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Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário ANO VI – Nº 36 – JAN-FEV 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 04, de 31.05.2012 – Registro nº 27 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR EDITORIAL SÍNTESE DIRETOR EXECUTIVO: Elton José Donato GERENTE EDITORIAL: Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL: Cristiano Basaglia EDITOR: Cristiano Basaglia EDITORIAL IEM – INSTITUTO DE ESTUDOS MARÍTIMOS DIRETORES: André Benevides de Carvalho CONSELHO EDITORIAL Adolpho Bergamini, André Benevides de Carvalho, Benjamin Gallotti Beserra (in memoriam), Demes Britto, Edison de Oliveira Vianna Júnior, Fábio Gustavo Alves de Sá, Luiz Leonardo Goulart, Marcelo David Gonçalves, Murillo de Moraes Rego Corrêa Barbosa, Osvaldo Agripino de Castro Júnior, Rodrigo Fernandes More, Vicente Marotta Rangel, Welber de Oliveira Barral, Wilen Manteli COMITÊ TÉCNICO Augusto Fauvel de Moraes, Benjamin Caldas Gallotti Beserra, Claudio Ribeiro Huguet, Denis Gamell, Felipe de Assis Serra, Henrique Santos Costa de Souza, Maria Augusta Paim, Mateus Soares de Oliveira COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Andre Apostolopoulos, Caroline Gomes Bohrer, Danielle Rosa, Denis Gamell, Diego de Paula, Eber Luciano Santos Silva, Evandro Bizzotto, Lucas Navarro Prado, Márcio Sebastião Aguiar, Maurício Zanardo Faggion, Maxweel Sulívan Durigon Meneghini, Nathalia Meneses da Silva, Orlando da Silva Neto ISSN 2236-5338

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RevistaDireito Aduaneiro,

Marítimo e PortuárioAno VI – nº 36 – JAn-FeV 2017

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIA

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 04, de 31.05.2012 – Registro nº 27 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR

edItoRIAl sÍntesedIRetoR executIVo: Elton José Donato

GeRente edItoRIAl: Milena Sanches Tayano dos SantoscooRdenAdoR edItoRIAl: Cristiano Basaglia

edItoR: Cristiano Basaglia

edItoRIAl IeM – InstItuto de estudos MARÍtIMos

dIRetoRes: André Benevides de Carvalho

conselho edItoRIAlAdolpho Bergamini, André Benevides de Carvalho,

Benjamin Gallotti Beserra (in memoriam), Demes Britto, Edison de Oliveira Vianna Júnior, Fábio Gustavo Alves de Sá,

Luiz Leonardo Goulart, Marcelo David Gonçalves, Murillo de Moraes Rego Corrêa Barbosa,

Osvaldo Agripino de Castro Júnior, Rodrigo Fernandes More, Vicente Marotta Rangel, Welber de Oliveira Barral, Wilen Manteli

coMItê técnIcoAugusto Fauvel de Moraes, Benjamin Caldas Gallotti Beserra, Claudio Ribeiro Huguet, Denis Gamell, Felipe de Assis Serra,

Henrique Santos Costa de Souza, Maria Augusta Paim, Mateus Soares de Oliveira

colAboRAdoRes destA edIção

Andre Apostolopoulos, Caroline Gomes Bohrer, Danielle Rosa, Denis Gamell, Diego de Paula, Eber Luciano Santos Silva, Evandro Bizzotto, Lucas Navarro Prado,

Márcio Sebastião Aguiar, Maurício Zanardo Faggion, Maxweel Sulívan Durigon Meneghini, Nathalia Meneses da Silva, Orlando da Silva Neto

ISSN 2236-5338

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IEM – Instituto de Estudos Marítimos.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos aduaneiros, marítimos e portuários.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário. – Vol. 6, n. 36 (jan./fev. 2017)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

ISSN 2236-5338 Bimestral.

1. Direito aduaneiro. 2. Direito marítimo. 3. Direito portuário. CDU 347.79 CDD 342.29

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

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Carta do Editor

A trigésima quarta edição da Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Por-tuário traz no seu Assunto Especial estudos sobre as “Penalidades Aduaneiras”.

No primeiro artigo do Assunto Especial, os Advogados Rafael Pinheiro Lucas Ristow, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Gra-duado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas, Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário do IBDT, Membro Efetivo da Comissão de Direito Tributário e do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP, Advogado em São Paulo, e Ligia Ferreira de Faria, Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-Graduada em Direito Tribu-tário pela Fundação Getúlio Vargas, abordam em seu artigo o recente “Julga-mento de Paradigma” no CARF e a definição do entendimento sobre denúncia espontânea em multas aduaneiras. A seguir, a “Ilegalidade da Retenção de Mer-cadorias para a Cobrança de Tributos e Penalidades Aduaneiras” é tema abor-dado por Kelly G. Martarello, Advogada, Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Curitiba (UniCuritiba) e UBA (Universidad de Buenos Aires), Processo Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) e Escola da Magistratura do Paraná, Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB Santa Catarina. Encerrando a doutrina do Assunto Especial, Augusto Fauvel de Moraes, Advogado, Sócio do Escritório Fauvel e Moraes Socieda-de de Advogados, Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP, Vice-Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/SP, Es-pecialista em Direito Tributário pela Unisul e Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, e Mateus Soares de Oliveira, tam-bém Advogado, Sócio da MSO Negócios Internacionais, Mestre em Direito In-ternacional pela PUC-Minas, Especialista em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC, Membro-Efetivo da Comissão Especial de Direito Aduaneiro pela OAB/SP, buscam em seu texto elucidar algumas questões referentes às sanções e penalidades aduaneiras, de modo conjunto com os princípios constitucionais do Texto de 1988, bem como com a legislação ordinária. Completa o Assunto Especial a tradicional seleção de ementas sobre o tema e Acórdão na Íntegra.

O “Subfaturamento no Direito Aduaneiro” é tema que abre a Parte Geral deste volume, em estudo assinado por Felippe Alexandre Ramos Breda, Advo-gado e Consultor, Pós-Graduado em Processo Civil pela PUC/SP, Pós-Gradua-do em Processo Tributário pela PUC/SP, Professor do Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) em Processo Tributário da PUC/SP/Cogeae (2005-2015), Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP, Docente na Aduaneiras, em que são analisados alguns pontos polêmicos, tais como, a distinção com a sub-valoração, o seu caráter extrafiscal de controle aduaneiro, as hipóteses de ar-bitramento do valor aduaneiro pelo seu reconhecimento e a sua apuração no curso do despacho aduaneiro. Na sequência, o Advogado Ronaldo Manzo, Es-pecialista em Direito Marítimo e Aduaneiro, Pós-Graduado e Mestre em Direito, debruça-se sobre questões pertinentes à demurrage e sua interpretação diante

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do ordenamento jurídico. Encerrando a doutrina geral, o artigo “Compliance e Mecanismos Anticorrupção nos Contratos de Afretamento de Embarcações”, da lavra de Shin Jae Kim, Mestre em Direito Internacional e Comparado pela Vrije Universiteit Brussel, Bélgica, cursou a Academy of American and International Law, organizada pelo Center for American and International Law, EUA, Espe-cialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Membro do Conselho Consultivo da Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE), Premiada no ano de 2007 com o International Compliance Professional Award, pela SCCE, Head da área de Compliance e Investigação do Escritório Tozzini Freire Advogados em São Paulo, e José Augusto Dias de Castro, LL.M. em Direito Público pela London School of Economics – LSE, Mes-tre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Advogado do Escritório Tozzini Freire Advogados em São Paulo, apresentam um ensaio que aborda as iniciativas legislativas e contratuais para combate a práticas corruptas junto a agentes públicos operando em portos, com especial enfoque no setor portuário brasileiro, e, posteriormente, abordam o mecanis-mo anticorrupção recentemente inserido pela Baltic and International Maritime Council (BIMCO) em seu tradicional modelo de contrato de afretamento por tempo e por viagem. A jurisprudência, que compõe a Parte Geral, apresenta o repositório dos Tribunais Regionais Federais sobre os temas atuais julgados por estas Cortes, além do ementário comentado.

Na Seção Especial é apresentado o Parecer nº 0090/2016/CJU-MS/CGU/AGU, da Consultoria Jurídica da União no Estado de Mato Grosso do Sul, re-lativo à consulta sobre propriedade dos espaços físicos em água e terra dos reservatórios das Usinas Hidrelétricas. A seguir, na Seção Especial “Direito em Debate”, Lucas Navarro Prado, Advogado do Navarro Prado Advogados, Gra-duado em Direito pela USP, Pós-Graduado em Finanças pela FIA/USP, Profes-sor do Programa de Pós-Graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, e Denis Gamell, Advogado do Navarro Prado Advogados, Graduado em Direito pela UnB, Pós-Graduando do MBA em Finanças e Gestão Econômica e Financeira de Empresas da FGV Brasília, comentam as mudanças na exploração de Portos Organizados impostas pela Resolução Normativa Antaq nº 07/2016.

A íntegra da Resolução Normativa nº 7-Antaq, de 30 de maio de 2016 (Retificada pela Resolução nº 4843-Antaq, de 6 de junho de 2016) pode ainda ser consultada na Seção Resenha Legislativa, que fecha o presente volume.

Aproveite este interessantíssimo conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Milena Saches Tayano dos Santos André Benevides de Carvalho

Gerente Editorial de Produtos Jurídicos Diretor do IEM

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialIII Workshop – Temas ConTemporâneos de dIreITo maríTImo, aduaneIro e porTuárIo

douTrInas

1. O Endosso do Conhecimento de Embarque no Transporte Marítimo Internacional: Limites e ImplicaçõesDanielle Rosa e Orlando da Silva Neto ......................................................9

2. O Regramento dos Serviços de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE) e Sua Interpretação pelos TribunaisDiego de Paula .........................................................................................28

3. Problemática Imposta pelo Artigo 6º, § 2º, Inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à Arbitragem no Setor PortuárioNathalia Meneses da Silva........................................................................39

4. Regulação sobre o Peso Bruto Verificado dos ContêineresMaurício Zanardo Faggion .......................................................................50

Parte Geral

douTrInas

1. O Derramamento de Óleo e a Água de Lastro na Navegação Marítima e Suas Consequências para o Ecossistema Marinho à Luz do Dever Fundamental de Proteção ao Meio AmbienteCaroline Gomes Bohrer ............................................................................68

2. A Determinação de Conteúdo Originário e Sua Finalidade em Operações de Comércio InternacionalAndre Apostolopoulos e Evandro Bizzotto ...............................................92

3. Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arrendamentos Portuários Pré-1993Lucas Navarro Prado, Eber Luciano Santos Silva e Denis Gamell .............99

JurIsprudênCIa JudICIal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1182. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1283. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1334. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1385. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................144

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ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................152

Seção EspecialaConTeCe

1. Da Prescrição Aplicável aos Trabalhadores Portuários AvulsosMaxweel Sulívan Durigon Meneghini ....................................................204

dIreITo em debaTe

1. Os Reflexos das Decisões do Tribunal MarítimoMárcio Sebastião Aguiar.........................................................................229

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................234

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi- cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

III Workshop – Temas Contemporâneos de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário

O Endosso do Conhecimento de Embarque no Transporte Marítimo Internacional: Limites e Implicações

The Endorsement of Bill of Lading in the International Maritime Transport: Limits and Implications

DAnIELLE ROSAAdvogada inscrita na OAB/SC sob o nº 33.198, Mestranda em Ciência Jurídica pela Universi-dade do Vale do Itajaí – Univali, com dupla titulação em Derecho Ambiental y de la Sostenibi-lidad pela Universidade de Alicante/Espanha, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/SC, Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali, possui Formação Internacional em Filosofia Jurídica e Direito Internacional Público pela Universidade do Minho Portugal.

ORLAnDO DA SILVA nETOAdvogado inscrito na OAB/SC sob o nº 38.896, Mestrando em Ciência Jurídica pela Universi-dade do Vale do Itajaí – Univali, com dupla titulação em Derecho Ambiental y de la Sostenibi-lidad pela Universidade de Alicante/Espanha, Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali.

RESUMO: O presente artigo científico tem por escopo estudar a validade, os limites e implicações do endosso no conhecimento de embarque no transporte marítimo internacional. Assim, analisar-se-á, por meio de breve histórico, o conhecimento de embarque no transporte marítimo internacional de cargas (conceito, agentes envolvidos, requisitos, natureza jurídica etc.), sendo que, numa segunda ocasião, será examinado o modus operandi do registro do conhecimento de embarque marítimo no sistema integrado de comércio exterior (Siscomex). Por fim, será avaliada a validade do endosso no conhecimento de embarque no transporte marítimo internacional, dentro dos limites e implicações legais. Quanto à metodologia, foi utilizada a base lógica indutiva1, além das técnicas do referente2,

1 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...].” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 86)

2 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temá-tico e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 54)

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

da categoria3, do conceito operacional4 e da pesquisa bibliográfica5.

ABSTRACT: The present study aims to study the validity, limits and implications of the endorsement on the bill of lading in the international maritime transport. Thus, will be analyzed by means of brief background, the bill of lading in the international maritime cargo transport (concept, stakeholders, requirements, legal nature, etc.), and, on a second occasion, will be examined the modus operandi registry maritime bill of lading in the integrated system of foreign trade (Siscomex). Finally, the validity of the endorsement on the bill of lading in the international maritime transport will be evaluated within the limits and legal implications. As for methodology, the rationale inductive was used, in addition to the technical referent, category, operational concept and bibliographical research.

PALAVRAS-CHAVE: Transporte marítimo internacional; conhecimento de embarque; Siscomex; en-dosso; assunção de dívida.

KEYWORDS: International maritime transport; bill of lading; Siscomex; endorsement; assumption of debt.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conhecimento de embarque no transporte marítimo de cargas; 2 Do regis-tro do conhecimento de embarque marítimo no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex); 3 O endosso no conhecimento de embarque no transporte marítimo internacional: limites e implica-ções; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Diante da grande representatividade do modal marítimo nas transa-ções internacionais realizadas pelo Brasil, as quais impulsionam a economia nacional de modo considerável, surge a necessidade de examinar a relação de transporte havida entre o embarcador, o transportador e o destinatário--consignatário da carga.

Para tanto, faz-se necessário tecer considerações acerca do conhe-cimento de embarque, justamente por ser o documento que – entre outras funções – evidencia a relação de transporte marítimo internacional.

Por também assumir a função de título de crédito, o conhecimento de embarque detém todas as características inerentes à sua espécie (cartu-laridade, literalidade e autonomia), gozando, inclusive, da possibilidade de endosso, instituto esse propulsor de grandes implicações jurídicas.

3 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia.” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 25)

4 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos [...].” (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 37)

5 Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. (PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 209)

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

Neste viés, será exposto o registro do conhecimento de embarque marítimo perante a Receita Federal do Brasil, por meio do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), no qual há verdadeira digitalização/infor-matização dos dados contidos em referido documento físico, com intuito de controle (administrativo/fiscal) das operações de importação e exportação de mercadorias.

Nesse sentido, após realizada uma análise, serão traçados limites e implicações legais correlatas ao endosso do conhecimento de embarque marítimo, principalmente por não haver apenas a transferência dos direitos contidos neste título, mas também dos deveres (obrigações) oriundos dele.

Posto isto, tem-se que o objeto do presente artigo científico é analisar a validade, bem como os limites e implicações do endosso do conheci-mento de embarque marítimo, cotejando o endosso realizado no documen-to físico com aquele realizado eletronicamente junto à Receita Federal do Brasil, por meio do Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex).

O objetivo geral é investigar o acervo legislativo, doutrinário e juris-prudencial acerca da temática, a fim de detectar a materialização, requisitos e efeitos produzidos pelo endosso do conhecimento de embarque marítimo.

Os objetivos específicos são: a) compreender os aspectos históricos e conceituais do conhecimento de embarque marítimo no transporte inter-nacional; b) detectar o modus operandi do registro do conhecimento de embarque marítimo no Siscomex; e, por fim, c) analisar os limites e impli-cações decorrentes do endosso do conhecimento de embarque marítimo.

1 CONHECIMENTO DE EMBARQUE NO TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGAS

A evolução histórica revela o transporte marítimo como o maior e mais antigo meio pelo qual se transportam e comercializam mercadorias no âmbito internacional, operando como verdadeiro propulsor da economia mundial ao longo de muitos anos6.

O avanço na comercialização de mercadorias faz com que todos os países que disponham de litoral explorem de modo organizado a atividade de transporte marítimo, impulsionando índices superavitários nas respecti-vas balanças comerciais. No Brasil, o transporte marítimo é o um modal de grande destaque, principalmente no que tange às operações logísticas (de mercadorias) internas e externas.

6 AGRIPINO, Osvaldo de Castro Júnior. Direito marítimo – Made in Brasil. São Paulo: Lex, 2007. p. 12.

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12 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Para que o transporte marítimo de cargas seja efetivado, à luz do Có-digo Civil brasileiro, faz-se necessário que um sujeito, mediante retribuição, obrigue-se a transportar determinada mercadoria de um ponto a outro, per-fectibilizando, desta maneira, o contrato de transporte7.

Neste sentido, leciona Martins8:

Conceitualmente, por contrato marítimo internacional de mercadorias en-tende-se aquele pelo qual um empresário transportador (carrier) se obriga, mediante remuneração (frete), a transportar por mar, de um porto para outro, uma certa quantidade de mercadoria que lhe foi entregue pelo embarcador (shipper) e a entregá-la a um destinatário.

Veja-se que as partes envolvidas na relação de transporte são o em-barcador (quem comercializa a carga com o destinatário e a entrega ao transportador para embarque), transportador (responsável pela travessia ma-rítima incólume da carga) e destinatário-consignatário (pessoa destinada a receber a mercadoria)9.

Ao longo dos anos, o transporte marítimo internacional de cargas re-geu-se pelos usos e costumes do mar, sendo necessária a edição de diversos tratados internacionais que delimitassem algumas diretrizes no que tange a responsabilidades, direitos e deveres das partes contratantes. Até mesmo porque, na maioria das vezes, as partes encontram-se em espaços geográfi-cos diametralmente opostos, sob a égide de sistemas jurídicos diversos.

Atualmente, o documento hábil a evidenciar a relação de transporte marítimo internacional de cargas é o denominado “conhecimento de em-barque”, também conhecido pela doutrina como conhecimento de carga, conhecimento de transporte, bill of lading, ou, ainda, simplesmente BL10.

Tal documento presta-se a três funções principais, quais sejam: (1) recibo da mercadoria; (2) prova da propriedade da mercadoria – título de crédito; e (3) evidência escrita dos termos e condições do transporte pactuado11.

A função de recibo da carga resta deflagrada com o recebimento das mercadorias a bordo do navio transportador, indicando que elas estão sob

7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 496.8 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Barueri: Manole, 2008. p. 247. 2. v.9 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Barueri: Manole, 2008. p. 259. 2. v.10 ANJOS, J. Haroldo dos. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 217.11 ANJOS, J. Haroldo dos. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 217.

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custódia deste, que, por sua vez, obriga-se a entregá-las no destino contra-tado, a quem forem consignadas12.

Ao receber a mercadoria, cabe ao transportador emitir o conhecimen-to de embarque, identificando que recebeu do embarcador determinada carga com suas especificações (natureza, valor, peso, quantidade etc.)13.

Ato contínuo, o transportador entregará o conhecimento de embar-que ao embarcador, o qual se manterá na posse deste documento até que haja o pagamento da mercadoria pelo seu respectivo destinatário.

Recebido o valor devido pela venda das mercadorias, o embarcador encaminhará o conhecimento de embarque original ao destinatário-con-signatário da carga, a fim de que este o entregue ao transportador, para obtenção da carga.

Para melhor aclarar a situação exposta acima, apresenta-se o seguinte fluxograma:

Ainda sobre a emissão do conhecimento de embarque, registra-se que a legislação brasileira é categórica ao afirmar sua obrigatoriedade, nos termos dos arts. 744 do Código Civil e 578 do Código Comercial:

Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.

Art. 578. Os conhecimentos serão assinados e entregues dentro de 24 (vinte e quatro) horas, depois de ultimada a carga, em resgate dos recibos provisó-

12 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 277.

13 Código Civil brasileiro: “Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natu-reza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço”.

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14 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

rios; pena de serem responsáveis por todos os danos que resultarem do re-tardamento da viagem, tanto o capitão como os carregadores que houverem sido remissos na entrega dos mesmos conhecimentos.

Tem-se, portanto, que, ao emitir o conhecimento de embarque, o transportador assumirá o papel de depositário da carga, responsabilizando--se por sua guarda, bom acondicionamento e conservação, desde o recebi-mento até o ato da entrega no local convencionado14.

Nesse sentido, importa esclarecer que, para que haja a entrega da mercadoria no porto de destino ao consignatário determinado pelo embar-cador, é imprescindível que aquele apresente o conhecimento de embarque original, até mesmo porque, além de figurar como recibo das mercadorias, o conhecimento de embarque possui a finalidade de comprovar a proprie-dade da carga.

Na visão de Lacerda15:

[...] o conhecimento, [...], além de comprovar o recebimento da mercadoria por parte do capitão, serve, principalmente, para representar a coisa nele in-dividuada. Em tais condições, é um instrumento que permite a circulação da mercadoria, durante o tempo de sua permanência a bordo, sob custódia do capitão. A posse do conhecimento equivale à posse da mercadoria, podendo o seu possuidor dispor dela à vontade, de acordo com as disposições que nele figurarem. É, pois, um título de crédito à ordem, transferível por endosso (art. 587, 2º).

Dessa forma, caso o destinatário – indicado pelo embarcador no co-nhecimento de embarque – deixe de efetuar o adimplemento da mercadoria com a qual havia se comprometido, não receberá o conhecimento de em-barque original do seu legítimo detentor (embarcador), ficando impossibili-tado de retirá-las junto ao transportador.

Nesta esteira, o conhecimento de embarque, além de evidenciar o contrato de transporte e estabelecer direitos e obrigações entre as partes envolvidas no transporte internacional de mercadorias, classifica-se como um título de crédito, isto é, “documento representativo da mercadoria, junto ao transportador, no destino final para o qual o transporte foi contratado16”.

14 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsa-bilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 93-94.

15 LACERDA, Sampaio de. Curso de direito privado da navegação: direito marítimo. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p. 178. 1. v.

16 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Barueri: Manole, 2008. p. 282. 2. v.

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Nos dizeres de Restife, “o título de crédito é, consoante clássica de-finição propugnada por Cesare Vivante e acolhida pelo art. 887 do Código Civil, o documento necessário e suficiente para o exercício do direito literal e autônomo nele contido17”.

O entendimento jurisprudencial não destoa:

Contrato. Transporte marítimo. Conhecimento de transporte. Título de cré-dito que representa a mercadoria nele descrita e prova a propriedade da carga. Inexistência de título hábil a embasar a execução. Preliminar rejeita-da. Responsabilidade civil. Transporte marítimo. Mercadoria a granel. Res-ponsabilidade objetivo do transportador. Dispensabilidade do protesto e da vistoria. Agravo retido improvido. Responsabilidade civil. Transporte marí-timo. Mercadoria avariada. Culpa da ré provada à saciedade, eis que não se desincumbiu a contento de sua obrigação de transportar até o destino a carga que lhe foi entregue. Atestado demonstrando que no momento da en-trega a mercadoria estava em perfeitas condições.Falha na refrigeração dos contêineres. Dever da ré de pagar à autora o estipulado na r. sentença mais lucros cessantes, despesas alfandegárias e bancarias, eis que devidamente comprovadas. Ação procedente. Recurso da autora provido. Recurso da ré improvido.18

Em sendo considerado título de crédito, sobrepõem-se a este docu-mento os princípios e regras condizentes a essa classificação jurídica, tais como literalidade, autonomia e cartularidade, o que será objeto de análise no capítulo 3.

Por fim, não se pode perder de vista a finalidade de evidência do contrato de transporte atribuída ao conhecimento de embarque, tendo, in-clusive, determinados requisitos legais para a sua validade. A corroborar com o exposto, destaca-se o art. 575 do Código Comercial brasileiro, que assim dispõe:

Art. 575. O conhecimento deve ser datado, e declarar:

1 – o nome do capitão, e o do carregador e consignatário (podendo omitir-se o nome deste se for à ordem), e o nome e porte do navio;

2 – a qualidade e a quantidade dos objetos da carga, suas marcas e números, anotados à margem;

3 – o lugar da partida e o do destino, com declaração das escalas, haven-do-as;

17 RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do novo direito comercial. São Paulo: Dialética, 2006. p. 204.18 TJSP, Ap c/Rev. 1162425600, 23ª CDPriv., Rel. J. B. Franco de Godói, DJ 15.06.2005, data de registro:

29.06.2005.

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4 – o preço do frete e primagem, se esta for estipulada, e o lugar e forma do pagamento;

5 – a assinatura do capitão (art. 577), e a do carregador.

Por isso, respeitados os requisitos legais impostos, uma vez emitido o conhecimento de embarque, este deverá ser entregue ao destinatário, no intuito de comprovar a propriedade da carga e possibilitar a sua liberação no local de destino.

Além disso, caberá ao destinatário-consignatário da carga cientificar a Receita Federal do Brasil da operação de transporte internacional, a iniciar pelo registro do conhecimento de embarque no sistema informatizado ad-ministrado pela Receita Federal do Brasil, o que será abordado no capítulo abaixo.

2 DO REGISTRO DO CONHECIMENTO DE EMBARQUE MARÍTIMO NO SISTEMA INTEGRADO DE COMÉRCIO EXTERIOR (SISCOMEX)

Diante do volume de importações realizadas no Brasil, tornou-se ne-cessária a criação de um mecanismo capaz de acompanhar a velocidade existente nas transações praticadas pelo comércio exterior, notadamente em virtude do avanço tecnológico, atrelado à necessidade de se manter um controle administrativo/fiscal dos produtos que se pretende ingressar no país.

Nessa busca, foi instituído o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), por meio do Decreto nº 660/1992 – posteriormente alterado pelo Decreto nº 1.408/1995 –, firmando-se como um verdadeiro instrumen-to administrativo de controle aduaneiro, voltado, sobretudo, às mercadorias.

No entanto, apenas em 1993 (para as operações de exportação) e em 1997 (para as operações de importação) é que o sistema informatizado, de fato, foi implantado no Brasil, passando por um processo de aperfeiçoamen-to no decorrer dos anos, no intuito de desburocratizar o comércio interna-cional de mercadorias19.

Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB, 2007),

a velocidade do moderno comércio exterior exige a substituição dos contro-les burocráticos documentais pela maximização da informatização, como sistema moderno de controle, com simplificação, para o que a modernização

19 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/O_Portal_Siscomex>. Acesso em: 14 fev. 2016.

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e o aperfeiçoamento do Sistema Integrado de Comércio Exterior – Siscomex são absolutamente determinantes.20

Neste viés, objetivando disciplinar a utilização do Siscomex, a Recei-ta Federal do Brasil instituiu a Instrução Normativa (IN/RFB) nº 800/2007, a qual estabelece como se dará o controle aduaneiro informatizado da mo-vimentação de embarcações, cargas e unidades de carga nos portos alfan-degados21.

Devidamente instituído, implementado e disciplinado, o Siscomex vem sendo meio eficaz de controle aduaneiro, em total sintonia com a agi-lidade que se faz necessária ao intercâmbio de mercadorias no âmbito in-ternacional.

Isto porque referido sistema permite o acompanhamento eficaz da sa-ída e do ingresso de mercadorias no país, uma vez que os órgãos de governo intervenientes no comércio exterior podem, em diversos níveis de acesso, controlar e interferir no processamento de operações, para uma melhor ges-tão de processos22.

Inclusive, por intermédio do próprio Siscomex, o exportador ou o im-portador trocam informações com os órgãos responsáveis pela autorização e fiscalização, no intuito de conferir maior agilidade às transações realiza-das23. Resumidamente, destacam-se as seguintes vantagens do Siscomex, segundo dispõe a Secretária do Comércio Exterior (Secex):

[...] harmonização de conceitos e uniformização de códigos e nomenclatu-ras; ampliação dos pontos do atendimento; eliminação de coexistências de controles e sistemas paralelos de coleta de dados; simplificação e padroni-zação de documentos; diminuição significativa do volume de documentos; agilidade na coleta e processamento de informações por meio eletrônico; redução de custos administrativos para todos os envolvidos no Sistema; críti-ca de dados utilizados na elaboração das estatísticas de comércio exterior.24

20 Associação de Comércio Exterior do Brasil. Modernização do Siscomex. Disponível em: http://www.aeb.org.br. Acesso em: 24 jan. 2007.

21 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 800, de 27 de dezem-bro de 2007. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15753&visao=anotado>. Acesso em: 15 fev. 2016.

22 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <http://portal.siscomex.gov.br/mdic-moderniza-siscomex-importacao>. Acesso em: 14 fev. 2016.

23 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <http://idg.receita.fa-zenda.gov.br/orientacao/aduaneira/manuais/despacho-de-importacao/topicos-1/conceitos-e-definicoes/sisco-mex>. Acesso em: 14 fev. 2016.

24 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <http://idg.receita.fa-zenda.gov.br/orientacao/aduaneira/manuais/despacho-de-importacao/topicos-1/conceitos-e-definicoes/sisco-mex>. Acesso em: 14 fev. 2016.

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Além do mais, para que as autoridades aduaneiras tenham conhe-cimento das transações internacionais realizadas, podendo atuar de forma plena e diligente, a legislação aduaneira determina a inserção de todas as informações constantes no conhecimento de embarque físico junto ao Sis-comex, dando azo ao conhecimento de embarque eletrônico.

Conforme já exposto no capítulo anterior, o conhecimento de em-barque – entre outras finalidades – comprova a propriedade da mercadoria. Assim, ao receber o documento físico do embarcador da carga, deverá ser lançada no Siscomex a completude de dados e informações constantes no documento físico, uma vez que, assim como o documento físico é elemen-tar para a liberação da mercadoria junto ao transportador, o lançamento de informações completas no Siscomex o é para fins de início no processo de nacionalização da carga perante a fiscalização aduaneira.

O conhecimento de embarque eletrônico, portanto, nada mais é do que a reprodução dos dados e informações do conhecimento de embarque físico25.

Com isso, observa-se que a Receita Federal do Brasil não tomará pos-se do conhecimento de embarque físico, mas terá acesso, tão somente, ao conhecimento de embarque eletrônico registrado no Siscomex.

Pois bem, após inserir as informações no sistema e depois de atracado o navio, poderá o destinatário-consignatário da carga dar início ao despa-cho aduaneiro de importação, no intuito de nacionalizar a mercadoria que lhe fora encaminhada, mediante a um novo procedimento administrativo, devidamente regulamentado por lei específica.

3 O ENDOSSO DO CONHECIMENTO DE EMBARQUE NO TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL: LIMITES E IMPLICAÇÕES

Conforme já relatado, o conhecimento de embarque possui três fun-ções preponderantes, sendo que, por corte metodológico, destacar-se-á, neste capítulo, a finalidade de “demonstrativo da propriedade da carga” – doutrinariamente denominada de título de crédito.

Assim, por ser considerado um título de crédito, o conhecimento de embarque equipara-se aos demais títulos desta natureza, usufruindo os prin-cípios da literalidade, autonomia e cartularidade.

25 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <www.receita.fa-zenda.gov.br/publico/Aduana/Siscomex/Carga/PerguntafrequentesSiscomexCarga.doc+&cd=1&hl=pt--BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 14 fev. 2016.

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Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Venosa:

Em todas as suas modalidades, o conhecimento de transporte goza dos prin-cípios cambiários de literalidade, autonomia e cartularidade. É considerado título de crédito representativo de mercadoria. [...] É considerado título de crédito impróprio, porque, ao contrário dos chamados títulos próprios ati-nentes especificamente ao crédito (letra de câmbio, nota promissória, che-que), os títulos de crédito impróprios conferem direito real (como os conheci-mentos de depósito) ou referem-se à prestação de serviços (bilhetes de teatro, cinema) ou conferem condição de sócio (ações de sociedade anônima ou por ação). O conhecimento de transporte possui como suporte o direito de exigir a prestação de um serviço, qual seja, o transporte.26

Acerca do conhecimento de embarque como título de crédito, Keedi também preconiza:

Como título de crédito significa que ele pode trocar de mãos além de ser um documento de resgate da carga. Isso quer dizer que pode ser consignado, na sua emissão, a pessoas ou empresas que não são efetivamente os futuros donos da carga.

[...]

Pode ser emitido em quantas vias originais forem necessárias e solicitadas pelo embarcador, embora seja uma prática normal ser emitido em três vias. Apenas uma servirá para o resgate da carga.27 (grifos nossos)

Classificado como um título de crédito, perfeitamente aplicável ao conhecimento de embarque, entre outros institutos, o endosso, o qual com-preende a transferência dos direitos contidos em referido título.

Sob esse prisma, Coimbra classifica o endosso como uma forma de transmissão de coisa móvel, representando o ato em que o proprietário de um título de crédito o transfere para outro, conferindo-lhe todos os direitos que detinha sobre o título28.

No caso do conhecimento de embarque físico, o endosso se dá pela aposição da assinatura por parte de seu legítimo detentor no verso deste documento, in casu, o destinatário-consignatário da carga29.

26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 333.27 KEEDI, Samir. Transportes, unitização e seguros internacionais de carga: prática e exercícios. 3. ed. São

Paulo: Lex, 2005. p. 102-103.28 COIMBRA, Delfim Bouças. O conhecimento de carga no transporte marítimo. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras,

2004. p. 26.29 COIMBRA, Delfim Bouças. O conhecimento de carga no transporte marítimo. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras,

2004. p. 26.

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Observa-se, portanto, que a figura do destinatário-consignatário da carga – devidamente elucidada no capítulo 1 – poderá endossar o título de crédito (conhecimento de embarque) a terceiro, passando a não mais figurar na relação de transporte marítimo internacional, a qual será ocupada por este (endossatário).

No que diz respeito ao endosso do conhecimento de embarque, vale mencionar, ainda, que tal instituto é absolutamente claro ao dispor sobre a transferência de todos os direitos sob a carga transportada, silenciando, no entanto, acerca das obrigações/incumbências possivelmente decorrentes dele.

Veja-se as disposições legais que versam sobre o endosso do conhe-cimento de transporte contidas no Código Civil brasileiro:

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber con-feri-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Art. 893. A transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que lhe são inerentes.

Art. 894. O portador de título representativo de mercadoria tem o direito de transferi-lo, de conformidade com as normas que regulam a sua circulação, ou de receber aquela independentemente de quaisquer formalidades, além da entrega do título devidamente quitado.

Denota-se, também, que o Código Comercial brasileiro, datado de 1850, embora permita expressamente o endosso do conhecimento de em-barque em seu art. 587 – ainda em vigor –, nada menciona acerca das im-plicações decorrentes da alteração do destinatário-consignatário por meio deste mecanismo:

Art. 587. O conhecimento feito em forma regular (artigo nº 575) tem força e é acionável como escritura pública.

Sendo passado à ordem, é transferível e negociável por via de endosso.

Tais lacunas igualmente se verificam nas disposições atinentes aos títulos de crédito (arts. 91030 e seguintes do Código Civil brasileiro), posto que versam exclusivamente sobre os direitos advindos do endosso.

30 CC: “Art. 910. O endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do próprio título. § 1º Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso, dado no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante. § 2º A transferência por endosso completa-se com a tradição do título. § 3º Considera-se não escrito o endosso cancelado, total ou parcialmente. [...]”.

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A título de curiosidade, registra-se que a legislação brasileira chegou a prever a responsabilização do endossatário em face do transportador, na hipótese de endosso do conhecimento de embarque, com a edição do De-creto nº 19.473, de 10 de dezembro de 1930. Contudo, referida norma foi revogada por meio do Decreto de 25 de abril de 199131. Veja-se o já revo-gado art. 6º do Decreto nº 19.473/1930:

Art. 6º O endossatário nominativo e o portador do conhecimento ficam investidos nos direitos e obrigações do consignatário, em face da empresa emissora.

O endossador responde pela legitimidade do conhecimento e existência da mercadoria, para com os endossatários posteriores, ou portadores.

Parágrafo único. É sumária a ação fundada no conhecimento de frete.

Portanto, da leitura do texto legal vigente, é clara a inexistência de regulamentação e/ou previsão acerca dos deveres/obrigações quando da transferência do título de crédito a terceiro, notadamente em relação ao conhecimento de embarque marítimo.

Esse registro se faz necessário pela razão exposta alhures, consistente no fato de existirem (possivelmente) obrigações/incumbências decorrentes do endosso do conhecimento de embarque marítimo de responsabilidade do destinatário-consignatário.

A exemplo disso, cita-se que, numa operação de transporte marítimo internacional, quando da chegada da embarcação no porto de destino, po-derá haver inúmeros encargos de responsabilidade do destinatário-consig-natário, dos quais assumem maior relevância: i) pagamento de frete e despe-sas locais; ii) pagamento de armazenagem; iii) pagamento de sobre-estadia de contêiner (demurrage); e iv) obrigações (principais e acessórias) fiscais.

Em relação ao frete, sabe-se que as partes podem delimitar quem será o responsável pelo seu pagamento ao respectivo transportador, podendo, por vezes, recair sobre o exportador ou, até mesmo, sobre o importador.

O mesmo não ocorre em relação ao pagamento da armazenagem du-rante o período em que a carga permanecer depositada junto ao terminal ou recinto alfandegado, bem assim à sobre-estadia de contêiner (demurrage), oriunda de eventual trespasse do tempo livre concedido para que o desti-natário-consignatário retire suas mercadorias do interior do equipamento e

31 Cumpre mencionar que a revogação do aludido decreto é tema controverso perante a doutrina nacional.

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proceda com a devolução dele. Nessas circunstâncias, os débitos havidos recairão sempre ao destinatário-consignatário32.

Em relação às obrigações fiscais junto à Receita Federal do Brasil, igualmente, estas estarão sob o encargo do destinatário-consignatário, que iniciarão com a tomada de medidas necessárias para a nacionalização da carga, entre elas o registro do conhecimento de embarque junto ao Sisco-mex, seguido do registro da declaração de importação33.

Logo, pode-se notar que o endosso do conhecimento de embarque não transferirá ao endossatário apenas o direito sobre a mercadoria, confor-me dita a legislação civil brasileira, mas também todas as obrigações atinen-tes àquela relação contratual, inicialmente estabelecida pelo embarcador, transportador e destinatário-consignatário34.

Contudo, para que haja a validação deste instituto perante os trâmites aduaneiros, o destinatário-consignatário constante no conhecimento de em-barque deverá registrar o endosso junto ao Siscomex, a fim de que a Receita Federal do Brasil, após análise administrativa, proceda com sua anuência para posterior validação.

No ponto, observa-se como requisito essencial à validação do endos-so a anuência expressa da Receita Federal do Brasil através do Siscomex, para que haja a perfectibilização da transferência das obrigações fiscais, consoante preconiza o art. 28, parágrafo único, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 800/2007:

Art. 28. O transportador que emitiu o conhecimento à ordem informará o respectivo consignatário mediante a alteração dos dados básicos do CE que será automaticamente aceita pelo sistema.

Parágrafo único. Após a atracação da embarcação no primeiro porto de es-cala no País, a alteração deverá ser solicitada mediante função especifica de retificação disponível no sistema e somente será efetivada após a sua aceita-ção pela autoridade aduaneira.35

Feito isto, o endossatário é que passa a figurar como legítimo respon-sável pelos trâmites aduaneiros para com a Receita Federal do Brasil, uma

32 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Barueri: Manole, 2008. p. 260. 2. v.33 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Siscomex. Disponível em: <www.receita.fa-

zenda.gov.br/publico/Aduana/Siscomex/Carga/PerguntafrequentesSiscomexCarga.doc+&cd=1&hl=pt--BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 14 fev. 2016.

34 COIMBRA, Delfim Bouças. O conhecimento de carga no transporte marítimo. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2004. p. 30.

35 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 800, de 27 de dezem-bro de 2007. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15753&visao=anotado>. Acesso em: 15 fev. 2016.

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vez que a transferência da obrigação restou expressamente anuída por esta através do Siscomex, por meio da aceitação aposta no referido sistema.

Todavia, tal situação não se aplica em relação às obrigações possi-velmente existentes junto ao transportador, como frete e sobre-estadia de contêiner, uma vez que este não será cientificado do endosso do conheci-mento de embarque marítimo, quiçá manifestará concordância acerca desta verdadeira alteração do devedor.

Por isso, se analisado sob esta ótica, diga-se a transferência das obri-gações/débitos decorrentes do endosso do conhecimento de embarque, de-ve-se ter em mente que o instituto do endosso deverá seguir – em tese – as mesmas regras previstas à transferência de dívida (assunção), porquanto há a efetiva alteração do devedor frente ao título de crédito endossado.

Desta feita, pode-se afirmar que, quando da realização de um endos-so do conhecimento de embarque, dois institutos são mesclados, quais se-jam: [1] o endosso propriamente dito da propriedade da mercadoria e [2] o endosso revestido das características da assunção de dívida das obrigações que o endossante possuía para com o transportador.

Até mesmo porque, com a transmissão de direitos de uma mercadoria a outrem, não é razoável que o endossante permaneça com o ônus – diga--se deveres – inerentes a ela, os quais serão repassados concomitantemente ao endossatário.

Assim, o primeiro (endosso) se conclui com a simples assinatura do endossante no título. Já o segundo (assunção de dívida) requer um elemento extra para sua conclusão, a anuência do credor.

Frente às normas legais condizentes à assunção de dívida, percebe--se a necessidade clara da anuência do credor para sua efetivação, pois, na verdade, transferem-se as obrigações decorrentes do conhecimento de embarque a uma terceira pessoa (endossatário), havendo alteração do deve-dor primitivo para fins de cobrança de frete, custos atinentes à operação e eventual sobre-estadia de contêiner (demurrage).

Tal instituto encontra definição nos arts. 299 e seguintes do Código Civil, no qual um terceiro assume a obrigação do devedor primitivo com a expressa anuência do credor. Veja-se:

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o con-sentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, sal-vo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.36

36 BRASIL. Planalto. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 fev. 2016.

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Dada a análise do Código Civil brasileiro, é elementar a conclusão de que o credor (emissor do conhecimento de embarque marítimo) deve ser notificado e anuir expressamente sobre a alteração do devedor inicial (destinatário-consignatário), para que haja a transferência de deveres perpe-trado pelo devedor primitivo à terceira pessoa (endossatário).

Ora, em havendo alteração do devedor inicial, imprescindível que haja anuência expressa do credor, conforme recente julgado a respeito do tema:

Ação declaratória de inexigibilidade de título. Contrato de transporte maríti-mo. Sobre-estadia de contêiner. Previsão contratual. Discussão sobre a res-ponsabilidade pelo pagamento. Endosso realizado pela autora com terceiro não retira a sua responsabilidade, pois ela constou como consignatária no conhecimento de embarque. Cobrança devida. Regularidade da inscrição do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito. Sentença mantida. Recurso desprovido.37

Do inteiro teor do julgado citado acima, extrai-se:

[...]

A apelante não comprovou a anuência da apelada com o endosso realizado, razão pela qual é corresponsável pelas obrigações decorrentes do contrato de transporte.

[...]

Muito embora tal situação decorra da leitura lógica da legislação bra-sileira, a prática revela que o transportador (legítimo credor) não manifesta ciência, tampouco aquiescência sobre a transferência de direitos e deveres à terceira pessoa, por meio do endosso do conhecimento de embarque.

Curioso o fato de que, perante a Receita Federal do Brasil, assim en-tendida como credora das obrigações fiscais (principais e acessórias), há expressa concordância com a alteração de destinatários-consignatários (de-vedores).

Destarte, se analisadas exclusivamente as normas que regulam o en-dosso do conhecimento de embarque marítimo, poder-se-ia concluir pela dispensa de anuência do transportador (credor) acerca da transferência do destinatário-consignatário (devedor).

37 TJSP, APC 1103346-53.2014.8.26.0100, 29ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rel. Des. Maurício Pessoa, DJ 22.11.2016.

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Por outro lado, considerando que o ordenamento jurídico é singelo ao prever apenas os direitos decorrentes do endosso, bem assim que o sis-tema normativo deve ser analisado em sua completude, não se pode perder de vista a necessária aquiescência do credor nas assunções de dívidas como um todo.

Em arremate, não se pode desconsiderar a possibilidade de o emissor do conhecimento de embarque marítimo não reconhecer o endosso reali-zado entre o destinatário-consignatário da carga transportada e um terceiro (endossatário), quando não manifestada a sua anuência expressa.

Até mesmo porque, se assim não o fosse, estar-se-ia possibilitando a troca de um destinatário-consignatário provido de recursos financeiros por um terceiro (endossatário) com escasso aporte financeiro, sem que o credor nem ao menos tomasse conhecimento desta cena econômica.

Situação diversa também poderá ser interpretada – haja vista a com-plexidade envolta na hermenêutica jurídica – caso ponderada a especifici-dade do instituto do endosso ao conhecimento de embarque marítimo, do-cumento dotado de singularidade pouco difundida, ou ainda, pela própria ausência de previsão legal no que tange à transferência de obrigações nos artigos que versam sobre o endosso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto, infere-se que o acervo normativo atinente ao endosso do conhecimento de embarque preconiza, tão somente, os aspec-tos relativos à propriedade e direitos sobre a carga transferida, quedando-se inerte no que se refere às obrigações/incumbências, também derivadas da realização do endosso.

Isto porque, quando da realização do endosso do conhecimento de embarque, haverá alteração do destinatário-consignatário em relação do transportador, passando um terceiro (endossatário) a figurar como 1) detentor de direitos no que tange à mercadoria transportada e 2) responsável pelas obrigações/incumbências junto ao transportador e à Receita Federal do Brasil.

No ponto, observa-se como requisito essencial à validação do endos-so a anuência expressa da Receita Federal do Brasil através do Siscomex, para que haja a perfectibilização da transferência das obrigações fiscais, nos termos da IN RFB 800/2007.

Noutro norte, nota-se que o mesmo não ocorre em relação ao trans-portador, o qual acaba por não ter ciência do endosso, tampouco manifesta

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26 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

sua anuência quanto ao ato praticado, embora figure como credor de pos-síveis valores devidos a título de frete e custos correlatos, bem assim sobre--estadia de contêiner (demurrage).

Assim, embora a legislação pátria referente ao endosso do conheci-mento de embarque marítimo silencie sobre as obrigações que, porventura, recairão sobre o novo destinatário-consignatário (endossatário), não se pode perder de vista o ordenamento jurídico como um todo e, neste diapasão, a necessária aquiescência do credor para com a alternância de devedor, tal como vislumbrada ao longo deste estudo.

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TJSP. Apelação Cível nº 1103346-53.2014.8.26.0100. Relator: Des. Maurício Pessoa. Órgão Julgador: 29ª Câmara Extraordinária de Direito Privado. Data de julgamento: 22.11.2016.

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Assunto Especial – Doutrina

III Workshop – Temas Contemporâneos de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário

O Regramento dos Serviços de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE) e Sua Interpretação pelos Tribunais

DIEgO DE PAuLALL.M., Advogado, Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/SC.

RESUMO: Este estudo aborda o regramento regulatório dos serviços de segregação e entrega (SSE), também conhecido como THC2, com análise crítica do conceito adotado e a evolução jurisprudencial sobre o tema. Concluímos pela legalidade da cobrança que vem sendo reconhecida pelos Tribunais pátrios.

PALAVRAS-CHAVE: Serviços de Segregação e Entrega – SSE; conceituação legal; jurisprudência.

ABSTRACT: The paper addresses the regulatory framework of segregation and delivery services (SSE), also known as THC2, with a critical analysis of the concept adopted and the jurisprudential evolution on the subject. It is concluded by the legality of the charge that has been recognized by the national Courts of Justice.

KEYWORDS: Segregation and Delivery Services – SSE; legal conceptualization; jurisprudence.

SUMÁRIO: 1 Introdução: o que é o serviço de segregação e entrega de contêineres; 2 Inadequação do termo “THC2”; 3 Fundamentos para cobrança do SSE; 4 Posição dos Tribunais; 4.1 Posiciona-mentos contrários à cobrança; 4.2 Recentes posicionamentos favoráveis à cobrança; 5 Conclusões; Referências.

1 INTRODUÇÃO: O QUE É O SERVIÇO DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES

A descrição e os limites das cobranças do Terminal Handling Charge (THC) e da Cesta de Serviços (Box Rate) encontram-se reguladas pela Agên-cia Nacional dos Transportes Aquaviários na Resolução nº 2389, de 13 de fevereiro de 2012, que visou a pacificar o setor portuários em razão dos diversos questionamentos de terminais e usuários quanto ao tema.

Importante notar que tal resolução é direcionada em seu art. 1º, espe-cificamente às instalações de uso público, nos portos organizados1, todavia,

1 Brasil. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016.

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isso não afasta sua importância para fins de disciplinamento da questão, como veremos.

No fluxo da importação, os terminais portuários cobram dos armado-res um preço contratualmente ajustado para retirar os contêineres da em-barcação e colocá-los na pilha do pátio de armazenagem (Box Rate), assim descrito na norma:

Art. 2º [...]

[...]

VI – Cesta de Serviços (Box Rate): preço cobrado pelo serviço de movimen-tação das cargas entre o portão do terminal portuário e o porão da embarca-ção, incluída a guarda transitória das cargas até o momento do embarque, no caso da exportação, ou entre o porão da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário, no caso da importação, considerando-se, neste último caso, a inexistência de cláusula contratual que determine a entrega no portão do terminal;

[...].2

O armador, por sua vez, cobra do consignatário, a título de ressar-cimento, as despesas assumidas com a movimentação das cargas, pagas ao terminal portuário (o chamado THC). Em outras palavras, a cobrança é incorporada no preço do frete e repassada ao responsável da carga. O THC se encontra assim descrito na norma:

Art. 2º [...]

[...]

VII – Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge – THC): preço cobrado pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão do terminal portuário e o costado da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas até o momento do embarque, no caso da exportação, ou entre o costado da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário, no caso da importação, considerando-se, neste último caso, a inexistência de cláusula contratual que determine a entrega no portão do terminal;

[...].3

2 Brasil. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016

3 Brasil. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016.

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Quando a mercadoria, no fluxo de importação, é desembaraçada no próprio recinto que recebeu a carga, pouca discussão há sobre o tema.

Por outro lado, desde o fim da década de 1990 se tem discutido sobre a cobrança dos serviços de segregação e entrega de contêineres quando, após a descarga e armazenagem, recintos de zona secundária (retropor-tuários) transferem as cargas para desembaraço fora da zona primária por meio das diversas formas de declaração de trânsito aduaneiro (DTA, DTC, DTE, DTA pátio), com supedâneo especialmente na Instrução Normativa nº 248/20024 da Secretaria da Receita Federal, ou seja, conforme um regra-mento estritamente aduaneiro.

Assim, em cumprimento à solicitação do recinto de zona secundá-ria, o terminal “molhado” que recebeu a carga cobra por este novo serviço (retirada do contêiner da pilha de armazenamento, controles burocráticos e entrega no portão do terminal). Este o principal ponto de discussão.

Existem posições de usuários deste serviços que por algum tempo foram sustentadas pelos Tribunais (como veremos mais adiante), críticas à cobrança, por exemplo: de que não haveria serviço prestado pelo terminal molhado na entrega da carga em trânsito aduaneiro; que tal serviço de se-gregação deveria estar incorporado no preço cobrado à título de THC; que a definição de Box Rate trazida pelo regulador, ao não envolver necessaria-mente a entrega final no portão do terminal portuário, teria sido “encurtada” e que tal cobrança caracterizaria bis in idem. Assim, esta ideia de duplicida-de de cobranças é que levou a ser cunhada na expressão: “THC2”.

Por seu turno, os terminais portuários molhados entendem que há efetivamente um serviço prestado na segregação e entrega das unidades, em estrito cumprimento às específicas normas aduaneiras e regulatórias, trazendo nas tabelas de preços a expressão “serviço de segregação e entrega de contêineres”, SSE ou outra denominação equivalente.

2 INADEQUAÇÃO DO TERMO “THC2”

Posta a discussão, se seria possível ou não a cobrança pelos serviços de segregação e entrega da carga conteinerizada, cabe uma breve reflexão quanto à inadequação da expressão “THC2”.

Tal expressão não está descrita em nenhuma norma que regulamente a atividade portuária no Brasil, especialmente as editadas pela Antaq.

4 Brasil. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa nº 248, de 25 de novembro de 2002. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15125>. Acesso em: nov. 2016.

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Destarte, sua utilização, a nosso ver, além de uma inovação sem fun-damento técnico ou legal, data venia, pressupõe uma tendência de simpli-ficar e induzir o interlocutor a entender pela duplicidade da cobrança da THC, o que, salvo melhor juízo, não acontece.

Assim, optou-se neste estudo por referir-se à cobrança pela segre-gação e entrega por “SSE”, conforme consta das tabelas de preços dos ter-minais que efetivamente prestam o serviço e como referenciado nos mais recentes precedentes jurisprudenciais.

3 FUNDAMENTOS PARA COBRANÇA DO SSE

Os terminais molhados fundamentam a cobrança dos serviços de se-gregação e entrega das cargas em contêineres, uma vez que o manejo e a movimentação da carga da pilha de armazenagem até o portão demandam serviços com o gasto de recursos humanos e financeiros adicionais às des-critas no Box Rate que, por isso, precisam ser remunerados.

Em outras palavras, a cobrança do SSE pelos terminais portuários tam-bém se justifica na medida em que hoje, nos termos da Resolução Antaq nº 2389/20125, o serviço de movimentação de cargas na importação pres-tado aos armadores (Box Rate) abrange somente as etapas entre o porão da embarcação e a sua colocação na pilha do terminal portuário (do porão à pilha), conforme descrito expressamente na norma.

Da pilha de contêineres ao portão do terminal existe um segundo serviço complementar, o de segregação e entrega – SSE, de livre negociação entre o terminal portuário e o cliente, não mais o armador, mas o importa-dor ou diretamente o recinto retroportuário que pretende a transferência da carga.

Assim, se tal serviço não foi contratado como integrante do Box Rate e se encontra devidamente definido na tabela de preços do terminal por-tuário, quando for demandado pelo recinto de zona secundária, ou pelo cliente, como um serviço complementar, não há óbice para sua cobrança.

Neste sentido, esclarecedora é a Resolução Antaq nº 2389/2012:

Art. 5º Os serviços não contemplados no Box Rate, quando demandados ou requisitados pelos clientes ou usuários do terminal sob a responsabilidade de operadores portuários, obedecerão condições de prestação e de remu-

5 Brasil. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016.

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32 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

neração livremente negociadas com o operador portuário ou divulgadas em tabelas de preços de serviços, observados os tetos de preços fixados pela Autoridade Portuária e as condições comerciais estipuladas no contrato de arrendamento.6

Com efeito, o SSE envolve tanto a realização de operações físicas (co-locação e retiradas do contêiner da pilha de armazenagem, posicionamen-to da unidade de carga para pesagens, conferências de lacres, etc.) como também questões burocráticas e administrativas (agendamento, conferência documental, preenchimento de informações nos sistemas de controle de alfândega, entre outros).

A complexidade dessas operações sofre variações conforme o tipo de contêiner, o tipo de trânsito aduaneiro (DTA, DTA pátio, DTC/DTE) e a legislação aduaneira local, pois, a depender da regra local, os mais variados prazos para disponibilização da carga são aplicáveis.

Portanto, THC e SSE são as duas parcelas, não sobrepostas nem exclu-dentes, cobradas pelo terminal para que, na importação, o contêiner percor-ra o caminho do porão do navio à pilha de armazenagem e, posteriormente, ao portão para a entrega, caso a unidade seja retirada para desembaraço em outro recinto cumprindo as normas aduaneiras.

Nas situações em que o desembaraço se dê no terminal de descarga, não há atividades complementares envolvidas no SSE por não exigirem ope-rações, procedimentos ou autorizações relacionadas ao trânsito aduaneiro.

Dada efetiva existência de uma prestação de serviço complexa, caso não houvesse a devida remuneração desta prestação (na movimentação para liberação das cargas em trânsito aduaneiro), ocorreria um evidente de-sequilíbrio em desfavor do terminal de descarga da unidade.

Cabe, ainda, ressaltar que o THC, como descrito na norma, busca re-munerar o custo total do armador para operar em um terminal. Esses custos não sofrem qualquer variação em função do recinto alfandegado onde a carga de importação será nacionalizada (se no mesmo terminal da descarga ou em zona secundária).

Por esse motivo, o SSE é prestado e cobrado somente com relação a uma parcela das cargas de importação que forem efetivamente transferidas a outros recintos alfandegados, caracterizado como serviço complementar.

6 Brasil. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016.

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4 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS

Desde o final da década de 1990 se discute quanto à legalidade da cobrança pela segregação e entrega das cargas conteinerizadas nos casos de trânsito aduaneiro.

Esta matéria já foi muito debatida nos mais diversos Tribunais. Cabe registro de que não seria adequado relatar todos os precedentes sobre o as-sunto, dada a grande extensão da discussão. Não obstante, objeto principal deste ponto é demonstrar uma alteração no posicionamento dos Tribunais que, em um primeiro momento, eram extremamente refratários ao SSE e hoje passam a reconhecer a existência de um efetivo serviço prestado e a legalidade da cobrança respectiva.

4.1 Posicionamentos contrários à cobrança

Em um primeiro momento da discussão, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) lavrou os paradigmáticos acórdãos nos Proces-sos nºs 08012.001518/2006-37 e 08012.007443/1999-17, que reconhece-ram a ilegalidade da cobrança do SSE (chamado de THC2), especialmente por inadequações e incompatibilidade com o regramento dos contratos de arrendamento dos terminais de uso público representados. Também no Ju-diciário, inicialmente, os posicionamentos não eram favoráveis, vejamos:

Apelação. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica. Relação entre operadora de porto organizado e terminal retroportuário alfandegado (“terminal seco”). Inexistência de prestação de serviços. Os serviços que a operadora alega prestar ao “terminal seco” estão incluídos na atividade de “capatazia” e são remunerados pela THC (Terminal Handling Charge), que é paga pelo armador, o qual age por conta do importador. Destinatário dos serviços realizados pela operadora portuária é o importador e não o recinto retroportuário. Ausência de manifestação de vontade, expressa ou tácita, que justifique relação obrigacional entre as partes. Recurso da autora provido, para declarar a inexistência de relação jurídica entre a operadora portuária e o recinto retroportuário, prejudicado o apelo da ré.7

CAMBIAL – DUPLICATA – Prestação de serviço portuário. Não comprova-ção, ônus que incumbia ao réu, de que na espécie incidiria a taxa denomi-nada THC2 (com custo adicional) e não a THC (suportada pelo armador, e que não se confunde com a autora). Prova pericial técnica e oral que de-sautorizam a cobrança do encargo adicional (THC2) pelo requerido. Co-brança indevida. Não caracterização de qualquer das hipóteses previstas no

7 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 9205384-94.2006.8.26.0000, 29ª CDPriv., Rel. Pereira Calças, J. 04.10.2006.

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art. 333, inciso II, do CPC. Preliminar suscitada em contrariedades afastada. Declaração de inexigibilidade dos títulos que era de rigor. Sentença mantida. Recursos não providos.8

AGRAVO REGIMENTAL – Interposição contra decisão que deu parcial pro-vimento a agravo de instrumento tirado pela ora agravada para antecipar em parte antecipação de tutela. Razoabilidade. Taxa de segregação e entrega de contêineres (THC2). Cobrança considerada ilegal pelo Cade. Deferimento da medida, de outro lado, que ficou condicionado ao depósito judicial dos valores cobrados em razão da THC2. Direito de ambas as partes litigantes garantido com a determinação. Recurso improvido.9

Assim os posicionamentos contrários à cobrança vinham se deixando levar pela referência à duplicidade que indica a expressão “THC2”, que acabou virando sinônimo de cobrança indevida.

4.2 recentes Posicionamentos favoráveis à cobrança

Quando um estudo mais apurado passou a ser feito, especialmente nos questionamentos judiciais dos terminais de uso público quanto às deci-sões condenatórias do Cade, passou-se a delinear um novo entendimento, mais recente.

Observe-se a decisão em 2011 que anulou o acórdão do Cade no Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17 pelo TRF1:

ADMINISTRATIVO E CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – TERCEIRO PREJUDICADO – CONTROVÉRSIA ACERCA DA COBRANÇA PELOS SER-VIÇOS DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES – [...] 2. Legítima a cobrança pelo Arrendatário do Porto de Santos/SP do preço por serviços por ele prestados aos terminais retroalfandegados, consistentes em segregar, separar e entregar cargas aos recintos alfandegados (portos secos), a despei-to da posição contrária manifestada pelo Conselho Administrativo de De-fesa Econômica – Cade (Processo administrativo nº 08012.007443/99-17). 3. Caso em que o sobredito preço, denominado THC2, na realidade, não seria um valor exigido apenas em razão da liberação de mercadorias do costado do navio à pilha comum do terminal portuário. Representa, sim, a contrapartida de uma efetiva movimentação e transporte de contêineres a partir do ponto onde são armazenados (pilha comum), em função das quais o operador portuário utiliza-se de empilhadeiras, guindastes e caminhões próprios, conduzindo a carga até a entrega a quem representa os recintos

8 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 0079498-73.2008.8.26.0000, 17ª CDPriv., Rel. Maia da Rocha, J. 04.03.2009.

9 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo Regimental nº 0205702-60.2011.8.26.0000, 14ª CDPriv., Relª Lígia Araújo Bisogni, J. 30.11.2011.

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alfandegados (portos secos). É inconteste que os operadores portuários pres-tam relevantes serviços de desembarque e movimentação de contêineres, os quais beneficiam diretamente os terminais retroalfandegados e que, por isso mesmo, não podem ficar sem o correspectivo ressarcimento ou remunera-ção. 4. A Antaq, ao exercer sua competência regulatória no âmbito das ati-vidades portuárias, deliberou, por meio do Acórdão nº 13/2010, com apoio no art. 67 da Lei nº 10.233/2001, manter decisão de sua diretoria colegiada anterior (Acórdão de 17.02.2005, DOU de 01.03.2005) e determinar que a Codesp estabeleça o valor a ser cobrado pelos operadores portuários aos recintos alfandegados, reconhecendo, assim, a existência dos serviços por eles prestados, tendo, ainda, disposto que o preço fixo estabelecido pela autoridade portuária, determinado e limitado, não poderá ser utilizado como ferramenta anticoncorrencial, em ordem a não oferecer, assim, potencialida-de ou risco de prática abusiva, prejudicial à livre concorrência. 5. Além da motivação desenvolvida no voto, tem-se, ainda, que o quadro de legalidade e o respaldo jurídico da cobrança pela prestação de serviços de segregação e entrega de contêineres (SSE) pelos operadores portuários do Porto de San-tos, mesmo em face da deliberação do Cade, foram lucidamente expostos e elucidados, de forma exemplar, pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em parecer constante dos autos, exarado a pedido de outra empresa desse mesmo ramo de atividade. 6. Relevante anotar que, “a partir de 1995, o Governo Federal promoveu licitações para outorga de arrendamento dos terminais de uso público, dentre os quais apresentavam grande relevância àqueles que movimentavam contêineres. O critério de julgamento das lici-tações foi a maior oferta de remuneração pelo arrendamento. Como decor-rência, as empresas arrendatárias desembolsaram valores vultosos em favor do Estado brasileiro. Além disso, realizaram investimentos de grande porte para a recuperação e ampliação das infra e superestruturas portuárias. Ao longo do tempo, esses terminais vêm desempenhando com grande eficiência a movimentação de cargas e descargas de contêineres, não obstante a ne-cessidade de observância de uma grande variedade de deveres e obrigações em face das autoridades públicas. Ressalte-se que as arrendatárias pagam à Administração federal valores relativos tanto à ocupação das áreas como proporcionais à movimentação realizada” (Regulação portuária e concorrên-cia, terminais de uso público e de uso privativo misto, excerto do parecer do Professor Adilson Abreu Dallari, p. 8 e ss.). 7. Agravo de instrumento desprovido.10

O acórdão do TRF1ª reconhece a existência de um serviço efetiva-mente prestado, sendo devida a correlata remuneração.

10 Brasil. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Ag 0036328-75.2011.4.01.0000/DF, 5ª T., Rel. Des. Federal Fagundes de Deus, e-DJF1 de 25.11.2011, p. 579.

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Também o TRF3ª Região, em 2015, anulou decisão do Cade que ha-via concluído pela ilegalidade da cobrança do SSE pela Santos Brasil Parti-cipações S/A:

ADMINISTRATIVO – TRIBUTÁRIO – CADE – EXIGIBILIDADE DA TAXA DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES (THC2 – TERMINAL HANDLING CHARGE) – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL – CONDENAÇÃO DO ASSISTENTE LITISCONSORCIAL EM HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – POSSIBILIDADE – [...] Não sendo a segregação e movi-mentação de contêineres prevista dentro do contrato de arrendamento como serviço básico de movimentação (horizontal), deve ser cobrada a THC2 da-queles que dele se beneficiam, sob pena de sufragar-se o enriquecimento sem causa. Estando a Codesp a fiscalizar e fixar valores para esse serviço complementar, não é dado ao Cade imiscuir-se em setor concedido, ignoran-do fortemente a atuação da agência reguladora – Antaq. Apelação da União Federal provida para excluí-la da lide. Remessa oficial parcialmente provida. Apelação do autor Santos Brasil Participações S/A parcialmente provida para o fim de anular a decisão do Cade e a consequente imposição de multa e declarar apenas em relação à Codesp prejudicado o pedido vertido com a inicial. Apelação do Cade e da Marimex Despachos, Transportes e Serviços Ltda. improvidas.11

E no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde a matéria ini-ciou as discussões judiciais em razão dos diversos conflitos sobre o tema no Porto de Santos, a discussão em ação civil pública de grande relevância confirma a legalidade da cobrança do SSE:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TARIFA DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CON-TÊINERES – THC2 – NÃO CONFIGURAÇÃO DE OFENSA À LIVRE CON-CORRÊNCIA, À ORDEM ECONÓMICA E AOS CONSUMIDORES – R. SEN-TENÇA MANTIDA – Adstrito exclusivamente aos elementos constantes dos autos, infere-se que a cobrança da tarifa de segregação e entrega de contê-ineres, conhecida como THC2, não configura ofensa à livre concorrência, à ordem económica e aos consumidores. Cobrança que remete a período anterior à privatização do Porto Organizado de Santos, em que a Codesp atuava diretamente na movimentação e entrega de contêineres aos recintos alfandegados, não se tratando, assim, de criação dos operadores portuários privados. Autoridade portuária incumbida de coibir práticas lesivas à livre concorrência concebe a cobrança da THC2 como legítima, inclusive regu-lando e fiscalizando os preços cobrados dos recintos alfandegados. Não con-

11 Brasil. Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Apelação/Reexame Necessário nº 0014995-56.2005.4.03.6100/SP, Desª Federal Marli Ferreira, J. 26.02.2015, Publ. 26.03.2015.

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figuração de ofensa aos preceitos dispostos na Lei nº 8.884/1994, nem lesão a interesses difusos. R. sentença mantida. Recurso não provido.12

Por fim, revelando o que nos parece como uma tendência firme da jurisprudência pátria, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reforçou o entendimento pela legalidade da cobrança com uma recente decisão de outubro/2016, vejamos:

TRANSPORTE MARÍTIMO – SERVIÇOS DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES – TARIFA THC2 – Ação declaratória de inexistência de re-lação jurídica cumulada com a de inexigibilidade de dívida. Reconvenção. Procedência da ação principal e improcedência do pedido reconvencional. Apelação de parte a parte. Pretensão da ré reportada à legitimidade da tarifa cobrada. Pretensão da autora voltada à majoração da verba honorária. Servi-ços de segregação e entrega de contêineres. Cobrança de tarifa denominada THC2. Tarifa que não se confunde com aquela denominada THC. Legiti-midade reconhecida pelas autoridades regulatória e administrativa (Antaq/Codesp). Decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, que determinou a cessão da cobrança, declarada nula pela Justiça Federal. Legalidade da tarifa reconhecida pela Justiça Federal e por esta eg. Corte. Precedentes. Sentença reformada. Ação principal improcedente e proceden-te o pedido reconvencional. Recurso da ré provido e não provido o adesivo da autora.13

5 CONCLUSÕES

Este estudo buscou verificar na prática o que significa o “serviço de segregação e entrega de contêineres” (SSE), podendo observar que se trata de uma série de prestações de serviço levadas à efeito pelos terminais por-tuários “molhados” para a entrega das unidades de carga no fluxo de impor-tação segundo os ditames do trânsito aduaneiro.

Tal cobrança foi taxada com a alcunha de “THC2”, data venia sem fundamento técnico ou legal, o que levou à tendenciosa indicação de que seria uma cobrança duplicada do Terminal Handling Charge (THC), disci-plinado pela Agência Nacional dos Transportes Aquaviários pela Resolução nº 2389/2012 e que não se confunde com os serviços que compõe o SSE.

12 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 9139157-20.2009.8.26.000, 37ª CDPriv., Rel. Roberto Mac Cracken, J. 09.02.2012, data de registro 28.02.2012.

13 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 1001108-25.2014.8.26.0562, 23ª CDPriv., Rel. Sebastião Flávio, J. 05.10.2016, data de registro: 11.10.2016.

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A cobrança foi fortemente questionada perante os diversos Tribunais que trataram do assunto (Cade, TCU e Judicial), sendo que as posições fo-ram inicialmente muito refratárias à cobrança dos SSE.

Todavia, após precedentes do Cade e do Judiciário condenando a co-brança, recentemente denota-se uma mudança nesse posicionamento, em primeiro com a anulação das condenações exaradas pelo Cade no âmbito judicial.

Esses posicionamentos mais recentes reconhecem a efetiva prestação de um serviço que deve ser remunerado, a publicidade dada a estes pre-ços, a possibilidade de livre negociação, o reconhecimento pela Agência Reguladora da regularidade da cobrança e a ausência de potencialidade anticoncorrencial, com uma aparente consolidação da jurisprudência pela legalidade da cobrança, conforme precedentes levantados.

REFERÊNCIASBRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Resolução nº 2.389, de 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/pdfSistema/Publicacao/0000004915.pdf>. Acesso em: nov. 2016.

______. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa nº 248, de 25 de novembro de 2002. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15125>. Acesso em: nov. 2016.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo Regimental nº 0205702-60.2011.8.26.0000, 14ª CDPriv., Relª Lígia Araújo Bisogni, J. 30.11.2011.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 0079498-73.2008.8.26.0000, 17ª CDPriv., Relª Maia da Rocha, J. 04.03.2009.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 1001108-25.2014.8.26.0562, 23ª CDPriv., Rel. Sebastião Flávio, J. 05.10.2016, data de registro: 11.10.2016.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 9139157-20.2009.8.26.000, 37ª CDPriv., Rel. Roberto Mac Cracken, J. 09.02.2012, data de registro 28.02.2012.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 9205384-94.2006.8.26.0000, 29ª CDPriv., Rel. Pereira Calças, J. 04.10.2006.

______. Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Agravo nº 0036328-75.2011.4.01.0000/DF, 5ª T., Rel. Des. Federal Fagundes de Deus, e-DJF1 de 25.11.2011, p. 579.

______. Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Apelação/Reexame Neces-sário nº 0014995-56.2005.4.03.6100/SP, Desª Fed. Marli Ferreira, J. 26.02.2015, Publ. 26.03.2015.

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Assunto Especial – Doutrina

III Workshop – Temas Contemporâneos de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário

Problemática Imposta pelo Artigo 6º, § 2º, Inciso II, do Decreto nº 8�465/2015 à Arbitragem no Setor Portuário

nATHALIA MEnESES DA SILVAAdvogada Especialista em Direito Administrativo.

RESUMO: A exploração dos portos é de suma importância para os cenários administrativo, político, econômico e jurídico do País. A possibilidade de aplicação da arbitragem para dirimir litígios nos con-tratos administrativos do setor portuário visa a agilizar e facilitar as resolução de problemas. Assim sendo, o objetivo geral da pesquisa é verificar quais os problemas impostos pelo art. 6º, § 2º, inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à arbitragem no setor portuário. Para tanto, analisou-se o instituto da arbitragem, focando em sua aplicação no setor público e verificando também as características dos contratos administrativos e portuários, para que fosse possível averiguar possíveis problemas advin-dos da norma supracitada na arbitragem aplicada ao setor portuário.

PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem; portuário; contratos administrativos.

ABSTRACT: The ports exploitation is a subject of great importance in administrative, political, econo-mic and juridic cenario. The possibility to deploy arbitration to undo conflicts regarding governments contratcs in the port sector intends to facilitate and accelerate the problems resolution. For this reason, the main objective of this article is to assess what problems may arise from the enforcement of the subsection I, § 2º, Executive Order nº 8.465/2015 to arbitration in the port sector. Thus, the arbitration institute has been appraised with focus on its application to the public sector as well as verified the government and port contratcs caracteristics, in order to make possibile to predict feasil-be problems accrued from the afore mentioned legilation in the sense of arbitrage in the public sector.

KEYWORDS: Arbitration; government contracts; port.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Arbitragem; 1.1 Conceituação, histórico e caracterização; 2 Arbitragem no setor público; 3 Contratos administrativos do setor portuário; 4 Arbitragem no setor portuário; 5 Problemática imposta pelo artigo 6º, § 2º, inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à arbitragem no setor portuário; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa a verificar a problemática imposta pelo art. 6º, § 2º, inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à arbitragem no setor portuário.

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O transporte aquaviário é o meio mais utilizado para ao fluxo mun-dial de mercadorias, fazendo com que a exploração dos portos seja de suma importância para os cenários administrativo, político, econômico e jurídico do País.

A possibilidade de aplicação da arbitragem para dirimir litígios nos contratos administrativos do setor portuário visa a agilizar e facilitar as resoluções de problemas, mostrando-se importante verificar as dificulda-des que podem decorrer da previsão do art. 6º, § 2º, inciso II, do Decreto nº 8.465/2015.

Esta ideia por si só justifica a relevância social do artigo. Entende-se que a relevância científica se dá pela especificidade do tema e sua relação direta com o direito administrativo.

O objetivo geral do artigo é verificar a problemática imposta pelo art. 6º, § 2º, inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à arbitragem no setor portu-ário. Utiliza-se, na fase de investigação, o método indutivo; na fase de trata-mento de dados, o método também é o indutivo, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental.

1 ARBITRAGEM

1.1 conceituação, histórico e caracterização

A arbitragem é um meio alternativo de resolução de conflitos mais antigos, em que as partes imputam a um terceiro, de sua escolha, o poder de decidir sobre seu desentendimento. Essa atribuição à pessoa alheia àquela relação faz com que o processo decisório seja mais ágil e sigiloso, causando um senso de justiça e até mesmo preservando a continuidade do vínculo entre as partes.

Para Irineu Strenger, citado por Cretella Neto1, a arbitragem é um “sistema de solução de pendências, desde pequenos litígios pessoais até grandes controvérsias empresariais ou estatais, em todos os planos do Direi-to, que expressamente não estejam excluídos pela legislação”.

Ao longo do tempo, muitos foram os meios utilizados para a resolu-ção de controvérsias, sendo que a arbitragem esteve sempre presente, cons-tituída como um dos institutos com tal finalidade, usada tanto nas relações

1 CRETELLA NETO, José. Curso de arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, lei brasileira de arbitragem, direito privado brasileiro aplicável à arbitragem, instituições internacionais de arbitragem, convenções internacionais sobre arbitragem. 2. ed. Campinas, SP: Millennium, 2009. p. 5.

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públicas quanto nas privadas, havendo notícias da sua existência no Direito hebraico e entre os povos gregos2.

No Brasil, desde os tempos da Colônia, a arbitragem está presente no ordenamento jurídico, sendo prevista, inclusive, na primeira Constituição Federal de 1824. Entre as normas que disciplinaram a matéria no Brasil, destacam-se o Código Comercial de 1850, o Código Civil de 1916 e os Có-digos de Processo Civil de 1939 e 1973.

Ainda que sempre consagrada na legislação e permitido o seu uso, a arbitragem não fora amplamente empregada na prática no País por mui-tos anos, sendo considerada “letra morta” ante sua pouca utilização3. Silva destaca:

Como se constata, apesar de sua previsão desde as primeiras manifestações da ordenação jurídica do País, a arbitragem nunca teve papel relevante no sistema jurídico brasileiro. Ela era considerada letra morta por sua pouca ou nenhuma aplicação.4

Os doutrinadores associam a não utilização do instituto principal-mente à burocracia que não dava a segurança esperada pelas partes, à ine-ficácia da cláusula compromissória e à ausência de caráter impositivo da decisão5.

Foi com a promulgação da Lei nº 9.307/1996 que este quadro jurídi-co passou a mudar, e a arbitragem passou a se efetivar no Brasil. O aumento de sua utilização como meio de resolução de controvérsias se deve, em grande parte, às inovações trazidas pela Lei de Arbitragem6.

Entre as principais inovações, têm-se o efeito vinculante da cláusula compromissória; a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato; a equivalência da sentença arbitral à sentença judicial; e a irrecor-ribilidade da sentença arbitral.

Por meio do processo de arbitragem, as partes acordam que seus li-tígios serão submetidos ao julgamento de particulares de sua escolha, po-dendo a arbitragem ser conceituada como “um mecanismo ou técnica de solução de controvérsias instaurada pelas próprias partes, mediante a inter-

2 STEIN, Raquel. Arbitrabilidade no direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 2.3 RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey,

2006. p. 51.4 SILVA, Adriana S. Acesso à justiça e arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. Barueri, SP: Manole,

2005. p. 27.5 Idem, p. 25.6 RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Op. cit., p. 52.

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venção de terceiro ou terceiros, expressamente autorizado ou autorizados pelos litigantes”7.

A importância deste instituto é amplamente reconhecida, principal-mente na esfera comercial, em razão de sua agilidade, discrição e possibi-lidade de análise do litígio por árbitros com competência técnica e prática na área.

Além disso, como bem ressalta Stein,

a arbitragem viabiliza um solução fundada na confiança das partes, visto que suas respectivas declarações de vontade estabelecerão as normas pelas quais as suas condutas serão pautadas, bem como as estruturas de conservação do seu vínculo contratual.8

As partes podem optar em preestabelecer a utilização da arbitragem em caso de litígio futuro – cláusula compromissória – ou decidir pela mes-ma após formado o litígio – compromisso arbitral.

A cláusula compromissória, conforme conceito trazido pelo texto da Lei de Arbitragem, é “a convenção por meio da qual as partes em um con-trato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”9. Tal cláusula deve ser instituída por es-crito e tem força vinculante, eis que “obriga as partes a direcionar conflitos ao Juízo Arbitral”10.

O compromisso arbitral, por sua vez, “é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, poden-do ser judicial ou extrajudicial”11, ou seja, quando já existente um conflito entre as partes, estas decidem direcioná-lo à arbitragem para solução da questão.

Ambas as formas, no entanto, levam em conta o desejo das partes e a confiança recíproca, eis que instituem juntas sobre o(s) árbitro(s) e procedi-mentos a serem utilizados.

7 CRETELLA NETO, José. Op. cit., p. 11.8 STEIN, Raquel. Op. cit., p. 12/13.9 Brasil. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, art. 4º. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.10 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: Resolução CNJ nº 125/2010. 5. ed.

rev. e atual. de acordo com a Lei nº 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei nº 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 191.

11 Brasil. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, art. 9º. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

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2 ARBITRAGEM NO SETOR PÚBLICO

Desde antes da promulgação da Lei da Arbitragem e principalmente após esta, o emprego da arbitragem para resolução de litígios entre parti-cular e Estado tem sido prevista em diversas oportunidades na legislação pátria.

Destaca-se a Lei nº 7.86212, que em 1989 já previa para os contratos da Nuclebrás e suas subsidiárias, da Infaz, do BNCC e da RFFSA a possibili-dade de submissão de possíveis controvérsias também à arbitragem13.

De igual forma, a Lei nº 11.079, de 200414 (Lei das Parcerias Público--Privadas), dispõe em seu art. 1115 que a minuta do contrato pode prever o emprego da arbitragem, desde que realizada no Brasil e na língua pátria.

E, ainda, a Lei nº 8.987/199516 (Lei de Concessões), em seu art. 23-A17, a partir da inclusão feita pela Lei nº 11.196, de 2005, passou a prever a pos-sibilidade de estipulação da arbitragem nos contratos de concessão, tam-bém respeitada a realização no País e na língua portuguesa.

Verifica-se o reconhecimento do instituto e a consolidação da arbitra-gem no cenário atual também pela iniciativa legislativa de alteração da Lei nº 9.307/1996, com a intenção de “expressamente tratar de sua utilização

12 Brasil. Lei nº 7.862, de 30 de outubro de 1989, art. 3º. Dispõe sobre a absorção, pela União, de obrigações da Nuclebrás e de suas subsidiárias, da Infaz, do BNCC e da RFFSA e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7862.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

13 “Art. 3º A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o Ministério a que se vinculem as entidades referidas no art. 2º, desta Lei, adotarão as providências necessárias à adaptação dos contratos, por elas firmados, aos preceitos legais que regem os contratos em que seja parte a União.

Parágrafo único. Nos aditivos a contratos de crédito externo constará, obrigatoriamente, cláusula excluindo a jurisdição de tribunais estrangeiros, admitida, tão-somente, a submissão de eventuais dúvidas e controvérsias à justiça brasileira ou à arbitragem, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974.”

14 Brasil. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, art. 11. Institui normas gerais para licitação e contrata-ção de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016

15 “Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

[...]

III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.”

16 Brasil. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, art. 23-A. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016

17 “Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.”

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pela Administração Pública direta e indireta, tal qual na prática em certa medida já se fazia”18.

A Lei de Arbitragem teve a introdução dos §§ 1º e 2º ao seu art. 1º, por meio da Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015, passando a dispor expressa-mente sobre a possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitra-gem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.

Cahali19 atribui o regramento sobre meios alternativos de resolução de controvérsias quando for parte a pessoa jurídica de direito público tam-bém à “consciência de que a Administração Pública, de um modo geral, é parte que muito congestiona o Judiciário”.

Assim, o Estado se mostra disposto a facilitar a resolução das contro-vérsias que possam surgir ao longo das suas relações contratuais estabeleci-das e ainda cria uma maior confiança na parte contrária, que se vê atuante no estabelecimento dos critérios julgadores.

3 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DO SETOR PORTUÁRIO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 21, inciso XII, alínea f, prevê a competência da União para a exploração direta ou mediante autorização, concessão ou permissão dos portos maríti-mos, fluviais e lacustres.

Para disciplinar a exploração, foi editada a Medida Provisória nº 595/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.815/201320, a qual revogou a antiga Lei dos Portos (Lei nº 8.630/1993).

18 CAHALI, Francisco José. Op. cit. p. 39.19 Idem, p. 28.20 Brasil. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de

portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis nºs 5.025, de 10 de junho de 1966, 10.233, de 5 de junho de 2001, 10.683, de 28 de maio de 2003, 9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nºs 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nºs 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

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A nova Lei dos Portos traz, já em seu primeiro artigo, a forma como se dará a exploração dos portos de forma indireta, assim dispondo:

Art. 1º Esta Lei regula a exploração pela União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos opera-dores portuários.

§ 1º A exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem pú-blico.

§ 2º A exploração indireta das instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado ocorrerá mediante autorização, nos termos desta Lei.

§ 3º As concessões, os arrendamentos e as autorizações de que trata esta Lei serão outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

Em seguida, o mesmo diploma conceitua os institutos da concessão, arrendamento e autorização, diferenciando estes tipos de contrato adminis-trativo21.

Uma das peculiaridades fundamentais dos contratos administrativos é a existência das cláusulas exorbitantes, regras “que conferem poderes con-tratuais especiais, projetando a Administração Pública para uma posição de superioridade diante do particular contratado”22, todas aplicáveis, também, aos contratos administrativos que regem o setor portuário.

Em contrapartida, tem-se o direito do particular ao equilíbrio eco-nômico-financeiro, que é a “relação que se estabelece, no momento da celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a con-traprestação assegurada pela Administração”23. Tal cláusula prevê possibi-lidade de alteração na remuneração devida ao contratado quando houver circunstância capaz de modificar sua margem de lucro24.

21 “Art. 2º da Lei nº 12.815/2013: Para os fins desta Lei, consideram-se:

[...]

IX – concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infra-estrutura por prazo determinado;

[...]

XI – arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado;

XII – autorização: outorga de direito à exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado e formalizada mediante contrato de adesão;

[...].”22 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 532.23 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 289.24 MAZZA, Alexandre. Op. cit., p. 534.

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Ainda que exista uma superioridade da Administração Pública nos contratos administrativos, muitas controvérsias podem deles surgir, cabendo às partes buscar um instituto que as solucione. O meio mais comum para estas resoluções ainda é o Poder Judiciário, mas a utilização da arbitragem tem crescido consideravelmente.

4 ARBITRAGEM NO SETOR PORTUÁRIO

Seguindo a tendência contemporânea, a nova Lei dos Portos previu, no § 1º do art. 62, a possibilidade da utilização da arbitragem para a solução de litígios referentes a débitos das concessionárias, arrendatárias, autoriza-tárias e operadoras portuárias de recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Antaq.

Ainda que desnecessária a disposição para tal autorização, eis que a Lei dos Portos se incluiria na regra geral de possibilidade de uso da arbitra-gem pela Administração Pública, verifica-se a mesma como um estímulo para o desenvolvimento do instituto no setor.

Passados dois anos da edição da Lei nº 12.815/2013, no entanto, a Presidente da República editou o Decreto nº 8.465/2015 a fim de regula-mentar o art. 62 da lei – ainda que este não necessitasse de regulamentação, já que remete, expressamente, ao procedimento da Lei de Arbitragem.

Em verdade, o governo se utilizou de meio incomum para inserir modificações importantes relativas aos parâmetros estabelecidos pela Lei nº 9.307/1996, como estipulação de prazo mínimo de defesa e de valor má-ximo para arbitragem singular e inaplicabilidade de honorários advocatícios sucumbenciais.

Entre as alterações significativas, destaca-se que o Decreto nº 8.465/201525, em seu art. 2º26, individualizou os tipos de litígio que po-dem ser objeto de arbitragem, incluindo as questões que se referem à re-composição do equilíbrio econômico-financeiro.

25 Brasil. Decreto nº 8.465, de 8 de junho de 2015. Regulamenta o § 1º do art. 62 da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, para dispor sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8465.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

26 “Art. 2º Incluem-se entre os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis que podem ser objeto da arbi-tragem de que trata este Decreto:

I – inadimplência de obrigações contratuais por qualquer das partes;

II – questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; e

III – outras questões relacionadas ao inadimplemento no recolhimento de tarifas portuárias ou outras obriga-ções financeiras perante a administração do porto e a Antaq.”

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Contrariamente a esta disposição, porém, trouxe, em seu art. 6º, § 2º, II, a impossibilidade de o reequilíbrio econômico-financeiro ser objeto de cláusula compromissória, resguardando tão somente a possibilidade de celebração de compromisso arbitral para dirimir lides sobre o assunto.

Ante a análise dessas disposições legais, percebe-se que o legislador é contraditório e impossibilita um acesso pleno aos meios alternativos de resolução de conflito, impondo uma problemática à arbitragem no setor portuário.

5 PROBLEMÁTICA IMPOSTA PELO ARTIGO 6º, § 2º, INCISO II, DO DECRETO Nº 8.465/2015 À ARBITRAGEM NO SETOR PORTUÁRIO

A possibilidade de uso da arbitragem nos contratos assumidos é as-sunto de grande importância para os empresários e investidores, inclusive os do setor portuário.

Esta importância advém de sua rapidez, discrição, possibilidade de escolha de árbitros que entendem as dinâmicas e técnicas do setor – estando mais aptos a analisar suas necessidades –, bem como da confiança na qual se funda o meio alternativo de solução de conflitos.

O que se percebe da análise do Decreto nº 8.465/2015, no entanto, é que o mesmo limita a cláusula compromissória de arbitragem, instituindo que deve excluir “de sua abrangência as questões relacionadas à recompo-sição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, sem prejuízo de posterior celebração de compromisso arbitral para a solução de litígios des-sa natureza”27.

Assim, só é possível a discussão da recomposição do equilíbrio eco-nômico-financeiro dos contratos fora do Judiciário depois da assinatura de um compromisso arbitral, ou seja, após o surgimento da controvérsia entre os litigantes, quando qualquer das partes pode demonstrar seu desinteresse em se valer da arbitragem.

Parece claro que existente um litígio, a parte analisará quem lhe seria mais favorável ao analisar o caso, se a arbitragem ou o Poder Judiciário, só aceitando o compromisso se lhe conviesse ou parecesse benéfica para seus interesses.

27 Brasil. Decreto nº 8.465, de 8 de junho de 2015, art. 6º, § 2º, II.

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A arbitragem se pauta, como já citado, na confiança entre as partes, eis que as normas que norteiam suas condutas são estabelecidas por suas próprias declarações.

Destarte, quando o Decreto nº 8.465/2015 define que, nos casos de desentendimento quanto à cláusula de reequilíbrio econômico-financeiro, a arbitragem só pode ser instituída quando as partes já possuem alguma di-vergência, tem-se um rompimento na confiança entre as partes, violando-se a essência da arbitragem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei nº 12.815/2013 foi editada com a intenção de fomentar o setor e desenvolver a estrutura portuária. A referida lei buscou seguir a tendência contemporânea, estimulando a utilização da arbitragem em todos os setores públicos, principalmente no que diz respeito aos contratos administrativos que regem a atividade, como foi muito bem exposto no § 1º de seu art. 62.

A edição do Decreto nº 8.465/2015, ao regulamentar esta utilização, tentou criar um tipo de arbitragem própria, criando diversas regras procedi-mentais e limitações, mostrando problemáticas advindas destas regulamen-tações e violando, em seu art. 6º, § 2º, inciso II, a essência da arbitragem de confiança entre as partes.

Não obstante os pontos controversos ressaltados, a relevância da ar-bitragem no País é mais uma vez confirmada pelo decreto, corroborando e revelando as vantagens de seu uso e a grande aceitação no Brasil.

REFERÊNCIASBRASIL. Decreto nº 8.465, de 8 de junho de 2015. Regulamenta o § 1º do art. 62 da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, para dispor sobre os critérios de arbi-tragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8465.htm> Acesso em: 5 fev. 2016.

______. Lei nº 7.862, de 30 de outubro de 1989. Dispõe sobre a absorção, pela União, de obrigações da Nuclebrás e de suas subsidiárias, da Infaz, do BNCC e da RFFSA e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7862.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

______. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de con-cessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Cons-tituição Federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

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______. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

______. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para li-citação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pú-blica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016

______. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desem-penhadas pelos operadores portuários; altera as Leis nºs 5.025, de 10 de junho de 1966, 10.233, de 5 de junho de 2001, 10.683, de 28 de maio de 2003, 9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nºs 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nºs 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5 de setem-bro de 2007; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm>. Acesso em: 5 fev. 2016.

CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: Resolução CNJ nº 125/2010. 5. ed. rev. e atual. de acordo com a Lei nº 13.129/2015 (Refor-ma da Lei de Arbitragem), com a Lei nº 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

CRETELLA NETO, José. Curso de arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, lei brasileira de arbitragem, direito privado brasileiro aplicável à arbitragem, instituições internacionais de arbitragem, convenções internacionais sobre arbitragem. 2. ed. Campinas, SP: Millennium, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

FARRANHA, Ana Claudia; FREZZA, Conrado da Silveira; BARBOSA, Fabiana de Oliveira. Nova lei dos portos: desafios jurídicos e perspectivas de investimentos. Revista Direito GV, São Paulo, jan./jun. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v11n1/1808-2432-rdgv-11-1-0089.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2016.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à justiça e arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. Barueri, SP: Manole, 2005.

STEIN, Raquel. Arbitrabilidade no direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

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Assunto Especial – Doutrina

III Workshop – Temas Contemporâneos de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário

Regulação sobre o Peso Bruto Verificado dos Contêineres

MAuRíCIO ZAnARDO FAggIOnAdvogado Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2009), Pós-Graduando em Direito da Aduana e Comércio Ex-terior pela Universidade do Vale do Itajaí, Mestrando em Direito Marítimo pela University of Southampton (2016-2017).

RESUMO: Breves considerações sobre a evolução da segurança da navegação, culminando com a nova obrigação imposta aos embarcadores pela mais recente emenda à Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida no Mar (Solas) 1974. A verificação do peso bruto dos contêineres entra em vigor com o objetivo de prevenir a instabilidade das embarcações, tanto durante o procedimento de carga e descarga como durante a navegação de longo curso, causadas por contêineres embar-cados com peso subestimado. Independente do país em que ocorra o embarque, o transportador não poderá carregar os contêineres que não receberem a verificação do peso bruto. A aceitação da unidade de carga sem a devida verificação tornará o navio em desconformidade com as regras de sua bandeira, demais estados e seguradoras, podendo deixá-lo responsavelmente vulnerável na ocorrência de um sinistro.

ABSTRACT: Brief considerations on the evolution of shipping safety, including the analysis of the new obligation imposed on shippers by the most recent amendment to the International Convention for the Safety of Life at Sea (Solas). The Verified Gross Mass (VGM) enters into force with the aim of preventing instability of vessels caused by misdeclared shipped containers, both during the loading and unloading procedure and during long-haul navigation. Regardless of the country in which the shipment occurs, the carrier cannot load the containers that have not been checked for gross weight. The acceptance of the cargo unit without proper verification will render the ship out of compliance with the rules of its flag, other states, insurers and P&I Clubs, and may leave it responsibly vulnerable in the event of a claim.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança da navegação; Solas; Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar; contêiner; peso bruto verificado; VGM; direito marítimo.

KEYWORDS: Safety at sea; Solas; International Convention for Safety of Life at Sea; container; veri-fied gross mass; VGM; maritime law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve histórico da evolução da segurança da navegação; 2 Origem da Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar – Solas; 3 Adoção do peso bruto verificado – VGM (verified gross mass); 4 Implementação no Brasil; 5 Primeiros efeitos; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Dentre todas as convenções internacionais sobre segurança marítima, a mais relevante é a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida no Mar (Solas). Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é analisar, sob a ótica da segurança da navegação, a nova regulamentação da International Maritime Organization impondo a obrigatoriedade da verificação da massa bruta de contêiner. Para realizar este estudo, foram analisados principal-mente os textos da Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida no Mar (Solas), suas emendas e o relatório do Comitê de Segurança Marítima (MSC). Ainda, houve especial atenção à Portaria nº 164, de 25 de maio de 2016, emitida pela Diretoria de Portos e Costas, que determinou as normas para a determinação da massa bruta verificada de contêineres.

Para uma melhor contextualização, iniciar-se-á o artigo com uma breve explanação sobre a evolução histórica da segurança da navegação, culminando com o surgimento da Convenção Internacional para Salvaguar-da da Vida no Mar (Solas). Posteriormente, o trabalho passará a focar no seu objeto central, qual seja, a introdução da verificação da massa bruta de contêineres (VGM – verified gross mass), sua regulamentação no território brasileiro e as primeiras experiências no cenário internacional após a sua vigência.

A relevância deste estudo está relacionada com a importância dos procedimentos que fortaleçam a segurança e a preservação de vidas no âm-bito da atividade portuária e da navegação, bem como pela novidade repre-sentada pela medida e incerteza quanto aos seus efeitos imediatos e futuros.

1 BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO NA SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO

A navegação tem sido indispensável para a construção de impérios, visto que todas as grandes potências – dos fenícios e romanos aos tempos contemporâneos – têm ampliado os seus domínios sobre povos e territórios através dos mares1.

Ainda assim, desde os primórdios da civilização, o mar tem sido si-nônimo de insegurança para aqueles que ousavam realizar um empreen-dimento marítimo. Iniciar uma expedição pelos mares, até poucos séculos atrás, trazia incertezas pela imprevisibilidade do mar e das condições me-teorológicas.

1 TETLEY, William. International maritime and admiralty law. 1. ed. Quebec: International Shipping Publica-tions, 2002. p. 3.

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O mar era associado à ideia de acaso ou destino2, um conceito que traduz a insegurança que envolvia a navegação e provavelmente exprime o porquê de o comércio marítimo ser considerado o reduto dos aventureiros3.

Era considerada uma aventura a navegação empregada em condições que não fossem favoráveis. Assim, face à deficiência tecnológica, o mar representava constantemente um ambiente de contingência e mortalidade4.

Durante um longo período, a medida de prevenção mais efetiva era navegar exclusivamente durante o dia; assim mesmo, somente no período denominado como “bela estação”. Porquanto, conhecedores da limitação tecnológica e das complicadas condições climáticas durante o inverno5, os gregos lançavam-se aos mares somente de março a outubro; já os romanos6 poderiam deixar o porto unicamente no período compreendido entre seis de março a três de novembro7.

Conforme os ensinamentos de Boisson8, até o final do Império Ro-mano os navegadores conheciam muito pouco sobre os ventos e as embar-cações e não dispunham de equipamentos para enfrentar o mau tempo. As condições disponibilizadas para alojar a tripulação e acondicionar as cargas eram precárias, resultando no fato de que ambas eram aglomeradas conjun-tamente no convés. Ainda, era prática comum o carregamento dos navios muito além dos limites de segurança.

No decorrer da Idade Média, as condições de navegação sofreram poucas mudanças significativas, sendo que os navios ainda permaneciam no porto durante o inverno. Contudo, as condições de segurança passaram ser objeto de aperfeiçoamento a partir da introdução de regras com o intuito de combater a sobrecarga nos navios9.

A partir da metade do século XIII, as autoridades dos principais portos do Mediterrâneo introduziram normas mais restritivas com o objetivo de refrear o carregamento excessivo dos navios. Destaca-se o pioneirismo da

2 Do inglês: chance or fate.3 BOISSON, Phillippe. Safety at sea: policies, regulations & international law. Paris: Bureau Veritas, 1999.

p. 45.4 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. 3. ed. São Paulo: Renovar, 2014.

p. 5.5 No período do inverno, além das condições meteorológicas complicadas, os céus nublados não ofereciam

segurança para a observação astronômica, costumeiramente utilizada para orientar a navegação.6 A lei romana não permitia que qualquer navio deixasse o porto no período do inverno, exceto aquele que

possuísse uma espécie de autorização oficial denominada dimissorium. (GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Op. cit., p. 5)

7 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Op. cit., p. 5.8 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 45.9 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 46.

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República de Veneza no ano de 1255, ao marcar cada embarcação com uma cruz, definindo, assim, o calado máximo dos navios. Os avanços se-guiram e em 1330 as autoridades da Reppublica Genovese promulgaram o regulamento mais elaborado disponível até então; entre os itens regulados estava o calado máximo, os procedimentos de inspeção e as penalidades em caso de descumprimento das novas normas10.

Com o despontar da idade moderna, o comércio marítimo atingiu um novo patamar, marcado pelo aumento na quantidade de navios, mais velo-zes e com maior capacidade de carga. Ainda, houve aumento significativo no valor das cargas transportadas; assim, as principais nações marítimas pas-saram a introduzir novos métodos de regulação preventiva do trans porte11.

As medidas mais inovadoras consistiram em designar autoridades para a realização de auditorias, as quais tinham por objetivo prevenir aci-dentes causados por navios em condições precárias ou com equipamentos inadequados. Sobressai-se o regulamento dos Países Baixos de 1549, o qual instituiu a inspeção dupla para verificação das condições do navio antes e após o carregamento12.

No decorrer da idade moderna, apesar da crescente conscientização sobre a necessidade de prevenção dos riscos, a matéria ainda era regulada e controlada de forma rudimentar.

Posteriormente, no século XIX, o transporte marítimo, beneficiando--se do advento da Revolução Industrial, experimentou um grande desen-volvimento motivado, principalmente pela invenção do motor a vapor e da construção dos cascos de ferro e aço13.

Como ainda havia precariedade nas normas de segurança, os avanços tecnológicos oriundos da Revolução Industrial contribuíram, também, para um aumento nos riscos no mar, conforme leciona Boisson:

A evolução tecnológica foi acompanhada, entretanto por um aumento nos riscos na navegação, correspondendo para a maior quantidade, tamanho e velocidade dos navios envolvidos em comércio. As estatísticas de acidentes refletem a magnitude do problema: durante o inverno de 1820, mais de dois mil navios naufragaram no Mar do Norte, ocasionado a morte de vinte mil pessoas.14

10 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 47.11 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 47.12 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 47 e 48.13 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 48.14 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 48.

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Motivada pelo temor do crescimento da intervenção estatal restritiva e regulatória, as principais tentativas de alcançar melhores padrões de segu-rança partiram da iniciativa privada.

Contudo, a metade do século XIX presenciou um ponto de inflexão na temática da segurança marítima, com a proliferação de regras preventivas introduzidas pelos Estados. Os principais fatores do aumento da intervenção estatal foram os seguintes:

O transporte marítimo tornou-se uma intensa atividade econômica; assim, foi normal o aumento da intervenção regulatória estatal para monitorar a segu-rança e a condição das embarcações. Tal avanço regulatório era de interesse dos marinheiros, mas também do número crescente de outros cidadãos que embarcavam em navios. Gradualmente, foram aplicadas diversas legislações a marinha mercante que afetaram aparelhagem, mão de obra e condições de operação das embarcações;

A necessidade de harmonização das regras, hábitos e costumes nacionais na área da navegação também ajudou a reforçar o papel dos Estados, as únicas entidades com poderes para assinar acordos, tratados e outros instrumentos obrigatórios.15

De fato, o crescimento do intervencionismo estatal a partir do século XIX resultou em progresso para regulamentação legal relativa aos navios, navegação e segurança, destacando-se o desenvolvimento das regulações francesas e inglesas16.

O despertar das nações para a necessidade de uma maior regula-mentação relacionada à segurança da navegação envolveu os estados na tendência de ampliar a cooperação para alcançar uma uniformização inter-nacional das regras e costumes da navegação.

Apesar de a motivação também ser proveniente de interesses alheios17 à segurança na navegação, a comoção ocasionada pelos acidentes e gran-

15 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 49.16 Destaca-se o Merchant Shipping Act de 1850, o qual marcou o verdadeiro início da atuação estatal na tarefa

de monitorar, regular e controlar todos os assuntos relacionados à navegação mercantil, mais especificamente no tocante à segurança e às condições dos marinheiros (Boisson, p. 50).

17 Outros fatores que influenciaram na cooperação entre as grandes potências marítimas foram: a necessidade de regulamentação das situações em alto-mar, dando forma a “common law of the sea”, abarcando regras de navegação, resgates e abalroamentos; também a busca pela uniformização dos requisitos vistoriados nos portos, pois, face à ausência de certificados internacionais válidos, navios estrangeiros eram submetidos a situações de segurança contraditórias em cada país; por fim, também era necessário estabelecer padrões que regulassem a competição entre shipowners com bandeiras diferentes, de modo a evitar que países inescru-pulosos obtivessem vantagem econômica ao introduzir deliberadamente legislações indulgentes (BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 52-53).

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des desastres aproximou ainda mais as nações em busca de cooperação no incremento da segurança e da eficiência no transporte marítimo.

O movimento de internacionalização da lei ocorreu em fases distintas. O primeiro movimento foi consolidado mediante entendimentos, acordos e tratados bilaterais entre as principais potências marítimas; depois, seguido por conferências internacionais organizadas pelas mesmas nações com o intuito de ajustar verdadeiras normas universais; por fim, as organizações internacionais foram concebidas e passaram a regulamentar a segurança no mar e a proteção do ambiente marinho18.

2 ORIGEM DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA SALVAGUARDA DA VIDA HUMANA NO MAR – SOLAS

Ao longo do último século, o transporte marítimo tem sido beneficia-do por inúmeros avanços tecnológicos, econômicos e legais, os quais foram capazes de reduzir efetivamente os riscos da navegação marítima.

Contudo, no final do século XVIII e princípio do século XIX, o dog-ma da absoluta livre iniciativa ainda era soberano. À época, era possível construir um navio da forma que o proprietário desejasse, equipá-lo com quaisquer dispositivos, operá-lo de acordo com qualquer padrão desejado pelo armador e navegá-lo com plena liberdade pelos mares.

Algumas poucas regras emergiram das primeiras conferências inter-nacionais19. Destaca-se a primeira grande conferência marítima internacio-nal realizada em Washington em 1889, a qual não originou uma convenção oficial, mas praticamente deu forma a um código de condutas do mar20.

A grande virada ocorreu a partir do naufrágio do Titanic em 14 de abril de 1912. O desastre estarrecedor ocasionado pela colisão do navio com um iceberg impactou diretamente a opinião pública e desencadeou uma aceleração sem precedentes no processo de definição dos padrões de segurança na navegação. Logo após a tragédia, em julho de 1912, foi definida a obrigatoriedade dos sistemas de intercomunicação a bordo dos navios21.

18 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 53.19 Em 28 de julho de 1989, dezenove Estados reunidos em Londres adotaram regras conjuntas para criação de

um código de sinais. Já na data de 1º de setembro de 1880, mediante convenção internacional, foram ajus-tadas as primeiras regras para prevenção de abalroamentos. Em 28 de julho de 1881, foi assinada a primeira convenção internacional sobre saúde e segurança para navegação com motores a vapor. (BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 53)

20 Foram criadas regras para a navegação a motor e a vela, também foi regulamentada a utilização de luzes e sinais, incluindo a instituição de sinais de emergência. (BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 53)

21 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 53-54.

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No entanto, o resultado mais importante que sobreveio daquela fatali-dade foi a iniciativa do governo britânico em realizar, no mês de janeiro de 1914, em Londres, a primeira conferência internacional para salvaguarda da vida humana no mar. Após intermináveis discussões sobre as mais diversas soluções técnicas propostas para a redução de acidentes, houve a primeira Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida no Mar (Solas22), que contou com apenas cinco países signatários23. Dentre as inovações, desta-cavam-se, regras relativas à segurança da navegação, incluindo normas para construção dos navios e a obrigatoriedade de botes e coletes salva-vidas para todos a bordo das embarcações24.

A segunda versão da Solas (1929) foi dividida em capítulos que ver-savam sobre construção naval, medidas de salvamento de vidas, radioco-municações, segurança da navegação e, ainda, um de seus anexos revisou regulamentos para prevenir colisões no mar. Novamente, a Conferência foi concebida sob a égide do governo britânico e contou com a presença de representantes de dezoito nações25.

No ano de 1948, ao revisar a versão da Solas de 1929, em decor-rência das experiências vivenciadas na Segunda Guerra Mundial, preciosas lições sobre segurança da navegação e avanços tecnológicos foram aplica-das. Assim, os legisladores dedicaram maiores detalhes aos aspectos técni-cos dos navios; também, a partir da versão de 1948, a Solas passou a regula-mentar determinados itens de segurança nos navios de transporte de cargas acima de quinhentas toneladas de arqueação bruta. A inclusão dos navios de carga foi um indicativo do aumento da importância dos navios de carga em relação aos de passageiros, os quais começavam a sofrer concorrência da aviação26.

Em decorrência da supremacia naval britânica, Londres era o local mais indicado para a realização das principais conferências diplomáticas. O governo britânico desfrutava de tamanha influência que, além de coorde-nar a primeira edição, manteve o controle das revisões da Solas de 1929 e 1948. Todavia, o período pós-Segunda Guerra Mundial marcou o declínio

22 Abreviatura para Safety of Life at Sea.23 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 54.24 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Serving the rule of international maritime law: essays in honour of Profes-

sor David Joseph Attard. Routledge: Oxon, 2010. p. 08.25 International Maritime Organization. International Convention for the Safety of Life at Sea, 1929. Dispo-

nível em: <http://www.imo.org/en/KnowledgeCentre/ReferencesAndArchives/HistoryofSOLAS/Documents/SOLAS%201929%20UK%20Treaty%20Series.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2016.

26 FOCUS ON IMO, 1998. Disponível em: <http://www.imo.org/en/KnowledgeCentre/ReferencesAndArchives/FocusOnIMO(Archives)/Documents/Focus%20on%20IMO%20-%20SOLAS,%20the%20International%20Convention%20for%20the%20Safety,%20of%20Life%20at%20Sea,%201974%20(October%201998).pdf>.

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gradual do poderio naval inglês e o surgimento de diversas organizações in-ternacionais, entre elas a Organização Marítima Internacional (International Maritime Association – IMO), a qual assumiu a responsabilidade por regular os problemas envolvendo segurança27.

Conforme demonstrado, é anterior à concepção da IMO o reconhe-cimento da importância dos tratados internacionais como regulamentos ca-pazes de vincular todas as nações em prol da segurança no mar. Contudo, diante do caráter eminentemente internacional da indústria da navegação28, verificou-se a necessidade de uma agência internacional para a criação de padrões internacionais que poderiam ser aplicados e reconhecidos por todos29.

Após a criação da IMO, uma de suas atribuições mais relevantes foi avaliar e revisar a Solas. Assim, no ano de 1960, houve a convocação da primeira conferência diplomática internacional dirigida pela IMO, ocasião em que foi adotada uma nova Convenção Solas.

A convenção aprovada em 1960 cobriu uma ampla gama de medidas destinadas para o aperfeiçoamento da segurança da navegação, incluindo: estabilidade; maquinário e instalações elétricas; proteção, detecção e extin-ção de incêndio; carregamento de grãos; transporte de cargas perigosas e navios nucleares. Ainda, na tentativa de criar um mecanismo que facilitas-se manter as regras atualizadas, estabeleceu a possibilidade da criação de emendas30.

Ocorre que o mecanismo desenvolvido para emendar a Solas, apro-vado em 1960, provou-se ineficaz em assegurar a entrada em vigor das re-gras em um prazo razoável. Consequentemente, a convenção foi substituída em 1974 por uma nova versão que incluía, além das emendas aprovadas até aquela data, um novo procedimento para emendar a Solas, denominado de procedimento de emenda tácita, delineado para assegurar que as modifica-ções pudessem entrar em vigor em um prazo mais razoável31.

27 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 55.28 The need for an international agency for shipping stems from the fact that shipping is perhaps the most in-

ternational of all global industries. The ownership and management chain surrounding any particular vessel can embrace many different countries; the owners, operators, shippers, charters, insurers and classification societies, not to mention the officers and crew, may all be different nationalities and none of these may be from the ship’s country of registry. And, shipping’s prime physical assets – the ships themselves – move permanently between countries and between different jurisdictions. (GUTIÉRREZ, p. 07)

29 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Op. cit., p. 08 e 09.30 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Op. cit., p. 8-9.31 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Op. cit., p. 9.

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Anteriormente, para que uma emenda entrasse em vigor, era necessá-rio aguardar a ratificação por dois terços dos países signatários. Já o procedi-mento estabelecido em 1974 definiu que uma emenda entrará em vigor em data especificada, a não ser que uma determinada quantidade de membros da IMO apresentem alguma objeção32.

O novo procedimento facilitou imensamente a atualização da Con-venção e, por conseguinte, diversas novas emendas foram adicionadas a partir de 1974, como, por exemplo, medidas especiais para embarcações de alta velocidade, medidas adicionais de segurança para graneleiros, medidas especiais para ampliar a segurança marítima33.

O principal instrumento de regulação da segurança marítima entrou em vigor sob a Solas, Capítulo XI-2, em julho de 2004: trata-se do ISPS Code (International Ship and Port Facilities Security Code), o qual forma a base de um regime de segurança obrigatório para a navegação internacional34.

Por fim, em sua mais recente atualização, determinada em novembro de 2014, a IMO adotou uma emenda ao Capítulo VI, Parte A, Regulamento 2 da Solas, tornando obrigatória a verificação do peso bruto dos contêineres (verified gross mass – VGM) antes do embarque.

3 ADOÇÃO DO PESO BRUTO VERIFICADO DOS CONTÊINERES – VGM (VERIFIED GROSS MASS)

Após sua concepção, a Solas e suas sucessivas alterações consolida-ram-se como o mais importante tratado internacional no tocante à seguran-ça da navegação.

As normas de regulação de segurança são essenciais para a preven-ção dos riscos na indústria da navegação. Igualmente, os clubes de mútuo, conhecidos como P&I Clubs, investem maciçamente na prevenção dos ris-cos de segurança e, consequentemente, na redução da quantidade de inde-nizações a serem suportadas pelos clubes.

A partir da análise realizada pelo UK P&I Club, constatou-se que a maior parte dos custos de indenização por acidentes envolvendo os mem-bros daquele clube eram ocasionados por erro humano35.

32 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Op. cit., p. 9.33 GUTIÉRREZ, Norman A. Martínes. Op. cit., p. 9.34 International Maritime Organization. Solas XI-2 and the ISPS Code. Disponível em: <http://www.imo.org/en/

OurWork/Security/Guide_to_Maritime_Security/Pages/SOLAS-XI-2%20ISPS%20Code.aspx>. Acesso em: 12 jul. 2016.

35 UK P&I CLUB. The Anatomy Of Major Claims. Relatório. Disponível em: <http://www.ukpandi.com/fileadmin/uploads/uk-pi/LP%20Documents/Large_Claims_Analysis/Anatomy%20of%20Major%20Claims.pdf>, p. 1. Acesso em: 5 jul. 2016.

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Contudo, os erros humanos podem ser ocasionados em virtude de informações inverídicas recebidas pelo navio, e medidas preventivas podem evitar perdas catastróficas.

Boisson36 especifica a existência de três espécies de modificações que podem ser realizadas no complexo sistema de segurança marítima para a redução de acidentes ou minoração de seus danos. São elas: (I) preventivas ou medidas primárias de segurança (intencionadas a prevenir ou erradicar acidentes); (II) busca, resgate e salvamento ou medidas secundárias de se-gurança (planejadas antes de um acidente marítimo e direcionadas para atenuar suas consequências); e (III) compensatórias ou medidas terciárias de segurança (medidas norteadas para restaurar a situação funcional do sistema anteriormente ao acidente).

Não pairam dúvidas de que as medidas de segurança mais relevantes são as preventivas. Afinal, são aquelas que buscam evitar o mal maior e não somente reparar ou minimizar os danos já ocasionados.

O desconhecimento do verdadeiro peso bruto das unidades de carga (sub ou sobrepeso) pode ter contribuído para diversos acidentes envolvendo terminais portuários ou navios porta-contêineres, como o caso dos naufrá-gios do MSC Napoli no Canal da Mancha no ano de 2007 e do navio MV Deneb no Porto de Algeciras em 2011. Logo, se os operadores portuários e o planner do navio dispuserem de conhecimento exato sobre a massa bruta dos contêineres, poderão elaborar um plano seguro de estiva.

Há, também, riscos durante a navegação de longo curso, já que o navio em alto-mar está sujeito a uma série de forças longitudinais, verticais e predominantemente transversais, resultantes da navegação, balanço ou desvio momentâneo de curso37. Logo, a distribuição exata do peso da carga pode ser considerada um elemento essencial em momentos críticos.

O relatório elaborado pelo Marine Accident Investigation Branch so-bre o acidente ocorrido por falha estrutural do MSC Napoli apontou que o procedimento pericial examinou os 660 (seiscentos e sessenta) contêineres que permaneceram secos e intactos no convés do navio. Após a verificação do peso das unidades de carga, constatou-se que em 137 (cento e trinta e sete) contêineres, ou 20% do total examinado, o peso encontrado era de 3 (três) toneladas diferentes ao declarado. Convém destacar que a maior diferença aferida em relação ao peso declarado era de aproximadamente 20 (vinte) toneladas; no total, os 137 (cento e trinta e sete) contêineres com

36 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 40.37 BOISSON, Phillippe. Op. cit., p. 262.

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peso divergente ao declarado contavam, na verdade, com 312 (trezentos de doze) toneladas acima da massa bruta declarada no manifesto de carga38.

Em síntese, as consequências oriundas da declaração incorreta do peso dos contêineres podem acarretar riscos para a estabilidade do navio, dificuldade no procedimento de carga e descarga, instabilidade na forma-ção de pilhas de contêineres nos terminais, gastos com remanejamento das unidades de carga, custos operacionais mais elevados, danos à estrutura dos navios, danos pessoais ou até mesmo acidentes fatais envolvendo tripulação e trabalhadores portuários, além de graves perdas econômicas como a per-da de carga e até do navio.

Assim, a única maneira confiável de evitar danos é operar de modo a minimizar qualquer espécie de risco.

Nesse sentido, para aprimorar a segurança de todos aqueles que ope-ram navios e movimentam contêineres, foi aprovada nova emenda à Solas determinando a obrigatoriedade da verificação do peso bruto dos contêine-res previamente ao embarque.

Assim, a verificação do peso do contêiner é considerada condição essencial para o seu embarque. As regras inseridas no parágrafo 4 .1 .2 afastam a possibilidade de peso estimado, definindo dois métodos de pesa-gem aceitáveis a serem adotados pelo shipper ou por terceiro contratado, sempre utilizando equipamento calibrado e certificado39: (a) primeiro mé-todo determina a pesagem da unidade de carga após estar preparada para o embarque, ou seja, estufada e lacrada; (b) o segundo método estabelece a possibilidade de aferir individualmente a massa de todos os itens estufa-dos no contêiner40, incluindo-se na contagem a massa dos pallets, esteiras e qualquer outro material de segurança adicionado ao contêiner, e então acrescentar a tara da unidade de carga41.

4 IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL

Não há muita clareza de como se desenvolverá a aplicação e fisca-lização nos casos concretos, a partir da entrada em vigor na data de 1º de

38 Marine Institute Branch. Report on the investigation of the structural failure of MSC Napoli. Southampton, 2007. Relatório. Disponível em: <http://www.lmalloyds.com/CMDownload.aspx?ContentKey=af08b447-9818-4a8f-b6b3-127f3ace440e&ContentItemKey=6f075226-8a4c-4b89-a444-2757b8a6f6e9>, p. 28-29. Acesso em: 11 jul. 2016.

39 Os métodos de certificação e calibragem dos equipamentos de pesagem serão definidos individualmente por cada país signatário.

40 Caso método de pesagem selecionado pelo shipper consista em pesar individualmente os pacotes consolida-dos no contêiner, é possível a utilização do peso exibido nas embalagens.

41 Solas, Capítulo VI, Parte A, Regulamento 2, 4 .1 e 4 .2.

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julho de 2016. Levando-se em consideração a velocidade com que se move a cadeia de fornecimento global, não resta muito tempo para pesar, certifi-car e movimentar o contêiner da indústria ou depósito para o carregamento no terminal portuário. Ainda, alguns navios com elevada capacidade de carga necessitam receber com antecedência o relatório apontando o peso das unidades de carga, de modo que, quando ocorra a atracação no porto, possa ser realizada a estiva corretamente. Em geral, os contêineres mais pe-sados são posicionados abaixo dos mais leves, de modo a assegurar maior estabilidade ao navio42.

A nova emenda da Solas estabelece o remetente como responsável por verificar o valor do peso dos contêineres e também o relaciona como encarregado de assegurar que a comunicação dos valores obtidos com a pe-sagem seja transmitida ao comandante do navio ou seu representante e ao terminal com antecedência. Essa determinação pode ser fonte de controvér-sia, uma vez que o remetente denominado no conhecimento de embarque nem sempre tem contato físico ou direto com os elementos essenciais no processo de estufagem do contêiner e verificação de peso.

Segundo definição proposta pela IMO43, shipper é a entidade legal ou pessoa nominada na bill of lading ou sea waybill ou equivalente no documento de transporte multimodal como shipper e/ou quem celebrou o contrato de transporte com a empresa de navegação.

Recentemente, no Brasil, a matéria foi regulada pela Portaria nº 164, de 25 de maio de 2016, da Diretoria de Portos e Costas. Embora, na Seção III do Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o responsável pela entre-ga da coisa ao transportador seja denominado como remetente, a Portaria nº 164/2016 qualificou o shipper como embarcador. Veja-se:

Embarcador significa a pessoa física ou jurídica designada como embarcador no conhecimento de embarque bill of lading, no conhecimento de embarque simplificado sea waybill, no Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTE), ou quem, em seu nome ou sob sua autorização, celebra um contrato de transporte com um transportador.

A referida Portaria define que, a partir de 1º de julho de 2016, será obrigatória a verificação da massa bruta (VGM) de todos os contêineres a serem embarcados no território nacional, tanto para exportação quanto para cabotagem, em navios sujeitos ao atendimento da Solas (1974) e emendas.

42 Bangkok Post. Shipping industry panic over container weight deadline. Disponível em: <http://www.bangkok-post.com/print/923281/>. Acesso em: 11 jul. 2016.

43 Maritime Safety Committee.1/Circ. 1475, Annex, p. 3, 02.01.2012.

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Os métodos de pesagem adotados pela Portaria nº 164/2016 seguem estritamente os ditames propostos na Solas (método 1: pesagem total do contêiner; método 2: aferimento individual da massa de todos os itens em-barcados, adicionando-se a tara do contêiner44), esclarecendo que, para ser considerado instrumento calibrado e certificado pela legislação nacional, o instrumento de pesagem deve ser aprovado em conformidade com as dispo-sições da Portaria nº 236/1994 do Inmetro, ou outro documento que venha a substituí-la, e verificados pela referida autarquia45.

No tocante ao segundo método46 de aferição do VGM, não há qual-quer recomendação legal nos casos de empresas que embarcam cargas less than container load (LCL). Provavelmente, é uma questão que será dirimida na esfera privada, dependendo do ajuste contratual entre o transitário de frete e o transportador.

Por sua vez, é de responsabilidade exclusiva do remetente a veri-ficação da massa bruta do contêiner, independentemente do método de pesagem escolhido, devendo, também, informar ao armador e ao terminal com antecedência suficiente em relação ao carregamento do navio. A le-gislação não define o período de tempo considerado como “antecedência suficiente”, restando implícito que os prazos deverão ser acordados entre as partes contratantes. Por sua vez, não há determinação normativa a respeito do método de envio da informação; a comunicação do VGM deverá ser preferencialmente por meio eletrônico, mas não é vedada qualquer outra espécie de documento, contanto que a informação transmitida seja subscri-ta por pessoa autorizada ou pelo embarcador, com a identificação do seu CNPJ, CPF ou número de passaporte.

Sempre ficará a cargo do armador a verificação dos dados enviados pelo embarcador, e, na ausência da verificação, declaração e informação da massa bruta, não ocorrerá o embarque do contêiner.

No tocante à verificação de divergências no VGM, a Portaria nº 164/DCP somente estabelece o seguinte:

5.1 – Quando houver diferença entre a massa bruta verificada de um contêiner cheio declarada pelo embarcador e, quando disponível, a massa bruta veri-

44 O método 2 de pesagem das embalagens e itens de carga é vedado para cargas inadequadas ao procedimento, tais quais grãos a granel e sucata de metais.

45 BRASIL. Marinha do Brasil, Diretoria de Portos e Costas. Normas para a determinação da massa bruta verifi-cada de contêineres. Portaria nº 164, de 25 de maio de 2016.

46 “4.2 – Método 2: O embarcador, ou por meio de um terceiro por ele contratado, poderá pesar todas as emba-lagens e itens de carga, incluindo a massa dos páletes, madeira de estiva e outros itens de carga, que serão colocados no interior do contêiner, e então somar a tara do contêiner com a massa desses itens individuais [...].”

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ficada e informada pelo terminal, o valor a ser considerado para efeitos de elaboração do plano de carregamento do navio, será de decisão e responsa-bilidade exclusiva do armador.

Todavia, algumas cargas podem sofrer naturalmente mudanças em sua massa desde o período de estufagem até a descarga no porto de trans-bordo ou destino. Logo, o VGM poderá variar daquele registrado na origem do contêiner.

Considerando a possibilidade de variação da massa das cargas, a nor-ma brasileira poderia ter fixado a aplicação de uma margem de erro, asse-gurando, assim, uma garantia para o embarque dos contêineres. Diante de uma cadeia comercial competitiva, o atraso no embarque das cargas pela inexistência da margem de erro poderá resultar em danos irreparáveis aos exportadores, como custos adicionais de frete e sobre-estadias, demais taxas nos terminais portuários e prejuízos comerciais decorrentes do atraso da entrega da carga no destino.

Contudo, será sempre do armador a decisão de aceitar ou rejeitar o embarque de um contêiner a bordo.

De mais a mais, também causa estranheza não haver a definição de penalidades para o armador que efetuar o carregamento das unidades de carga sem a verificação certificada na massa bruta, bem como a inexistên-cia de previsão legal de penalidade para o embarcador que informar o peso incorreto ou, ainda, utilizar equipamento não certificado pela autoridade competente. Embora o texto da Solas não preveja penalidades, entende-se que as legislações nacionais devam impor medidas e penalidades a serem aplicadas pelas agências reguladoras para que seja alcançada a padroniza-ção do modelo; tais medidas poderiam incluir conferência de documentos, auditorias e checagem aleatória do VGM.

No âmbito comercial, conforme já ressaltado, é claro que as pena-lidades ao embarcador com contêiner rejeitado pelo armador por descon-formidade incluem custos de pesagem, taxas administrativas, diárias de sobre-estadia, carregamentos atrasados ou cancelados, entre outros custos relacionados com o atraso do embarque.

Alguma controvérsia poderá surgir no período de transição, pois a Portaria nº 164/2016 assume como regra geral que todos os contêineres deverão ser pesados na origem a partir do dia 1º de julho. Contudo, des-considera a possibilidade de contêineres, com embarque prévio à data que tornou compulsória a pesagem, sofrerem transbordo antes do porto de des-tino. Nesse caso, quem arcará com os custos da operação? Não há clareza

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de quem pagará a conta; provavelmente incumbirá à parte que contratou e saldou o frete.

A obrigatoriedade da verificação do peso bruto do contêiner é um excelente avanço para a segurança da navegação. Entretanto, também é importante atender as normas constantes no Code of Practice for Packing Cargo Transport47 (CTU Code). Apesar de tratar-se de uma norma não obri-gatória, o CTU Code busca regular os procedimentos de armazenamento da carga dentro do contêiner. Assim, a sinergia resultante das duas normas (VGM e CTU-Code) poderá minimizar a ocorrência de incidentes.

5 PRIMEIROS EFEITOS

A norma relativa ao VGM entrou em vigor no período compreendido entre a conclusão e a publicação do presente estudo. Assim, já é possível assinalar as primeiras impressões obtidas a partir do dia 1º de julho de 2016.

Conforme publicado no periódico americano The Journal of Commerce, os primeiros dias de julho trouxeram alívio para remetentes, operadores de terminais portuários e operadores de linhas de contêineres ao redor do mundo, uma vez que foram mínimas as interrupções provocadas pela implementação do VGM48.

No entanto, há a preocupação dos remetentes com a evidente ex-ploração da nova regra pelos agentes de carga e transportadores para a co-brança de taxas injustificadas por serviços não especificados denominados de “taxas administrativas” e outros “serviços”, de acordo com um comuni-cado da Global Shippers’ Forum. Conforme a declaração da GSF, grande parte das taxas injustificadas vem sendo cobradas em terminais asiáticos e africanos. Por exemplo, dentre as taxas citadas há a cobrança de USD 71 (setenta e um dólares americanos) para pesagem de contêineres de vinte pés e USD 141 (cento e quarenta e um dólares americanos) para pesagem de contêineres de quarenta pés pela Grimaldi Agency Nigerias’s. Ainda, a DP World, que opera mais de setenta e sete terminais ao redor do mundo, tem taxado remetentes que apresentam o contêiner com o VGM já verificado; a cobrança varia de USD 1,30 (um dólar americano e trinta cents) à USD 4 (quatro dólares americanos)49.

47 Código de Práticas Seguras para Peação e Estivagem de Cargas.48 SZAKONYI, M. VGM Charges Rile Shippers. Journal of Commerce (1542-3867), p. 15, 25 de julho de 2016.

ISSN: 15423867.49 SZAKONYI, M. Op. cit., p. 15.

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A mesma preocupação com tarifas injustificadas é expressada pelo The Hong Kong Shippers’ Council, o qual critica os transitários de carga ao afirmar que a aferição do VGM acarreta muito pouco trabalho para justificar as taxas extras50.

Transitários de carga, no entanto, afirmam que há uma justificativa para a cobrança adicional e repelem as afirmações dos remetentes de carga. A operadora logística DB Schenker, presente em mais de cento e quarenta países, por exemplo, argumenta que a inserção dos dados do VGM nos sistemas requer tempo e esforço extra. As estatísticas coletadas pela China revelam que faltaram informações em aproximadamente metade das decla-rações de VGM recebidas nas primeiras semanas, resultando na necessida-de de contatar o remetente para retificação dos dados.

De acordo com o diretor de fretes marítimos da DB Schenker na China, Joerge Hoppe, há um considerável e não explorado risco financeiro proveniente da nova regra da Solas:

O risco inicia com o simples custo extraordinário de gerenciamento dos ca-sos de discrepâncias no VGM ou a inevitável submissão dos dados fora do prazo. [...] E pode variar até uma futura responsabilização legal em caso de acidentes envolvendo os contêineres. Afinal, NVOCCs (non-vessel-operating common carriers) agem legalmente como remetentes nos registros e devem providenciar o valor correto do VGM para os transportadores.51

Até o momento, não há relatos de rejeição de contêineres em descon-formidade com as normas, já que os transportadores são obrigados a rejei-tar aquelas unidades de carga que descumprirem a nova diretiva da Solas. Contudo, não há dúvida de que as transportadoras utilizarão o expediente da rejeição de carga, face ao risco de desconformidade com as regras de sua bandeira, demais estados e seguradoras, deixando-os responsavelmente vulneráveis no evento de um acidente.

Nos Estados Unidos da América, a guarda costeira tem declarado manifestamente inseguros todos os contêineres que chegam aos terminais sem a verificação do VGM. Assim, imediatamente as unidades de carga são separadas e colocadas em espera até que a massa bruta seja verificada. No caso do contêiner apresentado com VGM diferente daquele aferido pelo terminal, ele deverá ser submetido a outra pesagem e o novo VGM será registrado. Segundo o comandante da guarda costeira americana, Almirante

50 SZAKONYI, M. Op. cit., p. 16.51 SZAKONYI, M. Op. cit., p. 16.

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Paul Thomas, a corporação não tem autonomia para promover qualquer ação contra o remetente52.

Já no Canadá, os remetentes que não informem o VGM ou apresentem valores incorretos estarão sujeitos a multas que variam de C$ 600 (seiscen-tos dólares canadenses) até C$ 1.200 (mil e duzentos dólares canadenses), variando de acordo com a severidade do caso. Contudo, no país é aceitável uma variação de 5%, a mais ou a menos, do valor da massa bruta verificada e apresentada pelo embarcador53.

Por fim, o Japão tem aplicado multas equivalentes a USD 2.500 (dois mil e quinhentos dólares americanos) para cada remetente que falhar ao informar o VGM54.

CONCLUSÃO

As origens da segurança da navegação constituem uma pertinente fonte para compreensão da evolução da necessidade de imposições de re-gras claras e eficientes no tocante à salvaguarda da vida no mar. Como explicado na introdução, o objetivo deste artigo foi traçar uma breve análise histórica da segurança da navegação até o surgimento da Solas, para assim, por fim, analisar a aplicação da sua mais recente emenda, que determinou a obrigatoriedade da verificação do peso bruto (VGM) dos contêineres antes do embarque nos navios.

A partir dessa leitura, foi possível verificar que a informação incorreta da massa bruta dos contêineres pode afetar a estabilidade das embarcações, tanto durante o procedimento de carga e descarga como durante a nave-gação de longo curso, ocasionando graves acidentes – vide o relato dos naufrágios do MSC Napoli no Canal da Mancha em 2007 e do MV Deneb em 2011, no Porto de Algeciras.

Assim, a partir da vigência da mais recente emenda à Solas no dia 1º de julho, a verificação do peso do contêiner pelo remetente passou a ser condição essencial para seu embarque. Não importa o país em que ocorra o embarque, o transportador não poderá carregar os contêineres que não re-ceberam a verificação do peso bruto. A aceitação da unidade de carga sem a devida verificação tornará o navio fora da conformidade com as regras de sua bandeira, demais estados e seguradoras, podendo deixá-lo responsavel-mente vulnerável diante da ocorrência de um sinistro.

52 SZAKONYI, M. Unity what unity? Journal of Commerce (1542-3867), 25 de julho de 2016, p. 7.53 SZAKONYI, M. Op. cit., p. 14.54 SZAKONYI, M. Op. cit., p. 14.

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Em consideração final, do ponto de vista da padronização da segu-rança, chama atenção o fato de que levou tanto tempo para a adoção de medidas criando processos para declaração precisa da massa bruta dos con-têineres. Como a maioria do comércio mundial movimenta-se através das unidades de carga embarcadas nos navios, é fácil verificar a relevância do novo procedimento criado pela International Maritime Organization.

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Parte Geral – Doutrina

O Derramamento de Óleo e a Água de Lastro na Navegação Marítima e Suas Consequências para o Ecossistema Marinho à Luz do Dever Fundamental de Proteção ao Meio Ambiente

Oil Spill and Ballast Water in Maritime Navigation and Its Consequences for Marine Ecosystem Under the Fundamental Duty of Environmental Protection

CAROLInE gOMES BOHRER1

Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Pós-Graduanda em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV.

RESUMO: Atualmente, o mar é um dos principais meios de comunicação e desenvolvimento do comércio. Porém, a intensa atividade humana no ambiente marítimo, através das navegações e extração de petróleo, tem gerado inúmeros danos ao ecossistema marinho, com a morte de seres vivos, extinção de espécies, desordem na cadeia alimentar, alteração brusca de hábitat, inserção de espécies em novo hábitat em que não há predador e, inclusive, inutilização de grandes parcelas da água, que se tornam impróprias para uso humano. Este trabalho, portanto, através de artigos, documentários e legislação, visa a entender o derramamento de óleo no mar, bem como o funcio-namento da troca de água de lastro nos navios, para que seja possível concluir em que medida tais atividades prejudicam a vida marinha, e como evitar que isso ocorra, com base no dever fundamental de proteção ao meio ambiente.

PALAVRAS-CHAVE: Derramamento de óleo; água de lastro; ecossistema marinho; dano ambiental; dever fundamental; meio ambiente saudável.

ABSTRACT: Currently, the sea is a major means of communication and trade development. However, the intense human activity in the marine environment through the navigations and oil extraction, has generated numerous damage to the marine ecosystem, through the death of living beings, species extinction, disorder in the food chain, habitat sudden change, insertion species new habitat where there is no predator and even destruction of large portions of water, which become unfit for human use. This work, therefore, through articles, documentaries and law, aims to understand the oil spill in the sea as well as the operation of the ballast water exchange in ships, to make it possible to conclude to what extent such activities harm marine life and how to prevent it from occurring, based on the fundamental duty to protect the environment.

KEYWORDS: Oil spill; ballast water; marine ecosystem; environment damage; fundamental duty; healthy environment.

1 E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução; 1 O dever fundamental de proteção ao meio ambiente; 2 O derramamento de óleo e a poluição das águas marinhas; 3 A troca de água de lastro e suas consequências para o ecossistema marinho; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

É inconcebível, no atual cenário globalizado, imaginar as relações comerciais sem a utilização da via marítima. O mar é, desde os primór-dios das grandes navegações, o principal meio de contato entre os países e, atualmente, comanda sozinho grande parte do comércio, possibilitando operações de importação e exportação de roupas, comida, produtos esté-ticos, brinquedos, remédios e toda a sorte de mercadorias, bem como a extração de petróleo e exploração marinha.

Porém, essa intensa atividade, que na superfície das águas parece tão importante e essencial, tem gerado graves danos para a vida existente nas profundezas. O derramamento de óleo dos navios e a troca da água de lastro deles são fatos cotidianos da navegação marítima, mas, infelizmente, têm causado verdadeiros estragos nos ecossistemas marinhos, desde a ex-tinção de espécies à total inutilização das águas, que se tornam impróprias para uso de seres humanos.

É possível verificar que tanto o derramamento de óleo na água quanto a troca de lastro dos navios impedem o desenvolvimento de animais ma-rinhos e danificam a biodiversidade marinha, prejudicando toda a cadeia alimentar, bem como geram a morte de aves e peixes, por afogamento, asfixia e intoxicação.

Ademais, a poluição marinha acaba por prejudicar de forma direta o ser humano, que pode ser contaminado por ela de inúmeras formas (banho ou ingestão de animais intoxicados pela poluição), bem como ter seu co-mércio afetado, visto que a poluição da água impede a atividade da pesca, a qual é o principal meio de subsistência de inúmeras famílias, e o turismo.

Este trabalho tem, portanto, o objetivo de analisar as causas que oca-sionam o derramamento de óleo no mar, bem como o funcionamento da troca de água de lastro nos navios, e entender em que medida essas ativida-des geram danos para os seres marinhos e, consequentemente, para os seres humanos, entendendo o meio ambiente equilibrado como direito e dever fundamentais da sociedade e do Poder Público.

Para isso, em um primeiro momento, será feita uma análise acerca do dever fundamental de proteção ao meio ambiente, suas nuances e ex-

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tensões, com base na legislação vigente brasileira e internacional (tratados e convenções) e como ela busca regular a atividade marítima e as ações humanas no mar no intuito de prevenir e controlar a poluição marinha em geral.

Em seguida, serão analisados os fatos geradores do derramamento de óleo, e seus efeitos mediatos e imediatos para as águas receptoras da substância, bem como para o ecossistema marinho, para que seja possível entender as consequências disso para o ser humano. Será feito, também, um estudo da legislação vigente, tanto interna quanto internacional, acerca da poluição marinha por derramamento de óleo, para observar como o país e a sociedade internacional têm buscado regular a contaminação da água por óleo e resguardar o meio ambiente marinho.

Por fim, será realizada uma análise do funcionamento da troca de água de lastro nos navios dentro da navegação marítima, e como que tal ato pode ser prejudicial para o ecossistema e cadeia alimentar marinhos e, consequentemente, para os seres humanos. Também aqui será realizado um estudo acerca da legislação vigente, interna e internacional, sobre danos à biodiversidade marinha por troca de água de lastro, para que seja possível entender como os Estados e a sociedade internacional têm regulado seu uso, com o intuito de proteger o ambiente marinho.

Portanto, por meio do método indutivo2 e pesquisa qualitativa e bi-bliográfica, serão utilizados documentários e artigos, além da legislação vigente sobre o assunto, tanto interna quanto internacional, para embasar a presente pesquisa e possibilitar entender em que medida as atividades humanas no mar estão prejudicando a fauna marinha, bem como compre-ender o quão nocivo isso é para o ser humano; finalmente, concluir como tal cenário pode ser evitado e, possivelmente, resolvido, à luz do dever fundamental de proteção ao meio ambiente.

1 O DEVER FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

O meio ambiente é de extrema importância em nossa sociedade. É ele que fornece aos seres vivos as condições necessárias para seu desenvol-vimento, evolução e existência. Por se tratar de um sistema, todos os seus aspectos devem estar em perfeito estado e sincronia. O ecossistema funcio-na com base na harmonia e funcionamento de cada elemento que o com-põe e, se um deles apresenta falhas, todo o sistema estará comprometido.

2 MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa do Direito. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 62.

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Devido a isso, surge a preocupação acerca do meio ambiente mari-nho, o qual é essencial para o desenvolvimento da economia e do comércio e, infelizmente, vem demonstrando as consequências sofridas com a intensa atuação humana sobre si. As navegações e atividades de extração de petró-leo vêm causando inúmeros estragos nas águas que sempre nos forneceram alimento e lazer, o que, a longo prazo, causará graves danos ao meio am-biente como um todo.

Diante desse cenário, os países desenvolveram legislações que bus-cam amenizar os efeitos negativos da atividade humana sobre o mar, e pro-teger ao máximo o meio ambiente marinho. No Brasil, a Constituição Fede-ral3 traz, em seu art. 225, o dever de proteção ao meio ambiente. Segundo ele, incumbe ao Poder Público (nas esferas municipal, estadual e federal) e à coletividade “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Insta esclarecer que tal exigência se aplica tanto a pessoas físicas quanto jurídicas, de forma que a sociedade como um todo tem o dever fun-damental de proteger o meio ambiente.

Ademais, o § 4º do referido artigo frisa a Zona Costeira como sendo patrimônio nacional, de forma que a sua utilização deve ser feita “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quan-to ao uso dos recursos naturais”4. Desse modo, o meio ambiente marinho possui uma ressalva constitucional especial, figurando ao lado de outros ambientes também considerados como patrimônio nacional.

Também no Brasil existe a chamada Política Nacional do Meio Am-biente (executada pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama), criada pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e regulamentada pelo Decreto nº 88.351, de 1º de junho de 1983. Segundo o art. 2º da referida lei5, o intuito da Política Nacional do Meio Ambiente é:

Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preserva-ção, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visan-do assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].

3 BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional, Brasília, 1988.4 BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional, Brasília, 1988.5 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 31 ago. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Vale ressaltar que o Sisnama é um sistema composto por órgãos que buscam aplicar a Política Nacional do Meio Ambiente a nível municipal, estadual e federal6. A nível federal, o órgão superior é o Conselho de Gover-no, cuja função é de assessoria. O Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, por sua vez, é o órgão consultivo e deliberativo, e sua função é propor diretrizes, elaborar normas e padrões de qualidade ambiental.

O órgão central, por seu turno, é o Ministério do Meio Ambiente, e sua função é de planejar, coordenar e supervisionar a aplicação da Política Nacional. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – Ibama (criado pela Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, e regulamentado pelo Decreto nº 6.099, de 26 de abril de 2007) e o Instituto Chico Mendes, por sua vez, são órgãos executores, e responsáveis pela aplicação das normas da Política Nacional. A nível estadual, existem os chamados órgãos seccionais, como o Instituto Estadual de Meio Ambiente – Iema, e, a nível municipal, os cha-mados órgãos locais.

Através desses mecanismos, o Estado brasileiro regula as atividades humanas no meio ambiente, buscando reprimir práticas que possam lhe causar danos, bem como controlar os danos já ocorridos. Essa proteção estende-se ao meio ambiente como um todo, englobando também o meio ambiente marinho.

Além disso, foi outorgada no Brasil a Lei nº 9.9667, em 28 de abril de 2000, conhecida como Lei do Óleo, a qual serve de complemento legisla-tivo interno quando ausentes os pressupostos para aplicação da Conven-ção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – Marpol 73/78 (art. 1º, parágrafo único, inciso I), da qual o Brasil é signatário. Seu objetivo é a “prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lan-çamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional”.

Também em legislação pátria, foi outorgada a Lei nº 12.815 em 5 de junho de 2013, conhecida como Nova Lei dos Portos, a qual “dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e

6 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 31 ago. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

7 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários”8. Segundo seu texto (art. 17, parágrafo primeiro, inciso VI), é necessário que seja feita uma fiscalização portuária pela administração do porto organizado, “zelan-do pela realização das atividades com respeito ao meio ambiente”9.

Regulamentando a lei supracitada, o Decreto nº 8.033, de 27 de ju-nho de 2013, traz, em seu art. 2º, VI, a competência do poder concedente nos contratos de concessão ou arrendamento de “conduzir e aprovar, sem-pre que necessários, os estudos de viabilidade técnica, econômica e am-biental do objeto da concessão ou do arrendamento”10, isto é, os contratos de concessão ou arrendamento dos terminais portuários devem sempre ser precedidos de estudos de viabilidade ambiental.

Além das leis internas, também existem normas internacionais que visam à proteção ambiental marinha. Os organismos internacionais mobi-lizaram-se pela busca da preservação e manutenção do meio ambiente, e atualmente existem vários tratados e convenções que ressaltam essa preocu-pação, muitos dos quais o Brasil é signatário.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar11 (Conven-ção de Montego Bay, de 10 de dezembro de 1982; ratificada no Brasil pelo Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995) traz, em seu texto, uma nítida atenção à proteção do ambiente marinho.

Há, em inúmeros artigos, a vedação à poluição do mar, exigindo que os Estados tomem precauções para prevenir, reduzir e controlar a polui-ção (arts. 43, 235, 145 e 194), em especial durante a passagem inocente (art. 39). A Convenção ainda atribui ao Estado costeiro direitos de fiscaliza-ção e jurisdição para que possam controlar e prevenir a poluição marinha, podendo, inclusive, inspecionar embarcações que se recusarem a prestar informações acerca de possível poluição (art. 220, itens 3 e 4).

8 BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 5 jun. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

9 BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 5 jun. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

10 BRASIL. Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013. Regulamenta o disposto na Lei nº 12.815, de 5 de ju-nho de 2013, e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 27 jun. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Decreto/D8033.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

11 Assembleia Geral das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – Convenção de Montego Bay. 28 jul. 1994. Disponível em: <https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/cursos/csup/CNUDM.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Além disso, seu texto também traz a ideia de “desenvolvimento sus-tentável”, ou seja, a obtenção de crescimento econômico consoante à pre-servação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras12. Em seus arts. 204 e 205, a Convenção obriga os Estados a “observar, medir, avaliar e analisar, mediante métodos científicos reconhecidos, os riscos ou efeitos de poluição do meio marinho”13, bem como “manter sob vigilância os efeitos de quaisquer atividades por eles autorizadas ou a que se dediquem a fim de determinarem se as referidas atividades são suscetíveis de poluir o meio marinho”14.

A Convenção de Montego Bay também prevê a liberdade de pes-ca em alto-mar, desde que observados limites e medidas que conservem o aproveitamento econômico dos recursos naturais em mar aberto (art. 119). Tal dispositivo é de extrema importância, como anuncia o doutrinador Tia-go Vinicius Zanella15:

[...] devemos destacar que a preservação do meio ambiente marinho e a conservação dos seus recursos naturais são essenciais ao exercício da liber-dade em alto-mar, em especial a de livre pesca. Uma vez que o exercício desta liberdade consome os recursos e degrada o meio, é necessário que seja conduzido com a moderação necessária à sua conservação e preservação.

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – Marpol 73/78 (de 2 de novembro de 1973, com Protocolo em 1978, e aprovada no Brasil pelo Decreto-Legislativo nº 499, de 13 de novembro de 2008), por sua vez, também traz, em seu texto, inúmeros mecanismos de prevenção à poluição marinha, exigindo vistorias e inspeções dos navios, após as quais lhes é dado um certificado, válido por cinco anos (Regra 8)16.

Segundo Marcelo Fernando Quiroga Obregón e Daury César Fabriz17:

12 Desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/ecologiasaude/desenvolvimen-to_sustentavel.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

13 Assembleia Geral das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – Convenção de Montego Bay. 28 jul. 1994. Disponível em: <https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/cursos/csup/CNUDM.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

14 Assembleia Geral das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – Convenção de Montego Bay. 28 jul. 1994. Disponível em: <https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/cursos/csup/CNUDM.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

15 ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013. p. 243.16 Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – Marpol 73/78. Protocolo de 1978 relativo

à Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, 1973. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/marpol>. Acesso em: 14 out. 2016.

17 OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga; FABRIZ, Daury César. O dever fundamental de proteção ambiental no mar territorial. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Ho-rizonte, n. 65, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1635>. Acesso em: 14 out. 2016.

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A Marpol cria regras para evitar a destruição do meio ambiente marinho, por meio de permanentes vistorias e inspeções de embarcações, estrutura, equipamento, sistemas, instalações, de modo que este equipamento esteja nas condições adequadas previstas e exigidas na Convenção. Caso contrário, o inspetor, nomeado para verificar o estado do navio, comunicará às auto-ridades portuárias do Estado costeiro que o navio não está apto para zarpar, porque representa uma ameaça inaceitável para o meio ambiente marinho. As autoridades portuárias deverão tomar as medidas convenientes para as reparações imediatas e deverão liberá-lo quando não representar mais uma ameaça para o meio ambiente marinho.

Outro texto normativo internacional que busca a preservação do am-biente marinho é a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Dano Causado por Poluição por Óleo do Próprio Navio18, de 2001 (a qual ressalta a eficácia da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos causados por Poluição por Óleo, de 1992).

Em seu texto, ela traz medidas para que seja possível prevenir e con-trolar a poluição do meio ambiente marinho, além de estabelecer, em seu art. 3º, a responsabilidade civil do armador, isto é, aquele que equipa e explora comercialmente o navio19, diante de danos causados ao mar por poluição.

Ademais, a Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Hu-mano (Conferência de Estocolmo), de junho de 1972, também demonstra preocupação com a proteção do meio ambiente marinho, trazendo em seu texto (art. 7º) que20:

Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a polui-ção dos mares por substâncias que possam pôr em perigo a saúde do ho-mem, os recursos vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir outras utilizações legítimas do mar.

Outrossim, foi criada, em 1948, a chamada Organização Marítima Internacional (IMO)21, estrutura especial integrante da Organização das Na-

18 Organização das Nações Unidas. Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Dano Causado por Poluição por Óleo do Próprio Navio, 2001. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/trad_conv_bunker.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

19 Armador. Disponível em: <http://www.portosempapel.gov.br/sep/glossario-portuario/termo20>. Acesso em: 14 out. 2016.

20 Organização das Nações Unidas. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano – Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, jun. 1972. Disponível em: <http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/1972_Declaracao_Estocolmo.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

21 Organização Marítima Internacional. Disponível em: <https://www1.mar.mil.br/dhn/node/35>. Acesso em: 14 out. 2016.

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ções Unidas (ONU), a qual tem uma série de propósitos de cooperação e regulação do uso do ambiente marítimo, entre eles a prevenção da poluição marinha. Durante a década de 199022, ela se uniu ao Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho (MEPC) para instituírem uma série de resoluções acerca dos danos marinhos causados pela troca de água de lastro.

A referida Organização também adotou resoluções acerca dos cha-mados locais de refúgio, para abrigar embarcações com necessidade de as-sistência, ajuda ou conserto, tendo em vista que, dependendo do caso, o estrago do navio pode gerar um terrível dano ambiental no Estado costeiro que porventura o ajudar, de modo que é orientado aos países que criem destinações específicas para acolher os navios necessitados de reparos23. A OMI ainda criou regiões definidas como áreas ambientais sensíveis, cuja navegação deve ser evitada pelas embarcações24.

Diante disso, pode-se observar que a proteção e respeito ao meio am-biente é dever fundamental não apenas no Brasil, mas a nível internacional. Os países, em suas legislações internas, devem buscar prevenir e controlar a poluição do meio ambiente marinho, prezando pelo equilíbrio do ecossiste-ma e evitando a contaminação das águas por substâncias nocivas.

Consoante a isso, as organizações internacionais devem trabalhar no mesmo sentido, obrigando os Estados a, em conjunto, prevenir a poluição marinha, controlar os possíveis danos causados e responsabilizar os culpados.

Além disso, insta frisar, também, que o dever fundamental de prote-ção ao meio ambiente não é de responsabilidade exclusiva do Poder Públi-co, mas também da sociedade como um todo, como pôde ser observado nas leis e tratados observados.

Cabe ao Estado inspecionar e verificar a situação dos navios e das atividades marítimas, ao mesmo tempo em que cabe aos operadores marí-timos manter o navio e suas instalações em condições de navegar e evitar que substâncias nocivas contaminem as águas, para impedir que o mar seja poluído.

2 O DERRAMAMENTO DE ÓLEO E A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS MARINHAS

O derramamento de óleo pode ocorrer através de navios ou platafor-mas. É causado por uma série de fatores25, como, por exemplo, o vazamen-

22 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

23 ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013. p. 105.24 ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013. p. 157.25 Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/poluicaodaagua/der-

ramamento_petroleo.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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to em tubulações das plataformas em alto-mar, o vazamento dos próprios navios petroleiros e o lançamento no mar de água utilizada na lavagem dos reservatórios de petróleo nos navios petroleiros.

Entende-se que esse vazamento dos navios ou plataformas pode ocor-rer26 em decorrência de falhas nos equipamentos, falhas humanas na execu-ção da atividade e, inclusive, devido à pressão exercida pelo oceano, que causa fissuras no fundo do navio e leva ao vazamento do óleo.

Insta esclarecer que, por ser menos denso que a água27, o óleo não se mistura a ela, formando uma camada na superfície. Essa camada, que é escura e pesada, em decorrência das propriedades que compõem o óleo, gera inúmeros impactos no ambiente marinho.

De imediato28, a espessa camada impede que os raios de sol cheguem às criaturas primárias da cadeia alimentar marinha – o fitoplâncton. Este necessita da luz do sol para realizar fotossíntese e, sem ela, acaba perecen-do. O fitoplâncton, porém, serve de alimento para animais menores, que, por sua vez, alimentam animais maiores. Com a sua morte, toda a cadeia alimentar é colocada em risco, tendo em vista que não haverá comida para que ela se sustente.

Além disso, muitas aves se alimentam dos peixes que habitam am-bientes mais superficiais do oceano. Elas se sustentam dando rasantes nas águas, de modo que capturam suas presas na superfície e levantam voo. Com a camada gordurosa de óleo estendida no mar, muitas aves, ao mer-gulharem para pegar os peixes, acabam ficando presas. Suas penas ficam impregnadas com o óleo29, de forma que ficam pesadas e não conseguem mais erguer voo. Sem auxílio, muitas dessas aves morrem afogadas.

Isso ocorre não só com as aves, mas até mesmo com os próprios pei-xes de pequeno porte que nadam nas proximidades da superfície. A grossa camada de gordura pode impregnar-se em suas peles, causando-lhes uma intoxicação30. Tal fato pode levar os peixes imediatamente à morte, ou cau-sar a morte de humanos que os comerem.

26 Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/poluicao--por-derramamento-petroleo.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

27 Vazamento no Golfo do México deixa marcas profundas na biodiversidade marinha. Disponível em: <http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFTT1GdXJFbKVVVB1TP>. Acesso em: 14 out. 2016.

28 Me Salva! ECO07 – Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FUKwsDDl5c>. Acesso em: 14 out. 2016.

29 Danos causados por vazamentos de petróleo nos oceanos. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/quimica/danos-causados-por-vazamentos-petroleo-nos-oceanos.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

30 Me Salva! ECO07 – Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FUKwsDDl5c>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Outro dano causado por essa impregnação da gordura do óleo no corpo dos animais é a perda da termorregulação. Biólogos31 ensinam que aves e mamíferos são animais homeotérmicos, ou seja, precisam manter a temperatura estável para que seu corpo funcione apropriadamente. En-tretanto, quando o óleo gruda em seus corpos, ele impede que os animais realizem essa termorregulação, o que leva aves e mamíferos marinhos como golfinhos e baleias, que às vezes sobem à superfície, a morrer de hipotermia.

É possível também32 ocorrer a morte de peixes que, ao abrir o opércu-lo para respirar, acabam por respirar óleo, o qual gruda em suas brânquias, devido à sua propriedade gordurosa, levando o animal a óbito por asfixia, visto que ele não consegue respirar.

Não menos importante, outra consequência existente em decorrência do derramamento de óleo no mar é a contaminação da própria água. Ela se torna absolutamente imprópria para uso humano, seja para banhar-se, seja para alimentação (como dito anteriormente, a ingestão de animal intoxica-do pode levar o ser humano a óbito).

É nítido o prejuízo sofrido pelo ser humano com o derramamento de óleo na água. Ele sofre com o desregulamento da cadeia alimentar, com a intoxicação dos peixes e com a poluição da água marinha. Apesar de a ex-tração de petróleo ser uma atividade de extrema importância para o cenário econômico brasileiro, o meio ambiente saudável também precisa ter seu valor reconhecido. A extinção de espécies causadas pelo derramamento de óleo é algo que, a longo prazo, pode trazer consequências terríveis para a vida humana.

Ela pode, inclusive, atingir, de forma imediata, o próprio comércio. A poluição da água e consequente intoxicação e morte dos animais marinhos prejudica diretamente as famílias pesqueiras, cuja subsistência depende da pesca (tanto para a alimentação própria, quanto para a venda).

O episódio ocorrido em 2000 na Baía de Guanabara33, quando um duto de petróleo da Petrobrás se rompeu e causou o derramamento de 1,3 milhão de litros de óleo por cerca de 40km² da baía, afetou milhares de pessoas que ali viviam e que dependiam do comércio pesqueiro.

31 Me Salva! ECO07 – Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FUKwsDDl5c>. Acesso em: 14 out. 2016.

32 Me Salva! ECO07 – Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FUKwsDDl5c>. Acesso em: 14 out. 2016.

33 Baía de Guanabara: Vazamento da Petrobrás completa 14 anos. Disponível em: <http://www.oeco.org.br/reportagens/28021-baia-de-guanabara-vazamento-da-petrobras-completa-14-anos/>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Além disso, o comércio também fica prejudicado no que tange ao turismo34. Nas áreas de águas poluídas por óleo, não há incentivo de ati-vidades de lazer como banho, mergulho, surfe e passeios de barco. Isso faz com que os turistas evitem esses lugares, fato que afeta drasticamente o desempenho econômico de quiosques, locadoras de artefatos marítimos (pranchas, boias, barcos) e professores de atividades relacionadas ao am-biente marítimo (surfe, stand-up, mergulho).

Vale ressaltar que a poluição da água por derramamento de óleo não se limita apenas ao ambiente marinho. Especialistas já comprovaram que a água do mar contaminada por óleo deságua em rios35, criando um rastro de poluição. Tal fato é extremamente preocupante, tendo em vista que grande parte dos rios fornece água potável e, diante da poluição dessas águas, co-munidades ribeirinhas ficam sem alimento e sem água consumível.

Como soluções, os especialistas trazem uma variada gama de possi-bilidades36. Apesar de, na prática, o derramamento de óleo na água ser algo difícil de ser evitado, e também difícil de ser consertado, existem opções que buscam viabilizar isso, como a criação de barreiras, a sucção do óleo por bombas e o uso de detergentes.

As barreiras físicas buscam isolar a área contaminada pelo óleo atra-vés de barcos ligados entre si que buscam controlar a poluição e impedir que o óleo se espalhe. Após isso ser feito, o óleo é sugado por bombas. O problema com relação a isso é que, na prática, é muito difícil sugar toda a poluição, em razão da imensa quantidade de óleo derramado.

Outra técnica utilizada é colocar fogo no óleo, porque, em razão de suas propriedades, ele se transforma em CO2. Também é comum o uso de detergentes para “quebrar” o óleo, mas essa estratégia não é muito bem vista, levando em consideração que apenas distribui e espalha mais ainda o óleo pelo mar.

Além dessas alternativas, também é possível encontrar soluções para os danos causados pelo derramamento de óleo na legislação, tanto interna-cional quanto nacional. O Brasil, como foi visto no tópico anterior, possui legislação interna para regular o derramamento de óleo e outras substâncias nocivas no mar, através da Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000.

34 Impactos pelo óleo no mar. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAZ5IAL/impactos-pelo--oleo-no-mar?part=3>. Acesso em 14 out. 2016.

35 Derramamento de óleo ameaça rios na Amazônia. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-03/derramamento-de-oleo-ameaca-rios-na-amazonia>. Acesso em: 14 out. 2016.

36 Me Salva! ECO07 – Poluição por derramamento de petróleo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8FUKwsDDl5c>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Segundo o texto legal (art. 2º, VIII), a definição de óleo é “qualquer forma de hidrocarboneto (petróleo e seus derivados), incluindo óleo cru, óleo combustível, borra, resíduos de petróleo e produtos refinados”37. A lei também traz sistemas de prevenção, combate e controle da poluição por derramamento de óleo no mar, obrigando os portos, instalações portuárias e plataformas a terem meios adequados para recebimento e tratamento de resíduos (art. 5º), proibindo a descarga de óleo e outras substâncias nocivas na água (art. 17).

A lei abre uma exceção a essa proibição no que tange à salvaguarda de vidas humanas, pesquisa ou segurança do navio (art. 19). No caso de pesquisa, o texto legal (parágrafo único) traz uma série de exigências que devem ser cumpridas38, sob pena de responsabilização do agente pelos da-nos causados:

Parágrafo único. Para fins de pesquisa, deverão ser atendidas as seguintes exigências, no mínimo:

I – a descarga seja autorizada pelo órgão ambiental competente, após análise e aprovação do programa de pesquisa;

II – esteja presente, no local e hora da descarga, pelo menos um representan-te do órgão ambiental que a houver autorizado;

III – o responsável pela descarga coloque à disposição, no local e hora em que ela ocorrer, pessoal especializado, equipamentos e materiais de eficiên-cia comprovada na contenção e eliminação dos efeitos esperados.

Além da referida lei, o Brasil também é signatário de várias conven-ções internacionais que buscam proteger o meio ambiente marinho do der-ramamento de óleo por navios, como a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – Marpol, de 2 de novembro de 1973, e seu Protocolo de 1978; a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1992; e a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Dano Causado por Poluição por Óleo do Próprio Navio, de 2001.

37 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

38 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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A Marpol traz, em seu texto, a definição de petróleo. Segundo o item 28 do art. 1º, petróleo bruto significa “qualquer mistura líquida de hidrocar-bonetos existente na terra, tratada ou não para a tornar transportável”39. Há, em seus artigos, a busca pela devida limpeza dos tanques do navio, impe-dindo que vestígios de petróleo poluam o meio ambiente marinho através de sistemas de lavagem obrigatória. A referida lei ainda equipara a navio qualquer estrutura, flutuante ou fixa, de modo que, se uma instalação causar danos ambientais, será responsabilizada segundo o regime da bandeira do Estado de pavilhão (país de origem)40.

As Convenções Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1992, e Internacional sobre Responsa-bilidade Civil por Dano Causado por Poluição por Óleo do Próprio Navio, de 2001, trazem, por sua vez, a responsabilização pelos danos gerados por derramamento de óleo no mar.

A Convenção de 1992 responsabiliza, em seu artigo III, item 1, o pro-prietário do navio pelos danos por poluição decorrentes de incidente, isto é, “qualquer ocorrência, ou série de ocorrências que tenham a mesma origem, que cause danos por poluição, ou que crie uma ameaça grave e iminente de causar tais danos”41 (art. I, item 8).

A referida Convenção ainda traz em seu texto regulamentações para situações em que há mais de um navio envolvido no dano (art. IV), e pos-síveis causas de exclusão de responsabilidade do proprietário do navio (art. III, itens 3 e 4). Ela também prevê procedimentos para diferentes ocor-rências e hipóteses de compensação dos danos (art. VII).

A Convenção de 200142, por outro lado, responsabiliza o armador pelos danos ambientais causados pelo derramamento de óleo (art. 3º, item 1), e não o proprietário. Insta esclarecer que o armador pode ou não ser o proprietário do navio, não sendo termos sinônimos, de forma que se pode afirmar que a Convenção de 2001 ampliou os termos da Convenção de 1992, estendendo a responsabilização pelos danos à figura do armador, fato que aumenta a proteção ambiental marinha.

39 Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – Marpol 73/78. Protocolo de 1978 relativo à Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, 1973. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/marpol>. Acesso em: 14 out. 2016.

40 ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013. p. 219. 41 Organização das Nações Unidas. Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causa-

dos por Poluição por Óleo, 1992. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/clc_92_consolidada_e_atualizada-06dez2010.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

42 Organização das Nações Unidas. Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Dano Causado por Poluição por Óleo do Próprio Navio, 2001. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/trad_conv_bunker.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Assim como a Convenção de 1992, a de 2001 traz um rol de situa-ções que excluem a responsabilidade do armador (art. 3º, itens 3 e 4). Ela também traz em seu texto a possibilidade de mais de um navio estar envol-vido no dano (art. 5º), bem como procedimentos de julgamento, prazos e jurisdição (arts. 8, 9 e 10).

3 A TROCA DE ÁGUA DE LASTRO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O ECOSSISTEMA MARINHO

A água de lastro é “a água recolhida no mar e armazenada em tanques nos porões dos navios, com o objetivo de dar estabilidade às embarcações quando elas estão navegando sem cargas”43. Assim, ela traz equilíbrio ao navio, impedindo que ele vire, ou se parta ao meio, de forma que assegura a sua segurança.

Marcelo Fernando Quiroga Obregón e Daury César Fabriz afirmam que “todo navio cargueiro que se encontra sem carga precisa de lastro para ficar mais pesado e manter-se em condições de navegação”44. Segundo eles, a água de lastro, além de manter a estabilidade do navio, permite que ele faça manobras eficientes, tanto no mar quanto na área portuária, bem como facilita que o navio se mantenha na sua rota, “ou seja, o governo da embar-cação, para chegar a seu destino sem contratempos”45.

Diante disso, é possível observar que a água de lastro é muito impor-tante para a atividade da navegação, tendo em vista que é o que sustenta o navio e impede que ele possivelmente naufrague, além de permitir que ele se mantenha em sua rota e possa realizar manobras. O “lastro”, vale ressaltar, é qualquer material com peso que se coloca no fundo do navio para trazer estabilidade a ele, não consistindo, necessariamente, em água. Conforme ensinam Obregón e Fabriz46:

O processo histórico ou de evolução da utilização de lastro para a manuten-ção da navegabilidade das embarcações se inicia na Antiguidade com o uso

43 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.portodesantos.com.br/acoesCampanhas.php?pagina=02>. Acesso em: 14 out. 2016.

44 OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga; FABRIZ, Daury César. O dever fundamental de proteção ambiental no mar territorial e nas águas interiores: Áreas portuárias – Poluição por derramamento de água de lastro. Revista Derecho y Cambio Social. Peru, jul. 2015. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista041/O_DEVER_FUNDAMENTAL_DE_PROTE%C3%87AO_AMBIENTAL.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

45 OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga; FABRIZ, Daury César. O dever fundamental de proteção ambiental no mar territorial e nas águas interiores: Áreas portuárias – Poluição por derramamento de água de lastro. Revista Derecho y Cambio Social. Peru, jul. 2015. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista041/O_DEVER_FUNDAMENTAL_DE_PROTE%C3%87AO_AMBIENTAL.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

46 OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga; FABRIZ, Daury César. O dever fundamental de proteção ambiental no mar territorial e nas águas interiores: Áreas portuárias – Poluição por derramamento de água de lastro. Revista Derecho y Cambio Social. Peru, jul. 2015. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista041/O_DEVER_FUNDAMENTAL_DE_PROTE%C3%87AO_AMBIENTAL.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

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de pedras, sacos de areia e todo tipo de elemento sólido em embarcações de madeira. Com o avanço da tecnologia e a Revolução Industrial, surgiram os navios a vapor, construídos com aço, que permitiram a utilização de uma nova forma de lastro, muito mais econômica e de fácil manipulação, tanto para o abastecimento como para o despejo; a água do mar, rios ou lagos passa a ser utilizada como o recurso ideal para o lastro dos navios modernos.

Pode-se observar, assim, que nem sempre a água foi utilizada como lastro para os navios, tendo tido sua utilização início após a Revolução In-dustrial e o surgimento dos navios a vapor. Atualmente, o uso da água de lastro é extremamente comum para a navegabilidade estável dos navios sem carga.

Apesar de sua importância, tal mecanismo é extremamente perigoso para o meio ambiente marinho. A troca da água de lastro pode gerar inú-meros inconvenientes para o ecossistema, a depender do tipo de contami-nação.

Para que seja realizada a utilização da água como lastro do navio47, este abastece seus tanques com água (marinha, fluvial ou lacustre), a qual pode entrar em contato com resíduos de óleo ou outras substâncias nocivas que estejam no interior do tanque do navio. Ao ancorar em outro porto, após a viagem marítima, o navio realiza o “delastro”, isto é, o “despejo da água coletada em outros ecossistemas costeiros para o ambiente marinho ou instalações de recebimento”48.

O navio, dessa forma, expele a água utilizada e a “troca”, realizando novamente o processo de abastecimento, desta vez com a água da atual localização. Assim, a água anteriormente utilizada, contaminada por subs-tâncias nocivas, entra em contato com a água limpa da região, poluindo-a.

Outra possibilidade49, não menos gravosa, é quando a água recolhida traz junto a ela espécies determinadas de fauna específica, que não exis-tem em outros lugares. Nesse caso, esse ecossistema absorvido junto com a água, ao ser despejado no porto de chegada, mistura-se à fauna existente no local, gerando um grave desequilíbrio na cadeia alimentar marinha, tendo em vista que as espécies estranhas ao ambiente podem não possuir preda-

47 Água de lastro e suas ameaças em potencial. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/sgua--lastro-suas-ameacas-potencial.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

48 PEREIRA, Anderson Silva; SANTOS, Nathália Araújo. A poluição provocada pela água de lastro: uma análise crítica sobre a “reparação” do dano e a necessidade preventiva na busca de um desenvolvimento sustentável. Curitiba. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=4097&idAreaSel=13&seeArt=yes>. Acesso em: 14 out. 2016.

49 Água de lastro e suas ameaças em potencial. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/sgua--lastro-suas-ameacas-potencial.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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dores (de forma que irão se reproduzir e competir com as espécies nativas), além de poder trazer patologias cujos animais da região não possuem pro-teção contra.

Tais situações acarretam, a longo prazo, perda da biodiversidade dos locais contaminados, visto que muitos seres componentes da fauna local (animais e vegetais) poderão morrer em decorrência de contaminação por óleo ou substâncias nocivas, ou por não conseguirem competir com os ani-mais trazidos de locais remotos e estranhos àquele ecossistema, seja por falta de predadores, seja por doenças trazidas por eles.

É mister ressaltar que os navios que transportam maiores volumes de água de lastro são os tanques e os graneleiros50. Tendo em vista a intensi-dade com que ocorre o tráfego marítimo internacional, em especial desses dois tipos de navios, pode-se afirmar que a navegação marítima acaba sen-do uma das principais responsáveis pela movimentação de organismos ma-rinhos, de forma a “espalhar contaminantes para o mundo inteiro, já que são movimentadas, por ano, aproximadamente 10 bilhões de toneladas de água de lastro no mundo e, no Brasil, aproximadamente 80 milhões anuais”51.

Devido a isso, a água de lastro, que é transportada oceano a fora, con-taminando áreas e lesando ecossistemas em decorrência de suas sucessivas trocas, pode atingir o próprio ser humano. Os animais contaminados podem trazer sérias enfermidades a quem os ingerir, fato que prejudica comunida-des ribeirinhas, cujo sustento advém das águas, e o próprio comércio pes-queiro, gerando desestabilização social e econômica.

Diante de tal cenário, os Estados e organismos internacionais desen-volveram normas que buscam regulamentar e controlar o uso da água de lastro pelos navios. No Brasil, a Agência Nacional de Transportes Aquaviá-rios – Antaq entende a importância do uso da água de lastro para a navega-bilidade do navio, de modo que a utilização desse procedimento é permiti-da, desde que em respeito ao meio ambiente marinho52.

Desse modo, o navio pode utilizar água de lastro, mas de forma pla-nejada. Segundo a Antaq53, a Organização Marítima Internacional (IMO) instituiu, em 1990, um grupo para trabalhar sobre a questão da água de

50 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

51 Água de lastro e suas ameaças em potencial. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/sgua--lastro-suas-ameacas-potencial.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

52 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

53 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

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lastro, ao lado do Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho (MEPC). Durante a década de 1990, foram publicadas três resoluções acerca do ge-renciamento da troca de água de lastro pelos navios: a Resolução MEPC nº 50 (31), de 1991, a Resolução nº A.774(18), de 1993, e a Resolução nº A.868 (20), de 1997.

Uma das diretrizes mais famosas da Organização Marítima Interna-cional (IMO) é a chamada “troca oceânica”, ou seja, obriga os signatários a realizar a troca da água “antes de alcançarem a distância de 200 milhas náuticas até a linha de costa do porto de destino [...], devendo os locais de troca possuir pelo menos 200 metros de profundidade, e a troca volumétrica da água de lastro atingir uma eficiência de 95%”54.

Essas diretrizes trazidas pelas resoluções internacionais são nortea-doras, ferramentas que podem minimizar os danos causados pela troca de água de lastro, desde que utilizadas da maneira correta. As Resoluções tra-zem instruções para os Estados-membros, bem como para os sujeitos marí-timos, sobre quais procedimentos seguir, e como evitar que água contami-nada prejudique ecossistemas e seres humanos.

Além disso, no Brasil, a Diretoria de Portos e Costas editou, em 2005, a Normam 20/2005, a qual regulamenta a troca de água de lastro, e a Comis-são de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou, em 2008, uma proposta que “obriga os navios a inspecionarem a água de lastro”55.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por sua vez, editou, em 2009, a Resolução Anvisa-RDC nº 72/2009, a qual obriga “o proprietário, armador, responsável direto ou representante legal pela em-barcação apresentar à autoridade sanitária do porto de controle sanitário o Formulário para Informações sobre a Água de Lastro”56 (art. 21, § 1º), preen-chido conforme o modelo trazido na própria Resolução.

Também em solo pátrio, a Lei nº 9.96657, promulgada em 28 de abril de 2000, trata da troca de água de lastro. Apesar de ser mais conhecida como “Lei do Óleo”, por tratar da poluição marinha por derramamento de

54 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

55 Água de lastro e suas ameaças em potencial. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/biologia/sgua--lastro-suas-ameacas-potencial.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

56 Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 72, de 29 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.an-visa.gov.br/hotsite/cruzeiros/documentos/2013/RDC%2072-09%20CONSOLIDADA%20COM%20RDC%2010-2012.pdf>. Acesso em: 14 out. 2016.

57 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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óleo, ela também traz em seu texto disposições acerca da água de lastro e da contaminação marinha por substâncias nocivas em geral.

Em seu texto, a lei traz a definição de lastro limpo:

Art. 2º [...]

XVII – lastro limpo: água de lastro contida em um tanque que, desde que transportou óleo pela última vez, foi submetido a limpeza em nível tal que, se esse lastro fosse descarregado pelo navio parado em águas limpas e tran-quilas, em dia claro, não produziria traços visíveis de óleo na superfície da água ou no litoral adjacente, nem produziria borra ou emulsão sob a super-fície da água ou sobre o litoral adjacente.

Desse modo, pode-se observar que é considerado lastro limpo a água contida em tanque que está livre de quaisquer substâncias nocivas ao am-biente marinho. Além disso, a lei traz uma classificação58 das substâncias nocivas, separando-as por categorias com base em seu nível de periculosi-dade, a fim de melhor controlar os possíveis efeitos no ambiente marinho:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, as substâncias nocivas ou perigosas classifi-cam-se nas seguintes categorias, de acordo com o risco produzido quando descarregadas na água:

I – categoria A: alto risco tanto para a saúde humana como para o ecossiste-ma aquático;

II – categoria B: médio risco tanto para a saúde humana como para o ecos-sistema aquático;

III – categoria C: risco moderado tanto para a saúde humana como para o ecossistema aquático;

IV – categoria D: baixo risco tanto para a saúde humana como para o ecos-sistema aquático.

Ademais, em seu art. 11, a referida lei também traz como exigência que os navios devem ter a bordo um livro de registro de carga, nele devendo sempre ser realizadas anotações acerca de operações de “transferência de águas de lastro sujo para o meio aquático” (inciso VII)59.

58 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

59 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

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Além disso, a lei também exige, em seu art. 18, que a descarga de água de lastro “que contenha óleo ou substâncias nocivas ou perigosas de qualquer categoria só poderá ser efetuada em instalações de recebimen-to e tratamento de resíduos”, obrigando o “responsável a reparar os danos causados ao meio ambiente e a indenizar as atividades econômicas e o patrimônio público e privado pelos prejuízos decorrentes da descarga”60 (art. 21).

Em âmbito internacional, além das já citadas resoluções da Organiza-ção Marítima Internacional, foi criada, também, a Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento de Água de Lastro e Sedimentos de Navios, em 2004 (aprovado pelo Brasil por meio do Decreto-Legislativo nº 148, de 15 de março de 2010)61.

Seu texto busca nortear os Estados-membros e os agentes da navega-ção marítima, a fim de diminuir os riscos causados pela troca de água de lastro na cadeia alimentar marinha. A Convenção reconhece que a transfe-rência de organismos para ecossistemas estranhos gera um desequilíbrio na fauna marinha, fato que prejudica não só o meio ambiente marinho, mas o próprio ser humano, que tem seu comércio lesado e sua saúde em perigo.

Ademais, a Convenção de Montego Bay também trouxe atenção à questão da poluição por água de lastro. Ao regulamentar o espaço marítimo da Zona Contígua, a Convenção dispôs poderes de fiscalização do Estado costeiro que abrangem a referida zona, classificando a atuação estatal em zona aduaneira ou fiscal, imigração e sanitária.

Esta última, segundo o doutrinador Tiago Vinicius Zanella62, normal-mente está relacionada à proteção ambiental, em especial nos casos da tro-ca de água de lastro:

A fiscalização sanitária está, muitas vezes, ligada diretamente à preservação ambiental e à saúde pública. Podemos citar aqui o exemplo da água de las-tro, na qual podem ser transportadas espécies exóticas e patogênicas que tanto podem prejudicar o meio marinho – com a introdução de organismos não nativos – como podem colocar em risco a saúde pública com a bioinva-são de seres patogênicos [...]. Os Estados ribeirinhos possuem legitimidade

60 BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 28 abril 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9966.htm>. Acesso em: 14 out. 2016.

61 Meio Ambiente – Água de Lastro. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/portal/MeioAmbiente_AguaDe-Lastro.asp>. Acesso em: 14 out. 2016.

62 ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013. p. 197.

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para fiscalizar as embarcações para a aplicação da sua legislação sanitária interna.

Assim, é possível observar que há normatização, interna e interna-cional, na busca conjunta (sociedade aliada ao Poder Público, bem como cooperação entre Estados) pela preservação ambiental e controle da troca da água de lastro na navegação marítima, a fim de proteger o ecossistema e a fauna marinha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se concluir que tanto a exploração petrolei-ra quanto a utilização de água de lastro possuem duas perspectivas. Por um lado, são de extrema importância para o desenvolvimento do comércio e da economia dos países. Por outro, são atividades profundamente perigosas para o bom funcionamento do meio ambiente marinho.

Pode-se afirmar, nesse ínterim, que, apesar de a prosperidade econô-mica possuir significativa importância para qualquer nação, é mister lembrar que, sem um ambiente saudável e equilibrado, não existe vida, nem nação.

O meio ambiente marinho tem sofrido com o desregulamento de ca-deias alimentares, extinção de espécies, morte de seres vivos e poluição das águas. Como observado, o próprio ser humano sofre, a longo prazo, com esses danos, diante de enfermidades por ingestão de animais contaminados, e prejuízos econômicos diante da falência de locais e profissões centrados no ambiente marítimo.

Tal situação degradante deve ser preocupação não só do Poder Pú-blico, mas da sociedade como um todo, pessoas físicas e jurídicas, que devem, conjuntamente, zelar pelo meio ambiente marinho, evitando ações que possam lhe gerar danos, por meio de obediência às normas internas do país e das Convenções Internacionais.

Os operadores marítimos e usuários em geral das águas marinhas de-vem manter as instalações dos navios e seus equipamentos dentro do exigi-do, e impedir que haja derramamento de óleo na água, bem como planejar a troca da água de lastro a fim de que não haja contaminação da água por substâncias nocivas, nem inserção de espécies em hábitat estranho, impe-dindo a desordem no ecossistema. Ademais, devem, também, denunciar às autoridades competentes qualquer violação às normas ou irregularidade que presenciarem.

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O Poder Público, por sua vez, deve cumprir as leis internas e as Con-venções Internacionais das quais é signatário, fiscalizando e inspecionando as condições das embarcações, bem como de seus equipamentos. Além disso, deve também buscar resolver os danos ocorridos, com fundamento na legislação vigente, e realizar julgamentos com base nos procedimentos previstos, zelando pela proteção ambiental marinha e responsabilizando os culpados pelos danos.

É fato que o contorno de danos ambientais de extensão tão grande quanto o derramamento de vultosas quantidades de óleo no mar, bem como o desalinho de cadeias alimentares inteiras a nível mundial, não é fácil. Porém, o dever fundamental de proteção ao meio ambiente, inclusive o marinho, é responsabilidade de todos, em conjunto. Existe vasta legislação acerca do assunto, em grau nacional e internacional, que norteia e orienta atitudes e procedimentos para proteção do ambiente marítimo.

Dessa forma, cabe apenas aos entes públicos e à população em geral, atuando em regime de cooperação, cumprir o exigido pelas normas, a fim de tutelar o ambiente marinho e possibilitar que as presentes e futuras gera-ções também possam usufruí-lo.

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90 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

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Parte Geral – Doutrina

A Determinação de Conteúdo Originário e Sua Finalidade em Operações de Comércio Internacional

AnDRE APOSTOLOPOuLOSGestor do Departamento Aduaneiro da Aliança Renault-Nissan.

EVAnDRO BIZZOTTOGestor do Departamento Aduaneiro da Aliança Renault-Nissan.

RESUMO: As diversas e por vezes contraditórias fontes normativas que definem as regras de origem encontram hoje algumas problemáticas, as relacionadas às lacunas legais que abrem espaço para numerosas discussões técnicas, as quais não pretendemos detalhar no presente texto; e as de cunho burocrático, decorrentes do elevado grau de complexidade que tais normas podem atingir, exigindo do operador a visão sistemática de interpretação. Em vista das variadas circunstâncias para as quais o ordenamento jurídico estabelece controle de origem dos bens resultantes de processos industrial ou comercial, passamos a analisar extensivamente o propósito fundamental das normas de forma comparativa e verificamos que referida teleologia nos permite convergir a um ponto comum: a proteção ao desenvolvimento industrial nacional. Com o esclarecimento de um bem jurídico comum amparado pelas normas de origem encontradas de maneira ampla, geralmente atreladas a benefícios fiscais, operacionais ou financeiros promovidos pelo Estado, parece-nos adequado defender uma uniformização de critérios trazidos pelas diferentes regras, bem como uma extensiva interpretação destas de forma a promover o desenvolvimento do parque industrial brasileiro ao padronizar os ra-mificados controles.

PALAVRAS-CHAVE: Origem; comércio internacional; controle; preferência; interpretação; benefícios fiscais.

ABSTRACT: The diverse and commonly contradictory normative sources that define rules of origin collide with a number of issues that are partly related to legal gaps which arise a number of tech-nical discussions (and are not intended to be analyzed in the present article) and partly regarding bureaucratic aspects resulting from the high level of complexity that such rules can carry, demanding operators to apply a systematic legal interpretation. In view of the different circumstances in which the Brazilian legislation establishes an origin control regarding industrial or commercial processes, we proceed in the analysis of the fundamental purposes of such rules in a comparative manner and the teleology surrounding them allows us to converge to a common point: the protection of the local industry’s development. Once the protected social value is defined and considering the rules of origin are generally related to a tax or financial benefit fostered by the government, we understand a higher uniformity of the different criteria in the varied legal sources is needed. Accordingly, an extensive interpretation of such rules is urged in order to effectively promote the local industry and standardize ramified controls.

KEYWORDS: Origin; international trade; preferential rules; interpretation; tax benefits.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Regras de origem; 1.1 Regras preferenciais; 1.2 Regras não preferenciais; 2 A mens legis na determinação de regras de origem; 2.1 Comparativo de regras de origem; 3 Pena-lidades e controles; Conclusão.

INTRODUÇÃO

No âmbito da legislação brasileira, diversos são os motivos para os quais se determina o índice de conteúdo local (ou regional) de produtos comercializados, podendo-se destacar: (i) participação em licitações com a Administração Pública direta e indireta; (ii) credenciamento e financia-mento de equipamentos junto a bancos públicos; (iii) controle nas opera-ções interestaduais para fins de arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS; e (iv) determina-ção de tratamento tributário e administrativo nas operações de comércio internacional face aos acordos comerciais internacionais vigentes.

Embora a tangência de todos os supracitados itens à prática aduaneira seja evidente, o objetivo da presente análise é nos atermos ao controle de conteúdo originário e não originário para fins de operações de importação e exportação de produtos, pois é nesta seara que enxergamos maior comple-xidade dispensada ao tema, seja pela ramificação de normas que versam a respeito do assunto, seja pelos eventuais conflitos de preceitos que encon-tramos ao nos debruçarmos sobre este mote.

Desta forma, cumpre salientar não se tratar de análise de relevância, já que encontramos a semelhança da mens legis em todos os casos elenca-dos, como analisaremos ao final do presente texto. A definição da análise se dá por vislumbrarmos as mais relevantes lacunas e divergências nas regras de origem definidas para fins de preferência tarifária decorrente de comér-cio internacional de bens.

Ainda, não buscamos, por meio do presente trabalho, dissecar o tema central em sua totalidade, tampouco temos a pretensão de aqui trazer a solução para todas as lacunas regulamentares ou doutrinar sobre a correta interpretação das normas, sendo nosso objetivo tão somente evidenciar os pontos polêmicos na tentativa de provocar um debate que se faz necessário em virtude da crescente presença do Brasil no campo das relações comer-ciais globais e do anseio da indústria nacional em se posicionar no mercado global.

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1 REGRAS DE ORIGEM

A determinação de origem em operações de comércio internacional é dada por meio das denominadas regras de origem, cujos propósitos pri-mordiais são: evitar que o exportador se utilize de tratamento preferencial, decorrente de acordo internacional, para introduzir no território aduaneiro do país importador mercadoria inelegível a referido tratamento – estas são pela doutrina denominadas “regras preferenciais”; ou, em contrario sensu, impedir que o importador se furte de cumprir com obrigações impostas a bens oriundos de determinadas localidades na esfera da defesa comercial, controle fitossanitário, controle de exportação, entre outros – caso das “re-gras não preferenciais”.

Em ambas as situações, as regras de origem consistem em convenção para definição de critérios objetivos que caracterizem produtos transacio-nados como originários de determinada região no âmbito de acordos inter-nacionais.

Destarte, verificamos nos acordos dos quais o Brasil é signatário três principais critérios (normalmente alternativos), quais sejam:

1. produção a partir de insumos e matérias-primas totalmente obti-dos nos territórios das partes signatárias;

2. realização de transformação substancial a produtos não originá-rios, de tal forma que o produto resultante seja classificado em posição distinta da aplicada antes do processo de transformação; ou

3. agregação de valor de forma que o produto exportado contenha, em aspecto valorativo, percentual mínimo de partes regionais (podendo tal porcentagem variar a depender do acordo).

Vale dizer que não são estes os únicos critérios para determinação de origem aceitos pelos acordos vigentes e sim os principais e reincidentes que podemos verificar nas zonas preferenciais de comércio concernente ao Brasil.

1.1 regras Preferenciais

No que diz respeito às regras preferenciais, como já dito, trata-se de critérios estabelecidos de modo a qualificar a origem de produtos a um determinado país ou região com a finalidade de obtenção de tratamento tarifário diferenciado ao importador.

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De maneira preponderante, tais regras estão previstas em acordos de complementação econômica (ACE) e resultam, essencialmente, na elimi-nação ou redução de tributos incidentes na importação e/ou outras taxas inerentes ao comércio exterior.

Além de estarem previstas nos ACE, tais regras também têm como base o conceito de regras de origem regulada pela Declaração Comum so-bre as Normas de Origem Preferenciais, que consta como Anexo II ao Acor-do sobre Normas de Origem da OMC.

1.2 regras não Preferenciais

Em operações de comércio internacional, tão importante quanto de-finir a origem dos bens para benefícios estabelecidos em acordos multila-terais é a identificação originária estabelecida para garantir o devido cum-primento das políticas de defesa comercial. Neste sentido, as regras não preferenciais são aquelas que possuem como mais relevante finalidade a defesa comercial dos países importadores e visam a garantir a justa e equili-brada competitividade internacional, bem como proteger os países importa-dores no que se refere a aspectos administrativos, comerciais, fitossanitários, técnicos, quotas, entre outros.

Até a publicação da Resolução Camex nº 80/2010, o Brasil não tinha normas claras referentes a essas regras, e, na maioria dos casos, os procedi-mentos relacionados a controles não preferenciais eram desconhecidos por parte da indústria e entidades certificadoras.

A principal motivação para essa normatização no âmbito do ordena-mento jurídico brasileiro foi o Plano Brasil Maior, que tinha como objetivo a defesa comercial e industrial nacional. O plano, em conjunto com o au-mento das transações de comércio exterior do Brasil com diferentes atores internacionais, tornou necessária a identificação de origem dos produtos que circulam em nosso território para melhoria de controles sobre aspectos como: antidumping, salvaguarda, balança comercial, etc.

2 A MENS LEGIS NA DETERMINAÇÃO DE REGRAS DE ORIGEM

Feitas as devidas análises conceituais relativas às regras de origem preferenciais e não preferenciais, cabe, então, refletirmos sobre a intenção dos legisladores nacionais e internacionais ao estabelecerem critérios ob-jetivos que determinem a origem de produtos transacionados no comércio internacional.

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Neste sentido, parece-nos adequado inferir que o mútuo desenvolvi-mento econômico dos países signatários em acordos internacionais figura como primordial propósito para a regulamentação das regras de origem pre-sentes nos referidos pactos. Em outras palavras, o preponderante propósito que acompanha a edição de regras de origem é, entre outros, fortalecer as economias regionais, principalmente por meio de proteção à indústria.

Tal interpretação teleológica confirma-se pelas diversas exposições de motivos fundamentares nas internalizações normativas dos acordos cele-brados pelo Brasil, bem como pelo posicionamento expresso do Ministério das Relações Exteriores ao firmar relações bilaterais.

Diante desta racional e ainda mantendo em mente a supracitada te-leologia, consideramos que os bens jurídicos protegidos pelas regras de ori-gem, sejam elas preferenciais ou não preferenciais, são, em análise estrita, a indústria nacional e tudo que a esta pertine (geração de empregos, paga-mento de tributos e aumento do Produto Interno Bruto) e, mais amplamente, a economia nacional e o desenvolvimento do País.

Outrossim, cumpre ressaltar que não é apenas para controle das ope-rações de comércio internacional que se avalia o conteúdo local dos bens produzidos (total ou parcialmente) no Brasil.

2.1 comParativo de regras de origem

A determinação de origem, assim como o formato utilizado para o cálculo de índice de conteúdo local, é tema tratado amplamente no orde-namento jurídico brasileiro. Ademais, na massiva maioria das situações, o propósito para tal controle é exatamente o mesmo, conforme já referido: a proteção da economia nacional por meio de fortalecimento da indústria,

Não obstante tal similaridade de finalidades, observamos nos diver-sos controles de origem divergências no formato de cálculo, índice mínimo exigido e autoridade certificadora e fiscalizadora.

A título exemplificativo, são situações ensejadoras de controle de origem:

– participação em licitações;

– obtenção de benefícios de IPI, tais como aqueles ligados ao Pro-cesso Produtivo Básico – PPB ou Inovar-Auto;

– definição de elegibilidade para o Regime Especial de Reinte-gração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra;

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– obtenção de financiamentos junto ao BNDES para aquisição de bens de capital ou Aquisição e Comercialização de Ônibus, Ca-minhões e Aeronaves Executivas – Finame; e

– controle de alíquota de ICMS aplicável em operações interes-taduais.

Decerto há outras situações a citar, contudo, o importante é verificar-mos que, embora as finalidades para um controle de origem sejam seme-lhantes, os controles são distintos, e é plenamente possível que determinado exportador atinja o conteúdo mínimo exigido para alguns casos e não para outros.

Tal situação, além de criar excessivos controles aos exportadores e importadores, uma vez que não raros são os casos de empresas que neces-sitam controlar todas as citadas hipóteses, pode gerar algumas contradições.

Por exemplo, é possível que, para fins de comercialização internacio-nal, um exportador comprove conteúdo mínimo de 60% na venda de deter-minado produto ao Mercosul, garantindo, assim, a preferência tributária no destino e consequentemente assegurando a desejada produção à indústria nacional, e não consiga o mesmo índice quando pretender obter créditos de PIS e Cofins decorrentes de tal exportação sob amparo do Reintegra.

Embora o Reintegra seja um benefício disponível às empresas expor-tadoras que comprovem um conteúdo mínimo local de 60%, sua fórmula de cálculo se distingue daquela definida para exportações destinadas ao Mercosul e exige que custos adicionais, como o de Imposto de Importação das peças importadas, incorpore o cálculo.

Neste sentido, se o fomento à produção nacional e o desenvolvimen-to do parque industrial são os bens juridicamente resguardados, parece-nos improvável que estes são respeitados em uma circunstância e não na outra.

É válido salientar que, em âmbito de negociações internacionais, há motivos que ultrapassam os aqui trazidos e podem, por conseguinte, ate nuar ou restringir os parâmetros de origem, mas não é nossa intenção abordar tais situações de maneira específica e pormenorizada. Ao contrário, o que se pretende é abordar os aspectos genéricos para uma reflexão geral do tema.

3 PENALIDADES E CONTROLES

Não podemos esquecer que os benefícios decorrentes da correta ob-servação das regras de origem dependem de uma série de controles de natu-reza contábil, financeira, documental e de obrigações acessórias, entre ou-

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98 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

tras. Desta forma, é natural concluir que qualquer imprecisão nos referidos controles sujeita as empresas às penalidades previstas em lei e obviamente a perda dos pertinentes benefícios que acompanham a exigência de origem.

Assim, considerando novamente o cenário em que determinada em-presa realiza o controle originário para todas as circunstâncias citadas no item 3.1, torna-se imprescindível uma estrutura de pessoas e sistemas de grande proporção para evitar inexatidões. Paradoxalmente, portanto, para se tornar competitiva, a indústria nacional deve aplicar significativos investi-mentos em controles que garantam o minucioso acompanhamento de todos os cálculos de origem a que se destinam suas operações.

Adicionalmente, ao ponderarmos o recessivo corrente quadro eco-nômico do País, verificamos que, em importante proporção, empresas que poderiam ser beneficiárias de tratamentos fiscais e financeiros favoráveis optam por não o fazer por não disporem de capital para os investimentos iniciais necessários à implementação de todos os controles exigidos.

Para esta parcela da economia, a implementação de novos incentivos com novos controles e exigências é praticamente ineficaz. Ao contrário, acaba por distanciá-los dos demais players do mercado que estão mais es-truturados.

CONCLUSÃO

Em breve conclusão, almejamos, por meio do presente texto, buscar a reflexão acerca do princípio que circunda a implementação de regras de origem para o comércio internacional que, em relação ao intuito, encontra similaridades com outras finalidades em que se pretende atestar o local no qual essencialmente foi produzido determinado bem.

Sendo tais propósitos semelhantes, igualmente semelhantes deveriam ser os controles e os requisitos de modo a evitar contradições pelas quais para um determinado fim o produto seja considerado nacional e reconheci-do como decorrente de um processo fortalecedor da indústria local e para outro o bem seja classificado como estrangeiro e em afronta à proteção da mesma indústria.

Por fim, cabe aqui defender o anseio do produtor local por uma apli-cação uniforme da interpretação teleológica das regras definidoras de ori-gem evitando a sucessiva burocratização e complexidade do tema e prote-gendo o que intencionou o legislador de tais normas desde o princípio: o desenvolvimento da economia local e a defesa da balança comercial.

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Parte Geral – Doutrina

Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arrendamentos Portuários Pré-1993

LuCAS nAVARRO PRADOGraduado em Direito pela USP, Pós-Graduado em Finanças pela FIA/USP, Professor do Progra-ma de Pós-Graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Advogado.

EBER LuCIAnO SAnTOS SILVAGraduado em Direito e Engenharia Civil pela USP, Mestre em Finanças e Economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV, Advogado.

DEnIS gAMELLGraduado em Direito pela UnB, Pós-Graduando do MBA em Finanças da FGV, Advogado.

RESUMO: O artigo analisa a existência de direito à indenização por investimentos realizados em ar-rendamentos e locações portuárias anteriores à Lei nº 8.630/1993 e busca traçar critérios de cálculo de indenização dos ativos não inteiramente depreciados a partir da proposta da SEP/MTPAC de se utilizar do método Ross-Heidecke.

PALAVRAS-CHAVE: Bens reversíveis; arrendamentos portuários; amortização; depreciação; Ross--Heidecke.

ABSTRACT: The article examines whether there is right to compensation for investments in port leases and locations previous to Law nº 8.630/1993 and seeks to trace compensation calculation criteria of assets not fully depreciated from Brazil’s Ports Secretariat/Ministry of Transports proposal of using the Ross-Heidecke method.

KEYWORDS: Reversible assets; port leases; amortization; depreciation; Ross-Heidecke.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do direito à indenização; 1.1 Arrendamentos portuários anteriores à Lei nº 8.630/1993; 1.2 Impacto da edição da Lei nº 8.630/1993 sob a Constituição de 1988; 1.2.1 Se-paração entre bens reversíveis e não reversíveis; 1.2.2 Dever de adaptação; 1.3 Disposições mais comuns nos contratos de arrendamento; 1.4 Impacto da celebração de contratos de transição; 2 Do critério de cálculo da indenização; 2.1 Critério de cálculo da indenização pela reversão dos bens; 2.2 Utilização do método Ross-Heidecke pela SEP; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

Há possibilidade de obter indenização pelos investimentos realizados no âmbito de contratos de arrendamento e de locação portuários pré-1993?

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Essa pergunta ganha relevo em face da sucessão dos diversos marcos legais que alteraram o regime jurídico do setor portuário e da extinção desses con-tratos pelo decurso do tempo, alguns dos quais sucedidos pela celebração dos chamados Contratos de Transição com as respectivas Administrações Portuárias.

Para fins didáticos, a resposta à pergunta foi organizada com o objeti-vo de esclarecer duas dúvidas principais. A primeira é sobre a existência de um direito à indenização, ao menos em tese. Confirmada a existência em tese desse direito, a segunda dúvida está relacionada ao critério de cálculo da indenização aplicável, vez que o valor de indenização pode ser maior ou menor, ou até mesmo inexistir, a depender do critério adotado.

Nesse contexto, além da presente Introdução, que caracteriza a Seção 1 deste artigo, existem outras 3 seções.

A Seção 2 responde à questão da existência em tese do direito à in-denização. Com esse objetivo, foi preciso analisar a constituição, a legis-lação e a regulamentação vigente por ocasião da celebração dos contratos pré-1993. Essa análise implicou retornar ao ano de 1934, quando foram editados decretos que permaneceram em vigor até 1993, passando pelo advento de alterações importantes na regulamentação na década de 1960, pela edição da Constituição da República de 1988, pelo surgimento da Lei de Portos de 1993 e da Lei de Concessões de 1995 e, por fim, pela alteração recente promovida pela nova Lei de Portos de 2013.

O resultado dessa análise indicou que: (i) os contratos de arrenda-mento/locação na época foram firmados em um contexto de aplicação eminentemente do direito privado e, ao longo do tempo, houve uma pro-gressiva “publicização” desses contratos pela superveniência de alterações legislativas e regulatórias; (ii) em razão da lógica de direito privado, a le-gislação não trouxe a definição do tratamento dado às instalações constru-ídas, bem como eventuais indenizações e o respectivo critério de cálculo, ficando tais temas relegados à esfera contratual, sendo que, na ausência de uma disposição contratual, aplicar-se-ia o regime de benfeitorias do Código Civil de 1916; (iii) ainda em razão da lógica de direito privado, existe um direito de retenção da área enquanto não forem indenizadas as benfeitorias necessárias e as úteis autorizadas pelas Companhias Docas; (iv) ao longo de todo o período analisado, sempre se preservou o contrato como instrumento hábil a definir regras sobre o direito à indenização; e (v) o dever de adapta-ção dos contratos pré-1993 à Lei nº 8.630/1993 não invalidou as cláusulas contra tuais até então vigentes que tratavam do tema de indenização, nem extinguiu o direito à indenização.

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Ainda na Seção 2, dada conclusão preliminar de que o tema de inde-nização havia sido relegado à esfera contratual (particularmente até o início da década de 1990), foram identificadas em contratos de arrendamento/lo-cação as disposições contratuais mais comuns a respeito do regime de bens e dos respectivos critérios de indenização.

Como regra geral, foi identificado que as empresas arrendatárias têm direito à indenização pela constituição de benfeitorias ainda não totalmente depreciadas por ocasião da extinção do contrato/reversão dos bens à Ad-ministração Pública, ainda que a terminologia apresente variações em cada caso. Destaque-se que, com exceção de alguns casos, não houve adaptação das cláusulas que tratavam de benfeitorias/bens reversíveis, a despeito da disposição da Lei nº 8.630/1993, que passou a prever expressamente a re-versão de bens, uma novidade em relação ao marco regulamentar até então vigente. Na ausência de adaptação, preservaram-se, por consequência, as soluções contratuais até então pactuadas. Mesmo nos casos em que, por ocasião da adaptação, houve uma alteração relevante no direito ora sob análise, preservou-se o direito à indenização pelo valor residual contábil, o que confirma o entendimento de que, na prática, existe um direito à indeni-zação, ao menos em tese, para todos os contratos de arrendamento/locação.

Para completar a Seção 2, o direito à indenização foi confrontado com as seguintes preocupações: (a) a possível ocorrência de prescrição para a cobrança da indenização, em vista da extinção dos contratos de arrenda-mento/locação já verificada nos casos concretos; e (b) a superveniência dos assim chamados Contratos de Transição.

Por fim, no que toca aos efeitos da celebração dos Contratos de Tran-sição, concluiu-se que não interferem no direito de receber indenização pelos investimentos realizados e não totalmente depreciados, pois tais con-tratos têm por escopo apenas garantir a exploração das instalações em bases menos precárias, da perspectiva do ordenamento jurídico. Não se poderia presumir, nesse contexto, renúncia ao direito à indenização. Nesse ponto, no entanto, é conveniente que se façam as devidas ressalvas por ocasião da elaboração do anexo aos contratos de transição que elenca os bens reversí-veis, dada a possível confusão em virtude de cláusula que indica uma rever-são gratuita por ocasião da extinção do contrato de transição. De qualquer forma, com a celebração dos Contratos de Transição, existe o risco de se entender que o vínculo dos contratos anteriores foi definitivamente extinto, de modo que se passe a contar a prescrição a partir da assinatura dos Con-tratos de Transição.

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Na Seção 3, foram abordados os possíveis critérios de cálculo da indenização, considerando o disposto nos contratos, na legislação e na regulamentação em vigor, bem como a práxis adotada pela Secretaria de (SEP) em vista dos estudos realizados para o assim chamado “Bloco 1”. Como se sabe, para os novos arrendamentos, a Administração Pública vem se utilizando de uma metodologia financeira (fluxo de caixa descontado) para calcular o valor do arrendamento, tendo como premissa que todo o investimento executado pela arrendatária ao longo do contrato será integral-mente amortizado. Nesse contexto, nos novos arrendamentos, não haverá indenização cabível ao final do contrato, salvo se houver investimentos ex-traordinários que não tenham sido equacionados por meio de reequilíbrio econômico-financeiro dentro do período de vigência contratual.

Vale adiantar, no entanto, que, nos contratos celebrados pré-1993, e, em alguns casos, mesmo após essa data, não se seguiu essa lógica finan-ceira. Na época, o racional parece ter sido a cobrança de “aluguel de uma área”, tendo em vista a sua metragem e localização, e não a capacidade de geração de receitas a partir de sua utilização nem as despesas envolvidas. Essa perspectiva parece ter influenciado a escolha de um critério de inde-nização dos bens que permanecessem com a Administração Pública após a extinção do contrato, cujo objeto seria as benfeitorias construídas pela arrendatária ou locatária na área e não todos os bens necessários à presta-ção dos serviços (conceito mais próximo ao de bens reversíveis, típico de contratos de concessão).

Dessa perspectiva, o critério de indenização não considera propria-mente todas as despesas e receitas da arrendatária ou locatária para operar a área (como se faz em um estudo de fluxo de caixa, para avaliar se o investi-mento teria sido ou não amortizado) e, portanto, distancia-se de uma lógica puramente financeira.

Ao contrário, a racionalidade econômica por detrás dos contratos pré-1993 está associada à ideia de direito à indenização pelas benfeitorias que permaneçam na área, considerando seu valor patrimonial de constru-ção e sua depreciação física.

Pudemos concluir, portanto, que, quanto ao critério de indenização, a metodologia geral tendia a ser a identificação do (i) valor histórico atuali-zado do investimento, deduzido proporcionalmente pela sua depreciação física; ou (ii) o valor residual contábil.

A aplicação desses critérios contratuais, no entanto, tende a enfrentar resistências por parte da SEP e/ou Antaq, visto que, como se verificou na ex-

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periência recente, optou-se pela aplicação do método Ross-Heidecke sem se deter na literalidade dos dispositivos contratuais. De fato, no âmbito do Acórdão nº 1.555/2014-Plenário do TCU, a SEP informou que: (i) o arren-datário, ao fim do contrato, pode manter consigo todos os bens necessários à fruição do serviço, desde que sua retirada não comprometa a integridade das instalações; (ii) a exceção a essa regra seria um inventário/lista de bens reversíveis, identificados pelo critério de atendimento aos parâmetros de desempenho necessários ao futuro arrendamento; (iii) a metodologia uti-lizada para definir os valores dos bens reversíveis (usados) foi o método Ross-Heidecke.

Nesse contexto, como alternativa para se alcançar uma solução ami-gável de curto prazo com o Governo Federal, a melhor estratégia parece ser a utilização do método Ross-Heidecke, aplicando-se a depreciação so-bre o Valor de Novo (Vn) de um bem (valor de reposição), orçado a partir de sistemas de oficiais de preços Sicro e Sinapi. Busca-se, assim, utilizar a metodologia já aceita pela SEP e evitar discussão com o poder concedente sobre o custo histórico de investimentos realizados diversos anos atrás e/ou o valor residual contábil1. O valor de indenização, após sua validação pela SEP, poderia ser incluído no futuro edital de licitação da área como obri-gação pecuniária do vencedor do certame a ser cumprida em face do atual arrendatário/locatário da área. Dessa perspectiva, estaria se resguardando o direito do arrendatário/locatário a sua devida indenização, sem prejudicar o andamento das licitações de áreas portuárias, conforme planejamento do Governo Federal.

Na Seção 4, encontram-se as conclusões deste artigo, já resumidas ao longo da presente Introdução.

1 DO DIREITO À INDENIZAÇÃO

1.1 arrendamentos Portuários anteriores à Lei nº 8.630/1993

No período de vigência das Constituições de 1934, 1937 e 1946, a matéria da exploração de atividade portuária gozava de bastante flexi-bilidade no plano constitucional. Seus contornos praticamente não eram

1 Embora o critério contratual, na maior parte dos casos, indique a utilização do valor histórico, na prática, isso tornaria muito difícil alcançar um consenso sobre o valor devido de indenização, dada a extensa documenta-ção que precisaria ser analisada. Além disso, provavelmente o Governo teria mais conforto em utilizar seus próprios sistemas oficiais de preços, que costumam ser usados também pelos órgãos de fiscalização como o TCU. Daí a sugestão de que se parta, desde logo, para a orçamentação a partir dos bancos de preços Sicro e Sinapi. Mesmo os registros contábeis também poderiam se tornar polêmicos, visto que são produzidos unila-teralmente pelas empresas, ainda que sujeitos à auditoria independente.

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definidos pelo constituinte originário, ficando relegados à ampla discricio-nariedade do legislador ordinário. A Constituição de 1934, por exemplo, apenas previu que à União cabia legislar sobre o regime de portos (cfr. art. 5º, inciso XIX, alínea e).

O regime jurídico, nesse período, foi estabelecido por decretos presi-denciais, os quais, embora contivessem referências genéricas à possibilida-de de exploração dos serviços portuários em regime de arrendamento, não apresentavam detalhamento maior sobre esse tipo de contrato2. Essa ausên-cia de regulação, como consequência, arrastou para a esfera contratual a definição de questões sobre prazo de duração, amortização, reversibilidade de bens e critérios de indenização de ativos não totalmente depreciados3.

Durante o Regime Militar, pouco antes da promulgação da Constitui-ção de 1967, foram editados o Decreto-Lei nº 05/1966 e sua regulamenta-ção (o Decreto nº 59.832/1966). O Decreto-Lei nº 05/1966 apenas reforçou a faculdade já existente de arrendamento e explicitou a possibilidade ou-trora implícita de locação dos terrenos ou instalações destinados à ativida-de portuária, bem como definiu que os arrendamentos ou locações seriam preferencialmente celebrados com os que se dispusessem a realizar novos investimentos (cfr. art. 27). Por meio do Decreto nº 59.832/1966, foram definidos os prazos contratuais e a condição para a prorrogação. Todavia,

2 Durante a vigência da Constituição de 1934, foi editado o Decreto nº 24.599/1934, que objetivou a opção do legislador ordinário, no caso o Poder Executivo fazendo as vezes de legislador, de facultar a exploração dos portos mediante concessão federal. A epígrafe do referido normativo é lapidar: “Autoriza a concessão de obras e melhoramentos dos portos nacionais, seu aparelhamento e a exploração do respectivo tráfego”. Se, de um lado, havia um decreto dedicado a delimitar o regime de concessão portuária na primeira metade do século passado (cfr. Decreto nº 24.599/1934), de outro, não existiam maiores especificações sobre qual seria o regime jurídico ao qual estaria submetido o arrendatário, além das disposições do direito privado. O Decreto nº 24.447/1934 (emitido poucos dias antes do Decreto nº 24.599) indicava que a Administração do Porto poderia ser um arrendatário – como alternativa às formas de “dependência direta” do Governo Federal – ou concessionário – a quem, por contrato, delegar-se-ia a execução dos serviços (cfr. art. 2º, parágrafo único). O Decreto nº 24.508/1934, por sua vez, foi ainda mais enfático quanto à possibilidade de se explorarem os serviços portuários mediante arrendamento, pois definiu a competência do Ministério da Viação e Obras Públicas (MVOP) para, por meio do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN), explorar diretamente ou mediante concessão ou arrendamento os portos nacionais, reforçando a definição de adminis-tração do porto (cfr. art. 1º, § 1º).

3 Poderia se questionar sobre se aos arrendamentos e locações portuárias se aplicariam as disposições relativas ao regime do patrimônio imobiliário da União (Decreto-Lei nº 9.760/1946). É de se notar que as instalações portuárias integrantes de Portos Organizados, com exceção dos terrenos de Marinha, não eram propriamente patrimônio da União, mas das Administrações Portuárias, normalmente empresas estatais. Isso em vista, observe-se que não há disposições na legislação de patrimônio da União sobre sua extensão às empresas estatais. O Decreto-Lei nº 2.300/1986, art. 86, dispunha que as contratações das estatais se fariam pelo regime disposto em regulamento próprio, e o Decreto-Lei nº 200/1967, em seu capítulo sobre licitações, incluía a Administração Direta e as autarquias, mas deitava fora as empresas estatais do dever geral de licitar. Neste último normativo, o art. 27 consignava que se assegurariam às empresas públicas e às sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do setor privado. Havia, portanto, um ideário que tornava o regime de contratações das estatais mais próximo do setor privado, o que reforça a tese de que não seria aplicável o Decreto-Lei nº 9.760/1946 aos arrendamentos e locações da época. Esse entendimento é confirmado pela doutrina, conforme se vê, por exemplo, em ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 52.

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questões como reversibilidade de bens e critérios de indenização ficaram alheias à regulamentação, carecendo de normatização4. Nesse contexto, como havia uma lógica de direito privado na utilização de contratos do tipo arrendamento e do tipo locação, o regime jurídico aplicado aos investimen-tos realizados nas instalações, quando do término dos contratos, caso não houvesse disposição específica, seria o de benfeitorias na forma do Código Civil de 1916.

As benfeitorias são, como se sabe, voluptuárias, úteis ou necessárias (Código Civil de 1916, art. 63, caput). O regime jurídico a que estão sujeitas as benfeitorias varia segundo circunstâncias (obrigação de dar coisa certa, evicção, locação, posse de boa ou má-fé). Em relação à locação, o disposi-tivo que regeria a situação das benfeitorias é o art. 1.199 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 578 do CC atual). Segundo o art. 1.199, não é licito ao locatário reter a coisa alugada, exceto no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador5.

No Código Civil anterior, o art. 519 dispunha que a indenização das benfeitorias poderia ser feita pelo seu valor atual ou pelo seu valor de cus-to. Caberia ao reivindicante obrigado a indenizar optar entre um e outro critério. Essas regras podem ser alteradas pela vontade das partes, dispondo outros valores ou critérios de indenização, como pode ser o caso dos con-tratos de arrendamento e locação portuários.

Nesse sentido, pode-se concluir que o regime jurídico vigente previa a possibilidade de retenção até que fossem indenizadas as benfeitorias ne-cessárias e, se autorizadas, também as úteis. Aplica-se aqui, por analogia, a previsão normativa dos contratos de locação. Nesse contexto, em princípio, a arrendatária teria direito de retenção até que obtivesse a indenização pelas benfeitorias necessárias e também pelas benfeitorias úteis que houvessem sido autorizadas pela Autoridade Portuária. Faz-se ressalva a esse direito apenas se o contrato dispuser de forma diversa.

4 Talvez por esse vácuo normativo que indicava um regime jurídico privatista é que Tércio Sampaio Ferraz Jú-nior, já durante a vigência da Constituição de 1988 e da Lei nº 8.630/1993, afirmava que o regime jurídico de serviço público da exploração dos portos organizados compreendia o porto organizado e sua gestão enquanto uma universalidade de bens, o que era algo distinto da exploração de parcelas territoriais dos respectivos portos organizados na forma de arrendamento por particulares que ali exerceriam atividade eminentemente privada. (Cfr. Porto – Arrendamento – Cessão e prorrogação do contrato. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 26, abr.-jun. 1999).

5 Em relação aos contratos de locação, portanto, o locatário, salvo disposição em contrário, teria direito: (i) à indenização das benfeitorias necessárias; (ii) à indenização das benfeitorias úteis, consentidas pelo locador; (iii) à retenção da coisa pelo valor das benfeitorias necessárias e das úteis que foram consentidas (cfr. GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 80).

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1.2 imPacto da edição da Lei nº 8.630/1993 sob a constituição de 1988

Com a promulgação da Constituição de 1988, o regime constitucional da matéria portuária foi alterado. A Constituição de 1988 manteve a compe-tência da União para legislar privativamente sobre o regime de portos, mas lhe atribuiu a competência de explorar os portos marítimos, fluviais e la-custres, diretamente ou mediante concessão, permissão ou autorização (cfr. art. 21, inciso XII, alínea f). Na sequência do Texto Constitucional, expli-citou-se que os serviços públicos apenas poderiam ser prestados por meio de concessão ou permissão, sempre precedidas de licitação (cfr. art. 175, caput).

O maior impacto no regime aplicável à exploração portuária, no en-tanto, viria com a edição da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, que revogou praticamente toda a legislação precedente. Este diploma normativo trouxe alterações substanciais no regime jurídico dos contratos de arrenda-mento, pois entre outras coisas previu um escopo de cláusulas essenciais para o arrendamento portuário6. Entre as cláusulas definidas apareceu pela primeira vez a previsão de reversão de bens aplicados no serviço no âmbito de contratos de arrendamento (cfr. art. 4º, § 4º, inciso VII)7.

A Lei nº 8.630/1993 não indicou um critério para separar bens rever-síveis e não reversíveis, tampouco um critério de indenização pelos inves-timentos realizados8. No entanto, o seu art. 4º, § 6º, embora tivesse focado nos bens reversíveis à União, remeteu a solução dessas questões à lei que

6 Claramente, o contrato de arrendamento passou a ser tratado como um típico contrato administrativo, sujeito a um regime de direito público (em oposição ao regime de direito privado, que nos parecia aplicável aos contratos de arrendamento e/ou de locação de áreas portuárias até então). Nesse sentido, embora editado alguns anos depois da lei de portos, o Decreto nº 4.391/2002, que a regulamentou, dispôs, na época, que os arrendamentos portuários regidos pela Lei nº 8.630/1993 consistiriam em espécie do gênero contrato admi-nistrativo. Além disso, o decreto submeteu tais contratos a preceitos de direito público e, supletivamente, aos princípios da teoria geral dos contratos e às disposições do direito privado. Também explicitou que os contratos de arrendamento estariam sujeitos ao ius variandi, isto é, à prerrogativa de alteração unilateral de contratos da Administração Pública, respeitado o direito a indenizações (cfr. art. 9º, parágrafo único).

7 Dada a redação do art. 4º, § 6º, da Lei nº 8.630/1993, havia uma distinção quanto aos entes aos quais seriam revertidos os bens. De fato, a lei explicitou que os investimentos realizados pela arrendatária de ins-talação portuária localizada em terreno da União localizado na área do porto organizado reverterão à União, observado o disposto na lei que regulamenta o regime de concessão e permissão de serviços públicos (v. art. 4º, § 6º). Nesse contexto, no caso de o terreno das instalações ser de propriedade da União, a ela reverteriam os bens reversíveis; nos demais casos, em princípio, reverteriam às Administrações Portuárias arrendantes.

8 Atualmente, rege a matéria dos bens reversíveis nos arrendamentos portuários a Lei nº 12.815/2013 – Nova Lei de Portos –, que também não estabeleceu um critério de identificação e indenização dessa categoria de bens. Certamente, trata-se de questão que é mais adequadamente definida caso a caso por meio do instru-mento apropriado para isso: o contrato de arrendamento. O influxo regulatório sobre a matéria deverá ser providenciado pela concepção técnica que a Agência Reguladora, no caso a Antaq, tiver sobre a matéria. Para um aprofundamento sobre o modelo regulatório proposto pela Lei nº 12.815/2013, vale conferir o excelente artigo de FREZZA, Conrado da Silveira. Modelo de concessão de serviços públicos e o novo marco regulatório do setor portuário. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 1, n. 1, p. 187-210, maio 2015.

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regulamenta o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Essa referência, provavelmente, baseava-se na previsão constitucional de uma lei para reger a matéria (cfr. Constituição de 1988, art. 175), pois, na época, ainda não havia uma lei própria para regulamentar o regime de concessões de serviço público. Não obstante, estava tramitando, desde 21 de março de 1990, o Projeto de Lei nº 179/1990, que acabaria convertido na Lei Geral de Concessões, Lei nº 8.987/1995. Esta, por sua vez, foi que determinou que a reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indeniza-ção das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido (cfr. art. 36).

Parece-nos que a disposição do art. 36 da Lei nº 8.987/1995 passou a ser aplicável também aos bens reversíveis às Administrações Portuárias, a despeito de a referência ao regime geral de concessão e permissão de serviços públicos ter sido feita apenas no caso de bens reversíveis à União (cfr. art. 4º, § 6º, da Lei nº 8.630/1993). Isso porque a Lei nº 8.630/1993, ao indicar a reversibilidade de bens como cláusula essencial dos contratos de arrendamento e se omitir sobre em que condições e por quais critérios essa reversibilidade se daria, deixou um espaço normativo que, na prática, aca-bou ocupado pela Lei de Concessões. Esse entendimento está em linha com a doutrina majoritária que, a partir da Lei nº 8.630/1993, passou a interpre-tar os contratos de arrendamento como instrumentos muitos semelhantes – em termos de regime jurídico aplicável – aos contratos de concessão de serviço público9. Por isso, não haveria razão para deixar de aplicar o art. 36 da Lei nº 8.987/1995 também aos eventuais bens reversíveis às Administra-ções Portuárias.

1.2.1 Separação entre bens reversíveis e não reversíveis

A definição exata de bens reversíveis não foi fornecida pela Lei nº 8.630/1993 nem pela Lei nº 8.987/1995. Costuma-se deduzir desta últi-ma que se tratam dos bens afetos, vinculados ou aplicados à prestação do serviço. Infelizmente, trata-se de uma definição muito ampla que não per-

9 A implementação desse entendimento doutrinário pela via regulamentar contempla o posicionamento mani-festado por alguns juristas, entre eles Floriano Marques de Azevedo, que, em 1997, a partir das modificações promovidas pela Lei nº 8.630/1993, escreveu: “O arrendamento, portanto, caminha-se a caracterizar, a partir do novo regime estabelecido pela Lei dos Portos, uma subconcessão sui generis de serviço público, guardando traços da concessão de uso de bem que está na sua origem. Nisso, vai a consideração das pesadas exigências relativas ao desempenho do serviço com quantidades, padrões e metas mínimos. Fosse o arrendamento uma mera concessão de bem público ou ainda um contrato regido pelo direito civil, a exploração dos serviços pelo particular e a percepção dos frutos decorrentes desse serviço não seriam obrigação, mas sim mera faculdade oferecida ao arrendatário. Caberia a ele escolher como melhor aproveitar-se da exploração do bem que lhe fora concedido quanto às operações portuárias” (Peculiaridades do contrato de arrendamento portuário. Revista de Direito Administrativo – RDA, n. 231, p. 279).

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mite distinguir o que exatamente seriam os bens reversíveis e, a depender da interpretação que se der, permitiria que praticamente todos os bens exis-tentes no local da prestação do serviço fossem considerados reversíveis10.

A Lei Geral de Concessões apenas considera como cláusula essencial do contrato de concessão a relativa aos bens reversíveis (art. 23, inciso X) e traz como incumbência da concessionária manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão e zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente (art. 31, incisos II e VII). Em todos os casos, ficou relegada à esfera contratual a definição dos bens considerados reversíveis. Desse modo, para se ter cla-reza sobre a reversibilidade de um bem, portanto, deve-se elaborar um in-ventário de bens reversíveis ou estabelecer critérios específicos no contrato.

1.2.2 Dever de adaptação

A Lei nº 8.630/1993 determinou ao Poder Executivo que as con-cessões, as permissões e as autorizações anteriormente outorgadas fossem adaptadas aos seus termos, conferindo um prazo de 180 dias para que isso ocorresse (cfr. art. 53). Observe-se que o dispositivo não dispôs expressa-mente sobre a adaptação dos arrendamentos [e locações], embora, em cer-to sentido, alguns autores considerem que, a partir da Lei nº 8.630/1993, os arrendamentos e locações portuários teriam se tornado espécie de con-cessão11.

A partir da determinação de que o Poder Executivo adaptasse as con-cessões, permissões e autorizações vigentes, interpretou-se que os arren-damentos e locações portuários, sendo considerados espécies de outorgas, deveriam ser adaptados aos termos da Lei nº 8.630/1993, inclusive no que tange à reversibilidade de bens. Haveria, caso se adotasse essa última in-terpretação, o que a doutrina chama de retroatividade mínima da lei12, por-quanto a Lei de Modernização de Portos estaria interferindo e alterando efeitos jurídicos correntes de direitos adquiridos oriundos de atos jurídicos

10 A doutrina sobre o tema não costuma ajudar em termos de tornar mais concreta a definição. Normalmente, ao tratar do tema de bens reversíveis, apenas remete às noções vagas de afetação, vinculação e aplicação. Podem-se citar alguns exemplos, como os Professores Marçal Justen Filho e Floriano de Azevedo Marques (cfr., respectivamente: Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 330- -331; e Concessões. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 235-236). Com relação à jurisprudência, o mesmo se pode concluir: não há um critério claro de distinção. Alguns julgados mais relevantes do STJ podem ser mencionados, como o RE 1.268.143, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20.04.2015; e o AgRg-RE 971.851/SC, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe 08.09.2008.

11 Cfr. LIMA, Cristiana Maria Melhado Araújo. O regime jurídico dos portos marítimos. 1. ed. São Paulo: Verba-tim, 2011; e MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova regulação portuária. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

12 Cfr. lição de Moreira Alves apud Gilmar Ferreira Mendes. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 414-416.

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perfeitos – celebração de contrato de arrendamento – ocorridos anterior-mente à sua edição. Em todo caso, adotada essa interpretação, a mudança do regime jurídico dos contratos já firmados só se daria com a alteração de suas cláusulas por meio da adaptação na forma de aditivo13. Essa é a inter-pretação que parece subjacente a diversos pareceres da AGU14.

Portanto, para os contratos celebrados antes da Lei nº 8.630/1993, a única interpretação coerente com a legislação seria a de que, apesar das alterações legislativas, suas cláusulas deveriam ser respeitadas como váli-das com todos os direitos e obrigações delas decorrentes, de modo que só seriam modificadas quando da respectiva adaptação pelo Poder Público. Além disso, apesar de a Lei nº 8.630/1993 ter trazido uma lógica de bens reversíveis como cláusula essencial, os critérios – de cálculo da indeniza-ção e de identificação dos bens – foram relegados para a esfera contratual. Por isso, se houvesse um critério de indenização estabelecido, este deveria permanecer válido mesmo após a edição da Lei nº 8.630/1993. Havendo a adaptação, o critério só mudaria se, nessa oportunidade, as partes também o tivessem alterado.

1.3 disPosições mais comuns nos contratos de arrendamento

A título de apresentar um panorama geral das principais disposições contratuais, foram mapeadas as seguintes ocorrências mais comuns15.

Há contratos que preveem a possibilidade de, ao seu término por decurso do prazo ou por rescisão, a Administração do Porto optar por não autorizar a arrendatária a remover ou levantar as benfeitorias realizadas, mas adquiri-las mediante o valor corrigido e depreciado destas obtido por

13 Em reforço dessa interpretação, observa-se que a prática do setor é resguardar os efeitos dos negócios jurídicos já realizados. Podem-se tomar disso os seguintes exemplos: a Lei de criação da Antaq, Lei nº 10.233/2001, segundo a qual as disposições desta Lei não alcançam direitos adquiridos, bem como não invalidam atos legais praticados por quaisquer das entidades da Administração Pública Federal direta ou indiretamente afetadas, os quais serão ajustados, no que couber, às novas disposições em vigor (cfr. art. 123). Do mesmo modo, a já revogada Resolução nº 55/2002-Antaq, com a redação que lhe deu a Resolução nº 126/2003-An-taq, dispôs que as disposições desta Norma não afetam os direitos e obrigações dos arrendatários estipula-dos em contrato celebrado antes de sua vigência e ainda não repactuados para adaptar-se ao ordenamento por ela instituído (cfr. art. 54-A). Já a atual Resolução nº 2240/2011-Antaq conferiu à Administração do Porto o dever de fazer o levantamento de todas as áreas e instalações portuárias para fins de regularização (cfr. art. 84), sem prejuízo de que os direitos e obrigações dos contratos vigentes permanecessem válidos durante a fase de adaptação (cfr. art. 85).

14 Cfr. Parecer nº 045/2010/DECOR/CGU/AGU; Parecer nº 115/2010/DECOR/CGU/AGU; Parecer nº 04/2011/AG/-CGU/AGU; e Parecer nº 04/2011/AG/CGU/AGU.

15 Faz-se a ressalva de que os contratos analisados não serão identificados por duas razões. Em primeiro lugar, porque este artigo pretende dar um panorama geral dos casos mais frequentes, de modo que pretender a análise específica e individualizada de cada contrato é um trabalho de fôlego não comportado no âmbito desta pesquisa. Em segundo lugar, como os contratos analisados não foram todos os existentes, pretende-se evitar exposições seletivas das partes dos contratos analisados (arrendatárias ou locatárias e Companhias Docas), de modo a não gerar desconforto para as mesmas.

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meio de avaliação. Neste caso, identifica-se uma lógica de aquisição pelo valor depreciado dos investimentos realizados. Essa lógica se coaduna com prazos contratuais relativamente exíguos (p. ex., cinco ou dez anos) para exploração das instalações, considerando o vulto dos investimentos neces-sários para equipar os terrenos.

Outros contratos fazem uma divisão expressa entre o tratamento dado às benfeitorias removíveis e às demais benfeitorias. Estas, ao término, inte-grariam o patrimônio da Administração independentemente de indeniza-ção, enquanto que aquelas, se houvesse interesse na aquisição por parte da Administração Portuária, só então haveria avaliação para apurar o valor de indenização.

Por sua vez, há contratos que foram adaptados por meio de aditi-vo, substituindo a lógica original de aquisição dos investimentos realizados mediante indenização das benfeitorias por uma lógica de reversão de bens vinculados à exploração do serviço. Nesses casos, o critério de cálculo da indenização pelos ativos seria o valor residual contábil dos investimentos em bens reversíveis não completamente depreciados, sendo vedada a inde-nização de ativos intangíveis (direito de realização da atividade econômica própria do terminal).

Por fim, foram identificados contratos que estabelecem que as ben-feitorias realizadas integrariam desde logo o patrimônio da Autoridade Por-tuária e que, ao término do contrato, seriam ressarcidas ao ex-arrendatário/locatário por meio da apresentação dos gastos efetivamente incorridos deta-lhados em um orçamento discriminativo. Aqui a lógica é a mesma da venda após o decurso do arrendamento/locação, e o critério é o pagamento do custo efetivamente incorrido no momento da edificação.

1.4 imPacto da ceLebração de contratos de transição

Nas sucessivas minutas-padrão dos Contratos de Transição, a Antaq foi inflexível em determinar cláusulas nas quais os bens reversíveis seriam devolvidos à Autoridade Portuária (a respectiva Companhia Docas) gratui-tamente no final do Contrato de Transição16. Parece-nos que essa imposi-

16 Os Contratos de Transição surgem no contexto da sucessão de marcos legislativo-regulatórios do setor portu-ário: a Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, convertida na Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, em substituição à Lei nº 8.630/1993. No aguardo de que se realizassem as licitações do setor portuário na forma do novo marco legal, muitos contratos de arrendamento expiraram pelo decurso natural do tempo. Em consequência, a situação de risco gerada era a de ter as áreas outrora arrendadas, com toda a sua infraestrutura essencial, revertidas às Autoridades Portuárias sem condições de geri-las e operá-las, com evidente prejuízo à continuidade da prestação do serviço e desabastecimento de regiões inteiras do País. De outro lado, havia forte pressão por parte da Antaq, que suscitava autuações contra as empresas que perma-necessem explorando as áreas dos antigos arrendamentos portuários.

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ção não pode abranger os investimentos em bens reversíveis e benfeitorias realizados anteriormente ao Contrato de Transição, porque o objetivo desse instrumento não é – nem poderia ser – fazer com que qualquer das partes renuncie aos direitos e/ou obrigações resultantes do contrato de arrenda-mento. Na verdade, a regra de “reversão gratuita” apenas faz sentido, no âmbito do Contrato de Transição, para os bens que tenham sido cedidos pela Autoridade Portuária à Arrendatária, mas jamais em relação aos bens resultantes de investimentos da Arrendatária, pois isso seria uma afronta direta ao art. 36 da Lei nº 8.987/1995.

Em nenhum momento nos Contratos de Transição foi reconhecida qualquer renúncia ao direito de indenização pelas benfeitorias realizadas na instalação na vigência do contrato de arrendamento. A vedação de inde-nização nos Contratos de Transição decorre unicamente de, no seu âmbito, não haver previsão de investimentos a serem feitos, dadas sua exiguidade e transitoriedade. Isso ocorre sem qualquer prejuízo das relações jurídicas anteriormente travadas, especialmente, no tocante ao direito de obter inde-nização pelas benfeitorias postas à disposição das Companhias Docas.

Entender que o Contrato de Transição provocou a perda do direito à indenização decorrente de um vínculo jurídico anterior só seria possível caso houvesse uma cláusula contratual explicitamente nesse sentido, decla-rando a renúncia dos seus direitos à compensação pecuniária assegurada contratualmente.

Em qualquer caso, se uma cláusula assim tivesse sido imposta pela Antaq ou se a Agência por via transversa quisesse impor uma interpretação distinta que levasse à conclusão da renúncia ao direito, seria uma ação, por parte da Agência, completamente ilegítima e em contradição com o art. 46, caput, da Resolução Normativa nº 07/2016-Antaq, que dá esteio ao Contrato de Transição, pois a finalidade deste é garantir a continuidade do serviço público e não impor renúncia ao direito das prestadoras do serviço,

Nesse contexto, no âmbito da Antaq e da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República, foi ori-ginalmente pensada a figura do Contrato de Transição (CT). Inicialmente chamado de Contrato Emergencial, ou Contrato Emergencial de Transição, ou Arrendamento em Caráter Emergencial; posteriormente, apenas Contrato de Transição. O objetivo desse instrumento era preencher a lacuna de legalidade que surgia entre o vencimento de antigos contratos de arrendamento e a efetivação de nova licitação.

O Contrato de Transição foi criado no âmbito infralegal por meio da Resolução nº 2.240/2011-Antaq, art. 35, § 1º, com a redação dada pela Resolução nº 2.826/2014-Antaq. Pode-se encontrar guarida para a figura do Contrato de Transição na competência genérica para elaborar normas setoriais da Antaq (cfr. Lei nº 10.233/2001, art. 27, inciso IV). Atualmente, a doutrina tem majoritariamente admitido a possibilidade de, por meio de balizas ou standards, as leis de criação das agências reguladoras lhes conferirem espaço dis-cricionário para inovar no ordenamento elaborando normas que conformem os serviços regulados ao interesse público. Um expressivo representante dessa doutrina é Alexandre Santos Aragão (cfr. Agências reguladoras. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 406-408).

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sob ameaça de autuações, como foi feito nos casos de recusa à assinatura dos contratos17.

É importante assinalar, por fim, um ponto de atenção em matéria de prescrição: com a celebração do contrato de transição, há o risco de que se conte a prescrição a partir desse evento, sob o argumento de que, nesse momento, encerrar-se-ia definitivamente o vínculo decorrente do contrato anterior. Esse aspecto deve ser levado em consideração na definição estraté-gica do melhor momento para pleitear a indenização pelos bens reversíveis.

2 DO CRITÉRIO DE CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO

2.1 critério de cáLcuLo da indenização PeLa reversão dos bens

Como visto na Seção anterior, a Lei nº 8.630/1993 não indicou um critério de indenização pelos investimentos realizados. No entanto, seu art. 4º, § 6º, remeteu a solução dessas questões à lei que regulamenta o regi-me de concessão de serviços públicos. Esta última determinou que a rever-são no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a con-tinuidade e atualidade do serviço concedido (cfr. art. 36).

Efetivamente, o art. 36 deixou em aberto a compreensão sobre o que seja “amortização” ou “depreciação”, dado que não há uma definição legal ou regulamentar sobre esses conceitos que seja específica para as conces-sões. A mesma indefinição paira sobre os contratos de arrendamento.

Nesse contexto, há ao menos três critérios gerais que poderiam ser melhor detalhados no contrato18:

a) financeiro: em que se utiliza a metodologia de fluxo de caixa descontado;

b) contábil: em que se utiliza o valor registrado na contabilidade da concessionária/arrendatária;

17 Para aprofundamentos sobre os Contratos de Transição, cfr. PRADO, Lucas Navarro; SILVA, Eber Luciano Santos; GAMELL, Denis. Contratos de transição no setor portuário. Revista de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, São Paulo: IOB, v. 6, n. 33, 2016, p. 9-32, jul./ago.

18 Para uma discussão mais detalhada acerca de critérios de cálculo de indenização, remetemos o leitor a trabalho de nossa autoria: cfr. PRADO, Lucas Navarro. Extinção de contratos de PPP e concessão: breves re-flexões sobre o cálculo de indenizações considerando os parâmetros gerais da Lei Federal nº 8.987/1995. In: OLIVEIRA, Gesner; OLIVEIRA FILHO, Luiz Chrysostomo de (Org.). Parcerias Público Privadas: experiências, desafios e propostas.. São Paulo: LTC – Grupo GEN, 2013.

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c) patrimonial: em que se utiliza o valor de reposição do ativo ou o valor histórico do investimento atualizado monetariamente, em qualquer caso deduzido da sua depreciação física (ponderação pela vida útil restante do bem).

Tanto no que toca à definição dos bens reversíveis quanto em rela-ção ao critério de cálculo de indenização, portanto, a legislação diz muito pouco, cabendo ao contrato especificar as regras aplicáveis a esse respeito.

2.2 utiLização do método ross-heidecke PeLa seP

A título de completar a análise, cabe mencionar a prestação de contas feita pela SEP19 ao TCU, no âmbito do Acórdão nº 1.555/2014-Plenário20. Esse acórdão considerou atendido o item 9.1.8 do Acórdão nº 3.661/2013, que visava a esclarecimentos sobre a elaboração de metodologia clara e objetiva para definir a forma de levantamento dos bens reversíveis existentes nas áreas consideradas brownfield a serem licitadas, de suas condições de conservação e de definição de seus valores, motivando de forma adequada, inclusive, a opção de não efetuar diagnóstico de todos os bens, se for o caso.

Na ocasião da resposta, a SEP informou que: (i) no setor portuário, a prática é a de que o arrendatário, ao fim do contrato, possa manter consigo todos os bens necessários à fruição do serviço, desde que sua retirada não comprometa a integridade das instalações; (ii) a exceção a essa regra seria um inventário/lista de bens reversíveis, cujo critério de escolha seria os que atendessem aos parâmetros de desempenho necessários ao futuro arrenda-mento; (iii) a metodologia utilizada para definir os valores dos bens reversí-veis foi o método Ross-Heidecke.

O método Ross-Heidecke é um método que procura estabelecer o Valor de Usado (Vu) de um bem, normalmente de bens imóveis, embora existam referências na literatura à aplicação do método a máquinas e equi-pamentos. O método já toma como premissa que o Valor de Novo (Vn) do bem esteja determinado21.

19 À época da prestação de contas, a SEP integrava a estrutura da Presidência da República gozando de status ministerial. Não obstante, com a edição da Medida Provisória nº 726/2016, convertida na Lei nº 13.341/2016, a Secretaria perdeu seu status ministerial, tendo sido realocada no âmbito do novo Minis-tério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPAC).

20 Acórdão de monitoramento das determinações contidas no Acórdão nº 3.661/2013-Plenário.21 Trata-se de um método combinado a partir dos estudos (i) de Ross, que combinou métodos de depreciação em

linha reta e em parábola, exclusivamente dependentes da idade de um bem; e (ii) de Heidecke, que desenvol-veu um critério para o cálculo da depreciação acumulada de um bem, a partir de seu estado de conservação, a ser aplicada ao valor de reposição do bem, como novo.

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Como o método Ross-Heidecke não determina uma metodologia de avaliação do Vn de um bem, uma forma de fazê-lo seria baseada na iden-tificação e levantamento de custos históricos de construção a partir, prefe-rencialmente, de notas fiscais de aquisição e de prestação de serviços. Aos custos históricos poder-se-ia aplicar correção monetária, por meio de índi-ces de inflação acumulados até a data de indenização. Essa metodologia parece ser de difícil aplicação, pela provável ausência de registros históricos formais dos valores despendidos para a aquisição e construção dos bens.

Em substituição a essa forma de definir o custo histórico dos bens, poder-se-ia, alternativamente, buscar registros históricos contábeis, isto é, gerenciais, para a determinação de tais custos e posterior atualização mo-netária. Essa metodologia poderia gerar discussões com o poder concedente ou com as autoridades portuárias acerca dos valores investidos nas benfei-torias a serem indenizadas.

Considerando as dificuldades citadas nas duas formas descritas e con-siderando que, ao longo do tempo, provavelmente houve ganhos de pro-dutividade e de eficiência na construção dos bens típicos de um terminal

Assim, o cálculo do Valor de Usado (Vu) se faz com base na idade e na depreciação física do bem por meio da aplicação ao Valor de Novo do mesmo bem (Vn) de um Coeficiente de Depreciação (Cde). Portanto, seguindo a fórmula a seguir:

O cálculo do Cde, portanto, faz-se considerando o índice fornecido pela tabela Ross-Heidecke (It), determina-do segundo a idade em percentual de vida do bem e um coeficiente que representa as condições físicas atuais do mesmo bem. O Cde é calculado mediante a seguinte fórmula:

O índice It, como mencionado, é obtido de uma tabela de dupla entrada, a tabela Ross-Heidecke. Para deter-minar o índice aplicável, é necessário calcular (i) a idade em percentual de vida do bem e (ii) atribuir ao bem um estado de conservação que representa as suas condições físicas atuais, entre nove estágios possíveis de depreciação física.

O cálculo da idade em percentual de vida se faz por uma regra simples de três, considerando em anos que a Vida Útil Total (Vut) está para 100%, assim como a Idade do bem (Ib) está para a Idade do Bem em Percen-tual de Vida Útil (Ib%), de modo que se pode calculá-la pela seguinte fórmula:

A determinação do estado de conservação requer o enquadramento do bem, após uma inspeção visual, e segundo suas condições físicas ou sua classificação, em um dos seguintes estados de conservação associados, a cada qual foi atribuído um coeficiente, para a determinação do It. A utilização da tabela Ross-Heidecke traz implícita em si a utilização dos coeficientes, na determinação de cada It associado a um percentual de vida útil e estado de conservação. Para facilitar o enquadramento, cada estado de conservação é associado a um estágio de condições físicas e classificação, detalhados em uma tabela auxiliar de coeficientes.

Além disso, é possível que se considere que determinados bens têm valores residuais, não depreciáveis. Nes-ses casos, a metodologia Ross-Heidecke é utilizada para obter o valor da parcela depreciável do bem, apenas à qual se deve somar o valor residual, não depreciável, para a obtenção de seu Valor de Usado.

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de combustíveis, pode ser considerada conservadora, do ponto de vista da Administração Pública, a utilização de valores de construção atuais para a definição do Vn de um bem. Dessa forma, seria importante também basear um levantamento dessa natureza em sistemas de orçamentação oficiais uti-lizados pela Administração Pública Federal, como as tabelas Sicro e Sinapi (respectivamente do DNIT e da Caixa Econômica Federal), de forma a evitar maiores discussões acerca do Vn de um bem.

Nesse contexto, como alternativa para se alcançar uma solução ami-gável de curto prazo com o Governo Federal, a melhor estratégia parece ser esta: a utilização do método Ross-Heidecke, aplicando-se a depreciação sobre o Vn de um bem (valor de reposição), orçado a partir de sistemas oficiais de preços Sicro e Sinapi. Busca-se, assim, utilizar a metodologia já aceita pela SEP e evitar discussão com o poder concedente sobre o custo histórico de investimentos realizados diversos anos atrás e/ou o valor resi-dual contábil.

O valor de indenização, após sua validação pela SEP/MTPAC, po-deria ser incluído no futuro edital de licitação da área, como obrigação pecuniária do vencedor do certame, a ser cumprida em face do atual arren-datário/locatário da área (cfr. Lei nº 12.815/2013, art. 8º, parágrafo único). Dessa perspectiva, estaria resguardado o direito do arrendatário/locatário à sua devida indenização, sem prejudicar o andamento das licitações de áreas portuárias, conforme planejamento do Governo Federal.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir, portanto, que, anteriormente à Constituição de 1988 e à Lei nº 8.630/1993, havia uma lógica de direito privado nos contra-tos de arrendamento e locação portuários. Na ausência de disposições no próprio contrato, o regime aplicável às instalações seria o de benfeitorias do Código Civil de 1916 e o critério de indenização, o do valor de custo pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas, existindo direito de retenção.

A legislação pós-CF/1988 exigiu a adaptação dos contratos, inclusive exigindo cláusula de bens reversíveis, mas não interferiu necessariamente nas cláusulas contratuais sobre pagamento de indenização por investimen-tos não depreciados. Ou seja, ainda que o contrato fosse adaptado para dispor sobre bens reversíveis, se já estivesse estipulado o critério de indeni-zação, este permaneceria se não fosse alterado na adaptação.

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A assinatura dos Contratos de Transição não levou à renúncia ao di-reito à indenização pelas benfeitorias e investimentos não amortizados, pois há independência entre o vínculo jurídico dos contratos de arrendamento e locação extintos e o dos Contratos de Transição. Existe a possibilidade de que se pretenda contar a prescrição a partir da celebração do Contrato de Transição, pois, com a assinatura do Contrato de Transição, embora ainda permaneça devida a indenização, o vínculo original do contrato de arren-damento ou locação fica definitivamente extinto.

A metodologia geral prevista nos contratos de arrendamento/locação em questão tendia a ser a identificação do valor histórico atualizado do in-vestimento, deduzido proporcionalmente pela sua depreciação física, ou o valor residual contábil.

A SEP esclareceu ao TCU que utilizou o método Ross-Heidecke para definir os valores dos bens reversíveis. O método Ross-Heidecke, entretan-to, não determina uma metodologia de avaliação do Vn de um bem. Pode--se determiná-lo pelo custo histórico corrigido monetariamente; todavia, é provável a ausência de registros históricos formais. Outra alternativa seria buscar registros históricos contábeis. Entretanto, há risco de discussões com o poder concedente.

Como alternativa para se alcançar uma solução amigável de curto prazo com o Governo Federal, a melhor estratégia parece ser a utilização do método Ross-Heidecke, aplicando-se a depreciação sobre o Vn de um bem (valor de reposição), orçado a partir de sistemas de oficiais de preços Sicro e Sinapi. Busca-se, assim, utilizar a metodologia já aceita pela SEP e evitar discussão com o poder concedente sobre o custo histórico de investimentos realizados diversos anos atrás e/ou o valor residual contábil.

O valor de indenização, após sua validação pela SEP/MTPAC, pode-ria ser incluído no futuro edital de licitação da área como obrigação pecuni-ária do vencedor do certame, a ser cumprida em face do atual arrendatário/locatário da área. Dessa perspectiva, estaria resguardado o direito do arren-datário/locatário à sua devida indenização, sem prejudicar o andamento das licitações de áreas portuárias.

REFERÊNCIASARAGÃO, Alexandre Santos. Agências reguladoras. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Arrendamento – Cessão e prorrogação do con-trato. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 26, abr.-jun. 1999.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2600

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 78512220144013400Apelação/Reexame Necessário 0007851‑22.2014.4.01.3400/DFProcesso na Origem: 78512220144013400Relator: Desembargador Federal Marcos Augusto de SousaApelante: Plinio Augusto Spuldaro Ben CarlotoAdvogados: GO00013905 – Dalmo Jacob do Amaral Junior e outros(as)Apelante: União FederalProcurador: José Roberto Machado FariasApelados: os mesmosRemetente: Juízo Federal da 15ª Vara – DF

ementa PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AÇÃO ORDINÁRIA – IPI – IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – PESSOA FÍSICA – INCIDÊNCIA – STF – REPERCUSSÃO GERAL – PIS/COFINS IMPORTAÇÃO – INCLUSÃO DO ICMS NAS BASES DE CÁLCULO – LEI Nº 10.865/2004, ART. 7º, I – INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO STF – REPERCUSSÃO GERAL, NOS TERMOS DO ART. 543-B DO CPC/1973 – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – COMPENSAÇÃO – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – APELAÇÕES DA PARTE AUTORA, DA UNIÃO (FN) E REMESSA OFICIAL PROVIDAS

1. Válida a aplicação do prazo prescricional de 5 (cinco) anos da Lei Complementar nº 118/2005 às ações ajuizadas a partir de 09.06.2005 (RE 566.621/RS, STF, Tribunal Pleno, Relª Min. Ellen Gracie, Reper-cussão Geral, DJe 11.10.2011).

2. O Supremo Tribunal Federal, no RE 723651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo STF nº 813, julgado sob o regime de repercussão geral, em 03.02.2016, fixou o entendimento no sentido de ser devido o IPI nas operações de importação de veículos automotores realiza-das por pessoas físicas, ainda que para uso próprio.

3. “Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da im-portação com a tributação das operações internas. O PIS/Pasep-Im-portação e a Cofins-Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importa-do, enquanto a PIS e a Cofins internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. O gravame das

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operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evi-tar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilí-brio da balança comercial. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: ‘acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Pres-tação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação-ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001’ (RE 559.937/RS, STF, Tribunal Pleno, Relª Min. Ellen Gracie; Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, DJe-206 17.10.2013, p. 11 – Repercussão Geral – Mérito).”

4. O procedimento de compensação deverá observar a legislação vi-gente na data do encontro de contas (STF, AgRg-REsp 128833/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 24.08.2012). É legítima a regulamentação estabelecida pela autoridade fiscal, tanto no âmbito formal como no material (REsp 960239, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 24.06.2010). Aplica-se, ainda, à espécie, a disposição do art. 170-A do CTN (REsp 1167039, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 02.09.2010). Em relação à correção monetária e juros, deverão ser observados os parâmetros fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal (Re-solução CJF nº 134, de 21.12.2010, com alterações da Resolução CJF nº 267, de 02.12.2013).

5. Mesmo considerando o teor do art. 86 e do § 14 do art. 85 do NCPC, haja vista a verificação da sucumbência recíproca, no presen-te caso, tratando-se de condenação ilíquida, a fixação do percentual relativo aos honorários advocatícios somente ocorrerá na liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, do NCPC.

6. Apelações da parte autora, da União (FN) e remessa oficial pro-vidas.

acórdão

Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento às apelações da parte autora, da União (FN) e à remessa oficial.

8ª Turma do TRF da 1ª Região – 12.09.2016 (data do Julgamento).

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Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa Relator

reLatório

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, Re-lator:

Trata-se de remessa oficial e de recursos de apelação interpostos pela União (FN) e pela parte autora contra a sentença proferida nestes autos que julgou procedente, em parte, o pedido formulado pela parte autora para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes que a obrigue ao recolhimento do IPI sobre operação de importação de veículo para uso próprio.

A União (FN) sustenta, em síntese, que a exigência do IPI tem amparo legal e constitucional.

A parte autora requer a reforma da sentença para a exclusão do ICMS e das próprias contribuições das bases de cálculo do PIS-Importação e da Cofins-Importação.

Com contrarrazões da União (FN).

É o relatório.

voto

Em primeiro lugar, relativamente à prescrição, destaco que o Plená-rio do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS, considerou válida a aplicação do novo prazo de 5 (cinco) anos previsto na Lei Complementar nº 118/2005 tão somente às ações ajui-zadas após o decurso da vacatio legis de 120 (cento e vinte) dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Confira-se:

DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COM-PENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005

Quando do advento da LC 118/2005, estava consolidada a orientação da Pri-meira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era

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de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação com-binada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/2005, em-bora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Ino-corrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação.

A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou com-pensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de ime-diato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça.

Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolida-do por esta Corte no Enunciado nº 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomas-sem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessá-rias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/2005, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analo-gia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legis-lativa em contrário.

Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados.

Recurso extraordinário desprovido.

(RE 566.621/RS, STF, Tribunal Pleno, Relª Min. Ellen Gracie, Julgado em 04.08.2011, Repercussão Geral, DJe 11.10.2011)

Na espécie, tendo sido a ação ajuizada após 9 de junho de 2005, o prazo prescricional a ser aplicado é o quinquenal. Considerando, todavia, que o pedido deduzido nestes autos decorre da operação de importação de automóvel para uso próprio, realizada em 2013, não há que se falar em ocorrência de prescrição.

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No que se refere ao objeto do apelo da FN, a sentença recorrida diverge da recente orientação do Supremo Tribunal Federal que, no RE 723651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo STF nº 813, julgado sob o regime de repercussão geral, em 03.02.2016, fixou o entendimento no sentido de ser devido o IPI nas operações de importação de veículos automotores realiza-das por pessoas físicas, ainda que para uso próprio.

No âmbito desta Oitava Turma, a referida compreensão acerca da matéria já foi adotada, em julgamento unânime, na análise de hipótese se-melhante:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – PIS/COFINS IMPORTAÇÃO – INCLU-SÃO DO ICMS E DAS PRÓPRIAS CONTRIBUIÇÕES NAS BASES DE CÁLCU-LO – LEI Nº 10.865/2004, ART. 7º, I – INCONSTITUCIONALIDADE – STF – REPERCUSSÃO GERAL – IPI – IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – PESSOA FÍSICA – INCIDÊNCIA – STF – REPERCUSSÃO GERAL – APELA-ÇÃO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS

1. “Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da importa-ção com a tributação das operações internas. O PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a Cofins internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. O gravame das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tribu-tária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: ‘acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Ser-viços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação-ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001’ (STF, RE 559.937/RS, Relª Min. Ellen Gracie; Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe-206 17.10.2013, p. 11 – Repercussão Geral – Mérito).”

2. O Supremo Tribunal Federal, no RE 723651/PR, Relator Min. Marco Au-rélio, Informativo STF nº 813, acórdão pendente de publicação, julgado sob o regime de repercussão geral, fixou o entendimento de ser devido o IPI nas operações de importação de veículos automotores realizadas por pessoas físicas, ainda que para uso próprio.

3. Mesmo considerando o teor do art. 86 e do § 14 do art. 85 do NCPC, haja vista a verificação da sucumbência recíproca, no presente caso, tratando--se de condenação ilíquida, a fixação do percentual relativo aos honorá-rios advocatícios somente ocorrerá na liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, do NCPC.

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4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.

(AC 0069472-54.2013.4.01.3400/DF, 8ª T., de minha relatoria, e-DJF1 de 13.05.2016)

Dessa forma, a sentença merece reforma nesse particular.

Em relação ao recurso da parte autora, cujo objeto refere-se ao PIS--Importação e à Cofins-Importação, a sentença recorrida destoa do entendi-mento deste Tribunal, o qual está em sintonia com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 543-B do CPC. Confira-se:

EMENTA: Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS/Cofins--Importação. Lei nº 10.865/2004. Vedação de bis in idem. Não ocorrência. Suporte direto da contribuição do importador (arts. 149, II, e 195, IV, da CF e art. 149, § 2º, III, da CF, acrescido pela EC 33/2001). Alíquota específica ou ad valorem. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. Inconstitucionalidade. Isonomia. Ausência de afronta.

1. Afastada a alegação de violação da vedação ao bis in idem, com invocação do art. 195, § 4º, da CF. Não há que se falar sobre invalidade da instituição originária e simultânea de contribuições idênticas com fundamento no inciso IV do art. 195, com alíquotas apartadas para fins exclusivos de destinação.

2. Contribuições cuja instituição foi previamente prevista e autorizada, de modo expresso, em um dos incisos do art. 195 da Constituição validamente instituídas por lei ordinária. Precedentes.

3. Inaplicável ao caso o art. 195, § 4º, da Constituição. Não há que se dizer que devessem as contribuições em questão ser necessariamente não-cumu-lativas. O fato de não se admitir o crédito senão para as empresas sujeitas à apuração do PIS e da Cofins pelo regime não-cumulativo não chega a im-plicar ofensa à isonomia, de modo a fulminar todo o tributo. A sujeição ao regime do lucro presumido, que implica submissão ao regime cumulativo, é opcional, de modo que não se vislumbra, igualmente, violação do art. 150, II, da CF.

4 Ao dizer que a contribuição ao PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importa-ção poderão ter alíquotas ad valorem e base de cálculo o valor aduaneiro, o constituinte derivado circunscreveu a tal base a respectiva competência.

5. A referência ao valor aduaneiro no art. 149, § 2º, III, a, da CF implicou utilização de expressão com sentido técnico inequívoco, porquanto já era utilizada pela legislação tributária para indicar a base de cálculo do Imposto sobre a Importação.

6. A Lei nº 10.865/2004, ao instituir o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Im-portação, não alargou propriamente o conceito de valor aduaneiro, de modo

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que passasse a abranger, para fins de apuração de tais contribuições, outras grandezas nele não contidas. O que fez foi desconsiderar a imposição cons-titucional de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem sejam calculadas com base no valor aduaneiro, extrapo-lando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal.

7. Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da importação com a tributação das operações internas. O PIS/Pasep-Importação e a Cofins--Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a Cofins internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos.

8. O gravame das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial.

9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no de-sembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001”.

10. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(STF, RE 559.937/RS, Tribunal Pleno, Relª Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, DJe-206 17.10.2013, p. 11 – Repercussão Geral – Mérito)

TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PIS/COFINS IMPORTAÇÃO – EXCLUSÃO DO ICMS E DAS PRÓPRIAS CONTRIBUIÇÕES DA BASE DE CÁLCULO – CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E O DIS-POSITIVO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, COM EFEITOS INFRINGENTES

1. A despeito de a fundamentação do voto condutor do v. acórdão embar-gado ter aderido à tese encampada pela impetrante, no sentido de afastar da base de cálculo do PIS-Importação e Cofins-Importação o ICMS e das próprias contribuições, na forma, inclusive, do posicionamento do STF, no julgamento do RE 559.937/RS, com repercussão geral, por equívoco, negou--se provimento à apelação da impetrante, na parte dispositiva do julgado.

2. Constatada a contradição no julgado, impõe-se o acolhimento dos embar-gos de declaração, com efeitos infringentes, de modo a sanar o vício.

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3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes.

(TRF 1ª R., EDEAC 0000541-61.2006.4.01.3200/AM, 8ª T., de minha relato-ria, e-DJF1 19.06.2015, p. 1.486)

PROCESSUAL – TRIBUTÁRIO – PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO – RE 559.607-STF – CONSTITUCIONALIDADE – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO DO ICMS – NÃO CABIMENTO – COMPENSAÇÃO

1. O STF julgou inconstitucional a expressão acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contri-buições, contida no inciso I do art. 7º da Lei nº 10.865/2004 (RE 559.607, julgado no regime da repercussão geral, publicado em 17.10.2013).

2. Indevida a inclusão do ICMS e do valor das próprias contribuições na base de cálculo das contribuições para o PIS-Importação e para a Cofins--Importação.

3. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se nega provi-mento.

(TRF 1ª R., Ap 0014925-67.2009.4.01.3800/MG, 8ª T., Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso, e-DJF1 22.05.2015, p. 5266)

TRIBUTÁRIO – PIS E COFINS-IMPORTAÇÃO – EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO – LEI Nº 10.865/2004, ART. 7º/I – INCONSTITUCIONA-LIDADE DECLARADA PELO STF

1. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a expressão contida no inciso I, do art. 7º, da Lei nº 10.865/2004, “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contri-buições” (RE 559.937/RS “repercussão geral”, Rel. p./ Ac. Min. Dias Toffoli, Plenário do STF).

2. É ilegítima assim a inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins-Importação.

3. Apelação da União e remessa de ofício desprovidas.

(TRF 1ª R., AMS 0012471-32.2013.4.01.3200/AM, 8ª T., Rel. Juiz Federal Itagiba Catta Preta Neto (Conv.), e-DJF1 03.07.2015, p. 3101)

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – PIS/COFINS-IM-PORTAÇÃO – INCISO I DO ART. 7º DA LEI Nº 10.865/2004 – INCLUSÃO DO ICMS E DAS PRÓPRIAS CONTRIBUIÇÕES NA BASE DE CÁLCULO –

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INCONSTITUCIONALIDADE – PRECEDENTE DO STF – CÁLCULO – VA-LOR ADUANEIRO

1. A base de cálculo do PIS/Cofins-Importação, foi estabelecida pelo Inciso I do art. 7º da Lei nº 10.865/2004 como: “o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cál-culo do imposto de importação, acrescido do valor do [...] ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º desta Lei; [...]”.

2. Sob o rito do art. 543-B/CPC, o Pleno do STF, sem modulação temporal, consignou (RE 559.937/RS, Relª Min. Ellen Gracie, DJe 16.10.2013) que, salvo a indevida ampliação da base de cálculo a que alude o Inciso I do art. 7º da Lei nº 10.865/2004, as exações (PIS/Cofins-Importação) são legí-timas.

4. A Lei nº 12.865/2013 conferiu nova redação ao Inciso I do art. 7º da Lei nº 10.865/2004, consignando ser base de cálculo das exações exclusivamen-te o “valor aduaneiro”.

5. Indevida, pois, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins-Im-portação.

6. Eventuais valores indevidamente recolhidos e/ou depositados no curso da demanda deverão ser restituídos à impetrante, atualizados pela taxa Selic, após o trânsito em julgado desta decisão.

7. Apelação provida. Sentença reformada.

(TRF 1ª R., Ap 0003816-53.2009.4.01.3801/MG, 7ª T., Rel. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.), e-DJF1 24.04.2015, p. 5100)

Assim, também nesse aspecto a sentença merece ser reformada, pois mostra-se indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins/Importação.

A compensação deve ser realizada conforme a legislação vigente na data do encontro de contas e após o trânsito em julgado, tendo em vista o disposto no art. 170-A do CTN (REsp 1.164.452/MG, julgado na sistemática do art. 543-C do CPC/1973).

Em relação à correção monetária e aos juros de mora, deverão ser ob-servados os parâmetros fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF nº 134, de 21.12.2010, com alterações da Resolução CJF nº 267, de 02.12.2013).

Mesmo considerando o teor do art. 86 e do § 14 do art. 85 do NCPC, haja vista a verificação da sucumbência recíproca, no presente caso, tratan-

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do-se de condenação ilíquida, a fixação do percentual relativo aos honorá-rios advocatícios somente ocorrerá na liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, do NCPC.

Ante o exposto, dou provimento à apelação da União (FN) e à remes-sa oficial para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido de inexigibilidade do IPI na operação de importação em referência nestes autos e dou provimento à apelação da parte autora para, reformando a sentença, declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes que obrigue o au-tor à inclusão do valor do ICMS e das próprias contribuições nas bases de cálculo do PIS-Importação e da Cofins-Importação, na operação de importa-ção de automóvel para uso próprio, sem fins comerciais, objeto desta ação, estabelecendo que no procedimento de compensação sejam observados os critérios estabelecidos na fundamentação supra, devendo a atualização mo-netária do indébito observar os parâmetros fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Sucumbência recíproca.

É o voto.

Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2601

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível/Reexame Necessário – Turma Espec. II – TributárioNº CNJ: 0005759‑53.2012.4.02.5101 (2012.51.01.005759‑6)Relator: Desembargador(a) Federal Letícia de Santis Mendes de Farias MelloApelante: União Federal/Fazenda NacionalProcurador: Procurador da Fazenda NacionalApelado: Dofcom Navegação Ltda.Advogado: Ernesto Johannes TrouwOrigem 05ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00057595320124025101)

ementa

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO INEXISTENTE – RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO

1. O fundamento invocado por esta Turma para afastar a incidência do IR, da CSLL, da Contribuição ao PIS e da Cofins sobre o valor do seguro percebido pela Embargada foi o de que este não configura acréscimo patrimonial, mas mera recomposição de patrimônio. Por-tanto, não se amolda ao fato gerador do IR ou da CSLL nem pode ser considerado receita para fins de incidência da Contribuição ao PIS e da Cofins.

2. Os dispositivos invocados pela Embargante – art. 250 do Regula-mento do Imposto de Renda e art. 111 do CTN – não têm o condão de mudar tal entendimento. Se, tal como assentado no acórdão em-bargado, o fato gerador do IR não resta configurado, não importa que não haja exclusão expressa do seguro recebido pela Embargada da base de cálculo do tributo. Além disso, como não se trata, no caso, de interpretação de benefício fiscal, não é aplicável o art. 111 do CTN.

3. O art. 489, § 1º, do CPC/2015, que apenas positivou orientação já firmada na jurisprudência, é claro ao dispor que o julgador somente precisa enfrentar “os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada”.

4. Embargos de declaração da União a que se nega provimento.

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acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma Especializada do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos de declaração da União, na forma do voto da Relatora.

Rio de janeiro, (data do Julgamento).

Leticia de Santis Mello Relatora

reLatório

Trata-se de embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, opostos pela União Federal em face do acórdão de fls. 144/152, de minha relatoria, em que esta Turma negou provimento à apelação por ela interposta contra sentença que concedera a segurança, para determinar que a autoridade Impetrada se abstivesse de cobrar o IRPJ, a CSLL, a Cofins e a Contribuição ao PIS sobre o valor recebido pela Apelada da seguradora Bradesco Auto/RE Cia. de Seguros em decorrência de sinistro ocorrido no exercício de sua atividade empresarial. Confira-se a ementa do acórdão embargado:

TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – VERBA INDENIZATÓRIA – SEGURO CON-TRA AVARIAS NO MAQUINÁRIO – INCIDÊNCIA DE IRPJ E CSSL – AFAS-TADA – VALORES QUE NÃO CONFIGURAM RENDA, PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA OU LUCRO – INEXISTÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL – INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS – APLICABILIDADE DAS LEIS NºS 10.637/2002 E 10.833/2003 – INCIDÊNCIA SOBRE O TOTAL DAS RECEITAS AUFERIDAS – RECEITA BRUTA – VERBA INDENIZATÓRIA NÃO ABRANGIDA NESSE CONCEITO

1. Ao contrário do que alega a Apelante, a Apelada especificou o objeto segurado e a natureza da indenização recebida e comprovou (i) a totalidade dos valores recebidos da seguradora e (ii) ter realizado o depósito integral dos supostos débitos relativos ao IRPJ e à CSLL ainda em aberto, bem como esclareceu não haver débitos relativos à contribuição para o PIS e à Cofins em aberto. Não há, portanto, quaisquer incongruências.

2. O IRPJ e a CSLL não incidem sobre a verba recebida pela Apelada a título de indenização em razão de contrato de seguro firmado com o intuito de resguardar o seu maquinário de danos e avarias.

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3. A renda ou proventos de qualquer natureza e o lucro, sobre os quais tais tributos incidem pressupõem acréscimo patrimonial, ao passo em que a in-denização percebida apenas objetiva recompor o patrimônio da Apelada, restabelecendo o status quo existente antes dos danos à sua propriedade.

4. A verba indenizatória percebida tampouco se sujeita à incidência da con-tribuição para o PIS e da Cofins. O conceito jurídico-constitucional de re-ceita para tal fim corresponde a mais do que uma mera entrada financeira nos cofres da entidade. A receita tributável é o ingresso que se incorpora positivamente no patrimônio da pessoa jurídica, logo, necessariamente deve corresponder a um acréscimo. Raciocínio idêntico ao que vem prevalecendo jurisprudencialmente para o IRPJ e a CSLL.

5. Remessa necessária e apelação da União Federal a que se nega provi-mento.

A Embargante alega (fls. 157/160) que o acórdão Embargado incor-reu em omissão, pois teria deixado de se manifestar sobre o art. 250 do Regulamento do Imposto de Renda, que não incluiu a verba recebida pela Impetrante entre as hipóteses de exclusão do lucro líquido para as empre-sas tributadas pelo lucro real. Aduz, ainda, que o acórdão teria violado o art. 111, I e II, do CTN, que determina a interpretação literal da legislação que disponha sobre isenção ou exclusão do crédito tributário, não compor-tando interpretação ampliativa.

Em contrarrazões (fls. 166/171), a Embargada aduz, em síntese, que os embargos de declaração devem ser desprovidos, pois as verbas recebi-das tem caráter indenizatório, não devendo sofrer a incidência dos tributos questionados.

É o relatório. Peço dia para o julgamento.

Leticia de Santis Mello Relatora

voto

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos embargos de declaração.

Não assiste razão à Embargante.

Verifica-se, pela simples leitura do acórdão embargado, que o funda-mento invocado por esta Turma para afastar a incidência do IR, da CSLL, da Contribuição ao PIS e da Cofins sobre o valor do seguro percebido pela

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Embargada foi o de que este não configura acréscimo patrimonial, mas mera recomposição de patrimônio. Portanto, não se amolda ao fato gerador do IR ou da CSLL nem pode ser considerado receita para fins de incidência da Contribuição ao PIS e da Cofins.

Confira-se:

“Mesmo porque, o fato gerador do IR é a aquisição de disponibilidade eco-nômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (nesse sentido, ver: AgRg-REsp 1.269.269/PE, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 26.06.2012). Em outras palavras, será devido IR sobre todos os valores que ingressarem no patrimônio da pessoa, física ou jurídica, seja em razão de um fato juridicamente relevante (como o recebimento de salários ou aferição de lucro), seja em razão de fato irrelevante ao direito, mas que implique aumen-to patrimonial.

De igual forma, a CSLL, prevista no art. 195, I, c, da CRFB/1988, acompanha a forma de tributação do lucro adotada para o IRPJ. Como é notório, também o lucro remete à ideia de acréscimo patrimonial, pois exprime justamente a diferença entre o faturamento total da pessoa jurídica e as despesas que eventualmente tenha realizado.

No caso dos autos, como já dito, está amplamente comprovado o recebi-mento, pela Apelada, de valor indenizatório, em razão de avarias constata-das em bem de sua propriedade coberto por apólice de seguro. Portanto, a própria natureza da verba recebida, que se destinou a compensar a Apelada pelo prejuízo sofrido, recompondo o seu patrimônio, impede que se enqua-dre tais valores sob o conceito de ‘renda ou proventos de qualquer natureza’ e ‘lucro’.

Isso porque, falta à verba recebida o elemento fundamental para que possa ser tida como ‘renda’, ‘proventos de qualquer natureza’ ou ‘lucro’, já que não se pode enxergar na indenização recebida a capacidade de implementar qualquer acréscimo ao patrimônio da Apelada. Repita-se: os valores percebi-dos apenas objetivaram recompor o seu patrimônio, restabelecendo o status quo existente antes das avarias verificadas no bem segurado.”

“No entanto, o conceito jurídico-constitucional de receita que deve ser ado-tado para fins de incidência das contribuições para o PIS e da Cofins corres-ponde a mais do que uma mera entrada financeira nos cofres da entidade. A receita tributável é o ingresso que se incorpora positivamente ao patrimônio da pessoa jurídica, logo, necessariamente deve corresponder a um acrés-cimo.

As indenizações reparatórias, ou seja, aquelas que objetivam unicamente a recomposição patrimonial, tal como a recebida pela Apelada, não podem ser consideradas ingresso de receita, já que nada agregam ao patrimônio

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de quem as recebe, mas apenas promovem uma restauração. Além disso, tampouco se subsumem ao conceito de faturamento, uma vez que não se originam do exercício das atividades empresariais da empresa (nesse sentido: TRF 3ª R., Apelação em Mandado de Segurança nº 2004.61.05.008403-9, 6ª T., Rel. Des. Fed. Lazarano Neto; DJe de 05.03.2009).

Note-se que há decisões nesse sentido também no TRF da 4ª Região. Confira--se, entre outros, o seguinte acórdão:

TRIBUTÁRIO – BASE DE CÁLCULO – INDENIZAÇÃO – IRPJ, CSLL, PIS E COFINS – NÃO INCIDÊNCIA – Tendo a indenização por objetivo repor um direito patrimonial antes detido pela empresa, deixando o conjunto do patri-mônio em um status quo igual ao anterior, torna-se infensa à incidência do imposto de renda, da CSLL, do PIS e da Cofins (TRF 4ª R., Apelação/Reexame Necessário nº 2007.70.00.018353-0, 2ª T., Relª Desª Fed. Luciane Amaral Corrêa Münch, DJe de 18.11.2009)

Portanto, em raciocínio idêntico ao que vem prevalecendo jurisprudencial-mente no caso do IRPJ e da CSLL, ainda que a Apelada esteja submetida às Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, que prevêem uma base de cálculo mais ampla para incidência da contribuição ao PIS e da Cofins, não deve haver incidência desses tributos sobre o valor recebido da seguradora.”

Os dispositivos invocados pela Embargante não tem o condão de mu-dar tal entendimento. Se, tal como assentado no acórdão embargado, o fato gerador do IR não resta configurado, não importa que não haja exclusão expressa do seguro recebido pela Embargada da base de cálculo do tributo. Além disso, como não se trata, no caso, de interpretação de benefício fiscal, não é aplicável o art. 111 do CTN.

Veja-se que o art. 489, § 1º, do CPC/2015, que apenas positivou orientação já firmada na jurisprudência, é claro ao dispor que o julgador somente precisa enfrentar “os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada”.

A via estreita dos embargos de declaração, recurso de fundamentação vinculada, não admite que o recorrente dele se valha para rediscutir os fun-damentos adotados na decisão embargada. Nesse sentido: STJ, EDcl-EREsp 480.198/MG, 1ª S., Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ Ac. Min. João Otávio de Noronha, Julgado em 25.08.2004, DJ 03.04.2006.

Ante o exposto, nego provimento aos embargos de declaração da União.

Leticia de Santis Mello Relatora

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

2602

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 21.10.2016Apelação Cível nº 0007007‑20.2015.4.03.6104/SP2015.61.04.007007‑8/SPRelator: Desembargador Federal Antonio CedenhoApelante: Maersk Brasil Brasmar Ltda.Advogado: SP275650 Cesar Louzada e outro(a)Apelado(a): União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: SP000003 Julio César Casari e Claudia Akemi OwadaParte ré: Localfrio S/A Armazéns Gerais FrigoríficosNº Orig.: 00070072020154036104 3ª Vr. Santos/SP

ementaMANDADO DE SEGURANÇA – TRANSPORTE MARÍTIMO DESUNITIZAÇÃO DO CONTÊINER – CARGA ABANDONADA – MERCADORIA RETIDA PELA ANVISA – PROBLEMAS SANITÁRIOS

I – A mercadoria acondicionada no contêiner foi retida pela Anvisa em razão de problemas sanitários. A fiscalização aduaneira aguarda a conclusão dos procedimentos para efetiva devolução da mercadoria o exterior.

II – O ingresso da mercadoria no País, pressupõe a formalização da declaração, a cargo do importador, modo adequado de submissão de mercadoria importada a controle alfandegário.

III – Apelação não provida.

acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 06 de outubro de 2016.

Antonio Cedenho Desembargador Federal

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reLatório

Trata-se de apelação interposta por Maersk Brasil Brasmar Ltda., con-tra a r. sentença (fls. 128/129), que denegou a segurança, nos autos do pre-sente mandado de segurança impetrado pela apelante contra ato do Inspetor da Receita Federal do Brasil da Alfândega do Porto de Santos, objetivando a desunitização do contêiner nº MSKU2190306.

Narrou a impetrante em apertada síntese que a unidade de carga es-taria apenas acondicionando mercadorias apreendidas pela autoridade, de modo que a negativa de devolução configuraria ato ilícito.

Notificada a autoridade prestou informações (fls. 81/95).

Liminar indeferida (fls. 98/99).

O MM. Juiz denegou a segurança por entender existir interesse por parte do importador na devolução de tais mercadorias ao exterior, além do que a mercadoria foi retida pela Anvisa, conforme ofício nº 304/2015/PVPAF/SANTOS/CVPAF/SP/ANVISA em razão de problemas sanitários.

Em razões recursais, sustenta em síntese a impetrante a reforma do decisum, reforçando os argumentos trazidos com a inicial.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O ilustre Representante do Ministério Público Federal opina pelo prosseguimento do feito. É o Relatório.

Antonio Cedenho Desembargador Federal Relator

voto

O mandado de segurança é ação de cunho constitucional e tem por objeto a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

É o que se depreende da leitura do inciso LXIX, do art. 5º da Consti-tuição Federal: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

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“Na categoria dos writs constitucionais constitui direito instrumen-tal sumário à tutela dos direitos subjetivos incontestáveis contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (Diomar Ackel Filho, in Writs Constitucionais, Ed Saraiva, 1988, p. 59).

A objetividade jurídica do Mandado de Segurança está ligada ao res-guardo de direitos lesados ou ameaçados por atos ou omissões de autori-dades ou seus delegados, quando não amparados por habeas corpus ou habeas data.

Merece destaque, também, a lição de Hely Lopes Meirelles: “o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal ou ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante” (in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, 25. ed., Editora Malheiros, 2003, p. 39).

In casu, o recurso não merece provimento. O MM. Juiz denegou a segurança uma vez que a desunitização não ocorreu em razão de ato pra-ticado pela autoridade alfandegária, mas sim pelo fato da mercadoria ter sido retida pela Anvisa, conforme Ofício nº 304/2015/PVPAF/SANTOS/CVPAF/SP/ANVISA e do Termo de Interdição nº 2260460/057/15, em ra-zão de problemas sanitários. Ademais, no conhecimento de transporte foi aposta a sigla FCL/FLC, o que significa que a mercadoria foi unitizada sob a responsabilidade do exportador e deve ser desunitizada pelo consignatário/importador. Assim, a fiscalização aduaneira aguada a conclusão dos proce-dimentos para a efetiva devolução da mercadoria ao exterior.

Todavia, não houve qualquer ilegalidade na conduta da autoridade impetrada, uma vez que ao apreender as mercadorias com problemas sani-tários. A conduta da autoridade administrativa não se revela ilegal ou abu-siva; ao contrário, apresenta-se em plena consonância com o regramento vigente.

Dispõe o art. 39 do Regulamento Aduaneiro vigente à época (Decreto nº 4.543/2002) que “a mercadoria procedente do exterior, transportada por qualquer via, será registrada em manifesto de carga ou em outras declara-ções de efeito equivalente”.

A finalidade precípua dessa grave sanção é coibir práticas lesivas ao controle aduaneiro, garantindo sua incolumidade não apenas sob o ângulo fiscal, mas, também, sanitário, propiciando-se, assim, efetiva tutela da saúde pública e da economia, indústria e comércio nacionais.

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A jurisprudência é firme quanto à constitucionalidade da pena de per-dimento, conforme ilustram os julgados do C. STJ e desta E. Corte Regional:

“TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – TRÂNSITO ADUANEIRO DE PAS-SAGEM – APREENSÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS – ILICITUDE FISCAL CARACTERIZADA – PENA DE PERDIMENTO – OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO

1. Trata-se de recurso especial interposto por Leomar Import e Export, que pretende, em sede de ação ordinária, anular ato administrativo praticado por agentes da União Federal consistente na apreensão de mercadorias importa-das. Afirma, ainda, que o ato foi abusivo e provocador de perdas e danos, e que as mercadorias foram importadas legalmente.

2. O acórdão hostilizado e a sentença decidiram de acordo com as regras postas no nosso ordenamento jurídico. A pena de perdimento obedeceu ao princípio de legalidade.

3. Está certo que a apreensão de mercadorias de origem e procedência es-trangeira estavam em um contêiner, sem registro em manifesto ou documen-to equivalente.

4. A eventual boa-fé do autuado ou ausência de dano ao erário não desca-racteriza a infração, conforme o art. 136 do CTN.

5. Havendo fraude comprovada, no trânsito de mercadoria estrangeira, apli-ca-se a pena de perdimento, conforme previsão do art. 618, VI, do Regula-mento Aduaneiro.

6. Qualquer entrada de produtos estrangeiros em território nacional, sem a observância dos requisitos legais, constitui infração sujeita à pena de perdi-mento dos bens. A ilicitude fiscal restou caracterizada.

7. Recurso especial não provido.”

(STJ, 1ª T., REsp 824050/PR, Proc. 2006/0037487-7, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. p/ Ac. Min. José Delgado, DJ 26.10.2006)

“MANDADO DE SEGURANÇA – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – TRANSPORTE AÉREO DE CARGA SEM DOCUMEN-TOS – APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO – 1. Auto de infração que contém os requisitos necessários, lavrado por autoridade competente, qual seja, o auditor fiscal do tesouro nacional. Alegação de nulidade rejeitada. 2. Transporte aéreo de carga que por erro na expedição não foi incluída no manifesto de carga e nem no termo de entrada ou outro documento, não tendo sido anexado outro documento, nem tampouco informado ao Sistema Siscomex – Mantra. 3. Diante da existência de carga a bordo sem registro em manifesto ou outro documento equivalente, a autoridade aduaneira legitima-mente apreendeu a carga e lavrou auto de infração e imposição de penalida-

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de. 4. Alegação de erro e presunção de boa-fé de que poderia, a princípio, gozar a impetrante resulta substancialmente comprometida, impondo-se, nessa circunstância, prestigiar a presunção de legalidade e legitimidade ín-sita ao ato administrativo praticado pelo agente fazendário. 5. Aplicação da pena de perdimento de bens, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo C. Supremo Tribunal Federal e decorre da prática das condutas prevista no art. 618 do Regulamento Aduaneiro, sendo que as situações descritas na nor-ma em comento contrapõem-se à boa fé e à preservação do Erário.”

(TRF 3ª R., MAS 00056914720074036105, Des. Fed. Mairan Maia, e-DJF3 Judicial 1 Data: 22.11.2012)

Desta forma, deve ser mantida a douta sentença em sua integralidade.

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

Antonio Cedenho Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2603

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação/Reexame Necessário nº 5010690‑84.2011.4.04.7205/SCRelator: Maria de Fátima Freitas LabarrèreApelante: União – Fazenda NacionalApelado: Têxtil Renaux S/AAdvogado: Marco Alexandre Soares SilvaMPF: Ministério Público Federal

ementaTRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO – TOTALIDADE DOS DÉBITOS – PARCELAMENTO – LEI Nº 11.941/2009 – DRAWBACK – MODALIDADE SUSPENSÃO

No regime especial de drawback, na modalidade suspensiva, ocorre o fato gerador dos tributos (importação) com o desembaraço adua neiro. No entanto, a exigibilidade do tributo fica suspensa com a concessão do benefício. Apenas quando não há o implemento da condição re-solutiva (exportação) no prazo concedido pela legislação aduaneira, surge a obrigação tributária.

Comprovado o não atendimento das condições assumidas no termo de responsabilidade, quais sejam, a exportação de uma quantidade de produtos específicos mínimos e/ou de valores mínimos, deve inci-dir o imposto questionado, em face da não implementação da condi-ção suspensiva.

Conforme precedentes desta Corte, a finalidade dos parcelamentos fiscais é facilitar a regularização dos créditos tributários e viabilizar a recuperação de créditos pela própria Receita.

acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de novembro de 2016.

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������139

Juiz Federal Luiz Antônio Bonat Relator

reLatório

Têxtil Renaux S/A impetrou mandado de segurança com pedido limi-nar contra o ato do Delegado da Receita Federal de Blumenau objetivando a obtenção da segurança para determinar a inclusão de créditos relativos ao regime drawback na modalidade suspensão no parcelamento da Lei nº 11.941/2009 (evento 1).

Indeferida a liminar (evento 7), a autoridade coatora apresentou in-formações (evento 14). O MPF deixou de intervir por ausência de interesse público primário (evento 17).

Sobreveio sentença – proferida em 16.04.2012 – que concedeu a se-gurança, ao fundamento de que, descumprida a condição suspensiva, os débitos passam a ser plenamente exigíveis, motivo pelo qual podem ser objeto de parcelamento (evento 20).

A União apelou, sustentando que os débitos passíveis de inclusão no parcelamento são aqueles vencidos até 30.11.2008, conforme § 2º do art. 1º da Lei nº 11.914/2009 (evento 33).

Os autos vieram a esta Corte, perante a qual o agente do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

voto

A sentença, da lavra do eminente Juiz Federal Adamastor Nicolau Turnes bem analisou a questão posta nos autos. A fim de evitar tautologia, adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir:

“II – FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente tenho por atendido o comando do art. 12 da Lei nº 12.016/2009 (EVENTO 17).

No mérito, reitero minhas considerações quando da apreciação do pedido de liminar (EVENTO 7):

‘O objetivo de todo e qualquer diploma que autorize parcelamento de débitos é justamente a recuperação dos valores até então não recolhidos ao Fisco. O Estado abre mão de parte do que lhe é devido, ou altera

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em benefício do contribuinte exigências da legislação fiscal, buscando viabilizar tal quitação, ainda que de modo protraído tempo.’

A plausibilidade da tese exposta na inicial ganha força com o argumento de que, apresentando formal renúncia ao regime de incentivo (drawback suspensão), praticou a impetrante ato assemelhado à apresentação de DCTF, confessando os débitos desde então. Vale dizer, não parece haver dúvida de que o crédito tributário tornou-se confessado e exigível com a renúncia mencionada.

Considero ainda que, mutatis mutandis, o raciocínio que produziu o seguin-te aresto é aplicável ao caso presente (TRF 5ª R., AC 2008.81.00013365-1, 2ª T., unânime, DJe 17.03.2011, Rel. Des. Fed. Francisco Wildo):

‘TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO SOB REGIME DE DRAWBACK – RENÚNCIA – PARCELAMENTO – LEI Nº 10.522/2002 – POSSIBILIDADE – INAPLICABILIDADE DA PORTARIA PGFN/SRF Nº 02/2002 – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – AFASTAMENTO DE MULTAS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTE DO STJ JULGADO SOB REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – Importação realizada sob o regime de tributação aduaneira, denominado drawback suspensão, onde há suspensão do pagamento de tributos incidentes na importação, com a condicionante de futura exportação do produto. Ocorre que, a empresa destinou os produtos ao mercado interno, restando caracterizada a renúncia àquela tributação. A legislação de regência, à época da importação, a saber, o Decreto nº 4.543/2002, art. 342, previa a possibilidade de pagamento dos tributos devidos em caso de renúncia ao regime de tributação em comento. Reconhecido o parcelamento nos termos da Lei nº 10.522/02 e a inaplicabilidade da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 02/2002, que extrapolou o seu poder regulamentador ao prever, em seu art. 14, que seria vedada a concessão de parcelamento de débitos relativos a “tributos devidos no registro da Declaração de Importação”, pois inovou as causas de vedação trazidas na lei instituidora do parcelamento. Impossibilidade de afastamento das multas no débito consolidado, pois a jurisprudência pátria está firme no entendimento de que, em hipótese de parcelamento de débitos, não resta configurada a denúncia espontânea. Precedente do STJ (STJ, REsp 200802661103, Herman Benjamin, 1ª S., 18.05.2009, submetido ao Regime de Recursos Repetitivos). Apelação parcialmente provida.’

Entretanto, a jurisprudência tem negado a possibilidade de concessão de or-dem que importe em parcelamento judicial de débitos in limine litis. Não seria outro o efeito da presente liminar, porquanto a inclusão de novos cré-ditos em parcelamento já consolidado significa novo parcelamento daqueles créditos originalmente descartados/excluídos.

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������141

Com efeito, não vejo razões para alterar o entendimento já externado, sobre-tudo porque supervenientemente, não houve alteração fática ou jurídica a ensejar a modificação do panorama jurídico acima constituído.

Tendo a impetrante aderido ao Regime Especial de drawback, na modalidade Suspensão (art. 78, II, do DL 37/1966), certo é que uma vez desrespeitada a condição de re-exportação assumida, o crédito tributário até então suspenso, torna-se exigível com os devidos acrescimentos legais (art. 390, I, c, Decreto nº 6759/2009), independentemente de sua constituição formal (lançamento) (STJ, REsp. 463.481/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ 29.09.2004).

É dizer, a própria legislação de regência prevê a possibilidade de pagamento dos tributo devidos no caso de renúncia ao regime especial de tributação em tela, não sendo, no caso, a alegação da alegação da autoridade impetra-da, de que ‘a possibilidade de sua inclusão nos parcelamentos previstos nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 11.941/2009 aplica-se apenas àqueles créditos tributários que foram lançados em procedimento de ofício pela RFB’ a mais adequada, na medida em que, como já alhures mencionado, a renúncia ao regime, praticada pela impetrante, se assemelha à apresentação de DCTF, verdadeira confissão de débito (descumprimento da condição suspensiva), possibilitando sua imediata cobrança. Sob esse aspecto, inclusive, já restou consolidado o entendimento jurisprudencial de que a confissão do débito dispensa a realização de qualquer outro procedimento administrativo pelo Fisco, que passa dispor, a partir de então, de um instrumento que permite sua imediata inscrição em Dívida Ativa, com todos os consectários desse proce-dimento (TRF 4ª R., AC 2009.71.99.006443-4, 1ª T., Relª Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, DE 08.11.2011).

Corroborando o entendimento aqui exposto, merece destaque, muta-tis mutandi, decisão proferida pelo C. TRF4 nos autos da Apelação Cível nº 0004429-62.2009.404.7108, no qual foi Relator o Juiz Federal Artur César de Souza (2ª T., DE 08.06.2011):

‘ADUANEIRO – REGIME ESPECIAL – DRAWBACK SUSPENSÃO – INSUMOS – REEXPORTAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE A IMPORTAÇÃO – EXIGIBILIDADE – Tratando-se de insumos importados sob o regime de drawback, a ausência de prova da reexportação dentro do prazo legal – representando a extinção do regime aduaneiro especial – dá azo à exigibilidade dos tributos incidentes sobre a operação de importação que estavam suspensos.’

Em semelhante sentido, ainda:

‘TRIBUTÁRIO – DRAWBACK – MODALIDADE SUSPENSÃO – NÃO CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS NO ATO CONCESSÓRIO E NO TERMO DE RESPONSABILIDADE

1. O drawback é um benefício que visa o incentivo exportação, e é concebido através de ato concessório, porém mediante a formalização

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de um termo de responsabilidade com a empresa exportadora, sendo que do ato concessório deverá constar a quantidade e valor das mercadorias a exportar (art. 317 do Decreto nº 91.030/1985).

2. Na modalidade de suspensão, em que se enquadra a empresa autora, o importador compromete-se a exportar mercadorias, em cujo fabrico tenha sido efetivamente utilizado insumo importado, a fim de implementar a condição exigida para beneficiar-se com suspensão do tributo.

3. Comprovado o não atendimento das condições assumidas no termo de responsabilidade, quais sejam, a exportação de uma quantidade de produtos específicos mínimos e/ou de valores mínimos, deve incidir o imposto questionado, em face da não implementação da condição suspensiva.’

(TRF 4ª R., AC 2003.71.13.003951-7, 2ª T., DE 13.04.2009)

Assim, não encontro óbice ao pedido aqui deduzido pela impetrante, de inclusão em parcelamento de débitos confessadamente reconhecidos e ven-cidos.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, concedo a segurança, para determinar a autoridade impe-trada que promova a inclusão, no parcelamento especial previsto na Lei nº 11.941/2009 (Refis IV), dos débitos confessadamente devidos pela impetran-te relativos ao Imposto de Importação, PIS-Importação e Cofins-Inportação relacionados ao Regime Drawback, listados no formulário constante do EVENTO1/OUT12.”

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e à remessa oficial.

Juiz Federal Luiz Antônio Bonat Relator

eXtrato de ata da sessão de 09.11.2016

Apelação/Reexame Necessário nº 5010690-84.2011.4.04.7205/SC

Origem: SC 50106908420114047205

Relator: Juiz Federal Luiz Antonio Bonat

Presidente: Jorge Antonio Maurique

Procurador: Dr. Andrea Falcão de Moraes

Sustentação Oral: Videoconferência (por Blumenau) pela Dra. Eloisa Brehmer representante de Têxtil Renauxview S/A

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������143

Apelante: União – Fazenda Nacional

Apelado: Têxtil Renaux S/A

Advogado: Marco Alexandre Soares Silva

MPF: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09.11.2016, na sequência 153, disponibilizada no DE de 20.10.2016, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo e à remessa oficial.

Relator Acórdão: Juiz Federal Luiz Antonio Bonat

Votante(s): Juiz Federal Luiz Antonio Bonat Des. Federal Amaury Chaves de Athayde Des. Federal Jorge Antonio Maurique

Leandro Bratkowski Alves Secretário de Turma

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2604

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoProcesso nº 0800504‑64.2016.4.05.8300 – Apelação/Remessa NecessáriaApelante: HLA Diagnóstico Ltda.Advogado: Rodrigo Barbosa Macêdo do NascimentoApelado: Fazenda NacionalRelator(a): Desembargador(a) Federal Rubens de Mendonça Canuto Neto – 4ª Turma

ementaTRIBUTÁRIO – PIS/PASEP-IMPORTAÇÃO E COFINS-IMPORTAÇÃO – ART. 7º, I, DA LEI Nº 10.865/2004 – DEFINIÇÃO DE VALOR ADUANEIRO – INCLUSÃO DO ICMS E CONTRIBUIÇÕES – INCONSTITUCIONALIDADE – DECLARAÇÃO DO PLENO DO STF – RE 559937 – REPERCUSSÃO GERAL – COMPENSAÇÃO – APLICABILIDADE DO ART. 74 DA LEI Nº 9.430/1996 – PRESCRIÇÃO

In casu, tendo a presente demanda sido proposta em 26.01.2016, quando em vigor a Lei Complementar nº 118/2005, há de se reconhe-cer a compensação das parcelas que foram recolhidas indevidamente no quinquênio anterior ao ajuizamento da ação.

A Lei nº 10.865/2004 instituidora do PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, previu que a base de cálculo seria o valor adua-neiro, entendido como o valor utilizado para a base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 559937, Relª Min. Ellen Gracie, Relator(a) p/ Ac. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.03.2013, submetido à Repercussão Geral, assim se manifestou: “9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: ’acrescido do valor do Imposto sobre Operações Re-lativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contri-buições’, por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001.”

Reconhecido o direito à compensação nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/1996. A compensação em tela refere-se a valores indevi-damente recolhidos a título de PIS-Importação e Cofins-Importação,

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exações não elencadas no art. 11, parágrafo único, alíneas a, b e c da Lei nº 8.212/1991, devendo, assim, ser afastada a aplicação do art. 26, parágrafo único, da Lei nº 11.457/2007, que previu a não incidência do art. 74 da Lei nº 9.430/1996. Limitação do art. 170-A do CTN que veda a compensação de créditos sob discussão judicial antes do trânsito em julgado da decisão que resolve a lide. Atualiza-ção monetária nos termos do Manual de Orientação de Procedimen-tos para os Cálculos na Justiça Federal que elege como índice a ser aplicado a taxa Selic.

Apelação provida e remessa desprovida.

acórdão

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e negar provimento à remessa oficial, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 09 de agosto de 2016.

reLatório

O Sr. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto Neto (Relator):

Trata-se apelação e remessa oficial de sentença concessiva da segu-rança impetrada por HLA Diagnóstico Ltda., visando à declaração de com-pensação dos valores indevidamente recolhidos a título de PIS-Importação e de Cofins-Importação sobre o valor do ICMS e de outros tributos – incluídos na base de cálculo das citadas contribuições sociais por força da redação original do art. 7º, I, da Lei nº 10.865/2004 – nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, após o trânsito em julgado da decisão (art. 170-A do CTN), atualizados pela taxa Selic e observada a prescrição quinquenal.

A douta sentenciante concedeu a segurança para assegurar o direi-to à compensação dos valores recolhidos indevidamente a título de PIS--Importação e Cofins-Importação sobre o valor do ICMS e de outros tributos que, por força da redação original do art. 7º, I, da Lei nº 10.865/2004, foram incluídos na base de cálculo das citadas contribuições sociais. Determinou que a compensação ocorresse tão somente com tributos da mesma espécie,

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com a incidência da taxa Selic, respeitada a prescrição quinquenal, após trânsito em julgado.

Apelação da Impetrante insurgindo-se contra sentença no sentido de ver reconhecido o direito à compensação nos moldes do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, ou, em menor expressão, com débitos de PIS e de Cofins devidos sobre a receita bruta. Assevera que se extrai dos arts. 26, parágrafo único, e 2º da Lei nº 11.457/2007, que o art. 74 da Lei nº 9.430/1996 não é aplicável apenas às contribuições sociais referidas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212/1991.

Contrarrazões pugnando pelo não conhecimento da apelação.

É o relatório.

voto

O Sr. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto Neto (Relator):

O pondo nodal da presente querela cinge-se à declaração do direito de compensação de valores recolhidos indevidamente a título de PIS/Pasep--Importação e da Cofins-Importação que tomaram como base de cálculo o valor do ICMS e de outros tributos por força da redação original do art. 7º, I, da Lei nº 10.865/2004.

Analiso, nesse instante, a questão relativa ao prazo prescricional. Em 04.08.2011, o Pleno do STF, ao julgar o RE 566.621, Relª Min. Ellen Gracie, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da Lei Comple-mentar nº 118/2005, que determinou a aplicação retroativa do seu art. 3º (norma que, ao interpretar o art. 168, I, do CTN, fixou em cinco anos, desde o pagamento indevido, o prazo para o contribuinte repetir os indébitos rela-tivamente a tributos sujeitos a lançamento por homologação).

A Ministra Ellen Gracie, relatora do Recurso Extraordinário, ado-tou o entendimento de que não há direito adquirido à imutabilidade do prazo prescricional, ainda que o indébito seja anterior à vigência da Lei Complementar nº 118/2005. Contudo, a redução do prazo de prescrição não poderia atingir aqueles que já tivessem exercido seu direito à repeti-ção de indébito, administrativa ou judicialmente. Finalizou reconhecendo que a prescrição quinquenal prevista nos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005 apenas não poderia ser aplicada aos processos iniciados antes do início de sua vigência.

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O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005 na parte em que determina sua aplicação às ações e pedidos administrativos de repetição de indébito protocolados antes de sua vigência, reconhecendo não haver nenhuma inconstitucionalidade em sua aplicação aos indébitos pagos anteriormente, mas que não tenham sido objeto de pedido de repetição, na via administrativa ou judicial, até 09.06.2005.

In casu, tendo a presente demanda sido proposta em 26.01.2016, quando em vigor a Lei Complementar nº 118/2005, há de se reconhecer o direito à compensação das parcelas que foram recolhidas indevidamente no quinquênio anterior ao ajuizamento da ação.

Passo a analisar o mérito propriamente dito. Vejamos a previsão dos arts. 1º e 7º da Lei nº 10.865/2004.

“Art. 1 Ficam instituídas a Contribuição para os Programas de Integração Social o e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Im-portação de Produtos Estrangeiros ou Serviços – PIS/Pasep-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – Cofins-Importação, com base nos arts. 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da Constituição Fede-ral, observado o disposto no seu art. 195, § 6º.”

“Art. 7º A base de cálculo será:

I – o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e In-termunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduanei-ro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º desta Lei; ou” (grifo nosso)

O Pleno do STF, por ocasião do julgamento do RE 559.607, em 20.03.2013, submetido ao regime previsto no § 3º do art. 543-B, reconhe-ceu a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunica-ção – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, contida no inciso I do art. 7º da Lei nº 10.865/2004, acima transcrito. Eis o teor da ementa daquele julgado:

“EMENTA: Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS/Cofins--Importação. Lei nº 10.865/2004. Vedação de bis in idem. Não ocorrência. Suporte direto da contribuição do importador (arts. 149, II, e 195, IV, da CF

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e art. 149, § 2º, III, da CF, acrescido pela EC 33/2001). Alíquota específica ou ad valorem. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. Inconstitucionalidade. Isonomia. Ausência de afronta. 1. Afas-tada a alegação de violação da vedação ao bis in idem, com invocação do art. 195, § 4º, da CF. Não há que se falar sobre invalidade da instituição originária e simultânea de contribuições idênticas com fundamento no inciso IV do art. 195, com alíquotas apartadas para fins exclusivos de destinação. 2. Contribuições cuja instituição foi previamente prevista e autorizada, de modo expresso, em um dos incisos do art. 195 da Constituição validamente instituídas por lei ordinária. Precedentes. 3. Inaplicável ao caso o art. 195, § 4º, da Constituição. Não há que se dizer que devessem as contribuições em questão ser necessariamente não-cumulativas. O fato de não se admitir o crédito senão para as empresas sujeitas à apuração do PIS e da Cofins pelo regime não-cumulativo não chega a implicar ofensa à isonomia, de modo a fulminar todo o tributo. A sujeição ao regime do lucro presumido, que implica submissão ao regime cumulativo, é opcional, de modo que não se vislumbra, igualmente, violação do art. 150, II, da CF. 4. Ao dizer que a con-tribuição ao PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação poderão ter alíquo-tas ad valorem e base de cálculo o valor aduaneiro, o constituinte derivado circunscreveu a tal base a respectiva competência. 5. A referência ao valor aduaneiro no art. 149, § 2º, III, a, da CF implicou utilização de expressão com sentido técnico inequívoco, porquanto já era utilizada pela legislação tribu-tária para indicar a base de cálculo do Imposto sobre a Importação. 6. A Lei nº 10.865/2004, ao instituir o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação, não alargou propriamente o conceito de valor aduaneiro, de modo que pas-sasse a abranger, para fins de apuração de tais contribuições, outras grande-zas nele não contidas. O que fez foi desconsiderar a imposição constitucio-nal de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem sejam calculadas com base no valor aduaneiro, extrapolando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal. 7. Não há como equi-parar, de modo absoluto, a tributação da importação com a tributação das operações internas. O PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a Cofins internas incidem sobre o fatu-ramento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. 8. O grava-me das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança co-mercial. 9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: ‘acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no de-sembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, por violação do

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art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001. 10. Recurso extraordi-nário a que se nega provimento’. (RE 559937, Ellen Gracie, STF)”

Destarte, ante a decisão da Suprema Corte, resta cabível o reconhe-cimento ao direito à compensação do que fora recolhido indevidamente a título de base de cálculo das exações em comento, nos termos do inciso I, do art. 7º, da Lei nº 10.865/2004, declarado inconstitucional.

Nos termos do art. 66, § 1º, da Lei nº 8.383/1991, alterada pela Lei nº 9.069/1995 passou a ser permitida a compensação de tributos recolhidos indevidamente, nos seguintes termos:

“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contri-buições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subsequente.

§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie.”

Posteriormente a Lei nº 9.250/1995 veio a ratificar a necessidade de identidade das espécies tributárias a serem compensadas.

“Art. 39. A compensação de que trata o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou recei-tas patrimoniais de mesma espécie e destinação constitucional, apurado em períodos subsequentes.”

O próprio STJ pacificou entendimento acerca da imprescindibilidade da identidade dos tributos objeto de compensação.

Todavia, a legislação de regência sofreu profunda modificação com a edição da Medida Provisória nº 66, de 29.08.2002, convertida na Lei nº 10.637, de 30.12.2002, que alterou o art. 74, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.430/1996, findando este com a seguinte redação:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Se-cretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, po-derá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tri-butos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

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§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. (In-cluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)”

A própria Secretaria da Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 210, de 01.10.2002, que traz o seguinte comando em seu art. 21:

“Art. 21. O sujeito passivo que apurar crédito relativo a tributo ou contribui-ção administrado pela SRF, passível de restituição ou de ressarcimento, po-derá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob administração da SRF.”

Noutra banda, a Lei nº 11.457/2007 que instituiu a Super Receita, previu regras de compensação, afastando a aplicabilidade do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 com relação às contribuições sociais. Eis alguns dispositivos legais acerca da matéria em tela.

Lei nº 11.457/2007:

“Art. 2º Além das competências atribuídas pela legislação vigente à Secreta-ria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil plane-jar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fis-calização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007)”

“Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às con-tribuições de que trata o art. 2o desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo reque-rimento.

Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei.”

Lei nº 8.212/1991:

“Art. 11. No âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das seguintes receitas: I – receitas da União;

II – receitas das contribuições sociais;

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III – receitas de outras fontes.

Parágrafo único. Constituem contribuições sociais:

a) as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; (Vide art. 104 da Lei nº 11.196, de 2005)

b) as dos empregadores domésticos;

c) as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição; (Vide art. 104 da Lei nº 11.196, de 2005)

d) as das empresas, incidentes sobre faturamento e lucro;

e) as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.”

Como se vê, houve previsão expressa para que o art. 74 da Lei nº 9.430/1996 não fosse aplicado nas hipóteses de créditos referentes às contribuições sociais encartadas no art. 11, parágrafo único, alíneas a, b e c da Lei nº 8.212/1991. Todavia, na hipótese dos autos, a compensação que se busca refere-se a valores indevidamente recolhidos a título de PIS-Impor-tação e Cofins-Importação, exações que não estão ali elencadas. Destarte, há de se reconhecer o direito à compensação do que fora recolhido inde-vidamente nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/1996. A compensação em tela fica submetida à ulterior homologação do Fisco dentro do prazo legal.

Ressalte-se, ainda, que o instituto da compensação há de obedecer à limitação inserida pela Lei Complementar nº 104/2001, que veda a com-pensação de créditos sob discussão judicial antes do trânsito em julgado da decisão que resolve a lide.

No que concerne à atualização monetária dos valores a serem com-pensados deve ser observado o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal que elege como índice a ser aplicado à taxa Selic.

Com essas considerações, dou provimento à apelação para reco-nhecer o direito à compensação do que fora recolhido indevidamente a título de PIS-Importação e Cofins-Importação, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 e nego provimento à remessa oficial.

É como voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência2605 – Admissão temporária – embarcação – ausência do proprietário do País – pena de

perdimento – descabimento – princípio da proporcionalidade – violação

“Tributário e administrativo. Embarcação. Admissão temporária. Ausência do proprietário do País por poucos dias. Pena de perdimento. Descabimento. Violação ao princípio da propor-cionalidade. Honorários. 1. A aplicação da pena de perdimento de bem somente deve ser aplicada em casos excepcionais, como vem reiteradamente decidindo esta colenda 7ª T.: ‘Tem-se que a pena de perdimento é medida extrema, aplicável quando evidente o dolo de lesar o Fisco ou fraudar a importação. Daí porque as normas que regem a matéria devem, sempre, ser interpretadas de maneira sistêmica, levando-se em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o da boa-fé’ (AC 0016811-49.2009.4.01.3300/BA, Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, Rel. Conv. Juiz Fed. Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.), 7ª T., e-DJF1 p. 529 de 23.05.2014) e ‘O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em diversas oportunidades no sentido de atribuir mitigação à pena de perdimento, ora sob o pálio dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, ora quando da ausência de dolo da parte. Nesse sentido: Recurso especial a que se nega provimento (REsp 657.240/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., J. 14.06.2005, DJ 27.06.2005, p. 244), Recurso especial co-nhecido e provido (REsp 114.074/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T.J. 07.12.2004, DJ 21.02.2005, p. 117)’ (AC 0023755-08.2012.4.01.3900/PA, Rel. Des. Fed. José Amilcar Machado, Rel. Conv. Juiz Fed. Rodrigo de Godoy Mendes (Conv.), 7ª T., e-DJF1 de 18.03.2016). 2. Na espécie, verifica-se que houve evidente violação ao princípio da proporcionalidade na aplicação da pena de perdimento. Com efeito, a própria Fazenda Nacional reconhece que o regime de admissão temporária de bem é prorrogado automaticamente com a renovação do visto de permanência do turista. 3. Constata-se, pois, que o apelado ausentou-se e retornou dentro do prazo de validade do seu visto de permanência no Brasil e, consequentemente, do prazo do regime de admissão temporária de sua embarcação. 4. Assim, afigura-se excessiva a aplicação da pena de perdimento de bem, pois a ausência do apelado, se deu por curto período (de 18.02 a 08.03.2011) e não houve demonstração de má-fé. Nesse sentido, o se-guinte precedente desta Colenda 7ª T.: ‘Processual civil. Tributário. Desembaraço aduaneiro. Nulidade do auto de infração. Preliminar de incompetência. Afastada. Pena de perdimento de embarcação. Perda de prazos para prorrogação do regime de admissão temporária e do visto de turista do condutor. Demora escusável. Inexistência de má-fé e/ou fraude. Nulidade da sentença. Rejeitada. [...]’ (AC 0014844-95.2011.4.01.3300/BA, Relª Desª Fed. Ângela Catão, Rel. Conv. Juiz Federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes (Conv.), 7ª T., e-DJF1 p. 4922 de 22.05.2015). 5. Não há, pois, nenhuma razão para isentar a apelante do pagamento dos ônus da sucumbência, já que deu causa ao ajuizamento desta demanda. 6. Apelação e remessa oficial não providas. Sentença mantida.” (TRF 1ª R. – AC 0008177-59.2012.4.01.3300 – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Hercules Fajoses – DJe 26.08.2016)

2606 – Aduaneiro – navegação de cabotagem – navegação de longo curso – mercadorias destinadas a portos nacionais com escalas em portos estrangeiros – informação pres-tadas no Siscomex – transportador – boa-fé

“Tributário. Aduaneiro. Navegação de cabotagem. Navegação de longo curso. Mercadorias destinadas a portos nacionais com escalas em portos estrangeiros. Informação prestadas no Siscomex. Boa-fé do transportador. 1. Embora a navegação de grande cabotagem, envolven-do portos nacionais e estrangeiros, não possua mais previsão legal específica, inexiste óbice expresso à sua realização, devendo a modalidade da navegação ser classificada no Siscomex com base na origem e destino da carga. 2. A necessidade de realização de despacho de expor-tação e posterior importação para mercadorias inequivocamente nacionais, que, por questão de logística, sofreram escala em porto estrangeiro, revela-se desproporcional. 3. Evidenciada

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a boa-fé do transportador marítimo, o qual, considerando o embarque da mercadoria em porto nacional, informou no Siscomex Carga a navegação de cabotagem, registrando ain-da, em detalhes, a rota do navio e todas as escalas, anteriormente ao embarque da carga.” (TRF 4ª R. – AC 5004626-40.2015.404.7101 – 2ª T. – Relª Desª Fed. Cláudia Maria Dadico – DJe 26.10.2016)

2607 – AFRMM – empresa consignatária – sujeição passiva – Lei nº 10.206/2011 – segurança – denegação

“Mandado de segurança. Tributário. AFRMM. Adicional de frete para a renovação da marinha mercante. Sujeição passiva da empresa consignatária. Lei Federal nº 10.206/2011. Inadequa-ção do mandado de segurança para produção de provas. Segurança denegada. 1. O Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM destina-se a suprir os encargos da União nas atividades de apoio ao desenvolvimento da Marinha Mercante e Indústria Naval. 2. A Lei Federal nº 10.893/2004, no art. 10, § 1º atribui ao consignatário da carga a sujeição passiva do AFRMM, sendo o proprietário da carga solidariamente responsável pelo pagamen-to do tributo. 3. A impetrante alega não ter participado da importação. No entanto, foi indica-da como consignatária da mercadoria no Brasil. 4. O mandado de segurança não é adequado para a discussão, a respeito da validade, ou não, da documentação que atribuiu à impetrante a qualidade de consignatária da carga. 5. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AMS 0011378-37.2009.4.03.6104 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fábio Prieto – DJe 04.10.2016)

Transcrição EditorialLei nº 10.893, de 13 de julho de 2004:

“Art. 10. O contribuinte do AFRMM é o consignatário constante do conhecimento de embarque.

§ 1º O proprietário da carga transportada é solidariamente responsável pelo pagamento do AFRMM, nos termos do art. 124, inciso II, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”

2608 – Agenciamento marítimo – Autorização de Funcionamento de Empresa – exigência – Lei nº 9.782/1999 – Lei nº 6.437/1977 – Resolução Anvisa – função meramente regulamentar – princípio da legalidade – violação

“Constitucional e administrativo. Agravo. Art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil. Agen-ciamento marítimo. Exigência de apresentação de autorização de funcionamento de empresa. Lei nº 9.782/1999 e Lei nº 6.437/1977. Atos administrativos normativos. Resolução Anvisa. Função meramente regulamentar. Violação ao princípio da legalidade. Agravo não provido. 1. A Lei nº 9.782/1999, ao criar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabele-ceu sua competência para autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. 2. Ocorre que o agenciamento marítimo não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, pois não se constitui em fabricação, distribuição, importação ou comercialização dos produtos arrolados no art. 8º da Lei nº 9.782/1999. 3. Nem a Lei nº 6.437/1977 nem a Lei nº 9.782/1999 determinam de modo expresso que a não apresentação de Autorização de Funcionamento de Empresas (AFE) constitui uma infração sanitária, e que os agentes marítimos devem possuir referida autoriza-ção. 4. Como a finalidade dos atos administrativos normativos é apenas a de regulamentar questão anteriormente tratada em lei, não havendo previsão legal específica, não cabe às Resoluções expedidas pela Anvisa impor tal obrigação, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Precedentes do STJ e dos Tribunais Regionais Federais da 3ª Região, da 2ª Região e da 5ª Região. 5. O agravo apenas reiterou o que havia sido antes deduzido e já enfrentado

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no julgamento monocrático, não restando espaço para a reforma postulada. 6. Agravo não provido.” (TRF 3ª R. – AC 0008160-30.2011.4.03.6104 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 02.09.2016)

Transcrição EditorialLei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999:

“Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:

I – medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;

II – alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;

III – cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes;

IV – saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos;

V – conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico;

VI – equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem;

VII – imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados;

VIII – órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconsti-tuições;

IX – radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia;

X – cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco;

XI – quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação.”

2609 – Agente marítimo – responsabilidade tributária – inexistência

“Tributário. Responsabilidade tributária. Agente marítimo. Inexistência. 1. É assente o enten-dimento de que o representante do armador responsabiliza-se pelas obrigações assumidas pelo armador na esfera comercial, não se estendendo tal responsabilidade às infrações à le-gislação tributária ou administrativa. 2. As atividades desempenhadas pelo agente marítimo consistem em prover as necessidades do navio no porto de destino, sendo contratado para facilitar negócios realizados entre armador e importador. Estas situações, evidentemente, não têm aptidão de confundir ou equiparar o agente com o transportador. 3. Apelação provida.” (TRF 4ª R. – AC 5002182-34.2015.404.7101 – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Bonat – DJe 22.11.2016)

2610 – Ambiental – dano – derramamento de óleo no mar – responsabilidade objetiva – conduta, dano e nexo causal comprovados – responsabilidade solidária – dano moral – incabível

“Constitucional. Ação civil pública. Dano ambiental. Derramamento de óleo no mar. Res-ponsabilidade objetiva. Conduta, dano e nexo causal comprovados. Responsabilidade so-lidária entre os causadores do dano. Valor da indenização. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Dano moral. Incabível. Remessa oficial, tida por interposta, e Apelação

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do Ministério Público Federal improvidas. Apelações das empresas rés parcialmente providas. Embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurí-dicas. Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização encontra fundamento no art. 4º, VII, c/c art. 14, § 1º, ambos, da Lei nº 6.938/1981. Após análise do conjunto probatório, não há dúvidas que houve vazamento de óleo, ocorrido em 21.06.2008, durante abastecimento realizado da bar-caça CD Guarujá (de propriedade da empresa Navegação São Miguel Ltda.) para o navio N/M Independente (de propriedade da empresa Transroll Navegação S/A), cuja proteção e armação estavam a cargo da empresa Aliança Navegação e Logística Ltda., em Santos/SP. Configurado o dano, basta ratificar a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Neste aspecto, está evidente de que o resultado decorreu do exercício da atividade de risco exercido pelas rés. No polo passivo das ações ambientais, todos os causadores de dano, diretos ou indiretos, respondem solidariamente pelos prejuízos causados ao meio ambiente. Dizer que é solidária esta responsabilidade é o mesmo que dizer que o autor de uma ação civil ambiental pode escolher responsabilizar um, alguns ou todos os que tenham concorrido direta ou indiretamente para o dano. Em face dos elementos constantes nos autos e as peculia-ridades do caso, somados à orientação jurisprudencial dessa Corte, no sentido de se observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, fixo a indenização em 20 % (vinte por cento) do valor atribuído pela fórmula da Cetesb, ou seja, US$ 79.621,43 (setenta e nove mil, seiscentos e vinte e um mil dólares americanos e quarenta e três centavos de dólar). Por outro lado, embora o laudo da Cetesb seja meio hábil para quantificar o dano ambiental, entendo que o valor encontrado está desproporcional aos fatos descritos e suas consequências reais. O dano moral coletivo depende da ofensa a interesses legítimos, valores e patrimônio ideal de uma coletividade que devam ser protegidos. Entretanto, no presente caso, não há qualquer elemento capaz de indicar que tenha havido dano moral (coletivo). Remessa oficial, tida por interposta, e recurso do Ministério Público Federal improvido. Apelações das empresas Na-vegação São Miguel Ltda., Transroll Navegação S.A. e Aliança Navegação e Logística Ltda. parcialmente providas. Com relação à indenização fixada, ressalto que, não obstante o mé-todo da Cetesb se apresente em dólares, o quantum deve ser explicitado em moeda corrente nacional, ou seja, em reais, como dispõe a legislação pátria (art. 1º da Lei nº 10.192/2001, art. 315 do Código Civil e arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 857/1969). Assim, o montante fi-xado, convertido em real, pelo câmbio da data dos fatos (1,60 em 20.06.2008), resulta em R$ 127.394,28 (cento e vinte e sete mil, trezentos e noventa e quatro reais e vinte e oito cen-tavos) a serem atualizados monetariamente, a partir da data do dano ambiental.” (TRF 3ª R. – AC 0007233-30.2012.4.03.6104 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Nobre – DJe 14.09.2016)

Transcrição EditorialLei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981:

“Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

[...]

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

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[...]Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e mu-nicipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:[...]§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obri-gado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos cau-sados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

2611 – Ambiental – derramamento de óleo – dano ambiental – prescrição – quantum in-denizatório – metodologia – fundo de reparação de interesses difusos – plano de emergência individual – prequestionamento

“Administrativo. Ambiental. Ação civil pública. Derramamento de óleo no mar territorial e nas praias do litoral norte do Rio Grande Sul. Dano ambiental. Prescrição. Demonstração do dano, do nexo causal e da responsabilidade. Dever de indenizar. Quantum indenizatório. Me-todologia. Princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Fundo de reparação de interesses difusos. Plano de emergência individual. Prequestionamento. 1. A jurisprudência é dominante no sentido de que o dano ambiental se perpetua no tempo, atingindo bens de uso comum do povo e essenciais à qualidade de vida, desta e das futuras gerações (art. 225 da Constituição Federal), não se constituindo em dano de ordem patrimonial, razão pela qual não há falar na ocorrência de prescrição. 2. Constatada a ocorrência do dano ambiental, o nexo de causali-dade e a responsabilidade da ré pelo derramamento de óleo bruto no mar territorial brasileiro e no litoral do Rio Grande do Sul, decorrente de ruptura em sistema de terminal marítimo, surge o dever de reparar o dano por meio da elaboração de Plano de Emergência Indivi- dual e mediante a respectiva indenização, bem como de ressarcir os danos extrapatrimoniais coletivos decorrentes, com fundamento no art. 3º, III, alíneas c e e da Lei nº 6.938/1981 e art. 13 da Lei nº 7.347/1985 – destinação ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Le-sados. 3. Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados os princípios do poluidor-pagador e da razoabilidade, o que significa que a fixação da quantia que, além de ressarcir o dano, tenha caráter punitivo, pedagógico e preventivo. 4. Mantida a metodolo-gia utilizada no cálculo da indenização, o chamado método Cetesb para valorar moneta-riamente os danos causados pelo vazamento de óleo no mar e também em porção terrestre, porquanto considera devidamente a quantidade do produto derramado, a sensibilidade das áreas afetadas, a toxicidade e a persistência do produto derramado no ambiente, bem como a mortalidade de organismos, definindo uma equação matemática, cujo resultado é o valor a ser pago pela fonte poluidora. 5. Precedentes jurisprudenciais. 6. Dá-se por prequestionados os dispositivos legais e/ou constitucionais apontados que tenham expressa ou implicitamente pertinência com as questões examinadas no julgamento do recurso, nos termos do disposto no art. 1.025 do CPC.” (TRF 4ª R. – AC 5013215-58.2014.404.7100 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 28.09.2016)

2612 – Ambiental – edificação em área de preservação permanente – interesse social e uti-lidade pública – configuração

“Ação civil pública. Ambiental. Edificação em área de preservação permanente. Interesse social e utilidade pública configurados. 1. Existe, na legislação e jurisprudência, certa tolerân-cia para ocupação de áreas de preservação permanente em situações excepcionais, quando envolver hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental,

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conforme o art. 8º da Lei nº 12.651/2012, ou ainda nas áreas consolidadas para moradia, conforme os arts. 64 e 65 do mesmo diploma legal. 2. As finalidades do empreendimento qualificam-no como atividade de utilidade pública e de interesse social, a permitir a interven-ção em área de preservação permanente, nos termos do art. 3º da Lei nº 12.651/2012, tendo sido amplamente justificada pelas autoridades a necessidade de construção de uma marina pública na área sub judice.” (TRF 4ª – AC 5008051-16.2013.404.7208 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha – DJe 16.09.2016)

2613 – Ambiental – explosão de navio – responsabilidade ambiental administrativa – mani-festação – necessidade – art. 535 do CPC – violação – ocorrência

“Processual civil. Ambiental. Explosão de navio na baía de Paranaguá (Navio ‘Vicuna’). Va-zamento de metanol e óleos combustíveis. Ocorrência de graves danos ambientais. Autua-ção pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) da empresa que importou o produto ‘metanol’. Art. 535 do CPC. Violação. Ocorrência. Embargos de declaração. Ausência de manifestação pelo tribunal a quo. Questão relevante para a solução da lide. 1. Tratam os presentes autos de: a) em 2004 a empresa ora recorrente celebrou contrato internacional de importação de certa quantidade da substância química metanol com a empresa Methanexchile Limited. O produto foi transportado pelo navio Vicuna até o Porto de Paranaguá, e o desembarque começou a ser feito no píer da Cattalini Terminais Marítimos Ltda., quando ocorreram duas explosões no interior da embarcação, as quais provocaram incêndio de grandes proporções e resultaram em danos ambientais ocasionados pelo derrame de óleos e metanol nas águas da Baía de Paranaguá; b) em razão do acidente, o Instituto recorrido autuou e multa a empresa recorrente no valor de R$ 12.351.500,00 (doze milhões, trezentos e cinquenta e um mil e quinhentos reais) por meio do Auto de Infração 55.908; c) o Tribunal de origem consignou que ‘a res-ponsabilidade do poluidor por danos ao meio ambiente é objetiva e decorre do risco gerado pela atividade potencialmente nociva ao bem ambiental. Nesses termos, tal responsabilidade independe de culpa, admitindo-se como responsável mesmo aquele que aufere indiretamente lucro com o risco criado’ e que ‘o art. 25, § 1º, VI, da Lei nº 9.966/2000 estabelece expressa-mente a responsabilidade do “proprietário da carga” quanto ao derramamento de efluentes no transporte marítimo’, mantendo a Sentença e desprovendo o recurso de Apelação. 2. A insur-gente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente. 3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis. 4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da respon-sabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de cul-pa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa. 5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, ‘tratando-se de responsabilidade admi-nistrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador’ (AgRg-AREsp 62.584/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Relª p/ Ac. Min. Regina Helena Costa, 1ª T., DJe 07.10.2015). 6. ‘Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida

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pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstra-ção do nexo causal entre a conduta e o dano’ (REsp 1.251.697/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 17.04.2012). 7. Caracteriza-se ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem deixa de se pronunciar acerca de matéria veiculada pela parte e sobre a qual era imprescindível manifestação expressa. 8. Determinação de retorno dos autos para que se profira nova decisão nos Embargos de Declaração. 9. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp 1401500/PR – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 13.09.2016)

Transcrição EditorialLei nº 9.966, de 28 de abril de 2000:

“Art. 25. São infrações, punidas na forma desta Lei:

[...]

§ 1º Respondem pelas infrações previstas neste artigo, na medida de sua ação ou omissão:

I – o proprietário do navio, pessoa física ou jurídica, ou quem legalmente o represente;

II – o armador ou operador do navio, caso este não esteja sendo armado ou operado pelo proprietário;

III – o concessionário ou a empresa autorizada a exercer atividades pertinentes à indús-tria do petróleo;

IV – o comandante ou tripulante do navio;”

2614 – Ambiental – pesca predatória de arrasto dentro das três milhas marítimas – dano ambiental – quantum indenizatório – termo inicial – data da fixação

“Administrativo. Ambiental. Ação civil pública. Pesca predatória de arrasto dentro das três milhas marítimas. Dano ambiental. Quantum indenizatório. Princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Termo inicial de juros moratórios (evento danoso) e correção monetária (data da fixação). Manutenção da sentença de origem que condenou o réu infrator ao pagamento de indenização e de danos morais coletivos, decorrentes da prática de dano ambiental por pesca predatória realizada com redes de arrasto de fundo, a menos de três milhas da costa do Rio Grande do Sul, pois fixadas as condenações pecuniárias em atendimento aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade. O montante indenizatório deve ser atualizado a contar da decisão que o arbitrou (Súmula nº 362, do STJ), cabendo a incidência de juros de mora a partir do evento danoso (Súmula nº 54, do STJ).” (TRF 4ª R. – AC 5028268-84.2011.404.7100 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 29.09.2016)

2615 – Antaq – administração portuária – multas – infrações ao art. 13 da Resolução nº 858-Antaq – Princípio da Legalidade

“Administrativo. Administração portuária. Antaq. Multas. Infrações ao art. 13 da Resolução nº 858-Antaq. Princípio da legalidade. A Lei nº 10.233/2001 dispôs expressamente em seu art. 27, IV, que cabe à Antaq, elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infraestrutura aquaviária e portuária. Dispôs ainda, a referida lei, em seu art. 78-A, as sanções aplicáveis pela Antaq, dentre elas a multa (inciso II), quando descumpridos dos deveres estabelecido no contrato de concessão, dentre os quais se encontra a observância aos regulamentos da agência reguladora do serviço público. Por fim, quanto ao valor das multas, há expressa previsão no art. 78-F, § 1º, de que sua fixação se dá por regulamento aprovado pelo Diretor da Antaq. Nesse contexto, a Resolução nº 858-Antaq, de 23.08.2007, não extrapola os limites de seu poder regulamentar encontrando-se em con-

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formidade com a lei, razão pela qual, não há que se falar em violação ao princípio da legali-dade.” (TRF 4ª R. – AC 5003150-68.2014.404.7208 – 3ª T. – Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler – DJe 27.10.2016)

Transcrição EditorialLei nº 10.233, de 5 de junho de 2001:“Seção IIIDas Atribuições da Agência Nacional de Transportes Aquaviários[...]Art. 27. Cabe à Antaq, em sua esfera de atuação:[...]IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de trans-porte e à exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores;[...]Art. 78-A. A infração a esta Lei e o descumprimento dos deveres estabelecidos no con-trato de concessão, no termo de permissão e na autorização sujeitará o responsável às seguintes sanções, aplicáveis pela ANTT e pela Antaq, sem prejuízo das de natureza civil e penal: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)[...]Art. 78-F. A multa poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção e não deve ser superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)§ 1º O valor das multas será fixado em regulamento aprovado pela Diretoria de cada Agên-cia, e em sua aplicação será considerado o princípio da proporcionalidade entre a gravi-dade da falta e a intensidade da sanção. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)”

Comentário Editorial Deve-se observar que a Resolução Antaq, nº 858/2007 foi revogada e substituída pela Resolução nº 3.274-Antaq/2014, que aprova a norma que dispõe sobre a fiscalização da prestação dos serviços portuários e estabelece infrações administrativas. Ou seja, trata-se de julgamento sobre Resolução revogada desde fevereiro de 2014 e chama a atenção o julgado não fazer referência ao fato.O art. 13 da norma revogada foi substituído pelo art. 26 da nova norma, que tem a seguinte redação:“Capítulo VIIIDas Infrações e Sanções AdministrativasSeção IDas disposições geraisArt. 26. As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis, separada ou cumu-lativamente, de acordo com a gravidade da falta e observadas as demais disposições da norma disciplinadora do procedimento sancionador:I – advertência;II – multa;III – proibição de ingresso na área do porto organizado por período de 30 a 180 dias;IV – suspensão da atividade de operador portuário, pelo período de 30 a 180 dias;V – cancelamento do credenciamento do operador portuário;VI – suspensão;

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VII – cassação; eVIII – declaração de inidoneidade.”Os artigos seguintes da norma trazem explicações sobre como as sanções devem ser aplicadas:“Art. 27. A sanção de advertência poderá ser aplicada em substituição à penalidade pecuniária, apenas para as infrações de natureza leve e média, quando não se julgar recomendável a cominação de multa e desde que não seja verificado prejuízo à presta-ção do serviço, aos usuários, ao mercado, ao meio ambiente ou ao patrimônio público.Art. 28. A aplicação da sanção de cassação de concessão de porto organizado, arren-damento ou autorização de instalação portuária caberá ao poder concedente, mediante proposta da Antaq.Art. 29. A declaração de inidoneidade será aplicada a quem tenha praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos de licitação ou a execução de contrato.Art. 30. As penalidades de suspensão, cassação, declaração de inidoneidade e declara-ção de caducidade devem ser aplicadas em caráter excepcional, quando os anteceden-tes do infrator, a natureza ou a gravidade da infração indicarem a ineficácia de outras sanções para a correção das irregularidades, observado o disposto nos arts. 78-G, 78-H, 78-I e 78-J da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001.”Seguem, por fim os artigos citados da Lei nº 10.233/2001:“Art. 78-G. A suspensão, que não terá prazo superior a cento e oitenta dias, será imposta em caso de infração grave cujas circunstâncias não justifiquem a cassação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)Art. 78-H. Na ocorrência de infração grave, apurada em processo regular instaurado na forma do regulamento, a ANTT e a Antaq poderão cassar a autorização. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)Art. 78-I. A declaração de inidoneidade será aplicada a quem tenha praticado atos ilí-citos visando frustrar os objetivos de licitação ou a execução de contrato. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)Parágrafo único. O prazo de vigência da declaração de inidoneidade não será superior a cinco anos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)Art. 78-J. Não poderá participar de licitação ou receber outorga de concessão ou per-missão, e bem assim ter deferida autorização, a empresa proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, que tenha sido declarada inidônea ou tenha sido punida nos cinco anos anteriores com a pena de cassação ou, ainda, que tenha sido titular de concessão ou permissão objeto de caducidade no mesmo período. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 04.09.2001)”Interessante comparar as mudanças realizadas pela Antaq aplicando-as ao caso con-creto.A nova norma modificou a forma de estipulação das multas, estabelecendo valores míni-mos e valores máximos, diferentemente do que previa a norma anterior, senão vejamos:As sanções que foram mantidas pelo TRF4 referem-se ao não travamento dos contê-ineres em tráfego pelo porto e pela não realização do seguro de todas as instalações, no caso em tela, dos berços 1 e 2, com o seguinte enquadramento na norma antiga, respectivamente:“LII – deixar de adotar as medidas necessárias e ações adequadas para a prevenção de incêndios e acidentes nas instalações portuárias e eliminar áreas de risco (Multa de até R$ 200.000,00);[...]LIV – deixar de cumprir e de fazer cumprir as leis, as normas e regulamentos, e as cláu-sulas do contrato de concessão, do convênio de delegação e da autorização, conforme o caso (Multa de até R$ 1.000.000,00);”

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Na nova norma da Antaq as infrações se enquadrariam nos seguintes incisos e as multas nas seguintes faixas de valores:“XXII – negligenciar a segurança portuária, conforme critérios do inciso IV do art. 3º desta norma: multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais);”O art. 3º se desenvolve em dez incisos, muitos dos quais se desenvolvem em alíneas. Destacamos o que nos interessa para o caso concreto:“Art. 3º A Autoridade Portuária, o arrendatário, o autorizatário e o operador portuário devem observar permanentemente, sem prejuízo de outras obrigações constantes da regulamentação aplicável e dos respectivos contratos, as seguintes condições mínimas:[...]IV – segurança, por meio de:[...]h) prevenção de incêndios, acidentes ou desastres nos portos organizados e instalações portuárias; eXVIII – não contratar ou deixar de renovar seguro patrimonial de todos os equipamen-tos e instalações, inclusive estruturas de atracação e acostagem, de responsabilida-de civil e de acidentes pessoais para cobertura face a usuários e terceiros: multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais);”Observa-se uma evolução em direção à maior razoabilidade e menor exposição do admi-nistrado ao arbítrio do fiscalizador ao serem estabelecidas tais faixas de valores mínimo e máximo, caminhando para uma base regulatória que propicie uma atuação fiscaliza-tória tendente a ser mais equilibrada, o que em tese ajuda a criar um cenário de maior segurança jurídica.Importa por fim retomar o fato de no voto e Acórdão, o julgador e demais desembargado-res não fazerem referência ao fato de a norma impugnada judicialmente estar revogada desde fevereiro de 2014.Não obstante viger no direito o princípio do tempus regit actum, seria salutar o órgão julgador, o Relator e o Colegiado, estarem atentos às mudanças nas normas, mesmo as regulatórias, até porque tal princípio nem sempre resolve todas as questões da eficácia da norma no tempo.Neste sentido, insta por fim observar, que estamos tratando de julgamento sobre pro-cesso sancionador e, não obstante existirem divergências doutrinárias neste campo, e dos seus possíveis pontos de interação com o direito penal, há correntes que veem determinados princípios que deveriam ser comuns a ambos. Sob este prisma a mudança regulatória poderia trazer ao fim mudanças práticas para o caso em tela, podendo o Colegiado entender, por exemplo, que seria justo adaptar a dosimetria das sanções, no caso, as multas, aos valores máximos da norma atual.

Transcrição EditorialArt. 3º do anexo da Resolução nº 3.274/2014 – Antaq:“Capítulo IIIDo Serviço PortuárioArt. 3º A Autoridade Portuária, o arrendatário, o autorizatário e o operador portuário devem observar permanentemente, sem prejuízo de outras obrigações constantes da regulamentação aplicável e dos respectivos contratos, as seguintes condições mínimas:I – regularidade, mantendo a oferta de janelas de atracação, as condições operacionais e utilidades portuárias compatíveis com as necessidades das embarcações tipo contra-tualmente estabelecidas; II – continuidade, não interrompendo injustificadamente as atividades portuárias por período superior a seis meses contínuos ou 12 meses intercala-damente; III – eficiência, por meio de: a) cumprimento dos parâmetros de desempenho

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estabelecidos contratualmente; b) adoção de procedimentos operacionais que evitem perda, dano ou extravio de cargas e bagagens e minimizem custos a serem suportados pelos usuários; c) melhoria contínua da qualidade, produtividade e dos índices de mo-vimentação de carga pela busca da expansão, atualidade, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura do porto organizado e das instalações portuárias, dentro de padrões estabelecidos pela Antaq; d) manutenção de pessoal técnico e admi-nistrativo em quantitativo suficiente; e) execução diligente de suas atividades, de modo a não interferir nos serviços prestados pelos demais agentes atuantes no porto organi-zado, quando for o caso; e f) outros critérios estabelecidos pela Antaq; IV – segurança, por meio de: a) segregação nos armazéns e pátios, de cargas perigosas ou especiais, com marcação dos volumes avariados, com diferença de peso, com indício de violação e em trânsito aduaneiro, e, também, indicação das características de cada volume e a natureza da avaria ou da especificidade verificada, em conformidade com as normas de segurança, aduaneiras, ambientais e regulatórias aplicáveis; b) demarcação da área de operações com sinalização horizontal e vertical adequada e demarcação como “área de segurança”, conforme plano de segurança apresentado à Antaq; c) elaboração e sub-missão à aprovação do órgão ambiental competente de plano de emergência individual para controle e combate à poluição por manuseio de cargas de óleo, substâncias nocivas ou perigosas; d) cumprimento das determinações da Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos), quanto à implantação, à manutenção e à execução dos Planos de Segurança; e) controle de acesso e sistema de segurança nas áreas interna e externa conforme requisitos mínimos exigidos pela Polí-cia Federal ou Receita Federal do Brasil, ou pelo Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias (Código ISPS), quando cabível; f) cumprimento de normas técnicas que regulam a armazenagem ou movimentação de cargas ou mate-riais perigosos; g) armazenamento ou movimentação de petróleo e seus derivados, gás natural e biocombustíveis, de acordo com normativo editado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); h) prevenção de incêndios, acidentes ou desastres nos portos organizados e instalações portuárias; e i) outras determinações, normas e regulamentos relativos à segurança portuária a serem editados pela Antaq e demais órgãos; V – atualidade, através da: a) promoção de treinamento de funcionários; b) modernização das técnicas, dos equipamentos e das instalações dentro de padrões estabelecidos pela Antaq; c) manutenção em bom estado de conservação e funciona-mento dos equipamentos e instalações portuárias e promoção de sua substituição ou reforma ou de execução das obras de construção, manutenção, reforma, ampliação e melhoramento; e d) atendimento a plano de manutenção de equipamentos terrestres de movimentação de carga, com periodicidade mínima anual, elaborado por pessoa física ou jurídica devidamente registrada no Conselho Regional de Engenharia e Agrono-mia (Crea), com o registro dos laudos junto à Autoridade Portuária ou ao autorizatário; VI – generalidade, assegurando a oferta de serviços, de forma indiscriminada e isonômi-ca a todos os usuários e se abstendo de práticas lesivas à livre concorrência; VII – modi-cidade, adotando tarifas ou preços em bases justas, transparentes e não discriminatórias aos usuários e que reflitam a complexidade e os custos das atividades, observando as tarifas ou preços-teto, desde que estabelecidos pela Antaq; VIII – higiene e limpeza, por meio de remoção, armazenagem e destinação adequada dos resíduos e demais mate-riais inservíveis, assim como controle de pragas e instalação de mecanismos de vedação à entrada de insetos e animais nocivos nos recintos de armazenagem ou destinados à movimentação de passageiros; IX – livre acesso das empresas prestadoras de serviços à área portuária, sujeito a prévio agendamento, desde que devidamente credenciadas junto à Autoridade Portuária, quando couber; X – abstenção de práticas lesivas à livre concorrência, tais como, entre outras: a) opor obstáculo ao exercício dos direitos ou à execução dos serviços; b) formar cartel; c) concentrar ou dominar mercados; d) opor obstáculo ou resistência à entrada de novas empresa no mercado; e) impedir ou preju-

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dicar o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; e f) prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo.”

2616 – Antaq – multas – ato administrativo – legitimidade e de legalidade – presunção

“Administrativo. Infração administrativa. Multa. Antaq. Presunção de legitimidade e de le-galidade dos atos administrativos. O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação. Hipótese em que as alegações trazidas não lograram afastar a presunção de legitimidade e de legalidade do ato administrativo que implicou imposição de multa pela Antaq, com observância dos parâmetros legais e regulamentares.” (TRF 4ª R. – AC 5002547-34.2015.404.7216 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – DJe 29.09.2016)

2617 – Appa – natureza jurídica – autarquia estadual – prestadora de serviço público – con-tribuição ao PIS faturamento – ausência de sujeição passiva por não se tratar de pessoa jurídica de direito privado

“Recurso interposto na vigência do CPC/1973. Processual civil. Tributário. Ausência de violação ao art. 535, do CPC/1973. Contribuição ao PIS faturamento. Art. 2º, I, da Lei nº 9.715/1998. Administração dos portos de Paranaguá e Antonina. Natureza jurídica de au-tarquia estadual prestadora de serviço público. Ausência de sujeição passiva por não se tratar de pessoa jurídica de direito privado. 1. A Corte de Origem expressamente definiu que a Appa é autarquia (pessoa jurídica de direito público) que explora atividade econômica em caráter de exclusividade e que, mesmo que fosse empresa pública, continuaria prestando este serviço público e não atividade meramente privada. Desse modo, o acórdão não foi omisso até por-que, para a linha de argumentação escolhida, é irrelevante haver regime de concorrência no setor portuário, já que, além de a expressão ‘serviço público’ ter sido utilizada no sentido que abrange também as situações onde há concorrência, o pressuposto fático firmado foi o de que há exclusividade na atividade desempenhada. Ausente a violação ao art. 535, do CPC/1973. 2. A letra do art. 2º, I, da Lei nº 9.715/1998, que fundamentou a autuação, permite a cobran-ça da contribuição ao PIS/Pasep somente das pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias respectivas) e não das pessoas jurídicas de direito público (autarquias), como o presente caso. Não se pode desconsiderar, como quer a Fazenda Nacional, a natureza jurídica da entidade criada e o critério pessoal da hipótese de incidência da norma de tributação para fazer incidir o tributo sobre entidade que assume for-ma jurídica estabelecida em lei diversa daquela prevista na norma de incidência. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1567855/PR – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 14.09.2016)

2618 – Área de apoio náutico – interdição – Unidade de Conservação Federal (Esec Tamoios) – verossimilhança do direito alegado – fundado receio de dano irreparável – legitimidade – proteção da área

“Agravo de instrumento e agravo interno. Ação civil pública. Antecipação de tutela. Interdi-ção de área de apoio náutico inserida em Unidade de Conservação Federal (Esec Tamoios). Presentes a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano irreparável. Le-gitimidade da atuação do ICMBio para fins de proteção da área. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio contra

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decisão proferida nos autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, na qualidade de assistente litisconsorcial da parte autora, objetivando a reforma (i) da de-cisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela visando a interdição da área de apoio náutico (píeres e linhas de estaca) do empreendimento Marina dos Reis Praia do Coelho, bem assim (ii) da decisão que determinou que o ICMBio se abstivesse de tomar qualquer medida destinada a embaraçar a utilização da área objeto do processo, sob pena de multa diária. 2. A demanda originária consiste em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de Marina dos Reis Participações e Empreendimentos Ltda., poste-riormente substituída por Piraquara Empreendimentos Imobiliários Ltda., sob alegação de que a Ré seria responsável pela construção e manutenção de 2 atracadouros, medindo cada um 80m x 8m, e 5 linhas de atracação, com 33 estacas, no entorno marinho da Estação Ecológica de Tamoios, referente ao raio de 1km da Ilha Pingo D’Água, ocupando, assim, área na qual sequer seria admitida a visitação pública, tratando-se de conduta incompatível com a finalida-de da unidade de conservação. 3. Em que pese a construção do empreendimento imobiliário em questão tivesse sido acompanhada desde o fim da década de 90 por órgãos e entidades estaduais competentes, acreditando se tratar de projeto inserido exclusivamente na Área de Proteção Ambiental de Tamoios (criada pelo Estado do Rio de Janeiro), contando, inclusive, com Licença de Instalação emitida pela Feema em 31.08.2005 (LI FE007644 – fls. 63/65), no curso do procedimento para a renovação da mencionada licença (com data de validade de 31.08.2008), apurou-se, consoante Informação Técnica da Esec Tamoios nº 02/2012, corro-borada pela operação realizada pelo Inea em conjunto com o ICMBio (Relatório de Vistoria nº 494.12.13), que os píeres e linhas de estaca que compõem o apoio náutico do empreen-dimento encontram-se dentro da área da Esec Tamoios, unidade de conservação instituída pela União, pelo Decreto nº 98.864/1990, e classificada, de acordo com o encarte 6 do plano de manejo aprovado pela Portaria Ibama nº 09/2006, como Zona de Recuperação, definida como ‘áreas consideravelmente alteradas pelo homem’, cujas ‘espécies exóticas introduzidas, bem como as obras construídas pelo homem, deverão ser removidas e a restauração deverá ser natural ou naturalmente agilizada’. 4. O art. 28 da Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelece que ‘são proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos’ (art. 28) e que ‘quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mes-mo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo’ (art. 36, § 3º), sendo certo que a proteção da Esec Tamoios é exercida pelo ICMBio, a teor do disposto no art. 1º, IV, da Lei nº 11.516/2007, estando, pois, a referida autarquia legitimada a adotar as medidas necessárias a efetivar a proteção da área. 5. Diante da verossimilhança das alegações deduzidas pelo Ministério Público Federal, na inicial da ação originária e do risco pela continuidade das atividades na área de apoio náuti-co do empreendimento da agravada – consoante salientou a Informação Técnica da Estação Ecológica de Tamoios nº 012/2012, segundo a qual ‘a manutenção e operação de atracadouro com capacidade para 40 embarcações provocam impactos ambientais de elevada importân-cia e magnitude, tais como contaminação das águas por combustível e óleos lubrificantes, geração de resíduos e gases pelas embarcações, morte e afugentação da fauna marinha. Além disso a existência de atracadouro para 40 embarcações gera grandes problemas no controle de acesso às áreas da Estação Ecológica de Tamoios, facilitando a entrada de visitantes não autorizados e aumentando o trânsito de embarcações nas águas marítimas desta importante unidade de conservação da natureza’ –, deve ser deferido o pedido de tutela antecipada para

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interditar a área de apoio náutico objeto da demanda, assim como revogada a decisão que impede a atuação do ICMBio na fiscalização da área. 6. Agravo de instrumento provido e agravo interno interposto contra a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela recursal julgado prejudicado.” (TRF 2ª R. – AI 0014197-40.2015.4.02.0000 – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva – DJe 24.11.2016)

2619 – Armazenagem – despesas – mercadoria abandonada – obrigação legal de pagamento – correção monetária – inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, declarada pelo STF

“Processual civil. Agravo interno. Art. 1.021 do Código de Processo Civil/2015. Mercadoria abandonada. Despesas de armazenagem. Obrigação legal de pagamento: art. 31 do Decreto--Lei nº 1.455/1976. Correção monetária: não aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação da Lei nº 11.960/2009. Inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, declarada pelo STF. Agravo improvido. 1. A matéria está sedimentada na jurisprudência desta Corte, motivo pelo qual o julgamento por decisão monocrática do relator era perfeitamente cabí-vel, nos termos do art. 557, caput, do CPC/1973, lei processual vigente ao tempo da publi-cação da decisão recorrida. 2. Ao contrário do que sustenta a União, a autora comprovou que notificou tempestivamente a Secretaria da Receita Federal acerca do abandono, con-forme documento de fl. 32. 3. As Fichas de Mercadoria Abandonada entregues à Receita Federal contemplam informações suficientes para a identificação da mercadoria (nome do navio transportador, número do conhecimento marítimo, lote, número do contêiner, peso, etc.). Ou seja, foi cumprido o requisito do art. 31, caput, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, sendo desnecessária a identificação minuciosa da mercadoria, como pretende a União. 4. O art. 31 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 impõe à Secretaria da Receita Federal o dever de efetuar o pagamento das despesas de armazenagem das mercadorias abandonadas até a data em que ela retirar a mercadoria, com recursos do Fundaf, de modo que a inexistência de licitação e contrato não tem o condão de alterar obrigação imposta por lei. 5. A União não pode se furtar do dever de indenizar os custos da armazenagem invocando inexistência de licitação e de contrato porque não se trata de obrigação de caráter contratual, mas sim legal, não havendo que se cogitar, portanto, de violação aos arts. 21, XII, f, e 175 da Constituição Federal, sequer aos arts. 1º, § 2º e 4º, I, da Lei nº 8.630/1993. 6. Calha registrar que a interpretação feita pela agravante no sentido de que só seria responsável pelo pagamento dos custos da armazenagem se retirasse a mercadoria para si não faz o menor sentido e não encontra amparo no art. 31 do Decreto-Lei nº 1.455/1976. 7. Portanto, a União deve arcar com a tarifa de armazenamento das mercadorias abandonadas até a data da retirada das mercadorias do recinto alfandega-do, nos termos do art. 31, caput e §1º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, não havendo nisso qualquer mácula aos princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público, da legalidade, da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório, pois se trata de obrigação imposta em lei e nada mais justo que a União, titular dos bens abandonados, arque com os custos de armazenagem deles, sob pena de enriquecimento sem causa. 8. Não é caso de aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em face de o Colendo Supremo Tribunal Federal, ao examinar a questão por meio das ADIs 4.357 e 4.425 (Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux), ter declarado a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º dessa Lei. É fato que o Plenário do Supremo Tribunal Federal somente concluiu o julgamento das citadas ações em 25.03.2015 ao modular seus efeitos. Porém, sua modulação se restringiu ao pagamento de precatórios. 9. Agravo improvido.” (TRF 3ª R. – AC 0001496-29.2010.4.03.6100 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 06.09.2016)

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Observação EditorialInconstitucionalidade por arrastamento. Descrição do Verbete: A inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração ocorre quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela uma relação de conexão ou de interdependência.

2620 – Atividade portuária – poder concedente – União – ilegitimidade passiva – Justiça Estadual – competência

“Agravo de instrumento. Administrativo. Atividade portuária. Poder concedente. Ilegitimidade passiva da União. Competência da Justiça Estadual. Não há razões que justifiquem a presença na lide do Poder Concedente, isto é, a União, ou mesmo da Antaq, autarquia responsável pela regulação e fiscalização dos serviços prestados pela CDI enquanto figurava como con-cessionária do Porto de Imbituba, já que a lide não diz respeito à regularidade da prestação de serviços portuários. É de se reconhecer, assim, a ilegitimidade passiva da União, já que o fato de figurar como Poder Concedente não faz dela ré em todos os feitos em que se dis-cutam contratos firmados por concessionárias de serviços públicos federais.” (TRF 4ª R. – Ag 5017437-58.2016.404.0000 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha – DJe 16.09.2016)

2621 – Bagagem desacompanhada – desembaraço aduaneiro – liberação – conhecimento de carga – preenchimento – erro – boa-fé – pena de perdimento – inaplicabilidade

“Administrativo. Remessa necessária. Apelação cível. Desembaraço aduaneiro. Liberação de bagagem desacompanhada. Conhecimento de carga preenchido com erro. Razoabilida-de. Boa-fé da autora. Pena de perdimento. Inaplicabilidade. Remessa e recurso desprovidos. Cinge-se a controvérsia ao exame da possibilidade de reaver os bens de uso pessoal da autora objeto do conhecimento de embarque MSCUSE371766, depositados no terminal da empre-sa Multirio, possibilitando o desembaraço aduaneiro dos mesmos. Impende observar que o despacho aduaneiro de importação de bagagem desacompanhada deve ser efetuado com base em Declaração Simplificada de Importação (DSI), registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), instruída com o Conhecimento de Transporte Marítimo (BL) e com relação de bens, contendo descrição e valor aproximado, por volume ou caixa, confor-me procedimento legal estabelecido no art. 9º da IN SRF 1.059/2010. In casu, a parte autora demonstra, através dos documentos acostados aos autos, que contratou com a empresa Inter-continental Transporte Ltda. para o serviço de transporte internacional de bagagens ‘porta a porta’. No entanto, de forma equivocada, a referida empresa relacionou, no conhecimento de transporte (BL), os pertences de diversas pessoas em nome apenas da empresa denominada Container Express, isto é, agrupou-os em um contêiner coletivo, contendo caixas de diversas outras pessoas, no total de 424 caixas, incluindo as 9 caixas da autora, razão por que a Receita Federal na Alfândega do Porto do Rio de Janeiro se recusa a efetuar o desembaraço aduaneiro e a respectiva liberação das bagagens desacompanhadas da autora. Ressalte-se que, no caso concreto, a retenção de pertences pessoais da autora em decorrência de um erro da empresa contratada para efetuar a mudança de Portugal para o Brasil transcende o limite da razoabi-lidade. A ausência de conhecimento de transporte em nome da autora deve ser considerada mera irregularidade formal, sem fundamento para aplicação da pena de perdimento, que é considerada sanção extrema, devendo ser aplicada em hipótese restritas, quando caracteri-zada a ocorrência de fraude ou má-fé por parte do interessado. In casu, a prova dos autos é suficiente para evidenciar que não se está diante de alguma dessas hipóteses. Ademais, insta consignar que, ainda que as autoridades aduaneiras tenham observado as normas legais a amparar a pena de perdimento, não foi permitido à parte autora que tomasse as providências

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hábeis a comprovar a propriedade dos bens, bem como a entrada dos referidos bens na con-dição de bagagem desacompanhada. Além disso, vislumbra-se, no caso em tela, a boa-fé da autora, que detalha e relaciona os bens sobre os quais vindica o desembaraço aduaneiro (fls. 39/40), não sendo razoável, repiso, que lhe seja imputada a severa pena de perdimento de bens pessoais, especialmente em função de irregularidades formais de responsabilidade da empresa transportadora. A propriedade dos bens questionados também é comprovada através da juntada do contrato de transporte, acostado à fl. 24, bem como dos documentos de fls. 22 e 42, o qual foi emitido pela própria empresa transportadora, circunstância esta que evidencia sua propriedade e boa-fé. Remessa necessária e recurso da União desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-Reex 0015644-57.2013.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lúcia Lima – DJe 12.09.2016)

Transcrição EditorialInstrução Normativa RFB nº 1059, de 02 de agosto de 2010:

“Art. 9º O despacho aduaneiro de importação da bagagem desacompanhada será efetu-ado com base em DSI, registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), instruída com:

I – a relação dos bens, contendo descrição e valor aproximado, por volume ou caixa; e

II – o conhecimento de carga original ou documento equivalente, consignado ao viajante ou a ele endossado.

§ 1º O despacho aduaneiro dos bens poderá ser realizado pelo próprio viajante ou por despachante aduaneiro, na unidade da RFB com jurisdição sobre o recinto alfandegado onde se encontrem depositados.

§ 2º A bagagem desacompanhada somente será desembaraçada após a comprovação da chegada do viajante ao País.

§ 2º A bagagem desacompanhada somente será desembaraçada após a comprovação da chegada do viajante ao País mediante apresentação do bilhete de passagem ou do passaporte. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1.385, de 15 de agosto de 2013)”

2622 – Capitania dos Portos – infração – medida administrativa – multa – presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos – Decreto nº 2.596/1998 – constitucionalidade e legalidade

“Administrativo. Infração. Medida administrativa. Multa. Capitania dos Portos. Presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos. Constitucionalidade e legalidade do Decreto nº 2.596/1998. O auto de infração constitui ato administrativo dotado de impera-tividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infra-ção, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação. Ao disciplinar infrações e penalidades, o Decreto nº 2.596/1998 (o qual dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional) apenas detalha as previsões da Lei nº 9.537/1997, facili-tando a sua execução pela Administração Pública, sem, com isso, invadir a esfera legislativa reservada às leis. Como se vê das disposições legais e regulamentares, é perfeitamente possí-vel a cumulação de medida administrativa com penalidade de multa. As multas foram fixadas atendendo-se os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade, dentro dos pa-râmetros pertinentes. Hipótese em que as alegações trazidas não lograram afastar a presunção de legitimidade e de legalidade do ato administrativo sancionador.” (TRF 4ª R. – AC 5007941-36.2016.404.7200 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – DJe 09.12.2016)

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2623 – Carga sem documentos – pena de perdimento – aplicação – depósito em garantia – contêineres – desbloqueio – depósito integral do valor das mercadorias acondicio-nadas

“Mandado de segurança. Transporte marítimo de carga sem documentos. Aplicação da pena de perdimento. Depósito em garantia. Desbloqueio dos contêineres mediante depósito inte-gral do valor das mercadorias acondicionadas. I – Observe-se de acordo com a r. sentença, que a retenção de mercadorias importadas em razão de procedimento de controle aduaneiro encontra suporte no art. 68 da MP 2.158-35/2001, que assim dispõe: ‘Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da Receita Federal, até que seja concluído o correspondente procedimento de fiscalização. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicar-se-á na forma a ser disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, que disporá sobre o prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da conclusão do procedimento de fiscalização mediante a adoção das necessárias medidas de cautela fis-cal.’ II – A norma acima citada confere aos órgãos de fiscalização aduaneira a prerrogativa de reter mercadoria importada, bem como se houver indícios de sua prática. Bem delineado o contexto fático subjacente à causa, a conduta da autoridade administrativa não se revela ile-gal ou abusiva; ao contrário, apresenta-se em plena consonância com o regramento vigente. III – Dispõe o art. 39 do Regulamento Aduaneiro vigente à época (Decreto nº 4.543/2002) que ‘a mercadoria procedente do exterior, transportada por qualquer via, será registrada em mani-festo de carga ou em outras declarações de efeito equivalente’.Trata-se de regra a qual se en-contra em consonância com a inscrita no art. 39 do Decreto-Lei nº 37/1966, de idêntico teor, cujo § 1º estabelece, ainda, que: ‘o manifesto será submetido à conferência final para apura-ção de responsabilidade por eventuais diferenças quanto à falta ou acréscimo de mercadoria’. IV – Com efeito, o conhecimento de carga é documento expedido a partir da celebração de contrato de transporte internacional, representando as mercadorias nele pormenorizadas. A desobediência às normas referidas enseja a aplicação da pena de perdimento das mercadorias não registradas no manifesto que acompanha o veículo transportador, a teor do art. 105, IV, do Decreto-Lei nº 37/1966, reproduzida pelo art. 618, IV, do Decreto nº 4.543/2002. Logo, a falta de manifesto ou a não inclusão de mercadorias transportadas nesse documento, enseja a aplicação da pena de perdimento à mercadoria importada ao desamparo de manifesto de carga. V – Apelação não provida.” (TRF 3ª R. – AMS 0005061-13.2015.4.03.6104 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 15.08.2016)

2624 – Codesp – ex-portuário – aposentadoria – complementação – acordo coletivo – direi-to privado – conflito – procedência

“Conflito de competência. Ação de complementação de aposentadoria. Ex-portuário. Codesp. Direito privado. Conflito procedente. 1. A complementação de aposentadoria dos ex-portuá-rios tem natureza de direito privado, já que o pedido de complementação de aposentadoria funda-se em acordo coletivo e o custeio se dá por meio da Codesp, devendo tais feitos trami-tarem perante às Turmas Julgadoras pertencente à 1ª S. 2. Conflito procedente.” (TRF 3ª R. – CC 0025575-97.2014.4.03.0000 – OE – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 18.11.2016)

2625 – Contêiner – apreensão – desunitização – unidade de carga – devolução – possibilida-de – mandado de segurança – provimento

“Apelação. Direito administrativo. Apreensão de contêiner. Desunitização. Unidade de carga que não se confunde com mercadoria transportada. Devolução. Possibilidade. Mandado de segurança. Provimento. 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança objetivando a desunitização das cargas acondiciona-

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da nos contêineres FCIU8268073, MEDU6252888, MSCU9200460, CAXU4986939 com a consequente e imediata devolução à Impetrante. 2. As unidades de carga (contêineres) não se confundem com a mercadoria que acondicionam, não podendo ser retidos pela fiscalização alfandegária em razão de irregularidade no processo de importação das mercadorias nelas acondicionadas. O art. 24 da Lei nº 9.611/1998 é bem claro ao determinar que o contêiner não constitui embalagem, mas sim parte integrante do todo, ou seja, equipamento do navio. 3. A responsabilidade do transportador compreende o momento do recebimento da carga até a entrega ao importador, o que, de fato, foi realizado, conquanto as mercadorias foram postas à sua disposição. Assim, a responsabilidade do transportador finda com a instauração do pro-cedimento administrativo de perdimento e a consequente transferência da guarda do material apreendido à polícia administrativa. 4. Não se figura razoável que a retenção da mercadoria e seu posterior perdimento alcancem e prejudiquem o proprietário do contêiner, responsável, apenas, pelo acondicionamento e transporte dos produtos importados. Ademais, o contêiner é um instrumento da exploração da atividade econômica realizada pela apelante, não sendo proporcional a sua retenção pelo prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias, para que se dê a conclusão do procedimento administrativo instaurado para a eventual decretação da pena de perdimento. 5. Apelação conhecida e provida.” (TRF 2ª R. – Ap 0106340-71.2015.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama – DJe 05.10.2016)

Transcrição EditorialLei nº 9.611, de 19 de fevereiro de 1998:

“Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.

Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo.”

2626 – Declaração – DI – preenchimento – desembaraço aduaneiro – código equivocado – erro material – princípio da razoabilidade – sentença – manutenção

“Tributário. Remessa necessária. Apelação. Mandado de segurança. Duplo grau obrigatório, art. 14, § 1º da Lei nº 12.016/2009. Preenchimento. Declaração. DI. Desembaraço aduaneiro. Porto. Código equivocado. Erro material. Princípio da razoabilidade. Manutenção da senten-ça. 1. Em decorrência da sucumbência da Fazenda Pública, o presente caso está sujeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos moldes do art. 14, § 1º da Lei do Mandado de Segu-rança, 2. O caso trazido à colação cinge-se ao pedido da empresa impetrante de retificação do código do recinto alfandegado cadastrado na DI 13/1873880-8, em decorrência de erro material perpetrado por empregado da empresa quando do preenchimento da Declaração de Informação, ou, alternativamente, que a União se abstenha de cobrar tributos já recolhidos, por ocasião de novo preenchimento da nova DI para a mesma operação, dando-se prossegui-mento ao desembaraço aduaneiro da mercadoria importada. 3. Para elucidação da lide, deve--se aplicar no caso concreto o princípio da razoabilidade, na medida em que não nos parece razoável pretender que a empresa impetrante recolha novamente o tributo, sendo compelida a registrar nova Declaração de Importação, em virtude de erro no preenchimento do código alfandegário, ainda que tenha dado causa ao equívoco perpetrado por seu funcionário. No caso, foi inserida na DI o código ‘7921401’, ao invés do que deveria constar ‘7921410’, de modo que simples inversão de algarismos não pode se tornar em obstáculo para a conclu-são do procedimento de desembaraço aduaneiro. 4. Os empecilhos trazidos pelo sistema de informática da Receita Federal (Siscomex), o qual não permite a retificação da DI para mudança do código de recinto alfandegado, não pode servir de obstáculo aos contribuintes

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que dele se utilizam. 5. Deve-se considerar, ainda, o significativo valor do tributo cobrado para a importação de 4 guindastes na cifra de R$ 5.500.938,72, os quais serão utilizados na prestação de serviços à Petrobras no Estaleiro de Inhaúma. 6. Registre-se que, conforme fls. 70 e 79, a empresa recolheu o valor devido, o que demonstra sua boa-fé ao praticar conduta imposta pela lei a fim de fazer adentrar em território nacional produto estrangeiro através da alfândega portuária, o que deve ser levado em consideração na presente análi-se. 7. Remessa necessária e recurso de apelação a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – Ap-Reex 0137847-21.2013.4.02.5101 – 4ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares – DJe 09.11.2016)

Comentário EditorialEntende-se pela perfeita sintonia deste julgado para com os próprios princípios cons-titucionais, sejam aqueles vinculados aos Direitos e Garantias Individuais, sejam os decorrentes do art. 37 do Texto Constitucional de 1988. Isto porque cabe ao Servidor da Aduana promover uma interpretação sistemática dos casos que lhes são apresentados, ao invés de se utilizar de uma hermenêutica restritiva e voltada à aplicação irresponsável de sanções. Por conta da natureza eminentemente regulatória do contencioso aduaneiro, entende--se por necessário perfazer sua análise sob o cunho processual e principiológico no que tange aos processos administrativo e judicial. Fruto de forte intervencionismo estatal, o processo administrativo sofreu fortes transformações em seu objeto, especificamente a partir da segunda metade do séc. XX no que tange à transição do ato administrativo em si para a órbita da processualidade.Discorrendo a respeito das dificuldades de se aplicar a processualidade jurisdicional ao processo administrativo, Medauar explica que: “Em primeiro lugar, a precedência histórica e a força da construção processual ligada à jurisdição também condicionaram o pensamento dos administrativistas, criando dificul-dade de visualização de um processo no âmbito da atividade administrativa.Em segundo lugar, a ideia, veiculada durante muito tempo, da atividade quase total-mente livre, revela-se incompatível com as atuações parametradas processualmente.Por outro lado, predominou por longo período a preocupação com o termo final da decisão, o ato administrativo, sem que a atenção se voltasse para os momentos que precedem o resultado final. Ligado a esse aspecto está o zelo doutrinário e jurispru-dencial com a garantia a posteriori dos direitos dos administrados, representados pelo controle jurisdicional. Além do mais, o Direito Administrativo permeou-se de concepções subjetivistas, do que fornece exemplo a conceituação do ato administrativo, como mani-festação de vontade da autoridade. Tais concepções dificultam a percepção do esquema processual na atividade administrativa.” (MEDAUAR, Odete. A processualidade no di-reito administrativo. 2. ed. São Paulo: 2008, p. 18)A partir da segunda metade do século XX, acompanhando uma tendência legislativa internacional, a processualística administrativa brasileira iniciou uma transição de forma a receber maior influência da judiciária. Por consequência, princípios constitucionais passaram a irradiar o ordenamento processual administrativo, posto que este se tornou o principal objeto de estudo desta área.Sendo assim, a doutrina e os tribunais passaram a enfrentar questões que se desenvol-vem até os dias atuais, especificamente na integração dos princípios de ambas as áreas processuais e, inclusive, quando se chocam com os direitos e garantias individuais dos cidadãos. Atualmente visualizam-se processos administrativos, judiciais e legislativos. Todavia, todos são dotados e um mesmo núcleo, qual seja: respeito aos princípios cons-titucionais fundamentais.Tecendo comentários acerca do conceito de princípios, importante contribuição dou-trinária se verifica na obra de Bonavides que, ao citar F. de Clemente, menciona que:

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“Princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares do Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo.” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 257-258)Aqueles desenvolvidos na órbita administrativa passaram a receber uma maior influência das garantias dos indivíduos em face aos atos da Administração. Não por acaso, princí-pios que recebiam status de força absoluta, a exemplo da supremacia do poder público em relação aos administrados e seus reflexos na força da legitimidade do ato administra-tivo perderam força se chocados para com princípios constitucionais fundamentais. Tal fato restou consagrado no direito brasileiro a partir da publicação do Texto Constitucional de 1988, o qual elevou o processo administrativo ao mesmo patamar que o judicial, preservadas as suas peculiaridades. A propósito, Jorge Miranda discorre no sentido de que: “O Direito Administrativo não compreende só as normas reguladoras da estrutura e da disciplina interna da administração e as da atuação dos elementos desta como sujeitos de direito no exercício dos seus podres e no cumprimento dos seus deveres legais para com os administrados; compreende também as normas de garantia dos direitos e inte-resses destes. Surgido tal como o Direito constitucional, como o constitucionalismo, nele perpassa a tensão entre os poderes de decisão e de execução dos órgãos administrativos e a necessidade de defesa dos direitos e dos interesses dos administrados. O princípio da legalidade da administração pressupõe o da constitucionalidade da lei.” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 8. ed. Coimbra, t. I, 2009. p. 23)O ato administrativo encerra uma relação jurídica onde se entrelaçam a Administração Pública e o Administrado. Sua essência deve estar acompanhada de alguns elementos, quais sejam, agente capaz, motivação, objeto. Faltando quaisquer deles o ato será ine-xistente. Para que seja válido, deverá reunir, além destes indicados, a boa-fé objetiva, finalidade, constitucionalidade e legalidade, motivação, tipicidade. A invalidade do ato decorre da ausência de algum deles. Neste sentido: “O ato deve conformar-se à CF e à lei, de modo que o ato inconstitucional e/ou ilegal é inválido. Como a Administração deve agir somente secundum constitucionem e se-cundum legem, só pode praticar atos típicos, isto é, aqueles que estejam previstos expressamente na lei, vedada a prática de atos atípicos, que não estejam autorizados prévia e expressamente na lei. O desvio de finalidade é causa de invalidação do ato administrativo. Caso seja praticado por forma da prescrita ou por forma defesa em lei, o ato é inválido. Ato administrativo sem fundamentação é nulo. O motivo que levou a Administração a praticar o ato deve existir e ser identificado... A Administração tem o dever de fundamentar os seus atos administrativos, seja em procedimento ou em processo administrativo, circunstância que caracteriza manifestação da incidência dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa, bem como da substantive due process clause administrativa.” (NERY JÚNIOR, Nelson. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 3. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 447)O ato administrativo tem que ser claro e sério. Motivado. Fundamentado. Correto e váli-do. Todos aqueles que destoam se viciam de modo a faltar-lhe ou a existência ou mesmo a validade, tornando-se nulos de pleno direito. E neste cenário encontram-se aqueles oriundos da relação aduaneira, cujo sistema, eminentemente regulatório, envolve uma série de atos praticados pelos Srs. Auditores Fiscais que devem, em absoluto, seguir o explanado neste tópico.

2627 – Demurrage – recinto alfandegado – despesas – inclusão – art. 18 da Lei nº 9.779/1999 – imposição por ato normativo infralegal – Portaria nº 121/2011 – impossibilidade

“Processual civil e tributário. Ofensa ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. Demurrage. Restrição não prevista em lei, imposta por ato normativo infralegal. Impossibilidade. Exege-se do art. 18 da Lei nº 9.779/1999. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento

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suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 2. Controverte-se a respeito da inclusão do débito relativo à demurrage na expressão ‘despesas decorrentes da permanência da mercadoria em recinto alfandegado’, inserida no art. 18 da Lei nº 9.779/1999. Prescreve a aludida norma: ‘O importador, antes de aplicada a pena de perdimento da mercadoria na hipótese a que se refere o inciso II do art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, poderá iniciar o respectivo despacho aduaneiro, mediante o cumprimento das formalidades exigidas e o pagamento dos tributos incidentes na importação, acrescidos dos juros e da multa de que trata o art. art. 61 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e das despesas decorrentes da permanência da mercadoria em recinto alfandegado’. 3. Ao regulamentar a execução da lei, a Alfândega da Receita Federal do Brasil no Porto de Paranaguá editou a Portaria nº 121/2011, incluindo no seu art. 1º que, além das despesas de armazenagem, tam-bém as de sobre-estadia (demurrage) teriam de ser pagas, para fim de início ou retomada do despacho de importação de mercadorias. 4. Demurrage é o termo que define tanto a demora para a realização da descarga da mercadoria submetida a transporte marítimo como, nos termos da Circular nº 2.393/1993, do Banco Central do Brasil, a ‘indenização convencionada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de carregar e descarregar as mercadorias no tempo pactuado’. 5. Trata-se de quantia devida ao armador ou ao proprietário do contê-iner, pelo excesso do período em que este ficou injustamente privado da utilização do seu bem, e, portanto, possui natureza de direito obrigacional entre sujeitos de Direito Privado (in casu, entre o importador e o proprietário do contêiner), desvinculada das despesas ordinárias de armazenagem no recinto alfandegário. 6. Consequentemente, além de o ato normativo extrapolar o texto da legislação ordinária, tem-se que não se mostra razoável a interpretação do art. 18 da Lei nº 9.779/1999, tendente a condicionar o início ou a retomada do despacho aduaneiro à comprovação de regularidade das obrigações de natureza privada relativas à sobreestadia dos contêineres em que a carga se encontra unitizada. 6. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1573871/PR – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 28.10.2016)

Transcrição EditorialLei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999:

“Art. 18. O importador, antes de aplicada a pena de perdimento da mercadoria na hi-

pótese a que se refere o inciso II do art. 23 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976, poderá iniciar o respectivo despacho aduaneiro, mediante o cumprimento das for-malidades exigidas e o pagamento dos tributos incidentes na importação, acrescidos dos

juros e da multa de que trata o art. 61 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e das despesas decorrentes da permanência da mercadoria em recinto alfandegado.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, considera-se ocorrido o fato gera-dor, e devidos os tributos incidentes na importação, na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegado.”

2628 – Desembaraço aduaneiro – veículo – condição de novo ou usado – fins de importação – definição

“Apelação cível. Tributário. Desembaraço aduaneiro de veículo. Definição da condição de novo ou usado para fins de importação. 1. Inicialmente, conheço do agravo retido porque expressamente requerida sua apreciação em razões de apelação. No entanto, prejudicada sua análise quando a matéria nele posta se confunde com o próprio mérito da apelação. 2. A importação de bens de consumo usados não é permitida, conforme o preceituado no art. 27 da Portaria Decex nº 008/1991, com redação dada pela Portaria MDIC nº 235/2006. 3. ‘Quando a importação não ocorre diretamente entre o fabricante e o importador, segundo a legislação norte-americana, o veículo deve ser registrado em nome da empresa exportadora

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– certificate of title for a vehicle [certificado de propriedade do veículo] – para que, então, se proceda ao embarque e remessa’ (AC 002797-94.2012.4.01.3400/DF, Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso). 4. Por ser ato de natureza declaratória, o certificado de propriedade não define tecnicamente a condição de novo ou usado do veículo. 5. A noção de novo e usado não é exclusiva ou preponderantemente jurídica, mas, sim, eminentemente fática, à míngua de lei expressa, aferindo-se o bem em si mesmo e o panorama de sua fabricação/circulação/aquisição. 6. Agravo retido prejudicado. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – AC 0056078-14.2012.4.01.3400 – 7ª T. – Relª Desª Fed. Ângela Catão – DJe 11.11.2016)

Comentário EditorialA questão envolvendo eventuais fraudes na importação de veículos usados como novos ganhou relevância no final de 2011 quando houve a operação denominada Black Ops da Polícia Federal.

Ocorre que o conceito de novo deve ser tomado emprestado da legislação estadual para incidência do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria – ICMS, que entende como novo o veículo até que seja vendido ao consumidor final. Nesse sentido, as normas dos Esta-dos de São Paulo, Minas Gerais e do Paraná dizem, em resumo, que é considerado novo o veículo ainda não vendido ao consumidor final.

No entanto, de forma equivocada, a Receita Federal interpreta como usado o veículo que possui certificate of title.

Referente ao certificate of title (Certificado de Title – Propriedade) que serviu de fun-damento para a lavratura de muitos autos de infração incluindo a discussão objeto do acórdão acima, cumpre esclarecer ainda que é adquirido quando a trading exportadora compra um veículo novo, e o mesmo é faturado pela Concessionária, uma vez que a política interna de alguns fabricantes não permitem a venda globalizada (exemplo Porsche, BMW, Mercedes Bens, Ferrari Chevrolet Maseratti), direta para exportação por proteger seus agentes autorizados em sua região. Chamamos isso de proteção de território de venda. Este documento mostra para a marca que este carro foi comprado por um comprador americano, em uma agência americana.

Importante informar que o title não é o nosso DUT.

“Isso porque a placa dos veículos nos EUA pertence ao proprietário, ou seja, o proprie-tário do veículo tem a sua placa para sempre (placa é do proprietário e não do carro).”

Sendo assim, não há dúvida que o veículo é novo mesmo tendo certificate of title.

Nossos tribunais já enfrentaram especificamente o tema e assim decidiram:

“Mesmo porque, quanto à titularidade de um veículo, embora o mesmo possa ser titulado, não quer dizer que o mesmo não seja zero km.” (Agravo de Instrumento nº 2008.01.00.065634-0/DF).

Portanto, conceito de veículo novo é a venda a destinatário final, não podendo desta forma, genérica e arbitrária, a autoridade aduaneira lavrar auto de infração somente em razão de o veículo ser titulado.

2629 – Desembaraço das mercadorias – Receita Federal – óbice – devolução dos contêineres – atraso – fato da administração – caracterização – responsabilidade civil – exclu-dência

“Agravo interno em recurso especial. Responsabilidade civil. Decisão monocrática que ne-gou provimento ao reclamo. Insurgência do autor. 1. O fato do príncipe, caracterizado como uma imposição de autoridade causadora de dano, de um lado, viabiliza a responsabilização do Estado; e, de outro, rompe do liame necessário entre o resultado danoso e a conduta dos particulares, configurando, em disputas privadas, nítida hipótese de força maior. Precedentes. O Tribunal de origem, soberano na análise do acervo fático-probatório, entendeu que a causa

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determinante dos prejuízos cobrados na demanda pelo atraso na devolução dos containeres se deve a ato de império da administração da Receita Federal por obstar, erroneamente, o desembaraço das mercadorias neles contidas, caracterizando o fato da administração, o qual equipara-se à força maior, causa excludente de responsabilidade civil. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Precedentes. 2. A aplicação da Súmula nº 7 do STJ impede o exame do dissídio, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acór-dão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1237376/RJ – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 08.09.2016)

2630 – Doença ocupacional – oficial de náutica – vibração de corpo – permanência de pé – levantamento e transporte intermitente de peso – nexo de concausalidade – de-monstração – responsabilidade civil do empregador – Lei nº 13.015/2014 – danos morais – caracterização

“Agravo de instrumento em recurso de revista em face de decisão publicada a partir da vigên-cia da Lei nº 13.015/2014. Responsabilidade civil do empregador. Danos morais causados ao empregado. Caracterização. Doença ocupacional. Nexo de concausalidade demonstrado. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz conse-quências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicial-mente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segun-do elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na ‘[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral’. Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efei-tos por ela gerados. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal de Regional revela que o autor, embora fosse portador de doença degenerativa (espondiloartrose), foi acometido de protusão-discal em L2-L3, deflagrada pelo quadro degenerativo e pelas atividades executadas perante a reclamada. Consignou, ainda, com supedâneo na manifestação da perita assistente, a existência de nexo causal em razão da presença habitual e intermitente de fatores contribu-tivos que agravaram e precipitaram a patologia e a incapacidade para o exercício da atividade de 2º Oficial de Náutica, tendo em vista a vibração de corpo inteiro durante todo o período de navegação, mesmo quando em repouso; a obrigatoriedade de permanência em postura de pé durante toda a jornada de trabalho, pois as normas não permitiam que o reclamante sentasse; levantamento e transporte intermitente de peso, agravado com a obrigação de subir e descer escadas em várias ocasiões, provocando constantes flexões e contraturas da coluna lombar. Logo, observa-se a omissão da reclamada ao não promover medidas de saúde e segurança do trabalho hábeis a garantir a incolumidade física do empregado, uma vez que integra o patrimônio imaterial do indivíduo o direito ao pleno bem-estar físico e mental. Evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser mantido o acórdão regional que condenou a reclamada a indenizá-lo. Agravo de instrumento

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a que se nega provimento. Danos morais. Valor da indenização. Impugnação genérica. A alegação genérica de que o valor arbitrado para a indenização por danos morais não atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não se coaduna com a natureza es-pecial do recurso de revista. É necessário que a parte indique, de modo fundamentado, em que pontos os critérios utilizados pela Corte Regional não foram aplicados ou mensurados corretamente e as razões pelas quais considera que o valor fixado não corresponde à exten-são do dano. Não observada essa exigência, mostra-se inviável a constatação de afronta ao art. 944, parágrafo único, do Código Civil. Precedentes desta Turma. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST – AIRR 190-07.2014.5.08.0007 – 7ª T. – Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão – DJe 11.05.2016)

2631 – Drawback – modalidade suspensão – identidade física – ausência – desnecessidade – equivalência

“Constitucional e tributário. Drawback. Modalidade suspensão. Ausência de identidade física. Desnecessidade. Equivalência 1. Quanto ao agravo retido, cumpre lembrar que o juiz é o des-tinatário das provas e, com base no princípio do livre convencimento motivado, previsto nos arts. 370 e 371 do CPC/2015, cabe a ele decidir quais provas são necessárias ao julgamento da lide (fl. 925). A prova pericial, no presente caso, é prescindível, uma vez que, no mérito, a questão é de direito. Razão pela qual rejeito o agravo retido interposto. 2. O fim do drawback é incentivar a exportação, concedido justamente para colocar a indústria nacional em condi-ções de concorrer com as estrangeiras. 3. O drawback é um sistema tributário que se dá nas importações para criar direitos à compensação, sujeitas a reversão ou restituição dos impostos pagos pela matéria-prima, transformada em produtos que se destinem à exportação. Possui a finalidade de incentivar, criando condições competitivas, desonerando o exportador nacional dos encargos financeiros. 4. Os insumos importados com suspensão podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. 5. O chamado princípio da ‘vincula-ção física’ foi a principal ferramenta da Receita Federal do Brasil para autuar os beneficiários do drawback. O art. 389 do RA foi indevidamente interpretado pela Receita Federal do Brasil de forma a exigir que os materiais importados vinculados a um ato concessório de drawback sejam exatamente os mesmos consumidos em produtos exportados vinculados ao mesmo ato concessório. 6. Com a publicação da Medida Provisória nº 497, o art. 8º alterou o disposto no art. 17 da Lei nº 11.774/3008, permitindo a fungibilidade necessária às operações. 7. Verba honorária fixada nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/1973. 8. Agravo retido não provido. Apelação da autora provida.” (TRF 3ª R. – AC 0007901-47.2011.4.03.6100 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 02.09.2016)

Transcrição Editorial• Código de Processo Civil de 2015:

“Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convenci-mento.”

• Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009:

“Art. 389. As mercadorias admitidas no regime, na modalidade de suspensão, deverão ser integralmente utilizadas no processo produtivo ou na embalagem, acondicionamento ou apresentação das mercadorias a serem exportadas.

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Parágrafo único. O excedente de mercadorias produzidas ao amparo do regime, em re-lação ao compromisso de exportação estabelecido no respectivo ato concessório, poderá ser consumido no mercado interno somente após o pagamento dos tributos suspensos dos correspondentes insumos ou produtos importados, com os acréscimos legais devi-dos.”• Lei nº 11.774, de 17 de setembro de 2008:“Art. 17. Para efeitos de adimplemento do compromisso de exportação nos regimes aduaneiros suspensivos, destinados à industrialização para exportação, os produtos im-portados ou adquiridos no mercado interno com suspensão do pagamento dos tributos incidentes podem ser substituídos por outros produtos, nacionais ou importados, da mesma espécie, qualidade e quantidade, importados ou adquiridos no mercado interno sem suspensão do pagamento dos tributos incidentes, nos termos, limites e condições estabelecidos pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)§ 1º O disposto no caput aplica-se também ao regime aduaneiro de isenção e alíquota zero, nos termos, limites e condições estabelecidos pelo Poder Executivo. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.350, de 2010)§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Secretaria de Comércio Exterior disciplinarão em ato conjunto o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.350, de 2010)”

2632 – Drawback-suspensão – produtos importados – utilização nos contêineres – transpor-te de frutas para exportação – agregação de valor – inexistência – benefício fiscal – descaracterização

“Processual civil e tributário. Violação ao art. 535 do CPC. Inexistência. Necessidade de prova pericial. Súmula nº 7/STJ. Drawback-suspensão. Produtos importados (cantoneiras plásticas, filtros de etileno e termógrafos elétricos) utilizados nos contêineres, para fins de transporte de frutas a serem exportadas. Inexistência de agregação de valor. Descabimento do benefício fiscal. 1. Trata-se de discussão sobre direito ao regime aduaneiro especial de drawback-sus-pensão, com a cessação da exigibilidade do Imposto de Importação, IPI e ICMS na aquisição no exterior de cantoneiras de plástico rígido, filtros de etileno e termógrafos elétricos, a ser convertido em isenção uma vez comprovada a exportação dos produtos (mangas e uvas). 2. Inexistência de violação ao art. 535 do CPC, pois as alegações da parte recorrente sobre a necessidade de produção de prova pericial foram explicitamente enfrentadas pelo acórdão recorrido. 3. O argumento de infringência aos arts. 130 e 145 do CPC não demanda exegese das citadas normas, mas revaloração das provas trazidas aos autos, pois somente tal ativi-dade cognitiva viabilizaria conclusão quanto ao acerto ou desacerto do decisum proferido nas instâncias de origem (isto é, de rejeição da designação de perícia), motivo pelo qual incide a vedação da Súmula nº 7/STJ. 4. Não bastasse isso, a premissa sobre a qual a recor-rente constrói seu raciocínio é de que o Tribunal a quo restringiu indevidamente o conceito do termo ‘acondicionamento’, previsto no art. 78, II, do DL 37/1966, o que evidencia que, efetivamente, a questão a ser dirimida é de natureza jurídica, constituindo a perícia, nesse contexto, expediente protelatório e inútil para a composição da lide. 5. Segundo o art. 78, II, do Decreto-Lei nº 37/1966, ‘Poderá ser concedida, nos termos e condições estabelecidas no regulamento: [...] II – suspensão do pagamento dos tributos sobre a importação de merca-doria a ser exportada após beneficiamento, ou destinada à fabricação, complementação ou acondicionamento de outra a ser exportada’. 6. O regulamento acrescentava a exigência da comprovação de agregação de valor ao produto final (art. 336, IV, do Regulamento Aduanei-ro vigente ao tempo dos fatos, aprovado pelo Decreto nº 4.543/2002). 7. No que interessa à lide, a concessão do drawback pressupõe, cumulativamente, que: a) a mercadoria importada seja destinada ao acondicionamento do produto exportado ou a exportar; e b) haja compro-vadamente agregação de valor ao produto final. 8. O primeiro requisito constitui repetição

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dos termos previstos em lei, ao passo que o segundo constitui mero desdobramento lógico da finalidade do drawback, que é de incentivo à exportação de mercadorias produzidas, integral ou parcialmente, na indústria nacional. 9. A suspensão dos tributos é relacionada não apenas à importação de mercadoria utilizada no beneficiamento do produto a ser exportado, como também à mercadoria utilizada para efeito de acondicionamento, jamais tendo o legislador incluído em sua previsão as mercadorias destinadas ao transporte, pela simples razão de que a segurança vinculada ao transporte diz respeito à preservação de valor do bem a ser exportado, ou seja, ao impedimento de que haja diminuição parcial ou integral de sua expressão econô-mica, situação evidentemente inconfundível com a agregação de valor. 10. O acórdão recor-rido considerou, para afastar o direito ao benefício, que os produtos importados (cantoneiras de plástico rígido, filtros de etileno e termógrafos elétricos): a) não se destinam à embalagem ou ao acondicionamento, mas apenas a conferir maior segurança ao transporte das frutas a serem exportadas; b) prova disso é que os referidos equipamentos são utilizados externamente aos produtos, nos contêineres (pois as frutas ‘já estão devidamente acondicionadas em caixas ou caixotes e envoltas por folhas de papel alveolado’); e c) não agregam valor à mercadoria, apenas evitam a deterioração/perda de valor da mercadoria a ser exportada. 11. Consequen-temente, inexistindo beneficiamento/agregação de valor à mercadoria a ser exportada, fica descaracterizada a concessão do benefício fiscal pleiteado. 12. Recurso Especial parcialmen-te conhecido e, nessa extensão, não provido.” (STJ – REsp 1404148/PE – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – Rel. p/ Ac. Min. Herman Benjamin – DJe 13.09.2016)

2633 – Embarcação – proprietário – multa – Ibama – auto de infração ambiental – responsa-bilidade

“Administrativo. Ibama. Auto de infração ambiental. Responsabilidade. Embarcação. Proprie-tário. Multa. 1. Hipótese em que mantida a sentença que entendeu pela regularidade do processo administrativo e do auto de infração, porquanto restou demonstrada a responsa-bilidade civil do réu, na qualidade de proprietário e armador da embarcação ‘ pelo dano ambiental, reduzindo o valor da multa aplicada na esfera administrativa 2. Cabe ressaltar que a responsabilidade pela reparação do dano atinge todos os agentes causadores do evento danoso e é solidária, em face do disposto no art. 942 do Código Civil, independentemente da análise da subjetividade dos ofensores. O armador/proprietário da embarcação, mesmo que não pratique diretamente o dano, tem o dever de zelar pela preservação do meio ambiente, e, neste contexto, considerando que o empreendedor é o principal beneficiado economica-mente com a atividade lesiva, deve suportar os custos da recuperação/reparação ambiental.” (TRF 4ª R. – AC 5002844-37.2011.404.7101 – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 28.09.2016)

Transcrição EditorialCódigo Civil:“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos res-ponderão solidariamente pela reparação.Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932.”

2634 – Embarcações – turismo – observação de baleias – fiscalização – atividade antrópica – estudos de impacto ambiental e licenciamento ambiental – exigência

“Direito ambiental. Ação civil pública. ICMBio. Instituto Sea Shepherd Brasil – ISSB (Instituto Guardiães do Mar). APA Baleia Franca. Atividade turística de observação de baleias francas com o uso de embarcações. Fiscalização. Estudos de impacto ambiental e licenciamento

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ambiental. 1. Ação Civil Pública objetivando a proteção da espécie Eubalaena Australis, po-pularmente conhecida como Baleia Franca, nos limites da APA da Baleia Franca, administra-da pelo ICMBio, nos Municípios catarinenses de Garopaba, Imbituba e Laguna, em face da exploração da atividade de turismo de observação com o uso de embarcações. 2. Hipótese em que comprovados nos autos os malefícios da atividade turística de observação das baleias francas, assim como a falta de proteção ambiental da espécie, em razão da ausência de plano de manejo e de condições da Autarquia exercer a fiscalização adequada. 3. Determinação de suspensão imediata da atividade de turismo de observação de baleias com embarcação, com ou sem motor, na região da APA Baleia Franca, bem como a realização de estudos de im-pacto ambiental, implementação de medidas de controle de riscos, identificação da atividade antrópica e exigência do licenciamento da atividade, mantida apenas a atividade de observa-ção de baleias por terra, a qual se dá de forma sustentável.” (TRF 4ª R. – Ap-Reex 5002236-48.2012.404.7216 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 01.09.2016)

2635 – Fiscalização alfandegária – agente marítimo – informações prestadas a destempo – multa – legalidade – Súmula nº 192/TFR – invocação – inaplicabilidade – obrigação acessória autônoma – denúncia espontânea – descabimento

“Direito tributário e processual civil. Agravo interno. Art. 1.021 do Código de Processo Ci-vil/2015. Ação anulatória de auto de infração. Fiscalização alfandegária. Agente marítimo. Informações prestadas a destempo. Art. 37, § 1º, do Decreto-Lei nº 37/1966, na redação dada pela Lei nº 10.833/2003 c/c Instrução Normativa SRF nº 800/2007. Multa. Art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/1966. Legalidade. Invocação da Súmula nº 192/TFR. Inaplicabilidade à espécie. Obrigação acessória autônoma. Denúncia espontânea. Descabimento. Recurso des-provido. 1. Prevê expressamente o art. 37, § 1º, do Decreto-Lei nº 37/1966, na redação dada pela Lei nº 10.833/2003, o dever do agente marítimo de prestar informações acerca da carga transportada; trata-se de obrigação acessória ou dever instrumental previsto no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, nos termos do art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, cujo descumprimento é apenado com a imposição de multa (art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/1966). 2. A Súmula nº 192/TFR foi editada em razão da controvérsia então existente (diversa da presente) acerca da responsabilidade tributária do agente marítimo por crédito tributário de Imposto de Importação (II) (obrigação principal), cuja discussão hoje encontra-se pacificada inclusive em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.129.430/SP, Rel. Luiz Fux, 1ª S., J. 24.11.2010, DJ 14.12.2010). 3. O presente feito trata de descumprimento de obrigação acessória autônoma, prevista no art. 37, § 1º, do Decreto-Lei nº 37/1966, na redação dada pela Lei nº 10.833/2003, à vista da retificação do Conhecimento Eletrônico – Mercante (CE) Agregado nº 131.205.214.845.388 fora do prazo previsto nos arts. 22 e 50 da Instrução Normativa RFB nº 800/2007. 4. Improcede a aplicação do instituto da denúncia espontânea. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firme no sen-tido de que a denúncia espontânea prevista no art. 138 do Código Tributário Nacional não aproveita as obrigações acessórias autônomas, como na espécie. 5. Recurso desprovido.” (TRF 3ª R. – AC 0021732-94.2013.4.03.6100 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 07.11.2016)

Transcrição Editorial• Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966:

“Art. 37. O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

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§ 1º O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do impor-tador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

[...]

Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

[...]

IV – de R$ 5.000,00 (cinco mil reais): (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

[...]

e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Recei-ta Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e”

• Código Tributário Nacional:

“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

[...]

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as presta-ções, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscaliza-ção dos tributos.”

• Súmula do Tribunal Federal de Recursos:

“192 – O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não e considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do Decreto-Lei nº 37, de 1966.”

2636 – ICMS – desembaraço aduaneiro – alimentos in natura congelados e embalados – isenção tributária – GATT – provimento

“Tributário. ICMS. Desembaraço aduaneiro. Importação de diversos alimentos in natura congelados e embalados. Isenção tributária. General Agreement on Tariffs and Trade – Gatt. 1. Há muito é pacífico o entendimento segundo o qual se deve reconhecer a isenção de ICMS às mercadorias importadas de países signatários do General Agreement on Tariffs and Trade – Gatt quando houver instituição de isenção tributária em favor de similares nacionais. Enten-dimento das Súmulas nºs 575 do STF e 20 do STJ. 2. O processo físico de ‘branqueamento’ necessário ao congelamento, o congelamento físico em si e a embalagem de alimentos in natura não retiram essa qualidade do alimento e não é suficiente para caracterizar um proces-so de industrialização, pois não alteram a natureza nem a apresentação do produto, mas tão somente permitem maior longevidade das qualidades próprias dos alimentos para fins de sua comercialização. 3. Hipótese em que, por ocasião do desembaraço aduaneiro dos alimentos in natura, congelados e embalados na França para que sejam exportados ao Brasil, não se deve exigir o recolhimento de ICMS, na hipótese de haver isenção tributária quanto a seus similares nacionais. 4. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial.” (STJ – AREsp 851.817/SP – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 20.10.2016)

Transcrição Editorial• Súmula do Supremo Tribunal Federal:

“575 – À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da Alalc, esten-de-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a similar nacional.”

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• Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

“20 – A mercadoria importada de pais signatário do Gatt e isenta do ICM, quando con-templado com esse favor o similar nacional.”

Comentário EditorialEm relação ao julgado supra, chega a ser até mesmo pueril debater pela incidência do ICMS no caso em exame. Há um Tratado, decorrente do Direito das Gentes, celebrado dentro do procedimento adequado, conhecido como Gatt, vinculado à OMC, em plena vigência no ordenamento jurídico nacional. A questão é simples. A propósito, vale des-tacar que no Brasil a competência para introduzir uma norma internacional no ordena-mento jurídico pátrio depende da conjugação da vontade das duas casas do Congresso Nacional, a Câmara e o Senado, aliada à atuação do Poder Executivo, dentro de suas respectivas competências.

Nessa perspectiva, há de se identificar qual a força normativa dessas normas interna-cionais a partir do instante que adquirem força executória no ordenamento interno. Não há dispositivos constitucionais brasileiros para assegurar uma posição concreta, salvo aqueles vinculados a matérias de Direitos humanos nos termos do art. 5º, § 3º, tema do próximo capítulo.

Dependendo da matéria em discussão (especialmente aquelas vinculadas aos direitos humanos), observam-se correntes defendendo a incorporação automática de certas nor-mas, conferindo-lhes ainda, um status constitucional. Para os Tratados com os demais conteúdos, segue-se o trâmite normal, recebendo status de Lei ordinária.

Outra corrente preserva a necessidade da conjugação de ambas as casas do Congresso com o Executivo, porém, confere um status supralegal às normas internacionais. Em relação à hierarquia, uma lei ordinária não poderá revogar um Tratado já incorporado. Já a recíproca não é a mesma, por conta do caráter especial da normativa internacional.

Firmado o compromisso internacional, não pode o Estado lhe conferir um status de lei ordinária, posto que as normas internacionais estão abaixo da Constituição, no entanto, acima do ordenamento jurídico infraconstitucional.

Na prática, verifica-se que as regras constantes em um Tratado devidamente aprovado e ratificado substituem a lei interna; dentro do mesmo critério, uma lei posterior não pode substituir um Tratado que foi aprovado pelo Legislativo e ratificado pelo Executivo (Accioly, 1998, p. 62).

Compartilham desta ideia os doutrinadores monistas, defensores da primazia da norma internacional sobre a nacional, a exemplo de Mello (1992, 2004) e Accioly (1998). Em relação ao conflito entre o Tratado e a Constituição Federal, há de se proceder a uma adequação da norma constitucional ao texto internacional, restando, clarividente, a primazia da norma internacional sobre a nacional.

Por fim, encontram-se os defensores da teoria da paridade das normas (atual entendi-mento majoritário no STF), ou seja, os Tratados, independentemente da matéria, serão incorporados com o status de lei ordinária, salvo, como dito anteriormente, nos casos do art. 5º, § 3º da CF/1988. São os dualistas moderados. Uma lei ordinária posterior poderá, inclusive, revogar uma norma internacional anterior com ela incompatível.

Atualmente, é a corrente majoritária adotada no plano do STF desde 1977 exigindo-se a necessidade da conjugação de ambos os poderes, Executivo e Legislativo, para fins de aprovação e incorporação de uma norma internacional, independentemente da matéria em questão.

Uma vez incorporadas, terão o caráter de norma ordinária. No entanto, com a vigência da Emenda Constitucional nº 45 (Brasil, 2004b), por meio de um procedimento formal específico, semelhante ao do Poder Constituinte Derivado previsto no art. 60, a hierar-quia poderá ser constitucional, no caso dos Tratados versando sobre Direitos humanos.

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2637 – Imposto de Importação – base de cálculo – valor aduaneiro – despesas de capatazia – inclusão – impossibilidade – art. 4º, § 3º, da IN SRF 327/2003 – ilegalidade

“Tributário. Agravo interno no recurso especial. Imposto de Importação. Base de cálculo. Valor aduaneiro. Despesas de capatazia. Inclusão. Impossibilidade. Art. 4º, § 3º, da IN SRF 327/2003. Ilegalidade. 1. O Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto nº 6.759/2009, ao mencionar os gastos a serem computados no valor aduaneiro, referem-se a despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado. A Instrução Normativa nº 327/2003, por seu turno, refere-se a valores relativos à descarga das mercado-rias importadas, já no território nacional. 2. A Instrução Normativa nº 327/2003, da SRF, ao permitir, em seu art. 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no terri-tório nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto nº 6.759/2009, tendo em vista que a realização de tais procedimen-tos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado. Precedentes: AgRg-REsp 1.434.650/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 30.06.2015; REsp 1.239.625/SC, Rel. Min. Benedito Gonçal-ves, 1ª T., DJe 04.11.2014. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1566410/SC – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 27.10.2016)

Comentário EditorialPrimeiramente cumpre destacar que já temos posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça – STJ declarando a ilegalidade da IN 327/2003, no que previu a inclusão das despesas com descarga da mercadoria, já no território nacional, no conceito de valor aduaneiro, para fins de incidência do Imposto de Importação.

Isso porque, nos termos do art. 40, § 1º, inciso I, da atual Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), o trabalho portuário de capatazia é definido como atividade de mo-vimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebi-mento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência adu-aneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário.

O Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto nº 6.759/2009, ao mencionar os gastos a serem computados no valor aduaneiro, referem-se a despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado. A Instrução Normativa nº 327/2003, por seu turno, refere-se a valores relativos à descarga das mercadorias importadas, já no território nacional.

A Instrução Normativa nº 327/03 da SRF, ao permitir, em seu art. 4º, § 3º, que se com-putem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto nº 6.759/2009, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimen-tação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado.

Portanto, de rigor não só a busca da tutela jurisdicional para exclusão da capatazia da base de cálculo do imposto de importação bem como a restituição dos valores reco-lhidos nos últimos 5 anos.

2638 – Imposto de Importação – suspensão – reporto – equipamento – reach stacker – simi-lar nacional – inexistência

“Processual civil. Direito tributário. Suspensão de Imposto de Importação. Reporto. Equipa-mento denominado reach stacker. Similar nacional. Inexistência. Prazo de entrega ligeiramen-te superior. Reconhecimento posterior pela Secex. Honorários de advogado. Verba equitativa. Remessa oficial e apelação desprovidas. I – A suspensão do Imposto de Importação no Regime

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Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – Reporto depende de que o equipamento industrial trazido do exterior não tenha similar nacional nos seguintes aspectos: qualidade, preço e prazo de entrega (art. 14, § 4º, da Lei nº 11.033/2004 e art. 190 do Decreto nº 4.543/2002). II – O desacordo em qualquer um dos itens impossibilita a formação de similaridade, autorizando a suspensão da Tarifa Externa Comum extraída da clas-sificação fiscal do produto na Nomenclatura Comum do Mercosul. III – Transbrasa – Transitá-ria Brasileira Ltda. necessitava, no segundo semestre de 2007, de guindaste autopropelido so-bre pneumáticos com lança telescópica para operar recinto alfandegado de zona primária no Porto de Santos. Após obter proposta comercial de empresa situada na Suécia, fez consultas no fornecedor local – Milan Indústria e Comércio de Máquinas Ltda. IV – Independentemente da qualidade técnica e dos preços sugeridos, a comparação indicou que o prazo de entrega da empilhadeira no mercado doméstico (140 dias) era bem superior ao da operação de comércio exterior (30 dias). V – A diferença significativa inviabilizava a constatação de similaridade e justificava a desoneração da importação, para aperfeiçoamento do serviço portuário do país (art. 14, § 4º, da Lei nº 11.033/2004). VI – A posterior edição da Portaria nº 01/2009 confirma a influência da transação externa no aprimoramento da estrutura dos portos. VII – A Secretaria de Comércio Exterior – Secex liberou, através do ato administrativo, a licença de importação de guindastes autopropelidos sobre pneumáticos com lança telescópica (classificação fiscal 8426.41.90 da NCM), adotando a fundamentação de que a indústria nacional ainda é incapaz de atender a demanda cronológica do setor portuário. VIII – Embora a portaria limite as auto-rizações ao período de seis meses a partir da publicação – janeiro a julho de 2009 –, a Secex reconhece que até o momento da edição os fornecedores não tinham condições de disponi-bilizar em tempo competitivo o equipamento industrial denominado reach stacker. IX – Ma-nutenção do capítulo remanescente da sentença. Honorários de advogado de 10% do valor da causa. Aplicação dos critérios previstos no CPC de 1973. X – Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – Ap-Reex 1692027 – 0013421-15.2007.4.03.6104 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 20.10.2016)

Transcrição Editorial• Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004:

“Art. 14. Serão efetuadas com suspensão do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, da Contribuição para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da Se-guridade Social – Cofins e, quando for o caso, do Imposto de Importação – II, as vendas e as importações de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens, no mercado interno, quando adquiridos ou importados diretamente pelos beneficiários do Reporto e destinados ao seu ativo imobilizado para utilização exclusiva na execução de serviços de: (Redação dada pela Lei nº 12.715, de 2012)

[...]

§ 4º A suspensão do Imposto de Importação somente será aplicada a máquinas, equi-pamentos e outros bens que não possuam similar nacional.”

• Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002:

“Art. 190. Considera-se similar ao estrangeiro o produto nacional em condições de substituir o importado, observadas as seguintes normas básicas (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 18 ):

I – qualidade equivalente e especificações adequadas ao fim a que se destine;

II – preço não superior ao custo de importação, em moeda nacional, da mercadoria es-trangeira, calculado o custo com base no preço CIF, acrescido dos tributos que incidem sobre a importação e de outros encargos de efeito equivalente; e

III – prazo de entrega normal ou corrente para o mesmo tipo de mercadoria.

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Parágrafo único. Não será aplicável o conceito de similaridade conforme o disposto no caput, quando importar em fracionamento da peça ou máquina, com prejuízo da garan-tia de seu bom funcionamento ou com retardamento substancial no prazo de entrega ou montagem (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 18, § 3º).”

2639 – Imposto sobre a importação – agente marítimo – mercadoria a granel – perda infe-rior a 5% – responsabilidade tributária – ausência

“Tributário. Sentença proferida antes da Lei nº 10.352/2001. Remessa oficial obrigatória. Re-tratação. Imposto sobre a importação. Agente marítimo. Descarga efetuada antes do Decre-to-Lei nº 2.472/1988. Ausência de responsabilidade tributária. Mercadoria a granel. Perda inferior a 5%. Correção monetária e juros moratórios. Resolução CJF nº 267/20013. 1. No REsp 1.144.079/SP, submetido ao regime do recurso repetitivo de controvérsia, o E. Superior Tribunal de Justiça entendeu ser cabível a incidência do duplo grau de jurisdição obrigató-rio ‘quando a resolução do processo cognitivo for anterior à reforma engendrada pela Lei nº 10.352/2001, porquanto, à época, não havia a imposição do mencionado valor de alçada a limitar o cabimento da remessa oficial’. Retratação nos termos do art. 1.040, II, do CPC/2015. 2. Como a autora exerce as atividades de agente marítimo e o descarregamento das mer-cadorias foi realizado antes da vigência do Decreto-Lei nº 2.472/1988, conclui-se que não há responsabilidade pelo pagamento do imposto sobre a importação, porquanto inexistente previsão legal. Precedentes. 3. A quantia perdida representa menos de 5% daquela declarada, de modo que se mostra incabível a imposição do imposto sobre a importação. Precedentes. 4. Quanto à incidência de juros de mora, aplica-se a Súmula nº 188/STJ, sendo devidos a partir do trânsito em julgado da sentença. 5. A correção monetária deve incidir desde o pa-gamento indevido até a efetiva restituição (Súmula nº 162/STJ), observando-se o Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução CJF nº 267/2013. 6. A partir de 01.01.1996, com a vigência da Lei nº 9.250/1995, o único índice a ser utilizado é a Selic, que não pode ser cumulada com qualquer outro, seja de atuali-zação monetária, seja de juros. 7. Remessa oficial parcialmente provida.” (TRF 3ª R. – REO 0554385-45.1983.4.03.6100 – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 07.11.2016)

Transcrição EditorialSúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“188 – Os juros moratórios, na repetição do indébito, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.”

2640 – IPI – aeronave – leasing operacional – admissão temporária – fato gerador – desem-baraço aduaneiro – base de cálculo – incidência proporcional

“Processual civil. Tributário. Recurso especial. Código de Processo Civil de 1973. Aplicabi-lidade. Alegação de ofensa ao art. 535 do CPC. Omissão. Ausência de vício. Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Arrendamento de aeronave (leasing operacional). Regime de admissão temporária. Fato gerador. Desembaraço aduaneiro. Art. 46, I, do CTN. Incidência sobre base de cálculo proporcional. Art. 79 da Lei nº 9.730/1996. Natureza infraconstitucio-nal da matéria reconhecida pelo próprio STF. Guia de depósito. Verificação na via especial. Impossibilidade. Necessidade de dilação probatória. Ressalva das vias ordinárias. I – Con-soante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à

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hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. III – Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal assentaram o entendimento segundo o qual a matéria discutida no presente caso ostenta índole infraconstitucional. IV – O fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI é o desembaraço aduaneiro, a teor do disposto no art. 46, I, do CTN, sendo irrelevante se o bem é adquirido a título de compra e venda ou arrendamento, in-cidindo o tributo sobre base de cálculo proporcional nos casos de ingresso do bem em caráter temporário no território nacional, nos termos do art. 79 da Lei nº 9.430/1996. Precedentes. V – A eventual pertinência do depósito cuja guia acaba de ser carreada a estes autos de-penderia de percuciente verificação: i) da correspondência entre o montante depositado e o preenchimento dos demais requisitos legais para a finalidade pretendida pela empresa Recor-rida; e ii) da existência, ou não, de débitos não alcançados pelo depósito. Tais providências, contudo, ostentam evidente incompatibilidade com a via especial, por demandar dilação pro-batória, ressalvando-se, à parte, todavia, as vias ordinárias. VI – Recurso Especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1543065/MG – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 08.11.2016)

Transcrição Editorial• Código Tributário Nacional:

“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;

II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51;

III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a fina-lidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”

• Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996:

“Art. 79. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica, ficam sujeitos ao pagamento dos impostos incidentes na importação proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional, nos termos e condições estabelecidos em regulamento.

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá excepcionar, em caráter temporário, a apli-cação do disposto neste artigo em relação a determinados bens. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.189-49, de 2001)”

2641 – Licitação – produção de prova pericial – necessidade – dano ao Erário – agravo – provimento

“Improbidade administrativa. Licitação. Necessidade da produção de prova pericial. Dano ao Erário. Agravo provido. Histórico da demanda. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbida-de Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra Cássio Rogério Rebelo, em que sustenta que o réu, na qualidade de Diretor Técnico Superintendente do Porto de Itajaí e na condição de responsável técnico do Procedimento Licitatório nº 037/2000, frustrou a lici-tude do certame, ferindo seu caráter competitivo, diante do direcionamento da licitação em benefício da empresa vencedora, ofendendo princípios da Administração Pública. 2. O Juiz de 1º Grau assim consignou na sentença: ‘Por não reputar necessária a produção de prova pe-ricial, nos moldes requeridos pelo MPF, mantenho a decisão agravada (fls. 301/303), por seus próprios fundamentos’. ‘De outro giro, restou inconteste a existência de prévio relacionamen-to entre a empresa vencedora da licitação e o réu, o que também foi considerado na sentença proferida nos autos 2003.72.08.005161-0, veja-se:’ ‘Assim, não se pode olvidar que o relacio-namento mantido entre o Diretor Técnico do Porto de Itajaí, ora réu, com a empresa vence-

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dora do certame (Copabo Infraestrutura Marítima Ltda.), anteriormente à publicação do edital de licitação, feriu os princípios constitucionais da impessoalidade e da igualdade, previstos no art. 37, caput e inciso XXI da CF/1988, caracterizando ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, I da Lei nº 8.429/1992’. ‘O ato praticado pelo réu não causou dano ao patrimônio público’ (fls. 399 e 411, grifo acrescentado). Produção da prova pericial e dano ao Erário. 3. O pedido do Parquet Federal para a produção da prova pericial visava demonstrar a existência de dano na licitação irregular. 4. Ora, se a perícia buscava apurar eventuais danos ao patrimônio público pelo direcionamento da licitação, e, ao final, levar a condenação do réu a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo Erário, não poderia o Magistrado dispensar tal prova técnica e, por ausência de prova, afirmar a inexistência de dano. Influência no processo licitatório. 5. O Tribunal a quo assim consignou na sua decisão: ‘Também foram considerados os fatos destacados pelo TCU: Entretanto, muito mais grave do que os fatos acima elencados, foram os fatos descritos na instrução de fl. 175, e não rebatidos por nenhum dos responsáveis (embora estivessem de posse de cópia da instrução, conforme pedidos de cópia de fls. 199 e 263 e conhecessem o teor do Relatório que fundamentou a Decisão nº 1089/2001-TCU--Plenário, especialmente seu item 36), e que comprovam a influência da empresa Copabo na instauração da licitação, na confecção do edital e no resultado da licitação. Às fls. 3/6 do Volume I, consta um fax, enviado pelo Sr. Marcos Borin, Diretor Comercial da Copabo, de dentro do Congresso Nacional, no dia 12.09.2000, cujo destinatário foi o Sr. Cássio Rogério Rebello, Diretor Técnico do Porto de Itajaí, e cujo conteúdo foi nada menos que o contrato as-sinado entre a Copabo e a Codern para Instalação de Defensas no Porto de Recife/PE, no valor de R$ 6.498.000,00. Exatamente no mesmo dia, 12.09.2000, o Diretor Técnico do Porto, Sr. Cássio Rogério Rebello, solicitou ao Superintendente do Porto a “deflagração de processo li-citatório para aquisição e instalação de 63 (sessenta e três) Sistemas de Defensas de Borracha, tipo deformável, MV 1000x1000 [...]” (Volume 1, fl. 7). No mesmo documento, estima, sem qualquer base, uma verba de R$ 3.500.000,00 para a obra. Nota-se, aqui, que há fortíssimos indícios de que o modelo MV 1000x1000 fez parte do contato entre o Sr. Marcos Borin e o Sr. Cássio Rogério Rebello. Comprova-se, ainda, que o Porto desejava adquirir especificamente esse modelo, embora, posteriormente, tenha retirado o seu nome do edital. Dois dias depois o processo foi deflagrado (Volume 1, fl. 8), 1 mês depois o Edital foi lançado exigindo as características do elemento MV 1000x1000, conforme já discutido acima, embora sem citar o nome, e 2 meses depois do referido fax, o Porto de Itajaí efetivamente adquiriu 63 defensas compostas por elementos de borracha MV 1000x1000A, por praticamente R$ 3.500.000,00 e da empresa Copabo. Ante o descrito nos itens acima, fica claro que a empresa Copabo influiu no processo licitatório. Dessa maneira, perfeitamente comprovados os fatos considerados como atos de improbidade administrativa que violam princípios da Administração Pública’ (fls. 761-762, grifo acrescentado). 6. Agravo Regimental provido.” (STJ – AgRg-REsp 1450659/SC – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 08.11.2016)

2642 – Marinheiro regional – enquadramento sindical – transporte de travessia ou longitu-dinal – irrelevância – convenção – inaplicabilidade

“Da inaplicabilidade da convenção coletiva firmada entre o Sincomam/PA e o Sidarpa. Com-provado que o reclamante executava tarefas diretamente ligadas à função de marinheiro re-gional, não há como afastar a aplicação dos Instrumentos Normativos juntados aos autos pelo autor, firmados entre o Sincomam/PA (Sindicato dos Contramestres, Marinheiros e moços em Transporte Marítimo e Fluvial no Estado do Pará) e o Sidarpa (Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial e Agências de Navegação no Estado do Pará), que são específicos para os trabalhadores que atuam na parte de navegação, sendo irrelevante para fins de enqua-

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dramento sindical, se o transporte é de travessia ou longitudinal, salvo no caso de compro-vada e regular dissociação, o que não se constatou in casu. Apelo improvido.” (TRT 8ª R. – RO 0000405-83.2015.5.08.0124 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Pastora do Socorro Teixeira Leal – DJe 16.08.2016)

2643 – Marítimo – agentes nocivos – conversão de tempo de serviço comum em especial – fator 0,71 – impossibilidade – critérios de atualização

“Previdenciário e processual civil. Inépcia da inicial. Coisa julgada. Falta de interesse de agir. Sentença ultra petita. Atividade especial. Marítimo embarcado. Marítimo não embarcado. Agentes nocivos. Conversão de tempo de serviço comum em especial. Fator 0,71. Impossibili-dade. Transformação de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. Juros e correção monetária. Lei nº 11.960/2009. Critérios de atualização. Diferimento para a fase própria (execução). Cumprimento imediato do acórdão. 1. A inépcia da inicial não foi acolhida porque não verificada a ambiguidade relativa à narrativa dos fatos e a imprecisão na elaboração dos pedidos, ausente qualquer prejuízo ao contraditório e à ampla defesa. 2. Acolhida a coisa julgada, porque o tempo de serviço comum como pescador artesanal foi versado na ação precedente, que o reconheceu. Não prejudica, todavia, a análise do pedido de reconhecimento da atividade especial como pescador artesanal. 3. Considerando que o autor instruiu o processo administrativo com os mesmos documentos apresentados na via judicial e havia realizado postulação específica de reconhecimento da atividade especial, em pedido administrativo de revisão, foi afastada a alegação de falta de interesse de agir. 4. A sentença incorreu em julgamento ultra petita, à medida que excedeu os limites da pretensão inicial, quanto aos períodos de atividade especial postulados. Reconhecida a nulidade do julgamento no que excedeu os termos do pedido. 5. O período de atividade como pescador artesanal não pode ser reconhecido como atividade especial, dado que se trata de atividade em regime de economia familiar que confere a qualidade de segurado especial. Aplicação de precedente do STJ que não admite o reconhecimento da atividade especial para segurados especiais (REsp 1309245/RS). 6. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 7. Até 16.12.1998, o tempo de serviço na condição de marítimo embarcado deve ser contado de forma diferenciada, utilizando-se o fator 1,41. 8. A interpretação que melhor se harmoniza com o alto significado das normas de proteção ao trabalhador no Direito brasileiro é a de que é possível que um mesmo período como marítimo tenha contagem diferenciada em razão da jornada e seja reconhecido como especial. 9. A contagem diferenciada tem relação com as peculiaridades da longa jornada laboral daqueles que trabalham confinados em embarcações, enquanto a especialidade decorrente do exercício de atividade profissional enquadrada como especial ou da exposição a agentes nocivos está ligada à proteção do trabalhador diante de funções prejudiciais à saúde ou à integridade física. 10. Os períodos de atividade como marítimo não embarcado possuem enquadramento por grupo profissional limitado a entrada em vigor da Lei nº 9.032, de 28.04.1995. 11. A aplicação, ao caso concreto, da tese fixada no precedente vinculante do STJ impede a conversão do tempo de serviço comum em especial, pois a parte autora pretende a revisão de aposentadoria por tempo de contribuição concedida após a Lei nº 9.032/1995 e não busca o reconhecimento de direito adquirido à aposentadoria especial antes da vigência da referida lei. 12. Preenchidos os requisitos legais da carência e 25 anos de atividade especial, a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição para converter

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em aposentadoria especial é devida. O termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo de aposentadoria. 13. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamen-to do processo, e diante da pendência, nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes. 14. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do art. 497, caput, do Código de Processo Civil.” (TRF 4ª R. – Ap-Reex 5005997-09.2010.404.7200 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Ézio Teixeira – DJe 11.11.2016)

2644 – Mútuo financeiro – autarquia estadual – Porto de São Francisco do Sul – autorização legislativa – ausência – legitimidade ativa concorrente

“Processual civil. Administrativo. Improbidade administrativa. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Legitimidade ativa concorrente e disjuntiva. Ministério Público e Estado de Santa Catarina. 1. Na origem, a Ação de Improbidade Administrativa foi proposta pelo Estado de Santa Catarina contra ex-Governador e ex-Secretário da Fazenda em razão da celebração de contratos de mútuo financeiro sem autorização legislativa envolvendo a autarquia estadual Porto de São Francisco do Sul, condutas essas enquadradas na inicial como ímprobas com base nos arts. 10, VI e IX, e 11 da Lei nº 8.429/1992. 2. Cinge-se a controvérsia à aferição da legitimidade do Estado de Santa Catarina para o ajuizamento de Ação de Improbidade Ad-ministrativa contra ex-Governador, visando à aplicação de sanções pecuniárias e de caráter político. 3. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 4. In casu, o Tribunal a quo julgou extinto o processo em face da ilegitimidade ativa do Estado de Santa Catarina, sob os seguintes argumentos: ‘Não me parece razoável que se confira ao Estado de Santa Catarina, v.g., legitimação para propor ação de improbidade administrativa para “apuração dos fatos representados para o fim de promover a persecutio criminis contra a prática da prevaricação e de outros tipos penais que restarem identificados na conduta dos agentes públicos” (fls. 120/156). Para segurança da socieda-de é imperioso que em casos como o sub judice seja ela reservada ao Ministério Público’. 5. Nos termos do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, ‘a ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada’, o que denota a legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e o ente público inte-ressado na repressão de conduta ímproba, o que é reforçado, no caso, por o objeto da ação indicar conduta que causou prejuízo ao Erário. No mesmo sentido: REsp 1.070.067/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 04.10.2010; e REsp 1.024.648/MG, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., DJe 21.05.2008. 6. Na hipótese dos autos, verifica-se que o Ministério Público e o Estado de Santa Catarina possuem legitimidade concorrente e disjuntiva para o ajuizamen-to de Ação de Improbidade Administrativa. 7. Resta claro que o Estado é ‘pessoa jurídica in-teressada’ na propositura da ação de improbidade administrativa, nos termos do art. 17 da Lei nº 8.4289/1992, visto que, conforme se dessume dos autos, os atos de improbidade praticados – celebração de contratos de mútuo com a administração superior do Porto São Francisco do Sul sem autorização legislativa – acarretaram o endividamento do ente estadual. As condutas ímprobas relatadas repercutiram, nítida e diretamente, no patrimônio do Estado. Tendo sido alvo das consequências deletérias do Ato de Improbidade Administrativa, evidencia-se a perti-nência temática, aspecto relacionado ao interesse de agir da parte autora e, por conseguinte, a legitimidade do ente estadual para o ajuizamento da ação de improbidade. 8. Reconhecida a legitimidade ativa do Estado de Santa Catarina, os autos devem retornar à origem para prosse-guimento no julgamento das Apelações. 9. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp 1542253/SC – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 28.10.2016)

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2645 – Navegação fluvial – tecnólogo em operação e administração de sistemas – engenhei-ro naval – equiparação – Resoluções nºs 313/1986 e 218/1973, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – impossibilidade – STJ – precedentes

“Apelação. Mandado de segurança. Tecnólogo em operação e administração de sistemas de navegação fluvial. Equiparação com as atribuições de engenheiro naval. Resoluções nºs 313/1986 e 218/1973, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Impossibilidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 1. O impetrante é Tecnólogo em Operação e Administração de Sistemas de Navegação Fluvial. 2. Não há pre-visão legal de equiparação de todas as atribuições de engenheiro ou de técnico de nível mé-dio aos tecnólogos. 3. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 4. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AMS 00017229720114036100 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Fábio Prieto – DJe 28.11.2016)

2646 – Navio – contrato de compra e venda – carta de fiança bancária – título extrajudicial – vigência

“Processo civil. Civil: embargos à execução. Título extrajudicial. Carta de fiança bancária. Vigência. Contrato de compra e venda de navio. Interpretação extensiva vedada. Sentença. Fundamentação insuficiente ou extra petita. I – Supostas omissões, contradições ou funda-mentos extra petita na sentença podem ser objeto de apreciação em sede recursal, a teor do disposto pelo art. 1.013, §§ 1º, 2º e 3º e incisos, do CPC/2015, caso em que não há violação aos arts. 489, § 1º, IV e 1.022, ambos do CPC/2015, hipótese em que ausente prejuízo à de-fesa – princípio do pas de nullité sans grief. Precedente do STJ. II – A fiança encerra contrato por escrito e não admite interpretação extensiva – art. 819 do CC –, a qual não exclui a con-corrência de regras outras de interpretação, mais servindo a impedir a extensão da fiança para dívida novada com novo devedor, ou para estender a garantia por período suplementar ao contratado, como também para abarcar o todo do débito só parcialmente garantido. Doutrina. III – Admitir que a vigência das cartas de fiança bancária está intrinsecamente relacionada com o início da construção dos navios, por força de cláusulas constantes dos respectivos contratos de compra e venda, implicaria em se dar uma interpretação extensiva às cláusulas específicas dos contratos de fiança bancária, das quais não consta essa previsão, contrariando, assim, o disposto pelo art. 819 do Código Civil. Julgado do STJ aplicável, mutatis mutandis. IV – Execução desprovida de título extrajudicial relativo à obrigação certa, líquida e exigível deve ser declarada nula – CPC/1973 – arts. 586 e 618, I – e CPC/2015 – arts. 783 e 803, I. V – Apelação da Caixa conhecida e provida. Apelação da Transpetro prejudicada.” (TRF 2ª R. – EMbExec 0506703-90.2015.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcello Ferreira de Souza Granado – DJe 01.12.2016)

Transcrição Editorial• Código de Processo Civil de 2015:

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...]

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

[...]

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Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:I – reformar sentença fundada no art. 485;II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.[...]Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;III – corrigir erro material.Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.”• Código Civil:

“Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”

2647 – PIS/Cofins-Importação – valor aduaneiro – ICMS e próprias contribuições – acrésci-mo – inconstitucionalidade – juízo de retratação – STF – precedente

“Processual civil e tributário. Art. 543-B, § 3º do CPC. Mandado de segurança. PIS/Cofins--Importação. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. In-constitucionalidade. Juízo de retratação. Precedente do STF. 1. O egrégio Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o tema em tela, declarou a inconstitucionalidade do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.856/2004, que previa o acréscimo de ICMS sobre as contribuições devidas no momento do desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas. 2. ‘Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004: acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desem-baraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/2001’ (RE 559937, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Julgado em 20.03.2013, Repercussão Geral – Mérito DJe-206 Divulg. 16.10.2013, Public. 17.10.2013, Ement. v. 027,06-01, p. 00011). 3. Quanto à cobrança do PIS e da Cofins, incidentes diretamente sobre a importação, o en-tendimento jurisprudencial desta egrégia Corte é no sentido de que: ‘[...] considerando-se que a Cofins-Importação e o PIS-Importação já eram devidos nos moldes da Medida Provisória nº 164/2004 (DOU de 29.01.2004), as exações passaram a ser aplicáveis em 28.04.2004’ (AC 0041261-18.2007.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, 7ª T., e-DJF1 p. 469 de 29.01.2010). 4. Assim, verifica-se a necessidade de adequação do acórdão à orientação jurisprudencial firmada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. 5. Apelação parcialmente provida.” (TRF 1ª R. – AMS 0007064-15.2004.4.01.3700 – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Hercules Fajoses – DJe 28.10.2016)

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2648 – Regime de trânsito aduaneiro – multa derivada da conversão da pena de perdimento – responsabilidade solidária do transportador – impossibilidade

“Administrativo. Agravo interno no agravo em recurso especial. Regime de trânsito adua-neiro. Multa derivada da conversão da pena de perdimento. Responsabilidade solidária do transportador. Impossibilidade. 1. A responsabilidade solidária prevista no art. 290 do De-creto nº 4.543/2002 diz respeito ao recolhimento dos créditos tributários e ao cumprimento de obrigações fiscais constituídas no termo firmado por ocasião da admissão no regime de trânsito aduaneiro, razão pela qual o transportador, no regime especial de trânsito aduaneiro, não responde solidariamente pela multa derivada da conversão da pena de perdimento de mercadorias das quais não é proprietário. 2. Na hipótese de os dispositivos legais tidos por violados não servirem à pretensão recursal, por ausência de comando normativo apto a ense-jar a reforma do acórdão a quo, o recurso especial encontra óbice na Súmula nº 284 do STF. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-AREsp 218.324/PR – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 20.10.2016)

2649 – Remessa postal internacional – desembaraço aduaneiro –manifesto – ausência – mul-ta – cabimento

“Administrativo. Mandado de segurança. Desembaraço aduaneiro. Remessa postal inter-nacional. Multa. Cabimento. Ausência do manifesto de carga ou lista das remessas postais. Art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/1966. 1. A impetrante não nega a realização do transpor-te de remessa postal internacional nem a ausência da documentação requerida, consistente no manifesto de carga ou a lista das remessas postais contidas na mala postal, para a fisca-lização aduaneira, entendendo pela inexistência de embasamento legal para a exigência da multa em questão. 2. Dos textos legais citados no auto de infração, podemos concluir que a remessa postal internacional, embora receba tratamento específico em alguns aspectos, cons-titui parte da carga da aeronave proveniente do exterior, não havendo como dissociá-la des-ta característica, devendo ser obrigatoriamente informada à autoridade aduaneira, uma vez que se aplicam a estas, as normas pertinentes do Decreto-Lei nº 37/1966, exsurgindo, ainda, claramente a referida obrigação, dos textos legais contidos nos arts. 31, 41 e 42 do Decreto nº 6.759/2009. 3. Descabida a alegação de não aplicação do art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/1966 à espécie, posto ser expressa a redação da norma legal ao se referir a aplicação à empresa de transporte internacional, no caso a impetrante, estendendo-se à prestadora de serviços de transporte expresso porta-a-porta, ou ainda, ao agente de carga. 4. Observa-se, ainda, que o Decreto 1.789/96, determina, em seu art. 43, a documentação necessária para a formalização do desembaraço aduaneiro nas remessas postais selecionadas para fiscaliza-ção pela Alfândega. 5. Os documentos apresentados por ocasião do desembaraço aduanei-ro, consistentes em ‘CNs’, constando como delivery bills, não podem ser consideradas para análise, no presente feito, em razão da vedação contida no art. 192, caput e parágrafo único do CPC/15, arts. 156 e 157 do CPC/1973, por serem redigidas em língua estrangeira sem o acompanhamento de versão traduzida no vernáculo, por tradutor juramentado. 6. Os atos ad-ministrativos, dentre os quais se inclui o auto de infração de que tratam estes autos, gozam de presunção juris tantum de veracidade, legitimidade e legalidade. 7. Para que seja declarada a ilegitimidade de um ato administrativo, cumpre à impetrante provar os fatos constitutivos de seu direito, i.e., a inexistência dos fatos narrados como verdadeiros no auto de infração ou a incorreta qualificação legal, fatos que não ocorreram no caso concreto. 8. De rigor a aplicação da multa em questão, assegurando-se, no entanto, à impetrante, a manutenção do depósito judicial até o trânsito em julgado. 9. Apelação improvida.” (TRF 3ª R. – AMS 0008696-25.2013.4.03.6119 – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 07.12.2016)

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2650 – Servidor militar – acidente – navio-aeródromo – queimaduras – incapacidade perma-nente – pensão vitalícia – possibilidade

“Administrativo e processual civil. Ação indenizatória. Dano moral e estético. Servidor mi-litar. Acidente grave ocorrido a bordo de navio-aeródromo pertencente à marinha do brasil. Queimaduras de 1º, 2º e 3º graus no corpo do autor. Incapacidade permanente para o exer-cício de qualquer atividade econômica. Pensão vitalícia. Perda da capacidade de trabalho. Possibilidade. Reforma ex officio. Recebimento do soldo de segundo tenente. Descabimen-to do pedido. Militar ocupante do posto de cabo. Correta a promoção para o de 3º sargento. Sentença reformada em parte. Honorários advocatícios fixados em parâmetros razoáveis, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Apelação do autor parcialmente provida. Recurso da união e remessa oficial, desprovidos. 1. O autor, servidor militar, que sofreu graves lesões decorrentes de queimaduras de 1º, 2º e 3º graus, em todo corpo, cau-sadas por vazamento de vapor superaquecido (450º Celsius), em decorrência de deficiente manutenção do Navio-Aeródromo São Paulo, faz jus à reparação dos danos moral e estético a que foi submetido. 2. O Inquérito Policial Militar nº 095/2005, instaurado em 17.05.2005, apurou que ocorreu o rompimento da rede de comunicação de vapor para a bomba prin-cipal de óleo hidráulico do sistema de catapulta de vante, causando a liberação de vapor aquecido à temperatura de 450 graus Celsius que, ao invadir diversos compartimentos da embarcação, provocou a morte de três militares e graves ferimentos no autor e em outros tripulantes. 3. Inspeção realizada pela perícia, após o infortúnio, constatou a existência de pontos de corrosão; a redução da espessura da parede na parte inferior do trecho vertical da rede em que ocorreu a ruptura, devido à corrosão; a presença de oxidação uniforme de cor avermelhada, na tubulação danificada; que o rompimento ao longo do cordão de solda da união existente entre o tubo e a peça de passagem, ocorreu em região conhecida como Zona Termicamente Afetada pelo calor. 4. Extrai-se do parecer datado de 09.01.2006, ela-borado pela Junta Médica da Marinha, e constante dos registros testemunhais, a informação de que a vítima, em razão do acidente, passou a apresentar incapacidade funcional nas mãos, sequelas de queimaduras de 3º grau e dificuldade para deambular por longos perío-dos em consequência de cicatrizes, sendo declarado incapaz definitivamente para exercer atividades militares, assim como sem condições laborais e, ainda, que tais sequelas têm relação de causa e efeito com o sinistro ocorrido na embarcação militar. 5. O perito judicial, ao proceder ao exame do autor, aferiu a existência de danos estéticos na forma de cicatrizes hipertróficas e limitantes em todas as áreas atingidas pelo acidente (dorsal, glúteos direito e esquerdo, membros inferiores direito e esquerdo, mãos direita e esquerda), ressaltando, na oportunidade, que, com exceção das mãos, todas as áreas atingidas incomodarão o pacien-te durante toda a sua vida, por meio de dor, calor local, sensações de estiramento e coceira, além de pontadas, não podendo ser olvidada a informação de que é comum o aparecimento de lesões cancerígenas em cicatrizes de queimadura, o que demanda acompanhamento médico constante. 6. Correta, portanto, a sentença, no ponto em que reconheceu ao de-mandante o direito à indenização pelo dano moral e estético diante de todas as evidências trazidas aos autos. 7. Na espécie, consideradas as graves e permanentes lesões sofridas pelo autor, e que resultaram em total incapacidade para o exercício de atividade econômica, majora-se o valor da indenização pelos danos estéticos para R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) e para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) o montante correspondente à indeni-zação por danos morais à imagem social, valores que se mostram mais adequados para reparar o significativo gravame sofrido, mediante aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 8. No que se refere ao pedido de pensão pela perda da capacidade laboral, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pontificou o entendimento de que o aciden-tado tem o direito de receber pensão mensal decorrente de sua incapacidade permanente

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para o trabalho, desde a data do evento danoso, e em parcelas distintas da indenização pelo dano moral e estético. 9. Não merece prosperar, contudo, a pretensão de que a reforma ex officio seja feita com base no soldo de Segundo-Tenente, porquanto o Posto efetivamente ocupado pelo apelante era o de Cabo, não se prestando a validar o pleito o fato de haver sido considerado apto a participar do Curso Especial de Habilitação para Promoção a Sar-gento, visto que sequer chegou a frequentá-lo. Logo, não se tem por certo o êxito que seria obtido no certame. 10. A correção monetária e os juros de mora devem ser calculados na conformidade do Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente na época da liquidação da sentença. 11. A incidência dos juros de mora, na espécie, deve ser feita em consonância com os ditames da Súmula nº 54, do STJ, a partir do evento danoso. 12. O montante da con-denação deve ser monetariamente corrigido a partir do respectivo arbitramento, no caso, a sentença de 1º grau, incidindo, na espécie, o teor da Súmula nº 362, do STJ. 13. Nada a prover em relação aos honorários advocatícios, cuja fixação foi feita dentro de parâmetros razoáveis pelo Juiz de 1º grau, ainda sob a vigência do CPC de 1973. 14. Apelação do au-tor provida, em parte. 15. Apelo da União e remessa oficial, desprovidos.” (TRF 1ª R. – AC 0003813-83.2008.4.01.3300 6ª T. – Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro – DJe 21.09.2016)

Transcrição EditorialSúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“54 – Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.”

“362 – A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.”

2651 – Siscomex – drawback – registros de exportação – equívoco no preenchimento – alte-ração – possibilidade

“Processual civil. Mandado de segurança. Siscomex. Drawback. Registros de exportação. Equívoco no preenchimento. Alteração. Possibilidade. 1. Pretende a autora a anulação dos débitos constituídos através do Procedimento Administrativo nº 10314.002426/99-21, sob a fundamentação de que houve o cumprimento das condições determinantes do regime de dra-wback, tendo havido apenas erro quando da formalização dos registros de exportação. 2. A eventual irregularidade no preenchimento dos códigos da guia de exportação constitui mero erro material, incapaz de desnaturar a substância do regime denominado drawback, consi-derando desnecessária a absoluta identidade física entre os insumos importados e o produto beneficiado a ser exportado, desde que cumprido o compromisso de exportação firmado. Precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região e de outras Cortes Regionais. 3. O arbitramento da verba honorária impõe ao julgador ponderação que lhe permita concluir o quantum que melhor refletirá a diligência do causídico na defesa dos interesses da parte cuja procuração recebeu, considerando-se não apenas o tempo despendido com a causa, mas também as particularidades a ela inerentes. E o juiz, ao fixar os honorários advocatícios na forma do § 4º do art. 20 do antigo CPC, vigente à época, não está adstrito aos limites contidos no § 3º do mesmo dispositivo, devendo ater-se aos critérios contidos nas alíneas a, b e c. Assim, tendo em vista que a causa não envolveu grande complexidade, bem como o valor a esta atribuído na petição inicial (R$ 600.000,00, em 2006 fl. 28), em atendimento aos princí-pios da equidade, razoabilidade e da proporcionalidade, reduzo os honorários advocatícios para 1% (um por cento) sobre o valor da causa. 4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.” (TRF 3ª R. – Ap-Reex 0013413-84.2006.4.03.6100 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 28.10. 2016)

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2652 – Sobreestadia de contêineres – cobrança – previsão contratual – prazo prescricional quinquenal – Súmula nº 83, do STJ

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Sobreestadia de contêineres. Prazo prescricional. Súmula nº 83, do STJ. Decisão mantida. 1. A partir do julgamento do REsp 1.340.041/SP, na sessão do dia 24.06.2015, DJe de 04.09.2015, a Segunda Seção pacificou a jurisprudência no âmbito das Turmas de Direito Privado, consolidando o entendimento de que, com a entrada em vigor do novo Código Civil, que revogou o art. 449, III, do Código Comercial, o prazo prescricional para as ações de cobrança de sobreestadias de contêineres é o quinquenal, quando a cobrança dessa taxa derivar de disposição contratual, e decenal, caso não haja essa previsão no contrato, mostrando-se ilíquida a obrigação. 2. No caso dos autos, consta no acórdão recorrido que o contrato firmado entre as partes é unimodal, ou seja, envolve apenas transporte marítimo, com previsão contratual para cobrança de sobreestadias, de modo que se aplica à espécie o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. 3. Estando o acórdão recorrido em consonância com o entendimento desta Corte, é inafastável a aplicação da Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-AREsp 931.668/SP – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 29.09.2016)

Transcrição EditorialSúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“83 – Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

2653 – Taxa de utilização – Siscomex – legalidade – Lei nº 9.716/1998, art. 3º, § 1º – valida-de – repristinação – inocorrência – reajuste abusivo ou excessivo – inocorrência

“Mandado de segurança. Taxa de utilização. Siscomex. Legalidade. Validade da Lei nº 9.716/1998, art. 3º, § 1º, após a perda da eficácia da MP 320/2006. Inocorrência de repris-tinação pela não revogação da lei anterior. Art. 2º, caput, e § 1º do Decreto-Lei nº 4.657/1942. Legalidade e constitucionalidade do art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.716/1998. Inocorrência de rea-juste abusivo ou excessivo. 1. A instituição da taxa de utilização do Sistema Integrado de Co-mércio Exterior – Siscomex está relacionada ao exercício do poder de polícia, nos termos dos arts. 77 e 78 do CTN. 2. Descabida a alegação da inexistência de previsão legal vigente para o fato gerador da Taxa Siscomex, em face da alteração da redação do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.716/1998, pela Medida Provisória nº 320/2006, que perdeu a sua eficácia pela não con-versão em lei, no prazo regulamentar. 3. A Medida Provisória não revoga o texto legal vigente, visto que a lei somente poderá ser revogada por outra lei, nas situações específicas determi-nadas no art. 2º, caput, e § 1º do Decreto-Lei nº 4.657/1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 4. Não tendo ocorrido a conversão da MP 320/2006 em lei, encerrou-se a sua eficácia, consequentemente, foi mantida a previsão legal anterior, não se tratando do instituto da repristinação, posto que o art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.716/1998 não havia sido revo-gado. 5. Ausência de ilegalidade no reajuste da taxa de utilização do sistema Siscomex pela Portaria MF nº 257/2011 e Instrução Normativa nº 1.153/2011, pois embora o art. 150, I, do Texto Maior disponha ser vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, a própria Lei nº 9.716/1998, em seu art. 3º, § 2º, estabeleceu devidamente os critérios para o simples reajuste da taxa, delegando ao Ministro da Fazenda, a sua execução, por meio de ato infralegal, não tendo havido, destarte, majora-ção de alíquota ou modificação de critério que configurasse o aumento da taxa, inexistindo, por consequência, afronta aos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade. 6. A própria Constituição estabelece, em seu art. 237, que a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos

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pelo Ministério da Fazenda. 7. Não houve o alegado aumento abusivo ou excessivo da Taxa Siscomex, diante do longo período de tempo, superior a dez anos, sem que fosse efetuado qualquer reajuste. Precedentes jurisprudenciais desta C. 6º T. 8. Mantida a r. sentença recor-rida, restando prejudicada, diante da rejeição dos pedidos, a análise dos pedidos de compen-sação. 9. Apelação improvida.” (TRF 3ª R. – AMS 0002085-58.2015.4.03.6128 – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 07.12.2016)

2654 – TCU – denúncia – atuação da Antaq – possíveis omissões – tarifas no terminal – au-mento abusivo – omissão na fiscalização – procedência – determinações – ciência

“Denúncia. Possíveis omissões na atuação da Antaq. Aumento abusivo de tarifas no terminal libra rio. Omissão na fiscalização do caráter de ressarcimento dos valores cobrados a título de THC. Omissão na ordenação e fiscalização da navegação de longo curso. Procedência. Deter-minações. Ciência. Acórdão nº 1.439/2016-Plenário. Conhecimento dos embargos. Inexistên-cia das falhas apontadas. Rejeição. Determinação.” (TCU – TC 004.662/2014-8 – Apensos TC 031.673/2015-5 e TC 008.218/2016-1 – Grupo II – Classe I – Acórdão nº 1877/2016 – Plen. – Relª Min. Ana Arraes – DOU 29.07.2016)

2655 – TCU – desestatização – arrendamento de área portuária – falhas – correção – plano de zoneamento do porto – incompatibilidade – determinação

“Desestatização. Arrendamento de área portuária. Porto do Rio de Janeiro/RJ. Análise. Pri-meiro estágio. Falhas corrigidas. Incompatibilidade com plano de zoneamento do porto. De-terminação. Comunicações.” (TCU – TC 006.508/2016-2 – Grupo I – Classe V – Acórdão nº 2990/2016 – Plen. – Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues – Data da Sessão: 23.11.2016)

Comentário EditorialConforme tem sido ultimamente divulgado na imprensa, o Governo Federal pretende promover licitações para o arrendamento de três áreas portuárias no ano de 2017. Duas no Estado do Pará, para exploração de Terminais de Granel Líquido e uma no Estado do Rio de Janeiro, para exploração de Terminal de Trigo.

Para tanto, se faz necessário cumprir, dentre outras normas, com o que estabelece a Instrução Normativa nº 27, do Tribunal de Contas da União – TCU, mais precisamente o seu art. 7º, que atribui àquele Tribunal o dever de fiscalizar todos os documentos relativos ao certame licitatório de forma prévia ou concomitante, tais como: (i) Estu-do de Viabilidade Técnica e Econômica do empreendimento; (ii) Edital de Licitação; (iii) Minuta do Contrato de Arrendamento; e (iv) Impugnações ao Edital.

Em cumprimento à referida IN, visando à realização da licitação do Terminal Portuário de Trigo do Porto de Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas da União – TCU promoveu re-centemente a análise do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica que foi apresentado pelo Poder Concedente do setor portuário.

A análise resultou o Acórdão nº 2.990/2016-Plenário, o qual concluiu pela incompati-bilidade do projeto com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) em vigor do Porto do Rio de Janeiro, em razão de a área destinada para o novo Terminal de Grãos ter destinação distinta ao empreendimento que se pretende implantar.

Assim, o Tribunal de Contas da União – TCU determinou ao Poder Concedente do setor portuário que não se inicie a licitação até que tal problema não seja sanado, ou seja, enquanto não houver compatibilidade entre o projeto de implantação do Terminal e o PDZ do Porto de Rio de Janeiro.

De acordo com o que prevê a Resolução Normativa nº 7, da Agência Nacional de Trans-portes Aquaviários – Antaq, o PDZ é um “instrumento de planejamento da administra-

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ção do porto, que visa ao estabelecimento de estratégias e metas para o desenvolvimen-to racional e a otimização do uso de áreas e instalações do porto organizado”.A exigência para que o PDZ esteja compatível com os projetos de arrendamento portuá-rio encontra-se prevista no art. 5º da referida norma, que dispõe que “o regime de ocu-pação de áreas e instalações portuárias deverá ocorrer em total observância ao disposto no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto Organizado”.Assim, de acordo com o que prevê o § 2º do art. 17 da Lei nº 12.815/2013, é preciso que a Administração do Porto Organizado do Rio de Janeiro elabore a alteração do seu PDZ e o submeta ao Poder Concedente do Setor Portuário para a sua devida aprovação.Somente após a aprovação do Poder Concedente é que será possível dar seguimento aos procedimentos necessários visando o arrendamento do Terminal de Trigos daquele Porto Organizado.Assim, um projeto de tamanha importância para o país sofrerá atrasos em função de exigências legais e normativas, que se apegam em meros detalhes. Seria muito mais interessante uma previsão legal ou normativa permitindo maior flexibilidade para a efe-tivação de ajustes do PDZ, de modo a evitar que a sua incompatibilidade implique a suspensão dos próximos passos visando à licitação portuária, como infelizmente ocorreu no caso em tela.É preciso aproveitar o cenário de mudanças do Setor Portuário e afastar todos os textos legais e infralegais que acabam burocratizando a pretensão do governo em promover outorgas. Quanto menor a burocratização e a intervenção estatal, melhor para o cresci-mento da infraestrutura portuária do país.

Transcrição EditorialA propósito observe-se que a Portaria SEP nº 03/2014 estabeleceu as diretrizes para a elaboração e revisão dos instrumentos de planejamento do setor portuário – Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP e respectivos Planos Mestres, Planos de Desen-volvimento e Zoneamento – PDZ e Plano Geral de Outorgas – PGO.“[...]Dos planos de desenvolvimento e zoneamentoArt. 8º Às Autoridades Portuárias caberão a elaboração e a atualização do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ do porto sob sua administração.Art. 9º As Autoridades Portuárias deverão encaminhar o PDZ ao Poder Concedente, para aprovação, conforme cronograma apresentado no Anexo I desta portaria.§ 1º A partir das datas apresentadas no cronograma do Anexo I desta portaria, o PDZ deverá ser atualizado e encaminhado ao Poder Concedente, para nova aprovação, pelo menos a cada 2 anos.§ 2º A omissão da Autoridade Portuária no envio do PDZ no prazo legal ensejará a apli-cação de penalidades aos responsáveis, conforme previsto em regulamento específico da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq.Art. 10. Para a elaboração do PDZ, as diretrizes aplicáveis são:I – atendimento às políticas e diretrizes nacionais para o setor portuário em consonância com as demais políticas e diretrizes nacionais e regionais de desenvolvimento social, econômico e ambiental;II – compatibilização com as políticas de desenvolvimento urbano dos municípios onde se localiza o porto, identificando as áreas apropriadas para a expansão das atividades portuárias, por natureza de carga, assim como recomendando realocações de instala-ções existentes que contribuam para uma melhor interação porto-cidade;III – adequação das áreas e instalações do porto visando à eficiência das operações portuárias e dos acessos ao porto;IV – previsão de planejamento para horizonte de curto, médio e longo prazo;

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V – observação e cumprimento à legislação ambiental, especialmente aquela afeta ao setor portuário;VI – consideração, no planejamento e zoneamento, da capacidade de suporte do ecos-sistema no qual o porto está inserido.§ 1º O PDZ deverá considerar como premissas as projeções de demanda, cálculos de capacidade e o consequente Plano de Melhorias e Investimentos estabelecido no res-pectivo Plano Mestre.Art. 11. O PDZ tem por objetivo geral a promoção da modernização do porto e a inte-gração com os demais modais de transporte, devendo cumprir os seguintes objetivos específicos para cada horizonte de planejamento:I – otimizar o uso da infraestrutura já existente no porto;II – definir a organização espacial da área portuária, considerando a movimentação de cargas e de passageiros;III – propor alternativas para o uso de áreas portuárias operacionais destinadas à expan-são das atividades portuárias, considerando a aptidão e aspectos ambientais de acordo com a legislação, bem como a interação porto-cidade;IV – propor alternativas para o uso de áreas portuárias não operacionais;V – estabelecer um plano que contemple a operacionalização das melhorias de gestão e operacionais e os investimentos portuários e em acessos propostos no Plano Mestre, bem como propor a redefinição da poligonal do porto e da utilização de suas áreas; eVI – servir como uma das referências para a elaboração do Plano Geral de Outorgas – PGO.”

2656 – TCU – desestatização – arrendamentos de áreas portuárias – concessão – desconfor-midades – ausência – comunicações

“Desestatização. Concessão de arrendamentos de áreas portuárias. Portos de Santos/SP, Santarém/PA e Vila do Conde/PA e Terminal de Outeiros/PA. Análise dos segundo e terceiro estágios. Ausência de desconformidades. Comunicações.” (TCU – TC 029.083/2013-3 – Gru-po I – Classe V – Acórdão nº 2.680/2016 – Plen. – Relª Min. Ana Arraes – DOU 28.10.2016)

Comentário EditorialO Acórdão nº 2.680/2016 trata do 2º e do 3º estágios de fiscalização do primeiro leilão de arrendamentos portuários sob a vigência da Lei nº 12.815/2013, como se verifica, não foram encontradas inconformidades. Praticamente todas as determinações relevantes que condicionaram a realização da licitação foram esgrimidas nos Acórdãos nºs 2.413/2015-Plenário, 1.532/2015-Plenário, 1.077/2015-Plenário e 1.555/2014, assim como 3.661/2013-Plenário. Todavia, vale a pena fazer alguns comentários.

Os processos de desestatização, isto é, de transferência para a iniciativa privada de atividades de titularidade estatal, especialmente de serviços públicos, são acompanha-dos e fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União em quatro estágios nos termos da Instrução Normativa nº 27/1998-TCU que abrangem desde: a modelagem do projeto (1º estágio); o processo de licitação na fase de qualificação (2º estágio); o processo de licitação na fase de habilitação (3º estágio); e a celebração do contrato (4º estágio).

A cultura criada na Administração Pública federal nesse tipo de processo é o adiamento dos leilões/licitações até que o TCU emita o “sinal verde” para os gestores – Poder Con-cedente. Embora a espera de chancela pelo tribunal possa evitar futuras irregularidades, por vezes o TCU se demora na análise, levando ao anacronismo dos estudos de viabili-dade, como foi o caso no Bloco 1 de licitações portuárias.

Outro fator negativo, que pode ser pior ainda, é criação de uma percepção de risco por parte de investidores, sobretudo financiadores, pois as “contribuições” do TCU na forma

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de determinações terminam por vir após a Audiência Pública, portanto, podendo contra-riar o orientação do que foi concluído a partir do amplo debate com os atores do setor de modo que o TCU, por vezes, faz as vezes de gestor.

2657 – TCU – obras de dragagem – auditoria de conformidade – irregularidades – ausência – arquivamento

“Auditoria de conformidade em obras de dragagem. Porto do Rio de Janeiro. Ausência de irregularidades considerando as questões de auditoria formuladas e os papéis de trabalho analisados. Ciência dos resultados da fiscalização à entidade interessada. Arquivamento.” (TCU – TC 015.543/2016-1 – Grupo I – Classe V – Acórdão nº 2.258/2016 – Plen. – Rel. Min. Benjamin Zymler – DOU Edição Extra nº 178-A de 15.09.2016)

Comentário EditorialO projeto de dragagem foi objeto de licitação internacional na forma disciplinada pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e resultou na contratação de consórcio constituído pelas empresas Van Oord Serviços de Operações Marítimas Ltda., empresa há muito atuante no setor portuário, na qualidade de líder do Consórcio, e Boskalis do Brasil Dragagem e Serviços Marítimos Ltda. O Contrato SEP/PR nº 19/2014 foi celebra-do com a, então SEP/PR, atualmente MTPAC, possuindo valor de R$ 210.000.000,00 (duzentos e dez milhões de reais). O orçamento sigiloso estimado para a obra corres-pondia a R$ 211.082.199,02.Aspecto digno de nota é a análise efetuada pelo TCU sobre a modelagem da matriz de riscos do contrato. Como se sabe, a matriz de riscos é um instrumento que permite ao contratante e ao contratado alocarem entre si os riscos existentes na execução contratual segundo determinadas premissas, dentre elas, a de que um risco deve ser atribuído à parte que tenha condições de gerenciá-lo da forma mais eficiente.Esse tipo de modelagem utilizando-se a ferramenta da matriz de riscos surgiu na In-glaterra no âmbito dos Private Financial Initiatives (PFI) Contracts, trazendo para os contratos a lógica dos chamados compensation events. A partir da matriz de riscos é possível traçar com maior clareza o âmbito da equação econômico-financeira dos contratos, de modo que se possa saber quando um evento é causador de desequilíbrio. Desse modo, a equação é composta por uma relação de equivalência entre os encargos assumidos pelo contratado (obrigações contratuais + riscos objetivamente assumidos discriminados na matriz) e a remuneração.Isso em vista, toda vez que ocorrer um evento cujo risco foi atribuído ao contratado, mesmo que provoque diminuição de sua remuneração, estará preservada a equação econômico-financeira. Não obstante, quando ocorrer evento cujo risco é atribuído ao contratante, mas cujos reflexos econômicos reflitam no decréscimo da remuneração do contratado, independentemente do valor ou de haver onerosidade excessiva, estará caracterizado o desequilíbrio e o contratado fará jus à compensação.

2658 – TCU – tomada de contas especial – serviços de segurança eletrônica – contratação – execução parcial – confirmação do ilícito – alegações de defesa – improcedência – irregularidade das contas – débito em solidariedade – multa

“Tomada de contas especial decorrente de inspeção na Companhia Docas do Pará. Fatos oriundos da Operação Galileia da Polícia Federal. Contratação de serviços de segurança ele-trônica em portos. Execução parcial do objeto contratado. Não constatação de equipamentos durante fiscalização in loco. Ação de controle a cargo da Controladoria-Geral da União. Obtenção de elementos de prova originários de inquérito policial. Interceptação de conversa telefônica. Confirmação do ilícito. Tentativa de inversão do ônus da prova. Ampla liberdade de produção probatória pela parte. Falta de provas do envio dos equipamentos para assistên-

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cia técnica. Improcedência das alegações de defesa. Irregularidade das contas. Débito em solidariedade. Multa.” (TCU – TC 019.552/2014-9 – Apenso: TC 042.011/2012-4 – Grupo I – Classe II – Acórdão nº 9913/2016 – 2ª C. – Rel. Min. João Augusto Ribeiro Nardes – DOU 19.08.2016)

2659 – Terminal portuário – licença de instalação – liminar – suspensão – viabilidade am-biental do acesso viário ao porto – condicionante – descumprimento – licenciamento – competência – agravo – improvimento

“Agravo de instrumento. Liminar em ação popular que suspendeu a licença de instalação. Terminal Portuário Pontal do Paraná. Pedido de ampliação da liminar para que sejam suspen-sos os processos administrativos de licenciamento ambiental envolvendo o empreendimento até que fosse integralmente atendido o componente indígena do licenciamento ambiental. Indeferimento. Participação do Iphan e do IAP. Descumprimento da condicionante relativa à viabilidade ambiental do acesso viário ao porto. Competência para licenciar as obras da via de acesso. Improvimento do agravo. Manutenção da decisão agravada. 1. Quanto ao pedido de ampliação da liminar, em que pese se reconheça a necessidade de participação efetiva da Funai e de realização dos estudos do componente indígena no processo de licenciamento, não há razão para uma ampliação daquele provimento para o fim pretendido pelo agravante, que é de suspender a licença até que seja integralmente atendido o componente indígena do licenciamento ambiental. A decisão agravada dá conta de proteger, por ora, o direito defendi-do pelo autor da ação popular, não havendo motivos para reforma. 2. Quanto à alegada falta de participação do Iphan, não há verossimilhança da alegação porque houve participação o Iphan no processo de licenciamento, entre elas concordando com a emissão de licença de instalação, mediante o cumprimento das condicionantes ali previstas. 3. Quanto à falta de participação do IAP, não há verossimilhança da alegação porque não parece tivesse o proces-so de licenciamento ocorrido à revelia do IAP, uma vez que há manifestação daquele Instituto no processo administrativo favorável à concessão da licença; o fato de existirem Unidades de Conservação Estaduais a menos de 10km da localização prevista para o empreendimento foi considerado pelo Ibama para solicitar ao IAP que se manifestasse no processo; eventual necessidade de participação mais aprofundada do IAP no processo deve ser examinada após o contraditório e instrução probatória. Não há perigo de dano irreparável ou de difícil repa-ração que ensejasse modificação da tutela já deferida na origem em razão da alegada falta de participação do IAP. 4. Quanto ao descumprimento da condicionante relativa à viabilida-de ambiental do acesso viário ao terminal portuário, a decisão agravada é mantida porque (a) o juízo de origem bem examinou o andamento do processo de licenciamento, verificando--se que não foi ignorado o fato de que a implantação da Via Arterial 1 é indispensável para se considerar viável o próprio empreendimento portuário; (b) quanto a eventual descumpri-mento da condicionante referente à licença ambiental para o acesso viário, é importante um exame mais aprofundado da questão, pois há processo de licenciamento em andamento pe-rante o IAP e há forte interesse do Governo do Estado do Paraná em construir essa via arterial diante da importância estratégica para o Estado, como referiu o juízo de origem, não podendo este juízo antecipar-se num julgamento de mérito e afirmar neste momento se há ou não o cumprimento dessa condicionante, parecendo, neste momento, que a questão está sendo dis-cutida administrativamente; (c) por ora, eventual descumprimento que haja não justifica um provimento maior do que foi dado na origem, uma vez que a licença de instalação encontra--se suspensa, o que está sendo mantido neste julgamento. 5. Quanto à alegada incompetência do IAP para o licenciamento ambiental da via de acesso, não há perigo de dano irreparável ou de difícil reparação que justificasse, em sede de antecipação de tutela, o encaminha-

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mento do processo de licenciamento do órgão estadual para o Ibama, e o encaminhamento prematuro poderia tumultuar aquele processo caso se reconhecesse em julgamento final da ação que o IAP é o órgão competente. 6. Agravo de instrumento improvido.” (TRF 4ª R. – Ag 5044859-42.2015.404.0000 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Candido Alfredo Silva Leal Junior – DJe 19.08.2016)

2660 – Trabalhador portuário – eletricidade – ruído – atividade especial – afastamento – uti-lização de EPI – inocorrência

“Previdenciário. Aposentadoria especial. Reexame necessário não conhecido. Trabalhador portuário. Eletricidade. Ruído. Afastamento da atividade especial por utilização de EPI. Ino-corrência. Correção monetária. Honorários sucumbenciais. Súmula nº 111 do STJ. O novo Código de Processo Civil elevou o valor de alçada para a remessa ex officio, de 60 (sessenta) salários mínimos, para 1.000 (mil) salários-mínimos. Considerando que a remessa oficial não se trata de recurso, mas de simples condição de eficácia da sentença, as regras processuais de direito intertemporal a ela não se aplicam, de sorte que a norma supracitada, estabelecendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores infe-riores a 1.000 (um mil) salários mínimos, tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, ainda que para cá remetidos na vigência do revogado CPC. Dessa forma, tendo em vista que o valor de alçada no presente feito não supera 1.000 (um mil) salários mínimos, não conheço da remessa oficial. Em relação ao período de 02.04.1979 a 15.06.1994, em que o autor trabalhou na empresa Docas, consta que ocupava cargo de ‘Trabalhador de Serviços Diversos/Trabalhador Portuário’. Dessa forma, imperativo o enquadramento no item 2.4.5 do Anexo II do Decreto nº 83.080/1979, uma vez que, como também destaca o juízo a quo, na época o enquadramento era por categoria profissional. Em relação ao período de 16.06.1994 a 12.10.195, o PPP de fls. 30/31 indica que o autor esteve submetido a tensões superiores a 250 volts (previsto no item 1.1.8 do Decreto nº 53.831/1964) e a agentes químicos benzina, acetona e tricloretino (previstos no item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/1964). Dessa forma, também imperativo o reconhecimento da especialidade nesse período. No que tange à ca-racterização da nocividade do labor em função da presença do agente agressivo ruído, faz-se necessária a análise quantitativa, sendo considerado prejudicial nível acima de 80 decibéis até 05.03.1997 (edição do Decreto nº 2.172/1997); de 90 dB, até 18.11.2003 (edição do De-creto nº 4.882/2003) e de 85dB a partir de 19.11.2003. No caso dos autos consta que, – no período de 13.10.1995 a 30.05.2000, o autor esteve exposto a ruído superior a 90dB (fl. 32), configurada, portanto, a especialidade, – no período de 01.08.2000 a 31.12.2005, esteve exposto a ruído de intensidade 90,4dB (fl. 36), – no período de 01.01.2006 a 22.12.2009, esteve exposto a ruído de intensidade 89,9 dB (fl. 36), configurada, portanto, a especialidade. O uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) não afasta a configuração da atividade especial, uma vez que, ainda que minimize o agente nocivo, não é capaz de neutralizá-lo totalmente. Precedente. Com relação à correção monetária e aos juros de mora, cabe pontuar que o art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, foi de-clarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, mas apenas em relação à incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, § 12, da CRFB, incluído pela EC 62/2009) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação, que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento. Esse último período, compreendido entre a condenação e a expedição do precatório, ainda está pendente de apreciação pelo STF (Tema nº 810, RE 870.947, repercus-são geral reconhecida em 16.04.2015). In casu, como se trata da fase anterior à expedição

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do precatório, e tendo em vista que a matéria não está pacificada, há de se concluir que devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado, em respeito ao Provimento Coge nº 64, de 28 de abril 2005 (AC 00056853020144036126, Desª Fed. Tania Marangoni, TRF 3ª R., 8ª T., e-DJF3 Judicial 1 Data: 09.05.2016). No que diz respeito aos honorários sucumbenciais, tem razão o INSS, pois a Súmula nº 111 traz a previsão de que ‘Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença’. Reexame necessário não conhecido. Recurso de apelação a que se dá par-cial provimento.” (TRF 3ª R. – Ap-Reex 0008998-07.2010.4.03.6104 – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini – DJe 23.11.2016)

2661 – Trabalhador portuário – estivador – acidente de trabalho – danos morais – atividade de risco – enquadramento – responsabilidade objetiva – art. 927, do Código Civil – indenização – possibilidade

“Indenização por danos morais. Acidente de trabalho. Trabalhador portuário. Estivador. Ati-vidade de risco. Responsabilidade objetiva. Indenização fixada em R$ 10.000,00. Trata-se de pedido de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trabalho sofrido pelo reclamante, trabalhador portuário avulso, durante a prestação de serviços. No caso, o Regio-nal consignou que o reclamante exercia a função de estivador e que, enquanto trabalhava no porão em navio, sofreu acidente, ‘quando bateu, involuntariamente, com a mão na escada, o que gerou uma contusão’. Destacou o Tribunal a quo que ‘em 13.04.2010 foi emitida CAT pelo primeiro reclamado Órgão Gestor de Mão de Obra – Ogmo/RJ (fl. 20), tendo sido conce-dido ao autor o auxílio-doença acidentário pelo órgão previdenciário até o dia 01.09.2010’. Contudo, o Regional indeferiu o pedido de indenização por danos morais, pois entendeu ser ‘incabível, assim, a responsabilidade objetiva, como pretende o recorrente, eis que o pará-grafo único, do art. 927, do Código Civil/2002, não se aplica para acidente de trabalho, que se encontra expressamente regulamentado por dispositivo constitucional’. Este Tribunal, no entanto, vem entendendo que as atividades desempenhadas por trabalhador portuário (estiva-dor) enquadram-se perfeitamente como atividade de risco, a atrair a aplicação da responsabi-lidade objetiva, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, o qual, também de forma pacífica, se considera perfeitamente aplicável aos casos que, nesta Justiça do Trabalho, decorrem de acidentes de trabalho, razão pela qual não é necessária a demonstração de culpa ou dolo, por ser a responsabilidade objetiva, ao contrário do que decidiu o Regional. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 28-74.2011.5.01.0051 – 2ª T. – Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DJe 18.11.2016)

2662 – Trabalhador portuário – indenização do art. 59 – Lei nº 8.630/1993 – legitimidade passiva da União – Justiça Federal – competência

“Processual civil. Agravo de instrumento. Trabalhador portuário. Indenização do art. 59, da Lei Federal nº 8.630/1993. Legitimidade passiva da União. Competência da Justiça Federal. 1. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental. 2. O objeto do agravo regi-mental confunde-se com o mérito recursal. 3. A pretensão indenizatória, fundamentada no art. 59, da Lei Federal nº 8.630/1993, independe da situação laboral atual do interessado, e será suportada pela União, instituidora do Adicional de Indenização do Trabalhador Por-tuário Avulso – AITP. 4. Competência da Justiça Federal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 5. Agravo de instrumento provido. Agravo regimental prejudica-do.” (TRF 3ª R. – AI 0016474-02.2015.4.03.0000 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Fábio Prieto – DJe 20.09.2016)

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2663 – Trabalho portuário avulso – acidente – legislação aplicável à época – Ogmo – legi-timidade passiva ad causam – responsabilidade objetiva – art. 927, do Código Civil – danos morais – arbitramento

“Recurso de revista do Órgão Gestor de Mão de Obra do trabalho portuário avulso do Porto Organizado do Estado do Espírito Santo interposto sob a égide da Lei nº 5.869/1973. Ilegi-timidade passiva ad causam. Não obstante a sua revogação pela Lei nº 12.815/2013, a Lei nº 8.630/1993 estava em vigor à época do acidente sofrido pelo reclamante. Com efeito, a an-tiga Lei dos Portos, além de atribuir ao Ogmo a finalidade de gestão de mão de obra do traba-lhador portuário no tocante ao treinamento e habilitação profissional (art. 18, III), estabelece a sua competência para promover a formação profissional e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário (art. 19, II), bem como a responsabilidade pela observação das normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário avulso (art. 19, V). Logo, o Ogmo é legí-timo para responder pela pretensão à indenização por danos relacionados ao meio ambiente de trabalho. Recurso de revista não conhecido. Recurso de revista de ambos os reclamados. Indenização por danos morais. Acidente de trabalho. Estivador. Responsabilidade objetiva. O sistema de responsabilidade civil previsto no Código Civil vigente adota dualidade de regi-mes, contemplando a responsabilidade subjetiva e a objetiva. Nesse contexto, não se há de cogitar de um sistema diferenciado no Direito do Trabalho em decorrência de interpretação literal do art. 7º, XXVIII, da Constituição da República. O escopo desse dispositivo constitu-cional é garantir o seguro contra acidente de trabalho sem prejuízo da indenização cabível, na forma determinada pelo sistema de responsabilidade civil. E o sistema vigente não exclui a responsabilidade objetiva, tanto é que a previsão do art. 932, III, do Código Civil respon-sabiliza o empregador independentemente de culpa. Nessas circunstâncias, se a atividade prestada pelo empregador implica risco habitual acima da normalidade ou se a atividade do empregado, ainda que diferenciada do escopo principal da empresa, o expõe acentuada-mente a acidentes, a regra aplicável é o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, pois não impera, no âmbito das relações de trabalho, a teoria da fatalidade quando o risco for inerente à atividade exercida pelo empreendedor. A lei privilegia a reparação integral do dano, e não a conduta culposa do agente. Na hipótese, o Tribunal Regional registrou expressamente que o reclamante exercia atividade de arrumador, realizando a carga e descarga de mercadorias, nos navios acostados. No dia do acidente estava em cima da plataforma (equipamento utiliza-do para apoio operacional que liga o navio à carreta do caminhão), realizando transporte de carga (trilhos) para o caminhão e, após o término do carregamento, o motorista do caminhão deu partida no veículo, atingindo a plataforma e lançando o trabalhador ao chão. Constou no laudo pericial que o reclamante sofreu fratura no tornozelo; foi submetido a procedimento cirúrgico com colação de parafusos, hastes e placas; permaneceu internado por dezesseis dias e realizou tratamento fisioterápico. Além disso, passou a apresentar marcha claudicante com diminuição em torno de 15 graus da extensão do tornozelo e cicatrizes cirúrgicas. Nesse con-texto, as peculiaridades próprias da atividade de estivador, que expõem o empregado a risco acentuado decorrente do meio ambiente de trabalho, atraem a responsabilidade objetiva nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Recursos de revista conhecidos e des-providos. Recurso de revista de ambos os reclamados. Honorários advocatícios. Mera sucum-bência. Requisitos não preenchidos. Do teor das Súmulas nºs 219 e 329 da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, extrai-se que a mera sucumbência não é, por si só, suficiente para ensejar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sendo imperativa, a par disso, a verificação das condições objetivas fixadas na legislação vigente que regulamenta o instituto – notadamente no que tange à declaração de insuficiência econômica do trabalhador reclamante e à sua assistência por sindicato próprio. Recurso de revista conhecido e provi-do. Recurso de revista interposto pela Brazcargo. Nulidade do acórdão regional. Negativa

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de prestação jurisdicional. No caso dos autos, não há como se acolher a nulidade arguida, pois o Tribunal a quo não se furtou de entregar a totalidade da prestação jurisdicional, ainda que contrária aos interesses da reclamada. Recurso de revista não conhecido. Ilegitimidade passiva. Ausência de prequestionamento. A Corte regional não analisou a controvérsia sob o prisma da ilegitimidade passiva da Brazcargo, nem foi exortada a fazê-lo mediante a oposi-ção de embargos de declaração, o que atrai o óbice da Súmula nº 297, do TST. Recurso de revista não conhecido. Inexistência de danos morais. O entendimento da Corte de origem foi de que a lesão sofrida, que culminou na submissão do trabalhador a tratamento cirúrgico e afastamento de suas atividades laborativas e sociais, durante o período de recuperação, assim como a existência de sequelas daí advindas, ocasionaram dor e sofrimento psíquicos que merecem reparação. Ilesos, portanto, os arts. 186 e 927 do Código Civil, 5º, V e X, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido. Danos morais. Quantum indenizató-rio. Arbitramento. Consoante dispõe o art. 944 do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano. No caso, o Tribunal Regional manteve o valor fixado na sentença a título da indenização por danos morais (R$ 10.000,00), considerando sua finalidade de compensar a vítima pela ofensa sofrida, seu caráter pedagógico, a incapacidade parcial e permanente do reclamante. O entendimento adotado no acórdão recorrido acerca da quantia arbitrada a título da indenização por danos morais não viola o mencionado dispositivo de lei, pois o valor não se mostra desproporcional ou exorbitante. Recurso de revista não conhecido. Ine-xistência de danos estéticos – redução do quantum. A decisão regional manteve o valor de R$ 8.000,00 fixado pela sentença, observando as condições socioeconômicas do reclamante e o poder econômico da reclamada, bem como a extensão e a gravidade do dano. Da forma como colocada, não se divisa a alegada violação dos dispositivos indicados pela recorrente, uma vez respeitados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, tendo a Corte a quo observado o aporte da reclamada, a intensidade do dano, e as condições do reclamante, o que não justifica a intervenção desta Corte Superior sobre o parâmetro ajustado. Recurso de revista não conhecido. Honorários periciais. Responsabilidade pelo pagamento. Nos termos do art. 790-B da CLT, os honorários periciais são devidos pela parte sucumbente na preten-são objeto da perícia, não na prova pericial em si. Assim, independente da sucumbência na prova pericial, o que define o ônus de arcar com a remuneração do perito é a vitória/derrota na pretensão posta na lide. No caso, a Corte regional condenou a reclamada ao pagamento dos referidos honorários, tendo em vista que foi sucumbente quanto ao pedido de pagamento de adicional de insalubridade, não obstante a perícia tenha constatado que as condições de trabalho do autor não eram insalubres. Desse modo, correta a decisão regional que responsa-bilizou a reclamada pelo pagamento de tais honorários. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 138800-10.2008.5.17.0008 – Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – DJe 21.10.2016)

2664 – Transporte marítimo de cargas – avaria – responsabilidade civil – pagamento de in-denização securitária – CDC – não incidência

“Recurso especial. Transporte marítimo de cargas. Avarias. Responsabilidade civil. Pagamen-to de indenização securitária. Não incidência do Código de Defesa do Consumidor. Ação ajuizada em 10.02.2006. Recurso especial interposto em 24.07.2012 e distribuído a este gabi-nete em 25.08.2016. Inaplicabilidade do CDC, como regra geral, aos contratos de transporte marítimo pela dificuldade de enquadramento como consumidor das partes contratantes. Au-sência de demonstração de vulnerabilidade de uma das partes para a aplicação da legislação consumerista. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1391650/SP – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 21.10.2016)

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Comentário EditorialUma empresa de seguros moveu uma ação indenizatória contra uma companhia de navegação, sub-rogando-se nos direitos de sua segurada, a qual havia tido sua carga avariada pela segunda. O caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça tratou da apli-cação ou não do Código de Defesa do Consumidor em contratos de transporte marítimo de mercadorias e a consequente aplicação do prazo decadencial.Em sede de apelação, o Poder Judiciário entendeu pela existência de uma relação de consumo entre e empresa embarcadora e a transportadora. Embora o STJ tenha men-cionado a possibilidade de entendimento no sentido de o embarcador ser o destinatário final do serviço de transporte, equiparando-o a um consumidor, restou enfatizado que a jurisprudência mais recente e prevalecente em algumas Turmas do STJ vem afastando a incidência do CDC sobre os contratos de transporte marítimo de cargas. Tem restado consolidado no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o vín-culo contratual entre embarcador e transportador é necessário para a consecução da atividade empresarial (operação de meio), movido pelo intuito de obtenção de lucro, afastando-se a relação de consumo. Nesse sentido, tampouco a empresa seguradora pode ser considerada consumidora, aplicando-se o prazo prescricional de 1 ano para propositura de ação pelo segurador sub-rogado contra a transportadora para ressarcimento pela perda ou avaria da carga. Desta forma, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou que não há que se falar em incidência do Código de Defesa do Consumidor em contratos de trans-porte marítimo quando celebrado entre pessoas jurídicas e não houver vulnerabilidade de uma em relação à outra, reconhecendo-se a decadência do direito da seguradora e julgando extinto o processo, nos termos do art. 269, IV do Código de Processo Civil de 1973, aplicado ao caso.

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Seção Especial – Acontece

Da Prescrição Aplicável aos Trabalhadores Portuários Avulsos

MAXWEEL SuLíVAn DuRIgOn MEnEgHInIBacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande, Pós-Graduado em Direito Tri-butário pela Fundação Getúlio Vargas, Pós-Graduando em Direito Marítimo e Portuário pela Maritime Law Academy, Advogado na Frank Peluffo & Advogados Associados.

RESUMO: O trabalho portuário avulso é regido pelas Leis nºs 9.719/1998 e 12.815/2013. As referidas leis, atendendo e observando as peculiaridades e particularidades do trabalho portuário avulso, deter-minam que as regras, condições de trabalho e remuneração pelos serviços prestados serão objeto de negociação coletiva entre as entidades representativas dos trabalhadores avulsos e dos operadores portuários. O trabalhador portuário avulso não mantém vínculo empregatício com o Órgão Gestor ou com os tomadores de serviço, fato este que tem gerado ao longo dos anos grande discussão na doutrina e na jurisprudência no que concerne ao prazo prescricional aplicável ao trabalhador portuário avulso, o que será objeto do presente estudo, cuja conclusão é pela aplicação da prescrição bienal.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalhador; portuário; avulso; prescrição; igualdade; porto; órgão gestor.

ABSTRACT: The separate dock work is governed by the Laws nºs 9.719/1998 and 12.815/2013. The-se laws, meeting and observing the peculiarities and particularities of separate dock work, determine the rules, working conditions and remuneration for services rendered will be subject to collective bargaining between the representative bodies of temporary workers and port operators. The single port worker does not maintain an employment relationship with the Management Agency or the service takers, a fact that has generated over the years a great deal of discussion in the doctrine and jurisprudence regarding the prescriptive period applicable to the single port worker, which will be object of the present study, whose conclusion is the application of the biennial prescription.

KEYWORDS: Worker; port; single; prescription; equality; port; management agency.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do trabalho portuário avulso. Visão geral; 2 Da prescrição aplicável ao trabalhador portuário avulso; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXIX, estabelece quanto ao prazo prescricional um limite de dois anos para o exercício do direito de ação, a contar da extinção do contrato de trabalho.

A nova Lei dos Portos (12.815/2013), ao tratar da relação de trabalho avulso, embora mantendo a limitação bienal constitucional, define como marco inicial do prazo prescricional a data do cancelamento do registro ou do cadastro do trabalhador junto ao Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). A previsão está contida no § 4º do art. 37.

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Contudo, a referida previsão legal se encontra nitidamente em desa-cordo com a regra geral de prescrição dos créditos trabalhistas, prevista no art. 7º do inciso XXIX da Constituição Federal.

A distinção de tratamento está causando insegurança jurídica para os operadores portuários e para os órgãos de gestão de mão obra em âmbito nacional, porquanto a norma em discussão conferiu aos trabalhadores por-tuários avulsos uma condição mais benéfica do que a aplicável aos traba-lhadores portuários contratados em caráter permanente, o que implica na incompatibilidade dessa disposição legal com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos previstos na Constituição Federal, em seus arts. 1º e 5º.

No caso do trabalhador portuário avulso, diferentemente do trabalha-dor comum ou do portuário contratado a vínculo, submete-se a regime de contratação temporária – geralmente por turnos de 6 (seis) horas –, prestan-do serviços na modalidade de engajamento voluntário a curtíssimo prazo. O vínculo contratual se forma diretamente com o operador portuário – toma-dor de serviços –, de sorte que, a cada contratação, aperfeiçoa-se uma nova relação com o respectivo tomador de serviços, independente da anterior. Isto é, encerrado o turno de trabalho, a relação de trabalho formada entre o trabalhador avulso e o tomador de serviços se extingue, afeiçoando-se a um contrato de trabalho quando da sua rescisão.

No término de cada relação de trabalho com os operadores portuá-rios, do mesmo modo como ocorre em uma rescisão de contrato, o traba-lhador avulso recebe todas as verbas salariais, incluindo férias e décimo terceiro proporcional, repouso semanal remunerado e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Logo, encerrado o turno de trabalho, com o pagamento da remune-ração e demais encargos trabalhistas, extinta está a relação de trabalho, devendo este ser o marco para contagem prescricional de dois anos para reclamar na forma do Texto Constitucional.

O fato de os TPAs estarem registrados e cadastrados junto ao OGMO e de este intermediar a relação de trabalho, de acordo com a intenção da Lei dos Portos, é para facilitar o acesso democrático ao trabalho para esse tipo de trabalhador, concedendo a eles treinamentos qualificados, setor de saúde e segurança do trabalho especializado e garantido de forma solidária o pagamento da remuneração devida pelo trabalho prestado aos tomadores de serviço, inclusive em caso de acidente, contudo, sem manter qualquer vínculo empregatício.

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Por isso, o Tribunal Superior do Trabalho, com o intuito de pacificar a relação de trabalho havida entre portuários avulsos e operadores portuários, havia editado a Orientação Jurisprudencial nº 384 da sua Subseção Especia-lizada em Dissídios Individuais no ano de 2010. No entanto, sem qualquer justificativa, em 2012, a referida orientação jurisprudencial foi cancelada, passando os órgãos julgadores do TST e dos TRTs e os Juízes de Primeiro Grau a julgarem em sentidos antagônicos, uns defendendo a aplicação da bienal e outros, a aplicação da prescrição quinquenal.

Posteriormente, quando da edição da Lei nº 12.815/2013, que alterou a Lei nº 8.630/1993, atendendo a reivindicação da classe trabalhadora, o Congresso Nacional aprovou a inclusão do texto final (o § 4º ao art. 37) da lei durante a sua votação, determinando que as ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em cinco anos, até o limite de dois anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra, o que trouxe insegurança jurídica para o setor portuário.

Considerando essa insegurança jurídica, o aumento considerável do passivo trabalhista, mas principalmente pelo fato de a referida norma legal não estar de acordo com a Carta Magna por ofensa aos princípios da igual-dade e da proporcionalidade, a Federação Nacional dos Operadores Por-tuários, apoiada por outras entidades do setor, como a Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público, ingressou no Supremo Tribu-nal Federal com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5132, buscando extirpar do ordenamento legal o § 4º do art. 37 da Lei nº 12.815/2013.

Desta feita, o presente estudo defende a aplicação da prescrição bie-nal para o trabalhador portuário avulso, sob pena da relativização do prin-cípio da igualdade e ofensa ao princípio da legalidade, previstos na Consti-tuição Federal.

1 DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO. VISÃO GERAL

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o cenário por-tuário nacional sofreu diversas mudanças em sua sistemática, entre elas a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado e os trabalhadores avulsos.

A referida equiparação de direitos se encontra prevista no art. 7º, in-ciso XXXIV, da Constituição Federal. Contudo, a amplitude do princípio da isonomia não pode ser relativizada, consubstanciando-se apenas em igual-dade formal e não em igualdade material, já que o trabalho avulso não

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se compara materialmente ao trabalho a prazo indeterminado. O referido dispositivo deve ser aplicado com parcimônia e apenas no que efetivamente couber ou em caso de extrema necessidade.

Neste sentido, defendendo a aplicação relativa da isonomia ao tra-balhador avulso, o saudoso Arnaldo Süssekind ensina que a Lei Maior, no inciso XXXIV do art. 7º, preceitua a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso e o empregado, tratando-se de mera fantasia, pois a norma jurídica não tem o condão de solucionar o impossível. Essa pretendida isonomia há de ser respeitada no que couber, como, por exemplo, assegurar ao trabalha-dor avulso a indenização por despedida, pois, se não sendo ele empregado, jamais poderia ser despedido. Como garantir-lhes participação nos lucros, nos resultados ou na gestão de empresas tomadoras de serviços se entre estas e os trabalhadores escalados estabelece-se relação jurídica efêmera1?

Para que efetivamente fossem alçados direitos iguais aos trabalhado-res portuários avulsos em relação aos trabalhadores com vínculo empre-gatício, foi editada a Lei de Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/1993), legislação que acarretou uma grande reestruturação no Sistema Portuário Brasileiro.

A referida lei foi revogada pela Lei nº 12.815/2013; todavia, as suas disposições foram mantidas quase que integralmente no que se refere ao tra-balho portuário avulso. As alterações referem-se ao sistema de concessão, arrendamento ou até mesmo privatização dos Portos Públicos brasileiros, visando a aumentar a competitividade do Brasil neste segmento. Outras im-portantes modificações foram a pactuação da multifuncionalidade por meio de norma coletiva de trabalho, o fato de a aposentadoria não cancelar mais a matrícula do trabalhador avulso junto ao OGMO, bem como a fixação em cinco anos do prazo prescricional para o trabalhador avulso.

A Lei nº 8.630/1993 incentivou a negociação coletiva na área portu-ária por meio de contratos, acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, fortalecendo a presença das entidades sindicais. Todavia, acabou com a intermediação da mão de obra avulsa exercida por estas, criando a figura do OGMO, visando a estabelecer a igualdade de oportunidades de trabalho aos trabalhadores avulsos.

Dadas as particularidades e peculiaridades que norteiam o trabalho portuário avulso e as operações portuárias, a referida lei privilegiou a nego-ciação coletiva entre os sindicatos patronal e obreiro, visando à manuten-ção das oportunidades de trabalho dos avulsos junto aos operadores por-

1 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.103.

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tuários e a melhor competitividade dos portos brasileiros frente ao cenário internacional.

O OGMO passou a realizar o gerenciamento da mão de obra por-tuária avulsa, promovendo a habilitação e o treinamento dos trabalhado-res, aplicando penalidades, efetuando a remuneração, recolhendo encargos fiscais e zelando pelo cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho. A atuação do OGMO está estritamente atrelada ao conteúdo das normas coletivas de trabalho. Na vacância destas, o Órgão Gestor deve observar o disposto na legislação especial aplicável ao avulso e, na lacuna desta, o constante na CLT.

Desta feita, o OGMO é responsável por recolher dos tomadores de serviços os valores para pagamento da remuneração devida aos trabalha-dores avulsos que prestaram serviços àqueles, assim como deve recolher e adimplir os encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas que incidem sobre a referida remuneração.

São considerados trabalhos portuários avulsos as categorias de capa-tazia, estiva, conferência, conserto, vigilância e bloco (art. 40, § 1º, da Lei nº 12.815/2013). E podem ser realizados tanto a bordo das embarcações quanto em terra nos cais públicos ou em terminais públicos ou privados.

Sobre o trabalho portuário avulso, bem explica Francisco Edivar Carvalho2 que o trabalho portuário nos portos organizados e nas instalações portuárias localizadas no seu interior pode ser realizado por avulsos ou por empregados contratados a prazo indeterminado oriundos dos quadros do OGMO. Havia divergências de entendimentos em face da interpretação do art. 26, parágrafo único, da revogada Lei nº 8.630/1993, que tratava da con-tratação de TPA. O caput do referido artigo fazia referência a todas as ativi-dades, e o parágrafo único não fazia referência às atividades de capatazia e bloco. Tal divergência foi sanada pelo art. 40, § 2º, da Lei nº 12.815/1993, ao ditar que a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado de todas as atividades (capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, vigilância de embarcações e bloco) deverá ser feita exclusivamente entre os trabalhadores portuários avulsos registrados no OGMO. E ainda, por força do art. 40, § 4º, as atividades anteriormente citadas passaram a ser conside-radas diferenciadas, o que representa uma conquista para os TPA, posto que a negociação dos acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho se dará com as representações deles, independentemente da atividade preponde-

2 CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho portuário a partir do novo marco regulatório instituído pela Lei nº 12.815/2013. Jus Navigandi, Teresina, a. 18, n. 3712, 30 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25182>. Acesso em: 3 jan. 2014.

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rante desenvolvida pelo titular da instalação portuária, esteja ela dentro ou fora da área do porto organizado.

O portuário avulso é uma categoria específica de trabalhador, tendo características bem peculiares, como, por exemplo, intermediação do Ór-gão Gestor de Mão de Obra, ausência de subordinação, impessoalidade e liberdade de escolha quanto ao trabalho ofertado.

Na visão de Arnaldo Bastos Santos Neto e Paulo Sérgio Xavier Ventilari, as características marcantes do trabalho avulso são a prestação de serviços de forma descontínua a diversos tomadores de serviços e a inter-mediação por meio de sindicato ou, como nos portos, por meio do OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra. Sendo a descontinuidade uma das suas características, o trabalhador avulso é, sem dúvida, um trabalhador de natu-reza eventual, sem vínculo empregatício3.

Desta forma, temos o trabalhador avulso como sendo aquele que presta serviços, sem vínculo empregatício, para diversas empresas (tomado-ras de serviço), tendo o OGMO como intermediador desta relação.

A Lei de Modernização dos Portos (8.630/1993), em seu art. 20, men-cionava claramente que o trabalhador avulso não possui vínculo empregatí-cio com o Órgão Gestor de Mão de Obra. A referida disposição foi mantida pela nova lei em seu art. 34, motivo pelo qual a equiparação com trabalha-dores que possuem vínculo empregatício é difícil de se aplicar na prática.

O trabalhador avulso, de acordo com a Lei nº 12.815/2013, deverá ser inscrito no OGMO, podendo ser registrado ou cadastrado, conforme dispõem os seus arts. 41 e 42. A diferença entre as duas formas de inscrição no OGMO é que o trabalhador registrado tem prioridade na distribuição do serviço (escala rodiziária), enquanto os cadastrados servem de força su-pletiva e são escalados somente quando o número de registrados não é suficiente para atender a demanda solicitada pelos operadores portuários. O TPA poderá ainda ser multifuncional, ou seja, atuando em mais de uma categoria, desde que possua treinamento e exista norma coletiva de trabalho entre os sindicatos e operadores autorizando o trabalho multifuncional. O trabalho multifuncional ocorre quando o TPA possui registro na estiva, mas também treinamento para capatazia, por exemplo, atuando como força su-pletiva na capatazia, quando necessário e desde que respeitada a ordem da escala rodiziária de trabalho.

3 SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; VENTILARI, Paulo Sérgio Xavier. O trabalho portuário e a modernização dos portos. Curitiba: Juruá, 2009. p. 50.

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Após a prestação dos serviços, o operador portuário repassa ao OGMO os valores relativos à operação portuária para que este proceda ao pagamento da remuneração devida aos trabalhadores portuários avulsos en-volvidos nas atividades, além de encargos sociais, previdenciários e fiscais.

É por isso que o OGMO foi uma das principais inovações trazidas pela Lei nº 8.630/1993 e mantido pela Lei nº 12.815/2013, devendo ser constituído e mantido pelos operadores portuários em cada porto organiza-do de nosso País, sendo responsável por gerenciar a mão de obra avulsa e intermediar a relação de trabalho entre os operadores portuários e os traba-lhadores portuários avulsos.

Segundo Cristiano Paixão e Ronaldo Curado Fleury:

É um órgão de finalidade pública, sem fins lucrativos (consoante o art. 25 da Lei nº 8.630/1993), que tem como objetivo primordial centralizar e adminis-trar a prestação de serviços nos portos organizados do Brasil. O OGMO é um órgão gestor que concentra a administração do trabalho portuário.4

Entre as finalidades do órgão gestor está a fiscalização relativa aos trabalhadores portuários avulsos, como manutenção do cadastro e registro dos trabalhadores, recebimento das requisições de serviço, realização da escalação dos trabalhadores, treinamento e habilitação profissional e for-necimento de identificação individual. Além disso, também possui poder disciplinar, podendo aplicar penalidades, por meio da instituição de Co-missão Paritária, quando necessário, previstas em lei, convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.

Suas atribuições e competências estavam previstas nos arts. 18 e 19 da Lei nº 8.630/1993 e foram mantidas pela nova Lei dos Portos, sendo importante citar o disposto no art. 32, VII, da Lei nº 12.815/2013, que é no mesmo sentido: “Arrecadar e repassar, aos respectivos beneficiários, os valores devidos pelos operadores portuários, relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários”. Da mesma forma é o disposto no § 4º do art. 2º da Lei nº 9.719/1998.

De acordo com a previsão legal, apesar de não fazer parte das nego-ciações coletivas de trabalho, o OGMO possui como dever precípuo ob-servar e aplicar o que for pactuado nos contratos, convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho realizados entre os sindicatos patronal e obreiro.

4 PAIXÃO, Cristiano; FLEURY, Ronaldo Curado. Trabalho portuário a modernização dos portos e as relações de trabalho no Brasil. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 26.

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Outrossim, o art. 2º da Lei nº 9.719/1998 estipula o prazo de 24 ho-ras, após a realização do serviço, para o operador portuário passar os valo-res referentes ao serviço para o OGMO, sendo dado a este o prazo de 48 horas para repassar o pagamento aos trabalhadores. É claro que esses prazos podem sofrer alterações por força de convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho, visando a adequar ou facilitar o adimplemento da remuneração devida aos trabalhadores avulsos.

No que se refere à relação entre o OGMO e os trabalhadores, con-forme já comentado, inexiste vínculo trabalhista, conforme se observa do art. 34 da Lei nº 12.815/2013 (art. 20 da Lei nº 8.630/1993), uma vez que aquele está somente desempenhando o exercício de suas atribuições que estão previstas em lei.

Inovação trazida pela Lei nº 12.815/2013 é a fixação, como marco inicial do prazo prescricional para o TPA reclamar seus direitos, da data do cancelamento do registro ou do cadastro junto ao OGMO (art. 37, § 4º):

§ 4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancela-mento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

A referida norma legal tem sido objeto de discussão no âmbito dos portos brasileiros e de acirrada contenda na justiça juslaboral brasileira, pois trouxe insegurança jurídica para este tipo de relação de trabalho e implicou o aumento do passivo trabalhista, fustigando ainda mais o setor portuário que desde 2008 sofre com a crise econômica nacional e mundial.

Feitas as referidas considerações a respeito do trabalho portuário avulso e suas particularidades, a seguir será tratado especificamente do tema central do presente estudo, qual seja, a aplicação da prescrição bienal à relação de trabalho portuário avulso.

2 DA PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AO TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO

A aplicação da prescrição bienal para os trabalhadores portuários avulsos sempre foi objeto de controvérsia na Justiça do Trabalho, posto que a Lei nº 8.630/1993 nada disciplinava a respeito da prescrição aplicável à relação de trabalho havida entre o trabalhador portuário avulso com os operadores portuários.

A discussão cingia à interpretação do art. 7º, incisos XXIX e XXXIV, da Constituição Federal, que atribuiu igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador avulso.

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Após o enfrentamento do tema em diversas oportunidades, finalmen-te, no ano de 2008, a Subseção I da Seção de Dissídios Individuais – SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento de que a pres-crição bienal também era aplicável ao trabalhador avulso, conforme se ob-serva da ementa a seguir colacionada:

RECURSO DE EMBARGOS – I – PRESCRIÇÃO – TRABALHADOR AVULSO PORTUÁRIO X TRABALHADOR COM VÍNCULO EMPREGATÍCIO PERMA-NENTE – 1. Cinge-se a controvérsia na interpretação do art. 7º, XXIX, da CF, para verificar qual será o prazo prescricional a ser observado pelo traba-lhador avulso, se quinquenal ou bienal contado da extinção do contrato de trabalho. 2. O inciso XXXIV do art. 7º da Carta Magna, ao atribuir “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o tra-balhador avulso”, terminou por resolver a questão que ora se busca decifrar, pois o princípio da isonomia, calcado na igualdade substancial (CF, art. 5º, II), não permitiria que se atribuíssem para situações consideradas pelo orde-namento jurídico como idênticas tratamentos diferenciados. 3. Desse modo, se para o trabalhador com vínculo permanente a contagem da prescrição tem limite constitucional de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, outra solução não poderá ser dada ao trabalhador avulso, cujo contrato de trabalho deve ser considerado como aquele que decorreu da prestação dos serviços, muito embora não se desconheça a atipicidade da relação jurídica que une um avulso ao tomador do seu serviço.

4. Assim, a partir de cada trabalho ultimado, nasce para o titular da pretensão o direito de verificar a existência de crédito trabalhista, iniciando-se a partir daí a contagem do prazo prescricional. 5. Ora, se virtuais direitos trabalhis-tas foram sonegados ou não reconhecidos ao trabalhador avulso, impõe-se que este reivindique o mais breve possível, ou seja, dentro do biênio pres-cricional contado da extinção contratual, consoante orienta a máxima latina dormientibus non succurrit ius (o direito não socorre os que dormem). Se as-sim não fosse, o beneficiário dos serviços prestados pelo avulso ficaria em situação desigual e desprivilegiada em relação aos empregadores que man-têm vínculo de emprego permanente, já que estes sabem que a inércia do ex-empregado pelo prazo de dois anos, contados da extinção do contrato de trabalho, fulmina definitivamente a pretensão trabalhista. Recurso de embar-gos desprovido, no particular. [...]. (E-ED-RR 8700-54.2002.5.09.0022, Subse-ção I Especializada em Dissídios Individuais, Relª Min. Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 18.02.2008, Data de Publicação: DJ 28.03.2008)

Com base no entendimento e nos reiterados julgados, se, para o tra-balhador com vínculo permanente, a contagem da prescrição tem limite constitucional de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, outra solução não poderia ser dada ao trabalhador portuário avulso, cujo contrato

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de trabalho deve ser considerado como aquele que decorreu da prestação dos serviços aos operadores portuários, muito embora não se desconheça a atipicidade da relação jurídica que une um avulso ao tomador do seu servi-ço, ou seja, a partir de cada trabalho ultimado, nasce para o titular da pre-tensão o direito de verificar a existência de crédito trabalhista, iniciando-se a partir daí a contagem do prazo prescricional bienal. O Tribunal Superior do Trabalho editou a Orientação Jurisprudencial nº 384 da SBDI-1 (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010):

É aplicável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constitui-ção de 1988 ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço.

O tema parecia restar pacificado quando o Tribunal Pleno do TST surpreendeu o setor portuário com o cancelamento da Orientação Jurispru-dencial nº 384 da SBDI-1 por meio da Resolução nº 186/2012 (DJe de 25, 26 e 27.09.2012). Na referida resolução, não havia qualquer justificativa ou julgamento de novo recurso de embargos representativo que ensejasse o seu cancelamento.

Em que pese o cancelamento da OJ 384, o próprio Tribunal Superior do Trabalho continuou a declarar a prescrição bienal nas relações de traba-lho existente entre portuários avulsos e tomadores de serviço. Neste sentido e a exemplo os julgados: RR 1386-08.2010.5.04.0122 (DEJT 09.11.2012), RR 265-93.2012.5.08.0014 (DEJT 13.09.2013) e RR 13500-27.2007.5.02.0255 (DEJT 04.04.2014).

Contudo, a discussão voltou à tona e com grande repercussão no setor portuário após a edição da Lei nº 12.815/2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis nºs 5.025, de 10 de junho de 1966, 10.233, de 5 de junho de 2001, 10.683, de 28 de maio de 2003, 9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nºs 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nºs 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências.

Entre as novidades trazidas para o setor portuário, uma delas trouxe impacto financeiro e econômico de modo negativo – isto é, trouxe prejuízo para o setor, pois aumentou o passivo trabalhista –, é o disposto no art. 37, § 4º, a seguir colacionado:

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4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancela-mento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

Nesse contexto, no Tribunal Superior do Trabalho, mesmo nas ações ajuizadas antes da entrada em vigor da Lei nº 12.815/2013, deixou prevale-cer a aplicação da prescrição bienal, conforme se observa a título exempli-ficativo pelo julgado a seguir:

TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO – PRESCRIÇÃO BIENAL – CONTA-GEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DO DESCREDEN-CIAMENTO DO TRABALHADOR AVULSO DO ÓRGÃO GESTOR DE MÃO DE OBRA (OGMO) – CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDEN-CIAL Nº 384 DA SBDI-1 – O Tribunal Pleno desta Corte, em decorrência dos debates realizados na denominada “Semana do TST”, no período de 10 a 14.09.2012, decidiu, em sessão realizada em 14.09.2012, por meio da Resolução nº 186/2012 (DJe de 25, 26 e 27.09.2012), cancelar a Orientação Jurisprudencial nº 384 da SBDI-1. Assim, não mais prevalece, nesta Corte Su-perior, o entendimento consagrado no verbete jurisprudencial cancelado de que, nos processos envolvendo os trabalhadores avulsos, a prescrição bienal prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal de 1988 conta-se da data do término de cada prestação de serviços aos seus tomadores, uma vez que o trabalhador avulso não mantém contrato de trabalho típico com os tomadores. Prevalece agora o entendimento de que, no caso de trabalhador avulso portuário, a prescrição bienal será contada a partir da data do seu descredenciamento do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO. Isso se ex-plica pela circunstância de que o Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO (ao qual permanecem ligados, de forma direta, sucessiva e contínua, os tra-balhadores) faz a intermediação entre os trabalhadores e os vários e suces-sivos tomadores dos seus serviços e repassa àqueles os valores pagos por esses últimos. Por outro lado, com a adoção desse novo entendimento, não se está violando o art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, sem dúvida também aplicável aos trabalhadores avulsos, por força do inciso XXXIV do mesmo dispositivo constitucional. Ademais, foi recentemente editada a Lei nº 12.815, de 05.06.2013, na qual, corroborando o entendimento jurispru-dencial desta Corte Superior, por meio do seu art. 37, § 4º, dispõe-se que “as ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso pres-crevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no Órgão Gestor de Mão de Obra”. Nesse con-texto, está expressamente reconhecido, na atual legislação, que a prescrição bienal, na hipótese de trabalhador avulso, deve ser contata a partir do cance-lamento do registro ou do cadastro no Órgão Gestor de Mão de Obra, o que afasta a tese do reclamado de que a prescrição deve ser observada a partir de cada engajamento. Registra-se, ainda, que, como a prescrição bienal so-

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mente tem lugar quando houver o descredenciamento do trabalhador do Órgão Gestor de Mão de Obra, na ausência do referido descredenciamento, permanece a aplicação da prescrição quinquenal em razão do liame contí-nuo que se estabelece entre o trabalhador portuário e o OGMO (E-RR 65500-90.2009.5.04.0121, Rel. Aloysio Corrêa da Veiga, Julgado em 28.04.2016, publicado no DEJT do dia 06.05.2016). Esse foi o entendimento adotado pela Subseção I de Dissídios Individuais desta Corte, ao julgar o Processo nº E--ED-RR 183000-24.2007.5.05.0121, de lavra deste Relator, em 04.08.2016, acórdão pendente de publicação, quando, por maioria, decidiu-se que, no caso de trabalhador avulso portuário, a prescrição bienal será contada a par-tir da data do seu descredenciamento do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO. No caso ora em exame, ante a ausência de cancelamento do registro ou do cadastro do reclamante no OGMO, em razão da continuidade da prestação do serviço, não há falar em declaração da prescrição bienal, conforme pretende o reclamado. (TST, ED-RR 9909720115040121, 3ª T., Rel. Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 18.05.2016, Data de Publicação: DEJT 20.05.2016)

Contudo, as 4ª, 5ª e 7ª Turmas do Tribunal Superior continuam a aplicar a prescrição bienal às demandas envolvendo trabalhadores portuá-rios avulsos com fundamento constitucional. Neste sentido, os julgados: RR 138100-53.2004.5.09.0022 (DEJT 07.12.2012), RR 265-93.2012.5.08.0014 (DEJT 13.09.2013), RR 1386-08.2010.5.04.0122 (DEJT 09.11.2012), RR 13500-27.2007.5.02.0255 (DEJT 04.04.2014), RR 11-72.2010.5.04.0121 (DEJT 19.06.2015) e, mais recentemente:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELOS RECLAMADOS – MATÉRIA COMUM – ANÁLISE CONJUNTA – 1. PRESCRIÇÃO BIENAL – TRABALHA-DOR AVULSO – PROVIMENTO – O regime de contratação do trabalhador avulso é distinto do trabalhador comum, já que sua contratação é sempre ad hoc, sendo certo que o Órgão de Gestão de Mão de Obra tem por finalidade administrar o fornecimento de mão de obra, além de gerir a arrecadação e o repasse da remuneração aos trabalhadores. Na realidade, o vínculo contra-tual se dá diretamente entre o trabalhador avulso e a empresa tomadora de serviços, de maneira que, a cada contratação, exsurge uma nova relação in-dependente da anterior. Por conseguinte, não há como se afastar a conclusão de que o marco extintivo se aplica a cada engajamento concreto, para pos-tular os direitos dele decorrentes. Dessa forma, no caso, devem ser conside-radas prescritas as pretensões relativas aos engajamentos que se encerraram há mais de dois anos do ajuizamento da reclamação trabalhista. Precedentes. Recurso de revista a que se dá provimento. 2. (RR 1396-81.2012.5.04.0122, 5ª T., Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 13.04.2016, Data de Publicação: DEJT 22.04.2016)

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Do mesmo sentir é o voto do Ministro Ives Gandra Martins Filho nos autos do Recurso de Embargos nº TST-E-RR 278-07.2011.5.04.0122:

O art. 7º, XXXIV, da CF concedeu ao trabalhador avulso todos os direitos conferidos aos trabalhadores urbanos e rurais com vínculo empregatício re-conhecido.

No rol do art. 7º se encontra o inciso XXIX, que trata do prazo prescricional (unificado o critério para trabalhadores urbanos e rurais a partir da Emenda Constitucional nº 28/2000), sendo bienal a partir da extinção do contrato e quinquenal a contar da data da lesão, quando esta ocorrer no curso do contrato.

Assim, a primeira conclusão a que se chega é a de que a prescrição bienal não pode, em tese, ser descartada em relação ao trabalhador avulso, por imperativo constitucional.

Na verdade, o que se questiona é o marco inicial da prescrição, quando se tratar de trabalhador avulso, dada a natureza especial do trabalho que de-sempenha.

Com efeito, o trabalhador avulso portuário presta serviços sob a modalidade de engajamento nos navios que aportam, com a intermediação do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO (que substituiu, nesse mister, os sindicatos obreiros, conforme a Lei nº 8.630/1993).

Nessa linha, duas são as teses de consideração do marco prescricional: a data do encerramento de cada engajamento, considerado como um con-trato a prazo determinado com o navio, ou a baixa do registro no OGMO, assimilado, por analogia, o OGMO ao empregador (já que recebe as verbas salariais e as repassa ao trabalhador).

O regime de contratação do trabalhador avulso é distinto daquele do traba-lhador comum, já que sua contratação é sempre ad hoc, a curtíssimo prazo, sendo certo que o Órgão de Gestão de Mão de Obra tem por finalidade administrar o fornecimento desta, além de gerir a arrecadação e o repasse da remuneração aos trabalhadores. Na realidade, o vínculo contratual se dá diretamente entre o trabalhador avulso e a empresa tomadora de serviços, de maneira que, a cada contratação, exsurge uma nova relação independente da anterior.

Por conseguinte, não há como afastar a conclusão de que o marco extintivo se aplica a cada engajamento concreto, para postular os direitos dele decor-rentes.

Assimilar o OGMO ao empregador seria o mesmo que pretender, no regime anterior à Lei dos Portos, que os sindicatos fossem empregadores, quando eram eles que intermediavam o fornecimento de mão de obra.

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Cabe ressaltar que a matéria se encontrava disciplinada na Orientação Juris-prudencial nº 384 da SBDI-1 do TST, verbis:

“TRABALHADOR AVULSO – PRESCRIÇÃO BIENAL – TERMO INICIAL – (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010) É aplicável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 ao trabalhador avulso, ten-do como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço.”

Tribunal Superior do Trabalho transmitiu claro posicionamento no sentido de que as entidades gestoras deveriam provisionar o seu passivo trabalhista considerando-se a prescrição bienal, a contar de cada engajamento, não vin-culando a contagem do prazo prescricional ao cancelamento do registro ou do cadastro no Órgão Gestor de Mão de Obra.

Todavia, o Tribunal Pleno desta Corte, em decorrência dos debates realiza-dos na denominada “Semana do TST”, no período de 10 a 14.09.2012, de-cidiu, por maioria, em sessão realizada em 14.09.2012, por meio da Resolu-ção nº 186/2012 (DJe de 25, 26 e 27.09.2012), cancelar a citada orientação jurisprudencial.

Não se pode perder de vista que o cancelamento de eventual súmula ou orientação jurisprudencial visa a deixar a jurisprudência livre, para que ela trilhe o seu próprio caminho, sem ficar jungida àquela hipótese, antes previs-ta no verbete sumular ou na orientação jurisprudencial.

Não é demais lembrar que, na mesma “Semana do TST”, citada alhures, foi alterada a sinalização da Súmula nº 277 do TST, que trata da ultratividade de cláusulas de acordos e convenções coletivas, adotando-se entendimento diametralmente contrário ao exposto em sua redação original.

Em outras palavras, quando esta Corte Superior realmente quer dizer o con-trário do que dispõe um enunciado sumular, muda-se a diretriz da súmula. Quando se quer deixar livre a jurisprudência, cancela-se e, depois, forma-se um novo entendimento, com precedentes específicos. Nessa senda, o can-celamento da Orientação Jurisprudencial nº 384 da SBDI-1 do TST apenas deixou em aberto a discussão para que a jurisprudência se sedimentasse em um sentido ou noutro, mas não significou a inversão automática de sinal.

Ademais, não se ignora que a Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, abraçou o entendimento contrário ao aqui defendido, ao prever, no art. 37, § 4º, que “as ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancela-mento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra”.

Cumpre alertar, ainda, que o art. 37, § 4º, da Lei nº 12.815/2013, transcrito acima, é alvo no STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.132/DF,

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ajuizada pela Federação Nacional dos Operadores Portuários – FENOP, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, pendente de julgamento.

Assim, em que pese o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 384 da SBDI-1 desta Corte, conclui-se que é aplicável ao trabalhador portuário avulso o prazo prescricional de dois anos (bienal), tendo como marco inicial o término do contrato firmado com cada um dos tomadores de serviço.

Imprescindível considerar que eventual vinculação do prazo prescricional ao cancelamento do registro dos trabalhadores avulsos no OGMO promo-verá substancial majoração dos passivos trabalhistas, com consequências irreparáveis à maioria das entidades gestoras de mão de obra, esfacelando o sistema de gestão imposto pela Lei nº 8. 630/1993 e mantido pela Lei nº 12.815/2013, o que também causa extrema preocupação.

Atualmente, os julgados das 4ª, 5ª e 7ª Turmas e o posicionamento do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho são minoria, pois não mais prevalece, na referida Corte Superior, o entendimento consagrado no verbete jurisprudencial cancelado de que, nos processos envolvendo os trabalhadores avulsos, a prescrição bienal prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal de 1988 conta-se da data do término de cada presta-ção de serviços aos seus tomadores, uma vez que o trabalhador avulso não mantém contrato de trabalho típico com os mesmos tomadores.

Prevalece agora o entendimento de que, no caso de trabalhador avul-so portuário, a prescrição bienal será contada a partir da data do seu descre-denciamento do OGMO. Não havendo cancelamento da matrícula, aplica--se o prazo quinquenal.

Isto se explica pela circunstância de que o OGMO (ao qual permane-cem ligados, de forma direta, sucessiva e contínua, os trabalhadores) faz a intermediação entre os trabalhadores e os vários e sucessivos tomadores dos seus serviços e lhes repassa os valores pagos por estes últimos.

Ressalta-se que a prestação de serviço do trabalhador portuário avul-so é obrigatoriamente intermediada pelo OGMO, independentemente dos distintos tomadores de serviço, ou seja, é exclusividade do OGMO manter os registros dos trabalhadores portuários avulsos para o fornecimento de força de trabalho aos tomadores de serviços, denominados operadores por-tuários.

Por outro lado, com a adoção desse entendimento, os Ministros que seguem essa linha consideram não se estar violando o art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, pois sem dúvida que também é aplicável aos tra-

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balhadores portuários avulsos, por força do inciso XXXIV do mesmo dispo-sitivo constitucional.

Destaca-se que, no referido inciso XXIX, não se fixa, para os trabalha-dores portuários avulsos, nenhum termo inicial para a contagem do prazo prescricional, o qual, com a consagração dessa nova tese, será contado, sempre e exclusivamente, da data da extinção da relação jurídica entre o trabalhador portuário avulso e o OGMO, o que somente ocorrerá quando da extinção por morte do trabalhador ou pelo cancelamento da sua inscri-ção no cadastro e no registro do trabalhador portuário.

Esse foi o entendimento adotado pela Subseção I de Dissídios Indi-viduais do TST ao julgar o Processo E-ED-RR 183000-24.2007.5.05.0121, em 04.08.2016, quando, por maioria, decidiu-se que, no caso de traba-lhador avulso portuário, a prescrição bienal será contada a partir da data do seu descredenciamento do OGMO. Na mesma oportunidade, foram julgados os seguintes processos, com o mesmo entendimento: E-ED-RR 1232-60.2012.5.09.0322, E-RR 1966-74.2013.5.09.0322, E-RR 11200-67.2008.5.02.0252, E-ED-RR 35600-93.2004.5.02.0444, E-ED-RR 70840-36.2005.5.05.0021, E-RR 72400-34.2001.5.02.0442, E-ED-RR 131700-24.2005.5.05.0014, E-RR 211900-27.2006.5.02.0447, de lavra deste Relator; E-ED-RR 2033-66.2013.5.09.0022, E-ARR 20063-78.2013. 5.04.0123, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga; E-ED-RR 1174-84.2012.5. 09.0022, E-RR 177300-96.2006.5.09.0022, Rel. Min. João Batista Brito Pereira; E-RR 48100-23.2006.5.02.0251, Rel. Min. Mário Eurico Vitral Amaro; E-ARR 139-86.2012.5.09.0411, E-RR 954-83.2012.5.09.0411, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann.

Em virtude do supradito entendimento da maioria dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, bem como pelo fato de a referida previsão legal se encontrar nitidamente em desacordo com a regra geral de prescri-ção dos créditos trabalhistas, prevista no art. 7º do inciso XXIX da Consti-tuição Federal, a Federação Nacional dos Operadores Portuários – FENOP ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 5132) no Supremo Tribunal Federal para questionar o dispositivo da Nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), que trata do prazo de prescrição para ingresso na Justiça do Trabalho com ações de trabalhadores avulsos.

A ADI contesta o § 4º do art. 37 da Lei dos Portos, segundo o qual “as ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em cinco anos até o limite de dois anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no Órgão Gestor de Mão de Obra”.

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Para a entidade representativa dos operadores portuários, a regra pre-vista na nova legislação para o setor está em desacordo com o art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, pelo qual as ações para a obtenção de crédi-tos decorrentes de relações de trabalho, urbanas ou rurais, podem ser ajui-zadas “até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.

Segundo a FENOP, há uma clara diferença entre as duas normas:

Enquanto a Constituição Federal estabelece, quanto ao prazo prescricional, um limite de dois anos para o exercício do direito de ação, a contar da extin-ção do contrato de trabalho, a Nova Lei dos Portos, ao tratar da relação de trabalho avulso, embora mantendo essa limitação, define como marco inicial do prazo de prescrição a data do cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

A entidade explica que a relação de trabalho no caso dos portuários é intermediada pelo OGMO. Segundo o art. 32 da Lei dos Portos, esse órgão é um intermediador entre o operador dos portos e os trabalhadores do setor e também responsável pela arrecadação e repasse de verbas relativas a en-cargos fiscais, sociais e previdenciários.

Na ação, a Federação lembra que há um regime diferenciado para tratar o trabalhador avulso em relação ao trabalhador comum, pois aquele

submete-se a regime de contratação ad hoc (finalidade específica), a curtís-simo prazo, prestando serviços na modalidade de engajamento. O vínculo contratual se forma diretamente entre o trabalhador avulso e a empresa toma-dora de serviços, de sorte que, a cada contratação, aperfeiçoa-se uma nova relação com o respectivo tomador de serviços, independente da anterior.

Assim, para a entidade, não existe qualquer vínculo empregatício en-tre o trabalhador avulso e o OGMO. “Se o OGMO não participa da relação jurídica do avulso com o operador portuário, não há nenhuma justificativa plausível para que o marco do prazo prescricional bienal das reclamações do trabalhador contra o operador portuário coincida com um episódio das relações exclusivas do avulso com o OGMO”, argumenta a Federação na ADI.

Diante das alegações, a FENOP busca a concessão de liminar, com efeito retroativo (ex tunc), para suspender a eficácia do dispositivo questio-nado (§ 4º do art. 37 da Nova Lei dos Portos). No mérito, pleiteia a decla-ração, também com efeito retroativo, a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado. O relator da ADI é o Ministro Gilmar Mendes.

A referida ADI é apoiada pela Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec) e pela Associação Brasileira dos

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Terminais Portuários (ABTP), ambas aceitas no feito na condição de amici curiae.

Neste ponto, cabe lembrar que uma das características da Constitui-ção é, nas palavras de Luís Roberto Barroso apud Amandino Teixeira Nunes Junior, a natureza da linguagem, que se refere à veiculação, no Texto Cons-titucional, de normas de índole princípio lógica que apresentam “maior abertura, maior grau de abstração e, consequentemente, menor densidade jurídica”5.

Ora, por se configurar a Constituição como paradigma normativo de todo o ordenamento jurídico, impossível ansiar do constituinte a mesma rigidez de escrita, tanto formal quanto tecnicamente utilizada no processo legislativo infraconstitucional.

Assim, verifica-se do conteúdo do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, que a utilização da expressão “relação de trabalho” e ao final do mesmo, a expressão “vínculo de emprego”. Entretanto, sopesando os ele-mentos do conjunto, chega-se à conclusão de que o espírito do constituinte foi de utilizar a segunda como sinônimo da primeira, até por englobá-la em seu sentido jurídico. Tamanha seria a incoerência do referido texto legal se interpretado pela exegese pura.

Válido também lembrar que é de importância cabal para a interpre-tação da Constituição a observância do princípio da unicidade, que nos informa sê-la um ordenamento jurídico único, não devendo ser aplicadas suas normas isoladamente.

O ilustre Mestre J. J. Gomes Canotilho6 nos ensina o seguinte neste particular, in verbis:

O princípio da unidade da Constituição obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de ten-são existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

Desta feita, ao aplicar o inciso XXIX, do art. 7º, da Constituição, o operador do direito deve ater-se aos dispositivos constitucionais afins ao mesmo, para que o interprete em seu próprio contexto. Urge frisar que me-recem cotejo ao dispositivo supracitado o inciso XXXIV do mesmo artigo e, ainda, o caput do art. 5º da Carta Política. Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-

5 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A moderna interpretação constitucional. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3497>. Acesso em: 5 dez. 2016.

6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991.

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bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a proprie-dade [...]

[...]

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador avulso.

Ora, o caput do art. 5º supramencionado configura-se como carro--chefe do princípio da igualdade, informando que todos os indivíduos me-recem tratamento jurídico não discriminatório. Por sua vez, o inciso XXXIV do art. 7º da CF reforça o princípio da isonomia formal entre trabalhador avulso e trabalhador com vínculo empregatício. A partir dessa premissa, passa-se à análise do inciso XXIX com o peso da igualdade jurídica entre as consideradas relações de trabalho avulso e de emprego.

No que concerne à igualdade formal havida entre o trabalhador por-tuário avulso e o trabalhador vinculado, o Grupo Jurídico de Estudos da Abratec, formado por profissionais com experiência e renome do setor por-tuário, como muita propriedade explicam que:

A aplicação do princípio constitucional de igualdade de direitos entre avul-sos e trabalhadores com vínculo empregatício, insculpido no art. 7º, XXXIV, da CF, eis que a igualdade assegurada é de forma geral e não de direitos es-peciais e para a prescrição dos avulsos não existe regramento especial. Den-tre os direitos gerais previstos está a prescrição. Não há lei infraconstitucional ou mesmo constitucional a regular a prescrição de forma diversa.

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, conso-ante preceitua o art. 5º, caput, da Constituição Federal. Consta também do Texto Constitucional que todos são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I, da Constituição Federal), ou ainda a igualdade preconizada entre empregado e trabalhador avulso (art. 7º, inciso XXXIV).

Esta é a igualdade formal.

Todavia, a igualdade há de subordinar-se às diferenças existentes entre os destinatários da norma, o que leva à conclusão da inexistência da igualdade absoluta, que, caso configurada, criaria situações de absoluta desigualdade.

Esse entendimento confirma que ao princípio da igualdade deve ser incluído o conceito de proporcionalidade.

Igualdade jurídica significa que todos serão tratados da mesma forma perante a lei. No entanto, cumpre esclarecer que, em adequação ao entendimento atual, o tratamento dispensado será equivalente para todos aqueles que se

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encontrem em idêntica situação. Deve-se, portanto, pelo princípio da igual-dade, tratar desigualmente os desiguais.

É evidente que a aplicação do princípio constitucional da igualdade deve ocorrer com base na igualdade jurídica, ou seja, devem ser respeitadas as peculiaridades do trabalho portuário avulso, as quais, de forma incontrover-sa, restam reconhecidas.

A aplicação do referido princípio constitucional deverá ser analisada e/ou interpretada na intenção de que o Poder Constituinte o fez, ou seja, de que todos são iguais perante a lei, mas dentro das diferenças existentes.

Dessa forma, tem-se que será respeitado o princípio da igualdade jurídica quando for baseado em diferenças reais e inerentes dos sujeitos envolvidos. Essa é a hipótese em apreço. Ou seja, os trabalhadores portuários avulsos têm constitucionalmente garantida sua igualdade em relação aos trabalha-dores com vínculo de emprego, por força do art. 7º, XXXIV, da Constituição Federal, nos limites da igualdade fática existente entre eles, não, porém, nos limites da desigualdade existente entre eles e os trabalhadores com vínculo de emprego permanente.

[...]

Assim, o trabalhador portuário faz jus aos mesmos direitos devidos aos em-pregados em geral, previstos na Constituição, entre eles a prescrição bienal, prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.

[...]

Desta forma, não pode prevalecer o entendimento de que o prazo prescricio-nal bienal só começa a fluir com a extinção do cadastro ou registro perante o Órgão Gestor, sob o fundamento de que “[...] a relação que se estabelece entre o avulso e os reclamados é única, de trato sucessivo e de forma conti-nuada, [...]”, uma vez que a essência dos contratos de engajamento – como ocorre com os trabalhadores portuários avulsos – é a provisoriedade e não a comunicação de períodos, pois, conforme já sobredito, a cada engajamento no trabalho, forma-se entre o trabalhador avulso e o operador portuário uma nova relação de trabalho, e, cumprido o seu objeto, uma nova contratação adquire contornos de independência da anterior, motivo pelo qual a partir do término de cada relação de trabalho deve-se iniciar a contagem do prazo prescricional bienal.7

Em resumo, se para o trabalhador com vínculo permanente a conta-gem da prescrição tem limite constitucional de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, outra solução não poderá ser dada ao trabalhador avulso, cujo contrato de trabalho deve ser considerado como aquele que

7 ABRATEC. Trabalhador portuário avulso. Prescrição bienal. Grupo jurídico de estudo. Disponível em: <http://www.abratec-terminais.org.br/files/pdf/Trabalho_Portuario_Avulso.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2016.

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decorreu da prestação dos serviços, muito embora não se desconheça a ati-picidade da relação jurídica que une um avulso ao tomador do seu serviço. Assim, a partir de cada trabalho ultimado, nasce para o titular da pretensão o direito de verificar a existência de crédito trabalhista, daí a contagem do prazo prescricional.

Desta feita, entender que o § 4º do art. 37 da Lei nº 12.815/2013 se encontra em consonância com a Constituição Federal, especialmente sob o entendimento do TST de que a prescrição bienal somente incide quando do descredenciamento do trabalhador portuário avulso do OGMO, é manter uma lide perpetua e que, portanto, gera insegurança jurídica ao setor por-tuário, pois é sabido que a matéria prescrição é a densificação da segurança jurídica, que, por sua vez, é um desdobramento do Estado de Direito, como já decidiu o STF (Pet 2.900-QO, DJ de 01.08.2003) e como já escreveu Luis Roberto Barroso8:

[...] Num Estado democrático de direito, a ordem jurídica gravita em torno de dois valores essenciais, a segurança e a justiça [...] É nessa mesma ordem de ideias que se firmou e difundiu o conceito de prescrição, vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo.

O trabalhador portuário avulso, diferentemente do trabalhador co-mum, submete-se a regime de contratação temporário – no caso dos autos por turnos de 6 (seis) horas –, prestando serviços na modalidade de en-gajamento voluntário a curtíssimo prazo. O vínculo contratual se forma diretamente com o operador portuário – tomador de serviços –, de sorte que, a cada contratação, aperfeiçoa-se uma nova relação com o respectivo tomador de serviços, independente da anterior. Isto é, encerrado o turno de trabalho, a relação de trabalho formada entre o trabalhador avulso e o tomador de serviços se extingue, afeiçoando-se a um contrato de trabalho quando da sua rescisão.

Não é por acaso que a Lei nº 9.719/1998 determina, em seu art. 2º e parágrafos, que, após o término do turno de trabalho, o operador portuá-rio possui o prazo de 24h para repassar ao OGMO os valores devidos aos trabalhadores, que, por sua vez, possui o prazo de 48 horas para pagar a remuneração do trabalhador acrescida de FGTS, férias proporcionais e ter-ço constitucional, décimo terceiro salário, RSR, bem como realizar os des-contos previdenciários. Logo, encerrado o turno de trabalho, extinta está a

8 BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no Direito brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/1999. Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ, 2001.

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relação de trabalho, devendo este ser o marco para contagem prescricional de dois anos na forma do texto constitucional.

O fato de os TPAs estarem matriculados junto ao OGMO e deste gerenciar a relação de trabalho, de acordo com o escopo da Lei dos Portos, é para facilitar o acesso democrático ao trabalho para este tipo de trabalha-dor, concedendo a eles, treinamento qualificado, setor de saúde e seguran-ça do trabalho e garantido de forma solidária o pagamento da remuneração devida pelo trabalho prestado aos tomadores de serviço, inclusive em caso de acidente de trabalho. No entanto, sem manter qualquer vínculo empre-gatício com o OGMO ou com os tomadores de serviço, na forma do art. 34 da Lei nº 12.815/2013.

Desse modo, a cada engajamento no trabalho com tomadores dife-rentes entre si, forma-se uma nova relação contratual de trabalho. Cumprido o seu objeto, uma nova contratação adquire contornos de independência da anterior, motivo pelo qual, ao término de cada prestação de serviço do avulso às diferentes empresas portuárias, deve-se dar o início da contagem do prazo prescricional bienal.

Portanto, resta claro que o art. 37, § 4º, da Lei nº 12.815/2013 se en-contra em descompasso com o texto da Carta Magna, pois, de acordo com a regra prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988, ao trabalhador avulso aplica-se a prescrição bienal, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço. O inciso XXXIV do art. 7º da Carta Magna, ao atribuir “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”, terminou por resolver a questão que ora se busca decifrar, pois o princípio da isono-mia, calcado na igualdade substancial (CF, art. 5º, II), não permitiria que se atribuíssem para situações consideradas pelo ordenamento jurídico como idênticas tratamentos diferenciados.

Desse modo, a partir de cada trabalho ultimado, nasce para o titular da pretensão o direito de verificar a existência de crédito trabalhista, inician-do-se a partir daí a contagem do prazo prescricional bienal.

CONCLUSÃO

A nova Lei dos Portos (12.815/2013), ao tratar da relação de trabalho avulso, embora mantendo a limitação bienal constitucional, define como marco inicial do prazo prescricional a data do cancelamento do registro ou do cadastro do trabalhador junto ao OGMO, fato este que atrai a declaração

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da prescrição quinquenal enquanto não descredenciado o trabalhador dos registros do OGMO. A previsão está contida no § 4º do art. 37.

No entanto, conforme amplamente demonstrado no presente estudo, a referida previsão legal se encontra nitidamente em desacordo com a regra geral de prescrição dos créditos trabalhistas, prevista no art. 7º do inciso XXIX da Constituição Federal, que estabelece um limite de dois anos para o exercício do direito de ação, a contar da extinção do contrato de trabalho.

O vínculo existente entre os tomadores de serviço e os trabalhadores avulsos escalados pelo OGMO limita-se ao período efetivamente trabalha-do, sendo que, a cada pegada, uma nova relação jurídica é formada.

O trabalhador portuário avulso executa uma forma peculiar de pres-tação de serviço, que se resume em uma relação jurídica sui generis, que se consubstancia em vários contratos individuais, independentes e não contí-nuos, impondo-se, nos termos da Constituição Federal art. 7º, XXIX, que, ao término de cada relação de trabalho, comece a fluir o prazo prescricional bienal para o exercício do direito de ação.

Cabe repisar que o trabalho portuário avulso por particularidades in-trínsecas, como a impessoalidade (participa de escala rodiziárias), a liber-dade de escolha (não está obrigado a comparecer à chamada) e a falta de subordinação (não mantém vínculo empregatício com o OGMO ou com os operadores portuários), fato este que materialmente os diferenciam do tra-balhador com vínculo empregatício, nos leva a concluir pela existência de contratos individuais de trabalho e pela existência de uma relação jurídica sui generis.

Dessa forma, por se tratar de vários contratos individuais, indepen-dentes e não contínuos, embora com curtíssimo período de duração, o art. 7º, XXIX, da Carta Maior resta perfeitamente aplicável à hipótese do pre-sente estudo, restando prescritas todas as pretensões não exercidas no prazo de dois anos, contados da data da extinção de cada contrato de trabalho.

A cada engajamento na escala e a cada faina de trabalho do portuário avulso, forma-se uma relação de trabalho atípica. Consequentemente, con-cluído o serviço junto ao tomador de serviço para o qual foi escalado, o prazo para o trabalhador avulso propor ação trabalhista será de dois anos, contados de cada extinção de contrato de trabalho.

Igualmente, a prescrição bienal não pode ser desconsiderada em re-lação ao trabalhador avulso, por imperativo constitucional, seja por força do próprio art. 7º, XXIX, da CF, seja por causa do inciso XXXIV do referido artigo constitucional, que, conforme consignado anteriormente, ao atribuir

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igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício perma-nente e o trabalhador avulso, terminou por resolver a questão que ora se busca decifrar, pois o princípio da isonomia, lastreado na igualdade material prevista no art. 5º, I, da CF, não permitiria que se conferissem para situações consideradas pelo ordenamento jurídico como idênticas tratamentos dife-renciados. Ou seja, entre avulsos e celetistas, existe uma igualdade formal, assegurada pela CF. Contudo, na prática, os dois tipos de obreiros gozam de condição materialmente distintas em sua rotina de trabalho, motivo pelo qual o princípio da isonomia deve ser sopesado com cuidado, sob pena de gerar desigualdade e beneficiar demasiadamente o trabalhador avulso.

Por isso, a contagem do prazo prescricional para o portuário avulso somente após o seu descredenciamento junto ao OGMO implica a quebra da isonomia constitucional, já que o celetista somente pode pleitear seus direitos após a rescisão de contrato, enquanto o avulso, após o término de cada pegada, recebe a remuneração e demais encargos acessórios como se tivesse ocorrido uma rescisão contratual.

Portanto, a ADI movida pela FENOP junto ao STF que busca a decla-ração da inconstitucionalidade do § 4º do art. 37 da Lei nº 12.815/2013, por ofensa à isonomia constitucional e ao princípio da legalidade, bem como os recursos que defendem a tese da prescrição bienal ao trabalho portuário avulso junto ao TST com lastro no art. 7º, incisos XXIX e XXXIV, da CF, merecem acolhimento e melhor reflexão acerca das peculiaridades que per-meiam as relações entre os trabalhadores portuários avulsos e seus toma-dores de serviço (operadores portuários), que justificam o reconhecimento da aplicação da prescrição bienal a esta categoria, com a fixação do marco inicial da contagem do prazo prescricional como sendo a cessação de cada trabalho ultimado para cada operador portuário e não do descredenciamen-to do OGMO.

REFERÊNCIASABRATEC. Trabalhador portuário avulso. Prescrição bienal. Grupo jurídico de es-tudo. Disponível em: <http://www.abratec-terminais.org.br/files/pdf/Trabalho_Por-tuario_Avulso.pdf. 2013>. Acesso em: 30 nov. 2016.

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BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 5 out. 1988.

______. Consolidação das Leis do Trabalho. Texto do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, atualizado até 1º de setembro de 2010.

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228 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – ACONTECE

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______. Lei nº 12.815/2013, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. Diário Oficial da União, Brasília/DF, jun. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho, E-ED-RR 8700-54.2002.5.09.0022, Sub-seção I Especializada em Dissídios Individuais, Relª Min. Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 18.02.2008, Data de Publicação: DEJT 28.03.2008. ______. Tribunal Superior do Trabalho, Orientação Jurisprudencial nº 384. Trabalhador avulso. Prescrição bienal. Termo inicial. (cancelada) – RES. 186/2012, DEJT divul-gado em 25, 26 e 27.09.2012.

______. Tribunal Superior do Trabalho, ED-RR 990-97.2011.5.04.0121, 3ª T., Rel. Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 18.05.2016, Data de Publicação: DEJT 20.05.2016.

______. Tribunal Superior do Trabalho, RR 1396-81.2012.5.04.0122, 5ª T., Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 13.04.2016, Data de Publicação: DEJT 22.04.2016.

______. Tribunal Superior do Trabalho, E-RR 278-07.2011.5.04.0122, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 01.09.2016, Data de Publicação: DEJT 16.09.2016.

______. Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5132.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho portuário a partir do novo marco regula-tório instituído pela Lei nº 12.815/2013. Jus Navigandi, Teresina, a. 18, n. 3712, 30 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25182>. Acesso em: 3 jan. 2014.

NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A moderna interpretação constitucional. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3497>. Acesso em: 5 dez. 2016.

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SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

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Seção Especial – Direito em Debate

Os Reflexos das Decisões do Tribunal Marítimo

MáRCIO SEBASTIãO AguIARPós-Graduado em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade Católica de Santos (Unisantos).

O Tribunal Marítimo foi criado pelo Decreto nº 20.829, de 1931, que instituiu a Diretoria da Marinha Mercante, por força de um fato concreto, o emblemático caso “Baden”, navio a vapor alemão que foi alvejado ao dei-xar o porto fluminense sem autorização. A ausência, em nosso ordenamento jurídico, de legislação e de órgão com incumbência de apurar a culpa no incidente e aplicar sanções levou o evento a ser julgado por um Tribunal alemão, gerando, de certo modo, um profundo sentimento de incompetên-cia das autoridades à época.

É certo que o Decreto nº 24.585, de 1934, regulamentou as atividades do Tribunal Marítimo, mas somente após a edição da Lei nº 2.180, de 1954, suas atividades efetivamente iniciaram. O Tribunal Marítimo é um ente ad-ministrativo, vinculado ao Ministério da Marinha, sendo considerado órgão auxiliar do Poder Judiciário. Sua composição, nos termos do art. 2º da su-pracitada lei, conta com sete juízes, sendo um presidente (Oficial-General do Corpo de Armada da ativa ou na inatividade), dois juízes militares (Ofi-ciais de Marinha na inatividade) e quatro juízes civis.

O espectro de atuação Tribunal Marítimo é bem definido no art. 13 da Lei nº 2.180/1954, inserido no Capítulo intitulado “Da Jurisdição e da Competência”, assim dispondo:

Art. 13. Compete ao Tribunal Marítimo:

I – julgar os acidentes e fatos da navegação;

a) definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias e extensão;

b) indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas estabelecidas nesta lei;

c) propondo medidas preventivas e de segurança da navegação;

II – manter o registro geral:

a) da propriedade naval;

b) da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras;

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c) dos armadores de navios brasileiros.

A lei é clara: compete ao Tribunal Marítimo julgar acidentes e fatos da navegação, nada além disso. A mesma norma elenca, nos arts. 14 e 15, de forma límpida, aqueles que serão considerados fatos e acidentes da navega-ção, criando um rol taxativo.

O termo “jurisdição”, utilizado em relação às atividades desse impor-tante órgão administrativo, pode induzir o leitor mais desatento a erro, na defesa de que dizer o direito é atribuição dos juízes togados, e, nesse ponto, padece a norma de uma melhor redação, sendo tal denominação alvo de inúmeras críticas. Não é apenas questão de semântica jurídica; a utilização do termo “jurisdição”, no Capítulo II da Lei nº 2.180/1954, de certa forma, usurpa uma atividade afeta ao Poder Judiciário.

Esta consideração suscita o debate em torno dos possíveis reflexos das decisões do Tribunal Marítimo em processos judiciais, haja vista a exis-tência de grande divergência jurisprudencial em relação à possibilidade de vinculação.

De plano, deve ser destacado que as decisões do Tribunal Marítimo abrangem, em muitas lides, objetos diferentes dos processos em trâmite na Justiça Comum, então, nem sempre o tema debatido em sede administrativa fornecerá elementos para o processo judicial.

A matéria discutida, em processos envolvendo Direito Marítimo, na Justiça Comum, na maioria dos casos, está jungida aos contratos de trans-porte e de afretamento, e, nas palavras de Cremoneze (2009, p. 177), “nem toda lide dessa envergadura implica sinistro de navegação. Nem todo si-nistro de navegação importa transgressão aos referidos contratos”. Assim, o Tribunal Marítimo e a Justiça Comum não julgarão necessariamente com base no mesmo fato ou acidente da navegação.

Não se despreza, em momento algum, o relevante papel do Tribunal Marítimo; contudo, seu alto grau de especialização não possui o condão, por si só, de fazer prova incontestável em ações judiciais que, muitas vezes, cuidam de matéria e conceitos jurídicos totalmente distintos.

É certo que, em determinadas lides e situações pontuais, a apuração dos fatos e as provas produzidas pelo Tribunal Marítimo poderão ser utiliza-das como mais um elemento de prova no julgamento pela Justiça Comum; entretanto, não de forma absoluta.

O Poder Judiciário é autônomo e independente, não se condicionan-do à decisão do Tribunal Marítimo, que desempenha um papel eminente-

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – DIREITO EM DEBATE ����������������������������������������������������������������������������������������������231

mente administrativo. Sem demérito desse Colegiado, suas decisões sem-pre poderão ser revistas pelo Judiciário, especialmente porque o Brasil não adotou o contencioso administrativo nos moldes, por exemplo, do Direito francês, de que decorre que as decisões da nossa instância marítima admi-nistrativa não fazem coisa julgada.

A competência administrativa do Tribunal Marítimo, conforme lecio-na Martins (2008, p. 70), é exclusivamente ligada à navegação, sem qual-quer repercussão na esfera do direito administrativo, civil, comercial, crimi-nal, trabalhista ou em outros ramos do Direito. No aspecto probatório, as provas produzidas em relação aos acidentes e fatos da navegação possuem presunção juris tantum, e a especificidade e complexidade da matéria dis-cutida pelo Tribunal Marítimo não garantem sua excelência, sendo possível a revisão judicial.

O art. 19 da Lei nº 2.180/1954 informa que, sempre que se discutir, em juízo, uma questão decorrente de matéria da competência do Tribu-nal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva. Esse co-mando normativo não mais se alinha com a nova realidade constitucional, notadamente em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ins-culpido no inciso XXXV do art. 5º, o qual preconiza: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A prova realiza-da em processo no Tribunal Marítimo poderá ser repetida em ação judicial, em um perfeito contraditório; dessa forma, a obrigatoriedade de juntada da decisão administrativa ao processo judicial mostra-se inócua e até mesmo desnecessária, de questionável constitucionalidade.

Ademais, há diferenças flagrantes entre a responsabilidade verifica-da pelo Tribunal Marítimo, de cunho eminentemente administrativo, e a responsabilidade civil ou penal, mensuradas a partir de princípios jurídicos próprios que demandam efeitos legais totalmente diversos.

A própria Lei nº 2.180/1954, que efetivamente deu início à atuação do órgão marítimo, tratou de delimitar, de forma bastante nítida, sua compe-tência, não deixando margem para discussões de cunho contratual, tema li-gado ao direito das obrigações. Portanto, os acidentes e fatos da navegação são o norte do Tribunal Marítimo, e não as questões de caráter patrimonial ou contratual.

Repisa-se, as decisões de Tribunal Marítimo não fazem coisa julgada material, predicado das decisões judiciais, mas sua natureza administrativa não lhe concede os atributos típicos dos atos administrativos. Tanto é assim

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que o mérito de suas decisões pode ser revisto em processo judicial, sem ferir a independência dos Poderes.

Não se trata de uma crítica ao Tribunal Marítimo, apenas de cons-tatação jurídica, na medida em que os julgados provenientes deste órgão sujeitam-se, sempre, ao controle judicial provocado pelo interessado. Nesse diapasão, não se justifica o sobrestamento de processo judicial até o deslin-de de procedimento instaurado perante o Tribunal Marítimo, considerando a inexistência de vinculação entre os feitos e a índole parecerista da decisão administrativa. Nessa esteira, a jurisprudência consolida entendimento no sentido de não ser recomendável ao Juiz a quo a suspensão do processo judicial até decisão do Tribunal Marítimo (RT 738-391).

Bem ilustra o tema o clássico exemplo das excludentes de responsabi-lidade caso fortuito e força maior, distintas para o Poder Judiciário e, muitas vezes, sequer reconhecidas na análise do caso concreto. Comumente, o Tribunal Marítimo aponta essas mesmas causas, genericamente, como “for-tuidade”, colocando no mesmo patamar conceitos diferentes.

Não é excepcional, na atualidade, a Justiça Comum acatar parecer do Tribunal Marítimo como verdade absoluta, sempre com o velho e des-gastado argumento da qualidade técnica de suas decisões e do alto grau de especialização de sua atuação.

Nos contratos de transporte em que impera o princípio da respon-sabilidade civil objetiva, não há relação entre a culpa administrativa e a atividade do transportador, considerada de fim, ou seja, de resultado. São esferas e graus de responsabilidade diferentes, não existindo uma relação direta entre o instituto da responsabilidade civil, que apresenta princípios e conceitos próprios do direito das obrigações, e a decisão proferida pelo Tribunal Marítimo.

A responsabilidade civil não é tema de alçada da instância marítima; sua base é a violação de um dever jurídico, podendo advir tanto de um ato ilícito como de um ato lícito, impondo o art. 187 do Código Civil como limi-tes aqueles decorrentes da boa-fé, dos bons costumes e do fim econômico e social do Direito.

Destaque-se, também, o fato de que a Lei nº 2.180/1954 apresen-ta comandos normativos de questionável constitucionalidade, sobretudo a regra do art. 20, segundo a qual não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração e nas consequências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão definitiva do Tribunal Marítimo.

A prescrição é uma forma de garantia do sistema jurídico e sua au-sência pode gerar insegurança jurídica ao sistema legal. Nessa linha de ra-

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – DIREITO EM DEBATE ����������������������������������������������������������������������������������������������233

ciocínio, mais uma vez não caberá ao Juízo Cível sobrestar o feito até o julgamento pelo Tribunal Marítimo, sob pena de conceder à decisão admi-nistrativa mais importância que à sentença judicial.

Nessa senda, o econômico sistema recursal do Tribunal Marítimo pesa ainda mais a favor da relativização de suas decisões. Não há, formalmente, um órgão recursal para o reexame dessas decisões administrativas, recor-ríveis apenas por meio de embargos de nulidade ou infringentes, agravo e embargos de declaração, enumerados no art. 105 da Lei nº 2.180/1954.

Os embargos de nulidade ou infringentes, com disciplina nos arts. 106 a 110, apresentam uma série de limitações versando exclusivamente sobre matéria nova, ou baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase probatória, ou ainda, quando não unânime a decisão Destarte, os em-bargos não possuem efeito devolutivo com amplitude de reexame da maté-ria, como ocorreria na apelação cível, mesmo porque, como já explanado, a legislação atual não prevê um órgão marítimo recursal, o que enfraquece, de certa forma, seus julgados.

Assim, as decisões do Tribunal Marítimo tem caráter administrativo e natureza de parecer técnico, e devem ser analisadas apenas como um elemento de prova pelo Juiz, razão pela qual não são vinculantes e podem ser revistas em todos os seus fundamentos pelo Poder Judiciário.

REFERÊNCIASANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos R. C. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

CREMONEZE, Paulo H. Prático de direito marítimo. São Paulo: Quarter Latin, 2009.

FERNANDES, Paulo C.; LEITÃO, Walter de S. Responsabilidades no transporte marítimo. São Paulo: Aduaneiras, 2010.

GIBERTONI, Carla A. C. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

GONÇALVES, Carlos R. Direito das obrigações. Parte especial. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000.

MARTINS, Eliane M. O. Curso de direito marítimo. Barueri: Manole, v. I e II, 2008.

VITRAL, Waldir. Manual de direito marítimo. São Paulo: José Bushatsky, 1977.

Box: As decisões do Tribunal Marítimo devem ser analisadas como um elemento acessório de prova, dentro de um conjunto probatório produzido pelo crivo do processo judicial, razão pela qual não são vinculantes e podem ser revistas em todos os seus fundamentos pela Justiça Comum.

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

III Workshop – Temas ConTemporâneos de dIreITo maríTImo, aduaneIro e porTuárIo

•O Endosso do Conhecimento de Embarque no Transporte Marítimo Internacional: Limites e Impli-cações (Danielle Rosa e Orlando da Silva Neto) .......... 9

•O Regramento dos Serviços de Segregação e En-trega de Contêineres (SSE) e Sua Interpretação pelos Tribunais (Diego de Paula) ............................... 28

• Problemática Imposta pelo Artigo 6º, § 2º, Inciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à Arbitragem no Setor Portuário (Nathalia Meneses da Silva) ....................... 39

• Regulação sobre o Peso Bruto Verificado dos Con-têineres (Maurício Zanardo Faggion) ......................... 50

Autor

danIelle rosa e orlando da sIlva neTo

•O Endosso do Conhecimento de Embarque no Transporte Marítimo Internacional: Limites e Impli-cações ......................................................................... 9

dIego de paula

•O Regramento dos Serviços de Segregação e Entre-ga de Contêineres (SSE) e Sua Interpretação pelos Tribunais ................................................................... 28

mauríCIo Zanardo FaggIon

• Regulação sobre o Peso Bruto Verificado dos Con-têineres ...................................................................... 50

naThalIa meneses da sIlva

• Problemática Imposta pelo Artigo 6º, § 2º, In-ciso II, do Decreto nº 8.465/2015 à Arbitragemno Setor Portuário...................................................... 39

orlando da sIlva neTo e danIelle rosa

•O Endosso do Conhecimento de Embarque no Transporte Marítimo Internacional: Limites e Impli-cações ......................................................................... 9

Índice GeralDOUTRINAS

Assunto

arrendamenTos porTuárIos

• Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arrenda-mentos Portuários Pré-1993 (Lucas Navarro Prado, Eber Luciano Santos Silva e Denis Gamell) ................ 99

ComérCIo InTernaCIonal

• A Determinação de Conteúdo Originário e Sua Fi-nalidade em Operações de Comércio Internacional (Andre Apostolopoulos e Evandro Bizzotto) ............... 92

eCossIsTema marInho

•O Derramamento de Óleo e a Água de Lastro na Navegação Marítima e Suas Consequências para o Ecossistema Marinho à Luz do Dever Fundamental de Proteção ao Meio Ambiente (Caroline GomesBohrer) ...................................................................... 68

Autor

andre aposTolopoulos e evandro bIZZoTTo

• A Determinação de Conteúdo Originário e Sua Fina-lidade em Operações de Comércio Internacional ...... 92

CarolIne gomes bohrer

•O Derramamento de Óleo e a Água de Lastro na Navegação Marítima e Suas Consequências para o Ecossistema Marinho à Luz do Dever Funda-mental de Proteção ao Meio Ambiente ...................... 68

denIs gamell, eber luCIano sanTos sIlva e luCas navarro prado

• Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arren-damentos Portuários Pré-1993 ................................... 99

eber luCIano sanTos sIlva, luCas navarro prado e denIs gamell

• Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arren-damentos Portuários Pré-1993 ................................... 99

evandro bIZZoTTo e andre aposTolopoulos

• A Determinação de Conteúdo Originário e Sua Fi-nalidade em Operações de Comércio Internacional .. 92

luCas navarro prado, eber luCIano sanTos sIlva e denIs gamell

• Reversibilidade de Bens e Indenização nos Arren-damentos Portuários Pré-1993 ................................... 99

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

ConTêIner

•Mandado de segurança – Transporte marítimo desunitização do contêiner – Carga abandonada – Mercadoria retida pela Anvisa – Problemas sani-tários (TRF 3ª R.) ............................................2602, 133

Drawback

• Tributário – Mandado de segurança – Inclusão – Totalidade dos débitos – Parcelamento – Lei nº 11.941/2009 – Drawback – Modalidade sus-pensão (TRF 4ª R.) .........................................2603, 138

exeCução FIsCal

• Tributário – Execução fiscal – Embargos de decla-ração – Omissão inexistente – Recurso conhecido mas desprovido (TRF 2ª R.) ............................2601, 128

ICms

• Tributário – PIS/Pasep-Importação e Cofins-Impor-tação – Art. 7º, I, da Lei nº 10.865/2004 – Defini-

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������235 ção de valor aduaneiro – Inclusão do ICMS e con-tribuições – Inconstitucionalidade – Declaração do pleno do STF – RE 559937 – Repercussão geral – Compensação – Aplicabilidade do art. 74 da Leinº 9.430/1996 – Prescrição (TRF 5ª R.) ..........2604, 144

IpI

• Processual civil e tributário – Ação ordinária – IPI – Importação de veículo automotor – Pessoa física – Incidência – STF – Repercussão geral – PIS/Co-fins importação – Inclusão do ICMS nas bases de cálculo – Lei nº 10.865/2004, art. 7º, I – Inconsti-tucionalidade reconhecida pelo STF – Repercus-são geral, nos termos do art. 543-B do CPC/1973 – Prescrição quinquenal – Compensação – Sucum-bência recíproca – Apelações da parte autora, da União (FN) e remessa oficial providas (TRF 1ª R.) ......................................................................2600, 118

EMENTÁRIO

Assunto

admIssão TemporárIa

• Admissão temporária – embarcação – ausência do proprietário do País – pena de perdimento – des-cabimento – princípio da proporcionalidade –violação ........................................................2605, 152

aduaneIro

• Aduaneiro – navegação de cabotagem – nave-gação de longo curso – mercadorias destinadas a portos nacionais com escalas em portos estran-geiros – informação prestadas no Siscomex –transportador – boa-fé ...................................2606, 152

aFrmm

• AFRMM – empresa consignatária – sujeição passi-va – Lei nº 10.206/2011 – segurança – denegação ......................................................................2607, 153

agenCIamenTo maríTImo

• Agenciamento marítimo – Autorização de Fun-cionamento de Empresa – exigência – Lei nº 9.782/1999 – Lei nº 6.437/1977 – Resolução Anvisa – função meramente regulamentar – princí-pio da legalidade – violação ..........................2608, 153

agenTe maríTImo

• Agente marítimo – responsabilidade tributária –inexistência ...................................................2609, 154

ambIenTal

• Ambiental – dano – derramamento de óleo no mar – responsabilidade objetiva – conduta, dano e nexo causal comprovados – responsabilidade soli-dária – dano moral – incabível .....................2610, 154

• Ambiental – derramamento de óleo – dano am-biental – prescrição – quantum indenizatório – metodologia – fundo de reparação de interesses difusos – plano de emergência individual – preques-tionamento ....................................................2611, 156

• Ambiental – edificação em área de preservação permanente – interesse social e utilidade pública– configuração ...............................................2612, 156

• Ambiental – explosão de navio – responsabilidade ambiental administrativa – manifestação – neces-sidade – art. 535 do CPC – violação – ocorrência ......................................................................2613, 157

• Ambiental – pesca predatória de arrasto dentro das três milhas marítimas – dano ambiental – quantum indenizatório – termo inicial – data dafixação ..........................................................2314, 158

anTaq

• Antaq – administração portuária – multas – in-frações ao art. 13 da Resolução nº 858-Antaq– Princípio da Legalidade ..............................2615, 158

• Antaq – multas – ato administrativo – legitimida-de e de legalidade – presunção .....................2616, 163

appa

• Appa – natureza jurídica – autarquia estadual – prestadora de serviço público – contribuição ao PIS faturamento – ausência de sujeição passi-va por não se tratar de pessoa jurídica de direitoprivado ..........................................................2617, 163

área de apoIo náuTICo

• Área de apoio náutico – interdição – Unidade de Conservação Federal (Esec Tamoios) – veros-similhança do direito alegado – fundado receio de dano irreparável – legitimidade – proteção da área ..........................................................2618, 163

armaZenagem

• Armazenagem – despesas – mercadoria abando-nada – obrigação legal de pagamento – correção monetária – inconstitucionalidade parcial, por ar-rastamento, declarada pelo STF .....................2619, 165

aTIvIdade porTuárIa

• Atividade portuária – poder concedente – União – ilegitimidade passiva – Justiça Estadual – com-petência ........................................................2620, 166

bagagem desaCompanhada

• Bagagem desacompanhada – desembaraço adua-neiro – liberação – conhecimento de carga – pre-enchimento – erro – boa-fé – pena de perdimento– inaplicabilidade ..........................................2621, 166

CapITanIa dos porTos

• Capitania dos Portos – infração – medida admi-nistrativa – multa – presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos – Decreto nº 2.596/1998 – constitucionalidade e legalidade ......................................................................2622, 167

Carga sem doCumenTos

• Carga sem documentos – pena de perdimento – aplicação – depósito em garantia – contêineres – desbloqueio – depósito integral do valor das mer-cadorias acondicionadas ...............................2623, 168

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236 �������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Codesp

• Codesp – ex-portuário – aposentadoria – com-plementação – acordo coletivo – direito privado – conflito – procedência ................................2624, 168

ConTêIner

• Contêiner – apreensão – desunitização – unidade de carga – devolução – possibilidade – mandadode segurança – provimento............................2625, 168

deClaração

•Declaração – DI – preenchimento – desembaraço aduaneiro – código equivocado – erro material – princípio da razoabilidade – sentença – ma-nutenção .......................................................2626, 169

Demurrage

•Demurrage – recinto alfandegado – despesas – in-clusão – art. 18 da Lei nº 9.779/1999 – imposição por ato normativo infralegal – Portaria nº 121/2011 – impossibilidade .........................................2627, 171

desembaraço aduaneIro

•Desembaraço aduaneiro – veículo – condição de novo ou usado – fins de importação – definição ......................................................................2628, 172

desembaraço das merCadorIas

•Desembaraço das mercadorias – Receita Federal – óbice – devolução dos contêineres – atraso – fato da administração – caracterização – responsa-bilidade civil – exclu dência ..........................2629, 173

doença oCupaCIonal

•Doença ocupacional – oficial de náutica – vibra-ção de corpo – permanência de pé – levantamento e transporte intermitente de peso – nexo de con-causalidade – demonstração – responsabilidade civil do empregador – Lei nº 13.015/2014 – danos morais – caracterização .................................2630, 174

Drawback

•Drawback – modalidade suspensão – identidade física – ausência – desnecessidade – equivalência ......................................................................2631, 175

•Drawback-suspensão – produtos importados – uti-lização nos contêineres – transporte de frutas para exportação – agregação de valor – inexistência –benefício fiscal – descaracterização ..............2632, 176

embarCação

• Embarcação – proprietário – multa – Ibama – au-to de infração ambiental – responsabilidade ..2633, 177

embarCações

• Embarcações – turismo – observação de baleias – fiscalização – atividade antrópica – estudos de impacto ambiental e licenciamento ambiental –exigência .......................................................2634, 177

FIsCalIZação alFandegárIa

• Fiscalização alfandegária – agente marítimo – in-formações prestadas a destempo – multa – lega-

lidade – Súmula nº 192/TFR – invocação – ina-plicabilidade – obrigação acessória autônoma– denúncia espontânea – descabimento ........2635, 178

ICms

• ICMS – desembaraço aduaneiro – alimentos in natura congelados e embalados – isenção tributá-ria – GATT – provimento ...............................2636, 179

ImposTo de ImporTação

• Imposto de Importação – base de cálculo – va-lor aduaneiro – despesas de capatazia – inclu-são – impossibilidade – art. 4º, § 3º, da IN SRF327/2003 – ilegalidade ..................................2637, 181

• Imposto de Importação – suspensão – reporto – equipamento – reach stacker – similar nacio-nal – inexistência ...........................................2638, 181

ImposTo sobre a ImporTação

• Imposto sobre a importação – agente marítimo – mercadoria a granel – perda inferior a 5% – respon-sabilidade tributária – ausência .....................2639, 183

IpI

• IPI – aeronave – leasing operacional – admissão temporária – fato gerador – desembaraço adua-neiro – base de cálculo – incidência proporcional ......................................................................2640, 183

lICITação

• Licitação – produção de prova pericial – neces-sidade – dano ao Erário – agravo – provimento ......................................................................2641, 184

marInheIro regIonal

•Marinheiro regional – enquadramento sindical – transporte de travessia ou longitudinal – irrele-vância – convenção – inaplicabilidade ..........2642, 185

maríTImo

•Marítimo – agentes nocivos – conversão de tempo de serviço comum em especial – fator 0,71 – im-possibilidade – critérios de atualização .........2643, 186

múTuo FInanCeIro

•Mútuo financeiro – autarquia estadual – Porto de São Francisco do Sul – autorização legislativa – au-sência – legitimidade ativa concorrente .........2644, 187

navegação FluvIal

•Navegação fluvial – tecnólogo em operação e administração de sistemas – engenheiro na-val – equiparação – Resoluções nºs 313/1986 e 218/1973, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – impossibilidade – STJ –precedentes ...................................................2645, 188

navIo

•Navio – contrato de compra e venda – carta de fiança bancária – título extrajudicial – vi-gência ...........................................................2646, 188

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RDM Nº 36 – Jan-Fev/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������237 pIs/CoFIns-ImporTação

• PIS/Cofins-Importação – valor aduaneiro – ICMS e próprias contribuições – acréscimo – inconsti-tucionalidade – juízo de retratação – STF – prece-dente .............................................................2647, 189

regIme de TrânsITo aduaneIro

• Regime de trânsito aduaneiro – multa derivada da conversão da pena de perdimento – responsa-bilidade solidária do transportador – impossibi-lidade ............................................................2648, 190

remessa posTal InTernaCIonal

• Remessa postal internacional – desembaraço aduaneiro –manifesto – ausência – multa – cabi-mento ............................................................2649, 190

servIdor mIlITar

• Servidor militar – acidente – navio-aeródromo – queimaduras – incapacidade permanente – pensão vitalícia – possibilidade .................................2650, 191

sIsComex

• Siscomex – drawback – registros de exporta-ção – equívoco no preenchimento – alteração – possibilidade .................................................2651, 192

sobreesTadIa de ConTêIneres

• Sobreestadia de contêineres – cobrança – pre-visão contratual – prazo prescricional quinque-nal – Súmula nº 83, do STJ ............................2652, 193

Taxa de uTIlIZação

• Taxa de utilização – Siscomex – legalidade – Lei nº 9.716/1998, art. 3º, § 1º – validade – repristina-ção – inocorrência – reajuste abusivo ou excessivo– inocorrência ...............................................2653, 193

TCu

• TCU – denúncia – atuação da Antaq – possíveis omissões – tarifas no terminal – aumento abusi-vo – omissão na fiscalização – procedência – de-terminações – ciência ....................................2654, 194

• TCU – desestatização – arrendamento de área portuária – falhas – correção – plano de zonea-mento do porto – incompatibilidade – determi-nação ............................................................2655, 194

• TCU – desestatização – arrendamentos de áreas portuárias – concessão – desconformidades – au-sência – comunicações..................................2656, 196

• TCU – obras de dragagem – auditoria de confor-midade – irregularidades – ausência – arquiva-mento ............................................................2657, 197

• TCU – tomada de contas especial – serviços de segurança eletrônica – contratação – execução parcial – confirmação do ilícito – alegações de de-fesa – improcedência – irregularidade das contas –débito em solidariedade – multa....................2658, 197

TermInal porTuárIo

• Terminal portuário – licença de instalação – limi-nar – suspensão – viabilidade ambiental do aces-

so viário ao porto – condicionante – descumpri-mento – licenciamento – competência – agravo– improvimento ............................................2659, 198

Trabalhador porTuárIo

• Trabalhador portuário – eletricidade – ruído – ati-vidade especial – afastamento – utilização de EPI– inocorrência ...............................................2660, 199

• Trabalhador portuário – estivador – acidente de trabalho – danos morais – atividade de risco – enquadramento – responsabilidade objetiva – art. 927, do Código Civil – indenização – possibi-lidade ............................................................2661, 200

• Trabalhador portuário – indenização do art. 59 – Lei nº 8.630/1993 – legitimidade passiva da União – Justiça Federal – competência.....................2662, 200

Trabalho porTuárIo avulso

• Trabalho portuário avulso – acidente – legisla-ção aplicável à época – Ogmo – legitimidade passiva ad causam – responsabilidade objetiva – art. 927, do Código Civil – danos morais – arbi-tramento ........................................................2663, 201

TransporTe maríTImo de Cargas

• Transporte marítimo de cargas – avaria – respon-sabilidade civil – pagamento de indenização se-curitária – CDC – não incidência .................2664, 202

Seção Especial

ACONTECE

Assunto

Trabalhadores porTuárIos avulsos

•Da Prescrição Aplicável aos Trabalhadores Portuá-rios Avulsos (Maxweel Sulívan Durigon Meneghini) ................................................................................ 204

Autor

maxWeel sulívan durIgon meneghInI

•Da Prescrição Aplicável aos Trabalhadores Portuá-rios Avulsos ............................................................. 204

DIREITO EM DEBATE

Assunto

TrIbunal maríTImo

•Os Reflexos das Decisões do Tribunal Marítimo (Márcio Sebastião Aguiar) ........................................ 229

Autor

márCIo sebasTIão aguIar

•Os Reflexos das Decisões do Tribunal Marítimo ...... 229