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Revista SÍNTESE Direito Administrativo ANO XI – Nº 130 – OUTUBRO 2016 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Denise Lopes dos Santos CONSELHO EDITORIAL Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi, Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bruno Fialho Ribeiro, Flavia Daniel Vianna, Jackson Tavares da Silva de Medeiros, Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Pedro Alexandre Marquês de Sousa, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Ronny Charles Lopes de Torres, Tauã Lima Verdan Rangel, Victor Aguiar Jardim de Amorim ISSN 2179-1651

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Revista SÍNTESEDireito Administrativo

Ano XI – nº 130 – outubro 2016

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07

dIretor eXecutIvo

Elton José Donato

Gerente edItorIAl e de consultorIA

Eliane Beltramini

coordenAdor edItorIAl

Cristiano Basaglia

edItorA

Denise Lopes dos Santos

conselho edItorIAl

Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves,Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi,Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz

colAborAdores destA edIção

Bruno Fialho Ribeiro, Flavia Daniel Vianna, Jackson Tavares da Silva de Medeiros, Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Pedro Alexandre Marquês de Sousa,

Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Ronny Charles Lopes de Torres, Tauã Lima Verdan Rangel, Victor Aguiar Jardim de Amorim

ISSN 2179-1651

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2006 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Administrativo.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec‑tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Administrativo – v. 1, nº 1 (jan. 2006) Nota: Continuação da REVISTA IOB de DIREITO ADMINISTRATIVO

São Paulo: IOB, 2006‑.

v. 11, nº 130; 16 x 23 cm

Mensal ISSN 2179‑1651

1. Direito administrativo.

CDU 342.9 CDD 341.3

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Caros leitores, para compor o Assunto Especial desta edição da Revista SÍNTESE Direito Administrativo escolhemos o tema “Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias”.

Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Pedro Alexandre Marquês de Sousa afirmam que:

Em que pese a autonomia das agências reguladoras, para quem tem acompanha-do de perto a questão sabe o tratamento dado pela Anatel ao caso da franquia de dados e a proteção aos consumidores brasileiros. Inicialmente, demonstrando-se favorável à limitação de dados, a agência visivelmente acolheu o plano de limitar a Internet dos brasileiros (iniciado pela Vivo), tendo recebido como reação a fúria da população por manifestações na própria Internet, além de diversas empresas e órgãos de defensoria pública (MP) e a própria OAB – Organização dos Advo-gados do Brasil.

A autorização da Anatel sobre a franquia de dados é sujeita à ampla revisão judicial. Seja porque devemos cuidar para que não seja jamais final, dado que apenas é uma entidade de regulação e não integrante do Poder Judiciário (a quem sempre cabe o poder de revisão e decisão), seja porque a este poder é quem cabe a decisão sobre as defesas dos interesses a serem efetivamente defendidos. Esta revisão impessoal de interesses é vital para sua proteção – até mesmo porque o próprio conflito assume uma marca de impessoalidade.

Para compor o Assunto Especial contamos com três artigos, quais se-jam: “Agências Reguladoras e o Mercado de Telefonia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitando o Caso das Franquias de Internet”, elaborado pelo Advo-gado e Consultor, Doutorando em Direito Comercial, Mestre em Direito, Luís Rodolfo Cruz e Creuz em parceria com o Advogado e Consultor Pedro Alexandre Marquês de Sousa; “Regulação e Direito Administrativo-Econômico – As Agên-cias Reguladoras e os Limites da Discricionariedade de suas Decisões”, elabo-rado pelo Advogado e MBA em Gestão Pública, Bruno Fialho Ribeiro; “Agên-cias Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das Agências”, elaborado pelo Especialista em Direito Constitucional Jackson Tavares da Silva de Medeiros em parceria com o Especialista em Ministério Público, Especialista em Direito Penal e Criminologia e Mestre em Direito Constitucional, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson. Além de uma íntegra do TRF 1ª R. e de ementário criteriosamente selecionado, com valores agregados.

Na Parte Geral publicamos três artigos com temas vinculados ao Direito Administrativo, destacando o artigo intitulado “O Exercício do Poder de Polícia Ambiental à Luz do Entendimento Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justi-ça”, elaborado pelo Doutorando em Sociologia, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais, Tauã Lima Verdan Rangel.

Publicamos, também na Parte Geral, sete acórdãos na íntegra (TRF 1ª R., TRF 2ª R., 3 TRF 3ª R., TRF 4ª R. e TRF 5ª R.) e o ementário com os valores agregados.

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Já na Seção Especial “Acontece” contamos com um artigo intitulado “As Licitações Públicas na Nova Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016)”, ela-borado pelo Advogado da União, Palestrante, Professor/Palestrante, Mestre em Direito Econômico, Ronny Charles Lopes de Torres.

Tenham todos uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

AgênciAs RegulAdoRAs – RegulAção – livRe MeRcAdo e AnAtel – o Recente cAso dAs FRAnquiAs

doutRinAs

1. Agências Reguladoras e o Mercado de Telefonia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitando o Caso das Franquias de InternetLuís Rodolfo Cruz e Creuz e Pedro Alexandre Marquês de Sousa..............9

2. Regulação e Direito Administrativo-Econômico – As Agências Reguladoras e os Limites da Discricionariedade de Suas DecisõesBruno Fialho Ribeiro ...............................................................................38

3. Agências Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das AgênciasJackson Tavares da Silva de Medeiros e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson ...............................................................................50

JuRispRudênciA

1. Acórdão na Íntegra (TRF 1ª R.) ................................................................73

2. Ementário ................................................................................................80

Parte Geral

doutRinAs

1. O Caráter Dinâmico dos Regimentos Internos das Casas LegislativasVictor Aguiar Jardim de Amorim .............................................................88

2. Os Benefícios à Regularização Fiscal Tardia e ao Desempate Ficto Quando o Representante Legal Estiver AusenteFlavia Daniel Vianna .............................................................................105

3. O Exercício do Poder de Polícia Ambiental à Luz do Entendimento Jurisprudencial do Superior Tribunal de JustiçaTauã Lima Verdan Rangel .....................................................................112

JuRispRudênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .................................................131

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................137

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................146

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4. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................151

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................165

6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .................................................173

7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região .................................................178

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Administrativo .........................183

Seção Especial

Acontece

1. As Licitações Públicas na Nova Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016)Ronny Charles Lopes de Torres .............................................................212

Clipping Jurídico ..............................................................................................224

Resenha Legislativa ...........................................................................................238

Bibliografia Complementar ..................................................................................240

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................241

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.a

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias

Agências Reguladoras e o Mercado de Telefonia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitando o Caso das Franquias de Internet

LuíS RODOLfO CRuz e CReuz1

Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Cruz & Creuz Advogados, Doutorando em Direi‑to Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Mestre em Re‑lações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUC‑SP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós‑Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP, Pós‑Graduado em Direito Societário – LLM – Direito Societário do Insper (São Paulo), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Autor do livro Acordo de Quotistas – Análise do Instituto do Acordo de Acionistas Previsto na Lei nº 6.404/1976 e Sua Aplicabilidade nas Sociedades Limitadas à Luz do Novo Código Civil Brasileiro, com Con‑tribuições da Teoria dos Jogos (São Paulo: IOB‑Thomson, 2007). Coautor do livro Organizações Internacionais e Questões da Atualidade, organizada por Jahyr‑Philippe Bichara (Natal/RN, 2011 – ISBN 978‑85‑7273‑722‑7), sendo autor do Capítulo “Organizações Internacionais e a Integração Econômica: Revisões de uma Teoria Geral” (p. 67 a 101). Autor do livro Commercial and Economic Law in Brazil (Holanda, 2012). Autor do livro Defesa da Concorrência no Merco‑sul – Sob uma Perspectiva das Relações Internacionais e do Direito (São Paulo, 2013). Coautor do livro Direito dos Negócios Aplicado – Volume I – Do Direito Empresarial, coordenado por Elias M. de Medeiros Neto e Adalberto Simão Filho (São Paulo, 2015), sendo autor do Capítulo “Acordo de Quotistas Aplicado aos Planejamentos Sucessórios”.

PeDRO ALexAnDRe MARquêS De SOuSA2

Advogado e Consultor em São Paulo, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

RESUMO: O objetivo deste estudo é a reflexão sobre a natureza e o alcance vinculativo da legis‑lação emanada pelas agências reguladoras, usando como modelo para tal escopo o recente caso das franquias de Internet fixa de banda larga. Não obstante a autonomia das agências reguladoras, entendemos que a autorização da Anatel sobre a franquia de dados é sujeita à ampla revisão judicial, seja porque devemos cuidar para que não seja jamais final, dado que apenas é uma entidade de regulação e não integrante do Poder Judiciário (a quem sempre cabe o poder de revisão e decisão), seja porque a este poder é a quem cabe a decisão sobre as defesas dos interesses a serem efetiva‑mente defendidos. Parece‑nos que a decisão da Anatel não se sustenta em face da multiplicidade de

1 E-mail: [email protected] – Twitter: @LuisCreuz.2 E-mail: [email protected].

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normas a disciplinar o acesso e o provisionamento de Internet, tendo decorrido de uma interpretação isolada da Lei das Telecomunicações.

PALAVRAS‑CHAVE: Anatel; regulação; telefonia; franquia de dados; Lei das Telecomunicações; In‑ternet.

SUMÁRIO: Introdução; I – As agências reguladoras na Constituição Federal; II – A Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações; III – A decisão da Anatel sobre a questão das franquias; IV – Projetos de lei em tramitação; V – À guisa de conclusão; Referências.

Precisamente aqui está a diferença entre minha juventude e minha velhice de jurista. O jovem tinha fé na ciência; o velho a perdeu. O jovem acreditava no sa-ber; o velho sabe que nada sabe. E quando o saber juntar-se com o saber que não sabe então a ciência converte-se em poesia. O jovem contentava-se com o con-ceito científico de direito; o velho sente que neste conceito perdeu seu impulso e seu drama, e, portanto, sua verdade. O jovem queria os contornos cortantes da definição; o velho prefere os matizes da comparação. O jovem não crê senão no que via; o velho não crê mais no que não pode ver. O jovem estava à esquerda; o velho passou à direita da ponte. E para representar esta terra, onde os homens se amam e amando-se conseguem a liberdade, tampouco serve à poesia; o jurista quis ser músico para fazer com que os homens sintam este encanto. (Francesco Carnelutti3)

INtrodução

Trazemos ao leitor uma reflexão sobre alguns aspectos polêmicos envol-vendo a produção normativa das agências reguladoras, escolhendo, por conta da concisão exigida por deste ensaio, o recente episódio envolvendo a Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”)4 e a “franquia de dados de Internet”. Pareceu-nos o exemplar de maior interesse não apenas em razão da grande ex-pressão social do tema, como também em virtude das interessantes cogitações que é capaz de fomentar.

Em apertada síntese, o caso atual agrega como temas principais a adoção de uma política limitadora do volume de dados disponibilizado ao consumidor pelos provedores de acesso e o alcance vinculativo da competência legislativa da Anatel neste particular. É sumamente notório que o passo dado nesta direção provocou uma grita geral na sociedade, a ponto de coagir os mais altos esca-lões do Executivo a manifestar alguma atitude. Na esteira da grande onda de

3 CARNELUTTI, Francesco. A arte do direito. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 22.4 Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel – Criada pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472,

de 16 de julho de 1997), a Anatel foi a primeira agência reguladora a ser instalada no Brasil, em 5 de novem-bro de 1997 (Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/>. Acesso em: 15 jul. 2016).

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oposição e descontentamento que se propagou, diversas entidades de defesa do consumidor por todo o País entraram em cena, levantando questões sociais e jurídicas surpreendentes e de interesse geral.

O sistema que se procura implantar no setor da Internet fixa de banda larga tem sido a regra nos planos e pacotes de dados de Internet móvel. Como todos sabem, o que se convencionou chamar de “franquia” traduz uma cláusula contratual com contornos de condição resolutiva, pela qual o consumidor tem o direito ao acesso à Internet em velocidades preestabelecidas, sob condição resolutiva de se atingir determinado volume de dados trafegados. Verificada a condição, o sinal deve ser interrompido, a velocidade da conexão deve ser reduzida a patamares análogos à interrupção ou deverá incidir uma cobrança complementar.

As limitações de franquia ou de acesso à Internet ou de uso de dados inicialmente não ocorriam na telefonia, fixa ou móvel. As operadoras desta mo-dalidade ofereciam navegação ilimitada de Internet no telefone celular, o que, naturalmente, com o aumento de demanda, a complexidade de rede (de dados, de transmissão, de compartilhamentos, etc.) e os custos crescentes, conduziu ao surgimento de novos planos com opções de redução de velocidade da Internet para o dispositivo móvel ao ser atingido certo limite de dados (previamente contratados ou pré-estipulados em contrato), culminando com aqueles de nave-gação reduzida ou até mesmo de sinal de Internet cortado. Tais alternativas, na esfera econômica do consumidor, possuem apenas uma resposta – custo e ônus, pois ele se vê obrigado a pagar pelos custos excedentes ou mesmo a efetuar a aquisição de novas franquias ou pacotes de dados, além de ser penalizado na fatura de serviços com a cobrança do custo excedente por ter ultrapassado a franquia contratada.

Pode-se sugerir que o germe desta mudança decorreu de uma alteração no comportamento social claramente ditada pela evolução da tecnologia. O serviço que, em princípio, limitava-se aos e-mails e ao compartilhamento de ar-quivos, gradativamente se tornou peça-chave de um novo modelo de entreteni-mento, graças ao advento das Smart TVs e dos serviços OTT (over the top)5. Im-portante registrar que mesmo as aplicações para dispositivos móveis, em grande medida, acabaram operando por meio da conexão fixa, via Wi-Fi6, justamente para poupar a indesejada franquia de dados válida para dispositivos móveis.

5 Aplicações over the top (OTT) são aquelas que operam em camadas de rede superiores e são capazes de emu-lar (às vezes com vantagem) a experiência de serviço obtida por sistemas convencionais de despacho. Como exemplos, podemos citar Viber, WhatsApp, WeChat, KakaoTalk, TiKL, Zello, Voxer, iPTT e HeyTel, entre outros, que oferecem serviços de mensagens de texto, de áudio ou de envio de arquivos em tempo quase real, com funcionalidades bastante similares (ou mais abrangentes) do que os tradicionais sistemas telefônicos.

6 Acrônimo para Wireless Fidelity, em vernáculo “fidelidade sem fio”.

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A imposição de franquia, redução e corte de sinal jazia relativamente adormecida enquanto esteve circunscrita ao mercado de telefonia móvel. Isto findou por encorajar os exploradores do mercado de Internet fixa de banda lar-ga a tentar a mesma sorte. Ademais, os provedores de acesso, em um período relativamente curto, acabaram acomodando um nicho antes exclusivo das TVs por assinatura e aberta, e desejaram cobrar por isso. Para fundamentar a impo-sição de um ônus, as operadoras deste segmento se fiaram no argumento de que o modelo de oferta de Internet fixa ilimitada, ora praticado, tornava o negócio insustentável e prejudicava o investimento em infraestrutura. A ideia defendida era de que a imposição de franquia de dados constituía um remédio amargo, mas necessário, benéfico em última análise.

Inobstante esse argumento impressione à primeira vista, não há como ol-vidar a existência de interesses “meta ou superindividuais” envolvidos, os quais não admitem que limitação tão radical seja exercitada sumária e unicamente à luz desta ordem de valores. O conflito é natural e manifesto.

Determinadas operadoras buscaram introduzir a prática para os seus ser-viços de Internet banda larga7, com uma repercussão muito grande e negati-va na sociedade, impelindo a Anatel a intervir no mercado para, inicialmente, “proibir a adoção dessa prática pelas operadoras de Internet banda larga por tempo indeterminado”8. Com isso, até segunda ordem a Anatel havia sustado a redução da velocidade ou a interrupção do acesso à Internet, ou cobrança pelo tráfego excedente de dados após o esgotamento da franquia de banda larga fixa.

Este movimento se deu naturalmente no âmbito de competência da agên-cia, promovendo a regulação do mercado para a proteção destes interesses. Para bem situar a natureza dos direitos metaindividuais, valemo-nos do magis-tério de Rodolfo de Camargo Mancuso:

Interesses “meta ou superindividuais”, aí compreendidos aqueles que depassam a órbita individual, para se inserirem num contexto global, na ordem coletiva, lato sensu. Nesse campo, o primado recai em valores de ordem social, como o “bem comum”, a “qualidade de vida”, os “direitos humanos” etc. Os conflitos que aí surgem trazem a marca da impessoalidade [...]. São interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afe-tação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interes-ses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo [...]. Essa indeterminação de sujeitos deriva, em boa parte,

7 Segundo noticiado na imprensa, operadoras como a NET e a Oi, com aval da Agência Nacional de Telecomu-nicações (Anatel), já haviam implementado a prática de franquia de dados (Disponível em: <http://www.ebc.com.br/tecnologia/2016/04/limitacao-de-internet-fixa-banda-larga-entenda-franquia-de-dados>. Acesso em: 7 ago. 2016).

8 Idem.

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do fato de que não há vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados por esses interesses: eles se agregam ocasionalmente, em virtude de certas contingências, como o fato de habitarem certa região, consumirem certo produto, de viverem numa certa comunidade, por comungarem pretensões semelhantes, por serem afetados pelo mesmo evento etc.9

Como visto, a miríade de pessoas cujos direitos se aglutinam em torno do acesso à Internet indubitavelmente os coloca sob a classificação de “meta ou superindividuais”, atraindo, dessa forma, a incidência de outras disciplinas legais, como se verá adiante.

A Anatel, por meio do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC10, de março de 2014, estabeleceu e fixou regras sobre o atendimento, a cobrança e a oferta de serviços relativos ao Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, ao Serviço Móvel Pessoal – SMP, ao Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e aos Serviços de Televisão por Assinatura [que abrangem, além do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, o Serviço de TV a Cabo (TVC), o Serviço de Distribuição de Sinais Multipon-to Multicanal (MMDS), o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH) e o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA)]11.

Contudo, exatamente com fundamento no RGC, a Anatel emitiu posicio-namento no sentido de que o setor teria liberdade para deixar que as empresas aguassem de formas variadas, estruturando os seus modelos de negócio de for-mas distintas, admitindo abertamente a possibilidade de instituição das “fran-quias”. Estas foram as palavras do próprio presidente da agência, João Batista Rezende, que, em entrevista no primeiro semestre de 2016, assinalou:

A Anatel não proíbe esse modelo de negócios, que haja cobrança adicional tanto pela velocidade como pelos dados. Acreditamos que esse é um pilar importante

9 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 105/106.10 Resolução nº 632, de 7 de março de 2014 – Aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Servi-

ços de Telecomunicações – RGC. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/750--resolucao-632>. Acesso em: 3 jul. 2016.

11 Idem. “Da Abrangência e dos Objetivos – Art. 1º Este Regulamento tem por objetivo estabelecer regras sobre atendimento, cobrança e oferta de serviços relativos ao Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, ao Serviço Móvel Pessoal – SMP, ao Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e aos Serviços de Televisão por Assinatura. § 1º Para fins deste Regulamento, os Serviços de Televisão por Assinatura abrangem, além do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, o Serviço de TV a Cabo (TVC), o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS), o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH) e o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). § 2º A aplicação das regras constantes do presente Regulamento não afasta a incidência da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 199 – Código de Defesa do Consumidor, do Decreto nº 6.523, de 31 de julho de 2008, e regras complementares dos direitos previstos na legislação e em outros regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes.”

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do sistema, é importante que haja certas garantias para que não haja desestímulo aos investimentos, já que não podemos imaginar um serviço sempre ilimitado.12

Em princípio, a questão estaria encerrada e a prática da “franquia” libera-da para o provimento de acesso de Internet fixa de banda larga. Porém, muitos desafiaram este postulado, levantando questões do maior interesse acadêmico, como se procurará expor doravante.

I – AS AgÊNcIAS regulAdorAS NA coNStItuIção FederAl

As agências reguladoras “estrearam” nos universo jurídico brasileiro du-rante a década de 90, no que foi conhecido como o ciclo das privatizações, fortemente influenciado e impactado por processos globais de liberalização econômica (empresas e governos na esfera global, com foco no mercado in-ternacional, muitas vezes em detrimento do local, com crescente fragilização das fronteiras13). Este movimento foi fortemente impulsionado pelo chamado “Consenso de Washington”14-15.

O modelo de agências espelhou-se no modelo norte-americano, onde a figura do Estado-empreendedor (atuante/intervencionista direto na economia) foi substituída pelo Estado-regulador, e setores antes sob o monopólio do Estado passaram para a iniciativa privada, criando-se um amplo mercado concorren-cial privado sob regulação direta de agências estatais especializadas.

Este foi um movimento que contava com respaldo constitucional, cujo texto estabelecia diretrizes voltadas à livre iniciativa e ao modelo de Estado--regulador, consoante disposição dos arts. 1º, IV, e 174 da Constituição Federal, a saber:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

12 Entrevista: “Anatel diz que não é proibido estabelecer limite de consumo para internet fixa”. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/anatel-diz-que-nao-e-proibido-estabelecer-limite-de--consumo-para-internet-fixa>. Acesso em: 16 jul. 2016.

13 NUSDEO, Fábio. Curso de economia – Introdução ao direito econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 327 e 328.

14 NAÍM, Moisés. Ascensão e queda do Consenso de Washington – O Consenso de Washington ou a confusão de Washington. Revista Brasileira de Comércio Exterior, originalmente publicado na Revista Foreign Policy, n. 118 (Spring 2000). Disponível em: <http://www.funcex.com.br/bases/64-Consenso%20de%20Wash-MN.PDF>. Acesso em: 15 nov. 2009.

15 Em sentido contrário, o Consenso de Washington também teve oposicionistas e críticos, desde o início, bem como hoje, após longos anos, é possível verificar que o modelo, como um todo para a América Latina, não teve o sucesso esperado, e em muitos casos, não se chegou nem mesmo perto. Para uma crítica bastante pontual, vide MALAN, Pedro S. Uma crítica ao Consenso de Washington. Revista de Economia Política, v. 11, n. 3 (43), p. 5 a 12, jul./set. 1991.

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[...]

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...].16 (grifamos)

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.17

O Estado fez, então, surgir um modelo no qual foram desenvolvidas di-versas agências reguladoras, encarregando cada qual de um setor específico da economia, visando, com isso, em tese, a criar um ambiente propício ao seu fo-mento e em regime de adequação com os objetivos administrativos e estratégi-cos do Governo. Claramente trata-se de regulação infraconstitucional, por meio da qual o Estado institui tais agências reguladoras, que são pessoas jurídicas de direito público interno, com finalidade de planejamento e gerenciamento da atuação empresarial privada sob a autorização do art. 174 da Constituição Federal supratranscrito.

Entre as numerosas agências criadas, por um “capricho legislativo” deu--se que apenas duas delas constatavam expressamente do Texto Constitucional sob a forma de norma programática. Foi este o caso da Anatel – Agência Nacio-nal de Telecomunicações e da ANP – Agência Nacional do Petróleo, ex vi do art. 21, inciso XI, e art. 177, § 2º, inciso III, da Carta Magna:

Art. 21. Compete à União:

[...]

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

16 Constituição Federal de 1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 1º jul. 2016).

17 Constituição Federal de 1988: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Es-tado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do plane-jamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associati-vismo. § 3º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei” (Idem).

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[...].18 (grifamos)

Art. 177. Constituem monopólio da União:

[...]

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

[...]

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União;

[...].19

18 Constituição Federal de 1988: “Art. 21. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; II – declarar a guerra e celebrar a paz; III – assegurar a defesa nacional; IV – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo ter-ritório nacional ou nele permaneçam temporariamente; V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII – emitir moeda; VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15.08.1995) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; (Redação dada pela Emenda Constitu-cional nº 8, de 15.08.1995) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacus-tres; XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 69, de 2012) (Produção de efeito) XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; XVII – conceder anistia; XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir crité-rios de outorga de direitos de seu uso; (Regulamento) XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXI – estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação; XXII – executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Re-dação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessa-mento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princí-pios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercia-lização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho; XXV – estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa” (grifos nossos) (Idem).

19 Constituição Federal de 1988: “Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e

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No caso do art. 177, parcialmente supratranscrito, o mesmo trata de for-ma ampla a regulação de competências de monopólio da União sobre pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos flui-dos, refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes destas atividades, e questões mais complexas envolvendo transporte marítimo do petróleo bruto de origem na-cional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.

Visivelmente temos emoldurado um arcabouço para, como dissemos, termos a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo constatando – ainda que não nomeada e taxativamente indicadas – expressamente do Texto Constitucional sob a forma de norma pro-gramática.

Digno de registro, a singularidade da questão das numerosas agências criadas chegou mesmo a inspirar a cogitação sobre a inconstitucionalidade da criação das não vinculadas expressamente ao Texto Constitucional. Tamanho foi o ímpeto que a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (“STF”20) pelos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1949/RS. A pretensa inconstitucionalidade restou solapada pelo Tribunal Pleno em 18.11.1999, que, sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu pela

gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializa-ção e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja pro-dução, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) II – as condições de contratação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) § 3º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional. (Renumerado de § 2º para 3º pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I – a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II – os recursos arrecadados serão destinados: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. (Incluído pela Emenda Consti-tucional nº 33, de 2001)” (grifos nossos) (Idem).

20 Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 jul. 2016.

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legalidade geral das agências reguladoras e que a sua criação podia se dar nor-malmente por via de lei ordinária. Nas palavras do ilustre Relator:

Certo, de limitar-se a Constituição a prever a criação de órgão regulador para setores de telecomunicações e de exploração petrolífera, não se segue a lei or-dinária, federal ou estadual, não possa igualmente criá-los para a regulação e fiscalização de outros tipos de serviços públicos delegados. Mas aí, com mais razão, sem fugir à alternativa, derivada da Constituição, entre a Administração direta e a autarquia.21

Em vista do contexto constitucional, verifica-se que, mesmo quando co-gitada a inconstitucionalidade da criação das agências reguladoras não vincula-das expressamente ao Texto Constitucional, o entendimento supra do Ministro Sepúlveda Pertence é totalmente integrado à lógica de nosso ordenamento jurí-dico, dado que importa analisar, de forma sistêmica, o escopo do real alcance do comando constitucional, para conferir grau de estabilidade e garantia à so-ciedade, ao mercado e ao ordenamento jurídico como um todo.

E esta garantia, inclusive, reforça o norte estatal e o modelo adotado pelo Brasil desde a década de 90, como já indicado, de mudança de um Estado mais intervencionista e atuante na economia para um Estado mais regulador. Nas palavras de Floriano de Azevedo Marques Neto:

21 “Ementa: I –. Agências reguladoras de serviços públicos: natureza autárquica, quando suas funções não sejam confiadas por lei a entidade personalizada e não, à própria administração direta. II –. Separação e independên-cia dos Poderes: submissão à Assembléia Legislativa, por lei estadual, da escolha e da destituição, no curso do mandato, dos membros do Conselho Superior da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS: parâmetros federais impostos ao Estado-membro. 1. Diversa-mente dos textos constitucionais anteriores, na Constituição de 1988 – à vista da cláusula final de abertura do art. 52, III –, são válidas as normas legais, federais ou locais, que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à prévia aprovação do Senado Federal ou da Assembléia Legislativa: jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal. 2. Carece, pois, de plausibilidade a argüição de incons-titucionalidade, no caso, do condicionamento à aprovação prévia da Assembléia Legislativa da investidu-ra dos conselheiros da agência reguladora questionada. 3. Diversamente, é inquestionável a relevância da alegação de incompatibilidade com o princípio fundamental da separação e independência dos poderes, sob o regime presidencialista, do art. 8º das leis locais, que outorga à Assembléia Legislativa o poder de destituição dos conselheiros da agência reguladora autárquica, antes do final do período da sua nomeação a termo. 4. A investidura a termo – não impugnada e plenamente compatível com a natureza das funções das agências reguladoras – é, porém, incompatível com a demissão ad nutum pelo Poder Executivo: por isso, para conciliá-la com a suspensão cautelar da única forma de demissão prevista na lei – ou seja, a des-tituição por decisão da Assembléia Legislativa –, impõe-se explicitar que se suspende a eficácia do art. 8º dos diplomas estaduais referidos, sem prejuízo das restrições à demissibilidade dos conselheiros da agência sem justo motivo, pelo Governador do Estado, ou da superveniência de diferente legislação válida. III – Ação direta de inconstitucionalidade: eficácia da suspensão cautelar da norma argüida de inconstitucional, que alcança, no caso, o dispositivo da lei primitiva, substancialmente idêntico. IV – Ação direta de inconstitu-cionalidade e impossibilidade jurídica do pedido: não se declara a inconstitucionalidade parcial quando haja inversão clara do sentido da lei, dado que não é permitido ao Poder Judiciário agir como legislador positivo: hipótese excepcional, contudo, em que se faculta a emenda da inicial para ampliar o objeto do pedido.” (Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1949/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Requerente: Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Requerida: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 18.11.1999. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347344>. Acesso em: 29 jul. 2016)

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As transformações ocorridas nos últimos anos apontam para uma redução da in-tervenção direta e do incremento de uma nova forma de intervenção. Tem lugar entre nós o fortalecimento do papel regulador em detrimento do papel do Estado produtor de bens e serviços, de modo que o que é relevante para o advento da atividade regulatória estatal não é, pois, a supressão da intervenção estatal direta na ordem econômica mas basicamente i) a separação entre o operador estatal e o ente encarregado de regulação do respectivo setor e ii) a admissão do setor regulado da existência de operadores privados competindo com o operador pú-blico (introdução do conceito de competição em setores sujeitos à intervenção estatal direta).22

Com a redução da participação direta do Estado na atividade econômica a partir da implementação do programa de desestatização, foi necessário que o Poder Público centrasse forças na atividade regulatória do mercado e da econo-mia, agora pendularmente nas mãos da iniciativa privada, povoada de agentes econômicos distintos. Por isso, e por força dos dispositivos constitucionais já mencionados, o Estado foi naturalmente compelido a atuar na vigilância do mercado, nos mais distintos e diversos aspectos, tais como direitos do consu-midor, defesa da concorrência (monopólios, venda casada, etc.), qualidade dos serviços prestados, abuso de poder econômico, entre tantos outros.

Para os fins deste ensaio, atentar-nos-emos à face legislativa da Anatel, principiando pelas espécies normativas emanadas pela autarquia, e de que for-ma interagem com o ordenamento.

II – A ANAtel – AgÊNcIA NAcIoNAl de telecomuNIcAçõeS

Com o advento da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 199723, foi criada a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, que, segundo o seu art. 8º e § 2º24, constituía-se de “entidade integrante da Administração Pública Federal

22 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras – Instrumentos do fortalecimento do Estado, p. 55. Texto elaborado pelo autor para a ABAR – Associação Brasileira de Agências de Regulação. Dis-ponível em: <http://www.aris.sc.gov.br/download/c2l0ZV9iaWJsaW9fZG93bjsxNTtsaXZyby1hZ2VuY2lhcy 1yZWd1bGFkb3Jhcy1pbnN0cnVtZW50b3MtZG8tZm9ydGFsZWNpbWVudG8tZG8tZXN0YWRvLWFiYXIuc-GRm>. Acesso em: 14 jul. 2016.

23 Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a cria-ção e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Consti-tucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 21 jul. 2016.

24 Idem.

“Da Criação do Órgão Regulador – Art. 8º Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. § 1º A Agência terá como órgão máximo o Conselho Diretor, devendo contar, também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de diferentes funções. § 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subor-dinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.”

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indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais”. O próprio título da Lei nº 9.472/1997, no qual o art. 8º está alocado, já é bastante taxativo ao indicar que se trata da “criação do órgão regulador”, fixando o art. 9º que a agência tem todo o direito de autuar como autoridade administrativa indepen-dente, assegurando-se-lhe, nos termos da lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de suas competências25.

Como expresso na letra da lei, a natureza jurídica da Anatel é de autar-quia federal especial vinculada ao Ministério das Telecomunicações e dotada da função de órgão regulador das telecomunicações. Este ponto é sumamente importante para nosso trabalho, vez que a função de órgão regulador somente pode ser exercida a partir da disposição de alguma quantidade e qualidade de poderes do Estado. Este ponto é melhor desenvolvido por Maria Sylvia Di Pietro:

Costuma-se afirmar que as agências reguladoras gozam de certa margem de in-dependência em relação aos três poderes do Estado: (a) em relação ao Poder Legislativo, porque dispõem de função normativa, que justifica o nome de órgão regulador ou agência reguladora; (b) em relação ao Poder Executivo, porque as normas e decisões não podem ser alteradas ou revistas por autoridades estranhas ao próprio órgão; (c) em relação ao Poder Judiciário, porque dispõem de função quase-jurisdicional no sentido de que resolvem, no âmbito das atividades contro-ladas pela agência, litígios entre os vários delegatários que exercem serviço pú-blico mediante concessão, permissão ou autorização e entre estes e os usuários dos respectivos serviços.26

A atividade regulatória de mercado por um órgão estatal especializado (agência estatal reguladora), para que seja exercida de forma efetiva, necessita de que esta entidade seja investida, por assim dizer, dos poderes próprios as-semelhados aos do Executivo, Legislativo e Judiciário, e que os possa exercer com relativa autonomia, sejam quais forem os ventos soprados pela política na época. No caso da Anatel, esta assertiva é tangível, dada a expressividade da norma:

Lei nº 9.472/1997

Art. 8º [...]

[...]

25 Idem.

“Art. 9º A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência.”

26 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, tercei-rização e outras formas. 35. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 131.

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§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.27

Não obstante, a Anatel tem competências privativas fixadas pelo art. 19 da Lei nº 9.472/199728, com uma listagem pontual de diversas atividades para as quais o legislador julgou por bem taxativamente nomear. Segundo o caput do art. 19 da Lei, compete à agência adotar todas as medidas necessárias para o atendimento do interesse público (visivelmente proteção do mercado con-sumidor) e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade,

27 Idem a nota 24.28 Idem.

“Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: I – implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações; II – representar o Brasil nos organismos internacionais de telecomunicações, sob a coordenação do Poder Executivo; III – elaborar e propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministro de Estado das Comunicações, a adoção das medidas a que se referem os incisos I a IV do artigo anterior, submetendo previamente a consulta pública as relativas aos incisos I a III; IV – expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; V – editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público; VI – celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes; VIII – administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas; IX – editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofreqüência e de órbita, fiscalizando e aplicando sanções; X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XI – expedir e extinguir autorização para pres-tação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções; XII – expedir normas e padrões a se-rem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; XIII – expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos; XIV – expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais; XV – realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência; XVI – deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos; XVII – compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações; XVIII – reprimir infrações dos direitos dos usuários; XIX – exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Eco-nômica – Cade; XX – propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministério das Comunicações, a declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, dos bens necessários à implantação ou manutenção de serviço no regime público; XXI – arrecadar e aplicar suas receitas; XXII – resolver quanto à celebração, alteração ou extinção de seus contratos, bem como quanto à nomeação, exoneração e demissão de servidores, realizando os procedimentos necessários, na forma em que dispuser o regulamento; XXIII – contratar pessoal por prazo determinado, de acordo com o disposto na Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993; XXIV – adquirir, administrar e alienar seus bens; XXV – decidir em último grau sobre as matérias de sua alçada, sempre admitido recurso ao Conselho Diretor; XXVI – for-mular ao Ministério das Comunicações proposta de orçamento; XXVII – aprovar o seu regimento interno; XXVIII – elaborar relatório anual de suas atividades, nele destacando o cumprimento da política do setor definida nos termos do artigo anterior; XXIX – enviar o relatório anual de suas atividades ao Ministério das Comunicações e, por intermédio da Presidência da República, ao Congresso Nacional; XXX – rever, periodica-mente, os planos enumerados nos incisos II e III do artigo anterior, submetendo-os, por intermédio do Ministro de Estado das Comunicações, ao Presidente da República, para aprovação; XXXI – promover interação com administrações de telecomunicações dos países do Mercado Comum do Sul – Mercosul, com vistas à conse-cução de objetivos de interesse comum.”

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estabelecendo, ainda, 31 hipóteses de trabalhos direcionados de medidas ne-cessárias para o atendimento do interesse público.

A este ponto Floriano de Azevedo Marques Neto, avaliando as distin-ções entre termos e os seus conceitos práticos de política de Estado, política de Governo, políticas públicas e políticas regulatórias, parte para pontuar que políticas públicas e políticas regulatórias, “dimensões políticas têm sua margem de legitimidade, ainda que por fontes diferentes”29.

Segundo a própria Anatel, o mote de sua atuação é o desenvolvimento das telecomunicações no País, sempre buscando uma infraestrutura de teleco-municações moderna e eficiente30.

As transformações ocorridas nos últimos anos apontam para uma redução da in-tervenção direta e do incremento de uma nova forma de intervenção. Tem lugar entre nós o fortalecimento do papel regulador em detrimento do papel do Estado produtor de bens e serviços, de modo que o que é relevante para o advento da atividade regulatória estatal não é, pois, a supressão da intervenção estatal direta na ordem econômica mas basicamente i) a separação entre o operador estatal e o ente encarregado de regulação do respectivo setor e ii) a admissão do setor regulado da existência de operadores privados competindo com o operador pú-blico (introdução do conceito de competição em setores sujeitos à intervenção estatal direta).31

E ainda segue nesta toada Azevedo Marques Neto:

Porém, podem envolver o incremento ou a redução da intervenção estatal sobre um setor, uma nova hierarquização dos objetivos prioritários para tal setor, uma reorientação do público alvo da intervenção ou mudança na indicação das fontes e dos agentes que deverão fazer frente aos ônus ou encargos decorrentes da im-plementação dos objetivos de interesse geral. É importante que os marcos legais, que definem a intervenção estatal sobre um dado setor da economia, reservem

29 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras – Instrumentos do fortalecimento do Es-tado, p. 38. Texto elaborado pelo autor para a ABAR – Associação Brasileira de Agências de Regulação. Disponível em: <http://www.aris.sc.gov.br/download/c2l0ZV9iaWJsaW9fZG93bjsxNTtsaXZyby1hZ2VuY-2lhcy1yZWd1bGFkb3Jhcy1pbnN0cnVtZW50b3MtZG8tZm9ydGFsZWNpbWVudG8tZG8tZXN0YWRvLWFiY-XIucGRm>. Acesso em: 14 jul. 2016.

30 Neste sentido: “A agência trabalha com o objetivo de promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma moderna e eficiente infraestrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional. Missão: Regular o setor de telecomunicações para contribuir com o desenvolvimento do Brasil. Visão: Ser reconhecida como instituição de excelência que promove um ambiente favorável para as comunicações no Brasil, em benefício da sociedade brasileira. Valores: Capacitação Institucional, Segurança Regulatória, Transparência e Participa-ção social” (Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/institucional/index.php/institucional-menu>. Acesso em: 23 jul. 2016).

31 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras – Instrumentos do fortalecimento do Es-tado, p. 55. Texto elaborado pelo autor para a ABAR – Associação Brasileira de Agências de Regulação. Disponível em: <http://www.aris.sc.gov.br/download/c2l0ZV9iaWJsaW9fZG93bjsxNTtsaXZyby1hZ2VuY-2lhcy1yZWd1bGFkb3Jhcy1pbnN0cnVtZW50b3MtZG8tZm9ydGFsZWNpbWVudG8tZG8tZXN0YWRvLWFiY-XIucGRm>. Acesso em: 14 jul. 2016.

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de forma clara e objetiva as margens de formulação das políticas de governo, evitando que seja restringida a possibilidade do governante eleito intervir na for-mulação das políticas públicas. A política de governo condiciona (ainda que não elida) as políticas regulatórias. No âmbito do setor de telecomunicações as políticas de governo vêm previstas no art. 18 da LGT e, malgrado o reduzido nú-mero de incisos lá previsto, permite uma fortíssima interferência governamental nos rumos do setor.32

Ora, temos que sempre ter em mente que o fenômeno econômico in-teressa à ordem social, ainda mais em se tratando de questões de regulação setorial. O Poder Público, embasado e jusdirecionado pela Carta Magna, tem diretrizes determinadas como a promoção de fundamentos da justiça, pela ope-racionalização da estrutura da “máquina judicial”, e prestação jurisdicional, devendo também garantir o funcionamento do mercado e resguardar a liberda-de de iniciativa de comércio e dos empresários, com liberdade de competição.

Exatamente por isso que nos parece que uma primeira grande confusão possível de ser identificada se refere à questão das políticas regulatórias, as políticas públicas nos setores sujeitos à nova regulação, pois devem ser imple-mentadas, em grande medida, pelo manejo das políticas públicas. Para Floriano de Azevedo Marques,

no setor de telecomunicações a adstrição do regulador às políticas públicas é bastante nítida, seja do art. 19 (onde vemos no caput o caráter vinculado das competências da Agência ao “atendimento do interesse público” e no inciso I expressam ente a competência primacial de “implementar, em sua esfera de atri-buições, a política nacional de telecomunicações”), seja na redação original do antigo art. 26, § 1º, hoje revogado pela Lei nº 9.986/2000 (que previa a exceção à estabilidade dos membros do órgão de direção na hipótese de descumprimento “das políticas estabelecidas para o setor pelos Poderes Executivo e Legislativo”).

Se entendemos, então, que o regulador está adstrito às políticas publicas, podemos avançar em nossa avaliação, e, então, imediatamente compreender que a questão das franquias que passaremos a comentar poderá ter outros in-teresses adicionados que não apenas estudos, avaliações e laudos técnicos do próprio agente regulador.

III – A decISão dA ANAtel SoBre A QueStão dAS FrANQuIAS

Bem delineado o contexto geral, finalmente podemos nos debruçar sobre a decisão da Anatel que autorizou que, após o consumo de determinado volu-

32 Idem, p. 38/39.

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me de dados, a chamada “franquia”, o sinal do consumidor fosse bloqueado ou tivesse a sua velocidade reduzida a níveis análogos ao próprio bloqueio.

Os argumentos noticiados pela Anatel para defender a legalida-de da prática visivelmente se basearam em uma leitura isolacionista da Lei nº 9.472/199733, exigindo-se das provedoras de sinal apenas que assegurassem ao consumidor o prévio conhecimento dos novos ônus doravante vigentes – o que representa não somente uma leitura míope de um inciso isolado do art. 3º da Lei (VIII – ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço).

Logo de início qualificamos a hermenêutica levada ao cabo pela Anatel como isolacionista, vez que, em nosso entendimento, o acesso à Internet se tor-nou um fenômeno social, jurídico, econômico e político de tamanha dimensão que se tornou impossível isolá-lo do alcance de outras normas.

Nesta seara, impressiona, desde logo, o conteúdo da Resolução nº L.20 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, considerando o enaltecimento dado ao acesso à Internet e a proteção aos direitos e às liberdades fundamentais para a efetiva fruição dos direitos humanos, conclamando os Estados a adota-rem políticas públicas inclusivas e transparentes neste sentido. Vejamos:

O Conselho condena inequivocamente todas as violações aos direitos humanos e abusos, como tortura, mortes extrajudiciais, desaparecimentos forçados e pri-são arbitrária, expulsão, intimidação e assédio, assim como violência baseada em gênero, cometidas contra pessoas por exercerem seus direitos humanos e liberdades fundamentais na Internet, e conclama todos os Estados a assumir res-ponsabilidade neste particular.

Conclama todos os Estados a considerar a formulação, através de processos in-clusivos e transparentes com todos os atores, e a adoção de políticas públicas nacionais relacionadas à Internet com o objetivo de permitir o acesso universal e a fruição efetiva dos direitos humanos.34

A referida resolução caminha no sentido de manifestar expressamente a proteção de direitos humanos ao incluir a liberdade de acesso à Internet no âmbito dos direitos fundamentais do ser humano, dado que é uma das formas

33 Idem a nota 25.34 “Condemns unequivocally all human rights violations and abuses, such as torture, extrajudicial killings,

enforced disappearances and arbitrary detention, expulsion, intimidation and harassment, as well as gender based violence, committed against persons for exercising their human rights and fundamental freedoms on the Internet, and calls on all States to ensure accountability in this regard;

Calls upon all States to consider formulating, through transparent and inclusive processes with all stakehol-ders, and adopting national Internet-related public policies that have the objective of universal access and enjoyment of human rights at their core; […]”

(Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/32/L.20>. Acesso em: 30 jul. 2016, tradução do autor)

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atualmente mais relevantes para o exercício de outros direitos inerentes à con-dição humana, como a liberdade de expressão e a liberdade de informação.

E se o acesso irrestrito à Internet passa a integrar o rol das prerrogativas e garantias que compõem o espectro dos direitos humanos, a temática em torno da limitação do acesso à Internet necessariamente passa pelo disposto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, incluído pela EC 45/2004.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quin-tos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitu-cionais.35

O Brasil se tornou signatário da Declaração Universal dos Direitos Hu-manos em 10.12.1948, mesma data de sua promulgação por meio da Resolu-ção nº 217 da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Desde o momento em que a Internet se torna um dos mecanismos para a manifestação e efetividade dos próprios direitos humanos, assoma-se absolutamente legítima a arguição da-queles que sustentam ser o próprio acesso à Internet um dos direitos universais do ser humano.

E se por este mecanismo hermenêutico o acesso à Internet está no âmbito dos direitos humanos, este mesmo direito encontrar-se-ia alçado ao status cons-titucional e no rol especial do art. 60, § 4º, inciso IV. Em suma, tal direito estaria assegurado por cláusula pétrea e autoaplicável.

Para Flávia Piovesan, inobstante a EC 45/2004 tenha previsto um quórum qualificado para tornar um tratado internacional norma constitucional, esta exi-gência só se aplicaria aos tratados sobre direitos humanos ainda não ratificados quando da entrada em vigor da referida emenda. Os tratados já ratificados, pelo contrário, não necessitariam passar por nova votação no Congresso Nacional, em dois turnos, para alcançar o status constitucional.

Ainda na lição da Professor Flávia Piovesan:

Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasi-leiro, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos

35 Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui-caoCompilado.htm>. Acesso em: 1º jul. 2016.

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II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora.36

Piovesan conclui:

Considerando que toda a Constituição há de ser compreendida como uma uni-dade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.37

O Superior Tribunal de Justiça já perfilhou este mesmo entendimento:

[...] o § 3º do art. 5º da CF/1988, acrescida pela EC 45, é taxativo ao enunciar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos res-pectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Ora, apesar de à época o referido Pacto ter sido aprovado com quorum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado do mundo jurídico, não obstante decantada por decisões judiciais. De acordo com o citado § 3º, a Con-venção continua em vigor, desta feita com força de emenda constitucional. A regra dispositivo em apreço é clara no sentido de que os tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimi-lados jurídica do país como normas de hierarquia constitucional.38 (destacamos)

A par do extrato constitucional que parece assegurar o acesso à Internet, é possível cogitar também de outras espécies normativas que caminham no mesmo sentido.

Este rol inclui o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/201439), a Lei das Telecomunicações (Lei nº 9.472/199740), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/199041), o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Ser-

36 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 58.

37 Idem, p. 59.38 STJ, RHC 18.799/RS, Rel. Min. José Delgado, J. 16.02.2006.39 Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da

Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

40 Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 – Lei das Telecomunicações. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

41 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

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viços de Telecomunicações – RGC (Resolução Anatel nº 632/201442) e, possi-velmente, a Lei nº 12.529/201143.

Principiando pelo Marco Civil da Internet44, imediatamente ganham des-taque os princípios elencados nos seguintes dispositivos:

Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:

[...]

II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;

[...]

V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

VI – a finalidade social da rede. (destacamos)

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

[...]

V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

[...]

Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados interna-cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 4º A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:

I – do direito de acesso à internet a todos;

[...]

Art. 6º Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamen-tos, princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes

42 Resolução nº 632, de 7 de março de 2014 – Aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Servi-ços de Telecomunicações – RGC. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/750--resolucao-632>. Acesso em: 3 jul. 2016.

43 Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 – Lei de Defesa da Concorrência. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; al-tera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providência. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/750-resolucao-632>. Acesso em: 3 jul. 2016.

44 Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

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particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural.

Art. 7º O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

[...]

IV – não suspensão da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decor-rente de sua utilização;

[...]

XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na Internet. (destacamos)

Dos dispositivos selecionados fica evidenciado que a efetividade do di-reito de acesso à Internet se verifica pelo atendimento a requisitos concernentes à estabilidade da conexão, à proteção contra a sua suspensão, aos usos e costu-mes, à universalidade do acesso e a descentralização das fontes legais atinentes à disciplina do uso da Internet no Brasil.

A própria Lei das Telecomunicações45 milita em sentido contrário à res-trição do acesso Internet:

Art. 2º O Poder Público tem o dever de:

[...]

II – estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;

III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

[...]

Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações ob-servar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abu-so do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

[...]

Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia em-pregada ou de outros atributos.

45 Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 – Lei das Telecomunicações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

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Parágrafo único. Forma de telecomunicação é o modo específico de transmitir in-formação, decorrente de características particulares de transdução, de transmis-são, de apresentação da informação ou de combinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.

[...]

Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às teleco-municações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir:

I – a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta e sua qualidade;

[...]

V – o equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços;

[...]

VIII – o cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos encargos dela decorrentes;

[...]. (destacamos)

Deste acervo normativo podemos concluir que o acesso à Internet con-substancia: (a) meio de comunicação, (b) relação de consumo, (c) serviço pú-blico vinculado ao dever de continuidade. Também se verificam determinações no sentido de: (d) equilíbrio nas relações entre fornecedores e consumidores, (e) incremento na oferta e qualidade de acordo com as exigências dos consumi-dores, e (f) continuidade do serviço.

Nessa mesma trilha também caminharam numerosos dispositivos do Có-digo de Defesa do Consumidor46, que, como já observado, encontra aplicação na relação jurídica de provisionamento de acesso à Internet:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...[

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações des-proporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

[...]

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

46 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

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I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

[...]

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

[...]

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

[...]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

[...]

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a quali-dade do contrato, após sua celebração;

[...]

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...]

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contra-to, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

A norma em comento, como notório, tem no consumidor o elemento hipossuficiente do sinalagma desta relação jurídica, de modo que, para a efeti-vidade do princípio da igualdade real, o legislador tende a favorecê-lo na distri-buição de direitos e deveres. Os trechos selecionados da norma são evidência de que superveniente imposição de limites quantitativos/qualitativos ao provi-sionamento de acesso à Internet é ilegal sob muitos aspectos.

Presunção esta agasalhada pelo próprio Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, editado pela Resolu-ção Anatel nº 632/2014. Note-se o inequívoco teor da norma.

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Art. 3º O consumidor dos serviços abrangidos por este Regulamento tem direito, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável e nos regulamentos específicos de cada serviço:

[...]

VI – à não suspensão do serviço sem sua solicitação, ressalvada a hipótese do Capítulo VI do Título V47 ou por descumprimento de deveres constantes do art. 4º da LGT, sempre após notificação prévia pela prestadora48;

[...]. (destacamos)

IV – ProjetoS de leI em trAmItAção

A par desta legislação ora vigente, a repercussão da questão foi tão avas-saladora que deu azo à propositura de nada menos que 4 (quatro) projetos de lei com o propósito específico de proibir toda prática ou apenas de determinados aspectos.

No espectro destas iniciativas legislativas, podemos citar o Projeto de Lei no Senado nº 174, de 2016, de autoria do Senador (PSDB-ES), que altera o Marco Civil da Internet, inserindo o inciso XIV no art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, com o seguinte texto49:

Projeto de Lei do Senado nº 174, de 2016

Insere o inciso XIV no art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para vedar a implementação de franquia limitada de consumo nos planos de Internet banda larga fixa.

Art. 1º O art. 7º da Lei nº 12.965 de 2014 passa a vigorar com o seguinte inciso XIV:

“Art. 7º [...]

[...]

XIV – a não implementação de franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa.”

47 Título V do Capítulo VI – Da Suspensão e Rescisão Contratual por Falta de Pagamento ou Inserção de Crédito.48 “Art. 4º O usuário de serviços de telecomunicações tem o dever de: I – utilizar adequadamente os serviços,

equipamentos e redes de telecomunicações; II – respeitar os bens públicos e aqueles voltados à utilização do público em geral; III – comunicar às autoridades irregularidades ocorridas e atos ilícitos cometidos por prestadora de serviço de telecomunicações.”

49 Projeto de Lei do Senado nº 174, de 2016. Insere o inciso XIV no art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para vedar a implementação de franquia limitada de consumo nos planos de Internet banda larga fixa. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125599>. Acesso em: 16 ago. 2016.

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Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Esta proposta passou pela CCT – Comissão de Ciência, Tecnologia, Ino-vação, Comunicação e Informática, aguardando encaminhamento à CCT – Co-missão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.

Outra fórmula, mais branda, foi enunciada no Projeto de Lei no Senado nº 176/2016, de autoria do Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), seguindo o seguinte modelo50:

Projeto de Lei do Senado nº 176, de 2016

Altera o art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para assegurar aos usuá-rios da Internet o direito à não limitação no volume de dados das conexões fixas.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei altera o art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para assegurar aos usuários da internet o direito à não limitação no volume de dados das conexões fixas.

Art. 2º O art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 passa a viger acrescido do seguinte inciso XIV:

“Art. 7º [...]

[...]

XIV – não limitação no volume de dados das conexões fixas.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor quarenta e cinco dias após a data de sua publi-cação.

A proposta ainda tramita na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT).

Um terceiro projeto, consubstanciado na Sugestão nº 7/2016, apresen-tada por meio do portal e-Cidadania e a sob a atual relatoria do Senador José Medeiros (PSD-MT), vai direto ao ponto, optando por “proibir, expressamente, o corte ou diminuição da velocidade por consumo de dados nos serviços de Internet de banda larga fixa”51. A sugestão contou com 20 mil manifestações de apoio e está em trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Parti-cipativa (CDH).

50 Projeto de Lei do Senado nº 176, de 2016. Altera o art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para assegurar aos usuários da internet o direito à não limitação no volume de dados das conexões fixas. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125601>. Acesso em: 16 ago. 2016.

51 Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=191952&tp=1>. Acesso em: 16 ago. 2016.

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Em sentido diametralmente oposto se dirigiu um quarto projeto, o Projeto de Decreto Legislativo (PDS) nº 14/2016, de autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que cancela o trecho da Resolução nº 614/2013 da Anatel, que autoriza expressamente a prática de franquia de consumo de dados, com todas as suas variantes, para as operadoras de Internet fixa de banda larga. O projeto aguarda designação de Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e versou o seguinte texto52:

Projeto de Decreto Legislativo nº 14, de 2016

Susta o inciso III e os §§ 1º e 3º, do art. 63, da Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que autoriza as operadoras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, a adotarem em seus planos de serviço, a franquia de consumo.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica sustado, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal, o inciso III e os §§ 1º e 3º do art. 63, da Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel.

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Vale, por fim, um destaque pontual a um quinto Projeto de Lei, o PLS 52/201353, que institui a Lei Geral das Agências Reguladoras, em trâmite pe-rante o Senado Federal. Em agosto de 2016 foi aprovado na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CDN) um substitutivo ao projeto, unificando as regras e promovendo diversas alterações, principalmente no funcionamento da Anatel. O projeto dispõe sobre as regras aplicáveis às agências reguladoras, relativamente à sua gestão, à organização e aos mecanismos de controle so-cial, estabelecendo, inclusive, o processo de decisão das agências reguladoras. Altera inúmeras matérias, visando efetivamente a criar uma lei geral. Por sua natureza e complexidade, espera-se que a tramitação seja mais debatida.

52 Projeto de Decreto Legislativo nº 14, de 2016. Susta o inciso III e os §§ 1º e 3º, do art. 63, da Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que autoriza as operado-ras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, a adotarem em seus planos de serviço, a franquia de con-sumo. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=191750&tp=1>. Acesso em: 16 ago. 2016.

53 PLS 52/2013 – Projeto de Lei do Senado nº 52, de 2013 – Lei das Agências Reguladoras – Agenda Brasil 2015 – Dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, nº 9.984, de 17 de julho de 2000, nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e nº 10.233, de 5 de junho de 2001, nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e dá outras providências. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/111048>. Acesso em: 18 ago. 2016.

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V – À guISA de coNcluSão

Em que pese a autonomia das agências reguladoras, para quem tem acompanhado de perto a questão sabe o tratamento dado pela Anatel ao caso da franquia de dados e a proteção aos consumidores brasileiros. Inicialmente, demonstrando-se favorável à limitação de dados, a agência visivelmente aco-lheu o plano de limitar a Internet dos brasileiros (iniciado pela Vivo), tendo re-cebido como reação a fúria da população por manifestações na própria Internet, além de diversas empresas e órgãos de defensoria pública (MP) e a própria OAB – Organização dos Advogados do Brasil.

A autorização da Anatel sobre a franquia de dados é sujeita à ampla re-visão judicial. Seja porque devemos cuidar para que não seja jamais final, dado que apenas é uma entidade de regulação e não integrante do Poder Judiciário (a quem sempre cabe o poder de revisão e decisão), seja porque a este poder é quem cabe a decisão sobre as defesas dos interesses a serem efetivamente defendidos. Esta revisão impessoal de interesses é vital para a sua proteção – até mesmo porque o próprio conflito assume uma marca de impessoalidade.

Vale lembrar que nossa Carta Magna estabeleceu um rijo modelo, no qual o Estado tem controlada a sua interferência tanto de forma direta e indireta na economia quanto em outras atividades, assim como também os Poderes que historicamente são mantidos separados (Legislativo, Judiciário e Executivo) são mantidos resguardados em seus contornos, com interferências autorizadas de forma exclusiva e pontual no Texto Constitucional, apenas nas hipóteses nela previstas.

E exatamente por isso, sempre que surgem inovações que desviam ou interferem nestas relações, os sistemas de controle são chamados a agir. A von-tade e o imediatismo do legislador infraconstitucional não pode interferir em tal rijo modelo estatal, seja para construir, criar ou ampliar novos campos de intersecção entres os poderes estatais constituídos, sem que possuam respaldo e/ou devida autorização constitucional.

A decisão da Anatel não se sustenta em face da multiplicidade de normas a disciplinar o acesso e o provisionamento de Internet. Temos para nós que certamente decorreu de uma interpretação isolada considerando o microssis-tema da Lei das Telecomunicações, não levando em conta todo o necessário enquadramento e emolduramento da situação e do marco legal frente a todo o arcabouço jurídico legal aplicável à espécie, considerando todas as partes relacionadas envolvidas, quais sejam, o Estado, a Anatel e, principalmente, os usuários/consumidores – amplamente protegidos também por outro microssis-tema –, o da defesa dos direitos dos consumidores e que é igualmente fruto de gênese constitucional.

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A realidade da sociedade atual e o contexto tecnológico em que se en-contra transferem para o fornecedor de acesso à Internet o ônus. Ônus do ne-gócio e da livre iniciativa. No caso brasileiro, o marco regulatório está posto – mas o mundo empresarial está sempre atento e especialmente neste cenário as empresas inovadoras têm oportunidades para criar momentos ou “janelas” para avançar sobre o mercado e ganhar maior participação em seu mercado relevante. Neste sentido, encerramos com a provocação de John Legere, CEO da T-Mobile EUA, que declarou recentemente, que a “era dos planos de dados chegou ao fim [...] ao anunciar a nova ‘assinatura’ mensal da operadora que terá acesso ilimitado a chamadas de voz, texto, 4 G LTE e streaming de vídeo. Segundo o executivo, a empresa construiu sua rede para chegar a esse ponto e garantiu que é a única que tem condições de fazer tal oferta”54. A razão? O executivo afirma que “mais de um milhão de clientes têm me dito que o ponto mais crítico para eles é que odeiam planos de dados”. E neste contexto, como ficariam nossas franquias de dados?

reFerÊNcIASBRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 1º jul. 2016.

______. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 – Lei de Defesa da Concorrência. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providência . Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/750-resolucao-632>. Acesso em: 3 jul. 2016.

______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

______. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 – Lei das Telecomunicações. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016.

54 FERREIRA, Wanise. A era dos planos de dados chegou ao fim, diz CEO da T-Mobile. Inovação nas Empresas. Disponível em: <http://www.inovacaonasempresas.com.br/2016/08/a-era-dos-planos-de-dados-chegou-ao--fim-diz-ceo-da-t-mobile/>. Acesso em: 19 ago. 2016.

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______. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. “Art. 9º A agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 21 jul. 2016.

______. PLS 52/2013 – Projeto de Lei do Senado nº 52, de 2013 – Lei das Agências Reguladoras – Agenda Brasil 2015 – Dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, nº 9.984, de 17 de julho de 2000, nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e nº 10.233, de 5 de junho de 2001, nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e dá outras providências. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/111048>. Acesso em: 18 ago. 2016.

______. Projeto de Decreto Legislativo nº 14, de 2016. Susta o inciso III e os §§ 1º e 3º, do art. 63, da Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que autoriza as operadoras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, a adotarem em seus planos de serviço, a franquia de consumo. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=191750&tp=1>. Acesso em: 16 ago. 2016.

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______. Projeto de Lei do Senado nº 176, de 2016. Altera o art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para assegurar aos usuários da Internet o direito à não limitação no volume de dados das conexões fixas. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125601>. Acesso em: 16 ago. 2016.

______. Resolução nº 632, de 7 de março de 2014 – Aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/750-resolucao-632>. Acesso em: 3 jul. 2016.

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aris.sc.gov.br/download/c2l0ZV9iaWJsaW9fZG93bjsxNTtsaXZyby1hZ2VuY-2lhcy1yZWd1bGFkb3Jhcy1pbnN0cnVtZW50b3MtZG8tZm9ydGFsZWNpbWVudG-8tZG8tZXN0YWRvLWFiYXIucGRm>. Acesso em: 14 jul. 2016.NAÍM, Moisés. Ascensão e queda do Consenso de Washington – O Consenso de Washington ou a confusão de Washington. Revista Brasileira de Comércio Exterior, originalmente publicado na Revista Foreign Policy, n. 118 (Spring 2000). Disponível em: <http://www.funcex.com.br/bases/64-Consenso%20de%20Wash-MN.PDF>. Acesso em: 15 nov. 2009.

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Assunto Especial – Doutrina

Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias

Regulação e Direito Administrativo-Econômico – As Agências Reguladoras e os Limites da Discricionariedade de Suas Decisões

BRunO fIALHO RIBeIROAdvogado, MBA em Gestão Pública pela Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro.

INtrodução

De plano, percebe-se que a simbiose entre política e economia é notada historicamente. Sempre houve esforço para harmonizar a tomada de decisões do Estado com os interesses econômicos. Hoje, a percepção desses esforços é mais nítida, tendo em vista a necessidade de o Estado proporcionar um am-biente favorável para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda.

Por outro lado, ressaltamos que o fomento econômico não deixa para trás as garantias fundamentais conquistadas pela humanidade, bem como as con-quistas sociais, sendo certos que compete ao Estado proteger o interesse público e o bem-estar social. Para tanto, cumpre ao Estado a regulação das atividades econômicas, sociais e garantias fundamentais, no contexto de uma democracia de direito.

Especificamente, neste trabalho abordaremos a ideia de atuação do Es-tado como regulador do sistema econômico. Será tema uma análise da compe-tência normativa e decisória das agências reguladoras.

ProceSSo hIStórIco dA AtuAção do eStAdo No domíNIo ecoNômIco

No Estado Moderno, final do século XVIII, havia uma preponderância do liberalismo econômico, ou seja, havia a ideia de que o mercado se autorregulava e o Estado não devia intervir. Carvalho Filho, citando Rousseau, sobre as virtu-des naturais do homem, “a este caberia a incumbência de promover e defender

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seus próprios interesses; pior do que cometer eventuais enganos seria admitir a interferência do governo em atividades que somente a ele interessariam”1.

No entanto, dessa liberdade econômica surtiu efeitos negativos para a sociedade, visto que se agravaram as distâncias entre as classes sociais, transfor-mando-se em uma verdadeira escravidão e submissão do povo a uma pequena classe rica dominante. Provou-se que a realidade está mais próxima da máxima de Thomas Hobbes de que o homem é o lobo do homem.

Diante dessa crise social, houve críticas severas a este modelo de Es-tado e fortes movimentos sociais denotando o inconformismo da população. Assim surgiram novas ideias, como do filósofo Karl Marx, que pregava a ideia de governo da sociedade e da radical eliminação do escalonamento das classes sociais.

Diante do cenário citado, o Estado passou para uma posição interventi-va, participando ativamente dos fatores econômicos sob o prisma do interesse público na regulação das atividades mercantis. Há uma preocupação com a questão do bem-estar social, especialmente das pessoas mais pobres e sem voz na sociedade, contendo a selvageria e inconsciência do capitalismo.

Esse novo sistema de intervenção do Estado exigiu um pacto social, que foi concretizado por meio da consolidação dessa vontade em norma jurídica reguladora nas Constituições dos Estados. Em regra, as Constituições passaram a reproduzir capítulo próprio sobre a ordem econômica e social, como, por exemplo, na Constituição brasileira, em que há previsão no Título VII (arts. 170 a 192).

Todas as normas previstas na Constituição pretendem explanar parâme-tros e basilares de um sistema geral da ordem econômica e das formas de atua-ção do Estado no domínio econômico.

A ordem ecoNômIcA NA coNStItuIção BrASIleIrA

A Constituição brasileira possui fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, conforme o art. 170, observando os princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. p. 910.

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V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado con-forme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de ela-boração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Logo, pela leitura dos princípios esculpidos na Constituição, que tratam da ordem econômica, percebe-se que a intervenção e a regulação desta matéria na Constituição são fortes. Qualquer atividade que deixe vulnerável os funda-mentos ou princípios citados poderá ser invalidada.

A valorização do trabalho humano é o primeiro pilar de sustentação da democracia brasileira, refutando qualquer tipo de trabalho escravo ou de degra-dação da saúde do trabalhador. Esse fundamento tem a finalidade de proteger a sociedade, sendo uma intervenção notoriamente necessária, diante dos abusos praticados nos séculos passados.

Carvalho Filho destaca, de forma bem precisa, o sentido da valorização do trabalho:

Outro aspecto que deriva desse fundamento é o relativo à automação industrial. Se o uso das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que não podem as máquinas substituir o homem para benefício exclusivo do empresário. Diz o texto constitucional que se impõe a valorização do trabalho humano, o que significa que é o homem que deve ser o alvo da tutela.

Pode-se dizer em síntese, que a valorização do trabalho humano corresponde à necessidade de situar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que o relativo a outros interesses privados, de forma a ajustar seu trabalho aos postula-dos da justiça social.2

No entanto, percebe-se que há um longo caminho a percorrer para que não só o Brasil, mas grande parte do mundo alcance efetivamente a valorização do trabalho humano e deixe de ser refém do poder econômico.

O segundo pilar de sustentação é a liberdade de iniciativa das pessoas na produção de bens e serviços no mercado por sua conta e risco. Nesse ínterim, não cabe ao Estado a concorrência com a iniciativa privada, cabendo-lhe a

2 Idem, p. 913.

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função de fiscalização do comportamento dos particulares e a restrição, excep-cionalmente, para atingir o interesse público.

O Supremo Tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a ma-téria, conforme notícia no Informativo de Jurisprudência nº 412, RE 422.941/DF, a saber:

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto por destilaria contra acórdão do STJ que, em recurso especial, reformara decisão que condenara a União a indenizar os prejuízos ad-vindos da intervenção do Poder Público no domínio econômico, a qual resultara na fixação de preços, no setor sucro-alcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool. A recorrente alegava ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, sustentando que, não obstante o referido ato tivesse decorrido de legítima atividade estatal, deveria ser indenizada pelo dano patri-monial por ela sofrido – v. Informativo nº 390. Entendeu-se que a intervenção estatal na economia possui limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e a responsabilidade objetiva do Estado é decorrente da existência de dano atribuível à atuação deste. Nesse sentido, afirmou-se que a fixação, por parte do Estado, de preços a serem praticados pela recorrente em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor constitui--se em óbice ao livre exercício da atividade econômica, em desconsideração ao princípio da liberdade de iniciativa. Assim, não é possível ao Estado intervir no domínio econômico, com base na discricionariedade quanto à adequação das necessidades públicas ao seu contexto econômico, de modo a desrespeitar liber-dades públicas e causar prejuízos aos particulares.

Os dois pilares de sustentação da ordem econômica devem estar em har-monia, a fim de que não haja restrição excessiva de um em detrimento do outro e que a justiça social seja alcançada. Nas palavras de José Afonso da Silva, temos definição precisa de Justiça Social: “Um regime de Justiça Social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver con-fortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria”3.

AtuAção do eStAdo

O Estado atua de duas formas na ordem econômica, ora como agente regulador e fiscalizador, criando normas, estabelecendo restrições, e, ora, de forma excepcional, como executor das atividades econômicas.

3 AFONSO DA SILVA, José. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 710.

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Ademais, deve ser registrado que as atividades exercidas pelo Estado sempre terão como finalidade o interesse da coletividade ou o relevante inte-resse público.

Na definição de Carvalho Filho, Estado regulador “é aquele que, através de regime interventivo, se incumbe de estabelecer as regras disciplinadoras da ordem econômica com o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça social”4. Confira-se o art. 174 da Constituição: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscali-zação, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

A finalidade da regulação na fiscalização é coibir conduta abusiva do particular, principalmente proteger os menos favorecidos. Exemplo clássico é o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Já, no incentivo, o governo age alterando alíquotas de im-portação e abre crédito para determinados seguimentos da economia. Na área de planejamento, é facilmente perceptível perceber na conduta do governo o acompanhamento da equipe econômica agindo na macroeconomia.

AgÊNcIAS regulAdorAS

No presente trabalho abordaremos o aspecto da intervenção regulatória do Estado na economia. Para estabelecer as regras, os padrões e a fiscalização da prestação dos serviços públicos pela iniciativa privada, o Estado criou as agências reguladoras, como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a ANA (Agência Nacional das Águas), ente outras.

Para o exercício de suas funções com independência, foram revestidas de autonomia administrativa e financeira, ainda que vinculadas aos Ministérios. Estas são classificadas como autarquias em regime especial. Os arts. 21, IX, e 177, § 2º, III, da Constituição são o fundamento para a criação das agências reguladoras.

O regime especial e outros aspectos que lhes conferem maio indepen-dência estão dispostos nas leis de criação das agências reguladoras, conforme a seguir:

Lei nº 9.472/1997

Art. 8º Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico espe-

4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. p. 915.

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cial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regu-lador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.

[...]

§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.

Lei nº 10.233/2001

Art. 21. [...]

[...]

§ 2º O regime autárquico especial conferido à ANTT e à Antaq é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

Outros aspectos diretos do exercício das atividades das agências são

(i) a maior discricionariedade técnica, uma vez que estas entidades fiscalizam, punem, normatizam atividades, dirimem conflitos e (ii) decisões que não se sub-metem à apreciação de outros órgãos ou entidades da Administração Pública, ou seja, seus atos não podem ser revistos ou alterados pelo Poder Executivo, não havendo, portanto, uma instância recursal administrativa diante dos atos expedi-dos pelas agências.5

Poder NormAtIVo dAS AgÊNcIAS regulAdorAS e SuA dIScrIcIoNArIedAde técNIcA

A legitimidade do poder normativo das agências reguladoras é defendida por alguns doutrinadores com fundamento na delegação legislativa, ou seja, a própria lei transfere a competência legislativa de normatizar matéria específica às agências. Este fenômeno também é chamado de deslegalização. Logo, o le-gislador estabelecerá princípios, diretrizes e parâmetros, a fim de que as agên-cias reguladoras possam, dentro das exigências técnicas pormenorizadas que a matéria necessita, estabelecer as normas e suas decisões.

Há quem sustente que a delegação legislativa seria inconstitucional, ten-do em vista o princípio da separação dos poderes, legalidade estrita, em que a Administração Pública só está autorizada a agir diante de lei que autorize e que a outorga legislativa ao executivo expirou 180 (cento e oitenta dias) após a vigência da Constituição, a saber:

5 CALIJORNE, Natália Peixoto; ARAÚJO, Lucas de Carvalho et al. Agências reguladoras: poder normativo e discricionariedade técnica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4233, p. 3, 2 fev. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31502>. Acesso em: 8 maio 2015.

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CF/1988, ADCT

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I – ação normativa;

II – alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

No entanto, o entendimento citado foi superado, destacando-se o po-sicionamento favorável a delegação legislativa de Diogo dos Santos Moreira Neto:

Como não se proibiu genericamente a delegação, há de se entender que o legis-lador constituinte pretendeu reestruturar a partir da nova ordem jurídica do país, todas as hipóteses de deslegalização, o que efetivamente vem ocorrendo a partir de então, tanto em nível constitucional quanto em nível legal. [...] A delegação legal será sempre possível. (2007, p. 233)

Ademais, deve-se entender que não há violação da separação dos po-deres, visto que foi opção do legislador transferir para o Executivo a matéria técnica determinada, permanecendo com o legislador a parte geral da matéria, quais sejam, os princípios e as diretrizes a serem observados. Por outro lado, a dinâmica da evolução social e econômica não é acompanhada pelo tempo de aprovação e vigência da lei, que rapidamente se tornaria obsoleta se se tratasse de matéria técnica específica.

Sustenta-se também que a deslegalização de matéria técnica afasta as pressões políticas das empresas reguladas. Essa é a ideia de neutralidade das agências. No entanto, Di Pietro lembra da crescente “desconfiança em relação às agências, exatamente pelo fato de, tradicionalmente, atenderem a interesses e pressões de grupos determinados”6.

Eros Grau admite o poder normativo das agências reguladoras, mas sob o fundamento de que este poder normativo é intrínseco à Administração Pública. Argumenta que se existe o princípio da reserva de lei, logicamente, que matéria excluída da reserva terá a possibilidade de ser regulamentada pelo Poder Exe-cutivo, desde que não haja extrapolação do poder regulamentar.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece o alto grau de discricionarieda-de técnica das agências reguladoras na tomada de decisões, a saber:

TELEFONIA – VALOR – USO – REDE MÓVEL – A recorrente e a recorrida são operadoras de telefonia e contendem a respeito do valor de uso de rede móvel

6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2012. p. 186.

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(VU-M), que é devido quando realizada ligação entre usuários de diferentes ope-radoras (interconexão) e de livre negociação entre os interessados (arts. 152 e 153 da Lei nº 9.472/1997). Consta dos autos que a recorrida instaurou diversos processos de arbitragem e outros judiciais contra várias operadoras e, por sua vez, a Anatel, provocada, entendeu constituir comissão de arbitragem de inter-conexão (CAI) para, juntamente com as operadoras, discutir a questão. Contu-do, diante da celeuma acerca dessas arbitragens, a Anatel, em resolução, adiou o marco regulatório referente à fixação do VU-M. Sucede que, mesmo assim, aquela agência, mediante a CAI, em uma dessas arbitragens, exarou o Despacho nº 3/2007, que fixa o VU-M entre a recorrida e outra operadora de telefonia. Nes-se contexto, constata-se que, sem sombra de dúvida, a Anatel é responsável por resolver as condições de interconexão quando se mostrar impossível a solução entre as operadoras interessadas (art. 153, § 2º, da Lei nº 9.472/1997 e Resolução nº 410/2005 da Anatel). Assim, frente ao alto grau de discricionariedade técnica imanente ao tema e em consideração aos princípios da deferência técnico-admi-nistrativa, da isonomia e da eficiência, a lógica do sistema de telecomunicações impõe a prudência de estender o VU-M fixado no Despacho nº 3/2007 a todos os demais participantes de arbitragens similares, o que abrange a contenda entre a recorrida e a recorrente. Daí que não há como manter a liminar deferida nas ins-tâncias ordinárias com VU-M diferente do fixado por aquela agência reguladora. Há que adequá-la ao Despacho nº 3/2007. Anote-se que o periculum in mora foi reconhecido nas instâncias ordinárias com lastro em nota técnica da própria Anatel, que reconhece o fato de as operadoras de telefonia fixa hoje operarem com prejuízo nas ligações que exigem a interconexão. Rever esse fundamento esbarraria no empecilho da Súmula nº 7/STJ. Já quanto ao fumus boni iuris, o pró-prio Despacho nº 3/2007 do CAI reitera a necessidade de revisão do VU-M. (REsp 1.171.688/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 01.06.2010 – grifou-se)

Logo, concluindo que a competência normativa é intrínseca à Adminis-tração, verifica-se que a atividade regulamentar das agências está ligada à mar-gem da discricionariedade técnica, observando sempre as normas da lei geral sobre a matéria.

O Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a matéria, reconhecendo a legitimidade do poder normativo das agências, por meio da Medica Cautelar na ADI nº 1668-5/DF, que questionava diversos dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações.

Ademais, verifica-se que a competência das agências reguladoras descri-ta na legislação são as necessárias para a fiscalização e o controle para que a prestação do serviço público de telecomunicações pelas empresas privadas seja adequada e eficiente:

Lei nº 9.472/1997

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras,

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atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e pu-blicidade, e especialmente.

[...]

IV – expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de teleco-municações no regime público;

V – editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;

VI – celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do servi-ço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;

VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes;

[...]

X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

[...]

XII – expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

XVI – deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos:

[...].

Em síntese, como já sinalizava a doutrina, na ADI foi dada interpretação conforme a Constituição no sentido de que as normas e os atos administrativos expedidos pelas agências reguladoras não poderão contrariar o ordenamento jurídico, sendo certo que deverão ser adequadas as características técnicas de cada área regulada pela agência, ou seja, o conteúdo discricionário técnico de suas competências.

Na oportunidade, percebe-se expressamente este entendimento no voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 858008/PE, em que é recorrente Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda. e recorrida Agência Nacional do Petróleo – ANP:

Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, no qual se alega violação aos arts. 5º, II e XIII; 37; 170, IV; e 238 do Texto Constitucional, pelo acórdão do Tribunal Re-gional Federal da 5ª Região. O acórdão recorrido assim assentou: “EXECUÇÃO FISCAL – AUTO DE INFRAÇÃO – FISCALIZAÇÃO DA ANP – REVENDA DE GÁS LIQUEFEITO DE PETRÓLEO POR PREÇO ACIMA DOS LIMITES ESTABE-LECIDOS PELA PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 212/2000 – PODER REGU-

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LAMENTAR DAS AGÊNCIAS REGULADORAS – ART. 69 DA LEI Nº 9.478/1997 – LEGALIDADE DA PORTARIA – [...] 2. Apenas mediante a edição da Lei federal nº 9.478/1997 é que foi instituída a Agência Nacional do Petróleo, e definidas as suas competências; daí a necessidade de editar normas que alcancem a espe-cificidade das situações jurídicas subsumidas à sua competência, o que é feito, legitimamente, através de portarias. 3. Na hipótese, a fiscalização administrativa constatou que a apelante revendia GLP em valores superiores aos limites máxi-mos estabelecidos pela Portaria Interministerial nº 212/2000, incidindo, dessa forma, na prática de conduta consignada no art. 3º, III, da Lei nº 9.847/1999. 4. Caso em que a parte autora não logrou infirmar os resultados da fiscalização em-preendida, tampouco apontar a ocorrência de qualquer irregularidade no proce-dimento administrativo – hábeis a ensejar a nulidade da autuação. Deste modo, é de se reconhecer a subsistência do auto de infração lançado, o que impõe o regu-lar processamento da execução fiscal correspondente. 5. Apelação não provida” (fl. 257). Nos termos do acórdão, a conduta em si se encontra consignada em lei, logo a discussão se pauta unicamente na existência de reserva legal quanto aos limites máximos de preço. Nesse ponto, a portaria não altera o ordenamen-to jurídico, mas tão somente fixa regras para a fiel execução da lei, sendo que esta estabeleceu standards mínimos, de modo que, na espécie, é constitucional a existência de margem de discricionariedade administrativa atinente ao exercício do poder regulamentar na matéria técnica em tela. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados do Tribunal Pleno desta Corte: “AÇÃO DIRETA DE INCONS-TITUCIONALIDADE – DECRETO Nº 3.721, DE 08.01.2001, QUE ALTERA OS ARTS. 20, II, E 31, INCISOS IV E V, DO DECRETO Nº 81.240, DE 20.01.1978 – LEI Nº 6.435, DE 15.07.1977, QUE DISCIPLINA O FUNCIONAMENTO DAS EN-TIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA FECHADA – DECRETO AUTÔNOMO – INEXISTÊNCIA – É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determi-nada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade. No caso, o decreto em exame não possui natureza autônoma, circunscrevendo-se em área que, por força da Lei nº 6.435/1977, é passível de regulamentação, relativa à determinação de padrões mínimos adequados de segurança econômico-financeira para os planos de bene-fícios ou para a preservação da liquidez e da solvência dos planos de benefícios isoladamente e da entidade de previdência privada no seu conjunto. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” [...]. (grifou-se)

No mesmo sentido, acompanha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – VIOLAÇÃO AO ART. 267, § 3º, DO CPC – INOCORRÊNCIA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – TELECOMUNICAÇÕES – INTERCO-NEXÃO – VALOR DE USO DE REDE MÓVEL (VU-M) – DIVERSAS ARBITRA-GENS ADMINISTRATIVAS LEVADAS A CABO PELA ANATEL – DECISÃO AR-BITRAL PROFERIDA EM CONFLITO ENTRE PARTES DIFERENTES, MAS COM

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O MESMO OBJETO – MATÉRIA DE ALTO GRAU DE DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA – EXTENSÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ÀS HIPÓTESES QUE ENVOLVEM OUTRAS OPERADORAS DE TELEFONIA – DEVER DO JUDICIÁ-RIO – PRINCÍPIOS DA DEFERÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA, DA EFICI-ÊNCIA E DA ISONOMIA – EVITAÇÃO DE DISTORÇÕES CONCORRENCIAIS – REVISÃO DA EXTENSÃO DA LIMINAR DEFERIDA NO PRESENTE CASO – [...] 5.5 Parece que, tendo em conta o alto grau de discricionariedade técnica que permeia o assunto e também os princípios da deferência técnico-administrativa, da isonomia e da eficiência, não se pode ignorar que, embora em sede de con-tenda instaurada entre a GVT e a Vivo, a lógica do sistema de telecomunicações impõe que o valor de referência aí fixado seja estendido a todos os demais parti-cipantes de arbitragens similares (englobando, pois, a arbitragem entre a GVT e a TIM – parte recorrente). (REsp 1171688/DF, DJe 23.06.2010 – grifou-se)

Logo, concluímos que a discricionariedade técnica das agências regu-ladoras é legal, desde que não extrapole esse poder regulamentar e observe sempre os princípios e as diretrizes esculpidos na Constituição e demais normas legais.

Diante de todo exposto, mesmo que a passos lentos, caminhamos para a efetividade do Estado gerencial brasileiro, idealizado na década de 90, ain-da enfrentando resistências, sejam políticas, sejam de burocratas, no entanto, avança. Ademais, as pressões do setor econômico ajudam a evolução deste novo Estado, pois precisam de segurança jurídica e estabilidade político-econô-mica para a realização dos investimentos.

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Assunto Especial – Doutrina

Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias

Agências Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das Agências

Regulatory Agencies – The Speech by the Regulatory Constitutionality Power Agency

JACkSOn TAvAReS DA SILvA De MeDeIROS1

Bacharel em Direito pela Unifacex, Especialista em Direito Constitucional pela UFRN, Servidor Público do Estado do Rio Grande do Norte.

ROCCO AnTOnIO RAngeL ROSSO neLSOnEspecialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Pú‑blico do Rio Grande do Norte, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Ex‑Professor do Curso de Direito e de outros Cursos de Graduação e Pós‑Graduação do Centro Universitário Facex, Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado à linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Natal‑Central, Professor efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus João Câmara.

RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar a constitucionalidade do poder normativo das agências reguladoras no Estado brasileiro. Para tanto, será trilhado o caminho da evolução do Esta‑do, passando pelo liberalismo e pelo Welfare State para se chegar ao Estado regulador. Ademais, buscar‑se‑á desmistificar a tentativa de “petrificação” doutrinária de conceitos que se tornaram incompatíveis com as realidades que se insurgiram via complexificação das relações sociais. É o que se pretende ao identificar a necessidade do redimensionamento do princípio da legalidade, que se tornou obsoleto quando pregado exclusivamente nos termos do mundo fechado do formalismo voltado exclusivamente para a produção normativa pelo Legislativo, já que não mais atende, desta forma, às requisições de uma sociedade cada vez mais complexa, dinâmica e técnica. O mesmo seja dito para o princípio da tripartição de poderes que pari passu caminha (ou deve caminhar) para uma maior flexibilização de sua aplicação para fins de satisfação do interesse coletivo e do bem‑estar social. Nesta perspectiva, imprescindível se faz estudar o tema em elo com o constitucionalismo,

1 E-mail: [email protected].

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situando o Estado como Constitucional Democrático de Direito, regido por uma Constituição que pre‑ga e assegura valores e direitos fundamentais, regendo a forma de atuação do Estado na busca pelo bem comum e servindo de parâmetro imprescindível para a flexibilização hermenêutica e produtiva das normas‑regras e das normas‑princípios. Com o fito de dar concretização e instrumentalizar os ditames constitucionais, afere‑se que o poder normativo das agências reguladoras é um dos meca‑nismos para atingir tal desiderato, em que o princípio da legalidade e da tripartição dos poderes é redimensionado em uma ótica neoconstitucionalista.

PALAVRAS‑CHAVE: Agências reguladoras; poder normativo; constitucionalidade; princípio da lega‑lidade.

ABSTRACT: This article has scope for examining the constitutionality of the normative power of the regulatory agencies in the Brazilian State. Par is trodden the path of evolution of the State, passing through Liberalism Welfare State and to reach the State regulator. In addition, seek will demystify the attempt “petrification” doctrinal concepts that have become incompatible with the realities that rose up via complicated social relations. It is the intention to identify the need for resizing of the principle of legality, which became obsolete when nailed exclusively under the closed world of formalism again exclusively for normative production by legislative, since no longer serves in this way, on a requisition society increasingly complex, dynamic and technique. The same is said for the principle of tripartite partition of pari passu powers that walks (or must walk) for greater relaxation of its application for sa‑tisfaction of collective interest and social welfare. In this perspective, vital if makes studying the topic link to constitutionalism, the democratic constitutional State, governed by a Constitution that prea‑ches and ensures values and fundamental rights, conducting a form of State action in the quest for the common good and serve as crucial for the relaxation parameter hermeneutics and productive of the standards rules and standards principles. With a view to prepare them to implement and gauges constitutional dictates that the legislative powers of regulatory agencies are one of the mechanisms to achieve this purpose, where the principle of legality of the tripartition of powers are resized in a perspective of a new constitutional right.

KEYWORDS: Regulatory agencies; normative power; constitutionality; principle of legality.

SUMÁRIO: 1 Das considerações iniciais; 2 Breve análise da evolução do Estado; 2.1 O Estado Liberal; 2.2 O Estado de Bem‑Estar Social (Welfare State); 2.3 O Estado Neoliberal e o perfil regulador; 3 O re‑dimensionamento do princípio da legalidade; 3.1 O princípio da legalidade na ótica da atual tripartição de poderes; 3.2 A deslegalização ou delegificação; 4 O poder normativo das agências reguladoras; 4.1 Agências reguladoras e o seu poder normativo; 4.2 A constitucionalidade do poder normativo, o redimensionamento do princípio da legalidade e a releitura do princípio da tripartição de poderes; 4.3 O poder normativo das agências reguladoras no contexto do neoconstitucionalismo; Considera‑ções finais; Referências.

1 dAS coNSIderAçõeS INIcIAIS

No plano de análise do poder normativo das agências reguladoras, há exigência de um estudo que situe a temática no contexto da evolução do Estado

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e da sociedade, com o olhar atento para o aspecto socioeconômico e jurídico, bem como para a quebra de paradigmas e a reformulação conceitual que per-mitam abandonar os anacronismos que obstam a consecução do bem comum e a realização dos direitos fundamentais. É nesta perspectiva que recai a proposta do presente ensaio.

Bem se sabe, pois assim relata a história, que ao longo dos séculos XVIII e XIX foram implantados os ideais do regime liberal. Em razão disso, o Estado passou a desempenhar um papel não intervencionista, de forma que a econo-mia se organizaria por forças próprias e a liberdade individual representaria a ideia de que o indivíduo é capaz de produzir suas próprias riquezas. Cabia ao Estado apenas assegurar a liberdade dos indivíduos.

Percebeu-se, entretanto, a insuficiência dos ideários do Liberalismo para a consecução dos fins sociais. Assim, uma nova exigência emerge: a interven-ção do Estado na economia e nas relações sociais. Era a proposta interven-cionista do Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State, pela qual o Estado deveria atuar como empresário, por meio de entidades da Administração Pú-blica indireta, e criar normas, principalmente constitucionais, que asseguras-sem uma política econômica pautada em justiça social e que atendesse aos fins da democracia.

A elevada oneração das prestações sociais a que se incumbiu o Estado de cumpri-las passou com o tempo a coabitar com a falta de recursos estatais para tais fins, resultando uma nova crise e a exigência de uma nova forma de atuação do Estado. Por isso, há uma redução nos espaços de atuação do Estado na economia, passando doravante a denominar-se Estado regulador sob a ótica do que se intitulou Neoliberalismo, ou seja, há uma desestatização em que se promoveu uma abertura à iniciativa privada, flexibilizando o monopólio esta-tal em diversos pontos estratégicos de atuação, sem que o Estado deixasse de regulá-los, entretanto.

Neste contexto, vai se implantar o modelo regulatório via agências regu-ladoras. Estas constituem autarquias especiais, que integram a Administração Pública indireta, sendo dotadas de características peculiares que as põem em destaque, em razão do seu regime jurídico especial, frente às demais entidades autárquicas.

Entre as características peculiares das agências reguladoras está o seu poder normativo, que é objeto-matriz do presente estudo. Discutir a constitu-cionalidade deste poder é o que se pretende, com o fim de cintilar o ideário de respaldo constitucional das normas editadas por estas autarquias, por meio de análise acurada do princípio da legalidade e da tripartição de poderes.

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2 BreVe ANálISe dA eVolução do eStAdo

2.1 O EstadO LibEraL

Como ensina Clève, “das entranhas do Estado absoluto nasceu o Estado Liberal”2. A fim de se libertar das amarras do Estado absoluto – que concentra-va nas próprias mãos todo o poder de produção normativa capaz de submeter a sociedade às regras de Direito impostas, sem admitir, contudo, limites para o próprio poder3 –, a burguesia se insurge para implantar o que se chama de Estado Liberal4.

A partir de então, um novo cenário político, econômico, jurídico e social se anuncia. Eram as faces de um novo modelo de Estado. Um Estado absenteísta por excelência, voltado, exclusivamente, para garantir a liberdade dos indiví-duos e não intervir na atividade econômica. Nesta perspectiva, seja qual fosse a ingerência estatal na esfera dos interesses individuais, era considerada ilegítima, em nítida objeção ao Estado absoluto que tudo podia5.

Para Garcia-Pelayo, “el liberalismo se caracteriza por ser una concep-ción individualista; es decir, una concepción para la cual el individuo y no los grupos constituyen la verdadera esencia; los valores individuales son superiores a los colectivos, y el individuo, en fin, decide su destino y hace la Historia”6.

A liberdade contratual e a propriedade privada constituíram pilastras mestras das liberdades jurídicas que constituíam direitos individuais, os quais cabiam ao Estado, apenas, assegurá-los.

Aragão explica que o Estado Liberal-burguês, em relação à atividade econômica privada, constituía os seus fundamentos, mormente na propriedade, assegurando-se, por meio dela, a titularidade, o gozo e a fruição de bens, e nos

2 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 23.

3 Neste contexto, explica Norberto Bobbio que “é absoluto porque se tornou definitivamente o único poder capaz de produzir o direito, isto é, de produzir normas vinculatórias para os membros da sociedade sobre a qual impera, e, portanto, não conhecendo outros direitos senão o seu próprio, nem podendo conhecer limites jurí-dicos para o próprio poder. É um poder absoluto no sentido próprio da palavra, isto é, como legibus solutus” (BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 2. ed. Trad. Alfredo Fait. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 19).

4 “[...] liberal pela idéia de liberdade no propósito de limitação do poder político e redução de suas funções perante a sociedade civil e burguês em função de sua identificação, principalmente no século XIX, com os valores e interesses da burguesia, a qual conquista o poder político e econômico.” (LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p. 51)

5 Conforme Justen Filho, “o Estado Liberal do século XIX se peculiarizava por uma concepção omissiva. A fun-ção do Estado era a garantia da manutenção das condições de liberdade, para propiciar aos agentes sociais a realização de seus objetivos e finalidades” (JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialéctica, 2002. p. 20).

6 GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. 4. ed. Madri: Revista de Ocidente S.A., 1957. p. 143.

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contratos que permitiam a circulação de tais bens. A Administração Pública não teria competência para restringir esses dois fundamentos (propriedade e contrato), exceto se a restrição fosse para resguardar direitos de outros cidadãos. Pensava-se que o mercado agir livremente traria mais benefícios para a socie-dade, não devendo ele “ser funcionalizado por qualquer finalidade coletiva”7.

Por sua vez, Carvalho Filho elucida que

no setor econômico, a idéia central residia na liberdade individual, sem interfe-rência do poder estatal. O postulado iluminista era o laissez faire, laissez passer, pois que le monde va lui même. Aos indivíduos caberia determinar seus próprios interesses; dever-se-ia conferir-lhe a total liberdade de promover sua própria ri-queza; cada um seria juiz de suas próprias conveniências.8

Apesar do importante papel do Liberalismo, que conseguiu fazer surgir direitos fundamentais à vida privada assegurados normativamente e que per-mitiu um desenvolvimento civilizatório nunca antes visto, com base na produ-ção de bens e serviços e nas inovações tecnológicas, o afastamento do Estado mostrou-se inadequado quando da análise dos problemas sociais decorrentes dos ideários do Estado Liberal. É que

essa expansão da atividade econômica ocorrida no século XIX também gerou complicações, como o surgimento de grandes empresas fabris (concentração econômica) e, conseqüentemente, diversos problemas sociais, como desempre-go, exploração excessiva do trabalho, pobreza e concentração populacional.9

Viu-se, logo, a necessidade da presença interventiva do Estado como forma de resguardar a harmonia social e o equilíbrio econômico, de vez que o Estado Liberal-burguês com o não intervencionismo extremo se mostrou in-capaz de solucionar os graves problemas sociais oriundos das práticas liberais, fazendo-se prevalecer, a partir de então, o bem-estar da sociedade frente ao individualismo radical do Liberalismo. Surgia o Estado de Bem-Estar Social.

2.2 O EstadO dE bEm-Estar sOciaL (WELfarE statE)

Com o Estado de Bem-Estar Social insurge o alargamento de intervenção estatal para fins de restabelecer o equilíbrio econômico e resguardar a harmonia social. A visão coletiva, de bem comum, fazia-se prevalente frente ao indivi-

7 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 49.

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Estado mínimo x Estado máximo: o dilema. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, dez./jan./fev. 2008. Disponível em: <http://direitodoestado.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2011.

9 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 53.

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dualismo extremo do Estado Liberal. O Estado agora carregava a incumbência de promover benefícios tanto para a sociedade quanto para o setor econômico.

Conforme explica Lehfeld,

o Estado passou a atuar como empresário, utilizando-se de entidades da Adminis-tração Pública indireta, como as empresas estatais e as sociedades de economia mista, para intervir na economia, concorrendo com a iniciativa privada. Por outro lado, também se valeu da criação de normas, especialmente constitucionais, para assegurar os objetivos de uma política econômica que atribui à iniciativa privada a propriedade e a atividade econômica, sem esquecer de regular e incentivar a economia com o objetivo de suprir as deficiências do mercado (para o seu bom funcionamento) e estabelecer mecanismos de concorrência.10

Não é apenas na economia, ressalte-se, que o Estado Social passa a in-tervir. “A idéia de Estado de Bem-Estar envolve o ativismo socioeconômico dos organismos políticos. Isso equivale a reconhecer ao Estado o dever de modelar as relações sociais vigentes na comunidade”11.

Conforme Barroso,

o Estado assume diretamente alguns papéis econômicos, tanto como condutor do desenvolvimento como outros de cunho distributivista, destinados a atenuar certas distorções do mercado e amparar os contingentes que ficavam à margem do progresso econômico. Novos e importantes conceitos são introduzidos, como os de função social da propriedade e da empresa, assim como se consolidam os chamados direitos sociais, tendo por objeto o emprego, as condições de trabalho e certas garantias aos trabalhadores.12

Por meio do intervencionismo estatal, buscava-se amenizar os efeitos dos problemas herdados do Estado Liberal decadente. A busca por justiça social e o equilíbrio econômico, agora, abarcariam o ativismo direto do Estado.

Segundo Justen Filho, “o Estado e o Direito buscam (têm de buscar) a promoção do bem-estar concreto dos cidadãos, a supressão da pobreza e das desigualdades, a promoção da dignidade da pessoa humana. Esses ideais po-líticos conduziram ao florescimento de ideais de ativismo e intervencionismo estatal”13.

Todavia, por assumir essa postura intervencionista, garantista do desen-volvimento socioeconômico, o Estado teria que ser prestador de serviços e em-

10 Idem, p. 58.11 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 20.12 BARROSO, Luis Roberto. Constituição e ordem econômica e agências reguladoras. Revista eletrônica de

Direito Administrativo Econômico, Salvador: Instituto de Direito Público, n. 1, fev. 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 dez. 2011.

13 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit., p. 17.

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presário para poder reduzir os problemas sociais e equilibrar o setor econômi-co, o que exigia elevada soma de recursos financeiros, em razão da excessiva oneração pelas prestações por ele assumidas. Em função disso é que ocorre o que a doutrina denomina de “crise fiscal”14.

Embora se tenha presenciado avanços sociais nunca antes vistos, tais como, lembra Justen Filho, melhoria nas condições de vida, elevação da expec-tativa de vida média da população, conforto e inúmeros benefícios democráti-cos, como saneamento, educação e previdência15, isso implicou em insuficiên-cia econômico-financeira para que o Estado pudesse cumprir os compromissos assumidos e assegurar o futuro desenvolvimento.

Dada essa crise do Estado Social, outra forma de atuação estatal, com base em parâmetros políticos e econômicos inovadores, havia de ser buscada. Foi este o contexto que fez surgir o Neoliberalismo, que, “ao contrário do mo-delo estatal anterior, nada promete, mas parece tudo cumprir, com uma mudan-ça do papel do Estado fomentador da atividade econômica, que passa agora a ser regulador”16.

2.3 O EstadO NEOLibEraL E O pErfiL rEguLadOr

A noção de Neoliberalismo recai em uma transmutação da atuação do Estado no setor econômico, deixando de atuar como mero fomentador para exercer a regulação da atividade econômica. Isso decorre da crise do Welfare State, que demonstrou que o Estado, por si só, não teria recursos financeiros para solver todos os compromissos assumidos com a sociedade para a prestação das necessidades públicas.

Lehfeld anota que

percebe-se que o Estado Neoliberal, diferentemente do liberalismo, preocupa-se com uma economia de mercado com menor controle do capital. Busca-se uma maior liberdade por parte da iniciativa privada no campo da economia, reduzin-do o intervencionismo estatal até então preponderante em razão do chamado Estado do Bem-Estar Social. Na realidade o neoliberalismo conduz a uma modifi-cação do papel do Estado, que deixa de ser fomentador da atividade econômica e passa a ser regulador, preocupando-se de forma direta apenas com relação àque-las atividades essenciais, inerentes à sua criação, como segurança, saúde, habita-

14 “A expressão passou a ser utilizada para indicar a situação de insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigações assumidas e do desenvolvimento de projetos mais ambiciosos.” (Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit., p. 19)

15 Ao abordar o assunto, o autor, além de trazer à tona esses avanços na condição de vida das pessoas, diz que “o resultado foi extraordinariamente positivo; espantoso, poderia até dizer-se” (JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., , p. 18).

16 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., , p. 60.

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ção, educação (exemplos: previdência social e gratuidade da saúde e educação). Esse é o denominado Estado mínimo (seria melhor Estado diferente, em razão da dificuldade de aplicação dessa política econômica neoliberal na prática...).17

É nesta perspectiva que se tem a ampliação da iniciativa privada e a redu-ção do Estado, como forma de reduzir os elevados encargos estatais decorrentes da política do Estado Social e de promover, com eficiência, o atendimento às necessidades públicas. “Se o Estado reduzir sua atuação direta e atribuir aos particulares o poder de levar avante inúmeras atividades, a contrapartida será a regulação”18.

A ideia de Estado Neoliberal, portanto, não permite que se pense um mero repasse da satisfação das necessidades individuais e coletivas para a ini-ciativa privada, ou seja, simples privatização. Incumbe ao Estado atuar para assegurar o bem-estar social, de forma mais eficiente, e o equilíbrio econômico, apenas agora de forma indireta como fiscalizando e regulando o setor privati-zado19. Percebe-se uma junção dos ideários liberais com os do Welfare State.

O plano nacional de desestatização que se implantou no Brasil na década de 1990, flexibilizando o monopólio do Estado em diversas áreas estratégicas, o que se notou nos setores de energia elétrica, petróleo e telecomunicações, é reflexo dessa transformação do papel do Estado, havendo uma forte abertura da atividade econômica à iniciativa privada20.

Nesse contexto, a necessidade de regulação é clarividente, pois que “o Estado tem o dever de assegurar que as necessidades individuais e coletivas continuem a ser satisfeitas, depois de produzida a privatização”21.

É a partir dessa ideia de adoção da concepção regulatória pelos Estados que se consagram as agências reguladoras independentes22, pois é o que se pode concluir “se for reputado que um modelo regulatório de Estado pressupõe a existência de entidades autônomas com perfil de agências”23.

17 Idem, p. 61.18 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., , p. 322.19 Ressalte Justen Filho que “admite-se a redução da dimensão do Estado não porque se repudie o dever de o

Estado promover os valores fundamentais (entre os quais avulta o princípio da dignidade da pessoa humana). A substituição do Estado pelo agente econômico privado deriva da idéia de que essa opção pode realizar com maior intensidade os princípios fundamentais afirmados desde a Revolução Francesa e que integram o núcleo do conceito de Estado de Bem-Estar” (Ob. cit., p. 328).

20 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., , p. 64.21 Idem, p. 325.22 Idem, p. 129.23 Idem, p. 328.

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3 o redImeNSIoNAmeNto do PrINcíPIo dA legAlIdAde

3.1 O priNcípiO da LEgaLidadE Na ótica da atuaL tripartiçãO dE pOdErEs

É com a noção liberal oitocentista de separação de poderes que surge o princípio da legalidade. A classe burguesa, frente às medidas que lhe eram impostas pelo rei absolutista, buscou estabelecer um meio pelo qual as normas jurídicas, que eram estabelecidas pelos representantes da burguesia, fossem um ponto de referência do qual deveria decorrer toda medida jurídica, fazendo com que o administrador e o juiz exercessem funções de mera cognição, caben-do a eles somente a execução da lei já posta24.

Isso se daria na conjugação de esforços produzidos pelo princípio da legalidade e pelo princípio da tripartição de poderes. “[...] A concepção de separação e limitação recíproca de poderes garante a aplicação concreta do princípio da legalidade”25.

Tendo John Lock como precursor, Montesquieu26, a quem o Estado Mo-derno deve a elaboração da teoria da tripartição de poderes27, por preocupação com os limites do poder, formula a ideia pela qual o poder deve ser limitado pelo próprio poder28.

Elucida Clève: “[...] Ora, nesse sistema, não é difícil entender que a téc-nica da separação de poderes, tal como formulada por Montesquieu, funcio-nava perfeitamente, além de alcançar uma utilidade incontestável”29, pois que ressaltava a limitação jurídica do poder estatal em favor da consecução das liberdades individuais.

Para a consecução dos fins almejados pelos teóricos do Liberalismo, a lei deveria existir como vontade geral do povo, sendo, portanto, produção nor-mativa monopolizada pelo Poder Legislativo, vez que era o parlamento quem representava a nação. O Legislativo era o poder eleito pelo povo, dotando-se, por isso, de superioridade.

24 ARAGÃO, Alexandre Santos. Legalidade e regulamentos administrativos no direito contemporâneo. Uma aná-lise doutrinária e jurisprudencial. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 284-310, out./dez. 2002.

25 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Constitucionalização do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 38.

26 “Sem percorrer a obra de John Locke e Montesquieu, tome-se como verdade que o modelo clássico ou puro de separação de poderes veio do engenho dos dois filósofos...” (PAULA, Daniel Giotti de. Ainda existe separação de poderes? A invasão da política pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicialização da política. In: PAULA, Daniel Giotti de; FELLET, André Luiz Fernandes; NOVELINO, Marcelo (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 274)

27 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 24.28 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. cit., p. 38.29 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ob. cit., p. 34.

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Ocorre que a crise do Estado Liberal exigiu uma nova forma de atuação do Estado. Conforme Clève,

a crise recorrente do capitalismo, o sufrágio universal, as reivindicações da classe operária, as revoluções socialistas, a passagem da empresa individual para a co-letiva e da concorrência para o oligopólio, a emergência da sociedade de massas e a conseqüente urbanização pela qual passou o mundo, esses dados todos, so-mados a outros, concluíram por forçar o nascimento de um novo tipo de Estado.30

Saía de cena o Estado não intervencionista para entrar o Estado que de-veria, por meio de prestações, equilibrar a economia e harmonizar o convívio social, redistribuindo riquezas e buscando implantar os pressupostos da justiça social. É neste contexto que se alargam as dimensões de atuação do Poder Exe-cutivo, corolário do Estado de Bem-Estar Social.

A sociedade se tornou cada vez mais dinâmica e complexa, com interes-ses mais e mais heterogêneos, mormente com a conquista do sufrágio universal, em contraposição aos interesses homogêneos da burguesia liberal dominante que singularizava os seus anseios por meio do voto censitário31.

Segundo preleciona Clève:

O vir à tona do Estado Social e da sociedade técnica dificulta o exercício, pelo parlamento, da função legislativa. Primeiro, porque o Estado Social e a sociedade técnica exigem do Legislativo um preparo técnico que não pode ser encontrado num órgão cuja composição não é de especialistas, e sim de mandatários eleitos. Depois, porque o processo legislativo nem sempre pode ser célere. De uma es-trutura colegial, formada por um número sempre pequeno de congressistas, não se pode exigir que a tomada de decisão seja tão rápida como a do Executivo.32

Diz Moncada que

avulta a progressiva transferência de poderes legislativos do parlamento, seu lu-gar tradicional, para os Governos, sempre mais próximos dos interesses parcela-res da sociedade civil a exigirem um conteúdo da lei que os sirva e, sobretudo, a teleologia da lei, preocupada com questões de produtividade e eficiência, pouco ou nada compatíveis com uma consideração imparcial e distanciada dos interes-ses a atender, a pedir um conteúdo comprometido mais do que justo.33

30 Idem, p. 41.31 É neste sentido que ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira, ao aduzir que “a homogeneidade dos interesses

a serem protegidos – característica típica do Estado Liberal Burguês, que deveria atender às necessidades de uma classe dominante (a burguesia) e que estabelecia o voto censitário – cede espaço a heterogeneidade dos interesses existentes na sociedade complexa atual” (Op. cit., p. 40).

32 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 53.33 MONCADA, Luís S. Cabral de. Ensaio sobre a lei. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 92. Dallari, ao se referir à

tripartição de poderes, explica que, “proposta essa idéia de maneira sistemática no século XVIII, com o fim ex-clusivo de proteção da liberdade, mais tarde seria desenvolvida e adaptada a novas concepções, pretendendo--se então que a separação dos poderes tivesse também o objetivo de aumentar a eficiência do Estado, pela

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O que se denota, nesta perspectiva, é uma necessária flexibilização e releitura conceitual, tanto do princípio da separação de poderes quanto do prin-cípio da legalidade. É uma necessidade mesma da complexidade social, que se mostra cada vez mais técnica e exigente.

Daí Clève afirmar, nesse contexto de insuficiência do Poder Legislati-vo, que “o certo é que o conceito de lei, como o comando normativo estatal proveniente do Legislativo e dotado das características de generalidade (abstra-ção e impessoalidade) e permanência, não se compatibiliza com a sociedade técnica”34. Consequentemente, “a missão atual dos juristas é a de adaptar a idéia de Montesquieu a realidade constitucional do nosso tempo. Nesse senti-do, aceita-se aparelhar o Executivo, sim, para que possa, afinal, responder às crescentes e exigentes demandas sociais”35.

3.2 a dEsLEgaLizaçãO Ou dELEgificaçãO

O sentido da delegificação36 recai na atribuição do poder normativo a órgãos ou entidades da Administração Pública, pelo próprio Poder Legislativo, mediante lei. Consiste, conforme Moreira Neto37, na “retirada, pelo próprio le-gislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine da la loi) passando-as as domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance)”.

Para García de Enterría e Fernández, a definição é a seguinte: “Llamamos deslegalización a la operación que efectúa una Ley que, sin entrar en la regula-ción material de un tema, hasta entonces regulado por Ley anterior, abre dicho tema a la disponibilidad de la potestad reglamentaria de la Administración”38.

Pode-se entender que o fenômeno da delegificação constitui uma exi-gência da complexidade da sociedade que se apresenta cada vez mais técnica. A necessidade de produção normativa que atenda aos reclamos sociais não está sendo suprida a contento por obra exclusiva do Poder Legislativo, seja

distribuição de suas atribuições entre outros órgãos especializados” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 216).

34 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 44.35 Idem, p. 44.36 “A deslegalização ou delegificação é mais uma novidade do que propriamente legislativa. Ou seja, antes de a

doutrina começar a sistematizá-la, várias de nossas leis e regulamentos a incorporaram. Na verdade, a desle-galização é um instituto umbilicalmente ligado à atribuição, mormente na seara econômica, de largos poderes normativos a órgãos ou entidades da Administração Pública. É uma conseqüência, embora não necessária, da atribuição de tais poderes pela lei.” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 118)

37 Idem, p. 119.38 ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. Madrid: Civitas

Ediciones, v. I, 2002. p. 275.

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pela excessiva demanda normativa, seja pelo despreparo técnico do núcleo parlamentar.

Por outro lado, com o advento do Welfare State, o Estado assumiu um in-tervencionismo social com o objetivo e dever de cumprir, de forma eficaz, as ta-refas correspondentes ao bem-estar da sociedade. “Na medida em que o poder estatal deve responder, de forma mais eficiente, aos avanços técnicos e cientí-ficos, justifica-se a elevação da margem de decisão em favor do Executivo”39.

A lei de deslegalização gera uma degradação na hierarquia normativa da regulação, pois permite que a matéria regulada por lei anteriormente possa ser regulada por meros regulamentos40. “A lei deslegalizadora não chega a deter-minar o conteúdo material da futura normatização administrativa, limitando-se a estabelecer standards e princípios que deverão ser respeitados na atividade administrativo-normativo”41.

A delegificação é, portanto, um ato de política legislativa que, dada as circunstâncias que o ordena, caminha em consonância com os ditames consti-tucionais e com os interesses sociais de uma sociedade que legitima a própria existência do Estado, pois é para atender “as necessidades práticas de uma re-gulação social ágil e eficiente”42 que tal instituto existe.

4 o Poder NormAtIVo dAS AgÊNcIAS regulAdorAS

4.1 agêNcias rEguLadOras E O sEu pOdEr NOrmativO

Para que melhor se entenda o que vem a ser agências reguladoras43, Justen Filho propõe, para fins didáticos, a seguinte definição:

39 É o que afirma Andreas J. Krell ser o pensamento de Michael Lothar (KRELL. Andreas J. Leis de normas ge-rais, regulamentação do Poder Executivo e cooperação intergovenamental em tempos de reforma federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008).

40 Esta compreensão é permitida, pelo que reza Eduardo Garcia de Enterria: “Uma lei de deslegalização opera como contrarius actus da anterior lei de regulação material, porém, não para inovar diretamente esta regu-lação, mas para degradar formalmente o grau hierárquico da mesma de modo que, a partir de então, possa vir a ser regulada por simples regulamentos. Deste modo, simples regulamentos poderão inovar e, portanto, revogar leis formais anteriores, operação que, obviamente, não seria possível se não existisse previamente a lei degradadora” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 420).

41 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p.71.42 É de Aragão tais palavras, quando ele afirma que “as necessidades práticas de uma regulação social ágil e

eficiente (art. 37, caput, da CF) imporão o amplo acatamento do instituto da deslegalização, até porque, além das razões de ordem prática, reveste-se de sólidos argumentos teóricos” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Ob. cit., p. 422).

43 Aragão, em uma tentativa conceitual para as agências reguladoras independentes brasileiras, aduz que são “autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, in-cumbidas do exercício de funções regulatórias [...] e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após previ aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum” (Idem, p. 275).

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É uma autarquia especial, criada por lei para a intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares, e sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta.44

A necessidade de o Estado interferir no espaço das relações econômicas, de forma constante e aprofundada, aplicando mecanismos de autoridade, e o anseio por se conferir, às autoridades a quem couber tal intervenção, autonomia considerável ante a tradicional estrutura do poder político, é de que resulta a existência das agências reguladoras45.

Entre elas estão, com as respectivas leis que as criaram: a Agência Nacio-nal de Energia Elétrica (Aneel) – Lei federal nº 9.427/1996; a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – Lei federal nº 9.472/1997; a Agência Nacional de Petróleo (ANP) – Lei federal nº 9.478/1997; a Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária (Anvisa) – Lei federal nº 9.782/1999; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANT) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ambas criadas pela Lei federal nº 10.233/2001; a Agência Nacional de Saúde Suplementar – Lei federal nº 9.961/2000 e a Agência Nacional das Águas (ANA) – Lei federal nº 9.984/2000.

As peculiaridades que integram a essência das agências reguladoras são elencadas nas leis que as criam, leis estas cujo projeto é de competência do chefe do Poder Executivo46, podendo-se encontrar autonomia administrativa47, autono-mia financeira48, prazo por tempo fixo para o mandato de seus administradores49,

44 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 344.45 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito ad-

ministrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 18.46 “Desse modo, cabe ao Poder Legislativo determinar, no momento da criação da agência reguladora, sob as

orientações dadas pelo Poder Executivo, já que o projeto de lei é de competência do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, e, da Constituição Federal), normas gerais e abstratas (conhecidas com standards) que serão, na prática, operacionalizadas pela referida entidade autárquica de regime especial.” (LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 264).

47 “A agência reguladora independente não se sujeita à revisão de seus atos por autoridade integrante da Admi-nistração direta, mas apenas perante o Poder Judiciário.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit., p. 343)

48 “[...] visando a dotar a entidade de meios para o desempenho de suas funções” JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit.). Lucas de Souza Lehfeld ressalta que “a autonomia orçamentária e financeira dessas entidades autár-quicas não transcende a gerência e operacionalização de suas receitas e bens, pois devem respeitar o regime jurídico proposto pelo Estado” (LEHFELD, Lucas de Souza. Ob. cit., p. 252).

49 “O Presidente da República, no caso das agências federais, escolhe os dirigentes e os indica ao Senado Fede-ral, que os sabatina e aprova (o mesmo sistema usado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal); uma vez nomeados, eles exercem mandato, não podendo ser exonerados ad nutum; isso é o que garante efetiva-mente a autonomia.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Op. cit., p. 25)

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competência fiscalizatória50, poder para dirimir conflitos51 e poder normativo, sendo este último o objeto de estudo do presente ensaio.

A competência regulatória das agências é que lhe confere o poder nor-mativo. “Se sem as demais atividades um órgão ou uma entidade pode conti-nuar a ser considerado como regulador, o mesmo não se pode dizer do poder de editar normas, sem o qual deixam de ser reguladores para serem apenas adjudicatórios”52.

A natureza do poder de editar normas das agências reguladoras é regula-mentar, sendo consequência da delegação de competência legislativa pela via da delegificação ou deslegalização.

Sabe-se, entretanto, que a única permissão expressa da delegação da ati-vidade legislativa pela Constituição Federal brasileira de 1988 diz respeito às leis delegadas, sendo, portanto, em regra, vedada a delegação da ação norma-tiva, de competência do Congresso Nacional, ao Poder Executivo, conforme o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Todavia, no caso da ação normativa pelas agências reguladoras, não se-ria compatível a vedação, isto porque “o que é vedado à Administração Pública, em regra, é o exercício de competência atribuída aos órgãos legislativos, e não do poder normativo inerente ao exercício da própria função administrativa, sem o qual não poderia dar aplicação às leis e especificar matérias como por elas demandado”53.

É necessário que se perceba que a lei criadora das autarquias especiais estabelecerá limites para a ação normativa destas por meio de standards e que os regulamentos editados por elas devem ser entendidos como delegados, dis-tinguindo-se, portanto, do regulamento autônomo e do de execução.

Andrade, que prefere chamar regulamento de complementação a regula-mento delegado, explica que

50 “O fundamento da atividade fiscalizatória poderá, no entanto, variar segundo a agência seja (a) reguladora de serviço público, caso em que será um dever inerente ao poder concedente, (b) reguladora da exploração privada de monopólio ou bem público, quando o fundamento da fiscalização é contratual, ou (c) reguladora de atividade econômica privada, em que a natureza da fiscalização é oriunda do poder de polícia exercido pela agência...” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 317)

51 É atribuída à agência reguladora “função quase judicial, no intuito de dirimir conflitos de interesses entre empresas que prestam serviços públicos submetidos à regulação, ou entre essas e seus usuários” (LEHFELD, Lucas de Souza. Ob. cit., p. 268).

52 Idem, p. 316.53 ANDRADE, Letícia Queiroz de. Poder normativo das agências reguladoras (legitimação, extensão e contro-

le). Revista eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador: Instituto de Direito Público, n. 15, ago./set./out. 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 dez. 2011.

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os regulamentos de complementação não devem introduzir obrigações novas, mas, especificar as obrigações introduzidas por lei que demandem complemen-tação técnica [...]. O exercício da competência regulamentar nos limites do es-paço de liberdade conferido pela lei é condição que deve ser observada para sua compatibilidade com um sistema jurídico no qual é vedada a criação de obriga-ções por outro veículo que não seja a lei (art. 5º, II, da CF).54

É notório que isso ocorre para compatibilizar a atuação do Estado com a complexidade técnica e a especialização do momento atual da sociedade. Constitui uma forma de descentralização administrativa para a realização das finalidades do Estado. Essa competência normativa que se atribui às agências reguladoras é de grande valia para o funcionamento e a organização da Admi-nistração Pública, não representando “propriamente inovação da ordem jurídi-ca, pois não são competentes para legislar. Na realidade, estabelecem normas (regras) de cunho operacional, a fim de suprir, com eficiência, as metas e obje-tivos a elas previamente estabelecidos”55.

4.2 a cONstituciONaLidadE dO pOdEr NOrmativO, O rEdimENsiONamENtO dO priNcípiO da LEgaLidadE E a rELEitura dO priNcípiO da tripartiçãO dE pOdErEs

De antemão, é de bom alvitre ressaltar que a defesa da constitucionali-dade do poder normativo das agências reguladoras não deve soar como com-petência destas autarquias para a produção de regulamentos autônomos, pois todo o poder normativo a elas atribuído deve estar nos moldes e limites das determinações legais da lei que as criaram56.

O que fará as agências reguladoras, pois, quando do exercício do seu poder normativo é operacionalizar os standards determinados pelo Poder Le-gislativo quando criarem essas autarquias. Por standards pode-se entender as

54 Idem. Sobre os regulamentos executivos e autônomos, aduz Oliveira:

“Os regulamentos executivos (ou de execução) destinam-se ao desenvolvimento de textos legais. A lei infra-constitucional atua como fundamento de validade e como limite desses regulamentos. Daí a afirmação de que os regulamentos executivos são editados para fiel execução da lei (art. 84, IV, da Constituição da República).

Já o regulamento autônomo é aquele cujo fundamento de validade é retirado da própria Constituição da Re-pública, não havendo, portanto, a intermediação legislativa. Nesse caso, o Executivo possui função normativa inovadora.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p. 56)

55 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 264.56 Neste sentido, Carlos Ari Sundfeld, ao afirmar, sobre o poder normativo das agências reguladoras: “Quando

reconheço ser constitucionalmente viável que elas desfrutem de um tal poder, de modo algum estou sugerindo que elas produzam ‘regulamentos autônomos’ ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poderes normativos” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Op. cit., p. 27).

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normas gerais e abstratas, cuja competência para a operacionalização prática será das agências reguladoras, por determinação das leis que as instituírem57.

Ou seja, “as leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a categoria das leis-quadro (lois-cadre) ou standartizadas, próprias das matérias de particular complexidade técnica e dos setores suscetíveis a constantes mu-danças econômicas e tecnológicas”58. “A constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador haver estabelecido Standards suficientes, pois do con-trário haveria delegação pura e simples de função legislativa”59.

Conforme Ferreira Filho, a recusa do poder normativo ao Poder Execu-tivo não impede uma crise democrática. Se outorgar esse poder ao Executivo pode acarretar arbítrio, ameaçando a democracia, recusar poderá destruí-la. A recusa de atribuição do poder normativo a quem se apresenta em condições de exercitá-lo, com certo grau de eficiência, pode levar à impotência o governo e ao desastre a democracia60.

Nesta perspectiva, desborda do pensamento harmônico com os princí-pios democráticos que estruturam a ideia de bem comum, o pensar que quer se manter, por laços inseparáveis, ligado aos formalismos arraigados do princípio da legalidade e da tripartição de poderes. Logo, a releitura desses princípios se mostra imprescindível para a consecução do próprio Estado Democrático de Direito.

Lehfeld explica que o objetivo da separação dos poderes deve ser anali-sado na perspectiva de dinâmica do poder do Estado, não deixando a teoria de limitar a ação estatal frente aos direitos e às garantias fundamentais da socie-dade, nem abandonando o “controle recíproco entre os poderes por causa do princípio do checks and balances”61.

Todavia, continua o autor, de outra banda, impõe uma interpretação mais flexível, em razão da complexificação, cada vez mais presente, das ques-tões submetidas ao domínio da atuação do Estado, que vai se compor de orga-

57 Conforme Aragão, “podemos ver, com efeito, que apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de atuação, todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – possuem competências normativas calcadas em Standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densida-de normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 408).

58 Idem, p. 408.59 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Ob. cit.,

p. 27.60 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16.61 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 166.

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nismos técnicos, que estejam próximos à problemática, tais como as agências reguladoras62.

Demais disso, a visão do princípio da legalidade nos moldes do Esta-do Liberal queda-se também insustentável perante o cenário da sociedade e economia atual. “Frente à crise da noção liberal de legalidade administrativa, necessário se faz identificar uma nova concepção do princípio da legalidade administrativa, mais consentânea com a realidade moderna”63.

Por oportuno, ressaltem-se as lições de Clève:

Está agonizando um conceito de lei, um tipo de parlamento e uma determinada concepção do direito. O parlamento monopolizador da atividade legiferante do Estado sofreu abalos. Deve continuar legislando, é certo. Porém, a função legis-lativa será, no Estado contemporâneo, dividida com o executivo. O parlamento não deve deixar de reforçar o seu poder de controle sobre os atos, inclusive nor-mativos, do Executivo.64

O que se percebe com isso é a necessidade de adaptação dos princípios da legalidade e da tripartição dos poderes à atualidade dos reclamos, não só po-líticos, mas também sociais e econômicos. Isso porque a tradicional produção normativa pelo Poder Legislativo mostra-se tecnicamente despreparada para re-gulamentar determinadas matérias, além de não acompanhar a dinamicidade das relações sociais da contemporânea sociedade.

Justen Filho traz à tona que

a dimensão quantitativa e a complexidade qualitativa são problemas que con-duzem a tornar vagarosa a regulação estatal sobre certas matérias. A criação de agências permite superar essas dificuldades, eis que se reduz o número de par-ticipantes no processo decisório final, amplia-se a especialização do órgão e se reduz a demora na geração de atos estatais.65

Ferreira Filho, a propósito da crise da lei e da falência dos Parlamentos, relata que “é notório que os Parlamentos não dão conta das ‘necessidades’ le-gislativas dos Estados contemporâneos; não conseguem, a tempo e a hora, gerar as leis que os governos reclamam, que os grupos de pressão solicitam”66. E

62 Idem, p. 166.63 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit., p. 42.64 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 57. Comparato, referindo-se aos princípios da legalidade e da triparti-

ção de poderes, preleciona que “o mundo contemporâneo – a partir do final da guerra européia de 1914-1918 e, sobre tudo, desde a grande crise de 1929 – subverteu ambos esses princípios: a lei deixou de ser a norma geral, igualmente aplicável a todos os que vivem debaixo de um mesmo Estado, e o Poder Executivo tornou--se autêntico legislador” (COMPARATO, Fábio Konder. A organização constitucional da função planejadora. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, p. 14, 29 ago. 1994).

65 JUSTEN FILHO, MARÇAL. Op. cit., p. 361.66 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit. p. 14-5.

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continua, “as normas que tradicionalmente pautam o seu trabalho dão – é certo – ensejo a delongas, oportunidade a manobras e retardamentos. Com isso, os projetos se acumulam e atrasam...”67.

Percebe-se, pois, uma imprescindível necessidade de descentralização da produção normativa, o que acarreta a perda do monopólio de legislar pelo Poder Legislativo, em função da necessidade de o Estado cumprir, de forma eficiente, as tarefas assumidas e das exigências de normas técnicas e específicas com produção dinâmica. Isso requer maior flexibilização no processo legis-lativo, o que se tornou incompatível com os métodos de produção legislativa pregados pelo Estado Liberal.

4.3 O pOdEr NOrmativO das agêNcias rEguLadOras NO cONtExtO dO NEOcONstituciONaLismO

Com a evolução do constitucionalismo, chegou-se ao que hoje se deno-mina neoconstitucionalismo. As lutas sociais na busca por direitos fazem surgir ideias que vão marcando a história, em cada espaço e tempo, por conceitos que precisam ser renovados e inovados para que não se perca no tempo a essência da busca humana pela satisfação individual e social. Essa é a cara do constitu-cionalismo contemporâneo.

Analisando uma nova forma de estudar a Constituição, ensina Bonavides:

Com a queda do positivismo e o advento da teoria material da Constituição, o centro de gravidade dos estudos constitucionais, que dantes ficavam na parte organizacional da Lei Magna – separação de poderes e distribuição de compe-tência, enquanto forma jurídica de neutralidade aparente, típica do constitucio-nalismo do Estado Liberal – se transportou para a parte substantiva, de fundo e conteúdo, que entende com os direitos fundamentais e as garantias processuais da liberdade, sob a égide do Estado Social.68

Barroso69 explana três marcos para um novo direito constitucional: no marco histórico está, na Europa continental, “o constitucionalismo do pós-guer-ra, especialmente na Alemanha e na Itália”. No Brasil, por sua vez, assumiu

67 Idem, p. 14-5. O autor afirma, ainda, na mesma página, que “nem estão os parlamentos, por sua própria organização, em condições de desempenhar, lentamente mas a contento, a função legislativa. O modo de escolha de seus membros torna-os pouco freqüentados pela ponderação e pela cultura, mas extremamente sensíveis à demagogia e à advocacia em causa própria. Os interesses não têm dificuldade em encontrar porta--vozes eloqüentes, o bem comum nem sempre os acha. Por outro lado, o seu modo de trabalhar também é inadequado às decisões que deve tomar. Como, por exemplo, estabelecer um planejamento por meio de um debate parlamentar?”

68 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 599.69 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito

constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador: Instituto Brasilei-ro de Direito Público, n. 9, mar./abr./maio 2007. Disponível em: <http://direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 22 set. 2011.

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tal papel “a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar”. Quanto ao marco filosófico, o autor diz ser este o pós--positivismo.

Já o marco teórico, três grandes transformações o constitui, segundo o autor retro, quais sejam: “o reconhecimento de força normativa à Constituição”, “a expansão da jurisdição constitucional” e “o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”.

Com o neoconstitucionalismo, a Constituição deixa de ser mero docu-mento político para se tornar a mais importante norma de um Estado, dela irra-diando a força capaz de vincular todo o ordenamento jurídico à vontade nela contida. É a saída de um Estado legislativo de direito, nos moldes do Liberalismo clássico, com centralidade na lei, para um Estado Constitucional de Direito com a centralidade jurídica voltada para a Constituição.

A partir de então, a Constituição passa a ter força normativa70. Em razão disso, passa ela a exigir que seja cumprida a sua vontade, ou seja, os direitos, as garantias e os valores fundamentais da Constituição necessitam ser realizados pelo Estado. A produção normativa, portanto, precisa ser compatível com essa nova forma de visualizar a Constituição: a máxima efetividade das normas cons-titucionais como reflexo da concretização de direitos fundamentais.

Segundo Hesse,

embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas prove-nientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.71

Por consequência, o poder normativo das agências reguladoras tem que ter compasso harmônico com a vontade constitucional. Caminham as agências para a concretização do bem comum, atuando para assegurar direitos funda-mentais e protegendo a sociedade por meio de normas, cujo fim é atender o equilíbrio econômico, a justiça social e a dignidade humana, compatíveis são elas, pois, com a Constituição e com o Estado Democrático. Até porque a sua forma de atuação produtiva de normas está limitada aos standards contidos na lei que as criaram.

70 Sobre a força normativa da Constituição, é relevante observar: HESSE, Konrad. A força normativa da Consti-tuição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

71 Idem, p. 19.

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Sundfeld entende que as agências reguladoras não usurpam a função legislativa. Para ele, o Legislativo continua a legislar normas gerais e abstratas, frequentemente, em alto grau. Todavia, os atuais padrões sociais exigem nor-mas diretas e específicas, realizando o planejamento dos setores e viabilizando a intervenção do Estado para a garantia de valores hoje considerados funda-mentais e exigíveis perante o Estado, como proteção do meio ambiente e do consumidor e expansão das telecomunicações nacionais72.

O Estado não pode parar no tempo e esperar por soluções pautadas em conceitos e modelos ultrapassados que obstem a concretização da democracia. O Estado precisa ser atual, atendendo às necessidades atuais da sociedade, afi-nal de contas é para ela que ele existe. No dizer de Garcia-Pelayo, ao explanar as funções do Estado como objeto da Constituição,

el Estado solo tiene existencia en cuanto que es actual, y esta actualidad la alcan-za únicamente en cuanto actúa, es dicir, en cuanto que de modo permanente e ininterrumpido realiza una serie de actos. En el momento en que tales actos dejan de tener lugar cesa de ser una realidad presente para convertirse en un pasado histórico. La unidad del Estado no es, pues, una unidad estática, sino una unidad que existe en cuanto que constantemente deviene; su ser, por consiguinte, no consiste en la permanencia parménica, sino en el devenir heraclitiano; sus cons-tantes, su status, no son más que momentos de una renovación permanente.73

Ora, para atender ao que manda a Constituição, o Poder Legislativo, por si só, já não é capaz, seja pela sua insuficiência técnica, seja pela lentidão no processo legislativo, seja pela atuação em defesa de interesses próprios dos par-lamentares. É imprescindível, desta forma, a criação de meios alternativos que atendam aos interesses sociais e realizem os direitos fundamentais de maneira ágil e técnica, o que reflete a própria eficiência da Administração Pública. Eis a necessidade do poder normativo das agências reguladoras74.

coNSIderAçõeS FINAIS

Como se pode notar, a passagem do Estado de Liberal para Social fez com que ele, Estado, assumisse o papel intervencionista, tanto no âmbito eco-

72 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Op. cit., p. 27.

73 GARCIA-PELAYO, Manuel. Op. cit., p. 103.74 Marçal Justen Filho pronuncia que “a atribuição de competências administrativa a entidades dotadas de

autonomia, que concentrem conhecimento técnico-científico e a habilidades especiais, poderá conduzir à substituição de um modelo político-administrativo perverso até agora vigente. As decisões administrativas têm sido fortemente influenciadas pela conveniência subjetiva do exercente do cargo público, inclusive se prestando a operações eticamente reprováveis destinadas a conquistar e a manter o clientelismo político. A criação da agência poderá evitar que o exercício de relevantes competências administrativas seja abrangido no campo de negociação política” (JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 592).

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nômico como na esfera das relações sociais, o que era inadmissível no Libera-lismo burguês das liberdades individuais e da livre iniciativa.

Entretanto, o tempo mostrou que o Estado, por si só, não atenderia a to-das as necessidades sociais, já que faltavam recursos financeiros para isso. Foi isto, pois, que levou à ascensão do Estado Neoliberal, no qual o Estado permite a livre iniciativa, mas regula a atividade econômica como forma de garantir o bem comum.

O poder normativo das agências reguladoras é, desta forma, conditio sine qua non para a atividade reguladora do Estado. É em razão da competência reguladora que estas autarquias podem editar normas. Normas fundamentais para a realização da democracia, da justiça social, do equilíbrio econômico, da vontade constitucional e do próprio Estado Democrático de Direito, já que exercem a regulação de um determinado setor econômico com fim de atingir o bem-estar social.

Nessa perspectiva, a análise da insuficiência do Legislativo se faz im-prescindível, o que requer uma releitura do princípio da legalidade e da teoria da tripartição dos poderes. Foi o que se pretendeu, em linhas supradescritas, quando se apontou a falta de conhecimento técnico dos Parlamentares, a inér-cia do Legislativo para a normatização de algumas matérias e a superposição de interesses pessoais de integrantes da Casa Legislativa sobre os interesses da sociedade.

Essa incompatibilidade da produção normativa exclusivamente pelo Le-gislativo com as exigências cada vez mais técnicas, complexas e dinâmicas da sociedade contemporânea, exige uma flexibilização destes princípios. O ra-dicalismo do Liberalismo burguês se mostra anacrônico. Deve-se aplicar tais ideias, mas em consonância com a vontade social e constitucional estabeleci-das no espaço e no tempo.

Ressalte-se que, a partir do neoconstitucionalismo, a Constituição tor-nou-se o centro do ordenamento jurídico, passando a ter força normativa e a determinar o seu cumprimento. Os direitos fundamentais, por sua vez, nesta ótica, se tornaram a pedra de toque do sistema constitucional, é o que se diz da dignidade da pessoa humana, por exemplo. Neste ângulo, a concretização desses direitos implica realização dos desejos constitucionais.

Cabe ao Estado contemporâneo, portanto, encontrar mecanismos que fa-çam valer esses mandamentos. A descentralização da produção normativa se apresenta como um desses mecanismos. Dessa forma, por óbvio, o poder nor-mativo das agências reguladoras caminha em harmonia com esses ideais, pois

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visa a suprir a insuficiência do Poder Legislativo na produção de normas que assegurem os direitos e anseios da sociedade e da Constituição.

Por todo o exposto é que se pretende firmar que o poder normativo das agências reguladoras é constitucional na ótica do redimensionamento do prin-cípio da legalidade.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias

8013

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoPoder JudiciárioAgravo Regimental na Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 0040109‑66.2015.4.01.0000/MGRelator: Desembargador Federal PresidenteRequerente: Oi Móvel S/AAdvogado: RJ00074802 – Ana Tereza Palhares Basilio e outros(as)Requerido: Juízo Federal da 21ª Vara – MGAutor: Polisdec – Instituto Mineiro de Políticas Sociais de Proteção e Defesa do ConsumidorAdvogado: MG00084841 – Lillian Jorge SalgadoAgravante: Oi Móvel S/A

EmENtaProceSSo cIVIl – SuSPeNSão de lImINAr – ANAtel – oI móVel S/A – decISão de PrI-meIro grAu Que reStrINge À APlIcABIlIdAde do dISPoSto No Art. 52 dA reSolução Nº 632/2014 dA ANAtel – PedIdo de SuSPeNSão de lImINAr INdeFerIdo – AgrAVo regImeNtAl ImProVIdo

1. Cuida-se de agravo regimental interposto pela Oi Móvel S/A contra a decisão que indeferiu o pedido de suspensão de liminar concedida nos autos de ação civil coletiva proposta em desfavor da Anatel, da Oi Móvel e de outras operadoras de telefonia, para o fim de impedir que “o acesso à internet móvel disponibilizado aos consumidores não seja interrompi-do quando a franquia contratada for atingida, mas que apenas a veloci-dade seja reduzida, como ofertado pelas operadoras, e que os preços e a qualidade dos serviços sejam mantidos”.

2. “Segundo as prescrições do art. 4º da Lei nº 8.437/1992, o deferimento da ordem de suspensão tem como objetivo evitar a ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Não tendo o requerente demonstrado que a manutenção dos efeitos da decisão que se busca suspender põe em risco tais bens jurídicos, remanesce inviabiliza-do o pleito” (STJ, Corte Especial, AgRg-SLS 2067/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 18.12.2015).

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3. As alegações da agravante não são suficientes para infirmar ou ilidir as razões que fundamentaram a decisão de fls. 829/835, uma vez que a possibilidade de grave lesão à ordem pública não ficou devidamente configurada, na sua dimensão de ordem administrativa, ausente também o potencial lesivo à economia pública, bem como o efeito multiplicador.

4. Agravo regimental não provido.

acórdãO

Decide a Corte Especial do TRF/1a Região, por unanimidade, negar pro-vimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

Brasília-DF, 30 de junho de 2016.

Desembargador Federal Hilton Queiroz Presidente

rELatóriO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Hilton Queiroz (Relator):

Cuida-se de agravo regimental interposto pela Oi Móvel S/A contra de-cisão do então Presidente deste Tribunal, Desembargador Federal Cândido Ribeiro, que indeferiu o pedido de suspensão da liminar concedida nos autos da ação civil coletiva nº 0024823-94.2015.4.01.3800, proposta em desfavor da Anatel, da Oi Móvel e de outras operadoras de telefonia.

A ação civil foi ajuizada objetivando impedir que “o acesso à internet móvel disponibilizado aos consumidores não seja interrompido quando a fran-quia contratada for atingida, mas que apenas a velocidade seja reduzida, como ofertado pelas operadoras, e que os preços e a qualidade dos serviços sejam mantidos” (fls. 45/52).

A liminar foi concedida pelo Juízo Federal da 21ª Vara de Minas Gerais, nos seguintes termos:

“[...]

Ante o exposto, nos termos do § 3º do art. 84 da Lei nº 8.078/1990, defiro a limi-nar para determinar às requeridas que:

a) em relação aos contratos celebrados pelos consumidores do Estado de Minas Gerais antes da vigência da Resolução nº 632/2014, se abstenham de interromper o serviço de acesso à internet móvel quando a franquia con-

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tratada for atingida, devendo apenas reduzir a velocidade, sem qualquer acréscimo aos preços contratados; e

b) restrinjam a aplicabilidade do disposto no art. 52 da Resolução nº 632/2014 da Anatel apenas aos contratos posteriores à sua vigência e desde que os novos contratos contenham informação clara e expressa de que o serviço de internet será interrompido após atingida a franquia do pacote contrata-do, dando-se ampla publicidade para conhecimento dos consumidores das novas regras e do consumo do pacote de dados contratado para evitar que sejam surpreendidos com a interrupção do serviço.

Fixo o prazo de 20 (vinte) dias, contados da intimação desta decisão, para cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária que arbitro no valor de R$ 20.000,00, limitado a R$ 600.000,00 por operadora, revertida para o Fundo Estadual de Proteção ao Consumidor de Minas Gerais.

[...]” (fl. 52).

A agravante alega que restringir a aplicabilidade da Resolução nº 632/2014 da Anatel é colocar em risco todo o processo democrático de cria-ção do regulamento, que passou pelo crivo da Consulta Pública nº 14/2013, de acordo com o art. 42 da Lei Geral de Telecomunicações.

Sustenta que “nenhum poder, nenhuma função republicana, pode, pois adiantar-se e antecipar-se à outra. Enfim, sempre com o devido respeito, não pode o Poder Judiciário invadir o campo meritório de atos administrativos, so-bre políticas ou institutos regulatórios da Administração Pública, no caso, pela Anatel”.

Afirma que, no Memorando nº 06/2015-PRRE, a Anatel esclareceu que “observadas as regras do Regulamento Geral dos Direitos do Consumidor do Serviço de Telecomunicações (RGC) é possível a extinção de ofertas ou planos sem prazo determinado, assim, como é lícita a não renovação de oferta ou plano, cujo prazo pré-determinado tenha se encerrado. Desde que, também, não seja cobrada multa dos usuários que, eventualmente, estejam fidelizados”.

Alega que a decisão viola a ordem administrativa, porquanto, o Juízo de origem, “solapando, prima facie, a ordem pública administrativa, sob o pretexto de repita-se, impedir que as operadoras extingam oferta promocional, alterou norma regulatório válida, que orienta o setor como um todo”.

Afirma também que há potencialidade lesiva à economia pública, impac-to no equilíbrio econômico do contrato, porquanto “em tempos de instabilidade econômica, cenário atual, com retração do mercado e volta da inflação, a me-dida se revela nefasta para os parceiros comerciais, trabalhadores e até mesmo para a Fazenda Pública”.

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Requer a revogação da decisão de fls. 829/835, dando-se provimento ao pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida pelo Juízo Federal da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais nos autos da Ação Civil Pública nº 24823-4.2015.01.3800.

É o relatório.

vOtO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Hilton Queiroz (Relator):

Da decisão guerreada, destaco o seguinte:

“[...]

Na espécie, verifica-se que a decisão questionada relaciona-se à área de atuação da Oi Móvel S/A, no exercício de função delegada, consubstanciado no acesso ao serviço de internet móvel, razão pela qual está caracterizada a legitimidade da requerente para propor a suspensão da decisão em tela.

Quanto ao mérito, consigno que para o deferimento da suspensão prevista no art. 4º da Lei 8.437/1992 basta que se constate a existência de potencial risco de grave lesão à ordem, à saúde, à economia e à segurança pública advinda da execução da decisão a quo. Por outro lado, não é vedado ao Presidente do Tri-bunal proferir um juízo mínimo de delibação da controvérsia subjacente à ação principal, consoante tem entendido a jurisprudência do STF, do STJ e desta Corte.

Na hipótese em exame, o art. 52 da Resolução nº 632/2014 da Anatel, que, em tese, teria dado causa à ação principal está redigida nos seguintes termos:

Art. 52. As Prestadoras devem comunicar com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, preferencialmente por meio de mensagem de texto ou mensagem eletrônica, a alteração ou extinção de Planos de Serviço, Ofertas Conjuntas e promoções aos Consumidores afetados, sem prejuízo das regras específicas aplicáveis ao STFC.

Segundo expendido na decisão impugnada, ‘em que pese a Anatel ter informado nos autos que o novo regramento foi editado para dar mais transparência e pro-teção aos consumidores, as operadoras de telefonia têm se valido justamente de tal norma para interromper o fornecimento do acesso ilimitado à internet móvel após o limite da franquia de dados contratada, mesmo em relação aos contratos anteriores à sua edição, ficando o consumidor compelido a contratar pacotes extras para restabelecer o acesso à rede’ (fl. 49).

Nesse contexto, entendeu o magistrado de piso que a alteração unilateral dos contratos de consumo já celebrados que previam acesso ilimitado à internet ‘vio-la, à primeira vista, os direitos fundamentais dos consumidores, lesando os prin-cípios da boa-fé objetiva, da confiança, da vinculação da oferta (art. 30 da Lei nº 8.078/1990), da informação e transparência dos termos do ajuste (arts. 6º a 31

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da Lei nº 8.078/1990)’ (fl. 49) e, mais, que ‘as informações divulgadas pelas ope-radoras e os termos dos contratos de telefonia adquirem especial relevância na hipótese em análise, pois garantiram e ofertaram internet ilimitada com franquia mensal, sendo apenas reduzida a velocidade após atingida tal franquia contra-tada – prática adotada por todas as empresas do mercado sem qualquer custo adicional, atraindo o interesse dos consumidores’ (fl. 50).

Na decisão, o Juízo a quo destaca, ainda, a Lei nº 12.965/2014 (marco civil da internet), ‘que garante aos consumidores o direito de não terem o serviço de in-ternet suspenso, salvo em caso de inadimplência, garantindo, ainda, o direito a que seja mantida a qualidade contratada e o fornecimento de informações claras e precisas nos contratos celebrados com a operadora’ (fl. 50).

De acordo com informações prestadas pela Anatel, na ação principal, ‘A questão objeto da lide é a insatisfação dos consumidores em relação à alteração do pla-no de prestação do serviço de internet, e não a edição do art. 52 da Resolução nº 632, de 2014, pela Anatel, norma reguladora e protetiva do setor de telecomu-nicações como um todo, em especial dos consumidores’ (fl. 56), ou seja, ‘da le-galidade da alteração unilateral dos contratos de telefonia pelas operadoras Rés, de forma a possibilitar o cancelamento do serviço de internet móvel quando o consumidor atinge a franquia contratada, com a consequente cobrança de valor adicional para restabelecimento do serviço’ (fl. 55).

Trazidas essas considerações, é preciso consignar que o serviço de internet na telefonia móvel tem relevo substancial à economia, às comunicações e às rela-ções interpessoais, sendo, portanto, atividade de utilidade pública e tudo que se relaciona à matéria guarda incontestável interesse público.

No entanto, examinando os autos, verifico que, embora a requerente traga como elemento principal o art. 52 da norma editada pela Anatel, para justificar o pedi-do de suspensão, na verdade, tudo indica que o objeto da ação principal refere-se à mera relação consumerista entre as concessionárias de telefonia móvel e seus usuários, como retratado pela citada agência regulatória, em suas informações. A resolução da Anatel, no caso, é mero coadjuvante, eis que utilizada como funda-mento para interrupção de contrato de prestação de serviço.

Registro, por oportuno, que, em relação à questão de fundo da ação principal, a decisão ora questionada já foi submetida à apreciação desta Corte em sede de agravo de instrumento. No caso da ora requerente, o recurso foi protocolizado sob o nº 0027422-57.2015.4.01.0000/MG, em que foi proferida decisão contrá-ria à pretensão da ora requerente, nos seguintes termos:

[...]

Com singeleza, verifica-se que, se houve ‘atingimento da franquia contra-tada’ exauriram-se os ‘créditos’ do usuário. Não haveria, portanto, ilicitude na cobrança, pela operadora, de ‘valor adicional’ pelo serviço (de internet) restabelecido.

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A questão, no entanto, não se limita ao conceito técnico de suspensão ou interrupção de serviços. A ré-agravante alega com veemência que jamais ofertou serviço gratuito de internet. Tudo não passou de uma promoção. No entanto, não há como se negar o impacto que uma promoção como essa cau-sa nas relações com o usuário. Em primeiro lugar, parece por todos admitida a dificuldade que o usuário enfrenta na medição do serviço em questão. Não seria desarrazoada, por exemplo, a dúvida do usuário sobre a partir de qual momento encerraram-se os créditos contratados e se passou à fruição do ser-viço gratuito. A confusão aumenta quando dito que o exaurimento dos crédi-tos não implica, tecnicamente, suspensão, mas redução de velocidade. Teria o usuário condições de discernir sobre o serviço que estava sendo prestado: o gratuito ou a internet com velocidade reduzida? Aqui, a perplexidade mais se revela, porquanto é do senso comum dizer que a velocidade contratada nun-ca é a efetivamente ofertada (a velocidade invariavelmente é, pois, reduzida). E mais: o serviço promocional, por tempo limitado não teria, ainda assim (ou talvez por isso mesmo), impedido ou dificultado ao usuário dimensionar suas necessidades e o custo desse serviço? Pode-se afirmar que na celebração do contrato ‘adicional’ o usuário foi suprido dessas informações, a ponto de se considerar ciente do que estava, afinal, contratando?

Neste exame preliminar, quer parecer que o consumidor (cuja hipossufi-ciência, no caso concreto, salta aos olhos) sofre dano, decorrente da falta de informação, seja à conta da operadora, seja à conta da Anatel. Isso basta à manutenção da tutela de urgência havida na decisão recorrida.

Indefiro, por isso, o pedido de efeito suspensivo.

[...]

Nesse contexto, não obstante os argumentos trazidos na petição inicial, a meu ver, não está caracterizado, nem logrou demonstrar a requerente, a potencialida-de lesiva aos bens tutelados pelo instrumento jurídico ora manejado, de modo a autorizar a concessão da medida excepcional de contracautela.

Com efeito, a alegada interferência indevida do Poder Judiciário nas atribuições da Administração Pública ou a violação ao princípio da separação dos poderes não restou configurada, e, do mesmo modo, não há elementos configuradores de lesão grave à economia pública, nem demonstração de impacto no equilíbrio econômico do contrato ou do prejuízo financeiro que a decisão representa à requerente.

Consigno que a lesão que justifica a suspensão requerida deve ser grave e cabal-mente demonstrada. Não impressionam os dados genéricos relativos ao incre-mento da tecnologia versus a necessidade de navegação mais veloz para aten-der às necessidades dos usuários de internet móvel, nem a conjectura de que a manutenção da execução da decisão propicia ao setor congestionamento na rede, gerando ‘a falsa percepção de que o serviço está sendo prestado de forma ineficiente’ (fl. 39).

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É público e notório que clamores quanto à baixa qualidade dos serviços de in-ternet, móvel ou fixa, preexistem à data da decisão impugnada, sendo certo que cabe à concessionária do serviço público se adaptar tecnologicamente ao incre-mento do volume de dados trafegados com a rede que suporta os serviços de banda larga móvel, de modo a atender satisfatoriamente ao serviço que se oferta aos seus clientes.

É preciso ter presente que as alegações de grave lesão à ordem, à saúde, à segu-rança e à economia públicas, devem vir acompanhados de suporte comprobató-rio e fático concreto e objetivo do impacto que a execução da decisão questiona-da representa às finanças e à administração pública, o que, no caso não ocorreu.

Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão.” (fls. 6.831/6.835)

Consoante as informações prestadas pela Anatel, “a questão objeto da lide é a insatisfação dos consumidores em relação à alteração do plano de pres-tação do serviço de internet, e não a edição do art. 52, da Resolução nº 632 de 2014, pela Anatel, norma reguladora e protetiva do setor de telecomunicações como um todo, em especial dos consumidores como seu próprio nome indica: Regulamento Geral de Direitos do Consumidor dos Serviços de Telecomunica-ções” (fls. 54/66).

Segundo as prescrições do art. 4º da Lei nº 8.437/1992, “o deferimento da ordem de suspensão tem como objetivo evitar a ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Não tendo o requerente demonstrado que a manutenção dos efeitos da decisão que se busca suspender põe em risco tais bens jurídicos, remanesce inviabilizado o pleito” (STJ, Corte Especial, AgRg-SLS 2067/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 18.12.2015).

Na hipótese dos autos, as alegações da agravante não são suficientes para infirmar ou ilidir as razões que fundamentaram a decisão de fls. 829/835, uma vez que a possibilidade de grave lesão à ordem pública não ficou devidamente configurada, na sua dimensão de ordem administrativa, ausente também o po-tencial lesivo à economia pública, bem como o efeito multiplicador.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental para manter a deci-são agravada pelos seus próprios fundamentos.

É o voto.

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Assunto Especial – Ementário

Agências Reguladoras – Regulação – Livre Mercado e Anatel – O Recente Caso das Franquias

8014 – Ação civil pública – serviço de internet – TV a cabo – condicionamento – irregularidade – Termo de Ajustamento de Conduta – Anatel – fiscalização – possibilidade

“Administrativo. Ação civil pública. Serviço de acesso à internet. Condicionamento à aquisição de serviço de TV a cabo. Venda casada. Ofensa ao Código de Defesa do Consumidor (art. 39, I). Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) homologado. Fiscalização pela Anatel. Possibilidade. Controle de legalidade do ato administrativo pelo Judiciário. Possibilidade. Recurso de apelação desprovido. I – A exigência de prévia aquisição de qualquer outro serviço ou facilidade para poste-rior contratação de serviço de internet de banda larga, afigura-se como prática abusiva, em ofensa ao estabelecido pelo art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor. II – Não há óbice em se impor à Anatel a fiscalização de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), do qual esta não participou como parte signatária, mormente quando instada a se manifestar a respeito, a agência assinala que não se opõe a assinatura do acordo. III – Em prestígio ao princípio da eficiência, é razoável exigir a fiscalização acima mencionada, quando as condutas a serem fiscalizadas estão em consonância com as atribuições constitucionais e legais da agência reguladora. IV – Compete ao Poder Judiciário o controle de legalidade do ato administrativo, não havendo que se falar em discricionariedade administrativa quando o ato analisado contraria a legislação em vigor. V – Recurso de apelação desprovido.” (TRF 2ª R. – AC 2006.51.03.000424-0 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 09.05.2013)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.078/1990:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.06.1994)

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”

8015 – Ação civil pública – serviços de telecomunicação – internet banda larga – cláusula res-tritiva de direito – Anatel – legitimidade

“Direito do consumidor e processual civil. Ação civil pública. Serviços de telecomunicações (‘in-ternet banda larga’). Cláusulas restritivas de direitos. Interesse de agir. Reconhecimento do pedido. Extinção do processo, com resolução do mérito. Legitimidade da Anatel. I – Versando a pretensão deduzida pelo Ministério Público Federal, como no caso, no sentido de que sejam anuladas cláu-sulas contratuais impeditivas da utilização do serviço de internet banda larga, para transmissão de voz e conexão ao serviço telefônico comutado, cumulado com a determinação da utilização, em contratos de adesão, de linguagem clara e de fácil acesso ao consumidor/usuário, o atendimento do pleito, após o ajuizamento da ação e regular citação dos promovidos, caracteriza o reconhecimento do pedido, a autorizar a extinção do processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, II, do CPC. II – Fundando-se a demanda em suposta omissão da Agência Nacional de Telecomu-nicações – Anatel, no tocante ao exercício de suas funções institucionais, deixando de proceder à regular fiscalização quanto à correta prestação dos serviços contratados, na defesa dos interesses do consumidor/usuário, afigura-se manifesta a sua legitimidade passiva ad causam, na espécie. III – Em se tratando de contratos de adesão, as suas cláusulas devem ser redigidas com a utilização de lin-

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guagem clara e de fácil compreensão dos consumidores/usuários, com especial destaque naquelas em que houve restrição de direitos, como no caso. IV – Apelações e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.” (TRF 1ª R. – AC 2005.43.00.001675-4/TO – 6ª T – Rel. Souza Prudente – DJe 17.11.2008 – p. 161)

8016 – Ação civil pública – transporte de dados em alta velocidade – banda larga – Anatel – le-gitimidade passiva – reconhecimento

“Direito constitucional e do consumidor. Ação civil pública. Serviço de transporte de dados em alta velocidade. Banda larga. Velox. Contratação de provedor adicional. Legitimidade passiva. Anatel. Competência da Justiça Federal. Agravo de Instrumento interposto pela Telemar Norte Leste S/A em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Cível de Vitória/ES, que declinou de sua competência em favor da Justiça Estadual, por reconhecer a ilegitimidade da Anatel para figurar no polo passivo da ação civil pública, na qual se discute a legalidade da prática perpetrada pela empresa de telefonia, ao exigir dos usuários do serviço de conexão à internet denominado Velox a contratação de provedor de acesso adicional. É cediço que o serviço de acesso à internet está associado a um serviço de telecomunicações, cuja exploração por particulares depende da con-cessão, permissão ou autorização por parte da Agência Nacional de Telecomuniçações – Anatel. Desse modo, tal entidade, na qualidade de órgão regulador e fiscalizador das atividades inerentes à prestação de serviços de telecomunicações de evidente interesse público, inclusive no tocante ao cumprimento dos contratos, à execução dos serviços e ao atendimento dos reclamos dos usuários, ostenta legitimidade ad causam e interesse no deslinde da ação coletiva supracitada, por força da Lei nº 9.472/1997, sublinhando-se o art. 19. Sob o ponto de vista jurídico, a exigência por parte das empresas de telefonia de contratação de provedor adicional para acesso à rede mundial de computadores baseia-se em disposições normativas do Ministério das Comunicações (Norma Geral de Telecomunicações nº 04/1995) e da Anatel (Regulamento dos Serviços de Telecomunicações), caracterizando o interesse dessa entidade autárquica e justificando sua manutenção na relação jurídica processual em comento. Agravo de Instrumento provido no sentido de manter a Agência Reguladora no polo passivo da referida ação, que deverá prosseguir perante o Juízo Federal de Vitória/ES.” (TRF 2ª R. – AI 2009.02.01.003035-8 – Rel. Juiz Fed. Conv. Ricardo Perlingeiro – DJe 31.01.2012)

8017 – Auto de infração – operação clandestina de serviço de comunicação multimídia – com-partilhamento de conexão de internet – visita técnica – advertência previa – ausência – aplicação de multa – anulação – cabimento

“Administrativo. Embargos à execução fiscal. Anatel. Multa. Descabimento. 1. O cerne da lide re-pousa na legitimidade do auto de infração lavrado pela Anatel por operação clandestina de serviço de comunicação multimídia. 2. Pela leitura dos documentos acostados, verifica-se o embargante compartilhava sua internet com equipamentos de baixa frequência com a finalidade de baratear o custo da mensalidade cobrada pela prestadora de serviços, ou seja, sem qualquer finalidade eco-nômica a caracterizar a exploração de serviços de telecomunicações. 3. O mero compartilhamento da conexão de internet com outros usuários não possibilita, por si só, a emissão, transmissão ou recepção de informações, não se enquadrando, portanto, no conceito de prestação de serviço de comunicação de multimídia. A Jurisprudência pátria já se manifestou neste sentido em reiterados julgados, inclusive, na seara criminal. 4. A preocupação dos provedores se direciona aos casos de relações comerciais estabelecidas por pessoas jurídicas não autorizadas, onde o compartilhamento de sinal gera verdadeira exploração comercial, desacompanhada da devida autorização do órgão técnico. 5. A autuação da Anatel, que em uma primeira visita técnica e sem qualquer advertência prévia, arbitrou a penalidade de multa no montante de R$ 25.871,95, deve ser anulada, eis que,

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além de desarrazoada e desproporcional, não se enquadra nas condutas delituosas imputadas ao autor. 6. Apelação improvida.” (TRF 2ª R. – AC 0014124-42.2011.4.02.5001 – 6ª T.Esp. – Relª Salete Maria Polita Maccalóz – DJe 26.01.2016 – p. 814)

8018 – Crime contra a segurança das telecomunicações – estação de internet via rádio – autori-zação legal – ausência

“Agravo regimental no recurso especial. Representação de busca e apreensão. Estação de internet via rádio. Ausência de autorização legal. Crime contra a segurança das telecomunicações. Art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Recurso ministerial provido. 1. A conduta supostamente típica, imputada ao ora agravante, consubstancia-se na exploração de serviços de comunicação multimídia (internet via rádio), sem a devida autorização e licenciamento da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. 2. O Juiz de primeiro grau indeferiu a representação de busca e apreensão proposta em desfavor do recorrente, nos autos do inquérito policial, por entender que a exploração de serviços de provedor de internet não configura serviço de telecomunicação. 3. Inconformado, o Ministério Público apelou, alegando que a conduta do investigado se enquadra, em princípio, no art. 183 da Lei nº 9.472/1997, independentemente de haver ou não comercialização do serviço ou de haver ou não incidência do ICMS, tendo a Corte de origem negado provimento ao recurso. 4. A decisão ora impugnada deve ser mantida por seus próprios fundamentos, pois, conforme entendimento da Ter-ceira Seção desta Corte, transmitir sinal de internet, via rádio, de forma clandestina, caracteriza, em princípio, o delito insculpido no art. 183, da Lei nº 9.472/1997. 5. Registre-se que as informações veiculadas no site da Anatel esclarecem que ‘o provimento de acesso à Internet via radiofrequência, na verdade compreende dois serviços: um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia), e um Serviço de Valor Adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Portanto, a ativida-de popularmente conhecida como “Internet via rádio” compreende também um serviço de teleco-municações’. 6. Assim, verifica-se que o agravante não trouxe tese jurídica nova capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, sendo certo que a sua conduta será melhor investigada nos autos do inquérito policial, após o cumprimento do mandado de busca e apreensão. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.349.103 – (2012/0220348-9) – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 02.09.2013 – p. 843)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 9.472/1997:

“Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.”

8019 – Internet móvel – atingimento de franquia – interrupção do serviço – contrato anterior à Resolução nº 632/2014 da Anatel – impossibilidade – dano moral – ocorrência

“Recurso inominado. Cessação do serviço de internet móvel. Inocorrência de nulidade da sentença por falha na fundamentação. Competência do Juizado Especial Cível para o julgamento da causa por não ser necessária perícia. Ilegitimidade passiva na Anatel, nos termos da Súmula nº 506 do C. Superior Tribunal de Justiça. Resolução nº 632/2014 da Anatel, que permite o bloqueio do serviço de internet após o consumidor atingir a franquia, não se aplica aos contratos anteriores à sua vi-gência, cuja oferta e execução dos serviços de acesso ilimitado à internet móvel asseguravam con-tinuidade da internet com velocidade reduzida mesmo após a utilização da franquia contratada-ré não provou que o contrato da autora é posterior à vigência da Resolução, que se tratava de mera

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oferta promocional e nem que a parte tinha ciência de que poderia ser suprimida a vantagem do seu plano. Danos morais. Interrupção de serviço considerado essencial basta para ensejar a ocorrência de danos morais. Valor da indenização. Redução diante das circunstâncias do caso, eis que a inde-nização deve atender ao binômio reparação/prevenção e não pode ensejar locupletamento indevi-do. Recurso provido em parte apenas para reduzir o valor da indenização.” (JESP – RIn 0005737-44.2015.8.26.0297 – 1ª T.Cív.Crim. – Rel. Arnaldo Luiz Zasso Valderrama – J. 04.03.2016)

Destaque editorial SínTeSeColacionamos o seguinte julgado no mesmo sentido:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – TELEFONIA E INTERNET – AÇÃO DECLARATÓRIA E COMI-NATÓRIA – Pretensão do autor de validade da citação realizada em loja física constante em shopping center. Inadmissibilidade. Citação postal de pessoa jurídica que deve ser enca-minhada à sede da empresa. Inaplicabilidade da teoria da aparência in casu. Interrupção do serviço de dados após exaurimento da franquia contratada. Sentença que obrigou a ré a fornecer o serviço de internet em ‘velocidade reduzida’ como contratado anteriormente. Im-possibilidade. Bloqueio do serviço autorizado pela Resolução nº 632/2014 da Anatel. Ação que deve ser julgada improcedente. Apelo da ré provido, improvido o recurso adesivo do autor. (TJSP – Ap 1006755-92.2015.8.26.0003 – São Paulo – 32ª CDPriv. – Rel. Ruy Coppola – DJe 20.04.2016)” (Disponível em online.sintese, sob o nº 161002851499. Acesso em 14 set. 2016)

8020 – Internet – provedor – preço – direito da concorrência – livre mercado – regulação – Re-solução nº 272/2001 – observância

“Direito da concorrência. Direito regulatório. Acesso. Internet. Preço. Provedor. Livre mercado. Livre concorrência. Regulação. Concorrência lícita e concorrência predatória. Função normativa do Executivo. Resolução nº 272/2001 da Anatel. Margem de manobra normativa. Vício de regularidade formal. Inocorrência. 1. O direito da concorrência requer uma forma de pensar diferente da forma tradicional, a qual se baseia na exegese de textos legais e no uso de métodos dogmáticos conven-cionais. Não se pode negar o poder libertador do livre mercado e da livre concorrência. Entretanto, uma sociedade pautada na liberdade não significa uma sociedade avessa à regulação. Logo, devem ser buscados critérios adequados para determinar, na prática, a separação entre a concorrência líci-ta, cujos prejuízos causados a terceiros baseiam-se em uma vantagem competitiva, e a concorrência predatória. Doutrina. 2. Dentro do direito regulatório, a função normativa conjuntural do executivo ‘é uma normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa às diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo legislativo. A prescrição de comportamentos para orientação de condutas por intermédio de previsões de situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e metas de desempenho, representam uma margem de manobra normativa em um mo-delo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol de atividades, gerando, com isso uma normatividade complexa’. 3. A ‘liberdade de ação’ – tão enfatizado pelo ilustre sentenciante e pela Brasil Telecom – dos agentes econômicos dos setores regulados é limitada pela regulação. Não se está diante de um agente econômico comum. Existe um regime regulatório a ser observa-do. Para o caso dos autos, a Resolução nº 272/2001 da Anatel é basilar para a solução correta do caso concreto. 4. Analisando a r. sentença recorrida e o recurso contra ela interposto, nota-se uma congruência e pertinência entre os temas tratados. As razões do recurso não estão divorciadas do fundamento perfilhado no r. decisum. Verifica-se, ao contrário, que o recorrente infirmou a deci-são recorrida. Diante desse quadro, afastou-se a preliminar de não conhecimento do recurso pelo alegado vício de regularidade formal. 5. Deu-se parcial provimento ao recurso de apelação para que as cláusulas atinentes ao valor do serviço cobrado sejam recalculados pela média da cobrança realizada em face de outros provedores.” (TJDFT – Proc. 20100111537782 – (546852) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 22.11.2011 – p. 63)

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Comentário editorial SínTeSeO acórdão em epígrafe trata de apelação cível assim ementada:

“DIREITO DA CONCORRÊNCIA – DIREITO REGULATÓRIO – ACESSO – INTERNET – PREÇO – PROVEDOR – LIVRE MERCADO – LIVRE CONCORRÊNCIA – REGULAÇÃO – CONCOR-RÊNCIA LÍCITA E CONCORRÊNCIA PREDATÓRIA – FUNÇÃO NORMATIVA DO EXECUTIVO – RESOLUÇÃO Nº 272/2001 DA ANATEL – MARGEM DE MANOBRA NORMATIVA – VÍCIO DE REGULARIDADE FORMAL – INOCORRÊNCIA.”

Discutiu-se o preço de um contrato de prestação de serviços firmado entre empresa de prove-dor de internet, e a Brasil Telecom, concessionária de serviço público de telefonia, prestadora de serviço de provedor de internet. Em apartada síntese, a Ação de Cobrança, foi interposta pela Brasil Telecom, ante ausência de pagamento de janeiro de 2007 a novembro de 2009.

Em sua defesa a Apelada, alegou que a cobrança dos valores foi baseada em contrato de adesão que fixou valor exorbitante em cláusula abusiva; que há ação de revisão de contrato em curso, e que a cobrança, seria injusta e ilegal.

Ao dar parcial provimento ao recurso, para que fossem recalculados os valores do contrato objeto da lide, assim manifestou-se o nobre Relator:

“[...] Não se pode negar o poder libertador do livre mercado e da livre concorrência. Entretanto, “Uma sociedade pautada na liberdade não significa uma sociedade avessa à regulação.”

Logo, devem ser buscados critérios adequados para determinar “...na prática, a separação entre a concorrência lícita, cujos prejuízos causados a terceiros baseiam-se em uma vantagem competitiva, e a concorrência predatória”.

Com o intuito de chegar ao ponto de equilíbrio, penso ser adequada a orientação dos princípios que regem a sistemática das infrações contra a ordem econômica, quais sejam:

“a) Princípio da liberdade de comércio: este é o princípio da liberdade à iniciativa, é essa liber-dade que vai sustentar o regime da concorrência. O princípio da liberdade de iniciativa é que dá sustentação a garantia de entrada e permanência no mercado. Apesar de existir a liberdade, a autoridade pública pode colocar limitações. A recusa da venda de bens ou da prestação de serviço é proibida, entretanto essa recusa não é absoluta, pois o fornecedor ou o prestador de serviços pode se negar a vender a quem não paga ou não quer pagar corretamente;

b) Princípio da liberdade contratual: a legislação antitruste e de proteção ao consumidor não veio para extinguir esse princípio, sua aplicação é para tentar manter um equilíbrio entre as partes, na hora da contratação;

c) Princípio da Igualdade: seu objetivo é garantir possibilidade de todos se manterem no mercado, independente de sua organização, obrigando que seus membros não impeçam e não eliminem seus concorrentes;

d) Princípio da não-discriminação: o significado da palavra discriminação aqui, corresponde ao ato de distinguir, pode ter, três conteúdos;

i) aplicar um tratamento desigual a pessoas que se encontrem numa situação comparável;

ii) aplicar a pessoas que se encontrem em situações diferentes um tratamento desigual que não é justificado por essa diferença;

iii) aplicar um tratamento igual a pessoas que não se encontrem em situações comparáveis.

e) Princípio da transparência do mercado: tem-se nesse princípio a lealdade como pressuposto básico, com isso torna-se obrigatória a publicidade. Os preços devem ser publicados, com a finalidade de impedir práticas abusivas, permitindo com isso que os consumidores e os con-correntes conheçam os preços;

f) Princípio da análise econômica: esse princípio está relacionado ao progresso econômico, e sua preocupação é de controlar as ofensas à concorrência” (destaquei).

Os princípios destacados já fornecem subsídios suficientes para solucionar o caso.

Entretanto, a liberdade de ação – tão enfatizado pelo ilustre sentenciante e pela Brasil Telecom – dos agentes econômicos dos setores regulados é limitada pela regulação. Não se está diante de um agente econômico comum. Existe um regime regulatório a ser observado.

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Para o caso dos autos, tenho que a Resolução nº 272/2001 da Anatel é basilar para a solução correta do caso concreto. Verbis:

“Art. 7º É assegurado aos Interessados o uso das redes de suporte do SCM para provimento de Serviços de Valor Adicionado (SVA), de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.

Parágrafo único. A Anatel deverá estabelecer regras que assegurem a utilização das redes de SCM para suporte ao provimento de SVA, dispondo também sobre o relacionamento entre provedores destes serviços e prestadoras do SCM, conforme previsto no § 2° do art. 61, da Lei nº 9.472, de 1997.

Art. 30. As prestadoras de SCM têm direito ao uso de redes ou de elementos de redes de outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, de forma não discriminató-ria e a preços justos e razoáveis.

Parágrafo único. As prestadoras de SCM devem possibilitar o uso de suas redes ou de elemen-tos dessas redes a outras prestadores de serviços de telecomunicações de Interesse coletivo, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.”

Descrito o parâmetro, convém dedicar algumas palavras sobre a espécie normativa adotada como fundamento.

Os professores Márcio Iório Aranha e Gustavo Kaercher Loureiro, em um material denominado de “Direito regulatório”, mencionam o poder normativo das agências reguladoras e fiscali-zadoras no Brasil e nos Estados Unidos – que os autores incluem no denominado processo descentralizador da Administração Pública:

“No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos (súmula, aresto, ato, portaria, consulta, resolução). Destes, somente a resolução tem propriamente caráter norma-tivo qualificado como um poder não-delegado e ‘temperado’ ou mesmo como uma espécie de alargamento do poder normativo do Executivo por intermédio de lei-quadro (loi-cadre) corres-pondente. Nos EUA, têm-se como exemplos da diversidade de atos produzidos no âmbito das agencies norte-americanas dotadas de poder normativo: rules, adjudicatory orders, licenses, policy statements, manuals, circulars, memoranda, advisory opinions, waivers, recommenda-tions, regulations” (p. 48, nota 186).

Sobre a função normativa conjuntural do Executivo, os professores mencionam:

“A função regulamentar representa a parte normativa da regulação que cabe ao Executivo, sem, todavia, esgotá-la, pois ela é uma normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa às diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo Legislativo. A prescrição de comportamentos para orientação de condutas por intermédio de previsões de situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e metas de desempenho, represen-tam uma margem de manobra normativa em um modelo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol de atividades, gerando, com isso uma normatividade complexa (p. 20).

Pelo escalonamento de regras citado pelo apelante, consegue-se, claramente, concluir pela obrigatoriedade de não discriminar bem como a imposição jurídica de estabelecer ‘condições justos e razoáveis’, haja vista que a Resolução Anatel nº 272/2001, inclui-se dentre a citada margem de manobra normativa.

Em conclusão, diante dos fatos delineados bem como o arcabouço principiológico e regulatório acima exposto, tenho como razoável estabelecer um tratamento contratual isonômico da Micro Training.

O parâmetro de isonomia a ser observado consiste no estabelecimento de um preço médio de todos os provedores que possuem a mesma quantidade de usuários. Devem ser também utilizados os mesmos critérios, seja ele escalonado pelas faixas da tabela de preços de acordo com a quantidade de clientes, seja linear, ou seja: de forma indiscriminada por usuário. [...]”

8021 – Mandado de segurança – provedor de acesso à internet – transmissão via rádio – autori-zação da Anatel – ausência – interrupção de serviços – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Serviço prestado pelos provedores de acesso à internet. Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações). Serviços de transmissão de rádio. Interrupção

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dos serviços por falta de autorização da Anatel. Possibilidade. 1. A Proposta de Regulamento para o Uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet, da Anatel, define, em seu art. 4º, como Provedor de Acesso a Serviços Internet – Pasi, ‘o conjunto de atividades que permite, dentre outras utilidades, a autenticação ou reconhecimento de um usuário para acesso a Serviços Internet’. Em seu art. 6º determina, ainda, que ‘o Provimento de Acesso a Serviços Inter-net não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor e seus clientes como usuários dos serviços de telecomunicações que lhe dá suporte’. 2. Nos termos do art. 61, § 1º, da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), os provedores de acesso à internet prestam serviços de valor adicionado, apenas liberando espaço virtual para comunicação. Quem presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de telecomunicações. 3. Na hipótese dos autos, o auto de infração contra o impetrante foi lavrado porque, embora provedor de acesso à internet, constatou-se que havia no estabelecimento infraestrutura de transmissão de dados, pois foram encontrados equipamentos como transceptor digital e antenas painel setorial, que operam na frequência de 2.400 GHz e 2.500 GHz, respectivamente. 4. A prática dos atos de fiscalização pela Anatel decorrem do poder de polícia inerente à Administração, com fulcro no art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/1997. Analisando os documentos apresentados pela fiscalização, restam evidenciadas as irregularidades praticadas pelo impetrante, ora apelado, que indicam que estava em funcionamento estação de telecomunicações pertencente à entidade, na condição de exploração do Serviço de Co-municação Multimídia (SCM), sem a devida outorga e conseqüente autorização de uso de radiofre-quência. 5. O impetrante não se limitou a prestar somente um Serviço de Valor Adicionado – SVA, mas, também, um serviço de telecomunicação, de acordo com o disposto no art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/1997, deveria ter prévia autorização da Agência, a teor do art. 131 da mesma lei. 6. Ape-lação e remessa oficial providas para que seja reformada a sentença de fls. 43/50, reconhecendo-se a legalidade do auto de infração nº 004PB2009008 (fl. 15) e respectivo termo de interrupção de ser-viço nº 0004PB20090008 (fls. 16/17), lavrados pela Anatel em desfavor do impetrante.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 2009.82.00.002094-2 – (7297/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 04.03.2011 – p. 86)

Destaque editorial SínTeSeColacionamos a seguinte ementa no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO – AUTO DE INFRAÇÃO – INTERRUPÇÃO DE FUNCIONAMENTO – PRO-VEDOR DE INTERNET – SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA – AUTORIZAÇÃO DA ANATEL – NECESSIDADE – Não se tratando de serviço de valor adicionado, é necessária a autorização de funcionamento pela Anatel de empresa provedora de internet que pres-ta serviço de comunicação multimídia, com utilização de radiofrequência. (TRF 4ª R. – AC 2008.72.00.008282-4/SC – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 07.12.2010 – p. 420”) (Disponível em online.síntese, sob o número 110000140046. Acesso em: 14 set. 2016)

8022 – Telecomunicação – exploração – VoIP – serviço de valor adicionado – descaracterização – concessão da Anatel – necessidade

“Apelação cível. Direito administrativo. Exploração do serviço de telecomunicações. VoIP. Con-cessão. Serviço de valor adicionado. Descaracterização. Arts. 60 e 61, da Lei nº 9.472/1997. Art. 21, XI e XII, a, da Constituição Federal. Improvimento. 1. Apelação cível contra sentença pro-ferida nos autos da ação ordinária pela qual se pleiteia a liberação de equipamentos, lacrados pela Anatel por força de termo de lacração em virtude da clandestinidade dos serviços prestados, bem como a condenação da ré a se abster de proceder qualquer tipo de intervenção, fiscalização ou sanção no tocante aos serviços de valor adicionado pela empresa prestados, além de sua conde-nação ao pagamento de eventuais perdas e danos causados em virtude do termo de lacração. 2. A

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autora é prestadora do serviço VoIP (Voice over Internet Protocol), o qual define como um serviço de transmissão de circuitos de dados pela Internet, executado mediante transformação dos sons que compõem a voz em dados eletrônicos digitais, sua compactação, transmissão pela rede mundial de computadores e sua decodificação no destino final, transformado-os, novamente, em sons de voz. Para tanto, se utiliza de redes de telecomunicações já existentes, adicionando a estas novas utilidades. 3. Restou demonstrado nos autos inexistir diferenças substanciais entre os serviços pres-tados pela autora e aqueles fornecidos pelas concessionárias de serviços de telecomunicações, não procedendo a alegação de que o VoIP se enquadra no conceito de Serviço de Valor Adicionado (SVA), disposto no art. 61, da Lei nº 9.472/1997. 4. As características do VoIP arroladas pela autora não têm o condão de descaracterizar o fato de que, em essência, o serviço se subsume ao conceito de Serviço de Telecomunicações, inscrito no art. 60, da Lei nº 9.472/1997, razão pela qual estaria sujeito ao regime de concessão, sob pena de violação ao art. 21, XI e XII, a, da Constituição Federal. 5. Apelação improvida. Sentença mantida.” (TRF 2ª R. – AC 2000.51.01.026122-7 – (555240) – 6ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama – e-DJF2R 27.11.2012)

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Parte Geral – Doutrina

O Caráter Dinâmico dos Regimentos Internos das Casas Legislativas

vICTOR AguIAR JARDIM De AMORIMMestre em Constituição e Sociedade pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Profes‑sor do Curso de Pós‑Graduação em Direito Legislativo do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), Professor de Graduação e Pós‑Graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Analista Legislativo do Senado Federal, Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A natureza dos regimentos internos; 1.1 Investigações em torno da natu‑reza das normas regimentais no paradigma do Estado Liberal: a “soberania” do Parlamento; 1.2 O advento do Estado Democrático de Direito: constitucionalização do direito parlamentar; 2 A dinâmica da atuação legislativa e os contornos da autonomia parlamentar: o papel do regimento e o binômio consenso/dissenso; Considerações finais; Referências.

INtrodução

O presente estudo tem por objetivo investigar as concepções (e as suas respectivas evoluções em paralelo às transformações nos paradigmas do Estado moderno) a respeito da natureza das normas regimentais, tema até então inex-plorado com a devida profundidade na academia brasileira.

Para tanto, pretende-se enfrentar a seguinte pergunta-problema: Em qual medida se apresenta a autonomia e independência do Poder Legislativo de au-tonormatização diante da acentuada constitucionalização do direito parlamen-tar no paradigma do Estado Democrático de Direito?

A formulação de resposta ao problema perpassa pelo levantamento da produção teórica a respeito da natureza das normas regimentais no paradigma do Estado Liberal, contexto no qual se advogava a existência de emblemática “soberania” do Parlamento, dada a experiência inglesa que influenciou o pen-samento jurídico europeu desde o século XVII.

Seguindo, será analisado o impacto nas conjecturas sobre a natureza do regimento interno diante do advento do Estado Democrático de Direito, em me-ados do século XX, que implicou em acentuada constitucionalização do direito parlamentar.

Por fim, verificar-se-á os contornos da independência do Poder Legisla-tivo em matéria de autonormatização para colmatar a disciplina constitucional referente ao procedimento e ao funcionamento interno em atenção à dinâmica e às vicissitudes do funcionamento parlamentar.

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Cumpre destacar a relevância do presente trabalho por destoar da ótica então observada nos estudos acadêmicos produzidos nas três últimas décadas que se propõem a analisar a natureza das normas regimentais, tendo como pressuposto a justificação da possibilidade de sindicabilidade jurisdicional da atividade parlamentar, notadamente as chamadas “questões internas”. Ou seja, mira-se o Legislativo, mas acerta-se o Judiciário. O enfoque desta pesquisa é o Parlamento, em especial a compatibilização da dinamicidade do funciona-mento parlamentar e a expansão constitucional em matéria de regulação das atribuições e dos limites dos Poderes.

1 A NAturezA doS regImeNtoS INterNoS

1.1 iNvEstigaçõEs Em tOrNO da NaturEza das NOrmas rEgimENtais NO paradigma dO EstadO LibEraL: a “sObEraNia” dO parLamENtO

Por desempenhar função de cunho essencial para a formação do Estado moderno, o Poder Legislativo sempre se ressentiu da necessidade de observân-cia de determinado procedimento para o desenvolvimento direto ou indireto de atividades legiferantes.

O fenômeno se torna ainda mais latente a partir dos eventos de indepen-dência do Parlamento, quando são estabelecidas as bases para a instituciona-lização da função legislativa, considerando-o como centro do poder político. O marco histórico de tal transformação é a “Revolução Gloriosa” ocorrida em 1689 na Inglaterra (Álvares, 1998, p. 45-48), quando o Legislativo evidencia--se como um poder praticamente soberano (De Lolme, 1992, p. 141; Garcia--Pelayo, 1991, p. 250-251).

Em tal contexto, extrai-se do art. 9º do Bill of Rights, de 13 de fevereiro de 1689, que “the freedom of speech and debates or proceedings in Parliament should not to be impeached or questioned in any court or place out of Parlia-ment”.

Por possuir status de verdadeiro poder soberano, convencionou-se que competiria ao próprio Parlamento estabelecer os contornos e eventuais limi-tes a respeito da autonomia parlamentar no que tange, principalmente, à li-berdade do uso da palavra, ao funcionamento interno, à disciplina dos proce-dimentos e às regras de debate. Instituía-se, conforme formulação de Edward Coke (1552-1634), a autonomia parlamentar nos mesmos moldes da autono-mia então conferida ao Poder Judiciário. Com esteio em tal premissa, William Blackstone (1723-1780), em sua obra Comentários sobre as leis de Inglaterra, assevera que “todo lo que se refiere a uma cámara del Parlamento debe ser

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examinado, discutido y juzgado en esa cámara y no em outro sitio” (Álvares, 1998, p. 48).

No curso do século XVIII, o direito continental europeu é extremamente influenciado sobre as bases da “autonomia parlamentar” inglesa. Na França, na oportunidade dos debates iniciais da Assembleia Nacional Constituinte no ano de 1789, trava-se a discussão a respeito da necessidade de ação de um regu-lamento para assegurar o bom andamento dos trabalhos legislativos, tendo em vista a experiência das tumultuadas e improdutivas sessões anteriores. Dessa forma, em 29 de julho de 1789 é aprovado o regimento definitivo da Assem-bleia Constituinte, estabelecendo-se regras essenciais de funcionamento, nota-damente os trâmites internos, a ordem dos debates e a concessão da palavra, em clara influência da prática parlamentar inglesa.

Cumpre salientar que a experiência decorrente da organização e do fun-cionamento da Assembleia Constituinte – que culminou na promulgação da Constituição francesa em 1791 – foi basilar para a consolidação da independên-cia do Poder Legislativo no “Novo Regime”, que, a partir da novel Carta Cons-titucional, converteu-se em depositário da soberania nacional, cujas decisões eram capazes de materializar a “vontade geral” da nação (Álvares, 1998, p. 49). Destarte, foi o Parlamento dotado de meios de defesa contra eventuais investi-das de outros Poderes, em especial o Judiciário, formado, em sua essência, por membros assaz privilegiados no Ancien Régime.

Nesse ponto, vale salientar o alerta de Giuseppe Floridia, no sentido de que a independência ostentada pelo Legislativo francês no pós-Constituição de 1791 não pode ser confundida com soberania, porquanto esse seria um atributo exclusivo do poder constituinte (Floridia, 1986, p. 41-44). De acordo com o jurista italiano, os primeiros textos constitucionais da França não se alinharam às teorias que propugnavam pela diferenciação e separação entre a “institui-ção” Parlamento e o ordenamento normativo geral, de modo que as normas parlamentares foram integradas ao último (Floridia, 1986, p. 46). Como efeito natural, observou-se a incorporação pelo próprio Texto Constitucional de nor-mas típicas de direito parlamentar, conforme se constata no art. 7º, Seção III, da Constituição de 17911.

1 “Article 7. – Seront néanmoins exécutés comme lois, sans être sujets à la sanction, les actes du Corps législatif concernant sa constitution en Assemblée délibérante; – Sa police intérieure, et celle qu’il pourra exercer dans l’enceinte extérieure qu’il aura déterminée; – La vérification des pouvoirs de ses membres présents; – Les injonctions aux membres absents; – La convocation des Assemblées primaires en retard; – L’exercice de la police constitutionnelle sur les administrateurs et sur les officiers municipaux; – Les ques-tions soit d’éligibilité, soit de validité des élections. – Ne sont pareillement sujets à la sanction, les actes relatifs à la responsabilité des ministres ni les décrets portant qu’il y a lieu à accusation.” (Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la--france/constitution-de-1791.5082.html>. Acesso em: 20 fev. 2015)

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É exatamente na ausência de distinção do “direito parlamentar” em rela-ção às normas gerais que desponta a diferenciação do processo de incorpora-ção da experiência inglesa por parte dos alemães em relação ao que se passou na França nos fins do século XVIII.

De acordo com Aranda Álvarez (1998, p. 53), se para a teoria consti-tucional francesa “el Parlamento era el centro del sistema de gobierno, para el Derecho alemán es um componente más del Estado Administración”. Com efeito, “la cuestión central que preocupará a la doctrina alemana será el ajuste de las normas parlamentarias com el Derecho objetivo del Estado” (Álvares, 1998, p. 53).

De fato, foi precursora a doutrina alemã no que tange à investigação a respeito da natureza dos regimentos internos, sendo pioneiro nesse intento Paul Laband (1838-1918), segundo o qual o regimento seria um “estatuto au-tônomo”, expressão de um direito estatutário similar ao produzido no âmbito das corporações, obrigando, assim, apenas os membros da respectiva Câmara (Marin, 2005, p. 58). Logo, “la separación entre la institución parlamentaria y el resto de la organización burocrática del Estado llega hasta el extremo de re-presentar a la corporación parlamentaria distinta de la persona jurídica estatal” (Álvares, 1998, p. 53).

A seu turno, inspirados na tradição inglesa, os juspublicistas alemães Rudolf von Gneist (1816-1895) e Julius Hatschek (1872-1926) propõem-se a assegurar a autonomia de ação do Parlamento, enaltecendo a autolegitimação do Poder Legislativo.

Ao discorrer a respeito da possibilidade de apreciação da regularidade na tramitação de lei por parte do Poder Judiciário, em conferência realizada no ano de 1863 na Cidade de Berlim (Gneist, 1863), Gneist valeu-se, pela primeira vez, da expressão interna corporis para referir-se à liberdade conferida ao Par-lamento para regulamentar e dispor não apenas do procedimento de trabalho legislativo, mas também dos assuntos que lhe são submetidos. No caso, Gneist, propondo-se a responder sobre a admissibilidade de controle externo dos atos do Legislativo que se negou a aprovar determinada proposta orçamentária, afir-mou que, em tese, tal controle seria possível, exceto se se tratar dos estágios de formação da lei no interior do Parlamento (Castillo, 2000, p. 65).

[L]a concepción tradicional de interna corporis se refiere, por um lado, a la li-bertad em la ordenación de los temas de discusión, al modo de dirigir esas dis-cusiones aí como al procedimento de deliberación; por outro, a la competencia exclusiva em la facultad de elaborar los “códigos” de procedimento, y lo que es más importante, la facultad de valorar discrecionalmente sobre el modo de aternerse a la disciplina parlamentaria e interpretar y modificar sus preceptos. Em definitiva, lo que se pretende es que la Cámara, em aquellas matérias que

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comiezan y concluyen em su interior, no este sometida a ningún control externo. Em última instancia, la concepción amplia de interna corporis es uma propuesta más em la idea clássica de garantizar la independência del Parlamento y los par-lamentários, em el ejercicio de sus funciones institucionales frente a los demás poderes públicos. (Álvares, 1998, p. 55)

Hatscheck (1973), em sua obra Das Parlamentsrecht Des Deutschen Reiches, editada em 1915, buscou evidenciar o caráter consuetudinário do direito parlamentar, derivado das práticas legislativas consagradas pelo uso contínuo e reiterado (longus usus). Por conseguinte, tratar-se-iam as normas regimentais de regras meramente convencionais, carentes, portanto, de força jurídica, de modo que a sua vigência derivaria tão somente de uma “facticidade empírica”.

Na França, na mesma linha de Hatscheck, Maurice Hauriou (1856-1929), que também se notabilizou por distinguir o Estado da sociedade, ressaltou a na-tureza consuetudinária dos regimentos das Casas Legislativas, que não passam de simples acordos e práticas parlamentares, “cuyo cumplimento por parte de los integrantes de las Cámaras se reserva a estas últimas a través de sus proprios instrumentos, sin que puedan intervir al respecto los jueces, los cuales no serían competentes para conocer de ellos” (Marin, 2005, p. 57).

Léon Duguit (1923, p. 430), na obra Manuel de Droit Constitutionnel, cuja primeira edição circulou em 1921, define o regimento como um conjunto de disposições que determinam, sistemicamente, a ordem e o método de traba-lho de cada Casa Legislativa, tratando-se, a seu ver, de uma espécie de “direito interno”. Quanto à tendência de incorporação de normas específicas de direito parlamentar nos Textos Constitucionais observada nos primórdios do “Novo Regime” francês (vide art. 7º, Seção III, da Constituição de 1791), pontua Duguit que: “Par la force des choses, les règlements des assemblée politiques contien-nent souvent des dispositions très importantes, qui pourraient très justement trouver leur place dans la loi constitutionnelle” (1923, p. 430).

Para o jurista francês, os regulamentos das Casas Legislativas não são leis, mas, simplesmente, resoluções, ou seja, disposições normatizadas por uma única Câmara. Cada regulamento é aplicado apenas no âmbito da Casa que o aprovou, tornando-se obrigatório a partir do momento em que é votado, sem a necessidade de promulgação ou mesmo publicação (Duguit, 1923, p. 431). O fato de não ser o regimento uma lei, resulta na impossibilidade de conter dispo-sições que lhe são contrárias, não apenas em relação à lei constitucional, mas também quanto a qualquer lei ordinária.

Ainda no âmbito da doutrina francesa de valorização da autonomia do Poder Legislativo, Joseph Barthelemy e Paul Duez, no Traité de Droit Consti-

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tutionnel, de 1933, destacam que, a despeito de seu caráter consuetudinário, por resultarem de um acordo de vontade entre os parlamentares, os regimentos obrigam juridicamente toda a Câmara, “sobrevivendo” a distintas legislaturas (Marin, 2005, p. 59).

De se notar que os juspublicistas alemães e franceses, até o início do sé-culo XX, admitiam a autolegitimação dos Parlamentos, tendo por pressuposto a separação entre o Estado e a sociedade, de modo que seria a Câmara um órgão da sociedade e os parlamentares, membros livres e iguais de uma associação. Com efeito, “com su constitución se estipula um ‘pacto’ que garantice su buen funcionamiento, de tal manera que tal pacoto solo vale para aquellos que ló han estipulado y no para Asambleas venideras” (Álvares, 1998, p. 66).

Objetivando romper com tal entendimento, Georg Jellinek (1851-1911), em sua obra System der subjektiven öffentlichen Rechte, de 1892, assevera que o Parlamento constitui-se como um órgão do Estado, de forma que o direito par-lamentar possui natureza estatal, cuja inobservância ou descumprimento não representaria uma violação de um direito subjetivo, mas uma lesão ao ordena-mento objetivo do Estado (Álvares, 1998, p. 66).

Com esteio em tais pressupostos, Jellinek afirma que os regimentos in-ternos são integrados por normas de naturezas distintas. Aquelas destinadas a disciplinar o procedimento de votação, a participação nas sessões, as interpela-ções de autoridades e as eleições para a direção da Câmara possuem natureza jurídica, integrando, dessa forma, a organização estatal. A seu turno, as deter-minações a respeito das moções, a sucessão dos oradores e a forma de votações têm caráter de regulamentos administrativos e, assim, não ostentam o status de norma jurídica (Marin, 2005, p. 76/77).

A seu turno, os espanhóis Luis Sánchez Agesta (1987-1988, p. 345) e Leon Matinez Elipe (1987, p. 1573-1632) consideram que o regimento interno não é apenas “lei interna”, mas sim “lei material”, porquanto a sua abrangência e aplicabilidade extrapolam os limites da respectiva Casa Legislativa, afetando terceiros e as relações interinstitucionais entre Poderes e demais autoridades.

1.2 O advENtO dO EstadO dEmOcráticO dE dirEitO: cONstituciONaLizaçãO dO dirEitO parLamENtar

O fim da Segunda Guerra Mundial e o advento do Estado Democrático de Direito no continente europeu, caracterizado pela valorização e pelo reco-nhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico (“Estado Constitucional”), parece por termo à corrente de pensamento, gestada sob o pálio do Estado Liberal, tendente a sustentar uma “técnica de liberdade

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do Parlamento”, atribuindo-lhe ares de soberania para fazer frente aos demais Poderes (Álvares, 1998, p. 57).

Assim, o Estado Democrático de Direito, nos dizeres de Gustavo Zagrebelsky (1992, p. 48-49), “destrona” a lei como a mais alta instância do or-denamento jurídico, que deixa de ser a medida exclusiva de todas as coisas no campo do Direito, papel esse que a passa a ser assumido pela Constituição, que converte a própria lei em objeto de medição. Logo, é a Constituição que passa a desempenhar a função de manter a união e a paz da sociedade, retirando tal missão da lei e, consequentemente, desmistificando o papel do Parlamento.

La supremacia de la Constitución y su ubicación central em la validez de todo el ordenamiento jurídico obliga a que la interpretación de sus normas – también las parlamentarias – se deban hacer de acuerdo com dichos princípios y reglas. La soberania del Parlamento decae em favor de su consideración como órgano constitucional – Poder constituído – sometido al Derecho estatal. Por ello, tanto su función como su estructura y relación con el resto de órganos constitucionales se há de hacer desde la posición que a cada uno les há atribuído la Constitución, sin que ello suponga, a nuestro entender, restar presunción de legitimidad consti-tucional al Parlamento y sus decisiones. (Álvares, 1998, p. 58-59)

Trata-se do “Estado Constitucional”, qualificação identificada pelo constitucionalismo moderno, consoante concepção de José Joaquim Gomes Canotilho (2008, p. 93), in verbis:

O Estado Constitucional, para ser um estado com as qualidades identificadas pelo constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de Direito Democrático. Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado Constitucional: Estado de Direito e Estado Democrático. Estas duas qualidades surgem muitas vezes separadas. Fala-se e, Estado de Direito, omitindo-se a dimensão democrática, e alude-se a Estado Democrático silenciando a dimensão de Estado de Direito. Esta dissocia-ção corresponde, por vezes, à realidade das coisas: existem formas de domínio político onde este domínio não está domesticado em termos de Estado de Direito e existem Estados de Direito sem qualquer legitimação em termos democráticos. O Estado Constitucional Democrático de Direito procura estabelecer uma cone-xão interna entre democracia e Estado de Direito. [destaque no original]

Tal transformação influencia diretamente as teorias sobre os limites da independência do Poder Legislativo (agora, mais do nunca, limitado por uma Constituição) e, consequentemente, a natureza dos regimentos internos.

Na concepção de Jordi Capo Giol (1983, p. 14), o Parlamento perde seu status de soberano, porquanto as suas competências não estão à disposição de um direito próprio (corporativo), na medida em que quem as outorga é a pró-pria Constituição. Ademais, fica evidente que os poderes do Estado não funda-mentam a sua legitimidade a partir de uma concessão parlamentar, sendo que,

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também, o Poder Legislativo não se autolegitima, atuando simplesmente por de-legação dos cidadãos a quem, de fato e em última instância, pertence o poder.

É com esteio em tal compreensão que a doutrina italiana sobre o tema se desenvolve a partir da década de 1950. Alfonso Tesauro (1959, p. 193-206) consigna que os regimentos não constituem normas interna corporis pelo fato de que as Câmaras, assim como quaisquer outros órgãos estatais, estão destina-das a realizar fins do Estado e, assim, exercer os poderes jurídicos por meio do desenvolvimento das funções de legislação e execução. Com efeito, os regimen-tos estão destinados a realizar a função de integração da Constituição para dis-por sobre a organização e as atividades do Poder Legislativo. Em igual sentido, Vezio Crisafulli (1960, p. 775-810) pontua que os regimentos são dotados de juridicidade por serem produto da atividade normativa de um poder do Estado cujas funções encontram-se expressamente previstas no Texto Constitucional.

Diante da emergência do “Estado Constitucional”, parece restar superada a ideia do regimento como fonte primária do direito parlamentar, porquanto o eixo e o centro do ordenamento jurídico passam a ser ocupados, em caráter indubitável e absoluto, pela Constituição.

Destarte, dois aspectos de extrema importância reorientam as teorias a respeito da natureza dos regimentos, em especial àquelas orientadas pelos pri-mados do Estado Liberal e a tradição do parlamentarismo inglês: a) as normas de direito parlamentar ostentam juridicidade, porquanto emanadas de um órgão pertencente ao Estado; b) a “constitucionalização” do direito parlamentar.

Pero se tiene que destacar que la constitucionalizacíon del Derecho parlamen-tario no se ha limitado a las relacionaes interinstitucionales sino que, en muchos sentidos, ha sido la propia Constitución la que se ha preocupado de los aspectos más estrictamente parlamentarios, como la composición, funcionamiento y orga-nización interna de las Cámaras.

[...]

Esta dirección, que amplía el campo de constitucionalización del marco parla-mentário, se ha acentuado posteriormente en el constitucionalismo más reciente. (Martinez Elipe, 1985, p. 413-430)

Diante de tal quadro e no afã de garantir a independência do Poder Le-gislativo no contexto da “nova” configuração institucional do “Estado Consti-tucional”, ganha relevo os empreendimentos teóricos no sentido de reputar o regimento interno como conjunto de normas de diversas naturezas jurídicas.

Nesse intento, Temistocle Martines assevera ser impossível reduzir a um fundamento jurídico único a variedade existente de normas regimentais. Para tanto, propõe uma classificação de tais normas em três grandes grupos: a) nor-

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mas de direta referência em disposição constitucional (fundamento constitucio-nal); b) normas que regulam relações entre as Câmaras e os seus membros (po-der de supremacia especial); c) normas que estabelecem a organização interna da Câmara (típico poder de regulamentação interna conferido a todo e qualquer órgão estatal). Contudo, somente a algumas delas se poderá atribuir caráter de normas jurídicas, tais como as normas de execução das disposições constitu-cionais e, entre as normas de supremacia especial, somente às concernentes ao poder disciplinar. Outrossim, careceriam de juridicidade as normas de polícia interna e de organização intestina do Parlamento (Silvio, 1968, p. 26-29).

Em sentido similar, Marino Bon Valsassina alerta que não existe uma única categoria de normas nos regimentos parlamentares, havendo, a seu ver, duas espécies, cada qual com um fundamento e uma natureza jurídica distinta. A partir de tal afirmação, o jurista italiano assinala que existem nos regimentos: a) normas internas: são aquelas que não pertencem ao ordenamento jurídico geral do Estado, e sim ao “ordenamento particular” da instituição legislativa, pelas quais a Câmara se autogoverna e, em virtude de uma relação de supre-macia especial, regulamenta a conduta de seus membros e daqueles que, por questões circunstanciais, com ela se relaciona; b) normas externas: são aquelas que incidem sobre a esfera jurídica de terceiros, caracterizadas por ser uma manifestação imediata de autonomia do Poder Legislativo, mas subordinada à Constituição (Marin, 2005, p. 78-79).

A partir do “paradigma” inaugurado com o “Estado Constitucional”, parte considerável dos juristas que se debruçaram sobre o assunto passam a defender a plena integração das normas regimentais ao ordenamento jurídico e, enquan-to regras de direito positivo dotadas de previsão constitucional, a sua obrigatória observância (Canotilho, 2008, p. 922-923; Barbosa, 2010, p. 173-192; Bernar-des Júnior, 2009, p. 110-111) por todos os seus destinatários, não apenas os internos (os parlamentares), mas todo e qualquer cidadão ou autoridade.

A natureza dos regimentos das assembleias políticas está longe de ser pacífica. Seja ela qual for, se as próprias assembleias podem modificar as normas regimen-tais quando lhes aprouver, não poderão dispensar-se de as cumprir enquanto estiverem em vigor. Quando o Parlamento vota uma lei, ou uma resolução, o objecto da deliberação é o projecto ou a proposta e não o regimento; essa deli-beração tem de se fazer nos termos que este prescreve e não pode revestir o sen-tido de modificação tácita ou implícita das suas regras. O princípio que aqui se projecta para além do princípio hierárquico é sempre o de que o órgão que pode modificar a lei sob que vive deve, pelo menos, fazê-lo específica e directamente. Doutro modo, frustrar-se-ia a missão ordenadora do Direito e comprometer-se-ia a própria idéia de institucionalização jurídica do poder. (Miranda, 2003, p. 486)

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Partindo da análise de Jorge Miranda, constata-se que a atribuição de ju-ridicidade e cogência incondicional e ampla ao regimento interno é calcada no pressuposto da institucionalização jurídica do poder e, consequentemente, na onipotência do Judiciário para apreciar, inclusive, as “circunstâncias políticas” – na expressão de Jeremy Waldron (2004, p. 102-103) –, posto que, em última instância, a “constitucionalização” total do Estado fundamentaria a legitimidade da apreciação jurisdicional.

2 A dINâmIcA dA AtuAção legISlAtIVA e oS coNtorNoS dA AutoNomIA PArlAmeNtAr: o PAPel do regImeNto e o BINômIo coNSeNSo/dISSeNSo

Diante da expansão da regulamentação pelo próprio Texto Constitucio-nal dos aspectos-procedimentos e da rotina de funcionamento dos Poderes, é mister buscar empreender uma análise quanto à tensão entre uma disciplina constitucional mais verticalizada a respeito da matéria legislativa e a dinamici-dade política inerente à lógica da engrenagem parlamentar.

Trata-se, portanto, de tentativa de estabelecimento ou conformação das balizas atinentes à autonomia parlamentar no contexto do atual paradigma do Estado Democrático de Direito, no qual está implícita a superação do ideal liberal de “soberania” de desígnios do Parlamento.

Na concepção do Jurista italiano Andrea Manzella, a Constituição esta-belece em seu conteúdo um quadro de atribuições e princípios procedimentais de natureza elementar, conferindo, assim, um espaço ao poder autonormativo do Poder Legislativo de colmatar a disciplina referente ao procedimento e fun-cionamento interno em atenção à dinâmica e às vicissitudes do funcionamento parlamentar (Marin, 2005, p. 44).

Leon Matinez Elipe (1987, p. 1573-1632) sustenta que a crescente rigidez oriunda da regulação constitucional do direito parlamentar poderá ser resolvida a partir da própria “espontaneidade e dinamicidade” do Parlamento, porquanto a “dinamicidad del ordenamiento jurídico parlamentario que mitigará las rigi-deces derivadas de los textos escritos, acomodando sus normas a la realidad social del momento e, incluso, si fuera preciso, modificándolos o dejándolos obsoletos” (Marin, 2005, p. 46).

O entendimento a respeito da rigidez constitucional em torno do direito parlamentar supostamente calcado na supremacia da Constituição conduz, de fato, à acentuada limitação do Poder Legislativo a respeito da autonomia para disciplinar internamente sobre as minúcias do procedimento de formação das leis, levando em conta os aspectos da dinamicidade inerente aos processos po-líticos.

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Considerando a atual quadra de desenvolvimento do constitucionalismo contemporâneo em países que adotam Textos Constitucionais prolixos e ana-líticos – o que já implica em acentuada “constitucionalização do direito par-lamentar” –, admitir a ampliação da materialidade constitucional das normas regimental é relegar a suposta autonomia do Parlamento ao campo da história.

É exatamente nesse ponto que reside a crítica à postura de conferir le-gitimidade ao Poder Judiciário para atribuir a “materialidade constitucional” a determinadas normas regimentais. De se notar que, nesse contexto, existe uma superposição de Poderes, e não uma relação harmônica ou de check and balances, afinal, ainda que haja consenso (o que envolve a minoria), a manifes-tação política estaria sendo substituída pela apreciação jurídica de um pequeno número de juízes.

Destaca-se, por oportuno, as palavras de Dieter Grimm (2006, p. 19-20), in verbis:

Disso sofre a separação entre direito e política, pois a aplicação do direito torna--se forçosamente o seu próprio criador de normas. A tarefa política da decisão programadora passa para as instâncias que devem tomar decisões programadas e que somente para tanto estão legitimadas a aparelhadas. Isso não tinge apenas a vinculação legal da administração. Onde faltam critérios legais que determinem a conduta dos destinatários da norma de forma suficiente, a jurisdição também não pode fiscalizar se os destinatários se comportaram legalmente ou não. Po-rém, se ela aceitar sua missão de fiscalização, ela não vai mais utilizar critérios preestabelecidos, mas impor suas próprias noções de exatidão. Dessa maneira, ela se transforma, em escala intensificada, em poder político que, ele mesmo, assume funções de legislação. Então, a decisão política migra para onde ela não tem que ser responsabilizada politicamente, enquanto que à responsabilidade política não corresponde mais nenhuma possibilidade decisória. Nesse ponto, no nível da aplicação do direito paira a ameaça de uma nova mistura das esferas funcionais de direito e política, para a qual ainda não são visíveis soluções con-vincentes nos dias de hoje. [grifou-se]

Em consequência, se observa a plena juridicialização do processo legis-lativo, retirando do Parlamento, sob a alegação de estabelecimento da seguran-ça jurídica e da criação de instrumentos de defesa da minoria, a possibilidade de disciplinar, em última instância, os espaços deliberativos de colmatação do procedimento legiferante conferido pela própria Constituição.

Conforme formulação do Jurista brasileiro Francisco Campos (1956, p. 106-107/112-113/115), ainda que sob a égide de Constituições rígidas, a au-tonomia parlamentar se sustenta em “atos de legislação” e “atos de jurisdição” do Parlamento a respeito da extensão de seus próprios privilégios e da incidên-cia dos limites constitucionais à função legislativa.

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[A] fonte quase exclusiva do Direito parlamentar são os regulamentos internos das assembleias. Por estes regulamentos as casas do Parlamento desenvolvem, interpretam e constroem as regras constitucionais relativas ao seu funciona-mento, assim como exercem a função, sobre todas soberana, de criar o direito próprio ao campo especial da sua atividade, como é o caso, por exemplo, do Direito Penal disciplinar, complexo de relações, de sanções e de restrições que a Câmara, por sua própria autoridade, institui como legislador e aplica como juiz. Os atos de que se compõe a atividade parlamentar são, portanto, a um só tempo, atos de legislação e atos de jurisdição. A autonomia parlamentar envolve para o Congresso a faculdade de compor-se ou constituir-se, de regular o seu funcionamento e de estabelecer e definir os seus privilégios, dentro dos amplos limites que a Constituição prescreve à sua atividade criadora na esfera dos negócios da sua economia.

[...]

A Câmara é o soberano juiz da conveniência e da utilidade das regras que ela julga indispensáveis à regularidade do seu funcionamento, instituindo, a um só tempo, pelo exercício do poder regulamentar, a sua disciplina e pela sua com-petência jurisdicional decidindo, de maneira irrecorrível, como uma corte de justiça, os casos que emergem sob o império do regulamento por ela própria votado e promulgado.

[...]

Todas as questões relativas à economia interna das assembleias políticas, parti-cularmente aquelas que entendem direta e indiretamente com a sua autonomia, parecem, por sua própria natureza, reservadas à sua exclusiva competência; nem de outra maneira se poderia conceber a independência do Congresso, particu-larmente se, em face dele e concorrendo com a sua competência, se instituísse, sobre a mesma matéria, uma jurisdição estranha, a que ficasse subordinada a sua autoridade. [grifou-se]

Em sentido similar, o Jurista madrileno Óscar Alzaga Villaamil reputa que o Poder Legislativo, em razão de suas conquistas históricas e de seu fundamen-tal papel no ideal de pluralismo político, goza de uma espécie de “resíduo de soberania” nas democracias modernas ocidentais, de modo que a sua prerro-gativa de autonormatividade surge como mecanismo de limitação de eventuais ingerências do Poder Executivo (Marin, p. 87-88).

De fato, a dinamicidade inerente ao funcionamento do Parlamento deve ser compatibilizada com o paradigma do Estado Democrático de Direito, evi-tando-se a rigidez dos regimentos internos “constitucionalizados”, no sentido de dificultar – por não dizer inviabilizar – as adequações pontuais e oportunas à conjuntura política que venham, inclusive, a implicar alteração ou afastamento circunstancial de determinada norma regimental.

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La constitucionalización de contenidos típicos del Derecho parlamentario res-ponde a cierta desconfianza del constituyente sobre las futuras fuerzas políticas parlamentarias, tratando, en consecuencia, de salir al paso de su constante mo-dificación. Tales disposiciones parlamentarias constitucionalizadas quedan so-metidas a los procedimientes de reformas constitucional. No obstante, a pesar de esta rigidez, será en estas parcelas, precisamente, dondo se producirá, por obra del ordenamiento jurídico parlamentario o lo que es lo mismo, por la voluntad de las fuerzas políticas parlamentarias, la “suspensión de eficacia temporal de los preceptos constitucionales” o la “modificación tácita de la Constitución”. La regidez constitucional no puede extenderse a excesivos pormenores ahogando o debilitando la “autonormatividade” de las Cámaras que, no obstante los límites constitucionales, harán valer la dinamicidad, flexibilidad y espontaneidad del Derecho parlamentario. (Martinez Elipe, 1985, p. 413-430) [grifou-se]

Há que se conferir a devida apreciação e qualificação à suposta “inobser-vância” pontual das normas regimentais, porquanto a condução procedimental propriamente dita está submetida aos mesmos pressupostos da materialidade da função legiferante: respeito aos limites estabelecidos na Constituição e à deci-são majoritária como critério democrático por excelência. Não é dado atribuir à alteração circunstancial do regimento interno os mesmos efeitos de violação à Constituição e, também, ignorar a diferença entre uma minoria “vencida” e uma minoria “sufocada”.

A inobservância ou o afastamento pontual de uma regra regimental (que não seja reprodução do Texto Constitucional), a partir de um consenso formado no seio da Casa Legislativa tendente a viabilizar a tramitação de determinado projeto de lei, não enseja, necessariamente, um desrespeito à Constituição.

Como exemplo que materializa tal hipótese – e, ainda, atende aos re-clamos de “normatização” para garantia de “segurança jurídica” –, tem-se a previsão contida no art. 412, III, do Regimento Interno do Senado Federal. Tal dispositivo, cuja redação foi estabelecida pela Resolução nº 35/20062, estabele-ce a possibilidade de prevalência de acordo de líderes sobre norma regimental, desde que aprovado, mediante voto nominal, pela unanimidade dos Senadores

2 Decorrente da aprovação do Projeto de Resolução nº 27/2006. Do parecer lavrado pelo Senador Edison Lobão, aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em 31.05.2006, destaca-se o seguinte trecho: “Devemos ressaltar que tentativas de reformar o regimento das Casas legislativas têm dificuldade de prosperar em sua tramitação pela simples razão de não atender aos interesses dos parlamentares: ora das correntes partidárias majoritárias, ora das minoritárias. De fato, somente quando há sobeja demonstração de que determinadas normas regimentais desagradam às diversas correntes políticas da Casa emergem as condições determinantes para modificar o regimento interno. Essas modificações sempre se justificam pela necessidade de remover os entraves ao bom andamento dos trabalhos legislativos, observando-se, no entanto, as garantias constitucionais das minorias parlamentares. Nesse sentido, o projeto de resolução em exame resultou de percucientes debates na Comissão Especial, criada com a finalidade de estudar a reforma do nosso Regimento Interno, e que optou por propor modificação apenas das normas regimentais em relação às quais os membros da Comissão entenderam haver elevado consenso na Casa” (Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=24674&tp=1>) (grifou-se).

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presentes na sessão, resguardado o quórum mínimo de três quintos dos votos dos membros da Casa.

Art. 412. A legitimidade na elaboração de norma legal é assegurada pela ob-servância rigorosa das disposições regimentais, mediante os seguintes princípios básicos:

[...]

III – impossibilidade de prevalência sobre norma regimental de acordo de lide-ranças ou decisão de Plenário, exceto quando tomada por unanimidade median-te voto nominal, resguardado o quorum mínimo de três quintos dos votos dos membros da Casa.

De se destacar que o regimento interno do Senado Federal estabelece, normativamente, a possibilidade de afastamento circunstancial de norma regi-mental, positivando, assim, o papel do consenso e a própria dinamicidade do funcionamento do Parlamento.

Note-se que a aplicação do inciso III do art. 412 exige o consenso, por-quanto o eventual requerimento para afastamento de norma regimental deverá ser aprovado pela unanimidade dos parlamentares presentes na sessão, desde que presente, no mínimo, três quintos dos membros da Casa.

Foi o que se deu, por exemplo, na oportunidade de tramitação da Pro-posta de Emenda nº 12-A/2006 no Senado Federal, quando, após a aprovação do Requerimento nº 1.600/2009, foi afastada a previsão do art. 362 do RISF que estabelecia a necessidade de um interstício mínimo de cinco dias entre cada turno de votação. Diante da aplicação do art. 412, III, do Regimento, a votação do projeto em dois diferentes turnos efetivou-se por meio de duas sessões reali-zadas no mesmo dia 2 de dezembro de 2009.

À guisa de conclusão, vale lançar mão de instigante observação feita pelo Deputado na Constituinte de 1987-1988 e ex-Ministro do Supremo Tribunal Fe-deral, o Jurista Nelson Azevedo Jobim: “Só existe Regimento Interno onde não existe consenso” (informação verbal)3. Logo, considerando o regimento como “ordenamento interno” e dinâmico por excelência, diante de eventual consenso no sentido de se afastar um regra regimental, não haveria propriamente ofensa à Constituição, mas um adequado exercício da autonomia parlamentar condu-zido por fatores políticos que lhe são inerentes.

3 Segundo o Professor Dr. Sérgio Antônio Ferreira Victor, durante aula ministrada no curso de pós-graduação strictu senso no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) no mês de outubro de 2014.

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coNSIderAçõeS FINAIS

A investigação a respeito da natureza das normas regimentais remonta ao século XVIII, quando, na Inglaterra, se advogava a existência de emblemática “soberania” do Parlamento. A experiência inglesa e o mito criado em torno da “Revolução Gloriosa” influenciaram o pensamento jurídico europeu, no-tadamente a França e a Alemanha, que imputava ao direito parlamentar uma natureza de “direito interno” à plena disposição do Poder Legislativo e com ca-racterísticas de prática costumeira e infensa a qualquer tipo de controle externo.

O fim da Segunda Guerra Mundial e o advento do Estado Democrático de Direito no continente europeu, caracterizado pela valorização e pelo reco-nhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico (“Estado Constitucional”), parece por termo à corrente de pensamento, gestada sob o pálio do Estado Liberal, tendente a sustentar uma “técnica de liberdade do Parlamento”, atribuindo-lhe ares de soberania para fazer frente aos demais Poderes.

Tal transformação influencia diretamente as teorias sobre os limites da independência do Poder Legislativo (agora, mais do nunca, limitado por uma Constituição) e, consequentemente, a natureza dos regimentos internos.

Diante da emergência do “Estado Constitucional”, parece restar superada a ideia do regimento como fonte primária do direito parlamentar, porquanto o eixo e o centro do ordenamento jurídico passam a ser ocupados, em caráter indubitável e absoluto, pela Constituição.

Dois aspectos de extrema importância reorientam as teorias a respeito da natureza dos regimentos, em especial àquelas orientadas pelos primados do Estado Liberal e a tradição do parlamentarismo inglês: a) as normas de direito parlamentar ostentam juridicidade, porquanto emanadas de um órgão perten-cente ao Estado; b) a “constitucionalização” do direito parlamentar.

A partir do “paradigma” inaugurado com o “Estado Constitucional”, parte considerável dos juristas que se debruçaram sobre o assunto passam a defender a plena integração das normas regimentais ao ordenamento jurídico e, enquan-to regras de direito positivo dotadas de previsão constitucional, a sua obrigatória observância por toda a sociedade e pelo próprio Parlamento.

Assim, diante da expansão da regulamentação pelo próprio Texto Cons-titucional dos aspectos procedimentos e da rotina de funcionamento dos Pode-res, estabeleceu-se uma tensão entre a disciplina constitucional mais verticali-zada a respeito da matéria legislativa e a dinamicidade política inerente à lógica da engrenagem parlamentar.

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O entendimento a respeito da rigidez constitucional em torno do direito parlamentar supostamente calcado na supremacia da Constituição conduz, de fato, à forte limitação do Poder Legislativo a respeito da autonomia para disci-plinar internamente sobre as minúcias do procedimento de formação das leis, levando em conta os aspectos da dinamicidade inerente aos processos políticos.

A dinamicidade que caracteriza o funcionamento do Parlamento deve ser compatibilizada com o paradigma do Estado Democrático de Direito, evi-tando-se a rigidez dos regimentos internos no sentido de dificultar – por não dizer inviabilizar – as adequações pontuais e oportunas à conjuntura política que venham, mediante consenso dos parlamentares (incluindo a minoria), a implicar na alteração ou no afastamento circunstancial de determinada norma regimental.

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Parte Geral – Doutrina

Os Benefícios à Regularização Fiscal Tardia e ao Desempate Ficto Quando o Representante Legal Estiver Ausente

fLAvIA DAnIeL vIAnnAAdvogada Especialista e Instrutora na Área das Licitações e Contratos Administrativos, Pós‑Graduada em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Coordenadora Técnica e Consultora Jurídica da Vianna & Consultores Associados Ltda. Autora de diversos livros e dezenas de artigos sobre sistema de registro de preços, pregão e licitações.

O tratamento favorecido e diferenciado às pequenas empresas é consti-tucionalmente previsto. A Lei Maior assegura tal proteção em seu art. 170, IX, disciplinando referido tratamento como um dos princípios da ordem econômi-ca e, em seu art. 179, estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às micro e pequenas empresas tratamento jurídico diferenciado, “visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.

A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, trazendo, em seus arts. 42 a 49, inovações importantes a respeito da participação de ME e EPP em licitações. Em 5 de setembro de 2007, foi editado o Decreto Federal nº 6.204, que surgiu para regulamentar os arts. 42, 43, 44, 45, 47, 48 e 49 da LC 123/2006, no âmbito da Administração Pública Federal. Em 7 de agosto de 2014, a LC 123/2006 sofreu significativas alterações pela Lei Complemen-tar nº 147, atribuindo ainda maiores benefícios às micro e pequenas empresa e criando o acesso do produtor rural e dos micro empreendedores individu-ais (MEI) a estes mesmos benefícios. Importante ressaltar que o art. 34 da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, estendeu os benefícios também às socie-dades cooperativas.

Nos arts. 42, 43, 44 e 45 da LC 123/2006, são encontrados dois bene-fícios às microempresas e empresas de pequeno porte: a regularização fiscal tardia (arts. 42 e 43) e o direito de preferência em caso de empate ficto (arts. 44 e 45).

O intuito deste artigo é estabelecer, para os agentes públicos que atuam diretamente na sessão da licitação (presidente e membros de comissões de lici-tação, pregoeiros e equipes de apoio), um foco de luz para saber como aplicar

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os benefícios quando o representante legal da ME/EPP ou cooperativa que faz jus ao benefício estiver ausente da sessão.

Falaremos, primeiramente, da regularização fiscal tardia.

A microempresa ou empresa de pequeno porte possui obrigatoriedade em apresentar todo o rol de documentos exigidos, inclusive os referentes à re-gularidade fiscal na fase de habilitação (no dia da sessão!), sob pena de, em não apresentando algum documento, ser inabilitada. O benefício consistirá em, caso algum documento referente à regularidade fiscal possuir algum de-feito ou restrição, a ME ou EPP terá prazo de cinco dias úteis (prorrogáveis por igual período a pedido da ME/EPP) para reapresentá-lo, escoimado dos vícios. O benefício para o suprimento dos defeitos apenas abrange a documentação concernente à regularidade fiscal (e não aos demais documentos relativos à ha-bilitação jurídica, qualificação técnica, regularidade trabalhista e qualificação econômico-financeira). Assim, ME e EPP que, na fase de habilitação, apresente documentação fiscal com algum defeito (certidão positiva ou com prazo de va-lidade expirado, por exemplo), terão o prazo de 5 dias úteis para sanar o vício, reapresentando o documento regularizado. Esse prazo poderá ser prorrogado por igual período, a pedido da ME/EPP.

Importante notar que, de acordo com o § 1º do art. 43 da LC 123/2006, o prazo inicial para contagem dos cinco dias úteis para regularização fiscal da ME/EPP será contado do momento em que o proponente for declarado vence-dor do certame. Nesse ponto, adotamos a doutrina de Edgar Guimarães1, pela qual, na licitação de modalidade pregão, sendo o vencedor provisório ME ou EPP e, na fase habilitatória, existindo alguma restrição fiscal, o pregoeiro decla-ra o vencedor “sob condição”, concedendo o prazo para a regularização. Isso porque, em licitações processadas pela modalidade pregão, tendo em vista a inversão das fases, a habilitação apenas será feita após a fase de classificação e julgamento de propostas. Assim, no pregão, sendo a vencedora provisória ME ou EPP, no momento de verificar a sua habilitação, a empresa já se encontra devidamente classificada (na fase de julgamento da proposta). Dessa forma, havendo alguma irregularidade na documentação fiscal, será concedido a pe-quena ou microempresa vencedora provisória o prazo para saneamento.

Diferentemente, nas modalidades clássicas de licitação (concorrência, tomada de preços e convite), tendo em vista que a fase de habilitação opera--se antes da classificação e do julgamento das propostas2, a micro ou pequena

1 GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa. Reflexos práticos da LC 123/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 92-93.

2 Exceto nos Estados e Municípios que optaram pela inversão das fases de habilitação e julgamento de propos-tas também nas modalidades tradicionais, como ocorreu com o Estado de São Paulo (Lei nº 13.121, de 7 de

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empresa que apresentar algum defeito na documentação fiscal será habilitada “sob condição” e somente na fase posterior de classificação e julgamento das propostas, caso esta ME/EPP seja a primeira classificada (ofertante do menor preço), que será iniciado o prazo para a regularização da documentação fiscal. Esta é a solução trazida pelo Decreto nº 6.204/2007:

Art. 4º [...]

[...]

§ 2º A declaração do vencedor de que trata o § 1º acontecerá no momento ime-diatamente posterior à fase de habilitação, no caso do pregão, conforme esta-belece o art. 4º, inciso XV, da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e no caso das demais modalidades de licitação, no momento posterior ao julgamento das propostas, aguardando-se os prazos de regularização fiscal para a abertura da fase recursal. (grifos nossos)

Nessa ótica:

Em se tratando de convite, tomada de preços e concorrência, como a fase de habilitação antecede a do julgamento de propostas, se a ME/EPP possuir alguma restrição fiscal, a comissão julgadora não poderá inabilitá-la por esta razão es-pecífica. Em outras palavras, a ME/EPP seguirá no certame licitatório e terá a sua proposta de preço aberta, analisada e julgada. Se classificada em primeiro lugar, neste momento, após a sua regular intimação, abre-se o prazo de dois3 dias úteis para que ocorra o devido saneamento na sua habilitação fiscal.4

Mas e no caso de o representante da ME/EPP não encontrar-se presente na sessão no momento da concessão do benefício para a regularização fiscal tardia? Em se tratando de licitação realizada mediante concorrência, tomada de preços ou convite, estando o representante da ME/EPP ausente, deverá ser intimado pela Administração, para que possa sanar o defeito em sua documen-tação fiscal. Entretanto, em se tratando de pregão, a doutrina divide-se em duas correntes: a) aqueles que entendem que, mesmo no pregão, não estando pre-sente na sessão o representante legal da pequena ou microempresa, deverá ser intimado para exercer a regularização tal como ocorre nas licitações conven-cionais5 e; b) no caso do pregão, estando ausente o representante da licitante, a

julho de 2008), Estado da Bahia (Lei nº 9.433, de 1º de março de 2005), Estado do Paraná (Lei nº 15.608, de 16 de agosto de 2007), entre outros.

3 Atenção: o prazo é de cinco dias úteis, em decorrência da atualização da LC 147/2014. O texto faz menção ao prazo de dois dias em vista de ter sido editado anteriormente a referida atualização.

4 É este o posicionamento do Professor Edgar Guimarães: em Licitações e o novo estatuto da pequena e micro-empresa. Reflexos práticos da LC 123/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 93-94.

5 Nessa esteira, Edgar Guimarães: “Sustento que na concorrência, tomada de preços, convite ou pregão caberá ao órgão julgador promover, no momento que pensamos ser o mais adequado, a intimação da ME/EPP para que esta sane o defeito em sua habilitação fiscal, sendo despicienda, portanto, a presença física do repre-

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Administração não terá dever de convocá-lo para regularização, restando dimi-nuído o seu direito à utilização do benefício6.

Para nós, a situação será diferente em se tratando de modalidades clássi-cas, pregão presencial e pregão eletrônico. Em síntese, ausente o representante legal no momento da aplicação do beneficio da regularização fiscal tardia, a conduta a ser tomada pelo agente público, a depender da modalidade, será a seguinte:

CONCORRÊNCIA, TOMADA DE PRE-ÇOS E CONVITE

PREGÃO PRESENCIAL PREGÃO ELETRÔNICO

Intimar representante para sanar defeito na documentação fiscal.Edital fixa via de comuni-cação para a intimação.

Não há dever de convo-car o licitante ausente (licitante perde o direito).

Convocação faz-se via chat e aguarda-se prazo de regularização (ainda que o licitante esteja desconec-tado, pois terá acesso ao histórico das mensagens durante todo o prazo).

Importante registrar que, sendo efetuada a convocação da ME/EPP au-sente da sessão nas modalidades clássicas de licitação para regularizar a sua documentação fiscal, o prazo de cinco dias úteis somente deverá ser contado a partir do recebimento da convocação pela licitante, que deverá ser efetuado por meio formal devidamente registrado nos autos do processo licitatório.

Analisemos, agora, o caso da preferência na ocorrência de empate ficto.

Dispõe a LC 123/2006:

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço. (grifos nossos)

sentante do licitante na sessão pública” (Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa. Reflexos práticos da LC 123/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 93-94).

6 Nesse sentido, Jair Eduardo Santana: “Sendo o pregão um procedimento sumário, não haverá espaço para que o licitante ausente da sessão postule o benefício do saneamento. Ou seja, se o microempresário não está na sala da sessão (presencial ou virtual) o seu direito ao saneamento ficará diminuído não sendo a Adminis-tração Pública obrigada a diligenciar em sua procura para saber se ele quer ou não fazer uso da faculdade respectiva” (Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa. Reflexos práticos da LC 123/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 91-92).

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A LC 123/2006 considerou empate não apenas os casos nos quais efe-tivamente exista o empate de proposta com valores idênticos, mas também si-tuações nas quais exista diferença entre os valores das propostas, dentro do limite percentual de 5% na modalidade pregão e 10% nas demais modalidades, sempre a favor das microempresas e empresas de pequeno porte. Dessa forma, é produzida uma ficção de empate, tendo em vista que, sob o prisma aritmético, não existe necessariamente igualdade de valores7.

Exemplificando, digamos que, em uma tomada de preços, uma empresa comum que denominaremos de “empresa A”, que não é uma ME ou EPP, seja a proponente de melhor preço, tendo apresentado o valor de 100. Caso, nessa mesma licitação, exista uma ME ou EPP que tenha apresentado proposta de 110, esta micro ou pequena empresa terá a prerrogativa de reduzir o valor de sua proposta, a um preço inferior a 100, sendo que, se assim o fizer, será consi-derada vencedora do certame.

Existindo duas ou mais ME e/ou EPP com propostas nos limites de até 10% ou 5% (em se tratando de pregão) superiores à proposta de melhor preço apresentada por empresa normal, primeiramente, será convocada a microem-presa ou empresa de pequeno porte melhor classificada, para apresentar pro-posta inferior à de melhor preço. Se assim o fizer, será considerada vencedora. Porém, caso se recuse, serão convocadas as ME/EPP remanescentes, que se encontrem no limite percentual exigido pela lei, na ordem de classificação, para exercício do mesmo direito. Ainda, caso nenhuma delas reduza seu preço a um valor inferior à proposta melhor classificada apresentada pela empresa comum, então o objeto licitado será adjudicado a esta empresa, detentora da proposta originariamente vencedora.

Importante ressaltar que tais situações de empate ficto apenas terão apli-cabilidade se a melhor proposta, originariamente vencedora, não for apresen-tada por uma microempresa ou empresa de pequeno porte. Em outras palavras, para que seja cabível o benefício, a melhor proposta originariamente apresen-tada deverá ter sido apresentada por uma empresa comum. Isto porque, caso uma ME ou EPP apresente originariamente a proposta de melhor valor, será considerada a vencedora do certame.

Na modalidade pregão, o desempate ficto somente será aplicado após finalizada a etapa de lances (competitiva) e, antes da fase de negociação com o vencedor provisório. Assim, finda a etapa de lances e verificada a ocorrência de empate ficto, será convocada a pequena ou microempresa empatada fictamente

7 JUSTEN FILHO, Marçal. O estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2007. p. 92.

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(melhor classificada, respeitada a ordem classificatória) para, querendo, ofertar lance menor do que o do vencedor da fase de lances, em um prazo de cinco minutos (LC 123/2006, art. 45, § 3º). Em vista disto, para que a ME/EPP usufrua do benefício de envio de novo lance apto a cobrir o lance vencedor da etapa competitiva, é necessário que a ME/EPP possua representante credenciado no momento da sessão do pregão, sob pena de abrir mão deste direito:

É imprescindível que o licitante microempresário se faça presente por ocasião da disputa. E tanto faz – pensamos – seja o procedimento pregão eletrônico ou pregão presencial. É que, estando ele ausente da disputa, não poderá dar lances, recorrer e agora, com a LC 123/2006, exercitar o seu direito de preferência diante de um empate ficto.8

Entretanto, tratando-se das modalidades clássicas de licitação (concor-rência, tomada de preços e convite), caso o representante da licitante não esteja presente na sessão, a Administração deverá, obrigatoriamente, convocá-la para exercício de direito ao desempate ficto:

Nas modalidades tradicionais de licitação, tendo a micro ou pequena empresa empatado com uma empresa que não seja dessa espécie – e não possuindo repre-sentante legal no momento da sessão específica – obrigar-se-á a Administração a convocá-las para exercer tal direito.

Esse raciocínio, entretanto, não é adotável na licitação na modalidade pregão, pois, no que concerne aos benefícios previstos na LC 123/2006, afigura-se a in-viabilidade de aplicação, uma vez que o § 3º do art. 45 determina que a nova proposta deverá ser oferecida no prazo de 5 minutos após o encerramento da fase de lances. Assim, nessa ótica, muito embora não se possa exigir a presença do licitante na sessão, este deverá assumir o risco de sua ausência.9

A convocação para exercício do direito do desempate ficto em licitações processadas pelas modalidades concorrência, tomada de preços e convite de-verá, necessariamente, vir disposta no edital (prazo e forma da convocação).

Nesta hipótese, também entendemos que a conduta a ser tomada pela Administração irá variar de acordo com a modalidade adotada. Resumindo, ausente o representante legal da ME/EPP no momento do desempate ficto, o agente público deverá tomar as seguintes providências:

8 GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa. Reflexos práticos da LC 123/2006. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 65.

9 BITTENCOURT, Sidney. As licitações públicas e o estatuto nacional das microempresas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 79.

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CONCORRÊNCIA, TOMADA DE PRE-ÇOS E CONVITE

PREGÃO PRESENCIAL PREGÃO ELETRÔNICO

Intimar representante para oferecer contraproposta.

Não há dever de convo-car o licitante ausente (licitante perde o direito).

Convocação feita pelo sistema, via chat, pelo prazo de 5 minutos. Se o licitante não estiver conectado e não ofer-tar lance no prazo de 5 minutos, perde o direito.

Edital fixa via de comuni-cação e prazo (se for omis-so, Comissão fixa prazo).

Prazo de 5 minutos. Prazo de 5 minutos.

Foram essas as considerações acerca da hipótese da ausência do repre-sentante legal de micro e pequenas empresas no momento da aplicação dos benefícios de regularização fiscal tardia e empate/desempate ficto.

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Parte Geral – Doutrina

O Exercício do Poder de Polícia Ambiental à Luz do Entendimento Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça

TAuã LIMA veRDAn RAngeL1

Bolsista Capes, Doutorando vinculado ao Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direi‑to da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo/ES, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo/ES. Produziu diver‑sos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

RESUMO: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca do poder de polícia ambiental, bem como seus aspectos caracterizadores e premissas de atuação. Cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz‑se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público cinge‑se ao interesse que busca proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e o direito público, normas de interesse público. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado apresenta‑se como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, apresenta‑se como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

PALAVRAS‑CHAVE: Poder de polícia ambiental; meio ambiente; polícia administrativa.

SUMÁRIO: 1 Poder de polícia: ponderações introdutórias; 2 Competência do poder de polícia; 3 Poder de polícia originário e delegado; 4 Polícia administrativa e polícia judiciária; 5 Atuação da Adminis‑tração Pública; 5.1 Atos normativos e concretos; 5.2 Determinações e consentimentos estatais; 5.3 Atos de fiscalização; 6 Características do poder de polícia; 6.1 Discricionariedade e vinculação; 6.2 Autoexecutoriedade; 6.3 Coercibilidade; 7 Sanções de polícia; 8 O exercício do poder de polícia ambiental à luz do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça; Referências.

1 E-mail: [email protected].

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1 Poder de PolícIA: PoNderAçõeS INtrodutórIAS

Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tan-ge à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito pri-vado do público cinge-se ao interesse que busca proteger; “o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público”2. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado apresenta-se como bastião susten-tador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, apresenta-se como conditio sine qua non para a manu-tenção e preservação da ordem social.

Neste sedimento, tal como dito acima, em que pese a inexistência de ex-pressa menção do postulado em comento pelo texto constitucional, é impende destacar, com o realce que o tema carece, que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público”3. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e al-cance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o inte-resse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.

Ao lado do exposto, a locução poder de polícia abarca dois sentidos, um amplo e um estrito. Em uma acepção ampla, poder de polícia assume sig-nificação de toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Especial relevância assume a função do Poder Legislativo incum-bido do ius novum, uma vez que apenas as leis, organicamente consideradas, têm o condão de delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Trata-se, pois, de reafirmação do corolário da legalidade, expressa-mente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 19884. Em uma fisionomia mais estrita, o poder de polícia configura-se como atividade administrativa, que materializa verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade

2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2010. p. 64.3 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 35.4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

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e a propriedade. Substancializa, dessa maneira, atividade tipicamente adminis-trativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores cominam a disciplina e as restrições aos direitos. Neste sentido, Celso de Mello explicita que:

A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacio-nando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regu-lamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injun-ções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Essa acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.5

À luz das ponderações aventadas, com espeque na concepção de José dos Santos Carvalho Filho6, o poder de polícia materializa a prerrogativa de di-reito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coleti-vidade. Segundo Celso de Mello7, o poder de polícia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preven-tiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor. Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir.

No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo brasileiro. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 838.

6 Carvalho Filho, 2011, p. 70.7 Mello, 2013, p. 853.

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explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Cuida anotar que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto.

Em sede de âmbito de incidência, cuida reconhecer que é bastante am-plo o círculo em que se pode fazer presente o poder de polícia. Em tal alami-ré, qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo possibilita a intervenção restritiva do Estado. Em outros termos, não há direitos individuais absolutos a esta ou àquela atividade, mas, ao reverso, deverão estar subordinados aos interesses coletivos. Daí é possível dizer que a liberdade e a propriedade são sempre direitos condicionados, eis que se sujeitam às restrições necessárias a sua adequação ao interesse público. “É esse o motivo pelo qual se faz menção à polícia de construções, à polícia sanitária, à polícia de trânsito e de tráfego, à polícia de profissões, à polícia do meio ambiente”8. Em todos esses segmentos aparece o Estado, em sua atuação restritiva de polícia, com o escopo de assegurar a preservação do interesse público.

2 comPetÊNcIA do Poder de PolícIA

A competência para exercer o poder de polícia é, em um primeiro mo-mento, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Com destaque, os assuntos concernentes ao interesse nacio-nal ficam sujeitos à regulamentação e ao policiamento da União; as matérias de interesse regional estão condicionadas às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local estão subordinados aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Com destaque, o sistema de compe-tências constitucionais é responsável por afixar as linhas básicas do poder de regulamentação das pessoas federativas, não sendo, entretanto, possível esque-cer que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, consoante se extrai dos arts. 22, parágrafo único, 23 e 24 da Constituição Federal9.

Carvalho Filho10 explicita que será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Igualmente, só pode ter-se por legítimo o exercício de atividade administrativa materializadora do poder de polícia se a lei em que estiver calcada a conduta da Administração encontrar

8 Carvalho Filho, 2011, p. 77.9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016.10 Carvalho Filho, 2011, p. 72.

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guarida no Texto Maior. Caso a lei seja inconstitucional, os atos administrativos, que com fundamento nela sejam praticados, serão considerados ilegítimos, caso sejam voltadas a uma pretensa tutela do interesse público, substancializada no exercício do poder de polícia. Destarte, conclui-se que só há poder de polícia legítimo se legítima for a lei que o sustenta. Ao lado disso, imprescindível faz-se anotar que, como o sistema de partilha de competências constitucionais envol-ve três patamares federativos – o federal, o estadual e o municipal –, e tendo em vista o contraste de competências privativas e concorrentes, salta aos olhos que, dada a complexidade da matéria, comumente surgem hesitações na doutrina e nos Tribunais quanto à entidade competente para a execução de certo serviço ou para o exercício do poder de polícia. Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida transcrever o paradigmático entendimento:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Distrital nº 3.460. Instituição do pro-grama de inspeção e manutenção de veículos em uso no âmbito do Distrito Fe-deral. Alegação de violação do disposto no art. 22, XI, da Constituição do Brasil. Inocorrência. 1. O ato normativo impugnado não dispõe sobre trânsito ao criar serviços públicos necessários à proteção do meio ambiente por meio do controle de gases poluentes emitidos pela frota de veículos do Distrito Federal. A alegação do requerente de afronta ao disposto no art. 22, XI, da Constituição do Brasil não procede. 2. A lei distrital apenas regula como o Distrito Federal cumprirá o dever-poder que lhe incumbe – proteção ao meio ambiente. 3. O DF possui competência para implementar medidas de proteção ao meio ambiente, fazendo--o nos termos do disposto no art. 23, VI, da CB/1988. 4. Ação direta de inconsti-tucionalidade julgada improcedente. (STF, ADIn 3.338, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Rel. p/o Ac. Min. Eros Grau, J. 31.08.2005, DJe 05.09.2007)

À luz do exposto, incumbe ao intérprete promover detida análise da hi-pótese concreta, buscando estabelecer uma adequação pertinente ao sistema estabelecido no Texto Constitucional. Oportunamente, convém explicitar que o poder de polícia, sendo atividade que, em algumas hipóteses, acarreta compe-tência concorrente entre pessoas federativas, enseja sua execução em sistema de cooperação calcado no regime de gestão associada, encontrando respaldo no art. 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 198811. Ao lado disso, em tais hipóteses, os entes federativos interessados firmarão con-vênios administrativos e consórcios públicos destinados ao atendimento dos objetivos do interesse comum.

11 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016. “Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de coopera-ção entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.

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3 Poder de PolícIA orIgINárIo e delegAdo

Ao se empregar o princípio de que quem pode o mais pode o menos, é viável atribuir às pessoas políticas da federação o exercício do poder de polícia, porquanto se lhes compete editar as próprias leis limitadoras, conferindo a coe-rência propícia e permitindo, em decorrência, o poder de esmiuçar as restrições. Trata-se, aqui, do poder de polícia originário, que alcança, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos provenientes de tais pessoas. Entrementes, o Estado não age somente por seus agentes e órgãos, eis que várias atividades e serviços públicos são executados por pessoas vinculadas àquele. Neste aspecto, repousa o questionamento quando tais pessoas terão idoneidade para o exercí-cio do poder de polícia. Ora, ao se perfilhar ao entendimento apresentado por Carvalho Filho12, salta aos olhos que tais entidades são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a ele cometidas.

É indispensável, entretanto, para a validade dessa atuação que a delega-ção seja feita por meio de lei formal, originária da função regular do Legislativo. Ao lado disso, é denotável, ainda, que a existência da lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, dessa forma, nada impediria que servisse também como respaldo da atua-ção de entidades paraestatais, ainda que elas sejam dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Neste quadrante, o importante é que haja expressa delegação à lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Admi-nistração Pública. Ao lado disso, é possível, ainda, colacionar o entendimento jurisprudencial no sentido que:

Administrativo e processual civil. Conselho Regional de Enfermagem. Ação civil pública. Pretensão de obrigar hospital a contratar e manter profissional de enfer-magem. Exercício das funções de polícia administrativa. Princípio da inafastabili-dade da jurisdição. Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Interesse processual. Utilidade e necessidade. Caracterização. 1. O fato de os estabelecimentos hos-pitalares cuja atividade básica seja a prática da medicina não estarem sujeitos a registro perante o Conselho de Enfermagem não constitui impeditivo a que sejam submetidos à fiscalização pelo referido órgão quanto à regularidade da situação dos profissionais de enfermagem que ali atuam. Porém, mesmo reconhecendo o poder de polícia administrativa ao Conselho de Enfermagem, este não afasta a utilidade-adequação da presente ação civil pública. 2. Revestido ou não de prerrogativa executória aos atos administrativos das autarquias de fiscalização, estas e qualquer das partes é dado recorrer à tutela jurisdicional, porque assim dispõe o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que pode ser extraído do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: “A lei não excluirá da apreciação do

12 Carvalho Filho, 2011, p. 73.

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Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 3. Na espécie, nota-se que as con-dições da ação estão presentes. O interesse processual, única condição em des-taque, é composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento. A utilida-de pode ser facilmente demonstrada pela necessidade de ordem judicial para a obrigar o hospital recorrido a contratar e manter durante todo o período de seu funcionamento profissionais de enfermagem. Por outro lado, a caracterização da necessidade pode ser extraída dos princípios da jurisdição, especialmente, a imparcialidade e a definitividade. 4. Na esfera administrativa dos conselhos profissionais, a relação processual não possui a característica da imparcialidade bem definida, até porque o Conselho de fiscalização ocupa, também, a função de “julgador”. Ademais, as decisões proferidas nesta seara não ostentam caráter definitivo, imutabilidade, presente apenas nos provimentos jurisdicionais. Dessa forma, pode a administração buscar no Poder Judiciário que o Estado-Juiz, dentro da relação processual, promova a solução definitiva da controvérsia, atento às alegações de cada parte. [...]. (STJ, REsp 1.398.334/SE, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 17.10.2013, DJe 24.10.2013)

Processual Civil. Execução fiscal. Conselho de fiscalização profissional. Autar-quia. Fazenda Pública. Representante judicial. Intimação pessoal. Prerrogativa prevista no art. 25 da Lei nº 6.830/1980. [...] 5. O STF já decidiu que os conse-lhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica autárquica, a qual é compatível com o poder de polícia e com a capacidade ativa tributária, fun-ções atribuídas, por lei, a essas entidades (ADIn 1.717 MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 25.02.2000). 6. A Lei nº 6.530/1978, que regulamen-ta a profissão de corretor de imóveis e disciplina seus órgãos de fiscalização, dispõe, em seu art. 5º, que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais são autarquias, dotadas de personalidade jurídica de direito público, vinculadas ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira. 7. Em razão de os conselhos de fiscalização profissional terem a natureza jurí-dica de autarquia, seus representantes judiciais possuem a prerrogativa de, em execução fiscal, serem intimados pessoalmente, conforme impõe o art. 25 da Lei nº 6.830/1980. [...] (STJ, REsp 1.330.190/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 11.12.2012, DJe 19.12.2012)

Para tanto, concretamente, é necessário verificar o preenchimento de três condições: (i) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração In-direta, isso porque sempre poderá ter a seu cargo a prestação de serviço; (ii) a competência delegada deve ter sido estabelecida por lei; e (iii) o poder de polí-cia há de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se do primado de que as restrições preexistem e de que se cuida de função executória e não inovadora. No exercício da função delegada, os atos praticados são ca-racterizados como administrativos, não materializando nenhuma novidade em sede de direito administrativo.

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4 PolícIA AdmINIStrAtIVA e PolícIA judIcIárIA

Ao examinar o tema central do presente, o poder de polícia, doutrinaria-mente, costuma ser dividido em dois segmentos distintos, quais sejam: a polícia administrativa e a polícia judiciária. Antes de traçar a linha diferencial entre cada um desses setores, impende anotar que ambos se enquadram na órbi-ta da função administrativa, materializando atividades de gestão de interesses públicos. Em tal aspecto, a polícia administrativa consiste em atividade da Ad-ministração que se exaure em si mesma, isto é, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Contudo, o mesmo não é verificado com a polícia judiciária, que, conquanto seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional, o que a faz norteada pela legislação processual penal e executada por órgãos de segurança, compreendendo a polícia civil e a polícia militar, ao passo que a polícia administrativa é exercida por órgãos administra-tivos de caráter mais fiscalizador. Em mesmo sentido, oportunamente, Celso de Mello, em seu escólio, explicita ainda que:

Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter preventivo do primeiro e repressivo da segunda. Esta última seria a atividade desenvolvida por organismo – o da polícia de segu-rança – que cumularia funções próprias da polícia administrativa com a função de reprimir a atividade dos delinquentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal, atividades que qualificariam a polícia judiciá-ria. Seu traço característico seria o cunho repressivo, em oposição ao preventivo, tipificador da polícia administrativa.13

Outra diferença repousa na circunstância de que a polícia administrativa incide essencialmente sobre atividades dos indivíduos, ao passo que a polícia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento de ilícito penal. Dessa maneira, pretendendo evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se a polícia administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que o dano social sequer logre êxito em ser consumado. Já a polícia judiciária tem natureza predominantemente repressiva, porquanto é destinada à responsabilidade penal do indivíduo14. Celso de Mello15, em magistério, explicita que o que efetivamen-te diferencia a polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais, ao passo que a segunda preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica. Tal distinção, porém, não pode ser considerada como absoluta, eis que os agen-

13 Mello, 2013, p. 849.14 Neste sentido: Carvalho Filho, 2011, p. 76.15 Mello, 2013, p. 851.

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tes da polícia administrativa também agem repressivamente, quando, a título de exemplificação, interditam um estabelecimento comercial ou apreendem bens obtidos por meios ilícitos. Doutro vértice, os agentes de segurança têm a incum-bência, comumente, de atuar de forma preventiva, para o fim de ser evitado o cometimento de delitos.

5 AtuAção dA AdmINIStrAção PÚBlIcA

5.1 atOs NOrmativOs E cONcrEtOs

No exercício da atividade de polícia, a Administração pode atuar de duas formas. Primeiramente, pode editar atos normativos, os quais têm como carac-terística o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por consequência, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Em tais situações, as restrições são materializadas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de conteúdo igual. Além deste, pode criar, ainda, atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos ple-namente identificados, como são, exemplificativamente, os estabelecidos por atos sancionatórios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as li-cenças ou autorizações. Caso o Poder Público pretende regular determinada matéria, tal como o desempenho de profissão ou edificações, deverá editar atos normativos. Contudo, quando interdita um estabelecimento ou concede autori-zação para porte de arma, pratica atos concretos.

5.2 dEtErmiNaçõEs E cONsENtimENtOs Estatais

Os nomeados atos de polícia possuem, no que toca ao objeto a que visam, dupla qualificação, a saber: ou materializam determinações de ordem pública ou substancializam consentimentos dispensados aos indivíduos. “O Poder Público estabelece determinações quando a vontade administrativa se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não podendo estes se eximir de cumpri-los”16. Neste jaez, os consentimentos perso-nificam a resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade, que careça do mencionado consentimento para ser considerada legítima. Em tal quadrante, a polícia administrativa resulta de verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relati-vas à atividade pretendida pelo administrado.

16 Neste sentido: Carvalho Filho, 2011, p. 78.

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Aludidos atos de consentimento são as licenças e as autorizações. A pri-meira espécie são atos vinculados e, como regra, definitivos, ao passo que a segunda espécie reflete atos discricionários e precários. Instrumentos formais de tais atos são os alvarás, porém documentos distintos podem formalizá-los, a exemplo de carteiras, declarações, certificados e outros congêneres que tenham idêntica finalidade. Concretamente, cuida explicitar que o importante é o con-sentimento exprimido pela Administração. Sem embargos, insta pontuar que a Administração, de maneira equivocada, tenta, ocasionalmente, cobrar taxas de renovação de licença por suposto exercício de poder de polícia em atividade de fiscalização. Ademais, cuida anotar que tal conduta é revestida de ilegalidade, porquanto somente em que a Administração atua efetivamente do poder de polícia é que encontra respaldo a cobrança de taxa.

Nesta esteira, ainda, órgãos e entidades que prestam serviços públicos por delegação sujeitam-se ao poder de ordenamento municipal quanto à loca-lização de seus estabelecimentos. É carecido, portanto, que se sujeitem ao po-der de polícia municipal e que obtenham a necessária licença para instalação. Isso ocorre com os cartórios notariais ou de registro, que, conquanto estejam sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, só podem instalar-se legitimamente mediante a expedição de alvará de licença.

5.3 atOs dE fiscaLizaçãO

Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos instrumentos necessários à fiscalização da conduta des-tes. Assim, o poder de polícia vindica do Poder Público uma atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresenta duplo as-pecto, qual seja: um preventivo, por meio do qual os agentes da Administração procuram obstar um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda no emprego de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, comina-lhe alguma obrigação de fazer ou não fazer.

6 cArActeríStIcAS do Poder de PolícIA

6.1 discriciONariEdadE E viNcuLaçãO

No que concerne à caracterização do poder de polícia, cuida reconhecer que subsiste alguma discussão se é discricionário ou vinculado. Quando tem a legislação em vigência, a Administração pode estabelecer a área de ativida-de em que vai aplicar a restrição em favor do interesse público e, depois de escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. Em tal situação, é forçoso

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o reconhecimento de que a Administração age no exercício do seu poder dis-cricionário. Ademais, cuida salientar que é nessa valoração do órgão admi-nistrativo sobre a conveniência e a oportunidade da transferência que está a discricionariedade do poder de polícia. Assim, evidentemente, o que é vedado à Administração é o abuso do poder de polícia, algumas vezes processado por excesso de poder ou por desvio de finalidade. Celso Mello, em seus ensinamen-tos, preleciona ainda que:

Em rigor, no Estado de Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Ad-ministração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe.17

O reverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação, sendo que a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, contudo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. Em tal cenário, a atuação, por via de consequência, estará caracterizada como vin-culada. Carvalho Filho18 esclarece que a doutrina tem dado ênfase, com cores quentes e sublinhados fortes, à necessidade do controle dos atos de polícia, mesmo que se trate de determinados aspectos, pelo Poder Judiciário. Há de se anotar que aludido controle inclui os atos decorrentes do poder discricionário para evitar-se o cometimento de excessos ou violências da Administração em face de direitos individuais. Ao lado disso, o que é vedado ao Judiciário é sua atuação como substituto do administrador, porquanto, em tal cenário, estaria invadindo funções que constitucionalmente não lhe foram atribuídas.

6.2 autOExEcutOriEdadE

A Administração pode tomar as providências que modifiquem imediata-mente a ordem jurídica, cominando, desde logo, obrigações aos particulares, com o escopo de atender ao interesse coletivo. Assim, diante de tal primado, não pode a Administração ficar à mercê do consentimento dos particulares. Em situação distinta, cumpre-lhe agir de imediato. “A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade”19. Ao lado disso, tanto é autoexecutória a restrição cominada em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao indivíduo, quando, à guisa de citação, comete transgressões administrativas. O

17 Mello, 2013, p. 852.18 Carvalho Filho, 2011, p. 81.19 Carvalho Filho, 2011, p. 81.

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sentido da autoexecutoriedade repousa na premissa de que, uma vez verificada a presença dos pressupostos legais, a Administração pratica-o imediatamente e executa-o de forma integral. Ao exemplificar, Celso de Mello esclarece, opor-tunamente, que:

Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos ór-gãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução. A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a parali-sação da exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade.20

Outro ponto que merece ser considerado faz alusão à autoexecutoriedade não depender de autorização de qualquer outro Poder, desde que a legislação autorize o administrador a praticar o ato de forma imediata. Assim, acertada é a decisão segundo a qual, no exercício do poder de polícia administrativa, não depende a Administração da intervenção de outro poder para torná-lo efetivo. Quando a lei estabelece o exercício do poder de polícia com autoexecutorie-dade, é porque se faz necessária a proteção de determinado interesse coletivo. Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira está assentada no fato de que existem atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, a exemplo do que ocorre com as multas, cuja cobrança só é efetivamente mate-rializada pela ação própria na via judicial. A outra repousa no ideário de que a autoexecutoriedade não deve integralizar objeto do abuso de poder, de maneira que deverá a prerrogativa guardar compatibilidade com o princípio do devido processo legal para o fito de ser a Administração Pública obrigada a respeitar as normas legais.

6.3 cOErcibiLidadE

A característica em comento explicita o grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia, porquanto, como é natural, a polícia administrativa não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Destarte, se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperi estatal, há de ser desempenhada de maneira a obrigar todos a observarem os seus comandos. Oportunamente, urge explicitar que é intrínse-

20 Mello, 2013, p. 857.

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co a essa característica o poder que tem a Administração de empregar a força, quando necessária para vencer eventual recalcitrância. Celso de Mello21, em seu escólio, oportunamente, frisa que é natural que seja na seara do poder de polícia que se manifesta, de modo frequente, o exercício da coação administra-tiva, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para assegurar a eficaz proteção, depender das demoras advindas do procedimento judicial. Ora, tal situação renderia ensejo ao perecimento dos valores sociais resguardados por meio de polícia, observadas, evidentemente, porém, as garan-tias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas.

7 SANçõeS de PolícIA

Sobre o tema ainda, cuida elucidar que a sanção administrativa mate-rializa ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, passível de ser aplicado por órgãos da Administração. Por seu turno, a infração administrativa resta configurada como comportamento típico, antijurídico e reprovável idôneo a ensejar a aplicação da sanção admi-nistrativa, no desempenho de função administrativa. Mais que isso, se a sanção é o resultado do exercício do poder de polícia, será qualificada tal reprimenda como sanção de polícia. “O primeiro a ser considerado no tocante às sanções de polícia consiste na necessidade observância do princípio da legalidade”22. Assim, é possível explicitar que apenas a lei pode instituir tais sanções com a alusão do rol de condutas que possam materializar infrações administrativas. Logo, atos administrativos subsidiam apenas meio de possibilitar a execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origens a apenações, ainda que seja em âmbito administrativo. Acerca das ponderações aventadas, o Supremo Tribunal Federal, em paradigmático julgado, explicitou robusto entendimento que:

Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 5º, 8º, 9º, 10, 13, § 1º, e 14 da Por-taria nº 113, de 25.09.1997, do Ibama. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídi-cas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida. (STF, ADIn 1.823-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, J. 30.04.2008, DJ 16.10.1998)

21 Mello, 2013, p. 858.22 Carvalho Filho, 2011, p. 85-86.

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Há de se anotar, oportunamente, que as sanções refletem a atividade re-pressiva advinda do poder de polícia. Com efeito, estão elas substancializadas nas diversas leis que norteiam atividades sujeitas a esse poder, sendo, inclusive, possível citar a multa, a inutilização de bens privados, a interdição de atividade, o embargo da obra, a cassação de patentes, a proibição de fabricar produtos. Na verdade, são sanções todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas de poder de polícia. Sobre o tema, inclusive, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial, apresentado pelo Tribunal de Justiça gaúcho, que acena:

Execução. Termo de ajustamento de conduta. Obrigação de fazer. Interdição de estabelecimento. Oficina mecânica e chapeamento. Licença. [...] Aliás, a inter-dição de estabelecimento clandestino é sanção administrativa que deve ser apli-cada pela Administração Pública. [...]. (TJRS, AI 70060813789, 22ª C.Cív., Relª Desª Maria Isabel de Azevedo Souza, J. 28.07.2014)

Contemporaneamente, tem sido feita a distinção entre sanções de polícia e medidas de polícia. As sanções são aquelas que refletem uma punição efe-tivamente aplicada à pessoa que houver infringido à norma administrativa, ao passo que as medidas de polícia são as providências de cunho administrativo que, conquanto não representem punição direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Em algumas situações, a mes-ma conduta administrativa pode materializar como uma ou outra modalidade, sempre considerando o que a legislação tenha previsto para enfrentar a referida situação. A título de fortalecimento do expendido, é possível citar a interdição do estabelecimento, eis que tanto pode materializar ato punitivo direto pela prá-tica de infração grave, como pode ser medida administrativa, adotada em razão de cometimento de infração para a qual a lei previu sanção direta.

Não se deve olvidar, ainda, que as sanções devem ser aplicadas em ob-servância ao devido processo legal, a fim de assegurar a observância do prin-cípio da garantia de defesa aos acusados, supedaneado no art. 5º, LIV e LV, do Texto Constitucional23. Dessa maneira, caso o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produ-zir provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legali-dade, devendo, portanto, ser sanado na via administrativa ou judicial. Ao lado disso, insta pontuar que, como se trata de processo acusatório, imprescindível faz-se o reconhecimento da incidência, por analogia, de alguns princípios nor-teadores do direito penal e do direito processual penal. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento de que:

23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

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Agravos regimentais. Recurso especial. Administrativo e processo civil. Súmula nº 284/STF. Não incidência no caso. Devido processo legal. Lei nº 9.784/1999. Matéria infraconstitucional. Servidor público. Supressão de adicional. Ausência de ampla defesa e contraditório. Ilegalidade. Precedentes. [...] 2. Conforme rei-terados precedentes do Supremo Tribunal Federal, a análise de suposta violação do devido processo legal, quando dependente do prévio exame de normas in-fraconstitucionais, envolve ofensa apenas reflexa ao texto constitucional. 3. É pacífico o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que todo ato admi-nistrativo que repercuta na esfera individual do administrado, no caso, servidor público, tem de ser precedido de processo administrativo que assegure a este o contraditório e a ampla defesa. Trata-se de mitigação do enunciado da Súmula nº 473/STF, com intuito de conferir segurança jurídica ao administrado, bem como resguardar direitos conquistados por este. [...] (STJ, AgRg-REsp 1.131.928/RS, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 10.04.2012, DJe 23.04.2012)

Processual civil e administrativo. Agravo regimental. Pensão de servidor público. Ilegalidade. Autotutela. Supressão dos proventos. Devido processo legal. Am-pla defesa e contraditório. Obrigatoriedade. Precedentes do STJ. [...]. 2. Todavia, quando os referidos atos implicarem invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual sejam observados o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg--REsp 1.253.044/RS, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 20.03.2012, DJe 26.03.2012)

Em órbita da esfera da Administração Pública federal, direta ou indireta, a ação punitiva, quando se tratar do exercício do poder de polícia, prescreve em cinco anos, contados da data da prática do ato ou, em se tratando de infração permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado. Contudo, caso o fato subsuma crime, o prazo prescricional será o mesmo atribuído pela legislação penal pertinente. Com efeito, a Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 199924, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Admi-nistração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências, comina prazo contra o Poder Público e a favor do infrator, de maneira que, consumada, fica este garantido contra qualquer sanção de polícia a cargo da Administração. “A prescrição incide também sobre procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos na hipótese em que se aguarda despacho ou julgamento da autoridade administrativa”25.

24 BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016. “Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”.

25 Carvalho Filho, 2011, p. 87.

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Oportunamente, o processo deverá ser arquivado de ofício ou a requeri-mento do interessado, porém caberá à Administração apurar a responsabilidade funcional do agente pela omissão no sobredito prazo26. No caso de sanções de polícia, obtemperar faz-se oportuno que a prescrição da ação punitiva da Ad-ministração se interrompe: a) pela notificação ou citação do indiciado ou acu-sado, inclusive por meio de edital; b) por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; c) pela decisão condenatória recorrível; d) por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução con-ciliatória no âmbito interno da Administração Pública federal. Ademais, conso-ante o art. 5º da legislação em comento27, a prescrição regulada pelo diploma em comento tem incidência específica para as infrações relacionadas ao poder de polícia, sendo, por conseguinte, inaplicável em processos administrativos funcionais e de natureza tributária.

8 o eXercícIo do Poder de PolícIA AmBIeNtAl À luz do eNteNdImeNto jurISPrudeNcIAl do SuPerIor trIBuNAl de juStIçA

Sensível às ponderações apresentadas, quadra reconhecer que o poder de polícia ambiental, consoante o apurado magistério de Paulo Affonso Leme Machado28, materializa a atividade da Administração Pública que limita ou dis-ciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em decorrência do interesse público referente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades, dependentes da concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público. Dessa maneira, oportunamente, prima reconhecer que o campo de atuação do poder de polí-cia originariamente estava restrito à segurança, à moralidade e à salubridade, expandindo-se, atualmente, para a defesa da economia e organização social e jurídica, em todos os âmbitos imagináveis.

É pacífica, no entendimento doutrinário, a afirmação de que o poder de polícia está destinado a limitar ou regrar os direitos individuais. Entretanto, deve ser colocada a questão do exercício do poder de polícia disciplinando e san-cionando a própria pessoa de direito público e o ente paraestatal. Tal fato deri-

26 BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016. “Art. 1º [...] § 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsa-bilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

27 Ibid. “Art. 5º O disposto nesta lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedi-mentos de natureza tributária”.

28 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malhei-ros, 2013. p. 385.

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va da premissa de que empresas públicas utilizam-se, atualmente, de recursos ambientais, a exemplo do que se denota com a Eletrobrás ou suas subsidiárias que constroem e operaram hidrelétricas; a Petrobras faz perfurações de poços petrolíferos no mar, instalando e operando refinarias; a Companhia Siderúrgica Nacional atua em Volta Redonda. A partir de tal mosaico, constata-se que não apenas os particulares como entes paraestatais são poluidores em potencial, não sendo, portanto, justo dispensar um tratamento desigual, deixando os pos-síveis poluidores públicos sem qualquer controle, por parte da Administração, por meio dos órgãos especializados. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justi-ça já assentou entendimento de que:

Administrativo. Ambiental. Ação civil pública. Dano ambiental. Legitimidade passiva. Responsabilidade civil do Estado. Ibama. Dever de fiscalização. Omis-são caracterizada. 1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano este-jam ocorrendo. 2. O Poder de Polícia Ambiental pode – e deve – ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agen-tes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração. 3. Nos termos da jurispru-dência pacífica do STJ, a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele que tenha contribuído ape-nas que indiretamente para a ocorrência da lesão. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg-REsp 1.417.023/PR, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 18.08.2015, DJe 25.08.2015)

Ambiental. Infração administrativa. Campo de aplicação. Lei nº 9.605/1998. Transporte e armazenamento irregulares de carvão vegetal de espécies nati-vas. Indústria siderúrgica. Infração penal e administrativa. Multa. Legalidade. Distinção entre sanção administrativa e sanção penal. [...] 2. A multa aplica-da pela autoridade administrativa é autônoma e distinta das sanções criminais cominadas à mesma conduta, estando respaldada no poder de polícia ambien-tal. Sanção administrativa, como a própria expressão já indica, deve ser impos-ta pela Administração, e não pelo Poder Judiciário. 3. “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” (art. 70 da Lei nº 9.605/1998). [...] (STJ, REsp 1.245.094/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 28.06.2011, DJe 13.04.2012)

Processual civil e administrativo. Agência Nacional do Petróleo. Autuação por fa-lha operacional danosa ao meio ambiente. Exercício legítimo do poder de polícia ambiental. Art. 8º, IX, da Lei nº 9.478/1997. Sistema Nacional de Meio Ambiente

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– Sisnama. Art. 6º da Lei nº 6.938/81. Multa aplicada com base no art. 3º, IX, da Lei nº 9.847/1999. Alegação de ausência de motivação do ato punitivo. Súmula nº 7/STJ. Falta de prequestionamento. [...] 3. Assim, por força de disposição legal, a proteção do meio ambiente encontra-se imbricada no poder de polícia da ANP, sem que tal provoque ingerência indevida nas atribuições específicas dos órgãos ambientais, que mantêm sua natural competência à medida que a exploração e comercialização de petróleo, gás natural e biocombustíveis caracterizam ativida-de potencialmente poluidora, nos termos do art. 3º, II e III, da Lei nº 6.938/1981. 4. No ordenamento jurídico brasileiro, o poder de polícia ambiental é prerroga-tiva inafastável dos órgãos de proteção do meio ambiente. Isso, porém, não quer dizer que o legislador esteja impedido de, em adição, atribuí-lo também a outras entidades públicas, postura que, antes de significar bis in idem, representa em verdade o reconhecimento de que o dano ambiental e as atividades capazes de causá-lo exigem, pela sua complexidade e múltiplas facetas, a conjugação do expertise de toda a Administração Pública, no sentido de assegurar a máxima efetividade nos esforços de prevenção, reparação e repressão. 5. O Sistema Na-cional do Meio Ambiente – Sisnama é integrado por todos os “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental” (art. 6º, caput, da Lei nº 6.938/1981), o que abarca, em numerus apertus, não só aqueles listados, expressamente, nos vários incisos, como também os que, por força de lei, recebem poderes de implementa-ção ambiental, como o Ministério Público e as agências governamentais especia-lizadas ou temáticas. 6. A sanção penal ou administrativa ambiental pode se refe-rir tanto à ocorrência do dano em si mesmo (= resultado da conduta degradadora) quanto, alternativa ou cumulativamente, à violação de exigências técnicas para o exercício da atividade ou do procedimento operacional do empreendimento (= iter da conduta degradadora). [...] (TJ, REsp 1.142.377/RJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 18.03.2010, DJe 28.02.2012)

Paulo Affonso Leme Machado29 aponta que, do ponto de vista essen-cialmente constitucional, inexistiria obstáculo ao exercício do poder de polícia ambiental realizado pela Administração direta frente à Administração indireta. Tal fato encontra, como substrato, a premissa de que inexistiria quebra de auto-nomia constitucional se um órgão federal agir contra um órgão estadual e vis-a--vis, desde que a atuação envidada encontre respaldo na legislação vigente. A partir de um prisma jurídico, aparentemente há certa dificuldade no exercício do poder de polícia levado a efeito por um órgão da Administração direta con-tra outro da Administração indireta. Assim, em uma seara administrativa, os organismos poderiam estar alocados no mesmo nível ou desnivelados na escala hierárquica. Ou, ainda, seria passada a questão para a Chefia do Poder Execu-

29 Machado, 2013, p. 387-388.

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tivo ou o órgão interessado buscaria respaldo no Poder Judiciário, por meio do aforamento da ação competente para o caso concreto.

reFerÊNcIASBRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

______. Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2010.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo brasileiro. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11 jun. 2016.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8023

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0007240‑80.2012.4.01.3807/MGRelator p/ Acórdão: Desembargador Federal Olindo MenezesRelatora: Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da SilvaRelator Conv.: Juiz Federal Henrique Gouveia da CunhaApelante: Jose Barbosa FilhoAdvogado: MG00070581 – Farley Soares MenezesApelado: Ministério Público FederalProcurador: Farley Soares Menezes e outros(as)

EmENtaAdmINIStrAtIVo – ImProBIdAde AdmINIStrAtIVA – AQuISIção de ProdutoS AlImeN-tícIoS Sem lIcItAção – coNdeNAção Pelo Art. 10 dA leI Nº 8.429/1992 – AuSÊNcIA de SuPerFAturAmeNto – mANuteNção dA coNdeNAção – AlterAção dA cAPItulAção legAl dA coNdutA PArA o Art. 11 dA leI Nº 8.429/1992 – PrINcíPIo dA coNgruÊNcIA – ProPorcIoNAlIdAde eNtre A SANção e A grAVIdAde do FAto – ProVImeNto PArcIAl dA APelAção

1. A causa de pedir, na ação de improbidade administrativa, é firmada na descrição dos fatos, em face dos quais se atém a defesa, e não na sua definição jurídica. Não infringe o princípio da congruência a decisão ju-dicial que, mesmo em apelação, capitula a conduta em dispositivo legal diverso do indicado na petição inicial.

2. Positivada a aquisição de produtos alimentícios sem licitação, mas sem comprovação de superfaturamento, é de confirmar-se a condenação pelo art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992, porém com alteração da capitulação da conduta para o art. 11, I (idem). Precedente do STJ (REsp 951.389/SC, 1ª S., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.05.2011).

3. As cominações punitivas, na ação de improbidade administrativa, po-dem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gra-vidade do fato (Lei nº 8.429/1992, art. 12). Deve haver uma relação de proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a respectiva sanção.

4. Na hipótese, os produtos adquiridos e entregues (carne, leite e pães) o foram pelos preços de mercado, sem superfaturamento ou locupleta-mento do agente, o que aconselha a modulação da condenação, para manter apenas a multa civil, fixada em R$ 5.000,00, afastada a suspensão

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dos direitos políticos, mesmo pelo mínimo de três anos, que não guarda razoabilidade com a densidade (ímproba) do fato.

5. Provimento parcial da apelação.

acórdãO

Decide a Turma, por maioria, dar parcial provimento à apelação.

4ª Turma do TRF da 1ª Região.

Brasília, 9 de agosto de 2016.

Desembargador Federal Olindo Menezes, Relator para acórdão

rELatóriO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha (Relator Convo-cado):

Trata-se de apelação interposta por José Barbosa Filho (fls. 63/83), em face da v. sentença de fls. 60/61v, que, em síntese, em sede de ação civil públi-ca por atos de improbidade administrativa, julgou procedente o pedido contido na inicial.

Em defesa de sua pretensão, o ora apelante trouxe à discussão, em sínte-se, as seguintes teses e argumentos de natureza fática e jurídica:

1) “2.1 Nulidade processual. Cerceamento de defesa” (fl. 66);

2) “[...] o Douto Magistrado de 1ª instância julgou antecipadamente o feito sem franquear a produção de provas testemunhal e pericial [...]” (fl. 67);

3) “Ora, em nenhum momento o Apelante requereu a produção de prova teste-munhal para comprovar a existência de procedimento licitatório o sua dispensa. É fato incontroverso que as despesas impugnadas foram realizadas pro meio de dispensa de licitação, ou seja, contratação direta em virtude do valor” (fl. 67);

4) “A pretensão do Apelante com referida prova testemunhal é a de comprovar a existência de situação fática que impossibilitaria a aquisição de todos os gêneros alimentícios por meio de procedimento licitatório, na medida em que as despesas foram realizadas ao longo do exercício fiscal e a identificação da demanda não se deu de uma só vez, bem como vários foram os programas de governo onde os dispêndios tiveram que ser efetivados, de sorte que se tratava de projetos bá-sicos diversos elaborados em períodos diversos no decorrer do exercício fiscal” (fls. 67/68);

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5) “Lado outro, a prova pericial demonstraria a absoluta inexistência de dano ao Erário, condição necessária para configuração de ato de improbidade administra-tiva previsto no art. 10 da Lei nº 8.429/1992” (fl. 68);

6) “Portanto, o julgamento antecipado da lide caracterizou grave cerceamento de defesa, de sorte que a sentença deve ser anulada para se determinar o retorno dos autos à primeira instância para a devida tramitação, o que desde já fica re-querido” (fls. 68/69);

7) “2.2 Nulidade da sentença. Decisão proferida após a decretação de Repercus-são Geral no Recurso Extraordinário nº 683.235. Necessidade de sobrestamento das ações de improbidade até que o STF se pronuncie sobre a aplicação da lei de improbidade aos prefeitos municipais” (fl. 69);

8) “[...] a decisão foi proferida quando a matéria já era objeto de repercussão ge-ral, donde decorre a nulidade da sentença, razão pela qual se impõe seja cassada a decisão proferida e determinado o sobrestamento do feito até ulterior pronun-ciamento do Supremo Tribunal Federal ” (fl. 69);

9) “2.3. Impropriedade da via eleita. Inaplicabilidade da lei de improbidade a agentes políticos” (fl. 70);

10) “A via eleita é imprópria na medida em que pretendeu o Autor responsabi-lizar o ex-prefeito municipal de Catuti por ato de Improbidade Administrativa, quando este se inclui na categoria de agentes políticos [...]” (fl. 70);

11) “[...] o Requerido está submetido a regime especial de responsabilidade, pre-visto anteriormente pela Lei nº 1.079/1950, que prevê os crimes de responsabi-lidade para o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República, os Governadores e Secretários de Estado, tendo a Lei nº 3.528/1959 estendido a aplicação da lei supracitada aos Prefeitos” (fl. 70);

12) “Aliás, na Reclamação nº 2138 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade de convivência simultânea de dois regimes de responsabilização para os agentes políticos [...]” (fl. 70);

13) “Conclui-se pela inadequação da via eleita, visto que o ex-prefeito não pode ser submetido à lei de improbidade administrativa, mas sim aos preceitos da Lei nº 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade” (fl. 73);

14) “3.1.1 Da imprevisibilidade das despesas e inexistência de fracionamento de licitação” (fl. 73);

15) “[...] as compras foram realizadas em diversos setores da administração em tempos diferentes, observados os preços praticados no mercado, não havendo quaisquer irregularidades ou privilégio no que diz respeito à contratação deste ou de outro fornecedor, até mesmo porque Catuti é uma cidade de pequeno porte e existem estabelecimentos comerciais” (fl. 74);

16) “A não realização de licitação para compras de pequena monta nada mais é do que consequência do princípio da economicidade, justificando-se para im-

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pedir a onerosidade decorrente do tempo despendido e dos recursos materiais e

pessoais utilizados na realização de um certame licitatório, quando despropor-

cionais tais custos em relação ao valor do contrato a ser firmado” (fl. 74);

17) “No presente caso, conforme se vê pelas tabelas que acompanham a presente

petição e pelas notas fiscais juntadas aos autos pelo Ministério Público Federal,

não houve fracionamento de licitação na medida em o Município de Catuti pos-

sui poucos estabelecimentos comerciais aptos a contratar com a Administração

Pública e ainda assim com atuação bastante restrita” (fl. 74);

18) “Nenhum dos objetos de aquisição teve no decorre do ano dispêndio finan-

ceiro superior ao limite de R$ 8.000,00 (oito mil reais) previsto no art. 24 da lei

de licitações e contratos” (fl. 75);

19) “2.1.3 Necessidade de dano efetivo para se condenar por ato de improbidade

com base nos arts. 10 e 11 da Lei de Improbidade” (fl. 76);

20) “Na sentença guerreada o douto Magistrado concluiu pela inexistência de

dano efetivo ao Erário, e nem poderia ser diferente posto que inexistente” (fl. 76);

21) “No caso em tela, o Recorrente é munícipe que jamais dominou o Direito,

notadamente a complexa legislação que cuida dos procedimentos licitatórios”

(fl. 82);

22) “Convém ressaltar, de outro giro, o disposto no art. 10, que parece bem mais

específico, notadamente a expressão ‘frustrar a licitude de processo licitatório

ou dispensá-lo indevidamente’ (inciso VIII). Ora, o inciso, como sempre, está

atrelado à cabeça do artigo, que requer ‘lesão ao Erário’. Como o acessório segue

o principal, só há frustração da licitação ou dispensa indevida e se somente se

houver lesão. Ou por outra: a frustração ou dispensa indevida é que causa lesão,

e não o contrário. Frustração ou dispensa indevida sem prejuízo financeiro não

é ato de improbidade administrativa. É o que se extrai do art. 10, VIII da Lei

nº 8.429/1993” (fls. 82/83).

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal, às fls. 89/93.

O d. Ministério Público Federal ofereceu parecer às fls. 103/110, ocasião

em que opinou “[...] pelo conhecimento da apelação e, no mérito, pelo seu

desprovimento” (fl. 110).

É o relatório.

Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha

Relator Convocado

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vOtO-vista

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Olindo Menezes: Cuida-se de ape-lação interposta por José Barbosa Filho, ex-Prefeito de Catuti/MG, inconforma-do com sentença que o condenou por ato de improbidade administrativa em razão da não realização de licitação para aquisição de gêneros alimentícios (carne, leite e pães), no ano de 2008, no valor de R$ 18.125,45.

O julgado impôs-lhe o pagamento da multa civil de R$ 10.000,00; a sus-pensão dos direitos políticos por cinco anos; e a proibição de contratar também por cinco anos, por violação do art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992, além das custas do processo.

Iniciado o julgamento na sessão de 12 de julho, o Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha (relator convocado), depois de afastar outros fundamentos do recurso, entendeu que não estava caracterizada a improbidade pelo art. 10 da Lei nº 8.429/1992, dada a não comprovação de superfaturamento na aquisi-ção dos produtos, sem que houvesse lesão ao patrimônio público.

A despeito disso, manteve a condenação, mas com base no art. 11, I da Lei de Improbidade, não citado pela sentença, por ter o apelante praticado “ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, mas modulou as sanções aplicadas pela sentença, para reduzir a multa para R$ 5.000,00; e a suspensão dos direitos políticos para 3 (três) anos.

Pedi vista dos autos para examinar a alteração da classificação legal da improbidade em segundo grau, em face do princípio da congruência, mormente por se tratar de recurso apenas da defesa, e agora apresento o meu voto a fim que prossiga o julgamento.

Os precedentes esposam a compreensão de que a causa de pedir, na ação de improbidade, tal como ocorre na ação penal, “firma-se na descrição dos fatos, e não na qualificação jurídica dos fatos”, sendo irrelevante, “na peti-ção inicial, eventual capitulação legal imprecisa, ou até completamente equivo-cada, desde que haja suficiente correlação entre causa de pedir e pedido” (REsp 817.557/ES, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 10.02.2010).

No caso, a mudança na qualificação ocorre no segundo grau, pois o relator entendeu que não estava caracterizada a improbidade pelo art. 10 da Lei nº 8.429/1992, dada a não comprovação de superfaturamento na aquisição dos produtos, sem que houvesse lesão ao patrimônio público, mas manteve a condenação, com base no art. 11, I da Lei de Improbidade, não citado pela sentença, ainda que referido na petição inicial.

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Também nessa hipótese a 1ª Seção do STJ, em julgamento de 09.06.2010, confirmou julgado no qual o Tribunal de origem, em condenação pelo art. 10 da Lei nº 8.429/1992, afastou o dano ao erário e alterou a capitulação legal da conduta para o art. 11 (REsp 951.389/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.05.2011).

Embora não plenamente convencido dessa tese, acompanho o relator, com ressalva do meu ponto de vista pessoal, sobretudo por se tratar de recurso apenas da defesa.

Afirma o apelante que a identificação da demanda dos produtos alimen-tícios não se deu apenas de uma vez, mas ao longo do exercício fiscal, sem fracionamento da licitação, dando-se a aquisição pelos preços de mercado, sem nenhuma irregularidade ou privilégio, e que nenhuma das compras teve valor superior a R$ 8.000,00, o que não é infirmado pelo Relator, ao afastar o super-faturamento.

Nessas circunstâncias – a despeito da violação legal, os bens foram en-tregues, o que implica a ausência de dano ao Erário –, de falta que pode ser classificada como ímproba, mas a partir de fato de gravidade pouco intensa na perspectiva da improbidade, afigura-se mais assisado manter apenas a punição da multa civil, no importe de R$ 5.000,00, como sugere o eminente Relator.

As sanções da improbidade não devem ser necessariamente cumulativas (art. 12, caput, da Lei nº 8.429/1992). A suspensão dos direitos políticos, mes-mo pelo mínimo de três anos, parece uma demasia para uma situação que não ostenta gravidade mais intensa, tanto mais que o fato, quando não tenha uma justificativa, tem uma explicação, como consta da apelação.

Tal o contexto, acompanho o relator, mas em maior extensão, para li-mitar a condenação do apelante ao pagamento da multa civil de R$ 5.000,00, desfeita a sentença no restante.

É o voto.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8024

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoAgravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0001079‑60.2016.4.02.0000 (2016.00.00.001079‑0)Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaAgravante: Diogo Vasconcellos SilvaAdvogado: Alexandre Severiano DuarteAgravado: União FederalProcurador: Advogado da UniãoOrigem: 4ª Vara Federal Cível (00004623520164025001)

EmENtaAgrAVo de INStrumeNto – coNcurSo PÚBlIco – ANtecIPAção doS eFeItoS dA tutelA – mANuteNção e PArtIcIPAção NAS demAIS FASeS do certAme – AuSÊNcIA doS reQuI-SItoS legAIS – recurSo deSProVIdo

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que in-deferiu o pedido de tutela antecipada pelo qual objetiva o ora Agravante seja a Ré “compelida a manter e permitir a participação do Requerente nas demais Etapas previstas no Edital, em igualdade de condições com os demais candidatos aprovados, inclusive no Curso de Formação, até o julgamento final da lide, sendo imediatamente arbitrada multa comina-tória para o caso de não cumprimento da decisão, nos termos do § 4º do art. 461 do CPC” (fl. 57).

2. Não vislumbrada a verossimilhança necessária ao deferimento do pe-dido de antecipação da tutela, na medida em que não se identifica qual-quer ilegalidade ou a alegada arbitrariedade na previsão estabelecida no item 2.1 do edital do concurso em questão acerca da distribuição de vagas para o cargo de Capelão Militar conforme as Igrejas Católica, As-sembleia de Deus e Igreja Batista, eis que o art. 10 da Lei nº 6.923/1981 assegura que o quadro de Capelães Militares deve observar a proporcio-nalidade das religiões professadas na respectiva força.

3. Afastado ainda o risco de perecimento do direito, considerando que há expressa previsão no edital de “listagem de candidatos reserva”, para alocar os candidatos aprovados nas etapas, mas não classificados dentro do nº de vagas existentes, consoante destacou o Magistrado a quo.

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4. Apenas em casos de decisão teratológica, proferida com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções.

5. Agravo de instrumento desprovido.

acórdãO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao agravo de instrumento, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 20 de julho de 2016.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

rELatóriO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efei-tos da tutela recursal, interposto por Diogo Vasconcellos Silva contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Espí-rito Santo, nos autos da Ação Ordinária nº 0000462-35.2016.4.02.5001, que indeferiu o pedido de tutela antecipada pelo qual objetiva o ora Agravante seja a Ré “compelida a manter e permitir a participação do Requerente nas demais Etapas previstas no Edital, em igualdade de condições com os demais candida-tos aprovados, inclusive no Curso de Formação, até o julgamento final da lide, sendo imediatamente arbitrada multa cominatória para o caso de não cumpri-mento da decisão, nos termos do § 4º do art. 461 do CPC” (fl. 57).

Em suas razões, aduziu o Agravante que, “ao indeferir o pedido de limi-nar de simples manutenção do Agravante no certame até o julgamento final da lide, está o Juízo a quo, cerceando direito básico do Agravante, além de ofender o princípio do duplo grau de jurisdição, fazendo com que a Ação Originária perca seu objeto”. Alegou que “o ente organizador do concurso não poderia, em flagrante preterição à religião católica e violação à Lei nº 6.923/1981, fazer a separação de vagas no edital tal como foi feito, ofertando mais que o triplo de

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vagas aos católicos do que aos pastores da Assembleia de Deus e Igreja Batista”, havendo, igualmente, “violação ao art. 5º, VI da Constituição Federal”. Afirmou que “com a arbitrária separação de vagas entre católicos e evangélicos, o Agra-vante, que é pardo, ficou impossibilitado de concorrer à vaga destinada aos candidatos negros, que apenas foi privilégio dado aos candidatos católicos”. Por fim, asseverou que “no mês de março de 2016 começa a Etapa inerente ao Curso de Formação (CFO), o que comprova a necessidade de se conceder a tutela antecipada”.

À fl. 117 foi determinada a intimação da parte agravada e a vista dos autos ao Ministério Público Federal.

À fl. 118 peticionou o Agravante reiterando o pedido de liminar, alertan-do que a concentração de candidatos para o Curso de Formação do referido certame se dará no dia 07.03.2016.

Por decisão (fls. 120/126) foi indeferido o requerimento de antecipa-ção dos efeitos da tutela recursal, bem como foi determinada a manifesta-ção da Agravada e a oitiva do MPF, tendo sido apresentadas contrarrazões às fls. 130/134.

O Ministério Público Federal, em manifestação de fls. 62/67, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

vOtO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que inde-feriu o pedido de tutela antecipada pelo qual objetiva o ora Agravante seja a Ré “compelida a manter e permitir a participação do Requerente nas demais Etapas previstas no Edital, em igualdade de condições com os demais candidatos apro-vados, inclusive no Curso de Formação, até o julgamento final da lide, sendo imediatamente arbitrada multa cominatória para o caso de não cumprimento da decisão, nos termos do § 4º do art. 461 do CPC” (fl. 57).

Às fls. 120/126 foi proferida decisão que indeferiu o pedido de antecipa-ção dos efeitos da tutela recursal, na qual restou consignado que:

“A decisão agravada restou fundamentada nos seguintes termos:

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‘Trata-se de Ação Ordinária proposta por Diogo Vasconcellos Silva em face da União, por meio da qual objetiva, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, seja a ré compelida a permitir a sua participação nas demais etapas do concurso público para ingresso no quadro de Capelães Navais do Corpo Auxiliar da Marinha, em igualdade de condições com os demais candidatos aprovados, até o julgamento final da demanda, bem como sejam unificadas as vagas ofertadas pelo edital de abertura, a fim de que a concorrência seja considerada universalmente em relação às 06 (seis) vagas, sem diferenciar os cargos considerando religiões específicas.

O autor afirma que foi aberto concurso público para provimento de 06 (seis) vagas de Capelães Navais do Corpo Auxiliar da Marinha, cargo que, nos termos da Lei nº 6.923/1981, exige formação teológica regular de nível universitário, sem ressalvar determinada área ou religião. Ocorre que o edital do certame, sem observância da mencionada lei e afrontando o princípio da isonomia, distribuiu as 06 (seis) vagas da seguinte forma: 04 (quatro) para Sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana (sendo uma vaga destinada aos negros); 01 (uma) para Pastor da Igreja Assembleia de Deus; e 01 para Pastor da Igreja Batista.

Esclarece que é formado em Teologia e que foi obrigado a optar pela área de atuação referente ao seu sacerdócio (Pastor da Assembleia de Deus), mesmo possuindo condições de atuar em qualquer uma delas, bem como impedido de concorrer às vagas reservadas aos negros, embora tenha se autodeclarado pardo na ocasião da inscrição. Destaca que ficou em 2º lugar na classificação para Pastor da Assembleia de Deus, tendo alcançado a segunda maior nota de todo o certame, já que sua pontuação foi maior do que todos os candidatos católicos. Finaliza no sentido de que tem urgência no deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, pois a nomeação dos aprovados está prevista para fevereiro/março de 2016.

É o relatório.

Após a análise das alegações aduzidas na inicial e dos documentos constantes dos autos, não vislumbro, em sede de cognição sumária, a existência dos requisitos do art. 273 do CPC.

De fato, a Lei nº 6.923/1981, em seu art. 4º, estabelece que o Serviço de Assistência Religiosa pode ser prestado por Capelães que pertençam a qualquer religião, indicando, também, em seu art. 18, que, para ingresso no respectivo quadro, é preciso ter formação teológica regular de nível universitário. Confira:

Art. 4º O Serviço de Assistência Religiosa será constituído de Capelães Militares, selecionados entre sacerdotes, ministros religiosos ou pastores, pertencentes a qualquer religião que não atente contra a disciplina, a moral e as leis em vigor.

Parágrafo único. Em cada Força Singular será instituído um Quadro de Capelães Militares, observado o efetivo de que trata o art. 8º desta Lei.

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[...]

Art. 18. Para o ingresso no Quadro de Capelães Militares será condição o prescrito no art. 4º desta Lei, bem como:

I – ser brasileiro nato;

II – ser voluntário;

III – ter entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

IV – ter uso de formação teológica regular de nível universitário, e conhecido pela autoridade eclesiástica de sua religião;

V – possuir, pelo menos, 3 (três) anos de atividades pastorais;

VI – ter consentimento expresso da autoridade eclesiástica da respectiva religião;

VII – ser julgado apto em inspeção de saúde; e

VIII – receber conceito favorável, atestado por 2 (dois) oficiais superiores da ativa das Forças Armadas. (grifei)

O edital de abertura do concurso objeto dos autos, cuja cópia consta das fls. 35/68, estabelece, no item 2.1 (fl. 36), o seguinte:

2.1 – O presente Concurso Público destina-se ao preenchimento de 4 (quatro) vagas para Sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana, sendo 1 (uma) vaga destinada aos negros (Lei nº 12.990/2014), 1 (uma) vaga para Pastor da Igreja Assembleia de Deus e 1 (uma) vaga para Pastor da Igreja Batista.

Consoante é cediço, o edital é ato normativo emanado da Administração Pública para disciplinar a tramitação do processo seletivo, encontrando-se, assim, subordinado à lei e vinculando tanto a Administração quanto os participantes do concurso, que dele não podem afastar-se, a não ser quanto a previsões que conflitem com regras e princípios superiores, legais ou constitucionais.

A tese inicial do autor baseia-se no fato de que, se a mencionada lei exige apenas formação teológica como requisito para ingresso no cargo de Capelão Militar, garantindo, ao mesmo tempo, aos pertencentes de qualquer religião, a possibilidade de prestar o Serviço de Assistência Religiosa, deveria a Marinha do Brasil abrir concurso público distribuindo todas as vagas disponíveis para teólogos de todas as religiões, sem considerar a religião de cada um. Sustenta, ainda, que tal distribuição de vagas configura afronta aos princípios da isonomia e da legalidade, esclarecendo que foi profundamente prejudicado, na medida em que possui condições para prestar serviço de assistência religiosa tanto para católicos quanto para evangélicos.

Não assiste razão ao autor. A Lei nº 6.923/1981, ao afirmar que o Serviço de Assistência Religiosa pode ser prestado por Capelães Militares de “qualquer religião que não atente contra a disciplina, a moral e as leis em vigor”,

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não garante aos sacerdotes, ministros religiosos ou pastores de quaisquer religiões a possibilidade de concorrer ao cargo, tanto que, em seu art. 10, consigna expressamente que o quadro de Capelães Militares deve observar a proporcionalidade das religiões professadas na respectiva força. Veja:

Art. 10. Cada Ministério Militar atentará para que, no posto inicial de Capelão Militar, seja mantida a devida proporcionalidade entre os Capelães das diversas regiões e as religiões professadas na respectiva Força.

Na verdade, o que a Lei nº 6.923/1981 pretende é que, sendo o Brasil um Estado laico, não haja discriminação a determinadas religiões, e não que as vagas de Capelães Militares sejam oferecidas universalmente a teólogos de qualquer religião. O autor acredita que, por ser teólogo, “pode atuar em diferentes áreas” (fl. 05). Ocorre que a assistência religiosa prestada pelos Capelães não demanda apenas o conhecimento sobre religiões, mas também a realização de missas, cultos etc. A prevalecer a tese autoral, um Capelão Naval da Igreja Batista, desde que seja teólogo, poderia muito bem celebrar uma missa para os católicos, bem como ministrar um culto para os evangélicos da Assembleia de Deus.

Ora, sem subestimar o conhecimento do autor, que pode muito bem ser profundo em relação a todas as religiões, o cargo de Capelão Militar pressupõe que o sacerdote, ministro religioso ou pastor, professe uma determinada religião. Não por outro motivo exige-se do candidato não apenas o “uso de formação teológica de nível universitário”, como também que tal exercício seja “reconhecido pela autoridade eclesiástica de sua religião” (art. 18, inciso IV).

Ademais, não faria sentido, por exemplo, que em uma determinada Força Militar, composta quase em sua totalidade por católicos, houvesse apenas evangélicos a prestar o serviço de assistência religiosa, o que aconteceria caso nenhum católico obtivesse êxito no certame. Assim, como a própria lei garante aos militares a observância da proporcionalidade das religiões professadas na respectiva Força, não há que se falar em afronta aos princípios da isonomia e da legalidade. Destarte, mesmo que o autor, Pastor da Assembleia de Deus, tivesse condições de celebrar uma missa para fiéis católicos, dificilmente cumpriria o requisito legal de reconhecimento do uso de sua formação teológica pela autoridade eclesiástica da Igreja Católica.

A propósito, embora no edital (item 1.6, fl. 36) conste que o exercício das funções pode ocorrer em Organizações Militares da Marinha situadas em qualquer Unidade da Federação, de acordo com as suas qualificações e atendendo à conveniência do serviço, isso não significa, conforme argumenta o autor, que o Pastor da Igreja Assembleia possa ser transferido para exercer o cargo de Capelão Naval como Sacerdote da Igreja Católica, o que indicaria o paradoxo do próprio edital do certame, que injustificadamente, já na abertura, prevê mais vagas para uma determinada religião, embora posteriormente pudesse haver mudança na área de atuação. Na verdade, o atendimento

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à conveniência do serviço diz respeito à lotação em que o Capelão Naval poderá exercer o seu cargo, e não, obviamente, à mudança de sua crença.

Estabelecida a premissa segundo a qual o edital objeto dos autos, ao distribuir as vagas de Capelães Navais entre religiosos da Igreja Católica, da Assembleia de Deus e da Igreja Batista, não violou princípios constitucionais, cai por terra a tese constante da petição inicial, no sentido de que teria sido cerceado o direito do autor de concorrer à vaga destinada aos negros. É que, como houve a previsão de apenas uma vaga para Pastores da Assembleia de Deus, reservá-la aos candidatos negros seria o mesmo que lhes garantir 100% (cem por cento) das vagas, o que impossibilitaria a ampla concorrência.

Com relação à alegação de que, a partir da comparação das notas de todos os candidatos, o autor teria atingido a segunda colocação na classificação geral, o que lhe garantiria concorrer à vaga para candidatos negros, trata-se de pretensão manifestamente ilegítima, na medida em que tal comparação de notas é absurda, tendo em vista que, de acordo com o edital, o conteúdo programático é diferenciado de acordo com a religião de escolha do candidato, pelo que se conclui que os candidatos a vagas de Sacerdotes da Igreja Católica, de Pastor da Igreja da Assembleia de Deus e de Pastor da Igreja Batista submeteram-se a provas distintas, o que inviabiliza a simples comparação numérica das notas obtidas pelos candidatos.

Não há, portanto, verossimilhança nas alegações do autor. E mesmo se houvesse, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também não estaria presente, uma vez que o indeferimento do pedido de antecipação de tutela não sacrifica, neste momento, a participação do autor nas demais etapas do certame e sua futura convocação, nos termos os itens 14.3 e 14.4 do edital:

14.3 – O candidato aprovado em todas as etapas, mas não classificado no número de vagas existentes, será considerado candidato reserva.

14.4 – A listagem de candidatos reservas tem por finalidade permitir a convocação para preenchimento de vagas não completadas em razão de alguma eventual desistência de candidatos titulares, desde que tal convocação se dê dentro da vigência do Concurso Público.

Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Defiro o benefício da gratuidade da justiça.

À Sedic para retificar a autuação, substituindo, no polo passivo, Marinha do Brasil por União.

Citem-se os réus.

Publique-se. Intimem-se.’

Em que pese as irresignadas alegações do Agravante, não vislumbro a verossimi-lhança necessária ao deferimento do pedido de antecipação da tutela recursal, na medida em que não se identifica qualquer ilegalidade ou a alegada arbitrariedade

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na previsão estabelecida no item 2.1 do edital do concurso em questão acerca da distribuição de vagas para o cargo de Capelão Militar conforme as Igrejas Cató-lica, Assembleia de Deus e Igreja Batista, eis que o art. 10 da Lei nº 6.923/1981 assegura que o quadro de Capelães Militares deve observar a proporcionalidade das religiões professadas na respectiva força.

Por outro lado, a reserva de vagas para os negros observou a regra do § 1º do art. 1º da Lei nº 12.990/2014, segundo a qual, ‘a reserva de vagas será aplica-da sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três)’, o que apenas se verificou em relação aos candidatos para Sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana, para os quais foram oferecidas 4 (quatro) vagas.

Resta afastado ainda o risco de perecimento do direito, considerando que há expressa previsão no edital de ‘listagem de candidatos reserva’, para alocar os candidatos aprovados nas etapas, mas não classificados dentro do nº de vagas existentes, consoante destacou o Magistrado a quo.

Outrossim, conforme entendimento adotado por esta Egrégia Corte, apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções.

A respeito do tema, vale conferir os precedentes desta Corte: Ag 2003.02.01.008962-4, 3ª T., Desª Fed. Tânia Heine, DJU de 17.05.2004, p. 272; Ag 99.02.10697-8, 5ª T., Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa, DJU de 01.06.2000; Ag 99.02.05560-4, 4ª T., Des. Fed. Rogério Carvalho, Rel. p/ Ac. Des. Fed. Fernando Marques, DJU de 19.09.2002, p. 303; Ag 99.02.14432-2, 1ª T., Des. Fed. Ney Fonseca, DJU de 12.04.2001; Ag 2000.02.01.052372-4, 2ª T., Des. Fed. Sergio Feltrin Cor-rea, DJU de 20.03.2002, p. 673; Ag 98.02.09097-2; 3ª T., Des. Fed. Arnaldo Lima, DJU 17.11.1998. Além disso, considera-se que ‘o Juízo onde tramita o feito, por acompanhá-lo com mais proximidade, detém maiores subsídios para a concessão ou não de medidas liminares ou antecipatórias de tutela. Ao Tribunal ad quem somente cabe substituir a decisão inserida na esfera de competência do Juiz que dirige o processo, quando ficar patenteada flagrante ilegalidade ou situação outra com premente necessidade de intervenção’ (TRF 2ª R., Agravo de Instrumento nº 70807, Processo nº 200002010730262/RJ, 2ª T., Rel. Des. Fed. Sérgio Feltrin Correa, DJU Data: 17.01.2002).

Do exposto, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Cumpram-se as determinações exaradas no despacho de fl. 117.”

Assim, não tendo sido trazido aos autos qualquer outro fundamento que pudesse abalar o entendimento que motivou a decisão que indeferiu a atribui-ção de efeito suspensivo ativo pretendido pelo Agravante, que já se aprofundou

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no exame do mérito, cumpre apenas mantê-la, sem a necessidade de novas considerações.

De todo o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8025

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 16.08.2016Remessa Necessária Cível nº 000811759.2012.4.03.6104/SP2012.61.04.0081178/SPRelator: Desembargador Federal Nelton dos SantosParte Autora: Mercearia e Bomboniere Towa Ltda. EPPAdvogado: SP086542 Jose Cardoso de Negreiros Szabo e outro(a)Parte ré: Agência Nacional de Vigilância Sanitária – AnvisaAdvogado: SP078638 Mauro Furtado de LacerdaRemetente: Juízo Federal da 2ª Vara de Santos > 4ª SSJ > SPNº Orig.: 00081175920124036104 2ª Vr. Santos/SP

EmENtaAdmINIStrAtIVo – mANdAdo de SegurANçA – ImPortAção – greVe doS SerVIdoreS reSPoNSáVeIS Pelo deSemBArAço AduANeIro – mercAdorIA PerecíVel

1. O direito de greve dos servidores públicos civis, garantido constitu-cionalmente, deve ser exercido nos termos e limites da lei, devendo ser mantidos os serviços essenciais, em respeito ao princípio da continuida-de dos serviços públicos.

2. Dentre os serviços essenciais, insere-se a atividade desenvolvida pela impetrada, qual seja, a de fiscalização sanitária. Esta atividade não pode cessar completamente devido à greve dos servidores, pois isso prejudica as atividades econômicas da impetrante e, por via de consequência, a coletividade.

3. O direito líquido e certo da impetrante restringe-se a obter o despacho aduaneiro das importações comprovadas nos autos, não abrangendo as importações futuras a serem realizadas por ela.

4. Remessa oficial desprovida.

acórdãO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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São Paulo, 04 de agosto de 2016.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

rELatóriO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de reexame necessário em mandado de segurança impetrado por Mercearia e Bomboniere Towa Ltda. EPP, a fim de obter a segurança para determinar à autoridade impetrada a análise das anuências nas licenças de importação, inde-pendentemente da greve dos servidores.

O MM. Juiz de primeiro grau concedeu a segurança em parte para de-terminar a análise dos requerimentos de fiscalização e liberação sanitária das mercadorias descritas nas licenças de importação mencionadas na inicial.

O Ministério Público Federal em parecer de lavra do e. Procurador Re-gional da República Sergio Fernando das Neves opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

vOtO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): No pre-sente writ, discute-se se a impetrante tem direito a obter da impetrada a análise dos requerimentos de fiscalização das mercadorias perecíveis, com consequen-te liberação dos produtos importados, independentemente da greve dos servi-dores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

A impetrante sustenta, em síntese, que em razão da greve dos servidores públicos, a impetrada nega-se a proceder à verificação e liberação dos produtos importados que constituem gêneros alimentícios, e podem vir a perecer se fica-rem parados aguardando a anuência da impetrada.

O direito de greve dos servidores públicos civis, garantido constitucio-nalmente, deve ser exercido nos termos e limites da lei, devendo ser mantidos

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os serviços essenciais, em respeito ao princípio da continuidade dos serviços públicos.

Nesse sentido, verifica-se que dentre os serviços essenciais, insere-se a atividade desenvolvida pela impetrada, qual seja, a de fiscalização sanitária. Esta atividade não pode cessar completamente devido à greve dos servidores, pois isso prejudica as atividades econômicas da impetrante e, por via de conse-quência, a coletividade.

A corroborar o entendimento acima esposado colho os seguintes prece-dentes:

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – DEFERIMENTO DE LIMI-NAR – LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS – GREVE DE SERVIDO-RES – DIREITO AO DESEMBARAÇO ADUANEIRO – VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA – Não cabe ao particular arcar com qualquer ônus em de-corrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular. Devem as merca-dorias ser liberadas, para que a parte não sofra prejuízo. Recurso não conhecido. Decisão unânime.” ..EMEN: (STJ, REsp 199800461787, Franciulli Netto, 2ª T., DJ Data: 12.11.2001, p. 00133, LEXSTJ v. 00149, p. 00112, RSTJ v. 00153, p. 00187 ..DTPB:.)

“DIREITO CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – TRIBUTÁRIO – ADUA-NEIRO – DESEMBARAÇO – IMPORTAÇÃO – GREVE DOS SERVIDORES PÚ-BLICOS – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (MAPA) – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – EXTENSÃO – 1. Ainda que em greve, os servidores públicos devem atender às necessidades essenciais dos administrados, provendo os meios para a prestação de serviços mínimos e essenciais, assim, no que concerne ao regular processamento dos pedidos de desembaraço aduaneiro. 2. Tal direito não significa, por evidente, a liberação automática da importação/exportação, sem qualquer controle ou fiscalização aduaneira. 3. Precedentes.” (TRF 3ª R., REOMS 00111776220064036100, Des. Fed. Carlos Muta, 3ª T., DJF3 Data: 15.07.2008 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – IMPORTAÇÃO – GRE-VE DOS SERVIDORES RESPONSÁVEIS PELO DESEMBARAÇO ADUANEIRO – MERCADORIA INDISPENSÁVEL AO FUNCIONAMENTO DAS ATIVIDADES DO IMPORTADOR

O exercício do direito de greve, garantia constitucional assegurada aos servidores públicos, há de preservar a continuidade do serviço público essencial, pena de inconstitucionalidade do movimento grevista. A realização da greve dos servi-dores responsáveis pelo desembaraço aduaneiro de mercadoria importada e sua consequente liberação, após cumpridas as formalidades legais, não pode preju-dicar o desembaraço de mercadoria perecível ou indispensável para o funcio-

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namento das atividades do importador. Remessa oficial improvida.” (TRF 3ª R., REOMS 00084752420124036104, Desª Fed. Marli Ferreira, 4ª T., eDJF3 Judicial 1 Data: 01.10.2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

“ADMINISTRATIVO – IMPORTAÇÃO – MERCADORIA INDISPENSÁVEL AO FUNCIONAMENTO DAS ATIVIDADES DO IMPORTADOR – GREVE DOS SER-VIDORES RESPONSÁVEIS PELO DESEMBARAÇO ADUANEIRO

1. Não prospera a alegação de extinção do processo, sem julgamento do mérito, a teor do art. 267, inc. IV, do CPC, tendo em vista que as mercadorias somente foram liberadas em cumprimento da liminar, conforme se verifica do Ofício-GAB10814265, expedido pelo Inspetor da Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos, informando o MM. juízo a quo de tal cumprimento.

2. O exercício do direito de greve, garantia constitucional assegurada aos ser-vidores públicos, há de preservar a continuidade do serviço público essencial, pena de inconstitucionalidade do movimento grevista.

3. A realização da greve dos servidores responsáveis pelo desembaraço adua-neiro de mercadoria importada e sua consequente liberação, após cumpridas as formalidades legais, não pode prejudicar o desembaraço de mercadoria perecível ou indispensável para o funcionamento das atividades do importador.”

(TRF 3ª R., AMS 00035006020024036119, Des. Fed. Mairan Maia, 6ª T., eDJF3 Judicial 1 Data: 19.04.2010, p. 386) (grifei)

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – GREVE DE SERVIDORES – ANVISA – LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS – NECESSIDADE DA PRESENÇA DE PLENAS CONDIÇÕES SANITÁRIAS – OBSTACULIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DO OBJETO SOCIAL – EQUILÍBRIO ENTRE OS DIREITOS EN-VOLVIDOS – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA – REMESSA OFICIAL IMPROVIDA

I – Considerando o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julga-mento do Mandado de Injunção nº 670/ES, aos servidores públicos civis aplica-se a Lei nº 7.783/1989, pelo que, conquanto o direito de greve seja uma garantia constitucional, assegurada inclusive aos servidores públicos, deve ser exercido nos termos e nos limites da lei, devendo ser mantidos os serviços essenciais, de forma a não prejudicar os direitos dos demais cidadãos.

II – A greve dos servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária não pode prejudicar a liberação de mercadorias importadas, porquanto essa descontinui-dade do serviço pode trazer prejuízos aos particulares, na medida em que obsta-culiza o exercício de seu objeto social.

III – Determinação para que seja dado andamento aos trâmites para garantir as liberações das mercadorias importadas, inclusive com a formação, se necessário, de uma equipe mínima para tal desiderato, durante o período de paralisação.

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IV – Necessidade de manutenção de um equilíbrio entre os interesses envolvidos, quais sejam, possibilidade de obstaculização do objeto social da Impetrante, de um lado e a necessidade de que as mercadorias importadas estejam em plenas condições sanitárias, de outro.

V – Remessa Oficial improvida.”

(TRF 3ª R., REOMS 00020703420064036119, Desª Fed. Regina Costa, 3ª T., eDJF3 Judicial 1 Data: 28.09.2009, p. 248)

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – PERDA DE OBJETO – INOCORRÊNCIA – GRE-VE DOS SERVIDORES PÚBLICOS – FATO NOTÓRIO – MERCADORIAS IMPOR-TADAS INDISPENSÁVEIS À CONTINUIDADE DAS ATIVIDADES DA EMPRESA

1. Muito embora a liminar concedida revista-se de cunho satisfativo no plano fático, cabível o julgamento de mérito do presente mandamus, tendo em vista que o desembaraço aduaneiro da mercadoria importada somente ocorreu após a intervenção do Poder Judiciário.

2. A ocorrência de greve é fato público e notório e, como tal, não depende de prova. Inteligência do art. 334, I, do CPC).

3. O exercício do direito de greve no setor público, assegurado constitucional-mente, não afasta a responsabilidade da Administração Pública por danos cau-sados aos administrados, devendo ser preservada a continuidade do serviço pú-blico essencial.

4. A greve dos servidores públicos federais não pode paralisar o desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas indispensáveis ao regular prosseguimento das atividades da empresa importadora.

5. Apelação e Remessa Oficial improvidas.”

(TRF 3ª R., 6ª T., AMS 244184, Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida, J. 01.09.2004, DJ 24.09.2004, p. 493)

Há de se ressaltar, no entanto, que o direito líquido e certo da impetrante restringe-se a obter o despacho aduaneiro das importações comprovadas nos autos, não abrangendo as importações futuras a serem realizadas por ela.

De rigor, portanto, a manutenção de sentença nos exatos termos em que foi proferida.

Ante o exposto, nego provimento ao reexame necessário.

É como voto.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8026

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 16.08.2016Apelação/Remessa Necessária nº 0655667‑27.1991.4.03.6107/SP2004.03.99.026427‑3/SPRelator: Juiz Federal Convocado Alessandro DiafériaApelante: Vilma Margarete Borges Rodrigues SilvaAdvogado: SP125065 Milton Vieira da SilvaApelante: Serafim Rodrigues de Moraes Filho – espólioAdvogado: SP104111 Fernando Campos ScaffRepresentante: Maria Terezinha Oriente Rodrigues de MoraesAdvogado: SP104111 Fernando Campos Scaff e outro(a)Apelante: Maria dos Anjos Rodrigues dos Quirinos de Moraes e outro(a)

Maria Madalena Alves ParreiraAdvogado: SP073264 Joao Rosa FilhoApelante: Sebastião Casiano Campos Rodrigues de MoraesAdvogado: SP104111 Fernando Campos ScaffSucedido(a): Serafim Rodrigues de Moraes falecido(a)Apelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – IncraProcurador: MA002286 Marcia Maria Freitas Trindade e outro(a)Advogado: SP000361 Paulo Sérgio Miguez UrbanoApelante: Ministério Público FederalProcurador: Paulo de Tarso Garcia AstolphiApelado(a): os mesmosExcluído(a): Vera Arantes CamposRemetente: Juízo Federal da 2ª Vara de Araçatuba Sec. Jud./SPNº Orig.: 91.06.556671 2ª Vr. Araçatuba/SP

EmENtaAPelAção – mAtérIA PrelImINAr – Ação de INdeNIzAção – dANoS mAterIAIS – dANoS emergeNteS e lucroS ceSSANteS – deSAProPrIAção INdIretA – ocuPAção de ImóVel rurAl

1. No exame do presente recurso aplicar-se-á o CPC/1973.

2. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é parte legítima para figurar no polo passivo da causa.

3. A extinção do processo sem resolução de mérito, em relação ao pedi-do de indenização por lucros cessantes, deve ser mantida, embora por

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fundamento diverso (falta de interesse processual), pois seu objeto é o mesmo da desapropriação indireta já ajuizada pelos expropriados.

4. O caso em exame trata de demanda indenizatória e não de desapro-priação ou de litígio coletivo pela posse da terra rural (CPC/1973, art. 82, III), dizendo respeito, por conseguinte, a simples interesse patrimonial da Administração Pública (interesse público secundário), o que traz dú-vidas quanto à real necessidade de intervenção do Ministério Público e, portanto, quanto à sua legitimidade recursal (CPC/1973, art. 499, § 2º). Inexistência de prejuízo no enfrentamento das questões suscitadas pelo Parquet, até mesmo por força dos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da economia processual, evitando-se uma maior demora no trâmite do feito. Nessa linha, a preliminar de nulidade alegada pelo Ministério Público em sua apelação não merece prosperar, pois a parte autora deduziu pedido de indenização decorrente não apenas dos atos praticados pelos pretensos invasores, mas também da depreciação da área litigiosa em razão da negligência do Incra no desempenho da fun-ção de depositário do bem.

5. A sentença deve ser mantida, porquanto evidenciados os elementos necessários à responsabilidade do Estado (CF, art. 37, § 6º).

6. O Incra ajuizou ação cautelar de sequestro da área onde se encon-tra a “Fazenda Timboré”, sendo nomeada sua Superintendente Regio-nal como fiel depositária do imóvel. O pleito liminar foi deferido e, em 25.08.1989, a Superintendente Regional foi nomeada depositária. Nos termos do art. 629 do Código Civil, o depositário tem o dever de guardar e conservar a coisa depositada, bem como restituí-la quando solicitado. A prova dos autos, entretanto, revela a ocorrência de danos no período em que o Incra estava como depositário da “Fazenda Timboré”.

7. Demonstrada a conduta omissiva da Autarquia suficiente para gerar o dever de indenizar.

8. A responsabilidade objetiva do Estado se assenta na Teoria do Risco Administrativo, de sorte que seu dever de responder decorre da simples existência de nexo causal entre a conduta estatal e o dano específico e anormal dela decorrente.

9. No tocante aos danos emergentes, há que prevalecer o laudo pericial, que bem discriminou as quantias necessárias à reparação das benfeito-rias mal conservadas ou destruídas. Não há provas, contudo, acerca do alegado abate de reses.

10. Matéria preliminar rejeitada. Remessa oficial e apelações desprovidas.

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acórdãO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 09 de agosto de 2016.

Alessandro Diaféria Juiz Federal Convocado

rELatóriO

O Senhor Juiz Federal Convocado Alessandro Diaféria (Relator): Trata--se de apelações interpostas pelo Espólio de Serafim Rodrigues de Moraes e Teresinha Oriente Rodrigues de Moraes, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em face da sentença (fls. 1057/1062v) proferida pela MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Araçatuba/SP.

Com efeito, a demanda trazida neste processo refere-se à indenização por perdas e danos ocorridos no imóvel de propriedade do polo autor, situado nos municípios de Andradina/SP e Castilho/SP e denominado “Fazenda Tim-boré”, danos esses que teriam ocorrido após a autarquia ré obter liminar de sequestro da área, como medida acautelatória da desapropriação por interesse social e reforma agrária, investindo-se na condição de depositária do bem.

Referidos danos, segundo a inicial, teriam sido cometidos por integrantes do Movimento dos Sem-Terra – MST, que ocuparam parte da fazenda e passa-ram a destruir cercas, instalações e pastagens, a matar gado, além de ameaçar empregados, prática que visava à inviabilização do empreendimento rural.

O feito tramitou, inicialmente, pela 21ª Vara Federal de São Paulo, tendo sido realizada perícia (fls. 155/303), sendo objeto de laudo divergente pelo assis-tente técnico da autarquia ré e de subsequentes esclarecimentos. Posteriormen-te, em 13.12.1999, o feito foi deslocado para a Justiça Federal em Araçatuba, onde, após deliberação específica sobre o ponto e audiência de tentativa de conciliação, veio a receber sentença que julgou procedente a pretensão formu-lada e, por isso, condenou a autarquia ré a indenizar o polo autor (fls. 617/622).

Com apelação do Incra, os autos chegaram a esta Corte em 14.06.2004, sendo distribuídos ao gabinete do e. Desembargador Federal Johonsom Di

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Salvo, que o levou a julgamento perante a C. 1ª Turma em 26.09.2006, ocasião em que a referida sentença foi anulada, em remessa oficial, por ser considerada extra petita, prejudicado o apelo da autarquia.

O recurso especial do polo autor não foi admitido (fls. 929/931) e o feito retornou à 2ª Vara Federal de Araçatuba em 03.03.2008.

Diante do falecimento do autor, foi iniciado o procedimento de habili-tação, bem como sobrevieram novos esclarecimentos do perito (fls. 980/982), objeto de manifestação do Incra.

Após intervenção ministerial (fls. 1044/1055), pugnando pela improce-dência da pretensão, sobreveio a sentença ora objeto de exame, que julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil/1973, em relação ao pedido de indenização por lucros ces-santes, por impossibilidade jurídica, e julgou parcialmente procedente o pedido relativo à indenização por danos materiais causados na “Fazenda Timboré”, para condenar o Incra ao pagamento de R$ 573.064,00 (quinhentos e setenta e três mil reais e sessenta e quatro reais) fls. 1.057/1.061-verso.

A sentença determinou, ainda, que os valores deveriam ser corrigidos monetariamente a partir de março de 1995, conforme informado no laudo pe-ricial, explicitando que os juros de mora são devidos desde a data da citação e, para fins de atualização monetária e juros, ordenou a observância do Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal até a data de 01.07.2009, a partir de quando haverá a incidência, uma única vez, até o efe-tivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, em virtude da edição da Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Em face da sucumbência recíproca, aplicou o disposto no art. 21 do Código de Processo Civil/1973, compensando-se os honorários advocatícios e repartindo-se as cus-tas proporcionalmente.

Decidiu, ainda, que o réu deverá ressarcir à parte autora metade das custas processuais já adiantadas, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Lei nº 9.289/1996, bem como metade dos honorários periciais pagos pelos re-querentes.

Inconformado, o polo autor apelou (fls. 1.063/1.084), pugnando pela re-forma parcial da sentença para que o Incra seja condenado ao pagamento, além das verbas já fixadas na sentença, dos lucros cessantes apurados pelo laudo pe-ricial, devidos desde a data do sequestro até o momento do efetivo pagamento; bem como dos danos emergentes não contemplados na sentença, em especial

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no tocante ao ressarcimento do valor do rebanho existente no imóvel à época do sequestro e que de lá desapareceu, sem que a autarquia federal ou a deposi-tária tomassem qualquer providência para impedir tal dano.

Requer, ainda, seja o Incra condenado ao pagamento integral das verbas de sucumbência.

Por sua vez, o Ministério Público Federal, apresentou recurso de ape-lação (fls. 1096/1105v), arguindo, preliminarmente, a nulidade da sentença, ao passo que esta violou o princípio da adstrição, configurando julgamento extra petita, pois o pedido dos autores estaria adstrito exclusivamente aos da-nos causados pelos “invasores” e não em razão do depósito feito aos cuidados da Superintendente do Incra. No mérito, pugnou pela reforma da sentença, ao argumento de que: 1) com base na teoria da substanciação, a causa de pedir não pode referir-se a danos ocorridos em período diferente de 30.08.1989 a 06.06.1991, em área maior que 357,5 hectares; 2) que não restou comprovado nexo de causalidade entre o depósito e algum dano; 3) que não há como excluir a culpa concorrente dos recorridos; e 4) que não há prova suficiente da autoria dos danos.

Contrarrazões do Incra ao apelo dos autores apresentadas às fls. 1107/1114.

Irresignado, também se insurge o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, apresentando recurso de apelação (fls. 1115/1123), no qual arguiu preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, tendo em vista que nunca teve a posse do imóvel e nunca interferiu nos negócios que ali eram praticados, nem mesmo designou servidor para tal finalidade, combinan-do-se com o fato de que terceiros esbulhados do imóvel não tinham e nunca tiveram nenhum vínculo com o apelante.

No mérito, requer a reforma da sentença, pois alega que não há qualquer prova de que os danos que porventura tenham ocorrido no imóvel, bem como, de que os negócios que os apelados possuíam na área, vieram a ser interrompi-dos por ato do apelante ou de preposto seu.

Contrarrazões do autor apresentadas às fls. 1.125/1.142.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 1.160/1.164v), opi-nando pelo desprovimento da apelação do espólio, pelo provimento parcial do apelo do Ministério Público Federal e do Incra.

É o relatório.

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vOtO

O Senhor Juiz Federal Convocado Alessandro Diaféria (Relator):

do AdVeNto do NcPc e SuAS ImPlIcAçõeS No cASo coNcreto

Esclareço, inicialmente, que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015) NCPC, em 18 de março de 2016, é necessário fazer algumas observações relativas aos recursos interpostos sob a égide do Código de Processo Civil anterior (Lei nº 5.869, de 11.01.1973) CPC/1973.

O art. 1.046 do NCPC dispõe que “[a]o entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

O art. 14 do NCPC, por sua vez, dispõe que “[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigên-cia da norma revogada”.

Esse último dispositivo citado decorre do princípio do isolamento dos atos processuais, voltado à segurança jurídica. Isso significa que os atos prati-cados sob a vigência de determinada lei não serão afetados por modificações posteriores. É a aplicação do princípio tempus regit actum.

Assim, os atos praticados durante o processo, na vigência do CPC/1973 não serão afetados pelo NCPC, tais como as perícias realizadas, os honorários advocatícios estabelecidos em sentença e os recursos interpostos.

Portanto, no exame do presente recurso, aplicar-se-á aos honorários ad-vocatícios o CPC/1973, pois a sentença, que os estabeleceu foi publicada sob a sua vigência, consolidando-se naquele momento o direito e o seu regime jurídico.

Pela mesma razão, não incide no caso a sucumbência recursal de que trata o art. 85, § 11, do NCPC.

Isso, aliás, é objeto do Enunciado nº 11 do Superior Tribunal de Justiça, aprovado em sessão plenária de 9 de março de 2016: “Somente nos recursos interpostos com decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possí-vel o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC”.

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Feitos esses esclarecimentos, passo ao exame do caso, mas não sem antes traçar um breve histórico sobre a desapropriação da “Fazenda Timboré”, a fim de contextualizar o objeto do presente litígio.

dA deSAProPrIAção dA FAzeNdA tImBoré e Seu coNteXto hIStórIco

Com base no Decreto Presidencial nº 92.688/1986, foi tentada, pela pri-meira vez, a desapropriação da mencionada Fazenda, tendo o Incra ingressado, em 31.07.1989, com a desapropriação autuada sob nº 89.00281267, perante a 21ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP, então competente para apreciar a matéria, de forma especializada. A petição inicial dessa ação, contudo, veio a ser indeferida, ao fundamento de que o Decreto havia caducado, pelo excesso do biênio na propositura da ação expropriatória. Referida sentença foi objeto de recurso para esta Corte (autos nº 90.03.0049629, Rel. DF Silveira Bueno, 1ª T.), ao qual foi dado provimento em 28.05.1991 (Publ. 01.07.1991), afastando-se a caducidade do decreto expropriatório. No entanto, houve recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que foi provido, restabelecendo a decisão de pri-meiro grau, no sentido da decadência do decreto expropriatório. Houve baixa definitiva deste feito em 30.03.1995.

Logo após o ajuizamento da ação de desapropriação acima mencionada, mais precisamente em 25.08.1989, o Incra propôs a medida cautelar de se-questro da área onde se encontra a “Fazenda Timboré”, autos nº 89.00312111 (fls. 87/89), sendo deferida a respectiva medida liminar no mesmo dia (fls. 90/95). Com isso, a Superintendente Regional da autarquia ré assumiu o encargo de fiel depositária do bem (fls. 66/67), de modo que o Incra tornou-se formalmente responsável pela guarda e conservação da propriedade rural.

Como é cediço e restando matéria incontroversa, parte da “Fazenda Timboré” foi ocupada por inúmeras pessoas que se diziam integrantes de mo-vimento social conhecido como MST (“Movimento dos Sem Terra”). Houve muito conflito e a tensão, à época era expressiva, surgindo daí a alegação de ocorrência de danos.

Referida ação cautelar de sequestro tramitou regularmente, mas veio a ser julgada improcedente e a medida liminar cassada, ao argumento de que não se entrevia o fumus boni iuris que justificasse a conversão da liminar de depósito em efetivo sequestro. É o que se depreende do julgamento proferido no Agravo Legal na Apelação Cível nº 2004.03.99.0264297, Rel. o DF Johon-som Di Salvo, 1ª T., proferido em 09.11.2010 (p. 22.11.2010), no bojo do qual a única questão que pendia de julgamento era a não condenação do Incra ao pagamento de verbas sucumbenciais na mencionada medida cautelar; a propó-sito, sobre o mérito da pretensão cautelar de sequestro, reconheceu-se, ainda,

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a perda da interesse da cautelar, tendo em vista a decisão do STF que anulou o decreto expropriatório, demonstrado o desinteresse na manutenção do depósito pela ausência de indicação de depositário, por parte do Incra. Tal feito cau-telar encontra-se em andamento no C. Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Benedito Gonçalves, aguardando decisão em recurso especial, haja vista que o Incra ficou obrigado a solver o ônus sucumbencial, nada constando acerca da matéria de mérito da pretensão acautelatória.

Aos 11.06.1991 sobreveio a propositura da presente demanda, cujo ob-jeto é o ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes do período em que o Incra, na condição de depositário da “Fazenda Timboré”, deixou de tomar as medidas cabíveis para proteger referido bem.

Em 1995, o Incra promoveu nova ação de desapropriação sobre a refe-rida área, autuada na origem sob nº 95.00048078 (2004.03.99.0264285 nesta Corte). Desta vez por força do Decreto Presidencial nº 93.021, a propriedade foi novamente declarada expropriada por interesse social para fins de reforma agrária. Os proprietários, irresignados, impetraram o Mandado de Segurança nº 22.1933 perante o Supremo Tribunal Federal, o qual veio a anular o decre-to expropriatório, tendo em vista a ausência de notificação prévia aos expro-priados para a realização da vistoria inicial tendente à elaboração do relatório agronômico de fiscalização. Por conta dessa decisão do STF, referida ação de desapropriação (nºs 95.00048078 e 2004.03.99.0264285 nesta Corte) foi extin-ta sem resolução de mérito. Houve remessa oficial e apelação do Incra contra a condenação ao pagamento de sucumbência, que foi provida para fim de reduzir o valor da verba honorária de 10% para 0,5% do valor da condenação com base na Medida Provisória nº 2183, feito que baixou à origem em 2009, com trânsito em julgado.

Mais recentemente, o polo autor promoveu nova ação em face da autarquia ré, desta vez visando ao ressarcimento de danos decorren-tes do que considera desapropriação indireta da “Fazenda Timboré” (autos nº 000057056.2012.4.03.6107).

Alega-se, na referida demanda, que até o momento os proprietários en-contram-se desapossados da área, sem receber qualquer indenização. Este feito iniciou em 28.02.2012 perante a Subseção Judiciária de Araçatuba, mas em 2013 foi remetido à Subseção Judiciária de Andradina, do local do bem, onde se encontra em tramitação, não tendo recebido sentença até o momento. Note--se que o valor da causa, conforme sistema processual, é de R$ 70.113.220,00 (setenta milhões, cento e treze mil, duzentos e vinte reais) à época da distri-buição.

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Situado o contexto histórico das demandas relacionadas à expropriação da “Fazenda Timboré”, seguimos adiante, circunscrevendo a deliberação ao objeto deste processo.

do oBjeto dA PreSeNte demANdA

Como visto acima, a presente demanda está situada num contexto de vá-rias outras controvérsias, tendentes a promover a desapropriação da “Fazenda Timboré”, sob o ponto de vista autárquico, e de ressarcimento, sob o prisma dos proprietários, atualmente na condição de sucessores dos autores originais do processo.

Mas o objeto deste feito é bem específico e delimitado, não podendo se confundir com o da desapropriação por interesse social, nem tampouco com o pleito de ressarcimento por eventual desapropriação indireta.

Cuida-se, pois, de aferir o alegado descumprimento das obrigações que cabiam à fiel depositária, representante legal do Incra, a partir do momento em que foi concedida a liminar de sequestro da fazenda.

Neste sentido, a pretensão foi julgada parcialmente procedente em 1ª instância, pelo que a sentença, ora reexaminada, condenou o Incra ao paga-mento de R$ 573.064,00 a título de danos emergentes, mas decretou a carência de ação, por impossibilidade jurídica, quanto ao pedido de indenização pelos lucros cessantes, porquanto estes se confundiriam com a própria indenização devida pela desapropriação das terras.

Passo, portanto, a apreciar as questões preliminares arguidas nos re- cursos.

dA IlegItImIdAde PASSIVA do INcrA

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é parte legítima para figurar no polo passivo da causa.

De fato, nos autos da ação cautelar de sequestro nº 89.00312111, movi-da pelo Incra, foi nomeada depositária da área considerada expropriável pelo Decreto nº 93.021/1986 (“Fazenda Timboré”) a Sra. Maria Luiza Telles Marcílio Golin, então Superintendente Regional do Incra. A matéria de fato, pois, é in-controversa.

Importante salientar, neste passo, dois aspectos relativos à medida caute-lar nominada de sequestro.

Primeiro: tratava-se de medida cautelar cujo objetivo era assegurar futura execução para entrega de coisa, consistindo na apreensão de bem determina-do, objeto de litígio, para lhe garantir a entrega em bom estado de conservação

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ao vencedor da demanda principal. Aliás, uma das hipóteses de cabimento da medida é, justamente, o fundado receio de rixas ou danificações (CPC/1973, art. 822, I).

Segundo: o depositário, incluído o depositário judicial, é obrigado a ter, na guarda e conservação da coisa depositada, todo o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence, bem como restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante (CC, art. 629).

Assim, cuidando-se de ação na qual se pretende a reparação por alega-dos danos ocorridos na “Fazenda Timboré” durante o período em que o Incra era o depositário do imóvel, encontra-se a autarquia legitimada para figurar em seu polo passivo, dada a pertinência subjetiva de sua condição de ré.

do PedIdo de INdeNIzAção Por lucroS ceSSANteS: dA cArÊNcIA do dIreIto de Ação Por ImPoSSIBIlIdAde jurídIcA

A extinção do processo sem resolução de mérito, em relação ao pedido de indenização por lucros cessantes, deve ser mantida, embora por fundamento diverso.

Com efeito, a parte autora postulou indenização por lucros cessantes (CC, art. 402), assim entendidos como o que razoavelmente deixou de lucrar, tendo em vista que se tornou impossível o aproveitamento produtivo, total ou potencial, da “Fazenda Timboré”, por conta da invasão por terceiros.

O polo autor narrou que ingressou com ação de reintegração de posse, mas que foi deferida medida liminar na ação cautelar de sequestro movida pelo Incra, impedindo que os proprietários ingressassem no imóvel em disputa.

Correta, portanto, a sentença, ao entender que houve, aí, verdadeira per-da total da posse do bem pelos requerentes, perdurando até os dias atuais (si-tuação fática consolidada), o que daria ensejo, em tese, à ação de indenização por desapropriação indireta, na qual seria pleiteada a respectiva recomposição.

O pedido de lucros cessantes, na realidade, se confunde e é abrangido pela própria indenização decorrente da desapropriação plena das terras. Não pode, por isso, ser conhecido, sob risco de se ultrapassar os limites da lide. Foi, inclusive, neste sentido o vetor de deliberação desta Corte, ao anular a primeira sentença proferida, velando pela adstrição do julgado aos limites do que foi pedido.

A situação narrada acima, porém, não configura impossibilidade jurídica do pedido, mas sim inadequação da via processual eleita (falta de interesse de agir), sendo de se manter a extinção do processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/1973.

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Aqui importa lembrar que a nova demanda deduzida pelos proprietários, no ano de 2012, em que pleiteiam o reconhecimento da desapropriação indi-reta da “Fazenda Timboré”, na qual estão pleiteando a justa indenização pelos danos sofridos, sendo certo que o conceito constitucional de justa indenização (CF, art. 5º, XXIV) abrange os lucros cessantes, desde que devidamente com-provados (HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 269), assim como os juros compensatórios (Decreto-Lei nº 3.365/1941, art. 15-A).

Revela-se, pois, com mais vigor, a inadequação desta ação indenizatória para postular a reparação devida pelos referidos lucros cessantes decorrentes dos danos descritos na inicial.

dA NulIdAde dA SeNteNçA Por julgAmeNto eXtrA PetItA

O caso em exame trata de demanda indenizatória e não de desapro-priação ou de litígio coletivo pela posse da terra rural (CPC/1973, art. 82, III), dizendo respeito, por conseguinte, a simples interesse patrimonial da Adminis-tração Pública (interesse público secundário), o que traz dúvidas quanto à real necessidade de intervenção do Ministério Público e, portanto, quanto à sua legitimidade recursal (CPC/1973, art. 499, § 2º).

De qualquer forma, não há prejuízo no enfrentamento das questões sus-citadas pelo Parquet, até mesmo por força dos princípios do aproveitamento dos atos processuais e da economia processual, evitando-se uma maior demora no trâmite do feito.

A preliminar de nulidade alegada pelo Ministério Público em sua apela-ção não merece prosperar.

De fato, a parte autora efetivamente deduziu pedido de indenização de-corrente não apenas dos atos praticados pelos alegados invasores, mas também da depreciação da área litigiosa em razão da negligência do Incra no desempe-nho da função de depositário do bem. Confira-se o seguinte trecho da petição inicial (fl. 22):

“Destaque-se que os danos e prejuízos avolumam-se dia após dia, resultantes da presença dos invasores em áreas cada vez maiores do imóvel rural, da situação de sequestro determinada e, sobretudo, da absoluta negligência da depositária da Fazenda Timboré quanto ao cumprimento de suas obrigações, tal como se comprometeu perante este digno juízo.”

Não há falar-se, portanto, em julgamento extra petita.

Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

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do mérIto dA PreteNSão

Não obstante o empenho e o denodo das partes recorrentes, tenho por certo que a sentença deve ser mantida, porquanto evidenciados os elementos necessários à responsabilidade do Estado (CF, art. 37, § 6º) e nos limites dese-nhados no decisum recorrido.

Com efeito, como visto acima, o Incra ajuizou ação cautelar de sequestro da área onde se encontra a “Fazenda Timboré”, sendo nomeada sua Superin-tendente Regional como fiel depositária do imóvel. Fundamentou seu pedido no art. 822, I, do CPC/1973, uma vez que o bem estava sendo disputado pelo próprio Incra, pelos “sem-terra” e pelo proprietário, havendo receio de danos.

O pleito liminar foi deferido e, em 25.08.1989, a Superintendente Regio-nal foi nomeada depositária, sendo lavrado o Auto de Sequestro e Depósito em 18.09.1989 (fl. 66). Ponto incontroverso, a propósito.

Ora, nos termos do art. 629 do Código Civil, o depositário tem o dever de guardar e conservar a coisa depositada, bem como restituí-la quando solicitado.

A prova dos autos revela a ocorrência de danos no período em que o Incra estava como depositário da “Fazenda Timboré” (fls. 27/41), o que revela a conduta omissiva da Autarquia suficiente para gerar o dever de indenizar.

Vale lembrar, neste passo e como bem ressaltado nos autos, que a res-ponsabilidade objetiva do Estado se assenta na Teoria do Risco Administrativo, de sorte que seu dever de responder decorre da simples existência de nexo cau-sal entre a conduta estatal (lícita ou ilícita) e o dano específico e anormal dela decorrente (ou seja, o dano que atinge um ou alguns membros da coletividade, superando os inconvenientes normais gerados pela atuação dos entes estatais).

Essa é, justamente, a situação evidenciada nestes autos, uma vez que cabalmente demonstrado o nexo de causalidade entre os danos específicos e anormais ocorridos na “Fazenda Timboré” e a conduta omissiva e, por isso, ilícita do Incra a partir do momento em que assumiu a condição de depositário do bem.

Acrescente-se, ad argumentandum tantum, que mesmo adotando a teoria segundo a qual a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva (questão controvertida na doutrina e na jurisprudência), resta plenamente evidenciada a negligência da Autarquia quanto ao cumprimento dos deveres inerentes ao depósito judicial (CC, art. 629).

Devido o ressarcimento, passa-se a avaliar a extensão dos danos e no tocante aos emergentes, há que prevalecer o entendimento da sentença (fls. 1.060-verso e seguintes), aqui adotados como razão de decidir, pois me-rece acolhimento o laudo pericial de fls. 155/301 (com complementação a

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fls. 358/359), que assim discriminou as quantias necessárias à reparação das benfeitorias mal conservadas ou destruídas:

a) Benfeitoria 21: pastagem artificial erradicada, com o custo de sua restauração no valor de R$ 432.000,00;

b) Benfeitoria 20: cerca interna removida, sendo necessária a quantia de R$ 108.800,00 para sua reconstrução;

c) Benfeitoria 11: açude assoreado. Valor de sua reconstrução fixado em R$ 6.000,00;

d) Benfeitoria 14: antiga sede destruída. Valor de sua reconstrução fi-xado em R$ 9.173,00;

e) Benfeitoria 12: curral destruído. Valor de sua reconstrução fixado em R$ 7.320,00;

f) Benfeitoria 1: desvalorização do Rancho no valor de R$ 491,00; e

g) Benfeitoria 4: desvalorização do hangar no valor de R$ 9.280,00.

Embora a perícia tenha concluído que a pecuária era a atividade desen-volvida pelos proprietários da “Fazenda Timboré” antes da ocupação (hoje, ao que consta, é a agricultura), o perito afirmou desconhecer o destino do reba-nho bovino, de modo que não é possível simplesmente presumir os danos nele ocorridos.

O reparo que estaria a merecer a sentença, em prol do polo autor, é o ressarcimento dos danos decorrentes do abate de reses, conforme noticiado nos autos.

Consta, desde a petição inicial, a informação derivada de boletins de ocorrência aludindo à matança de gado em circunstâncias que condizem com o clima tenso e conflituoso da época.

Sendo assim, é inequívoco que caberia ressarcimento pelas cabeças de gado que foram abatidas de forma atípica, ou seja, no próprio pasto, com restos deixados no local, conforme constante dos boletins de ocorrência de fls. 27/38.

Ocorre que os autos não trazem mais elementos qualificativos das cabe-ças de gado que foram dizimadas. Sabe-se que há inúmeras diferenças entre os diversos tipos de gado, não apenas em sua raça, mas também em função do seu peso, da sua função, do seu tempo de vida.

Como exemplo, sabe-se que uma vaca ou um touro, destinados à repro-dução ou apuramento genético, podem ter valores muito expressivos, ao passo que um novilho ainda magro certamente não alcançaria a mesma cifra. Há diferenças entre raças, etc.

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Em síntese, os autos não trazem mais detalhes acerca do gado que foi abatido e tal circunstância impede a exata avaliação da extensão do dano.

Como não se pode operar, em decisão judicial, com hipóteses, a questão há de ser solucionada no âmbito das regras de distribuição do ônus da prova, ou seja, faltou prova suficiente para a exata configuração e ressarcimento do dano noticiado.

Mantida a sentença, portanto, neste ponto.

Atente-se para o fato de que a reparação não pode ficar restrita ao perío-do entre 30.08.1989 (marco inicial do sequestro) e 06.06.1991 (data da assina-tura da petição inicial), mas, ao contrário, deve contemplar os danos verificados até o cessar da situação lesiva, tal como expressamente postulado na petição inicial (fl. 22). Opera-se a incidência do disposto no art. 286, II, do CPC/1973.

É de prevalecer, portanto, a quantia indicada no laudo pericial, ou seja, R$ 573.064,00, com data-base em março de 1995. A quantificação exata dos valores a indenizar haverá de ser feita em liquidação de sentença.

Quanto ao nexo de causalidade, está comprovado nos autos que foi a conduta omissiva do Incra, ao não impedir os prejuízos causados pelos inva-sores, que gerou os danos emergentes suportados pelos proprietários. Questão examinada acima e que deve prevalecer em prol do polo autor, haja vista a responsabilidade assumida pelo Incra com a investidura na condição de depo-sitário fiel do bem.

Como se vê, bem andou a sentença ao decidir como o fez, razão pela qual deve ser mantida, inclusive adotando-se sua motivação em acréscimo ao que foi exposto acima, no que não foi modificada.

É o suficiente.

Pelo exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à remessa oficial e às apelações das partes e do Ministério Público Federal, confirmando a sentença.

É o voto.

Alessandro Diaféria Juiz Federal Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 19.08.2016Apelação Cível nº 0000848‑08.2008.4.03.6104/SP2008.61.04.000848‑4/SPRelator: Desembargador Federal Marcelo SaraivaApelante: Andre Luiz Meles FerreiraAdvogado: SP251352 Rafael Apolinário Borges e outro(a)Apelado(a): Centro Universitário LusíadaAdvogado: SP042685 Roseane de Carvalho Franzese

EmENtaeNSINo SuPerIor – curSo de medIcINA – ProuNI – BolSA INtegrAl INSuFIcIÊNcIA de reNdImeNto – reProVAção dA dIScIPlINA (AtoNomIA I) – NÚmero eleVAdo de FAltAS (50) – PoSSIBIlIdAde de cANcelAmeNto – regImeNto INterNo dA INStItuIção de eNSI-No (Art. 23) – PrINcíPIo dA ISoNomIA – oBedIÊNcIA (Art. 4º, dA leI Nº 11.096/2005) – FleXIBIlIdAde dA AutoNomIA dA uNIVerSIdAde em decorrÊNcIA do eVeNtuAl AFroNtA Ao dIreIto À educAção – INAdmISSIBIlIdAde – deSNeceSSIdAde de PréVIA oItIVA do ProFeSSor reSPoNSáVel PelA dIScIPlINA – FAculdAde AtrIBuídA Ao coordeNAdor do ProuNI – VícIo SANAdo, em VIrtude dA PróPrIA coNSultA eFetuAdA Pelo ImPe-trANte Ao mec – APelAção ImProVIdA

1. Não há que se falar em ilegalidade no ato da Instituição de Ensino “Centro Universitário Lusíada – Unilus” que reprovou o impetrante na 1ª série do Curso de Medicina, por não ter obtido o número mínimo de frequência (75%) na disciplina Atonomia I, bem como o cancelamento da bolsa integral Prouni, porquanto, sua decisão encontra suporte, na le-gislação pertinente, (art. 4º da Lei nº 11.096/2005, na Portaria Normativa do Ministério da Educação, art. 10, V e no art. 23 do Regimento Interno da Instituição de Ensino (Unilus).

2. É bem verdade que a autonomia das universidades, não pode afrontar direitos individuais, no caso a educação, que é direito de todos e dever do Estado (art. 205 da CF), no entanto, a flexibilidade desta autonomia, não poderá ser questionada, considerando o número de faltas da discipli-na, em um total de 50, deixando o aluno/impetrante de obter o mínimo de frequência exigida, ocasionando insuficiência de rendimento e, con-sequentemente, sua reprovação e o cancelamento de sua bolsa integral Prouni.

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3. Desnecessidade da prévia oitiva do professor responsável pela disci-plina, no cancelamento da bolsa, considerando que o art. 10, inc. V, da Portaria Normativa nº 34/2007 do MEC, assinala ser uma faculdade do Coordenador do Prouni, o que foi sanado em virtude da consulta reali-zada pela impetrante perante o MEC, que reconheceu que o estudante retido em uma disciplina é considerado reprovado com a consequente perda da bolsa Prouni, salientando que o mesmo poderá concorrer no-vamente a uma nova bolsa de estudos da Prouni, desde que participe do Enem, referente à edição imediatamente anterior ao processo seletivo e obtido a nota mínima divulgada pelo MEC e que, ainda, preencha os demais requisitos, com renda familiar e outros.

Apelação improvida. Sentença mantida.

acórdãO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

rELatóriO

Trata-se de recurso de apelação tempestivamente interposto em face de r. sentença de fls. 186/195, que julgou improcedente o pedido inicial, denegando a segurança, considerando legítimo o cancelamento, pela instituição de Ensino, da bolsa de estudo integral do centro de Medicina, concedida ao impetrante pelo programa Prouni.

Em sua inicial, aduz o apelante, em síntese, que foi aprovado no processo seletivo do Prouni, passou a ser usufrutuário de uma bolsa de estudos integral, iniciando-se no primeiro ano do curso de medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Santos do Centro Universitário Lusíada. Assevera que cursou um total de 11 matérias durante o ano letivo de 2007 e foi reprovado na matéria Anatomia I, por faltas. Acrescenta ainda, que a autoridade impetrada conside-rou que o rendimento foi insuficiente e, consequentemente, determinou seu descredenciamento do programa, sem legislação do Prouni para assim proce-der. Por fim, salienta que não foi lhe dado o direito de defesa, nos termos do art. 10, inciso V, da Portaria Normativa MEC nº 34/2007 que exige a oitiva do responsável pela disciplina, bem como o rendimento insuficiente só se verifica em que há aprovação em percentual de matérias inferior a 75%.

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Postergada a apreciação da liminar após a vinda das informações (fls. 53/54).

Apresentada as informações pela autoridade impetrada onde sustenta a legalidade do ato (fls. 53/54).

Liminar indeferida (fls. 121/130).

Em desfavor da liminar foi interposto Agravo de Instrumento pela impe-trante, no qual foi concedido parcialmente o efeito suspensivo para assegurar ao agravante o direito de permanecer no Programa Universidade para Todos, afastando eventual prejuízo, advindo de sua exclusão, até que a Universidade, na pessoa do Coordenador do Prouni, ouvidos os esclarecimentos do aluno, se manifeste conclusivamente sobre a questão (fls. 198/204).

Conforme consulta processual, nesta Corte, o presente Agravo de Instru-mento, baixou à vara de origem pela perda de objeto, decorrente da prolação da r. sentença.

Assenta-se a r. sentença sob o fundamento de que o Regimento Interno da Instituição de Ensino impetrada, em relação ao referido curso, não admite a matrícula de alunos em regime de dependência.

Irresignado, o impetrante pretende em grau de recurso de apelação a re-forma da r. sentença, sustentando, em síntese, que o cancelamento de sua bolsa não foi precedido de prévia oitiva do responsável pela disciplina, nos termos do art. 19, inciso V, da Portaria Normativa MEC nº 34/2007.

Alega, ainda, que enquanto os demais bolsistas da Prouni podem se valer do limite de aprovação de 75% das disciplinas em cada semestre, no seu caso, houve apenas uma reprovação em apenas uma disciplina em ofensa ao princí-pio da isonomia.

Com as contrarrazões apresentadas às fls. 290/294, subiram os autos a este E. Tribunal.

O Ministério Público Federal em seu parecer nesta instância opina pelo não provimento do recurso, com a consequente manutenção in totum da r. sentença monocrática.

É o relatório.

vOtO

A questão dos autos cinge-se à verificação de eventual ilegalidade do ato da Instituição de Ensino que impediu a rematrícula do aluno André Luiz Meles

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Ferreira, para o ano letivo de 2008, por insuficiência de rendimento, bem como o cancelamento da bolsa integral do programa Prouni.

Inicialmente, tem-se que o Programa Universidade para Todos – Prouni, destina-se a oportunizar o ensino superior gratuito para pessoas comprovada-mente carentes que preenchem os requisitos dispostos na Lei nº 11.096/2005, conforme estabelece os arts. 1º e 4º da mencionada lei, in verbis:

“Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos – Prouni, destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.

§ 1º A bolsa de estudo integral será concedida a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 1 (um) salário-mínimo e ½ (meio).

§ 2º As bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento), cujos critérios de distribuição serão definidos em regulamento pelo Ministério da Educação, serão concedidas a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 3 (três) salários-mínimos, mediante critérios definidos pelo Ministério da Educação.

§ 3º Para os efeitos desta Lei, bolsa de estudo refere-se às semestralidades ou anuidades escolares fixadas com base na Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999.

§ 4º Para os efeitos desta Lei, as bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) deverão ser concedidas, consi-derando-se todos os descontos regulares e de caráter coletivo oferecidos pela instituição, inclusive aqueles dados em virtude do pagamento pontual das men-salidades.

Art. 2º A bolsa será destinada:

I – a estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral;

II – a estudante portador de deficiência, nos termos da lei;

III – a professor da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica, independentemente da renda a que se referem os §§ 1º e 2º do art. 1º desta Lei.

Parágrafo único. A manutenção da bolsa pelo beneficiário, observado o prazo máximo para a conclusão do curso de graduação ou sequencial de formação específica, dependerá do cumprimento de requisitos de desempenho acadêmico, estabelecidos em normas expedidas pelo Ministério da Educação.

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Art. 3º O estudante a ser beneficiado pelo Prouni será pré-selecionado pelos resultados e pelo perfil socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem ou outros critérios a serem definidos pelo Ministério da Educação, e, na etapa final, selecionado pela instituição de ensino superior, segundo seus pró-prios critérios, à qual competirá, também, aferir as informações prestadas pelo candidato.

Parágrafo único. O beneficiário do Prouni responde legalmente pela veracidade e autenticidade das informações socioeconômicas por ele prestadas. (grifei)

No caso dos autos, verifica-se que o impetrante cursou a 1ª série do curso de Medicina, no ano de 2007, todavia, não pode renovar sua matrícula no ano letivo de 2008, porque foi reprovado na 1ª série por não ter obtido o número mínimo de frequência (75%), na disciplina de Atonomia I, bem como teve can-celada a sua bolsa integral da Prouni.

Sobre a questão, estabelece o art. 4º da Lei nº 11.096/2005:

Art. 4º Todos os alunos da instituição, inclusive os beneficiários do Prouni, es-tarão igualmente regidos pelas mesmas normas e regulamentos internos da ins-tituição.

Já o art. 23 do Regimento Interno da Instituição de Ensino Centro Univer-sitário Lusíada – Unilus dispõe:

“A matrícula é feita por série para os cursos tradicionais e por semestre, para os curso de tecnologia, podendo ser admitida dependência em até duas disciplinas, exceção feita ao Curso de Medicina, em que não é admitida a matrícula de alu-nos com dependência.” (grifei)

Nesse compasso, infere-se que a exclusão do aluno do Programa Prouni é possível, porquanto, não alcançou os 75% (setenta e cinco) por cento, exigido para o prosseguimento no curso em questão eis que o art. 34/2007 da Portaria Normativa do Ministério da Educação estabelece em seu art. 10, inciso V que:

“A bolsa de estudo será encerrada pelo coordenador ou representante(s) do Prouni, nos seguintes casos:

[...]

V – rendimento acadêmico insuficiente, podendo o coordenador do Prouni, ou-vido os responsáveis pela(s) disciplina(s) nas(s) qual(is) houve reprovação, autori-zar, por uma única vez, a continuidade da bolsa.”

É bem verdade que as universidades gozam de autonomia didático-cien-tífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, nos termos do art. 207 da CF. Do mesmo modo, vale salientar que esta autonomia não pode afrontar direitos e garantias individuais, no caso, a educação, que é direito de todos e

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dever do estado e da família, sobretudo, promovendo e incentivando o ple-no desenvolvimento do indivíduo a pessoa e sua qualificação para o trabalho (art. 205 da CF).

No entanto, no caso, não poderá questionar acerca de eventual flexibili-dade desta autonomia constitucionalmente garantida, considerando o percen-tual elevado de faltas do impetrante/apelante, totalizando o número 50 (cin-quenta) faltas, na disciplina Anatomia I, pela qual foi reprovado, conforme se vê às fls. 42 e 65.

Destarte, afigura-se legítima a exigência da Faculdade de Ciências Mé-dicas de Santos do Centro Universitário Lusíada Universidade Paulista, de fre-quência mínima de 75% (setenta e cinco por cento) das horas-aula, para apro-vação nas disciplinas que compõem os cursos por ela oferecidos.

A propósito colaciono os seguintes julgados:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – AGRAVO RETIDO – LIMINAR E REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS – PRELIMI-NAR DE NULIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO – MANDADO DE SE-GURANÇA – REPROVAÇÃO EM DISCIPLINAS DE CURSO DE ENFERMAGEM – ALEGAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – ABONO DE FALTAS – ACOR-DO VERBAL – CRITÉRIOS LEGAIS E REGIMENTAIS DE APROVAÇÃO – FRE-QUÊNCIA E APROVEITAMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL

1. Agravo retido a que se nega provimento, vez que a liminar destinada a garantir a aprovação do impetrante em disciplinas curriculares de curso superior é dotada de satisfatividade incompatível com o juízo sumário; e, com relação à requisição ou exibição de documentos, não se revela supressiva de direito processual do impetrante, pois irrelevante para o exame do mérito, considerando o conteúdo do pedido formulado.

2. Rejeição da nulidade por falta de intimação da juntada do documento, pois não restou claro que se trata de documento propriamente novo de que não tives-se o impetrante conhecimento, mas, sobretudo, porque a denegação da ordem não se baseou apenas em tal prova, mas adotou fundamentação ampla e diversa, que respalda a conclusão firmada, ainda que fosse excluído da cognição tal ele-mento instrutório.

3. Não é viável a revisão judicial da avaliação de desempenho do aluno, jungida a critérios acadêmicos, expressão da própria autonomia didático-científica da instituição (art. 207, CF), sendo exclusiva do professorado, segundo a técnica e o conteúdo de cada disciplina, a atribuição de notas a trabalhos e provas.

4. Eventual ‘acordo verbal’, como alegado pelo impetrante, não pode ser admi-tido para efeito de burlar critérios legais ou regimentais de avaliação do aluno, baseados em parâmetros de frequência e aproveitamento. Os compromissos pro-fissionais do impetrante não podem servir de justa causa para tratamento diferen-ciado, com supressão da regra geral de avaliação e aprovação.

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5. Nem se pode admitir que outros alunos foram privilegiados com a possibili-dade de revisão do Trabalho de Conclusão de Curso, antes da entrega oficial, o que não teria ocorrido com o impetrante, segundo consta dos autos, justamente devido ao grande número de faltas, prejudicando a própria orientação, fato que comprova a inexistência de ato de discriminação em relação aos demais alunos.

6. A discussão genérica sobre violação de regras e critérios de avaliação não é possível, sobretudo, em mandado de segurança, pois supõe a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, da discricionariedade que possuem os professores no exame do conteúdo do conhecimento técnico exibido em provas e trabalhos.

7. Caso em que se revela, pelos autos, que, na verdade, houve desempenho insuficiente do impetrante, pela própria frequência reduzida que teve durante as atividades acadêmicas, resultando em reprovação que, assim, não se revela passível de revisão judicial.

8. Agravo retido e apelação, desprovidos.”

(TRF 3ª R., AMS 00017946020064036100, AMS, Apelação Cível nº 284985, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, 3ª T., DJU Data: 18.04.2007) (grifo nosso)

“ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – INSTITUIÇÃO PARTICULAR – RE-PROVAÇÃO DE ALUNO POR FALTAS – COLAÇÃO DE GRAU – IMPOSSIBILI-DADE

1. Aluno reprovado por faltas em duas disciplinas não tem direito líquido e certo à colação de grau em curso ministrado por Instituição de Ensino Superior, haja vista o art. 47, § 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) dispor acerca da obrigatoriedade de frequência às aulas.

2. A alegação de gravidez de risco da esposa do impetrante à época não é apta a abonar as faltas, eis que, embora comprovada a gravidez, não restou compro-vado que a mesma era de risco, bem como sua correlação com as faltas que levaram à reprovação do Autor.

3. Remessa necessária provida.”

(TRF 2ª R., REOMS 200450010128361, REOMS, Remessa Ex Officio em Man-dado de Segurança nº 64653, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira/no afast. Relator, 8ª T.Esp., DJU Data: 09.04.2008, p. 499) (grifo nosso)

“ADMINISTRATIVO – CURSO SUPERIOR – MATRÍCULA QUANDO JÁ INICIA-DO O SEMESTRE LETIVO – REPROVAÇÃO POR FALTA ATESTADO MÉDICO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DE FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO ALEGADO – INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER PROTEGIDO POR MEIO DE MANDADO DE SEGURANÇA – COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL

1. Compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de estabelecimento de ensino superior privado, por se tratar atividade delegada do Poder Público. Precedentes da Corte.

2. O mandado de segurança não admite dilação probatória, nem tampouco exame de questões de fato controvertidas, reclamando do impetrante prova pré-

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-constituída a propósito do direito líquido e certo que afirma existente e pretende ver tutelado.

3. Não tendo a impetrante feito demonstração, à luz de prova pré-constituída, quanto à existência de fato constitutivo de seu direito, assim, de que com o abono das faltas no período em que esteve de atestado médico seria suficiente para ob-ter o mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) de frequência nas disciplinas em que foi reprovada por falta pela instituição de ensino, nem de vício ou irregulari-dade praticada pela impetrada para a efetivação tardia de sua matrícula nas refe-rias disciplinas, não há direito líquido e certo a ensejar a concessão da segurança.

4. Recurso de apelação a que se nega provimento.”

(TRF 1ª R., AMS 00011351320094013801, AMS, Apelação em Mandado de Se-gurança nº 00011351320094013801, Rel. Juiz Fed. Marcos Augusto de Sousa (Conv.), 6ª T., e-DJF1 Data: 07.03.2012, p. 343) (grifo nosso)

Outrossim, cumpre reconhecer a desnecessidade da prévia oitiva do pro-fessor responsável pela disciplina, no cancelamento da bolsa, considerando que o art. 10, inc. V, da Portaria Normativa nº 34/2007 do MEC, assinala ser uma faculdade atribuída ao Coordenador do Prouni, o que foi sanado, em virtude da consulta efetuada pelo impetrante perante o Ministério da Educação-Secretaria de Educação Superior, ocasião em que foi informado que:

“Após pesquisar sua situação junto à instituição de ensino constatamos que o regimento Interno da Instituição considera que o estudante retido em uma disci-plina é considerado reprovado.

Informamos, ainda, que poderá concorrer novamente a uma bolsa de estudos do Prouni desde que participe do Exame Nacional de Médio – Enem, referente à edição imediatamente anterior ao processo seletivo, e obtido a nota mínima divulgada pelo Ministério da educação. Também é necessário que o estudante possua renda familiar, por pessoa, de até três salários mínimos e satisfaça a uma das condições abaixo:

[...]” (fl. 67).

Assim, considerando a existência da reprovação no Curso de Medicina ministrado pela Instituição de Ensino, de cuja ciência tinha o impetrante ao ingressar na referida instituição, não há que se falar em ilegalidade do ato da autoridade impetrada.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, mantendo in totum a r. sentença guerreada.

Marcelo Saraiva Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8028

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 5018101‑89.2016.4.04.0000/SCRelator: Ricardo Teixeira do Valle PereiraAgravante: Neusa Raimunda BavarescoAdvogado: Paulo César Furlanetto JuniorAgravado: Banco do Brasil S/A

EmENta

ProceSSuAl cIVIl – AdmINIStrAtIVo – AgrAVo de INStrumeNto – eXecução ProVISó-rIA de SeNteNçA ProFerIdA em Ação cIVIl PÚBlIcA – PlANo collor – comPetÊNcIA – cumulAção de rItoS – recurSo PArcIAlmeNte ProVIdo

Não se vislumbra a impossibilidade de manejo de execução provisória em face da Fazenda Pública, ao menos até o momento de expedição de precatório, para a qual o art. 100, §§ 1º e 3º, da Constituição exige o trânsito em julgado da decisão exeqüenda. Constatada a necessidade de adoção de distintos procedimentos de execução para cada um dos dois litisconsortes passivos, o que ocasionaria tumulto processual que, em absoluto, não é recomendável, correta a decisão agravada no ponto em que determina o prosseguimento da execução apenas em face de um dos executados. Conquanto ação ajuizada exclusivamente contra o Banco do Brasil, sociedade de economia mista, não atraia, por si só, a aplicação do art. 109 da Constituição da República, no caso, a ação civil pública tramitou junto à Justiça Federal, incidindo o art. 475-P do Código de Processo Civil (atual 516 do novo CPC), razão pela qual também na Justiça Federal deve se efetuar o cumprimento de sentença.

acórdãO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de agosto de 2016.

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Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

rELatóriO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que reco-nheceu a incompetência absoluta da Justiça Federal, declinando da competên-cia para Justiça Estadual.

Irresignada, a parte agravante sustenta, em síntese, que o Banco do Brasil e o Bacen foram condenados solidariamente pela ação coletiva objeto de cumprimento, podendo a execução voltar-se contra qualquer um dos devedo-res, ou contra os dois. Ainda, sustenta ser a Justiça Federal competente para o processamento do cumprimento de sentença mesmo em relação ao Banco do Brasil, por se tratar de ação civil pública originária da Justiça Federal. Requer o prosseguimento do feito, com a fixação da competência da Justiça Federal e prosseguimento somente contra o Banco do Brasil.

A parte agravada deixou de apresentar contraminuta.

É o relatório.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

vOtO

Inicialmente, verifico que a decisão agravada foi publicada posterior-mente a 17.03.2016. Assim, ao presente agravo serão exigidos os requisitos de admissibilidade previstos no novo CPC (Lei nº 13.105/2015), consoante orien-tação dos Enunciados Administrativos nºs 2 e 3 do STJ.

Tenho que a decisão merece reforma.

A princípio, cumpre ressaltar que é pacífica a possibilidade de execução provisória de sentença proferida em ação civil pública. Senão, veja-se:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO RECEBIDO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA MOVIDA PELO MPF EM FACE DA UNIÃO E OUTROS RÉUS, NA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS – POSSIBILIDADE – ART. 588 DO CPC – ART. 14 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI Nº 7.347/1985) – 1. Os au-tos tratam de agravo regimental interposto em face de decisão de minha lavra (fls. 172/174) que permitiu o seguimento da execução provisória movida pelo

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MPF em face da União e demais co-réus, em razão de sentença proferida nos autos da ação civil pública nº 99.0001418-9, com apelação recebida apenas no efeito devolutivo; recebimento esse não-impugnado a tempo e modo pela União. 2. As normas processuais que regulam a ação civil pública estão na Lei nº 7.347/1985, aplicando-se o CPC, tão-somente, de forma subsidiária. Daí por-que se dizer que a regra do recebimento da apelação contra sentença proferida em seu âmbito é apenas no efeito devolutivo; podendo ou não o juiz conferir o efeito suspensivo diante do caso concreto, como especifica o art. 14 da referida Lei. Não existe erro no acórdão recorrido, na medida em que o recurso de ape-lação da União foi recebido apenas no efeito devolutivo e, como se viu, é per-mitido ao magistrado assim proceder em sede de ação civil pública. E ainda, por outro lado, nenhum recurso foi interposto contra este juízo de admissibilidade da apelação, razão pela qual preclusa ficou a matéria, não podendo a recorrente, agora, por vias transversas, buscar o efeito suspensivo. 3. O Ministério Público Federal é o autor da ação civil pública e da execução provisória. Ao querer exe-cutar provisoriamente a condenação, age no exercício regular de seu direito, ou melhor, no exercício regular da tutela dos direitos difusos e coletivos. 4. É de se ver, ainda, que o não-cabimento da execução provisória deve estar espelhado nas hipóteses em que impossível a antecipação dos efeitos da tutela ou o deferi-mento de liminares contra a Fazenda Pública, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 2º-B da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-32/2001, que elenca decisões que tenham por objeto liberação de re-curso, inclusão em folha de pagamento, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores públicos. 5. Também o STJ, soberano na interpretação da legislação infraconstitucional, não toma por incompatível a execução provisória contra a Fazenda Pública com o sistema de precatórios, desde que se trata de quantia incontroversa. Precedente da Corte Especial (EREsp 721791/RS). 6. Não pode a União inovar em sua tese para tentar discutir, especificamente e de modo isolado, a regra do art. 100, § 1º, da CF, que, ainda por cima, traduz questão de natureza eminentemente constitucional, não passível de conhecimento em sede de recurso especial.

Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg-REsp 436647/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 07.11.2008).

De mesmo modo, não vislumbro impossibilidade de manejo de execu-ção provisória em face da Fazenda Pública, ao menos até o momento de expe-dição de precatório, para a qual o art. 100, §§ 1º e 3º, da Constituição exige o trânsito em julgado da decisão exequenda.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – EXE-CUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – POSSIBILIDADE – CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA – INTEGRALIDADE DA DÍVIDA – 1. É possível a instauração de execução provisória contra a Fazenda Pública no intuito de pro-ceder à liquidação da obrigação, uma vez que os §§ 1º e 3º do art. 100 da Consti-

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tuição Federal exigem o trânsito em julgado da decisão exequenda somente para a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor. 2. Tendo os réus sido condenados ao pagamento dos honorários advocatícios de forma solidária, mostra-se cabível que a execução da integralidade da dívida seja promovida con-tra apenas um deles.

(TRF 4ª R., AC 5001052-39.2011.404.7104, 4ª T., Rel. p/ Ac. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 15.09.2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – FAZENDA PÚ-BLICA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – SEGUIMENTO ATÉ EXPEDIÇÃO DE RPV – A execução provisória contra a Fazenda Pública é disciplinada pelo art.2º-B, da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela MP 2180-35/01. No caso dos autos, é descabida a execução provisória. Contudo sua tramitação prosseguirá até mo-mento anterior á expedição do precatório requisitório. (TRF 4ª R., Ag 5022182-18.2015.404.0000, 4ª T., Rel. p/Ac. Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 21.08.2015)

Não obstante, observo que, no presente caso, o fato de o cumprimento de sentença poder se dar em face de dois executados – Bacen e Banco do Brasil – ensejaria uma indevida cumulação de execuções, por implicar a adoção de dois ritos distintos em um mesmo processo – arts. 730 e 475-J, respectivamente, ambos do Código de Processo Civil (arts. 910 e 523 do novo CPC).

Assim, constatada a necessidade de adoção de distintos procedimentos de execução para cada um dos dois litisconsortes passivos, o que ocasionaria tumulto processual que, em absoluto, não é recomendável, tenho que o pros-seguimento da execução deve ocorrer apenas em face de um dos executados.

Por oportuno, registre-se ainda que, mesmo se exclusivamente contra o Banco do Brasil, sociedade de economia mista que não atrai, por si só, a aplica-ção do art. 109 da Constituição da República, a ação civil pública que beneficia o exequente tramitou junto à Justiça Federal, incidindo, no caso, o art. 475-P do Código de Processo Civil (atual 516 do novo CPC), razão pela qual também na Justiça Federal deve se efetuar o cumprimento de sentença.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

ExtratO dE ata da sEssãO dE 02.08.2016

Agravo de Instrumento nº 5018101-89.2016.4.04.0000/SC

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Origem: SC 50012082120164047211

Relator: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Presidente: Marga Inge Barth Tessler

Procurador: Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva

Agravante: Neusa Raimunda Bavaresco

Advogado: Paulo César Furlanetto Junior

Agravado: Banco do Brasil S/A

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02.08.2016, na sequência 24, disponibilizada no DE de 19.07.2016, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento.

Relator Acórdão: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Votante(s): Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Des. Federal Fernando Quadros da Silva Desª Federal Marga Inge Barth Tessler

José Oli Ferraz Oliveira Secretário de Turma

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8029

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Élio Siqueira Filho

Apelação Criminal (ACr) nº 13943/CE (0001000‑46.2013.4.05.8102)

Apte.: Sebastião Patricio Dantas

Adv./Proc.: Antonio Flavio Rolim

Apdo.: Ministério Público Federal

Origem: 16ª Vara Federal do Ceará (Competente p/execuções penais) – CE

Relator: Desembargador Federal Élio Siqueira Filho – 1ª Turma

EmENta

APelAção crImINAl dA deFeSA – Art. 55, dA leI Nº 9.605/1998, e Art. 2º, cAPut, dA leI Nº 8.176/1991 – eXtrAção de mINérIo deSAutorIzAdA – Art. 20, INcISo IX, dA cF – comPetÊNcIA dA juStIçA FederAl – erro SoBre A IlIcItude do FAto Não coNFIgu-rAdo – SuBStItuIção dA PeNA PrIVAtIVA Por reStrItIVAS de dIreItoS NegAdA – reIN-cIdÊNcIA – recurSo Não ProVIdo

1. A conduta de extrair minérios, pertencentes à União, sem a prévia au-

torização, permissão, concessão ou licença ambiental, enseja responsa-

bilização criminal, nos termos do art. 55, caput, da Lei nº 9.605/1998, e

do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, cuja competência para processar

e julgar é da Justiça Federal, nos termos do art. 20, IX, c/c o art. 109, IV,

ambos da Constituição Federal.

2. A isenção ou a redução da pena por erro de proibição, nos termos do

art. 21, do CP, depende da demonstração de desconhecimento do caráter

ilícito do fato pelo acusado, o que não se vislumbra, na espécie, diante

da reincidência do apelante pelo cometimento dos mesmos crimes, em

momento anterior ao noticiado nesta denúncia, e do fato de ter persistido

na extração, apesar da ordem do Ibama de paralisação.

3. A pretensão de substituição da pena privativa por restritivas de direitos

encontra óbice na reincidência do réu, já condenado por sentença tran-

sitada em julgado, pelo cometimento dos mesmos crimes.

4. Apelação criminal não provida.

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acórdãO

Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação criminal, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 28 de julho de 2016.

Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Relator

rELatóriO

O Senhor Desembargador Federal Élio Siqueira Filho: Trata-se de apela-ção criminal interposta por Sebastião Patrício Dantas (fls. 184/190) contra sen-tença prolatada pelo MM. Juízo da 16ª Vara Federal do Ceará (fls. 166/175), que o condenou nas penas do art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, em concurso formal com o art. 55, da Lei nº 9.605/1998.

Nos termos da sentença, a materialidade delitiva sobressai a partir do conteúdo do Auto de Apreensão (fls. 13, do IPL); dos Autos de Infração (fls. 09, 31, 33 e 34 do IPL); e do Relatório de Fiscalização CE 00576/2010 (fls. 36/46).

Além desses, o Laudo de Perícia Ambiental de nº 181 e o de nº 185/2011 (fls. 56/83, do IPL) atestaram a existência de atividade de mineração para ex-tração de rocha calcária sedimentar (comercialmente denominado de “Pedra Cariri”) e de beneficiamento para produção de lajotas, ladrilhos e chapas, com a deposição de resíduos e estéreis oriundos da atividade no entorno dos locais de extração e que as atividades de extração mineral, beneficiamento e deposição dos resíduos oriundos das lavras afetavam diretamente uma área em torno de 8.470 m².

Especificamente em relação a danos e impactos ambientais constatados in loco, a perícia concluiu que:

“– O desmatamento da área afetada perfaz o total aproximado de 8.470m²;

– Os consequentes danos provocados à flora e à fauna pela remoção da camada fértil do solo, quando existente, destruição de abrigos naturais e das fontes de alimento das diversas espécies, e impedimento da regeneração da vegetação pela destruição das fontes de propágulos;

– A deposição inadequada dos rejeitos em torno da área de lavra desmatada cau-sando alteração da topografia original, degradação da paisagem, poluição visual da área e impedimento da regeneração natural da vegetação;

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– A subsidência do terreno, provocada pela retirada do material.”

Por sua vez, no tocante à autoria delitiva, a sentença considerou que Sebastião Patrício Dantas era o responsável pela atividade de extração exerci-da no local identificado pelas coordenadas geográficas, constantes no laudo pericial. E que, embora reconhecendo ser o acusado pessoa hipossuficiente e de pouca escolaridade, não se mostrou verossímil a alegação de que ele não ti-vesse conhecimento da necessidade de autorização ambiental para o exercício da atividade.

Com estas considerações, o douto juiz singular julgou procedente a de-núncia e condenou Sebastião Patrício Dantas pelo cometimento de crime am-biental e contra a ordem econômica.

Nas razões recursais, inova-se, em preliminar, alegando a incom-petência da Justiça Federal para processar e julgar o crime do art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, por força de Portaria de Pesquisa de Lavras, outorgada pelo DNPM à Cooperativa de Mineração, que retiraria a área minerada dos bens pertencentes à União. No mérito, postula-se a absolvição de Sebastião Patrício Dantas, com fulcro no erro de proibição. Finalmente, requer-se, se mantida a condenação, a substituição da pena privativa por restritivas de direitos, nos ter-mos do art. 44, § 2º, do CP.

Apresentadas contrarrazões pelo MPF, às fls. 211/220.

Nesta instância, Parecer nº 9145/2016, da Procuradoria Regional da Re-pública, pelo não provimento do apelo (fls. 227/229v.)

É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos do art. 29 do Regimento Interno desta Corte, vez que se trata de crime a que a lei comina pena de de-tenção.

vOtO

O Senhor Desembargador Federal Élio Siqueira Filho: Preliminarmente, a defesa de Sebastião Patrício Dantas suscita a incompetência desta Justiça Fe-deral para processar e julgar o crime previsto no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, denunciado na Ação Penal nº 0001000-46.2013.4.05.8102.

Aduz-se que, ao obter alvará de pesquisa pelo DNPM, houve a transfe-rência de direitos da Cooperana para a Coopedras e, por conseguinte, a área deixou de pertencer à União. Logo, se não há interesse da União, a Justiça Fe-deral não é competente para julgar a ação.

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Não assiste razão à defesa. Nos termos do art. 20, inciso IX, da CF, são bens da União os recursos minerais, inclusive os do subsolo, a implicar interes-se da União na exploração de tais recursos. Por seu turno, o ato de permissão da exploração desses recursos, pelo órgão competente, não retira a propriedade da União relativamente a esses bens, nem o seu interesse em que essa exploração seja feita da forma legal, respeitando os limites pertinentes.

Assim, ao dispor sobre a produção e a exploração de matéria-prima per-tencente à União, o art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, visa tutelar a proteção dos bens da União, permitindo o exercício dessas atividades, desde que previamen-te autorizadas e com a observância das obrigações impostas no título autoriza-tivo.

É justamente em razão do interesse da União, na usurpação de matéria--prima que lhe pertence, que se firma a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente denúncia.

Superada a preliminar, a defesa requer, no mérito, a absolvição de Sebastião Patrício Dantas ou, ao menos, a redução da pena a ele imposta, fun-damentando ambos os pedidos no art. 21, do CP.

A tese é a de que, por se tratar de pessoa de pouco estudo, o réu acredi-tava que, por ser cooperado, poderia exercer a atividade mineradora, sem que a sua conduta configurasse infração penal.

Entendo, em sentido contrário, não ser possível a absolvição do réu, ou mesmo a redução da penalidade arbitrada na sentença, com base no erro sobre a ilicitude do fato, previsto no art. 21 do CP.

É que, para se considerar ausente a consciência da ilicitude, é necessário que se demonstre a incompreensão do agente quanto ao caráter ilícito do fato, o que não se confirma nestes autos, pelas seguintes razões.

Primeiro, diante da própria admissão do réu, ao ser ouvido extrajudicial-mente, que, “embora tenha recebido a ordem do Ibama para parar a exploração, é obrigado a voltar a fazer funcionar a pedreira, ante a necessidade de trabalhar, e ademais, ante a demora na regularização da documentação” (fl. 06 – IPL).

Em segundo lugar, consoante certidão à fl. 154 e consulta ao Sistema Te-bas, o apelante já foi condenado na Ação Penal nº 0000205-40.2013.4.05.8102, por sentença com trânsito em julgado1, pela prática dos mesmos crimes, ora de-

1 Em consulta ao Processo nº 0000205-40.2013.4.05.8102, no Sistema Tebas, verifico que, para anular a certidão de trânsito em julgado e possibilitar a interposição de apelação criminal, contra essa primeira condenação, o réu impetrou o Habeas Corpus nº 6116/CE nesta Corte, cuja ordem fora denegada, e, poste-riormente, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, perante o STJ, pendente de julgamento. Essa informação não altera, contudo, a menção de referido processo como fundamento decisório deste apelo apto a afastar a

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nunciados, praticados em 2009. Dessa informação conclui-se que, desde 2009, quando houve o embargo das atividades de mineração, o réu tem consciência da necessidade de licença do órgão ambiental competente e da autorização de lavra do DNPM para efetuar, legalmente, a extração de minério de calcário laminado.

Vê-se, portanto, que o réu tinha consciência da clandestinidade da la-vra e, ainda assim, de forma dolosa, prosseguiu na exploração desautoriza-da de recursos minerais da União, pelo que sua conduta configura, a um só tempo, crime ambiental e crime de usurpação, nos termos do art. 55, da Lei nº 9.605/1998, e do art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, diante da ofensa de dois bens juridicamente distintos.

Mantenho, com estes argumentos, a condenação de Sebastião Patrícios Dantas como incurso nos crimes previstos no art. 55, da Lei nº 9.605/1998, e no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991.

Finalmente, quanto ao pedido de substituição da pena privativa por res-tritivas de direito, também deve ser não provido.

É que, como supramencionado, o réu não só é reincidente, como a rein-cidência operou em virtude da prática dos mesmos crimes, fator que impede a substituição da pena, nos termos do art. 44, § 3º, do CP.

Com estas considerações, nego provimento à apelação criminal.

É como voto.

Recife, 28 de julho de 2016.

Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Relator

incidência do art. 21, do CP, pois o resultado do julgamento não altera a ciência do réu quanto à ilicitude da sua conduta.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8030 – Ação civil pública – improbidade administrativa – atos atentatórios aos princípios gerais

da Administração Pública – multa civil – majoração – possibilidade

“Direito administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Conduta atentatória aos princípios gerais da administração pública. Fato incontroverso. Multa civil. Majoração. Possibilida-de. Gravidade da conduta. Patrimônio moral. Art. 18 da Lei nº 7.347/1985. Honorários advocatícios incabíveis. 1. A sentença de improcedência em ação civil pública deve ser submetida à remessa oficial, conforme aplicação analógica do estabelecido no art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 2. A Lei nº 8.429/1992 classificou os atos de improbidade administrativa em três catego-riais: a) condutas que importem em enriquecimento ilícito do agente público, acarretando ou não dano ao Erário (art. 9º); b) condutas lesivas ao Erário (art. 10); c) condutas atentatórias aos princípios gerais da Administração Pública (art. 11). 3. O réu da presente demanda, Auditor Fiscal, quando procurado por um passageiro para liberar a urna funerária contendo restos mortais de sua esposa, não foi localizado em seu posto, nem por meio de rádio ou celular. 4. Após entender configurada a infração, o r. Juízo de origem condenou o réu ao pagamento de multa civil, no importe de 30% sobre o valor de sua última remuneração, em razão da prática da conduta consistente na inserção, em documento público (folha de ponto), da informação de que estaria presente, de forma ininter-rupta, em plantão fiscal de 24h no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, violando, assim, o disposto no art. 11, I e II, da Lei nº 8.429/1992, razão pela qual lhe foi aplicada a referida pena com fulcro no art. art. 12, III, do mesmo diploma legal. 5. Pretende o Ministério Público, em seu apelo, tão somente a majoração do valor da multa aplicada ao réu, por entender que o patamar fixado não se coaduna com o dano causado à imagem da Administração Pública. 6. Sendo incontroversa a configuração do ato ímprobo praticado pelo servidor, cinge-se a questão central em saber se a multa civil, aplicada no importe de 30% sobre o valor de sua última remuneração, levou em conta os critérios previstos no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 8.429/1992, quais sejam, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. 7. A multa prevista na lei de improbi-dade administrativa tem natureza civil de caráter sancionatório e educativo, visando a desestimular a prática recorrente do ato ilícito, quer pelo próprio infrator, quer pelos demais agentes públicos e diante da gravidade da conduta frente ao patrimônio moral do Estado e da sociedade, revelando-se adequada a sua estipulação no montante correspondente à última remuneração percebida pelo ape-lado, quantia bastante e suficiente a repercutir em sua esfera patrimonial a ponto de desestimulá-lo a reincidir na agressão. 8. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, tendo em vista o que dispõe o art. 18 da Lei nº 7.347/1985. 9. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, parcialmente providas.” (TRF 3ª R. – AC 0002652-53.2014.4.03.6119/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 16.08.2016 – p. 685)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.429/1992:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legisla-ção específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009)

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, res-sarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acres-cidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas

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vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função públi-ca, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Pú-blico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

8031 – Ação civil pública – tombamento – inscrição de imóvel no livro de tombo – Ministério Público – legitimidade ativa – reconhecimento

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Tombamento. Ato judicial impugnado. Deferimento de liminar. Legitimidade ativa do Ministério Público. Pedido de inscrição de imóvel no livro de tombo. Atribuição de legitimidade para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Inteligência do art. 129 da Constituição Federal e do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública. Inscrição de imóvel no Livro de Tombo. Ato administrativo cuja omissão qualifica a atuação do parquet, notadamente em face da iminência de lesão ao patrimônio histó-rico e cultural. Inafastabilidade da jurisdição diante da ameaça a lesão ao meio ambiente cultural. Precedentes. Tutela de urgência. Pressupostos. Atendimento. Consistência jurídica das alegações do Ministério Público. Cognição sumária não exauriente. Risco de dano irreparável. Possibilidade iminente de demolição do imóvel identifica a necessidade de imediatas providências para preser-vação do patrimônio cultural e histórico municipal. Consistência jurídica da alegação ministerial, considerando que o órgão responsável pela identificação da relevância cultural municipal ofereceu parecer contrário à demolição. Cognição superficial da matéria que impede a apreciação, neste momento processual, do preenchimento dos requisitos para declaração do tombamento, que será objeto de eventual dilação probatória. Manutenção da decisão agravada. Recurso não provido.” (TJSP – AI 2102018-12.2016.8.26.0000 – Mococa – 9ª CDPúb. – Rel. José Maria Câmara Junior – DJe 11.08.2016)

Transcrição editorial SínTeSeConstituição Federal:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencio-nada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalida-de, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

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§ 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando--se, nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

8032 – Ato administrativo – poder de polícia – transferência – delegação – invalidação

“Direito administrativo. Ettusa. Poder de polícia indelegável à sociedade de economia mista. De-tran. Legitimidade passiva. Condenação nos ônus da sucumbência. Princípio da causalidade. Ree-xame necessário e apelo conhecidos e desprovidos. 1. Inválido o ato administrativo que transferiu poder de polícia à Ettusa, porquanto indelegável à entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado. Súmula nº 29 desta Corte de Justiça. 2. Nulas as multas por ela aplicadas e demais atos delas decorrentes. 3. Ainda que o órgão responsável pelo licenciamento, vistoria e transfe-rência do veículo não tenha aplicado as multas, o Detran condicionou o licenciamento do bem ao pagamento dessas multas, circunstância que caracteriza sua legitimidade passiva na demanda, bem assim, sua participação na condenação honorária, em razão do princípio da causalidade. 4. Reexame e apelo conhecidos e desprovidos.” (TJCE – Ap-RN 0033552-67.2007.8.06.0001 – Relª Maria Iraneide Moura Silva – DJe 02.08.2016 – p. 18)

Comentário editorial SínTeSeTratou-se no presente julgado acerca da invalidação de Ato Administrativo, que transfere ou delega o exercício do Poder de Polícia, à sociedade de economia mista.

Acerca da delegação do Poder de Polícia administrativa, assim ensina o Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Os atos jurídicos expressivos de poder de polícia, de autoridade pública, e, portanto, os de polícia administrativa, certamente não poderiam, ao menos em princípio e salvo circunstâncias excepcionais ou hipóteses muito especificas (caso, exempli gratia, dos poderes reconhecidos aos capitães de navio), ser delegado a particulares, ou ser por eles praticados.

A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares funda-se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que en-volvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando em causa liberdade e propriedade, porque ofenderiam o equilíbrio entre os particulares em geral, ensejando que uns oficialmente exercessem supremacia sobre outros.

Daí não se segue, entretanto, que certos atos materiais que precedem atos jurídicos de po-lícia não possam ser praticados por particulares, mediante delegação, propriamente dita, ou em decorrência de um simples contrato de prestação. Em ambos os casos (isto é, com ou sem delegação), às vezes, tal figura aparecerá sob o rótulo de ‘credenciamento’. Adílson Dallari, em interessantíssimo estudo, recolhe variado exemplário de ‘credenciamentos’. É o que sucede, por exemplo, na fiscalização do cumprimento de normas de trânsito mediante fotossensores pertencentes e operados por empresas privadas contratadas pelo Poder Público, que acusam a velocidade do veículo ao ultrapassar determinado ponto e lhe captam eletronicamente a imagem registrando dia e momento da ocorrência.

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Para execução desta atividade material, objetiva, precisa por excelência, e desde que reten-tora de dados para controle governamental e dos interessados, nada importa que os equipa-mentos pertençam ou sejam geridos pelo Poder Público ou que pertençam e sejam geridos por particular, aos quais tenham sido delegada ou com os quais tenham sido meramente contratada. É que as constatações efetuadas por tal meio caracterizam-se pela impessoalidade (daí por que não interfere o tema do sujeito, da pessoa) e asseguram além de exatidão, uma igualdade completa no tratamento dos administrados, o que não seria possível obter com o concurso da intervenção humana.

De resto, não há nisto atribuição alguma de poder que invista aos contratados em qualquer supremacia engendradora de desequilíbrio entre os administrados, pois não está aí envolvida expedição de sanção administrativa e nem mesmo a decisão sobre se houve ou não violação a norma de trânsito, mas mera constatação objetiva de um fato.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional nº 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 809 e 810)

8033 – Bem público – permissão de uso – caráter precário e discricionário – revogação a qual-quer tempo – legalidade

“Apelação cível. Ação de reintegração posse. Requisitos do art. 927 do CPC comprovados. Imóvel de domínio público. Posse da municipalidade que decorre da administração dos bens sob sua tutela. Bem público. Permissão de uso. Caráter precário e discricionário. Revogação da permissão pela administração pública a qualquer tempo. Possibilidade. Posse precária por natureza. Pedido de desocupação. Esbulho comprovado. Existência de relação laboral. Irrelevância. Indenização pelo valor do imóvel e pelas acessões. Tese repelida. Direitos inerentes ao exercício da posse e não da mera detenção. Recurso não provido.” (TJPR – AC 1408276-5 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Espedito Reis do Amaral – DJe 18.08.2016 – p. 290)

Destaque editorial SínTeSeColacionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ATO ADMI-NISTRATIVO – AUTORIZAÇÃO DE USO – BEM PÚBLICO – REVOGAÇÃO DO ATO – POSSIBILI-DADE – NATUREZA PRECÁRIA – AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO – LIMITES DO PODER REVOGADOR – COMPETÊNCIA – CERTEZA E LIQUIDEZ DO DIREITO NÃO COMPROVADA – 1. Hipótese em que Prefeito do Município do Rio de Janeiro revogou autorização de uso de bem público onde a pessoa jurídica desenvolve comércio para a realização de obra de interesse comum, qual seja, o alargamento da Avenida das Américas. 2. Descabida a alegação de que o Prefeito do Município do Rio de Janeiro era autoridade ilegítima para a realização do ato; pois, nos termos da Lei Orgânica dos Municípios (art. 107, XXI), é justamente ele quem tem esta competência. Se a Lei permite à autoridade revogar o ato, age ela nos estritos limites do seu poder revogador. 3. Reconhecido na jurisprudência e doutrina que a autorização para o funcionamento, instrumentalizada pelo alvará, não gera ao particular, direito adquirido ao uso do bem, nem direitos relativos à posse, que, a bem da verdade, traduz-se em mera detenção. Se não gera direito adquirido, existindo ainda mera detenção, pode a Administração perfeita-mente revogar, a bem do interesse público, o ato antes realizado. Descabe ao Poder Judiciário impor à autoridade seja concedida à recorrente a permissão de uso, muito menos a concessão. 4. Ainda que se possa alegar, trata-se não de autorização, mas de permissão, pois nenhum di-reito líquido e certo vindicado neste mandamus socorreria ao recorrente, uma vez que doutrina e jurisprudência vai ao encontro da pretensão recursal da recorrente. Senão vejamos: ‘Permis-são – É ato unilateral pelo qual a administração faculta precariamente a alguém a prestação de um serviço público ou defere a utilização especial de um bem público. No primeiro caso, serve de exemplo a permissão para desempenho do serviço de transporte coletivo, facultada precariamente por esta via, ao invés de outorgada pelo ato convencional denominado conces-são. Exemplo da segunda hipótese tem-se no ato de facultar a instalação de banca de jornais em logradouro público, ou de quiosque para venda de produtos de tabacaria etc.’ (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito constitucional... 21. ed., p. 417); Jurisprudência do STJ: ‘[...] 2. A permissão de uso é instituto de caráter precário que pode ser revogado a

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qualquer tempo pela Administração Pública, desde que não mais se demonstre conveniente e oportuna. Aplicação da Súmula nº 473 do STF [...]’ (RMS 17.644/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 12.04.2007). No mesmo sentido: RMS 16280/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 19.04.2004. Recurso ordinário improvido. (STJ – RMS 18.349 – (2004/0066483-4) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 23.08.2007)” (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 101000406905. Acesso em: 23 ago. 2016)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PERMISSÃO DE USO DE IMÓVEL PÚBLICO – POSSE PRECÁRIA – REVOGAÇÃO A QUALQUER TEMPO – NO-TIFICAÇÃO PRÉVIA – NÃO DEVOLUÇÃO VOLUNTÁRIA – ESBULHO POSSESSÓRIO CARAC-TERIZADO – CERCEAMENTO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DE PROVA – PREJUDICIAL REJEITADA – I – Não há que se falar em cerceamento de defesa por ausência de produção das provas requeridas pela ré, tendo em vista que as provas apresentadas por ambas as partes mostram-se suficientes à solução da questão discutida na espécie. II – Caracterizado o esbulho possessório, decorrente da não devolução de bem público, recebido a título precário em razão de permissão de uso, após o transcurso do prazo para desocupação voluntária, afigura-se legítima a pretendida reintegração do proprietário na sua posse. III – Agravo retido e Apelação desprovidos. (TRF 1ª R. – AC 2004.34.00.027814-9 – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – J. 25.03.2015)” (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 107000655947. Acesso em: 23 ago. 2016)

“PERMISSÃO DE USO – TEMPO INDETERMINADO – ATIVIDADE COMERCIAL – EXPLORA-ÇÃO – DEVER DE INDENIZAR – AUSÊNCIA – Apelação cível. Administrativo. Permissão de uso de área pública por tempo indeterminado. Exploração de atividade comercial. Ato precário. Motivação e notificação regulares. Ausência do dever de indenizar. Recurso improvido. 1. Con-soante abalizada doutrina do direito administrativo, a permissão de uso de bem público é ato administrativo pelo qual a administração consente que certa pessoa utilize privativamente bem público, atendendo ao mesmo tempo interesse público e privado. Trata-se de ato unilateral, discricionário e precário, ou seja, a administração pode revogar posteriormente a permissão se sobrevierem razões administrativas para tanto, não havendo, como regra, qualquer direito de indenização em favor do administrado. 2. Sabe-se, porém, que apesar de precária, a juris-prudência admite indenização em casos excepcionais, especialmente quando o permissionário tenha realizado pesados investimentos no negócio ou quando o ato permissivo possua tempo determinado e a administração o revoga antes de seu término por razões de interesse público. 3. Não tendo o permissionário realizado pesados investimentos em lanchonete montada que sequer possuía alvará de funcionamento, sendo a permissão por prazo indeterminado e tendo a revogação sido devidamente justificada, não há que se falar em ilegalidade, muito menos em dever de indenizar, principalmente quando constatado que a revogação se deu em virtude de culpa exclusiva do permissionário. 4. De acordo com o princípio da instrumentalidade das formas, se não configurado o prejuízo alegado, descabe falar em nulidade. 5. Recurso impro-vido. (TJES – Ap 0013858-48.2006.8.08.0048 – Rel. Des. José Paulo Calmon Nogueira da Gama – DJe 07.03.2013)” (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 251600005781. Acesso em: 23 ago. 2016)

8034 – Conselho profissional – anuidade – aumento mediante resolução – inconstitucionalidade

“Constitucional, tributário e administrativo. Conselho profissional. Anuidade. Natureza tributária. Lei nº 11.000/2004, art. 2º. Aumento de anuidades dos conselhos profissionais mediante resolução. Inconstitucionalidade declarada por este tribunal no julgamento da ARGINC 410826/PE. Preceden-te do STF (ADIn 1.717-6/DF). CDA. Ausência dos requisitos de certeza e liquidez essenciais ao título executivo. Manutenção da sentença. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 2009.82.00.006406-4 – (589452/PB) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 19.08.2016 – p. 88)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 11.000/2004:

“Art. 2º Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como

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as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada Conselho.

§ 1º Quando da fixação das contribuições anuais, os Conselhos deverão levar em consideração as profissões regulamentadas de níveis superior, técnico e auxiliar.

§ 2º Considera-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos mencionados no caput deste artigo e não pagos no prazo fixado para pagamento.

§ 3º Os Conselhos de que trata o caput deste artigo ficam autorizados a normatizar a con-cessão de diárias, jetons e auxílios de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.”

8035 – Contrato administrativo – descumprimento de cláusulas contratuais – rescisão – devido processo legal – observância

“Ementa: 1. Direito administrativo. Contrato administrativo. Descumprimento. Observância do de-vido processo legal na rescisão. Retrocessão do imóvel. a) Nos termos do art. 78 da Lei de Lici-tações (Lei nº 8.666/1993), é motivo para rescisão do contrato o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; b) O art. 129, incisos I e II, da Lei nº 15.608/2007, por sua vez, prevê que constituem motivos para a rescisão do contrato ‘o não Agravo de Instrumen-to nº 1516272-4, cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos’ e ‘o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos’; c) A rescisão administrativa é prerrogativa afeta ao ente público, desde que instaurado regular processo admi-nistrativo, com obediência aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; d) E, no caso, restou provado, em sede de cognição sumária, que, após o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, a Administração Pública rescindiu o contrato, em razão do descumprimento de cláusulas e prazos, ou seja, motivadamente, retomando legalmente o imóvel. 2. Agravo de instrumento a que se dá provimento.” (TJPR – AI 1516272-4 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Cunha – DJe 18.08.2016 – p. 88)

8036 – Contrato administrativo – efetiva entrega do objeto licitado – ausência de pagamento por parte da Administração – inadmissibilidade – enriquecimento ilícito – vedação

“Cobrança. Contrato administrativo. Autora que foi vencedora da licitação para fornecimento de leite. Embora tenha efetuado a entrega do produto, a Municipalidade não cumpriu com a contra-prestação, ou seja, não efetuou o respectivo pagamento. Inadmissibilidade. Hipótese em que o serviço foi efetivamente prestado e comprovado. Ausência de empenho pela Administração que não pode dar ensejo ao seu enriquecimento ilícito. Princípio da moralidade que impõe o cumpri-mento das obrigações assumidas. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido.” (TJSP – Ap 0000250-08.2015.8.26.0390 – Nova Granada – 2ª CDPúb. – Relª Vera Angrisani – DJe 23.08.2016)

8037 – Contrato administrativo – fornecimento de carne bovina – desequilíbrio econômico--financeiro – risco inerente ao negócio – teoria da imprevisão – inaplicabilidade

“Apelação. Licitação. Pregão eletrônico. Contrato de fornecimento de carne bovina destinado a su-prir as necessidades do Programa de Alimentação Escolar do Município de São Paulo. Alegação de desequilíbrio econômico-financeiro, com onerosidade excessiva, em razão de fatos supervenientes. Inaplicabilidade da teoria da imprevisão, inexistência de álea econômica extraordinária e extracon-tratual. Previsibilidade de seca. Risco assumido inerente ao negócio. Inexistência de irregularidades nas penalidades administrativas aplicadas. Inexecução contratual e previsão no edital. Ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 1007564-29.2015.8.26.0053 – São Paulo – 5ª CDPúb. – Relª Heloísa Martins Mimessi – DJe 11.08.2016)

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8038 – Contrato administrativo – prorrogação – discricionariedade administrativa – obser-vância

“Mandado de segurança. Contrato administrativo de prestação de serviço. Direito líquido e certo à prorrogação do contrato. Inexistência. Discricionariedade. 1. Não há direito líquido e certo à pror-rogação de contrato firmado com o Poder Público, mas mera expectativa de direito, na medida em que cabe à Administração Pública decidir acerca da conveniência e oportunidade da prorrogação dos contratos, inserindo-se tal decisão na esfera de sua discricionariedade, mormente quando o prazo já se encontra expirado e existe parecer apontando que o contrato não vinha sendo fielmente executado; 2. Segurança denegada.” (TJAP – MS 0000293-53.2016.8.03.0000 – TP – Rel. Des. Raimundo Vales – DJe 19.08.2016 – p. 9)

8039 – Contrato administrativo – resumo de compras – nota de empenho – divergência – recusa do material solicitado – impossibilidade

“Contrato administrativo. Licitação. Pregão eletrônico. Descrição do objeto constante no Edital, igualmente reproduzida no Resumo de compras e que se distingue daquela apontada na Nota de Empenho. Administração Pública que recusa o material licitado. Impossibilidade. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Inteligência dos arts. 3º e 41 da Lei nº 8.666/1993. Con-signação em pagamento. Presença de interesse de agir. Necessidade de tutela jurisdicional para declarar a extinção da obrigação. Sentença de procedência mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 1045691-70.2014.8.26.0053 – São Paulo – 10ª CDPúb. – Rel. Paulo Galizia – DJe 11.08.2016)

Comentário editorial SínTeSeDiscutiu-se no presente julgado a possibilidade de a Administração Pública recusar material licitado, ante a divergência de nota de empenho.

Assim ensina o Mestre Marçal Justen Filho, acerca da natureza vinculativa do instrumento convocatório, previsto no art. 41 da Lei nº 8.666/1993:

“O instrumento convocatório cristaliza a competência discricionária da Administração, que se vincula a seus termos. Conjugando a regra do art.41 com aquela do art. 4º, pode-se afirmar a estrita vinculação da Administração ao edital, seja quanto a regras de fundo quanto àquelas de procedimento. Sob um certo ângulo, o edital é o fundamento de validade dos atos prati-cados no curso da licitação, na acepção de que a desconformidade entre o edital e os atos administrativos praticados no curso da licitação se resolve pela invalidade destes últimos. Ao descumprir normas constantes no edital, a Administração frustra a própria razão de ser da licitação. Viola os princípios norteadores da atividade administrativa, tais como legalidade, a moralidade, a isonomia. O descumprimento de qualquer regra do edital deverá ser reprimido, inclusive através dos instrumentos de controle interno da Administração Público. Nem mesmo o vício do edital justifica pretensão de ignorar e disciplina por ele vinculada. Se a Administra-ção reputar viciadas ou inadequadas as regras contidas no edital, não é lhe facultado pura e simplesmente ignorá-las ou atrelá-las. Verificando a nulidade ou a inconveniência dos termos do edital, a Administração poderá valer-se de suas faculdades para desfazimentos dos atos ad-ministrativos. Porém, isso acarretará necessariamente o refazimento do edital, com invalidação do procedimento licitatório já desenvolvido. Deverá ser reiniciado o procedimento licitatório (inclusive com novas publicações pela imprensa). Ter-se-á, na verdade, novo procedimento licitatório. Esse princípio foi expressamente consagrado no art. 21,§ 4º, da Lei nº 8.666.

O descumprimento às regras do edital acarreta nulidade dos atos infringentes. A extensão do vício, contudo, dependerá da análise do caso concreto. A nulidade de um ato, no curso da licitação, dificilmente reduz seus efeitos ao ato viciado apenas. A natureza procedimental da licitação acarreta um vínculo de sucessividade entre as diversas entre as diversas fases e os diversos atos que se sucedem no tempo. Como regra, os atos anteriores definem e condicio-nam os atos posteriores. Em um procedimento, cada fase pode, teoricamente, desenvolver-se de diferentes formas e em diversas circunstâncias. A definição concreta de como os fatos se passarão efetiva-se em cada caso concreto, tendo em vista os fatos antecedentes. Caracteriza--se uma espécie de relação de causa e efeito entre os atos posteriores e anteriores. O vício

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de um ato contamina os que a ele sucedem, desde que por eles sejam condicionados. Mas a nulidade não produz, como regra, efeito sobre os atos antecedentes.

Isso permite afirmar que, quanto mais antecedente (no curso da licitação) seja o ato viciado, tanto mais extensa será a série de atos contaminados pelo vício. A nulidade do edital acarreta a necessidade de seu refazimento. Logo, todos os atos posteriores perderão seu fundamento de validade. Mas a nulidade da decisão que julga as propostas não acarreta vício do edital nem da decisão que decide a fase de habilitação. Eventualmente, porém, o vício de um ato no curso da licitação poderá prejudicar inexoravelmente a própria licitação. Muito embora os atos anteriores fossem válidos, tornar-se-á necessário renovar sua prática. Esse efeito não deriva propriamente do vício do ato, mas da conjugação do efeito do vício aos princípios norteado-res da licitação. A declaração de nulidade do julgamento da habilitação pode, por exemplo, acarretar a necessidade de reiniciar a licitação. Isso ocorrerá quando já tinham sido abertos os envelopes de propostas. O princípio do sigilo exige, nas concorrências, que somente sejam abertos os envelopes dos licitantes habilitados. A renovação do julgamento das habilitações não podem se fazer com o conhecimento público do conteúdo das propostas. Como o sigilo, uma vez rompido, não pode ser refeito, a única solução será reiniciar a licitação.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 526 a 528)

8040 – Energia elétrica – inadimplência – prédio público – serviço público essencial – interrup-ção de fornecimento – ilegitimidade

“Administrativo. Fornecimento de energia elétrica. Ausência de omissão no acórdão regional. Inadimplência. Prédio público. Serviço essencial. Interrupção. Forma de compelir o município ao pagamento do débito. Interesse de toda a coletividade. Ilegitimidade. Acórdão em consonância com jurisprudência do STJ. Súmula nº 568/STJ. 1. Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a ques-tão colocada nos autos. 2. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no sentido de que é ilegítimo a suspensão do fornecimento de energia elétrica como forma de compelir o Município ao pagamento do débito e em prejuízo do interesse da coletividade. Súmula nº 568/STJ. Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 893.273 – (2016/0081544-7) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 17.08.2016 – p. 1392)

Destaque editorial SínTeSeDo voto do Ministro Relator destacamos:

“[...] Com efeito, alegou a agravante omissão no acórdão regional acerca da legalidade da sus-pensão do fornecimento de energia elétrica no caso, pois a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro não presta serviço essencial à população. No próprio acórdão principal, o Tribunal de origem apreciou referida questão ao assentar que a possibilidade de suspensão do fornecimento deve ser analisado de acordo com o caso concreto e que na hipótese é indevido (fls. 287/288, e-STJ):

Não houve, portanto, violação do art. 535 do Código de Processo Civil, mas somente decisão conforme prova dos autos que o ora recorrente tenta rediscutir.

Outrossim, quanto aos demais artigos de lei tidos por violados e à divergência jurisprudencial suscitada, não merece êxito o recurso, porquanto se verifica que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no sentido de que é ilegítimo a suspensão do forneci-mento de energia elétrica como forma de compelir o Município ao pagamento do débito e em prejuízo do interesse da coletividade.

[...]

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes:

‘PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SUS-PENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – INTERESSE DA COLETIVIDADE – PRESERVAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS

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1. Imperiosa a demonstração de maneira clara e expressa das questões sobre as quais o Tribunal de origem teria se mantido silente, sob pena de inadmissibilidade do apelo nobre por afronta ao art. 535, inc. II, do CPC, a teor do que dispõe a Súmula nº 284/STF.

2. As matérias referentes aos dispositivos tidos por contrariados não foram objeto de análise pelo Tribunal de origem. Desse modo, carece o tema do indispensável prequestionamento viabilizador do recurso especial, razão pela qual não merece ser apreciado, a teor do que pre-ceituam as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal, respectivamente transcritas.

3. “A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais – hospitais; pronto-socorros; escolas; cre-ches; fontes de abastecimento d’água e iluminação pública; e serviços de segurança pública –, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade” (EREsp 845.982/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 24.06.2009, DJe 03.08.2009).

4. Agravo regimental a que se nega provimento’ (AgRg-AREsp 543.404/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., J. 12.02.2015, DJe 27.02.2015)

‘ADMINISTRATIVO – ENERGIA ELÉTRICA – INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – INTERESSE DA COLETIVIDADE – PRESERVAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS

1. Nos termos da jurisprudência do STJ, nos casos de inadimplência de pessoa jurídica de direito público é inviável a interrupção indiscriminada do fornecimento de energia elétrica. Precedente: AgRg-EREsp 1003667/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 23.06.2010, DJe 25.08.2010.

2. O art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei nº 8.987/1995 estabelece que é possível interromper o for-necimento de serviços públicos essenciais desde que considerado o interesse da coletividade.

3. A suspensão do fornecimento de energia elétrica em escolas públicas contraria o interesse da coletividade.

Agravo regimental improvido’ (AgRg-REsp 1.430.018/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 18.03.2014, DJe 24.03.2014.). [...]”

8041 – Improbidade administrativa – aquisição de automóvel – licitação – ausência – prejuízo ao Erário – dano in re ipsa – precedentes

“Apelação cível. Ação de improbidade administrativa. Ausência de licitação para aquisição de au-tomóvel pela câmara de vereadores. Art. 10, inciso VIII, da LIA. Prejuízo ao Erário. Dano in re ipsa. Precedentes do STJ. Apelo improvido. I – Comprovado que o ex-Presidente da Câmara de Vila Nova dos Martírios, à época, adquiriu veículo no valor de R$ 20.040,00 (vinte mil e quarenta reais) para uso na câmara municipal de vereadores, deixando de realizar ou apresentar processo licitatório, deve ser mantida a sentença que o condenou nas penas de pagamento de multa civil equivalente ao dobro da remuneração percebida quando chefiava o poder legislativo municipal e a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cincos anos pela prática do ato de improbidade administrativa, disposto no art. 10, inciso VIII da LIA. II – O STJ tem decidido que, nos casos de improbidade ad-ministrativa por fraude ao procedimento licitatório (art. 10, VIII, da LIA), semelhantes ao dos autos, o prejuízo ao Erário que geraria a lesividade capaz de ensejar nulidade e a compensação ao Erário é in re ipsa, ou seja, independe de prova, tendo em vista que o poder público deixa de contratar a melhor proposta. III – Apelo conhecido e improvido.” (TJMA – Proc. 0004803-89.2010.8.10.0044 – (186786/2016) – Relª Angela Maria Moraes Salazar – DJe 11.08.2016 – p. 103)

Comentário editorial SínTeSeO acórdão em epígrafe trata de apelação interposto assim ementada:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEL PELA CÂMARA DE VEREADORES –

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ART. 10, INCISO VIII, DA LIA – PREJUÍZO AO ERÁRIO – DANO IN RE IPSA – PRECEDENTES DO STJ – APELO IMPROVIDO.”

Trata-se de apelação cível interposta contra da sentença prolatada pelo Juiz da Vara da Fa-zenda Pública de Imperatriz na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual, que julgou procedente a pretensão autoral, condenando o réu: (i) ao pagamento de multa civil equivalente ao dobro da remuneração percebida quando chefiava o Poder Legislativo munici-pal; e (ii) a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cincos anos.

O ato de improbidade administrativa, segundo a petição inicial, consistiu na aquisição direta de veículo pela Câmara Municipal de Vila Nova dos Martírios, sem as devidas formalidades legais de dispensabilidade.

O apelante alegou a inexistência de ato ímprobo, porquanto o veículo foi adquirido por permu-ta, mediante prévia autorização da Câmara Municipal, não havendo obtenção de benefícios em proveito próprio ou alheio, lesão ao Erário e conduta dolosa ou culposa do então agente público. Pede o provimento recursal.

Ao dar provimento ao quanto solicitado pelo Ministério Público, assim manifestou-se o nobre Relator, indicando algumas decisões do STJ:

“[...] O Magistrado de Base julgou procedentes os pedidos para condenar o réu nas penas de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 anos e multa civil equivalente a 2 vezes o valor da remuneração atualizada do ocupante do cargo de Presidente da Câmara de Vereadores de Vila Nova dos Martírios no ano de 2003, pela conduta prevista no art. 10, inciso VIII da Lei nº 8.429/1992.

Pois bem.

É cediço que a improbidade não se confunde com a mera ilegalidade, sendo certo que a Lei nº 8.429/1992 dá ênfase ao elemento subjetivo do agente, que deve ser demonstrado (dolo ou culpa), sendo rejeitada a tese de ‘responsabilidade objetiva’ por ato ímprobo. Logo, em função de seu caráter repressivo e das sanções que aplica, o referido Diploma Legal identifica-se com o Direito Penal, sendo rígida a tipificação das condutas previstas na lei que rege a matéria.

Realizados tais esclarecimentos, passo ao exame da espécie.

Pelas provas documentais produzidas, em especial o relatório técnico de fl. 32 e a deliberação colegiada de fl. 44, ambos do Tribunal de Contas do Estado, verifico que é incontroversa a ausência de processo licitatório, o que resulta na caracterização da conduta ímproba tipificada no art. 10, inciso VIII da Lei nº 8.429/1992.

Ademais, improcedem as teses do apelante de que não há prova de enriquecimento ilícito e prejuízo ao Erário, uma vez que STJ tem decidido que nos casos de improbidade administra-tiva por fraude ao procedimento licitatório (art. 10, VIII, da LIA), semelhantes ao dos autos, o prejuízo ao Erário que geraria a lesividade capaz de ensejar nulidade e a compensação ao erário é in re ipsa, ou seja, independe de prova, tendo em vista que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta.

Nesse sentido:

‘ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – ART. 10, VIII, DA LEI Nº 8.429/1992 – DANO IN RE IPSA – SOCIEDADE EMPRESÁRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NÃO FOI CONHE-CIDO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM – RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA – POSSIBILIDADE, POR FORÇA DOS ARTS. 3º E 5º DA LEI Nº 8.429/1992 E DO ART. 499, § 1º DO CPC – DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO PREQUESTIONADOS – SÚMULA nº 211 DO STJ – [...] 7. O STJ tem externado que, em casos como o ora analisado, ‘o prejuízo ao Erário, na espécie (fracionamento de objeto licitado, com ilegalidade da dispensa de pro-cedimento licitatório), que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao erário, é in re ipsa, na medida em que o Poder Público deixa de, por condutas de administra-dores, contratar a melhor proposta (no caso, em razão do fracionamento e consequente não re-alização da licitação, houve verdadeiro direcionamento da contratação)’ (REsp 1280321/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 06.03.2012, DJe 09.03.2012). 8. Quanto à alegação de inexistência de ato de improbidade por parte da recorrente, que argui ter prestado o serviço de boa fé, o recurso não merece prosperar, à luz dos entendimentos das

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Súmulas nº 7 e nº 211 do STJ. [...]’ (REsp 1376524/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 02.09.2014, DJe 09.09.2014) – Grifei.

‘RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPRO-BIDADE ADMINISTRATIVA – Celebração de 21 (vinte e um) contratos administrativos, sem licitação, entre município e sociedade de economia mista integrante da administração pública indireta que não foi criada com o fim específico de prestar serviços ao ente público. Prejuízo ao Erário reconhecido pelo tribunal a quo porque frustrada a busca da proposta mais vantajo-sa. Ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429, de 1992, reconhecido. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para reduzir as penas de multa e de suspensão dos direitos políticos.’ (REsp 1473542/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 1ª T., J. 02.09.2014, DJe 05.12.2014) – Grifei.

Por outro lado, o simples fato da compra ter sido autorizada por todos os Vereadores na Ses-são Ordinária de 16 de maio de 2003 (fls. 162/172), não legitima a dispensa injustiçada de procedimento licitatório para a aquisição do automóvel em comento.

Superada a caracterização do ato de improbidade cometido pelo apelante, deve o Julgador, ao cominar a sanção, analisar a lesividade e a reprovabilidade de sua conduta, o elemento volitivo e a consecução do interesse público, de modo a adequar a pena à realidade dos autos.

Deste modo, deve ser mantida a condenação do recorrente nas sanções previstas no art. 12, inciso II, da Lei nº 8.249/1992, quais sejam suspensão dos direitos políticos por 5 anos e o pagamento de multa civil equivalente ao dobro da remuneração percebida quando chefiava o Poder Legislativo municipal.

Por fim, não coaduno com o entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça de que, em respei-to ao Pacto de San José da Costa Rica, não se admite a condenação em suspensão de direitos políticos em razão de condenações por atos de improbidade administrativa.

Isto porque ao analisar o pedido de liminar na Reclamação nº 18.183/DF, que tramita no Su-premo Tribunal Federal, o Ministro Lewandowski destacou que ‘o Constituinte originário dispôs expressamente quais seriam as sanções para os agentes que sejam condenados por atos de improbidade administrativa: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário. O art. 12 da Lei nº 8.429/1992, portanto, apenas dá cumprimento comando do legislador originário’.

Ante o exposto, de acordo, em parte, com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conheço e nego provimento ao recurso, para manter a sentença de base em todos os seus termos.

É como voto. [...]”

8042 – Improbidade administrativa – ressarcimento ao Erário – fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 8.429/1992 – inaplicabilidade – princípio da irretroatividade – observância

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Ressarcimento ao Erário. Fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 8.429/1992. Inaplicabilidade desta, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade e da segurança jurídica. Acordo homologado judicialmente que transi-tou em julgado. Coisa julgada. Impossibilidade de rediscussão da matéria. Desapropriação de bem por utilidade pública. Posterior acordo firmado entre as partes. Superfaturamento no valor pactuado para aquisição do imóvel não comprovado. Inexistência nos autos de prova incisiva no sentido de comprovar que o imóvel não valia o preço pago. Violação ao art. 10, II, da Lei nº 8.429/1992. Inocorrência. Sentença reformada. Recursos de apelações providos.” (TJPR – AC 1461777-7 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Mansur Arida – DJe 01.08.2016 – p. 161)

Comentário editorial SínTeSeO acórdão em epígrafe trata de apelação interposto contra decisão assim ementada:“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RESSAR-CIMENTO AO ERÁRIO – FATOS OCORRIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.429/1992 – INAPLICABILIDADE DESTA, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA – ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE QUE TRANSITOU

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EM JULGADO – COISA JULGADA – IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – DESAPROPRIAÇÃO DE BEM POR UTILIDADE PÚBLICA – POSTERIOR ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES – SUPERFATURAMENTO NO VALOR PACTUADO PARA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL NÃO COMPROVADO – INEXISTÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA INCISIVA NO SENTI-DO DE COMPROVAR QUE O IMÓVEL NÃO VALIA O PREÇO PAGO – VIOLAÇÃO AO ART. 10, II, DA LEI Nº 8.429/1992 – INOCORRÊNCIA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSOS DE APELAÇÕES PROVIDOS.”O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública pela prática de ato de improbidade administrativa em face dos apelantes, em síntese, por atos lesivos aos cofres públicos praticados antes a vigência da Lei nº 8.429/1992.Ao dar provimento a Apelação assim manifestou-se o nobre Relator:“[...] Inicialmente, depreende-se da peça inaugural que o Ministério Público visa à condenação dos réus com embasamento na Lei n° 8.429/1992.Todavia, analisando os autos, verifica-se que a desapropriação do imóvel, objeto da demanda, aconteceu em 12 de outubro de 1990, através do Decreto nº 218/1990. Já o suposto acordo superfaturado, que ocasionou a presente demanda, ocorreu após 4 meses.Sendo assim, não há como aplicar-se a referida Lei aos atos anteriores à sua vigência, visto que o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, estabelece que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo a ação penal cabível. (Grifo nosso).Ou seja, resta evidente que o artigo em comento não era auto-aplicável e dependia de regu-lamentação de lei, de modo que a Lei n° 8.429/1992, a qual entrou em vigor na data da sua publicação, 03 de junho de 1992, não podia ser aplicada a atos anteriores à sua vigência, em obediência ao princípio da irretroatividade.Sendo assim, no momento em que os fatos descritos como ímprobos ocorreram, a LIA sequer existia no mundo jurídico, de modo que não deve ser aplicada ao presente caso, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica.A propósito:ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SERVIDORES DA POLÍCIA RODOVIÁRIAS FEDERAL – LEI Nº 8.429/1992 – IRRETROATIVIDADE – FATOS ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA – FATOS POSTERIORES – AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO – RE-CURSO ESPECIAL PROVIDO – A Lei nº 8.429/1992, assim como as normas penais, não se aplica a fatos a ela anteriores. Nos termos da jurisprudência do STJ, o enquadramento da conduta do agente público no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 exige a presença do elemento doloso, o que não está configurado no caso em exame. Recurso especial conhecido e provi-do para afastar as penalidades impostas na ação de improbidade. (STJ, REsp 1327792/CE 2012/0020411-0, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, J. 26.06.2012, T2 – 2ª T., Data de Publica-ção: DJe 02.08.2012) (Grifo nosso). [...]”

8043 – Improbidade administrativa – suspensão do feito em razão da não conclusão de inquéri-to penal – descabimento – independência dos poderes – observância

“Agravo de instrumento. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Decisão que recebeu a inicial para prosseguimento do feito devidamente fundamentada. Juízo de prelibação. Ausência das hipóteses do art. 17, § 8º da Lei nº 8.429/1992. Verificados indícios da prática de ato de improbidade. Princípio in dubio pro societate. Suspensão do feito em razão da não conclusão de inquérito penal. Descabimento independência dos poderes. Manutenção da decisão agravada recurso conhecido e desprovido.” (TJPR – AI 1463382-6 – 4ª C.Cív. – Relª Desª Regina Afonso Portes – DJe 23.08.2016 – p. 353)

8044 – Poder de polícia – trânsito – sanção pecuniária – aplicação por sociedade de economia mista – impossibilidade

“Administrativo. Agravo interno no agravo em recurso especial. Poder de polícia. Trânsito. Sanção pecuniária aplicada por sociedade de economia mista. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que não é possível a aplica-ção de sanções pecuniárias por sociedade de economia mista, facultado o exercício do poder de

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polícia fiscalizatório. Precedentes: EDcl-REsp 817.534/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 25.05.2010, DJe 16.06.2010, AgRg-AREsp 539.558/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 25.11.2014, DJe 03.12.2014, AgRg-Rcl 9.850/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., Julgado em 14.11.2012, DJe 20.11.2012. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 541.532 – (2014/0161741-3) – 2ª T. – Relª Min. Diva Malerbi – DJe 23.08.2016 – p. 608)

Destaque editorial SínTeSe Colacionamos o seguinte julgado no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO – DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE MULTA POR INFRAÇÃO DE TRÂNSITO – Poder de polícia exercido por empresa de economia mista. Indelegável o exer-cício do poder de polícia a particulares ou pessoas jurídicas de direito privado. Precedentes do TJ e STJ. Sentença mantida. Recurso de apelação desprovido. (TJSP – Ap 4008207-03.2013.8.26.0506 – Ribeirão Preto – 12ª CDPúb. – Rel. J. M. Ribeiro de Paula – DJe 23.08.2016)” (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 161003086178. Acesso em: 24 ago. 2016)

8045 – Pregão eletrônico – índice de liquidez corrente – qualificação técnico-financeira – res-trição à concorrência – inexistência

“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Anulação de ato administrativo. Pregão eletrôni-co. Programa ‘Pontes Rurais’. Decisão agravada que concedeu liminar de tutela. Urgência para o fim de determinar a suspensão do Pregão Eletrônico nº 01/2016, sob o fundamento de que o Índice de Liquidez Corrente (ILC) em maior ou igual a 1,50 estabelecido como requisito de qualificação técnico-financeira pelo Edital é abusivo e restringe a concorrência. Violação do art. 31, § 5º da Lei nº 8.666/1993. Não ocorrência. ILC maior ou igual a 1,50 tido como aceitável por consolidada jurisprudência do TCE/SP. Presunção de legitimidade e de legalidade do ato administrativo não infirmada. Probabilidade do direito e fundado receio de dano de difícil ou incerta reparação com-provados pelo agravante. Decisão reformada. Prosseguimento do certame determinado. Recurso provido.” (TJSP – AI 2121763-75.2016.8.26.0000 – São Paulo – 10ª CDPúb. – Rel. Paulo Galizia – DJe 19.08.2016)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.666/1993:

“Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;

II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no caput e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.

§ 1º A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 2º A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1º do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.

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§ 3º O capital mínimo ou o valor do patrimônio líquido a que se refere o parágrafo anterior não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação, devendo a compro-vação ser feita relativamente à data da apresentação da proposta, na forma da lei, admitida a atualização para esta data através de índices oficiais.

§ 4º Poderá ser exigida, ainda, a relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, cal-culada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação.

§ 5º A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, atra-vés do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 6º (Vetado)” (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

8046 – Pregão eletrônico – microempresa e empresa de pequeno porte – composição dos pre-ços – regime tributário próprio do serviço que pretendia prestar – observância

“Mandado de segurança. Licitação. Pregão eletrônico. Participação de microempresa ou empresa de pequeno porte. Regime tributário diferenciado. Objeto da licitação. Manutenção preventiva e corretiva de grama viva de campo de futebol. A proposta de preços apresentada pela impetrante deveria considerar os encargos do regime tributário próprio do serviço que pretendia prestar. Inexis-tência de direito líquido e certo. Segurança denegada. Embargos de declaração prejudicados. 1. A jurisprudência pacificada e doutrina abalizada permitem à participação, em certame licitatório, de microempresas ou empresas de pequeno porte aderentes do Simples Nacional. 2. Aliás, o próprio Edital de Pregão Eletrônico nº 0010/2015 prevê a participação de microempresas ou empresas de pequeno porte ou equiparadas, conforme se infere do item 3, do Anexo VII, às fls. 98-verso. 3. O ob-jeto da licitação em questão era a contratação de pessoa jurídica especializada no serviço continu-ado de manutenção preventiva e corretiva, com equipamentos, da grama viva do campo de futebol do Complexo Esportivo Kleber Andrade. 4. O serviço a ser prestado à Secretaria de Estado de Espor-tes e Lazer não se limita à cessão de mão de obra, que, neste ponto, poderia ser considerada uma exceção que permitiria a impetrante a permanecer em regime tributário diferenciado, em razão das exceções legais previstas. 5. No entanto, verifica-se do Anexo I do Edital, relativo ao detalhamento da proposta de preços a ser elaborada, a mão de obra é apenas parte dos custos a serem dimensio-nados. Junto a estes, vêm os provenientes dos equipamentos e insumos que deverão ser fornecidos em conjunto, de forma a viabilizar a prestação de todo o serviço de manutenção preventiva e cor-retiva do gramado do Estádio Kleber Andrade. 6. In casu, a ora Impetrante não foi inabilitada por conta de sua condição prévia de microempresa optante pelo regime tributário denominado Simples, mas porque não considerou, em sua proposta de preços, os encargos do regime tributário próprio do serviço que pretendia prestar. 7. Na ausência de elementos probatórios aptos a sustentar conduta ilegal da autoridade acoimada coatora, inexiste direito líquido e certo que justifique o deferimento da segurança vindicada. 8. Segurança denegada. Embargos de declaração prejudicado.” (TJES – MS 0030178-11.2015.8.08.0000 – Rel. Manoel Alves Rabelo – DJe 19.08.2016)

8047 – Pregão eletrônico – serviços de motofrete – transporte e entrega de pequenas cargas – impossibilidade – monopólio postal – violação

“Constitucional e administrativo. ECT. Privilégio e exclusividade do serviço público postal. Art. 21, inciso X, da Constituição Federal. Lei nº 6.538/1978. Serviço postal. Pregão eletrônico para contra-tação de serviço de motofrete. Objeto da licitação. Serviço de transporte de documentos e entre-ga de pequenas cargas. Impossibilidade. Violação ao privilégio postal. Apelação da ECT provida. 1. Tratam-se de recursos de apelação propostos pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo e

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pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT em face de r. sentença de fls. 157/165 que, em autos de ação cominatória com pedido de tutela antecipada, julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela ECT em sua inicial, para determinar ao Estado de São Paulo que cessasse imediatamente a coleta, entrega e distribuição de documentos qualificados como cartas, determi-nando, ainda, que ao réu se abstivesse de efetuar, seja por licitação/contratação de terceiro, seja por ela mesma, qualquer atividade que tenha por fim a prestação de serviços postais, que seja destinada exclusivamente a ECT, nos termos da lei e fundamentação da sentença, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). Tendo, por fim, decretado a anulação da licitação e contrata-ção referente ao serviço de coleta, transporte e entrega de documentos identificados, nos termos da lei, como carta e condenado o Estado de São Paulo ao pagamento de honorários advocatícios, que foram fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do § 4º do art. 20 do antigo Código de Processo Civil, vigente à época da decisão. 2. As atividades de serviço postal e o correio aéreo nacional estão previstas no art. 21, inciso X, da Constituição Federal, como competências a serem mantidas pela União. 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 46, conso-lidou a jurisprudência no sentido da constitucionalidade da exploração, pela União Federal, em regime de monopólio, das atividades postais constantes do art. 9º da Lei Federal nº 6.538/1978, a serem executadas através da ECT. 4. O E. STF concluiu que o interesse primordial em jogo, no caso de serviço postal, é o interesse geral de toda a coletividade, uma vez que interessa a sociedade que em todo e qualquer município do Brasil, seja possível enviar/receber cartas pessoais, documentos e demais objetos com segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas. 5. In casu, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos propôs ação cominatória contra o Estado de São Paulo, visando que fosse anulada a contratação decorrente do pregão nº 09/2011 realizado pela Secretaria da Fazenda Pública do Estado, cujo objeto é a contratação de serviços de transporte de documentos e entrega de pequenas cargas (Item I, 1, do Edital), bem como fosse determinada a abstenção da ré de iniciar procedimento licitatório que tenha como objeto a entrega de correspondência, individual ou agrupada, documentos e objetos enquadrados como carta. 6. A expressão ‘pequenos volumes’ colhida em sentido amplo, pode perfeitamente albergar carta ou cartões postais e, assim, revelar que o contrato não guarda compatibilidade com o privilégio postal da União, exercido de forma exclusiva pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 7. Com razão a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, merecendo reforma a r. sentença, eis que de acordo com o Edital de Pregão Eletrônico NCC nº 09/2011, o objeto do contrato de prestação de serviços decorrente daquele pregão é a ‘contratação de serviços de transporte de documentos e entrega de pequenas cargas por meio de motocicletas’ (fl. 43-v), sendo, portanto, vago e abrangente o objeto da contratação no que tange a expressão ‘pequenas cargas’, de forma que permitir a manutenção do contrato é permitir que eventuais serviços, cuja exclusividade destina-se à ECT, seja prestado por terceiros contratados pela Administração, em total violação à Constituição Federal e a Lei. Reformada parcialmente a r. sentença de fls. 157/165, aponto que o ônus de sucumbência recaiu integralmente sobre o Estado de São Paulo, motivo pelo qual o condeno ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do antigo Código de Processo Civil de 1973, vigente à época. 8. Apelação da Fazenda Pública do Estado de São Paulo não conhecida. 9. Provida a apelação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.” (TRF 3ª R. – AC 0007808-84.2011.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 15.08.2016 – p. 238)

Comentário editorial SínTeSeDiscutiu-se no presente julgado a existência de violação ao monopólio postal, ante a contra-tação pelo Município de serviço de transporte de documentos e entregas de pequenas cargas.

Acerca do Monopólio, assim ensina o mestre Hely Lopes Meirelles:

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“Em sentido econômico, monopólio significa controle da produção e preço na sua acepção mais ampla. É o poder de atuar com exclusividade no mercado, como único vendedor. É a exclusão da concorrência e a imposição do preço pela vontade unilateral do vendedor único.

Na conceituação de Gross, o monopólio estatal ‘é a deliberada subtração de certas atividades privadas das mãos de particulares, para colocá-las sob a égide da Nação, por motivos de interesse público’.

A propósito, nossa Constituição estabelece que ‘constituem monopólio da União: I – a pes-quisa e a lavra das jazidas de petróleo e o gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais e seus derivados’ (art. 177).

Dessa forma, além das enumeradas em seu art. 177, a União ainda detém, instituído pela mesma Constituição, o monopólio das seguintes atividades: emissão de moedas, serviço pos-tal e correio aéreo nacional, serviços de telecomunicação, serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, serviços de instalação de energia elétrica, navegação aérea, aeroespacial e infraestrutura aeroportuária, serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras ou que transpunham os limites de Estado ou Território, serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, portos marítimos, fluviais e lacustres, entre outros (CF, art. 21, VII, X, XI e XII, respectivamente).

Conclui-se, portanto, que só há, presentemente, monopólio das atividades expressamente ex-pressas na Constituição.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 577 e 578)

8048 – Responsabilidade civil do Estado – bullying dentro do estabelecimento de ensino – dano moral – cabimento

“Apelação. Responsabilidade civil do Estado. Bullying sofrido por longo período de tempo dentro de estabelecimento de ensino. Danos morais. Pretensão inicial voltada à reparação moral da autora, relativamente incapaz, em decorrência de grave omissão por parte da Diretoria da Escola Estadual no seu dever constitucional de proteção a um de seus estudantes. Possibilidade. Rompimento do dever de segurança estatal em relação à pessoa que se encontrava sob sua guarda. Responsabilida-de objetiva (art. 37, § 6º, da CF/1988). Nexo de causalidade configurado. Acervo fático-probatório coligido aos autos que se mostra suficiente para evidenciar os elementos constitutivos da responsa-bilidade de civil do Estado em decorrência de negligência de seus servidores, os quais não tomaram providências adequadas a fim de impedir que a autora sofresse por anos com a prática de bullying praticadas em seu desfavor por colegas de escola. Nexo de causalidade configurado. Danos mo-rais (in re ipsa) fixados em R$ 5.000,00. Respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabi-lidade. Sentença de improcedência reformada. Recurso da autora provido.” (TJSP – Ap 0001356-63.2012.8.26.0146 – Cordeirópolis – 4ª CDPúb. – Rel. Paulo Barcellos Gatti – DJe 18.08.2016)

Comentário editorial SínTeSeÉ cabível a indenização por dano moral ante prática de bullying sofrido em escola pública?

Este foi o tema debatido no acórdão, ora em comento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por menor impúbere, representada por sua genitora, em face da apelada Fazenda do Estado de São Paulo, contra decisão que julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que não há como atribuir à escola uma atividade policiales-ca de controle completo e absoluto do comportamento dos alunos, incumbindo-lhe apenas orientá-los para evitar transtornos e constrangimentos, ressaltando-se que o bullying praticado entre estudantes não é circunstância que a instituição de ensino possa controlar de modo completo.

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Inconformada, sustenta a autora que, embora seja razoável presumir a impossibilidade de controle completo e absoluta da escola sobre seus alunos, também é verdade que não pode o estabelecimento educacional ser omisso e permitir que seus estudantes maltratem os demais sem que haja qualquer punição aos opressores.

Alega que o estabelecimento de ensino, ciente dos acontecimentos, nada fez de concreto para combater constante bullying sofrido pela apelante, mas, ao contrário, atribuindo à apelante a responsabilidade pelas agressões sofridas.

Ao dar provimento aos pedidos formulados pela autora, assim manifestou-se o Relator:

“A responsabilidade do Ente Estatal, deste modo, com a transmutação do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, mitigou o viés subjetivo (lastreado na culpa do agente) dando relevo para um foco objetivo (teoria do risco administrativo), de modo a exigir da Administração a es-trita observância das regras de conduta a que estava submetida, sob pena de, em caso de ato desvirtuado de legalidade e causador de um dano, ser compelida ao ressarcimento do prejuízo ocasionado, independentemente da voluntariedade de seu agente. Esta, inclusive, foi a linha adotada pela Carta Magna (art. 37, § 6º, da CF/1988):

‘Art. 37. [...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.’”

Neste ponto, porém, a doutrina moderna fomentou a necessidade de diferenciação da res-ponsabilidade administrativa decorrente de atos (i) comissivos (art. 37, § 6º, da CF/1988) ou (ii) omissivos.

Em relação àqueles, a responsabilidade do Estado seria imediata, objetiva, a partir da consta-tação dos respectivos pressupostos: nexo de causalidade e dano; já para os casos de omissão administrativa, impenderia acrescer aos demais pressupostos a existência, ou não, do “dever legal de atuação pelo Estado” (faute du service), sendo indispensável, aqui, a averiguação de uma “omissão culposa” (ilegalidade ato ilícito em sentido lato).

Novamente, valendo das palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

“O Estado causa danos a particulares por ação ou por omissão. [...], quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabi-lidade civil do Estado. [...] Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos.”

Na mesma linha, o ilustre Jurista Rui Stoco, em seu Tratado de Responsabilidade Civil discorre com maestria:

“Não é apenas a ação que produz danos. Omitindo-se o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria administração. [...] ‘No tocante aos atos ilícitos decor-rentes de omissão, devemos admitir que a responsabilidade só poderá ser inculcada ao Estado se houver prova de culpa ou dolo do funcionário’ [...].

Cumpre acrescentar que a omissão traduz um non facere, de sorte que se liga a um compor-tamento omissivo do Estado, quando deveria agir. Sugere falha do serviço por negligência de alguém. Esse comportamento culposo deve ser apurado, pois se o Estado não agiu, não atuou, não pode ser responsabilizado objetivamente pelo que não fez, impondo-se averiguar a culpa, expressa na omissão ou falha negligente da Administração, na certeza de que a culpa desta será a culpa do Poder Público.”

Em sequência, Sérgio Cavalieri Filho, conferindo profundidade ao tema dos atos omissivos do Estado, distingue-os entre genéricos e específicos, sendo que:

“Haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou de guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não se evitar um dano. [...] Em suma, a omissão específica, que faz emergir a responsabilidade objetiva da Administração Pública, pressupõe um dever específico do Estado, que o obrigue a agir para impedir o resultado danoso, quando a vítima se encontrava sob sua proteção ou guarda [...].

Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em

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razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o princípio da responsabilidade subjetiva.

In casu, adotando esta última classificação, que não exclui as demais, mas tão somente siste-matiza melhor a questão, trata-se de imputação de vício omissivo específico da Administração (segurança e guarda de alunos que se encontram sob sua custódia), trazendo a lume a respon-sabilidade civil do Estado, sob o enfoque da responsabilidade objetiva.

Neste diapasão, suficiente para fins de constatação da responsabilidade que haja prova da (i) não cumprimento do dever de proteção; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade entre ambos.

E, segundo se depreende dos elementos de informação contidos nos autos, de fato, não há como se afastar a responsabilidade civil dos prepostos da Administração Estadual pela omis-são no que se refere ao constante bullying sofrido pela autora dentro da Escola Estadual Cel. José Levy nos anos de 2010 e 2011, observando-se que os servidores públicos, por desídia, descaso e despreparo profissional não empregaram todos os cuidados necessários na guarda do aluno que estava sob a custódia do Poder Público.

Com efeito, o descumprimento do dever de proteção está comprovado nos autos, haja vista o conteúdo dos depoimentos de Maycon Henrique Mangosso de Moura e de Lucy Gonçalves Gerônimo – colegas da postulante na Escola Estadual Cel. José Levy –, que narram os cons-tantes episódios de bullying sofrido pela autora por parte de outros alunos, bem como a ausência de providências efetivas tomadas pela Diretoria de Ensino, cujos membros tinham consciência do problema, mas nada fizeram para resolvê-lo.

[...]

Todavia, a obrigação governamental de preservar a intangibilidade física e moral dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indis-sociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino (art. 227, caput, da CF).

Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade moral do aluno, emerge a respon-sabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos (caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro), as quais não restaram comprovadas na hipótese dos autos.

Assim, embora não seja possível controlar de modo completo o fenômeno denominado bullying, é dever do Estado atuar de modo efetivo junto aos alunos, educadores, pais e responsáveis a fim de minimizar esse mal e obstar sua continuidade, o que inocorreu na hipótese dos autos.

[...]

De fato, ‘o bullying não foi praticado pela equipe gestora da escola’ conforme afirmado pela requerida à fl. 76 –, mas isso não retira dos responsáveis pela Escola a culpa por todos os transtornos, agressões e abusos sofridos pela autora entre 2009 e 2011, observando-se que a partir de 2012 a postulante foi reposicionada para estudar no período noturno e passou a conviver com pessoas mais velhas, tendo seu rendimento melhorado consideravelmente com a cessação da prática de bullying (fls. 93/94).

De qualquer forma, inegável que o comportamento negligente da Administração ao longo dos anos de 2009 e 2011 mostrou-se relevante para a hipótese sub judice e configurou afronta ao dever de cuidado, na medida em que não foram tomadas as adequadas providências para evitar e obstar a prática de bullying sofrido pela autora, configurando-se, por conseguinte, causa suficiente para responsabilização estatal.

Com isso, conforme pormenorizado, restou caracterizada a omissão ilícita dos agentes estatais, bem como o nexo de causalidade estabelecido entre esta e os danos morais provocados à auto-ra, perfazendo, pois, os requisitos necessários para ensejar a responsabilidade civil do Estado, que não providenciou medidas preventivas e repressivas de modo a evitar a continuidade da prática de bullying na Escola Coronel José Levy.

Neste diapasão, cediço que para a ocorrência do dano moral, deve a ação provocar prejuízo à honra subjetiva (aspecto íntimo, equilíbrio anímico, ego, dignidade) e/ou objetiva (aspecto

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exterior, imagem social, boa fama, reputação) da vítima, sem o que não haverá se falar em obrigação reparatória, já que inexiste responsabilidade no âmbito civil sem o respectivo dano.

[...]

Na hipótese em testilha, inegável que a constante prática de bullying a que submetida a au-tora por parte dos seus colegas circunstância, repise-se, que somente ocorreu em virtude da omissão e negligência por parte dos prepostos da requerida – acarretou imenso abalo moral, transtorno e indignação à postulante, cujo sofrimento só será minimizado pelo decurso do tempo. Ainda assim, certamente o direito civil viabiliza a reparação pecuniária, já que o ato ilícito provocou violação aos direitos da personalidade e, consequentemente, à dignidade da pessoa do postulante, configurando dano moral in re ipsa (presumido).

O reprovável comportamento omissivo de prepostos do Estado não encontra respaldo no orde-namento jurídico sob qualquer enfoque e, não obstante o respeito ao entendimento do Juízo a quo, deve ser repelido pelo órgão jurisdicional a partir da fixação de indenização de natureza moral. [...]”

8049 – Responsabilidade civil do Estado – INSS – cancelamento de benefício previdenciário – dano moral indenizável – inexistência

“Processual civil. Administrativo. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. INSS. Cancelamento de benefício previdenciário. Perícia médica anterior. Capacidade laborativa. Inexistência de dano moral indenizável. Apelação provida em parte. 1. A questão posta nos autos diz respeito a pedido de indenização por danos morais, pleiteado por Marinalva Ribeiro Diniz, em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em razão de conversão de auxílio-doença acidentário em auxílio-doença previdenciário, e, posteriormente, suspensão deste. 2. A Magistrada a quo julgou o feito improcedente, por entender ser caso de mero dissabor cotidiano e não de dano moral indenizável. Somente a parte autora apelou, retomando todos os fundamentos da inicial. 3. O mérito da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais. São elementos da responsabili-dade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. 4. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Pois bem, no caso dos autos, é patente a aplicação do instituto da responsabilidade objetiva, visto que o INSS praticou uma conduta comissiva, qual seja a cessação do benefício previdenciário, ainda que sob a forma de negação. 6. Primeiramente, não há que se falar em dano decorrente da conversão do auxílio-doença acidentário em auxílio-doença previdenciário, visto que os valores recebidos pelo segurado são iguais em ambos os casos. Acerca do auxílio-doença faz-se pertinente considerar que, nos termos dos arts. 59 e 60 da Lei nº 8.213/1991, trata-se de benefício previden-ciário de caráter transitório, devido ao segurado incapaz para o trabalho por mais de quinze dias consecutivos. Entretanto, não é possível vislumbrar ilicitude na conduta da autarquia federal, pois, pela consulta aos autos, percebe-se que o benefício previdenciário foi cessado após realização de perícia médica que atestou a incapacidade laborativa do autor. Observa-se, ainda, que o autor não acostou aos autos provas que pudessem demonstrar a má realização da perícia médica. 7. No mais, é firme a orientação, extraída de julgados da Turma, no sentido de que: ‘O que gera dano indeni-zável, apurável em ação autônoma, é a conduta administrativa particularmente gravosa, que revele aspecto jurídico ou de fato, capaz de especialmente lesar o administrado, como no exemplo de erro grosseiro e grave, revelando prestação de serviço de tal modo deficiente e oneroso ao administrado, que descaracterize o exercício normal da função administrativa, em que é possível interpretar a le-gislação, em divergência com o interesse do segurado sem existir, apenas por isto, dano a ser ressar-cido [...]’ (AC 00083498220094036102, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, e-DJF3 17.02.2012). 8. Ainda, quanto ao dano moral, a doutrina o conceitua enquanto ‘dor, vexame, sofrimento ou humilhação

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que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo (CAVALIERI, Sérgio. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 549). 9. Precedentes. 10. Nesse sentido, é patente a inexistência de dano moral indenizável, tendo em vista que o INSS procedeu com regularidade, não havendo, portanto, ato ilícito. 11. Ape-lação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0006994-83.2009.4.03.6119/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 15.08.2016 – p. 199)

8050 – Responsabilidade civil do Estado – morte de policial militar em serviço – fornecimento de equipamento de proteção individual – ausência – danos moral – cabimento

“Responsabilidade civil do Estado e processual civil. Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Sentença de improcedência. Morte de policial militar em serviço. Ausência de for-necimento de equipamento de proteção individual e apoio tático e logístico. Responsabilidade objetiva caracterizada. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Dano moral configurado. Precedentes desta Corte de justiça. Quantum indenizatório fixado na sentença em consonância com os crité-rios da razoabilidade e proporcionalidade. Conhecimento e desprovimento da apelação.” (TJRN – AC 2014.020584-7 – 2ª C.Cív. – Relª Desª Judite Nunes – DJe 11.08.2016 – p. 53)

Comentário editorial SínTeSeTrata-se de apelação cível interposta pelo Estado do Rio Grande do Norte contra a sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara Cível da Comarca de Natal, que nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais em desfavor do ente público ora apelante, julgou procedente a ação e condenou o recorrente ao pagamento de danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos autores desta demanda.

Em apartada síntese, os autores da demanda são filhos do falecido soldado da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, estava, por determinação dos seus superiores, fazendo a proteção e segurança pessoal, sem qualquer proteção física (coletes, capacetes, etc.) e por-tando apenas a arma de fogo que o ente público lhe fornecia, foi morto após uma emboscada, razão pela qual foi movida a presente ação indenizatória.

Diante da sentença de procedência, o Estado do Rio Grande do Norte interpôs recurso apela-tório pugnando pela reforma da sentença, alegando que a caracterização da responsabilidade subjetiva depende da configuração da culpa e que o policial militar, pela natureza da sua profissão, assumiu todos os riscos inerentes àquela atividade, podendo ainda afirmar que houve culpa de terceiro, razão pela qual pugnou pela reforma integral da sentença combatida, a fim de que seja julgada improcedente a ação ou, em pedido sucessivo, seja reduzido o valor da indenização.

Ao negar provimento aos recursos formulados pelo Estado do Rio Grande do Norte, assim manifestou-se o nobre Relator:

“[...] Em casos como o dos autos, deve-se aplicar a Teoria da Responsabilidade Objetiva, con-sagrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, com base no risco administrativo, ficando o Estado obrigado a indenizar independentemente da configuração de culpa ou dolo, desde que comprovado o nexo de causalidade.

O dispositivo legal aludido dispõe, in verbis:

‘§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.’

Em que pese a atividade policial submeter-se a inúmeros riscos inerentes àquela profissão, na hipótese dos autos o policial estava realizando a proteção de uma pessoa sem a utilização de equipamentos necessários para tal mister (colete à prova de balas e capacete), apoio logísti-

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co, apoio tático, transporte adequado e treinamento especializado, restando caracterizada a desídia do ente público ao equipar seu agente policial, a fim de garantir o bom desempenho das suas tarefas.

Nesse sentido os seguintes julgados desta Corte de Justiça:

‘EMENTA: CIVIL – APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS AFORADA PELA VIÚVA DO AGENTE PÚBLICO – PRELIMINAR DE EXTIN-ÇÃO DO PROCESSO PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO TRIENAL – REJEIÇÃO – APLI-CAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 NAS AÇÕES CONTRA FAZENDA PÚBLICA INDEPENDENTEMENTE DA NA-TUREZA DA AÇÃO – MÉRITO – MORTE DE SARGENTO DA POLÍCIA MILITAR – DILIGÊNCIA POLICIAL ORDENADA FORA DA ESCALA DE SERVIÇO – NÃO FORNECIMENTO DE EQUI-PAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA – PREVISÃO CONTIDA NO ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – DANO MORAL CONFIGURADO – PRECEDENTE DA 2ª CÂMARA CÍVEL DESTA CORTE DE JUSTIÇA – DANO MATERIAL DEVIDO – ALIMENTOS DEVIDOS PELO AUTOR DE ATO ILÍCITO AOS DEPENDEN-TES DA VÍTIMA NÃO SE CONFUNDE COM O RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁ-RIO DE PENSÃO POR MORTE – INSTITUTOS DIVERSOS – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO NA SENTENÇA – IMPOSSIBILI-DADE – VALOR ARBITRADO EM ATENÇÃO AOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPOR-CIONALIDADE – CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DAS APELAÇÕES CÍVEIS.’

(TJRN, Apelação Cível nº 2011.001718-8, Rel. Des. Aderson Silvino, 2ª C.Cív., Julgado em 31.05.2011)

‘EMENTA: ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL E RECUR-SO ADESIVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AFORADA PELA VIÚVA DO AGENTE PÚBLICO – MORTE DE DELEGADO CIVIL EM SERVIÇO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA – PREVISÃO CONTIDA NO ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – POLICIAL MORTO EM OPERAÇÃO DE CAPTURA DE ASSALTANTES DE BANCO – DANO MORAL CONFIGURADO – PRECEDENTE DA 2ª CÂMARA CÍVEL DESTA CORTE DE JUSTIÇA – PRETENSÃO EM RECURSO ADESIVO, DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENI-ZATÓRIO ARBITRADO NA SENTENÇA – IMPOSSIBILIDADE – VALOR ARBITRADO EM ATEN-ÇÃO AOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL E DO RECURSO ADESIVO.’

(TJRN, Apelação Cível nº 2010.004050-0, Rel. Des. Aderson Silvino, 2ª C.Cív., Julgado em 14.12.2010)

Assim, caracterizado o nexo causal entre o evento danoso e a ação do ente público, restam demonstrados os danos morais sofridos pelos recorridos que, como bem exposto no Parecer da Procuradoria de Justiça, ‘tiveram a presença do pai drasticamente ceifada de suas vidas, o que provoca inquestionáveis perturbações emocionais’.

Em relação ao quantum indenizatório – R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos dois autores – além de compatível com os danos emocionais e as sequelas psicológicas sofridas em razão do fato ocorrido, respeitados os princípios da proporcionalidade e da ra-zoabilidade, foi fixado em consonância com os anteriores julgados desta Corte de Justiça, já citados. [...]”

8051 – Responsabilidade civil do Estado – perseguição política – dano moral – via administrativa – imprescritibilidade – duplicidade de indenização – impossibilidade

“Civil e processual civil. Responsabilidade civil do Estado. Indenização por dano moral em decor-rência de perseguição política. Imprescritibilidade. Via administrativa. Duplicidade de indenização. Impossibilidade. Apelações e remessa providas. 1. Cuida-se de remessa oficial e de apelações inter-postas pela União Federal e pela Fazenda do Estado de São Paulo contra sentença de procedência em ação de indenização por danos morais decorrentes de perseguição e tortura sofridos pelo autor à época do Regime Militar, nas dependências do Departamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna do II Exército – DOI/Codi e do Departamento de Ordem Pública e Social de São Paulo – Dops. 2. O anistiado político beneficiado com o recebimento da

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indenização administrativa não pode obter nova reparação de danos, com base no Código Civil ou Constituição Federal, com a mesma fundamentação utilizada para obter reparação financeira na Comissão de Anistia, sob pena de incorrer em bis in idem. Esse é o entendimento adotado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1323405, no julgamento proferido em 11.09.2012, integrado pelo EDcl-REsp 1323405, DJe 01.04.2013. 3. Outrossim, a Orientação Jurisprudencial do c. STJ é firme no reconhecimento do caráter dúplice – material e moral – da indenização concedida administrativamente nos termos da Lei nº 10.559/2002, bem como da impossibilidade de acumu-lação com quaisquer outros pagamentos, benefícios ou indenizações sob o mesmo fundamento, por força do disposto no art. 16 daquela norma. 4. No presente caso, com base na Lei Estadual nº 10.726/2001, o autor obteve uma reparação econômica, de caráter indenizatório, no valor de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) do Estado de São Paulo, além de indenização em prestação mensal, permanente e continuada, com fundamento na Lei nº 10.559/2002, paga pela União Fede-ral, em decorrência do Requerimento Administrativo nº 2008.01.61147 formulado à Comissão de Anistia. 5. Nessas condições, de rigor a reforma da r. sentença para julgar improcedente o pedido inicial, ante a impossibilidade de cumulação da indenização já percebida pelo autor na via adminis-trativa com a reparação pretendida nesta demanda. 6. Reexame necessário e apelações da União e da Fazenda do Estado de São Paulo providas.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0023687-68.2010.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 22.07.2016 – p. 98)

8052 – Responsabilidade civil do Estado – queda de criança em instituição de ensino – causa excludente de responsabilidade – existência

“Processual civil. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Queda de criança no intervalo da aula. Excludente de responsabilidade configurada. Decisão singular. Art. 557 do CPC. Confronto com súmula ou jurisprudência dominante. Cabimento. Eventual nulidade superada pelo julgamento do agravo regimental. Dano moral. Não configurado. Revisão desse entendimento. Pretensão de reexame de provas. Súmula nº 7/STJ. Divergência jurisprudencial. Não conhecida. 1. Inexiste ofensa ao art. 557 do CPC quando o relator decide a controvérsia na mesma linha da jurisprudência desta Corte Superior. Outrossim, eventual nulidade da decisão monocrática fica superada com a reapre-ciação do recurso pelo órgão colegiado na via de agravo regimental. 2. O Tribunal de origem, com amparo nos elementos de convicção dos autos, assentou que não ficou configurada a omissão no dever de cuidado a ensejar a responsabilidade civil de reparação por dano moral e material no caso dos autos. 3. Insuscetível de revisão, nesta via recursal, o referido entendimento, por demandar o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, vedado em recurso especial, dado o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. A incidência da referida Súmula impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 892.265 – (2016/0080382-3) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 23.08.2016 – p. 684)

8053 – Responsabilidade civil do Estado – serviço público de saúde – falha na prestação de ser-viço – dano material e moral – nexo de causalidade – comprovação

“Recurso voluntário e remessa necessária. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Serviço público de saúde. Falha na prestação do serviço. Paciente que deu entrada três vezes nos hospitais públicos. Imprecisão no diagnóstico da doença. Cirurgia de emergência em hospital particular. Dano material e moral. Nexo de causalidade comprovado. Valor indenizatório do dano moral. Ra-zoabilidade e proporcionalidade. Redução. Verba honorária. Diminuição. Consectários. 1. Em que pese o alegado pelo recorrente de que o exame dos fatos deveria se dar com espeque na responsa-bilidade subjetiva do Estado, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em atenção a julgado do STF,

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que: ‘3. “A qualificação do tipo de responsabilidade imputável ao Estado, se objetiva ou subjetiva, constitui circunstância de menor relevo quando as instâncias ordinárias demonstram, com base no acervo probatório, que a inoperância estatal injustificada foi condição decisiva para a produção do resultado danoso” (REsp 1196312/DF)’. 2. Seja qual for o regime de responsabilidade, o certo é que restou caracterizada a falha na prestação do serviço. 3. Não há se falar em atendimento médico diligente, ou que houve diagnóstico provável do problema de saúde, se ao cabo de três tentativas de atendimento eficaz o apelado não recebeu o adequado atendimento médico e acabou por ser le-vado para hospital particular e lá submetido à cirurgia de emergência por conta de uma apendicite, com risco de morte, o que afasta o alegado de que o recorrido preferiu internar-se em hospital par-ticular. 4. No presente caso não restaram lesões corporais, incapacidade física ou deformação, de sorte que o valor pelo dano moral, como forma de reparar o abalo psicológico e o sofrimento físico, deve ser reduzido para a quantia de R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais), correspondente a 20 (vinte) salários mínimos. Reduz-se ainda a verba honorária para adequar-se à realidade dos autos. 5. Recurso voluntário e remessa necessária parcialmente providos.” (TJAP – REO 0029601-73.2012.8.03.0001 – C.Única – Relª Desª Stella Simonne Ramos – DJe 03.08.2016 – p. 33)

8054 – Servidão administrativa – passagem de linha de transmissão de energia elétrica – decla-ração de utilidade pública de imóvel particular – princípio da supremacia do interesse público – observância

“Ação de constituição de servidão administrativa. Passagem de linha de transmissão de energia elétrica sobre imóvel particular. Declaração de utilidade pública. Liminar de imissão provisória. 1. Declarada pela Aneel a utilidade pública da área necessária à passagem de linha de transmissão de energia elétrica e observados os requisitos legais, é de rigor o deferimento da liminar de imissão provisória na posse, cabendo ao proprietário, em sua defesa, discutir apenas eventual vício do pro-cesso judicial ou o preço ofertado. 2. Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. 3. Agravo conhecido e improvido. Unanimidade.” (TJMA – Proc. 0004672-42.2016.8.10.0000 – (187285/2016) – Rel. Paulo Sérgio Velten Pereira – DJe 18.08.2016 – p. 134)

8055 – Servidor público – adicional de insalubridade – atendente de hospital – não incidência

“Processual civil. Administrativo. Apelação. Servidor público. Pedido de restabelecimento de adi-cional de insalubridade. Não exposição a agentes nocivos. Desempenho de atividade burocrática em hospital. Apelação desprovida. 1. Apelação da autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento do adicional de insalubridade. 2. A razão determinante da incidência do adicional é a constante, habitual e permanente sujeição a agentes agressivos, físicos, químicos ou biológicos, à saúde, sendo a finalidade desta gratificação compensar os riscos inerentes ao exercício da atividade exercida. 3. Das informações prestadas pelo perito no laudo acostado aos autos há a indicação de que o trabalho da autora não envolve exposição a agentes nocivos biológicos, físicos ou químicos. 4. A atividade da autora, agente administrativo, é de índole burocrática, na recepção do Hospital Ipiranga. 5. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0038300-67.2013.4.03.6301/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 23.08.2016 – p. 315)

8056 – Servidor público – adicional por tempo de serviço – vencimentos integrais – incidência

“Reexame necessário. Servidor público estadual. Adicional por tempo de serviço (quinquênio). Verba que deve incidir sobre os vencimentos integrais, excluídas apenas as vantagens eventuais. Inteligência do art. 129, da Constituição Paulista. Aplicação do art. 5º da Lei nº 11.960/2009. Pos-sibilidade em relação aos juros de mora. Forma de correção monetária declarada inconstitucional

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pelo STF. Ação, na origem, julgada procedente. Acolhimento em parte do reexame necessário ape-nas para fixar a forma de correção das verbas pretéritas. Recurso oficial provido em parte.” (TJSP – RN 0002410-71.2015.8.26.0142 – Colina – 4ª CDPúb. – Relª Ana Liarte – DJe 18.08.2016)

8057 – Servidor público – alteração de regime jurídico – FGTS – saque – possibilidade

“Administrativo. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Mudança do regime jurídico do ser-vidor. Levantamento de saldo das contas vinculadas ao FGTS. Possibilidade. 1. A mudança do regime celetista para o regime estatutário implica a extinção do contrato de trabalho, nos termos do entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula nº 382 do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Aplicando-se por analogia o inciso II do art. 20 da Lei nº 8.036/1990, nos termos do entendimen-to jurisprudencial consagrado na Súmula nº 178 do extinto Tribunal Federal de Recursos, faz jus o fundista ao levantamento do saldo da conta vinculada ao FGTS. O Superior Tribunal de Justiça tem mantido a aplicação do referido entendimento (STJ, REsp 1207205/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 14.12.2010, DJe 08.02.2011; STJ, REsp 907.724/ES, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., Julgado em 20.03.2007, DJ 18.04.2007, p. 236). 3. Remessa oficial não provida.” (TRF 3ª R. – RNC 0025181-89.2015.4.03.6100/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 23.08.2016 – p. 293)

8058 – Servidor público – auxílio-transporte – comprovantes de despesa – concessão – necessi-dade

“Administrativo. Processual civil. Apelações cíveis. Servidor público. Auxílio-transporte. Apresen-tação de comprovantes de despesas. Desnecessidade. Honorários advocatícios. Apelação da Fun-dação Universidade Federal de São Carlos desprovida. Apelação da União e reexame necessário parcialmente providos. 1. Ação ordinária com pedido de antecipação da tutela proposta por ser-vidores públicos federais em face da Fundação Universidade Federal de São Carlos/SP e da União Federal, com o objetivo de cessar a exigência de comprovação mensal de gastos com deslocamento para a concessão do benefício auxílio-transporte. 2. Para a concessão do auxílio-transporte basta a declaração firmada pelo servidor, que ateste a realização das despesas com transporte. As informa-ções prestadas pelo servidor presumem-se verdadeiras. Medida Provisória nº 2.165/2001, art. 6º. Considerando que a declaração do servidor goza, nos termos da lei, de presunção de veracidade, afigura-se desnecessária a apresentação dos bilhetes das passagens, ainda que se considere o caráter indenizatório do auxílio em tela. 3. Verba honorária: necessidade de que o valor arbitrado permita a justa e adequada remuneração dos vencedores, sem contribuir para o seu enriquecimento sem causa, ou para a imposição de ônus excessivo a quem decaiu da respectiva pretensão, cumprindo, assim, o montante da condenação com a finalidade própria do instituto da sucumbência, calcado no princípio da causalidade e da responsabilidade processual. Fixação equitativa dos honorários em dois mil reais. Intelecção do art. 20, § 4º, CPC/1973. 4. Apelação da Fundação Universidade Fe-deral de São Carlos desprovida. Apelação da União e Reexame Necessário parcialmente providos.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0001656-04.2013.4.03.6115/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 23.08.2016 – p. 314)

Transcrição editorial SínTeSeMedida Provisória nº 2.165/2001:

“Art. 6º A concessão do auxílio-transporte far-se-á mediante declaração firmada pelo militar, servidor ou empregado na qual ateste a realização das despesas com transporte nos termos do art. 1º.

§ 1º Presumir-se-ão verdadeiras as informações constantes da declaração de que trata este artigo, sem prejuízo da apuração de responsabilidades administrativa, civil e penal.

§ 2º A declaração deverá ser atualizada pelo militar, servidor ou empregado sempre que ocor-rer alteração das circunstâncias que fundamentam a concessão do benefício.”

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8059 – Servidor público – auxílio-transporte – utilização de veículo próprio – cabimento

“Processo civil. Administrativo. Servidor público. Auxílio-transporte. Veículo próprio. Possibilidade. Exigência de comprovação prévia da despesa. Orientação normativa. Inovação. Desnecessidade. 1. A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que o auxílio-transporte tem a finalidade de custear as despesas realizadas pelos servidores públicos com transporte para deslocamentos entre a residência e o local de trabalho, e vice-versa, sendo devido a quem utiliza veículo próprio ou coletivo. 2. O art. 6º da Medida Provisória nº 2.165-36/2001 apenas exige que o servidor ateste a realização das despesas de deslocamento, presumindo a veracidade da declaração por ele firmada, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa. 3. A Orientação Normativa DGP/IFRS, ao limitar a fruição do auxílio-transporte à comprovação prévia das despesas efetivamente realizadas com locomoção do servidor, extrapolou o poder de regulamentar a MP 2.165-36, estipu-lando exigência não prevista em lei. Precedente em caso análogo: AgInt-REsp 1.323.295/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., Julgado em 26.04.2016, DJe 11.05.2016. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.455.539 – (2014/0121229-0) – 2ª T. – Relª Min. Diva Malerbi – DJe 18.08.2016 – p. 1298)

Transcrição editorial SínTeSeMedida Provisória nº 2.165-36/2001:

“Art. 6º A concessão do auxílio-transporte far-se-á mediante declaração firmada pelo militar, servidor ou empregado na qual ateste a realização das despesas com transporte nos termos do art. 1º.

§ 1º Presumir-se-ão verdadeiras as informações constantes da declaração de que trata este artigo, sem prejuízo da apuração de responsabilidades administrativa, civil e penal.

§ 2º A declaração deverá ser atualizada pelo militar, servidor ou empregado sempre que ocor-rer alteração das circunstâncias que fundamentam a concessão do benefício.”

8060 – Servidor público – contratado – progressão horizontal – concessão – impossibilidade

“Direito administrativo. Apelação cível. Servidor público. Município de Itaúna. Cômputo do tem-po de serviço prestado mediante contrato administrativo. Progressão horizontal. Benefício exclu-sivo para os ocupantes de cargo efetivo. Inteligência dos arts. 42, 47, 48 e 49 da Lei Municipal nº 3.023/1995. Sentença mantida. Recurso não provido. 1. Descabida a concessão de progressão horizontal aos contratados, uma vez que tal benefício é exclusivo dos ocupantes de cargo efetivo, conforme arts. 42, 47, 48 e 49 da Lei Municipal nº 3.023/1995. 2. Sentença mantida. 3. Recurso não provido.” (TJMG – AC 1.0338.14.000877-6/001 – 2ª C.Cív. – Rel. Raimundo Messias Júnior – DJe 12.08.2016)

8061 – Servidor público – contrato temporário – FGTS – devido

“Apelação cível. Contrato temporário. Rescisão antecipada. Conveniência e oportunidade da ad-ministração pública. Ausência de processo administrativo e motivação. Desnecessidade. FGTS. De-vido. Adicionais e horas extras. Não há provas. Recurso improvido. 1. Tratando-se de contrato de trabalho temporário, o Poder Público pode, a qualquer momento, em juízo de conveniência e opor-tunidade, extinguir o vínculo contratual. 2. Não há que se falar em ilegalidade do ato administrativo por ausência de motivação ou processo administrativo prévio. 3. O inadimplemento contratual, por si só, não configura abalo moral, mormente quando se está diante de um vínculo precário. 4. A con-tratação temporária de agente penitenciário não se justifica, porquanto se trata de serviço ordinário da Administração, com necessidade permanente. 5. O Pretório Excelso decidiu que, ainda que o contrato de trabalho seja declarado nulo – nos casos em que a contratação deveria ser precedida da realização de concurso público –, o contratado faz jus não apenas à remuneração respectiva, mas

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aos depósitos em conta vinculada a título de FGTS. 6. A multa de 40% sobre o FGTS, prevista no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.036/1990, apenas se aplica às despedidas sem justa causa e não às hipóte-ses de nulidade do contrato temporário. 7. O autor se limitou a alegar os fatos na exordial, não jun-tando aos autos qualquer registro documental, ou arrolando testemunhas, a comprovar sua jornada de trabalho e a inexistência de intervalo intrajornada, não se desincumbindo, portanto, do ônus que lhe competia. 8. In casu, não há que se falar em indenização material, pela rescisão antecipada, re-ferente à remuneração pelo período remanescente ao contrato. 9. Quanto à gratificação de risco de vida e ao adicional de insalubridade, a legislação que rege a contratação temporária do autor não prevê o pagamento destes. 10. Recurso improvido.” (TJES – Ap 0003053-26.2015.8.08.0014 – Rel. Des. Manoel Alves Rabelo – DJe 19.08.2016)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.036/1990:

“Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos de-pósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)

§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de traba-lho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)

§ 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.

§ 3º As importâncias de que trata este artigo deverão constar da documentação comprobatória do recolhimento dos valores devidos a título de rescisão do contrato de trabalho, observado o disposto no art. 477 da CLT, eximindo o empregador, exclusivamente, quanto aos valores discriminados. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)” (Vide Lei Complementar nº 150, de 2015)

8062 – Servidor público – empresa pública – remoção para acompanhamento de cônjuge – transferência ex officio – possibilidade

“Administrativo. Recurso especial. Servidor público. Remoção para acompanhamento do cônjuge. Empregada pública da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Transferência ex officio. Possi-bilidade. Interpretação ampliativa do conceito de servidor público. Precedentes do STJ e do STF. 1. Na espécie, cuida-se de Auditor Fiscal da Receita Federal que busca acompanhar sua esposa, em-pregada pública federal, transferida por necessidade do serviço para a Gerência de Vendas/DR/RN da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em Natal/RN, limitando-se à demanda unicamente acerca da interpretação conferida ao art. 36, III, a, da Lei nº 8.112/1990. 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema no sentido de que a alínea a do parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor público seja também regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais, visto que ‘a] expressão legal “servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta’ (MS 23.058, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe 14.11.2008). 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem atribuído uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também os que exercem suas ativi-dades nas entidades da Administração Indireta. Nesse sentido: AgRg-REsp 1.408.930/PE, Rel. Min.

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Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 28.03.2016; REsp 1.511.736/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 30.03.2015. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.597.093 – (2016/0100965-0) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 17.08.2016 – p. 1354)

Comentário editorial SínTeSeTrata-se o presente julgado de Recurso Especial, interposto contra de decisão que deu pro-vimento à União Federal, para a negativa de remoção de servidor para acompanhamento de cônjuge.

Em apartada síntese, o recorrente alegou violação do art. 36, III, a, da Lei nº 8.112/1990, além de divergência jurisprudencial. Aduzindo que a jurisprudência do STJ e do STF sinaliza na interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também os que exercem suas atividades da Admi-nistração Indireta, a fim de viabilizar a remoção do respectivo cônjuge.

Ao final, o recorrente pleiteou o provimento do recurso, a fim de que lhe seja reconhecido o direito de ser removido para a cidade de Natal/RN, no escopo de acompanhar sua consorte.

A União, por sua vez, argumentou que, ao negar o pleito na via administrativa “adequou” a hipótese fática aos ditames legais de regência da matéria, tendo em vista que o cônjuge do autor, de fato, não é servidora pública federal, mas sim ocupante de emprego público (ECT).

Ao dar provimento aos pedidos formulados pelo servidor, assim manifestou-se o Ministro Re-lator:

“[...] No Juízo a quo, julgou-se procedente a demanda, para anular a decisão proferida no Processo Administrativo e determinar ao réu a remoção do autor para a Delegacia da Receita Federal em Natal/RN, à luz da proteção conferida pelo Estado à unidade familiar, pela pos-sibilidade de interpretação ampliativa do conceito de servidor público, de modo a alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também aqueles que exercem atividades nas entidades da Administração Indireta.

O Tribunal de origem reformou a sentença, ao fundamento de que, ‘com a máxima vênia aos entendimentos jurisprudenciais em sentido contrário, entendo que o empregado público, re-gido pela CLT, não pode ser equiparado ao servidor público de que trata o parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/1990’ (fl. 210), entre outros fundamentos.

Assim, cinge-se a controvérsia acerca de concessão de licença com lotação provisória a servi-dor público federal para acompanhar cônjuge, empregada de empresa pública federal (Empre-sa Brasileira dos Correios e Telégrafos – ECT), que foi transferida ex officio para outra locali-dade a bem do serviço público, limitando-se a demanda unicamente acerca da interpretação conferida ao art. 36, III, a, da Lei nº 8.112/1990.

Confira-se a literalidade da norma pertinente:

Remoção e da Redistribuição

Seção I – Da Remoção

Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.

Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:

I – de ofício, no interesse da Administração;

II – a pedido, a critério da Administração;

III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:

a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;

Vê-se que o art. 36 estabelece a possibilidade de se conceder a remoção de servidor públi-co para outra localidade, a pedido, independentemente do interesse da Administração, para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração.

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Mauro Roberto Gomes de Mattos, ao interpretar a Lei nº 8.112/1990, consigna que:

Não resta dúvida que os fins sociais previstos no inciso III do art. 36 da Lei nº 8.112/1990 são o de estabelecer a unidade familiar como o epicentro da preocupação do Poder Público, materializada através do instituto da remoção. (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de Mattos. Lei nº 8.112/1990, interpretada e comentada. Impetus, 2012, p. 204)

Com efeito, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema no sentido de que a alínea a do parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor público seja também regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais, visto que ‘[a] ex-pressão legal “servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta’ (MS 23.058, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe 14.11.2008).

O citado precedente está assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA – REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS – ART. 36 DA LEI Nº 8.112/1990 – DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI Nº 8.112/1990 – ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUI-ÇÃO FEDERAL) – 2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF. 3. A alínea a do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta. 4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante ‘especial proteção do Estado’. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem. 5. Segurança concedida. (MS 23058, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe 14.11.2008)

[...]

Ressalte-se que esta Corte Superior, no mesmo entendimento do STF, tem atribuído interpre-tação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também os que exercem suas atividades nas entidades da Ad-ministração Indireta, em respeito aos princípios constitucionais da isonomia e da proteção à unidade familiar. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – LICENÇA PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE – EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL – POSSIBILI-DADE – INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO CONCEITO DE SERVIDOR PÚBLICO – 2. Deve ser atribuída uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração direta, como também os que exercem suas ativi-dades nas entidades da Administração indireta. Precedentes: REsp 1.438.841/CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 09.12.2015; REsp 1.511.736/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 30.03.2015; EREsp 779.369/PB, Rel. Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Ac. Min. Castro Meira, 1ª S., DJ de 04.12.2006; MS 14.195/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 3ª S., DJe de 19.03.2013. Precedente STF: MS 23.058/DF, Tribunal Pleno, Min. Rel. Carlos Britto, DJU 14.11.2008. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg-REsp 1.408.930/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 28.03.2016); ADMINISTRATIVO – REMOÇÃO DE CÔNJUGE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE EMPREGADO PÚBLICO FE-DERAL – POSSIBILIDADE – INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE SERVIDOR PÚBLICO AM-PLIADA – ALÍNEA C – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA – RECURSO ESPECIAL CONHE-CIDO EM PARTE E IMPROVIDO – 1. A jurisprudência desta Corte vem ampliando o conceito de servidor público a fim de alcançar, não apenas os vinculados à Administração direta, como também os que exercem suas atividades em entidades da Administração Pública indireta. 2. A

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ampliação do conceito de servidor público deve abranger tanto a proteção do interesse público quanto a da família, ambos princípios consagrados na Constituição Federal. 3. O disposto no art. 36, III, a, da Lei nº 8.112/1990 deve ser interpretado em consonância com o art. 226 da Carta Magna, ponderando-se os valores que visam proteger. O Poder Público deve velar pela proteção à unidade familiar, mormente quando é o próprio empregador (MS 14.195/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 3ª S., Julgado em 13.03.2013, DJe 19.03.2013). Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1.511.736/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 30.03.2015) [...]”

8063 – Servidor público – temporário – estabilidade – inexistência

“Apelação cível. Ação de reintegração e indenização. Processo seletivo simplificado. Contrato ad-ministrativo de prestação de serviços. Caráter temporário. Reintegração e estabilidade. Improcedên-cia. Direitos previstos para servidor efetivo. Indenização por dano moral. Descabimento. Sentença mantida. Recurso improvido. 1. A categoria especial dos servidores públicos temporários está con-templada no art. 37, IX, da CR/1988, que admite a sua contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. 2. A investidura em cargo ou emprego público, de provimento efetivo, depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Comprovado que a admissão dos autores se deu mediante contrato administrativo temporário de prestação de serviços, não é devido o direito à estabilidade (art. 41, CR/1988), bem como é improcedente o pedido autoral de reintegração em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis para o que foi contratado, uma vez que tais direitos somente estão previs-tos para o servidor nomeado para o cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público. 3. Ante o reconhecimento da licitude do término do vínculo do contratado, descabe a condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso Conhecido e Improvido.” (TJPA – Ap 00273628820098140301 – (163320) – Belém – 3ª C.Cív.Isol. – Relª Nadja Nara Cobra Meda – DJe 22.08.2016 – p. 168)

Transcrição editorial SínTeSeConstituição Federal:

“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitu-cional nº 19, de 1998)

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda Constitucio-nal nº 19, de 1998)

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei com-plementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indeni-zação, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibi-lidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.” (Incluído pela Emenda Constitu-cional nº 19, de 1998)

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Seção Especial – Acontece

As Licitações Públicas na Nova Lei das Estatais (Lei Federal nº 13�303/2016)

ROnnY CHARLeS LOPeS De TORReSAdvogado da União, Palestrante, Professor/Palestrante, Mestre em Direito Econômico, Pós‑‑Graduado em Direito Tributário, Pós‑Graduado em Ciências Jurídicas. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de Licitações Públicas Comentadas (5. ed.), Licitações Públicas: Lei nº 8.666/1993 (5. ed.), Direito Administrativo (3. ed.) e Direito Administrativo (Coleção para a OAB, 2. ed.)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo realizar uma breve análise sobre a regulamentação das licitações na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016), destacando os seus principais pontos de forma didática, com algumas reflexões.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Das hipóteses de contratação direta; 1.1 Da não observância das regras licitatórias; 1.2 Das licitações dispensáveis; 1.3 Da inexigibilidade de licitação; 2 Disposições gerais sobre licitações; 3 Normas “específicas” para obras e serviços; 4 Normas “específicas” para aqui‑sições e para alienações de bens; 5 Do procedimento de licitação e dos procedimentos auxiliares; 6 Da conclusão.

INtrodução

O presente artigo tem como objetivo realizar uma sucinta análi-se sobre a regulamentação das licitações na nova lei das estatais (Lei federal nº 13.303/2016). A referida lei foi sancionada na passagem do mês de junho ao mês de julho de 2016. A sua aprovação apresenta-se deveras tardia, já que este diploma era aguardado desde o momento em que a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o art. 173 da Constituição Federal para prever que uma lei específica estabeleceria “o estatuto jurídico da empresa pública, da socieda-de de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços”, dispon-do sobre diversos temas, entre eles licitações e contratação.

Nesse período, diante da inanição do legislador em aprovar tal estatuto jurídico especial, os constantes problemas vivenciados pelas estatais, notada-mente aquelas que exploram atividade econômica, geraram dilemas polêmicos sobre os limites de aplicação da Lei nº 8.666/1993 em relação a essas pessoas jurídicas. Calorosos debates envolviam a possibilidade de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas, exploradoras de atividades econômi-

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cas, não se sujeitassem ao dever de licitar, uma vez que elas estariam sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas, conforme disposto pela própria Cons-tituição Federal.

Para alguns, poderia ser afastada a aplicação do regime tradicional de licitação, quando a estatal, exploradora de atividade econômica, atuasse em sua atividade-fim e a submissão à Lei nº 8.666/1993 se constituísse em óbice intransponível à sua atividade negocial. De qualquer forma, sempre seria neces-sária a observância dos princípios aplicáveis à Administração Pública e impres-cindível a submissão ao regime licitatório tradicional da Lei nº 8.666/1993 em relação às atividades-meio. Nesse sentido, por exemplo, manifestou-se o TCU:

Ementa: Consulta formulada por Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Licitude da dispensa de licitação, pelas sociedades de economia mista explora-doras de atividade econômica, na contratação de bens e serviços ligados à sua atividade-fim. Conhecimento. Resposta ao consulente.

Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. Conhecer da presente Consulta, formulada pelo Exmo. Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, Sr. Eduardo Campos, por atender aos requisitos de ad-missibilidade de que tratam os arts. 1º, XVII, da Lei nº 8.443/1992 e 264 do Regi-mento Interno/TCU, para responder ao consulente que, enquanto não for editado o estatuto a que se refere o art. 173, § 1º, da Constituição Federal, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem ati-vidade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços devem observar os ditames da Lei nº 8.666/1993 e de seus regulamentos próprios, podendo prescindir da licitação para a contratação de bens e serviços que constituam sua atividade-fim, nas hipóteses em que o referido Diploma Legal constitua óbice intransponível à sua atividade negocial, sem olvidarem, contudo, da observância dos princípios aplicáveis à Administração Pública, bem como daqueles insertos no referido Estatuto Licitatório1;

Seguindo esta linha, massificou-se o entendimento de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, exploradoras de atividade econômica, não ne-cessitariam de obediência estrita ao procedimento licitatório quando realizassem contratações relativas às atividades-fim para as quais foram criadas2.

Nada obstante, conforme defendemos outrora, embora tal assertiva facilitasse a compreensão do assunto, não era a simples diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio que deveria respaldar a exigibilidade ou não do certame lici-tatório, mas sim a constatação ou não da impossibilidade de consecução dos

1 TCU, Acórdão nº 1390/2004, Plenário.2 TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 7. ed. Salvador: JusPodivm,

2015. p. 46.

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objetivos institucionais da pessoa jurídica, através do certame licitatório3. Este raciocínio, defendido por relevante parcela da doutrina4, admite que determi-nadas atividades das estatais pudessem transpor limites estabelecidos pela Lei nº 8.666/1993, pela percepção de que o regime burocrático disposto pela lei era incompatível com parte da atividade econômica por ela realizada, notadamente quando atua em regime de concorrência com outras entidades do mercado.

Por fim, conforme destacado pela melhor doutrina, interessante compreender que não tratar-se-ia de uma situação de inexigibilidade licitatória, mas de uma “não incidência do dever de licitar em razão da pessoa e do objeto contratado”5.

O próprio STF vinha admitindo a adoção de regime diferenciado a estatais explo-radoras da atividade econômica, sem restrição ao tipo de atividade (fim ou meio), sob o fundamento de que a atividade econômica exercida por essas empresas estatais, em regime de livre competição com as empresas privadas, justificaria a submissão a um regime diferenciado de licitação6.

Necessário refletir que a experiência prática demonstrou, nas últimas dé-cadas, que o regime licitatório da Lei nº 8.666/1993, em grande parte inspirado ainda no Decreto-Lei nº 2.300/1986, não se apresentava plenamente compatí-vel com a eficiência necessária à atuação das estatais, notadamente quando ela está inserida em um ambiente de disputa com o mercado privado. Percebido isso, chega a ser frustrante que as regras de licitação previstas pela novel legis-lação, dedicada às estatais, tenham sido formuladas sob a plataforma da Lei nº 8.666/1993, resguardando muito de seu ranço burocrático e a sua forma detalhista em relação aos procedimentos.

Nas linhas a seguir, reproduziremos uma síntese das regras dispostas na nova legislação em relação ao processo licitatório.

1 dAS hIPóteSeS de coNtrAtAção dIretA

A Lei federal nº 13.303/2016 adota regime de contratação direta asseme-lhado ao previsto na Lei nº 8.666/1993, repetindo a dispensa e a inexigibilidade como exceções à obrigatoriedade de licitar, mas com algumas particularidades.

3 Idem, p. 45.4 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo:

Dialética, 2005. p. 18-20.5 CARDOZO, José Eduardo Martins. Empresas estatais que exploram atividade econômica e seu dever de licitar.

In: FIGUEIREDO, Marcelo; PONTES FILHO, Marcelo (Org.). Estudos de direito público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. Malheiros, 2006. p. 333-371.

6 STF, MS 25.888/DF.

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1.1 da NãO ObsErvâNcia das rEgras Licitatórias

Primeiramente, consagrando o entendimento desenvolvido pela doutrina e jurisprudência acerca da não aplicabilidade do regime licitatório tradicional, em algumas atividades realizadas pelas estatais, a referida lei dispôs, no § 3º de seu art. 28, que as empresas públicas e as sociedades de economia mista são dispensadas da observância de suas regras acerca de licitações (previstas no Capítulo I de seu Título II), nas seguintes situações:

Comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;

Nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a “oportunidades de negócio” definidas e específicas, jus-tificada a inviabilidade de procedimento competitivo.

A primeira hipótese parece ter por base o entendimento de desvincu-lação das regras licitatórias em relação à atividade-fim, já a segunda alcança situações em que o procedimento seria incompatível (e, portanto, inaplicável), conforme defendido pela corrente doutrinária supraexplicada. Nada obstante, convém destacar a inadequação técnica da referência à “inviabilidade” de pro-cedimento competitivo, já que esta seria fundamento para uma hipótese de inexigibilidade, o que não afasta a observância das regras pertinentes, descritas no próprio capítulo.

Em acréscimo, a própria lei considerou como “oportunidades de negó-cio” a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societá-rias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Esta descrição, entendemos, é exemplificativa, não exaurindo a possibili-dade de que outras relações negociais se enquadrem na referida hipótese.

1.2 das LicitaçõEs dispENsávEis

A nova lei adota regime de licitações dispensáveis semelhantes ao da Lei nº 8.666/1993. Conforme destaca Murilo Jacoby, há uma perceptível redução do número de hipóteses de dispensa pela exclusão daquelas inaplicáveis às estatais7. Outra mudança significativa envolve o valor-limite para as chamadas

7 FERNANDES, Murilo Jacoby. Lei nº 13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as estatais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4756, 9 jul. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/arti-gos/50312>. Acesso em: 21 jul. 2016.

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dispensas de pequeno valor. A lei especial previu limites bem superiores aos previstos na Lei nº 8.666/1993, claramente defasados.

Assim, para obras e serviços de engenharia, o valor-limite da dispensa é de R$ 100.000,00 (cem mil reais); já, para outros serviços e compras, além das alienações, o valor-limite é de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), respeitadas, obviamente, as consagradas regras de vedação ao fracionamento ilícito.

No restante dos 18 dispositivos que regulam as hipóteses de licitação dis-pensável, identifica-se texto semelhante aos dispositivos da Lei nº 8.666/1993, ao menos aqueles compatíveis com as atividades das estatais.

1.3 da iNExigibiLidadE dE LicitaçãO

Em relação à inexigibilidade de licitação, a nova lei também manteve padrão assemelhado ao da lei geral, fundamentando-a na inviabilidade de com-petição. Assim, diferentemente da dispensa, em que a competição é possível, porém o legislador permite não fazê-la, na inexigibilidade a competição é invi-ável, tornando inócuo o procedimento licitatório.

Assim como na lei geral, a nova legislação indica situações exemplifica-tivas de inviabilidade de competição para aplicação do instituto, quais sejam:

Aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo;

Contratação dos alguns serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.

Em complemento à segunda hipótese, o dispositivo elenca quais os serviços téc-nicos especializados seriam abrangidos pela hipótese de inexigibilidade.8

Nada obstante o caráter exemplificativo das hipóteses, além da vedação aos serviços de publicidade, convém destacar a tentativa de delimitar quais ser-viços técnicos especializados seriam passíveis de aplicação do dispositivo, algo questionável, já que outros serviços especializados podem envolver ambiente de inviabilidade de competição, justificando a aplicação da inexigibilidade.

Mantemos a opinião de que parece um equívoco engessar o universo de serviços a serem considerados como “técnicos especializados” a um rol con-cebido pelo legislador, sem a percepção de que novas tecnologias e serviços

8 a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; b) pareceres, perícias e avaliações em geral; c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; d) fiscalização, supervi-são ou gerenciamento de obras ou serviços; e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

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podem surgir, de característica até mais “especializada”, com o transcorrer do tempo, envolvidos em ambiente de inviabilidade de competição9. Na prática, esteja ou não um serviço no rol do art. 13, persistindo condições que apontem para uma inviabilidade de competição, será possível a contratação por inexigi-bilidade, utilizando como fundamento o caput do art. 30.

2 dISPoSIçõeS gerAIS SoBre lIcItAçõeS

A lei traz uma seção com “Disposições de Caráter Geral sobre Licitações e Contratos”. Há certa atecnia no título da seção, uma vez que ela dispõe tam-bém sobre regras materialmente específicas. O aspecto generalidade suscitado pelo inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal está relacionado à matéria tratada, motivo pelo qual é necessário perceber que, nada obstante a nomen-clatura da seção, existem dispositivos ali indicados que são materialmente ge-rais, conquanto outros dispositivos se caracterizam como regras materialmente específicas.

Nesse ponto, bom lembrar que o constituinte outorgou competência pri-vativa à União para legislar sobre regras gerais de licitação, competindo aos demais entes federativos disciplinar regras específicas próprias para as suas es-tatais, vinculando-se, de qualquer forma, às normas gerais traçadas pela União.

De qualquer forma, o legislador reproduziu regras interessantes, já de-finidas outrora pela doutrina, pela jurisprudência e pelas regulamentações da Lei Geral, como a diferenciação entre sobrepreço e superfaturamento, a forma de obtenção dos orçamentos de referência, além da possibilidade de adoção do procedimento de manifestação de interesse privado e estabelecimento de determinadas diretrizes, como fora feito no RDC.

Há uma regra, contudo, que se destaca negativamente. O inciso IV do art. 32 indica como uma de suas diretrizes a “adoção preferencial da modali-dade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns”. Tal regra seria até compreensível, caso a própria lei não tivesse adotado um modelo procedimen-tal flexível, claramente inspirado no RDC, em que não há modalidades estáticas (como ocorre na Lei nº 8.666/1993 ou na Lei nº 10.520/2002). Assim, embora o dispositivo indique a adoção preferencial do pregão, não há outras modalidades licitatórias indicadas pela lei a serem preteridas, o que reflete um erro grosseiro no texto legal. A expressão “modalidades”, por sinal, é usada sem o devido

9 TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 150.

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rigor técnico, para classificar espécies de regimes de execução ou espécies de garantia.

A interpretação adequada desta regra parece ser que, na modelagem do processo licitatório, a estatal deve utilizar, preferencialmente, procedimento as-semelhado ao do pregão.

Ainda nesta seção, há regras interessantes sobre o impedimento de parti-cipar em licitações, as quais, por exemplo, adotam o entendimento doutrinário e jurisprudencial restritivo aos efeitos sancionatórios da sanção suspensão e até mesmo restringem os efeitos da sanção declaração de inidoneidade aplicada por municípios (ao menos em relação ao entendimento jurisprudencial e doutri-nário atual), para fins de impedimento na participação de licitações das estatais. Tais regras trilham o raciocínio de limitação dos efeitos restritivos de algumas sanções administrativas.

Por outro lado, a lei cria hipóteses de impedimento que implicam am-pliação dos efeitos restritivos da sanção aplicada à empresa, em detrimento de seus sócios. Esta interessante opção legislativa, certamente, irá gerar fortes questionamentos, devendo ser compreendida com algumas ressalvas, sendo in-cabível que tal restrição prescinda do respeito às garantias de ampla defesa e contraditório. Será necessário contornar eventuais falhas, com a regulamenta-ção específica.

3 NormAS “eSPecíFIcAS” PArA oBrAS e SerVIçoS

Convém sopesar que a nomenclatura “específicas”, usada pelo legisla-dor, não foi tecnicamente adequada. Importante repisar, a competência para legislar sobre licitações e contratos, nos moldes estabelecidos pelo constituinte, diferencia a vinculação da norma para os diversos níveis das entidades federa-tivas, conforme a sua natureza geral ou específica.

De acordo com a Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação. Isso significa que outros entes federati-vos poderão legislar sobre normas específicas acerca da matéria. Há, portanto, uma competência privativa da União, no que tange às regras gerais, e uma com-petência comum, no que se refere às regras específicas. Importante frisar que, nada obstante a utilização da expressão “específicas”, grande parte das regras estabelecidas nesta seção da lei possui natureza materialmente geral, sendo aplicáveis às estatais de todas as unidades federativas.

Há uma evidente influência do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), nesta seção da lei, notadamente pelas experiências na aplicação da-quele modelo nos últimos anos. Nesse diapasão, a lei das estatais permite a

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utilização dos regimes de execução já previstos na Lei nº 8.666/1993, como: empreitada por preço unitário; empreitada por preço global; contratação por tarefa10 e empreitada integral. Porém, em acréscimo, assim como no RDC, a lei das estatais admite o regime de contratação integrada, em que a contratação compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. A grande diferença deste regime está no fato de que ele impõe a confecção do projeto básico para a empresa contratada. Na “lógica” da Lei nº 8.666/1993, as obras e os serviços somente podem ser licitados com prévia aprovação de projeto básico, ou seja, o projeto básico necessariamente precede a licitação da obra ou do serviço. Na contratação integrada, a licitação se inicia mesmo sem esse documento de planejamento, uma vez que ele (pro-jeto básico) será confeccionado pelo próprio licitante11.

Contudo, em relação aos regimes de execução, há uma novidade da nova lei: a criação do regime de contratação semi-integrada, o qual será o regi-me preferencial, nas licitações de obras e serviços de engenharia pelas estatais. Neste regime, a contratação não envolve a elaboração do projeto básico (como na integrada), mas apenas o desenvolvimento do projeto executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré--operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

A peculiaridade do novo regime é que será possível definir previamente, no projeto básico apresentado pela estatal, os serviços a serem posteriormente executados na fase contratual, em obra ou serviço de engenharia, que possam ser executados com diferentes metodologias ou tecnologias. Assim, na prática, o projeto básico poderá ser alterado, quando demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redu-ção do prazo de execução e de facilidade de manutenção ou operação.

Diferentemente da contratação integrada, em que o Poder Público, ad-mitindo a falibilidade de seus projetos básicos, transfere a confecção deste documento de planejamento para o licitante; no regime da contratação semi--integrada, o Poder Público mantém-se como responsável pelo projeto básico, mas permite que ele seja parcialmente alterado, quando o particular demonstrar a superioridade das inovações por ele pretendidas.

10 Nesse ponto, é negativamente incrível a manutenção do regime de tarefa, algo praticamente inútil na realidade administrativa.

11 ZYMLER, Benjamin; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Regime Diferenciado de Contratações. In: Licitações públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulysses Jacoby. Curitiba/PR: Negócios Públicos, 2016. p. 499-517.

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De qualquer forma, na contratação integrada ou na semi-integrada, a ma-triz de riscos (documento integrante do contrato que define riscos e responsabi-lidades entre as partes) deve indicar, como responsabilidade da contratante, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação, associados à escolha da solução de projeto feita por ela.

Por fim, a Lei nº 13.303, de 2016, confirmando a forte influência do RDC, admite que seja estabelecida remuneração variável, vinculada ao desem-penho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no instrumento con-vocatório e no contrato.

4 NormAS “eSPecíFIcAS” PArA AQuISIçõeS e PArA AlIeNAçõeS de BeNS

Nas Seções IV e V repete-se a forte influência do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), notadamente quando o legislador positiva a possibilidade de indicação de marca ou modelo e da exigência de amostras ou mesmo da certificação de qualidade, procedimentos já testados na prática pelos agentes públicos que atuam com licitações, mas apenas expressamente admitidos pelo legislador, com a aprovação do RDC.

Necessário registrar, contudo, em relação ao RDC, que o rol não trouxe a possibilidade de exigência da “carta de solidariedade”, a qual, naquele regi-me diferenciado, pode ser solicitada do fabricante do bem a ser adquirido, de forma a assegurar a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor.

Por outro lado, repete-se o equívoco de denominar como específicas re-gras que são gerais, válidas não apenas para as estatais federais, como para as estatais das outras unidades federativas.

5 do ProcedImeNto de lIcItAção e doS ProcedImeNtoS AuXIlIAreS

Em relação ao procedimento, adotou-se modelo assemelhado ao do RDC, com a fase de habilitação posterior ao julgamento das propostas (mas sendo possível a inversão dessas fases, o que não ocorre no pregão), a adoção de modos de disputa variados (aberto, fechado e combinado) e a utilização de lances intermediários.

Além disso, são admitidos os seguintes critérios de julgamento:

– Menor preço;

– Maior desconto;

– Melhor combinação de técnica e preço;

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– Melhor técnica;

– Melhor conteúdo artístico;

– Maior oferta de preço;

– Maior retorno econômico;

– Melhor destinação de bens alienados.

Desprezados pequenos detalhes, adotam-se critérios semelhantes ao do RDC12. Em relação ao critério maior desconto, por exemplo, o desconto linear foi es-tabelecido, somente, para obra e serviços de engenharia. Ainda neste critério, consolidando orientações da Jurisprudência do Tribunal de Contas da União e manifestações consultivas da Advocacia-Geral da União, a lei firma o raciocínio de que o desconto oferecido deve se estender a eventuais termos aditivos.

Há ainda, como no RDC, a enumeração de critérios de desempate, quais sejam:

– Disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova propos-ta fechada, em ato contínuo ao encerramento da etapa de julgamento;

– Avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que exista sistema objetivo de avaliação instituído;

– Os critérios estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993;

– Sorteio.

Por fim, em relação à licitação, foram estabelecidos, seguindo modelo assemelhado ao do RDC, os seguintes procedimentos auxiliares:

– Pré-qualificação permanente;

– Cadastramento;

– Sistema de registro de preços;

– Catálogo eletrônico de padronização.

Nada obstante a semelhança, algumas peculiaridades envolverão os procedimentos auxiliares das licitações das estatais. Como exemplo, pode ser citada a autorização legal para a adesão, restrita aos órgãos ou às entidades responsáveis pelas atividades contempladas no art. 1º da Lei.

Por fim, em relação ao procedimento licitatório, vale registrar a exaltação do chamado princípio da adjudicação compulsória, uma vez que o art. 60 da

12 Para aprofundamento, sugerimos a leitura de nosso livro TORRES, Ronny Charles Lopes de; MARRY, Michelle. Regime Diferenciado de Contratações – RDC. Salvador: JusPodivm, 2014.

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referida Lei impõe que a homologação do resultado implica constituição de direito relativo à celebração do contrato, em favor do licitante vencedor. No mesmo prumo, a revogação ordinária da licitação deve ser fundamentada em razões de interesse público decorrentes de fato superveniente, que constituam “óbice manifesto e incontornável” à continuidade do processo licitatório.

Tais regras têm fundamento na percepção de que a discricionariedade na decisão de contratação muitas vezes se converte em arbitrariedade ou instru-mento de chantagem, em detrimento de licitantes que venceram legitimamente o certame. Será interessante ver como se desenvolverá nossa jurisprudência sobre este “direito”, uma vez que o princípio da adjudicação compulsória era extremamente relativizado em sua aplicação.

Além das regras sobre o procedimento licitatório, sucintamente tratadas neste texto, há ainda diversas regras da nova lei relacionadas aos contratos fir-mados pelas estatais, tema que reservaremos a outra publicação.

6 dA coNcluSão

Em nossa opinião, nada obstante a longa espera, por cerca de 18 anos, ao menos em relação ao tema licitações, o novel diploma conseguiu desapon-tar! Talvez premidos pela pressa ou pela pressão decorrente dos flagelos que têm atingido algumas de nossas principais estatais, o Executivo e o Congresso precipitaram-se a aprovar a propalada lei, usando como plataforma o regime jurídico antigo, sem o cuidado necessário para construir um texto baseado em plataforma nova que produzisse avanços relevantes.

Curiosamente, essa não é uma infeliz novidade em nossa história legisla-tiva; a própria Lei nº 8.666/93, envolvida no clima do escândalo de afastamento, por impeachment, de um Presidente eleito (algo até então incomum), acabou, pela pressa legislativa, repetindo muito do anterior Decreto-Lei nº 2.300/1986 e, com isso, mantendo textos descompassados dos desafios que já começavam a se apresentar no ambiente contratual da Administração Pública. O resultado foi, como todos sabem, uma lei (a Lei nº 8.666/93) que já nascia velha, repetia erros anteriores e abdicava de projetar avanços relevantes na regulamentação da matéria, exigindo frequentes alterações e constantes esforços hermenêuticos e regulamentares, para adequar o seu texto aos dilemas contemporâneos da Administração Pública.

Pois bem, a impressão que temos é semelhante ao nos debruçarmos sobre a Lei federal nº 13.303/2016 em relação ao seu texto sobre licitações públicas. Surge uma “nova velha lei”! Em apertada síntese, o diploma usa a plataforma

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da Lei nº 8.666/1993, acrescendo-lhe novidades, a maioria delas inspirada no Regime Diferenciado de Contratações.

Mas ao tempo que tenta incluir essas ferramentas modernas do RDC, o novo diploma mantém o “chassi da lei velha”, com uma redação desneces-sariamente detalhista do procedimento (repetindo o ranço burocrático da Lei nº 8.666/1993) e cometendo erros técnicos que chamam a atenção. Há, por exemplo, certa atecnia na definição do que seriam as regras gerais, com clara confusão de regras específicas em seu conjunto, bem como uma má redação sobre a definição do momento em que as novas regras licitatórias deverão ser aplicadas. Chega a impressionar que algo tão simples, como a determinação do momento de início de vigência das novas regras licitatória, tenha se tornado relativamente duvidoso e polêmico, pela má redação do art. 91, em conjunto com seu § 3º13.

Enfim, para um diploma que aguardou 18 anos para ser publicado, não há muito o que comemorar, já que pouco de inovador foi produzido. Esperamos que os erros e acertos desta “nova velha lei” sirvam para lições futuras, sobretu-do em relação ao aprendizado para a elaboração de diplomas normativos com melhor qualidade.

13 TCU, Acórdão nº 1390/2004, Plenário.

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Clipping Jurídico

Confirmada posse de candidato que perdeu prova física por causa de acidente

Por unanimidade, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assegurou o direito de efetivação no cargo de policial militar do Paraná a um candidato que sofreu acidente automobilístico antes da etapa de avaliação física do concurso. A decisão do Colegiado considerou que o candidato preencheu os requisitos necessários para ingres-so no cargo e que não houve prejuízo aos demais participantes da seleção pública. O recurso especial julgado pelo STJ teve origem em mandado de segurança impetrado por candidato que prestou concurso para a Polícia Militar em 2012 e obteve aprovação nas provas de múltipla escolha e de redação, habilitando-se para o exame de capacidade física. No entanto, ele se envolveu em acidente quando conduzia sua motocicleta, o que o impediu temporariamente de participar dos exames físicos. Como o edital do concurso não previa segunda chamada para essa fase, o candidato buscou judicialmente evitar sua eliminação e conseguir nova data para os testes físicos. O magistrado de primeira instância concedeu liminar em favor do candidato e, depois, na sentença, determinou a realização do exame físico e das demais etapas da seleção, mas o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a decisão. Para os desembargadores, o acolhimento do pedido significaria dar ao autor tratamento diferenciado em relação a outros eventuais candi-datos também prejudicados devido a caso fortuito ou força maior. Além disso, o TJPR entendeu que havia proibição expressa do edital para realização de segunda chamada em qualquer fase do certame. No recurso especial, o candidato alegou que seu ingresso no cargo já estava consumado, tendo em vista sua aprovação em todas as etapas do concurso após a decisão liminar de primeiro grau. Ele também reiterou o argumento de que a designação de nova data para avaliação física por motivo de força maior não fere o princípio da isonomia. O Relator, Ministro Benedito Gonçalves, observou que, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido no julgamento do RE 630.733 que os candidatos não têm direito à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais, a decisão de antecipação de tutela judicial ao candi-dato (em 09.05.2013) ocorreu antes da finalização daquele julgamento pela Suprema Corte (em 15.05.2013). Ademais, o ministro ressaltou que o candidato tomou posse após aprovação em todas as fases do concurso com notas máximas, inclusive no curso de formação, que durou um ano. “Independentemente das arguições levantadas quanto à configuração do caso fortuito e, consequentemente, da legalidade da remarcação da prova no caso dos autos, certo é que a capacidade física do recorrente ficou plenamen-te demonstrada, com sua aprovação nos testes físicos a que veio a ser submetido com notas máximas”, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso especial. Processo nº 1568816. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Alunos com deficiência poderão ser liberados da frequência mínima à escola

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que os alunos dos níveis fundamental e médio devem ter frequência mínima de 75% do período escolar para serem aprovados. Uma proposta pronta para ser votada na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) flexibiliza essa exigência nos casos de estudantes com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento (TGD). Ao apresentar o PLS 311/2016, o Senador Wellington Fagundes (PR-MT) destacou que a LDB (Lei nº 9.394/1996) não faz distinção entre os educandos. Para ele, a realidade dos que têm deficiência pode impe-

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dir a presença mínima exigida, em prejuízo a esses estudantes. A necessidade de visitas constantes a médicos, realização de exames ou terapias, dificuldade de locomoção em alguns casos, entre outras limitações, nem sempre permitem que tais estudantes cum-pram a frequência mínima atualmente exigida. Esses alunos da educação especial, não raras vezes, têm que repetir o ano por não obter o mínimo da frequência, ainda que obte-nham desempenho satisfatório considerando suas limitações, o que estimula o abandono escolar, argumenta Wellington Fagundes ao justificar o projeto. O Relator do projeto na Comissão de Educação, Senador Romário (PSB-RJ), concordou com a mudança na legislação. Para ele, exigir dos estudantes com deficiência ou com transtornos a mesma frequência dos demais não é oferecer igualdade. “Da escola segregacionista do passado, caminhamos cada vez mais para uma escola inclusiva, em que a todos são oferecidas as mesmas oportunidades de sucesso e garantidos os mesmos direitos. Para que isso ocorra, é necessário que todas as barreiras porventura existentes sejam removidas, de forma que o educando com deficiência ou TGD seja tratado em igualdade de condições”, afirma Romário. Se aprovado na Comissão de Educação e não houver recurso para votação do texto pelo Plenário do Senado, o PLS 311/2016 poderá seguir para exame na Câmara dos Deputados. Assim como nos demais projetos em análise no Senado, o cidadão pode opi-nar sobre essa mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (Conteúdo extraído do site do Senado Federal)

Tribunal decreta indisponibilidade de bem de família em ação de improbidade ad-ministrativa

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou o pedido de liminar que pleiteava a liberação de um imóvel residencial em nome do Ex-Governador do Mato Grosso do Sul, Marcelo Miranda Soares, acusado pelo Ministério Público Fede-ral (MPF) por suposta participação em um esquema de desvio de verbas públicas federais quando era superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), entre 2003 e 2012. A suspeita é que tenham sido desviados cerca de R$ 14 milhões em recursos públicos federais, entre 2001 e 2006, por meio de contratos da unidade do órgão em Dourados (MS) com as Empresas TV Técnica Viária Construções, Rodocon Construções Rodoviárias e ECR Sociedade Civil de Engenharia e Consultoria. O esquema consistia em fraudes nas medições de obras das Rodovias BR 163/MS e BR 267/MS, que ocasionavam pagamentos a maior por parte da União. Na ação penal, que inclui diversos réus, Marcelo Miranda foi denunciado pelos crimes de formação de qua-drilha, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e corrupção passiva. Já na ação civil pública, o MPF requereu a indisponibilidade de bens do acusado por dano ao Erário (art. 10 da Lei nº 9.429/1992), que foi decretada pela 2ª Vara Federal de Dourados sobre dois veículos, proventos de aposentadoria e imóvel residencial. O réu recorreu da decisão ao TRF3, que deferiu parcialmente o recurso para restringir o pedido de indisponibilidade ao valor de R$ 83.333,33, exclusivamente aos bem imóveis e mó-veis, liberando os proventos de aposentadoria. No entanto, ele recorreu novamente da decisão alegando que o imóvel, avaliado em R$ 3 milhões, é um bem de família e que seus dois veículos somavam R$ 135 mil, valor suficiente para atender à ordem judicial, não sendo necessária sua indisponibilidade. No TRF3, o Desembargador Federal Marcelo Saraiva, Relator do acórdão, negou o pedido do réu. O Desembargador Federal Marcelo Saraiva explicou que a indisponibilidade dos bens deve ser suficiente para garantir o res-

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sarcimento do dano, conforme dispõe o art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa. Ele afirmou que, “diante dos fortes indícios da prática de atos de improbidade que provoca-ram danos ao Erário, não é possível acolher o pedido do agravante de liberação de bem imóvel, uma vez que a indisponibilidade apenas dos veículos não é suficiente e eficaz para assegurar o ressarcimento do dano. Destacando-se que provavelmente ao fim da ação civil pública o valor dos veículos poderá não somar o total de R$ 83.333,33”. O re-lator ressaltou que o valor de um veículo na Tabela Fipe, utilizada como argumento pelo réu, apenas indica o valor aproximado do automóvel, conforme marca, modelo e ano de fabricação. “Tal valor serve tão somente como parâmetro de avaliação, visto que o preço do veículo varia conforme suas condições reais”, afirmou. Ele também destacou que se deve considerar a relevante desvalorização comercial que sofrem os automóveis ano a ano. “Logo, plenamente correto o entendimento do Magistrado a quo, no sentido de que os bens automóveis indicados pelo agravante são insuficientes para o cumprimento da finalidade da medida de indisponibilidade devido ao risco de desvalorização diante do decurso do tempo, além do risco de furto e acidente dos veículos indicados, pois o agra-vante continua com a posse dos veículos”, afirmou. O desembargador explicou também que o princípio da segurança jurídica recomenda a manutenção da indisponibilidade do bem imóvel, devido a seu caráter preventivo, “atuando com o objetivo de evitar o desfazimento de bens, assegurando eventuais ressarcimentos aos cofres públicos no caso de possível condenação ao final a devolver valores obtidos ilicitamente”. O magistrado escreveu ainda que “o eventual caráter de bem de família não obsta a determinação de sua indisponibilidade, uma vez que não se trata de penhora, mas, ao contrário, de impossibilidade de alienação”. Processo nº 0029089-58.2014.4.03.0000. (Conteúdo ex-traído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Entra em vigor lei que prorroga por três anos o Programa Mais Médicos

Já está em vigor a lei que garante a prorrogação do Programa Mais Médicos. O texto surgiu de medida provisória (MP 723/2016) assinada pela Ex-Presidente Dilma Rousseff, aprovada pelo Congresso no fim de agosto e sancionada, sem veto, pelo Presidente Michel Temer. A lei (13.333/2016) garante a atuação, por mais três anos, dos médicos brasileiros formados no exterior e dos estrangeiros que trabalham no programa sem di-ploma revalidado no País. O visto temporário dos médicos estrangeiros também foi pror-rogado por três anos. Na prática, a medida evita que cerca de 7 mil profissionais sejam obrigados a deixar o programa, já que o prazo de permanência acabaria no próximo mês. O novo prazo é outubro de 2019. O Deputado Baleia Rossi (SP) avalia que a prorro-gação rebate boatos sobre o possível fim do Programa Mais Médicos no Governo Temer. “Nós já escutamos muitas mentiras por parte daqueles que não querem o bem do País, com fofocas”. Segundo ele, “o que ficou claro é que o Programa Mais Médicos foi reno-vado para que esses profissionais possam prestar serviço de saúde nas comunidades mais longínquas. Então, é muito importante essa ação do Governo Michel Temer. Há muitas cidades, principalmente as pequenas, que não tinham um médico e que agora têm”. O Programa Mais Médicos (Lei nº 12.871/2013) foi criado no Governo Dilma, em 2013, e conta hoje com pouco mais de 18 mil médicos que atuam em 4.058 Municípios e 34 postos em distritos sanitários especiais indígenas. Ao todo, 63 milhões de brasileiros são beneficiados, segundo cálculos do Governo Federal. O Presidente do Conselho Nacio-nal de Saúde (CNS), Ronald dos Santos, faz avaliação positiva do Mais Médicos. Princi-

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palmente nas periferias das grandes cidades, nas comunidades indígenas e nos interiores do Brasil, esse programa está atendendo as comunidades desprovidas desse profissional e também comunidades onde os gestores tinham grande dificuldade de ter as suas equi-pes de saúde da família completas, principalmente com a figura do médico. Ele ressalta que, dos médicos estrangeiros que atuam no programa, a maioria é cubana, em função de acordos de cooperação e da experiência desses profissionais em missões internacio-nais de assistência médica, sobretudo na África e América Latina. Alan Rick quer alterar a lei do Mais Médicos para priorizar profissionais brasileiros no programa, principalmen-te na Amazônia e Nordeste. Ronald dos Santos lembra que a prorrogação do programa também foi defendida pela Frente Nacional de Prefeitos e pela Associação Brasileira de Municípios, superando conflitos ideológicos em torno dos cubanos. Inclusive a mobi-lização das comunidades na defesa da manutenção desses profissionais é um grande indicativo de que, de fato, era um debate ideológico artificial que não prosperou. A rea-lidade comprovou que esses profissionais eram extremamente competentes, cumprindo uma demanda da população, afirma o presidente do CNS. • Priorizar brasileiros: Ape - sar de reconhecer a importância dos estrangeiros para o sucesso do programa, o De-putado Alan Rick (PRB-AC) não desistiu de alterar a lei do Mais Médicos para priorizar profissionais brasileiros no programa. Essa emenda foi aprovada na comissão (mista que analisou a MP), mas, infelizmente, devido a uma grande manobra em Plenário, ela foi derrubada. “Mas nós apresentamos agora um projeto de lei para manter a regra de prio-ridade de contratação de médicos. Qual a primeira regra? Médico brasileiro formado no Brasil, com CRM. Se eles não preencherem a vaga, abre-se para a segunda prioridade: médico brasileiro formado no exterior”, diz o parlamentar. Alan Rick avalia que, do jeito que está configurado hoje, o Programa Mais Médicos dificulta a atuação de jovens médicos brasileiros que querem trabalhar, principalmente na Amazônia e na Região Nordeste. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Suspenso julgamento sobre acesso judicial a medicamentos de alto custo sem regis-tro na Anvisa

Pedido de vista do Ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) nºs 566471 e 657718, analisados pelo Plenário do Supre-mo Tribunal Federal (STF) na sessão desta quinta-feira (15). Os recursos, que tiveram repercussão geral reconhecida, tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O único voto até o momento foi o do Relator, Ministro Marco Aurélio que se manifestou no sentido de negar provimento aos dois recursos, por entender que, nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a impres-cindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e de sua família para aquisição, e que o Estado não pode ser obrigado a fornecer fármacos não registra-dos na agência reguladora. No caso do RE 566471, o Estado do Rio Grande do Norte se recusou a fornecer medicamento – citrato de sildenafila – para uma senhora idosa e ca-rente, alegando que o alto custo e a ausência de previsão no programa estatal de dispen-sação de medicamentos seriam motivos suficientes para recusa. A idosa acionou a justi-ça para pleitear que o Estado fosse obrigado a fornecer o fármaco. A sentença de primeiro grau determinou a obrigação do fornecimento, decisão que foi confirmada pelo

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Tribunal de Justiça Estadual. Autor do recurso contra a decisão do TJRN, o procurador do Rio Grande do Norte disse que é preciso dar a máxima efetividade ao princípio da efi-ciência. Ele explicou que os medicamentos de alto custo têm uma política pública defi-nida pelo Ministério da Saúde, que estabelece a relação de medicamentos a serem dis-ponibilizados aos usuários. Essa relação contempla vários fármacos, dividindo-os por competências da União, de Estados e de Municípios. É essa divisão, segundo o procura-dor, que não vem sendo respeitada. Assim, o cidadão que precisa de um remédio que é de competência da União pode demandar o Município, que pode ser obrigado a forne-cer o medicamento, desorganizando as finanças do ente federado. Falando como tercei-ro interessado no RE 566471, o procurador do Rio Grande do Sul também se manifestou pelo provimento do recurso. Ele sustentou que uma decisão do STF no sentido do des-provimento do recurso pode inviabilizar o SUS. O mesmo posicionamento foi defendido pelo representante do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do DF, para quem a preocupação no caso não se limita à esfera financeira, envolvendo também questões como segurança e saúde pública. Ambos defenderam a tese de que a atuação jurisdicional envolve apenas medicamentos registrados na Anvisa. A advogada-geral da União falou da importância do trabalho da Anvisa e salientou que decisões judiciais obrigando União e entes federados a fornecerem medicamentos de alto custo ou fora da lista do SUS desorganizam o sistema, uma vez que a distribuição de remédios deve ser feita de forma responsável. Segundo ela, é preciso que o planejamento e a organização do sistema sejam preservados para que seja possível atender a toda a coletividade. A advogada que defende a autora da ação inicial e que também falou em nome da Asso-ciação Brasileira de Assistência a Mucoviscidose (fibrose cística) pediu ao STF que seja definido que a justiça deve apreciar cada caso individualmente, não fechando as portas para pessoas que nasceram com problemas de saúde e querem viver e carecem do auxí-lio farmacológico. Ela fez críticas à Anvisa, alegando que a agência reguladora não faz o registro de certos medicamentos para ter o álibi para negar pedidos, dizendo que o fár-maco é experimental, que faz mal ou tem efeitos colaterais. A Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública Geral da União e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro também se manifestaram em Plenário, posicionando-se pelo desprovimento do RE 566471. De acordo com o defensor fluminense, não há doença que possa ser excluída da atividade do SUS, tampouco qualquer tratamento que possa ser recusado ao cidadão carente. O Ministro Marco Aurélio disse, em seu voto, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido por políticas sociais e econômicas. Ele frisou que o acesso à saúde é um bem vinculado à dignidade do homem e que o direito ao mínimo existencial é um direito fundamental do cidadão, estando ligado a condições mínimas de dignidade. “Objeções de cunho administrativo não podem subsistir ante a existência de violação ao mínimo existencial. Argumentos genéricos não possuem senti-do prático em face de inequívoca transgressão a direitos fundamentais. Não se trata de defender interferência judicial em políticas públicas, mas de assentar a validade da atua-ção judicial subsidiária em situações não alcançadas por essas políticas públicas”, afir-mou o relator. Para o ministro, a judicialização, nos casos em que verificada transgressão ao mínimo existencial, é plenamente justificada, independentemente da existência de reserva orçamentária. O relator verificou que o STF, há muitos anos, vem assegurando acesso a medicamentos para os mais necessitados. O ministro apontou dois critérios para que o Judiciário possa concretizar o direito à saúde: a imprescindibilidade do medica-

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mento para o paciente e a incapacidade financeira para sua aquisição, do beneficiário do fármaco e de sua família, responsável solidária. A tese apresentada pelo Ministro Marco Aurélio diz que “o reconhecimento do direito individual ao fornecimento pelo Estado de medicamento de alto custo não incluído em política nacional de medicamen-tos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional depende da comprovação da imprescindibilidade, adequação e necessidade e da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos arts. 1.694 a 1.710 do Código Civil”. No caso do RE 657718, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido da autora da ação, que precisava do medicamento cloridrato de cinacalcete, sem registro na Anvisa à época do ajuizamento da ação. O Tribunal Estadual entendeu que, apesar de o direito à saúde estar previsto nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, não se pode obrigar o Estado a fornecer medicamento sem registro na Anvisa, sob pena de vir a praticar autêntico descaminho. O TJ ressaltou a inexistência de direito absoluto e, ten-do em vista a prevalência do interesse coletivo, bem como dos princípios do art. 37 da CF, “a competência do administrador público para gerir de maneira proba e razoável os recursos disponíveis”. O defensor público geral da União, falando em nome da autora da ação e do recurso dirigido ao STF, falou sobre a demora da Anvisa para concluir o regis-tro de remédios novos (mais de 600 dias) e genéricos (mais de mil dias). Ele salientou que a saúde do doente não pode esperar, não pode se curvar aos trâmites da administração pública. Ele pediu que o STF defina tese no sentido de que a análise quanto à prescrição e custeio de remédios pelo Estado sejam feitos caso a caso, sem que possa ser negado o pedido apenas por falta de registro da agência reguladora. Já o procurador de Minas Gerais salientou a importância do registro de medicamentos na Anvisa. Esse registro, segundo ele, não trata de mero capricho burocrático, e a demora se dá porque é preciso comprovar a segurança, a eficácia e a qualidade do fármaco. Ele disse entender que não se deve fornecer medicamento sem registro e lembrou que sem essa chancela o gestor poderia até ser responsabilizado criminalmente. Ele revelou, ainda, que o código de ética dos médicos prevê que nenhum profissional pode oferecer medicamento não regis-trado nos órgãos competentes. Nesse caso, o Ministro Marco Aurélio lembrou que o art. 12 da Lei nº 6.360/1976 diz que nenhum medicamento pode ser industrializado, comercializado ou entregue ao consumo sem registro no Ministério da Saúde. Para o relator, juízes e Tribunais não podem colocar cidadãos em risco determinando o forne-cimento de medicamentos quando não haja consenso científico, revelado mediante re-gistro no órgão competente, conforme exigido no diploma legal. O relator salientou que, nos dois recursos em julgamento, os casos concretos não estavam mais em análise, uma vez que no primeiro processo o medicamento foi incluído na lista de remédios disponí-veis pelo SUS e, no outro caso, o fármaco já foi registrado pela Anvisa. Mas, como os processos tiveram repercussão geral reconhecida, o ministro frisou que o interesse cole-tivo se sobrepunha ao individual no sentido de ver a controvérsia analisada pelo Supre-mo. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Tribunal determina à União que forneça medicamento a portador de grau elevado de colesterol

A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou recurso à União e manteve decisão que permitiu o fornecimento do medicamento Mipomersen

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(nome fantasia Kynamro) para o tratamento de um portador de hipercolesterolemia fa-miliar grave (grau elevado de colesterol), na forma prescrita no receituário médico, até o julgamento final de mérito da causa. O acórdão ressaltou que o fornecimento de medi-camento é um dever do Estado, baseado no direito à vida e à saúde e em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “É obrigação inafastável do Estado assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, mor-mente as mais graves, bem como de haver responsabilidade solidária entre os entes fede-rativos no exercício desse múnus (dever) constitucional”, afirmou o Desembargador Fe-deral Nelton dos Santos, Relator do processo. O paciente alegava que o custo mensal do medicamento é em torno de R$ 73.728,00 e que não é capaz de suportar a sua compra. Ele, inclusive, já realiza tratamento com outras substâncias atualmente disponíveis no País, sem, contudo, obter o controle dos níveis de colesterol. Em 2015, o juiz da 12ª Vara Federal de São Paulo havia concedido a tutela antecipada (liminar) para o fornecimento imediato do medicamento pela União, diante a gravidade da doença que, segundo o mé-dico do paciente, poderia levá-lo a infarto do miocárdio ou a acidente vascular cerebral (AVC). Para o TRF3, a decisão não se trata de ingerência indevida do Poder Judiciário em questões atinentes às políticas públicas definidas pela Administração, como argumenta-va a União. A atuação judiciária busca assegurar a aplicação do comando constitucional do direito à saúde e à vida. Segundo a Terceira Turma, ficou demonstrado no processo que o emprego do Mipomersen 200 mg/ml se faz necessário em virtude de ineficácia do tratamento não farmacológico e da intolerância, com risco de vida, em relação a outros remédios. O medicamento solicitado tem por objetivo controlar fatores de risco que po-dem levar à morte súbita, por força de instabilidades coronarianas ou cerebrovasculares. Ao negar o recurso à União, os magistrados afirmaram que não havia elementos novos capazes de alterar a decisão monocrática proferida anteriormente, mantendo-a por seus próprios fundamentos. “Em um quadro de singularidade e indispensabilidade do trata-mento medicamentoso prescrito, a melhor solução é o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, sem prejuízo, é claro, de oportuna aferição probatória mais profunda”, acrescentou o relator. Processo nº 0027785-87.2015.4.03.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Julgada constitucional jornada de 12 horas diárias para bombeiro civil

Em sessão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional dispo-sitivo da Lei nº 11.901/2009, que estipula a jornada de trabalho de bombeiro civil em 12 horas para cada 36 horas de descanso. A norma estabelece, ainda, a jornada máxi-ma de 36 horas semanais. Por nove votos a dois, os ministros julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4842, por entenderem que a norma não viola preceitos constitucionais, pois, além de não ser lesiva à sua saúde ou a regras de medicina e segurança do trabalho, é mais favorável ao trabalhador. A ADIn 4842 foi ajuizada pelo procurador-geral da República questionando a constitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.901/2009 sob o entendimento de que a jornada de trabalho prolon-gada viola o direito fundamental à saúde. Segundo a petição inicial, a maior parte dos acidentes de trabalho ocorre após a sexta hora de expediente. O Relator da ADIn 4842, Ministro Edson Fachin, observa que a norma estabelece regime de trabalho compatível com as atividades desempenhadas pelos bombeiros civis, também chamados de briga-

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distas, pois garante a eles um período de descanso superior ao habitual em razão de sua jornada de trabalho de 12 horas. O ministro salienta que a jornada prevista na lei está respaldada na Constituição Federal (art. 7º, inciso XIII) pela possibilidade de compensa-ção de horas trabalhadas mediante Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho. Fachin destaca que, embora não haja a previsão de reserva legal expressa na Constituição, a previsão de negociação coletiva permite inferir que a exceção estabelecida para os bombeiros civis garante, em proporção razoável, descanso de 36 horas para cada 12 horas trabalhadas, além de assegurar a jornada máxima de 36 horas semanais. Segundo ele, a jornada estendida para além da oitava hora diária não é prejudicial à saúde do trabalhador em razão das 36 horas de descanso subsequentes e da limitação semanal de 36 horas de trabalho. Para o ministro, não procede a argumentação genérica de que haveria violação ao direito à saúde, previsto no art. 196 da Constituição. “Não houve comprovação com dados técnicos e periciais consistentes de que essa jornada causa danos à saúde do trabalhador”, afirma o ministro. Conforme o voto do relator, além da inexistência da comprovação direta de risco, os próprios sindicatos de profissionais que se manifestaram na ADIn entendem que o risco não é potencializado e, ao contrário, consideram essa jornada como benéfica aos trabalhadores. “Diante do testemunho dos sindicatos da categoria, admitidos na ação como amigos da Corte, a norma impugnada representa conquista da classe trabalhadora e não restrição indevida e desproporcional de seus direitos fundamentais e sociais”, concluiu o relator ao julgar improcedente a ação. Votaram no mesmo sentido os Ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello e a Ministra Cármen Lúcia. A divergência foi aberta pelo Ministro Luís Roberto Barroso, sob o entendimento de que, como a lei não protege a saúde do trabalhador, viola a norma constitucional ao impedir as exceções por meio de acordo coletivo e convenção. O ministro considera, ainda, que o dispositivo é inconstitucional, pois viola a livre iniciativa de contratar um bombeiro civil com jornada de oito horas diárias. Ele propôs dar provimento parcial à ADIn para assegurar que, em caso de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, possa-se admitir a contratação de bombeiros civis com jornada de oito horas diárias. Também votaram nesse sentido a Ministra Rosa Weber e o Ministro Marco Aurélio. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Lei de MS que exige certidão relativa a direitos do consumidor em licitação é in-constitucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que impunha a apresentação de certidão negativa de violação dos direitos do consumidor para empresas que contratam com o Estado. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 3735, a maioria dos ministros entendeu que a competência para legislar sobre o tema é da União. Segundo o voto do Relator, Ministro Teozi Zavascki, na divisão de competências legislativas definidas pela Consti-tuição Federal, no tema licitações e contratos, a definição de normas gerais é de respon-sabilidade privativa da União. Inexistindo norma federal, ficam autorizados os Estados a legislar para atender a suas peculiaridades. “O diploma introduziu requisito genérico e novo para qualquer licitação e se apropriou de uma competência que cabe privati-vamente à União”, concluiu o relator sobre a lei estadual. Para ele, dada a natureza de sua competência, os Estados não poderiam dispor sobre requisitos para a participação

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em licitação. A competitividade é a pedra de toque dos processos licitatórios, e, ao valorizá-la, a legislação atende a dois interesses públicos – a melhor oferta possível e o tratamento isonômico dos participantes, diz o ministro. A atuação dos entes federados não poderia interferir na competência federal para tratar de tal tema. O voto do relator no caso da lei sul-mato-grossense foi acompanhado pela maioria dos ministros, vencidos o Ministro Marco Aurélio e o decano, Ministro Celso de Mello, para quem a introdução do tema defesa do consumidor na legislação de licitações não fere a competência da União. O Ministro Luiz Fux considerou a legislação inconstitucional, mas não por usurpação da competência da União, e sim por uma razão material. Para ele, a norma não passaria pelo critério da proporcionalidade, uma vez que há outros meios para efetivar os direitos do consumidor. Com a decisão, foi declarada inconstitucional a Lei sul-mato-grossense nº 3.041/2005. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Desapropriação para reforma agrária deve ser indenizada pelo valor do imóvel

A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 2ª Vara Federal em Dourados, no Mato Grosso do Sul, que determinou a desapro-priação de imóveis rurais integrantes da Fazenda São João para fins de reforma agrá-ria, mas reduziu o valor fixado na sentença como indenização aos proprietários. Em primeiro grau, o juiz havia decidido que o ressarcimento deveria refletir a situação do bem no momento da perícia judicial e que as áreas de preservação permanente, de reserva legal e os trechos excedentes aos limites legais de conservação não gerariam créditos em favor dos proprietários. Assim, a indenização totalizou R$ 14.080.609,60, dos quais R$ 1.467.420.58 corresponderiam às benfeitorias e R$ 12.993.599,85, à terra nua. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recorreu da decisão para que a data referência para o cálculo seja a da vistoria administrativa, realizada em 2002, e não a da perícia judicial, realizada em 2010, o que totalizaria no pagamento de R$ 6.916.750,83. Os proprietários também apelaram da decisão, pleiteando a inclusão das áreas de preservação permanente e de reserva legal na indenização, alegando que as matas conservadas representam um ativo ambiental. Em sua decisão, o Desembarga-dor Federal André Nekatschalow, Relator do caso, afirmou que o valor da indenização deve ser o apurado pelo Incra, em dezembro de 2002, “por ser o que melhor representa o valor do imóvel à data da propositura da ação de desapropriação”. O voto citou ju-risprudência sobre o assunto: “Reveste-se de maior razoabilidade e consonância com o instituto da desapropriação-sanção, enquanto consequência do descumprimento da função social da propriedade, que a justa indenização dela decorrente seja apurada de acordo com o preço atual de mercado vigente no momento em que proposta a ação de desapropriação, sem o incremento de valorização ou desvalorização posterior. Ou seja, indeniza-se o proprietário pelo valor da propriedade no momento em que reunidas as condições que ensejaram sua expropriação” (TRF3, AC 200803990117221). O relator também destacou informação do laudo pericial sobre o dever de se descontar do valor a ser pago pelo Incra o valor estimado para se recuperar as áreas de preservação perma-nente e de reserva legal. Ele declarou ser curioso, contudo, que o perito judicial tenha somado o valor desse “passivo ambiental” ao valor da indenização, em vez de descontá--lo, sob a alegação de estar “bem preservado”. Para o magistrado, “o que transparece é não tanto a preservação ambiental, mas o singelo abandono, sem notícia de custo efetivo

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nem a configuração mesma do passivo ambiental, tudo resolvendo-se em enriquecimen-to sem causa”. Processo nº 0003832-53.2003.4.03.6002. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Liminar suspende portaria que restringe deslocamento de servidores da Polícia Civil

O Juiz Leoney Figliuolo Harraquian, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública Esta-dual da Comarca de Manaus, concedeu liminar para suspender os efeitos da Portaria nº 008/2016-GDC-PC, de 12 de junho de 2016, do Gabinete do Delegado-Geral de Polícia Civil do Amazonas, que trata da prévia autorização de afastamentos e ausência do Município onde trabalham os servidores do órgão. Tais afastamentos dizem respeito aos finais de semana, feriados, pontos facultativos ou período regular de expediente, excetuando-se férias, licenças ou outros concedidos legalmente, de acordo com a por-taria. Conforme o Mandado de Segurança nº 0627092-54.2016.8.04.0001, ajuizado em 12 de agosto pelo Sindicato dos Escrivães e Investigadores da Polícia Civil do Estado do Amazonas, a entidade chegou a reunir-se com a administração da Polícia Civil, mas as tratativas para alteração da norma não tiveram resultado. Na liminar, o magistrado avalia que a portaria viola o direito à liberdade de locomoção, considerado direito líquido e certo de todo cidadão brasileiro, nos termos do art. 5º, XV, da Constituição Federal, o qual dispõe que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Em trecho da decisão, o juiz afirma que, se o constituinte originário não impôs qualquer limite ao deslocamento em território nacional, não será o Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado do Amazonas que poderá fazê-lo, afinal, vivemos em um Estado Demo-crático de Direito em que é garantido o livre deslocamento em território nacional, e não em um regime de exceção. O magistrado considerou que estão presentes os requisitos da Lei nº 12.016/2009 (que disciplina o mandado de segurança) e determinou que a de-cisão seja comunicada e afixada em todas as delegacias da capital e do interior. Em caso de descumprimento, a pena é de multa de R$ 100 mil à autoridade coatora. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Amazonas)

Plenário aprova teses de repercussão geral sobre competência para julgar contas de prefeito

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram, na sessão desta quarta-feira (17), as teses de repercussão geral decorrentes do julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) nº 848826 e 729744, ocorrido no Plenário no último dia 10, quan-do foi decidido que é exclusiva da Câmara de Vereadores a competência para julgar as contas de governo e de gestão dos prefeitos, cabendo ao Tribunal de Contas auxiliar o Poder Legislativo municipal, emitindo parecer prévio e opinativo, que somente poderá ser derrubado por decisão de dois terços dos vereadores. O STF decidiu também que, em caso de omissão da Câmara Municipal, o parecer emitido pelo Tribunal de Contas não gera a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990 (com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa). A tese decorrente do jul-gamento do RE 848826 foi elaborada pelo Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski, designado redator do acórdão após divergir do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, por entender que, por força da Constituição, são os vereadores quem detêm o direito de julgar as contas do chefe do Executivo municipal, na medida em que

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representam os cidadãos. A tese de repercussão geral tem o seguinte teor: “Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Muni-cipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores”. A segunda tese aprova-da na sessão de hoje foi elaborada pelo Ministro Gilmar Mendes, Relator do RE 729744, e dispõe que: “Parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza mera-mente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo”. O presidente do STF esclareceu que o entendimento ado-tado refere-se apenas à causa de inelegibilidade do prefeito, não tendo qualquer efeito sobre eventuais ações por improbidade administrativa ou de esfera criminal a serem movidas pelo Ministério Público contra maus políticos. “A questão foi bem discutida e o debate foi bastante proveitoso porque havia uma certa perplexidade do público em geral relativamente à nossa decisão, e os debates de hoje demonstraram que não há nenhum prejuízo para a moralidade pública, porque os instrumentos legais continuam vigorando e o Ministério Público, atuante para coibir qualquer atentado ao Erário público”, afirmou o Ministro Lewandowski. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Proibição de tatuagem a candidato de concurso público é inconstitucional, decide STF

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão, julgou incons-titucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público. Foi dado provimento ao Recurso Extraordinário (RE) nº 898450, com repercussão geral reconhecida, em que um candidato a soldado da Polícia Militar de São Paulo foi eliminado por ter tatuagem na perna. “Editais de con-curso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”, foi a tese de repercussão geral fixada. O Relator do RE, Ministro Luiz Fux, observou que a criação de barreiras arbitrárias para impedir o acesso de candidatos a cargos públicos fere os prin-cípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Em seu entendimento, qualquer obstáculo a acesso a cargo público deve estar relacionado unicamente ao exercício das funções, como, por exemplo, idade ou altura que impossibilitem o exercício de funções específicas. Salientou que a jurisprudência do STF prevê que o limite de idade previsto em lei é constitucional, desde que justificável em relação à natureza das atribuições do cargo a ser exercido. O ministro destacou que a tatuagem, por si só, não pode ser confundida como uma transgressão ou conduta atentatória aos bons costumes. Segundo ele, a tatuagem passou a representar uma autêntica forma de liberdade de manifestação do indivíduo, pela qual não pode ser punido, sob pena de flagrante violação dos princí-pios constitucionais. Para o Ministro Fux, o respeito à democracia não se dá apenas na realização de eleições livres, mas também quando se permite aos cidadãos se manifes-tarem da forma que quiserem, desde que isso não represente ofensa direta a grupos ou princípios e valores éticos. Em seu entendimento, o desejo de se expressar por meio de pigmentação definitiva não pode ser obstáculo a que um cidadão exerça cargo público. “Um policial não se torna melhor ou pior em suas funções apenas por ter tatuagem”, afirmou. O relator destacou que o Estado não pode querer representar o papel de ad-

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versário da liberdade de expressão, impedindo que candidatos em concurso ostentem tatuagens ou marcas corporais que demonstrem simpatia por ideais que não sejam ofen-sivos aos preceitos e valores protegidos pela Constituição Federal. “A máxima de que cada um é feliz à sua maneira deve ser preservada pelo Estado”, ressaltou o ministro. Em seu voto, o Ministro Fux assinalou que tatuagens que prejudiquem a disciplina e a boa ordem, sejam extremistas, racistas, preconceituosas ou que atentem contra a instituição, devem ser coibidas. Observou, por exemplo, que um policial não pode ostentar sinais corporais que signifiquem apologias ao crime ou exaltem organizações criminosas. En-tretanto, não pode ter seu ingresso na corporação impedido apenas porque optou por manifestar-se por meio de pigmentação definitiva no corpo. O relator explicou que as Forças Armadas vedam o ingresso de pessoas com tatuagens que transmitam mensagens relacionadas à violação da lei e da ordem, tais como as que discriminem grupos por sua cor, origem, credo, sexo, orientação sexual ou que incitem o consumo de drogas ou a prática de crimes, por entender que são incompatíveis com a função militar. No caso dos autos, o candidato obteve, em primeira instância, decisão favorável em mandado de segurança impetrado contra sua exclusão do concurso público para o preenchimento de vagas de soldado de 2ª classe depois que, em exame médico, foi constatado que possui uma tatuagem em sua perna direita que estaria em desacordo com as normas do edital. O Estado de São Paulo recorreu alegando que o edital estabeleceu, de forma objetiva, parâmetros para admissão de tatuagens, mas que o candidato não se enquadrava nessas normas. Em acórdão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) destacou que o edital é a lei do concurso e a restrição em relação à tatuagem encontra-se expressamente prevista. Assim, ao se inscreverem no processo seletivo, os candidatos teriam aceitado as regras. O acórdão salienta que quem faz tatuagem tem ciência de que estará sujeito a esse tipo de limitação. Acrescenta que a disciplina militar engloba também o respeito às regras, e o descumprimento da proibição a tatuagens não seria um bom início na carreira. Por maioria de votos, o Plenário deu provimento ao RE 898450 para impedir que o candida-to seja eliminado do certame por ter tatuagem. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que entendeu não haver inconstitucionalidade no acórdão do TJSP. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Ministra nega liminar que pedia inabilitação de Dilma Rousseff para ocupar cargos públicos

A Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de liminar formulado pelo Senador Magno Malta (PR-ES) no Mandado de Segurança (MS) nº 34418, impetrado contra o ato do Senado Federal que aprovou a votação, separadamente, da perda do cargo e da inabilitação para o exercício de função pública da Ex-Presidente Dilma Rousseff. Segundo a ministra, o pedido cautelar formulado nos autos, além de buscar um dos efeitos do próprio mérito do mandado de segurança, não evidenciou perigo de demora da decisão, um dos requisitos para a concessão de liminar. A decisão foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do STF. Malta sustenta que o ato do Senado violou direito líquido e certo “de ver a ex-presidente inabilitada para exercer qualquer cargo público, pelo prazo de oito anos, como determina a Constituição Federal”. O argumento é o de que o art. 52, parágrafo único, da Constituição e o art. 2º da Lei nº 1.079/1950, que rege o processo de impeachment, exigem aplicação conjunta das pe-nalidades, e a decisão do Senado “põe em risco eminente o próprio Estado Democrático

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de Direito”. Assim, ele pediu a concessão de liminar para proibir que a ex-presidente da República ocupe qualquer cargo público até o julgamento do mérito do MS. No exame do pedido, a ministra explicou que o deferimento de liminar exige o preenchimento de dois requisitos: a relevância dos motivos e a possibilidade de ocorrência de lesão irrepa-rável ao direito do impetrante. No caso, o direito subjetivo alegado diz respeito ao direito do parlamentar de ver obedecido o devido processo legal, e, por isso, o senador pede a nulidade do ato, com a aplicação da pena de inabilitação para o exercício de função pú-blica. Para a relatora, a não concessão da liminar e, portanto, a possibilidade em tese de a ex-presidente vir a exercer função pública não acarretam dano efetivo ao julgamento pelo STF sobre a suposta violação, pelo Senado, do art. 52 da Constituição. “O alegado receio de ineficácia do provimento final deve ser demonstrado a partir de um risco de dano específico e concreto”, assinalou. “A mera especulação de notícias veiculadas em meios de comunicação quanto a eventual convite para o exercício de função pública, como argumentado, não traz prejuízo ou dano para o julgamento definitivo do mérito desta ação constitucional”. Indeferindo o pedido de liminar, a ministra determinou a retificação da autuação do processo, para que a ex-presidente passe a constar como litisconsorte passiva necessária. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

TNU decide que não é devida ajuda de custo no caso de remoção a pedido de pro-curador federal

Votado como representativo de controvérsia, no sentido de que o mesmo entendimento deverá ser aplicado no julgamento de casos semelhantes, a Turma Nacional de Uni-formização dos Juizados Especiais Federais (TNU) negou, por unanimidade, pedido de ajuda de custo em razão de mudança de domicílio decorrente de concurso de remoção, formulado por procurador federal. Seguindo entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela própria TNU, a tese reafirmada pela Turma foi de que não é devido o pagamento de ajuda de custo a servidor público no caso de remoção a pedi-do, em virtude de concurso de remoção, na forma dos arts. 36, parágrafo único, inciso III, alínea c, e 53 da Lei nº 8.112/1990. A sessão foi realizada na última quarta-feira (14), na sede do Conselho da Justiça federal (CJF), em Brasília. O pedido de uniformização foi feito pela parte autora à TNU contra decisão da 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Em seu recurso, o requerente alegava que o pagamento da ajuda de custo é devido a servidores públicos federais nas remoções de ofício e a pedido, não havendo distin-ção, nesse particular, entre membros da Magistratura e do Ministério Público e demais servidores públicos federais, pois todas as decisões são baseadas nas disposições da Lei nº 8.112/1990, que regulam o pagamento da referida indenização. Em seu voto, o Re-lator do processo na Turma Nacional, Juiz Federal Gerson Luiz Rocha, afirmou que, a partir da alteração do art. 36 da Lei nº 8.112/1990, promovida pela Lei nº 9.527, de 10.02.1997, nos casos de remoção a pedido para acompanhar cônjuge ou companheiro, por motivo de saúde do servidor, do cônjuge, do companheiro ou de dependente e em processo seletivo na hipótese de o número de interessados superar o número de vagas oferecidas, ficou expressamente prescrito que seria inexistente o interesse da Administra-ção, ou seja, consequentemente, nesses casos, haveria interesse unilateral do servidor, de modo que não seria devida a ajuda de custo, conforme disposto no art. 53 da mesma lei. Observou o relator que a Primeira Seção do STJ, no julgamento da Petição nº 9.867/PE, fixou tal entendimento, estabelecendo que, tratando-se de remoção de servidor, com

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fulcro na hipótese da alínea c do inciso III do parágrafo único do art. 36, é evidente o descabimento do pagamento de ajuda de custo na forma do art. 53, todos da Lei nº 8.112/1990, uma vez que a oferta de vagas pela administração pública somente tem por objetivo racionalizar os interesses particulares dos servidores que, de forma contu-maz, entram em conflito no que se refere à escolha de lotação; não há, portanto, falar, nesse caso, em interesse de serviço. Restou ainda assentado que o mesmo entendimento já fora adotado pela TNU em representativos de controvérsia versando sobre outras ca-tegorias de servidores públicos (PEDILEF 0018991-36.2008.4.01.3700, Rel. Juiz Federal Rui Costa Gonçalves, e PEDILEF 5027941-37.2014.4.04.7100, Rel. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, ambos julgados na sessão de 17.08.2016). Processo nº 5017129-12.2014.4.04.7107. (Conteúdo extraído do site do Conselho da Justiça Federal)

Fechamento da Edição: 22�09�2016

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Resenha Legislativa

leIS ordINárIAS

LEi Nº 13.339, dE 20.09.2016 – pubLicada NO dOu dE 21.09.2016Abre crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral, no valor de R$ 150.000.000,00, para o fim que especifica.

LEi Nº 13.332, dE 01.09.2016 – pubLicada NO dOu dE 02.09.2016Altera a Lei nº 13.255, de 14 de janeiro de 2016, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2016.

medIdAS ProVISórIAS

mEdida prOvisória Nº 745, dE 15.09.2016 – pubLicada NO dOu dE 16.09.2016 – ExpOsiçãO dE mOtivOs

Autoriza o Banco Central do Brasil a adquirir papel moeda e moeda metálica fabricados fora do País por fornecedor estrangeiro.

mEdida prOvisória Nº 744, dE 01.09.2016 – pubLicada NO dOu dE 02.09.2016 – ExpOsiçãO dE mOtivOs

Altera a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que institui os princípios e ob-jetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta e autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação – EBC.

decretoS

dEcrEtO Nº 8.852, dE 20.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 21.09.2016Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Agricultura, Pecuá-ria e Abastecimento, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superio-res – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

dEcrEtO Nº 8.851, dE 20.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 21.09.2016Dispõe sobre a substituição de Ministros de Estado, do Advogado-Geral da União e do Presidente do Banco Central do Brasil.

dEcrEtO Nº 8.850, dE 20.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 21.09.2016Altera o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Gratifica-ções de Exercício em Cargo de Confiança da Secretaria de Governo da Pre-sidência da República, constante do Anexo II ao Decreto nº 8.579, de 26 de

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novembro de 2015, para ampliar os cargos destinados a ex-Presidentes da República, e revoga o Decreto nº 8.796, de 30 de junho de 2016.

dEcrEtO Nº 8.849, dE 12.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 13.09.2016Altera o Decreto nº 7.139, de 29 de março de 2010, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Fun-ções Gratificadas da Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa, remaneja funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Dire-ção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

dEcrEtO Nº 8.848, dE 12.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 13.09.2016Altera o Decreto nº 6.275, de 28 de novembro de 2007, que aprova a Es-trutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro, remaneja funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Fun-ções Comissionadas do Poder Executivo Federal – FCPE.

dEcrEtO Nº 8.847, dE 06.09.2016 – pubLicadO NO dOu dE 06.09.2016 – EdiçãO Extra

Altera o Anexo ao Decreto nº 8.808, de 15 de julho de 2016, que estabelece regras especiais para concessão de diárias para servidores e militares em de-corrência dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016.

dEcrEtO Nº 8.842, dE 29.08.2016 – pubLicadO NO dOu dE 30.08.2016Promulga o texto da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária emendada pelo Protocolo de 1º de junho de 2010, firmada pela República Federativa do Brasil em Cannes, em 3 de novembro de 2011.

dEcrEtO Nº 8.841, dE 25.08.2016 – pubLicadO NO dOu dE 26.08.2016Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Co-missão e das Funções de Confiança do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, remaneja cargos em comissão e substitui cargos em co-missão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo Federal – FCPE.

dEcrEtO Nº 8.837, dE 17.08.2016 – pubLicadO NO dOu dE 18.08.2016Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Cultura, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superior – DAS por Funções Comissiona-das do Poder Executivo Federal – FCPE.

Fechamento da Edição: 21�09�2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ArtIgoS doutrINárIoS

• As Agências Reguladoras e o Seu Poder Normativo Cristina Alves da Silva e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• As Agências Reguladoras Federais e os Consumidores Silvio Wanderley do Nascimento Lima Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Da Competência Privativa da União para Legislar Sobre Consumo de Serviços de Telecomunicações

Marcelo Andrade Féres Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Agências Reguladoras: Algumas Perplexidades e Desmistificações Alexandre Santos de Aragão Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por Assunto especial

DOUTRINAS

Assunto

AgênciAs RegulAdoRAs – RegulAção – livRe MeR-cAdo e AnAtel – o Recente cAso dAs FRAnquiAs

• Agências Reguladoras e o Mercado de Telefonia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitando o Caso das Franquias de Internet (Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Pedro Alexandre Marquês deSousa) ....................................................................9

• Agências Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das Agências (Jackson Tavares da Silva de Medeiros e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson) ...............50

• Regulação e Direito Administrativo-Econômico – As Agências Reguladoras e os Limites da Dis-cricionariedade de Suas Decisões (Bruno FialhoRibeiro) ................................................................38

Autor

BRuno FiAlho RiBeiRo

• Regulação e Direito Administrativo-Econômico – As Agências Reguladoras e os Limites da Dis-cricionariedade de Suas Decisões ........................38

JAckson tAvARes dA silvA de MedeiRos e Rocco Antonio RAngel Rosso nelson

• Agências Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das Agências ..............................................................50

luís RodolFo cRuz e cReuz e pedRo AlexAndRe MARquês de sousA

• Agências Reguladoras e o Mercado de Telefo-nia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitan-do o Caso das Franquias de Internet ......................9

pedRo AlexAndRe MARquês de sousA e luís RodolFo cRuz e cReuz

• Agências Reguladoras e o Mercado de Telefo-nia – Regulação, Mercado e Anatel – Revisitan-do o Caso das Franquias de Internet ......................9

Rocco Antonio RAngel Rosso nelson e JAckson tAvARes dA silvA de MedeiRos

• Agências Reguladoras – Um Discurso pela Constitucionalidade do Poder Normativo das Agências ..............................................................50

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

AgênciAs RegulAdoRAs

• Processo civil – Suspensão de liminar – Anatel – Oi Móvel S/A – Decisão de primeiro grau que

restringe à aplicabilidade do disposto no art. 52 da Resolução nº 632/2014 da Anatel – Pedido de suspensão de liminar indeferido – Agravoregimental improvido (TRF 1ª R.) ...............8013, 73

EMENTÁRIO

Assunto

AgênciAs RegulAdoRAs

• Ação civil pública – serviço de internet – TV a cabo – condicionamento – irregularidade – Termo de Ajustamento de Conduta – Anatel –fiscalização – possibilidade .......................8014, 80

• Ação civil pública – serviços de telecomunica-ção – internet banda larga – cláusula restritiva de direito – Anatel – legitimidade ..............8015, 80

• Ação civil pública – transporte de dados em alta velocidade – banda larga – Anatel – legitimi-dade passiva – reconhecimento .................8016, 81

• Auto de infração – operação clandestina de serviço de comunicação multimídia – compar-tilhamento de conexão de internet – visita téc-nica – advertência previa – ausência – aplica-ção de multa – anulação – cabimento .......8017, 81

• Crime contra a segurança das telecomunica-ções – estação de internet via rádio – autori-zação legal – ausência ...............................8018, 82

• Internet móvel – atingimento de franquia – in-terrupção do serviço – contrato anterior à Reso-lução nº 632/2014 da Anatel – impossibilidade – dano moral – ocorrência .........................8019, 82

• Internet – provedor – preço – direito da concor-rência – livre mercado – regulação – Resolução nº 272/2001 – observância ........................8020, 83

• Mandado de segurança – provedor de acesso à internet – transmissão via rádio – autorização da Anatel – ausência – interrupção de serviços – possibilidade .............................................8021, 85

• Telecomunicação – exploração – VoIP – servi-ço de valor adicionado – descaracterização –concessão da Anatel – necessidade ...........8022, 86

índice geralDOUTRINAS

Assunto

podeR de políciA

• O Exercício do Poder de Polícia Ambiental à Luz do Entendimento Jurisprudencial do Su-perior Tribunal de Justiça (Tauã Lima VerdanRangel) ..............................................................112

RegiMentos inteRnos

• O Caráter Dinâmico dos Regimentos Internos das Casas Legislativas (Victor Aguiar Jardim deAmorim) ..............................................................88

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242 ����������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 130 – Outubro/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

RepResentAnte legAl

• Os Benefícios à Regularização Fiscal Tardia e ao Desempate Ficto Quando o Representante Legal Estiver Ausente (Flavia Daniel Vianna)......105

Autor

FlAviA dAniel viAnnA

• Os Benefícios à Regularização Fiscal Tardia e ao Desempate Ficto Quando o Representan-te Legal Estiver Ausente .....................................105

tAuã liMA veRdAn RAngel

• O Exercício do Poder de Polícia Ambiental à Luz do Entendimento Jurisprudencial do Supe-rior Tribunal de Justiça .......................................112

victoR AguiAR JARdiM de AMoRiM

• O Caráter Dinâmico dos Regimentos Internos das Casas Legislativas ..........................................88

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

concuRso púBlico

• Agravo de instrumento – Concurso público – antecipação dos efeitos da tutela – Manuten-ção e participação nas demais fases do certa-me – Ausência dos requisitos legais – Recurso desprovido (TRF 2ª R.) .............................8024, 137

desApRopRiAção indiRetA

• Apelação – Matéria preliminar – Ação de inde-nização – Danos materiais – Danos emergentes e lucros cessantes – Desapropriação indireta –Ocupação de imóvel rural (TRF 3ª R.) ......8026, 151

ensino

• Ensino superior – Curso de medicina – Prouni – Bolsa integral insuficiência de rendimento – Re-provação da disciplina (Atonomia I) – Número elevado de faltas (50) – Possibilidade de cance-lamento – Regimento interno da instituição de ensino (art. 23) – Princípio da isonomia – Obe-diência (art. 4º, da Lei nº 11.096/2005) – Flexi-bilidade da autonomia da universidade em de- corrência do eventual afronta ao direito à edu-cação – Inadmissibilidade – Desnecessidade de prévia oitiva do professor responsável pela dis-ciplina – Faculdade atribuída ao coordenador do Prouni – Vício sanado, em virtude da própria consulta efetuada pelo impetrante ao MEC –Apelação improvida (TRF 3ª R.) ...............8027, 165

execução pRovisóRiA

• Processual civil – Administrativo – Agravo de instrumento – Execução provisória de sentença

proferida em ação civil pública – Plano Collor – competência – Cumulação de ritos – Recurso parcialmente provido (TRF 4ª R.) .............8028, 173

gReve

• Administrativo – Mandado de segurança – im-portação – Greve dos servidores responsáveis pelo desembaraço aduaneiro – Mercadoria pe-recível (TRF 3ª R.) ....................................8025, 146

iMpRoBidAde AdMinistRAtivA

• Administrativo – improbidade administrati-va – Aquisição de produtos alimentícios sem licitação – Condenação pelo art. 10 da Lei nº 8.429/1992 – Ausência de superfaturamen-to – Manutenção da condenação – Alteração da capitulação legal da conduta para o art. 11 da Lei nº 8.429/1992 – Princípio da congruência – Proporcionalidade entre a sanção e a gravi-dade do fato – Provimento parcial da apelação(TRF 1ª R.) ...............................................8023, 131

MineRAção

• Apelação criminal da defesa – art. 55, da Lei nº 9.605/1998, e art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 – Extração de minério desautori-zada – Art. 20, inciso IX, da CF – Competência da Justiça Federal – Erro sobre a ilicitude do fato não configurado – Substituição da pena privati-va por restritivas de direitos negada – Reincidên-cia – Recurso não provido (TRF 5ª R.) ......8029, 178

EMENTÁRIO

Assunto

Ação civil púBlicA

• Ação civil pública – improbidade administrati-va – atos atentatórios aos princípios gerais da Administração Pública – multa civil – majora-ção – possibilidade ..................................8030, 183

• Ação civil pública – tombamento – inscrição de imóvel no livro de tombo – Ministério Pú-blico – legitimidade ativa – reconhecimento ................................................................8031, 184

Ato AdMinistRAtivo

• Ato administrativo – poder de polícia – trans-ferência – delegação – invalidação ..........8032, 185

BeM púBlico

• Bem público – permissão de uso – caráter pre-cário e discricionário – revogação a qualquertempo – legalidade ..................................8033, 186

conselho pRoFissionAl

• Conselho profissional – anuidade – aumento mediante resolução – inconstitucionalidade ................................................................8034, 187

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RSDA Nº 130 – Outubro/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������243 contRAto AdMinistRAtivo

• Contrato administrativo – descumprimento de cláusulas contratuais – rescisão – devido pro-cesso legal – observância .........................8035, 188

• Contrato administrativo – efetiva entrega do objeto licitado – ausência de pagamento por parte da Administração – inadmissibilidade – enriquecimento ilícito – vedação .............8036, 188

• Contrato administrativo – fornecimento de car-ne bovina – desequilíbrio econômico-financeiro – risco inerente ao negócio – teoria da impre-visão – inaplicabilidade ...........................8037, 188

• Contrato administrativo – prorrogação – dis-cricionariedade administrativa – obser vância ...............................................................8038, 189

• Contrato administrativo – resumo de compras – nota de empenho – divergência – recusa domaterial solicitado – impossibilidade .......8039, 189

eneRgiA elétRicA

• Energia elétrica – inadimplência – prédio pú-blico – serviço público essencial – interrupçãode fornecimento – ilegitimidade ..............8040, 190

iMpRoBidAde AdMinistRAtivA

• Improbidade administrativa – aquisição de au-tomóvel – licitação – ausência – prejuízo aoErário – dano in re ipsa – precedentes ......8041, 191

• Improbidade administrativa – ressarcimento ao Erário – fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 8.429/1992 – inaplicabilidade – princípioda irretroatividade – observância .............8042, 193

• Improbidade administrativa – suspensão do feito em razão da não conclusão de inquérito penal – descabimento – independência dos poderes– observância ............................................8043, 94

podeR de políciA

• Poder de polícia – trânsito – sanção pecuni-ária – aplicação por sociedade de economia mista – impossibilidade ...........................8044, 194

pRegão eletRônico

• Pregão eletrônico – índice de liquidez corrente – qualificação técnico-financeira – restrição à concorrência – inexistência .....................8045, 195

• Pregão eletrônico – microempresa e empresa de pequeno porte – composição dos preços – re-gime tributário próprio do serviço que preten-dia prestar – observância .........................8046, 196

• Pregão eletrônico – serviços de motofrete – transporte e entrega de pequenas cargas – im-possibilidade – monopólio postal – violação ................................................................8047, 196

ResponsABilidAde civil do estAdo

• Responsabilidade civil do Estado – bullying dentro do estabelecimento de ensino – dano moral – cabimento ...................................8048, 198

• Responsabilidade civil do Estado – INSS – can-celamento de benefício previdenciário – dano moral indenizável – inexistência ..............8049, 201

• Responsabilidade civil do Estado – morte de policial militar em serviço – fornecimento de equipamento de proteção individual – ausência – danos moral – cabimento ......................8050, 202

• Responsabilidade civil do Estado – persegui-ção política – dano moral – via administrativa – imprescritibilidade – duplicidade de indeni-zação – impossibilidade ..........................8051, 203

• Responsabilidade civil do Estado – queda de criança em instituição de ensino – causa exclu-dente de responsabilidade – existência ....8052, 204

• Responsabilidade civil do Estado – serviço pú-blico de saúde – falha na prestação de serviço – dano material e moral – nexo de causalidade – comprovação .......................................8053, 204

seRvidão AdMinistRAtivA

• Servidão administrativa – passagem de linha de transmissão de energia elétrica – declara-ção de utilidade pública de imóvel particular – princípio da supremacia do interesse público– observância ..........................................8054, 205

seRvidoR púBlico

• Servidor público – adicional de insalubrida-de – atendente de hospital – não incidência ................................................................8055, 205

• Servidor público – adicional por tempo de servi-ço – vencimentos integrais – incidência...8056, 205

• Servidor público – alteração de regime jurídico – FGTS – saque – possibilidade ...............8057, 206

• Servidor público – auxílio-transporte – compro-vantes de despesa – concessão – necessidade ................................................................8058, 206

• Servidor público – auxílio-transporte – utiliza-ção de veículo próprio – cabimento ........8059, 207

• Servidor público – contratado – progressão ho-rizontal – concessão – impossibilidade ....8060, 207

• Servidor público – contrato temporário – FGTS – devido .................................................8061, 207

• Servidor público – empresa pública – remoção para acompanhamento de cônjuge – transferên-cia ex officio – possibilidade ....................8062, 208

• Servidor público – temporário – estabilidade – inexistência .............................................8063, 211

Seção especial

ACONTECE

Assunto

licitAções

• As Licitações Públicas na Nova Lei das Es-tatais (Lei Federal nº 13.303/2016) (Ronny Charles Lopes de Torres) ....................................212

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244 ����������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 130 – Outubro/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Autor

Ronny chARles lopes de toRRes

• As Licitações Públicas na Nova Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016)..............................212

CLIPPING JURÍDICO

• Alunos com deficiência poderão ser liberados da frequência mínima à escola ..........................224

• Confirmada posse de candidato que perdeu pro-va física por causa de acidente ..........................224

• Desapropriação para reforma agrária deve ser indenizada pelo valor do imóvel .......................232

• Entra em vigor lei que prorroga por três anos o Programa Mais Médicos ....................................226

• Julgada constitucional jornada de 12 horas diá-rias para bombeiro civil .....................................230

• Lei de MS que exige certidão relativa a direitos do consumidor em licitação é inconstitucional ..231

• Liminar suspende portaria que restringe deslo-camento de servidores da Polícia Civil ..............233

• Ministra nega liminar que pedia inabilitação deDilma Rousseff para ocupar cargos públicos......235

• Plenário aprova teses de repercussão geral so-bre competência para julgar contas de prefeito..233

• Proibição de tatuagem a candidato de concur-so público é inconstitucional, decide STF ..........234

• Suspenso julgamento sobre acesso judicial a me-dicamentos de alto custo sem registro na Anvisa ..........................................................................227

• TNU decide que não é devida ajuda de custo no caso de remoção a pedido de procurador federal ...............................................................236

• Tribunal decreta indisponibilidade de bem de família em ação de improbidade administrativa ..........................................................................225

• Tribunal determina à União que forneça me-dicamento a portador de grau elevado de co-lesterol ...............................................................229

RESENHA LEGISLATIVA

leis

• Lei nº 13.339, de 20.09.2016 – Publicada no DOU de 21.09.2016 .........................................238

• Lei nº 13.332, de 01.09.2016 – Publicada noDOU de 02.09.2016 .........................................238

MedidAs pRovisóRiAs

• Medida Provisória nº 745, de 15.09.2016 – Publicada no DOU de 16.09.2016 – Exposiçãode motivos .........................................................238

• Medida Provisória nº 744, de 01.09.2016 – Publicada no DOU de 02.09.2016 – Exposiçãode motivos .........................................................238

decRetos

• Decreto nº 8.852, de 20.09.2016 – Publicadono DOU de 21.09.2016 ....................................238

• Decreto nº 8.851, de 20.09.2016 – Publicadono DOU de 21.09.2016 ....................................238

• Decreto nº 8.850, de 20.09.2016 – Publicadono DOU de 21.09.2016 ....................................238

• Decreto nº 8.849, de 12.09.2016 – Publicadono DOU de 13.09.2016 ....................................239

• Decreto nº 8.848, de 12.09.2016 – Publicadono DOU de 13.09.2016 ....................................239

• Decreto nº 8.847, de 06.09.2016 – Publicadono DOU de 06.09.2016 – Edição extra..............239

• Decreto nº 8.842, de 29.08.2016 – Publicadono DOU de 30.08.2016 ....................................239

• Decreto nº 8.841, de 25.08.2016 – Publicadono DOU de 26.08.2016 ....................................239

• Decreto nº 8.837, de 17.08.2016 – Publicado no DOU de 18.08.2016 ....................................239