo instituto: o resultado será nefasto e a efetividade da medida processual será próxima de zero90.

Embora postergado para assegurar a efetividade da jurisdição, o contraditório “[...] é apenas diferido para um momento posterior à cons-trição”, técnica que não viola nenhuma das garantias fundamentais do processo, na lição de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva91. De acor-do com o jurista, “[...] o contraditório será pleno, com possibilidade de defesa, suspensão do processo em relação ao terceiro, produção de provas, decisão, recurso etc., mas num momento ulterior ou subsequen-te (contraditório diferido)”92. Isso porque – prossegue o jurista – sabe-se há muito tempo que a eficácia da medida constritiva resta prejudicada quando se adota a técnica do contraditório antecipado93. O novo CPC optou novamente pela paralisante segurança jurídica do devedor em detrimento da efetividade da jurisdição comum, equívoco no qual não pode incorrer a jurisdição trabalhista se quiser preservar sua vocação histórica para apresentar-se como jurisdição de resultados e seu compro-misso com promessas sociais da Constituição.

No âmbito do processo do trabalho, para a adoção da técnica da superação da personificação societária, basta a prolação de decisão fun-damentada, decisão que desde logo abre as portas para as respectivas medidas de constrição, “[...] sem prejuízo do contraditório que será rea-lizado de modo diferido”94, na precisa síntese de Manoel Carlos Toledo Filho. Nada obstante o contraditório não deva ser antecipado para não prejudicar a execução forçada do direito ao qual o executado opõe re-sistência, não se pode cogitar de violação ao princípio do contraditório, já que “[...] o sócio atingido em seu patrimônio tem remédio próprio para discutir referida decisão dentro do processo de execução, seja via embargos à execução (ou à penhora) ou exceção de pré-executivida-de, quando cabível”, conforme desmistificam Eliana dos Santos Alves Nogueira e José Gonçalves Bento95.

90 Idem, p. 56-57.91 Idem, p. 59.92 Idem, ibidem.93 Idem.94 Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código

de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 333. Vide nota de rodapé nº 23.

95 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 307.

Page 40: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

40 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A doutrina reproduzida encontra amparo na jurisprudência. No que respeita à defesa do sócio na hipótese de desconsideração da per-sonalidade jurídica da respectiva sociedade, tanto a jurisprudência do STJ quanto a jurisprudência do TST têm compreendido, na vigência do CPC de 1973, que a ausência de citação prévia do sócio não é causa de nulidade processual, exatamente porque o respectivo direito de defesa do sócio é assegurado de forma diferida, depois da garantia do juízo pela penhora. Eis as ementas:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECUR-SO ESPECIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DOS SÓCIOS ATINGIDOS – PRECE-DENTES – VERIFICAÇÃO DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL – ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ – AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A INFIRMAR OS FUN-DAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – AGRAVO REGIMENTAL IM-PROVIDO

Segundo a jurisprudência do STJ, a desconsideração da personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contrário e da ampla defesa. Precedentes de ambas as Turmas que integram a Segunda Seção do STJ.

A verificação da presença dos requisitos para a aplicação da disregard doctrine previstos no art. 50 do Código Civil, por constituir matéria fática, é vedada pelo enunciado nº 7 da Súmula do STJ. Precedente.

Se o agravante não traz argumentos aptos a infirmar os fundamentos da decisão agravada, deve-se negar provimento ao agravo regimental. Pre-cedente.

Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-REsp 1523930/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, J. 16.06.2015, DJe 25.06.2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 – EXECUÇÃO INTENTADA CONTRA O ENTE PÚBLICO, SÓCIO DA EM-PRESA EXECUTADA

A jurisprudência deste Tribunal Superior caminha no sentido da possibi-lidade de direcionamento da execução ao ente federado, sócio majoritá-rio da empresa executada, sem que tal procedimento configure qualquer

Page 41: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������41

ofensa à norma constitucional invocada. Isso porque a responsabilida-de patrimonial é direcionada na execução, não sendo necessário que o responsável conste do título executivo e tenha participado do processo de conhecimento. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, AIRR-66400-62.1998.5.01.0050, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, J. 04.02.2015, DEJT 06.02.2015)

Com efeito, na desconsideração da personalidade jurídica realiza-da na execução trabalhista, o contraditório apresenta-se na modalidade de contraditório diferido: a defesa do sócio executado é oportunizada após a garantia do juízo pela penhora (CLT, art. 884).

A adoção da técnica do contraditório diferido é utilizada também na antecipação de tutela (CPC, art. 273, caput) e na liminar concedida em ação de obrigação de fazer ou não fazer (CPC, art. 461, § 3º). Se a técnica do contraditório diferido é adotada pelo legislador mesmo na fase de conhecimento do processo civil, revela-se razoável adotar-se tal técnica jurídica na execução trabalhista, quando da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada, a fim de conferir maior eficácia à jurisdição executiva (CF, art. 5º, XXXV e LXXVIII), mercê do poder geral de cautela que a ordem jurídica confere ao magistrado (CLT, art. 765; CPC, arts. 798 e 804).

Esse poder geral de cautela pode ser exercido de ofício pelo ma-gistrado do trabalho. Foi o que afirmou uma das maiores autoridades do processo civil brasileiro. A opção por citar um jurista do âmbito do processo civil tem o objetivo de neutralizar determinada resistência que a doutrina justrabalhista tem enfrentado, por vezes acusada de adotar posições muito avançadas em detrimento do contraditório prévio e das garantias fundamentais asseguradas aos responsáveis pelo pagamento do crédito trabalhista. Com o advento do novo CPC, a lição de Galeno Lacerda readquire a dimensão histórica que nem sempre foi por nós percebida96:

Considerando-se que, pela prevalência do interesse social indisponível, esse processo se filia mais ao inquisitório, a tal ponto de poder o juiz promover de ofício a execução (art. 878 da CLT), parece evidente que, em consonância com tais poderes e objetivos, caiba ao juízo trabalhista,

96 Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, t. I, 1990. p. 129-130.

Page 42: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

42 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

também, a faculdade de decretar providências cautelares diretas, a bene-fício da parte ou interessados, sem a iniciativa destes.

Na desconsideração da personalidade jurídica, a constrição prévia à citação constitui-se em medida cautelar que tem fundamento jurídico no art. 804 do CPC, norma segundo a qual “é lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer”.

Vale dizer, o sistema jurídico brasileiro é dotado de diversas nor-mas procedimentais que permitem realizar constrição prévia ao contra-ditório quando essa providência prévia se faz necessária para assegurar a tempestiva realização do direito material objeto da causa97.

Exigir citação prévia do sócio executado e postergar a constrição tende a tornar a medida de bloqueio de numerário ineficaz98. Essa mes-ma ineficácia tende a ocorrer quanto à constrição de veículo e outros bens móveis, especialmente tendo em consideração a orientação da Sú-mula nº 375 do STJ99, que exige prévio registro da penhora para só então reconhecer fraude à execução na alienação do bem, diretriz jurispru-dencial que, embora tenha por objetivo a tutela do interesse do terceiro adquirente de boa-fé, tem fomentado o fenômeno da fraude patrimonial denunciada por Manoel Antonio Teixeira Filho. Para o processualista, “a orientação jurisprudencial cristalizada nessa Súmula estimula as velha-cadas do devedor ao tornar mais difícil a configuração do ilícito proces-sual da fraude à execução”100.

97 Na execução fiscal, não se faz necessário adotar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC para redirecionar a execução aos bens do sócio-gerente. É a conclusão do Enunciado nº 53 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam: “O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos art. 133 do CPC/2015”.

98 É oportuno assinalar que o sistema legal brasileiro dá preferência à penhora de dinheiro, em detrimento de outros bens cuja expropriação acarreta dilação procedimental e despesas processuais, diretriz legislativa que visa à efetividade da jurisdição e à razoável duração do processo (CF, art. 5º, XXXV e LXXVIII). Tanto a CLT (art. 882) quanto a LEF (art. 11, I) elegem dinheiro como bem preferencial à penhora. Mesmo o processo civil adota tal previsão legal (art. 655).

99 S. 375/STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.

100 Execução no processo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 19. Manoel Antonio Teixeira Filho sustenta a incompatibilidade da S. 375/STJ com o processo do trabalho, ponderando ser da tradição jurídica considerar-se que a fraude à execução caracteriza-se pelos fatos objetivos da alienação do bem e da insolvência do devedor, com presunção de má-fé do devedor. Na sequência, argumenta que o art. 593 do CPC

Page 43: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������43

Tem razão Luciano Athayde Chaves quando pondera que é ne-cessário considerar que o sócio não é um terceiro qualquer, alheio às obrigações da empresa que integra: “[...] o sócio é partícipe do empre-endimento”, na medida em que a pessoa jurídica é uma ficção legal, administrada por pessoas naturais101.

A natural assimilação do princípio da primazia da realidade pelo Direito do Trabalho torna ainda mais intuitiva a consideração de que, no âmbito do subsistema jurídico trabalhista, a personificação societária é compreendida como mera ficção jurídica concebida ao fomento da atividade econômica e, por isso mesmo, “[...] há de ser preservada a presunção de que os seres humanos por detrás da pessoa jurídica são sabedores do que se passa com ela”, conforme prelecionam Eliana dos Santos Alves Nogueira e José Gonçalves Bento102 no estudo do tema. Embora possa parecer elementar, a reprodução da assertiva é necessária diante de uma certa cultura de resistência generalizada ao cumprimento de decisões judiciais em nosso País, fenômeno que levou o processu-alista Luciano Athayde Chaves à impressiva consideração de que“[...] acostumamo-nos com isso em nosso país, como se houvesse um direito (fundamental?) ao descumprimento de obrigações. Mas, não se trata de ethos compatível com a força normativa da Constituição, que (re)afirma a segurança jurídica como valor e a efetividade das tutelas jurisdicionais (essa sim!) como garantia fundamental”103.

Em conclusão, submeter a desconsideração da personalidade ju-rídica à exigência de contraditório prévio implicaria retrocesso procedi-mental incompatível com o princípio da simplicidade das formas, além de acarretar perda de efetividade da jurisdição trabalhista, fundamentos

não exige o registro da penhora ou má-fé do terceiro adquirente para a configuração de fraude à execução; e recusa se transferir ao credor o ônus da prova quanto à existência de má-fé do terceiro adquirente, por ser ônus probatório de difícil atendimento.

101 O novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: uma análise sob a ótica do cumprimento da sentença e da execução forçada. O artigo é uma versão adaptada da exposição realizada no I Seminário Nacional sobre a Efetividade da Execução Trabalhista, promovido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), no dia 7 de maio de 2015. mimeo.

102 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 303.

103 O novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: uma análise sob a ótica do cumprimento da sentença e da execução forçada. O artigo é uma versão adaptada da exposição realizada no I Seminário Nacional sobre a Efetividade da Execução Trabalhista, promovido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), no dia 7 de maio de 2015. mimeo.

Page 44: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

44 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pelos quais não se faz presente o requisito axiológico da compatibilida-de do incidente do CPC de 2015 com o Direito Processual do Trabalho.

10 A QUINTA INCOMPATIBILIDADE RESIDE NA PREVISÃO DE RECURSO IMEDIATO

A quinta incompatibilidade reside na previsão de existência de recurso imediato da decisão interlocutória que desconsidera a perso-nalidade jurídica da sociedade empresarial (NCPC, art. 136 e parágrafo único).

A incompatibilidade decorre do fato de que – regra geral – as de-cisões interlocutórias não estão sujeitas a recurso imediato no processo do trabalho: a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias é remetida à oportunidade do recurso cabível da decisão definitiva na respectiva fase processual em que a decisão interlocutória foi proferida (CLT, art. 893, § 1º). Esse aspecto do procedimento laboral é identificado como traço característico da especialização do processo do trabalho, especialização que se completa no âmbito de seu sistema recursal pela opção legislativa de limitar o recurso de agravo de instrumento à finali-dade de destrancar recurso denegado (CLT, art. 897, b).

O compromisso social da jurisdição especializada do trabalho com a efetividade da tutela do direito material trabalhista não poderia ter con-duzido a teoria processual laboral brasileira a outro caminho que não fosse a afirmação da especialidade de seu procedimento simplificado, o qual tem na regra da irrecorribilidade imediata das decisões interlocu-tórias um de seus elementos hermenêuticos estruturais. Esse elemento estrutural está presente em todas as fases do itinerário procedimental trabalhista, inclusive na fase de execução, conforme lição pacífica da doutrina justrabalhista.

A doutrina de Cleber Lúcio de Almeida contextualiza com preci-são a relação existente entre a regra da irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias no processo do trabalho e a técnica da desconsi-deração da personalidade jurídica, revelando que a sistemática recursal trabalhista assegura contraditório – diferido – à pessoa cujo bem é atin-gido pelo ato de penhora derivado da desconsideração da personalida-de jurídica. A síntese adotada pelo jurista está assim enunciada104: “Na

104 Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 294.

Page 45: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������45

execução, a decisão sobre a desconsideração é interlocutória, o que a torna irrecorrível (art. 893, § 1º, da CLT), podendo o sócio (desconside-ração clássica) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) voltar ao tema em embargos à execução, a serem ajuizados depois da garantia do juízo”.

A sentença que julga os embargos à execução (CLT, art. 884, § 4º) corresponde à decisão definitiva de que trata o art. 893, § 1º, da CLT. Essa sentença está sujeita ao recurso de agravo de petição previsto no art. 897, a, da CLT, de modo que o sistema recursal trabalhista as-segura ao executado o direito de submeter o merecimento da decisão de desconsideração da personalidade jurídica ao duplo grau de jurisdi-ção. Daí porque não parece correta a opinião manifestada no Enunciado nº 126 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Segundo o referi-do enunciado, “no processo do trabalho, da decisão que resolve o inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo”105.

O recurso de agravo de petição, a teor do art. 893, § 1º, da CLT, tem cabimento contra a sentença – decisão definitiva – que julga os embargos à execução e que reexaminará a decisão interlocutória que determinara a desconsideração da personalidade jurídica. A decisão in-terlocutória que determina a desconsideração da personalidade jurídica é anterior à sentença de embargos e não estará, por conseguinte, sujeita a recurso imediato por se constituir em decisão interlocutória cujo mere-cimento somente pode ser apreciado na sentença que julga os embargos à execução. É dessa última decisão – sentença – que cabe o recurso de agravo de petição para submeter ao Tribunal Regional do Trabalho o exame do merecimento da decisão interlocutória que determinara a des-consideração da personalidade jurídica.

Embora seja legítimo ao Fórum Permanente de Processualistas Ci-vis postular determinada interpretação acerca do alcance nas normas do novo CPC no âmbito do processo do trabalho, porquanto a exploração hermenêutica deve ser recebida com espírito científico no advento de um novo código de processo civil, não parece que se possa desnaturar o especial subsistema jurídico laboral a pretexto de pretender aplicar-lhe norma do novo CPC que, por contrariar as peculiaridades de seu siste-

105 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 133.

Page 46: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

46 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ma recursal, acaba por revelar-se incompatível com o direito processual trabalhista.

Não havendo possibilidade de recurso imediato da decisão de desconsideração da personalidade jurídica no subsistema jurídico labo-ral por força da previsão do art. 893, § 1º, da CLT, emerge induvidosa a incompatibilidade do incidente do CPC de 2015 com o princípio da irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias no Direito Pro-cessual do Trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A eficácia da jurisdição parece ser a esfinge da Justiça do Traba-lho. É no desafio de dar concretude à jurisdição trabalhista que se há de enfrentar a questão de saber se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC aplica-se ao processo do trabalho.

Na teoria processual justrabalhista majoritária que vem se forman-do sobre o tema desde o advento do Código de Processo Civil de 2015, tem prevalecido categórica rejeição à aplicação do incidente de descon-sideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC no Processo do Trabalho, rejeição fundada sobretudo no argumento de que o inci-dente do CPC de 2015 não atende ao critério científico da compatibili-dade exigido para a aplicação subsidiária do direito processual comum ao processo do trabalho. Tem prevalecido o entendimento de que o in-cidente do novo CPC contraria diversos princípios do Direito Processual do Trabalho, de modo que a aplicação do incidente ao processo do tra-balho não passaria pelo crivo da compatibilidade exigida pelos arts. 769 e 889 da CLT, preceitos compreendidos enquanto normas de contenção ao ingresso indevido de dispositivos de direito processual comum no direito processual do trabalho106.

A majoritária rejeição ao incidente pode ser compreendida diante do itinerário histórico que o processo do trabalho percorreu na afirma-ção de sua autonomia científica em relação ao processo civil, sobretudo considerando-se que cumpre ao subsistema jurídico trabalhista equacio-

106 Também identificadas como normas de proteção, os arts. 769 e 889 da CLT têm sido compreendidos como normas de contenção à influência indevida de normas de direito processual comum capazes de causar complexidade procedimental, retardamento processual e perda de efetividade da jurisdição trabalhista.

Page 47: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������47

nar a desigualdade que caracteriza tanto a relação de direito material trabalhista quanto a respectiva relação de direito processual, propósito para o qual o incidente do novo CPC caracteriza-se como verdadeiro obstáculo, na medida em que dificulta e burocratiza o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, acarretando severa perda de efetividade à jurisdição trabalhista em relação ao procedimento simplifi-cado hoje praticado de ofício.

Essa assimetria é objeto da atenção do direito material do traba-lho, que, ao instituir normas concebidas para reequilibrar o desnível da relação de direito substancial, estabelece vantagens jurídicas em favor da parte mais frágil destinadas a compensar as vantagens econômicas da parte mais forte. A equação dessa assimetria faz evocar o princípio cor-retor das desigualdades, fórmula conceitual superior com a qual Couture explicita o conteúdo do princípio da proteção na perspectiva da ética aristotélica: igualar os desiguais mediante tratamento desigual proporcio-nal à desigualdade. Pois bem, também ao direito processual do trabalho comunica-se o encargo de promover a equalização das desigualdades, pois as desigualdades originárias da relação econômica se reproduzem no âmbito da relação processual e demandam tratamento procedimental destinado a promover o reequilíbrio da relação processual.

A doutrina justrabalhista majoritária tem compreendido que o in-cidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo CPC contraria o propósito superior de promover tal equalização na fase de execução do processo trabalhista, rompendo com a simplificada e produtiva fórmula do contraditório diferido consagrada historicamente no subsistema jurídico procedimental trabalhista ao longo de sete dé-cadas, no que diz respeito à aplicação da técnica da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada. Vale dizer: de um lado, o incidente não seria compatível com diversos princípios do Di-reito Processual do Trabalho; de outro lado, o incidente rompe com a simplificada e produtiva fórmula do contraditório diferido praticada no subsistema jurídico procedimental trabalhista, de modo que a aplicação do incidente ao subsistema jurídico trabalhista representaria histórico retrocesso procedimental, com prejuízo severo à efetividade da jurisdi-ção e à própria realização dos direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal e na legislação trabalhista.

Page 48: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

48 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

ALMEIDA, Wânia Guimarães Rabêllo de. A teoria dinâmica do ônus da prova. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

BARACAT, Eduardo Milléo. Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada no processo do trabalho: interpretação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. In: SANTOS, José Aparecido dos (Coord.). Execução Trabalhista. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010.

BARBAGELATA, Héctor-Hugo. El particularismo del derecho del trabajo y los derechos humanos laborales. 2. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Uni-versitária, 2009.

BEBBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997.

BENTO, José Gonçalves; NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, Ideologías e Sociedad. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1974.

CARRION, Valentin. Comentários à CLT. 38. ed. Atual. Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2013.

CHAVES, Luciano Athayde. Interpretação, aplicação e integração do Direito Processual do Trabalho. In: _____ (Org.). Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

______. O novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: uma aná-lise sob a ótica do cumprimento da sentença e da execução forçada. O artigo é uma versão adaptada da exposição realizada no I Seminário Nacional sobre a Efetividade da Execução Trabalhista, promovido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfei-çoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), no dia 7 de maio de 2015. mimeo.

CLAUS, Ben-Hur Silveira. Execução trabalhista: da desconsideração clássica à desconsideração inversa da personalidade jurídica. Revista do Tribunal Regio-nal do Trabalho da 4ª Região, Porto Alegre, n. 42, 2014.

Page 49: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������49

DELGADO, Gabriela Neves, DUTRA, Renata Queiroz. A aplicação das con-venções processuais do novo CPC ao Processo do Trabalho na perspectiva dos direito fundamentais. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. O novo CPC e a preservação ontológica do processo do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, n. 379, jul. 2015.

DUTRA, Renata Queiroz; DELGADO, Gabriela Neves. A aplicação das con-venções processuais do novo CPC ao Processo do Trabalho na perspectiva dos direito fundamentais. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. O princípio do contraditório no novo Código de Processo Civil. Aproximações críticas. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

______. O novo Código de Processo Civil e as prerrogativas de magistratura nacional: reflexões de um juiz. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

FONSECA, Bruno Gomes Borges. Reflexos do novo Código de Processo Civil na atuação do Ministério Público do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

GASPAR, Danilo Gonçalves. Noções conceituais sobre tutela provisória no novo CPC e suas implicações no Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Traba-lho. Salvador: JusPodivm, 2015.

GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta; GEMIGNANI, Daniel. Litisconsórcio e intervenção de terceiros: o novo CPC e o Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

GEMIGNANI, Daniel; GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Litisconsórcio e intervenção de terceiros: o novo CPC e o Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Processo do trabalho e processo comum. Revista de Direito do Trabalho, 15:87.

Page 50: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

50 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

JAKUTIS, Paulo Sérgio. A influência do novo CPC no ônus da prova trabalhis-ta. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, t. I, 1990.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direito Processual do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010.

LORENZETTI, Ari Pedro. A responsabilidade pelos créditos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2003.

LUDWIG, Guilherme Guimarães. O Princípio da eficiência como vetor de interpretação da norma processual trabalhista e a aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

MEIRELES, Edilton. O novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MIESSA, Élisson (Org.). O Novo código de processo civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC – Lei 13.015/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves; BENTO, José Gonçalves. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

OLIVEIRA, Carlos Ramos. Justiça do Trabalho. Revista do Trabalho, fev. 1938.

PEREIRA, Iuri Pereira. Reflexões acerca da penhorabilidade de bens à luz do novo CPC – avanços, retrocessos e a possibilidade da derrocada de alguns mi-tos. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

PEREIRA, Ricardo José Macedo de Britto. O novo Código de Processo Civil e seus possíveis impactos nos recursos trabalhistas. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

Page 51: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������51

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 1. ed., 4. tir. São Paulo: LTr, 1996.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1977.

SCHIAVI, Mauro. A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 9, 2015.

SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Temas polêmicos no novo CPC e sua aplicação no Processo do Trabalho. In: DIAS, Carlos Eduardo Oliveira e outros. Os impactos do novo CPC no Processo do Trabalho. Escola Judicial. Tribunal Regional da 15ª Região, 2015.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2013.

TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: MIESSA, Elisson (Org.). Novo Código de Proces-so Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2015.

Page 52: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Assunto Especial – Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo CPC

Primeiras Reflexões Sobre o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica

First Reflections on the Legal Personality Disregard Incident

JOSé TADEU NEVES XAVIERDoutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Pro-fessor e Coordenador de Cursos de Pós-Graduação da Faculdade IDC, Professor da Faculdade Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul – Femargs. Advogado da União.

RESUMO: Entre as diversas inovações trazidas pela nova legislação processual está a inserção em nossa sistemática procedimental do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O re-ferido incidente poderá ser instaurado em qualquer fase processual, inclusive em sede de tribunal, com aptidão para proporcionar a ampliação do polo passivo da demanda. O presente estudo tem por escopo apresentar uma primeira abordagem sobre as principais implicações que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica irá proporcionar no procedimento civil.

PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração da personalidade jurídica; novo Código de Processo Civil; inci-dente processual; fraude à execução.

ABSTRACT: Among many innovations introduced by the new Civil Procedure Code, the disregard of legal entity it is one of the most important. The lifting of the veil may be made at any time during the lawsuit, including at Court, with the possibility to extend the defendant part. This study has the scope to present a first approach to the major implications that the disregard of the corporate veil will provide to the civil procedure.

KEYWORDS: Piercing the corporate veil; new Civil Procedure Code; procedural issue; fraud enforce-ment.

SUMÁRIO: 1 Considerações introdutórias; 2 A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no direito brasileiro (aspectos materiais); 3 A processualização da disregard doctrine no novo Código de Processo Civil; 4 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica; 4.1 Forma do pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica; 4.2 Procedimento do inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica; 4.2.1 Citação do administrador, do sócio ou da pessoa jurídica; 4.3 A natureza da decisão que aplica a desconsideração da personalidade jurídica e a forma recursal correspondente; 5 Incidente de desconsideração em sede de tribunais; 6 O incidente de desconsideração e a caracterização de fraude à execução; 7 Considerações finais; Referências.

Page 53: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������53

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica representa um dos exemplos mais emblemáticos do ativismo jurisprudencial expe-rimentado nas últimas décadas no cenário do Direito brasileiro. Apesar de sua origem estrangeira, a disregard doctrine encontrou no Direito nacional solo fértil para a sua consolidação, garantindo presença cativa em nossos debates jurídicos.

A consagração da doutrina da desconsideração ocorreu, em um primeiro momento, no ambiente pretoriano, a partir da década de oiten-ta do século passado. A sua positivação, porém, foi tardia, sendo cons-truída de forma paulatina, por meio de legislações esparsas, até alcançar plena realização com o advento do Código Civil central de 2002, que a ela dedicou disposição normativa específica.

A normatização desta figura jurídica, no entanto, foi concretizada tão somente no plano material, sendo que o tema continuava carecendo de atenção no aspecto concernente a sua efetivação no âmbito proces-sual, ambiente no qual se realiza por meio de sua aplicação aos casos concretos. Tal lacuna abriu espaço para um rosário de debates sobre a definição da melhor técnica de sua efetivação no seio do processo civil, sem risco de ofensa aos ditames básicos do ordenamento processual.

A nova legislação processual, atendendo às reivindicações dou-trinárias, enfim realizou a tão desejada regulamentação procedimental da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, orientando a sua efetivação sob a moldura de incidente processual. A inovação está consolidada nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil, com a inserção do incidente entre as espécies de intervenção de terceiros. Embora tal novidade não passe indene a críticas, a iniciativa do legislador processual é altamente louvável e representa passo his-tórico na consolidação de nova fase para a concretização da disregard doctrine no Direito brasileiro.

2 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO (ASPECTOS MATERIAIS)

A concepção da pessoa jurídica como entidade dotada de autono-mia, sendo considerada como sujeito de direito distinto em relação aos membros que a compõem, comumente agregada ao regime de limitação

Page 54: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

54 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

de responsabilidade, traz à tona inevitável problemática resultante da possibilidade de sua utilização abusiva, ou seja, desvirtuada dos fins que inspiraram a sua inserção no pensamento jurídico. Na busca de encon-trar solução adequada a essa indesejada situação, o ativismo pretoriano desenvolveu a chamada teoria da desconsideração da personalidade ju-rídica, autorizando o julgador, quando da análise do caso concreto, a desprezar os efeitos da personificação, mormente em relação à limitação de responsabilidade e, consequentemente, atribuir a responsabilidade por dívidas, formalmente pertencentes à entidade, aos seus sócios ou aos administradores.

A formulação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve início no ventre da jurisprudência da Common Law, em decisões que datam do século XIX, nas quais ficou conhecida como disregard doctrine, piercing the corporate veil, lifting the corporate veil ou cracking open the corporate shell. Logo, considerando a temática dentro da história do Direito, é, portanto, ainda recente. A doutrina es-pecializada no assunto costuma indicar que existe clássica controvérsia sobre o verdadeiro leading case pioneiro no tema, polarizando-se en-tre a decisão proferida na solução do processo Banck of Unied States v. Deveaux, julgado em 1807, no sistema norte-americano, e o caso Salomon v. Salomon Co. Ltd., do Direito inglês, datado de 18971, que deu origem ao chamado salomon principle, que ainda hoje orienta deci-sões no sistema da Common Law.

1 Fredie Didier Jr. sintetiza o caso Salomon v. Salomon Co. Ltd.: “Aron Salomon era um fabricante de botas de couro e sapatos na segunda metade do século XIX. Após trinta anos de atividade como empresário individual, ele conseguiu amealhar riqueza considerável. No final do século XIX, seus filhos mais velhos quiseram associar-se à empresa. Aron Salomon, então, constituiu em 1892 uma sociedade cujos sócios tinham responsabilidade limitada. Ele, a esposa e os cinco filhos mais velhos subscreveram capital. Aron Salomon integralizou sua parte no capital com o próprio negócio do qual era proprietário individual, tendo recebido, ainda, alguns títulos como dívida da sociedade constituída para com ele. Após uma série de greves, o governo inglês, que era o principal cliente de Salomon, resolveu diversificar seus fornecedores de sapatos e botas de couro. Os estoques de A. Salomon Ltd. cresceram exponencialmente e não se conseguiu dar vazão à produção. A sociedade entrou em dificuldades financeiras. Os aportes feitos pelo próprio Salomon, pela esposa e por um terceiro (Edmund Broderip, que emprestou 5.000 libras para a sociedade e recebeu títulos da dívida – ‘debêntures’ – remunerados com 10% de juros) também não foram suficientes para reerguer a sociedade. Na segunda metade de 1893, a sociedade entrou em liquidação. A discussão, a partir daí, passou a ser sobre a imputação de responsabilidade ao Aron Salomon pelo pagamento das dívidas da sociedade insolvente” (Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015. p. 514-515). É importante anotar que a aplicação da disregard doctrine ao caso ocorreu somente no julgamento proferido em sede de apelação, constituindo então o leading case da teoria. A decisão final sobre a lide foi proferida pela House of Lords, que reverteu o julgamento da apelação e reafirmou a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a limitação de responsabilidade dos sócios.

Page 55: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������55

No Direito interno, as primeiras notícias sobre a aplicação da te-oria da desconsideração datam de 1955, em julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que, fundado na existência de confu-são patrimonial entre sócio e sociedade, afastou o dogma da separação de esferas econômicas entre a entidade e seus membros, responsabili-zando o sócio de entidade dedicada ao ramo empresarial, que se valeu da personalidade da sociedade para adquirir bens de uso doméstico2.

No âmbito acadêmico nacional, o prenúncio no estudo da teo-ria da desconsideração da personalidade jurídica é atribuído ao juris-ta Rubens Requião, que, em 1969, proferiu conferência na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, teve versão publicada sob o título “Abuso e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine)3. A esse trabalho se seguiram dois estudos, atualmente consi-derados clássicos, na abordagem do assunto. Em 1976, Fábio Konder Comparato publicou a obra Poder de controle na sociedade anônima4, e, em 1979, Lamartine Corrêa de Oliveira editou ensaio intitulado A dupla crise da pessoa jurídica5.

Na seara legislativa, o pioneirismo na positivação da matéria é atribuído à legislação consumerista, no que foi acompanhada de algu-mas legislações especiais posteriores. O Código de Defesa do Consumi-dor normatizou a teoria da desconsideração no art. 28, dispondo que

o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quan-do, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou con-trato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

No § 5º deste dispositivo é autorizada a desconsideração da enti-dade personificada sempre que a personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Em 1994, a Lei Antitruste – Lei nº 8.884 – repetiu a redação contida no estatuto consumerista, permitindo a ampliação da responsabilidade da

2 Apelação Civil nº 9247, Julgada em novembro de 1955, Revista dos Tribunais, v. 238, p. 393-395.3 Revista dos Tribunais, v. 410, p. 12-24, dez. 1969.4 O poder de controle na sociedade anônima. 6. ed. atual. Calixto Salomão Filho, São Paulo: RT, 2014. Esta

obra conta com edição atualizada por Calixto Salomão Filho.5 A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.

Page 56: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

56 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pessoa jurídica aos seus membros na atividade de prevenção e repres-são às infrações contra a ordem econômica. Atualmente esta legislação encontra-se revogada, sendo a matéria regulada na Lei nº 12.529/2011, que mantém idêntica redação no seu art. 346. A teoria da disregard doctrine também foi positivada na legislação de responsabilidade am-biental (Lei nº 9.605/1995), que, em seu art. 4º, prevê: “Poderá ser des-considerada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obs-táculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Finalmente, a Codificação Civil de 2002 trouxe a cláusula geral da teoria da desconsideração para o direito privado nacional, em seu art. 50:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a reque-rimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.7

Em todas estas disposições sempre foi preservada a noção de que tal disciplina não visa atingir a extinção da pessoa jurídica, represen-tando hipótese de ineficácia episódica do fenômeno da personificação, afastando, tão somente para o caso concreto, as consequências da sepa-ração patrimonial, estendendo a responsabilidade por determinados atos aos sócios ou administradores da entidade, atingindo, assim, patrimônio pessoal destes8.

6 “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

7 Em relação à análise do art. 50 do Código Civil, remetemos o leitor ao nosso estudo “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica no novo Código Civil” (Revista de Direito Privado, p. 69-85, n. 10, 2002). Mais recentemente, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) normatizou a desconsideração na seara administrativa, ou seja, independentemente de decisão judicial, prevendo, em seu art. 14, que “a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa”.

8 Neste sentido lecionou Rubens Requião (“a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas e os bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos” – REQUIÃO, Rubens. Abuso e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). Revista dos Tribunais, v. 410, p. 14, dez. 1969), no que foi seguido por Fábio Konder Comparato (“importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e desconsideração (relativa) da personalidade jurídica. Na primeira, a

Page 57: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������57

O mosaico legislativo, referente à positivação da desconsideração da personalidade jurídica, propiciou a consolidação de duas teorias pro-postas por Fábio Ulhoa Coelho, para sistematização a matéria9. Na visão deste autor há duas possibilidades de efetivação da disregard doctrine, chamadas de teoria maior e menor. A primeira não se contenta com a mera insolvência patrimonial da pessoa jurídica para que se busca a res-ponsabilidade pessoal dos seus membros ou administradores, impondo, também, a necessidade de existência de abuso na utilização da entidade personificada. A sua incidência é verificada na realização das disposições constantes do art. 50 da Codificação Civil; no art. 28, caput, do Código de Defesa do Consumidor; e na legislação antitruste. A teoria menor, por sua vez, autoriza a extensão da responsabilidade da pessoa jurídica pela mera verificação de sua insolvência, ocasionando prejuízos à realização dos direitos dos credores. Nesta modalidade, a análise da ocorrência de conduta abusiva na utilização da entidade é despicienda. Tal versão é efetivada na aplicação da previsão constante do § 5º do art. 28 do Estatuto Consumerista e na lei de responsabilidade ambiental. Em relação a esta última, Alexandre Freitas Câmara explica pontualmente que

nos processos que versem sobre matéria ambiental o único requisito para a desconsideração da personalidade jurídica é que a sociedade não te-nha patrimônio suficiente para assegurar a reparação do dano ambiental que tenha causado, permitida, assim, a extensão da responsabilidade pa-trimonial do sócio (ou vice-versa, no caso de desconsideração inversa), pouco importando se houve dolo, fraude, má-fé ou qualquer outra forma de se qualificar a intenção de quem praticou o ato poluidor.10

pessoa coletiva desaparece como sujeito autônomo, em razão da falta original ou superveniente das suas condições de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social ou a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva distinta da pessoa de seus sócios ou componentes. Mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão só para o caso concreto” – op. cit., p. 283).

9 Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. A referência à teoria maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica foi, posteriormente, abandonada por Fábio Ulhoa Coelho, chegando a consignar: “Em 1999, quando era significativa a quantidade de decisões judiciais desvirtuando a teoria de desconsideração, cheguei a chamar sua aplicação incorreta de ‘teoria menor’, reservando à correta a expressão ‘teoria maior’. Mas a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de ‘maior’ e ‘menor’ mostram-se, agora, felizmente, ultrapassados” – idem, p. 70. Porém, tal formulação parece ter alçado vida própria, e continua sendo corrente tanto em nível doutrinário como pretoriano.

10 Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e Bruno Dantas. São Paulo: RT, 2015. p. 427. O SJT já teve oportunidade de manifestar simpatia à existência destas duas formas de compreensão sobre a aplicação da disregard doctrine em diversas ocasiões, entre as quais pode ser colocada em destaque aresto bastante conhecido proferido no julgamento sobre a responsabilidade decorrente de explosão ocorrida em Shopping Center na cidade de Osasco/SP, assim ementado: “Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP.

Page 58: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

58 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A autonomia e, por conseguinte, o convívio das teorias sobre a aplicação da disregard doctrine em nosso sistema jurídico foi ratifica-da tanto nas Jornadas de Direito Civil quando nas Jornadas de Direito Comercial. Na primeira, o Enunciado nº 51 conclui que “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”. Na Jornada mercantil foi publicado o Enunciado nº 9, dispondo: “Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT”11.

3 A PROCESSUALIZAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O sistema jurídico instaurado pela nova codificação processual anuncia duas maneiras de levar a juízo o debate sobre a presença dos

Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculos ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º – Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da Ordem Econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se aqui, para além da prova da insolvência, ou a demonstração do desvio de finalidade (teria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência deste dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos não conhecidos” (STJ, REsp 279.273/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 3ª T., Rel. p/ Ac. Min. Nancy Andrighi, DJe 29.03.2004).

11 Há uma série de outros enunciados nas Jornadas de Direito Civil destinados ao tema da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos: Enunciado nº 7 – art. 50: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido; Enunciado nº 146 – art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial; Enunciado nº 281 – art. 50: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica; Enunciado nº 282 – art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica; Enunciado nº 283 – art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros; Enunciado nº 284 – art. 50: As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica; Enunciado nº 285 – art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

Page 59: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������59

requisitos ensejadores da aplicação da teoria da desconsideração: o pe-dido originário e o incidental12.

O tema será enfrentado de maneira originária quando o pedido de aplicação da disregard of the legal entity já é apresentado no momen-to da propositura da demanda, proporcionando litisconsórcio passivo13 desde o começo do processo14. Nesta hipótese, o sócio ou administra-dor (ou eventualmente a pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) farão parte do processo desde o seu início, sendo citados para apresentar defesa, e o julgador decidirá tanto sobre a adequação da sua responsabilização quanto sobre o mérito da lide, ou seja, o objeto da demanda. A decisão sobre a desconsideração poderá ocorrer durante o curso do processo, na forma de interlocutória, ou vir inserida no corpo da sentença, ao final do feito.

A alegação poderá advir, também, por meio de incidente proces-sual, colocado na nova codificação como espécie de intervenção de terceiros, na condição de técnica de ingresso forçado no processo, com aptidão para produzir eventual litisconsórcio passivo posterior, em uma ampliação subjetiva da demanda15. Tal inovação oferece uma série de

12 De forma bastante peculiar Fredie Didier Jr. aponta a existência de uma terceira via para a provocação do debate judicial visando à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, lecionando que “é possível formular pedido autônomo de desconsideração da personalidade jurídica, sem que seja cumulado com nenhum outro”. E explica: “Neste caso, o autor propõe a demanda originariamente contra aquele a quem imputa a prática de uso abusivo da personalidade jurídica e em cujo patrimônio pretende buscar a responsabilidade patrimonial – não haverá litisconsórcio nem cumulação de pedidos” (op. cit., p. 520). Seguimos pensamento diverso, acreditando que não se mostra viável em nossa sistemática processual a existência de “demanda autônoma de desconsideração”.

13 Esta é a orientação adotada pelo Fórum Permanente de Processo Civil, em seu Enunciado nº 125, in verbis: “Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentalmente no processo”.

14 De forma didática Elpídio Donizetti explica: “se o requerimento se der na petição inicial, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para contestar o pedido principal e aquele referente à desconsideração. Por exemplo: A propõe demanda em face de B Ltda., para cobrar determinada quantia. Na petição inicial, A requer, ainda, a desconsideração da pessoa jurídica B Ltda. Ao despachar a inicial, o juiz determina a citação de B Ltda. para, se quiser, contestar o crédito, bem como a citação do sócio de B Ltda. para se manifestar sobre o pedido de desconsideração. Como se tratam de responsabilidades com fundamentos distintos, a pessoa jurídica e o sócio serão necessariamente citados” (Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas, 2015., p. 116).

15 Comentando sobre a opção da nova Codificação Processual, no sentido de inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica como forma de intervenção de terceiro, Luis Alberto Reichelt anota: “o fato é que, sob o pálio do incidente em questão, o sujeito cujo patrimônio se pretende seja responsabilizado mediante a desconsideração da personalidade jurídica é ‘terceiro’ quando do início do debate processual. Não é ele autor, pois não é o responsável pelo pleito de tutela jurisdicional, nem é réu, dado que não é em face dele que a tutela jurisdicional foi originariamente solicitada. Como seu ingresso na relação processual, aquele que originariamente era um terceiro passa a assumir a condição de parte, formando com o réu original um litisconsórcio passivo facultativo unitário” (A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 98, p. 249, mar./abr. 2015).

Page 60: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

60 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

vantagens na medida em que permite o debate e a eventual efetivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no próprio pro-cedimento, tornando despicienda a instauração de demanda autônoma ou evitando que sejam negligenciados os postulados que balizam o ideal de realização do processo justo.

Até então não havia uniformidade de entendimento sobre a pro-cessualização da teoria da desconsideração, mormente em relação a sua ocorrência durante o processo. Não eram poucos os casos em que os tribunais acolhiam a possibilidade de a ampliação da disregard doctrine acontecer do curso da demanda, mas desprezando a necessidade de se atender a maiores formalidades prévias, optando por permitir o contra-ditório diferido, ou seja, postergado para momento posterior ao ato de aplicação do polo passivo. A citação prévia daqueles que seriam atin-gidos pela ampliação da responsabilidade acabava sendo dispensada, o que colocava em risco a efetivação do ideal de um processo justo, eis que, conforme o ditame constitucional, ninguém poderá ser privado de seus bens sem o devido processo legal. Analisando tal postura dos tribunais, Alexandre Freitas Câmara não poupou críticas a esta técnica procedimental equivocada, argumentando que esta prática

contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta diretamente os interes-ses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial.

E explica:

ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permita àquele que está na imi-nência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no proces-so se é ou não legítimo que seu patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica.16

Por outro lado, não são poucos os precedentes jurisprudenciais em que se verifica a preocupação com o contraditório prévio, como requisi-to indispensável para a decisão sobre a aplicação incidental da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Daniel Amorim Assumpção

16 Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e Bruno Dantas. São Paulo: RT, 2015, p. 425-27.

Page 61: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������61

Neves, ao apreciar esta inovação procedimental, lembra que a opção já se fazia presente em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que se fundava nos princípios da celeridade e da economia processual, escla-recendo:

Exigir um processo de conhecimento para se chegar à desconsideração da personalidade jurídica atrasaria de forma significativa a satisfação do direito, além de ser claramente um caminho mais complexo que um mero incidente processual na própria execução ou na falência

E conclui, assim, que “tais motivos certamente influenciaram o legislador a consagrar a natureza de incidente processual ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica”17.

A novidade da normatização do incidente de desconsideração traz à tona o debate sobre a possibilidade de esta ampliação de responsa-bilidade patrimonial vir a ser efetivada de ofício pelo julgador, sem a necessidade, portanto, de provocação da parte interessada (ou do Minis-tério Público). Neste aspecto, o caput do art. 133 da nova Codificação Processual é ratificado pela previsão contida no art. 795, § 4º, dispondo que, “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”.

Em um primeiro momento, parece bastante sedutora a adoção de raciocínio mais simplista, apegado à estrita dicção legislativa, levando à conclusão de que a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica dependeria, sempre, da postulação da parte, conforme perfilha-do no texto da lei. Nesta trilha seguem Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, defendendo que, “segundo o CPC 133, o juiz só analisará a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica caso a parte interessada ou o MP requerer a providência. Não pode, pois, aplicar a desconsideração ex officio”18.

Acreditamos que a questão deve ser focada com base na natureza do direito material envolvido na lide, o que nos afasta da aceitação de uma única solução, planificada para todas as matérias, independente-mente do objeto envolvido na demanda.

17 Novo código de processo civil: Lei nº 13.105/2015, São Paulo: Método, 2015. p. 142.18 Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 571. No mesmo sentido é a lição de Fredie

Didier Jr. (op. cit., p. 520).

Page 62: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

62 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Tomemos como exemplo o direito do consumidor, qualificado por uma série de aspectos especiais que permitem que seja visuali-zado como disciplina de natureza indisponível, de modo a permitir a sua aplicação de ofício pelo julgador. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXII, eleva a defesa do consumidor à condição de Direito Fun-damental; e no art. 179, V, coloca a matéria como princípio orientador da Ordem Econômica. No interior da legislação consumerista central há a indicação de o Código de Defesa do Consumidor representar norma “de ordem pública e interesse social” (art. 1º). Na oportunidade em que a legislação consumerista regula a teoria da desconsideração da persona-lidade jurídica (art. 28), há indicação expressa no sentido de que “o juiz poderá aplicar a teoria”. De tudo, há que se concluir que na efetivação da desconsideração da personalidade jurídica nas demandas fundadas na defesa dos direitos do consumidor o juiz poderá instaurar ex officio o incidente de desconsideração, tornando despicienda a necessidade de postulação do interessado ou do representante do Ministério Público19. Seguindo-se a lição de Luis Alberto Reichelt,

do ponto de vista hermenêutico, tem-se que, na dúvida entre duas ou mais interpretações resultantes do contraste entre o Código de Defesa do Consumidor e o projeto de novo Código de Processo Civil, impõe-se seja sempre adotada aquela que permita ao consumidor obter resultados mais satisfatórios ao seu interesse, sendo vedado o retrocesso.20

Também é interessante destacar que a nova codificação proces-sual faz referência expressa à chamada desconsideração inversa da per-sonalidade jurídica, que representa derivação da noção tradicional da disregard doctrine, e que tem alcançado projeção nos últimos tempos. Como a expressão já indica de plano, nesta hipótese, o ente personifica-do é utilizado de forma abusiva para acobertar bens e direitos pessoais de seus sócios21 – visíveis ou ocultos –, sendo utilizada com mais in-

19 Neste sentido é a orientação encontrada de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, argumentando: “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica depende, em regra, de pedido da parte interessada ou do Ministério Público, quando esse participe do processo. Pode o legislador expressamente excepcionar a necessidade de requerimento para tanto – como o faz, por exemplo, o art. 28, do CDC” (Curso de processo civil. São Paulo: RT, v. 2, 2015. p. 106).

20 A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 98, p. 247, mar./abr. 2015.

21 Sobre a aplicação da teoria da desconsideração inversa há interessante precedente do STJ: “Desconsideração inversa. Execução. Ação oposta contra sócio administrador, em que se constata a aquisição de bens de uso particular pela empresa administrada. Finalidade da disregard doctrine que é a de combater a utilização

Page 63: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������63

tensidade para resolver lides referentes à partilha patrimonial no direito de família, quando um dos cônjuges ou companheiros, com a intenção de fraudar a futura divisão de bens em relação ao outro membro do casal, realiza transferências patrimoniais para a pessoa jurídica22. A acei-tação da aplicação desta modalidade de disregard doctrine já havia sido consagrada nas Jornadas de Direito Civil, que, por meio do Enunciado nº 283, concluem que “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.

4 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

O novo Código de Processo Civil inseriu incidente de desconside-ração da personalidade jurídica entre as formas de terceiros no processo

indevida do ente societário por seus sócios. Interpretação teleológica do CC 50. [...] III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigação do sócio controlador. IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do CC 50, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir os bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é reconhecida quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no CC 50. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, ‘levantar o véu’ da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. VI – A luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular” (STJ, 3ª T., REsp 948117-MS, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 22.06.2010).

22 No âmbito do Direito de Família, o STJ já decidiu pela aplicação da teoria da desconsideração inversa: “Direito Civil. Recurso especial. Ação de dissolução de união estável. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Possibilidade. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Legitimidade ativa. Companheiro lesado pela conduta do sócio. Artigo analisado: 50 do CC/2002. 1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50 do CC/2002 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. 5. Alterar o decidido no acórdão recorrido, quanto à ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ. 6. Se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa. 7. Negado provimento ao recurso especial” (REsp 1.236.916/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., J. 28.10.2013).

Page 64: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

64 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

civil, disciplinando-o nos arts. 133 a 13723, ao lado das formas tradicio-nais de intervenção como a denunciação da lide e o chamamento ao processo, e atribuindo tratamento instrumental especial ao tema.

A inovação é de extrema importância e representa verdadeira do-bra histórica no percurso que vem sendo trilhado pela teoria da descon-sideração da personalidade jurídica no âmbito do direito interno.

Com esta atitude, o legislador processual preenche lamentável la-cuna que vinha acompanhando as discussões sobre a forma adequada de tratar processualmente a prática de atos de abuso da personalidade jurídica e suas consequências.

4.1 Forma do pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Conforme a própria nomenclatura vem a expressar, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica vai ocorrer no curso do procedimento, mediante petição devidamente fundamentada, ofertada nos próprios autos e dirigida ao juiz da causa. É indispensável que o pedido seja fundado na presença dos pressupostos adequados para a res-ponsabilização patrimonial dos sócios, administradores ou a sociedade (na hipótese de desconsideração inversa). A estrutura da petição lembra em muito àquela que é observada na confecção da petição inicial, de-vidamente adequada à condição de incidente (portanto, desprovida de indicação de valor da causa). Caberá ao requerente apontar quem se objetiva atingir com a ampliação da responsabilidade patrimonial, apre-sentando sua qualificação, de modo a permitir o competente ato citató-

23 Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. § 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º. § 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno. Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Page 65: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������65

rio. Deverá ser exposta, ainda, a causa de pedir e os pedidos pertinentes ao escopo do incidente. Em síntese, é uma petição postulatória. Neste aspecto, Daniel Amorim Assumpção Neves critica a redação adotada no dispositivo legal, argumentando:

Não foi feliz em prever que no requerimento cabe à parte demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração, o que pode passar a equivocada impressão de que o requerente terá que apre-sentar prova pré-constituída e liminarmente demonstrar o cabimento da desconsideração.

E explica: “Na realidade, o requerente não deve demonstrar, mas apenas alegar o preenchimento dos requisitos legais para a desconside-ração, tendo o direito à produção de provas para convencer o juízo de sala alegação”24.

Porém, como bem aponta Fredie Didier Jr., não basta a presença de afirmações genéricas de que a parte quer puxar o véu que encobre a demandada, como a alegação de observância do princípio da efetivida-de ou da dignidade humana, pois,

ao pedir a desconsideração, a parte ajuíza uma demanda contra alguém; deve, pois, observar os pressupostos do instrumento da demanda. Não custa lembrar: a desconsideração é uma sanção para a prática de atos ilícitos; é preciso que a suposta conduta seja descrita no requerimento, para que o sujeito possa defender-se dessa acusação.25

A legitimidade ativa para postular a instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica é atribuída à parte inte-ressada (credor), ou ao Ministério Público, nos casos em que lhe couber intervir no processo.

Os pressupostos para a aplicação da teoria da disregard of the le-gal entity estão indicados nas regras de direito material, basicamente aqueles que constam da cláusula geral do art. 50 da Codificação Civil (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), ou de alguma legislação esparsa que discipline a matéria objeto da demanda (como, v.g., a dis-posição do art. 28 da legislação consumerista).

24 Novo código de processo civil: Lei nº 13.105/2015, São Paulo: Método, 2015, p. 143-145.25 Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015, p. 520-521.

Page 66: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

66 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

O procedimento previsto para o incidente em questão, indicando a realização de contraditório prévio, não se mostra incompatível com eventual concessão de tutela antecipada de urgência (art. 300 e ss. do novo CPC), quando presentes os requisitos autorizados desta medida excepcional. Neste caso, o contraditório ocorrerá de forma diferida.

4.2 procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

O texto normativo é enfático ao consignar que o incidente de des-consideração da personalidade jurídica poderá ser instaurado em qual-quer fase do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Tal previsão expõe claramente a intenção do legislador, no sentido de não estabele-cer barreiras processuais para a efetivação da desconsideração da perso-nalidade jurídica26. A este regramento deve ser acrescida a indicação do art. 1.062 da nova codificação adjetiva, que permite o pedido incidental de desconsideração também nos processos de competência dos juizados especiais cíveis27. Há que ser lembrada, ainda, a viabilidade deste pedido em sede de procedimentos especiais, como ocorre no processo de falên-cia e nas demandas que envolvem processo coletivo. Sobre a efetivação da disregard doctrine nos autos da demanda falimentar, há, inclusive, orientação do Fórum Permanente de Processo Civil, em seu Enunciado nº 247, dispondo: “Aplica-se o incidente de desconsideração da perso-nalidade jurídica no processo falimentar”. Este mesmo Fórum também apontou a possibilidade de extensão das regras do referido incidente ao processo do trabalho, emitindo dois enunciados que consolidam esta orientação, o 124, dispondo que “a desconsideração da personalida-

26 Neste sentido é a manifestação de Luis Alberto Reichelt destacando a amplitude da previsão legal sobre o momento adequado para a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, afirmando: “é sinal de que a ênfase a ser dada quando da preocupação com a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica não deve estar no momento em que feita a solicitação a esse respeito” (A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Op. cit., p. 251).

27 A previsão de viabilidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito de demandas que tramitam junto aos juízos especiais é elogiada por Flávio Tartuce, afirmando: “como o incidente não traz grandes complexidades, não haveria qualquer óbice para a sua incidência nesses processos, constituindo-se em um importante mecanismo que afasta a má-fé e pune sócios e administradores” (O novo CC e o Direito Civil: impactos, diálogos e interações. São Paulo: Método, 2015. Acompanhamos o autor nos elogios à inovação legislativa, mas acreditamos que a questão tenha que ser sopesada de forma tópica, pois nem sempre a investigação sobre a existência dos motivos ensejadores da aplicação da teoria da desconsideração irá se apresentar sem grandes complexidades. É provável que o caso sob análise em sede de juizado especial venha a impor a realização de instrução probatória até mesmo incompatível com este procedimento simplificado, quando então a análise do feito deverá ser declinada para a justiça ordinária.

Page 67: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������67

de jurídica no processo do trabalho deve ser processada na forma dos arts. 133 a 137, podendo o incidente ser resolvido em decisão interlo-cutória ou na sentença”; e o126: “No processo do trabalho, da decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo”28.

A legislação indica que a postulação da aplicação da disregard doctrine deve ser comunicação ao setor encarregado da distribuição das demandas no órgão jurisdicional, para fim de realização dos devidos registros, o que representa decorrência natural da própria inserção deste procedimento como forma de intervenção de terceiro. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery observam que

a instauração do incidente justifica que seja transmitida informação a respeito ao distribuidor, não só para que ele possa ligar, pelo registro, o requerimento à ação de que se origina, mas principalmente para que conste dos registros a informação do pedido de desconsideração, o que pode interessar a eventuais outros credores da empresa.29

O dispositivo em questão reza que a instauração do incidente acarretará na suspensão do processo, até que este venha a ser decidido. O motivo da orientação normativa é a necessidade de definição da di-mensão subjetiva da lide, que somente será alcançada com o deslinde deste pedido. Entretanto, José Miguel Garcia Medina se mostra crítico à postura legislativa, argumentando que “não parece acertado suspender--se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequa-do cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração – nada

28 Sobre a aplicação do incidente de desconsideração no processo do trabalho veja-se o ensaio elaborado por Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto, O incidente da desconsideração da personalidade jurídica no NCPC e o processo do trabalho. Revista Eletrônica: O novo CPC e o processo do trabalho, TRT da 9ª Região, v. 4, n. 44, set. 2015. Os autores, após tergiversarem sobre a problemática, oferecem as seguintes conclusões: “Assim como inúmeras outras inovações do NCPC, não temos dúvidas que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica é compatível com o processo trabalhista (arts. 769 e 878, CLT; art. 15, NCPC), notadamente por ser um procedimento que permite o respeito à segurança e ao devido processo legal quanto à pessoa do sócio ou ex-sócio (arts. 7º e 10, NCPC)”. E acrescentam: “Contudo, face às peculiaridades do microssistema processual, a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser adequada aos procedimentos do processo do trabalho. Por conta disso, entendemos que o incidente pode também ser instaurado de ofício, na medida em que a execução trabalhista pode ser processada por ato do magistrado (art. 878, CLT). Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido em decisão interlocutória. Não há dúvidas que, para fins de acolhimento do incidente, o juiz trabalhista irá adotar a teoria menor, não se exigindo que o credor trabalhista demonstre a culpa do sócio ou do ex-sócio na gestão patrimonial da pessoa jurídica”.

29 Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 574.

Page 68: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

68 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

impedindo a prática de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento”30.

4.2.1 Citação do administrador, do sócio ou da pessoa jurídica

Atendendo ao princípio maior do contraditório, no procedimen-to do pedido incidental de desconsideração da personalidade jurídica deverá ser realizada a citação do administrador, do sócio ou da pessoa jurídica em relação ao qual se quer estender a responsabilidade patri-monial, para que estes venham ao processo e exerçam o seu direito de defesa, trazendo as suas argumentações e requerendo a produção das provas que forem do seu interesse. A referida citação é indispensável, sob pena de vir a se caracterizar a presença de grave nulidade proces-sual. Entretanto, até o advento da nova codificação processual o tema não se mostrava tranquilo em sede de Superior Tribunal de Justiça, na qual conviviam decisões que reconheciam a nulidade da decisão de desconsideração pela ausência de contraditório prévio com aquelas que se contentavam com a mera observância do contraditório diferido.

Na Exposição de Motivos do Projeto de novo Código de Processo Civil, que acompanhou a versão inicialmente apresentada no Senado, houve referência explícita à imposição da observância do contraditório prévio para a desconsideração da personalidade jurídica, consignando:

A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em re-lação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão proces-sual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”.

O texto normativo demonstra haver a necessidade de citação tão somente daquele que poderá vir a ter o seu patrimônio atingido em caso de provimento do pedido de desconsideração (sócio, administrador ou pessoa jurídica), nada referindo sobre a intimação da parte passiva da demanda em que a postulação é instaurada. Acreditamos que deve ocorrer a intimação do réu para se manifestar em relação ao pedido de

30 Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 227.

Page 69: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������69

desconsideração, eis que é nítido interesse na questão, não podendo ser afastado do contraditório31. A versão original do Projeto do novo Estatu-to Processual, inclusive, contava com a determinação de intimação da parte demandada no incidente de desconsideração (“Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis”).

Seguindo-se a sistemática na nova codificação processual, o prazo de quinze dias deverá ser contado em dias úteis. Caso o incidente impli-que no ingresso de mais de uma pessoa, o prazo terá início a partir da juntada aos autos do último mandado de citação cumprido. Terá apli-cação, ao caso, a regra contida no art. 229 do novo Código de Processo Civil, no sentido de que os litisconsortes que tiverem diferentes procu-radores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal.

A citação dos sócios ou da pessoa jurídica oportuniza a estes vi-rem ao processo e defenderem os seus interesses. Na ausência de previ-são específica, a defesa do incidente de desconsideração seguirá a estru-tura tradicional da peça contestatória do procedimento comum. Será a oportunidade da apresentação das questões de fato e de direito capazes de afastar o acolhimento do pedido de extensão da responsabilidade da pessoa jurídica aos seus sócios ou administradores, como as prelimina-res relativas a questões processuais, como ilegitimidade, coisa julgada, entre outros, além dos argumentos de mérito. Note-se que ainda não é o momento daquele em relação a quem se quer atingir com o incidente vir ao processo discutir amplamente a matéria objeto da causa principal,

31 Neste sentido cabe trazer à colação recente precedente do STJ, no julgamento do REsp 1.421.464/SP, 3ª T., em 24.04.2014, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, sintetizado na seguinte ementa: “Recurso especial. Direito Civil e Processual Civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Legitimidade da pessoa jurídica para interposição de recurso. Artigos analisados: 50, CC/2002; 6º e 499, CPC. 1. Cumprimento de sentença apresentado em 02.09.2009, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 22.11.2013. 2. Discute-se a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar decisão judicial que desconsidera sua personalidade para alcançar o patrimônio de seus sócios ou administradores. 3. Segundo o art. 50 do CC/2002, verificado ‘abuso da personalidade jurídica’, poderá o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 4. O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, podem partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. 5. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração”.

Page 70: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

70 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

o que somente ocorrerá se o referido incidente vier a ser acolhido, e, por consequência, aquele, que até então ostentava a condição de terceiro, passa a assumir a posição de efetiva parte demandada. Neste ponto, portanto, não concordamos com o conteúdo expressado no Enunciado nº 248 do Fórum Permanente de Processo Civil, segundo o qual, “quan-do a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa”.

A ausência da oposição ao pedido incidental produzirá os efeitos materiais e processuais da revelia. Serão considerados como verdadeiros os fatos alegados pelo autor da solicitação de desconsideração da per-sonalidade jurídica e não haverá a intimação do sócio, do administrador ou da pessoa jurídica para os demais atos do processo.

É importante frisar que o dispositivo que trata do incidente de des-consideração determina que se oportunize a oposição daqueles que vi-rão a sofrer as consequências de eventual decisão de acolhimento do pedido, o que ocorrerá mediante manifestação. Situação diversa é aque-la em que tenha ocorrido a penhora de bem pertencente a sócio ou ad-ministrador em execução promovida em função de dívida da entidade, quando a atividade processual adequada para discutir o ato de constri-ção é a figura dos embargos de terceiro.

Da mesma forma, se a condenação na fase de conhecimento se deu somente em relação ao ente personificado, mas no cumprimento de sentença o julgador determinar a citação do sócio ou do administrador da sociedade, com atos de constrição dirigidos ao patrimônio destes, será caso de oferta de impugnação, eis que acabaram por assumir a con-dição de executados.

Geralmente o deslinde do pedido de desconsideração da perso-nalidade jurídica dependerá da realização de instrução probatória, por meio de realização de perícia técnica ou da averiguação de situações de fato que possam indicar a ocorrência de motivos para a desconside-ração. Somente assim se estará valorizando o princípio do contraditório prévio inequivocamente priorizado pelo legislador.

Page 71: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������71

4.3 a natureza da decisão que aplica a desconsideração da personalidade jurídica e a Forma recursal correspondente

O pedido de desconsideração é resolvido por meio de decisão interlocutória, o que dá ensejo ao questionamento sobre o instrumento recursal adequado para a sua impugnação. Levando-se em consideração que o requerimento em questão poderá ocorrer em curso da demanda de primeiro grau ou em sede recursal, em cada uma dessas hipóteses haverá forma recursal adequada.

De um modo geral, a postulação de disregard doctrine terá opor-tunidade no curso da demanda de primeiro grau, em qualquer de suas fases, sendo, nesta hipótese, aplicável a regra contida no art. 1.015, IV, do Código de Processo Civil de 2015, que traz a previsão do recurso de agravo de instrumento (“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre: [...] IV – incidente de des-consideração da personalidade jurídica).

É importante ficar esclarecido que o recurso de agravo de instru-mento terá cabimento não somente em relação à decisão que acolhe ou nega a postulação incidental, ou a extingue em face da constatação de alguma irregularidade formal, mas também serve para impugnar qual-quer ato decisório realizado no bojo deste procedimento incidental.

Quando o incidente de desconsideração é instaurado em sede recursal, o texto normativo é expresso ao indicar o cabimento do re-curso de agravo interno, que será processado nos termos indicados no art. 1.021 do novo Código Processual.

O dispositivo anteriormente referido é específico para os casos em que a desconsideração é abordada na forma de incidente processual. Quando o requerimento à aplicação da disregard doctrine for realizado na petição inicial de processo de conhecimento, esta solicitação po-derá ser acolhida ou negada no curso do procedimento, como deci-são interlocutória, ou ser resolvido na sentença. No primeiro caso, se o pedido for acolhido, não caberá a interposição de recurso de forma imediata, cabendo à parte descontente manifestar a sua irresignação na oportunidade da apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1.009 do novo Estatuto Processual. Se o pedido for indeferido no curso do feito de conhecimento, a decisão em questão equivalerá à

Page 72: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

72 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

exclusão de litisconsorte, cabendo a utilização do recurso de agravo de instrumento, por força do disposto no art. 1.015, VII, do Código de Processo Civil de 2015. Por fim, se a decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica ocorrer apenas na oportunidade da sentença, dará azo ao recurso de apelação, em atenção ao princípio da singulari-dade (unirrecorribilidade ou unicidade) recursal.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de debater so-bre a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar, mediante recurso, a decisão que realiza a aplicação da disregard doctrine, estendendo a res-ponsabilidade ao patrimônio pessoal dos sócios ou administradores da entidade personificada. O caso em julgamento envolvia recurso sobre decisão que havia reconhecido a existência de encerramento irregular da atividade desenvolvida pela sociedade. Afastando precedentes ante-riores32, a Terceira Turma desta Corte Superior, em acórdão da lavra da Ministra Nancy Andrighi, reconheceu a presença de interesse recursal à pessoa jurídica, e a sua consequente legitimidade para manusear o ins-trumento recursal pertinente a propiciar o reexame da decisão sobre a desconsideração da personalidade societária, ressaltando que

o interesse na desconsideração ou na manutenção do véu protetor pode partir da pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autono-mia, vale dizer, à proteção de sua personalidade.33

32 Neste sentido o acórdão proferido no julgamento do REsp 932.675/SP, de relatoria do Ministro Castro Meira, 2ª T., DJe 27.08.2007, com a seguinte ementa: “Processual civil e tributário. Execução fiscal. Arts. 134 e 135 do CTN. Falta de prequestionamento. Redirecionamento contra os sócios. Pessoa jurídica. Falta de interesse recursal. 1. Falta de prequestionamento das matérias insertas nos artigos 134 e 135 do CTN. Súmulas 282 e 356/STF. 2. No âmbito dos recursos, para aferir o interesse em recorrer há que se investigar a sua aptidão para conduzir o recorrente a uma situação melhor do que aquela em que se encontrava. 3. Não se evidencia o interesse da pessoa jurídica para recorrer de decisão que incluiu os sócios-gerentes no polo passivo da execução fiscal. 4. Recurso especial conhecido em parte e não provido”. Na mesma linha: AgRg-REsp 1.307.639/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 23.05.2012; EDcl- AREsp 14308/MG, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 27.10.2011; e REsp 793.772/RTS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., DJe 11.02.2009.

33 “Recurso especial. Direito Civil e Processual Civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Legitimidade da pessoa jurídica para interposição de recurso. Artigos analisados: art. 50, CC/2002; 6º e 499, CPC. 1. Cumprimento de sentença apresentado em 02.09.2009, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 22.11.2013. 2. Discute-se a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar decisão judicial que desconsidera sua personalidade para alcançar o patrimônio de seus sócios ou administradores. 3. Segundo o art. 50 do CC/2002, verificado o ‘abuso da personalidade jurídica’ poderá o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 4. O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, podem partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade.

Page 73: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������73

Aderimos a este entendimento, considerando-o como o mais ade-quado para a efetivação do princípio maior do contraditório amplo, niti-damente adotado pela nova Codificação Processual, que, em sucessivas vezes, coloca-o em destaque como linha mestra a ser observada no pro-cedimento civil34.

José Miguel Garcia Medina defende a possibilidade de a decisão que julga procedente ou improcedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica vir a ser sujeita à ação rescisória, argumentando: “por fazer juízo sobre a existência ou a inexistência ou o modo de ser da relação de direito material objeto da demanda, é considerada decisão de mérito”35.

Em sendo acolhido o incidente de desconsideração da persona-lidade jurídica, aquele que foi atingido em sua responsabilidade patri-monial passa a assumir a condição de litisconsorte passivo ulterior, na condição de corréu ou coexecutado, conforme o caso.

Desta forma, a procedência do pedido incidental, na fase de co-nhecimento, irá oportunizar ao novo responsável patrimonial a realiza-ção de contraditório em relação ao mérito da demanda principal, de-vendo ser intimado para oferecer contestação e ter assegurada a sua oportunidade probatória.

No cumprimento de sentença será oportunizada a impugnação, e na execução os embargos do executado.

5 INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO EM SEDE DE TRIBUNAIS

Na sistemática inserida pela nova Codificação Processual, o re-querimento de desconsideração também poderá ser oferecido, origi-nariamente, em sede de tribunais. O legislador, aqui, realizou efetiva inovação na atuação instrumental sobre a disregard doctrine, pois, até então, a sua aplicação era essencialmente restrita ao juízo de primeiro grau, nas fases de conhecimento ou de execução em sentido amplo.

5. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração dos sócios/administradores incluídos no polo por força da desconsideração. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido (REsp 1.421.464-SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 12.05.2014).

34 Em sentido contrário coloca-se REICHELT, Luis Alberto. Op. cit., p. 251.35 MEDINA, José Miguel Garcia. Op. cit., p. 521.

Page 74: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

74 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Esta viabilidade de instauração do incidente de desconsideração será possível quando o feito seja levado ao tribunal mediante recurso ou no curso de demandas de competência originária deste, como é ocaso da ação rescisória.

A possibilidade de o pedido ocorrer em sede de tribunal coloca em debate a sua oportunidade nas Cortes Superiores. O enfrentamento da questão enseja inicialmente a necessidade de reconhecer que estas Casas de Justiça possuem competência recursal e originária. Na primei-ra hipótese, o feito chega até elas, via recurso especial ou extraordiná-rio. Nestes casos, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não terão competência para processar e decidir incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o que decorre do estreito objeto destas espécies excepcionais de impugnação de decisão judicial, que possuem fundamentação limitada a certas matérias que tenham sido analisadas na decisão hostilizada (correspondente ao requisito consti-tucional do prequestionamento). O afastamento do processamento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica neste momento processual também se justifica pelo fato de a competência destas Cortes Superiores ser definida pela Constituição, que, por sua vez, não con-templa a atribuição de julgar incidentes em sede julgamento de recursos especial e extraordinário.

Quando o processamento da lide for afeto à competência origi-nária das Cortes Superiores, haverá a possibilidade de instauração do pedido incidental de desconsideração da personalidade jurídica, seguin-do-se a regra do art. 134 da nova codificação instrumental, no sentido de que este poderá ser instaurado em qualquer momento da fase de conhecimento.

Há, ainda, a hipótese específica em que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal funcionam como instância recursal ordinária, o que ocorre no julgamento do recurso ordinário constitucio-nal. Neste caso, entendemos pela viabilidade do incidente, até porque esta espécie recursal recebe a aplicação supletiva das regras pertinentes ao recurso de apelação, nas quais haverá fundamentação recursal livre e torna-se despiciendo o prequestionamento.

Page 75: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������75

6 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO E A CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO

O art. 137 do novo Código de Processo Civil possibilita o reco-nhecimento da ocorrência de fraude à execução em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. A sua análise deve ser realizada em conjugação com o disposto no art. 792, § 3º, estabelecen-do: “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”.

É importante, portanto, que fique bem evidenciada a lógica pro-posta pela nova sistemática processual sobre o momento a partir do qual se poderá considerar a prática de atos de alienação ou oneração de bens caracterizáveis como fraudadores à execução. O referencial para o reconhecimento da alienação ou oneração irregular não é exatamente aquele em que o incidente é instaurado, mas sim o da citação do respon-sável. Neste sentido é a dicção do Enunciado nº 52 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), dispondo: “A citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execu-ção) é a do executado originário, e não aquela prevista para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC/2015)”. Na mesma direção segue Guilherme Rizzo Amaral, ao afirmar: “para definição da fraude à execução na hipótese de alienação de bens, seja da pare cuja personalidade se pretende desconsiderar, seja dos terceiros cujo patrimônio será atingido pela desconsideração, considera-se como marco temporal a citação da desconsideranda”. E exemplifica:

Sendo sociedade “comercial” ré em um processo judicial, uma vez ci-tada, tem-se que a partir daí a alienação de bens de seus sócios, ainda que não tenham sido citados, será considerada ineficaz em relação ao credor que move a ação, desde que, é claro, configuradas tanto algumas hipóteses de desconsideração (art. 50 do Código Civil) quanto de fraude à execução (art. 792, I a V).36

O cuidado do legislador com a efetiva proteção dos credores é louvável e demonstra a preocupação que orienta a nova Codificação Processual, no sentido de obter um verdadeiro processo de resultado

36 Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 825.

Page 76: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

76 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

útil e efetivo. Tal conduta legislativa foi expressamente elogiada por Luis Alberto Reichelt, destacando que

avança-se, aqui, em uma direção interessante, reconhecendo-se que os atos em sede de fraude à execução muitas vezes são praticados não pe-los devedores principais, mas também por aqueles a quem a lei atribui responsabilidade pelo débito executado, e propõe avanço no combate a medidas orquestradas com o objetivo de frustrar a justa expectativa de satisfação do crédito.37

Cabe salientar que a desconsideração da personalidade jurídica não acarreta automático reconhecimento de ocorrência de fraude à execução, sendo indispensável que se verifique a presença de alguma das hipóteses ensejadoras da fraude à execução previstas no art. 792 da nova legislação processual

A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V – nos demais casos expressos em lei.

Elpídio Donizetti, ao comentar sobre o tema, destaca: “Quanto ao terceiro adquirente de boa-fé, nada impede que este pleiteie, em ação de regresso contra o sócio, o ressarcimento dos valores pagos para aqui-sição do bem”. E acrescenta: “Nesse caso, o terceiro adquirente ainda poderá requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de atingir o patrimônio da sociedade caso se torne insolvente o sócio fraudador”38.

A alienação ou oneração de bem realizada antes da citação da parte, cuja personalidade jurídica se quis desconsiderar no incidente, poderá vir a configurar fraude a credores, dando ensejo ao ajuizamento

37 REICHELT, Luis Alberto. Op. cit., p. 256.38 DONIZETTI, Elpídio. Op. cit., p. 117.

Page 77: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������77

da competente ação pauliana, observando-se os termos da legislação civil.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o título escolhido para anunciar o presente estudo, bus-camos aqui expressar as nossas primeiras reflexões sobre este importante passo do direito nacional, no sentido de regular a processualização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, figura já presente em nossos debates jurídicos há várias décadas, mas que ainda não al-cançou plena maturidade.

Apesar do diálogo sobre a aplicação da disregard doctrine integrar o cenário da práxis jurídica há algumas décadas, o tema ainda carecia de maior atenção por parte do legislador, pois a normatização de proce-dimentos representa pilar indispensável para a consolidação do ideal de segurança jurídica e, por consequência, é inevitável em um modelo de direito comprometido com o postulado maior do devido processo legal.

Certamente, em repetição do que se experimentou quando do aparecimento dos primeiros debates sobre o tema, mormente a partir da década de oitenta do século passado, a consolidação das balizas que orientarão a interpretação da nova regulamentação processual da apli-cação da desconsideração da personalidade jurídica será construída, paulatinamente, pelo ativismo doutrinário e jurisprudencial, que por sua vez darão corpo e movimento à estrutura normativa inserida pelo novo Código de Processo Civil. Esperamos ter deixado, aqui, a nossa singela contribuição, com o intuito de fomentar o debate necessário que o as-sunto merece e exige, no sentido de se direcionar a um futuro em que se possa usufruir de sua perfeita modulação.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da per-sonalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e Bruno Dantas. São Paulo: RT, 2015.

Page 78: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

78 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica no NCPC e o pro-cesso do trabalho. Revista Eletrônica: O novo CPC e o processo do trabalho, TRT da 9ª Região, v. 4, n. 44, set. 2015.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de Empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2014.

______. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: RT, 1976.

______. O poder de controle na sociedade anônima. 6. ed. atual. Calixto Salomão Filho, São Paulo: RT, 2014.

DIAS, Handel Martins. Análise crítica do Projeto de novo Código de Processo Civil com relação à desconsideração da personalidade jurídica. Revista Síntese Direito Empresarial, v. 32, p. 48-76, maio/jun. 2013.

DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015.

______. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reflexos do novo Código Civil no Direito Processual. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2007, p. 159-177.

DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: RT, v. 2, 2015.

MAZZEI, Rodrigo.Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor e no Projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Síntese Direito Empresarial, v. 24, p. 09-40, jan./fev. 2012.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil: Lei nº 13.105/2015, São Paulo: Método, 2015.

OLIVEIRA, Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.

Page 79: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������79

REICHELT, Luis Alberto. A desconsideração da personalidade jurídica no pro-jeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 98, p. 245-259, mar./abr. 2015.

REQUIÃO, Rubens. Abuso e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). Revista dos Tribunais, v. 410, p. 12-24, dez. 1969.

TARTUCE, Flávio. O novo CC e o Direito Civil: impactos, diálogos e intera-ções. São Paulo: Método, 2015.

XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da personalidade jurí-dica no novo Código Civil. Revista de Direito Privado, p. 69-85, n. 10, 2002.

Page 80: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Assunto Especial – Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo CPC

Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)

Disregard of Legal Entity: a Doctrinal, Legal and Jurisprudential Study Updated (Including the New Civil Procedure Code)

CARLOS DA FONSECA NADAISDoutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), Mestre em Direito pela Universidade Ibirapuera (UNIB), Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universida-de Católica (PUC/SP), Especialista em Administração (FEA/USP), Especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG), Especialização em andamento em Proces-so Civil (FDRP/USP), Graduando em Ciências Contábeis (FEA/USP), Graduado em Filosofia (FFLCH/USP), Graduado em Direito (Uniban), Professor na Graduação na Disciplina de Direito Empresarial, Advogado atuante na esfera do Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Civil e Direito Tributário, Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

RESUMO: Buscou-se, nesse estudo, apresentar o posicionamento mais moderno das normas, da doutrina e da jurisprudência brasileiras sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Ini-cialmente, apresentamos a evolução histórica, em especial na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na Alemanha, como os estudos de Rolf Serick até a sua introdução no Brasil, por Rubens Requião. Partimos para os conceitos básicos e necessários para melhor entendimento do tema, para, então, adentrarmos no ordenamento jurídico e no posicionamento predominante dos Tribunais. Por fim, ressaltamos a inovação do novo Código de Processo Civil – NCPC, com a criação do inciden-te de desconsideração da personalidade jurídica, que, aliado aos princípios processuais de boa-fé processual, colaboração efetiva e contraditório efetivo, insculpidos nos arts. 5º a 9º do NCPC, trará uma excelente oportunidade de homogeneização do uso dessa ferramenta tão importante na efetiva prestação jurisdicional do processo.

PALAVRAS-CHAVE: Disregard Doctrine; jurisprudência; legislação; novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT: This study sought to introduce the most modern positioning of standards of doctrine and Brazilian jurisprudence on piercing the corporate veil. Initially we present the historical evolution, par-ticularly in England, USA and Germany, as studies of Rolf Serick to its introduction in Brazil by Rubens Requião. Then left for the basics and needed to better understanding of the theme and then we enter the legal system and the predominant position of the courts. Finally, we highlight the innovation of the new Civil Procedure Code – NCPC, with creation of the incident disregard of legal personality,

Page 81: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������81

combined with the procedural principles of procedural good faith, effective collaboration, and effec-tive contradictory, sculptured in Articles 5th to 9th of NCPC will bring an excellent homogenization opportunity of using this as an important tool in the effective adjudication process.

KEYWORDS: Disregard Doctrine; jurisprudence; law; new Civil Procedure Code.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A distinção entre o patrimônio dos sócios e da sociedade; 2 Passadas his-tóricas da Disregard Doctrine; 3 A desconsideração da personalidade jurídica na doutrina brasileira; 4 A desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro; Considerações finais; Referências.

Não fortalecerás os fracos, por enfraquecer os fortes.Não ajudarás os assalariados, se arruinares aqueles que os paga.Não estimularas a fraternidade, se alimentares o ódio.

(Abraham Lincoln)

INTRODUÇÃO

O uso da desconsideração da personalidade jurídica para a satis-fação dos credores é tema assaz controverso. Baseado na jurisprudência dos países de common law, estruturou-se como doutrina por Rolf Serick, aproximando-a da civil law. A doutrina brasileira diverge na sua utiliza-ção, mormente pelos diferentes posicionamentos: o uso da teoria maior e da teoria menor, mas ambas as posições entendem importante a des-consideração da personalidade jurídica como instrumento de proteção da pessoa jurídica contra o seu uso irregular, desviando a sua finalidade original: incrementar o empreendedorismo.

O ordenamento jurídico brasileiro apresenta várias normas que abordam, direta ou indiretamente, a desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de efetivação da finalidade do processo, até chegarmos em um marco legal importante: o novo Código de Processo Civil.

O presente trabalho tem como escopo principal apresentar o posi-cionamento mais moderno das normas, da doutrina e da jurisprudência brasileiras sobre a desconsideração da personalidade jurídica.

1 A DISTINÇÃO ENTRE O PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS E DA SOCIEDADE

A Constituição Federal contemplou o mote liberal da Revolução Francesa, da liberdade, igualdade e fraternidade, ao definir os objetivos

Page 82: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

82 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

fundamentais da República Federativa do Brasil uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I), como também a opção pelo modelo capitalista (art. 1º, inciso IV, e art. 170, inciso IV) e a proteção à proprie-dade privada (art. 5º, inciso XXII, e art. 170, inciso II).

No cenário capitalista, empreender não é tarefa cômoda; pelo contrário, o empreendedor está sujeito às contingências do mercado e à mercê das políticas do Estado, para disponibilizar à sociedade bens e serviços necessários à sua subsistência, portanto o empreendedor mere-ce proteção ao seu negócio e estímulo para empreender.

Um dos mecanismos de proteção ao empreendedor foi possibilitar a criação de uma personalidade própria, utilizada no desenvolvimento de seu empreendimento, evitando que o seu patrimônio pessoal possa ser responsabilizado pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial. Este é um corolário do princípio da autonomia patrimonial.

O art. 20 do Código Civil de 1916 destacava que as pessoas ju-rídicas têm existência distinta da de seus membros. Esse princípio de autonomia patrimonial está tão enraizado que o Código Civil de 2002 sequer fez menção a esse assunto.

A pessoa jurídica é um artifício jurídico criado ao longo da evo-lução jurídica da humanidade, com a finalidade de estimular e facilitar o empreendedorismo, bem como a concretização de empreitadas úteis à sociedade (Mamede, 2009, p. 243), mas, infelizmente, alguns se utili-zam dessa “proteção” como oportunidade para fraudar credores, preju-dicando o mercado, o Estado e toda a sociedade.

Assim, o ordenamento jurídico deve também criar outros meca-nismos que impeçam que tais indivíduos: a desconsideração da perso-nalidade jurídica. Antes, porém, devemos entender que, em relação à personalidade jurídica, despersonalizar é diferente de desconsiderar.

O prefixo “des” deve ser interpretado como uma negação, como em “temido” e “destemido”, “vantagem” e “desvantagem”; logo, se há a “des” “personalização”, temos que “negar” a “personalidade” significa que a “personalidade” não mais existe. Com a despersonalização, a per-sonalidade jurídica desaparece.

No caso da desconsideração, temos que entender “considerar” algo como “supor” ou “imaginar” algo. Logo, percorrendo o mesmo ca-

Page 83: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������83

minho, temos que “des” “considerar” deve ser interpretado como “ne-gar” a “suposição” ou “imaginação” de algo, ou seja, não nos remete a uma realidade ou um plano diferente do que esse algo se apresenta. Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica não extingue a perso-nalidade jurídica, mas sim a “considera” em plano diferente do que esta se apresenta.

Se estabelecemos que a pessoa jurídica é uma ficção do direito, concebida pelo Estado, nada mais adequado do que o próprio Estado, por meio do Poder Judiciário, tenha a prerrogativa de despersonalizar ou desconsiderar a sua personalidade. Logo, somente por meio do devido processo legal é que pode se dar essa mutação.

A desconsideração da personalidade jurídica se dá incidental e unicamente no processo em que foi requerido (no plano específico), va-lendo também somente para as partes desse mesmo processo, sendo que fora do processo (portanto, em outro plano, o de origem) a personalida-de jurídica continua intacta para todos os efeitos.

Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não tem como finalidade extinguir a pessoa jurídica, mas sim de suspender temporariamente, no caso concreto, a eficácia de seus atos constitutivos, para satisfazer os credores, avançando sobre o patrimônio dos sócios (Didier Junior, 2005, p. 392).

2 PASSADAS HISTÓRICAS DA DISREGARD DOCTRINE

A desconsideração da personalidade jurídica surge com o intuito de coibir o uso indevido por parte dos sócios e administradores da pes-soa jurídica por práticas ilícitas, abuso de direito e fraude aos credores. Os casos de maior repercussão vieram dos Estados Unidos (Bank of Uni-ted States v. Deveaux, 1809) e da Inglaterra (Salomon v. Salomon & CO, 1897), e os estudos de maior relevância se iniciaram na Alemanha, com Rolf Serick, na sistematização e estruturação da Disregard Doctrine.

2.1 a disregard doctrine nos estados unidos da américa

O primeiro caso do uso da teoria da Disregard Doctrine noticiado na jurisprudência foi Bank of United States v. Deveaux. O Juiz Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das Cortes Federais sobre as

Page 84: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

84 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Corporations (jurisdição estadual), já que a Constituição Federal ameri-cana, no seu art. 3º, seção 2ª, limitava tal jurisdição às controvérsias en-tre cidadãos de diferentes Estados, invocou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e avocou a competência para discutir a causa (Koury, 2000, p. 64). O magistrado fundamentou a sua decisão afirman-do que o caso não era entre empresas, mas sim entre sócios contendores que utilizavam indevidamente a personalidade jurídica dessas empresas; logo, a competência, nesse caso, era federal (Nahas, 2007, p. 96; Freitas, 2002, p. 114-115).

Assim, mesmo não tratando, como objeto principal, a desconside-ração da personalidade jurídica, o magistrado abordou, transversalmen-te, o tema levando-se em consideração as características individuais de cada sócio para fundamentar a sua decisão.

Outra situação relevante foi o caso First Nacional Bank of Chicago v. F. C. Trebein Company. No caso, Trebein fundou uma companhia, com mais quatro membros da família, e nela integralizou todo o seu patrimônio. O capital social foi dividido por 600 ações da companhia, sendo que cada um dos demais sócios tinha uma ação da companhia, e todas as demais, 596 ações, pertenciam a Trebein. Os credores de Trebein investiram judicialmente contra o seu patrimônio social e tive-ram sucesso (Requião, 1977, p. 77).

2.2 a disregard doctrine na inglaterra

O caso Salomom v. Salomon & Co foi relevante no desenvolvi-mento da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica e cita-do como um paradigma importante por diversos autores1.

Na Inglaterra, Aron Salomon exercia comércio com sucesso por meio da “Aron Salomon & CO”. Por pressão familiar, que queria par-ticipar dos negócios, preparando, assim, a aposentadoria do fundador, foi criada a “Aron Salomon and Company Limited” (Limited Stock Com-pany), tendo como sócios: Aron Salomon, a sua esposa e os seus cinco filhos maiores. A diretoria foi composta pelo Mr. Salomon e dois de seus

1 Nesse sentido temos: Koury, 2000, p. 64-65; Bastos, 2003, p. 3-7; Nahas, 2007, p. 96-97; Ramos, 2012, p. 402; Requião, 1977, p. 75-76; Freitas, 2002, p. 115-116; Guimaraes, 1998, p. 21-23; Santos, 2003, p. 107-108; Pegoraro, 2010, p. 54-57, Martins, 2009, p. 184.

Page 85: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������85

filhos mais velhos. O capital social ficou assim dividido: 20.006 ações, cada uma no valor de uma libra, cabendo 20.000 ações a Aron Salomon e uma ação a cada um dos demais seis sócios.

Mr. Salomon vendeu o seu negócio, “Aron Salomon & CO”, por £ 38.000 à própria companhia “Aron Salomon and Company Limited”, integralizando as 20.000 ações de sua responsabilidade e, ainda, res-tou credor da nova sociedade, recebendo dela £ 10.000 em debêntures, com garantia real constituída em seu favor.

A depressão no mercado de sapatos e as greves no setor precipita-ram a companhia na falência, pela impossibilidade de saldar as dívidas. Na liquidação, Mr. Salomon requereu judicialmente a preferência no pagamento das debêntures recebidas da companhia; consequentemen-te, nada restando aos credores quirografários.

Surgiu o imbróglio a ser resolvido: Houve fraude na venda da “Aron Salomon & CO” pelo valor de £ 38.000 (superfaturamento)? A emissão de debêntures a favor de Mr. Salomon foi uma maneira de ga-rantir preferência desse crédito sobre os demais credores? A criação da companhia foi uma maneira que Mr. Salomon utilizou para limitar a sua responsabilidade e, consequentemente, deveria responder pelas dívidas de sociedade?

O caso foi decidido em primeira instância em desfavor de Mr. Salomon, desconsiderando a personalidade jurídica da “Aron Salomon and Company Limited”, considerando-a como uma extensão da ativida-de pessoal, responsabilizando pelas dívidas sócias tanto o patrimônio pessoal Mr. Salomon quanto o de seus familiares. Entretanto, em sede de recurso, a House of Lords reformou a sentença, por entender que a so-ciedade havia sido corretamente constituída e que não houve desones-tidade do Mr. Salomon, mas apenas má sorte nos negócios, sem culpa.

Assim, mesmo não podendo ser considerado como o primeiro caso a utilizar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica2, foi um marco relevante na construção da Disregard Doctrine.

2 O caso Solomon v. Solomon & Co. foi julgado em 1897, sendo que, como vimos, em 1809 tivemos o caso estadunidense do Bank of United States v. Deveaux, ou seja, oitenta e oito anos antes.

Page 86: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

86 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

2.3 a disregard doctrine na alemanha

Como vimos, a teoria da desconsideração da personalidade jurídi-ca foi levantada, primeiramente, nos Estados Unidos e foram os estudos na Alemanha que estruturaram uma doutrina sólida sobre o tema.

A partir da década de 50 cresceu o número de decisões baseadas na teoria da penetração nas cortes alemãs, formando uma jurisprudência relevante. Nessa esteira, juristas alemães passaram a se empenhar em construir uma doutrina mais apropriada às raízes romano-germânica do sistema alemão, diferentemente do sistema anglo-americano, fundado na comon law (Khoury, 2000, p. 109-110).

O Professor Rolf Serick se debruçou sobre o problema da descon-sideração da personalidade jurídica, apresentando-a na sua tese de dou-torado com título de “Recstsform und Realität Juristischer Personen”, re-cebendo título de Privat-Dozent na Universidade de Tübigen, em 1953.

Esse trabalho foi traduzido para o espanhol por José Puig Brutau e publicado em 1955, recebendo o título “Aparencia y Realidad en las Sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por Médio de la Persona Jurídica”3, onde constrói a sua teoria lastreada na jurisprudência esta-dunidense (Requião, 1977, p. 68; Ramos, 2012, p. 402; Santos, 2003, p. 111).

O jurista alemão estabeleceu, nessa obra, alguns princípios ou pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração da perso-nalidade jurídica, que, bem resumidamente, são: 1º) A teoria da des-consideração da personalidade jurídica tem cabimento quando houver utilização abusiva da pessoa jurídica, com o objetivo de se furtar a inci-dência da lei ou obrigações contratuais, ou causar danos a terceiros de forma fraudulenta; 2º) A autonomia subjetiva da pessoa jurídica pode ser desconsiderada quando for necessária para coibir violação de nor-mas de direito societário que não possam ser violadas nem mesmo pela via indireta; 3º) As normas que tiverem por base atributos, capacidade ou valores humanos à pessoa jurídica podem ser aplicadas se, entre as finalidades de tais normas e a função da pessoa jurídica à qual são apli-cadas, não se detectarem contradições; e 4º) No caso de a pessoa jurí-

3 Em tradução livre: “Aparência e realidade nas sociedades mercantis: o abuso de direito por meio da pessoa jurídica”.

Page 87: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������87

dica servir para ocultar fato de que as partes envolvidas nesse negócio são, na prática, o mesmo sujeito, a autonomia da pessoa jurídica pode ser afastada, e, se necessário, aplicar a norma embasada sobre a efetiva diferenciação ou identidade apensa jurídico-formal (Freitas, 2002, p. 57; Santos, 2003, p. 113).

Fazendo uma interpretação abrangente desses princípios, ficamos com o entendimento de Requião (1977, p. 69), que assevera que “a Dis-regard Doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação a pessoas ou bens que atrás dela se escondem”.

3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA DOUTRINA BRASILEIRA

A doutrina pátria é unânime em dedicar a Rubens Requião a intro-dução da Disregrad Doctrine na doutrina brasileira4. Após proferir uma conferência na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, para comemorar o primeiro centenário de nascimento do Desembargador Vieira Cavalcanti Filho, o Professor Rubens Requião publica, em 1969, na Revista dos Tribunais (RT 410/12), um artigo intitulado “Disregard Doctrine – Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica”, onde comenta as obras de Verrucoli5 e Serick6, incentivando outros dou-trinadores a se debruçarem sobre o tema.

A desconsideração da personalidade jurídica é a permissão judi-cial1, utilizada em situações excepcionais2, para retirar a “malha prote-tiva” da personalidade jurídica das sociedades (autonomia patrimonial), possibilitando ao credor buscar a satisfação do seu crédito3 junto a seus sócios ou administradores.

Permissão judicial1: porque há necessidade deque a desconside-ração seja declarada, pontualmente, em uma ação judicial, ou seja, se trata de um incidente processual, que vale, temporariamente, somente entre as partes, durante o andamento do processo. Assim, a desconside-ração é momentânea e para o caso concreto.

4 Entre tantas menções temos essa referência em Requião, 1977, p. 67-68; Ramos, 2012, p. 403; Guimaraes, 1998, p. 33-34; Freitas, 2002, p. 58-59, Martins, 2009, p. 199.

5 A obra em questão era “Il Superaramento dela Personalità Giurídica dele Società di Capitali nella Common Law e nella Cicil Law”, de Piero Verrucoli, da Universidade de Piza.

6 A obra em questão era “Aparencia y Realidad em las sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por Medio de la Persobna Juridica”, de Rolf Serick, da Universidade de Tübigen.

Page 88: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

88 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Excepcional2: porque a regra geral é a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação a seus sócios e administradores, sendo a des-constituição dessa autonomia determinada em situações especiais auto-rizadas em lei.

Pretensão satisfativa3: porque revela a função teleológica da apli-cação da teoria da superação, que é um objetivo econômico-financeiro, avançando sobre o patrimônio dos administradores e sócios da pessoa jurídica.

3.1 Formas de eFetivação da desconsideração da personalidade jurídica

Apresentamos quatro formas distintas de efetivação da desconsi-deração da personalidade jurídica: a) direita; b) incidental; c) inversa; e d) indireta.

3.1.1 Desconsideração direta da personalidade jurídica

Quando a fraude aos credores se apresenta de plano, pode-se in-tentar a desconsideração para alcançar aquele que efetivamente praticou o ato lesivo aos credores, utilizando-se da sociedade para agir ilicitamen-te. Desse modo, somente serão atingidos aqueles sócios que efetivamen-te se beneficiaram das ilegalidades apresentadas. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

Ação de cobrança ajuizada por fiador de locação imobiliária comercial escrita contra os sócios da inquilina. Autorizada, in casu, a desconside-ração da personalidade jurídica da locatária/devedora Sorella Veículos. Apelo do requerido improvido. (TJSP, Ap 1.097.503-0/8, 27ª CDPriv., Rel. Des. Campos Petroni, J. 07.08.2007)

3.1.2 Desconsideração incidental da personalidade jurídica

Existem situações em que a fraude aos credores não é detectada ab initio, mas sim durante o curso do processo. Nesse caso, teremos uma desconsideração incidental da personalidade jurídica, sem a neces-sidade de uma ação autônoma para tal intento, desde que se assegure o contraditório. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido de descon-sideração da personalidade jurídica. Inadmissibilidade. Não foram loca-

Page 89: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������89

lizados ativos financeiros e tampouco os representantes legais da pessoa jurídica executada. Fatos que escapam à normalidade. Empresa ativa, mas que não apresenta qualquer indicação do exercício regular de sua atividade empresarial. Elementos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica. Aplicação do art. 50 do Código Civil, de forma incidental, na fase de cumprimento de sentença. Recurso provido. (TJSP, AI 0224955-68.2010.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, J. 24.08.2010)

3.1.3 Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Aqui o caso é exatamente inverso de que vimos até o momento. Ao invés de desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para avançar sobre os bens dos sócios ou administradores, o vetor é de avançar sobre os bens da pessoa jurídica, para satisfação dos credores dos sócios.

A desconsideração inversa tem sido muito aplicada no âmbito do direito de família, em situações em que um dos cônjuges que pretende se separar deliberadamente se empenha em esvaziar o patrimônio do casal, com animus fraudandi, transfere os bens para uma sociedade, di-lapidando, assim, a meação do outro cônjuge ou, ainda, frustrar a exe-cução de alimentos.

Logo, da mesma forma que a desconsideração incidental, na des-consideração inversa são colacionadas todas as empresas dos sócios, para satisfazer os credores dos sócios. Destacamos o acórdão que repre-senta a jurisprudência dominante desse entendimento.

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALI-DADE JURÍDICA INVERSA – DISREGARD DOCTRINE – FINALIDADE – ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL – FRAUDE OU ABUSO DE DIREITO – ESVAZIAMENTO DO PATRIMÔNIO PESSOAL – INTEGRALIZAÇÃO NA PESSOA JURÍDICA – I – A desconsideração inversa da personalida-de jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu pa-trimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obriga-ções do sócio. II – Tendo em vista que a finalidade do Disregard Doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpreta-

Page 90: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

90 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ção teleológica do art. 50 do CC, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de forma a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto previstos os re-quisitos da norma. (STJ, AREsp 702483/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 18.05.2015)

3.1.4 Desconsideração indireta da personalidade jurídica

Aqui temos outra nuance interessante, quando a desconsideração da personalidade jurídica atinge um grupo econômico, que utiliza de uma coligada ou controlada como algum objetivo ilícito. Portanto, a sociedade controladora deve submeter a sociedade controlada ou co-ligada, valendo-se da sua condição dominante para fraudar credores. Nesse caso, a desconsideração se aplica ao grupo econômico, descon-siderando-se a personalidade jurídica da sociedade controlada para al-cançar a sociedade controladora. Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

RECURSO ESPECIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JU-RÍDICA (DISREGARD DOCTRINE) – HIPÓTESES – 1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe – ainda que em juízo de superficialidade – a indicação comprovada de atos fraudulen-tos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade. 2. No caso a des-consideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 500 do Código Civil de 2002. 3. Recurso es-pecial conhecido. (STJ, REsp 744.107/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 20.05.2008)

3.2 as Figuras jurídicas inseridas na desconsideração da personalidade jurídica

A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independente de seus sócios, e atua sem qualquer ligação com a vontade deles; desse modo, a priore, o patrimônio dos sócios não se confunde com o patrimônio social. Essa autonomia patrimonial deixa uma abertura razoável, para que os credores sejam lesados, mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, como destacado no art. 50 do Código Civil, legitimando a autorização, episódica, da personalidade jurídica, para coibir tais frau-des (Diniz, 2002, p. 65).

Page 91: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������91

Os adeptos da teoria objetiva ou teoria maior consideram abusivo o direito exercido contrariamente aos seus fins sociais e econômicos, independentemente do interesse do agente. Os adeptos da teoria subje-tiva ou teoria menor consideram abusivo o direito quando identificada a intenção do agente em causar prejuízo ou, pelo menos, a consciência da inexistência de interesse pelo titular do direito, irregularmente exercido.

São posições muito distintas, em que a regra geral está na teoria maior ou subjetiva, mais adequada à Disregard Doctrine estruturada por Rolf Serick. Na prática, porém, a teoria menor ou objetiva é que ganha cada vez mais proeminência nos Poderes Legislativo e Judiciário.

Façamos, então, nesse contexto, uma abordagem dessas figuras jurídicas do abuso de direito e da fraude, elementos essenciais ligados à teoria maior* (teoria subjetiva); bem como o desvio de finalidade, a confusão patrimonial, o excesso de poder e a má administração, esses mais ligados à teoria menor** (teoria objetiva).

a) abuso de direito* consiste no uso irregular, anormal do direi-to, com o propósito de prejudicar terceiros. Nesse sentido, o abuso de direito indica a incompatibilidade entre o exer-cício de direito subjetivo e a função social do direito. Não podemos esquecer que o direito visa a ordenar a convivência social, e, assim, o exercício de um direito deve atender a uma finalidade social (Requião, 1977, p. 72-73). Desse modo, um ato, mesmo em conforme a lei, for contrário a essa finalidade, teremos configurado um ato abusivo, mesmo que revestido de uma aparente legalidade.

b) fraude* nesse estudo tomaremos como uma trama maliciosa, com o intuito de acobertar a verdade ou o cumprimento de obrigação, com o intuito de prejudicar ou lesar terceiros ou a coletividade. Pode ser detectada em duas formas: b.1) fraude à lei, quando os sócios se ocultam por trás da pessoa jurídica, para fugir da incidência da lei; ou b.2) fraude ao contrato, quando os sócios utilizam a pessoa jurídica para burlar de-terminado impedimento contratual. De todo modo, a frau-de se associa à má-fé, como negação do princípio da boa-fé (Martins, 2009, p. 50).

Page 92: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

92 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

c) desvio de finalidade**, pela concepção subjetivista, ocorre quando a sociedade é utilizada para fins diversos daqueles estabelecidos no contrato, atendendo propósitos distintos da-queles de quando foi concebida. Consideramos como uma subespécie do abuso de direito, seguindo a leitura do art. 50 do Código Civil, que veremos mais adiante.

d) confusão patrimonial**, partindo de uma concepção objeti-va, refere-se à situação em que o patrimônio dos sócios e da sociedade se confundem. Há, então, um imiscuimento e uma promiscuidade tal entre os patrimônios que não se consiga determinar uma nítida separação entre cada um deles. Tam-bém, pelo mesmo motivo, consideramos uma subespécie do abuso de direito.

e) ato praticado com excesso de poderes**, nesse caso, um ter-ceiro (sócio, administrador ou representante) pratica um ato em nome da sociedade, mas que extrapola os limites dos po-deres instituídos para o exercício da função.

f) má administração**, são atos ligados à má gestão da pessoa jurídica, que possa levá-la ao estado de insolvência, à inativi-dade, à falência ou ao encerramento.

4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Passado a fase de construção e das especificidades da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, passemos, então, a sua efeti-va aplicabilidade, passando para o ordenamento jurídico brasileiro.

Em que pese a Disregard Doctrine ser uma “teoria”, a aplicação constante de uma teoria, pode-se dizer que a “teoria” acaba por ser in-corporada ao ordenamento jurídico.

4.1 no código de deFesa do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 – foi o primeiro instrumento normativo brasileiro com menção expressa da desconsideração da pessoa jurídica, insculpido no art. 28, prevendo as hipóteses do abuso de direito, do excesso de poder, da infração de lei,

Page 93: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������93

da violação dos estatutos e da falência por má administração, e identifi-cando-se com a responsabilidade objetiva.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da socie-dade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos esta-tutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quan-do houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

[...]

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência dominante desse entendimento.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO – INSCRIÇÃO INDEVIDA – DANO MO-RAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – INSOLVÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – ART. 28, § 5º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO STJ – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVI-MENTO AO RECURSO ESPECIAL – INSURGÊNCIA DA RÉ – 1. É possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária – acolhida em nosso ordenamento jurídico, excepcionalmente, no Direito do Consumidor – bastando, para tanto, a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemen-te da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, é o suficiente para se “levantar o véu” da personalidade jurídica da socieda-de empresária [...]. (STJ, AgRg-REsp 1106072/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, J. 02.09.2014)

4.2 na legislação antitruste

O art. 18 da Lei nº 8.884/1994 – Lei Antitruste –, revogada pela Lei nº 12.529/2011, faz referência expressa à desconsideração da per-sonalidade jurídica, valendo-se das mesmas figuras elencadas no art. 28 do CDC e, do mesmo modo, identifica com a responsabilidade objetiva.

Page 94: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

94 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerra-mento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má adminis-tração.

Nesse contexto, pode-se dizer que são conexos, pois as suas ori-gens também são semelhantes. No Brasil, nos idos dos anos 90, sofre graves mudanças nos aspectos econômicos e jurídicos, que tornaram diversos institutos jurídicos inadequados à realidade social da época. A internacionalização da economia, iniciada na Presidência Fernando Collor de Mello, reforçou esse caldo de cultura. Consequentemente, o ordenamento jurídico haveria de ser modificado (Lins, 2002, p. 47-49).

O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 – entra em vigor não para punir, mas para evitar danos aos consumidores e, de maneira transversal, preservar o mercado. A Lei de Concorrência ou Lei Antitruste – Lei nº 8.884/1994 – vem nessa mesma esteira, também para não punir, mas para resguardar interesse do mercado.

Uma nova evolução nesse cenário requer uma nova adequação legislativa. Temos, então, a promulgação da Lei nº 12.529/2011, que, no art. 34, deixa clara a intenção do legislador, abarcando as mesmas figuras jurídicas do diploma anterior.

Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando hou-ver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pes-soa jurídica provocados por má administração.

4.3 na legislação de deFesa do meio ambiente

O constituinte brasileiro revelou uma preocupação especial com o meio ambiente, alçando a sua proteção como direito difuso, sujeito a um tratamento diferenciado, como se depreende na leitura dos arts. 225, § 3º, e 170, inciso VI, da Constituição Federal.

Page 95: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������95

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferen-ciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

A Lei de Defesa do Meio Ambiente – Lei nº 9.605/1998 – segue a mesma tendência da Lei Antitruste – Lei nº 8.884/1994, substituída pela Lei nº 12.529/2011, que foi proposta pelo Código de Defesa do Consu-midor – Lei nº 8.078/1990. Os dois primeiros textos foram claramente inspirados pelo Código de Defesa do Consumidor, acompanhando as mudanças na sociedade brasileira, com se percebe pela linha temporal de promulgações.

Embora a Lei de Defesa do Meio Ambiente não replique, expres-samente, as figuras jurídicas dos outros dispositivos legais, não há que se falar de sua inaplicabilidade na seara ambiental. A responsabilidade é objetiva, pois o mote da legislação ambiental é retirar obstáculos ao ressarcimento dos danos ambientais (art. 4º da Lei nº 9.605/1998), da mesma maneira que a lei consumerista adota os danos aos consumido-res (art. 28 da Lei nº 8.078/1990), com textos idênticos.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua per-sonalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qua-lidade do meio ambiente.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica.

[...]

Page 96: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

96 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Apesar dos três textos legislativos – Código de Defesa do Con-sumidor, Lei Antitruste e Lei Proteção ao Meio Ambiente – destaca-rem, expressamente, a desconsideração da personalidade jurídica, não há como vinculá-los à formulação doutrinária que deram origem à Disregard Doctrine, pois a aplicação da desconsideração da perso-nalidade jurídica deriva do mero prejuízo ao credor – consumidor, mercado e meio ambiente –, ligada mais à teoria menor (Ramos, 2012, p. 404-405).

Colacionamos, então, dois acórdãos que representam a jurispru-dência consolidada sobre o tema.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Pedido de desconsideração da perso-nalidade jurídica. Possibilidade. Aplicação do disposto no art. 4º da Lei nº 9.605/1998, da Súmula nº 435 do STJ e legislação esparsa. Recurso provido. (TJSP, AI 0461166.22.2010, Câmara Reservada ao Meio Am-biente, Rel. Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, J. 03.03.2011)

Desconsideração da personalidade jurídica (art. 4º da Lei nº 9.605/1998). Indeferimento. Providência que seria justificável, uma vez que já foi de-cretada a falência da pessoa jurídica em outro processo. Medida que, no entanto, se afigura inócua no caso concreto. Sócios devidamente citados e representados nos autos. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP, AI 2035333-28.2013.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambien-te, Rel. Paulo Alcides Amaral Salles, J. 20.03.2014)

4.4 no código civil

Em que pese à importância no Código Civil – Lei nº 10.406/2002 –, entendemos adequada a apresentação, primeiramente, destes três di-plomas legais – promulgados em 1990, 1994 e 1998 – para nos debru-çarmos sobre legislação civilista, no que se refere à desconsideração da personalidade jurídica, pois entra, também, no escopo de uma evolução dos valores da sociedade brasileira.

Apesar de termos anteriormente diplomas específicos para trata-mento do Direito Civil – Código Civil, Lei nº 3.071/1916 – e do Direito

Page 97: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������97

Comercial – Lei nº 556/1850 –, e considerados ramos independentes7, o Código Civil de 2002 se comporta como Código Geral de Direito Pri-vado.

Daí a pertinência de abordar o tema da desconsideração da per-sonalidade jurídica apontando para a teoria da Disregard Doctrine com mais qualidade, e calcada na proposição original apresentada por Rubens Requião, calcada no abuso de direito, mas com as devidas e pontuais adequações à realidade social (Ramos, 2012, p. 405).

O Código Civil, no art. 50, permite a desconsideração da persona-lidade jurídica em caso de abuso, caracterizado pelo desvio de finalida-de da pessoa jurídica ou pela confusão patrimonial.

Art. 50. Em caso de abuso1 da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade2, ou pela confusão patrimonial3, pode o juiz deci-dir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Esse tipo de abuso de direito que causa prejuízo a terceiros, o que deve se verificar in concreto, mais adequado à teoria maior, ou seja, a responsabilidade é subjetiva, como dito, ao contrário dos três textos nor-mativos vistos anteriormente. Há a necessidade de comprovar o mau uso da personalidade jurídica pelo sócio ou administrador (Ramos, 2012, p. 245). Destacamos o acórdão que representa a jurisprudência domi-nante desse entendimento.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – EXECU-ÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSO-NALIDADE JURÍDICA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PRO-VIMENTO AO AGRAVO – INSURGÊNCIA DA EXECUTADA – 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional pre-vista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abu-sos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. A desconsideração da personalidade jurídica

7 A Constituição Federal de 1988, no inciso I do art. 22, determina que compete privativamente à União legislar sobre Direito Civil e Direito Comercial, ou seja, faz uma segregação entre os dois ramos, consequentemente, temos que são ramos distintos. Corroborando com esse entendimento, temos a posição de Fran Martins (2009, p. 30), que assevera que “o Direito Comercial não se confunde com o Civil, não obstante os inúmeros pontos de contato existentes entre ambos”.

Page 98: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

98 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

é regra de exceção, aplicável somente a casos extremos, em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou confusão patrimonial (cf. EREsp 1306553/SC, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 12.12.2014). [...]. (STJ, AgRg-AREsp 402622/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, J. 05.05.2015)

4.5 na legislação tributária

O Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966 – também aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O inciso VII do art. 134 estabelece que os sócios, em caso de liquidação da so-ciedade de pessoas, respondem solidariamente pelos débitos fiscais da empresa. Já o inciso III do art. 135 aponta que os gerentes, diretores ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, re-sultantes de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

No âmbito do processo tributário, o viés é da relevância do tri-buto como propriedade de todos os cidadãos, utilizando, por analogia, o princípio constitucional da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem respon-sáveis:

[...]

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[...]

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-reito privado.

Em especial, pertinente à arrecadação das contribuições sociais, temos no art. 30 da Lei nº 8.212/1991 – Lei de Custeio da Seguridade Social – a responsabilidade solidária das empresas de grupo econômico.

Page 99: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������99

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de ou-tras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

[...]

IX – as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei.

Nesse mesmo sentido, quanto à responsabilidade pelos débitos com a Seguridade Social, temos no art. 268 do Decreto nº 3.048/1999 – Regulamento da Previdência Social – a responsabilidade solidária dos bens do titular da firma individual e dos sócios cotistas da sociedade limitada, de maneira objetiva, e dos acionistas controladores, adminis-tradores e gerentes, quando ocorrer o dolo.

Art. 268. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à seguridade social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os ge-rentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a seguridade social, por dolo ou culpa.

Em relação ao imposto de renda, no Decreto nº 3.000/1999 – Re-gulamento do Imposto de Renda (RIR) –, os incisos IV e VI do art. 210 repetem as figuras jurídicas já destacadas anteriormente.

Art. 210. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[...]

IV – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas;

[...]

VI – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-reito privado.

Assim, pelo exposto temos que, nas execuções fiscais, o requisito indispensável para a desconsideração da personalidade jurídica é exis-

Page 100: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

100 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

tência de atos praticados pelos sócios ou administradores com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos (Torres, 2005, p. 68). Tal entendimento pode ser verificado no acórdão paradigma da jurisprudência dominante sobre o tema.

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – REDIRECIONAMENTO – ART. 135 DO CTN – AGRAVO LEGAL DESPROVIDO – 1. O redire-cionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabí-vel apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou estatuto, contrato social, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento da obrigação tributária (art. 135 do CTN). 2. A desconsideração da perso-nalidade jurídica da sociedade dissolvida irregularmente não pode ser decretada com o apoio exclusivo na impontualidade da pessoa jurídica, até porque a insuficiência de bens necessários à satisfação das dívidas contraídas consiste, a rigor, em pressuposto para a decretação da falência e não para a desconsideração da personalidade jurídica [...]. (TRF 3ª R., AC 1633165, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, J. 23.06.2015)

Cabe aqui ressaltar o entendimento do STJ, representado pela Sú-mula nº 435, que autoriza que a execução fiscal seja direcionada ao ad-ministrador, caracterizando presumida a dissolução irregular da pessoa jurídica.

Súmula nº 435/STJ. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Nesse sentido, apresentamos o acórdão paradigma que representa a jurisprudência do entendimento sumulado.

EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO A SÓCIO-GERENTE – CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – INDÍCIO DE DISSOLUÇÃO IR-REGULAR – SÚMULA Nº 435/STJ – [...] Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao recurso especial para autorizar o redirecionamento da execução aos sócios-gerentes. (STJ, REsp 1520785/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, J. 07.04.2015)

Por outro lado, há também posição pacífica do STJ de que o sim-ples inadimplemento não configura, por si só, razão suficiente para a

Page 101: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������101

responsabilização dos sócios, pois há de estar caracterizado o excesso de poder ou a infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – FGTS – POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE SE COM-PROVAR OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 135 DO CTN – RE-DIRECIONAMENTO POR SIMPLES INADIMPLEMENTO – IMPOSSIBILI-DADE – ENTENDIMENTO ORIGINÁRIO EM CONSONÂNCIA COM O DESTA CORTE – AGRAVO CONHECIDO – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ, AREsp 701764/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, J. 16.06.2015)

Cabe ressaltarmos que as hipóteses de dissolução da empresa es-tão elencadas no art. 1.033 do Código Civil, acrescida de uma última destacada no art. 1.035 do mesmo diploma legal, qual seja, previsão contratual, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Desse modo, entendemos que, não existindo uma hipótese expressa na norma, as demais dissoluções podem ser declaradas como irregulares.

4.6 na legislação do trabalho

No § 2º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, possibi-lita-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídi-ca. Assim, as sociedades com personalidades distintas umas das outras, mas integrantes de um mesmo conglomerado econômico, respondem solidariamente com débitos trabalhistas, mesmo que não seja sociedade empregadora principal, ou seja, a responsabilidade é objetiva, não sen-do necessário prova da fraude ou abuso de direito.

Art. 2º [...]

[...]

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma de-las, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle, ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

A empresa no Direito do Trabalho tem conceito mais amplo do que nos ramos de direito privado, posto que o crédito trabalhista deri-

Page 102: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

102 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

vou do esforço do trabalhador, mesmo que mesclado com a capacidade empreendedora dos administradores; portanto, deve ser buscado o pa-trimônio empresarial, independente de quem o detenha (Santos, 2003, p. 170).

Um fator que aproxima o Direito do Trabalho com o direito do consumidor é a vulnerabilidade do trabalhador, semelhante ao do con-sumidor. Outro ponto de contato é percebermos como a sociedade con-temporânea é consumista (de certa forma, hedonista), que nos leva a entender o salário não somente como elemento de subsistência, para sobrevivência física, mas como elemento da própria de existência, para sobrevivência social.

Portanto, no âmbito do Direito do Trabalho, a importância social do crédito trabalhista requer a proteção, por analogia, semelhante a do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor; logo, o crédito deve ser pago, e com preferência sobre os demais créditos. A jurisprudência nes-se sentido pode ser representada pelo acórdão a seguir:

EXECUÇÃO – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS – LIMITAÇÃO – O crédito trabalhista é preferencial e deve ser satisfeito pelo devedor. O que não se pode e, em nome disso, pretender causar prejuízos a terceiros de boa fé e surpreender relações jurídicas já consolidadas no tempo em razão de uma deficiência que não se pode atribuir a quem, de boa-fé, manteve-nos no exercício da empresa. Ser empresário e trabalhador são direitos da mesma dimensão e do mesmo valor. O instituto da descon-sideração da personalidade jurídica não se presta a causar prejuízos a terceiros de boa fé, ao contrário, serve para proteger tais terceiros contra o abuso no uso da atribuição da personalidade. (TRT/SP, Ap 0113600-45.1991.5.02.0030, 3ª Turma, Juíza Relª Desig. Thereza Christina Nahas, Publicado 20.04.2012)

A qualidade preferencial do crédito trabalhista não é uma constru-ção nova; pelo contrário, temos outros ramos do Direito que reforçam essa prioridade. Podemos verificar tal situação, por exemplo, no Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966 –, no art. 186; e na Lei de Falên-cias – Lei nº 11.101/2005 –, nos arts. 83, I, e 151:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decor-rentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

Page 103: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������103

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 salá-rios-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho.

Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial ven-cidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja dispo-nibilidade em caixa.

Quanto à questão mais específica do grupo de empresas, podemos inferir que se trata de responsabilidade solidária, por não decorrer efeti-vamente de uma ilicitude; logo, fora do alcance da desconsideração da personalidade jurídica (Guimarães, 1998, p. 37).

Se percorrermos outro caminho, também saindo da CLT e pas-sando pela legislação tributária, encontraremos no art. 889 da CLT au-torização expressa para que, subsidiariamente, utilizemos a legislação pertinente à cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, regu-lamentada na Lei nº 6.830/1980.

Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicá-veis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

A Lei nº 6.830/1980, no seu art. 4º, caracteriza a possibilidade de chamar os administradores da sociedade em caso de insolvência da sociedade.

Art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra:

I – o devedor;

[...]

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;

VI – os sucessores a qualquer título.

§ 1º Ressalvado o disposto no art. 31, o síndico, o comissário, o liquidan-te, o inventariante e o administrador, nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em

Page 104: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

104 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

garantia quaisquer dos bens administrados, respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.

Encontramos acolhimento desse entendimento no fragmento de acórdão, em agravo de petição, da lavra do Tribunal Regional da 2ª Região, em que o mote era a desconsideração da personalidade jurídica da reclamada e a inclusão no polo passivo da execução as empresas contempladas no grupo econômico a que pertencia a reclamada.

Ausência de título executivo contra a agravante. Desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução. O integrante do grupo eco-nômico pode ser responsabilizado na execução. O mesmo ocorre com os sócios ou diretores da empresa devedora principal. O procedimento encontra amparo nos artigos art. 568 do CPC c/c art. 2º, § 2º, art. 889 da CLT, § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, art. 135 do Código Tributário Nacional e art. 28 da Lei nº 8.078/1990 [CDC]. Rejeito a arguição de nuli-dade, não se caracterizando, pois, qualquer ofensa o princípio do devido processo legal e coisa julgada. (TRT/SP, Ap 0216400-33.2004.5.02.0019, Relª Desª Iara Ramires da Silva de Castro, J. 02.07.2015)

4.7 na legislação societária

O art. 158 da Lei de Sociedades Anônimas – Lei nº 6.404/1976 – dispõe que os administradores respondem civilmente pelos prejuízos que causarem durante a sua gestão na sociedade, quando proceder com culpa, dolo ou violação ao estatuto ou à lei.

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obriga-ções que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

Já, no art. 117 do mesmo diploma legal, o acionista controlador, quando agir com abuso de poder, responde pelos danos causados.

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

Page 105: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������105

Interessante destacar que esse dispositivo elenca os casos que se caracterizam como abuso de poder no § 1º, que pode ser entendido, salvo melhor juízo, como numerus clausus.

Em uma análise mais apurada, poder-se-ia dizer que não se trata, efetivamente, de um caso de desconsideração da personalidade jurídica, apesar de termos abordado figuras jurídicas pertinentes à desconside-ração, mas sim de imputação de responsabilidade direta e pessoal dos sócios e administradores.

Temos, por fim, outro caso societário, na ocorrência de má con-dução dos negócios por administradores de instituições financeiras que venham a sofrer intervenção do Banco Central e tivesse a sua liquidação extrajudicial decretada.

Art. 36. Os administradores das instituições financeiras em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com todos os seus bens indisponíveis não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas respon-sabilidades.

§ 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a intervenção, a extrajudicial ou a falência, atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao mesmo ato.

4.8 na legislação para licitações

Aqui a questão toma novas nuances, pois adentramos o direito público, de sobremaneira, diferente do que tratamos no direito tribu-tário, calcando no disposto no art. 37 da Constituição Federal. Os que entendem inaplicável a desconsideração da personalidade jurídica nos processos licitatórios, apontam para o princípio da legalidade, que: a) limita a ação do agente público, que não possui vontade própria; e b) não há no ordenamento jurídico permissão expressa para a aplicação da desconsideração. Por outro lado, os que entendem cabível a descon-sideração apontam para o princípio da moralidade, como vetor autori-zante, posto que, convenhamos, o abuso de direito praticado com intui-to de fraudar a lei não pode ser admitido pela Administração Pública, mesmo que revestidos de certa “legalidade” (Pegoraro, 2010, p. 79-84).

Page 106: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

106 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A Lei nº 8.666/1993 – Lei de Licitações –, em seu art. 3º, também acompanha os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Assim, entendemos que, havendo inequívoca intenção de fraudar a lei, abre-se possibilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa licitante, caso os bens da empresa forem insuficien-tes para ressarcir os danos causados ao patrimônio público.

Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio cons-titucional da isonomia, [...] e será processada e julgada em estrita confor-midade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Enquanto não há um posicionamento normativo, a jurisprudência caminha no sentido de considerar o princípio da moralidade como rele-vante para determinar a possibilidade da desconsideração da personali-dade jurídica, representado pelo acórdão a seguir.

ADMINISTRATIVO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JU-RÍDICA DETERMINADA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – EXTEN-SÃO DA PENALIDADE APLICADA À PESSOA JURÍDICA PERTENCENTE AO MESMO GRUPO ECONÔMICO – INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, COMPETITIVIDADE E IMPESSOALI-DADE – ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELAS CORTES SUPERIORES – Havendo indícios de violação aos princípios da moralidade, impessoa-lidade e competitividade dos certames licitatórios, se afigura plenamen-te possível a desconsideração da personalidade jurídica para estender os efeitos da sanção administrativa à outra empresa integrante do grupo econômico, a qual possui os mesmos sócios, corpo diretivo e endereço. (TJSC, MS 2013.055573-2, Rel. Luiz Cézar Medeiros, J. 09.04.2014)

4.9 na legislação anticorrupção

Inicialmente, temos que estão estampados no art. 37 da Constitui-ção Federal os princípios que regem a Administração Pública. Os atos de improbidade administrativa se referem àqueles que atentam aos prin-cípios da Administração Pública (art. 11 da Lei nº 8.429/1992) e que acarretem danos ao patrimônio público (art. 10 da Lei nº 8.429/1992).

Page 107: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������107

A Lei nº 8.429/1992, em seu art. 3º, trata da responsabilização de terceiros que concorram ou induzam na prática de atos de improbidade administrativa, ou seja, dentro da esfera pública.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a práti-ca do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/1913 – entrou em vigor no começo de 2014 e causou certo alvoroço devido ao clima de insatisfa-ção da sociedade com alguns casos de corrupção na esfera pública que ganharam grande repercussão social.

No seu art. 14 temos uma disposição expressa da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, também com as figuras do abuso de direito, da fraude e da confusão patrimonial e com a responsa-bilidade objetiva prevista no art. 2º.

Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei prati-cados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de admi-nistração, observados o contraditório e a ampla defesa.

Por ser legislação recente, ainda não temos uma jurisprudência só-lida sobre o tema, mas poderá, no nosso entendimento, seguir a mesma linha da legislação consumerista, ambiental e concorrencial, pois está calcada em fundamentos similares.

4.10 no novo código de processo civil – lei nº 13.105/2015

4.10.1 Normas fundamentais do processo civil

Inicialmente, faremos um breve introito sobre o capítulo de aber-tura do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 –, que tra-ta das normas fundamentais do processo civil, que não se revestem de

Page 108: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

108 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mera escolha ou inclinação das partes, mas sim como obrigação proces-sual que devem ser reconhecidas e obedecidas.

Faremos, então, um recorte naquelas que são, a nosso ver, impor-tantes para a análise da desconsideração da personalidade jurídica:

a) Boa-fé processual: representada pelo art. 5º do novo CPC, de-termina que durante o processo as partes devem comportar-se dentro da estrita observância da boa-fé processual. Aliás, a boa-fé processual é um dos pilares que está baseado o novo Código de Processo Civil.Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

b) Dever de cooperação efetiva: trata-se de um princípio da ci-ência processual moderna, em que o processo civil é tratado como uma relação jurídica entre sujeitos processuais, isto é, entre juiz e as partes, de um lado, e as partes entre si, do ou-tro. Nesse sentido, o juiz e as partes se relacionam entre si no sentido de alcançar o propósito processual: a restauração da paz jurídica perturbada; e as partes participam efetivamente da gestão do processo (Greger, 2012, p. 125).Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efe-tiva.

c) Efetivo contraditório: embora possa parecer contraditório acoplar dever de cooperação (art. 6º do NCPC) e direito ao contraditório (art. 7º do NCPC), como princípios do novo Có-digo de Processo Civil, eles podem (e devem) ser mitigados. O processo deve se desenvolver em um processo dialético que se permita a manifestação das partes (art. 9º do NCPC) em momento precedente ao ato decisório (Cabral, 2005, p. 59); entretanto, o direito ao contraditório não pode ser exercido ilimitadamente, sendo que o Estado deve exigir reti-dão das partes no manuseio do processo (instrumento públi-co), como dever de colaboração para construção da decisão final (Chiovenda apud Cabral, 2005, p. 61).Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,

Page 109: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������109

aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, com-petindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Na esfera trabalhista temos que o disposto nos arts. 8º e 769 da CLT indicam a utilização subsidiária do Código de Processo Civil, e, de modo reverso, o art. 15 do novo Código de Processo Civil indica que, “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas, ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas su-pletivamente e subsidiariamente”; logo, os procedimentos do instituto do incidente da desconsideração da personalidade jurídica estarão ade-quados ao processo trabalhista.

Na esfera tributária, o art. 1º da Lei nº 6.830/1980 assevera que, nas execuções judiciais para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias, será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Na esfera consumerista, o art. 90 do CDC destaca que se aplicam as normas do Código de Processo Civil, naquilo que não o contrariar o Código nas ações judiciais de natureza consumerista.

Na esfera concorrencial, o art. 115 da Lei nº 12.529/1911 deter-mina que se aplique, subsidiariamente aos processos administrativo e judicial previstos nesta lei, as disposições do Código de Processo Civil (no caso expresso, ao que está em vigor).

Nos demais ramos, nas esferas administrativas ou judiciais, onde não há previsão expressa de procedimento específico para desconside-ração da personalidade jurídica, entendemos pacífica a utilização do novo Código de Processo Civil.

4.10.2 O incidente de desconsideração de personalidade jurídica

Depois de todo o caminho percorrido pelo leitor até este ponto, percebe-se que não houve menção a dispositivos processuais. O novo Código de Processo Civil inova, pois, além de trazer regulação proces-sual e procedimental, tipificando o incidente de desconsideração da per-

Page 110: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

110 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

sonalidade jurídica, que pode ser utilizado em qualquer fase do proces-so, mas abarcando a possibilidade de que tal procedimento se dê logo de plano na petição inicial. O mais importante, entretanto, foi abordar o viés processual, possibilitando uma margem segura de procedimentos (art. 133 a 137 do NCPC).

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe cou-ber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao dis-tribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da per-sonalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo in-terno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a one-ração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Page 111: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������111

Importante destacarmos o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, determinados nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF/1988, que estão contemplados no art. 135 do NCPC, pois o incidente de des-consideração da personalidade jurídica possibilitará o exercício do con-traditório pelos sócios, que pode diminuir, substancialmente, as críticas à desconsideração da personalidade jurídica.

Não podemos nos desviar, entretanto, do princípio da efetividade do processo, que tem por finalidade a eficácia da prestação jurisdicional a ser prestada pelo Estado, que deve se valer de todos os meios existentes para satisfazer o credor; logo, a desconsideração da personalidade jurí-dica do devedor é um instrumento passível de ser utilizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, buscou-se tratar, de forma didática, a respon-sabilidade dos diretores, gerentes ou representantes pelas obrigações tri-butárias da pessoa jurídica, trazendo-se as posições doutrinárias, legais e jurisprudenciais atuais.

O tema da desconsideração da personalidade jurídica é controver-tido, tendo posições relevantes tanto pró como contra a sua aplicação, mormente pela teoria menor; entretanto, a teoria da Disregard Doctrine é uma solução concreta e como instrumento de persecução da finali-dade do processo: a pacificação do direito esbulhado. Não se buscou a homogeneização de entendimentos, mas sim apresentar subsídios para que outros continuem a se debruçar sobre o tema.

A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil trará uma maior aplicabilidade e efetividade da desconsideração da personalidade jurídica e, possivelmente, poderá “pacificar” o seu uso como uma ferra-menta eficaz para uma decisão eficaz da prestação jurisdicional buscada pelo cidadão. Alea jacta est...

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2011.

BASTOS, Eduardo Lessa. Desconsideração da personalidade jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

Page 112: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

112 ������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo, v. 126, ago. 2005.

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: RT, 1999.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2005.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2013.

______. Manual de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da perso-nalidade jurídica. In: Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2002.

FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2011.

FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da persona-lidade jurídica: análise à luz do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2008.

GREGER, Reinhard. Cooperação como princípio processual. Trad. Ronaldo Kochem. Revista de Processo, Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, v. 206, abr. 2012.

GRINOVER, Ada et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comenta-do pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

GUIMARÃES, Flávia Lefévre. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor: aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no Di-reito brasileiro. São Paulo: RT, 1987.

KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

LINS, Daniela Storry. Aspectos polêmicos atuais da desconsideração da perso-nalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor e na Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

MAMEDE, Gladstone. Manual do direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2009.

Page 113: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������113

MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

NAHAS, Thereza Christina. Desconsideração da pessoa jurídica: reflexos civis e empresariais no direito do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

PAES, José Eduardo Sabo. A desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade dos administradores. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público Distrito Federal e territórios, Brasília, ano 10, v. 19, p. 93-100, jan./jun. 2002. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arqui-vos/19_05.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2015.

PEGORARO, Luiz Nunes. Desconsideração da personalidade jurídica no pro-cedimento licitatório. Campinas: Servanda, 2010.

PINTO, Sérgio. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2014.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. São Paulo: Método, 2012.

REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial: estudos e pare-ceres. São Paulo: Saraiva, 1977.

SANTOS, Hermelino de Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

SOUZA, Artur César de. O princípio da cooperação no projeto do novo Códi-go de Processo Civil. Revista de Processo, v. 225, nov. 2013.

TÔRRES, Heleno Taveira. Regime tributário da interposição de pessoas e da desconsideração da personalidade jurídica: os limites do artigo 135, II e II, do CTN. In: Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

Page 114: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Parte Geral – Doutrina

Aspectos Polêmicos Atrelados ao Direito de Arena

The Main Controversial Aspects of the Arena Rights

RODRIGO ALVES ZAPAROLIMestrando em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RESUMO: O presente artigo almeja proporcionar uma análise pormenorizada dos principais aspectos polêmicos relacionados ao direito de arena, apresentando inclusive a evolução histórica do instituto jurídico objeto do trabalho. Com o escopo de atingirmos o objetivo proposto, nos pautaremos na legislação, doutrina e jurisprudência brasileira, além de mencionar a título de estudo comparado previsões arroladas pela legislação espanhola e portuguesa. Sendo assim, nos moldes do que fora exposto, almejamos, com este trabalho, proporcionar uma análise dinâmica, comparativa e objetiva sobre os principais aspectos polêmicos inerentes ao direito de arena.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de arena; aspectos polêmicos; direito comparado; legislação espanhola; legislação portuguesa.

ABSTRACT: This paper aims to provide a detailed analysis of the main controversial aspects of the Arena Rights, including presenting the historical evolution of this legal institute that is the main sub-ject of this article. With the aim of achieving the proposed objective, our analysis will be grounded on the Brazilian laws, doctrine and former court decisions, also mentioning as a comparative study certain provisions of the Spanish and Portuguese laws. Accordingly, as provided above, with this article we aim to provide a dynamic, comparative and objective analysis of the main controversial aspects inherent to the arena right.

KEYWORDS: Arena right; controversial aspects; comparative law; Spanish law; Portuguese law.

ASPECTOS POLÊMICOS ATRELADOS AO DIREITO DE ARENA

O avanço tecnológico dos veículos de comunicação em massa acabou por gerar inúmeros empecilhos na seara dos direitos autorais, vez que, antes do desenvolvimento de tais meios, fato que ocorreu de modo mais amplo em meados dos anos 20 do século passado, o autor detinha quase que exclusivamente os direitos atrelados à sua criação, inclusive com relação à exibição e comercialização de sua obra.

Além do mais, os problemas descritos se ampliaram, pois em di-versos segmentos foi possível caracterizar que a exposição de obras e

Page 115: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������115

eventos em larga escala poderia gerar grande benefício econômico não apenas aos autores, mas também às empresas atuantes no segmento de comunicação.

Diante do cenário exposto, emanou o direito de arena, que recebe tal denominação como herança dos anfiteatros romanos, local em que eram realizados combates entre gladiadores. Relevante se faz destacar que atualmente a palavra descrita engloba todo e qualquer local em que se desenvolvem espetáculos públicos.

Vale ressaltar que, de acordo com as lições prestadas por Jorge Miguel Acosta Soares, tanto “o termo quanto o direito em si foram in-troduzidos em nosso ordenamento por meio do art. 100 da revogada Lei nº 5.988/1973. Assim, era definido como um direito exclusivo das entidades desportivas, que podiam autorizar, ou não, a transmissão por meios eletrônicos dos espetáculos esportivos em que fossem cobradas entradas”1.

Diante das informações expostas, constatamos que o direito de arena foi inserido na legislação brasileira por meio da Lei nº 5.988/1973, que se prestava a regular os direitos autorais, além de prestar outras pro-vidências.

Insta salientar que, ao analisarmos o texto legislativo supracitado, concluímos que tal tutela estava alocada no título destinado aos direitos conexos, estes que também acabam por possuir previsão constitucional.

Ao discorrer sobre os direitos conexos, Marcelo Alkmim afirma:

A Constituição, no inciso XXVIII, do art. 5º, assegura, também, os cha-mados direitos conexos aos direitos do autor, que compreendem aqueles que de alguma forma contribuem para uma maior divulgação de obras intelectuais, como os artistas, intérpretes e produtores, além das pessoas que participam da elaboração de obras coletivas, como novelas e seme-lhantes.2

Cumpre esclarecer que a Lei nº 5.988/1973 foi alvo de muitas crí-ticas, pois acabou, de certa maneira, por atribuir a titularidade do direito

1 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional. Dissertação de Mestrado em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 137.

2 ALKMIM, Marcelo. Curso de direito constitucional. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. p. 453.

Page 116: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

116 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

de arena à entidade de desporto, bem como ao atleta, nos moldes do que se constata por meio da leitura dos arts. 15 e 100, parágrafo único, da lei revogada3.

Posteriormente, entrou em vigor a primeira legislação específica a versar sobre o esporte em território nacional, esta que fora apelidada de “Lei Zico” (Lei nº 8.672/1993).

Salientamos que a Lei nº 8.672/1993 acabou por discorrer sobre o direito de arena por meio de seu art. 24, caput e § 1º4, logo, tal legislação se demonstrou importante, pois fez com que a Lei de Direitos Autorais não viesse mais a tratar sobre referida matéria, que, a partir desse mo-mento, foi incorporada à legislação desportiva.

Todavia, cinco anos após sua entrada em vigor, a “Lei Zico” acabou sendo revogada, passando a dissertar sobre a matéria a Lei nº 9.615/1998, que fora denominada “Lei Pelé”, esta que acabou por apresentar poucas alterações em relação ao texto legislativo presente nas normas anteriores.

Necessário se faz informar que a Lei nº 9.615/1998 estabelece as diretrizes atuais sobre o direito de arena por meio do caput, parágrafos e incisos do art. 425, que recentemente sofreram alterações por força das Leis nºs 12.395/2011 e 13.155/2015.

3 “Art. 15. Quando se tratar de obra realizada por diferentes pessoas, mas organizada por empresa singular ou coletiva e em seu nome utilizada, a esta caberá sua autoria.

[...]

Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga.

Parágrafo único. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.”

4 “Art. 24. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.”

5 Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à exibição de flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educativos ou para a captação de apostas legalmente autorizadas, respeitadas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

Page 117: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������117

Superado o breve contexto histórico inerente à matéria, julgamos relevante tornar incontroverso que a previsão legislativa acerca do direi-to de arena atualmente é fornecida pela Lei nº 9.615/1998, nos moldes do que leciona Álvaro Melo Filho, que declara em sua obra:

Configura-se no art. 42 o direito ao espetáculo desportivo ou o direito de transmissão do espetáculo, ou ainda, como é conhecido, o direito de arena previsto no art. 100 da Lei nº 5.988/1973 [...]. Cabe lembrar, a propósito, que esta Lei nº 5.988/1973 foi revogada pela Lei nº 9.610, de 19.02.1998, que, não mais acolhe nem enquadra o direito de arena, como direito autoral. Assim, o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 é o único dispositivo vigente que trata da matéria.6

Dessa maneira, resta comprovado que o direito de arena é previsto pela “Lei Pelé”, contudo, necessário se faz salientar que tal direito tam-bém possui amparo no texto constitucional.

A informação supracitada se fundamenta por força da previsão for-necida pelo art. 5º, inciso XXVIII, alínea a, da Constituição Federal, que acaba por estipular a “proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas ativi-dades desportivas”7.

Destaca-se ainda que o entendimento anteriormente exposto pos-sui fundamentação doutrinária, nos moldes do que fundamentam as

I – a captação das imagens para a exibição de flagrante de espetáculo ou evento desportivo dar-se-á em locais reservados, nos estádios e ginásios, para não detentores de direitos ou, caso não disponíveis, mediante o fornecimento das imagens pelo detentor de direitos locais para a respectiva mídia; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011)

II – a duração de todas as imagens do flagrante do espetáculo ou evento desportivo exibidas não poderá exceder 3% (três por cento) do total do tempo de espetáculo ou evento; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

III – é proibida a associação das imagens exibidas com base neste artigo a qualquer forma de patrocínio, propaganda ou promoção comercial. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).”

6 MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto: comentários à Lei nº 9.615 e suas alterações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 156.

7 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

[...]”

Page 118: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

118 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

lições ofertadas por Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marioni e Daniel Mitidiero, que sobre o tema afirmam:

No âmbito da Constituição Federal, o direito à imagem (no sentido de um direito à própria imagem) foi consagrado no art. 5º, X, mas encontra ex-pressa referência também no art. 5º, V (onde está assegurado um direito a indenização por dano material, moral ou à imagem), e no art. 5º, XXVIII, a, em que está prevista a proteção contra a reprodução da imagem e da voz humana. O direito à imagem, na condição de direito de persona-lidade, encontrou também proteção na esfera infraconstitucional, com destaque aqui para o art. 20 do CC.8

Portanto, ante as considerações ofertadas, foi demonstrada qual é a legislação apta a versar sobre a matéria, bem como restou carac-terizado que o texto constitucional e o Código Civil também possuem diretrizes acerca do tema, circunstância que nos permite avançarmos para o estudo do conceito e da legitimidade para o exercício do instituto jurídico do direito de arena.

Vale ressaltar que o instituto alvo de análise acabou por garantir às entidades de desporto a possibilidade de autorizar ou não a transmissão da atividade esportiva, circunstância que lhes permite auferir elevado benefício econômico como fruto dessa autorização, levando-se em con-sideração ainda, que caberá à entidade repassar parte desse benefício ao sindicado dos atletas, que, por sua vez, transmitirá tal percentual aos profissionais que participaram do espetáculo.

Ainda com relação à importância do instituto nos dias atuais, rele-vantes se demonstram as lições de Antônio Chaves, que declara:

Os clubes precisam de sólidas receitas para atender a suas necessidades financeiras, e justamente a mais importante delas sempre foi aquela obti-da com as rendas das partidas. As transmissões ao vivo fazem decrescer as rendas, gerando um prejuízo financeiro que somente pode ser com-pensado com o pagamento do Direito de Arena.9

Ante as considerações prestadas, constata-se que o direito de are-na se apresenta como elemento indispensável à manutenção das entida-des de desporto, ocasião em que destacamos os clubes de futebol, que

8 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 439.

9 CHAVES, Antônio. Direito de arena. In: SOARES, Jorge Miguel Acosta. Op. cit., p. 143.

Page 119: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������119

necessitam de elevadas receitas para custear os altos salários de seus atletas.

Além do mais, evidenciamos como uma contraprestação justa e necessária, pois, uma vez veiculada a partida por meio das emissoras de televisão, ocorrerá naturalmente uma redução do número de expec-tadores presentes no estádio de futebol, pessoas estas que desfrutariam do evento esportivo como pagantes, logo, trariam benefício econômico à entidade desportiva.

Sendo assim, observamos que o recebimento da contraprestação pecuniária se revela indispensável para ressarcir de certa maneira as per-das suportadas pelas entidades de desporto por força da evasão de pú-blico dos estádios, pois se revela mais comum, até mesmo por força dos transtornos envolvidos, ocasião em que destacamos a título exemplifica-tivo: o horário dos jogos, a logística para se chegar ao local do evento, e os inúmeros casos de agressões físicas entre torcedores, que tais pessoas prefiram assistir ao espetáculo por meio dos recursos televisivos.

Ao prosseguirmos com a análise em sentido estrito do conceito do instituto, observamos o surgimento de uma polêmica, que reside no fato de quem será o titular do direito em análise.

Insta salientar que a matéria se demonstra muito divergente, pois existem correntes que entendem que se trata de direito inerente ao atle-ta, enquanto que outras adotam a concepção que tal tutela se presta apenas à entidade de prática desportiva.

Com o escopo de apresentar o entendimento de que se trata de direito atrelado ao atleta, nos valeremos das lições ofertadas por Maria Helena Diniz, que afirma ser o direito de arena:

Direito do atleta profissional de usufruir, se participante de espetáculo desportivo, de parte do quantum recebido pela associação desportiva não só para autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão por quais-quer meios, obedecidas as convenções e contratos firmados, como tam-bém para comercializar imagens. A autorização da entidade a que se filia o atleta também é necessária para a transmissão ou a retransmissão, por qualquer meio, de espetáculo desportivo público com entrada paga.10

10 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 173.

Page 120: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

120 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Ao efetuarmos a leitura do trecho anteriormente transcrito, obser-vamos que, segundo Maria Helena Diniz, o direito de arena seria ine-rente ao atleta profissional, que participou do evento esportivo, circuns-tância que lhe facultará receber um percentual do benefício econômico auferido pela entidade de desporto que autorizou a fixação, transmissão ou retransmissão do evento.

Logo, a entidade esportiva teria a possibilidade de negociar a vei-culação da imagem do espetáculo por meio dos veículos de comuni-cação; todavia, o direito de arena, em sentido estrito, seria inerente ao atleta profissional, que se beneficiaria por receber um percentual do va-lor transacionado entre a empresa de comunicação e a entidade à qual se encontra vinculado.

Destaca-se ainda que a autora abarca em seu conceito a ressalva da necessidade de se tratar de um evento esportivo público e pago, nos moldes do que fora tratado no curso do trabalho.

Por sua vez, com o escopo de apresentarmos a corrente divergen-te, nos valeremos das lições ofertadas por Alcirio Dardeau de Carvalho, que, ao discorrer sobre o conceito do instituto, que se encontra presente no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, afirma:

[...] o direito de arena pertence à entidade de prática desportiva. Do exer-cício desse direito nasce para a entidade de prática desportiva uma obri-gação: a de distribuir, em partes iguais, 20% do preço da autorização, no mínimo, aos atletas participantes do espetáculo [...]. O art. trata das entidades em que os desportos são ensinados e praticados. Trata, em suma, dos clubes desportivos. São eles (os clubes), em princípio, que têm o direito de autorizar a transmissão do espetáculo desportivo de que participem. Mas nem só as entidades de prática desportiva participam de espetáculos desportivos. Também as entidades de administração, nacio-nais, como estaduais, participam desses espetáculos, através das seleções nacionais ou regionais. Nesses casos são as entidades selecionadoras que têm o direito de autorizar a transmissão do espetáculo, com a mesma obrigação, de distribuir 20% do preço da autorização, em partes iguais, entre os atletas participantes, no mínimo.11

11 CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº 9.615/1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 111 e 112.

Page 121: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������121

Após analisarmos o texto anteriormente transcrito, constatamos nitidamente a presença de corrente divergente, ocasião em que o autor além de informar que se trata de um direito atrelado à entidade de des-porto, sustenta que tal direito também pode ser exercido pelas seleções nacionais ou regionais, excluindo dessa maneira a figura do atleta como titular da tutela jurisdicional, o considerando apenas como detentor do direito de receber um percentual do valor a ser recebido pela entidade de desporto pelo exercício do direito de arena.

Ainda com o escopo de fundamentarmos a existência de polêmi-cas em relação à titularidade do direito de arena, questão que influencia diretamente na conceituação do instituto, julgamos relevante apresentar também as lições formuladas por Álvaro Melo Filho, que sobre o tema dispõe:

[...] Há de proceder-se, por oportuno, a uma relevante distinção entre a imagem do atleta e a imagem do coletivo dos atletas, tendo em vista que a exploração desta última cabe à entidade de prática desportiva empre-gadora, na forma do art. 42, enquanto a disponibilidade de exploração daquela cabe ao próprio atleta.12

Ao realizarmos a análise do conceito edificado por Álvaro Melo Filho observamos novamente a divergência do tema alvo de estudo, vez que o autor entende que o direito de arena, por se tratar da imagem do coletivo de atletas, bem como pela existência de expressa previsão legis-lativa (Lei nº 9.615/1998, art. 42), caberá à entidade desportiva, enquan-to que a exploração da imagem do atleta de maneira individualizada permanecerá atrelada à sua própria pessoa, até mesmo por se tratar de direito personalíssimo inerente ao atleta, conceito este que entendemos como o mais adequado a ser utilizado.

Em complementação às considerações ofertadas, julgamos rele-vante trazer a debate que, na prática atual, os atletas profissionais, prin-cipalmente aqueles que atuam no segmento futebolístico, costumam pactuar com seus clubes contratos exclusivos para tratar da cessão de sua imagem individualizada, situação que acaba por distinguir de ma-neira clara o direito de imagem, que é personalíssimo ao atleta e o direi-to de arena, que encontra previsão na Lei nº 9.615/1998.

12 MELO FILHO, Álvaro. Op. cit., p. 156.

Page 122: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

122 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Destacamos que a utilização atual de contratos específicos desti-nados a versar sobre a licença de uso da imagem do atleta de forma in-dividualizada foi alvo de discussão na obra edificada por Felipe Legrazie Ezabella, que, sobre o tema, dispõe:

Ao se falar da imagem individual do atleta, é imperioso observar que hoje em dia é muito comum que as entidades de prática celebrem com seus atletas dois contratos totalmente distintos: o contrato de trabalho e o contrato de licença de uso de imagem [...].

Esse contrato de licença de imagem firmado com o atleta tem por intuito utilizar a sua popularidade para angariar sócios, patrocinadores, vender camisas e acessórios, divulgar a marca do clube por meio de outras for-mas que não a sua obrigação pactuada no contrato de trabalho, como comerciais, depoimentos, entrevistas.13

Desse modo, ao interpretarmos as considerações ofertadas, con-cluímos que, apesar do direito de imagem e do direito de arena se en-contrarem instalados no campo dos direitos da personalidade, tais di-reitos são distintos, vez que almejam tutelar bens jurídicos diferentes, pois, enquanto o direito de imagem destina-se à proteção da integridade moral da pessoa, o direito de arena objetiva garantir a integridade inte-lectual de seu titular, pertencendo à seara dos direitos conexos.

Portanto, para a corrente que entende que o direito de arena per-tence à entidade de desporto, observamos que a fundamentação reside no fato de que tal direito estaria inserido no rol de direitos da persona-lidade da pessoa jurídica, estando alocado especificamente nos direitos conexos aos do autor, matéria esta que já fora alvo de estudo no início do presente trabalho.

Desenvolvidos os debates acerca das polêmicas que envolvem a conceituação e legitimidade do instituto, julgamos relevante discorrer brevemente sobre a natureza jurídica do direito de arena, questão que não costuma gerar tantas divergências, vez que se consolidou o enten-dimento de que se trata de uma espécie de direito de personalidade, atrelado ao direito de imagem.

13 EZABELLA, Felipe Legrazie. O direito desportivo e a imagem do atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 154 e 155.

Page 123: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������123

Com o escopo de fundamentar a afirmação anteriormente presta-da, nos valeremos das lições formuladas por Felipe Legrazie Ezabella, que, pautado nos ensinamentos edificados por Antônio Chaves, dispõe:

Ao comentar a natureza jurídica do direito de arena. Antônio Chaves diz que “não se trata de um direito de autor, e sim de outra espécie de direito de personalidade, um como que direito à própria imagem, importante, sem dúvida, nas obras cinematográficas, teatrais, coreográficas e seme-lhantes, mas de natureza essencialmente diferente”. Para ele, o direito de arena é uma extensão do direito à própria imagem e do direito dos artistas, intérpretes ou executantes.14

Ante o exposto, restou ventilada qual seria a natureza jurídica do direito de arena, circunstância que nos permite avançar nos estudos de modo a abordarmos outra questão polêmica vinculada à matéria.

Quanto à polêmica narrada no parágrafo anterior, esta reside no fato de qual seria a natureza da verba proveniente do direito de arena, vez que a doutrina e jurisprudência se dividem, pois enquanto um dos entendimentos acata a teoria de que se trata de uma verba indenizatória de natureza civil, a outra, sustenta que o benefício recebido estaria atre-lado a uma relação laboral.

Cumpre esclarecer que a existência de duas correntes acaba por gerar grande polêmica para os operadores do direito, vez que tal questão influencia inclusive em qual será o foro competente para o julgamento de litígios que venham a envolver o não recebimento da verba pecuniá-ria pelos interessados.

Salientamos que a corrente que acata o entendimento de que a verba pecuniária proveniente do direito de arena possui caráter indeni-zatório, se fundamenta no fato de que tal direito se trata de um instituto de direito desportivo, originário do direito civil, mais precisamente do direito autoral, nos moldes do que fora abordado no início do trabalho.

Com o escopo de fundamentarmos a tese ofertada por parte da doutrina de que a verba vinculada ao direito de arena teria natureza in-denizatória, logo, teria suas raízes fundadas no direito desportivo e civil,

14 EZABELLA, Felipe Legrazie. Op. cit., p. 154.

Page 124: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

124 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

nos pautaremos nas lições ofertadas por Felipe Legrazie Ezabella, que sobre o tema, dispõe:

[...] entende-se ter essa verba natureza indenizatória, tendo em vista toda a evolução histórica desse instituto, que foi sempre tratado dentro do âmbito do direito autoral.

Em defesa dessa posição [...]. Analisando a legislação de 1973, percebe--se que, no art. 1º daquela lei, estava disposto que: “Esta lei regula os di-reitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e direitos que lhe são conexos”.

No Título V da lei, no qual eram tratados os direitos conexos, apare-cia o Capítulo IV, que tratava especificamente do “direito de arena” nos arts. 100 e 101. [...] o direito de arena é um direito da entidade de prá-tica, da pessoa jurídica, que por óbvio encontra resguardo jurídico no direito civil.15

Além disso, os doutrinadores que adotam a corrente supracitada se valem também da própria previsão legislativa existente, vez que o § 1º do art. 42 da “Lei Pelé” acaba por determinar que a “receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil”, logo, até mesmo por força da redação do texto legislati-vo, tratar-se-ia de verba de natureza civil.

Em complementação à abordagem realizada, julgamos indispen-sável não nos restringirmos apenas aos entendimentos doutrinários, bem como ao texto legislativo para justificar a polêmica narrada, logo, trans-creveremos a seguir julgados que sustentam que a verba proveniente do direito de arena teria caráter indenizatório.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO EMPREGADOR – DEVEDOR JOGADOR DE FUTEBOL – INFORMA-ÇÕES SOBRE DIREITO DE ARENA E DE IMAGEM – PENHORABILIDADE

Apenas a verba paga a título de salário é impenhorável e não pode ser atingida por constrição. [...], contudo, com relação às verbas pagas a título de direito de imagem e direito de arena, não se tratando de direito propriamente trabalhista, mas decorrente da personalidade, e a paga que

15 Idem, p. 153 e 154.

Page 125: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������125

lhes corresponde não integra a remuneração do atleta empregado. Re-curso provido. (TJSP, Relatora: Maria Lúcia Pizzotti, Comarca: São Paulo, Órgão Julgador: 30ª CDPriv., Data do Julgamento: 24.06.2015; Data de Registro: 26.06.2015)

EMENTA: ATLETA – DIREITO DE IMAGEM – O direito de imagem, sob o âmbito coletivo, é amparado pela Constituição da República em seu art. 5º, item XXVIII, alínea a. No enfoque presente, diz respeito à ex-posição pública do atleta profissional e à remuneração recebida pelo clube para expor publicamente suas habilidades. Concede ao titular di-reito aos lucros que esta proporcione. Não se trata de direito propria-mente trabalhista, mas decorrente da personalidade, e a paga que lhes corresponde não integra a remuneração do atleta empregado. A matéria encontra-se regulada pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) [...] (TRT da 3ª Região, Processo nº 01577-2001-104-03-00-5 RO, Data de Publicação: 30.05.2002, DJMG, p. 7, Órgão Julgador: 6ª T., Rel. Ricardo Antonio Mohallem, Revisor: Cristiana M. Valadares Fenelon)

Por outro lado, a corrente que adota o posicionamento de que a verba pecuniária recebida pelos atletas titulares desse direito estaria sob a égide do direito do trabalho ventila que o fato gerador da obrigação reside justamente na questão de existir um contrato de trabalho entre a entidade de desporto e o atleta profissional, logo, entendem que seria competente para o julgamento do litígio a justiça trabalhista.

Destacamos inclusive que a competência da Justiça do Trabalho para julgar assuntos oriundos da relação de trabalho seria decorrente da previsão fornecida pelo art. 114, inciso I, da Constituição Federal16.

Com relação à matéria, se apresentam relevantes os ensinamentos construídos por Felipe Legrazie Ezabella, que assim dispõe:

[...] analisando o instituto sobre a ótica do direito do trabalho, todo o atleta profissional de futebol é empregado. O art. 457 da CLT, que trata da remuneração, diz que “compreendem-se na remuneração do empre-gado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago dire-tamente pelo empregador como contraprestação do serviço, as gorjetas

16 “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”

Page 126: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

126 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

que receber”. Vê-se que na remuneração pode-se incluir uma parcela advinda de terceiros, a chamada gorjeta.17

Ao interpretarmos o entendimento anteriormente exposto, consta-tamos que o autor entende que a natureza jurídica da verba pecuniária a ser recebida pelo atleta seria pertencente à seara do direito trabalhista, justamente pelo fato de que a verba a ser adimplida pelo clube em favor do atleta encontrar-se-ia caracterizada como integrante da remuneração do profissional.

Além do mais, é possível extrair do entendimento selecionado que, pelo fato de a atividade do atleta profissional ser caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, fir-mado com entidade de prática esportiva (Lei nº 9.615/1998, art. 28), a entidade de desporto poderia inscrever nas competições esportivas ape-nas atletas que possuam entabulados com o clube contratos formais de trabalho, circunstância que justificaria ainda mais a natureza salarial da verba pecuniária recebida pelo atleta.

Quanto aos dispositivos legislativos vinculados à polêmica des-crita, destacamos também a redação fornecida pelo parágrafo único do art. 31 da Lei nº 9.615/1998 que acaba por estipular que “são entendi-dos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho”.

Assim, tendo em vista as informações supracitadas, o direito de arena seria elencado como uma das verbas prescritas no contrato do atleta por força de previsão legislativa.

Com o escopo de não nos restringirmos apenas à doutrina para justificar a polêmica descrita, passaremos a transcrever julgados que sus-tentam a tese de que a verba proveniente do direito de arena é oriunda de relação empregatícia.

RECURSO DE REVISTA – 1. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA “DI-REITO DE ARENA” – O direito de arena possui natureza salarial, uma vez que é vinculado ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pago por terceiros. Assim,

17 EZABELLA, Felipe Legrazie. Op. cit., p. 150 e 151.

Page 127: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������127

aplicam-se por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 desta Corte Superior, com consequente reflexo dessa parcela so-bre férias acrescidas de 1/3, 13º salário e FGTS. Precedentes. [...]. (TST, RR 3809-09.2011.5.02.0203, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 24.06.2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30.06.2015)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA/IMAGEM – COMPETÊN-CIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – A competência material define-se em função do pedido e da causa de pedir. Assim, se a causa de pedir re-mota liga-se ao vínculo empregatício firmado entre as partes, e o pedido dela decorre, não há dúvida de que, nos termos do art. 114, I, da Cons-tituição da República, esta Justiça Especial será competente para julgar o litígio. Na hipótese dos autos, a questão afeta ao pagamento dos haveres decorrentes do direito de imagem/arena do atleta profissional, por residir no liame empregatício firmado entre as partes, deve ser julgada pela Jus-tiça do Trabalho. Precedentes [...]. (TST, RR 133400-48.2003.5.04.0009, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamen-to: 15.09.2010, 1ª T., Data de Publicação: DEJT 24.09.2010)

Findados os estudos atrelados às duas correntes existentes, pode-mos emitir nossa opinião, de que, se o pleito formulado pelo titular do direito de arena, se restringir apenas à cobrança do percentual inerente à verba descrita, estaremos diante de pretensão com caráter indenizató-rio, detentora de natureza civil, circunstância que tornaria a justiça cível apta ao julgamento do litígio.

Por outro lado, na hipótese do pedido do autor cumular demais verbas provenientes do contrato de trabalho entabulado com a entidade desportiva, até mesmo por força das alterações atribuídas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, poderíamos considerar que estaríamos diante de atos oriundos da relação laboral, fato que tornaria a Justiça do Trabalho competente para o julgamento da demanda.

Após termos debatido vastamente acerca da natureza jurídica da verba proveniente do pagamento do direito de arena ao atleta atrelado à entidade de desporto, prosseguiremos com o estudo proposto ao anali-sarmos a maneira como será realizado o repasse dos valores provenien-tes do direito objeto de estudo.

Page 128: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

128 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Vale ressaltar que o percentual a ser repassado ao atleta profissio-nal é estabelecido pelo § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, dispositivo este que determina: “Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas pro-fissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil”.

Ao efetuarmos a interpretação do texto legislativo, resta cristalino que sobre o valor arrecadado pela entidade de desporto, circunstância que inclui as seleções nacionais e regionais, estas que também poderão figurar como responsáveis por negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo (Lei nº 9.615/1998, art. 42), o percentual de 05% (cinco por cento) do valor arrecadado, salvo convenção coletiva de trabalho que estipule percen-tual diverso, será encaminhado aos sindicatos dos atletas profissionais.

Julgamos relevante destacar que a legislação em vigor acaba por estabelecer um patamar mínimo, que poderá ser majorado ou reduzido, dependendo da convenção coletiva de trabalho que poderá vir a ser pactuada entre os interessados.

Além do mais, com o intuito de evitar com que prejuízos sejam causados aos atletas, o legislador determinou que o valor corresponden-te ao percentual estipulado seja encaminhado aos sindicatos de atletas profissionais, estes que terão o encargo de distribuir igualmente o valor arrecadado entre os atletas que participaram do evento desportivo.

Portanto, resta cristalino que o repasse dos valores recebidos pela entidade esportiva perante a empresa de comunicação será transmitido aos atletas profissionais por meio de simples operação matemática, que consistirá em repassar o percentual de 05% (cinco por cento) do valor arrecadado, ou ainda, de outro percentual ajustado por meio da conven-ção coletiva, ao sindicato dos atletas, entidade esta que terá o dever de dividir esse percentual igualmente entre todos os atletas que participa-ram do espetáculo.

Necessário se faz esclarecer inclusive que o dever de repassar tal percentual arrecadado se estende às seleções nacionais e regionais, por força da redação fornecida pelo caput e parágrafos do art. 41 da “Lei

Page 129: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������129

Pelé”, que determina que a “entidade convocadora indenizará a ceden-te dos encargos previstos no contrato de trabalho”18, circunstância que engloba o direito de arena.

Em sua obra, Felipe Legrazie Ezabella versa sobre tal responsabili-dade vinculada às entidades convocadoras, ocasião em que relata:

[...] os jogadores que forem representar o País em qualquer modalidade também terão direito de receber a quantia relativa ao repasse do direito de arena, sendo que quem efetuará esse pagamento não será seu clube empregador, e sim a respectiva Confederação, que nessa situação assu-me transitória e indiretamente a feição de entidade de prática desportiva, na forma do art. 41 da Lei Pelé.19

Concluída a análise sobre a maneira como os valores arrecadados pelas entidades de desporto são transmitidos aos sindicatos para poste-rior remessa aos atletas participantes do evento esportivo, passaremos a abordar outra questão polêmica inerente ao tema.

A polêmica supracitada reside no fato de quais serão as pessoas passíveis de receber tal percentual dos sindicatos dos atletas, a questão se revela polêmica, pois existem divergências nos entendimentos doutri-nários, principalmente em relação aos atletas reservas e árbitros.

Insta salientar que o impasse vinculado ao atleta reserva funda-menta-se na questão desse não participar da totalidade da partida, sendo que, em muitas das vezes, tal profissional apenas restringe sua participa-ção aos momentos de aquecimento que antecedem os espetáculos.

Ante os fatos narrados, emana a polêmica sobre de que maneira deveria ser dividido o percentual atrelado ao direito de arena com rela-ção aos atletas que não são escalados como titulares da equipe.

Cumpre esclarecer que a corrente que adota o posicionamento de que o atleta reserva não deverá fazer parte do rateio da verba atrelada ao

18 “Art. 41. A participação de atletas profissionais em seleções será estabelecida na forma como acordarem a entidade de administração convocante e a entidade de prática desportiva cedente.

§ 1º A entidade convocadora indenizará a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo período em que durar a convocação do atleta, sem prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e a entidade convocadora.

§ 2º O período de convocação estender-se-á até a reintegração do atleta à entidade que o cedeu, apto a exercer sua atividade.”

19 EZABELLA, Felipe Legrazie. Op. cit., p. 161.

Page 130: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

130 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

direito de arena, fundamenta sua teoria na redação fornecida pelo § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, que, por se valer da expressão “aos atle-tas profissionais participantes do espetáculo”, não teria abarcado aque-les que não foram relacionados como titulares para a partida.

Por sua vez, a segunda corrente existente adota o entendimento de que tal profissional faz parte do espetáculo, devendo ser remunerado por essa condição.

Com o intuito de justificarmos a tese supracitada, recorreremos aos ensinamentos edificados por Alcirio Dardeau de Carvalho, que de-clara em sua obra:

A situação do atleta reserva, no entanto, deve merecer tratamento espe-cial, porque a lei não estabelece limite de tempo de participação para que o atleta tenha direito de ser incluído no rateio. Não importa, pois, que o atleta tenha participado, apenas, de parte do espetáculo. Ainda que atue, ou participe, por um minuto que seja, pode e deve ser incluído no rateio [...].

O espetáculo desportivo, além disso, não se inicia apenas no momento em que o árbitro determina que comece. Antes disso, e sem dúvida inte-grante do espetáculo como um todo, há o período de apresentação das equipes, com atletas titulares e reservas empenhados no chamado “bate--bola” e em exercícios de aquecimento [...]. Destarte, qualquer atleta que tenha a sua imagem focalizada nesses períodos deve ser considerado atleta participante, para os efeitos do disposto no § 1º do art. 42.20

Por fim, com o escopo de findarmos a questão vinculada aos atle-tas reservas, julgamos relevante esclarecer que existe ainda um terceiro entendimento adotado pela doutrina contemporânea.

Salientamos que a última corrente entende que o percentual a ser transmitido aos atletas reservas poderá ser variável, ou seja, ajustado livremente entre os membros da equipe.

Ao tratar sobre o entendimento anteriormente descrito, Felipe Legrazie Ezabella dispõe:

A prática tem mostrado que os clubes acabam por deixar essa questão para ser decidida pelos próprios atletas antes do início do campeona-

20 CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Op. cit., p. 114.

Page 131: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������131

to. Alguns optam por dividirem a quota de cada partida entre todos os que forem relacionados: outros somente para os que efetivamente par-ticiparem, independentemente do tempo: e outros ainda dividindo em percentuais diferentes para os que jogarem e para os que somente foram relacionados para o banco de reservas.21

Superada a apresentação dos entendimentos doutrinários atrelados aos atletas reservas, podemos emitir nossa opinião de que seria razoável que tais profissionais também fossem inseridos no rateio do percentual vinculado ao direito de arena. Contudo, entendemos que seria de bom alvitre que houvesse um diálogo prévio entre os atletas, de modo a evitar dissabores futuros entre os membros da equipe, aconselhando-se inclu-sive a estipulação de patamares distintos de acordo com a participação do atleta no espetáculo.

Em seguida, passaremos a discorrer acerca da polêmica que envol-ve o árbitro da partida, que, segundo parte da doutrina, poderá receber valores provenientes do direito de arena.

Aqueles que entendem que o árbitro do evento seria passível de recebimento da quantia arrecadada se fundamentam no fato de que atualmente os árbitros participam ativamente do espetáculo, sendo que muitas vezes seus erros ou acertos podem definir o resultado final da competição.

Todavia, destacamos que o entendimento supracitado é conside-rado minoritário, pois a legislação competente a versar sobre a matéria restringe como recebedor da quantia prevista pelo § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 apenas o atleta, não sendo cabível a interpretação ex-tensiva do dispositivo legal, de modo a abarcar também o árbitro como beneficiário da verba pecuniária.

Com o objetivo de apresentarmos o amparo doutrinário à corrente majoritária, iremos recorrer aos ensinamentos prestados por Alcirio Dar-deau de Carvalho, que afirma:

Os árbitros, desportistas autônomos ou com vínculo empregatício com as entidades, não são objeto de qualquer referência, ainda que remota ou implícita, no art. 42, e onde está escrito atleta não se pode ler atleta e

21 EZABELLA, Felipe Legrazie. Op. cit., p. 167.

Page 132: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

132 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

árbitro. Como os atletas, os árbitros também têm direito pessoal à própria imagem, mas o direito à imagem, tanto no caso dos atletas, como no caso dos árbitros, não se confunde com o direito de arena, que tem causas e finalidades absolutamente distintas.22

Diante do exposto, resta concluído também o estudo acerca da polêmica que envolve o recebimento da verba proveniente do direito de arena pelos árbitros que participam do evento esportivo, que em nossa opinião, até mesmo por força da interpretação restritiva do texto legis-lativo, não poderão ser beneficiados pela verba arrecadada por força da transmissão dos eventos de desporto.

Findado o estudo inerente às polêmicas que envolvem a matéria, passaremos a analisar as hipóteses em que será excluída a cobrança da verba proveniente dos direitos de transmissão do evento esportivo (Lei nº 9.615/1998, art. 42).

Vale ressaltar que a “Lei Pelé”, por meio do § 2º do art. 42, aca-ba por determinar que não haverá o recebimento de verba pecuniária decorrente da transmissão do evento esportivo por meio do veículo de comunicação nos casos em que se tratar da “exibição de flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educativos ou para a captação de apostas legalmente au-torizadas”, respeitadas as condições expressas nos incisos do dispositivo ora analisado.

Dessa forma, observamos que o legislador adotou a cautela de criar normativas para que o direito de arena não obste o direito à infor-mação do cidadão brasileiro, pois determinou que nas hipóteses em que a transmissão do espetáculo tiver finalidade jornalística, desportiva ou educativa, estará suspensa a obrigatoriedade do pagamento da verba.

Entretanto, indispensável se faz esclarecer que a legislação pátria acabou por determinar em quais condições específicas será aplicada a previsão elencada no § 2º da Lei nº 9.615/1998, momento em que de-termina que a “captação das imagens para a exibição de flagrante de espetáculo ou evento desportivo dar-se-á em locais reservados, nos está-dios e ginásios, para não detentores de direitos ou, caso não disponíveis,

22 CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Op. cit., p. 113.

Page 133: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������133

mediante o fornecimento das imagens pelo detentor de direitos locais para a respectiva mídia” (Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 2º, inciso I).

Além da condição anteriormente narrada, determina o texto legis-lativo, que “a duração de todas as imagens do flagrante do espetáculo ou evento desportivo exibidas não poderá exceder 3% (três por cento) do total do tempo de espetáculo ou evento” (Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 2º, inciso II), bem como que “é proibida a associação das imagens exibidas com base neste artigo a qualquer forma de patrocínio, propaganda ou promoção comercial” (Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 2º, inciso III).

Portanto, resta incontroversa a preocupação do legislador em não tornar os eventos desportivos exclusivos de uma única rede de comu-nicação, situação que geraria verdadeiro monopólio e possível cercea-mento da exibição de flagrantes do espetáculo para fins jornalísticos, desportivos ou educativos, ou ainda, para a captação de apostas legal-mente autorizadas.

Com o escopo de ampliarmos ainda mais a análise ora realiza-da, nos valeremos dos ensinamentos criados por Jorge Miguel Acosta Soares, que assim dispõe:

O Direito de Arena é absoluto, erga omnes, havendo apenas uma ex-ceção, prevista em lei desde a criação do instituto, quanto ao direito à informação. O parágrafo segundo da atual regulamentação do Direito de Arena prevê que não é exigida a autorização prévia para a exibição de trechos, flagrantes de espetáculo esportivo, desde que estes não excedam três por cento do tempo total, e tenham fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos [...]. Ao fixar como exceção os fins jornalísticos ou edu-cativos, desejou-se privilegiar o interesse público à informação, prevale-cendo sobre a vontade da entidade desportiva.23

Insta salientar que tal proteção ao direito de informação não está presente apenas no Brasil, vez que, ao propiciarmos o estudo compa-rado do tema, é possível concluir que países como Espanha e Portugal também possuem legislações específicas aptas a regulamentar a matéria.

Cumpre esclarecer que a legislação espanhola trata do assunto por meio da Lei nº 21/1997, que almeja remover os obstáculos que venham

23 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Op. cit., p. 147 e 148.

Page 134: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

134 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

a impedir o pleno desenvolvimento dos direitos atrelados às transmis-sões audiovisuais de acontecimentos esportivos que possuam grande relevância e interesse público, fato que acaba por englobar os jogos das seleções nacionais espanholas.

Salientamos que a legislação espanhola acaba por determinar que, apesar de ser lícita a cessão dos direitos de transmissão dos eventos es-portivos, tal cessão não poderá causar empecilhos ao direito de informa-ção da população.

Dessa maneira, com o escopo de atender ao objetivo supracitado, o legislador espanhol estabeleceu que os veículos de comunicação de-vem ter livre acesso aos estádios e recintos desportivos, para captar ima-gens das seleções nacionais espanholas, em eventos oficiais, de caráter profissional, que repercutam no âmbito nacional, tendo relevância para toda a sociedade (Lei nº 21/1997, art. 1)24, destacando-se que para obter imagens para a edição de boletins informativos com duração máxima de 03 (três) minutos, tais meios de comunicação não precisarão adim-plir nenhuma quantia, de acordo com o que determina o art. 2 da Lei nº 21/199725.

Ainda no tocante à legislação espanhola, relevante se faz informar que ela determina que os eventos de interesse geral deverão ser trans-mitidos ao vivo, por meio de canal aberto de amplitude nacional (Lei nº 21/1997, art. 4.3)26.

24 “Artículo 1 – Las disposiciones de la presente Ley son aplicables a las retransmisiones o emisiones realizadas por radio o televisión, de acontecimientos o competiciones deportivas en las que concurran alguna de las siguientes circunstancias:

a) Que sean oficiales, de carácter profesional y ámbito estatal, de acuerdo con lo dispuesto en la Ley 10/1990, de 15 de octubre del Deporte.

b) Que correspondan a las selecciones nacionales de España.

c) Que tengan especial relevancia y transcendencia social.”25 “Artículo 2 – 1. La cesión de los derechos de retransmisión o emisión, tanto si se realiza en exclusiva como

si no tiene tal carácter, no puede limitar o restringir el derecho a la información. Para hacer efectivo tal derecho, los medios de comunicación social dispondrán de libre acceso a los estadios y recintos deportivos. 2. El ejercicio del derecho de acceso a que se refiere el número anterior, cuando se trate de la obtención de noticias o imágenes para la emisión por televisión de breves extractos, libremente elegidos, en telediarios, no estarán sujetos a contraprestación económica, sin perjuicio de los acuerdos que puedan formalizarse entre programadores y operadores. La emisión de dichos extractos tendrá una duración máxima de tres minutos por cada competición.

Los diarios o espacios informativos radiofónicos no estarán sujetos a las limitaciones de tiempo y de directo contempladas en el párrafo anterior.”

26 “4.3. Las competiciones o acontecimientos deportivos de interés general deberán retransmitirse en directo, en emisión abierta y para todo el territorio del Estado. No obstante, por razones excepcionales y cuando así se prevea en el Catálogo a que se refiere el apartado 1, podrán emitirse con cobertura diferida total o parcial.”

Page 135: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������135

Diante do exposto, observamos que a legislação espanhola, assim como a brasileira, objetiva resguardar o direito da sociedade vinculado ao acesso à informação de caráter jornalístico.

Quanto à legislação portuguesa, esta discorre sobre a matéria por meio da Lei nº 58/1990, que regula o exercício das empresas de televi-são em solo português.

Vale ressaltar que a legislação portuguesa determina que as enti-dades de desporto possuem individualmente os direitos de transmissão televisiva dos eventos esportivos, bem como de seus resumos.

Todavia, de modo similar como ocorre no Brasil e na Espanha, o legislador português estabeleceu que, nas hipóteses em que o evento possuir relevância nacional, deverão ser disponibilizadas sínteses com natureza informativa, que deverão permanecer à disposição de todos os veículos de comunicação interessados em propagar a informação, sem prejuízo do pagamento de eventual contrapartida (Lei nº 58/1990, art. 16, 2)27.

Portanto, a legislação portuguesa acaba por divergir da brasileira, bem como da espanhola, apenas com relação à exigência de eventual contraprestação pecuniária pelo fornecimento do material com intuito informativo.

Sendo assim, restaram expostas as principais considerações ine-rentes ao direito de arena, que se apresenta como um tema inovador, repleto de polêmicas a serem solucionadas pelos operadores do direito.

REFERÊNCIAS

ALKMIM, Marcelo. Curso de direito constitucional. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº 9.615/1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000.

27 “Art. 16. [...]

Aquisição de direitos exclusivos

[...]

2. Os operadores que obtenham direitos exclusivos para a transmissão de eventos não abrangidos pela previsão do número anterior, mas susceptíveis de larga audiência, devem colocar breves sínteses dos mesmos, de natureza informativa, à disposição de todos os serviços televisivos interessados na sua cobertura, sem prejuízo da contrapartida correspondente.”

Page 136: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

136 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005.

EZABELLA, Felipe Legrazie. O direito desportivo e a imagem do atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto: comentários à Lei nº 9.615 e suas alterações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2013.

SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contra-to de trabalho do atleta profissional. Dissertação de Mestrado em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/20533/>. Acesso em: 18 set. 2015.

Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/l21-1997.html>. Acesso em: 18 set. 2015.

Disponível em: www.tjsp.jus.br/. Acesso em: 18 set. 2015.

Disponível em: www.trt3.jus.br/. Acesso em: 18 set. 2015.

Disponível em: www.tst.jus.br/. Acesso em: 18 set. 2015.

Page 137: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Parte Geral – Doutrina

Os Contratos de Seguro sob a Perspectiva Econômica

NINA KOJA CASSALIAdvogada, Aluna do Programa de Pós-Graduação no Mestrado Profissional em Direito de Em-presa e Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

RESUMO: A presente pesquisa tem como finalidade explorar a origem e o desenvolvimento dos con-tratos de seguro, em especial no que tange aos seus aspectos econômicos. Intenta, ainda, desvelar a forma como eram realizadas em outras épocas as circunstâncias e a evolução obtida por meio das ciências exatas, as quais permitiram a criação do atual sistema de garantia das operações de seguro. Para tanto, realizou-se estudo bibliográfico e inferiu-se a respeito da comutatividade destes contra-tos, consagrada a partir do advento do Código Civil de 2002, que afastou em definitivo a álea, antes predominante. Averiguou-se, ademais, o modo como se inserem conceitos de análise econômica do direito no âmbito das transações securitárias.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos; seguro; risco; garantia.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O contrato de seguro; 1.1 Perspectiva histórica; 1.2 Conceito; 2 Estrutura econômica do seguro; 2.1 A viabilidade das operações; 3 O risco moral; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O ramo de seguros, no Brasil, cresce desde meados de 1990, quando o Estado deixou de intervir diretamente na quantificação de prê-mios e nas especificidades das transações securitárias. Houve, portanto, incentivo para o desenvolvimento deste mercado, que passou a contar com um número cada vez maior de empresas do setor. Este crescimento viabilizou, outrossim, o aumento da concorrência e, consequentemente, a redução dos preços, refletindo na ampliação da demanda pelo serviço.

Dados da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Ge-rais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNseg apontam para uma elevação exponencial do faturamento, bem como da representatividade das transações em seguros no PIB brasileiro, que, em 2012, foi de 5,5%, em 2013 de 5,7% e em 2014 de 5,9%1. Isto traduz a relevância deste mercado para a nossa economia.

1 Disponível em: <http://www.cnseg.org.br/cnseg/estatisticas/mercado/>. Acesso em: 22 set. 2015.

Page 138: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

138 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Além disto, muitas atividades econômicas atualmente são pos-síveis em razão da contratação de seguros, pois, diante da exposição direta ao risco, muitos investimentos seriam travados, reduzidos ou in-viabilizados. Portanto, primordial o manejo destes instrumentos, sobre-tudo para o ramo empresarial e societário, ambientes nos quais o risco é assíduo. Não por outro motivo, conforme se demonstrará, o seguro nasceu entre os comerciantes, em meio às atividades mercantis, como uma necessidade.

Por meio da presente pesquisa, procurar-se-á traçar os aspectos, mormente de ordem econômica, que perseguiram os contratos de segu-ro desde a sua gênese, expondo-se das questões que os fizeram emergir em meio ao mercantilismo, bem como das alterações que sofreram até atingir seus atuais contornos e espaço conquistado na economia.

1 O CONTRATO DE SEGURO

Neste capítulo cuidar-se-á da apresentação de circunstâncias his-tóricas em meio às quais, especula-se, estejam presentes os pilares que compuseram o formato dos atuais contratos de seguro, bem como sua conceituação e peculiaridades.

1.1 perspectiva histórica

Conquanto seja complexo encontrar, por meio de pesquisas, o momento e as circunstâncias precisas a partir das quais determinada prática nasceu e foi difundida no mundo em que vivemos, certo é que o instituto do “seguro” tem sua gênese atrelada à figura do comerciante, que já em épocas remotas demonstrou preocupação no tocante à preser-vação de seus bens2.

Isto porque, assim como ocorre hoje, o comerciante estava susce-tível a uma série de fatores que poderiam conduzi-lo a perdas importan-tes, capazes, inclusive, de inviabilizar suas atividades, considerando-se até mesmo a ação pérfida de um concorrente ou um imprevisto produzi-do por fenômenos naturais3.

2 SILVA, Ivan de Oliveira. Curso de direito do seguro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 25.3 Idem, ibidem.

Page 139: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������139

Ivan de Oliveira Silva refere, pois, que o seguro é fruto de neces-sidade humana direcionada à mercancia e que este instituto sobreveio como método para a preservação da produção e do escoamento de ri-quezas4.

Já no mundo antigo percebeu-se que, para a segurança e continui-dade de determinada operação relativa a um dado seguimento comer-cial, importava que houvesse, entre aqueles que a praticavam habitual-mente, grau de solidariedade no sentido de permitir que o grupo pudesse sobreviver em meio às adversidades que se lhe poderiam acometer. A partir desta concepção, foram lançadas as bases daquilo que mais tarde formaria uma das principais características do seguro: a ideia de mutua-lidade.

Uma das formas de ilustrar os meios que podem ter conduzido ao desenvolvimento desta percepção no universo comercial encontra-se na história dos fenícios, tidos como os mais afamados comerciantes da Antiguidade5.

O povo fenício é amiúde apontado como “o dono do comércio” da era antiga, tendo em vista suas conhecidas técnicas de navegação marítima que lhes permitiam a troca de mercadorias entre diferentes re-giões do Mediterrâneo.

Contudo, os fenícios estavam expostos a grande risco, vez que, ao enfrentar intempéries durante o percurso das embarcações, submetiam--se ao perigo de que sua carga fosse tomada pelo mar revolto ou pere-cesse diante das tempestades. Tais circunstâncias representavam amea-ça ao patrimônio de todo o grupo que se lançava ao mar com o mesmo escopo6.

Por esta razão, os proprietários das embarcações passaram a es-tabelecer pactos por meio dos quais, caso um dos integrantes viesse a sofrer prejuízo, todos os outros donos de navios participariam em per-centual previamente ajustado, a fim de recompor o dano, para retorno do status quo ante7.

4 Idem.5 História da civilização: nossa herança oriental, p. 301-302 Apud SILVA, Ivan de Oliveira. Op. cit., p. 28.6 SILVA, Ivan de Oliveira. Op. cit., p. 26.7 Idem, p. 27.

Page 140: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

140 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

É possível a conclusão de que este não fosse ato puramente so-lidário. Plausível que tenham os fenícios percebido que o pacto lhes proporcionaria redução de custos, uma vez que a ninguém seria dada a absorção individual e íntegra de eventual lesão patrimonial. Do con-trário, o prejudicado, arcando particularmente com todos os custos de sua perda, poderia mesmo ter sua atividade tolhida, deixando, assim, de pertencer ao grupo. Isto seria ruim tanto para o comerciante que se retira quanto para os que permanecem, eis que estes contariam com menos um integrante para ratear os danos e enfraqueceriam seu poder de rea-ção diante dos prejuízos que porventura se apresentassem.

Nesta perspectiva, igualmente, não se pode olvidar da influência negativa que haveria junto a terceiros, externos ao grupo de comercian-tes fenícios, que com eles transacionava a fim de adquirir mercadorias de regiões longínquas. Este cenário dá margem para que se visualize o quanto as atividades de comércio influem perante as condições de vida de toda a sociedade, desde o início de sua organização, ultrapassando a pessoa do comerciante, sobretudo se, lesado, deixar de atender determi-nada região que também sofrerá os reflexos.

Neste contexto, tem-se, outrossim, a emergência do instituto foenus nauticus, técnica utilizada entre romanos, gregos e fenícios. Con-sistia em empréstimo de determinada monta, feita por capitalista ao ar-mador do navio8. Se a viagem fosse produtiva, os recursos financeiros mutuados retornariam ao capitalista, acrescidos de juros significativos. Ocorrido o oposto, este perderia o investimento9.

Semelhante dinâmica surgiu posteriormente, com o intitulado “Contrato de Dinheiro a Risco Marítimo”. Esta relação entabulava-se a partir do empréstimo de quantia equivalente ao valor do barco e da carga transportada. Se nenhuma avaria fosse constatada no decorrer da viagem, a importância emprestada era devolvida com juros. De outro modo, nada devolvia-se10.

8 FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 310.

9 Idem.10 CARVALHO, J. Seguros de automóveis no Brasil: Mudanças Potenciais no Sistema de Distribuição em Função

da Venda pela Internet. Dissertação (Programa de Mestrado em Administração). São Caetano do Sul: USCS, 2012. p. 35.

Page 141: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������141

De se notar que ainda não há falar-se em contrato de seguro, pro-priamente, neste comenos. Analisado sob outro prisma, uma das partes ficava a mercê do risco integral, o qual não era diluído ou pulverizado, aproximando-se, portanto, de contrato de mútuo condicionado a um evento incerto11.

As primeiras operações a apresentar características voltadas a tor-nar, de fato, seguro o negócio a ser realizado surgem a partir do fim do século XIV, com o chamado “Seguro Marítimo”12. Neste vislumbrava-se a figura de um “segurador” que prometia, mediante contraprestação fixa a lhe ser paga, uma predeterminada soma, caso navio ou carga transpor-tada não atingissem o destino13. A partir deste momento, vertem-se as noções de assunção de risco mediante retribuição (prêmio)14.

Em que pese a intenção de conferir segurança ao negócio, no-vamente esta conjuntura não apresentava a função elementar que dis-tingue os atuais contratos, conquanto tenha servido para gestá-los. Isto porque desprovida da função de prevenção de riscos15, ou seja, os riscos permaneciam à margem da avença.

Nesta senda, o seguro marítimo realizava-se por meio da mera transferência de risco para a outra parte, in casu, o segurador, que, rece-bendo o prêmio, assumia o compromisso de compensar, ao proprietário do navio, aleatório dano. Contudo, este acordo jamais serviu a tornar o negócio do armador de navio, de fato, livre de quaisquer contingências, ao passo que cria um segundo risco: o de tornar-se, o segurador, insol-vente16. Dada a possibilidade, mantém-se o armador sob risco caso seu navio ou carga não aportem ao destino.

De acordo com Vera Helena de Mello Franco, “a álea dominava o contrato, aproximando-o mais do jogo e da aposta do que do contrato de seguro”17. Ou seja, a ameaça de dano sobrevivia à sombra do contrato durante toda sua vigência.

11 FRANCO, Vera Helena de Mello. Op. cit., p. 312.12 Idem.13 Idem.14 Idem.15 Idem.16 Idem.17 Idem.

Page 142: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

142 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Destes dados históricos depreende-se que o “risco” acompanhou as atividades mercantis desde sua origem e foi suficientemente inquie-tante para motivar a criação de mecanismos e sistemas capazes de ate-nuar seus efeitos nocivos junto ao comércio, ambiente no qual foi se-meada a invenção do seguro, posteriormente espraiado entre diversos outros setores que percorrem a vida em sociedade.

1.2 conceito

O propósito inicial a que se presta o contrato de seguro, contem-poraneamente, pode ser apreendido a partir do conceito legal ínsito no Código Civil de 200218, precisamente no art. 757, que, nos seguintes ter-mos, determina: “Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obri-ga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

Da norma abstrai-se que se trata de instrumento por meio do qual, mediante o pagamento de prêmio, uma das partes se obriga perante ou-tra a garantir-lhe a preservação de interesse que conserve em relação a alguém ou a algo, evitando, ou, por assim dizer, indenizando eventual infortúnio; amenizando as consequências patrimoniais e extrapatrimo-niais de possível perda.

Diferente do que delineou o artigo correspondente do Código Ci-vil antecessor ao regular os contratos de seguro19, observa-se que o novo diploma não abarcou expressamente o condão indenitário da contra-prestação esperada diante da concretização do dano patrimonial.

Sob este aspecto, necessários alguns apontamentos. A contrapres-tação devida pela seguradora, caso venha a efetivar-se expectativa de dano previamente estipulada, tem, entende-se, cunho indenizatório, uma vez que indenizar significa compensar, ressarcir, que é no que, de fato, consubstancia-se o dever da seguradora nesta hipótese.

No entanto, se entendermos que é este o objeto do contrato, aca-baremos por concluí-lo aleatório. Vera Helena de Mello Franco diverge

18 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 set. 2015.19 O Código Civil de 1916 assim previa, em seu art. 1.432: “Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual

uma das partes se obriga para com outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizar-lhe o prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.

Page 143: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������143

deste pensamento, inferindo tratar-se, o seguro, de um contrato comu-tativo20. A jurista explica esta visão a partir da análise daquilo que con-sidera preponderante entre as obrigações assumidas pela seguradora, o que, ao arrepio da simples ação indenitária, está presente na função garantidora que terá durante toda a vigência da relação contratual.

Neste sentido, a obrigação indenizatória é, por certo, eventual, ou seja, aleatória. Entretanto, a prestação a que se compromete a segu-radora é a de “garantir” o ressarcimento em caso de dano, garantia esta que permanece desde a perfectibilização do instrumento, tornando-o comutativo. Nas palavras de Vera Helena de Mello Franco, “a prestação da seguradora não é o montante devido pelo sinistro, mas a garantia de que não haverá consequências econômicas para o segurado”21.

Segundo a doutrinadora, a modificação do texto legal, ao substi-tuir a expressão “indenização” por “garantia”, fez cessar qualquer incer-teza que pudesse haver quanto ao aspecto comutativo destes contratos.

Ao expender a dinâmica dos contratos de seguro, Ivan de Oliveira Silva, ressaltando a função garantidora do segurador, alude que

o segurador no contrato de seguro assume obrigação de garantia de inte-resse legítimo do segurado contra riscos predeterminados nas cláusulas contratuais, e, caso não assuma essa obrigação, estará sujeito às con-sequências da mora. Em função dessa ideia que acampa o contrato de seguro, o segurado tem o direito, por meio do pagamento do prêmio, a gozar de tranquilidade, visto que os efeitos de eventual sinistro que atinja seu interesse sobre pessoa ou coisa será suportado pelo segurador. O segurador recebe o prêmio para ocupar sua condição de garantidor do interesse legítimo do segurado, e essa obrigação se manifesta em todos os instantes do contrato de seguro, e não somente quando da ocorrência do sinistro, como pensam alguns.22

O autor realça a certeza da obrigação assumida pela seguradora, durante toda a vigência do contrato, salvaguardando os interesses do segurado, ainda que o sinistro não se concretize.

20 FRANCO, Vera Helena de Mello. Op. cit., p. 322.21 Idem.22 SILVA, Ivan de Oliveira. Op. cit., p. 85.

Page 144: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

144 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Ademais, ao referir da problemática conceitual dos contratos de seguro, Vera Helena de Mello Franco aponta que o núcleo da questão está em desvelar-se a causa comum do seguro em seus diversos segui-mentos, para que assim seja possível a construção de definição que re-flita tanto o seguro de danos quanto o de pessoas, de forma unitária23.

A bastante difundida Teoria da Transferência do Risco chegou mesmo a representar, entre as existentes, a que mais bem desvendaria a causa comum pela qual se orientam estes contratos, eis que a transferên-cia do risco seria elemento presente tanto em contratos de danos quanto no de pessoas24. Entrementes, de acordo com o já esposado, trasladar risco não corresponde a uma operação de seguro, tendo em vista que “o risco não é transferido para a seguradora, mas sim diluído, pulverizado por toda a mutualidade”25. Em meio ao exame da estrutura econômica do contrato, torna-se mais nítida a compreensão da dinâmica e da base da qual compartilham os seguros.

De todo modo, sopesados os elementos até então expostos, de-duz-se o contrato de seguro como o instrumento firmado entre segurador e segurado, por meio do qual o primeiro garante ao segundo, durante toda a vigência do contrato, por meio do pagamento de prêmio, com-pensar-lhe, nos termos previamente estipulados, caso sobrevenha perda derivada de risco augurado.

2 ESTRUTURA ECONÔMICA DO SEGURO

Nesta seção, traçar-se-á, em linhas gerais, o modo com o qual são estruturados os contratos de seguro, atentando-se, substancialmen-te, para a dinâmica das operações econômicas que permite, a partir do estudo de seus fundamentos e de conceitos de análise econômica do direito.

2.1 a viabilidade das operações

Observa-se que o processo criado para a manutenção de um siste-ma que permita a uma empresa operar na prevenção de riscos alheios, sem que isto lhe conduza a falência é algo complexo, que passou a apre-

23 FRANCO, Vera Helena de Mello. Op. cit., p. 324-325.24 Idem.25 Idem.

Page 145: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������145

sentar solidez a partir do desenvolvimento das ciências matemáticas, responsáveis pelo advento da estatística e da atuária26.

Na Antiguidade, a simples transferência do risco para o capitalis-ta não afastava de todo o risco, que permanecia latente, em virtude da sempre presente possibilidade de que se tornasse insolvente, e, assim, incapaz de fazer frente aos eventuais danos do armador do navio.

Na operação de seguros tal como hoje se tem, inexiste este tipo de operação isolada27, justamente porque não se apresenta segura. Não se trata, pois, de mero contrato de transferência de riscos. Nas palavras de Vera Helena de Mello Franco, “a finalidade do seguro é justamente pulverizar, fragmentar o risco, diluindo suas consequências econômicas no seio de um agrupamento (mutualidade), formado pelos titulares de interesses submetidos aos mesmos riscos”28. Ou seja, atualmente o me-canismo que torna viável o afastamento de eventuais prejuízos é bastan-te mais consistente, ao passo que introduz a mutualidade como uma de suas principais ferramentas.

É por essa razão que inapropriado afirmar seja o risco transferido para a seguradora quando da lavratura de um contrato de seguro, dado que, fosse assim, novamente haveria o risco de insolvência, desta vez por parte da seguradora. É necessário, destarte, “que se repartam as con-sequências econômicas do sinistro (ocorrência do risco) por um grande número de pessoas submetidas aos mesmos riscos29”. É neste grande nú-mero de pessoas, denominado “mutualidade”, que estão os pilares das operações de seguro correntes30. Dilucida Vera Helena de Mello Franco que

cada uma das pessoas que compõem este agrupamento (mutualidade) paga uma contribuição (prêmio), cujo conjunto vai constituir um fundo comum, gerido pela seguradora (ou pelos próprios segurados, quando na forma de mútuas de seguro), apto a arcar com o pagamento do sinistro, eventuais e isolados, que possam ocorrer naquele agrupamento.31

26 Idem, p. 315.27 Idem.28 Idem, p. 316.29 Idem.30 Idem.31 Idem.

Page 146: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

146 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Esta técnica foi bem-sucedida, sobretudo em função da dita aver-são ao risco comumente havida entre a maioria das pessoas segundo economistas, e da consequente forte adesão a estas operações por parte daqueles que compartilham das mesmas apreensões referentes aos mes-mos tipos de bens.

Por oportuno, cabe aludir Robert Cooter quando explica que “uma das implicações comportamentais mais importantes da aversão ao risco é que as pessoas pagarão um prêmio para evitar a necessidade de se defrontar com resultados ou consequências incertas”32. É, pois, o que acontece quando entabulam o seguro. Assim, abrem mão de determina-da quantia, denominada “prêmio”, para ter a garantia de que não serão atingidas pela concreção do risco. Preferem, logo, reduzir sua renda a estarem submetidas a evento incerto.

Ao mesmo tempo em que se vislumbra quase que natural a de-manda por seguro, pois que consiste em tendência preponderante entre as pessoas, vê-se, por outro lado, o implemento das ciências exatas que permitiram o respaldo eficaz por parte das seguradoras no tocante a da-nos. Neste prisma, Robert Cooter aventa que

elas oferecem contratos de seguro não porque prefiram jogos de azar a certezas, mas por causa de um teorema matemático conhecido como lei dos grandes números. Essa lei afirma que acontecimentos que são impre-visíveis para indivíduos se tornam previsíveis entre grupos grandes de in-divíduos. Por exemplo: nenhum de nós sabe se nossa casa queimará ano que vem. Mas a ocorrência de incêndios numa cidade, estado ou país tem uma regularidade suficiente para que uma companhia de seguros possa determinar com facilidade as probabilidades objetivas. Ao vender seguros para um grande número de pessoas, uma seguradora pode prever o total de pedidos de indenização.33

Deste modo, mostra-se que por meio da lei das probabilidades, as quais conseguem antever a ocorrência de sinistros em meio a um grupo de pessoas, em determinado espaço de tempo, e da dispersão dos danos entre a mutualidade de indivíduos expostos às mesmas espécies de risco, foi possível conjeturar-se as operações de seguro contemporâneas.

32 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 69.33 Idem.

Page 147: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������147

3 O RISCO MORAL

O risco moral é um dos contratempos que podem vir a afetar a exação da lei das probabilidades. Aplicado aos contratos de seguro, trata-se de uma mudança de comportamento, ocorrida após seu imple-mento. Porquanto, não raras vezes, o sujeito que adquire o seguro torna--se displicente em relação ao objeto do contrato, como não mais fosse preciso preocupar-se. Robert Cooter exemplifica:

Suponha que você tenha acabado de adquirir um novo sistema de som para seu carro, mas não tem seguro para cobrir seu prejuízo em caso de roubo. Sob essas circunstâncias, é provável que você tranque o carro sempre que sair dele, estacione-o em lugares bem iluminados à noite, frequentemente em estacionamentos bem vigiados, e assim por diante. Suponha agora que você compre uma apólice de seguros. Com a apólice em vigor, você pode agora ser menos assíduo em trancar seu carro ou estacioná-lo em lugares iluminados. Em suma, o próprio fato de que seu prejuízo está coberto pelo seguro pode fazer com que você aja de modo a aumentar a probabilidade de um prejuízo.34

Esta é uma circunstância que será computada junto aos cálculos os quais definirão o montante de que será formado o prêmio, pois, aca-so preveja e trate, a seguradora, da possibilidade do dano somente em condições normais, ignorando os dados que apontam para o aumento do descuido do segurado em relação ao bem, isto poderá acarretar-lhe perdas financeiras significativas.

Esta conduta negligente é tão cotidiana que chega mesmo a ser vista com naturalidade e até como a razão de ser do pacto securitário, al-gumas vezes. Isto é, há quem contrate o seguro justamente com a finali-dade de não mais acautelar-se no que se refere ao bem cuja preservação e garantia adquiriu por meio do contrato. É de se inferir, inclusive, que aos imprudentes seja mais atrativa a compra de um seguro do que para os cordatos, uma vez que aos imprudentes esteie-se maior o incentivo em termos de vantagem econômica.

Consciente disto, a seguradora tende a precaver-se, aumentando o valor que, em princípio, seria suficiente para a cobertura de eventual prejuízo. É por isso que “um prêmio que tenha sido estabelecido sem

34 Idem.

Page 148: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

148 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

levar em conta a maior probabilidade de perda por causa do risco mo-ral será baixo demais e, assim, ameaçará a lucratividade contínua da empresa35”, o que faz com que ela desenvolva métodos para minimizar esta perda36, os quais, em geral, estão atrelados ao aumento do valor do prêmio, que pode dar-se por meio do rateio com o segurado ou da franquia37.

No que se refere ao rateio, o segurado assume determinado per-centual do prejuízo e, em se tratando da franquia, o segurado fará frente ao pagamento em dinheiro de valor fixo, restando à seguradora arcar somente com a parte que superar a quantia fixada38.

Ademais, para determinadas espécies de seguro, há condutas capa-zes de minimizar o valor do prêmio, ao passo que induzem a uma menor probabilidade de que ocorra o sinistro. É o que acontece, por exemplo, no caso do seguro de vida e dos planos de saúde, nos quais se verifica redução do dispêndio àqueles que usufruem de hábitos saudáveis, como não fumar39 ou não ingerir bebidas alcoólicas, o que também se aplica no que tange aos contratos de seguro de veículos automotores40.

Há, ainda, outro impasse que circunda os contratos de seguro: o da assimetria de informações. Quer dizer, cuida-se de um contrato uberrimae fidei, que, no Latim, significa de “extrema boa-fé”. Assim, é necessário que entre as partes – seguradora e segurado – haja uma rela-ção de confiança recíproca. Do contrário, mais uma vez, a avaliação de riscos feita pela seguradora poderá aluir.

Vera Helena de Mello Franco menciona que o segurado tem o dever de prestar declarações exatas, posto que, se falsear, altera o equilí-brio da mutualidade, pagando menos por riscos superiores, o que o fará perder o direito à garantia e, mesmo assim, permanecer obrigado quanto ao prêmio41. Esta circunstância está prevista no art. 766 do Código Civil. Em outra senda, encontra-se também obrigada a seguradora a guardar

35 Idem, p. 70.36 Idem.37 Idem.38 Idem.39 Idem.40 Idem.41 FRANCO, Vera Helena de Mello. Op. cit., p. 321.

Page 149: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������149

“a mais estrita boa fé” no tocante às especificidades do contrato que ao segurado interessem. É o que dispõe o art. 765 do Diploma Cível.

Conquanto se possa, neste ínterim, mencionar o que predispôs Eric Posner ao referir que “the government enacts laws that deter moral hazard, and punishes people who violate those laws42”, de todos é co-nhecido o fato de que a previsão legal não é sinônimo de certeza quanto aos atos que serão praticados pelos indivíduos. Ou seja, apesar de todo o aparato legal existente, não há informações perfeitas nem completas dis-poníveis no momento da celebração de um contrato. E mais: a procura por estas informações envolve custos, o que torna ainda presumível que, em vários casos, seja preciso lidar com a incerteza.

Outro problema que frequentemente acomete as seguradoras é denominado “seleção adversa”. A razão está no elevado custo para que consigam distinguir entre segurados de baixo e de alto risco43. Isto influi substancialmente na formação do valor do prêmio, dado que, para tanto, deverá ser utilizada uma probabilidade média44, que é, pois, o cálculo forjado por meio da “lei dos grandes números”.

No entanto, o emprego da probabilidade média pode acarretar, para determinada parcela de segurados, o custo assaz elevado ou bas-tante inferior a ser pago a título de prêmio, considerada a circunstância de que não se pode avaliar com exatidão o risco real que cada indivíduo representa, mas uma expectativa média. Daí resultará prêmio idêntico para com o qual estarão obrigados todos os membros do grupo.

As seguradoras definem determinados parâmetros e subdividem grupos de pessoas com base em características semelhantes. A partir dis-to, aplicam o cálculo de probabilidade. Robert Cooter ilustra esta con-juntura no seguinte exemplo:

As companhias de seguro determinam que homens não casados entre as idades de 16 e, digamos, 25 anos, apresentam uma probabilidade muito maior de se envolverem num acidente automobilístico do que outras ca-tegorias identificáveis de motoristas. Em decorrência disto, o prêmio de seguro cobrado de membros desse grupo é mais elevado do que aquele

42 POSNER, Eric A. Agency models in Law and Economics. John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 92. 2D Series. The Coase Lecture. Winter 2000. p. 11.

43 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Op. cit., p.70.44 Idem, ibidem.

Page 150: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

150 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

cobrado de outros grupos cuja probabilidade de sofrer um acidente é muito menor.45

Sob este enfoque, para aqueles que costumam ser incautos no trânsito ou não render a devida observância às normas de trânsito, o valor do prêmio pode ser razoável ou mesmo inferior em contraste com sua capacidade de ocasionar o sinistro. Já para os motoristas atentos e prudentes desta faixa etária, é provável que o valor do prêmio afigure-se excessivo.

Tal como no caso do risco moral, o dilema trazido pela seleção adversa também encontra fundamento nas falhas de informação. Ou seja, toda vez que se está diante da formação de instrumento contratual, somente cada uma das partes, individualmente, tem plenas condições de saber quais são suas reais possibilidades de cumpri-lo. Não é dispo-nível à parte contrária conhecê-las.

Assim, nada obsta que um contrato de seguro de veículo seja ce-lebrado com o único fim, por parte do segurado, de incendiá-lo poste-riormente para ter acesso ao valor da apólice; que um seguro de vida feito pelo marido à mulher tenha como objetivo o resgate da quantia por meio do assassinato da esposa46; que um plano de saúde seja adquirido com a omissão de doenças de que é portador o segurado etc.

Os mesmos métodos utilizados para a minimização dos problemas relacionados ao risco moral cabem para a redução dos que se apre-sentam na seleção adversa, segundo Robert Cooter, qual seja inclusão de cláusulas que autorizem o rateio com o segurado ou o emprego da franquia47.

CONCLUSÃO

Os contratos de seguro despontaram em meio ao universo comer-cial em épocas remotas, quase em conjunto com as atividades mercan-tis, a fim de viabilizá-las, uma vez que o risco sempre se mostrou ineren-te ao comércio.

45 Idem.46 Idem.47 Idem.

Page 151: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������151

Verificou-se a permanente tentativa, portanto, de afastar-se as ameaças até então conhecidas, o que se fez por meio, por exemplo, dos primitivos “Contrato de Dinheiro a Risco Marítimo” e do “Seguro Marítimo”.

Mais tarde aferiu-se que o perigo não era extinto por meio destas avenças, porquanto apenas transferiam o risco, que passava a ter novo responsável, espécie de segurador, tão suscetível à insolvência quanto o próprio segurado. Este impasse foi superado pela concepção de mutuali-dade, quando então os prejuízos passaram a ser diluídos em meio a uma coletividade exposta aos mesmos riscos.

O desenvolvimento das ciências matemáticas deu origem a outros ramos, como a estatística e a atuária, que permitiram os cálculos atual-mente realizados pelas seguradoras, para que, de fato, possam garantir a compensação financeira em caso de dano patrimonial ou extrapatrimo-nial do segurado.

Na contemporaneidade, o cômputo do prêmio a ser pago pelo segurado abrange, inclusive, oscilações decorrentes da assimetria de in-formações, do risco moral e da seleção adversa, para a preservação e segurança das transações securitárias.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.

______. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Revogada). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>.

CONSELHO Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Estatística do Mercado Segurador. Disponível em <http://www.cnseg.org.br/cnseg/estatisticas/mer-cado/>.

CARVALHO, J. Seguros de automóveis no Brasil: Mudanças Potenciais no Sis-tema de Distribuição em Função da Venda pela Internet. Dissertação (Progra-ma de Mestrado em Administração). São Caetano do Sul: USCS, 2012.

COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

Page 152: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

152 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

POSNER, Eric A. Agency models in Law and Economics. John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 92. 2D Series. The Coase Lecture. Winter 2000.

SILVA, Ivan de Oliveira. Curso de direito do seguro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Page 153: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Parte Geral – Doutrina

As Controvérsias Relacionadas à Trava Bancária, no Âmbito da Recuperação Judicial

CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGASProfessora de Direito da PUC-Minas e Faculdades Del Rey – Uniesp, Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, Servidora Pública Federal do TRT/MG – Assistente do Desembar-gador Dr. Sércio da Silva Peçanha, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação à distância pela PUC-Minas, Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Ad-ministração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

NEIDE ADRIANA DAS CHAGASEspecialista em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Instituto de Educação Continuada, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Advogada.

RESUMO: O presente artigo tem o escopo de analisar o controvertido tratamento dado pelos Tribu-nais às cessões fiduciárias de recebíveis e direitos creditórios, a denominada “trava bancária” em recuperações judiciais. É cediço que, com o advento da Lei nº 11.101/2005, sobreveio ao ordena-mento jurídico pátrio o princípio da preservação da atividade empresária, pelo qual o legislador deu ênfase à recuperação da empresa em crise econômica financeira, em prol da sua função social, como geradora de empregos e fonte pagadora de tributos. Nesse contexto, instalou-se a celeuma sobre a possibilidade de incidência da “trava bancária” nas operações de empréstimos garantidas por crédi-tos da empresa-recuperanda, ignorando por completo o procedimento estabelecido no plano de re-cuperação judicial. A discussão travada nos juízos gira em torno do privilégio conferido às instituições financeiras, que, com o objetivo de receber o seu crédito, expropriam imediatamente o patrimônio da devedora-recuperanda, dizendo-se amparada pelo art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, ao passo que todos os demais credores ficam submetidos à moratória do desenrolar do plano de recuperação judicial. Quer se avaliar, portanto, se a “trava bancária” e a consequente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios seriam legítimas, tendo em conta os princípios informadores do sistema falimentar, notadamente, o da preservação da empresa.

PALAVRAS-CHAVE: Trava bancária; recuperação judicial; princípio da viabilidade da atividade econô-mica da empresa; princípio da preservação da empresa.

ABSTRACT: This article has the scope to analyze the controversial treatment given by the courts to fiduciary assignment of receivables and receivables, the so-called “bank lock” on judicial recoveries. It’s musty that with the enactment of Law nº 11.101/2005, came to the paternal law the principle of preservation of the business activity, for which the legislator emphasized the recovery of the company in financial economic crisis for the sake of its social function as a generator jobs and payer of taxes. In this context, it settled the fuss about the possibility of incidence of “bank lock” in the

Page 154: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

154 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

operations of loans secured by company-recuperanda credits, completely ignoring the procedure laid down in judicial recovery plan. The discussion waged in the courts centers on the privilege granted to financial institutions, which, in order to get your credit immediately expropriate the assets of the debtor-recuperanda, claiming to be supported by art. 49, paragraph 3 of Law nº 11.101/2005, while all other creditors are subject to the moratorium on the conduct of the judicial recovery plan. Want to evaluate, so if the “bank lock” and the subsequent expropriation of guarantee of fiduciary assignment of receivables would be legitimate, given the principles informants bankruptcy system, notably the preservation of the company.

KEYWORDS: Bank lock; judicial recovery; principle of viability of the economic activity of the com-pany; principle of preservation of the company.

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais; 2 Conceito de “trava bancária”; 3 O princípio do par conditio creditorum e a “trava bancária”; 4 Princípios afetos à recuperação judicial: preservação e função social da empresa, viabilidade da empresa em crise, conservação e maximização dos ativos; 5 En-tendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre “trava bancária”; 6 Alternativas para a quebra da “trava bancária”; 7 Considerações finais; Referências.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em tempos de crise econômica, a recuperação judicial tem sido uma alternativa importante para dar fôlego às empresas em crise econô-mico-financeira. O instituto foi criado para as empresas que se deparam em situação de insolvência, cuja reabilitação ainda é possível e dese-jável.

Um de seus principais efeitos é a decretação de moratória frente aos credores pelo período de 180 dias, suspendendo-se todas as ações e execuções em trâmite contra a devedora-recuperanda. O referido lapso temporal se mostra necessário para a estruturação e apresentação do plano de recuperação judicial, instrumento de reorganização da ativida-de empresária, em que ficarão estabelecidas as estratégias para supera-ção do momento de turbulência.

É exatamente no contexto da recuperação judicial que surge a controvérsia relacionada com a “trava bancária”.

Sabe-se que a primeira alternativa à crise econômica empresarial tem sido o empréstimo bancário. Entre as operações de mútuo existentes no mercado, uma tem sido utilizada de forma recorrente pelas institui-ções financeiras, sobretudo com o objetivo de escapar aos efeitos da recuperação judicial: cuida-se de empréstimo via cédula de crédito ban-cário com garantia de cessão fiduciária de direitos creditórios.

Page 155: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������155

A propósito, a cédula de crédito bancário se materializa em um título de crédito emitido por pessoa física ou jurídica, uma promessa de pagamento em dinheiro em benefício da instituição financeira em troca da liberação de recursos. Por ser uma cártula se sujeita às regras gerais do Direito Cambiário, possuindo, entretanto, determinadas especificida-des que visam facilitar e agilizar o exercício do direito do crédito pelo credor, bem como sua respectiva cobrança em juízo.

A cédula de crédito bancário admite todas as formas de garantia, contudo, a mais utilizada é a cessão fiduciária de direitos creditórios, por meio da qual a devedora e tomadora do empréstimo cede a titularidade de créditos determinados para a instituição financeira, até a liquidação total do débito.

Em outras palavras, a instituição financeira empresta dinheiro à empresa devedora, em troca da transferência da titularidade dos créditos existentes como garantia do negócio. Normalmente, no ato da contra-tação do empréstimo resta avençado entre as partes que os créditos ce-didos, a título de garantia pelo montante emprestado, bem como outros valores operados pela devedora, ficam depositados em conta sob a ad-ministração daquela instituição financeira.

A controvérsia sobre o tema se inicia quando a empresa cedente dos direitos creditórios entra em recuperação judicial e daí se indaga: tais créditos sofrerão os efeitos do plano de recuperação judicial?

Destarte, a Lei de Recuperação Judicial estipula em seu art. 49 que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Entretanto, o § 3º do aludido artigo dispõe que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.

Apesar de a Lei nº 11.101/2005 prever que a propriedade fiduciá-ria não se submete aos efeitos da Recuperação Judicial, a jurisprudência não é unânime no aspecto. Há entendimentos divergentes em diferentes cortes do Brasil, uns defendendo a exclusão do crédito dos efeitos da re-cuperação judicial, com espeque no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, e outros afirmando que tais títulos não estariam inclusos no rol do refe-rido dispositivo.

Page 156: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

156 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

A pretensão central deste estudo, portanto, é verificar se as em-presas que cedem às instituições bancárias os seus recebíveis podem ficar sujeitas à “trava bancária”, pela qual se concede o benefício de pagamento imediato da dívida, sem a participação do quadro universal de credores.

2 CONCEITO DE “TRAVA BANCÁRIA”

A “trava bancária” trata-se de mecanismo que os bancos utilizam para proteger o seu direito de recebimento da dívida da sociedade em-presária em estado de Recuperação Judicial.

Em outras palavras, a “trava bancária” se dá em caso de cessão fiduciária, na qual o empresário em recuperação judicial concedeu em garantia seus créditos recebíveis em troca de liberação de recursos. Nes-ses casos, a tese defendida pelos bancos é de que, ao realizar o negócio jurídico – mútuo, o empresário transfere a propriedade do crédito para a instituição financeira, e este opera a trava bancária, bloqueando os créditos que, a seu sentir, são de sua propriedade, ignorando o princípio do par conditio creditorium.

Conforme explica o ilustre professor, Doutor Leonardo Almeida Sandes:

A partir da entrada em vigor da LRF, os bancos passaram então a privi-legiar uma nova forma de contratação, ou melhor, de garantia aos em-préstimos concedidos aos empresários, que se convencionou denominar “trava bancária”. Esta consiste na cessão fiduciária dos recebíveis da em-presa. Uma vez ocorrendo a inadimplência por parte do empresário ou o ajuizamento de seu pedido de recuperação judicial, os valores pagos por seus clientes (oriundos de suas vendas ou prestação de serviços rea-lizados) são imediatamente retidos pelo banco, que impossibilita a mo-vimentação financeira daquela conta até que ele próprio esteja pago (daí por que se denomina “trava”). Esse instituto, além de retirar do empre-sário a opção de planejar seu fluxo financeiro (pois o banco retém para si a integralidade dos valores a ele devidos antes de todos os demais), prejudica sobremaneira a atividade empresarial, podendo comprometer, inclusive, processo de recuperação. E, quando alguma empresa está em recuperação judicial – obviamente, porque enfrenta problemas financei-ros –, o que mais ela precisa é de capital de giro para poder continuar suas atividades e, assim, poder se recuperar. Ocorre que a “trava bancá-

Page 157: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������157

ria”, cada vez mais utilizada pelos bancos, afasta qualquer possibilidade de a empresa contar com recursos disponíveis para girar seu negócio. Dessa forma, a recuperação da atividade empresária, escopo maior da lei, fica impossibilitada de se realizar. A reflexão que se torna necessária é que esse privilégio concedido aos bancos (nefasto à sobrevivência da empresa em recuperação) não pode prevalecer em casos de recuperação judicial, pois o interesse geral deve ser privilegiado em detrimento do interesse exclusivo das instituições financeiras. E o interesse geral deve ser entendido como a perpetuação da atividade empresária, afastando o risco de quebra da sociedade. Mantendo-se a eficácia dessa cláusula que permite aos bancos “travar” as operações cotidianas da empresa em recuperação, apropriando-se das receitas de suas atividades, a recupera-ção judicial está fadada ao insucesso, e seu destino será o mesmo da sua antecessora, a concordata: o absoluto descrédito desse instituto. Cabe, assim, ao Poder Judiciário, ao analisar as questões controversas da Lei nº 11.101/2005, adequá-la ao seu próprio escopo de propiciar a recu-peração do negócio, afastando as cláusulas contratuais que autorizam a malsinada “trava bancária”. (Sandes, 2011)

Vê-se, pois, que a “trava bancária” se consubstancia na indispo-nibilidade de créditos recebíveis da devedora-recuperanda, em prol do pagamento do empréstimo anteriormente concedido pela instituição fi-nanceira, sem a submissão ao plano de recuperação.

Diante de tal contexto, surgem as discussões, nos juízos brasilei-ros, em torno do privilégio das instituições financeiras de expropriar os créditos da sociedade empresária em fase de recuperação judicial, igno-rando os demais credores, submetidos à moratória do plano de recupe-ração judicial.

3 O PRINCÍPIO DO PAR CONDITIO CREDITORUM E A “TRAVA BANCÁRIA”

O princípio do par conditio creditorum assume papel importan-te no sistema falimentar, notadamente, por estabelecer a regra de que nenhum credor pode ser beneficiado em detrimento de outro, ou seja, todos os credores, no âmbito da recuperação de empresa ou falência, devem ser tratados igualmente.

Segundo Paulo Sérgio Restiffe, a unidade de tratamento concursal dos credores, expresso no brocado par conditio creditorum, é

Page 158: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

158 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

[...] princípio informativo, porque universal, do direito falimentar do tra-tamento igualitário dos credores, ou seja, da igualdade entre os credores, é aplicável, proporcionalmente, em relação aos créditos da mesma natu-reza, respeitados, ainda, preferências e privilégios. (Reftiffe, 2008, p. 3)

Em sendo assim, o par conditio creditorum é um princípio segundo o qual se garante a todos os credores desprovidos de preferência, igual-dade na concorrência paritária em relação ao patrimônio do devedor. Deve ser aplicado, por óbvio, dentro de cada classe de credores. Assim, em observância do par conditio creditorum, os credores pertencentes a uma mesma classe deverão ter tratamento igualitário no ato de satisfação dos seus respectivos créditos.

Todavia, no caso da recuperação judicial, verifica-se que as “travas bancárias” ignoram o par conditio creditorum. Isso porque o bloqueio de recebíveis da empresa em dificuldades financeiras quita apenas a dívida de um credor, a instituição financeira, podendo até mesmo inviabilizar a recuperação da atividade da sociedade empresária, desrespeitando os demais credores sujeitos a par conditio creditorum.

É nessa toada que as previsões contidas no art. 49 e seus parágra-fos vêm-se tornando objeto de questionamento por parte dos credores da sociedade empresarial em recuperação, em razão da alegada violação ao princípio falimentar, que prevê o tratamento isonômico dos credores no momento da satisfação de seus respectivos direitos perante a socie-dade falida ou em recuperação judicial.

4 PRINCÍPIOS AFETOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL: PRESERVAÇÃO E FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA, VIABILIDADE DA EMPRESA EM CRISE, CONSERVAÇÃO E MAXIMIZAÇÃO DOS ATIVOS

Após breve abordagem sobre o par conditio creditorim, passa-se a analisar os demais princípios afetos à recuperação judicial, que são: pre-servação e função social da empresa, viabilidade da empresa em crise, conservação e maximização dos ativos.

O direito privado, como um todo, encontra-se na era da funciona-lização. Tem-se a função social do contrato, da família, da propriedade, da empresa, enfim, os direitos particulares devem ser exercidos de forma a não prejudicar a sociedade.

Page 159: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������159

Seguindo essa perspectiva, a função social da empresa relaciona--se com a conciliação dos interesses do empresário com os da sociedade, impondo o exercício da atividade empresária de forma responsável, me-nos gravosa ao meio ambiente, observando sempre a saúde e segurança de seus colaboradores, sem se descurar do pagamento dos impostos.

Com efeito, a empresa tem um papel social de extrema importân-cia, sobretudo, porque cria empregos, promove a circulação de bens e serviços, e, por consequência, impulsiona o desenvolvimento econômi-co nacional por meio da quitação de impostos.

Corolário do princípio da função social da empresa é o princípio da preservação da empresa. Não obstante tal princípio não conste como norma constitucional explícita, pode ser extraído dos fundamentos e das finalidades da ordem econômica, notadamente, a partir: da atribuição primordial à empresa privada do exercício de atividade econômica (de-corrência da livre iniciativa); da previsão de valorização do trabalho (re-fletida na busca do pleno emprego); da vinculação da empresa a uma função social; da compreensão do papel da empresa privada para o de-senvolvimento econômico do País.

Além disso, o princípio da preservação da empresa foi positivado pelo legislador no art. 47 da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situa-ção de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manu-tenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (Brasil, 2005).

Vê-se, pois, que o princípio da preservação da empresa tem por escopo preservar as organizações econômicas produtivas, evitando, as-sim, o prejuízo econômico e social que a extinção de uma empresa pode acarretar às sociedades empresárias, trabalhadores, fornecedores, consumidores, bem como à sociedade civil em geral. Pretende-se, por meio dele, garantir a continuidade da empresa por sua relevância socio-econômica.

Em sendo assim, conclui-se que o princípio da função social da empresa encontra-se intimamente ligado ao da preservação da empresa,

Page 160: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

160 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

podendo-se, inclusive, afirmar que se uma empresa cumpre seu papel social merece ser preservada.

De par com isso, a Lei nº 11.101/2005 também disciplina como requisito para a concessão da recuperação da empresa o estudo da sua viabilidade, sendo esta a verificação da sustentabilidade da atividade empresarial. Em outras palavras, faz-se necessário analisar se é viável ou não recuperar determinada empresa, se compensa para a sociedade su-portar as despesas inerentes ao processo de recuperação como um todo.

Verifica-se, novamente, se a empresa cumpre sua função social e se merece ser preservada.

Segundo Toledo, o princípio da viabilidade da empresa em crise “relaciona-se diretamente com o caráter residual, onde o processo fali-mentar somente deverá ser provocado em casos de empreendimentos inviáveis, assim sendo, se deve buscar antes a possibilidade de recupe-ração da empresa” (Toledo, 2012, p. 78).

Luis Fernando Valente de Paiva aduz que “a viabilidade da em-presa se constitui na demonstração das condições que possibilitam a mesma continuar existindo” (Paiva, 2015, p. 35).

De acordo com Alessandra Doumid Borges Pretto e Dary Pretto Neto, a empresa é viável:

quando exerce suas atividades em um ambiente baseado na isonomia, na concorrência, livre de abusos econômicos que permitam o desen-volvimento de sua atividade econômica. Os referidos autores entendem que os fundamentos da empresa devem ser sólidos, fazendo com que o motivo causador da crise seja decorrente de falha de planejamento, ocorrência de crise econômica sazonal ou reversível, ou seja, que a supe-ração da crise da empresa seja possível através da recuperação judicial. (Preto; Neto, 2015)

Consoante Sérgio Brina, o princípio da conservação da atividade empresária viável

leva em consideração todas as relações existentes entre o contexto em-presarial e a ordem socioeconômica, relaciona-se diretamente com o ca-ráter extraordinário do processo falimentar, estabelecendo a necessidade de manter uma empresa desde que se demonstre possuir os requisitos mínimos para sua efetiva atividade. (Brina, 2009, p. 13)

Page 161: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������161

Não bastasse a necessidade de realizar um juízo de viabilidade da empresa, também deve ser observado o princípio da conservação e maximização dos ativos.

Jean Carlos Fernandes conceitua o princípio da conservação e ma-ximização dos ativos como “uma tentativa de viabilizar a manutenção da atividade empresarial, através da prerrogativa de que os ativos da empresa devedora devem ser preservados e, sempre que possível valori-zados” (2009, p. 23).

Este princípio, inclusive, pode justificar a liberação da trava ban-cária, pois os recursos correspondentes seriam mais bem utilizados, em prol da preservação da empresa, no pagamento dos credores constantes do plano de recuperação judicial.

Vê-se, pois, que os princípios mencionados têm um único objetivo de manter a empresa em funcionamento, cumprindo a sua função social, mantendo-se viva como fonte de emprego e de pagamento de impostos.

5 ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS SOBRE “TRAVA BANCÁRIA”

Merece atenção, nesse momento, o polêmico tratamento dado pela doutrina e jurisprudências dos Tribunais às cessões fiduciárias de recebíveis e direitos creditórios e a “trava bancária”, no âmbito das re-cuperações judiciais.

Conforme explicitado alhures, a controvérsia a ser tratada no pre-sente artigo envolve o entendimento contido no art. 49, § 3º, da “Lei de Recuperação Judicial e Falência”, segundo o qual credores de proprie-dade fiduciária de bens móveis não estariam sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas.

Com efeito, a Lei nº 11.101/2005, que regulamenta sobre a Recu-peração Judicial empresária, em seu art. 49, considera que os créditos já existentes a partir da data do pleito da recuperação judicial a ela estão sujeitos, ou até mesmo aqueles com data futura. O § 3º do mesmo diplo-ma legal, por sua vez, retira da recuperação judicial

o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vende-dor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevo-

Page 162: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

162 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

gabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalece-rão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais. (Brasil, 2005)

Assim, uma vez proferido o deferimento do processamento da re-cuperação judicial, resta evidente a sujeição dos credores aos efeitos do plano de recuperação judicial.

No entanto, fica a discussão se os créditos que foram garantidos, por meio de cessões fiduciárias de títulos de crédito ou arrendamento mercantil, estariam ou não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.

Veja-se que, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 – LRF, não estariam alcançados pelos efeitos de eventual aprovação do plano de recuperação judicial, taxativamente: (a) os credores classifi-cados como sendo proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; (b) arrendador mercantil; (c) titular de crédito de proprietário ou promi-tente vendedor de imóvel, uma vez presente a cláusula de irrevogabili-dade ou irretratabilidade; (d) vendedor em contrato de venda com reser-va de domínio; ou (e) as instituições financeiras que antecipem recursos aos exportadores em contrato de câmbio.

Do exame de tal dispositivo percebe-se claramente o tratamento especial dado aos denominados “credores proprietários”, pois seus cré-ditos ficam garantidos pela propriedade de um bem ou direito de crédito oferecido em garantia, ainda que posteriormente seja decretada a recu-peração judicial da empresa devedora.

Todavia, levanta-se a dúvida se estes credores seriam, de fato, pro-prietários.

Por ser considerado abusivo e contrário aos fundamentos da recu-peração judicial, os bloqueios de créditos recebíveis, intitulados “travas bancárias”, não têm sido tratado de maneira uniforme pela doutrina e pelas jurisprudências dos tribunais brasileiros.

Segundo Ayoub e Cavalli (2013, p. 67), a eficácia das “travas ban-cárias” reside na necessidade de se conceder uma garantia mais tangí-vel e segura às instituições financeiras, responsáveis pelo financiamen-to de crédito necessário e inerente ao desenvolvimento do mercado empresarial.

Page 163: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������163

Os doutrinadores adeptos a essa linha de pensamento defendem que o travamento de créditos é de caráter econômico-financeiro e torna o mercado empresarial mais eficaz (Pacheco, 2012, p. 2-3). Apegam-se no argumento de que a “trava bancária” é espécie de contrato de aliena-ção fiduciária, com previsão de transferência da propriedade ao credor de direitos e/ou títulos em crédito, atuais e futuros, até a liquidação total da dívida, hipótese não sujeita aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 (exclusão bem móvel para efeitos legais, de caráter patrimonial).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se posicionou, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – NÃO SU-JEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – “TRAVA BAN-CÁRIA” – RECURSO NÃO PROVIDO – A “trava bancária”, ou cessão fiduciária de créditos recebíveis, é a garantia oferecida aos bancos pelas empresas na obtenção de empréstimos bancários para fomentação de suas atividades. Nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, possuem a natu-reza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitos da recuperação judicial.

(TJMG, AI 10702140897621001/MG, Relª Vanessa Verdolim Hudson Andrade, J. 08.09.2015, Câmaras Cíveis/1ª C.Cív., Publ. 16.09.2015)

No mesmo sentido, tem-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

RECURSO ESPECIAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CÉDULA DE CRÉ-DITO GARANTIDA POR CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDI-TÓRIOS – NATUREZA JURÍDICA – PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA – NÃO SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – “TRAVA BANCÁRIA” – 1. A alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fi-duciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, possuem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 2. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1202918/ SP 2010/0125088-1, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 07.03.2013, T3 – Terceira Turma, Publ. DJe 10.04.2013)

Page 164: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

164 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Como se vê, a validade da trava bancária para tais decisões se ampara nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, pelo qual a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, teriam a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitos da recu-peração judicial.

Não obstante defendam a validade da “trava bancária”, verifica-se que, para fins de oposição do crédito fiduciário aos demais credores da empresa em recuperação judicial, o registro perante o Cartório de Re-gistro de Títulos e Documentos do domicílio da empresa recuperanda, antes da distribuição do pedido de recuperação judicial, tem sido con-siderado obrigatório.

Aliás, a ausência de registro das Cédulas de Crédito Bancário no Cartório de Registro de Títulos e Documentos tem sido um dos motivos de afastamento da “trava bancária”, in verbis:

AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – TRAVA BANCÁRIA – SUSPEN-SÃO MANTIDA – CRÉDITOS SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL – EXCEÇÃO – CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO DE BENS MÓVEIS – AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CAR-TÓRIO DE REGISTRO DE TÍTULO E DOCUMENTOS – EXCLUSÃO DO CONCURSO DE CREDORES – IMPOSSIBILIDADE – MANUTENÇÃO DA TRAVA – GRAVE PREJUÍZO À RECUPERANDA – COMPROMETE-RIA CRÉDITO DISPONÍVEL EM CONTA CORRENTE – RECURSO CO-NHECIDO E DESPROVIDO – 1. A Lei Federal nº 11.101/2005 (que re-gula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária) dispõe no art. 49, caput, que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ain-da que não vencidos. O § 3º do referido dispositivo legal traz exceção à sujeição dos créditos à recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, dentre ela o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis. 2. Na hipó-tese versada, além dos fundamentos assentados em primeiro grau para a suspensão das travas bancárias, verifico a impossibilidade de classificar o crédito do agravante como extraconcursal, como pretende fazer crer, por-quanto, conforme alegam as agravadas, não houve o registro das Cédulas de Crédito Bancário no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, os quais não apresentam qualquer carimbo ou outra informação acerca do aludido registro. 3. Ante a ausência de registro na espécie, as garantias

Page 165: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������165

são ineficazes perante os demais credores, de forma que não pode o agra-vante receber seu crédito fora da recuperação judicial, razão pela qual deve ser mantida a decisão interlocutória de suspensão da trava bancária que recai sobre os contratos firmados com o agravante. 4. A manutenção da trava bancária pretendida pelo agravante causaria grave prejuízo às agravadas, pois retiraria a disponibilidade do crédito existente em conta corrente, que na hipótese importa em valor mensal vultoso (média de R$ 4.000.000,00), o que sem sombra de dúvida poderia inviabilizar a re-cuperação judicial pretendida. (TJ-MS, AI 14004979720158120000/MS 1400497-97.2015.8.12.0000, Rel. Des. Sideni Soncini Pimentel, J. 27.04.2015, 5ª C.Cív., Publ. 25.06.2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – NÃO SU-JEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – “TRAVA BAN-CÁRIA” – CONTRATOS DE CESSÃO JUDICIÁRIA NÃO REGISTRADOS – RECURSO NÃO PROVIDO – Evidencia-se que a “trava bancária”, ou cessão fiduciária de créditos recebíveis, é a garantia oferecida aos bancos pelas empresas na obtenção de empréstimos bancários para fomentação de suas atividades. Para a validade da “trava bancária”, a fim de oposi-ção do crédito fiduciário aos demais credores da empresa em recupera-ção judicial, faz-se necessário seu registro perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio da empresa recuperanda, antes da distribuição do pedido de recuperação judicial. Verificando que o contrato de cessão fiduciária de crédito, conhecido por “trava bancá-ria”, não foi registrado no Registro de Títulos e Documentos do domi-cílio da devedora, a instituição financeira não poderá proceder a “trava bancária” bloqueando os valores da recuperanda. Portanto, há necessi-dade prévia de registro do contrato de alienação fiduciária como condi-ção sine qua non para a constituição da propriedade fiduciária. (TJMG, AI 10024132763418003/MG, Relª Vanessa Verdolim Hudson Andrade, J. 16.12.2014, Câmaras Cíveis/1ª C.Cív., Publ. 23.01.2015)

Não se ignora, pois, os fundamentos do posicionamento favorável à aplicação da “trava bancária”, na recuperação judicial.

Todavia, filia-se ao seguimento doutrinário defensor da tese de que a cessão fiduciária deve ser desconsiderada e equiparada ao penhor de recebíveis, garantia submetida aos efeitos da recuperação judicial, principalmente, tendo como pano de fundo os princípios da viabilidade da empresa em crise, da conservação e maximização dos ativos; da pre-servação da empresa e de sua função social.

Page 166: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

166 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Com efeito, o penhor é um negócio jurídico acessório, que tem o condão de garantir um débito. O inadimplemento do débito permite que a satisfação do crédito se dê por meio do bem dado em garantia. Trata--se de um direito real sobre coisa móvel, uma proteção especial para o credor.

À vista do disposto no art. 1.431 do Código Civil brasileiro, “cons-titui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”.

O doutrinador Silvio Rodrigues rememora o ensinamento clássi-co de Beviláqua, para quem “o penhor, como o direito real, submete uma coisa móvel ou mobilizável ao pagamento de uma dívida” (apud Rodrigues, 2002, p. 349), exigindo a transferência da posse, ou seja, a tradição é obrigatória.

Como os direitos reais exigem publicidade para se constituírem, no caso do penhor, esta ocorre em dois momentos: quando o bem é sub-metido ao registro público, e, em seguida, no momento de transferência da posse ao credor. Assim, a tradição tem o fim de publicizar a relação jurídica subjacente.

Mostra-se, portanto, plenamente plausível o enquadramento da garantia de créditos como penhor.

Considerando-se que o penhor de recebíveis não está expressamen-te incluído no rol das exceções do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, os créditos cedidos em garantia às instituições financeiras estariam sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial. Seguindo essa perspectiva, é ilegíti-ma a “trava bancária”.

Além disso, Fábio Ulhoa Coelho e Melhim Namem Chalhub (2014, p. 158) ensinam que não poderiam tais créditos ser excluídos da abrangência da recuperação judicial, principalmente porque a proprie-dade do bem dado em garantia continua a ser do devedor e, como tal, deve ser utilizado para pagamento dos credores constantes no Plano de Recuperação Judicial.

Não bastassem tais argumentos, entende-se que a “trava bancá-ria”, na recuperação judicial, seria incompatível com o princípio consti-tucional da preservação da empresa, sobretudo por inviabilizar o paga-

Page 167: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������167

mento aos demais credores, sujeitos à recuperação judicial. Conforme já dito, não há como ignorar que o travamento dos recursos da empresa devedora pode gerar a convolação em falência.

Em sendo assim, dúvidas não há de que os princípios da viabili-dade da empresa em crise, da conservação e maximização dos ativos, da preservação da atividade empresária e da função social são suficien-tes para justificar a desconsideração ou flexibilização das “travas ban-cárias”.

Há situações concretas em que o bloqueio de créditos correspon-de a mais de 50% do faturamento da empresa, sendo certo que, nesses casos, a atividade empresarial se tornará impossível de ser administrada e, consequentemente, o plano de recuperação judicial frustrado e a con-volação em falência uma realidade indesejável.

Corroborando com a tendência da flexibilização das “travas ban-cárias”, cumpre trazer à colação as decisões da 2ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERIU EM PARTE A LIMINAR, LIMITANDO A DENOMINADA – TRAVA BANCÁRIA A 20% DOS RECEBÍVEIS DA EMPRESA – INCON-FORMISMO DO BANCO-CREDOR – PRELIMINAR DE NULIDADE – NÃO ACOLHIDA – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – A preliminar arguida pelo agravante deve ser rejeitada. Isto porque a sim-ples leitura do decisum ora impugnado revela que o entendimento ado-tado pelo douto Magistrado singular foi devidamente fundamentado, não havendo em que se falar em violação do disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. No mérito, tenho que o presente recurso não deve ser provido. Em consonância com o art. 49, da Lei nº 11.101/2005, as cessões fiduciárias de direitos de crédito se sujeitam ao regime da recu-peração judicial. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de se admitir a liberação da trava bancária em sede de recuperação judicial, como medida para possibilitar o sucesso da recuperação e preservação da empresa. Multa diária pelo descumprimento da decisão judicial fi-xada em patamar razoável. Decisão que se mantém. Recurso a que se nega seguimento nos termos do art. 557, caput, do CPC. (TJRJ, Processo nº 0042771-37.2013.8.19.0000, Des. Joaquim Domingos de Almeida Neto, 2ª C.Cív. do Rio de Janeiro, J. 09.10.2013; negritos e grifos acres-cidos)

Page 168: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

168 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

EMENTA: RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO – PENHORA DO CRÉDITO PIGNORATÍCIO – SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERA-ÇÃO DA EMPRESA – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE EMPRESARIAL – Direito empresarial. Recuperação judicial de empresa. Credor que se apresenta como proprietário fiduciário, mas, na verdade, é credor pignoratício. Sujeição dos créditos garantidos por penhor ao processo de recuperação. Legitimidade da decisão judicial que autori-za o levantamento de metade dos recebíveis, liberando tais verbas do mecanismo conhecido como “trava bancária”. Aplicação dos princípios da preservação da empresa e da função social do contrato. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, Processo nº 0014987-27.2009.8.19.0000 (2009.002.01890), Des. Alexandre Câmara, 2ª C.Cív. do Rio de Janeiro, J. 18.02.2009; negritos e grifos acrescidos)

Outra decisão emblemática foi proferida em 2012, no Processo nº 0380326-46.2012.8.19.0001, pelo Juiz Mauro Pereira Martins, titular da 4ª Vara Empresarial da Cidade do Rio de Janeiro, que deferiu o pedi-do de recuperação judicial da marca Maria Bonita, desconsiderando o mecanismo conhecido por “trava bancária”, adotado pelas instituições financeiras credoras das empresas detentoras da grife.

No caso, as autoras da referida ação alegaram que a adoção pe-las instituições financeiras do mecanismo denominado “trava bancária” constitui o maior óbice para a recuperação delas, pois cerca de 85% do faturamento ficaria retido para pagamento de juros e amortizações.

No decisum, o juiz destacou que o mecanismo vem inviabilizando por completo a continuidade da atividade empresarial desenvolvida e deferiu medida liminar para que as instituições financeiras detentoras da denominada “trava bancária” se abstenham de praticar qualquer ato destinado ao bloqueio ou apropriação de qualquer valor depositado em conta corrente, em face da observância do princípio da preservação da empresa.

Da análise dos acórdãos em referência, pode-se extrair uma em-brionária tendência jurisprudencial de relativizar o uso das “travas ban-cárias”, em prol da preservação da sociedade empresária em fase de recuperação judicial, como forma de proteção à sua função social.

A matéria é por demais controvertida e, por este motivo, merece ser melhor explorada e analisada pelos doutrinadores, bem como pelos Tribunais.

Page 169: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������169

6 ALTERNATIVAS PARA A QUEBRA DA “TRAVA BANCÁRIA”

O princípio básico da Lei nº 11.101 é possibilitar capital de giro para que as empresas possam se recuperar financeiramente. Diante des-se contexto, a exclusão pura e simples da alienação fiduciária da recu-peração judicial se consubstancia no favorecimento dos bancos, prática considerada como crime na Lei de Falência.

Assim, considerando-se que a “trava bancária” praticamente im-pede que a empresa em crise se reabilite, importante se mostra verificar alternativas para o seu afastamento, de modo a não prejudicar a devedo-ra-recuperanda, tampouco a instituição financeira credora.

Posiciona-se, em primeira análise, pela ilegitimidade da “trava bancária”, pelos fundamentos já explicitados alhures. Contudo, nesse tó-pico, pretende-se, ainda, conciliar os interesses da empresa-recuperanda e a instituição financeira. Isso porque não se defende o calote, mas sim o pagamento dos credores, sem interferir na continuidade do exercício da atividade empresária.

Nessa toada, a segunda alternativa para o afastamento da “trava bancária” seria a substituição, garantia (créditos recebíveis) por outros bens. Todavia, a dificuldade estaria no fato de a alteração da garantia ser submetida ao disposto no § 1º do art. 50 da Lei de Falências, pelo qual a substituição da garantia dependeria do consentimento do credor ga-rantido. Aqui, considerando-se a imediatividade inerente às instituições financeiras, tal concordância dificilmente ocorreria.

Outra alternativa, que tem sido utilizada pelos Tribunais, seria o desbloqueio parcial dos créditos recebíveis. Tal circunstância possibi-litaria o pagamento da instituição financeira, bem como atenderia os interesses dos demais credores.

Não se pode negar que quanto maior a garantia, menor a taxa de juros aplicada no ato do mútuo, e, em sendo assim, a substituição da garantia bem como o desbloqueio da parte dos créditos recebíveis não deixam de ser alternativas menos gravosas para ambos os atores aqui mencionados.

Page 170: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

170 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após este breve estudo, vislumbrou-se a possibilidade de a “trava bancária” ser afastada por decisão judicial, sob a tese de que a cessão fi-duciária pode ser desconsiderada e equiparada ao penhor de recebíveis, garantia submetida aos efeitos da recuperação judicial, por se encontrar dentro da esfera patrimonial do devedor.

Além disso, restou evidenciado que a trava bancária, na recu-peração judicial, seria incompatível com o princípio constitucional da preservação da empresa, sobretudo por inviabilizar o pagamento aos demais credores, sujeitos à Recuperação Judicial. Não há como ignorar que o travamento dos recursos da empresa devedora pode gerar a con-volação em falência.

Em sendo assim, conclui-se que os princípios da viabilidade da empresa em crise, da conservação e maximização dos ativos, da preser-vação da atividade empresária e da função social são suficientes para justificar a desconsideração ou flexibilização das “travas bancárias”.

Dessa forma, realça-se que as normas contidas nos §§ 3º a 5º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 devem ser interpretadas de acordo com os princípios informadores do sistema falimentar, notadamente os prin-cípios da preservação e função social da empresa, da viabilidade da empresa em crise, da conservação e maximização dos ativos.

Defende-se, portanto, que a inclusão do crédito da instituição fi-nanceira no plano de recuperação, indubitavelmente, seria a medida mais sensata e eficaz a ser tomada pela sociedade empresária em crise em prol do alcance e da satisfação dos direitos de seus credores.

Todavia, diante da discussão que envolve o tema, verifica-se a ne-cessidade de se delinear uma maneira razoável e plausível, em relação à aplicabilidade das “travas bancárias”, com vistas a encontrar o ponto de equilíbrio legal e econômico-financeiro necessário e resguardar a conti-nuidade da atividade empresarial.

Nesse passo, não sendo viável a primeira opção, que seria a que-bra total da “trava bancária”, discorreu-se sobre a possibilidade de subs-tituição da garantia, ou até mesmo a flexibilização parcial do bloqueio, de modo a possibilitar a liberação de parte do valor “travado” pela ins-tituição financeira.

Page 171: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������171

No campo prático, considerando o entendimento favorável à uti-lização das “travas”, verifica-se que as sociedades empresárias devem atentar à melhor composição das garantias concedidas aos seus credo-res, em especial a renegociação de seus débitos com as instituições fi-nanceiras, objetivando substituir a garantia de cessão fiduciária de cré-dito, preferencialmente em período anterior ao ajuizamento da ação de recuperação judicial.

Cabe, então, à empresa devedora a análise do risco envolvido ao conceder como garantia créditos recebíveis, tomando precauções para que, em caso de uma eventual recuperação judicial, não sejam eles ob-jeto da famigerada “trava bancária”.

Assim, conclui-se que a “trava bancária” deve ser afastada ou fle-xibilizada, em face da preservação da empresa devedora e sua função social, conciliando os interesses da empresa, dos credores e de toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Casio Machado. A construção jurispruden-cial da recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comen-tada: Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília/DF, 10 fev. 2005; Acesso em: 9 nov. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1202918/SP, 2010/0125088-1, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 07.03.2013, T3 – Terceira Turma, Publ. DJe 10.04.2013.

CARVALHO, Ernesto Antunes de. Contratos bancários e a nova Lei de Falên-cias. In: WAISBERG, Ivo; FERNANDES, Marcos Rolim. Contratos bancários. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

CHALHUB, Melhim Namem. Cessão fiduciária e a recuperação judicial. Valor Econômico. Caderno Legislação e Tributos, 2009.

Page 172: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

172 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

______. Curso de direito civil: direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005.

FERNANDES, Jean Carlos. Cessão fiduciária de títulos de crédito: a posição do credor fiduciário na recuperação judicial da empresa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

NOGUEIRA, Ricardo Negrão. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

______. Recuperação Judicial. In: SANTOS, Paulo Penalva (Org.). A nova lei de falências e recuperação de empresas: Lei 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MATO GROSSO DO SUL. TJ-MS, AI 14004979720158120000/MS, 1400497-97.2015.8.12.0000, Rel. Des. Sideni Soncini Pimentel, J. 27.04.2015, 5ª C.Cív., Publ. DJe 25.06.2015.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, AI 10702140897621001/MG, Rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, J. 08.09.2015, Câmaras Cíveis/1ª C.Cív., Publ. DJe 16.09.2015.

______. Tribunal de Justiça, AI 10024132763418003/MG, Relª Vanessa Verdolim Hudson Andrade, J. 16.12.2014, Câmaras Cíveis/1ª C.Cív., Publ. DJe 23.01.2015.

PACHECO, José da Silva. Das disposições preliminares e das disposições co-muns à recuperação judicial e à falência. Recuperação Judicial. In: SANTOS, Paulo Penalva (Org.). A nova lei de falências e recuperação de empresas: Lei 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

PRETTO, Alessandra Doumid Borges; NETO, Dary Pretto. Função social, preservação da empresa e viabilidade econômica na recuperação de empre-sas. Disponível em: <http://antares.ucpel.tche.br/ccjes/upload/File/artigo%20dary%20Alessandra.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2015.

PAIVA, Luis Fernando Valente de (Coord.). Direito falimentar e a nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça, Processo nº 0014987-27.2009.8.19.0000 (2009.002.01890), Des. Alexandre Câmara, 2ª C.Cív. do Rio de Janeiro, J. DJe. 18.02.2009.

______. Tribunal de Justiça, Processo nº 0042771-37.2013.8.19.0000, Des. Joaquim Domingos de Almeida Neto, 2ª C.Cív. do Rio de Janeiro, J. DJe 09.10.2013.

Page 173: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������173

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 27. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2002.

SANDES, Leonardo de Almeida Sandes. A trava bancária. Estado de Minas, Caderno de Opinião, 2011.

TOLEDO, Paulo F. C. Salles. Lei de recuperação de empresas e falência. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Page 174: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2668

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. II – TributárioNº CNJ: 0548827‑11.2003.4.02.5101 (2003.51.01.548827‑4)Relator: Desembargadora Federal Claudia NeivaApelante: União Federal/Fazenda NacionalProcurador: Procurador da Fazenda NacionalApelado: Guimafrut Imp. e Exp. Ltda.– Massa FalidaAdvogado: Sem AdvogadoOrigem: 1ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro(05488271120034025101)

ementa

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – EMPRESA EXECUTADA – FALÊNCIA ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – MASSA FALIDA – SUBSTITUIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO – CDA – POSSIBILIDADE – RECURSO REPETITIVO

1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.372.243/SE, submetido ao regime dos recursos repetitivos, consolidou entendimento no sentido de que “a mera decretação da quebra não implica extinção da personalidade jurídica do estabelecimento empresarial. Ademais, a massa falida tem exclusivamente personalidade judiciária, sucedendo a empresa em todos os seus direitos e obrigações. Em consequência, o ajuizamento contra a pessoa jurídica, nessas condições, constitui mera irregularidade, sanável nos termos do art. 284 do CPC e do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980”.

2. Deve ser concedida, portanto, oportunidade para que a exequente emende a petição inicial e retifique a CDA, com base no disposto no art. 284 do CPC e no art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980.

3. Apelação conhecida e provida.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas: Decidem os membros da 3ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao re-curso, na forma do voto da Relatora.

Page 175: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������175

Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2015.

Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva Desembargadora Federal Relatora

relatório

Trata-se de apelação interposta pela União Federal/Fazenda Na-cional contra a sentença que julgou extinto o processo, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, em razão da falência da socie-dade executada em data anterior ao ajuizamento da ação, salientando que a execução deveria ser dirigida à massa falida.

Nas razões de recurso, sustenta a apelante, em síntese, que a men-ção do sujeito passivo, sem a indicação da massa falida como devedora, não importa erro quanto à identificação da pessoa jurídica, consistin-do em mera irregularidade, sanável no curso da ação, nos termos do art. 284 do CPC e do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980, conforme já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça.

Aduz, ainda, que é descabida a extinção do processo em razão da decretação da falência da executada; que a execução deve ser promovi-da em face da pessoa jurídica e não da massa falida, ente despersonali-zado; e que, muito embora o patrimônio social responda pelo débito, o débito continua a ser da empresa.

Dessa forma, requer a anulação da sentença, ou a sua reforma, para afastar a extinção e determinar o retorno dos autos à vara de origem para prosseguimento da execução.

Sem contrarrazões.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva Desembargadora Federal Relatora

Page 176: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

176 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

voto

Conheço do recurso, eis que presentes os seus pressupostos legais.

A questão cinge-se à possibilidade de prosseguimento da execu-ção fiscal ajuizada contra empresa após a decretação da falência.

Inicialmente, faz-se mister uma breve análise da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça, visto que, até pouco tempo atrás, a matéria não estava pacificada, existin-do julgados entendendo que a indicação do devedor sem a menção à “massa falida” se constituiria em vício sanável, que não inviabilizaria o prosseguimento da execução.

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – FALÊNCIA – INDICAÇÃO DO DEVEDOR SEM A MENÇÃO ‘MASSA FALIDA’ – VÍCIO SANÁVEL – SUBSTITUIÇÃO DA CDA – DESNECESSIDADE

1. A massa falida nada mais é do que o conjunto de bens, direitos e obri-gações da pessoa jurídica que teve contra si decretada a falência, uma universalidade de bens, a que se atribui capacidade processual exclusi-vamente, mas que não detém personalidade jurídica própria nos mesmos moldes da pessoa natural ou da pessoa jurídica. Todo esse acervo patri-monial não personificado nasce com o decreto de falência e sobre ele recai a responsabilidade patrimonial imputada, ou imputável, à empresa falida, apenas isso, mas não configura uma pessoa distinta.

2. Não incide, portanto, a Súmula nº 392/STJ (‘A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução’), pois o decreto de falência não gera ‘modificação do sujeito passivo da execução’, sendo desnecessária, até mesmo, a substituição da CDA.

3. ‘A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competen-te. Inteligência do art. 51 do Código Civil’ (REsp 1.359.273/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 14.05.2013).

Page 177: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������177

4. O simples fato de não ter sido incluído ao lado do nome da empresa executada o complemento ‘massa falida’ não gera nulidade nem impõe a extinção do feito por ilegitimidade passiva ad causam. A massa falida não é pessoa diversa da empresa contra a qual foi decretada a falência. Não há que se falar em redirecionamento nem mesmo em substituição da CDA. Trata-se de mera irregularidade formal, passível de saneamento até mesmo de ofício pelo juízo da execução.

5. No caso dos autos, a impossibilidade de extinção do feito é ainda mais patente porque a execução fiscal foi ajuizada apenas 20 dias após o de-creto de falência, ou seja, é possível, e mesmo provável, que a Fazenda Pública exequente nem tivesse ciência desse fato.

6. Recurso especial provido.”

(STJ, REsp 1359041/SE, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., J. 18.06.2013, DJe 28.06.2013)

“PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – FALÊNCIA – INDICAÇÃO DO DEVEDOR SEM A MENÇÃO ‘MASSA FALIDA’ – VÍCIO SANÁVEL

1. A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competen-te. Inteligência do art. 51 do Código Civil.

2. O ajuizamento de execução fiscal sem a menção ‘massa falida’ não importa erro quanto à identificação da pessoa jurídica devedora, mas, apenas, mera irregularidade que diz respeito à sua representação proces-sual e que pode ser sanada durante o processamento do feito.

3. Não é o caso de substituição da CDA, nem redirecionamento da exe-cução fiscal, sendo, portanto, inaplicável a Súmula nº 392/STJ.

4. Recurso especial provido.”

(STJ, REsp 1359273/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., J. 04.04.2013, DJe 14.05.2013)

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – ACÓRDÃO EMBARGADO ASSENTADO EM PREMISSA FÁ-TICA EVIDENTEMENTE EQUIVOCADA – EXECUÇÃO FISCAL – EMPRE-SA EXECUTADA – FALÊNCIA DECRETADA ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO – ALTERAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO – INEXISTÊNCIA

Page 178: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

178 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

– MERA RETIFICAÇÃO – POSSIBILIDADE – ACOLHIMENTO DOS EM-BARGOS

1. [...].

2. No caso, esta Turma decidiu com base em premissa fática evidente-mente equivocada, na medida em que entendeu que a falência da em-presa executada teria sido decretada em momento anterior à inscrição em dívida ativa dos créditos objeto desta execução fiscal, quando, na realidade, é fato incontroverso nos autos a decretação da falência da executada ocorreu antes do ajuizamento da execução fiscal, porém após as inscrições em dívida ativa.

3. Esta Turma, ao julgar o REsp 1.192.210/RJ (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 04.02.2011), deixou consignado que a mera decre-tação da falência não implica extinção da personalidade jurídica da empresa. Por meio da ação falimentar, instaura-se processo judicial de concurso de credores, onde será realizado o ativo e liquidado o passivo, para, ao final, em sendo o caso, promover-se a dissolução da pessoa jurídica, com a extinção da respectiva personalidade. A massa falida não detém personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária – isto é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela empresa, ou contra ela, no Poder Judiciário. Trata-se de universalidade que sucede, em todos os direitos e obrigações, a pessoa jurídica. Portan-to, não se trata de alteração do sujeito passivo. Na realidade, a hipótese mais se aproxima da retificação do sujeito passivo apontado como réu, requerido ou executado, de modo que é plenamente aplicável a regra do art. 284 do CPC. Em outras palavras, há simples irregularidade na petição inicial, de modo que é vedada a decretação da extinção do feito sem que a parte seja intimada para providenciar a retificação.

4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso especial.”

(STJ, EDREsp 201202683926, Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe Data: 07.05.2013)

“EXECUÇÃO FISCAL – FALÊNCIA DECRETADA ANTES DA INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA E DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – MASSA FALIDA – EMENDA DA CDA ANTERIOR À SENTENÇA – FAZENDA PÚBLICA – POSSIBILIDADE

1. O Código Tributário Nacional e a Lei de Execução Fiscal (arts. 203 e 2º, § 8º) deferem à Fazenda Pública a possibilidade de substituição da

Page 179: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������179

certidão da dívida ativa no curso do processo de execução fiscal, para corrigir falhas ou omissões de natureza formal.

2. Ao ter conhecimento da falência da executada, a Fazenda Pública requereu a substituição da CDA original, fazendo constar no documento retificado Massa Falida de Companhia Industrial de Conservas Santa Iria como devedora.

3. A decretação de quebra transfere os direitos e obrigações da empresa para a massa falida, cuja representação cabe ao administrador judicial (arts. 12, III, do CPC e 70, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005). Em sendo assim, a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da ação exe-cutiva em face de empresa já falida constitui irregularidade sanável com arrimo nos arts. 284 do CPC e 2º, § 8º da Lei nº 6.830/1980.

4. Não se justifica a extinção do presente executivo fiscal para que outro seja ajuizado apenas com a retificação de que se trata de massa falida, principalmente considerando que oportunamente (§ 8º do art. 2º da LEF) foi requerida a emenda da CDA, fato que, ressalta-se, não implica modi-ficação do sujeito passivo da obrigação tributária, mas correção de erro formal do qual não decorre ausência de pressuposto de existência da relação processual (art. 267, IV, do CPC).

5. Recurso provido.”

(TRF 2ª R., AC 201051020000665, Des. Fed. Luiz Antonio Soares, 4ª T.Esp., e-DJF2R Data: 18.09.2012, p. 104)

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – FALÊN-CIA – INDICAÇÃO DO DEVEDOR SEM A MENÇÃO À ‘MASSA FALIDA’ – VÍCIO SANÁVEL – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO – POSSIBILIDADE – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA – PROVIMENTO DO APELO

1. [...].

2. Embora tenha sido decretada a falência da empresa devedora Macesa Importação Com. e Representações Ltda. em 10.02.2003, momento ante-rior ao ajuizamento desta execução fiscal, em 16.01.2006, a presente de-manda não deverá ser extinta. Nos termos do entendimento adotado pelo Colendo STJ, o fato de não ter sido incluído ao lado do nome da empresa executada o complemento ‘massa falida’ não gera nulidade nem impõe a extinção do feito por ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que a massa falida não é pessoa diversa da empresa contra a qual foi decretada a falência. Destarte, trata-se de vício sanável, sendo inaplicável a Súmula

Page 180: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

180 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

nº 392/STJ. Precedentes: REsp 1359400/SE, Relª Min. Eliana Calmon, DJe 26.09.2013; REsp 1359041/SE, Rel. Min. Castro Meira, DJe 28.06.2013; REsp 1359273/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Benedito Gonçalves, DJe 14.05.2013.

3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, decidiu, no julga-mento do EREsp 702.232/RS, da relatoria do Ministro Castro Meira, DJ de 26.09.2005, que: ‘i) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente cujo nome não consta na CDA, incumbe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; ii) se a execu-ção fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e, iii) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em face da presunção juris tantum de liquidez e certeza da referida certidão’.

4. Observa-se que as Certidões de Dívida Ativa – CDAs que embasam a execução não indicam o nome da sócia Marta Silvia Caliope Mendes como co-responsável pelas obrigações fiscais da empresa Macesa Impor-tação Com. e Representações Ltda. Destarte, de acordo com mais recente jurisprudência do STJ e deste Tribunal Regional Federal, caberia ao cre-dor comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.

5. [...].

7. Apelação e remessa oficial providas, para anular a sentença recorrida, determinar o prosseguimento da execução em face da sócia Marta Silvia Caliope Mendes, e autorizar que seja efetivada a penhora no rosto dos autos da falência.”

(TRF 5ª R., Processo: 200581000081110, AC 565580/CE, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, 1ª T., Julgamento: 19.12.2013, Publicação: DJe 26.12.2013, p. 7 – grifos nossos)

Sob outro giro, o entendimento dissonante assentava que, após a decretação da falência, quem deveria figurar no polo passivo seria a massa falida, não se admitindo que a alteração da CDA, após ajuizada a execução fiscal, alcançasse o sujeito passivo da obrigação, valendo conferir os seguintes julgados:

Page 181: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������181

“TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – DEFESA – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – LIMITES – MATÉRIAS DE OR-DEM PÚBLICA E PRESCINDIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – SÚMULA Nº 393 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO – CONHECIMENTO EX OFFICIO PELO MAGISTRADO – EMPRESA DEVEDORA COM A FALÊNCIA DECRETA-DA ANTES DA INSCRIÇÃO DO DÉBITO NA DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO OU DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL – LEGITIMIDADE PAS-SIVA DA MASSA FALIDA – PROPOSITURA DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA A PESSOA JURÍDICA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO – NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RE-SOLUÇÃO DO MÉRITO

1. Cabível a análise, a qualquer tempo e grau de jurisdição, de matérias de ordem pública, assim consideradas aquelas que o Juiz pode conhecer de ofício.

2. Após a decretação da falência, quem deve figurar no polo passivo da execução é a massa falida, representada na pessoa do Síndico/Adminis-trador Judicial. Art. 63, XVI, do Decreto-Lei nº 7.661/1945 e art. 22, III, c, da Lei nº 11.101/2005.

3. Hipótese em que existe nos autos documentação hábil a comprovar a data em que ocorreu a decretação da falência da empresa devedora, an-terior à inscrição na Dívida Ativa ou ao ajuizamento da execução fiscal.

4. Equivocada, portanto, a indicação, no título executivo, da firma como devedora, já que, a partir da decretação da falência, o sujeito passivo para a cobrança dos débitos existentes passou a ser a Massa Falida, na pessoa do seu representante legalmente constituído.

5. Existência de vício na CDA que embasa a lide, uma vez que a indica-ção do nome do devedor ocorreu de forma errônea. Art. 202, I, do CTN, e art. 2º, § 5º, I, e § 6º, da Lei nº 6.830/1980.

6. O reconhecimento da nulidade do título executivo e/ou da ilegitimi-dade do devedor indicado no polo passivo da relação tributária é matéria de ordem pública, e, como tal, deve ser conhecida de ofício pelo Juiz.

7. Interposta execução fiscal em face da pessoa jurídica, resta evidencia-da a ilegitimidade do executado, de molde a se configurar a ausência de pressuposto válido de constituição do processo.

8. Ausente pressuposto de constituição válida e regular do processo, ma-téria qualificada como de ordem pública e cognoscível de ofício pelo

Page 182: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

182 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

Magistrado, a qualquer tempo e grau de jurisdição, resta conduzir o feito à proclamação da nulidade processual absoluta e à extinção do mesmo sem resolução do mérito (art. 267, IV e VI, do Código de Processo Civil).

9. Remessa Necessária e Apelação improvida.”

(TRF 5ª R., Ap-Reex 00031733819984058500, Des. Fed. Geraldo Apoliano, 3ª T., DJe Data: 19.02.2013, p. 125)

“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – AJUIZAMENTO APÓS DE-CRETAÇÃO DE FALÊNCIA – ILEGITIMIDADE DA PESSOA JURÍDICA

1. Após decretação da falência, quem deve figurar como executada na ação executiva é a massa falida, na pessoa de seu síndico, conforme pre-conizado no art. 63, XVI, do Decreto-Lei nº 7.661/1945.

2. Hipótese em que a inscrição em Dívida Ativa ocorreu em 20.07.1998, posteriormente, portanto, à falência da empresa, ocorrida em 15.04.1997, restando configurada a ilegitimidade passiva ad causam da pessoa jurí-dica.

3. Apelação improvida.”

(TRF 5ª R., Processo: 199885000004265, AC 519452/SE, Rel. Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo (Convocado), 3ª T., Julgamento: 28.04.2011)

“TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA DA EMPRESA ANTERIORMENTE À INSCRIÇÃO DO DÉBITO FISCAL – SUBSTITUIÇÃO DA CDA – ART. 2º, § 8º DA LEF – IMPOSSIBILIDADE – ELEMENTO SUBSTANCIAL DA RELAÇÃO – ILEGITIMIDADE PASSIVA – EXTINÇÃO DO FEITO

1. O permissivo legal de substituição da CDA abrange somente eventuais erros materiais ou formais, sendo inviável a substituição do pólo passivo da ação, por configurar elemento substancial da CDA e da própria rela-ção processual.

2. Promovida a citação da parte executada, institui-se a relação proces-sual, não sendo possível alterar o polo passivo no curso da demanda, diante da expressa proibição versada pelo art. 264 do CPC.

3. Apelação improvida.”

(TRF 2ª R., AC 200151020065075, Desª Fed. Lana Regueira, 4ª T.Esp., e-DJF2R Data: 07.05.2012, p. 93 – grifos nossos)

Page 183: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������183

No final do ano de 2013, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Jus-tiça, ao julgar o REsp 1.359.237, à unanimidade, decidiu que a empresa devedora era parte ilegítima em execução fiscal ajuizada após a decre-tação da falência, não admitindo que a alteração da CDA, após a pro-positura da execução fiscal, alcançasse o sujeito passivo da obrigação, consoante a ementa a seguir colacionada:

“RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – A FALÊN-CIA DA EMPRESA EXECUTADA FORA DECRETADA ANTES DO AJUI-ZAMENTO DA EXECUÇÃO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA SOCIEDA-DE – ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE FORMALISMO – IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA CDA EM RELAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO – SÚ-MULA Nº 392/STJ – RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. O exercício do direito de ação pressupõe o implemento de três condi-ções, quais sejam: (a) a possibilidade jurídica do pedido; (b) o interesse de agir; e (c) a legitimidade das partes.

2. Não foi preenchido o requisito da legitimidade passiva da parte acio-nada, haja vista que o processo de execução fiscal foi ajuizado contra a empresa devedora, quando deveria ter sido promovida em face da sua Massa Falida, porquanto a sua decretação foi anterior à propositura da execução, e portanto, a Massa Falida é a responsável pelo patrimônio remanescente e dívidas da empresa.

3. A jurisprudência do STJ – inclusive sumulada – não admite que a alte-ração do CDA, após ajuizada a execução fiscal, alcance o sujeito passivo da obrigação: a Fazenda Pública pode substituir a Certidão de Dívida Ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução (Súmula nº 392/STJ).

4. Recurso Especial da Fazenda Nacional a que se nega provimento.”

(STJ, REsp 201202683611, Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª S., DJe Data: 16.09.2013 – grifos nossos)

Tal entendimento, firmado no âmbito da 1ª Seção do STJ, levou, inclusive, esta magistrada a acompanhar a aludida orientação, aplican-do-a no julgamento de apelações cíveis submetidas à apreciação da 3ª Turma Especializada deste Tribunal.

Page 184: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

184 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

Contudo, com a posterior decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.372.243/SE, submetido ao regime dos recursos repetitivos, a questão foi pacificada no sentido de que o ajuizamento da execu-ção contra a pessoa jurídica, mesmo após a decretação de sua falência, constitui mera irregularidade, sanável nos termos do art. 284 do CPC e do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980, consoante a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESEN-TATIVO DA CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – RESOLUÇÃO Nº 8/2008 DO STJ – EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA CONTRA PESSOA JURÍDICA EMPRESARIAL – FALÊNCIA DECRETADA ANTES DA PROPO-SITURA DA AÇÃO EXECUTIVA – CORREÇÃO DO POLO PASSIVO DA DEMANDA E DA CDA – POSSIBILIDADE, A TEOR DO DISPOSTO NOS ARTS. 284 DO CPC E 2º, § 8º, DA LEI Nº 6.830/1980 – HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL – INE-XISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA ORIENTAÇÃO FIXADA PELA SÚMULA Nº 392 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. Na forma dos precedentes deste Superior Tribunal de Justiça, ‘a mera decretação da quebra não implica extinção da personalidade jurídica do estabelecimento empresarial. Ademais, a massa falida tem exclusiva-mente personalidade judiciária, sucedendo a empresa em todos os seus direitos e obrigações. Em consequência, o ajuizamento contra a pessoa jurídica, nessas condições, constitui mera irregularidade, sanável nos ter-mos do art. 284 do CPC e do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980’ (REsp 1.192.210/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 04.02.2011).

2. De fato, por meio da ação falimentar, instaura-se processo judicial de concurso de credores, no qual será realizado o ativo e liquidado o pas-sivo, para, após, confirmados os requisitos estabelecidos pela legislação, promover-se a dissolução da pessoa jurídica, com a extinção da respec-tiva personalidade. A massa falida, como se sabe, não detém personali-dade jurídica, mas personalidade judiciária – isto é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela empresa, ou contra ela, no Poder Judiciário. Nesse sentido: REsp 1.359.041/SE, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., J. 18.06.2013, DJe 28.06.2013; e EDcl-REsp 1.359.259/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 02.05.2013, DJe 07.05.2013.

3. Desse modo, afigura-se equivocada a compreensão segundo a qual a retificação da identificação do polo processual – com o propósito de fa-zer constar a informação de que a parte executada se encontra em estado falimentar – implicaria modificação ou substituição do polo passivo da obrigação fiscal.

Page 185: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������185

4. Por outro lado, atentaria contra os princípios da celeridade e da eco-nomia processual a imediata extinção do feito, sem que se facultasse, previamente, à Fazenda Pública oportunidade para que procedesse às retificações necessárias na petição inicial e na CDA.

5. Nesse sentido, é de se promover a correção da petição inicial, e, igual-mente, da CDA, o que se encontra autorizado, a teor do disposto, respec-tivamente, nos arts. 284 do CPC e 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980.

6. Por fim, cumpre pontuar que o entendimento ora consolidado por esta Primeira Seção não viola a orientação fixada pela Súmula nº 392 do Su-perior Tribunal Justiça, mas tão somente insere o equívoco ora debatido na extensão do que se pode compreender por ‘erro material ou formal’, e não como ‘modificação do sujeito passivo da execução’, expressões essas empregadas pelo referido precedente sumular.

7. Recurso especial provido para, afastada, no caso concreto, a tese de ilegitimidade passiva ad causam, determinar o retorno dos autos ao Juí-zo de origem, a fim de que, facultada à exequente a oportunidade para emendar a inicial, com base no disposto no art. 284 do CPC, dê prosse-guimento ao feito como entender de direito.

Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art. 543-C do CPC e Reso-lução STJ nº 8/2008.”

(REsp 1372243/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Og Fernandes, 1ª S., J. 11.12.2013, DJe 21.03.2014 – grifei)

Assim, diante da consolidação da matéria, em razão do julgamen-to submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC, deve ser provido o recurso, inclusive no que pertine à correção da própria CDA, consoan-te os itens 4 e 5 da ementa acima transcrita, cabendo observar que esta Turma já adotou a orientação superveniente, como podemos observar do seguinte aresto:

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – EMPRESA EXECUTADA – FALÊNCIA ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – MASSA FALIDA – SUBSTITUIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO – CDA – MATÉRIA DIVERGENTE – RECURSO REPETITIVO – CONSOLIDAÇÃO DE ENTENDIMENTO – JUÍZO DE RETRATAÇÃO – EMBARGOS DE DE-CLARAÇÃO – POSSIBILIDADE

1. A decisão impugnada não está em consonância com o julgado do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.372.243/SE, submetido ao regime

Page 186: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

186 ������������������������������������������������������������ RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

dos recursos repetitivos, que, consolidando entendimento, assentou que ‘a mera decretação da quebra não implica extinção da personalidade jurídica do estabelecimento empresarial. Ademais, a massa falida tem exclusivamente personalidade judiciária, sucedendo a empresa em todos os seus direitos e obrigações. Em consequência, o ajuizamento contra a pessoa jurídica, nessas condições, constitui mera irregularidade, sanável nos termos do art. 284 do CPC e do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980’.

2. O julgamento dos embargos de declaração pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial de Tribunal Supe-rior, em atenção aos princípios da economia e celeridade processual, entendimento já adotado pelo STJ para se adequar às orientações fir-madas pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos com repercus-são geral reconhecida (EDcl-EDcl-REsp 1.037.753/SP; EDcl-AgRg-REsp 1.189.255/RS; EDcl-AgRg-REsp 1.239.540/SC).

3. Embargos de declaração conhecidos e providos.”

(TRF 2ª R., Apelação Cível nº 2011.51.18.001056-2, Relª Desª Fed. Cláudia Neiva, 3ª T.Esp., TRF2, J. 24.06.2014, DJe 03.07.2014 – grifos nossos)

Isto posto, conheço e dou provimento à apelação, afastando a ex-tinção da execução fiscal e determinando o retorno à Vara de Origem, a fim de que, facultada à exequente a oportunidade para emendar a inicial e retificar a CDA, com base no disposto no art. 284 do CPC e no art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/1980, dê prosseguimento ao feito.

É como voto.

Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva Desembargadora Federal Relatora

Page 187: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

2669 – Ação de rescisão contratual – financiamento – alienação fiduciária em garantia – avença bancária – competência

“Apelações cíveis e recurso adesivo. Ação de rescisão contratual. Sentença de rescisão do contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia. Avença bancá-ria. Incompetência desta câmara civil para análise do feito. Competência manifesta das câmaras de direito comercial, conforme o art. 3º, do Ato Regimental nº 57/2002. Prevenção desta câmara que não se sobrepõe à competência ratione materiae. Re-messa dos autos à redistribuição. Não conhecimento dos recursos. ‘A teor do art. 3º, parte final, do Ato Regimental nº 57/2002, compete às Câmaras de Direito Comercial o “julgamento de feitos relacionados com o Direito Bancário, o Direito Empresarial, o Direito Cambiário e o Direito Falimentar, bem como para os recursos envolvendo questões processuais relativas às matérias acima”’ (AC 2015.049105-6, da Capital, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, J. em 25.08.2015).” (TJSC – AC 2014.039591-9 – Rel. Des. Subst. Gerson Cherem II – DJe 14.12.2015)

2670 – Ação de revisão de contrato bancário – arrendamento mercantil – aplicação do CDC – juros remuneratórios – prova – ausência

“Apelação cível. Ação de revisão de contrato bancário. Ação de revisão de contrato bancário. Contrato de arrendamento mercantil. Aplicação do CDC. Juros remunerató-rios e capitalização de juros. Ausência de prova da cobrança tarifa de cadastro. Tarifa de registro. Tarifa de serviços de terceiros. Tarifa de inclusão de gravame eletrônico. Seguro de proteção financeira. Devolução em dobro. Descabimento. O entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante é no sentido de que se aplica aos contratos bancários o Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de arrendamento mer-cantil, não há de se falar em abusividade dos juros e demais componentes do preço, a não ser que prova idônea evidencie discrepância entre a quantia utilizada pela ar-rendadora para adquirir o bem e o montante a ser pago pelo arrendatário. Consoante nova orientação exarada pelo STJ em recurso repetitivo, legal a cobrança da Tarifa de Cadastro, a qual se encontra expressamente autorizada pela Resolução Bacen nº 3919 de 25.11.2010, desde que prevista no contrato pactuado pelas partes, e quando não demonstrada qualquer vantagem exagerada extraída por parte da instituição financeira advinda da cobrança desta tarifa. Configura-se iníqua a cláusula que prevê a cobrança de registro do contrato, já que não corresponde à remuneração de nenhum serviço prestado pela financeira. Configura-se iníqua a cláusula que prevê a cobrança da tarifa denominada ‘serviço de terceiros’, tendo em vista que não corresponde à remuneração de nenhum serviço prestado pela instituição financeira. Configura-se iníqua a cláusula que prevê a cobrança da tarifa denominada ‘inclusão de gravame eletrônico’, uma vez que não corresponde à remuneração de nenhum serviço prestado pela instituição financeira. Para que seja reconhecida a existência de venda casada, mostra-se necessá-ria a prova do condicionamento da contratação do arrendamento à contratação do se-guro. A sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumi-dor, devolução em dobro da quantia, somente tem aplicação quando há dolo ou culpa por parte do credor, o que não se aplica quando este cobrou taxas que se encontravam previstas em contrato. Havendo incidência de encargos ilegais, devida a compensação

Page 188: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

188 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

de valores, nos termos do art. 368 do Código Civil, bem como a repetição do indébito simples dos valores indevidamente cobrados, sob pena de enriquecimento sem causa do credor. V.V.: Caracteriza-se venda casada o condicionamento da pactuação do contrato bancário à contratação do seguro de proteção financeira ou prestamista, se impondo a declaração da nulidade da sua cobrança, por ser referida prática expres-samente vedada pelo art. 39, I, do CDC (Des. Valdez Leite Machado).” (TJMG – AC 1.0024.14.046173-2/001 – 14ª C.Cív. – Rel. Valdez Leite Machado – DJe 16.12.2015)

2671 – Ação monitória – relação comercial – competência

“Apelação. Ação monitória. Notas fiscais. Relação comercial. Direito empresarial. Competência das câmaras de direito comercial para a apreciação da matéria. Redistri-buição do feito para o órgão julgador competente. Versando o litígio sobre a constitui-ção de título executivo judicial consubstanciado em notas fiscais emitidas no âmbito de uma relação comercial de compra e venda de materiais para construção, deve o recurso interposto ser apreciado por uma das Câmaras de Direito Comercial, consoan-te o disposto no art. 3º, caput, do Ato Regimental nº 57/2002 deste Tribunal de Justiça.” (TJSC – AC 2015.050734-2 – Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior – DJe 14.12.2015)

2672 – Ação monitória – título executivo – possibilidade do credor

“Agravo regimental no recurso especial. Ação monitória lastreada em título executivo. 1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via executiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 2. Recurso improvido. 1. O entendimento adotado pelo Tribu-nal de origem encontra ressonância na jurisprudência pacífica das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte de Justiça, que reputa possível ao credor, detentor de título executivo, valer-se, a seu critério, da via executiva ou da via monitória, desde que não propicie prejuízo à defesa do devedor. Convergente o entendimento adota-do pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 2. Agravo improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.508.197 – (2014/0340624-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental intentado contra a decisão monocrática proferida por este subscritor que negou seguimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA LASTREADA EM TÍTULO EXECUTIVO.

1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via executiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

2. Recurso especial a que se nega seguimento.”

Nas razões do presente agravo regimental, a insurgente reiterou a tese de carência da ação por inadequação da via eleita, ao argumento de que o credor, munido de título exe-

Page 189: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������189

cutivo, não possui interesse para ajuizar ação monitória, devendo-se, por consectário, extingui-la, sem julgamento de mérito.

O STJ negou provimento ao presente agravo regimental.

O relator assim considerou:

“E, in casu, ante a adoção do procedimento monitório pelo credor, ensejando, natu-ralmente, maior amplitude das matérias de defesa, em tese, a serem aventadas pelo devedor, não ocorrendo qualquer prejuízo a sua defesa.”

Convergente o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:

“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Perrot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do deve-dor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’.

No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na construção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório.

Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de ace-lerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.

A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossibilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilata-ção da prudência judicial.

Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitó-rio e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimen-to semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais provas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova, não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’.

Page 190: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

190 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficien-te que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.

Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da apa-rência, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corresponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de probabilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.

Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessa-riamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de probabilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de proce-dência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com)

2673 – Ação revisional – contrato bancário – julgamento – cerceamento de defesa – inocorrência

“Apelação cível. Ação revisional. Contrato bancário. Julgamento citra petita. Cercea-mento de defesa. Inocorrência. Preliminares rejeitadas. Capitalização mensal de juros. Possibilidade. Comissão de permanência. Legalidade. Consignação. Critérios. Não há que se falar em julgamento citra petita quando as peças inaugurais e de contestação delimitaram, efetivamente, a sentença prolatada. Sendo a pretensão da parte apelante a revisão de contrato bancário com questionamento de encargos específicos, o eventual excesso e o valor da consequente restituição podem ser apurados em liquidação, pelo que desnecessária a prova pericial na fase de conhecimento. É permitida a capitaliza-ção mensal de juros nos contratos celebrados, com instituições financeiras, após da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, desde que avençada. É legal a cobran-ça, se pactuada, de comissão de permanência, em período de inadimplemento, cal-culada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil – limitada, contudo, à soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – e desde que não cumulada com juros remuneratórios, moratórios, correção monetária e multa. Inteligência dos Enunciados nºs 30, 296 e 472 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça – conforme disposto no art. 285-B, caput e §§ 1º e 2º, do CPC – introduzidos pela Lei nº 12.810/2013. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o devedor haverá de efetuar o pagamento, no tempo e no modo avençados, da parte dita incontroversa das obri-

Page 191: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������191

gações previstas no contrato.” (TJMG – AC 1.0024.10.243040-2/001 – 9ª C.Cív. – Rel. Márcio Idalmo Santos Miranda – DJe 18.12.2015)

2674 – Ação revisional de contrato – tarifa de emissão de carnê – afastamento

“Apelação cível. Ação revisional de contrato. Arrendamento mercantil. Tarifa de Emis-são de Carnê (TEC). Afastamento. Possibilidade de cobrança apenas nos contratos fir-mados sob a égide da Resolução nº 2.303/1996. Entendimento exarado pelo julgamen-to dos REsp 1.251.331/RS e 1.255.573/RS. Sentença mantida. Recurso de apelação cível conhecido e não provido.” (TJPR – AC 1434708-5 – 16ª C.Cív. – Relª Desª Maria Mercis Gomes Aniceto – DJe 14.12.2015)

2675 – Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil – capitalização de ju-ros – previsão contratual – ausência

“Direito processual civil. Apelação cível. Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil. Questionamento acerca da capitalização mensal de juros. Ausência de pre-visão contratual. Inviabilidade. 1. No leasing, ao contrário do que ocorre na operação de financiamento de veículo, na qual há a liberação de numerário para a sua aquisição, mediante a cobrança de juros, o que há é o arrendamento do bem, com a opção de compra pelo arrendatário ao final, recebendo a instituição arrendante, em contrapar-tida, remuneração periódica prefixada, na qual estão embutidos, em regra, parcela do capital despendido na aquisição do bem, lucro, depreciação, valor residual garantido e taxa de administração. 2. Sendo assim, não estando a incidência de juros remunerató-rios expressamente especificada no contrato, como é o caso dos autos, não há como se saber se há efetiva cobrança de juros, muito menos qual a taxa pactuada e a sua forma de cálculo (simples ou capitalizada), a impossibilitar a revisão do contrato quanto à essa questão, pois não se pode julgar por hipótese. 3. Não obstante as Súmulas nºs 30, 296 e 472 do STJ vedem a cobrança da comissão de permanência cumulada com juros remuneratórios, moratórios, comissão de permanência e multa contratual, na espécie, a cláusula 26 do contrato em revisão, que trata dos efeitos da mora, não prevê a sua incidência, a tornar insubsistente a pretensão do recorrente de afastá-la do pacto em comento. 4. Apelo conhecido e desprovido.” (TJCE – Ap 0902258-93.2012.8.06.0001 – Rel. Tereze Neumann Duarte Chaves – DJe 15.12.2015)

2676 – Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil – revisão do contrato – possibilidade

“Apelação cível. Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil. Possibilidade da revisão de contrato findo. Aplicabilidade do CDC. Juros remuneratórios. No caso concreto, como o contrato não estipula a taxa de juros na composição do preço do arrendamento mercantil, que se traduz no valor da contraprestação e do valor residual garantido, mostra-se descabida a pretensão de limitar os juros remuneratórios, nota-damente, sem a comprovação cabal da discrepância entre a quantia utilizada pela arrendadora para adquirir o bem e o montante a ser pago pelo arrendatário. Capitali-zação de juros. Descabida a pretensão do arrendatário de vedar a capitalização, uma

Page 192: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

192 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

vez que não demonstrada a incidência de juros remuneratórios no caso dos autos. Legalidade da comissão de permanência à taxa média dos juros de mercado apurada pelo Bacen, limitada à soma de encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, multa moratória ou correção monetária. Tarifa de abertura de crédito, tarifa de emissão de carnê e IOF. REsp 1.251.331/RS. Previsão contratual. Cabimento somente nos contratos anteriores a 30.04.2008. Circular Bacen nº 3.371/2007. Inexistência de previsão contratual acerca dos serviços de terceiros. Repetição de indébito na forma simples. Súmula nº 159, do STF. Mora contratual configurada. Descabimento das disposições de ofício. Cabimen-to da compensação da verba honorária. Apelos parcialmente providos, por maioria.” (TJRS – AC 70067333203 – 13ª C.Cív. – Rel. Breno Pereira da Costa Vasconcellos – J. 10.12.2015)

2677 – Arrendamento mercantil – capitalização de juros – tarifa de abertura de crédi-to – CDC – aplicação

“Apelação cível. Revisional de contrato. Arrendamento mercantil. Recurso de ambas as partes. Dialeticidade em parcela do recurso. Cerceamento de defesa. Capitalização de juros. Tarifas de Abertura de Crédito (TAC) e de Emissão de Carnê (TEC). Encargos mo-ratórios. Repetição do indébito. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Tarifa de serviços de terceiros. 1. No que se refere à parcela dos pedidos, mais especifica-mente a: (a) descaracterização do contrato; (b) da adequação dos juros remuneratórios; (c) da possibilidade de limitação dos juros em favor da defesa do consumidor final; (d) da aplicação da taxa Selic; bem como (e) do afastamento da mora; constata-se que a Apelante não apresentou, nas razões de seu inconformismo, fundamentação capaz de confrontar diretamente a motivação da decisão recorrida para evidenciar a necessi-dade de sua reforma, padecendo o recurso de regularidade formal, não sendo passível de conhecimento. 2. Não deve ser conhecido o recurso no que se refere à inversão do ônus da prova, em razão de que a sentença foi favorável ao Apelante neste aspecto. 3. Não pode ser expurgada a cobrança de juros capitalizados quando está expressa-mente pactuada no contrato, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1251331 e 1255573, julgados pelo rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. 4. A cobrança das Tarifas de Emissão de Carnê e de Abertura de Crédito nos contratos celebrados até o dia 30.04.2008 é legal, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1251331 e 1255573, julgados pelo rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. 5. Conforme a orientação apresentada no REsp.1.058.114/RS – Julgado sob as regras do art. 543-C, do Código de Processo Civil, deve ser mantida a cobrança de: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultra-passar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC. 6. A restituição em dobro requer a prova inequívoca da má-fé de quem cobrou indevidamente, o que não demonstrou o consumidor nos autos, de modo que não aplicável a regra da repetição em dobro na hipótese. 7. Por se tratar de relação de consumo, impõe-se a observância ao que dispõe o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, sendo plenamente cabível a

Page 193: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������193

revisão do contrato celebrado entre as partes. 8. Em que pese haja estipulação expres-sa de cobrança de serviços de terceiros, sua cobrança é abusiva, pois a ausência de informação sobre sua utilidade viola o Código de Defesa do Consumidor. 9. Apelação Cível interposta pelo Consumidor conhecida parcialmente e, nesta parte, desprovida. 10. Apelação Cível interposta pela Instituição Financeira conhecida parcialmente e, nesta parte, desprovida.” (TJPR – AC 1288411-4 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Marcelo Gobbo Dalla Dea – DJe 11.12.2015)

2678 – Arrendamento mercantil – cláusula de variação cambial – desnecessidade de prova de captação de moeda no exterior – precedentes

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil e bancário. Ar-rendamento mercantil. Cláusula de variação cambial. Utilização do dólar americano como índice de correção. Desnecessidade de prova de captação de moeda no exterior. Precedentes. Agravo não provido. 1. Foi firmado o entendimento na jurisprudência desta Corte Superior de que a lei não exige que se faça prova de captação no exterior, porque seria uma condição materialmente difícil de se produzir, já que a internacio-nalização do dinheiro é feita por um montante, do qual vão sendo extraídas quantias a serem utilizadas em cada operação particular nos contratos de arrendamento. Por essas razões, dispensou-se a formalidade de exigência da comprovação de captação do dinheiro no exterior para que se utilize a variação do dólar americano com índice de correção nos contratos de arrendamento mercantil (leasing). 2. Assim, passou esta Corte a considerar despicienda, em casos como o presente, a exigência da prova de utilização de recursos oriundos do exterior para cada contrato. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 540.257 – (2014/0158837-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.12.2015)

2679 – Arrendamento mercantil – instituição financeira – capitalização de juros – co-missão de permanência

“Revisão de contrato. Arrendamento mercantil. Instituição financeira. Capitalização de juros. Comissão de permanência. O contrato de arrendamento mercantil é um contrato complexo, que envolve financiamento, locação e possível compra e venda, sendo ce-lebrado entre a pessoa interessada no bem, que o indica à financeira, para que esta o adquira e venha a arrendá-lo, com a opção de compra ao final de determinado prazo. Não é vedada a capitalização de juros pelas instituições financeiras, em contratos fir-mados após a Medida Provisória nº 1.963-17, de 30 de março de 2000. É admitida a co-brança exclusiva da comissão de permanência prevista contratualmente, no período de inadimplência, desde que, limitada à taxa média, não ultrapasse a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato.” (TJMG – AC 1.0024.09.678671-0/004 – 14ª C.Cív. – Relª Evangelina Castilho Duarte – DJe 18.12.2015)

2680 – Arrendamento mercantil – leasing – legitimidade ativa – competência

“Agravo em apelação cível. Direito tributário. Ação anulatória de débito fiscal. ISS leasing (arrendamento mercantil). Legitimidade ativa. Competência. Fato gerador.

Page 194: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

194 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

1. No REsp 1060210/SC, apreciado sob o regime do art. 543-C do CPC, restaram de-finidas as questões atinentes à competência para a cobrança do ISS, à definição do sujeito ativo da relação tributária e ao local da ocorrência do fato gerador. E já fo-ram julgados os dois embargos de declaração interpostos contra tal Recurso Especial (ambos desacolhidos), lembrando, ainda, que, para fins de aplicação do art. 543-C do CPC, é desnecessário que o Recurso Especial representativo de matéria repetitiva tenha transitado em julgado e que a pendência de julgamento no STF não impede sua aplicação (AgRg-REsp 1432087/MG). Portanto, é, sim, plenamente possível a imediata aplicação de tal entendimento, como, aliás, tem procedido o STJ. 2. Considerando que o endereço em que efetivada a citação localiza-se em São Paulo (SP), mesma cidade in-dicada nos atos constitutivos da empresa como endereço da devedora; considerando, ainda, que não há demais informações nos autos indicativas da existência, no municí-pio demandado, de unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento, no caso, a competência para a cobrança do ISS não é do Município de Cachoeirinha (RS), porque não foi não foi em tal local que ocorreu o fato gerador do ISS leasing (arrendamento mercantil) e restou, de fato, perfectibilizado o financiamento. Constatada a ausência de relação jurídico-tributária entre as partes e a consequente ilegitimidade ativa para a cobrança do tributo, é de rigor a desconstituição do Auto de Lançamento. Agravo desprovido.” (TJRS – Ag 70066919275 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – J. 16.12.2015)

2681 – Cédula de crédito bancário – taxa de liquidação antecipada – indevida cláusula nula – honorários advocatícios – minoração

“Apelação cível. Ação ordinária. Cédula de crédito bancário. Taxa de liquidação ante-cipada. Indevida. Cláusula nula. Honorários advocatícios. Minoração. ‘Fica vedada às instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro’. A qualquer tempo é assegurado o direito do devedor quitar total ou parcialmente o contrato com a redução dos valores devidos. O art. 52, § 2º do Código de Defesa do consumidor preceitua que, é assegurado ao con-sumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos – se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas – os honorários advocatícios arbitrados com adequação não devem ser minorados.” (TJMG – AC 1.0672.11.024810-7/002 – 12ª C.Cív. – Rel. José Flávio de Almeida – DJe 17.12.2015)

2682 – Certidões negativas tributárias – Junta Comercial – exigência

“Recurso especial. Civil e empresarial. Junta Comercial. Exigência de certidão negativa tributária. Antinomia jurídica de segundo grau. Conflito entre o critério cronológico e o da especialidade. Hipótese de prevalência do critério cronológico. Prevalência da livre iniciativa. 1. Exigência, por Junta Comercial, de certidões negativas tributárias

Page 195: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������195

como condição para o arquivamento de ato de transformação de sociedade simples em sociedade empresária. 2. Antinomia jurídica entre a Lei nº 8.934/1994, ao regular o registro público de empresas mercantis e atividades afins, e leis tributárias específicas anteriores. 3. Possibilidade de aplicação do critério cronológico ou do critério da espe-cialidade, caracterizando um conflito qualificado como ‘antinomia de segundo grau’. 4. Prevalência excepcional do critério cronológico. Precedente da Terceira Turma. 5. Derrogação tácita dos dispositivos de leis tributárias anteriores que condicionavam o ato de arquivamento na Junta Comercial à apresentação de certidão negativa de débitos. 6. Interpretação condizente com o princípio constitucional da livre iniciativa. 7. Recurso especial provido, em parte.” (STJ – REsp 1.393.724 – (2013/0222763-2) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 04.12.2015)

2683 – Consumidor – contrato de arrendamento mercantil – tarifa – cláusulas abusi-vas – ilegalidade

“Juizado especial cível. Direito do consumidor. Contrato de arrendamento mercantil. Preliminar. Revelia da recorrida. Rejeitada. Tarifas de cadastro, registro de contrato, ressarcimento de despesas de terceiros. Tarifa de serviços bancários. Valores que aten-dem ao interesse exclusivo do banco sem correspondência com qualquer serviço pres-tado pela instituição. Cláusulas abusivas. Ilegalidade da cobrança. Restituição devida de forma simples. Recurso conhecido e provido em parte. 1. Preliminar de revelia da empresa recorrida. Os documentos se tratam de cópias, contudo não se alegou que tipo falso existiria neles. Tratava-se de irregularidade que deveria ser observada pelo il. Presidente da audiência, porque a ré se fez presente, inclusive a parte contrária levan-tou tal questão e não houve decisão naquele momento sobre o questionamento. Cabia ao magistrado determinar à ré sanar a irregularidade. Preliminar rejeitada. 2. Prejudi-cial de Mérito. Prescrição. O pagamento indevido (art. 876 do CC) não se confunde com enriquecimento sem causa (art. 884 do CC). Para a repetição do indébito o prazo é de 10 anos, tal como definido no art. 205 do Código Civil. É indevido o pagamento de tarifas bancárias que não sejam amparadas pelo ordenamento jurídico, assim como aquelas consideradas abusivas. O contrato foi celebrado em novembro/2011. Prescri-ção que se afasta adentrando no exame do mérito, em face de a causa estar madura (art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil). 5. Tarifa de cadastro. Não obstante a validade, em tese, da cláusula que autoriza a cobrança da tarifa de cadastro, a abusivi-dade pode ser constatada no exame da situação concreta. A instituição financeira não pode utilizar-se desta abertura normativa para auferir vantagem exagerada, incompatí-vel com os serviços prestados sob esta rubrica, em face do que dispõe o art. 51, inciso IV, § 1º, do CDC. No caso, cobrou-se da parte autora o valor de R$ 550,00 quando se cobrava apenas R$ 20,00 por consulta no site do Serasa. Dessa forma, patente a vantagem exagerada e, por tanto, a ilegalidade da cobrança do valor total. 6. Tarifa de inclusão de gravame. A despesa com registro de gravame é ínsita aos contratos com garantia real, o que se supõe estar incluída nos custos operacionais dos serviços, e, portanto, já repassados ao consumidor. Desta feita, conclui-se pela ilegalidade da cobrança. 7. A Tarifa de Registro do Contrato, Tarifa de Avaliação do bem e a deno-minada ‘ressarcimento por serviços de terceiros’ não constam do rol da Resolução do

Page 196: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

196 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Banco Central. São tarifas e despesas administrativas que também não se apresentam claras quanto ao alcance de sua estipulação e tem por objeto a cobertura de eventuais despesas operacionais típicas da própria atividade bancária/financeira, as quais devem ser suportadas pela instituição que presta o serviço de forma remunerada. Cobrança ilegal. Restituição devida. 8. A cobrança da taxa de emissão de boleto caracteriza cláusula abusiva, tornando o contrato excessivamente oneroso para o consumidor, em flagrante violação às normas insertas nos arts. 39, inciso V, e 51, § 1º, incisos I e III, do Código de Defesa do Consumidor. 9. O pedido de restituição do indébito em dobro não deve prosperar, isto em razão de o que o STJ já ter decidido sobre o assunto, que se dá de forma simples. 10. Recurso conhecido e provido em parte.” (TJDFT – Proc. 20140410115722 – (912206) – 2ª T.R.J.E. Distrito Federal – Rel. Juiz Arnaldo Corrêa Silva – DJe 17.12.2015)

2684 – Consumidor – propaganda enganosa – pacote de viagem – indenização – im-possibilidade

“Prestação de serviços. Pacote de viagem. Ação de indenização por danos morais. Demanda de consumidora em face de agência de viagens. Sentença de improcedên-cia. Manutenção do julgado. Necessidade. Alegação de que a autora foi ludibriada em razão de propaganda enganosa veiculada em jornal de grande circulação, que anunciou pacote de viagem em valor não adotado posteriormente pela ré. Arguição de que a expectativa de viagem não realizada lhe ocasionou severo abalo psicológico. Inconsistência fática e jurídica. Pacote de viagem anunciado em reportagem de jornal, ou anúncio publicitário, contendo preço mínimo que não pode vincular juridicamente a ré. Cruzeiros marítimos que, como é de conhecimento público, podem variar de preço, e muito, dependendo do roteiro, da classe turística e de serviços diferenciados disponibilizados. Inexistência de propaganda oficial e enganosa. Inexistência de ato ilícito a causar abalo moral à autora. Indenização não devida.” (TJSP – AC 1012533-62.2014.8.26.008 – 4ª Vara Cível – Rel. Marcos Ramos – J. 25.11.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO referido acórdão trata de recurso de apelação interposto nos autos da ação de indeni-zação por danos morais, fundada em contrato de compra e venda de pacote de viagem.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida e condenou a au-tora no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade judiciária.

Aduziu a autora que o julgado merece integral reforma sob alegação, em apertada sínte-se, de que, conforme se comprova pelos documentos juntados com a inicial, foi ludibria-da pela propaganda enganosa veiculada, que lhe causou imenso abalo moral.

Acresce que a relação entre as partes é de consumo e, por consequência, deve a ré ser condenada ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.

A expectativa da viagem não realizada em razão da propaganda enganosa lhe causou sério abalo moral, motivo pela qual pleiteou por provimento jurisdicional no sentido de ser indenizada pelos prejuízos sofridos a tal título.

A magistrada, ao analisar os autos, observou que não assiste razão à ré ao afirmar que não se tratava de propaganda oficial, uma vez que a documentação acostada nos autos,

Page 197: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������197

demonstra que o valor do pacote foi anunciado em uma reportagem do jornal, no suple-mento denominado “Folha Turismo”, em que o periódico sugeria a seus leitores diversos pacotes de viagem para o Réveillon.

Mencionou a magistrada que os pacotes de viagem oferecidos pelas agências e ope-radoras de turismo podem variar de preço, e muito, dependendo do roteiro, tipo de acomodação, classe turística e serviços diferenciados, do que decorre que o anúncio publicitário, de costume feito pelo preço mínimo, não pode automaticamente vincular a empresa, de maneira indistinta.

Significa dizer que o leitor do anúncio não ostenta direito de exigir o preço que ali consta, mas sim de negociar pessoalmente com a agência ou operadora de turismo e, aí sim, entabular a contratação que melhor lhe aprouver do ponto de vista custo-benefício.

Entendeu, portanto, a magistrada, que não houve, dessa forma, propaganda enganosa ou cometimento de ato ilícito por parte da ré, a ensejar sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Diante do exposto, o TJSP negou provimento ao apelo.

2685 – Contrato bancário – ação monitória – empréstimo à pessoa jurídica – CDC – aplicação – mora contratual – configuração

“Processual civil. Ação monitória. Contrato bancário. Empréstimo à pessoa jurídica. Aplicação do CDC. Mora contratual. Configurada. Restituição em dobro do que foi pago a maior. Indevida. 1. O Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor-CDC é aplicável às instituições financeiras, por existir relação de consumo em relação aos respectivos clientes, Súmula nº 297/STJ. A intervenção do Estado no regramento contratual privado somente se justifica quando existirem cláusulas abusivas no contrato bancário de adesão. 2. O réu utilizou o limite de crédito disponibilizado pelo banco e permaneceu com o saldo da conta bancária negativo por aproximadamente uma década – sem questionar, na via administrativa, as tarifas cobradas e os débitos autorizados lançados diretamente em sua conta, somente pedindo em juízo, ao ser demandado, o estorno desses valores. Assim, não cabe afastar a respectiva inadimplência sob a alegação de que esta teria origem na cobrança de valores/encargos excessivos e indevidos. 3. O contrato de Cheque Azul Empresarial previa legitimamente na cláusula quarta a cobrança de tarifa na contratação de limite de crédito e a mesma medida em cada prorrogação automática do cheque especial. 4. As tarifas bancárias ‘ACAT/DEVOL’ e ‘TAR EXCESS’ são cobradas de acordo com as normas do Banco Central do Brasil. A primeira refere-se ao acatamento e devolução de cheques e a segunda ao excesso do limite de crédito que foi disponibilizado ao clien-te, sendo, portanto, considerados legais os aludidos procedimentos. Precedente deste Tribunal. 5. O CDC, em seu art. 42, parágrafo único, prevê a restituição em dobro do que foi cobrado indevidamente e pago pelo consumidor, mas ressalva a hipótese de engano justificável – circunstância verificada nos autos. 6. Alguns encargos cobrados na fase de inadimplência, embora previstos contratualmente, foram afastados na sen-tença, com base em entendimento jurisprudencial firmado no STJ, configurando, as-sim, engano justificável e ausência de má-fé. Além disso, os devedores não pagaram o valor cobrado pela credora, o que ensejou o ajuizamento da presente ação monitória.

Page 198: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

198 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

7. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 2002.38.00.051683-7/MG – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 17.12.2015)

2686 – Contrato bancário – ação revisional – juros remuneratórios – limitação – abu-sividade

“Agravo regimental. Contrato bancário. Ação revisional. Juros remuneratórios. Limita-ção. Abusividade da taxa contratada em relação à taxa média de mercado. 1. Cons-tatada a abusividade dos juros remuneratórios, é possível sua limitação à taxa média de mercado estabelecida pelo Bacen (Recurso Especial Repetitivo nº 1.112.879/PR). 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 718.341 – (2015/0125179-9) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 14.12.2015)

2687 – Contrato bancário – tarifa de cadastro – inovação

“Agravo regimental no recurso especial. Contrato bancário. Tarifa de cadastro. Inova-ção recursal. 1. A questão referente à inaplicabilidade do Código de Defesa do Consu-midor aos contratos de câmbio não comporta análise, porquanto foi suscitada apenas nas razões do regimental, caracterizando inovação recursal. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.353.877 – (2011/0179966-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 09.12.2015)

2688 – Contrato de arrendamento mercantil – cláusula contratual – ausência

“Apelação cível. Revisional de contrato de arrendamento mercantil. Sentença de par-cial procedência. Insurgência da instituição financeira. Juros moratórios. Limitação a 1% ao mês. Tarifas bancárias. Cobrança não admitida. Seguro de proteção financeira. Abusividade reconhecida. Ausência de cláusula contratual explicitando a origem, for-mação e destinação do montante cobrado a título de ‘serviços de terceiros’. Ilegalidade e abusividade. Repetição de indébito. Permissão na forma simples. Verba honorária. Compensação vedada de ofício. Ônus sucumbenciais. Manutenção. Recurso conhe-cido e desprovido.” (TJSC – AC 2015.087737-3 – Rel. Des. Lédio Rosa de Andrade – DJe 18.12.2015)

2689 – Contrato de arrendamento mercantil – fraude – alegação – não comprovação

“Apelação cível. Indenizatória. Contrato de arrendamento mercantil. Alegação de frau-de contratual. Não comprovação. Sentença julgada improcedente. Recurso conhecido e desprovido.” (TJPR – AC 1270796-7 – 9ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Horácio Ribas Teixeira – DJe 18.12.2015)

2690 – Contrato de arrendamento mercantil – veículo automotor – ação de reintegra-ção de posse – purgação da mora – impossibilidade

“Civil. Contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor. Ação de reintegra-ção de posse. Purgação da mora anterior à Lei nº 13.043/2014. Art. 401, I, Código Civil. Possibilidade. Precedentes. 1. Jurisprudência consolidada no sentido da possibilidade

Page 199: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������199

de purgação da mora do devedor em contrato de arrendamento mercantil, a despeito da ausência de previsão na Lei nº 6.099/1974, haja vista a regra geral do Código Ci-vil e do Código de Defesa do Consumidor. 2. Impossibilidade de purgação da mora mediante o oferecimento apenas das prestações vencidas, nos contratos de alienação fiduciária em garantia, após a alteração efetuada no art. 3º do Decreto-Lei nº 911/1969 pela Lei nº 10.931/2004 (REsp. 1418593/MS, Recurso Repetitivo, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 2ª S., DJe 27.05.2014). 3. A restrição introduzida no art. 3º do Decreto-Lei nº 911/1969 pela Lei nº 10.931/2004, pertinente ao contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, é regra de direito excepcional, insusceptível a apli-cação analógica a outros tipos de contrato. 4. Reconhecimento de que até a inclusão do § 15 no art. 3º do Decreto-Lei nº 911/1969, em 14.11.2014 (Lei nº 13.043/2014), a norma que disciplinava a purgação da mora no contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor era a do art. 401, I, do Código Civil. A partir dessa data, contudo, não é mais permitida a purgação da mora também neste tipo de contrato, conforme norma específica. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ – REsp 1.381.832 – (2013/0133721-3) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 24.11.2015)

2691 – Contrato de câmbio – protesto extrajudicial – obrigada – exigibilidade – neces-sidade

“Contrato de câmbio e protesto extrajudicial. Recurso especial. Omissão, contradi-ção ou obscuridade. Inexistência. A Lei nº 4.278/1965 estabelece a necessidade de protesto do contrato de câmbio para que constitua instrumento hábil à execução. Os tabeliães de serventias extrajudiciais são dotados de fé pública, devendo velar pela autenticidade, publicidade e segurança dos atos e negócios jurídicos, em atividades submetidas ao controle das corregedorias de justiça. O protesto do contrato de câmbio é formalidade que não cria direito, e a exigibilidade da obrigação prescinde do ato cartorário. Apontadas nulidades, no tocante à intimação do protesto, realizada, com autonomia, por cartório de protesto, têm por base tão somente ilações, sem nenhu-ma demonstração nos autos, mediante a indicação de elemento de prova acerca da sua ocorrência. Ademais, o instrumento de protesto é suficiente à execução, devendo eventuais danos comprovados oriundos de vícios de atos a cargo do cartório serem reparados pelo tabelião. Outrossim, não se pode simplesmente declarar a nulidade de ato praticado, com registro em livro próprio, sem a devida retificação (averbação), e sem que nem mesmo integre o tabelião o polo passivo. 1. O art. 75, caput, da Lei nº 4.278/1965 dispõe que o contrato de câmbio, desde que protestado por oficial com-petente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva. É dizer, deve o exequente instruir a execução com o instrumento de protes-to – que lhe é entregue pelo tabelião, após o cumprimento de todas as formalidades para efetivação do ato solene do protesto extrajudicial (art. 22 da Lei nº 9.492/1997) e seu respectivo registro em livro próprio. 2. Nessa linha de intelecção, o art. 1º, c/c o art. 5º, III, ambos da Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), estabelece que os serviços de protesto são destinados a assegurar a publicidade, autenticidade e eficácia dos atos jurídicos, consagrando o princípio da oficialidade, o qual informa que os atos das serventias extrajudiciais são oficiais, realizados por agente público a quem o Estado delega serviços, que gozam de presunção legal de veracidade – por isso, não pode ser elidida mediante simples ilações da parte. Isso porque os agentes públicos de ser-ventias extrajudiciais são dotados de fé pública, tendo atribuição legal de proceder às

Page 200: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

200 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

atividades delegadas pelo Estado, submetidas ao controle das Corregedorias de justiça, que devem ser bem desempenhadas, consoante os princípios que regem a adminis-tração pública. 3. Com efeito, embora, em linha de princípio, seja possível infirmar a veracidade de certidão emitida por tabelião, é necessária a demonstração por parte do interessado da ausência de higidez do ato, mediante apresentação ou indicação de elemento de prova idôneo a afastar a presunção legal (iuris tantum). 4. Não havendo má-fé do exequente (pois a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza), como o protesto é mera formalidade exigida pela lei – não criando direito novo, pois a exigibi-lidade da obrigação independe do ato, e há ampla autonomia do tabelião, além do que aquele que aponta o título a protesto não tem nenhuma ingerência sobre as atividades privativas cartorárias. 5. Ademais, é bem de ver que os serviços dos cartórios extrajudi-ciais têm por escopo desempenhar a publicidade e eficácia de atos jurídicos previstos nas leis civis e mercantis, por isso compreende modalidade de administração pública do direito e de interesses privados, tendo o duplo escopo de proteger e assegurar in-teresses distintos, o social e o privado. O interesse ali verificado transborda a esfera dos indivíduos diretamente envolvidos (RODRIGUES, Marcelo. Tratado de registros públicos e direito notarial. São Paulo: Atlas, 2014. p. 10, 13 e 14). 6. Dessarte, não se pode simplesmente declarar a nulidade de ato praticado, com registro em livro próprio, sem a devida retificação (averbação). É dizer, é demanda que depende da integração do tabelião ao polo passivo e a necessária intervenção do Ministério Público como custos legis – Inclusive, para que tenha ciência formal acerca de eventuais ilegalidades/improbidades cometidas, no âmbito da serventia, ou mesmo por parte de quem apon-tou o documento a protesto, visto que, v.g., consoante disposto no art. 15, § 2º, da Lei nº 9.492/1997, aquele que fornecer endereço incorreto, agindo de má-fé, responderá por perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções civis, administrativas ou penais. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.181.930 – (2010/0032820-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 24.11.2015)

2692 – Contrato de câmbio – recuperação judicial – efeitos – Súmula nº 83 do STJ – aplicação

“Agravo regimental no recurso especial. Empresarial. Adiantamento de contrato de câmbio. ACC. Crédito não submetido aos efeitos da recuperação judicial. Inteligência do § 4º do art. 49 da LRF. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. Agravo improvido. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o crédito resultante de adianta-mento de contrato de câmbio não se submete aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101/2005. 2. Se a parte agravante não apresenta argumentos hábeis a infirmar os fundamentos da decisão regimentalmente agravada, deve ela ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.444.410 – (2011/0266426-7) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 13.11.2015)

2693 – Contrato de distribuição de bebidas – ação indenizatória – conduta abusiva da fabricante – reconhecimento

“Recurso especial. Direito empresarial. Contrato de distribuição de bebidas. Ação in-denizatória movida pelos antigos sócios da distribuidora. Conduta abusiva da fabri-

Page 201: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������201

cante reconhecida pela corte de origem com apoio na prova dos autos. Ausência de impugnação. Discussão acerca da ampla e geral quitação. Irrelevância. Pedido inde-nizatório formulado pelos sócios em razão da conduta reprovável por parte da de-mandada durante o relacionamento negocial. Danos identificados que não exigiriam a produção de outras provas. Cerceamento. Inviabilidade de identificação. Súmula nº 7/STJ. 1. Demanda proposta pelos antigos sócios de empresa distribuidora de be-bidas contra a empresa fabricante, alegando-se a ocorrência de abuso de direito ao longo da execução do contrato de distribuição. 2. Legitimidade ativa e passiva das par-tes reconhecida pelas instâncias de origem, em face dos fatos controvertidos. Súmula nº 7/STJ. 3. Reconhecimento pelas instâncias de origem (sentença e acórdão recorrido) do abuso de direito alegado. Ausência de impugnação dessa questão. 4. Ineficácia da quitação concedida pela empresa distribuidora em relação a pretensão de seus antigos sócios de serem indenizados pelos prejuízos pessoalmente suportados com o abuso de direito. 5. Pedido de indenização, em valor fixo, decorrente da frustração da venda de suas quotas sociais. Transação que não se implementou por ato imputado à empresa demandada. Desnecessidade de realização de prova pericial. Inocorrência de cercea-mento de defesa. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.537.898 – (2013/0138782-7) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 14.12.2015)

2694 – Contrato de transporte de cargas – ação de resolução contratual – precedentes

“Apelação cível. Ação de resolução contratual. Contrato de transporte de cargas fir-mado entre empresas. Causa que versa sobre questões de direito empresarial. Incom-petência das câmaras de direito civil. Precedentes. Redistribuição dos autos para a câ-mara especializada. Recurso não conhecido. ‘Nos termos do art. 3º do Ato Regimental nº 57/2002 – TJSC, é das Câmaras de Direito Comercial a competência para julgar fei-tos envolvendo contrato de transporte rodoviário de cargas, mormente em que a causa de pedir esteja fundada em parceria comercial entre empresas’ (TJSC, Apelação Cível nº 2014.011549-0, de Joinville, Rel. Des. Monteiro Rocha, J. 19.02.2015).” (TJSC – AC 2015.086093-8 – Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato – DJe 18.12.2015)

2695 – Defesa do consumidor – ação civil pública – cartão de crédito – cláusulas con-tratuais – abusividade

“Direito do consumidor e direito processual civil. Ação civil pública. Cartão de crédito. Cláusulas contratuais. Abusividade. Limite territorial da sentença. Prejudicialidade par-cial do recurso especial. 1. Celebrado acordo parcial entre o recorrente e o recorrido, fica prejudicado o recurso especial em relação às questões objeto do ajuste. 2. Violação do art. 535 do CPC não configurada, tendo em vista que o Tribunal de origem, com funda-mentos específicos, embora sucintos, enfrentou expressamente as questões pertinentes às despesas decorrentes da cobrança extrajudicial e à abrangência dos efeitos da sentença em âmbito nacional. 3. É válida, com base no art. 956 do CC/1916 (art. 395 do CC/2002), a cláusula contratual que prevê, como uma das consequências da mora do consumidor, o pagamento das despesas decorrentes da cobrança extrajudicial, suportadas pela cre-dora. No caso concreto, é válido o percentual limitador de tal cobrança, impondo-se

Page 202: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

202 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

conferir, em cláusula contratual, igual direito ao consumidor. 4. Matéria pertinente à extensão da eficácia subjetiva da sentença coletiva julgada prejudicada. Por maioria. 5. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 748.242 – (2005/0073315-1) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 18.12.2015 – p. 3520)

2696 – Direito do consumidor – plano de saúde – negativa de cobertura – Súmula nº 454 do STF – incidência

“Direito do consumidor. Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Plano de saúde. Negativa de cobertura. Matéria infraconstitucional. Reapreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos. Súmula nº 279/STF. Reexame de cláusulas contratuais. Súmula nº 454/STF. Ofensa ao art. 93, IX, da Constituição. Não caracterização. Danos material e moral. Responsabilidade civil. Ausência de matéria constitucional. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inexistên-cia de repercussão geral da controvérsia relativa à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (Tema 660, ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). 2. A solução da controvérsia demanda a análise de matéria infraconstitucional, uma nova reapreciação dos fatos e do material probatório constantes dos autos (Súmula nº 279/STF), bem como o reexame das cláusulas do contrato entabulado pelas partes demandantes (Súmula nº 454/STF), procedimentos inviáveis em recurso extraordinário. 3. A decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. 4. O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 697.312-RG, Rel. Min. Presidente, decidiu pela ausência de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional, da questão concernente à responsabilidade civil por danos morais e materiais decorrentes da negativa de cobertura por parte de operadora de plano de saúde (Tema 611). 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AgRg-RE-Ag 915.346 – Minas Gerais – 1ª T. – Rel. Min. Roberto Barroso – J. 24.11.2015)

2697 – Execução – cédula de produto rural – exceção de pré-executividade – reexame de provas – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execução. Cédula de produto ru-ral. Exceção de pré-executividade. Reexame de provas. Impossibilidade. Omissão não verificada. Fundamentação adequada. 1. Não há falar em negativa de prestação juris-dicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag--REsp 151.870 – (2012/0042841-3) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 27.10.2015 – p. 776)

2698 – Execução – desconsideração da personalidade jurídica – excesso – juros mora-tórios – cabimento

“Processo civil e direito civil. Recurso especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Excesso de execução. Juros moratórios. Cabimento da exceção de pré-exe-

Page 203: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������203

cutividade. Prescrição da pretensão de execução de verba honorária de sucumbência. Violação do art. 535 do CPC. Fixação de honorários em exceção de pré-executividade. Não ocorrência de vício de citação. 1. A pretensão de reformar o julgado não se coa-duna com as hipóteses de omissão, contradição, obscuridade ou erro material contidos no art. 535 do CPC, razão pela qual inviável o seu exame em sede de embargos de declaração. 2. Esta Corte Superior, primando pela celeridade e economia processuais, vem mitigando o rigorismo do prequestionamento em situações excepcionais para, su-perado o juízo de admissibilidade, ampliar a extensão do efeito devolutivo, de forma a aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da Súmula nº 456 do STF. Precedentes. 3. A exceção de pré-executividade é instrumento processual adequado para demonstrar a nulidade do título executivo no ponto em que utilizado errôneo índice de juros de mora, bastando que seja possível ao órgão julgador aferir de plano o referido erro, o que ocorreu no caso concreto. Precedentes. 4. A prescrição relativa à pretensão de cobrança de honorários de sucumbência é quinquenal, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.906/1994 (EOAB), que prevê, como termo a quo da contagem desse prazo, o trânsito em julgado da decisão que fixar a verba. Preceden-tes. 5. O parcial acolhimento do incidente de exceção de pré-executividade, desde que resultando na extinção parcial da execução, rende ensejo à condenação na verba honorária proporcionalmente à parcela excluída do feito executivo. Precedentes. 6. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. Precedentes. 7. Ademais, o comparecimento espontâneo do re-querido supre a eventual ausência de citação (art. 214, § 1º, do CPC), máxime quando inexiste prejuízo, uma vez que o recorrente apresentou exceção de pré-executividade, que foi devidamente apreciada pelo órgão jurisdicional. Consoante cediço, não se anula ato processual cujo vício formal não impede seja atingida a sua finalidade. Pre-cedentes. 8. Da clara redação do art. 82 da Lei nº 11.101/2005 é possível inferir que a norma se refere à apuração, no juízo da falência, da responsabilidade pessoal dos sócios e administradores da própria empresa falida, e não de outras empresas que guardem com aquela alguma relação de controle. 9. Nos termos do art. 50 do CC, o decreto de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade somente pode atingir o patrimônio dos sócios e administradores que dela se utilizaram indevi-damente, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. 10. É de curial importância reiterar que, principalmente nas sociedades anônimas, impera a regra de que apenas os administradores da companhia e seu acionista controlador podem ser responsabilizados pelos atos de gestão e pela utilização abusiva do poder; sendo certo, ainda, que a responsabilização deste último exige prova robusta de que esse acionista use efetivamente o seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar os órgãos da companhia. 11. No caso, o recorrente retirou-se da administração da sociedade em 1984 e dos quadros sociais em 1985, ou seja, 4 ou 5 anos antes dos fatos geradores do decreto de desconsideração. A decisão é de 2009, vale dizer, 24 anos após sua saída da Cobrasol, ressoando inequívoca, a meu juízo, a impossibilidade de que a supressão da personalidade jurídica da aludida empresa possa atingir seu patrimônio. 12. Outros-

Page 204: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

204 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

sim, verifica-se que não foi nem mesmo demonstrada a prática de atos fraudulentos por parte do recorrente, haja vista não ter o Tribunal a quo especificado quais as provas que embasaram a sua convicção nesse sentido, limitando-se a crer, de forma subjetiva, que o ex-sócio controlava a referida sociedade de forma indireta. 13. Recurso especial de Solano Lima Pinheiro e outro não provido. Recurso especial de Naji Robert Nahas provido.” (STJ – REsp 1.412.997 – (2013/0107445-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEOriginalmente uma empresa distribuidora de títulos e valores mobiliários em liquidação extrajudicial ajuizou demanda em face de Cobrasol Cia. Brasileira de Óleos e Derivados, objetivando cobrança de valores oriundos de operação de venda de ações cumulada com perdas e danos.

Sobreveio sentença de procedência do pedido formulado na demanda principal e impro-cedência da reconvenção.

O Tribunal estadual negou provimento à apelação, em acórdão assim ementado:

“PROCESSO – Intimação, por carta, a ser feita na pessoa de advogado da parte e que tem domicílio em comarca fora do território do Estado. Aplicação do disposto no art. 273, II do CPC. Agravo retido não provido. COMPRA E VENDA – Ações. Negócio entre comissária e corretora. Ausência de pagamento do preço e venda das ações. Pos-sibilidade. Autorização que integra o negócio em virtude de Instrução da CVM. Falta de entrega de numerário pela comitente à comissária, reforçando a possibilidade de venda. Recurso improvido. INDENIZAÇÃO – Prejuízo alegado pela inexistência de entrega de numerário pela comitente à comissária, levando à sua liquidação extrajudicial e falência. Fato não negado. Concessão correta. Recurso improvido.”

A maior acionista da Massa Falida de Dinâmica S.A. Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários – requereu, nessa qualidade, o reconhecimento de sua legitimidade para prosseguimento na presente demanda e, por conseguinte, o início da fase de liquidação por arbitramento das perdas e danos, assim também o cumprimento da parte líquida da sentença.

O Juízo singular determinou o prosseguimento da execução.

Foi apresentada exceção de pré-executividade, na qual a sociedade Cobrasol Companhia de Óleos e Derivados suscitou a prescrição relativa à pretensão de execução da sentença prolatada em ação indenizatória

A exceção foi rejeitada, porquanto verificada a não ocorrência da prescrição, o que foi confirmado em sede de recurso especial (REsp 1.222.423/SP).

Em seguida, o Juízo determinou a desconsideração da personalidade jurídica da socie-dade Cobrasol para atingir os bens de seu ex-sócio, Naji Nahas, e das sócias Massa Falida de Selecta Comércio e Indústria S.A. e SIP Internacional de Participações S.A. Contra tal decisão foi interposto recurso especial (REsp 1.358.432/SP), que será objeto de julgamento em conjunto com o presente.

O Tribunal estadual deu parcial provimento ao recurso, consoante se dessume da se-guinte ementa:

“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Desconsideração da personalidade jurídica, para estender a responsabilidade a ex-sócio, ora agravante. Inocorrência de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o terceiro responsável ingressou espontaneamente dos autos e pode livremente deduzir todos os seus argumentos, apre-ciados pelo Juízo a quo e por este Tribunal de Justiça. Possibilidade de aplicação da

Page 205: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������205

desconsideração da personalidade jurídica, diante das circunstâncias do caso concreto, não elididas pelo recorrente, ao menos nesta exceção de pré-executividade. Pretensão executória da sucumbência coberta pela prescrição, nos termos do art. 25 do Estatuto do Advogado. Juros moratórios legais, cobrados em excesso, incidindo a taxa de 12% ao ano somente a contar da vigência do novo Código Civil. Recurso provido em parte.”

Nas razões do recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo constitu-cional, o recorrente alegou violação dos seguintes:

a) art. 214 do CPC, haja vista a falta de citação e a inobservância do princípio da ampla defesa e do contraditório, os quais devem ser respeitados previamente ao decreto de desconsideração, mormente no caso, em que tal medida extrema ocorreu 17 anos após o ingresso da ação e 24 anos depois da sua retirada do quadro societário da empresa;

b) arts. 128, 460 e 468 do CPC, porquanto o acórdão recorrido reconhece o equívoco na decisão que sustentou que o recorrente era administrador da Cobrasol, mas, simul-taneamente, o considera culpado pelo não pagamento do débito exequendo em razão de ruinosas operações especulativas na bolsa, o que não constou de nenhuma decisão anterior, extrapolando os limites da lide e do pedido;

c) art. 82 da Lei de Falências, em razão da falência da empresa Selecta, uma das sócias da Cobrasol, o que implica a necessidade de apuração da responsabilidade dos sócios e controladores no juízo da falência;

d) arts. 50 e 1.003, parágrafo único, do CC, uma vez que o recorrente não era diretor presidente, acionista ou administrador da Cobrasol à época dos fatos narrados na inicial (junho de 1989), nem do ajuizamento da ação (janeiro de 1991), tendo-se retirado da administração em 11.07.1984 e do quadro acionário em 29.03.1985;

e) art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, porquanto o valor fixado a título de honorários – R$ 15.000,00 – pode ser considerado ínfimo, haja vista que corresponde a 0,25% do excesso de execução extirpado (R$ 3,5 milhões), mais os juros de mora, também no valor de R$ 3,5 milhões, totalizando uma redução do valor exequendo de R$ 7 milhões.

Por seu turno, outro recorrente e outro intentaram, também, seu recurso especial, viola-ção dos seguintes dispositivos legais:

a) art. 535 do CPC, uma vez que o Tribunal não se pronunciou acerca da questão da preclusão da matéria relativa à prescrição da pretensão de cobrança da verba honorária, que foi objeto de decisão em exceção e agravo de instrumento anteriores; omitindo-se também em relação à impossibilidade de conhecimento da exceção de pré-executivida-de em virtude da necessidade de dilação probatória, temas suscitados na contraminuta ao agravo;

b) art. 475-J, § 1º c/c art. 475-L do CPC, porquanto as matérias alegadas em exceção somente poderiam ter sido suscitadas em sede de impugnação em virtude da patente necessidade de produção de provas tendentes a verificar a correção dos cálculos, tanto que o pedido alternativo foi de remessa dos autos à contadoria do Juízo;

c) art. 475-L, § 2º, do CPC, ante o equivocado acolhimento do pedido de excesso de execução decorrente da suposta cobrança a maior de juros moratórios, uma vez que cabia ao executado apresentar o cálculo do valor que entendia devido, sob pena de rejeição liminar de sua impugnação, ou seja, nem mesmo a impugnação poderia ter sido julgada procedente;

d) arts. 471 e 473 do CPC, em virtude de o ponto relativo à prescrição da cobrança da verba honorária ter sido amplamente discutido em agravo de instrumento, no qual foi reconhecida a sua não ocorrência, ocasionando, portanto, a preclusão do tema;

e) arts. 205 do CC e 25, II, do EOAB, em virtude da não ocorrência da prescrição da pretensão de cobrança da verba honorária, mormente tendo em vista que art. 25, II, do

Page 206: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

206 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

referido estatuto se aplica à hipótese de execução de honorários entre o patrono e seu constituinte com base em contrato de honorários e não aos honorários sucumbenciais;

f) art. 21, parágrafo único, do CPC, uma vez que, embora reconhecendo a sua su-cumbência mínima, condenou-lhe ao pagamento de verba honorária, olvidando-se que a jurisprudência do STJ somente admite tal providência na hipótese de extinção da execução.

Foram apresentadas contrarrazões apenas ao primeiro recurso.

Ambos os recursos obtiveram crivo negativo de admissibilidade na instância a quo tendo ascendido a esta Corte por força do provimento do agravo.

Ante o falecimento do recorrido em 31.07.2013, requerem os recorrentes a reautuação dos autos para que conste no polo passivo do recurso o espólio de Solano Lima Pinheiro, bem como a juntada de documentos e a habilitação dos herdeiros necessários, tendo em vista a ausência de inventário.

Houve parecer do Ministério Público opinando pelo não provimento dos recursos es-peciais.

O STJ negou provimento ao recurso especial de Solano Lima Pinheiro e dou provimento ao recurso de Naji Nahas para afastar os efeitos do decreto de desconsideração do seu patrimônio, invertidos, quanto a ele, os ônus sucumbenciais.

Conforme lições de Alex Moisés Tedesco, a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil assim esclarece:

“O novo Código Civil após vários anos de discussões no Congresso Nacional foi instituído pela Lei nº 10.406/2002, com um período de vacatio legis de um ano, trazendo no seu bojo alguns institutos antes não previstos e reclamados pela doutrina, a disregard doctrine é um exemplo desta previsão legislativa inovadora.

Tal previsão prevista no art. 50, do novo CC, é de grande relevância para que o aplicador do Direito tenha segurança para desconsiderar a pessoa jurídica, pois a previsão em le-gal desta possibilidade acaba com algumas dúvidas científicas acerca da sua aplicação, já que introduz uma ampla positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no nosso ordenamento jurídico.”

Neste sentido, é importante estudar-se o projeto do novo CC que tratava do tema em discussão, cuja redação original do art. 50, in verbis:

“‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis, res-ponderão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração.’

A redação acima recebeu severas críticas por parte da doutrina, já que o artigo prevê a dissolução da sociedade, algo não contemplado pela disregard doctrine, que simples-mente ignora a pessoa jurídica para o caso concreto, não havendo a extinção da pessoa jurídica. O citado artigo previa uma hipótese de despersonalização da sociedade, ou seja, extinção da pessoa jurídica, e não de desconsideração, em que a pessoa jurídica é desprezada somente para o caso concreto, permanecendo intocada em relação aos demais negócios da sociedade.

Outra crítica que pode ser feita é a participação do MP em qualquer caso de desconsi-deração, já que, pelo Texto Constitucional, este órgão tem competência para atuar nas causas de interesse público e, na grande maioria dos casos em que é desconsiderada a pessoa jurídica, há um mero interesse individual das partes envolvidas, uma mera relação entre credor e devedor.

Page 207: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������207

Estes aspectos foram melhorados na atual redação do art. 50, que possui o seguinte co-mando normativo: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo des-vio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os defeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.

O texto acima citado revela claramente a intenção de incorporar-se a disregard doctrine no ordenamento jurídico material, sendo notável o avanço neste sentido. Contudo, ape-sar de ter-se adequado a participação do MP, para atuar somente quando realmente possuir interesse, o dispositivo possui algumas falhas.

O pressuposto abuso da personalidade jurídica está em consonância com a concepção doutrinária subjetivista da teoria da penetração. Elogiável também é a menção do desvio de finalidade que pode ser considerado como a premissa maior da disregard doctrine, inclusive tendo sido o motivo determinante da construção da mesma.

Quanto à confusão patrimonial, a que se refere o art. 50, pode-se perceber a intenção do relator do projeto do Código Civil de encampar, também, a concepção objetiva da teoria da desconsideração, que não exige a prova de que o agente agiu com má-fé ocultando--se sob o manto da pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação. Como já mencionado anteriormente, fórmulas aritméticas, como a confusão patrimonial, não revelam por si só um abuso no uso da personalidade jurídica, pois, o fato de um sócio ser o detentor principal do capital social não revela, a priori, que esse tencione ocultar-se sob a pessoa jurídica, já que o simples insucesso nos negócios, tornando a sociedade insolvente, não autoriza a responsabilização do sócio, por maior que seja sua participação no capital social.

Outra questão a ser enfrentada é a da restrição no alcance da aplicação do dispositivo, já que esse prevê somente a extensão dos efeitos de algumas obrigações aos bens da pessoa física, não prevendo a extensão diretamente à pessoa do sócio, para caracterizar--se uma atividade pessoal dele, sendo executada em nome da sociedade.

Um exemplo disto seria o caso de uma pessoa física assumir uma obrigação de não fazer e constituir uma sociedade em que seja o seu controlador e principal detentor do capital social, sendo que a pessoa jurídica passa a exercer a atividade não permitida contratualmente ao sócio. É flagrante a intenção de usar a pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação contratual, havendo um abuso da pessoa jurídica e o desvio de finalidade dessa. Contudo, desconsiderando-se a personalidade jurídica, a atividade exercida pela sociedade seria imputada diretamente ao sócio, ou seja, haveria a extensão dos efeitos de algumas relações à pessoa física e, não aos bens da mesma, como preconiza o citado art. 50.

A previsão da superação da pessoa jurídica no novo CC não contempla a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, para poder-se responsabilizar o sócio por descumprir uma obrigação que não seja de cunho patrimonial, pois o citado artigo prevê somente a extensão de alguns efeitos estritamente aos bens do sócio e não diretamente a esse, para considerá-lo como praticante dos atos a ele vedados e, como consequência, considerá-lo como descumpridor dos termos contratuais.” (Desconsideração da persona-lidade jurídica no Novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

2699 – Execução – título extrajudicial – substituição de penhora – títulos e valores mobiliários – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execução. Título extrajudicial. Substituição de penhora. Títulos e valores mobiliários. Impossibilidade. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. Omissão inexistente. Circunstâncias fáticas. Impossibilidade de revi-

Page 208: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

208 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

são. Súmula nº 7/STJ. Deficiência. Fundamentação recursal. Súmulas nºs 283 e 284/STF. 1. Não viola o art. 535 do CPC o acórdão que motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hi-pótese. 2. Há deficiência na fundamentação recursal quando, além de ser incapaz de evidenciar a violação do dispositivo legal invocado, as razões apresentam-se disso-ciadas dos motivos esposados pelo tribunal de origem. Incidem, nesse particular, por analogia, os rigores das Súmulas nºs 283 e 284/STF. 3. Se as conclusões da Corte de origem resultam da estrita análise das provas carreadas aos autos e das circunstâncias fáticas que permearam a demanda, não há como rever o posicionamento em virtude da aplicação da Súmula nº 7/STJ. 4. Impossibilidade jurídica de se equiparar às cotas de fundos de investimento a dinheiro em aplicação financeira. Violação do art. 655, inciso I, do CPC afastada. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 679.676 – (2015/0056173-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 27.10.2015 – p. 829)

2700 – Falência – ação declaratória – extinção das obrigações do falido – possibili-dade

“Recurso especial. Empresarial. Falência. Ação declaratória de extinção das obrigações do falido (DL 7.661/1945, art. 135, III). Decurso do prazo prescricional de cinco anos. Trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Ausência de prática de crime falimentar. Prova de quitação dos tributos fiscais (CTN, arts. 187 e 191). Recurso parcialmente provido. 1. A declaração de extinção das obrigações do falido poderá referir-se somente às obrigações que foram habilitadas ou consideradas no processo falimentar, não tendo, nessa hipótese, o falido a necessidade de apresentar a quitação dos créditos fiscais para conseguir o reconhecimento da extinção daquelas suas obri-gações, em menor extensão, sem repercussão no campo tributário. 2. Sendo o art. 187 do Código Tributário Nacional – CTN taxativo ao dispor que a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento, e não prevendo o CTN ser a falência uma das causas de suspensão da prescrição do crédito tributário (art. 151), não há como se deixar de inferir que o crédito fiscal não se sujeita aos efeitos da falência. 3. Desse modo, o pedido de extinção das obrigações do falido poderá ser deferido: ‘I – em maior abrangência, quando satisfeitos os requisitos da Lei Falimentar e também os do art. 191 do CTN, mediante a “prova de quitação de todos os tributos”; ou II – em menor extensão, quando atendidos apenas os requisitos da Lei Falimentar, mas sem a prova de quitação de todos os tributos, caso em que as obrigações tri-butárias não serão alcançadas pelo deferimento do pedido de extinção’. 4. Recurso especial parcialmente provido para julgar procedente o pedido de extinção das obriga-ções do falido, em menor extensão, sem repercussão no campo tributário.” (STJ – REsp 834.932 – (2006/0053594-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 29.10.2015)

2701 – Falência – protesto – prazo – distinção entre protesto cambial e protesto fali-mentar – tempestividade

“Recurso especial. Falência. Protesto. Prazo. Distinção entre protesto cambial e protes-to falimentar. Tempestividade do protesto falimentar no caso. 1. Controvérsia acerca da tempestividade do protesto de cheque para fins falimentares realizado antes da

Page 209: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������209

prescrição da ação cambial. 2. Distinção entre protesto cambial facultativo e obrigató-rio. Precedente desta Turma. 3. Distinção entre protesto cambial e protesto falimentar. Doutrina sobre o tema. 4. Hipótese em que o protesto era facultativo do ponto de vista cambial, mas obrigatório do ponto de vista falimentar. 5. Tempestividade do protesto tirado contra o emitente do cheque e realizado antes do decurso do prazo de prescri-ção da ação cambial. 6. Descabimento da extinção do pedido de falência. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.249.866 – (2011/0089808-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 27.10.2015 – p. 854)

2702 – Juros – capitalização mensal – pactuação expressa – verificação – taxa anual

“Agravo regimental no recurso especial. Processual civil e bancário. Capitalização mensal de juros. Pactuação expressa. Verificação. Taxa anual supera o duodécuplo da taxa mensal. Grau de sucumbência. Análise nesta instância. Inviabilidade. Apura-ção em liquidação. Provimento negado. 1. Com relação à capitalização mensal dos juros, a jurisprudência desta eg. Corte pacificou-se no sentido de que sua cobrança é admitida nos contratos bancários celebrados a partir da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, qual seja, 31.03.2000, desde que expressamente pactuada. 2. Esta Corte pacificou o entendimento de que há previsão expressa de cobrança de juros capitalizados em periodicidade mensal quando a taxa de juros anual ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal. 3. Em caso de sucumbência recíproca, impõe-se a compensação dos honorários advocatícios e custas processuais, na proporção em que vencidas as partes (CPC, art. 21), cuja apuração será realizada em liquidação, dada a inviabilidade de análise nesta instância. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.557.040 – (2015/0228746-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 18.12.2015 – p. 3566)

2703 – Juros remuneratórios – contrato de arrendamento mercantil – revisão – possi-bilidade

“Apelação cível. Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil. Possibilidade da revisão de contrato findo. Aplicabilidade do CDC. Juros remuneratórios. No caso concreto, como o contrato não estipula a taxa de juros na composição do preço do arrendamento mercantil, que se traduz no valor da contraprestação e do valor residual garantido, mostra-se descabida a pretensão de limitar os juros remuneratórios, nota-damente, sem a comprovação cabal da discrepância entre a quantia utilizada pela arrendadora para adquirir o bem e o montante a ser pago pelo arrendatário. Capitali-zação de juros. Descabida a pretensão do arrendatário de vedar a capitalização, uma vez que não demonstrada a incidência de juros remuneratórios no caso dos autos. Legalidade da comissão de permanência à taxa média dos juros de mercado apurada pelo Bacen, limitada à soma de encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, multa moratória ou correção monetária. Tarifa de abertura de crédito, tarifa de emissão de carnê e IOF. REsp 1.251.331/RS. Previsão contratual. Cabimento somente nos contratos anteriores a 30.04.2008. Circular Bacen nº 3.371/2007. Inexistência de previsão contratual acerca

Page 210: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

210 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

dos serviços de terceiros. Repetição de indébito na forma simples. Súmula nº 159 do STF. Mora contratual configurada. Descabimento das disposições de ofício. Cabimen-to da compensação da verba honorária. Apelos parcialmente providos, por maioria.” (TJRS – AC 70067333203 – 13ª C.Cív. – Rel. Breno Pereira da Costa Vasconcellos – J. 10.12.2015)

2704 – Multa – astreintes e juros de mora – dano moral – valor da indenização

“Agravo regimental em agravo em recurso especial. 1. Astreintes e juros de mora. Fun-damentos da decisão de inadmissibilidade não atacados. Art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. Não conhecimento do reclamo. 2. Dano moral. Valor da indenização. Exorbitância não verificada. Redução. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso improvido. 1. É dever da agravante combater especificamente todos os fundamentos da decisão agravada, demonstrando o desacerto do decisum que negou seguimento ao recurso especial, nos termos do que preconiza o art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. 2. É cediço o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que ‘a revisão de indenização por danos morais só é viável em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo’ (AgRg-AREsp 453.912/MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 25.08.2014), sob pena de incidência do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte, desproporcionalidade esta que não se constata na hipótese, visto que foi fixada a indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) com base nas peculiaridades da espécie. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 751.515 – (2015/0182579-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto por OI S.A. contra a decisão monocrática as-sim ementada:

“Agravo em recurso especial. 1. Astreintes e juros de mora. Fundamentos da decisão de inadmissibilidade não atacados. Art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil. Não conhecimento do reclamo, no ponto. 2. Dano moral. Valor da indenização. Exorbitância não verificada. Redução. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, improvido.”

Em suas razões, sustentou a agravante que “nas decisões acostadas aos autos e que serviram de paradigma no recurso especial interposto pela ora Agravante, o posiciona-mento deste Colendo Superior Tribunal de Justiça tem sido o de afastar a devolução em dobro determinada pelos juízos a quo, tendo como objetivo evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento da outra, observando estritamente o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade”, enfatizando não ser caso de incidência do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte.

Buscou, assim, seja provido o presente recurso.

O STJ negou provimento ao presente agravo regimental.

O relator observou que:

“Consoante asseverado na decisão agravada, no que concerne aos juros de mora e às astreintes, extrai-se da decisão de admissibilidade que o julgador entendeu que a aná-lise dos temas encontra óbice, respectivamente, nos Enunciados nºs 7 e 83 da Súmula

Page 211: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������211

do Superior Tribunal de Justiça. No agravo, todavia, a agravante não infirmou os referi-dos fundamentos de inadmissão do recurso especial, detendo-se a atacar a motivação declinada para a negativa de seguimento do recurso quanto à quantia arbitrada a título de danos morais.”

De Plácido e Silva assim define astreintes:

“Vocábulo de origem francesa, sem tradução para o vernáculo, indica, na técnica pro-cessual civil, a pena pecuniária nas execuções. É a medida cominatória de constrição contra devedor de obrigação de fazer ou não fazer, cujo valor diário, fixado pelo juiz na sentença executada, que durará enquanto permanecer a inadimplência.” (Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 90)

Humberto Theodoro Júnior, conceituando astreintes como sendo a multa como meio de coação, assim assevera:

“A imposição bem como a exigibilidade da multa pressupõem ser factível o cumprimento da obrigação em sua forma originária. Comprovada a impossibilidade da realização da prestação in natura, mesmo por culpa do devedor, não terá mais cabimento a exigência da multa coercitiva. Sua finalidade não é, na verdade, punir, mas basicamente obter a prestação específica. Se isso é inviável, tem o credor de contentar-se com o equivalente econômico (perdas e danos). No entanto, se essa inviabilidade foi superveniente à im-posição da multa diária, a vigência da medida prevalecerá até o momento do fato que impossibilitou a prestação originária. A revogação da multa, por outro lado, torna-se cabível, tanto por impossibilidade objetiva da prestação (o fato devido tornou-se mate-rialmente inexequível), como por impossibilidade subjetiva do devedor (este caiu, por exemplo em insolvência).” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 159)

A natureza jurídica de astreintes é coativa e não indenizatória, sendo a sua fixação em multa diária até que seja cumprida a obrigação.

2705 – Propriedade industrial – concorrência desleal – palavras-chave – desvincula-ção – caracterização

“Propriedade industrial. Concorrência desleal. Pretensão de tutela antecipada, no sen-tido de impor à ré a desvinculação de palavras-chave relacionadas à marca ‘decolar.com’ do serviço de divulgação Google Adwords por ela contratado, a abstenção do uso de expressões que remetam à referida marca em seu nome de domínio na internet e a retirada de elementos visuais de seu site que possam dar ensejo à confusão com o site da coautora Decolar.com. Denegação em Primeiro Grau. Comparecimento espon-tâneo da ré, confirmando do uso do nome da marca concedida às autoras nos serviços de divulgação de seu site. Indevido desvio de clientela, a partir da confusão entre consumidores. Art. 195, IV, da Lei nº 9.279/1996. Caracterização, à primeira vista, de concorrência desleal, conforme entendimento adotado pelas C. Câmaras Reservadas de Direito Empresarial. Utilização do vocábulo ‘decola’ no nome de um dos domínios da ré que também restou confirmado. Inadmissibilidade. Provável desvio de clientela e confusão entre consumidores. Risco de dano às autoras. Presentes os requisitos para a concessão, nesses pontos, da tutela antecipada requerida. Ausência, por outro lado, de prova inequívoca acerca da alegada usurpação, pela ré, de elementos visuais do site da coautora Decolar.com. Decisão reformada em parte, com a concessão parcial

Page 212: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

212 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

do provimento antecipatório requerido. Agravo de instrumento das autoras parcial-mente provido.” (TJSP – AI 2248161-04.2015.8.26.0000 – 2ª C. – Rel. Fabio Taboas – J. 16.12.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de agravo interposto contra demanda condenatória em obri-gações de fazer e não fazer cumulada com pedido indenizatório, fundada em alegada concorrência desleal.

Foi acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo o pedido de um site de venda de via-gens para determinar que empresa concorrente desvincule palavras-chave relacionadas ao nome da marca da autora do serviço de divulgação “Google Adwards”.

A empresa autora alegava que o fato caracterizava concorrência desleal, uma vez que, quando o internauta procurava o nome de seu site na ferramenta da busca, a concor-rente aparecia entre os resultados. Afirmava que a utilização dos vocábulos no “Google Adwords” teria o intuito de induzir os consumidores a erro.

O relator, mencionou em seu voto, que a ré confirmou a utilização dos termos no serviço de divulgação de seu negócio, com clara alusão à marca da autora.

O art. 195, IV, da Lei nº 9.279/1996, que trata da Propriedade Industrial, assim prevê:

“Comete crime de concorrência desleal quem:

I – pública, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confu-são entre os produtos ou estabelecimentos;”

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Tal entendimento foi pacificado pelas C. Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste E. Tribunal, valendo-se ressaltar, além dos casos trazidos pelas agravantes em suas razões recursais (fls. 17/18 deste instrumento), recentíssimo precedente, em caso em tudo assemelhado ao presente: ‘Agravo de instrumento. Direito Comercial/Empresa-rial. Concorrência desleal. Ação de obrigação de não fazer (abstenção do uso) cumulada com pedido de indenização. Serviço, conhecido como “Google Adwords”, contratado para divulgar negócio. Utilização de marca alheia em pesquisa. Possibilidade de desvio de clientela. Cabimento de tutela antecipada. Agravo a que se nega provimento.’ (Agravo de Instrumento nº 2111819-83.2015.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Pereira Calças, J. 12.08.2015)

Dessa forma, confirmada pela própria ré-agravada a utilização dos termos ‘decolar’ e ‘decolar.com’ no serviço de divulgação de seu negócio, com clara alusão à marca das au-toras-agravantes, e tendo em vista o risco de dano grave, consubstanciado pela alta pro-babilidade de desvio indevido de clientela, a partir da confusão entre os consumidores, mostra-se de rigor a concessão de provimento antecipatório voltado à determinação da imediata desvinculação de referidas palavras do serviço de divulgação Google Adwords por ela contratado.

As agravantes pleiteiam, por outro lado, a concessão de tutela antecipada para impedir que a agravada utilize o vocábulo ‘decola’ e suas variáveis, em referência às marcas registradas por aquelas (cf. fls. 151/155 deste instrumento), no nome do domínio do

Page 213: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������213

site dessa última, como feito em www.decola.edestinos.com.br. Novamente, confirma a ré a anterior utilização de tal vocábulo em um de seus domínios, indicando, porém, seu cancelamento, de forma que inexistiria razão para a insurgência das autoras. Ressalta, por outro lado, não ter sido concedido o registro da marca ‘decolar’ às agravantes, por ser palavra de uso comum, pelo o que não restaria configurada a concorrência desleal.

Ainda que o referido domínio já tenha, de fato, sido cancelado, como é possível cons-tatar em tentativa informal de acesso ao referido endereço eletrônico, cabe analisar, em abstrato, a possibilidade da utilização do termo ‘decolar’ e suas variáveis em sites da ré, notadamente se levada em consideração a alegação feita por ela de que, por não ter sido concedido o registro de marca com a referida expressão às autoras (cf. print na fl. 439 deste instrumento), inexistiria concorrência desleal.

Nesse sentido, destaque-se que, mesmo não sendo concedido o registro da marca ‘deco-lar’ às autoras, o uso do referido termo, ou de suas variáveis, em nome de domínio da ré na internet tem a nítida intenção de criar confusão nos consumidores entre os serviços prestados por ela e pelas autoras, especialmente se considerada a proximidade de tal expressão com uma das marcas concedidas (‘decolar.com’), e o fato de que a atividade empresarial exercida por ambas, relativa à aquisição de passagens aéreas e pacotes de viagens, bem como a reserva de hotéis e o aluguel de carros, não está diretamente vinculada ao vocábulo ‘decolar’.

De rigor, pois, a constatação de que o uso do termo ‘decolar’ ou de suas variáveis em nomes de domínios da ré-agravada configura, à primeira vista, concorrência desleal, a teor do art. 195, IV, da Lei nº 9.279/1996, devendo, diante do risco de dano grave às autoras, decorrente da probabilidade de desvio de clientela e confusão entre consumido-res, ser concedido provimento de urgência para impor a vedação de tal conduta.

Por derradeiro, no tocante ao requerimento de tutela antecipada voltado à imposição da retirada de elementos visuais do site da ré, que, segundo alegam as agravantes, induziriam o consumidor em erro, ante a reprodução das mesmas cores e da mesma diagramação de quadros encontrada no site da coautora Decolar.com, não se vislumbra prova inequívoca a conferir verossimilhança à pretensa apropriação do trade dress. Isto porque, não obstante a inegável semelhança entre ambos os sites (cf. imagem reprodu-zida na fl. 22 deste instrumento), não é possível constatar, desde logo, a possibilidade de confusão pelos consumidores e, bem assim, o risco de dano grave às autoras, a justificar a concessão da tutela antecipada nesse ponto requerida, notadamente pela comprovação da similaridade da estrutura dos sites de algumas das concorrentes das empresas em questão (cf. fls. 444/446 deste instrumento).

De mais a mais, a concessão de provimento antecipatório no sentido de determinar à ré a imediata desvinculação das palavras-chaves relacionadas à marca ‘decolar.com’ do serviço de divulgação Google Adwords por ela contratado e a abstenção do uso de termos que remetam à referida marca em seu nome de domínio já se mostra suficiente a evitar a confusão entre consumidores, atenuando o risco de dano às autoras, sem que se faça necessária a concessão de tutela de urgência relativa à alteração do trade dress de seu site. Fica, em tais termos, parcialmente reformada a r. decisão agravada, com a concessão da tutela antecipada voltada à imposição à ré (i) da imediata desvincula-ção das palavras-chave relacionadas à marca ‘decolar.com’ e suas variáveis do serviço de divulgação Google Adwords por ela contratado e (ii) da abstenção da utilização de expressões que façam referência à marca ‘decolar.com’ em seu domínio, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) em caso de descumprimento de cada um dos deveres impostos.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao agravo.”

Page 214: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

214 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

2706 – Protesto extrajudicial – sustação – tutela cautelar para sustação – cambiário

“Sustação de protesto extrajudicial. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Tutela cautelar para sustação de protesto cambiário. A teor do art. 17, § 1º, da Lei nº 9.492/1997, a sustação judicial do protesto implica que o tí-tulo só poderá ser pago, protestado ou retirado do cartório com autorização judicial. Medida que resulta em restrição a direito do credor. Necessidade de oferecimento de contracautela, previamente à expedição de mandado ou ofício ao cartório de protesto para sustação do protesto. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigí-vel. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado. 2. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.340.236 – SP – (2012/0176521-0) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.10.2015 – p. 846)

2707 – Recuperação judicial – alienação fiduciária – crédito – plano – irrelevância

“Direito empresarial. Recuperação judicial. Alienação fiduciária. Crédito fiduciário inserido no plano de recuperação judicial. Irrelevância. Crédito que não perde sua característica legal. Ação de busca e apreensão. Possibilidade. 1. O art. 47 da Lei de Falências serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econô-mica’. 2. É de presumir que a empresa que se socorre da recuperação judicial se en-contra em dificuldades financeiras tanto para pagar fornecedores e passivo tributário (obtendo certidões negativas de débitos) como para obter crédito na praça em razão do aparente risco de seus negócios; por conseguinte, inevitavelmente, há fragilização em sua atividade produtiva e capacidade competitiva. 3. Em razão disso é que a norma de regência, apesar de estabelecer que todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, estejam sujeitos à recuperação judicial (LRE, art. 49, caput), também preconiza, nos §§ 3º e 4º do dispositivo, a denominada ‘trava bancária’, isto é, exceções que acabam por conferir tratamento diferenciado a determinados créditos, normalmente titulados pelos bancos, afastando-os dos efeitos da recuperação, justa-mente visando conferir maior segurança para concessão do crédito e diminuindo o spread bancário. 4. O STJ possui entendimento de que ‘a novação resultante da con-cessão da recuperação judicial após aprovado o plano em assembleia é sui generis, e as execuções individuais ajuizadas contra a própria devedora devem ser extintas, e não apenas suspensas’ (REsp 1272697/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 02.06.2015, DJe 18.06.2015). 5. Na hipótese, o recorrido, credor fiduciário, apesar de não se sujeitar ao plano de reorganização, acabou sendo nele incluído, tendo o ma-gistrado efetivado sua homologação. 6. Apesar disso, ainda que o crédito continue a figurar no plano de recuperação judicial devidamente homologado, não se submeterá à novação efetivada nem perderá o direito de se valer da execução individual, nos

Page 215: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������215

termos da Lei de regência, para efetivar a busca da posse dos bens de sua proprieda-de. 7. Isso porque a instituição de tal privilégio (LF, art. 49, § 3º) foi opção legislativa com nítido intuito de conferir crédito para aqueles que estão em extrema dificuldade financeira, permitindo que superem a crise instalada. Não se pode olvidar, ademais, que o credor fiduciário de bem móvel ou imóvel é, em verdade, o real proprietário da coisa (propriedade resolúvel e posse indireta), que apenas fica depositada em mãos do devedor (posse direta) até a solução do débito. 8. Deveras, tais créditos são imunes aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser mantidas as condições contratuais e os direitos de propriedade sobre a coisa, pois o bem é patrimônio do fiduciário, não fazendo parte do ativo da massa. Assim, as condições da obrigação advinda da alie-nação fiduciária não podem ser modificadas pelo plano de recuperação, com a sua novação, devendo o credor ser mantido em sua posição privilegiada. 9. Não se poderia cogitar que o credor fiduciário, incluído no plano de recuperação, teria, por conduta omissiva, aderido tacitamente ao quadro. É que referido credor nem sequer pode votar na assembleia geral, não podendo ser computado para fins de verificação de quorum de instalação e deliberação, nos termos do art. 39, § 1º da LF, sendo que, como sabido, uma das principais atribuições do referido colegiado é justamente o de aprovar, rejeitar ou modificar o plano apresentado pelo devedor. 10. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.207.117 – (2010/0145988-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 25.11.2015)

2708 – Sociedade – ação de sobrepartilha – pretensão das cotas sociais – possibilidade

“Recurso especial. Ação de sobrepartilha. Pretensão de partilhar quotas sociais da so-ciedade de advogados então pertencentes ao varão. Possibilidade de divisão do conte-údo econômico da participação societária (não se lhe conferindo o direito à dissolução compulsória da sociedade, para tal propósito). Recurso especial provido. 1. A partir do modo pelo qual a atividade profissional intelectual é desenvolvida – com ou sem organização de fatores de produção – será possível identificar o empresário individual ou sociedade empresarial; ou o profissional intelectual ou sociedade uniprofissional. De se ressaltar, ainda, que, para a definição da natureza da sociedade, se empresarial ou simples, o atual Código Civil apenas aparta-se desse critério (desenvolvimento de atividade econômica própria de empresário) nos casos expressos em lei, ou em se tra-tando de sociedade por ações e cooperativa, hipóteses em que necessariamente serão empresária e simples, respectivamente. 1.1 Especificamente em relação às sociedades de advogados, que naturalmente possuem por objeto a exploração da atividade pro-fissional de advocacia exercida por seus sócios, estas são concebidas como sociedade simples por expressa determinação legal, independente da forma que como venham a se organizar (inclusive, com estrutura complexa). 2. Para os efeitos perseguidos na pre-sente ação (partilha das quotas sociais), afigura-se despiciendo perquirir a natureza da sociedade, se empresarial ou simples, notadamente porque, as quotas sociais – comuns às sociedades simples e às empresariais que não as de ações – são dotadas de expressão econômica, não se confundem com o objeto social, tampouco podem ser equiparadas a proventos, salários ou honorários, tal como impropriamente procedeu à instância precedente. Esclareça-se, no ponto, que a distinção quanto à natureza da sociedade, se empresarial ou simples, somente teria relevância se a pretensão de partilha da de-

Page 216: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

216 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

mandante estivesse indevidamente direcionada a bens incorpóreos, como a clientela e seu correlato valor econômico e fundo de comércio, elementos típicos de sociedade empresária, espécie da qual a sociedade de advogados, por expressa vedação legal, não se insere. 3. Ante a inegável expressão econômica das quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento do sócio. 3.1 In casu, afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Desse modo, se a obtenção da participação societária decorreu naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, sua divisão entre os cônjuges, por ocasião de sua separação, é medida de justiça e consonante com a Lei de regência. 3.2 Natu-ralmente, há que se preservar o caráter personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não detenham com o demais a denominada affectio societatis. Inexistindo, todavia, outro modo de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados por meio de mecanismos legais (dissolução da sociedade, participação nos lucros, etc.) a fim de amealhar o valor correspondente à participação societária. 4. Oportuno assinalar que o atual Código Civil, ao disciplinar a partilha das quotas sociais em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, apenas explicitou a repercussão jurídica de tais fatos, que naturalmente já era admiti-da pela ordem civil anterior. E, o fazendo, tratou das sociedades simples, de modo a tornar evidente o direito dos herdeiros e do cônjuge do sócio em relação à participa-ção societária deste e, com o notável mérito de impedir que promovam de imediato e compulsoriamente a dissolução da sociedade, conferiu-lhes o direito de concorrer à divisão periódica dos lucros. 5. Recurso especial provido, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à partilha do con-teúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsó-ria da sociedade), determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes veiculadas no recurso de apelação.” (STJ – REsp 1.531.288 – (2015/0102858-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 17.12.2015)

2709 – Sociedade – ação de dissolução parcial – apuração de haveres – possibilidade

“Apelação cível. Direito empresarial. Ação de dissolução parcial de sociedade. Sen-tença de procedência. Insurgência de terceiro interessado, credor em ação executória interposta contra a sociedade empresária, quanto à data-base para apuração de have-res. Alegação de que a data-base deve ser a da celebração do acordo ou da prolação da sentença homologatória. Impossibilidade. Doutrina e a jurisprudência pacíficas no sentido de que se deve levar em consideração a data em que o sócio manifestou a intenção de deixar a sociedade empresária ou, não sendo possível tal comprovação, a data do ajuizamento da demanda. Recurso conhecido e desprovido.” (TJSC – AC 2014.060705-8 – Relª Desª Substª Denise de Souza Luiz Francoski – DJe 17.12.2015)

Page 217: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������217

2710 – Sociedade – dissolução irregular – ausência de poder de gerência à época dos fatos geradores – impossibilidade

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Redirecionamen-to. Dissolução irregular. Ausência de poder de gerência à época dos fatos geradores. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de-finiu as seguintes orientações: (a) o redirecionamento da execução fiscal ao sócio, em razão de dissolução irregular da empresa, pressupõe a respectiva permanência no quadro societário ao tempo da dissolução; e (b) o redirecionamento não pode alcançar os créditos cujos fatos geradores são anteriores ao ingresso do sócio na sociedade. 2. Na situação em que fundamentado o pedido de redirecionamento da execução fis-cal na dissolução irregular da empresa executada, é imprescindível que o sócio contra o qual se pretende redirecionar o feito tenha exercido a função de gerência no mo-mento dos fatos geradores e da dissolução irregular da sociedade. Precedentes: AgRg--REsp 1.497.599/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 26.02.2015; AgRg-Ag 1.244.276/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 04.03.2015; e AgRg-AREsp 360.313/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 01.06.2015. 3. Agravo regimental não provi-do.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 719.901 – (2015/0128856-0) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 26.10.2015)

2711 – Sociedade simples – caráter empresarial – recolhimento

“Tributário. ISS. Sociedade simples limitada. Caráter empresarial afastado na origem. Súmula nº 7/STJ. Recolhimento por alíquota fixa. Possibilidade. 1. A orientação da Primeira Seção do STJ firmou-se no sentido de que o tratamento privilegiado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 somente é aplicável às sociedades uniprofissionais que tenham por objeto a prestação de serviço especializado, com res-ponsabilidade pessoal dos sócios e sem caráter empresarial. 2. ‘A forma societária limitada não é o elemento axial ou decisivo para se definir o sistema de tributação do ISS, porquanto, na verdade, o ponto nodal para esta definição é a circunstância, aco-lhida no acórdão, que as profissionais [...] exercem direta e pessoalmente a prestação dos serviços’ (AgRg-AREsp 519.194/AM, Relª p/ Ac. Min. Regina Helena Costa, DJe 13.08.2015). 3. No caso dos autos, não obstante a agravante ser uma sociedade limita-da, o Tribunal de origem assentou que se ela se dedica, precipuamente, à exploração do ofício intelectual de seus sócios, de forma pessoal, sem caráter empresarial, razão pela qual é cabível o benefício da tributação por alíquota fixa do Imposto sobre Servi-ços de Qualquer Natureza (ISSQN). Agravo regimental provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 792.878 – (2015/0238635-2) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 14.12.2015)

2712 – Tarifa bancária – prova da contratação – cobrança – impossibilidade

“Civil. Bancário. Agravo regimental no recurso especial. Tarifas bancárias. Ausência de prova da contratação. Cobrança. Impossibilidade. Decisão mantida. 1. ‘A Segun-da Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.251.331/RS, consolidou, nos moldes do art. 543-C do CPC, entendimento segundo o qual a co-brança das tarifas (TAC e TEC) é permitida se pactuada em contratos celebrados até

Page 218: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

218 ����������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

30.04.2008’ (AgRg-AREsp 663.536/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., J. 18.08.2015, DJe 28.08.2015). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg--REsp 1.552.130 – (2015/0215662-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 01.12.2015)

2713 – Taxa – capitalização de juros – pactuação expressa – verificação

“Agravo regimental no recurso especial. Processual civil e bancário. Capitalização mensal de juros. Pactuação expressa. Verificação. Taxa anual supera o duodécuplo da taxa mensal. Grau de sucumbência. Análise nesta instância. Inviabilidade. Apura-ção em liquidação. Provimento negado. 1. Com relação à capitalização mensal dos juros, a jurisprudência desta eg. Corte pacificou-se no sentido de que sua cobrança é admitida nos contratos bancários celebrados a partir da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, qual seja, 31.03.2000, desde que expressamente pactuada. 2. Esta Corte pacificou o entendimento de que há previsão expressa de cobrança de juros capitalizados em periodicidade mensal quando a taxa de juros anual ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal. 3. Em caso de sucumbência recíproca, impõe-se a compensação dos honorários advocatícios e custas processuais, na proporção em que vencidas as partes (CPC, art. 21), cuja apuração será realizada em liquidação, dada a inviabilidade de análise nesta instância. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.557.040 – (2015/0228746-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 18.12.2015)

Page 219: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Seção Especial – Acontece

Contratação Diferenciada de Micro e Pequena Empresa

DAIANE TACHER CUNHAFuncionária Pública, Formação em Direito.

A Lei Complementar nº 123, de xx de xxx de 2006, desencadeou--se em virtude dos fatores e anseios em procriar a política do desenvolvi-mento econômico, voltado para a simplificação e desburocratização dos pequenos empresários, assim considerados micro e pequena empresa.

Tal disposição, por seus primórdios originários, perpetuou-se em dispor sobre as peculiaridades que norteariam o regime jurídico dos pe-quenos empresários, de forma a regularizá-los, com vistas a granjear o escopo econômico em grande escala dos que ali se enquadravam.

Não obstante, bocejou ainda o ordenamento da contratação dife-renciada junto ao Poder Público, entre o qual, a priori, “poderiam” se beneficiar do “direcionamento” das contratações públicas, para que se objetivasse a inserção neste campo empresarial, pouco explorado por aqueles que não se ingerem nesta esfera, seja por questões de desconhe-cimento ou até mesmo por falta de informações e encorajamento que os permitam engajar nas contratações públicas.

O cenário exposto derivou-se de inúmeras mudanças neste setor, de tal via que nos permitiu a compulsar cristalinamente a inserção dos pequenos empresários no mercado com mais facilidade, incrementando a economia, com a regularidade junto ao sistema empresarial brasileiro.

De tal monta, houve a necessidade em amoldar o sistema norma-tivo, com fulcro de se obter a amplitude do sistema, de forma mais “sim-ples” e “desburocratizada”, conforme nos sacia o Ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa “Guilherme Afif”.

Por consequência, em motivos de plausibilidade, o projeto de lei, intentado pelo Poder Executivo Federal, foi aprovado de forma unâni-me na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, transformando esta pérola na Lei Complementar nº 147, de xxxxx de 2014, inserida na Lei Geral, alterando diversos dispositivos, de forma a transparecer analogi-

Page 220: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

220 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – SEÇÃO ESPECIAL – ACONTECE

camente um meteoro de beneficiarias, que irão profundamente adentrar com força o setor público, o qual, de forma intersetorial, terá o papel fundamental em procriar esforços que estarão automaticamente ligados às peripécias da micro e pequena empresa no Brasil, transformando, contudo, a “Política do Desenvolvimento Econômico” do setor.

Nossos olhos, a priori, estarão voltados ao “direcionamento” das licitações à micro e pequena empresa, conforme preconizado no dispos-to no art. 48, inciso I, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, uma das inovações adentradas na normativa em 7 de agosto de 2014, senão vejamos:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Comple-mentar, a administração pública:

I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à par-ticipação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); (não grifado pelo texto original)

Em primeira leitura, podemos certificar que trata de uma dispo-sição simples, sem qualquer peculiaridade que possa afrontar maiores discussões; entretanto, ao adentrar em seus conceitos em face da ampli-tude de sua eficácia, estaremos defronte a certos questionamentos. Entre eles temos:

“Nos processos licitatórios, cuja modalidade seja adotado o siste-ma de registro de preço, o vencedor não possui a liquidez da contrata-ção, visto que a modalidade contraída se perpetua em contratação even-tual e futura, e que, dependendo do objeto registrado, as ‘contratações’ que poderão advir podem ou não resultar no valor de até R$ 80.000,00. Neste caso, como devemos proceder? A modalidade de registro de preço será um procedimento licitatório que estará a mercê de uma excepcio-nalidade ao dispositivo em discussão?”

Preliminarmente, para que possamos delimitar uma interpretação conclusiva e abrangente, precisamos nos cercar de uma tratativa “in-tersetorial” entre todos os núcleos conceituais que o dispositivo detém, sejam eles a provocação do “pensar” sobre “processo licitatório”, “itens de contratação” e o termo “contratação”.

Page 221: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – SEÇÃO ESPECIAL – ACONTECE ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������221

O conceito de licitação, podemos assim defini-lo conforme nos agracia o Douto ensinador Marçal Justen Filho:

A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de se-leção da proposta de contratação mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência especifica.1

Portanto, nesta esteira, não estariam abrangidas, a priori, pela de-terminação induzida no dispositivo, as contratações cujos valores não extrapolem o disposto no art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/1993, pois estariam dispensáveis de realizar o processo licitatório.

Um contrassenso nesta hipótese, visto que os montantes cujas contratações estão dispensáveis de realizar a licitação em decorrência de valores estariam por consequência, desobrigados de destiná-los ex-clusivamente para microempresas e empresas de pequeno porte, amai-nando desta maneira, a balança da política de desenvolvimento econô-mico do setor.

Outra questão que pontua arduamente o questionamento se perfaz na disposição “itens de contratação”, visto que, em determinados casos, o processo licitatório, cujo objeto seja divisível, deverá ser realizado na modalidade de julgamento do menor preço por item, do qual, por consequência, poderá advir “diversas contratações”, tendo em vista as propostas reduzidas apresentadas por diversos proponentes.

Neste diapasão, o termo “processo licitatório”, que reúne diver-sos itens para a mesma finalidade, por exemplo, a compra de insumos hospitalares, cujo valor estimado como um todo ultrapasse o montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), deverá, ainda, ser destinado exclu-sivamente para participação de microempresas e empresas de pequeno, visto que os “itens de contratação”, estão delineados no limite estatuído na normativa em discussão.

Entretanto, como toda regra tem sua exceção, esta disposição não poderia ser diferente, visto que, mesmo que o “processo licitatório” re-úna itens que sejam divisíveis, e entre eles o valor de contratação extra-

1 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 309.

Page 222: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

222 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – SEÇÃO ESPECIAL – ACONTECE

pole o limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), estaríamos a mercê do descumprimento do princípio da isonomia estatuída no ordenamento da Lei nº 8.666/1993, uma vez que não estaria mais abrangido pela norma especial em discussão.

Razão pela qual, nesta esteira, caso o processo licitatório reúna diversos itens, cuja modalidade de julgamento seja o menor valor por item, e entre eles existir um que extrapolará o montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), deverá destinar parcialmente à participação de micro-empresas e empresas de pequeno porte.

Outro ponto que vem ao encontro da perquirição se perfaz nos processos licitatórios realizados na modalidade registro de preço, cujas contratações são eventuais e futuras, não garantindo a liquidez da con-tratação, e muito menos a estimativa de contratações cujos valores ex-trapolem ou não o limite estatuído, o qual deverá ser dirigido exclusiva-mente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte.

Nesta esteira, podemos possuir o processo licitatório cujo intento visa registrar preços para contratação eventual e futura de serviços de reforma e manutenção de próprios municipais, onde, no decorrer de sua vigência, podemos ou não granjear serviços de reformas ou ma-nutenção, em que os valores da contratação sejam até o montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), estando, portanto, nesta esteira, con-figurada a destinação exclusiva para microempresas e empresas de pe-queno porte.

A alternativa aparente, a priori, para solucionar este conflito, com vistas a garantir a efetividade da aplicação desta norma, perpetua-se em aplicar nestes casos, em que granjeamos o registro de preço, a destina-ção parcialmente exclusiva, ou, até mesmo, realizar duas atas de registro de preço.

Entretanto, estaríamos burocratizando excessivamente o sistema de contratação, visto que deveríamos nos atentar sobre as contratações decorrentes da Ata de Registro de Preço, que fossem até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), estando destinadas ao pequeno e micro empresário detentor da uma Ata, e quando este valor ultrapassar, contrataríamos a empresa detentora da outra Ata, que não esteja amparado por esta norma.

Page 223: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – SEÇÃO ESPECIAL – ACONTECE ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������223

Ora, podemos concluir que não se trata de um procedimento cé-lere ao implantar esta norma, com a solução encabeçada anteriormente, razão pela qual, em virtude das questões praticas que irão nortear o dis-positivo em discussão, e considerando a abrangência genérica da nor-mativa, com vistas a granjear a aplicabilidade com êxito, e atentando as normas gerais que regem o ordenamento licitatório, seria indispensável a recomendação interpretativa nestes casos, pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa, órgão este vital para direcionar as questões que afli-gem a aplicabilidade de normas que atentam seu ordenamento setorial.

Em face de todo o exposto, deparamo-nos com uma senilidade normativa que nos defronta ao sistema célere, o qual, aparentemente, não se preconizou a situação exposta, ao intentar neste normativo, visto que os termos conceituas deverão ser em princípio levados em conta ao legislar sobre qualquer tratativa, visto serem os núcleos dos dispositivos, que hesitarão no dia a dia dos executadores desta lei.

Portanto, estamos diante de uma normativa entre a qual deverá ser amoldada com brevidade, com vistas a inserir disposições que contem-plem as peculiaridades que poderão advir com a aplicação desta tratati-va, como nos casos dos processos licitatórios realizados na modalidade de Registro de Preço.

Por todo o exposto, concluímos que, de forma intersetorial, pode-mos granjear o êxito na aplicabilidade da política do desenvolvimento econômico, destinado as micro e pequenas empresas, otimizando o sis-tema burocrático, com uma visão “simples” e “óbvia”.

Page 224: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Clipping Jurídico

Defesa do Consumidor aprova projeto que obriga divulgação de estoque dispo-nível para promoção

A Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados aprovou pro-posta do Deputado Augusto Coutinho (SD-PE) que torna obrigatória a informação, pelo fornecedor, da quantidade de itens de produtos colocados em promoção e a quantidade desses produtos em estoque (PL 2.090/2015). O texto acrescenta a previsão no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O relator na comissão, Deputado Felipe Maia (DEM-RN), apresentou emenda à proposta para que sejam informados também os estabelecimentos que participam da referida oferta. “A boa-fé e a transparência são elementos basilares de nossas relações de consumo. O intuito desses preceitos é fazer disponível ao consumidor – natural-mente vulnerável no estágio atual de massificação do consumo – todas as infor-mações relevantes que cercam a relação de consumo e que podem, de algum modo, influenciar sua decisão de aquisição, ou não, do produto ou serviço”, jus-tificou Maia. O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído no site da Câmara do Deputados Federais)

Finanças rejeita projeto que proíbe bancos de restringir crédito a clientes com dívidas quitadas

A Comissão de Finanças e Tributação rejeitou proposta que proíbe bancos de restringir o acesso a empréstimos aos clientes que tenham tido dívidas anterior-mente com a instituição, mas que já as tenham quitado. O texto rejeitado obri-gava o banco que descumprisse a norma a pagar multa de 10% sobre o volume do crédito solicitado. O texto rejeitado, segundo o autor, pretendia combater a arbitrariedade na concessão de empréstimos, em especial nas linhas de crédito com juros baixos. Na avaliação do relator, Walter Alves (PMDB-RN), entretanto, a medida compromete a autonomia dos bancos em apurar os riscos das opera-ções de crédito. O impacto na lucratividade, argumenta o deputado, pode reduzir os repasses de dividendos dessas instituições para a União, que é a única ou a acionista majoritária dos principais bancos públicos federais. “Perdas de recursos nessas operações terão como provável consequência nova frustração de receitas para estes agentes financeiros, o que implicará redução de lucros ou aumento de prejuízos, que terminarão recaindo sobre os cofres do Tesouro Nacional”, disse o relator. Por ter sido rejeitado na única comissão de mérito, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 305/2013, do Deputado Giacobo (PR-PR), poderá ser arquivado, a não ser que o recurso apresentado para que a matéria seja apreciada pelo Plenário seja aceito pelos deputados. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Page 225: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������225

Consumidor poderá migrar conta-corrente para outros bancos, propõe projeto de lei

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 151/2015, do Deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), que assegura ao consumidor o direito de mi-grar a sua conta-corrente ou conta-salário para outras instituições bancárias, sem custo. Pela proposta, o banco de origem deverá fornecer à instituição destinatária escolhida todas as informações cadastrais pertinentes, inclusive a relação de pa-gamentos autorizados para débito em conta. Os custos relacionados à transferên-cia não poderão ser repassados ao consumidor. Atualmente, uma resolução do Banco Central estabelece o direito dos titulares de contas-salários – abertas por exigência dos empregadores e de instituições previdenciárias para pagamento de salários e aposentadorias – de migrarem para outros bancos. A portabilidade tam-bém é permitida para saldo devedor com empréstimos ou financiamentos. No en-tanto, não está prevista para as contas-correntes. Com o projeto, a portabilidade se estende às contas-correntes, além de ser garantida por lei. De acordo com Félix Mendonça Júnior, o projeto foi inspirado em uma proposta apresentada na legis-latura anterior pelo então Deputado Paulo Rubem Santiago (PL 3.745/2012). O texto foi arquivado antes de ter sido aprovado na Câmara. Mendonça Júnior disse que decidiu reapresentar o texto por concordar com as justificativas do ex-depu-tado de que a portabilidade vai aumentar a concorrência no setor bancário, com ganhos para o consumidor. Segundo ele, a proposta “mantém-se oportuna e atu-al”. O projeto tramita em caráter conclusivo nas comissões de Defesa do Consu-midor; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Tribunal nega pedido de indenização por propaganda enganosa

O Tribunal de Justiça negou pedido de uma mulher que pretendia receber inde-nização por danos morais porque uma empresa de turismo não vendeu pacote de viagem pelo preço divulgado em reportagem de jornal. A decisão é da 30ª Câmara de Direito Privado. De acordo com o processo, a mulher leu em uma ma-téria que a empresa anunciava pacote em cruzeiro de Reveillon por R$ 2.308 por pessoa. Alegou que planejou comemorar o noivado a bordo, mas, quando entrou em contato com a agência, foi informada de que o valor correto era R$ 15 mil. Argumentou que a expectativa da viagem não realizada em razão de propaganda enganosa teria causado sério abalo moral. No entanto, o Desembargador Marcos Ramos, relator do recurso, destacou em seu voto que a reportagem do caderno de turismo de um jornal de grande circulação sugeria aos leitores diversos pacotes de viagem de Reveillon, entre eles o mencionado pela autora. “É de conheci-mento público que os pacotes oferecidos pelas agências e operadoras de turismo podem variar de preço, e muito, dependendo do roteiro, tipo de acomodação,

Page 226: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

226 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO

classe turística e serviços diferenciados, do que decorre que o anúncio publicitá-rio, de costume feito pelo preço mínimo, não pode automaticamente vincular a empresa, de maneira indistinta”, afirmou. O magistrado ainda mencionou que a autora “sequer definiu no que teria consistido o abalo moral, não sendo suficiente à configuração desse prejuízo mera alegação de que iria comemorar seu noivado na viagem”. A autora deve pagar custas, despesas processuais e honorários advo-catícios. Também participaram do julgamento, ocorrido no final de novembro, os Desembargadores Andrade Neto e Maria Lúcia Pizzotti. A votação foi unânime. Apelação nº 1012533-62.2014.8.26.0008 (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

Empresa deve desvincular nome da concorrência em ferramenta de busca na Internet

A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu, no último dia 16, pedido de um site de venda de viagens para determinar que empresa concorrente desvincule palavras-chave relacionadas ao nome da marca da autora do serviço de divulgação “Google AdWords”. A em-presa autora alegava que o fato caracterizava concorrência desleal, uma vez que, quando o internauta procurava o nome de seu site na ferramenta da busca, a con-corrente aparecia entre os resultados. Afirmava que a utilização dos vocábulos no “Google AdWords” teria o intuito de induzir os consumidores a erro. O Desem-bargador Fabio Tabosa, relator do caso, afirmou em seu voto que a ré confirmou a utilização dos termos no serviço de divulgação de seu negócio, com clara alusão à marca da autora. “Tendo em vista o risco de dano grave, consubstanciado pela alta probabilidade de desvio indevido de clientela, a partir da confusão entre os consumidores, mostra-se de rigor a concessão de provimento antecipatório voltado à determinação da imediata desvinculação de referidas palavras do servi-ço de divulgação ‘Google AdWords’ por ela contratado”. Também participaram do julgamento do agravo de instrumento os Desembargadores Ricardo Negrão e Carlos Alberto Garbi. A decisão foi unânime. Agravo de Instrumento nº 2248161-04.2015.8.26.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

Comissão aprova proposta que facilita acesso a documento para aposentadoria especial em empresa falida

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou proposta que permite à massa falida ou ao sindicato representante da categoria fornecer declaração que comprove a efetiva exposição do segurado a agentes nocivos à saúde. O documento, chamado de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), é usado para requerimento de aposentadoria especial. A medida inclui dispositivo

Page 227: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������227

na Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social (nº 8.213/1991). O texto aprovado é o substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio ao Projeto de Lei nº 2.067/2011, do Senado. O objetivo é assegurar aos trabalhadores desempregados por causa da falência da empresa o acesso à documentação necessária para dar entrada no pedido da aposentadoria especial. Relator na comissão, o Deputado Benjamin Maranhão (SD-PB) afirmou que as alterações vão dar mais segurança ao trabalhador no momento de usufruir do direito à aposentadoria especial. “Do ponto de vista do Direito do Trabalho, no-tadamente da proteção ao trabalhador, somos pela aprovação da proposta com as alterações da Comissão de Desenvolvimento Econômico”, defendeu Maranhão. O substitutivo aprovado estabelece que, na hipótese de falência do empregador, sem que tenha sido fornecido ao empregado a cópia de seu PPP, caberá ao sín-dico da massa falida ou ao sindicato representante da categoria contratar técnico especializado para elaborar o laudo. “Vê-se que a novidade inserida, tanto no projeto quanto no substitutivo, está na obrigação de a entidade sindical e de o sindicato da categoria profissional emitir o PPP quando a empresa não o fizer para o trabalhador empregado, porque o síndico da massa falida nada mais é do que o representante da empresa”, explicou. A proposta, que tramita em caráter conclusivo, ainda será analisada pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Oi e Vivo são condenadas por cobrança de linhas não contratadas

As empresas de telefonia OI Móvel S/A e Vivo S/A foram condenadas a inde-nizações por danos morais por terem feito cobranças indevidas por linhas não contratadas e inserido os nomes dos clientes “involuntários” nos cadastros de inadimplentes SPC e Serasa. As decisões são, respectivamente, dos Juízes Alberto de Almeida, da Comarca de Traipu, e Fabíola Melo Feijão, de Porto Real do Co-légio. A Oi foi condenada a pagar R$ 6 mil de indenização por danos morais a um consumidor que teve o nome incluído no cadastro de inadimplentes por uma cobrança indevida no valor de R$ 769,46. A empresa de telefonia também terá que declarar a inexistência da dívida junto ao SPC e ao Serasa. Segundo os autos, o requerente negou ter contraído o débito cobrado e teria se surpreendido com a informação de que estava com seu nome inserido nos cadastros SPC e Serasa. Na sentença, o magistrado esclarece que, na falta de comprovação da origem do débito, a restrição se deu de modo indevido. “O dano moral é presumido. Presumíveis a angústia e o sofrimento experimentados pelo requerente ao ter seu nome indevidamente inserido junto ao rol dos inadimplentes”, diz a decisão de Alberto de Almeida. Em sua defesa, a Oi alegou que consta no sistema o nome do demandante como integrante de uma relação jurídica de consumo, e em razão do não adimplemento, houve a negativação. A empresa argumentou ainda que, para

Page 228: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

228 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO

alguém solicitar um terminal telefônico no nome do consumidor, seria necessá-ria a posse de documentos pessoais, sustentando que o demandante não teve o cuidado necessário quanto à custódia de seus documentos pessoais. A Vivo S/A terá que pagar R$ 3 mil por danos morais por cobrar R$ 371,93 a um consumidor por um serviço não solicitado. De acordo com os autos, o requerente teria sido surpreendido com uma carta de notificação parabenizando pela aquisição de uma linha telefônica da Vivo, recebendo posteriormente, uma cobrança no valor de R$ 371,93 referente à utilização dos serviços da ré, sendo que não teria adqui-rido a linha nem utilizado os serviços da empresa. Na sentença, a juíza Fabíola Melo reconhece a inexistência da relação jurídica entre autor e ré, bem como do débito apresentado na fatura enviada ao consumidor. Processos nºs 0700011-15.2015.8.02.0039 e 0000708-35.2014.8.02.0032, respectivamente (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Alagoas)

Empresas terão de indenizar fotógrafo por uso indevido de imagem

A Citric Gestão de Imagem e o Unique Bar e Restaurante Ltda. foram condena-dos a indenizar o fotógrafo Jorg Andres Hirdes em R$ 10 mil, a título de danos morais, por terem utilizado material fotográfico de sua autoria sem o seu conhe-cimento e consentimento. A decisão monocrática é da Desembargadora Nelma Branco Ferreira Perilo, que reformou a sentença do juízo da 18ª Vara Cível e Ambiental de Goiânia, apenas para determinar que a verba sucumbencial seja suportada reciprocamente pelas partes. Inconformada com a sentença, a Citric interpôs apelação cível alegando sua ilegitimidade passiva, por não ter firmado nenhum contrato com o autor. Defendeu ainda, ausência de prova da ocorrência de danos morais, visto que foi induzida a praticar o ato, quando um dos sócios do restaurante lhe entregou o CD com as imagens, e que houve uma combinação entre o fotógrafo e o sócio, argumentando que, caso contrário, não se entregaria o CD com as fotografias, sem marca d’água ou travamento. Por fim, pediu a mi-noração da indenização e divisão dos honorários advocatícios. Da mesma forma, o Unique Bar e Restaurante interpôs recurso alegando a inexistência de vínculo contratual ou verbal com a empresa Citric para a prestação de serviços no evento de lançamento do edifício da TCI Imobiliária. Disse que a publicação, apesar de ter sido da fachada do restaurante, a propaganda e divulgação foram únicas e exclusivas do empreendimento TCI. Já o fotógrafo pediu a majoração do dano moral e o reconhecimento do dano material sofrido. A desembargadora observou que foi a Citric quem colocou em circulação a fotografia de autoria de Jorg, com o objetivo de divulgar o empreendimento, tornando-a parte legítima para compor o polo passivo da demanda. Quanto à indenização por danos morais, disse que a reprodução, utilização e disposição da obra artística depende de autorização prévia e expressa do autor, não podendo ninguém reproduzir obra que não per-tença ao domínio público sem a permissão do artista. Dessa forma, o argumento

Page 229: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������229

da empresa Citric de que recebeu o CD com as fotos para divulgação sem qual-quer indicação de que pertenciam ao autor não é idôneo para afastar seu dever de indenizar, pois, se ao receber a foto não tinha como identificar a autoria do material fotográfico, deveria ele ter encontrado meios de fazê-lo. De outra forma, omitiu-se e acabou por violar direito autoral amplamente tutelado pela legislação vigente, cujo desconhecimento, dada a natureza das atividades que exerce, não é crível ou escusável, afirmou Nelma Branco, acrescentando que a simples au-sência de menção da autoria da obra intelectual enseja o dever de indenizar. Em relação à alegação do restaurante de não existir vínculo contratual ou verbal com a empresa Citric, a magistrada concordou com o julgamento do juiz sentenciante de que se trata de responsabilidade solidária, uma vez que um dos sócios do res-taurante entregou o CD de fotos consciente de que se faria a publicação de uma das fotografias para a divulgação de um empreendimento. Ademais, manteve o valor arbitrado, em R$ 10 mil, considerando que é suficiente para a finalidade compensatória do dano moral e como caráter didático-pedagógico, evitando va-lor excessivo ou ínfimo. A magistrada informou que não houve diminuição na ór-bita patrimonial do fotógrafo, nem influência em sua atividade profissional, sendo impossível reconhecer prejuízo material decorrente da publicação da fotografia. Portanto, como a petição inicial contém duas pretensões, indenização por danos morais e materiais, deve ser acolhido o pedido para impor a distribuição recípro-ca das custas e honorários. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Fechamento da Edição: 08�01�2015

Page 230: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

A DesconsiDerAção DA PersonAliDADe JuríDicA no novo cPc

•Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurispruden-cial Atualizado (Incluindo o Novo Código deProcesso Civil) (Carlos da Fonseca Nadais) ..........80

•O Incidente de Desconsideração da Personali-dade Jurídica Previsto no CPC 2015 e o Direito Processual do Trabalho (Ben-Hur Silveira Claus) ..............................................................................9

•Primeiras Reflexões Sobre o Incidente de Des-consideração da Personalidade Jurídica (JoséTadeu Neves Xavier) ............................................52

Autor

Ben-Hur silveirA clAus

•O Incidente de Desconsideração da Perso-nalidade Jurídica Previsto no CPC 2015 e oDireito Processual do Trabalho ..............................9

cArlos DA FonsecA nADAis

•Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurispru-dencial Atualizado (Incluindo o Novo Códigode Processo Civil) ................................................80

José tADeu neves XAvier

•Primeiras Reflexões Sobre o Incidente de Des-consideração da Personalidade Jurídica ...............52

Índice Geral

Assunto

contrAto De seguro

•Os Contratos de Seguro sob a Perspectiva Eco-nômica (Nina Koja Cassali) ................................137

Direito De ArenA

•Aspectos Polêmicos Atrelados ao Direito de Arena (Rodrigo Alves Zaparoli) ..........................114

recuPerAção JuDiciAl

•As Controvérsias Relacionadas à Trava Ban-cária, no Âmbito da Recuperação Judicial (Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas eNeide Adriana das Chagas) ................................153

Autor

cláuDiA MArA De AlMeiDA rABelo viegAs

•As Controvérsias Relacionadas à Trava Bancá-ria, no Âmbito da Recuperação Judicial .............153

neiDe ADriAnA DAs cHAgAs

•As Controvérsias Relacionadas à Trava Bancá-ria, no Âmbito da Recuperação Judicial .............153

ninA KoJA cAssAli

•Os Contratos de Seguro sob a Perspectiva Eco-nômica ..............................................................137

roDrigo Alves ZAPAroli

•Aspectos Polêmicos Atrelados ao Direito deArena .................................................................114

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

FAlênciA

•Processual civil – Execução fiscal – Empresa executada – Falência anterior ao ajuizamento da ação – Massa falida – Substituição do su-jeito passivo – CDA – Possibilidade – Recursorepetitivo (TRF 2ª R.) ................................2668, 174

EMENTÁRIO

Assunto

Ação De rescisão contrAtuAl

•Ação de rescisão contratual – financiamen-to – alienação fiduciária em garantia – avença bancária – competência ...........................2669, 187

Ação De revisão De contrAto BAncário

•Ação de revisão de contrato bancário – arren-damento mercantil – aplicação do CDC – jurosremuneratórios – prova – ausência ..........2670, 187

Ação MonitóriA

•Ação monitória – relação comercial – compe-tência ......................................................2671, 188

•Ação monitória – título executivo – possibili-dade do credor ........................................2672, 188

Ação revisionAl

•Ação revisional – contrato bancário – julga-mento – cerceamento de defesa – inocorrência ................................................................2673, 190

Ação revisionAl De contrAto

•Ação revisional de contrato – tarifa de emissão de carnê – afastamento ............................2674, 191

Page 231: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������231 •Ação revisional de contrato de arrendamento

mercantil – capitalização de juros – previsãocontratual – ausência ...............................2675, 191

Ação revisionAl De contrAto De ArrenDAMento MercAntil

•Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil – revisão do contrato – possibili-dade ........................................................2676, 191

ArrenDAMento MercAntil

•Arrendamento mercantil – capitalização de juros – tarifa de abertura de crédito – CDC –aplicação .................................................2677, 192

•Arrendamento mercantil – cláusula de varia-ção cambial – desnecessidade de prova de captação de moeda no exterior – precedentes ................................................................2678, 193

•Arrendamento mercantil – instituição financei-ra – capitalização de juros – comissão de per-manência .................................................2679, 193

•Arrendamento mercantil – leasing – legitimi-dade ativa – competência ........................2680, 193

céDulA De créDito BAncário

•Cédula de crédito bancário – taxa de liquida-ção antecipada – indevida cláusula nula – ho-norários advocatícios – minoração ..........2681, 194

certiDões negAtivAs triButáriAs

•Certidões negativas tributárias – Junta Comer-cial – exigência ........................................2682, 194

consuMiDor

•Consumidor – contrato de arrendamento mer-cantil – tarifa – cláusulas abusivas – ilegali-dade ........................................................2683, 195

•Consumidor – propaganda enganosa – paco-te de viagem – indenização – impossibilidade ................................................................2684, 196

contrAto BAncário

•Contrato bancário – ação monitória – emprés-timo à pessoa jurídica – CDC – aplicação –mora contratual – configuração ...............2685, 197

•Contrato bancário – ação revisional – juros re-muneratórios – limitação – abusividade ...2686, 198

•Contrato bancário – tarifa de cadastro – ino-vação .......................................................2687, 198

contrAto De ArrenDAMento MercAntil

•Contrato de arrendamento mercantil – cláusu-la contratual – ausência ...........................2688, 198

•Contrato de arrendamento mercantil – fraude– alegação – não comprovação ...............2689, 198

•Contrato de arrendamento mercantil – veículo automotor – ação de reintegração de posse –purgação da mora – impossibilidade .......2690, 198

contrAto De câMBio

•Contrato de câmbio – protesto extrajudicial –obrigada – exigibilidade – necessidade ....2691, 199

•Contrato de câmbio – recuperação judicial – efeitos – Súmula nº 83 do STJ – aplicação ................................................................2692, 200

contrAto De DistriBuição De BeBiDAs

•Contrato de distribuição de bebidas – ação in-denizatória – conduta abusiva da fabricante– reconhecimento ....................................2693, 200

contrAto De trAnsPorte De cArgAs

•Contrato de transporte de cargas – ação de re-solução contratual – precedentes .............2694, 201

DeFesA Do consuMiDor

•Defesa do consumidor – ação civil pública – cartão de crédito – cláusulas contratuais –abusividade .............................................2695, 201

Direito Do consuMiDor

•Direito do consumidor – plano de saúde – ne-gativa de cobertura – Súmula nº 454 do STF– incidência .............................................2696, 202

eXecução

•Execução – cédula de produto rural – exce-ção de pré-executividade – reexame de provas– impossibilidade .....................................2697, 202

•Execução – desconsideração da personalida-de jurídica – excesso – juros moratórios – ca-bimento ...................................................2698, 202

•Execução – título extrajudicial – substituição de penhora – títulos e valores mobiliários – im-possibilidade ...........................................2699, 207

FAlênciA

•Falência – ação declaratória – extinção dasobrigações do falido – possibilidade ........2700, 208

•Falência – protesto – prazo – distinção entre protesto cambial e protesto falimentar – tem-pestividade ..............................................2701, 208

Juros

• Juros – capitalização mensal – pactuação ex-pressa – verificação – taxa anual ..............2702, 209

• Juros remuneratórios – contrato de arrendamen-to mercantil – revisão – possibilidade ....... 2703, 209

Page 232: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE 48_miolo.pdf · deautores e  ... uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo ... natureza instrumental do direito ...

232 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 48 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

MultA

•Multa – astreintes e juros de mora – dano moral – valor da indenização ............................2704, 210

ProPrieDADe inDustriAl

•Propriedade industrial – concorrência desleal – palavras-chave – desvinculação – caracteri-zação .......................................................2705, 211

Protesto eXtrAJuDiciAl

•Protesto extrajudicial – sustação – tutela cau-telar para sustação – cambiário ................2706, 214

recuPerAção JuDiciAl

•Recuperação judicial – alienação fiduciária – crédito – plano – irrelevância ..................2707, 214

socieDADe

•Sociedade – ação de sobrepartilha – pretensão das cotas sociais – possibilidade ..............2708, 215

•Sociedade – ação de dissolução parcial – apu-ração de haveres – possibilidade .............2709, 216

•Sociedade – dissolução irregular – ausência de poder de gerência à época dos fatos gera-dores – impossibilidade ...........................2710, 217

socieDADe siMPles

•Sociedade simples – caráter empresarial – re-colhimento ..............................................2711, 217

tAriFA BAncáriA

•Tarifa bancária – prova da contratação – co-brança – impossibilidade .........................2712, 217

tAXA

•Taxa – capitalização de juros – pactuação ex-pressa – verificação .................................2713, 218

Seção Especial

ACONTECE

Assunto

contrAto

•Contratação Diferenciada de Micro e Pequena Empresa (Daiane Tacher Cunha) ........................219

Autor

DAiAne tAcHer cunHA

•Contratação Diferenciada de Micro e PequenaEmpresa .............................................................219

CLIPPING JURÍDICO

•Comissão aprova proposta que facilita aces-so a documento para aposentadoria especialem empresa falida .............................................226

•Consumidor poderá migrar conta-corrente pa-ra outros bancos, propõe projeto de lei .............225

•Defesa do Consumidor aprova projeto que obriga divulgação de estoque disponível parapromoção ..........................................................224

•Empresa deve desvincular nome da concor-rência em ferramenta de busca na Internet ........226

•Empresas terão de indenizar fotógrafo por usoindevido de imagem ..........................................228

•Finanças rejeita projeto que proíbe bancos de restringir crédito a clientes com dívidas qui-tadas ..................................................................224

•Oi e Vivo são condenadas por cobrança de li-nhas não contratadas .........................................227

•Tribunal nega pedido de indenização por pro-paganda enganosa .............................................225