Isabel de Lacerda Pizarro Madureira
Transcript of Isabel de Lacerda Pizarro Madureira
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Isabel de Lacerda Pizarro Madureira
Doutoramento em Educação
Formação de Professores
2012
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Isabel de Lacerda Pizarro Madureira
Sob orientação da
Professora Doutora Maria Teresa de Lemos Cordeiro Estrela
Doutoramento em Educação
Formação de Professores
2012
Agradecimentos
À Professora Doutora Maria Teresa Estrela, orientadora científica do presente
estudo, agradeço reconhecidamente a influência que há já longos anos, a sua forma de
pensar e de ser vem exercendo no meu percurso académico, profissional e pessoal,
tornando-o mais crítico, mais exigente, mais humano e contribuindo para uma
aprendizagem sempre possível e sempre transformadora.
Aos professores de educação especial que partilhando os seus percursos
profissionais, generosamente colaboraram e participaram no estudo tornando-o possível,
agradeço a simpatia constante e a grande disponibilidade que manifestaram ao longo da
investigação.
À Fundação para a Ciência e Tecnologia pela integração da nossa candidatura à
bolsa PROTEC, a qual pelas condições que possibilitou em muito contribuiu para a
elaboração do estudo.
Aos colegas do Conselho Diretivo da Escola Superior de Educação de Lisboa,
agradeço sinceramente a todos e a cada um, pela solidariedade e pelo interesse que
revelaram durante o processo.
À Professora Doutora Guilhermina Miranda, um grande obrigada pela atenção e
disponibilidade facultadas durante a aprendizagem de num novo programa de análise de
dados, possibilitando assim o encontrar de respostas para dúvidas que foram surgindo.
Um agradecimento especial, à minha colega Clarisse Nunes, pela ajuda
incondicional que sempre me dispensa e pela aprendizagem possível e conjunta sobre o
programa Atlas.ti.
Ao Dr. Daniel Sousa, um agradecimento particular, pela oportunidade de
crescimento, de reflexão e de mudança que a sua palavra sempre me proporciona.
À Sofia e ao Luís, que desde o primeiro momento me incentivaram e me
desafiaram, agradeço a força e o estímulo que as suas vozes me transmitiram e que em
muito contribuíram para a conclusão do estudo.
Por fim, à Piá, ao Fredo, ao Tó e à Ró, e também à Margarida, ao Gonçalo e ao
Francisco, pelos afetos e pelas cumplicidades que em conjunto temos vindo a construir.
Resumo
O presente estudo visa compreender os percursos de mudança dos professores que
optam pela educação especial como carreira e, nessa medida, procura-se, através de uma
abordagem biográfica, caracterizar as motivações que estão subjacentes àquela opção,
as sucessivas etapas e os fatores de socialização profissional.
A opção pela educação especial perspetiva-se como uma escolha que o professor
realiza durante o percurso profissional, que envolve um processo de socialização na
nova profissão, no qual, para além da experiência é necessário considerar o contributo
da formação especializada.
De natureza qualitativa e exploratória, o estudo desenvolveu-se em duas fases: na
inicial procedeu-se à recolha e análise de conteúdo de relatos escritos por um grupo de
dez professores, sobre o tema “De professor de ensino regular a professor de educação
especial”; na fase seguinte, procedeu-se ao aprofundamento dos dados, através da
realização de quatro entrevistas biográficas a docentes do 1º ciclo do ensino básico e do
2º e 3º ciclo e do ensino secundário. A utilização do programa AtlasTi na análise de
conteúdo das entrevistas e dos documentos secundários permitiu uma visão aprofundada
e holística das dimensões determinantes do processo de socialização e de
reconfiguração identitária dos docentes.
Os resultados mostram que a cultura organizacional das escolas, as características
da intervenção pedagógica e a política educativa constituíram os fatores determinantes
da socialização profissional. A análise dos processos de socialização possibilitou a
identificação de fases e de três tipos de identidades profissionais: a identidade
pedagógica resiliente, a identidade plural vulnerável e a identidade ambígua vulnerável.
Nas conclusões aponta-se para a necessidade de repensar os efeitos das políticas
educativas nos processos de socialização dos professores de educação especial e nos
respetivos dispositivos de formação especializada e contínua, e fazem-se algumas
sugestões nesse sentido.
Palavras – chave
Socialização de professores de educação especial
Mudança
Identidade
Formação de professores
Abstract
The purpose of this study is to gain an insight into the changes involved for
teachers who opt for special education as a career. An attempt is made, by adopting a
biographical approach, to describe the motivations underlying this option, the
successive stages in the process and factors regarding professional socialization.
Opting for special education in the course of a teacher’s professional trajectory is
seen as a choice involving a process of socialization in the new profession, a process in
which both experience and specialized training must be taken into consideration.
The study is of a qualitative and exploratory nature and was conducted in two
stages: the first was the collection and content analysis of reports written by a group of
ten teachers on the subject “From Mainstream to Special Education Teacher”; in the
second, the data was closely examined in the light of four biographical interviews with
teachers of the 1st Cycle of Primary Education and the 2
nd and 3
rd Cycles of Secondary
Education. By using the AtlasTi programme for the content analysis of the interviews
and the ancillary documents, we were able to gain a thorough, holistic insight into
crucial aspects of the socialization process and the reshaping of teachers’ identities.
The results show that the organizational culture of schools, features of pedagogic
intervention, and the nature of educational policy were critical factors in the
socialization process. By analyzing this process, we were able to identify stages and
three types of professional identity: the adaptable pedagogic identity, the vulnerable
plural identity and the vulnerable ambiguous identity.
Our conclusions point to the need to reconsider the effects of educational policies
on the socialization processes of special education teachers and on the respective
mechanisms for specialized and continuous training. Some suggestions are also made in
this respect.
Key words:
Socialization of special education teachers
Change
Identity
Teacher training
Para os meus alunos professores, com quem descubro o prazer de aprender e de ensinar.
Índice
Introdução 17
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 25
1.1 Professor socializado e socializador – a importância da socialização na criança 26
1.2 Socialização profissional – contributo dos primeiros estudos. 34
1.2.1 Socialização profissional dos professores: paradigmas e modelos. 36
1.2.2 Etapas e fatores na socialização profissional dos professores. 42
1.3 Identidades profissionais dos professores e mudança. 54
1.3.1 O Eu pessoal e o Eu profissional na construção das identidades. 56
1.3.2 A cultura profissional e as diferentes identidades dos professores. 57
1.3.3 O papel das emoções nas identidades dos professores. 61
1.3.4 Os “retratos” dos professores nos estudos sobre a mudança. 66
1.3.5 Os ciclos de vida e as fases da carreira dos professores. 68
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 78
2.1 Paradigmas, perspetivas teóricas e modelos de intervenção 80
2.2 Educação inclusiva e igualdade de oportunidades – entre intenções políticas e
práticas educativas. 93
2.3 A formação do professor de educação especial. 98
2.4 A socialização dos professores de educação especial. 108
2.4.1 O primeiro ano na educação especial – estudos sobre as necessidades dos
professores. 114
2.4.2 O contributo da formação especializada para a socialização profissional. 116
Capítulo III: Metodologia do Estudo 121
3.1 Temática, questões, objetivos e campo de estudo 121
3.1.1 Questões e objetivos. 122
3.1.2 A abordagem biográfica – características e questões éticas. 125
3.2 Fases do estudo e metodologia. 129
3.2.1 Fase inicial: relatos escritos. 129
3.2.1.1 Recolha de relatos escritos sobre o tema - “De professor do ensino regular a
professor de educação especial”. 129
3.2.1.2 Análise de conteúdo dos relatos. 130
3.2.2 Fase de aprofundamento: quatro entrevistas biográficas. 131
3.2.2.1 Seleção da amostra. 131
3.2.2.2 Elaboração do guião de entrevista. 133
3.2.2.3 Realização das entrevistas. 135
3.2.2.4 Análise de conteúdo das entrevistas - utilização do programa Atlas.ti. 136
3.2.2.5 Reconstrução das trajetórias profissionais. 140
3.2.3 Critérios de cientificidade. 141
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 144
4.1 Caracterização dos participantes 144
4.2 Temas emergentes dos relatos escritos 145
4.3 Trajetórias de Professores de Educação Especial 148
4.3.1 Lourenço, 35 anos de idade. 148
4.3.1.1 A falta de motivação para ser professor e o início da docência
– tempo de incerteza, de ambivalência e de procura. 149
4.3.1.2 A socialização inicial na profissão – desilusão e resignação. 150
4.3.1.3 O encontro com a educação especial - transformação da
motivação extrínseca em intrínseca. 152
4.3.1.4 Os primeiros anos na educação especial – desafio e vontade de aprender. 155
4.3.1.5 A formação especializada – entre o desejo de aprender metodologias
de intervenção e a possibilidade de fundamentar saberes e práticas. 158
4.3.1.6 A fase atual de socialização – interesse pela pesquisa e identificação
com a profissão. 160
4.3.1.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar da formação e da
experiência na socialização profissional. 166
4.3.1.8 Identidades profissionais – perceção sobre pares, reconhecimento
pelo (s) outro (s) e imagem de si próprio. 170
4.3.1.9 Efeitos formativos da entrevista 172
4.3.2 Madalena, 42 anos de idade. 172
4.3.2.1 A escolha da profissão docente – entre as contingências familiares
e a necessidade de assegurar um futuro. 175
4.3.2.2 As primeiras fases de socialização - da inevitável instabilidade à
descoberta da profissão. 176
4.3.2.3 A opção pela educação especial – uma forma de responder a
mudanças e necessidades de natureza familiar. 178
4.3.2.4 A formação em educação especial – entre o desejo de aprender
e a necessidade de assegurar colocação. 182
4.3.2.5 A fase atual de socialização – entre o sentido de pertença e a
dificuldade em “estar num papel que não há”. 184
4.3.2.6 Mudanças e sentimentos face à mudança - a complementaridade
entre os contributos da experiência e da formação. 194
4.3.2.7 Sentimentos nas diferentes etapas – expressão e contenção. 195
4.3.2.8 Identidades profissionais – entre a constante procura de si e a
construção de uma identidade plural. 197
4.3.2.9 Efeitos formativos da entrevista. 199
4.3.3 Eduardo, 46 anos de idade. 200
4.3.3.1 A escolha da profissão docente – infância e influência familiar. 200
4.3.3.2 A socialização inicial na profissão – segurança e inconformismo. 201
4.3.3.3 Os primeiros anos na educação especial – opção e necessidade
de assegurar colocação no ensino público. 203
4.3.3.4 A formação em educação especial – preocupação decorrente do
presente e processo de garantir um futuro. 205
4.3.3.5 A fase atual de socialização – interiorização de saberes, valores
e atitudes. 207
4.3.3.6 Os fatores presentes na socialização atual – condicionalismos e
ideais de uma profissão. 209
4.3.3.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar da experiência
e da formação na socialização profissional. 215
4.3.3.8 Identidades profissionais - perceções, identidade originária e
identidade reconstruída. 218
4.3.3.9 Efeitos formativos da entrevista. 221
4.3.4 Margarida, 58 anos de idade. 221
4.3.4.1 A escolha da profissão docente – entre a influência familiar
e a ambivalência face à área disciplinar. 223
4.3.4.2 A socialização na profissão – o desencanto da primeira fase. 223
4.3.4.3 A socialização na profissão – crescimento e consolidação
na segunda fase. 225
4.3.4.4 A opção pela educação especial - entre o desejo de mudança
e a insegurança da rutura, o reencontro do equilíbrio e da satisfação
pessoal e profissional na terceira fase. 229
4.3.4.5 A formação em educação especial – o surgimento de novas
necessidades de formação. 232
4.3.4.6 A fase atual de socialização - enfrentar a mudança, investir
na formação contínua e renovar o interesse. 236
4.3.4.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar privilegiado
da experiência enquanto espaço e tempo de mudança e de
socialização profissional. 245
4.3.4.8 Sentimentos nas diferentes etapas – diversidade e intensidade. 248
4.3.4.9 Identidades Profissionais – a importância da perceção de si e
da consciência identitária. 251
4.3.4.10 Efeitos formativos da entrevista. 253
Capítulo V: Discussão dos Resultados 254
5.1 As motivações: a vocação encontrada pela experiência profissional. 254
5.2 Os efeitos da formação especializada perante uma profissão em mudança. 257
5.3 Experiência profissional e (re) construção da identidade. 259
5.4 Sentimentos nas diferentes etapas. 265
5.5 Abandonar ou permanecer na educação especial? 271
5.6 Dimensões significativas na socialização de professores de educação especial. 276
Conclusões 287
BIBLIOGRAFIA 299
Índice de quadros
Quadro 1 - Estádios de desenvolvimento cognitivo e formas de socialização 26
Quadro 2 - Categorias de análise da identidade 31
Quadro 3 - Estádios na socialização do professor durante o ano probatório segundo 43
Quadro 4 - Fases da carreira dos professores 72
Quadro 5 - Etapas da carreira e “traços” característicos 74
Quadro 6 - Programas de investigação na educação especial 92
Quadro 7 - Competências a desenvolver na formação e funções do professor
especializado 100
Quadro 8 - A cultura da diversidade e a formação de professores especializados 102
Quadro 9 - Tipos de experiências de professores em início de carreira 109
Quadro 10 - Composição da amostra 132
Quadro 11 - Dados de caracterização dos participantes 144
Quadro 12 - Temas e categorias dos relatos escritos 146
Quadro 13 - Excerto de um plano de intervenção individual 167
Quadro 14 - Exemplo de uma planificação semanal 167
Quadro 15 - Planificação das visitas de estudo - Ano lectivo 2009/2010 190
Quadro 16 - Plano anual de atividades - Ano letivo 2009/10 – 2º período 190
Quadro 17 - Motivações face à profissão docente 254
Quadro 18 - Perceção das mudanças decorrentes da formação especializada 260
Quadro 19 - Perceção das mudanças decorrentes da experiência profissional na
educação especial 262
Quadro 20 - Evolução dos sentimentos dos professores nas diferentes etapas da sua
carreira 266
Quadro 21 - Situações significativas nas diferentes fases dos percursos profissionais. 270
Quadro 22 - Categorias com maior densidade nas narrativas docentes 277
Índice de figuras
Figura 1. Modelo de socialização do professor, baseado em Staton e Hunt 41
Figura 2. Seis formas de pensar a inclusão 88
Figura 3. Efeitos da profissão - Modelo conceptual 112
Figura 4. Modelo de socialização na formação de professores de educação especial 119
Figura 5. Procedimentos de codificação - Programa Atlas Ti – abordagem indutiva 138
Figura 6. Socialização inicial na docência – fatores dificultadores 151
Figura 7. Motivação para ser professor 153
Figura 8. Socialização prévia na educação especial – fatores facilitadores 156
Figura 9. Formação especializada – motivação e apreciação global 159
Figura 10. Fase atual de socialização – fatores dificultadores 164
Figura 11. Mudanças decorrentes da Formação Especializada 166
Figura 12. Mudanças decorrentes da experiência na Educação Especial 169
Figura 13. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas 170
Figura 14. Identidades profissionais 171
Figura 15. Socialização na profissão docente 177
Figura 16. Motivação para ser professor 179
Figura 17. Socialização prévia na educação especial 180
Figura 18. Formação especializada – motivação e apreciação global 183
Figura 19. Fase atual de socialização – Saberes, atitudes e valores 186
Figura 20. Fase atual de socialização – fatores facilitadores 187
Figura 21. Fase atual de socialização – fatores dificultadores 191
Figura 22. Mudanças decorrentes da experiência e da formação especializada 194
Figura 23. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas 196
Figura 24. Identidades profissionais 197
Figura 25. Motivações subjacentes à opção pelo ensino e pela educação especial 203
Figura 26. Formação especializada – motivações e apreciação global 205
Figura 27. Fase atual de socialização – Saberes, atitudes e valores 207
Figura 28. Fase atual de socialização – fatores dificultadores 210
Figura 29. Fase atual de socialização – fatores facilitadores 214
Figura 30. Exemplo de introdução da arte no processo de ensino dos alunos 215
Figura 31. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas 217
Figura 32. Identidades Profissionais 218
Figura 33. Fatores facilitadores da socialização na profissão 225
Figura 34. Socialização prévia na Educação Especial 230
Figura 35. Formação Especializada – motivação e apreciação global 233
Figura 36. Fatores facilitadores da socialização atual 241
Figura 37. Fase atual de socialização – saberes, atitudes e valores 242
Figura 38. Mudanças decorrentes da experiência e da formação especializada 246
Figura 39. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas 248
Figura 40. Identidades Profissionais 252
Figura 41. Processos de superação da falta de motivação inicial 275
Figura 42. Frequência e densidade da categoria cultura organizacional
- narrativa da Professora Margarida 278
Figura 43. Frequência e densidade da categoria características da intervenção
- narrativa da Professora Margarida 280
Figura 44. Frequência e densidade da categoria características da intervenção
- narrativa do Professor Lourenço 281
Figura 45. Frequência e densidade da categoria fontes de satisfação profissional
- narrativa do Professor Lourenço 283
Figura 46. Frequência e densidade da categoria sentimentos enquanto PEE
- narrativa da Professora Margarida 284
Figura 47. Frequência e densidade da categoria fontes de satisfação profissional
- narrativa da Professora Madalena 285
Figura 48. Frequência e densidade da categoria política educativa
- narrativa do Professor Eduardo 286
Figura 49. Factores determinantes do processo de socialização e de
reconfiguração identitária dos professores de educação
especial que ressaltam das entrevistas 288
Índice de anexos
ANEXOS 317
Anexo 1: Análise de Conteúdo – Relato M8 318
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 320
Tema: Percurso pessoal e académico 320
Tema: Percurso profissional (prévio à formação especializada) 320
Tema: Formação Especializada 324
Tema: Percurso profissional posterior à formação especializada 325
Anexo 3: Guião de entrevista 329
Siglas e Abreviaturas
EE - Educação Especial
ER - Ensino Regular
NEE - Necessidades Educativas Especiais
NEECP - Necessidade Educativas Especiais de Carácter Permanente
PEE - Professor de Educação Especial
PAE - Professor de Apoio Educativo
PER - Professor de Ensino Regular
ECAE - Equipa de Coordenação dos Apoios Educativos
CEB - Ciclo do Ensino Básico
EE - Encarregados de Educação
TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação
UA - Unidades de análise
Introdução 17
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Introdução
A razão de ser da realização do estudo que agora se apresenta decorre
necessariamente do nosso percurso pessoal e profissional, das mudanças e das escolhas
que fomos fazendo, dos valores e princípios que temos procurado seguir e da
importância que algumas pessoas têm tido no nosso desenvolvimento e na construção
da pessoa que hoje somos.
Fazer um estudo onde se privilegiasse uma abordagem biográfica constituiu desde
os primeiros ensaios investigativos que fizemos algo que simultaneamente nos
desafiava e motivava, desde logo pela possibilidade de, através daquela abordagem,
poder compreender melhor o outro e, assim fazendo, compreender também o que somos
e como chegámos até aqui.
É já um lugar comum referir que provavelmente o que nos move em termos de
estudo e de investigação nunca é independente da pessoa do investigador e, nessa
medida, a procura da compreensão do humano e da forma como reage e lida com as
diversas situações da vida tem sido sempre fonte de questionamento e de interesse, quer
em termos do saber do senso comum, quer em termos de um saber que necessariamente
se quer “científico”, verdadeiro, válido e útil. Assim sendo, realizar esta investigação
teve particular significado uma vez que permitiu num mesmo propósito combinar de
forma equilibrada o prazer de fazer e de estudar algo de que se gosta com a frustração
que a concretização de um trabalho desta natureza sempre envolve, pelo tempo e pelo
investimento solitário que exige.
E, porque “compreender é, em primeiro lugar, compreender o campo em que nos
fizemos e contra o qual nos fizemos” (Bourdieu, 2005, p.15), importa começar por
referir que a educação especial tem constituído ao longo do nosso percurso profissional,
uma área privilegiada de intervenção: primeiro como professora especializada em
Funcionamento Intelectual Deficitário junto de alunos com necessidades educativas
especiais e depois, durante há já longos anos, como formadora, junto de professores que
frequentam a formação especializada e a formação inicial.
Com efeito, grande parte do nosso trajeto tem vindo a desenvolver-se no âmbito
da formação de professores de educação especial, antes realizada no então designado
Introdução 18
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira e, desde há duas décadas, ministrada na
Escola Superior de Educação de Lisboa.
Considerada fundamental ao desenvolvimento do sistema educativo, a formação
especializada em educação especial tem como finalidades “qualificar para o exercício
de funções de apoio, de acompanhamento e de integração sócio - educativa de
indivíduos com necessidades educativas especiais”. (artº3º do decreto-lei nº 95/97 de 23
de Abril). Influenciada pelas perspetivas teóricas desenvolvidas na área da educação
especial e pelas mudanças preconizadas a nível central, a formação de professores neste
domínio tem procurado dar resposta às necessidades do sistema educativo, através do
desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes julgadas fundamentais ao
desempenho de um profissional especializado. Durante décadas esta formação
fundamentou-se nos pressupostos do paradigma médico-psicológico (Bailey,1998),
privilegiando-se assim uma prática centrada na problemática da criança e nos processos
educativos capazes de responder às suas necessidades educativas especiais.
No entanto, desde a segunda metade do século XX, assiste-se progressivamente à
defesa de princípios e valores educativos que põem em causa as perspetivas e as práticas
decorrentes do paradigma médico-psicológico, apontando-se para a saliência de um
novo paradigma, que fundamente a concretização de uma escola inclusiva, capaz de
responder e de satisfazer as necessidades de todos os alunos. Neste contexto, a formação
dos professores especializados começou a centrar-se não apenas na aquisição de
competências de intervenção junto das populações com necessidades educativas
especiais, mas também no desenvolvimento de competências que permitam o apoio, a
colaboração e a formação de toda a comunidade educativa, de forma a viabilizar
processos progressivos de mudança, facilitadores de uma sociedade e de uma escola que
se pretende inclusiva.
No nosso país podem candidatar-se ao curso de especialização em educação
especial educadores de infância, professores do ensino básico ou professores do ensino
secundário profissionalizados, com cinco anos de serviço docente (artº 4º do decreto/lei
nº95/97 de 23 de Abril). Trata-se, portanto, de uma formação suplementar e opcional.
Da experiência profissional que temos tido, como docente de uma Escola Superior
de Educação, resulta evidente o carácter heterogéneo dos grupos de docentes que
frequentam os cursos de especialização em educação especial, no que diz respeito quer à
formação inicial e nível de ensino respetivo, quer à experiência profissional prévia junto
de populações com necessidades educativas especiais. Com efeito, a análise dos
Introdução 19
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
curricula vitae dos docentes que frequentam os cursos de especialização revela, em
termos gerais, uma grande diversidade de percursos profissionais, sendo eventualmente
diferentes os fatores pessoais e profissionais que poderão legitimar e fundamentar a
escolha de uma formação suplementar em educação especial. Por sua vez, durante o
processo de formação, é possível perceber níveis de motivação e de empenhamento
diversos, com consequências na forma como o curso de especialização é perspetivado
em termos de desenvolvimento pessoal e profissional.
Tratando-se de uma formação que acontece após alguns anos de experiência e
durante o exercício da profissão, pode ser perspetivada como uma opção que o docente
realiza face ao seu percurso inicial, opção essa que irá necessariamente envolver
processos de mudança no papel e nas funções que o professor desempenha na escola.
Mas o que é que significa ter uma especialização em educação especial? Até pela
sua tradição científica e prática, o conceito de educação especial surge frequentemente
associado quer a alunos com necessidades educativas particulares, quer a formas
educativas que, embora venham procurando a inclusão, poderão eventualmente
envolver ou ter envolvido a segregação de crianças do sistema regular de ensino.
A formação de professores de educação especial constitui-se portanto como uma
realidade complexa e mutável, tornando-se difícil pensar qual o perfil de professor que
pretendemos formar face às características e necessidades da escola que temos e da
escola que queremos construir para as novas gerações.
Ora, pensar a formação de professores envolve à partida, entre outros aspetos,
uma determinada conceção sobre o aluno a ensinar e, nessa medida, na área da educação
especial, a questão sobre o que se entende por aluno que necessita de apoio tem vindo a
constituir-se como uma problemática controversa e polémica, geradora de posturas
antagónicas e por vezes extremadas, que em nada contribuem para equacionar uma
educação apropriada e justa para todos os cidadãos. Trata-se, em última análise, da
forma como se equaciona a natureza humana, e do modo como a sociedade entende os
determinantes pessoais e culturais da existência de cada indivíduo. E, de uma visão que
enfatizava o determinismo do desenvolvimento humano, a deficiência e a incapacidade,
recorrendo para tanto aos saberes da medicina e da psicologia e entendendo a educação
especial como uma forma de atenuar as diferenças inevitáveis e objetivamente
verificáveis, passou-se, por oposição, a uma visão onde a deficiência é entendida como
um constructo social que exclui e marginaliza, problematizando-se assim a função da
Introdução 20
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
educação especial na escola, e, consequentemente, pondo-se em questão a necessidade,
legitimidade e pertinência desta área de intervenção.
É neste contexto que poderemos compreender a proliferação de conceitos que ao
longo dos anos têm vindo a surgir para designar os alunos que não aprendem da forma
escolar esperada tendo como referência o grupo e, consequentemente, para designar os
professores especializados em determinada área de dificuldade. Para os alunos, desde as
deficiências mais variadas, às necessidades educativas especiais (temporárias e
permanentes), às necessidades especiais, às necessidades educativas específicas, às
necessidades educativas ligeiras, às necessidades educativas de carácter permanente, às
barreiras à aprendizagem e à participação, etc, é possível encontrar múltiplas formas
usadas para o mesmo fim; para os professores, a especialização em crianças anormais,
em deficiência mental, em funcionamento intelectual deficitário, em necessidades
educativas ligeiras, em problemas de cognição, em problemas de comunicação, em
apoios educativos, etc, a situação é semelhante. Esta diversidade obviamente retrata a
evolução dos conceitos e das práticas que importa considerar, no entanto mostra
também a influência que determinadas forças/ entidades sociais têm na educação e na
forma como se equaciona a função da escola na sociedade.
Esta proliferação de designações caracterizadas pela ambiguidade e pela
polissemia tem constituído fonte de “equívocos concetuais” (Estrela, 2002) que têm
dominado as áreas da educação especial e da formação de professores e que em nada
facilitam a formação a desenvolver e a valorização da função do professor de educação
especial.
Nessa medida, a formação destes profissionais constitui-se como um problema
político, podendo a educação especial revelar, em última análise, as relações de poder e
os interesses de determinados grupos sociais. A este propósito, e reconhecendo a atual
proliferação de determinadas classificações/ categorizações, alguns autores de forma
crítica assinalam o peso e o interesse económico de determinadas áreas científicas
nessas classificações (Booth e Ainscow, 1998; Wedell,2005; Ainscow, 2006); outros
autores, ainda mais críticos e atentos, referem que apesar de atualmente se preconizar
uma sociedade e uma escola inclusiva, a segregação pode estar ainda presente, embora
agora de modo disfarçado e subtil, nas designadas unidades de apoio existentes nas
escolas do ensino regular (Ridell,2007; Kauffman e Lopes, 2007; Slee, 2011; ).
Perante este cenário, compreende-se como as questões de ordem científica e
epistemológica constituem fatores que atravessam e condicionam a formação
Introdução 21
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especializada. Nas últimas décadas o capital de conhecimentos adquiridos através da
medicina e da psicologia tem vindo a ser objeto de críticas por parte de autores que
preconizam a inclusão e de algum modo a rutura com conceções e práticas que em seu
entender perpetuam a desigualdade e as diferenças entre os indivíduos. Julgamos no
entanto que, para poder ir ao encontro dos desafios da sociedade atual em constante
mudança, importa não romper, mas antes preservar o conhecimento científico adquirido
e desenvolver processos de investigação educacional que, partindo de pressupostos
diferentes sobre a existência humana e sobre a aprendizagem, possam contribuir para
aumentar aquele conhecimento e obter uma visão compreensiva e holística sobre a
melhor forma de garantir a todas as crianças e jovens uma educação apropriada. Negar a
existência de dificuldades e de situações em que a relação pedagógica exige o repensar
constante sobre o que importa ensinar e sobre a melhor forma de o fazer, não será
provavelmente o processo mais adequado para garantir aquela educação e para
assegurar a inclusão escolar e social. Por outro lado, os processos de classificação e de
categorização, pelas representações negativas que desencadeiam, podem ter efeitos
extremamente negativos e estigmatizantes para as crianças e jovens em situação de
dificuldade (Santos,1982); nessa medida, se se pretende responder às dificuldades, será
necessário considerar aquelas classificações não com o carácter preditivo habitual, mas
apenas como mais uma dimensão a ter em linha de conta para a procura das respostas
educativas a desenvolver. É neste aspeto que a sensibilidade do professor de educação
especial e o seu sentido ético são determinantes para a mudança de representações, por
parte dos professores e da comunidade educativa, sobre a criança que aprende diferente
e de forma diferente. E, para isso, a formação de professores desempenha um papel
fundamental.
Neste contexto, a opinião de Gardou e Develay (2005) sobre os professores de
educação especial adquire particular significado, uma vez que sublinha a clarividência
que atravessa a intervenção daqueles profissionais, caracterizando-os como indivíduos
que acreditam que a ação educativa é determinante para o desenvolvimento humano, ou
seja, que o possível se pode substituir ao impossível e que o humano não tem como
limite formas, aparências, corpos e ideias conformistas ou categorias estáticas.
Ser professor de educação especial não é tarefa fácil, dada a natureza complexa da
intervenção e do papel que lhe é atribuído na escola atual. Para além do conhecimento
necessário para ensinar alunos com necessidades dramaticamente diferentes e para
assegurar o ensino em distintas áreas de conteúdo, pela natureza das suas funções, este
Introdução 22
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
docente é solicitado a desenvolver com segurança papéis que envolvem a interação com
alunos, colegas, diretores de escolas e pais.
De facto, atualmente, ao professor de educação especial são exigidas
competências diversas e múltiplas (Brownell, et al., 2005; Rodrigues, 2011),
reveladoras da natureza complexa da sua intervenção e que configuram, no entender de
alguns autores (Gersten et al., 2001), um perfil profissional ambíguo e indefinido.
Por outro lado, a proliferação de mudanças de políticas no domínio da educação
especial, com implicações significativas ao nível da organização escolar, das conceções
e das práticas, tem vindo também a dificultar a delimitação de papéis e funções a
desenvolver por este profissional.
Ora, ser professor de educação especial envolve processos de mudança em termos
de carreira e de desenvolvimento profissional, uma vez que é apenas após uma primeira
fase de entrada na profissão, caracterizada pela “sobrevivência” e pela “descoberta”
(Huberman,1989; Rodrigues,2011), que é possível a mudança de percurso e a opção
pela educação especial.
Perante este quadro, algumas questões iniciais, decorrentes da nossa experiência
profissional, se nos colocaram, a saber: Que circunstâncias e que motivações levam os
professores a optar pela educação especial como carreira? Que trajetórias profissionais
fundamentam a necessidade de realizarem uma especialização em educação especial?
Qual a influência da experiência, dos contextos profissionais e da formação nos
processos e nas fases de socialização destes docentes?
E estas questões iniciais que orientaram o estudo ganharam particular legitimação
e acuidade ao longo do processo de pesquisa realizado, não só pela recolha de literatura,
como pela recolha e análise de dados empíricos.
Com efeito, os inúmeros estudos que, desde o início do século passado se vêm
desenvolvendo sobre a problemática da socialização profissional em geral (Dubar,
1997) e dos professores em particular (Lacey,1986; Zeichner e Gore, 1990) mostram a
importância de um conjunto de fatores determinantes para aquele processo. No entanto,
é de realçar que um dos fatores enfatizados na literatura, a aprendizagem por
observação da profissão que realizamos enquanto alunos e que poderemos reproduzir
mais tarde como professores, não se aplica ao professor de educação especial, o que
configura à partida um processo de socialização diferente.
No que diz respeito à socialização dos professores de educação especial, os
estudos realizados são recentes, e ainda escassos, justificando que um dos autores
Introdução 23
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
consultados se refira a este tema, como um campo ainda inexplorado (Pugach,1992). No
entanto, constitui-se como uma área de investigação com particular interesse, desde
logo pelas características diferentes que envolve.
Nessa medida, compreender como é que um professor se torna professor de
educação especial constituiu a questão que norteou o presente estudo, que determinou
os seus objetivos gerais e, consequentemente, as opções metodológicas que fomos
fazendo ao longo do processo de investigação. Assim, em termos gerais os objetivos do
presente estudo são: compreender os percursos referentes à passagem de professor do
ensino regular a professor de educação especial de um grupo de docentes; identificar as
motivações subjacentes à escolha da educação especial; conhecer a perceção que os
docentes têm das mudanças de conceções pedagógicas sobre o ensino e sobre a
educação especial decorrentes dessa opção; aprofundar o conhecimento obtido através
de um estudo de quatro casos; caracterizar as sucessivas etapas e fatores de socialização
dos professores de educação especial; identificar necessidades e questionar a formação
especializada recebida e, por último, verificar se o género influência o tipo de mudanças
e o relato das mesmas.
Perante estes objetivos, foi necessário por um lado, contextualizar e fundamentar
a problemática da socialização profissional de professores e da formação nela implicada
e compreender como é que aquela vem sendo abordada no domínio da educação
especial em particular. Por outro lado, procurámos fundamentar a pertinência da
utilização da abordagem biográfica enquanto metodologia privilegiada no processo de
investigação.
Para além do enquadramento teórico e metodológico, a pesquisa empírica
envolveu dois momentos de recolha de dados: num primeiro recolheram-se, junto de
dez docentes do distrito de Lisboa, relatos escritos individuais sobre a “passagem de
professor de ensino regular a professor de educação especial”; num segundo momento,
realizaram-se entrevistas de natureza biográfica a quatro dos docentes que integraram
aquele grupo inicial, uma vez que pretendíamos obter uma visão aprofundada e
compreensiva dos percursos de socialização e de mudança daqueles profissionais.
O estudo que se apresenta abrange cinco capítulos: nos dois primeiros começámos
por procurar compreender a problemática da socialização, da identidade e da mudança
em termos gerais, para em seguida a poder equacionar referenciando-a ao professor de
educação especial, à formação especializada e à investigação que neste domínio
específico tem vindo a ser desenvolvida; e, a pesquisa teórica realizada sobre a
Introdução 24
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
socialização profissional reforçou a ideia da pertinência e da adequação da utilização de
abordagens biográficas para a compreensão daquele processo. Assim, no terceiro
capítulo referente à metodologia do estudo, apresentam-se os seus objetivos, descrevem-
se as respetivas fases de recolha e tratamento dos dados, caracteriza-se a abordagem
biográfica e assinalam-se as virtualidades e cuidados a ter na utilização de dados de
natureza biográfica, referidos na literatura.
A apresentação e a discussão dos resultados do estudo integram o quarto e o
quinto capítulo, respetivamente. E, uma vez que estamos em presença de um estudo de
natureza qualitativa, interpretativa e biográfica, que envolveu para além da análise de
relatos escritos, a análise de quatro entrevistas biográficas e de documentos secundários,
no quarto capítulo apresentam-se os temas emergentes dos relatos e a reconstrução das
trajetórias profissionais de quatro desses docentes.
Já no último capítulo, de discussão dos resultados, procurou-se através da análise
comparativa das diferentes entrevistas, e do seu confronto com os resultados da análise
dos relatos, responder às questões e aos objetivos que presidiram à realização do estudo,
procurando desenvolver uma perspetiva compreensiva e fundamentada das conclusões
que foram emergindo dos resultados do estudo empírico.
Por fim, nas conclusões apresentam-se as fases e os processos de socialização e de
reconfiguração identitária resultantes da análise das entrevistas, tecem-se algumas
considerações sobre a formação especializada e contínua dos professores de educação
especial e sublinha-se ainda a necessidade da sua (re) concetualização, de modo a
promover processos de socialização profissional gratificantes para os professores que
optam por aquela área de intervenção e a responder às necessidades postuladas pela
atual legislação.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 25
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança
“Tout enseignant se pose des questions de fond
à différents moments de sa carrière. Ai-je bien choisi
de faire ce métier? Vais-je rester dans cet
établissement? Dans cette section? Avec des élèves
de cet âge? Dans cette discipline?”
M. Huberman, 1989
“Ter a coragem de assumir a sua diferença é
um sinal de plenitude, quer nos indivíduos quer nas
civilizações.”
E. Erikson, 1972
Abordar a temática da socialização, da identidade e da mudança envolve
necessariamente referenciar o contributo de estudos desenvolvidos no âmbito da
sociologia, da psicologia e da antropologia, de forma a sistematizar alguns conceitos aí
equacionados, uma vez que podem constituir utensílios importantes na compreensão do
processo de socialização profissional dos professores.
De acordo com Dubar (1997), o conceito de socialização surge no início do século
passado associado à definição de educação proposta por Durkheim (1902-1903). Para
este autor, a socialização metódica da nova geração constitui a finalidade primeira da
educação, possibilitando a integração e adaptação do indivíduo à sociedade a que
pertence. Entendendo que a sociedade determina os fins da educação e que aquela
constrói à sua imagem a nova geração, Durkheim sublinha o papel fundamental da
geração precedente, bem como a função educativa da escola no processo de
socialização, concebendo-o como uma transmissão do “espírito de disciplina” que,
embora assegurada pelo constrangimento, é interiorizada livremente pelo indivíduo,
dada a autonomia da vontade.
Deve-se a Dubar uma análise mais minuciosa e multidisciplinar da evolução do
conceito de socialização que conhecemos. Por isso, apesar de termos consultado vários
autores, socorremo-nos do seu trabalho, passando num primeiro momento deste capítulo
a referir alguns conceitos que nos parecem ter relevância para o nosso próprio estudo.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 26
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
1.1 Professor socializado e socializador – a importância da socialização na
criança
Contrariando a ideia de passividade do indivíduo que emerge da conceção
educativa de Durkheim, Piaget considera que a socialização constitui fundamentalmente
uma construção na qual o sujeito interage com o meio social de forma ativa, definindo
novas regras. Como se pode observar no quadro seguinte é possível, com base nos
estádios de desenvolvimento da criança definidos por Piaget, identificar formas de
socialização características de cada estádio, sendo evidente a passagem da imitação,
como forma primeira de socialização, a comportamentos de cooperação e de autonomia
que caracterizam já o início da idade adulta e que facilitam a posterior inserção social e
profissional do indivíduo.
Quadro 1 - Estádios de desenvolvimento cognitivo e formas de socialização (com base
em Piaget, 1964)
Estádios de desenvolvimento
Formas de socialização
1.Estádio sensório-motor
Egocentrismo;
Primeiros sentimentos diferenciados;
Imitação como primeira forma de
socialização;
2.Estádio pré-operatório
Submissão às regras dos adultos
3.Estádio das operações concretas
Vontade de cooperar
4.Estádio das operações formais
Inserção social e profissional
Piaget (1964) sublinha a reciprocidade entre estruturas mentais e estruturas sociais e
considera que durante o processo de socialização se verificam as seguintes mudanças:
- passagem do respeito absoluto (aos pais) para o respeito mútuo (crianças
/adultos e crianças/crianças)
- passagem da obediência personalizada ao sentimento da regra: esta torna-se no
último estádio, a expressão de um acordo mútuo, um verdadeiro “contrato”.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 27
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
- passagem da heteronomia total à autonomia recíproca, que implica no último
estádio a fixação de sentimentos novos como a “honestidade, a camaradagem, o
fair play, a justiça”
- passagem da energia à vontade que constitui uma “regulação ativa da energia”
(supondo uma hierarquização, nomeadamente uma hierarquização entre dever e
prazer)
No entender de Dubar (1997), a teoria piagetiana da socialização da criança
permite, por um lado, abandonar uma visão simplista e funcionalista da socialização
(enquanto processo de inculcação de regras, normas e valores nos indivíduos) e, por
outro, perspetivá-la como uma realidade dinâmica, na qual os processos de
desestruturação, de desequilíbrio e de reestruturação constituem fases fundamentais que
asseguram a necessária equilibração e a passagem de um estádio para outro, ou seja a
reconstrução de novas formas de transação (assimilação/acomodação)1 entre o individuo
e o meio social.
E, uma vez que a socialização se prolonga por toda a vida, dado não terminar com
a entrada no mercado de trabalho, deve ser equacionada enquanto processo permanente
de equilibração entre o indivíduo e o meio.
Esta ideia é consubstanciada por Giddens (1991) quando define socialização como
um processo que ocorre durante toda a vida, sublinhando que tem uma intensidade
variável (mais poderoso na infância), e que constitui um fenómeno ativo de aquisição de
consciência, conhecimento e habilidade por um indivíduo no seio da(s) cultura(s) com
que se cruza.
Por sua vez, Pecheron (1974, citado por Dubar, 1997) assinala também o papel
ativo e singular do sujeito no processo de socialização que considera interativo e
multidirecional já que pressupõe uma transação2 entre o socializado e os socializadores.
A socialização é assim entendida como um compromisso entre as necessidades e
desejos do sujeito e os valores dos grupos com que se relaciona. Este autor perspetiva a
socialização como uma aprendizagem informal, lenta e gradual sobre os
comportamentos a desenvolver nas diferentes situações sociais. Para tanto, cada
indivíduo desenvolve uma determinada representação do mundo e constrói lentamente
1 Assimilação – o sujeito procura modificar o seu ambiente para o tornar mais conforme aos seus desejos e diminuir
os seus sentimentos de ansiedade e de intensidade. Acomodação – tendência do sujeito a modificar-se para responder
às pressões e aos constrangimentos do ambiente. (Piaget, 1964) 2 Na perspetiva de Dubar (1997) o conceito de transação constitui uma transposição direta do conceito de
equilibração proposto por Piaget.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 28
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
um código simbólico que, constituindo um sistema de referência e de avaliação, lhe
possibilita comportar-se de determinada maneira nas diversas situações sociais.
Neste contexto sublinha o facto de a socialização constituir um processo de
identificação, de construção de identidade, de relação e de pertença a um determinado
grupo. Assinalando a natureza plural do conceito de identificação3, este autor põe em
evidência a necessidade da criança construir a sua identidade com base na integração
progressiva das diferentes identificações positivas e negativas. Estas identificações
compreendem-se se considerarmos, por um lado, os vários grupos de pertença ou de
referência com os quais a criança interage e, por outro, a natureza ambivalente das
identificações (pertencer, ser como os outros, ser aceite ou ser diferente, não querer
pertencer, oposição ao grupo).
A importância da família no processo de socialização vem sendo referida, desde
meados do século passado, por alguns autores (entre os quais, Erikson,1972;
Malher,1977), realçando-se o papel determinante da figura materna, uma vez que
depende dela a identificação4 primária do bebé à mãe; o sorriso intencional, a angústia
de separação e o sinal semântico do ”não” constituem organizadores psicológicos
fundamentais para o processo de separação-individuação5, o qual se revela crucial para
a construção da identidade e para futuras identificações a outros objetos. Assim sendo, a
socialização acotece desde a primeira infância, uma vez que a criança vai assimilando e
modelando as suas atitudes em função da aprendizagem das normas e valores da cultura
familiar onde está inserida.
Julgamos também importante ter em atenção o conceito de socialização
antecipatória proposto por Merton (1950, citado por Dubar, 1997) uma vez que permite
perspetivar a construção da identidade social de cada indivíduo e as eventuais mudanças
que a este nível possam acontecer. Na perspetiva do autor citado, o indivíduo socializa-
se interiorizando valores, normas e disposições que o tornam um ser socialmente
3 Pecheron recorre a Lacan quando refere: “o Eu é um objeto comparável a uma cebola; poderíamos descascá-lo e
encontraríamos as sucessivas identificações que o constituem (1953,1981,p.144,citado por Dubar, 1997, p.32). 4 Identificação - “Processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspeto, uma propriedade, um atributo do
outro e se transforma total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa. A personalidade constitui-se e
diferencia-se por uma série de identificações. (Laplanche, J. e Pontalis,J.B. (1976, p. 295). Vocabulário de
Psicanálise, Lisboa: Moraes Editores) 5 Sobre este tema, importa referir os estudos realizados por Malher (1977) sobre o nascimento psicológico da criança,
nos quais e a propósito da fase de separação – individuação, a autora considera que esta constitui um pré-requisito
crucial para o desenvolvimento e manutenção do sentido de identidade. Segundo esta autora, a preocupação com o
problema da identidade surgiu da observação de um fenómeno clínico enigmático, a saber, o fato da criança psicótica
jamais atingir um sentimento de totalidade, de identidade individual, muito menos, um sentido de identidade humana.
Neste contexto, as psicoses infantis autísticas e simbióticas eram consideradas como dois distúrbios do sentido de
identidade.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 29
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
identificável, e essa socialização acontece ou no seu grupo de pertença ou num grupo
que lhe é exterior, mas ao qual deseja pertencer e integrar-se. Neste cenário, a
socialização antecipatória consiste no processo através do qual o indivíduo interioriza e
aprende os valores de um grupo de referência ao qual deseja pertencer, ajudando-o a
impor-se e a adaptar-se a esse grupo.
A socialização pode ser perspetivada como a construção de uma identidade social
e, nessa medida, envolve processos de comunicação entre o Eu e a comunidade a que se
pertence, a qual participa de forma ativa na existência e na mudança de cada indivíduo.
A este respeito, Cuche (1996, p. 84) considera que é a definição social do
indivíduo que lhe permite situar-se face aos outros e ser reconhecido socialmente, numa
relação permanente de identificação e de diferenciação. Com efeito, como sublinha
Muccielli (1999, p. 19), a identidade de um ator social é primeiramente a resposta à
questão: quem é este ator? A identidade social é assim uma maneira de se definir e de
ser definido como possuindo certas características idênticas a outros indivíduos que
pertencem a um mesmo grupo social e de ser diferente de outros indivíduos que
pertencem a outros grupos sociais.
A construção da identidade social envolve três etapas de socialização, a saber: 1ª –
recriação e não imitação dos papéis dos pais, ou seja, dos “outros significativos”; 2ª –
passagem do jogo livre para o jogo com regras, o que significa deixar de assumir o
papel do outro significativo para ser capaz de respeitar o outro generalizado, com toda
uma organização que lhe é exterior (o grupo, a equipa, a comunidade); 3ª
reconhecimento do Eu enquanto membro ativo do grupo/comunidade a que pertence e
no qual a criança se identificou de forma progressiva com outros generalizados,
interiorizando os seus valores (Mead, 1934, citado por Dubar, 1997).
A consolidação da identidade social e, consequentemente, o sucesso da
socialização dependem assim do equilíbrio e da união entre o Eu que interioriza o
espírito e as regras do grupo e o Eu que se afirma de maneira positiva nesse mesmo
grupo, tornando-se assim evidente a natureza simultânea e interdependente dos
processos de socialização e de individualização.
Por outro lado, para compreender a relação entre socialização e mudança social,
torna-se necessário recorrer ao contributo de Berger e Luckmann (1994) e à distinção
que estes autores apresentam entre socialização primária e socialização secundária. O
processo fundamental da socialização primária consiste na incorporação de saberes de
base através da aprendizagem da linguagem (falar, depois ler e escrever), assegurando
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 30
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
assim à criança “a posse subjetiva de um eu e de um mundo”, em simultâneo. Objetos
de socialização primária, estes saberes de base dependem das relações existentes entre a
família e a escola, mas constituem sempre formas/programas de iniciação que
possibilitam à criança a construção e antecipação das condutas sociais. Já a socialização
secundária consiste na “interiorização de submundos institucionais especializados” e
envolve “a aquisição de saberes específicos e de papéis direta ou indiretamente
enraizados na divisão do trabalho” (Berger e Luckmann,1994, p.196), ou seja, o que
está em causa é a incorporação de saberes profissionais relativos a determinada
ocupação/atividade.
Quando a socialização primária não foi devidamente conseguida ou quando as
identificações aos outros significativos foram precárias ou inexistentes, a rutura entre a
socialização secundária e a socialização primária pode acontecer de forma a permitir a
construção de uma identidade mais satisfatória e consistente para o sujeito.
Neste cenário de rutura, facilitador da mudança social, a transformação das
identidades necessariamente acontece, permitindo questionar as relações sociais
interiorizadas durante a socialização primária e, consequentemente, construir outros
mundos, evitando-se assim a reprodução social (Dubar, 1997).
Assim, dado que a socialização nunca é um processo totalmente conseguido e
finalizado, a identidade enquanto produto desse processo constitui também um
fenómeno dinâmico em constante construção e (re) construção.
Como se pode verificar no quadro nº 2, da página seguinte, transcrevem-se as
categorias de análise propostas por Dubar (1997), sendo possível perceber como a
identidade se fundamenta nos mecanismos diferentes, mas inseparáveis, antes referidos:
a identificação para si e a identificação para outro.
Assim sendo, enquanto a identidade para si se baseia em atos de pertença e
corresponde ao que o indivíduo pretende ser, e à forma como se define, a identidade
para outro, transmite ao indivíduo informação sobre quem é, com base nos atos de
atribuição das instituições e agentes sociais com os quais interage.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 31
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quadro 2 - Categorias de análise da identidade (Dubar, 1997, p.109)
Categorias de análise da identidade
Processo relacional Processo biográfico
Identidade para outro Identidade para si
Atos de atribuição Atos de pertença
“Que tipo de homem ou de mulher você “Que tipo de homem ou de mulher
é” = diz-se que você é você quer ser”= você é que diz que é
Identidade – numérica (nome atribuído) Identidade predicativa do Eu
- genérica (género atribuído) (pertença reivindicada)~
Identidade social “virtual” Identidade social “real”
Transação objetiva entre Transação subjetiva entre
- identidades atribuídas/propostas - identidades herdadas
- identidades assumidas/incorporadas - identidades visadas
Alternativa entre Alternativa entre
cooperação - reconhecimentos continuidades - reprodução
conflitos/não reconhecimentos ruturas – produção
“Experiência relacional e social do “Experiência das estratificações,
PODER” discriminações e desigualdades sociais”
Identificação com instituições Identificação com categorias
julgadas estruturantes ou legítimas julgadas atrativas ou protetoras
Identidade social marcada pela dualidade
É nesta perspetiva dinâmica e desenvolvimentista que se situa Erickson (1972)
quando refere que a identidade nunca está instalada nem terminada, uma vez que aquilo
que envolve o Eu é instável e que os indivíduos atravessam obrigatoriamente crises de
identidade ligadas a “fissuras internas do Eu”. Interessado em compreender o
desenvolvimento psicossocial do indivíduo, é quando descreve a puberdade e a
adolescência que caracteriza esta etapa como uma fase de identidade versus confusão de
papel. Com efeito, este autor refere que é na adolescência que pela primeira vez, e de
forma bastante aguda, se colocam perguntas como: “Quem sou eu? Qual é o meu lugar
aqui? Que é que eu valho?”, perguntas essas que irão acompanhar o ser humano ao
longo a sua existência, num questionamento constante sobre a sua identidade e sobre a
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 32
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
sua auto-imagem. A adolescência, sendo um processo de transição que envolve a
desidealização das imagens parentais, o luto e a instabilidade daí decorrentes, a
necessidade de instituir ídolos e ideias “guardiões da identidade final” e o aparecimento
da valorização e da identificação face a um grupo social mais alargado, constitui assim
uma etapa importante na construção da identidade e na aquisição da autonomia. Esta
etapa da vida, onde se dão os primeiros passos para a separação e para autonomia é
fundamental no sentido de facilitar a construção da identidade e, assim, evitar a
“confusão de papel”, ou seja, a dificuldade do jovem em se fixar em determinada
ocupação, o que poderá condicionar na idade adulta a sua integração no mundo do
trabalho.
Nesta linha, Erickson (1972, p.14) define identidade como:
“um sentimento subjetivo e tónico de uma unidade pessoal e de uma
continuidade temporal que constitui o princípio mais profundo de qualquer
determinação à ação e para o pensamento que eu possuo”.
Mas, definir o conceito de identidade envolve considerar à partida a dualidade que
lhe é inerente, ou seja, considerar a identidade para si e a identidade para o outro. Trata-
se, como sublinha Dubar (1997) de dimensões inseparáveis e ligadas de forma
problemática.
Com efeito, se eu só sei quem sou através do olhar do Outro e se a experiência
deste nunca é diretamente vivida por mim, é com base nas minhas comunicações que
percebo a identidade que o outro me atribui e que construo a minha identidade.
Uma vez que estas duas formas de identidade não são necessariamente
coincidentes, torna-se necessário reduzir o eventual desfasamento existente entre ambas,
através da transação interna e da transação externa.
Na primeira, o sujeito procura salvaguardar as suas identidades anteriores
(identidade herdada) e construir uma nova identidade (identidade visada, que
corresponderá a uma imagem ideal de si próprio). Na segunda, trata - se de uma
transação relacional objetiva entre a identidade atribuída ao sujeito pelas instituições e
agentes sociais (outros significativos) e a identidade que efetivamente assume e
incorpora durante o processo de socialização.
Por sua vez, quando Dubar (1997, p.104) refere, e citamos: “Eu nunca posso ter a
certeza que a minha identidade para mim coincide com a minha identidade para o
outro”, sublinha a ideia de que a identidade se fundamenta na incerteza que caracteriza
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 33
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a comunicação com os outros, constituindo, portanto, como já se assinalou, um processo
que construímos e (re) construímos ao longo da vida (Vieira, 2009).
Numa perspetiva sociológica, a identidade pode então ser entendida como o
resultado do processo de socialização, ou seja, como o “resultado simultaneamente
estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural,
dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e
definem as instituições” (Dubar, 1997, p. 105).
Nesta ordem de ideias, Bourdieu (1983) entende a socialização como um processo
biográfico de incorporação das maneiras de ser e de estar de um determinado grupo de
origem. Cada indivíduo é condicionado de modo coerente, desde a sua infância, a não
perceber, a não querer e a não fazer a não ser o que é conforme às suas condições
sociais anteriores. Compreende-se assim que os membros de um mesmo grupo social
ajam de maneira semelhante sem ser necessário concertarem-se. O habitus traduz-se
assim numa visão do mundo económico e social, num “ethos de classe” que se afirma
em todos os domínios da vida pública e privada.
Numa perspetiva antropológica, Vieira (2009, p. 38) define identidade como um
processo dialético, como uma (re) construção permanente, flexível e dinâmica, sendo
uma constante reestruturação e uma constante metamorfose para um novo todo. Assim
sendo, considera que “os outros” constituem a “peça chave” na construção da
identidade pessoal, uma vez que a consciência de si se adquire através da relação de
alteridade com os outros; nessa medida entende que“(…) constituem os referenciais
para se ser ou, pelo menos, parte dos outros reajustadas ao eu que se torna assim um
nós. Um eu que, portanto é sempre um eu plural” (Vieira, 2009, p.15).
Para este autor, a construção da identidade pessoal implica uma incessante
definição de si próprio, definição que permite dar um significado consistente e coerente
à existência, envolvendo portanto a integração das “experiências passadas e presentes,
com o fim de dar um sentido ao futuro” (Vieira, 2009, p 37). Citando Cabral (2003) e na
linha de Dubar antes apresentada, assinala que a construção da identidade tem sempre
subjacente a dicotomia pessoal/social, combinando assim a perceção subjetiva que o
sujeito tem se próprio e da sua individualidade com a apreensão objetiva do conjunto de
características que permitem ao sujeito ser definido e identificado pelo exterior. (Vieira,
2009 p. 51).
Por sua vez, Gomes, Dias e Galiazzi (2009), sublinham o facto da constituição de
uma identidade ser influenciada de forma evidente pela cultura e, assim sendo, estar
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 34
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
relacionada com diferentes histórias, circunstâncias, interesses e locais, envolver
cruzamentos, interseções e intercâmbios entre as formas como vivemos as nossas
identificações e os elementos que as possibilitam. Nessa medida, entendem que as
relações que estabelecemos com nós próprios e com os outros são intertextuais,
envolvem movimentos de identificações contínuos e dinâmicos e, por isso, são os
mecanismos responsáveis por nos tornar aquilo que somos, ou seja, pela construção da
nossa identidade.
Em síntese e em termos gerais, podemos considerar que a socialização constitui
um processo através do qual os indivíduos desenvolvem as suas personalidades e
adquirem o sentido de identidade, processo esse que permite a integração na sociedade,
através da aprendizagem da sua cultura e da participação na vida social. Enquanto
processo implica uma interação contínua entre o indivíduo e o meio, envolvendo,
portanto, muitas fases e mudanças.
1.2 Socialização profissional – contributo dos primeiros estudos.
O conceito de socialização profissional remete para o processo de iniciação à
cultura de determinada profissão e para a conversão do indivíduo a uma nova conceção
do eu e do mundo, em resumo a uma nova identidade6 (Hughes, 1955, citado por
Dubar,1997).
Hughes (1955, p. 136) refere a existência de três mecanismos específicos da
socialização profissional, a saber: “a passagem através do espelho”, “a instalação na
dualidade” e “ a conversão última:”
- a “passagem através do espelho” consiste na descoberta do mundo profissional
através da imersão na sua cultura e na identificação progressiva com o papel a
desempenhar. Esta identificação, esta descoberta da “realidade desencantada” pode
envolver a vivência de situações dilemáticas e de crise que serão ultrapassadas quando o
indivíduo voluntariamente renuncia aos estereótipos profissionais, construindo assim a
sua identidade. É importante que esta descoberta da realidade profissional aconteça num
tempo próprio e adequado de forma a poder ser vivida com intensidade e constituir
fonte de inspiração e de excitação para o indivíduo; com efeito, quando tal não
acontece, é difícil evitar a vivência de situações traumatizantes.
6 Dubar (1997) refere os primeiros estudos realizados neste âmbito e que incidiram sobre diferentes profissões, a
saber: os médicos (Hughes,1955), os enfermeiros (Davies, 1966/68) )e os estudantes de direito (Lortie, 1966).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 35
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
- a ”instalação na dualidade” refere-se à distância e às escassas relações
existentes entre o “modelo ideal” da profissão e o “modelo prático”, sendo que o
primeiro é valorizado enquanto que o segundo remete para tarefas pesadas e
quotidianas. No processo de socialização, a escolha de papéis e a interação com outros
significativos revelam, por parte do sujeito, “passagens constantes” do modelo ideal ao
modelo prático e constituem formas de gerir e de reduzir a dualidade antes referida.
Uma outra forma de gerir esta dualidade acontece quando o indivíduo forma um
determinado “grupo de referência” ao qual se identifica; a existência deste grupo
representa, por um lado, um processo de antecipação das posições que deseja assumir na
profissão e, por outro, uma forma de legitimar as suas capacidades.
- a ”conversão última” consiste no ajustamento por parte do sujeito, da sua
identidade em construção com as hipóteses efetivas de carreira, o que sucede quando
abandona e recusa os estereótipos da profissão e a dualidade entre modelos, antes
referidos. Identificar possibilidades de progressão profissional, escolher grupos de
referência e outros significativos são, em última análise, alguns dos determinantes da
carreira profissional posterior.
Por sua vez, Lortie (1975), nos estudos que efetuou junto de estudantes de direito,
também verificou uma substituição gradual de imagens estereotipadas por perceções
diferentes, complexas e ambíguas da profissão. As opiniões comuns dos jovens juristas
sublinhavam a má preparação dos cursos de formação, a maior importância, para o
exercício da profissão, da prática e das capacidades sociais e, por último, a constatação
de que as mudanças significativas na personalidade estão associadas ao início da
atividade profissional.
No entender de Dubar (1997), a identidade profissional define-se na intersecção
das seguintes dimensões: a trajetória sócio – profissional, a relação com a formação e a
forma como o sujeito aprende o trabalho que faz.
Assim, a construção da identidade profissional pressupõe uma transação subjetiva
que permite ao sujeito a auto -confirmação regular do domínio progressivo de uma
especialidade, mas pressupõe também confirmações objetivas de uma comunidade
profissional.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 36
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
1.2.1 Socialização profissional dos professores: paradigmas e modelos.
Numa definição de carácter geral, Merton, Reader, & Kendall (1957: 287)7
definem socialização como “o processo pelo qual os indivíduos adquirem seletivamente
os valores e atitudes, os interesses, as habilidades e o conhecimento - em síntese a
cultura dominante dos grupos a que pertencem ou onde pretendem ser membros”.
Nesse sentido, a investigação sobre a socialização dos professores constitui,
segundo Danziger (1971), citado por Zeichner & Gore, (1990) uma área de estudo que
procura compreender o processo pelo qual um indivíduo se torna membro participante
na sociedade dos professores.
Zeichner & Gore (1990) analisaram os estudos realizados a partir dos anos setenta
do século passado e consideram que existem três tradições/paradigmas distintos, a
saber: funcionalista, interpretativo e crítico.
Tendo como referência de base os pressupostos do positivismo sociológico (
Durkheim, 1938), o paradigma funcionalista procura fornecer explicações positivistas,
deterministas e nomotéticas para os fenómenos, entendendo assim possível uma
investigação capaz de produzir um conhecimento objetivo, explicativo e preditivo.
É no âmbito deste paradigma que os primeiros estudos sobre a socialização
profissional se realizaram, tendo em conta outras profissões, nomeadamente a medicina,
e centrando-se nos períodos de formação; é disso exemplo, o estudo de Merton, Reader
e Kendall (1957) baseado no relato do processo de socialização de um estudante de
medicina, ou seja na forma como a faculdade transmitiu ao aluno os conhecimentos e
habilidades necessários e fundamentais para o exercício da profissão (Zeichner & Gore,
1990).
Quanto à socialização profissional dos professores, vários autores (Lacey,1986;
Zeichner & Gore, 1990; Richardson e Placier,2001) referem como pioneiros os estudos
realizados por Waller8e por Lortie
9.
Aplicando uma teoria social funcionalista e teorias psicológicas, Waller (1961),
citado por Richardson e Placier (2001) procurou perceber o que é que o ensino faz aos
professores. Concluiu que mesmo quando os professores escolhiam o ensino porque
7 Trata-se da obra The Student Physician. Cambridge, MA: Harvard University Press, referenciada em diversos
estudos sobre a socialização profissional dos professores, nomeadamente nos estudos de Lacey (1986) e nas revisões
sobre a investigação produzida neste domínio realizadas por Zeichner e Gore (1990) e por Staton e Hunt (1992). 8 Waller, W. (1961). The sociology of teaching. New York: Russell & Russell. Cit in: Richardson e Placier, 2001. 9 Lortie, D.C. (1975). Schoolteacher: A Sociological Study. Chicago: University of Chicago Press.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 37
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
achavam que iam conseguir, mesmo quando realizavam cursos de formação, muitos
tinham grandes dificuldades em se adaptar ao seu papel docente.
No entender deste autor, a escola enquanto organização molda os professores de
forma a produzir traços como inflexibilidade, formalidade, inibição, e paciência
“porque esses traços têm valor para a sobrevivência nas escolas de hoje. Se uma
pessoa não as tem quando inicia a formação, tem de as desenvolver, ou então morre de
morte académica”(Waller,1961, p. 382, op cit, p. 923).
Na mesma linha de ideias, Lortie (1975) entende que a escola enquanto
organização molda o prático e conclui que após uma “aprendizagem por observação”
na qual os sujeitos internalizam as práticas dos seus próprios professores, após uma
fraca preparação formal, e uma mini - aprendizagem que reforça formas tradicionais de
ensino, os novos professores são lançados para as salas de aula onde irão ter as mesmas
responsabilidades que os professores com mais anos de serviço. Este autor sublinha o
isolamento diário que caracteriza o trabalho do professor com os seus alunos e a elevada
ansiedade que experimenta perante os problemas que não pode antecipar e que surgem
inevitavelmente; assinala ainda o facto da resolução desses problemas não envolver a
eventual ajuda dos pares, uma vez que não existe uma cultura profissional e um
consenso sobre “o que deve ser feito nestes casos”, como acontece noutras profissões.
Lortie (1975) conclui que a socialização no ensino é amplamente auto -
socialização e, nessa medida, os professores socializam-se a si próprios para reproduzir
formas semelhantes de ensino. Numa postura crítica, atribui esta forma de socialização à
aprendizagem por observação, à história do ensino como ocupação que atrai pessoas
conservadoras, e à estrutura e cultura escolares.
Importa sublinhar que subjaz ao paradigma funcionalista uma visão estática da
sociedade à qual o indivíduo se adapta e, nessa medida, a socialização profissional
envolve a adaptação passiva do indivíduo a essa sociedade; no caso dos professores, e
como assinala Lacey (1986:635), trata-se de, e citamos: “encher um copo vazio, através
do qual o neófito adquire os valores e skills necessários para se tornar membro da
profissão”.
Neste cenário, a socialização pode ser definida como o processo através do qual o
professor integra a cultura profissional dominante. Assim sendo, como Carvalho (1996)
sublinha, neste paradigma a socialização dos professores é perspetivada como um
processo mediante o qual um indivíduo se torna membro da sociedade dos professores,
através da interiorização de uma cultura, comum ao grupo ocupacional, caracterizada
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 38
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
por um conjunto de valores, atitudes, interesses, conhecimentos e habilidades. Este
autor assinala a prevalência da interiorização das normas sociais e da representação da
realidade social com base numa análise de tendência central (o que significa que se
considera como não problemática a aquisição da cultura e do sistema de valores
dominante).
A socialização é assim entendida como um processo que produz continuidade, não
se enfatizando a natureza complexa e contraditória da intervenção do sujeito. Assume-se
que o indivíduo se modifica de forma a desempenhar os papéis determinados pela
estrutura social e considera-se que a aquisição da cultura e do sistema de valores
dominante não é de todo problemática e conflitual.
Numa postura crítica, Lacey (1986) sublinha a precariedade dos fundamentos
teóricos do paradigma funcionalista, ou seja, a ideia de que é possível identificar e
reconhecer boas práticas e bons professores, bem como a existência de consenso quanto
aos papéis que devem desempenhar na escola, e refere as implicações negativas
daqueles pressupostos no tipo de estudos realizados. A procura de consenso quanto ao
papel do professor e, posteriormente, a utilização de testes que permitam selecionar os
sujeitos que melhor possam adquirir o papel prescrito revelou-se, em termos de
investigação, tarefa difícil e inadequada dada a complexidade e singularidade da
profissão docente e dada a natureza idiossincrática do processo de socialização
profissional.
E, neste cenário, a autora refere um conjunto de dimensões reveladoras de uma
profissão dividida, a saber: as disciplinas, a formação, o estatuto e função das
instituições onde os professores exercem funções, a origem social dos mesmos e o
desacordo relativamente às finalidades e objetivos da educação.
Na mesma ordem de ideias, Zeichner e Gore (1990) assumem uma postura crítica
dos estudos de carácter funcionalista, nos quais os professores, ora prisioneiros do seu
passado ora prisioneiros do presente, são perspetivados como sujeitos passivos; neste
cenário, as experiências da infância (socialização antecipatória) e as pressões atuais do
local de trabalho constituem elementos determinantes da socialização profissional. Ora,
para estes autores, a socialização profissional do professor envolve um processo
constante de inter-relação entre o assumir de opções e escolhas individuais e o aceitar de
regras e constrangimentos inerentes à organização escolar.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 39
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
É neste contexto que podemos situar o contributo do paradigma interpretativo10
,
no qual se valoriza a dimensão subjetiva do conhecimento, uma vez que se pretende
compreender a natureza fundamental do mundo social com base na experiência dos
indivíduos.
No âmbito deste paradigma, Zeichner & Gore (1990) fazem referência aos estudos
desenvolvidos por Becker, Geer, Hughes e Strauss (1961) 11
que procuraram
compreender as experiências dos alunos enquanto estudantes de medicina e aos estudos
de Lacey (1977) sobre a socialização precoce dos professores - alunos; em ambos se
valoriza a ação do sujeito e a capacidade de se transformar perante as exigências do
meio social, o que significa, em última análise, que se perspetiva a socialização como
um processo complexo, onde a ação autónoma do sujeito possibilita a escolha individual
e a mudança social.
Com efeito, para Lacey (1986, p. 634), a socialização profissional de professores
constitui um processo de mudança através do qual os indivíduos se tornam membros da
profissão e assumem progressivamente e com maturidade os papéis de professor. Nessa
medida, com base nos resultados do estudo que realizou com alunos/futuros professores,
sugere que a adaptação à profissão envolve os seguintes mecanismos/respostas: a
adaptação internalizada, a submissão estratégica e a redefinição estratégica.
Na adaptação internalizada, o indivíduo cede e concorda com as pressões e
constrangimentos, acreditando que contribuem para a obtenção de melhores resultados;
já na submissão estratégica o indivíduo submete-se, embora com reservas, às exigências
da situação, revelando assim uma resposta utilitária face às pressões do meio; por
último, a redefinição estratégica acontece perante situações que são contrárias aos
interesses e expectativas do futuro professor, mas face às quais procura desencadear
mudanças, introduzindo novos valores, novos conhecimentos e novas soluções para os
problemas (Lacey,1986).
Resulta assim evidente que nos estudos desta autora o indivíduo é perspetivado
como agente ativo e autónomo, capaz de desencadear mudanças sociais decorrentes das
escolhas e das estratégias usadas no processo de socialização. Nessa medida,
demonstra-se que, apesar da existência de constrangimentos estruturais ou
10 Fundamentando-se na tradição idealista do pensamento alemão (Dilthey, 1976; Husserl, 1929; Kant, 1876; Schutz,
1967; Weber, 1947), no âmbito deste paradigma interpretativo desenvolveram-se várias escolas, a saber: a
hermenêutica (Dilthey, 1976; Gadamer, 1975), a fenomenologia (Husserl, 1929; Sartre, 1948; Schutz, 1967), e a
etnometodologia (Garfinkel, 1967). 11 Estudos considerados por Zeickner e Gore (1990) como: nominalistas, antipositivistas, voluntaristas e ideográficos.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 40
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
institucionais, o estudo da socialização dos professores deve partir da análise dos
significados subjetivos dos participantes. Assim sendo, a negociação efetuada entre o
indivíduo e o contexto em que se insere, bem como a atribuição de um significado
especial à experiência subjetiva de cada pessoa constituem dimensões relevantes neste
paradigma interpretativo e possibilitam uma visão mais complexa e problemática do
processo socializador (Flores, 1999).
Segundo alguns autores (Zeichner & Gore,1990; Carvalho, 1996; Flores,1999) a
partir dos estudos de Lacey e decorrente da influência de perspetivas interpretativas na
investigação educacional, os estudos sobre a socialização dos professores têm vindo a
enfatizar a natureza interativa do processo, uma vez que aprender a ser professor
envolve uma constante inter-relação entre escolha e constrangimento. Como sublinha
Carvalho (1996) no paradigma interpretativo entende-se que a cultura dos professores é
naturalmente heterogénea, dadas as diferenças existentes nas matérias que ensinam, no
estatuto e funções que exercem nas escolas, na formação e origem social, no género e,
por fim nas opções pedagógicas que determinam a intervenção.
Por último, no paradigma crítico12
o processo de socialização é perspetivado como
contraditório e dialético, coletivo e individual, situando-se no contexto das instituições,
da sociedade, da cultura e da história. As pessoas são consideradas simultaneamente
produtos e criadores das situações sociais em que vivem e, nessa medida, valoriza-se a
capacidade de criticar os dados adquiridos sobre a vida quotidiana. A preocupação
central é a transformação social de forma a aumentar a justiça, a igualdade, a liberdade e
a dignidade humana.
Neste cenário, e tendo como referência a conceção de socialização proposta por
Nóvoa (1987), na qual esta surge associada ao processo socio-histórico de
profissionalização da profissão, Carvalho (1996, p. 15) sublinha por um lado, a força
socializadora da estrutura escolar sobre a cultura dos professores e, por outro, a
intervenção destes na sua construção. Resulta assim evidente a preocupação deste autor
em assinalar o papel ativo e criativo dos professores durante o processo de socialização,
entendendo que apesar do carácter paradoxal dos fenómenos de escolarização e da
ocupação docente, existem “espaços para a reapropriação” e para “a resistência por
parte dos professores”.
12 As escolas de pensamento em que o paradigma crítico se fundamenta derivam do marxismo e da Escola de
Frankfurt. Duas abordagens principais podem ser identificadas neste paradigma: uma que enfatiza a reprodução (
Althusser, 1971; Bernstein, 1979; Bourdieu, 1977; Bowles e Gintis, 1976) e outra a produção (por exemplo, Giroux,
1981, 1983; Willis, 1977) In: Zeichner & Gore (1990).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 41
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Segundo Zeichner & Gore (1990), embora a investigação desenvolvida no âmbito
do paradigma crítico seja escassa, ela deve ser participativa e colaborativa, de forma a
reparar as desiguais relações de poder entre investigadores e investigados. Estes autores
consideram limitadas as perspetivas sobre a socialização decorrentes dos estudos
funcionalistas e dos estudos interpretativos e defendem um paradigma crítico que,
contrariamente aos outros, seja capaz de desafiar o” status quo”.
Nas últimas décadas realizaram-se várias revisões da investigação produzida sobre
a socialização, entre elas são de assinalar a de Zeichner e Gore (1990) que temos vindo
a referenciar, e a de Staton e Hunt (1992). Na primeira, como já referimos, sugere-se o
desenvolvimento no futuro de estudos que se enquadrem no paradigma crítico; na
segunda, os autores também têm uma postura crítica em relação ao paradigma
funcionalista, mas preconizam um paradigma interpretativo, no qual a biografia do
professor atua como um filtro na análise e interpretação das experiências afetivas do
professor, do seu comportamento e das mudanças cognitivas que decorrem das
interações com os agentes de socialização ao longo do tempo. (Richardson e Placier,
2001).
De facto, no modelo proposto por Staton e Hunt (1992) que transcrevemos
seguidamente na figura nº1, torna-se evidente a importância da biografia, das
experiências decorrentes da formação e do exercício profissional no processo de
socialização do professor.
Figura 1. Modelo de socialização do professor, baseado em Staton e Hunt (1992).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 42
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Segundo as autoras deste modelo, o processo de socialização envolve uma procura
de significados partilhados, ou seja, uma comunicação constante entre os agentes de
socialização dos diversos contextos e o professor de forma a este poder, por um lado,
conhecer as expectativas que outros têm sobre si e, por outro, revelar as suas próprias
expectativas, de modo a desempenhar papéis e comportamentos adequados.
Uma vez que nesta perspetiva se valoriza a comunicação, a investigação deverá
centrar-se nas formas de construção de significados partilhados entre professores e
agentes de socialização, e considerar que a influência de uns e de outros é recíproca
(Staton e Hunt, 1992). As autoras do modelo em análise procuram assim dar resposta à
necessidade, antes evidenciada por Zeichner e Gore (1990), de estudos que procurem
compreender de que modo os professores são influenciados, e por sua vez influenciam
as estruturas onde se socializam.
A influência e a importância atribuída à biografia e ao percurso posterior do
professor na socialização profissional são referidas por outros autores (Tardif e Lessard,
1999 e Blin, 1997). De facto, para Tardif e Lessard, (1999, p. 376), a socialização
profissional envolve um processo contínuo, um processo de formação do individuo que
se desenvolve durante toda a sua história de vida; este processo apoia-se nas
socializações anteriores à entrada para o ensino, realiza-se através de momentos e de
lugares instituídos (por exemplo a formação inicial), continua a desenvolver-se através
das múltiplas experiências e relações de trabalho ao longo da carreira, envolvendo,
portanto, ruturas e continuidades.
Também Blin (1997, p. 199) considera que a socialização profissional dos
professores começa na infância, sublinhando que alguns professores podem constituir
modelos de referência que influenciam e que marcam a prática profissional atual e os
valores que lhe subjazem.
1.2.2 Etapas e fatores na socialização profissional dos professores.
Lortie (1975) identificou três etapas fundamentais na socialização dos
professores: a primeira é fruto da longa experiência do sujeito enquanto aluno, durante a
qual observou diferentes professores; a segunda refere-se ao período de formação
propriamente dito; a terceira e última diz respeito ao período de indução, ou seja, aos
primeiros anos de profissão, durante os quais o professor assume a atividade docente e
as funções que lhe são inerentes.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 43
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Por sua vez, ainda no decorrer da formação13
Lacey (1986, p. 642) refere a
existência de quatro estádios, que se apresentam no quadro nº4.
Quadro 3 - Estádios na socialização do professor durante o ano probatório segundo
Lacey (1986)
Estádios Características
“Lua de mel”
A “euforia de ser professor”;
O prazer de realizar experiências, enquanto professor, e o
prazer de deixar de ser aluno.
“Procura de
materiais e de
estratégias”
Procura de formas de resolução de situações problema da sala
de aula; Procura de materiais, procura de outras formas de
ensinar.
“Crise” Dificuldade em manter a disciplina na sala de aula;
Aumento de problemas; Ineficácia da procura de materiais.14
“Aprendizagem da
confiança ou do
insucesso”
Sentimento de estar bem no papel de professor;
Assumpção positiva das mudanças efetuadas, porque
necessárias; ou
Sentimento de estar mal/desconforto no papel de professor;
Carreira posterior em risco.
A necessidade de estudar o processo de socialização em fases diferentes da
carreira docente é sublinhada por Lacey (1986), bem como a importância de considerar
os professores como agentes ativos da mudança social, contribuindo assim para o
desenvolvimento da escola e de si próprios enquanto profissionais.
Por outro lado, os estudos realizados por Hall, Johnson, e Bowman (1995) sobre a
socialização desde e formação inicial até ao 1º ano de ensino, permitiram a construção
de um modelo longitudinal que retoma temas dos estudos clássicos de Waller (1961) e
de Lortie (1975) e que possibilitam a compreensão do processo e das etapas que
caracterizam a socialização do professor no início da sua carreira. Assim, no primeiro
ano de ensino, podem verificar-se os seguintes comportamentos nos novos professores:
1) reconhecimento das realidades organizacionais do seu trabalho: isolamento,
ausência de dúvidas sobre o ensino, trabalhar apesar da doença física, e negociação dos
contratos;
13 No ano probatório os futuros professores vivenciam experiências de prática pedagógica em escolas. 14 Como assinala Lacey (1986) a “crise” não é vivida da mesma forma pelos futuros professores no primeiro ano de
experiência e pode conduzir a sentimentos de culpa, a situações dilemáticas entre formas consideradas adequadas de
gerir o processo de ensino e os comportamentos dos alunos.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 44
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
2) sentimento de confiança em si próprios dependente da forma como são tratados
pelos outros e de acordo com a imagem de professor que desenvolvem;
3) descoberta da dificuldade que experimentam quando trabalham perante alunos
com capacidades e atitudes variáveis. Os professores iniciados neste estudo já
mostravam sintomas de estresse e burnout.
Já no que diz respeito aos momentos nos quais a socialização se processa,
Zeichner e Gore (1990) referem, tal como Lortie, as diferentes fases da carreira, ou seja,
o período que antecede a formação, o período da formação inicial propriamente dita e,
por último, os anos de exercício profissional. A socialização profissional constitui-se
assim como um processo que acompanha todo o percurso e toda a carreira do professor.
Com efeito, ainda antes de iniciar a formação, a experiência prévia que os futuros
professores têm enquanto alunos, ou seja, as ideias, os conhecimentos e as crenças sobre
o ensino que adquiriram durante o seu percurso escolar, constituem fatores que irão
influenciar de forma determinante a sua aprendizagem docente, apresentando portanto
um forte poder socializador (Lortie,1975; Pataniczek & Isaacson,1981; Lindblad &
Pérez,1992, citados por Flores, 1999).
De acordo com Lortie (1975), esta é a influência mais poderosa no processo de
socialização e, nessa medida, não valoriza do mesmo modo as influências posteriores
decorrentes, quer da formação, quer do local de trabalho.
Na mesma ordem de ideias, os autores antes citados referem a grande influência
da aprendizagem decorrente da observação15
que ocorre durante o longo tempo em que
o futuro professor é aluno, e no qual internaliza modelos de ensino. Esta situação
possibilita a aquisição de uma cultura latente que constitui, em última análise, uma
forma de socialização antecipatória que influencia o professor durante a formação e
durante a sua experiência enquanto docente.
Assim, numa perspetiva evolucionista, a socialização é influenciada pela
aprendizagem realizada enquanto aluno, pois as crianças não aprendem só o que os pais
e professores dizem, aprendem também, a ser professores. Já numa perspetiva
psicanalítica, o processo de socialização pode ser influenciado pela qualidade das
relações que o professor desenvolveu durante a infância com adultos significativos;
nesta linha, tornar-se professor é um processo de identificação com esses objetos
15 Esta aprendizagem fornece ao futuro professor modelos positivos e negativos sobre o seu papel e é por aceitação ou
rejeição desses modelos que o professor desenvolve a sua ação.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 45
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
significativos, constituindo assim uma forma de reproduzir relações de infância16
(
Feiman –Nemser, 1983, citado por Zeichner e Gore)).
E, apesar da investigação não ter seguido esta orientação psicanalítica, alguns
estudos17
têm vindo a evidenciar a influência e o efeito das relações de infância e das
identificações com professores durante esse período.
Já quanto ao nível dos fatores prévios à formação, estes autores assinalam a
escassez e a necessidade de se desenvolverem estudos junto de futuros professores que
tenham tido experiências anteriores diferentes (como por exemplo trabalho com
crianças em situações informais) de modo a identificar a influência destas nas conceções
e práticas de ensino, o que nos parece particularmente pertinente no caso da socialização
dos professores de educação especial.
Os primeiros anos de experiência docente, e os sentimentos experimentados nessa
fase, constituem também fatores que influenciam a forma como se processa a
socialização na profissão, verificando-se “começos mais fáceis ou mais difíceis” que
poderão ser determinantes na forma como o professor posteriormente se posiciona face
à profissão (Estrela, 2010, p.23).
Importa notar que, embora este período inicial designado por Veenmam como
“choque com a realidade” (1984, 1988) venha sendo objeto de pesquisa em diversas
investigações realizadas no nosso país (por exemplo, Flores, 2000, Gondar, 2005), não
tem sido estudado face aos professores de educação especial, parecendo-nos portanto
imprescindível a sua concretização, dadas as particularidades e especificidades da
entrada na profissão daqueles docentes.
No que diz respeito à influência da matéria de ensino no processo de socialização
profissional, estes autores, embora refiram alguns estudos18
que demonstram a
influência contínua desta variável nas conceções e comportamentos dos professores,
entendem necessário que outros estudos se desenvolvam.
E, é neste sentido, que os estudos sobre os professores do ensino secundário de
Talbert e McLaughlin (1994) e de Beijaard (1995) constituem contributos significativos.
Os resultados destes estudos mostraram, entre outros aspetos, que o departamento era o
16 O autor citado por Zeichner & Gore (1990) baseia-se nos trabalhos de Wrigth (1959) e Wrigth e Tuska,1967,
1968). 17 Estudos de caso que fornecem evidências sobre a influência e o efeito das relações de infância nos comportamentos
do professor (Knowles, 1988) e Connell (1985) citados por Zeichner e Gore, 1990) 18 Ringstaff e Haymore, 1987; Wilson e Shulman, 1987; Wilson e Wineburg, 1988; Grossman, 1987.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 46
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
contexto mais importante para a cultura técnica, para as expectativas quanto aos
resultados e para o envolvimento profissional daqueles docentes.
Uma outra variável a considerar e referida pelos autores que temos vindo a citar
prende-se com a natureza do compromisso do indivíduo face ao ensino enquanto
carreira. Os estudos de Anderson (1974) e Lacey (1977) revelaram a emergência
durante a socialização antecipatória de dois tipos de compromisso (profissional e
radical) que desencadeiam processos de socialização distintos. No compromisso de
natureza profissional é enquanto professor numa sala de aula que o indivíduo perspetiva
a sua carreira; no compromisso de natureza radical, a defesa de um conjunto de ideais
que podem ser concretizados dentro ou fora da sala de aula, constituem os fatores
determinantes do comprometimento do sujeito com a carreira docente (citados por
Zeichner & Gore, 1990).
Por outro lado, McLaughlin e Yee (1988, citados por Richardson e Placier, 2001))
sublinham a importância das características organizacionais e da cultura da escola na
perspetiva que os professores desenvolvem sobre a carreira e no compromisso
profissional, importância essa para a qual os resultados do nosso estudo apontam. Assim
sendo, e entendendo a carreira como um processo individual e subjetivo, relacionam o
seu sentido com os seguintes fatores da escola: recursos adequados, objetivos comuns,
colegialidade, orientação para a resolução de problemas e investimento em estruturas de
remunerações/recompensas.
Por sua vez, parece também fundamental considerar nos estudos sobre a
socialização dos professores, não apenas as suas características individuais mas também
as características de natureza mais global que lhes conferem especificidades (o género, a
geração a que pertencem, a classe social, a raça, o nível de ensino e os conteúdos
disciplinares que lecionam) (Zeichner & Gore, 1990). E, embora considerando e
referindo alguns estudos que se debruçaram sobre a influência do género19
no processo
de socialização, estes autores sublinham a pertinência de dar mais atenção a esta
variável quando se pretende explicar aquele processo.
Nesta ordem de ideias, alguns autores20
preconizam o desenvolvimento de estudos
de caso de modo a tornar visíveis aspetos da identidade do professor como o género, a
19 Barrows, 1978; Freedman, Jackson, e Boles, 1986; Goodman,1988; McCarthy, 1986; citados por Zeichner & Gore,
1990. 20 .Bullough 1989; Goodson,1992; Kuzmic (1994); citados por: Richardson e Placier (2001) p 925.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 47
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
raça, a classe, e a geração, mostrando assim como interagem com dimensões da escola
na socialização.
No que diz respeito à formação, os autores que temos vindo a seguir referem: a
educação geral e académica adquirida antes do curso de formação de professores; os
cursos e métodos desenvolvidos pela instituição responsável pela formação; as
experiências práticas (estágios) realizadas nas salas de aula das escolas; e, finalmente, a
participação na vida académica da instituição de formação em causa. Os efeitos dos
cursos universitários no desenvolvimento cognitivo, moral, afetivo e político dos alunos
têm vindo a ser demonstrados em diversos estudos, nos quais se sublinha ainda a sua
natureza idiossincrática.
A variabilidade verificada nas experiências de socialização dos alunos está
também associada às diferenças que decorrem das características particulares das
instituições universitárias. Nessa medida, as características e a qualidade das instituições
responsáveis pela formação de professores constituem variáveis a ter em linha de conta
quando pretendemos avaliar o impacto dos programas nos processos de socialização.
Para além de algumas dimensões sugeridas por certos estudos (frequência da interação
aluno - docente, grau de flexibilidade curricular, qualidade do programa de formação…)
a existência de sub -ambientes em qualquer instituição de formação verificada nos
estudos de Lacey (1978) e a constatação de que as características individuais do
professor (por exemplo o sexo) podem ter efeitos institucionais (Anderson, 1988),
apontam para a necessidade de considerar estes dois aspetos nas investigações sobre a
socialização.
Já quanto à influência da preparação académica prévia, os autores registam a
ausência de dados empíricos neste domínio, sendo evidente a necessidade de
desenvolver estudos que permitam compreender a eventual relação entre a
aprendizagem académica de determinadas disciplinas e a eficácia docente (Ashton
e Crocker, 1987, citados por Zeichner e Gore,1990).
Acresce que, relativamente ao efeito dos cursos de formação de professores,
alguns estudos21
apontam para o escasso impacto, nos valores, nas crenças e nas atitudes
que os alunos trazem para a formação, servindo antes para confirmar e reforçar essas
predisposições iniciais. Esta ideia tem vindo a ser reforçada por estudos realizados
21 Britzman, 1986; Bullough, 1989; Connell, 1985; Crow, 1987; Ginsburg e Newman, 1985; Knowles, 1988a; Ross,
1987;citados por Zeickner e Gore,1990.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 48
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
recentemente22
em diferentes contextos, nos quais se sublinha igualmente, a escassa
influência da formação inicial, na compreensão sobre o ensino e na prática dos futuros
professores (Flores, 2004).
A este respeito, Zeichner e Gore (1990) sustentam uma posição mais cautelosa e,
nessa medida, sugerem a necessidade de ter em linha de conta a natureza e o conteúdo
do curso de formação, bem como as conceções e predisposições prévias que os alunos
trazem. Com efeito, outros estudos têm revelado que os futuros professores atribuem
valor e influência aos cursos de formação que frequentam, que determinadas estratégias
de formação são mais eficazes que outras e, por último, que o currículo oculto dos
cursos constitui o cerne da socialização, tendo impacto nas crenças e conceções sobre o
ensino (Grossman e Richert, 1988; Ginburg e Clift, 1990)23
.
Segundo os autores antes citados, é através do currículo oculto que se transmitem
aos futuros professores conceções sobre o seu papel no desenvolvimento do currículo,
sobre a teoria e prática de ensino e sobre o papel da escola na sociedade atual. Mas, não
deixam de chamar a atenção para o facto de poderem existir conceções contraditórias
nos responsáveis pela formação, e face às quais os futuros professores poderão reagir de
forma diversa. Nessa medida, e na linha de Zeichner e Gore (1990), entendem que
quando se pretende equacionar o programa de formação como fator de socialização é
fundamental considerar, não só a estrutura e natureza do curso, mas também as
características e as respostas individuais dos alunos. Relativamente ao papel das
experiências da componente prática do curso de formação, os estudos apontam para o
fraco e ambíguo impacto daquelas na socialização, não havendo consenso quanto ao
papel que desempenham na aprendizagem do professor.
No entender de Calderhead e Robson (1991), as circunstâncias individuais das
escolas influenciam as experiências dos alunos em formação, bem como as ideias que
desenvolvem e/ou confirmam sobre a natureza do ensino; no entanto, os estudos
realizados não consideraram a qualidade das experiências práticas, nem identificaram as
características particulares das escolas cooperantes, justificando-se assim os diferentes
resultados verificados nos alunos em termos de socialização.
E uma vez que, as experiências na prática têm efeitos diferentes nos futuros
professores, Zeichner e Gore (1990) entendem necessário realizar estudos que
22 San,1999; Hauge,2000; Hobson e Tomlinson,2001; Braga,2001; citados por Flores, 2004, p. 61. 23 No âmbito do impacto do currículo oculto são referidos ainda por Zeichner e Gore (1990) os estudos dos seguintes
autores: Bartholomew (1976); Dale (1977); Giroux (1980); Popkewitz (1985) e Ginsburg (1988).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 49
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
considerem o complexo conjunto de interações existentes entre locais para aprender a
ensinar (programas, escolas, salas de aula) e características individuais dos alunos.
Continuando a análise da investigação produzida, os autores que temos vindo a
seguir referem estudos que constataram as consequências de frequentar a universidade
no desenvolvimento cognitivo, moral, afetivo e político dos alunos; no entanto, não
deixam mais uma vez de sublinhar o escasso conhecimento existente sobre o modo
como diferentes instituições afetam o desenvolvimento dos alunos, particularmente o
desenvolvimento dos futuros professores, e de sugerir a realização de trabalhos neste
domínio.
Quanto ao papel do local de trabalho na socialização dos professores, tendo como
referência o contributo de Pollard’s (1982),24
importa considerar a influência dos alunos
e da ecologia da sala de aula, aspeto em que Waller (1961) foi pioneiro, considerando
muito significativa a sua influência enquanto agentes de socialização, devido ao conflito
fundamental que existe entre o código moral da sociedade adulta e a cultura jovem. No
seu entender, bons professores aprendem a manter o controlo enquanto deixam os
alunos perceber o sentido humano da sua ação.
A grande influência dos alunos na socialização do professor tem sido sublinhada
em diversos estudos, referindo-se os efeitos verificados na abordagem geral do ensino,
no tipo de linguagem que usa na sala de aula, no tipo e frequência com que utiliza
determinados métodos e no facto daquela influência aumentar em função da maior
experiência do professor e da sua maior preocupação com os alunos (Doyle, 1979;
Blase, 1991).
A ideia de que os agentes de socialização mais importantes são os alunos parece
ser consensual25
uma vez que a maior dificuldade dos professores é lidar com a
complexidade e diversidade dos mesmos. Nessa medida, professores e alunos
envolvem-se num processo mútuo de socialização que modifica as abordagens do
professor, a forma como usa a linguagem, as expectativas e os métodos de ensino, sendo
esta dimensão particularmente importante para o presente estudo, dadas as
particularidade dos alunos.
24 No entender de Pollard’s (1982, citado por Zeichner e Gore, 1990) os professores respondem de forma ativa e
criativa aos constrangimentos, oportunidades e dilemas que a sala de aula e a escola lhes colocam, sendo portanto,
através destes dois contextos imediatos que outros contextos mais latos, tais como, a comunidade, a sociedade e o
estado, têm impacto nos professores. 25 Waller,(1961); Lortie(1975); Zeickner e Gore(1990); Blase (1991); Staton e Hunt(1992); Richardson e Placier
(2001).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 50
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
De facto, tendo como base os estudos desenvolvidos sobre a sala de aula e sobre a
socialização do professor26
, atualmente não se questiona a natureza recíproca da
influência na sala de aula, constatando-se assim que as perceções do professor sobre as
características dos alunos, as suas expectativas e comportamentos influenciam o seu
desenvolvimento profissional.
Nesta ordem de ideias, vários estudos27
referem que as condições materiais e a
organização social da sala de aula (por exemplo o ratio professor - aluno, a falta de
tempo e a falta de recursos) constituem fatores que condicionam, quer de forma
negativa, quer positivamente a ação/trabalho docente. Assim sendo, apesar das
condições da sala de aula poderem limitar algumas escolhas e comportamentos do
professor, constituem simultaneamente fatores que influenciam de forma positiva o
processo de tomada de decisão sobre a escolha e adequação das estratégias e métodos de
ensino (Hargreaves,1988, citado por Zeichner e Gore, 1990).
Mas, como é sabido, as condições materiais e organizacionais da sala de aula
dependem de decisões que lhe são externas e que decorrem da política educativa
preconizada. Nessa medida, a análise do seu impacto no processo de socialização do
professor deverá considerar também a natureza daquelas decisões. Neste cenário,
reveste-se de particular relevo a influência que a escola exerce, enquanto organização e
enquanto local de trabalho no referido processo. Segundo alguns estudos, as
características da escola enquanto instituição (formas de organização dos espaços,
ambiente entre colegas, relações de autoridade, horários, nomeação de professores,
papéis atribuídos/pedidos) são determinantes na socialização do professor,
influenciando as suas perspetivas sobre o ensino28
e o tipo de trabalho que desenvolve29
.
Richardson e Placier (2001) referem que os colegas têm um papel importante na
socialização, devido fundamentalmente ao suporte que proporcionam. De facto, os
colegas podem constituir uma fonte importante na socialização sobretudo quando têm
uma visão positiva e elevada de escola e quando intencionalmente querem partilhar essa
visão com os novos professores, o que acontece sobretudo em escolas onde existe um
grande consenso relativamente a objetivos e valores (Staessens & Vandenberghe, 1994,
26 Grant e Sleeter,1985; Hammersley,1977a, 1977b; Jordel,1987; Metz,1988; Tabachnick e Zeichner,1985, citado por
Zeichner e Gore, 1990) 27 Zeichner e Gore (1990) citam os estudos dos seguintes autores: Dreeben (1973), Westbury (1973), Sharp e Green
(1975), Dale (1977), Doyle, 1977, Denscombe (1980,1982) e Connell (1985). 28 Fenstermacher( 1980) citado por Zeichner e Gore, 1990. 29 Dreeben (1973), Larkin (1973) e Gitlin(1983), cit in: Zeichner e Gore, 1990.29Estudos de Hall, Johnson e Bowman
(1995, citado por Richardson e Placier (2001).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 51
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
op cit, 2001). Quando não existe esta intencionalidade, os professores em início de
carreira ficam entregues aos seus próprios projetos, o que pode conduzir ao
desenvolvimento de uma cultura individualista, ao sentimento de isolamento e a um
investimento centrado apenas na sala de aula e não na comunidade escolar no seu todo.
É com base nesta ideia que podemos perceber o contributo de Cole (1991)30
; este
autor sublinha que uma liderança colegial positiva, o trabalho em equipa e o espírito de
escola, constituem ingredientes necessários e fundamentais para o desenvolvimento de
processos de socialização não traumáticos; na sua perspetiva, estes aspetos permitem ao
professor desenvolver sentimentos de pertença e experimentar a segurança e o apoio
necessários para arriscar e para aprender, possibilitando-se assim a vivência de
processos de socialização profissional gratificantes e positivos.
A influência da cultura escolar constitui assim uma dimensão relevante já que
evidencia a necessidade de ter em conta o contexto, assinalando assim a natureza
idiossincrática do processo de socialização profissional. Neste cenário, são de referir os
estudos que sublinham a influência da cultura escolar nas perceções que os professores
do ensino secundário têm sobre os alunos e nas práticas que desenvolvem. De facto,
para McLaughlin (1993, citado por Richardson e Placier, 2001, p. 927), só uma escola
que valoriza e encoraja a resposta às diferenças individuais, a resolução conjunta de
problemas e o apoio aos docentes através de um crescimento colegial profissional, pode
favorecer o desenvolvimento nos professores de expetativas positivas face aos alunos e
de práticas pedagógicas eficazes.
Também a perceção que os professores têm sobre os efeitos das suas práticas nos
alunos pode relacionar-se com a cultura da escola; Rosenholtz (1989, op cit p.927),31
nos estudos que realizou constata uma maior incerteza nos professores que lecionavam
em escolas com culturas baseadas na rotina técnica, onde não se privilegia a
colaboração entre docentes, onde existe pouco envolvimento dos pais, relações mais
punitivas com os alunos, atribuição dos problemas à família, e uma grande crença de
que o potencial de aprendizagem dos alunos é fixo. Em culturas de escola com
30 Neste estudo Cole (1991), analisou os processos de socialização de professores do ensino primário no início da
sua carreira (citado por Richardson e Placier, 2001). 31 De acordo com Rosenholtz (1989) nas escolas primárias, o isolamento afeta negativamente a aprendizagem do
professor e o seu desenvolvimento, uma vez que, professores isolados tornam-se territoriais e não querem admitir os
seus falhanços. Ao contrário, em escolas colaborativas, os professores partilham e resolvem problemas, o que lhes
permite ter mais certezas sobre os efeitos das suas práticas.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 52
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
características diferentes, os professores vêm os alunos como capazes e perspetivam-se
como profissionais capazes de fazer a diferença.
Ainda no que diz respeito à influência do contexto local é também necessário
referir o impacto dos pais dos alunos, uma vez que alguns estudos apontam o papel
significativo que têm no processo de socialização. Neste particular, também Metz
(1990), citado por Richardson e Placier (2001, p. 924), refere que os pais influenciam os
professores de forma direta ou indireta, dependendo do contexto sócio -económico e
cultural da comunidade. Já para Zeichner e Gore (1990), embora os professores não se
conformem de forma passiva face às pressões dos pais, têm que as ter em linha de conta
quando trabalham. Assim sendo, e uma vez que as escolas se situam em diferentes
contextos sociais que determinam situações e condições de trabalho diversas, é
compreensível a variabilidade verificada na socialização profissional.
Importa também apontar o papel dos diretores de escola no processo de
socialização dos professores, uma vez que, estudos recentes evidenciam claramente a
relação entre o comportamento de uns e de outros, a qual pode ser facilitadora ou não
daquele processo32
. Com efeito, nos seus primeiros estudos Blase (1991) constata a
influência negativa de determinados comportamentos dos diretores. Ser um diretor
inacessível, autoritário, não proporcionar apoio aos colegas, não delegar funções,
favorecer uns em detrimento de outros, constituem alguns dos comportamentos
referidos como tendo consequências negativas nos professores, nomeadamente
contribuindo para o desenvolvimento de estratégias de sobrevivência, nas quais é
evidente o reduzido envolvimento com a escola, a menor auto -estima, e a diminuição
quer da confiança quer do desejo de aperfeiçoamento profissional. Por sua vez, e ainda
com base nas opiniões dos professores, o autor assinala que estratégias políticas
unilaterais manipuladoras e sem margem para a negociação, por parte do diretor, afetam
negativamente o ensino, o envolvimento, a moral e a relação dos professores entre si.
Em estudos posteriores (Blase e Blase, 1994), assinala-se ainda a relação entre o
comportamento do diretor e das suas estratégias de liderança e o comportamento do
professor e a sua eficácia docente: a visibilidade, o envolvimento nas decisões e o
fornecer de sugestões surgem assim associadas a uma maior reflexão e a um
pensamento complexo por parte do professor.
32 Blase, 1987; 1990; 1993; Blase e Blase, 1994, citados por Richardson e Placier, 2001).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 53
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Esta relação é também sustentada por Crone & Teddlie (1995) quando referem
que existem diferenças na socialização do professor e que estas decorrem
fundamentalmente do papel desempenhado pelos diretores das escolas e pelos colegas.
Assim sendo, os frequentes contactos de suporte com os diretores, a ajuda informal dos
colegas e a aprendizagem realizada em conjunto constituem aspetos associados a
escolas consideradas eficazes e facilitadoras dos processos de socialização.
Por último, importa referir a estrutura hierárquica das escolas e as formas
possíveis de desenvolvimento da carreira dos professores, uma vez que constituem
também fatores que, a longo termo, influenciam a sua socialização profissional
(Lacey,1986).
Com efeito, estudos realizados sobre as fontes de satisfação/ insatisfação
profissional dos professores e a sua relação com o desenvolvimento da carreira referidos
por Richardson e Placier (2001) sugerem que a frustração e insatisfação são as razões
primeiras e mais comuns para considerar deixar a profissão, sendo os salários a segunda
razão. A frustração e a insatisfação surgem associadas a escolas com determinadas
características em termos estruturais (grande dimensão, recursos limitados) e culturais
(escasso interesse dos pais, fraca administração, excesso de burocracia). A este respeito,
refira-se o estudo33
, no qual “a repressão administrativa” do sistema escolar era a causa
da maior insatisfação dos professores e a razão para o abandono da carreira; já os alunos
constituíam a razão primeira para continuar no ensino, dada a defesa por parte dos
docentes do valor de cuidar (Cassey, 1992, op cit. p. 928); por sua vez, a satisfação
profissional surge associada, a uma adequada liderança por parte dos diretores, a
comportamentos positivos de supervisão34
, à coesão entre os professores, e ao clima de
partilha na resolução de problemas e na tomada de decisões.
Nesta linha se situam também os resultados do estudo de Louis (1992, op cit p.
928) sobre as variáveis que permitem definir a “ qualidade de vida no trabalho” e que
estão associadas ao envolvimento e entusiasmo do professor na profissão, a saber:
respeito, oportunidades significativas para usar skills e para aprender outros,
colaboração, liderança do diretor, e a ideia de cuidar enquanto tema principal da escola.
Parece pois possível concluir que, no caso dos professores, o processo de
socialização profissional é profundamente idiossincrático, uma vez que reflete não
33 O estudo em causa baseou-se em histórias de vida de professores que abandonaram o ensino. 34 A este respeito são de referir também os estudos de Conley, Bacharach, e Bauer (1989, citado por Richardson e
Placier, 2001, p. 928) sobre os factores de insatisfação com a carreira.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 54
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
apenas as diferenças biográficas e as distintas conceções de ensino, mas também a
natureza dos diferentes contextos (Bullough et al., 1992) onde se exerce a profissão
docente.
1.3 Identidades profissionais dos professores e mudança.
“A identidade é um lugar de lutas e de
conflitos, é um espaço de construção de maneiras de
ser e de estar na profissão.”
Nóvoa, 1992, p.16
Quando procuramos compreender o conceito de identidade profissional dos
professores deparamo-nos com um conjunto diversificado de expressões: identidade
pessoal, identidade social, identidade individual, identidade substantiva, identidade
situada, identidade plural, identidade grupal, identidade cultural, identidade disciplinar,
identidade negociada, identidade estável, identidade instável, identidade reconstruída,
identidade transformada, identidade adiada, identidade apropriada, identidade
atribuída…Enfim… uma panóplia de expressões e de atributos que, num primeiro olhar,
é reveladora da forma como diferentes áreas disciplinares têm vindo a pensar aquele
conceito, sugerindo assim, em nosso entender, a necessidade de perspetivarmos a sua
natureza complexa e paradoxal, o que se pode constatar perante os significados que,
desde logo, lhe são atribuídos35
.
Esta natureza complexa do conceito é sublinhada por Vieira (2009) quando refere
a necessidade de estudar a identidade pessoal tendo como base uma triangulação
disciplinar que envolva a antropologia, a sociologia e a psicologia. Day (2006) assinala
35 Identidade. Qualidade daquilo que é idêntico. O que faz que uma coisa seja a mesma que outra: A identidade de
duas proposições. Qualidade ou estado duma coisa que não se modifica: A identidade da pessoa humana. (…). In:
Lello, J. e Lello,E. (1986). Dicionário Enciclopédico Luso – Brasileiro. Porto: Lello &Irmão.
Identidade. Categoria que expressa a igualdade de um objeto, de um fenómeno consigo mesmo, ou a igualdade de
vários objetos. Dos objetos A e B diz-se que são idênticos no caso e apenas no caso de todas as propriedades (e
relações) que caracterizam A caracterizarem também B e vice-versa. Ora bem: dado que a realidade material muda
incessantemente, não pode haver objetos absolutamente idênticos a si mesmos, nem sequer pelas suas identidades
pessoais básicas. A identidade não é abstrata, mas concreta, ou seja, contém diferenças, contradições internas que são
constantemente superadas no processo de desenvolvimento e que dependem de condições dadas. A própria
identificação dos objetos exige a sua prévia diferenciação; por outro lado, frequentemente há que identificar objetos
diferentes (por exemplo com o fim de estabelecer a sua classificação). Isto significa que a identidade está
indissoluvelmente vinculada à diferença e é relativa. Toda a identidade das coisas é temporal, transitória, enquanto
por seu lado, a sua mudança é absoluta. (…) In: Rosental, M.M. e Iudin, P.F. (1972). Dicionário Filosófico. Lisboa:
Editorial Estampa.
Sentido Etimológico: “Do latim, identitate este conceito remete-nos para o que é idêntico, ou seja para seres ou
objetos perfeitamente semelhantes mas distintos. Daí que, por isso mesmo, represente o que é único e que se
diferencia irredutivelmente dos outros.” In: Ribeiro (2004).Reflexão sobre o conceito de identidade: Fundamentos e
implicações para a pedagogia da infância. Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano 38, nº 1,2,3, p.315-336.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 55
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
também a sua natureza complexa quando refere que, na literatura sobre formação de
professores, os conceitos de identidade e de Eu são frequentemente usados de forma
alternada e quando assinala o fato de estarem na base da investigação desenvolvida em
áreas teóricas diversas como a filosofia, a psicologia, a sociologia e a psicoterapia.
Num segundo olhar, a panóplia de expressões antes referida mostra como a
compreensão sobre este conceito tem vindo a evoluir, podendo ser equacionado com
base em diferentes perspetivas sobre o Eu, sobre a relação do sujeito com o mundo, em
suma, sobre a forma como cada professor constrói a sua identidade.
Efetivamente, o Eu começa por ser perspetivado na sua essência como singular,
unificado e estável, sendo pouco afetado pela biografia ou pelo contexto do indivíduo
(Cooley, 1902, citado por Day et al.,2006, p.602), e, nesse cenário, a construção da
identidade significa a capacidade de um indivíduo criar e definir um sistema de
conceitos, que permanecem constantes ao longo do tempo, que se desenvolvem através
da interpretação subjetiva dos outros, e que são distintos e identificáveis a um indivíduo.
Desta conceção inicial, e tendo como base a relação entre o auto -conhecimento e as
opiniões percebidas dos outros, o autor referido reformula a sua opinião, sugerindo
assim que a formação do Eu constitui parte de um processo reflexivo de aprendizagem,
através do qual valores, atitudes, comportamentos, papéis e identidades se acumulam ao
longo do tempo. Esta ideia de que o Eu pode ser estável, mas que é inevitavelmente
influenciado pela relação que o sujeito estabelece com o outro, surge mais tarde
igualmente sublinhada por Mead (1934, citado por Day et al. 2006), quando assinala
que, embora estável, o Eu pode assumir diferentes abordagens em função das diferentes
experiências sociais. No entender desta autora, o Eu é um conceito intimamente
relacionado com as interações sociais, criado através da linguagem e das experiências e,
nessa medida, faz parte de um processo reflexivo, no qual os indivíduos criam um
“outro generalizado” que, quando integrado, se reflete na atitude que o individuo tem
para consigo mesmo.
Importa notar que, no que diz respeito à identidade profissional dos professores
Ball (1972) sugere a ideia da influência do contexto social, quando diferencia a
identidade “substantiva” da identidade “situada”: a primeira, enquanto apresentação
estável do Eu, é central para a perceção que a pessoa tem sobre si própria; a segunda,
configura uma apresentação maleável do Eu e, assim sendo, muda de acordo com as
características das situações e dos contextos onde o professor se insere (dentro da
escola/ na sala de aula, etc …).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 56
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Esta ideia já havia sido preconizada por Erikson (1972) ao sugerir, como já
referimos, que a identidade nunca está adquirida de uma vez por todas, constituindo
antes um processo contínuo, instável, e, portanto, passível de mudança.
A identidade profissional docente enquanto processo dinâmico envolve as
trajetórias pessoais e sociais de cada profissional e do seu coletivo e, assim sendo,
implica escolhas e ações baseadas nos valores assumidos pelo professor enquanto
indivíduo e pelo grupo profissional a que pertence (Gomes et al.,2009).
1.3.1 O Eu pessoal e o Eu profissional na construção das identidades.
A relação entre o Eu pessoal e o Eu profissional tem vindo a ser assinalada na
literatura sobre formação de professores, nomeadamente, no que diz respeito à
influência das experiências da vida pessoal no desempenho da profissão (Ball &
Goodson, 1992), e à importância do conhecimento do Eu enquanto elemento essencial
na forma de ser professor (Kelchtermans & Vanderberghe,1994).
Compreende-se pois que o modo como os professores constroem as suas
identidades profissionais seja influenciado, como sublinham Day et al. (2006), pela
forma como se sentem em relação a si mesmos e em relação aos alunos.
Para além da relação existente entre o Eu profissional e o Eu pessoal, importa
assinalar a evolução destes dois conceitos ao longo da carreira do professor. Esta
evolução, segundo Kelchtermans (1993, p. 449-450), envolve cinco dimensões que se
relacionam entre si, a saber:
-auto – imagem- a forma como o professor se descreve a si próprio através das
histórias da sua carreira;
-auto – estima – a evolução enquanto docente, definir-se como bom professor e
ser também definido pelos outros como tal;
-motivação para a tarefa – as razões que levam o professor a escolher, a manter-se
envolvido e /ou a abandonar a profissão;
-perceção da tarefa – de que modo os professores definem a sua profissão;
-perspetiva futura - expectativas relativas ao desenvolvimento futuro do seu
trabalho.
No que diz respeito à formação, Kaufman (2001) assinala a necessidade de os
cursos se ocuparem com o ser, ou dito de outra forma, com a pessoa do professor, com a
sua identidade e com o “si mesmo”. Tal implica a valorização do “si mesmo” enquanto
aluno e a (re) construção das aprendizagens realizadas no passado, nas experiências do
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 57
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
presente. É esta reconstrução que possibilita a mudança, garantindo assim a (re)
configuração identitária e a tomada de novas ações ( Pereira e Engers, 2009).
1.3.2 A cultura profissional e as diferentes identidades dos professores.
Definindo identidade profissional como um conjunto “ de elementos particulares
de representações profissionais, especificamente ativado em função da situação de
interação e para responder a uma identificação/diferenciação com grupos sociais e
profissionais”, Blin (1997, p.187) entende que os professores têm uma identidade
específica, que lhes permite reconhecerem-se e serem reconhecidos como tal, numa
base de identificação (ao grupo profissional dos professores) e de diferenciação (com
aqueles que não são professores). Na sua perspetiva, existe um referencial comum a
todos os docentes, a partir do qual cada um constrói um conjunto de representações
profissionais que lhe servem de grelha de leitura e que lhe permitem dar sentido às
atividades e ao contexto onde intervém (Blin 1997, p.54).Trata-se de um referencial que
remete para um determinado contexto social e histórico, sendo por conseguinte,
mutável. Esta ideia de uma cultura profissional comum partilhada e mutável é também
defendida por Tardif e Lessard, (1999, p.41). Estes autores, não deixando de sublinhar a
natureza única da experiência profissional individual referem, e citamos, que: “o vivido
mais íntimo inscreve-se numa cultura profissional partilhada pelo grupo, graças à qual
os seus membros concordam com as significações análogas a situações comuns”.
Neste cenário, os professores enquanto grupo profissional formam uma cultura,
caracterizada por modos de perceber, de pensar e de agir particulares, por normas,
valores e regras próprias, que estão ligadas ao seu objeto de trabalho e à sua prática
profissional. Esta parte comum da identidade profissional supõe uma socialização
específica no grupo dos professores, a qual pode ser considerada como um processo de
identificação que permite a apropriação dos “sistemas de regras e de normas e valores”
e “a aquisição dos saberes específicos e dos papéis” (Cattonar, 2001).
O que está em causa são, em suma, “habitus” particulares, na perspetiva de
Bourdieu (2001), ou seja, esquemas de perceção, de pensamento e de ação, dispositivos
subjetivos próprios aos membros de um mesmo grupo social que partilha as mesmas
condições sociais (objetivas), e que permitem aos indivíduos orientar-se no espaço
social e adotar práticas que estão de acordo com a sua pertença social.
Às diferentes posições no espaço social, correspondem então habitus particulares,
estilos de vida próprios. É neste cenário que podemos compreender os estudos sobre as
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 58
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
identidades dos docentes de diferentes níveis de ensino, onde é evidente a existência de
diversas formas de viver a profissão por parte dos professores do ensino primário (Nias,
1989) e por parte dos professores do ensino secundário (Beijaard,1995).
De facto, segundo Nias (1989), para a construção da identidade dos professores do
ensino primário a relação que desenvolvem com o grupo/turma constitui o elemento
fundamental, contribuindo para o sentimento de pertença e para o investimento que
fazem na vida dos alunos.36
Quanto à identidade dos professores do ensino secundário,
o estudo de Beijaard (1995)37
constitui, como antes referimos, um contributo
fundamental, uma vez que se centra na compreensão de três dimensões importantes: a
disciplina que os professores lecionam, a relação pedagógica que estabelecem com os
alunos e, por último, a conceção que têm sobre o seu papel. No estudo conclui-se que a
identidade dos professores do ensino secundário decorre fundamentalmente das
disciplinas que lecionam, as quais influenciam, de forma evidente e de modo contínuo,
as perceções que têm de si próprios, enquanto docentes. No que diz respeito à relação
com os alunos, os professores concebem-na como fundamental para o seu
desenvolvimento profissional, e perspetivam uma relação pedagógica que envolve
proximidade e distância, de modo a ser possível respeitar e ter em conta os interesses
dos alunos e, simultaneamente, preservar a distância necessária. Nos resultados do seu
estudo, Beijaard constata que o comportamento positivo ou negativo dos alunos tem
efeitos nos professores e que, esses efeitos são mais evidentes, quando o Eu pessoal e o
Eu profissional estão integrados na identidade profissional.
Indo ao encontro das perspetivas de Sikes, o autor sustenta a ideia de que os
professores partilham experiências, perceções, atitudes, satisfações, frustrações e
preocupações semelhantes, quando têm idades semelhantes e são do mesmo sexo, e que
à medida que se vão tornando mais velhos a motivação e o compromisso face à
profissão se alteram de modo previsível.
Por sua vez, e na linha de Nias (1989), sublinha também a influência e a
importância da cultura de escola na construção das identidades dos professores, uma vez
que pode facilitar ou dificultar a satisfação, o compromisso e a motivação face à
profissão. Relativamente à carreira dos professores do ensino secundário, Beijaard
sugeriu que a sua estabilidade está associada a uma boa relação pedagógica com os
36 O estudo desta autora, realizado em Inglaterra, foi pioneiro na procura das dimensões pessoal, profissional,
emocional e organizacional da identidade dos professores do ensino primário. 37 O estudo de Douwe Beijaard envolveu 28 professores do ensino secundário da Holanda.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 59
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
alunos e a um bom funcionamento a nível da instituição escolar; em seu entender,
quando se verificam mudanças numa destas dimensões, o professor pode experimentar
períodos de instabilidade na sua carreira e, consequentemente na sua identidade
profissional. Como assinalam Day et al. (2006), as identidades dos professores, porque
influenciadas pelas experiências externas (políticas educativas), internas
(organizacionais) e pessoais (presente e passado) dos docentes, são naturalmente
instáveis, podendo transformar-se ao longo dos seus percursos profissionais.
Para além disso, estudos desenvolvidos no sentido de compreender a relação entre
a dimensão pessoal e profissional da identidade dos professores assinalam a existência
de “múltiplos Eus” continuadamente reconstruídos ao longo da experiência. Cooper e
Olson, (1996) entendem que “a formação da identidade é um processo constante que
envolve a interpretação e reinterpretação das nossas experiências enquanto as
vivemos”. Nesse sentido, e porque ser professor envolve um processo de
desenvolvimento ao longo do tempo que acontece através da interação com outros, a
formação da identidade do professor está constantemente a ser construída e re –
construída.
Tendo como base narrativas sobre a experiência de professores estagiários, os
autores referidos entendem que ao mesmo tempo que criam o seu mundo, os futuros
professores são moldados por ele, sendo neste processo particularmente significativas as
influências do passado sobre o presente e das emoções. A este respeito assinalam que as
identidades dos professores podem ser suprimidas se os contextos onde lecionam
promoverem a assunção de papéis prescritos, anulando assim a voz pessoal na
construção identitária.
A ideia de que a identidade não é “algo” estável é também sustentada por
MacLure (1993) quando sublinha que aquela é construída nas relações sociais, sendo
portanto formada e informada através das práticas discursivas e das interações entre os
indivíduos. Sublinhando a influência dos projetos biográficos dos professores na forma
como reagem às mudanças e às reformas educacionais, MacLure defende que, mesmo
dentro de fases da carreira semelhantes, as identidades dos professores são diferentes,
podendo em alguns casos ser instáveis e incoerentes, pondo assim em causa a ideia
anteriormente referida de que existe uma identidade, um Eu substantivo que é estável
(Ball, 1972).
Assim sendo, entende não ser adequado generalizar predisposições entre sub -
grupos de professores (tendo como base fatores como a idade, o nível de ensino e/ou as
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 60
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
disciplinas que lecionam…) uma vez que o contexto profissional tem uma forte
influência e que os fatores referidos assumem diferentes significados para cada
professor. Preconiza então que a compreensão dos professores se baseie nas “categorias
que as pessoas escolhem para se explicar a si próprias” MacLure (1993, p.316) e na
forma como as usam na construção das suas identidades, rejeitando assim as
explicações de natureza sociológica, contextual ou ocupacional.
A identidade profissional do professor constrói-se num diálogo com o outro, por
vezes em oposição, a partir da definição de si enquanto professor, atribuída pelos outros
e da definição de si enquanto professor que o próprio se atribui. Os outros são pares,
outros professores, e pessoas com quem interage direta (alunos, pais, colegas, diretores
da escola) e indiretamente (instituições, poderes públicos, media). Para Robitaille e
Maheu (1991, p. 94) as duas dimensões da prática docente que consideram mais
importantes para a construção da identidade profissional do professor são, por um lado a
relação com o aluno e, por outro, a intervenção mais global que desenvolvem na
comunidade (relações com os colegas de trabalho e com outros grupos profissionais
face aos quais devem mostrar as suas competências; relações com os diretores, com o
movimento sindical, com a disciplina cientifica, etc). Estas duas dimensões sociais da
prática de ensino constituem o espaço social onde o professor constrói, afirma e
negoceia constantemente o seu lugar e a sua identidade (1993, p.88).
Neste processo de socialização biográfico e relacional, o professor pode recorrer a
“esquemas de tipificação” ou “tipos identitários” disponíveis (Dubar, 1996, p.112) que,
sendo categorias pré - existentes, consubstanciam modelos ideais, modelos face aos
quais se podem identificar ou opôr, aceitar ou recusar, trabalhar, reinterpretar e
combinar. Segundo (Demailly,1997,p.3) estes modelos ideais permitem perspetivar a
problemática da identidade profissional docente como “objeto simbólico coletivo,
ligado às profissionalidades legitimas, podendo ser objeto de lutas” .
A pertinência e legitimidade destes modelos ideias podem variar segundo o
contexto socio-histórico, segundo as temporalidades biográficas (as idades da vida) e
segundo os espaços sociais (a situação internacional). Nessa medida, Lang (1999,p.59)
sublinha que os modelos ideais face aos quais os professores se podem identificar são
historicamente contingentes, em virtude da evolução da profissão e das conceções sobre
o ensino e sobre o papel do professor.
E, uma vez que não existe mais um papel típico de professor, havendo antes uma
diversidade de papéis, e a necessidade de responder a várias exigências e expectativas
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 61
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
por vezes contraditórias, Tardif e Lessard (1999, p.39 e 131) entendem que o professor
é um “camaleão profissional” na medida em que, a construção da sua identidade
depende cada vez mais de si próprio e cada vez menos da escola enquanto instituição.
Assim sendo, segundo Cattonar (2001), podemos considerar que se trata de uma
identidade profissional compósita, porque o próprio trabalho docente é compósito,
exigindo do professor diferentes posturas, atitudes, habilidades e conhecimentos.
A influência da interação da biografia, da experiência e do contexto profissional
na construção e reconstrução da identidade dos professores constitui ainda fonte de
polémica (Day et al.,2006) entre os investigadores que se têm dedicado a este tema: para
uns, a estabilidade baseada num conjunto de valores, de crenças e de práticas caracteriza
a identidade docente (Nias,1989; Beijaard,1995); para outros, esta é essencialmente
instável, porque influenciada pelos projetos biográficos e/ou pelas mudanças no
contexto de trabalho (Cooper & Olson,1996; Maclure,1993).
1.3.3 O papel das emoções nas identidades dos professores.
Perante esta perspetiva dinâmica e evolutiva sobre identidade profissional, a
questão que de imediato se nos coloca é, face às mudanças com que o professor se
defronta no seu quotidiano, qual o papel das emoções38
no processo de construção e de
reconstrução identitária?
Como sublinha Estrela (2010) a dimensão emocional do trabalho dos professores
sempre se destacou nos estudos que se centram numa abordagem biográfica, no entanto,
foi a partir da última década do século passado que se assistiu ao aparecimento de várias
investigações sobre aquela temática.
38 Tendo em conta o contributo de Damásio (1994; 2000) importa sublinhar o papel regulador dos sentimentos e das
emoções nas nossas ações. “Os sentimentos encaminham-nos na direção correta, levam-nos para o local apropriado
do espaço de decisão onde podemos tirar partido dos instrumentos da lógica” (1994, p. 14). E embora haja relações
entre sentimentos e emoções, o autor distingue estes dois conceitos quando refere que “todas as emoções originam
sentimentos, se se estiver desperto e atento, mas nem todos os sentimentos provêm de emoções” (idem, p. 159).
Considerando que “é através dos sentimentos, que são dirigidos para o interior e são privados, que as emoções, que
são dirigidas para o exterior e são públicas, iniciam o seu impacto na mente”, Damásio, (2000, p.56) assinala a
importância da distinção entre sentimento e consciência de que temos um sentimento, uma vez que, em seu entender,
a existência do primeiro não implica necessariamente a verificação do segundo. E dado que” não existe qualquer
prova de que tenhamos consciência de todos os nossos sentimentos”, e que “a consciência tem de estar presente para
que os sentimentos possam influenciar o sujeito que os tem, para além do aqui e do agora”, Damásio distingue três
fases ao longo de um contínuo, a saber: “o estado de emoção, que pode ser desencadeado e executado de forma não
consciente; o estado de sentimento, que pode ser representado de forma não consciente; e o estado de sentimento
tornado consciente, isto é, conhecido pelo organismo que experimenta tanto a emoção como o sentimento” (idem, p,
57).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 62
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Com efeito, tendo como referência o contributo de vários autores, Estrela (2010,
p.33) assinala que “as emoções estão no coração do ensino”, e que este, para além de
constituir “uma prática emocional”, envolve uma “compreensão emocional”.
Faz parte integrante da profissionalidade do professor, requerendo um especial
cuidado na sua formação, a competência emocional (Estrela,2010) a qual pressupõe
uma capacidade reflexiva de auto - conhecimento, de conhecimento emocional dos
alunos, “um olhar sobre si próprio” e a capacidade de gerir emoções. Ora, se se
considera fundamental ter em atenção esta capacidade de gerir emoções durante a
formação inicial de professores, se pensarmos no papel e nas funções que o professor de
educação especial é chamado a desenvolver, facilmente compreendemos o seu carácter
imprescindível na formação especializada e contínua destes docentes.
Em relação à maneira como se manifestam na sala de aula, têm sido identificados
(Harvey et al., 2012) estilos emocionais reveladores de eventuais identidades
emocionais, parecendo-nos importante procurar equacionar a sua existência também nos
docentes de educação especial.
E, no que diz respeito a estudos centrados em determinadas emoções julgamos
importante destacar os que se referem à vulnerabilidade dos professores (Kelchtermans
(1996; 2005), uma vez que a presente pesquisa sugere o despoletar desta emoção em
alguns dos intervenientes.
Nos primeiros estudos do autor antes referido39
, a vulnerabilidade surge como
uma emoção comum e frequente nos professores, uma vez que estes se sentem com
facilidade magoados quando a sua imagem profissional é posta em causa
(Kelchtermans,1996) quer por razões de natureza mais geral (relações com a hierarquia
da escola, com os pais e com os colegas envolvendo perda de influência e de poder),
quer por razões de natureza específica (dificuldades na relação pedagógica, implicando
o defraudar de expectativas quanto à influência possível nos resultados dos alunos). A
maior ou menor vulnerabilidade do professor dependerá também das diferentes relações
entre o Eu pessoal e o Eu profissional, podendo, como sublinha Estrela (2010) alguns
docentes revelar mais do que outros aquela emoção.
Concebendo a vulnerabilidade como uma condição estrutural da profissão de
professor, torna-se mais fácil, na perspetiva de Kelchtermans, (2005, p. 999),
39 Os estudos foram realizados na Bélgica no início dos anos noventa e envolveram a recolha repetida de entrevistas
biográficas, das experiências dos professores do ensino primário ao longo da sua carreira profissional (Kelchtermans,
2005, p. 997).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 63
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
compreender o conjunto diversificado de emoções que o ensino envolve,
particularmente aquelas que surgem em contextos de reforma. O impacto emocional das
reformas e das mudanças impostas é sublinhado por este autor, mostrando que, para
além de poder despoletar o sentimento de vulnerabilidade, de questionar a auto -
imagem enquanto profissional e a identidade do docente, desencadeia também “ações
micropolíticas” de resistência e comportamentos pró – ativos que têm como finalidade
influenciar e mudar as condições em que o professor exerce a sua profissão.
No que diz respeito à relação entre emoções e identidade, segundo Zembylas
(2003)40
as emoções têm um papel fundamental na construção da identidade
profissional, uma vez que exprimem o modo como é construído e reconstruído o Eu dos
professores, através das interações sociais que desenvolvem num determinado contexto
sócio -cultural, histórico e institucional.
Interessado em compreender o papel da emoção na formação e na mudança da
identidade dos professores, o autor antes referido apresenta e descreve o contributo de
três perspetivas: a desenvolvimentista, a socio – cultural e a pós- estruturalista, onde,
como poderemos constatar, se enquadra o contributo dos estudos antes referidos.
Fundamentando-se em pressupostos psicológicos e filosóficos, a perspetiva
desenvolvimentista equaciona a identidade como um processo centrado no indivíduo e
na reflexão sobre a natureza humana. Erickson (1972, p. 19) entende, como antes
referimos que a identidade inclui quer a dimensão pessoal, quer a social e contextual.
Esta perspetiva desenvolvimentista tem vindo a ser objeto de algumas críticas,
entre as quais são de referir as que sublinham o papel isolado do indivíduo na
construção da sua identidade, assumindo assim um papel fundamental no processo de
adaptação às situações particulares da vida que surgem ao longo do seu
desenvolvimento (Zembylas, 2003). Outras críticas sublinham o escasso papel dos
processos emocionais na formação e desenvolvimento da identidade, pois, muito
embora as perspetivas desenvolvimentistas integrem itens emocionais, estes não são
equacionados como construções sociais, e não referem o papel das relações de poder
existentes no contexto socio - cultural onde o indivíduo se insere (op. cit, 2003).
40 O interesse sobre o papel das emoções no ensino tem vindo a aumentar, desde a década de oitenta do século
passado até aos nossos dias. Zembylas (2003) evidencia esse interesse quando refere os estudos desenvolvidos por
diversos autores: Nias,1989,1993,1996; Acker,1992,1999; Blackmore,1996; Golby,1996; Hargreaves,1998, 2000;
Jeffrey & Woods,1996; Kelchtermans,1996; Little,1996,2000; Boler,1997,1999; Lasky, 2000; Schmidt,2000,
Zembylas, 2001.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 64
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Por sua vez, a perspetiva socio – cultural sublinha que é na interação existente
entre o indivíduo e a cultura, que podemos compreender as diferentes identidades, sendo
evidente a visão sociológica e antropológica que lhe subjaz.
Com efeito, e tendo como referência os contributos de Vygotsky (1978,1986),
nesta perspetiva os processos sociais e culturais constituem as influências primeiras do
desenvolvimento individual. Assim sendo, só podemos entender o funcionamento
mental de um indivíduo analisando os processos sociais e culturais a partir dos quais
aquele se constrói, o que significa em última análise que o fundamental do
desenvolvimento se centra na ação humana e no discurso mediado por sinais que
autorizam, constrangem ou transformam a ação.
Ora ter a ação humana como ponto de partida para a compreensão da construção
da identidade permite, como sublinha Zembylas (2003) equacionar novas perspetivas
sobre o papel das emoções naquele processo.
Tendo como pressupostos o contributo de Vygotsky sobre pensamento e
linguagem41
, Parkinson (1995) sublinha também que as emoções surgem em encontros
em tempo real, através de meios não – verbais (gestos e ações) ou verbais e, nessa
medida, perspetiva a ação do indivíduo ou do grupo como o espaço que integra o mental
e o emocional. Neste contexto, a formação da identidade envolve o encontro entre as
escolhas individuais e os determinantes culturais existentes num contexto particular,
encontro esse que se traduz no conjunto diversificado de ações e de competências
(relacionais, emocionais, físicas…) que cada indivíduo vai desenvolvendo ao longo da
vida.
Segundo Zembylas (2003) esta segunda perspetiva, muito embora possibilite
equacionar o papel das emoções na construção da identidade, dá pouco ênfase às
relações de poder existentes nos diferentes contextos.
Nessa medida, apresenta e preconiza uma perspetiva pós-estruturalista42
sobre a
formação da identidade, a qual pondo em causa as conceções anteriores, considera ser
impossível encontrar a origem da identidade com base em quadros de referência
41 Este autor entende que não existe previamente um pensamento ou uma proposição inata que depois é traduzida em
linguagem e expressa em palavras. Pelo contrário, em seu entender, é quando falamos ou escrevemos que
formulamos o nosso pensamento: “ A experiência ensina-nos que o pensamento não se expressa em palavras mas
percebe-se nelas ” (Vygotsky,1986, p. 251) 42 Pós- estruturalismo – perspetiva anti – dogmática e anti – positivista; rejeição de definições que encerrem verdades
absolutas sobre o mundo, pois a verdade depende do “contexto histórico de cada indivíduo”. Nessa medida, a
realidade é considerada como uma construção social e subjetiva. O significante e o significado são inseparáveis e o
texto pode ter uma pluralidade de sentidos (Wikipédia, 2011).
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 65
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
psicológicos ou sociológicos, uma vez que concebe a identidade como um processo
dinâmico de discursos intersubjetivos, experiências e emoções. Enfatizando a influência
do contexto socio – político e das emoções nas mudanças de discurso, esta perspetiva
sugere a possibilidade da identidade se transformar, possibilitando assim a emergência
de novas configurações identitárias. Tendo como referência o contributo de Foucault
(1984) o autor citado sublinha que a constituição do Eu acontece num determinado
quadro histórico onde o sentido individual e a experiência se intersectam, sugerindo
assim que, mais do que a experiência em si mesma, é o discurso sobre a experiência que
constitui o cerne da análise do Eu e das experiências individuais. Esta perspetiva
contextual de identidade, recusa a ideia de uma origem fixa do Eu, sublinha a
incompletude das identidades e entende que a sua construção é dinâmica, envolvendo
portanto, um processo instável e não linear (Zembylas, 2003, p.238). O fato das
identidades estarem continuadamente a ser redefinidas, em constante “devir”, sugere a
natureza dinâmica da sua construção e mostra a pertinência de usar o verbo “tornar-se”,
uma vez que, o que está em causa não é um processo de imitação ou de identificação,
mas antes um processo que envolve constantes contestações, transformações e
configurações.
Esta perspetiva pós - estruturalista reconhece que as emoções têm um papel
preponderante na formação da identidade, enfatiza o seu carácter afetivo, o que
significa, que “ as emoções articulam os pensamentos das pessoas, os julgamentos e as
crenças” e, nessa medida, dão sentido às experiências.
A identidade profissional do professor, de acordo com o autor que vimos
seguindo, constitui o resultado da interação, do diálogo permanente com alunos, com
colegas e com pais. Nessa medida, a identidade está ligada ao reconhecimento pelos
outros, contribuindo este para a construção de uma auto - imagem positiva.
A relação entre a identidade do professor e as suas emoções não constitui de todo
um tema novo na investigação educacional43
, pois, como sublinha Osborn (1996) “ o
ensino e a aprendizagem eficazes são necessariamente afetivos já que envolvem a
interação humana e que a qualidade da relação professor-alunos é de vital importância
para o processo de aprendizagem” (citado por, Zembylas, 2003, p. 455).
43 A este propósito Zembylas (2003) refere os estudos de Jersild (1955) sobre as aspirações, satisfações, esperanças e
angústias que permeiam a vida e o trabalho do professor; a análise de Gabriel (1957) sobre os problemas emocionais
do professor na sala de aula (frustração, tensão, aborrecimento, euforia, depressão); o estudo de Salberger-Wittenberg
et al. (1983) sobre os fatores emocionais presentes no processo de ensino aprendizagem e os estudos de Nias (1989,
1993, 1996) que sublinham a relação entre a identidade do professor e as suas emoções, uma vez que o ensino apela a
um investimento massivo do EU.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 66
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Atualmente é cada vez menor o peso da sociedade na determinação das
identidades (Vieira, 2009, p.28) e, embora os papéis institucionais que a escola atribui
ao professor influenciem, de alguma forma a sua identidade, esta não constitui apenas o
resultado das experiências que o docente desenvolve na sala de aula ou dos
conhecimentos e competências pedagógicas que possui. Segundo Britzman (1993, p.24,
op cit.) atualmente o papel e a função não são sinónimos de identidade, pois enquanto o
papel pode ser desempenhado, ter determinada identidade constitui uma negociação
social constante.
Para Zembylas (2003), o ensino pode constituir fonte de auto – estima e de
realização dos professores, mas também pode desencadear o sentimento de
vulnerabilidade e, nessa medida, importa estudar as emoções dos professores
considerando-as à partida socialmente construídas e dinâmicas, o que implica, em
última análise, a necessidade de relacionar as experiências pessoais dos professores com
as formas institucionais mais amplas da organização escolar, pois essas experiências
podem dialeticamente manter, confirmar ou transformar o Eu do professor.
Na construção e transformação da identidade dos professores as emoções têm um
papel determinante, possibilitando o conhecer – se enquanto profissional e enquanto
pessoa e o conhecer dos outros com quem se trabalha. Para tanto é necessário
estabelecer “afinidades emocionais” com os outros, ou seja relações ou ligações com
base em alianças e amizades, facilitadoras da criação das identidades individuais e
coletivas dos professores, nas escolas onde trabalham (Zembylas, 2003).
1.3.4 Os “retratos” dos professores nos estudos sobre a mudança.
Procurar compreender o que leva os professores a optarem pela educação especial
enquanto carreira situa-nos perante o tema da mudança, do tornar-se, perspetivando-a
não como algo que lhe é imposto, mas como um fenómeno voluntário; nessa medida, a
sua compreensão está relacionada com a biografia dos professores, com as suas
experiências e com as diferenças que existem na forma como os professores abordam a
mudança.
Esta é uma abordagem diferente da que surge com mais frequência na literatura
sobre mudança na educação, na medida em que a opção pela educação especial não
resulta de qualquer obrigatoriedade.
De facto, a maior parte da literatura sobre mudança refere-se à implementação de
decisões que alguém de fora da escola toma sobre o que os professores deverão fazer
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 67
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
para corresponder às mudanças pretendidas, mudanças essas que supostamente
contribuem para a melhoria do sistema educativo, em suma para o bem comum. Trata-
se, habitualmente, de mudanças prescritas a nível da política educativa, ora através de
decretos – lei, ora através de despachos -normativos e, nessa medida, a sua
implementação assume para os professores e para as escolas um carácter obrigatório ou,
no mínimo, aconselhável. Perante situações que envolvem reformas educativas
substantivas, os estudos sobre este tipo de mudança e sobre a forma como os
professores reagem e lidam com essa mudança revestiram-se de particular interesse e
permitiram identificar as formas e as fases por que passam os professores. Muitos dos
resultados destes estudos retratam os professores como pessoas que não gostam da
mudança, sublinham que esta é vivida de forma dolorosa e difícil e que, por isso, muitos
professores são recalcitrantes (McLaughlin,1987 citado por, Richardson e Placier,
2001), o que significa que, numa atitude de alguma rebeldia, desobedecem e não
implementam as mudanças previstas (ex. um novo currículo, uma nova forma de avaliar
os alunos, etc.).
No entanto, estudos mais recentes (por exemplo, Hargreaves, 2005) vêm pôr de
algum modo em causa a natureza absoluta destes retratos dos professores, sublinhando a
existência de um conjunto de aspetos que importa considerar para compreender a forma
como os professores vivem a mudança. De facto, segundo Hargreaves (2005, p. 981), na
mudança educacional e organizacional, devemos considerar não apenas a personalidade
e o desenvolvimento pessoal mas também a idade, a fase da carreira, e a identidade e
ligação do professor a determinada geração. Em seu entender, a forma como os
professores experimentam a mudança envolve dimensões organizacionais e
sociológicas, bem como dimensões desenvolvimentais e psicológicas. Nessa medida
entende que, para facilitar os processos de mudança nas escolas, é necessário criar
grupos de professores com diferentes idades, de modo a proporcionar apoio entre as
diferentes gerações e a ter em conta a memória existente, promovendo assim a
aprendizagem coletiva consciente, decorrente da sabedoria e da experiência.
Já na abordagem que concebe a mudança como um fenómeno individual,
voluntário (e que só recentemente tem sido objeto de estudo), os professores surgem
retratados como profissionais que mudam com bastante frequência, sendo possível
distinguir mudanças de primeira ordem e mudanças de segunda ordem (Richardson e
Placier, 2001). Enquanto as de primeira ordem têm a ver com mudanças pequenas que
qualquer professor realiza na forma como diariamente organiza o processo
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 68
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
ensino/aprendizagem, as de segunda ordem envolvem mudanças de natureza mais geral,
implicando diferentes formas de pensar, de ensinar e de aprender. Os fatores que
poderão desencadear este tipo de mudanças nas conceções sobre o processo de ensino
aprendizagem e nas práticas do professor são necessariamente múltiplos (formação
contínua, resultados de avaliação do desempenho, contacto com experiências
inovadoras) e estão associados aos percursos profissionais de cada professor; entre esses
fatores, alguns autores sugerem que o atendimento de uma população escolar diferente
da habitual pode desencadear o desejo e a necessidade de desenvolver mudanças. Trata-
se portanto, de mudanças que surgem na carreira do professor e que têm um carácter
voluntário.
1.3.5 Os ciclos de vida e as fases da carreira dos professores.
As mudanças que ocorrem ao longo da carreira do professor têm vindo a ser
objeto de estudo há vários anos por diversos autores que, numa perspetiva evolutiva,
vêm traçando e definindo os diferentes ciclos e fases do percurso profissional docente.
Essas fases poderão conferir inteligibilidade aos percursos dos professores que iremos
estudar.
Ora, abordar o tema dos ciclos de vida e da carreira dos professores exige
necessariamente uma referência aos estudos pioneiros desenvolvidos neste âmbito por
Fuller (1969), ( Sikes (1985) e por Huberman (1989) sobre os professores do ensino
secundário e, no nosso país, entre outros, aos estudos de Gonçalves (1992,2000) sobre
os professores do ensino primário e aos estudos de Loureiro (1997) sobre a
aplicabilidade do modelo de Huberman.
Na investigação que realizou sobre a carreira dos professores do ensino
secundário, Sikes (1985, pp.27-60) considerou que o ciclo de vida do professor decorre
desde o “ano probatório” até à reforma e, tendo as idades como referente, equacionou a
existência de cinco fases, a saber:
Fase 1 – 21- 28 anos de idade
Nesta fase, as tarefas maiores prendem-se com a exploração das possibilidades da
vida adulta e com a criação de uma estrutura de vida estável. Se, por um lado, é
importante para o professor, conservar as opções em aberto, maximizar as alternativas e
fugir a compromissos, por outro, ser mais responsável e desejar “fazer algo da vida”
torna-se importante. Estas tarefas são ambas possíveis, uma vez que ensinar constitui
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 69
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
ainda algo que se está a ensaiar e não um projeto definitivo, não existindo um
compromisso relativamente à profissão. Ser reconhecido pelos outros como profissional
constitui o interesse fundamental e, nessa medida, é necessário aprender o conjunto de
“skills”, habilidades e tecnologias inerentes ao ato de ensinar. Manter a disciplina na
aula e aprender a melhor maneira de comunicar a matéria constituem fontes de
preocupação para o professor. A matéria/ disciplina que leciona é percebida como a
dimensão mais importante da profissão, já que constitui fonte de segurança, de
identidade e de motivação.
A socialização na profissão é importante e acontece com base na observação e na
experiência, através das quais o professor aprende os códigos de conduta e as regras
informais da relação com colegas e com alunos.
Em termos gerais, os professores revelam prazer em estar com os alunos, com
quem desenvolvem relações de amizade e companheirismo, o que decorre por um lado,
da proximidade de idades existente, da consequente semelhança de interesses e, por
último, da possibilidade da interação facilitar a relação pedagógica, evitando assim os
problemas de indisciplina.
Fase 2 – 28 – 33 anos de idade
Nesta fase caracterizada pelo aumento de compromissos e responsabilidades, é
fundamental estabelecer uma base de trabalho estável e planear uma estrutura de vida
para o futuro. A alteração ou confirmação das escolhas profissionais acontece durante
esta fase: alguns professores abandonam a profissão, outros exploram alternativas,
outros ainda confirmam a sua opção e passam a ter como objetivo progredir na carreira.
Esta progressão na carreira surge como um dos interesses principais e, apesar de
poder ser indicador de insatisfação profissional, pode decorrer apenas da perceção que o
professor tem de ser capaz de assumir maiores responsabilidades devido à experiência
acumulada e das necessidades económicas maiores que agora experimenta, devidas a
compromissos familiares.
Alguns podem tornar-se mais interessados pela inovação, pelo curriculum,
começando a valorizar mais a pedagogia em detrimento da disciplina. A relação
pedagógica é mais distante e formal, o que decorre da diferença de idades e de
interesses entre professores e alunos se acentuar e ser mais evidente com o passar dos
anos.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 70
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Fase 3 – 30 – 40 anos de idade
O empenhamento e o desenvolvimento de competências no trabalho que se
escolheu revelam-se determinantes nesta fase. Muitos professores encontram-se no
cume em termos de energia, de confiança em si próprios, de envolvimento e de
ambição, dado nesta fase se conjugar experiência e um relativo grau de capacidade
física e intelectual. As atitudes face à profissão podem ser positivas ou negativas. Os
professores que têm uma atitude positiva face à profissão consideram que esta, porque
interessante, justifica o esforço e perspetivam-na como uma carreira na qual podem
investir para conseguir uma melhor posição.
Na situação oposta encontram-se os professores que abandonam definitivamente a
profissão, em virtude do esforço não justificar a escassez dos “ganhos”.
Numa situação caracterizada por algum desinvestimento face à profissão, surgem
os professores que conseguem uma carreira alternativa, em acumulação, e os que
passam a investir mais na família, na casa, etc.
As preocupações fundamentais nesta fase prendem-se com a promoção na carreira
e os interesses situam-se sobretudo nos processos de administração e organização
escolares.
A relação entre professor e alunos, porque definitivamente de diferentes gerações,
muda, podendo tornar-se mais parental e mais autoritária ou, noutros casos mais
compreensiva e simpática.
Fase 4 – 40-50/55 anos de idade
Nesta fase de transição da juventude para a maturidade, o fundamental é saber
viver com a ideia de que somos mortais, o que no caso dos professores é difícil, dado
lidarem constantemente com gerações mais novas. Em termos psicológicos, a
experiência pode ser tão traumática como a adolescência, uma vez que os professores
questionam todo o seu percurso pessoal e profissional perguntando - se :”o que fizemos
da nossa vida”?
Os docentes que se adaptaram bem, identificam-se e são identificados com a
profissão e com a escola. Pela experiência e pela idade que possuem, alguns
transformam-se em figuras de autoridade, em guardiões da tradição escolar, assumindo
muitas vezes lugares de direção. A moral é elevada devido à confiança que experimenta
face à sua capacidade profissional. O desejo de promoção na carreira diminui,
permitindo ao professor “disfrutar” mais da interação com os alunos.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 71
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Perante uma adaptação menos fácil e com menos sucesso, pode-se constatar a
inexistência de objetivos e de investimento quer em termos profissionais quer em
termos pessoais, o que segundo Erickson, significa que os indivíduos se encontram
numa fase de estagnação.
A relação que estabelecem quer com alunos, quer com colegas mais novos, é
definitivamente parental.
Fase 5 – 50-55 anos de idade
O objetivo principal desta fase é preparar-se para a aposentação, mesmo perante
os professores que gostaram da profissão, o que se justifica em virtude de começarem a
sentir algum declínio de energia e de entusiasmo.
A atitude face à situação de ensino-aprendizagem é sobremaneira diferente: a
autoridade que possuem, a aprendizagem decorrente da experiência profissional e a
consciência da inexistência de mais promoções permite o assumir de uma postura mais
permissiva em termos de disciplina na aula, bem como relativizar as fontes de
aprendizagem. Sentindo-se mais livre na forma como desenvolve o ensino, assume a
não inibe a sua individualidade como pessoa e como professor.
A relação pedagógica é afetada pela própria história do professor, pela sua
reputação que, passando de pais para filhos, pode desencadear determinadas expetativas
nos alunos. Estas podem ser vividas pelo professor como fonte de satisfação pelo
sentido de continuidade que envolvem, ou como fonte de constrangimento, pela
dificuldade em estabelecer relações baseadas em expetativas prévias.
As relações com os colegas mais novos são difíceis existindo uma perceção
recíproca negativa e falta de comunicação. Apesar de serem críticos face às novas
gerações, por vezes, ajudam e procuram dar conselhos sobre a resolução de situações.
As fontes de satisfação decorrentes de uma vida dedicada ao ensino estão
associadas ao percurso de vida que os alunos desenvolveram. Essa satisfação, esse
“valeu a pena ser professor” evidencia-se quando, já reformados, encontram com prazer
os alunos e percebem o seu contributo para “tornar a criança um cidadão decente e
responsável”.
Huberman (1989, p.8) descreve também cinco fases da carreira dos professores do
ensino secundário, tendo como referência não a idade, como Sikes, mas antes os anos de
experiência docente.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 72
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
A primeira “fase de entrada na carreira” (1-3 anos de experiência) caracteriza-se
pela sobrevivência e pela descoberta: a primeira traduz a superação do “choque do
real”, ou seja, o confronto com a realidade da classe, a discrepância entre os ideais e a
realidade profissional, determinando assim uma atitude de tateamento contante e de
preocupação consigo próprio; a segunda, a descoberta, evidencia o entusiasmo dos
principiantes, a satisfação de ter finalmente a sua própria classe, a vontade de
experimentar, e o sentimento de pertença a um grupo profissional definido.
Quadro 4 - Fases da carreira dos professores (Huberman ,1989, p.8)
Anos de
experiência
Fases /temas da carreira
1 - 3
3 - 6
7 – 25
25 – 35
35 – 40
Entrada, Tateamento
Estabilização, Consolidação de um Repertório Pedagógico
Diversificação, Ativismo Contestação
Serenidade, Distanciamento Conservadorismo afetivo
Desinvestimento (sereno ou amargo)
Na fase seguinte, de “estabilização e de consolidação de um repertório
pedagógico”(3 - 6 anos de experiência), o professor assume um “compromisso
definitivo” com a carreira; nesta segunda fase, o sentido de pertença a um grupo de
pares e a consolidação de um estilo próprio de ensino dão ao professor um sentimento
generalizado de segurança, de descontração e de conforto psicológico.
A terceira fase de “diversificação, ativismo ou contestação” (7 – 25 anos de
experiência) mostra como os percursos dos professores podem divergir: para alguns a
preocupação central é melhorar o seu impacto junto dos alunos; para outros as
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 73
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
aspirações envolvem sobretudo os aspetos institucionais da escola, podendo verificar-se
a este nível, uma procura ativa de cargos e responsabilidades; para outros ainda (embora
não sendo comum à maioria) “a contestação” revela-se em sintomas que podem ir de
um ligeiro sentimento de rotina a uma “crise existencial” face à carreira.
A quarta fase de “serenidade, distanciamento e conservadorismo afetivo”(25 – 35
anos de experiência ) significa um “estado de alma” caraterizado pela serenidade e
confiança que experimentam face aos problemas da sala de aula, pelo maior
distanciamento afetivo dos alunos e pelo menor investimento. O “conservadorismo” e
as “queixas” surgem entre os 50 e os 60 anos, podendo os professores assumir posições
críticas face aos alunos, à política educativa e aos colegas mais novos, entre outras.
Por último, a quinta fase de “desinvestimento sereno ou amargo” (35 - 40 anos de
experiência) caracteriza a interiorização do final da carreira no qual o desinvestimento
progressivo face à profissão possibilitam o consagrar de mais tempo a si próprio, aos
seus interesses pessoais, a uma vida social mais refletida e filosófica; aquela
interiorização pode ser vivida de forma serena ou amarga consoante o percurso anterior.
No nosso país, os estudos de Loureiro (1995, 1997) junto de professores do 3º
ciclo e secundário vêm sublinhar a natureza variável dos percursos, uma vez que a
mesma fase pode ser vivida de formas diversas pelos professores e que a passagem de
uma fase para a outra não é linear, nem unidirecional.
Esta variabilidade de percursos vem sendo sublinhada por outros autores
(Goodson 1985; Hargreaves,2005) quando referem que as carreiras práticas e as vidas
dos professores são variáveis e quando não aceitam a ideia sugerida nos estudos que
definem diferentes fases da carreira, de que os docentes, enquanto pessoas, vão
passando as etapas da vida e da carreira num tempo previsível e de uma forma
universal.
No estudo de natureza longitudinal efetuado por Gonçalves (1990; 2000, p. 396)
sobre os percursos dos professores de 1º ciclo, o autor apresenta uma tipologia que
abrange cinco etapas da carreira e “traços” característicos44
.
44 Gonçalves realiza um primeiro estudo em 1990, com base em 40 entrevistas a professores do 1º CEB e numa
perspetiva longitudinal realiza passados alguns anos novas entrevistas a 32 desses professores. Tendo constatado que
o modelo de cinco fases na carreira inicialmente proposto, se mantinha, verificou no entanto que o tempo de
permanência nas fases era diferente de professor para professor.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 74
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quadro 5 - Etapas da carreira e “traços” característicos (In: Gonçalves, 2000, p.396)
O “INÍCIO”
(1 – 4 anos)
Positivos
-Alegria da descoberta Negativos
-Falta de preparação
- Choque do real
ESTABILIDADE
(5 -7 anos)
Positivos
-Afirmação como profissional
-Aquisição de confiança e segurança
-Entusiasmo
Negativos
-Mera continuidade (desilusão)
-Sentimento de estagnação
DIVERGÊNCIA
(8 -15 anos)
Positivos
-Empenhamento
- Interesse
- Desejo de experimentar situações
pedagógicas novas
Negativos
- Desmotivação
- Desinteresse
-Rotina
-Contestação
SERENIDADE
(15-20/25 anos)
Positivos
- Reflexão
-Ponderação
-Sentimento de ter valido a pena
Negativos
-Desencanto
-Desinvestimento
-Conformismo
-Negativismo
RENOVAÇÃO DO INTERESSE OU DESENCANTO
(20/25- 40 anos)
Positivos
-(Re) interesse pela atividade docente
- (Re) atualização profissional
- Desejo de acompanhar os novos
Negativos
-Falta de entusiasmo
- Sentimento de frustração
-Carácter penoso da atividade docente
-Obsessão pela aposentação
Para além da caracterização das diferentes etapas, apresenta-se, ainda uma análise
detalhada dos sentimentos contraditórios que os professores experimentam face à
reforma e durante a sua concretização, por exemplo, ora reafirmando o gosto de ser
professor, ora acusando cansaço e um menor investimento na profissão (Gonçalves,
2000, p. 396).
Note-se que as etapas sugerem apenas uma sequência, uma tendência geral, sendo
a passagem de uma para outra, variável, uma vez que depende de aspetos biográficos e
institucionais que influenciam os percursos dos professores.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 75
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Em síntese, é possível concluir que a socialização constitui um processo que
acontece ao longo do percurso de vida do indivíduo e que permite a aprendizagem
informal dos comportamentos sociais e a construção da identidade e do sentimento de
pertença a determinado grupo. Neste processo, à partida, a família tem um papel
determinante, sendo na primeira infância que a criança aprende as normas, os valores e
os padrões de comportamento da sua cultura familiar de origem, ou dito de outra forma,
do seu grupo de pertença.
Entendida como construção da identidade social do indivíduo, a socialização
envolve processos de comunicação e de interação recíproca entre o indivíduo e o meio a
que pertence e é através de processos de diferenciação e de identificação que sujeito se
pode assumir simultaneamente como diferente do grupo social e como possuindo
características que lhe são comuns. É aqui que faz sentido equacionar a socialização
primária, uma vez que permite a incorporação por parte da criança dos saberes de base
sobre si e sobre o mundo que a rodeia.
E, a propósito da identidade social, importa reter o conceito de socialização
antecipatória que aponta para a possibilidade do indivíduo desenvolver processos de
interiorização e de aprendizagem dos valores de determinado grupo a que deseja
pertencer (grupo de referência); este processo, para além de facilitar a adaptação a esse
grupo, pode favorecer a mudança social, na qual a socialização secundária se assume
como particularmente relevante dado envolver a aquisição e incorporação de
determinados saberes profissionais.
A natureza dialética do conceito de identidade como resultado de um processo de
socialização é sublinhada quer na sociologia quer na antropologia, usando-se para tanto
expressões como: processo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objetivo, biográfico e estrutural, reestruturação e metamorfose, construção permanente e
flexível, eu e nós, singular e plural… estando portanto em presença de um conceito
polissémico e de difícil delimitação.
No que diz respeito à socialização profissional dos professores e entendendo-a
como o processo pelo qual o indivíduo se torna membro participante na sociedade dos
docentes, importa assinalar a pertinência de equacionar esta problemática no âmbito de
um paradigma interpretativo no qual o indivíduo é entendido como agente ativo e
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 76
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
autónomo, capaz portanto de fazer escolhas entre aquilo que defende e as características
e constrangimentos que encontra no seu quotidiano escolar. E, é no âmbito deste
paradigma que a abordagem biográfica proposta por alguns autores se assume como
significativa para o presente estudo, uma vez que com ela se procura compreender a
influência da socialização escolar, da formação e da experiência anteriores na
socialização atual.
Relativamente aos diferentes fatores que influenciam e que podem ser
determinantes no processo de socialização profissional, importa reter à partida a ideia
sublinhada por vários autores de que a profissão se aprende desde a infância, os seja
desde os bancos da escola, uma vez que é através de uma “aprendizagem por
observação” que vamos compreendendo e integrando modelos que, posteriormente,
poderemos pretender repudiar ou reproduzir enquanto professores.
Mas, para além desta primeira influência, são inúmeros os estudos que mostram
outros fatores que podem ser determinantes na socialização dos professores, entre os
quais são de referir; a formação inicial, as experiências prévias, os alunos, a ecologia da
sala de aula, a área disciplinar, a natureza do compromisso com o ensino enquanto
carreira, as características organizacionais, materiais e da cultura de escola e, por
último, as características do professor de natureza mais global (género, idade, geração,
classe social, etc).
Por sua vez, e entendendo a socialização e a identidade como processos que
envolvem necessariamente mudanças, a revisão da literatura realizada mostra ainda as
diversas fases através das quais nos tornamos professores, integrando assim estudos
sobre as primeiras experiências docentes durante o ano probatório e estudos onde se
caracterizam os ciclos e vida e fases da carreira de professores de diferentes níveis de
ensino.
Neste primeiro capítulo, e com o intuito de melhor compreender a influência do
eu pessoal e do Eu profissional e das emoções nos processos de mudança e de
construção da identidade profissional, sublinha-se a sua natureza contínua, mutável e
instável recorrendo para tanto à distinção entre identidade substantiva e identidade
situada, ao conceito de cultura profissional partilhada e à ideia de que as emoções,
porque articulam pensamentos, julgamentos e crenças, têm um papel fundamental na
construção da identidade dos professores.
Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança 77
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Até que ponto as fases da carreira identificadas poderão verificar-se nos percursos
dos professores de educação especial? Esta é sem dúvida uma questão que esperamos
ver esclarecida ao longo do estudo.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 78
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual
“Precisam-se: indivíduos que sejam
entusiastas, inteligentes, enérgicos e capazes de
trabalhar em situações desafiantes com indivíduos
desafiantes. Recompensas extrínsecas mínimas.
Recompensas intrínsecas ilimitadas”.
Mastropieri, 2001
Compreender o que significa ser professor de educação especial implica
identificar a posição, o papel e o contributo desta área de intervenção no domínio mais
vasto da educação e, deste modo, evidenciar as situações desafiantes e dilemáticas que
caracterizam a intervenção daquele docente na escola atual.
Ora, a educação especial ocupa terreno contestado no domínio da educação, uma
vez que, perante questões de acesso e de equidade é percebida ora como solução, ora
como problema (Florian, 2007).
Com efeito, como este autor sublinha, desde a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), a educação constitui um direito universal, sendo portanto fundamental
criar condições que assegurem o acesso e a equidade. Entendida como meio de
desenvolvimento económico, social e cultural das sociedades, a educação tem vindo a
significar um direito e simultaneamente a garantia desse direito.
Garantir o acesso à escolaridade obrigatória tem sido a preocupação dominante
das sociedades que se pretendem democráticas, assistindo-se consequentemente à
inevitável diversidade da população escolar. É neste contexto que a educação especial
adquire legitimidade enquanto sub-sistema, podendo ser perspetivada quer como forma
privilegiada de assegurar o direito à educação das populações que apresentam
dificuldades, quer como processo de as marginalizar e estigmatizar.
Torna-se assim evidente a natureza paradoxal da educação especial uma vez que
ao pretender incluir as crianças excluídas da cultura, do currículo e da comunidade
escolar, colabora com um sistema educativo que se fundamenta em pressupostos
deterministas sobre a diferença e que, em última análise, promove a exclusão (Slee,
2011).
A conceção de um sistema de educação especial paralelo ao sistema educativo
tem vindo a ser questionada pelas perspetivas que preconizam uma educação inclusiva,
na qual todas as crianças fazem parte de um mesmo sistema; estas perspetivas têm
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 79
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
desencadeado uma enorme polémica acerca da legitimidade das práticas da educação
especial, pondo de algum modo em causa a sua pertinência e necessidade na escola
atual.
O problema da existência de um sistema duplo que abrange a educação especial e
o ensino regular consiste em cada um equacionar perspetivas diferentes sobre a mesma
realidade, em vez de se procurar, em conjunto, assegurar a educação para todos.
No entender de Florian (2007), é necessário repensar a educação especial e tal
requer diferenciar a educação enquanto direito humano, da educação enquanto meio
para atingir os direitos humanos. Nessa medida, entende inadequadas as designações de
NEE ou de colocação na educação especial, uma vez que podem ser injustas e constituir
barreiras no processo de assegurar os direitos humanos.
A questão da adequação da utilização de determinadas categorias, embora objeto
de grandes discussões, constitui apenas, um dos aspetos que vem sendo debatido no
domínio da educação especial. Com efeito, a análise da literatura sobre educação
especial revela que atualmente se debatem e se questionam com evidente polémica,
princípios, valores e modelos de intervenção, sobressaindo nesse debate uma falta de
consenso entre teóricos, responsáveis políticos e práticos. A forma como se deve
desenvolver a educação de crianças com necessidades educativas especiais, a adequação
e pertinência no uso de determinados conceitos e os modelos de formação e de
investigação que deverão fundamentar a prática educativa constituem algumas das
questões em debate, face às quais coexistem pontos de vista divergentes e conflituais.
Esta situação poderá compreender-se se tivermos em linha de conta as sucessivas
mudanças que nas últimas décadas (desde meados dos anos setenta do século passado)
se foram operando neste domínio, relativas a princípios preconizados, a práticas
educativas consideradas adequadas e a conceitos usados, os quais foram sendo
integrados no sistema educativo sem a preocupação de desenvolver processos que
permitissem uma avaliação e reflexão crítica sobre a implementação daquelas mudanças
na realidade das nossas escolas.
A inexistência de consenso acima referida é visível quando se analisam as
políticas educativas que, no nosso país, se vêm delineando neste sector, nos últimos
anos, caracterizadas pela descontinuidade das opções e das mudanças e pela contradição
entre princípios preconizados e processos de implementação no sistema educativo.
Crise, conflito, reforma radical, mudança global, constituem alguns dos termos usados
por diferentes autores quando analisam a situação da educação especial, sendo evidente
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 80
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a emergência e a necessidade de um novo paradigma que (re) defina um conjunto de
valores e crenças sobre as finalidades desta área de intervenção, de forma a identificar
os papéis e as funções a desempenhar pelos professores especializados na escola atual e,
consequentemente, a delinear as componentes particulares da formação neste domínio.
2.1 Paradigmas, perspetivas teóricas e modelos de intervenção
As teorias que se têm desenvolvido sobre as necessidades educativas especiais e
sobre incapacidade podem agrupar-se, segundo Ridell (2007) em dois paradigmas
diferentes: o paradigma funcionalista e o paradigma crítico. Por sua vez, Ainscow
(1998) entende que as dificuldades educativas podem ser equacionadas com base em
três perspetivas teóricas alternativas (caraterísticas individuais/deficiências; interação
entre características individuais e condições da escola; limitações existentes no
currículo), nas quais é possível identificar diferentes conceções sobre a natureza das
dificuldades e, consequentemente, distintos modelos de intervenção educativa.
É pois tendo como referência o contributo destes dois autores que se procurou
caracterizar os paradigmas referidos, enquadrando em cada um deles as perspetivas que
se têm desenvolvido sobre a natureza das dificuldades dos alunos, uma vez que
consubstanciam formas diversas de equacionar e de responder às dificuldades que
algumas crianças experimentam durante o processo educativo e, consequentemente,
apontam para diferentes papéis e funções a desempenhar pelo professor de educação
especial.
No paradigma funcionalista, tendo como base o pensamento de Durkeim,
considera-se que a coesão e a estabilidade constituem o estado natural e desejável da
sociedade e, nessa medida, os conflitos que a ameaçam devem ser reprimidos. O
objetivo da sociedade saudável é por um lado, incluir o máximo de pessoas que
apresentam um comportamento normal, uma vez que contribuem para a estabilidade
social, e, por outro, neutralizar ou reformar os que se situam à margem, perspetivando-
se assim a exclusão como residual e não endémica.
É neste paradigma que podemos situar a primeira perspetiva referida por Ainscow
(1998) sobre a natureza das dificuldades educativas; nesta, as dificuldades decorrem das
características individuais do sujeito, enfatizando-se, portanto, as suas deficiências
particulares, o seu “background” social e/ou os seus atributos psicológicos, numa
constante procura de causas de natureza intrínseca. Tendo como referência a criança
individualmente considerada e como finalidade facilitar a sua escolarização
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 81
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
desenvolveram-se respostas educativas que implicaram tradicionalmente processos de
segregação da escola, uma vez que se entendia que aquela não tinha condições para
aceder ao currículo comum precisando, portanto, do apoio e da intervenção professores
especializados, numa escola especial.
Como sublinha Rodrigues (2001), as escolas especiais organizaram-se com base
na lógica de homogeneidade que caracteriza a escola tradicional, uma vez que a sua
criação se fundamenta na crença de que é possível desenvolver um ensino homogéneo,
se agruparmos os alunos com base nas diferentes categorias de deficiência. A
intervenção do professor especializado centra-se no aluno e procura colmatar, através da
educação, os deficits em termos de desenvolvimento e de aprendizagem diagnosticados.
Segundo Ainscow (1998), mais recentemente, e ainda no âmbito desta conceção
deficitária, as respostas educativas evoluíram no sentido do apoio do professor
especializado ser realizado na escola regular, na sala de aula ou em espaço próprio
continuando, no entanto, a entender-se que as causas das dificuldades educativas
decorrem, sobretudo, das características particulares de cada indivíduo.
É no âmbito desta perspetiva que o contributo da medicina e da psicologia se
revela particularmente significativo, uma vez que permite processos de diagnóstico e de
classificação das diversas deficiências, os quais são determinantes na definição do tipo
de resposta educativa adequada a cada tipologia de deficiência.
Com efeito, face às dificuldades e défices dos alunos, a perspetiva em análise
possibilita respostas racionais baseadas na pesquisa científica, disponibilizando assim
um conjunto de intervenções que pretendem melhorar o desempenho dos alunos (Clark,
Dyson e Milward, 1998), e cuja eficácia tem vindo a ser cientificamente provada
(Heward, 2003).
Esta perspetiva deficitária foi e continua a ser alvo de acesas críticas no âmbito da
educação especial 45
. Parrilla Latas (1997) nas críticas que tece sublinha a visão
positivista do mundo que lhe subjaz, uma vez que, para além de se enfatizarem de forma
excessiva as características individuais e as diferenças entre os alunos, estas são
perspetivadas como entidades objetivas, suscetíveis de serem investigadas e
compreendidas pela psicologia e pela medicina, usando, para tanto, métodos das
ciências naturais. A este propósito Paul (1997, citado por Bairrão,2004, p.12), ao refletir
sobre os aspetos culturais da deficiência, sublinha a ausência de ética no tratamento da
45 Entre outros Parrilla Latas,1997; Melero, 1997; Ainscow,1998; Clark, Dyson e Milward, 1998; Rodrigues, 2001;
Bénard da Costa,2006.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 82
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
pessoa diferente, a qual resulta de uma investigação positivista que, embora tenha
possibilitado um conhecimento útil, forneceu conhecimentos limitados acerca dos
contextos de vida dos indivíduos. Outras críticas apontam a natureza estigmatizante das
classificações em termos sociais e educativos, bem como a escassa utilidade das
mesmas, quando se pretendem desenvolver processos de intervenção educativa (Bailey,
1998; Slee, 1995; 2011). Ora, não negando que a categorização enquanto suprema
referência e em função da forma como é utilizada e percebida pelos diferentes
intervenientes, pode ter consequências negativas e estigmatizantes em termos sociais e
educativos, a sua utilização, se encarada numa perspetiva diferente pode permitir uma
visão compreensiva e atenta das características da criança/jovem e o encontrar de
respostas educativas que ajudem a minorar e a prevenir dificuldades que poderão surgir.
Já a segunda perspetiva referida por Ainscow (1998) procura explicar as
dificuldades educativas com base na interação entre as características particulares da
criança e as da escola enquanto organização. Tendo como finalidades alargar o acesso
ao currículo a populações com características particulares com vista à sua integração
escolar, esta perspetiva implica e envolve uma maior responsabilização da escola e dos
professores, uma vez que aponta para o desenvolvimento de processos de adequação
curricular tendo em conta as características dos alunos. Nesse sentido, privilegiam-se
respostas educativas que incluem adaptações curriculares, materiais alternativos,
processos de diferenciação pedagógica, bem como o apoio suplementar de professores
especializados nas diversas problemáticas de forma ajudar os alunos com dificuldades a
atingir os objetivos e expectativas do sistema escolar em que estão inseridos.
É no movimento em prol da integração e da não discriminação das crianças com
deficiência, iniciado nos anos setenta, que esta perspetiva adquire particular
fundamento, sublinhando-se a necessidade de serem educadas num ambiente “o menos
restritivo possível”46
o que significa que compete às escolas de ensino regular encontrar
para cada uma o modelo de integração mais adequado.
É também no âmbito desta perspetiva que o conceito de necessidades educativas
46 Lei Pública 94-142 dos Estados Unidos.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 83
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especiais47
surge e começa a ser utilizado na educação especial A utilização deste
conceito mais genérico teve como intenção inicial retirar o estigma decorrente das
classificações médicas e psicológicas. No entanto, tal intenção não foi conseguida, uma
vez que, paradoxalmente, se tornou numa categoria referente a um grupo homogéneo,
grupo esse que continua a ser percecionado pela escola como deficitário em algum
aspeto do desenvolvimento ou da aprendizagem.
No sentido de tentar contrariar esta tendência, vários autores têm vindo, nos
últimos anos, a apresentar definições sobre o que se entende por necessidades
educativas especiais, numa clara tentativa de procurar operacionalizar o conceito.
Assim, segundo Wedell (1983), citado por Bairrão Ruivo (1998, p. 23), “O termo
necessidades educativas especiais refere-se ao desfasamento entre o nível de
comportamento ou de realização da criança e o que dela se espera em função da sua
idade cronológica”.
Já para Davidson,
“Um aluno tem necessidades educativas especiais se tem dificuldades na
aprendizagem que exigem a adaptação das condições em que se processa o
ensino/aprendizagem, isto é, uma dificuldade significativamente maior para aprender
do que a maioria dos alunos da mesma idade, ou uma incapacidade ou incapacidades
que o impedem de fazer uso das mesmas oportunidades que são dadas, nas escolas, a
alunos da mesma idade” (Davidson, s/d, citado no Parecer nº 1/99 do Conselho
Nacional de Educação).
Lewis e Norwich (1999) apresentam um modelo que abrange três tipos de
necessidades; as que são comuns a todos os alunos (por ex. motivação) e que são da
responsabilidade de todos os professores; as que são comuns apenas a alguns alunos
(por ex. surdez) e as que são únicas a um indivíduo (necessidades complexas), exigindo
ambas maiores níveis de especialização por parte dos professores.
47 Segundo o Warnock Report (1978) as necessidades educativas especiais incluem situações que implicam, por parte
da escola: (i) a disponibilização de meios especiais de acesso ao curriculum; (ii) a elaboração de currículos
especiais ou adaptados, e (iii) a análise crítica sobre a estrutura social e o clima emocional nos quais se processa a
educação. In: Special Educational Needs, H.M.S.O. Londres. Mais tarde, na definição proposta pela Education Act
(Londres, 1981) acentuam-se de novo as características individuais, uma vez que se entende que “uma criança tem
necessidades educativas especiais se tiver dificuldades de aprendizagem que requerem a intervenção da educação
especial”. Considera-se que uma criança tem dificuldades na aprendizagem: - (...) “se tiver dificuldades
significativamente maiores para aprender do que a maioria das crianças da sua idade ou – se tiver uma
incapacidade que a impede ou que lhe coloca dificuldades no uso dos meios educativos geralmente oferecidos nas
escolas” (...) (citado por Brennan,1990, p.34).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 84
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Estas definições evidenciam que o conceito em análise acentua fundamentalmente
as dificuldades na aprendizagem que qualquer aluno pode apresentar durante o seu
percurso escolar, quando comparado com a maioria dos alunos do seu grupo etário, as
quais podem decorrer ou não de deficiências.
O alargamento do âmbito deste conceito, ao enfatizar as dificuldades de
aprendizagem que podem surgir no processo educativo, decorrendo ou não de
deficiências ou de incapacidades, permite que o mesmo seja objeto de diferentes
interpretações, por teóricos, responsáveis políticos e práticos. A este respeito alguns
autores têm mostrado a sua preocupação, da qual compartilhamos ( Ainscow,1998 e
2006; Canário, 2006; Lopes, 2007). Canário sublinha que “quando um conceito permite
designar tudo, não permite distinguir e discriminar nada (...) e, nessa medida “deixa de
constituir um utensílio mental útil para se transformar num obstáculo à produção de
inteligibilidade” (2006:33). Lopes entende que, embora seja um dos termos mais
divulgados na educação especial, é talvez o menos feliz, dado “radicar na ideia
generosa da normalização da deficiência, uma vez que se considera que todos temos
necessidades educativas especiais num ou noutro momento da nossa vida” (Lopes,
2007, p. 81).
Apesar disso, na perspetiva de Rodrigues (2001), o conceito de necessidades
educativas especiais, ao desvalorizar as categorias como pressuposto educacional,
permite a mudança conceptual, ou seja, a passagem de uma conceção médico-
pedagógica categorial para uma conceção educacional (Rodrigues, 2001).
Numa postura crítica, Ainscow (1998; 2006) considera que a perspetiva que
preconiza a integração e na qual o conceito de necessidades educativas especiais assume
particular relevo, permite, muitas vezes, abordagens mais liberais que constituem, em
última análise, versões dissimuladas do modelo do défice, o qual continua a prevalecer
nas escolas e nas salas de aula; anos mais tarde, o autor sublinha ainda o efeito da
categorização no sistema educativo no seu todo, perpetuando a visão de que alguns
alunos precisam de ser segregados devido às suas deficiências. Neste cenário, Ainscow
(2006, p. 16) propõe a substituição das noções de necessidades educativas especiais e de
provisão educativa especial por “barreiras à aprendizagem e à participação” e por
“recursos para apoiar a aprendizagem e a participação”, sendo evidente como as
categorizações e a linguagem que lhes está associada constituem para este autor
dimensões negativas, dado dificultarem o desenvolvimento da conceção mais alargada
de inclusão que defende.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 85
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Ora, embora a integração constitua uma primeira sensibilização da escola
tradicional face à diferença, a intenção que lhe subjaz de integrar todos os alunos não é
de todo conseguida, devido à preocupação dominante em centrar a intervenção e o apoio
no aluno com necessidades educativas especiais e não no sistema escolar (Rodrigues,
2001).
A este respeito, importa referir os estudos realizados no nosso país por Sanches48
(1995) e Sanches & Teodoro (2007) nos quais se caracterizam as práticas dos
professores de educação especial e de apoio educativo nas escolas.
Nas conclusões do primeiro estudo, a autora sublinha que as práticas se centram
no apoio direto ao aluno, o qual pode ser realizado a nível individual ou grupal, dentro
ou fora da sala de aula e durante o horário escolar. Refere ainda que este apoio se
desenvolve tendo como referência o aluno, face ao qual o professor elabora um plano e
um programa educativo individual centrado no ensino/aprendizagem dos conteúdos
básicos da escolaridade obrigatória e na resolução de problemas sócio - familiares.
Nessa medida, os processos de apoio indireto, que envolvem outro tipo de funções junto
dos professores de ensino regular e da comunidade educativa são realizados de forma
pontual e esporádica, não tendo um papel relevante no quotidiano profissional dos
docentes especializados (Sanches,1995); no segundo estudo, realizado sobre os docentes
de apoio educativo, conclui também que a modalidade de intervenção mais praticada
por docentes sem especialização é a que elege o aluno para apoio, (Sanches e Teodoro,
2007), havendo diferenças relativamente a professores mais velhos e com
especialização, já que praticam modalidades de apoio mais “inclusivas”.
Analisando agora o paradigma crítico importa referir que as manifestações de
conflito e de desafio são entendidas como interações sociais desiguais, como relações de
poder, inevitáveis nas relações sociais. Mais do que o conflito, neste paradigma a coesão
social é o estado natural desejável. A ênfase é portanto colocada na inclusão enquanto
ingrediente fundamental para a criação de uma economia moderna de conhecimento e,
nessa medida, insiste-se na importância de reconhecer as necessidades individuais da
criança e de disponibilizar recursos para um melhor rendimento educativo (Ridell,
2007).
48 Entre outros, o primeiro estudo referido, tinha como objetivos caracterizar a formação desenvolvida em três cursos
de especialização em educação especial realizados no nosso país entre 1976 e 1991 e caracterizar a prática educativa
exercida pelos professores. A caracterização das práticas baseou-se em dados decorrentes da realização de
entrevistas, de observações naturalistas e de análise documental das planificações dos professores de educação
especial (Sanches,1995).O segundo estudo (2007) procurava identificar os indicadores de educação inclusiva nas
práticas dos professores de apoio educativo.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 86
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
É pois neste paradigma que podemos situar a terceira perspetiva sobre a natureza
das dificuldades educativas, na qual estas são explicadas em termos de limitações
existentes no currículo escolar, partindo do pressuposto de que as mudanças
introduzidas para beneficiar os alunos com dificuldades educativas podem conduzir a
uma melhoria da aprendizagem de todos (Hart,1992; Slee,2011), o que nos parece
válido no que se refere ao desenvolvimento das capacidades socio-emocionais dos
alunos e da interiorização de valores de respeito e de aceitação da diferença, mas talvez
um tanto radical, no campo da aprendizagem.
Neste cenário, as necessidades educativas especiais são perspetivadas como o
produto de processos essencialmente sociais e, nessa medida, não podem ser entendidas
com base nas características individuais dos alunos, sendo fundamental considerar, na
sua definição, a influência do contexto social e educativo. Assume-se, assim, a sua
natureza subjetiva e relativa já que se entende serem socialmente produzidas;
consequentemente considera-se que se mudarmos os fatores sociais, nomeadamente o
discurso, a escola e as estruturas, aquelas necessidades deixam, em última análise, de
existir (Dyson,1990).
E, uma vez que as dificuldades que alguns alunos experimentam no seu processo
educativo se perspetivam como referentes fundamentais dado permitirem a identificação
dos aspetos que importa melhorar na organização do currículo e da prática pedagógica,
postula-se uma intervenção centrada principalmente no currículo comum
(Ainscow,1998).
Assim sendo, a criação de escolas que permitam a aprendizagem de todos os
alunos implica, no entender de Ainscow (1998) que os professores do ensino regular se
tornem mais reflexivos e críticos relativamente à sua prática pedagógica para, deste
modo, introduzirem as mudanças e os melhoramentos necessários à aprendizagem.
Na perspetiva em análise assumem particular relevo e constituem-se de novo
como referentes fundamentais os princípios educativos que preconizam o direito à
educação, o direito à diferença e o direito à igualdade de oportunidades numa escola
para todos.
De facto, são estes os princípios reafirmados e de novo enunciados49
na
49 Princípios já enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração de Educação para Todos e
nas Normas sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 87
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)50
onde se preconiza uma escola inclusiva,
na qual todos os alunos de uma mesma comunidade, sempre que possível, devem
aprender juntos, independentemente das diferenças e das dificuldades individuais. A
definição de escolas inclusivas que seguidamente se transcreve revela bem esta ideia:
“ As escolas devem acomodar todas as crianças independentemente das suas
condições físicas, intelectuais, emocionais, linguísticas, ou outras. Isto deveria
incluir crianças comprometidas e crianças talentosas ou deficientes, meninas,
crianças trabalhadoras e de rua, crianças de áreas remotas, viajantes ou
população nómada, crianças que perderam seus pais por AIDS ou em guerra
civil, crianças de minorias étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em
desvantagem ou marginalizados” (Unesco, 1994, p.41).
Nesta declaração considera-se que o conceito de necessidades educativas especiais
abrange “todas as crianças e jovens cujas necessidades se relacionam com deficiências
ou dificuldades escolares”, acentuando-se o papel determinante das escolas regulares na
promoção de uma educação inclusiva. Com efeito, entende-se que as escolas
“constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando
comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a
educação para todos (..), pretendendo-se, em última análise, garantir uma “genuína
igualdade de oportunidades” (Unesco,1994).
Hegarty (1994) citado por Rodrigues (2001, p.19), define o conceito de educação
inclusiva como “o desenvolvimento de uma educação apropriada e de alta qualidade
para alunos com necessidades especiais na escola regular”. Esta definição mostra que a
educação não é apenas para os alunos com condições de deficiência estabelecidas com
base numa lógica médico-psicológica, mas sim para “alunos com qualquer necessidade
especial”, o que abrange todos os tipos e graus de dificuldades em acompanhar o
currículo escolar.
Sobre este assunto, vários autores (Ainscow et al.2006; Hausstätter,2007;
Abbott,2007) referem que no campo educativo existem muitas perspetivas diferentes
sobre inclusão; alguns entendem que este conceito pode ser definido de forma descritiva
e prescritiva, indicando ora a variedade de formas usadas na prática, ora a forma como
50 A Declaração de Salamanca foi elaborada pelo Congresso Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, o
qual foi realizado pelo governo espanhol em colaboração com a Unesco, tendo contado com a participação de 92
países e de 25 organizações internacionais.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 88
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
gostaríamos que o conceito fosse usado por outros. Neste contexto, Ainscow et al.
(2006) desenvolveram uma tipologia onde descrevem seis formas possíveis de
equacionar a inclusão, que passamos a referir:
1- Inclusão como preocupação com os alunos deficientes e outros categorizados
como apresentando NEE
2- Inclusão como resposta à exclusão decorrente de problemas
disciplinares/comportamentais;
3- Inclusão em relação a grupos considerados vulneráveis à exclusão;
4- Inclusão como forma de desenvolver uma escola para todos;
5- Inclusão como uma “Educação para Todos”;
6- Inclusão como principal abordagem da educação e da sociedade.
A figura 2 ilustra a nossa interpretação da forma como este conceito pode ser
usado no campo educativo com aceções mais restritas ou mais amplas, muito embota
numa primeira fase, tenha surgido para dar uma resposta mais convincente à inserção
das crianças com NEE na escola e na sociedade (Ainscow, 2001, citado por César,
2003).
Figura 2. Seis formas de pensar a inclusão (com base em Ainscow et al. 2006)
Como sublinha Rodrigues, com a inclusão o que está em jogo é a necessidade da
escola “responder, de forma apropriada e com alta qualidade à diferença em todas as
formas que ela possa assumir” (Rodrigues,2001, p.19), não devendo a sua definição
consequentemente limitar-se a alunos com necessidades educativas especiais.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 89
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Ora, a defesa de uma escola inclusiva, que concebe a diversidade e a diferença
como valor educativo de referência51
, para além de envolver uma mudança profunda na
forma de perspetivar a educação especial, (uma vez que remete para a necessidade de
repensar o seu objeto, as suas funções, o seu âmbito e modalidades de intervenção),
implica, sobretudo, a necessidade de repensar a educação em termos globais. Com
efeito, a educação inclusiva constitui uma rutura com os valores da escola tradicional, já
que pretende equacionar formas alternativas de aprendizagem para todos os alunos e
não apenas para um aluno - padrão (Rodrigues, 2003). Nesta ordem de ideias, Parrilla
Latas (1997) considera que a nova educação especial constitui uma contra cultura que
pretende introduzir valores, conhecimentos e práticas nas escolas que contrariam as
formas mais tradicionais. E, a este respeito, Melero (1997) sublinha a necessidade de em
termos educativos se procurar uma nova axiologia que considere a diferença como valor
e não como defeito. No seu entender, o respeito pela diferença implica o
reconhecimento do ser diferente, sendo a tolerância o valor essencial e imprescindível
numa cultura de diversidade na escola.
Sublinhando que os contextos onde os professores trabalham são complexos e
contraditórios, envolvendo escolhas e decisões difíceis, (dado o eventual
desconhecimento das consequências da ação e o conflito de valores), Ainscow et al.
(2006) consideram que a cultura organizacional das escolas, as comunidades de prática
e a consequente aprendizagem dos professores são fatores decisivos no processo de
mudança de práticas não inclusivas de uma escola para práticas mais inclusivas.
Entendem assim que, nas escolas que têm uma cultura inclusiva:
a) existe um certo grau de consenso sobre os valores face à diferença e um
compromisso de assegurar a todos os alunos o acesso a oportunidades de aprendizagem;
b) verifica-se um elevado nível de colaboração na resolução conjunta de
problemas;
c) promovem-se culturas de participação;
d) disponibiliza-se o apoio de especialistas nas salas do ensino regular;
e) existem líderes comprometidos com os valores da inclusão e com um estilo que
encoraja a participação; e,por último,
f) desenvolvem-se boas relações com os pais e com a comunidade (Ainscow et al.,
2006).
51 Melero,1997; Parrila Latas, 1997; Tilstone, Florian e Rose, 2003; Rodrigues, 2003; Bénard da Costa, 2006.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 90
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Por sua vez, a criação de comunidades de prática no seio das escolas constitui
uma forma de facilitar a reflexão sobre o que é necessário mudar. Tendo com referência
a compreensão partilhada de experiências, estas comunidades permitem o
desenvolvimento de abordagens ao ensino e à aprendizagem, de estratégias e de
procedimentos que, sendo comuns, são aceites pelo grupo, num processo constante de
negociação e de re-negociação de significados entre os participantes. Estas comunidades
possibilitam, em última análise, uma aprendizagem organizacional, ou seja, uma
oportunidade da escola, enquanto organização, poder realizar melhor aquilo a que se
propõe e, consequentemente, um meio facilitador do desenvolvimento profissional dos
professores.
É neste contexto que o debate sobre as finalidades da educação especial e sobre a
legitimidade e adequação da sua de intervenção na escola atual ganha relevo, tendo-se
desenvolvido posições teóricas opostas e, em alguns casos, extremas, reveladoras da
crise e da mudança existente neste domínio.
Com efeito, a defesa de uma educação e de uma escola inclusiva, ao questionar as
práticas desenvolvidas no âmbito da educação especial e ao apontar para um conjunto
de valores liberais e humanos caros à sociedade atual, possibilitou o aparecimento de
posições divergentes relativas à forma e ao local onde deverão ser educados os alunos
com necessidades educativas especiais.
Alguns autores, como Melero (1997), defensores da inclusão total consideram a
educação especial desnecessária e, nessa medida, apontam para a inevitabilidade de
abandonar todo o tipo de conceitos e de práticas que lhe estão associadas e de centrar na
educação e na mudança da escola regular a resposta à diversidade (Fuchs e Fuchs,1994).
Outros autores entendem que se o que está em causa é a celebração da diversidade
na escola, será legítimo e imprescindível assegurar a diversidade de serviços, de
programas e de ambientes próprios, de forma a ser possível educar convenientemente as
crianças com necessidades educativas especiais (Kauffman,1993, 2000; Heward, 2003,
2006; Correia, 2003, 2006, 2008; Lopes, 2007).
A este propósito, importa referir o contributo de Bairrão (2004) quando analisa de
forma comparada o movimento em prol da inclusão no Reino Unido e nos Estados
Unidos da América. Considerando importante esse movimento, entende que no Reino
Unido, as práticas educativas inclusivas se têm fundamentado mais em valores
educativos, não existindo ainda uma “armadura conceptual” que valide, de forma
inequívoca a inclusão. Por sua vez, nos Estados Unidos da América embora se assista
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 91
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
atualmente a uma maior consciencialização sobre as implicações éticas das políticas e
das práticas em educação especial, prevalece ainda uma conceção deficitária na forma
como são identificados os alunos com necessidades educativas especiais, o que no seu
entender é inaceitável. No entanto, não deixa de referir investigações recentemente
desenvolvidas52
que fundamentam “um modelo inclusivo de educação na medida em
que as crianças aprendem, sobretudo quando se atua sobre o meio ambiente por forma
a que encontrem oportunidades de aprendizagem ricas, adultos envolventes e pares
estimulantes e organizadores” (Bairrão,2004, p.14).
Consideramos que, enquanto área de intervenção, a educação especial justifica-se
e fundamenta-se quando equaciona o carácter evolutivo da aprendizagem e do
desenvolvimento humano, (negando assim a natureza irreversível das diferenças
individuais) e quando sublinha a influência determinante dos valores e dos contextos na
educação de qualquer ser humano. Estes pressupostos legitimaram, como vimos,
respostas educativas diversas e díspares, envolvendo ora a segregação, ora a integração
na escola, e constituem atualmente fundamentos para a defesa de uma escola inclusiva
capaz de educar todas as crianças que a frequentam.
Na área da educação especial, a mudança de uma perspetiva integrativa para uma
perspetiva inclusiva constituiu, segundo alguns autores (Vislie, 2003; Hausstätter,
2004), a grande transformação, com influência evidente não só nas conceções e nas
práticas educativas, mas também nos processos de investigação a desenvolver neste
domínio.
Neste contexto, no âmbito da educação especial, podem distinguir-se, segundo
Hausstätter (2004), três programas de investigação: médico-psicológico, sociológico e
organizacional (cf. quadro 7).
52 Estudos recentes reafirmaram que “o comportamento das crianças muda em função das expectativas das pessoas
que cuidam delas e, também, quando interagem com pares a quem, por sua vez, vão modificar o comportamento”
(Sameroff & Mackenzie, 2003, citados por Bairrão,2004, p.14); outros estudos vieram mostrar que “os
comportamentos das crianças com incapacidades melhoram sensivelmente se os recursos da escola, da família e da
comunidade actuarem de forma organizada na solução dos problemas” (Zipper,2004, citado por Bairrão, 2004,
p.15).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 92
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quadro 6 - Programas de investigação na educação especial (com base em Hausstätter,
2004)
Programa de
investigação
Conceção de deficiência /
diferença
Papel da educação especial
Médico-
psicológico
Natureza biológica e
psicológica das diferenças
individuais; entidades
objetivas e mensuráveis;
distinção entre o normal e o
patológico;
Procura de diagnóstico médico e
psicológico; apoio da educação
especial para facilitar a integração.
Sociológico
A diferença e a deficiência
enquanto construções sociais
que excluem e marginalizam
aqueles que não estão de
acordo com o “status quo”.
Educação especial como reprodução
das desigualdades sociais. Propor
soluções alternativas à estrutura
social? Romper com a forma
tradicional de organização escolar?
Organizacional
Comportamento como
resultado da estrutura
organizacional do sistema
escolar a que o aluno
pertence.
Criar sistemas escolares onde todos,
independentemente de terem ou não
qualquer deficiência, interagem
como membros de uma mesma
comunidade.
Note-se que o termo paradigma é polissémico e pode comportar pressupostos
ontológicos sobre a natureza da realidade e do conhecimento que alguns autores tentam
ultrapassar, recorrendo ao conceito de programa de investigação como substituto
(Boavida e Amado, 2008), como é o caso do autor da tipologia de programas de
investigação antes apresentada.
Assim sendo, será fundamental que as questões com que se debate atualmente a
educação especial não se centrem em posições dicotómicas, devendo antes optar-se,
como sublinham alguns autores (Bairrão2004; Odom et al. 2005; Brantlinger, 2005),
por uma complementaridade de paradigmas que possibilite, através de métodos mistos,
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 93
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a prática de investigação. Neste cenário, será importante desenvolver três formas de
investigação: a tradicional, a baseada na evidência da prática dos técnicos e, por último,
a centrada nos valores, de forma a captar as características das pessoas e a sua
subjetividade (Bairrão, 2004).
2.2 Educação inclusiva e igualdade de oportunidades – entre intenções políticas e
práticas educativas.
Numa escola que se pretende para todos, a questão da igualdade de oportunidades
educativas constitui um direito inalienável, significando, em termos políticos e legais,
que, perante a lei, todos os indivíduos têm o direito a ingressar e a participar no sistema
educativo (Cardoso,1996).
Neste quadro, em termos de política educativa, Portugal tem procurado
acompanhar os princípios e as mudanças preconizadas na comunidade internacional
relativamente à educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
De facto, a Lei de Bases do Sistema Educativo (L.B.S.E.46/86) é clara quando
considera fundamental democratizar o ensino e quando preconiza uma “justa e efetiva
igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares”. A análise dos objetivos que
se definem para o ensino básico mostra a intenção clara de:
-“assegurar às crianças com necessidades educativas específicas (...) condições
adequadas ao seu desenvolvimento e ao pleno aproveitamento das suas capacidades” e,
- “criar condições para o sucesso escolar e educativo de todos os alunos”.
Normativos legais posteriores53
vieram consubstanciar formas de implementação
destes princípios educativos, anunciando em termos gerais que a escolaridade é
obrigatória também para alunos com necessidades educativas especiais, que a escola
dita “regular” é responsável pela educação dos alunos com deficiências ou com
dificuldades de aprendizagem, que a educação destes se deve processar num meio o
menos restritivo possível, definindo-se, consequentemente, um conjunto de medidas a
implementar, visando a integração.
Estas disposições oficiais assumiram particular significado no âmbito da educação
especial, uma vez que legitimaram práticas de integração escolar, já desenvolvidas no
nosso país desde a década de 70, e permitiram um progressivo acesso dos alunos com
necessidades educativas especiais à escola.
53 Decreto-lei nº 35/ 90 e Decreto-lei nº 319/91.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 94
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Este acesso tornou-se ainda mais evidente após a adesão do nosso país aos
princípios educativos enunciados na Declaração de Salamanca (1994), a qual adquiriu
visibilidade com a publicação do Despacho – conjunto nº 105/97 que preconiza a escola
inclusiva e regulamenta os apoios educativos.
Neste despacho, a responsabilidade pelo percurso educativo dos alunos com
necessidades educativas especiais deixa de ser imputada apenas ao professor da turma e
ao professor de educação especial, exigindo antes uma articulação entre os diversos
agentes educativos (órgãos de gestão e coordenação da escola, docentes da turma,
alunos, docentes de apoio educativo, equipas de coordenação dos apoios educativos,
auxiliares de ação educativa, famílias e outras estruturas e serviços do meio), o que
significa uma efetiva responsabilização de toda a comunidade escolar.
No despacho antes referido, os professores de educação especial, passam desde
então a designar-se “docentes de apoio educativo” e, a criação desta “nova” figura
significa não apenas uma alteração terminológica, mas, sobretudo uma mudança em
termos das funções e papéis que lhes são agora atribuídos. Com efeito, as funções destes
docentes não se limitam às do tradicional professor de educação especial, cuja
intervenção se centra no apoio direto ao aluno com necessidades educativas especiais,
devendo antes e, sobretudo, abranger a otimização do processo de aprendizagem de
todos os alunos da escola, o que envolve processos de colaboração com os professores
das turmas e de participação efetiva na gestão e organização da escola, de forma a
sensibilizar toda a comunidade educativa para a importância da educação inclusiva.
A implementação prática do Despacho – conjunto nº 105/97 teve consequências
evidentes num significativo aumento do número de alunos com necessidades educativas
especiais integrados no sistema regular de ensino. De facto, se considerarmos a
informação divulgada pela Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação
Especial em 2003, verificamos que, de entre os países que aderiram aos princípios da
escola inclusiva, Portugal se encontra no grupo que tem menos de 1% do total da
população escolar em escolas especiais.
A intenção de garantir uma escola inclusiva implicou um aumento substancial do
número de docentes de apoio educativo; no entanto, tal não significou um atendimento
adequado e eficaz às necessidades educativas especiais, uma vez que muitos dos
docentes recrutados para apoio não tinham tido qualquer formação nesse sentido.
Por sua vez, as práticas posteriormente desenvolvidas mostraram-se por vezes
ineficazes, em grande parte devido a dificuldades nos processos de identificação das
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 95
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
necessidades educativas especiais dos alunos. Esta situação teve consequências, quer no
que diz respeito ao atendimento destes alunos, quer no que toca à organização geral da
escola.
Com efeito, a observação realizada em algumas escolas permite perceber que a
inclusão se limitou, por vezes, à colocação na sala de aula de alunos com necessidades
educativas especiais sem qualquer apoio especializado ou com o apoio de docentes
recém licenciados sem qualquer experiência no ensino. Por outro lado, verificaram-se,
com alguma frequência, situações em que os alunos são retirados da sala de aula para
apoio especializado, quando as dificuldades que manifestam na aprendizagem deveriam
ser equacionadas no âmbito de uma gestão mais flexível do currículo, por parte do
professor.
Assim sendo, no final dos anos noventa, o aumento verificado do número de
alunos sinalizado para apoio educativo evidenciou, por um lado, a dificuldade das
escolas e dos professores em delimitarem o conceito de necessidades educativas
especiais e, por outro, a importância de definir com maior clareza o âmbito e a natureza
das funções a desempenhar pelo professor especializado na escola atual.
Posteriormente e já na primeira década de 2000, novas mudanças surgiram m
termos de política educativa: por um lado a criação de um quadro de professores de
educação especial, a sua maior vinculação a escolas e a agrupamentos através de
concurso próprio (decreto-lei nº20/2006) e, por outro, a definição dos “apoios
especializados”, visando “responder às necessidades educativas especiais dos alunos
com limitações significativas ao nível da atividade e da participação” (decreto-lei nº
3/2008).
Tendo como referente as medidas previstas no despacho-conjunto nº 105/97,
Sanches &Teodoro (2006), consideram que com esta mudança de designação se recua
várias décadas em termos não só do discurso, mas também em termos das práticas que
visavam a construção de uma escola para todos.
Por sua vez, no início de 2008, com a publicação do decreto-lei nº 3, definem-se
de novo um conjunto de medidas que irão alterar de forma substantiva a intervenção da
educação especial.
Desde logo convém assinalar as mudanças nas designações, algo que, como temos
vindo a constatar ao longo deste capítulo, constitui tema/problema recorrente no
domínio da educação especial: docente de apoio educativo/ docente de educação
especial; apoios educativos/apoios especializados; necessidades educativas especiais/
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 96
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
necessidades educativas especiais de carácter permanente; identificação de
NEE/referenciação de NEE… Por sua vez é evidente o retomar de conceitos que na
anterior legislação eram subliminares, como por exemplo o de educação especial, de
docente de educação especial e de apoios especializados.
Mas para além destas novas designações, o decreto-lei determina, entre outros
aspetos que:
- a intervenção do docente de educação especial deve incidir em alunos com
necessidades educativas especiais de carácter permanente, sendo para tanto fundamental
o desenvolvimento de um processo e de um relatório de avaliação técnico-pedagógico
onde constem os resultados obtidos por referência à Classificação Internacional de
Funcionalidade;
- com base na avaliação antes referida, importa tomar decisões sobre as seis
medidas educativas possíveis a implementar: apoio pedagógico personalizado;
adequações curriculares individuais; adequações no processo de matrícula; adequações
no processo de avaliação; currículo específico individual; tecnologias de apoio;
- a educação de crianças e jovens surdos, de alunos cegos e com baixa visão, de
alunos com perturbações do espectro de autismo e de alunos com multideficiência e
surdo-cegueira, se realize nas escolas do ensino regular, em modalidades específicas: ou
em escolas de referência ou em unidades de apoio especializada criadas para o efeito.
Importa notar que todas estas mudanças têm como base
“um sistema de educação flexível, pautado por uma política global integrada, que
permita responder à diversidade de características de todos os alunos que implicam a
inclusão das crianças e jovens com necessidades educativas especiais no quadro de
uma política de qualidade orientada para o sucesso de todos os alunos” (decreto-lei
3/2008).
Parecem-nos portanto pertinentes as críticas que Correia (2008) assinala quando
analisa aquele decreto-lei, quer em termos dos pressupostos em que se fundamenta, quer
em termos das respostas educativas que se propõe assegurar. Nesse sentido, quando
analisa o preâmbulo, refere, e citamos, que:
“(…) “estamos perante um decreto-lei sintática e semanticamente confuso,
bastando para o confirmar, ler-se o primeiro parágrafo do seu preâmbulo. Retórico,
com os chavões que, nesta matéria já nos acostumámos a ouvir, tal como “todos os
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 97
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
alunos têm necessidades educativas …”, ficando-se pela oratória em detrimento da
conceptualização de termos como, por exemplo, o de inclusão, de educação especial e
de necessidades educativas especiais.” (Correia,2008, p. 71,72)
E, a propósito das respostas educativas que o decreto em análise se propõe
facultar, o autor que temos vindo a seguir sublinha “a condição restritiva e
discriminatória da lei” (op cit. p. 73), uma vez que parece limitar o atendimento a
crianças e jovens com determinadas necessidades educativas especiais, discriminando
alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem específicas, desordens por défice
de atenção, perturbações emocionais e de comportamento, e que em seu entender
representam a maioria os alunos com necessidades educativas especiais.
Em síntese, as sucessivas mudanças em termos de política educativa que nos
últimos anos vêm acontecendo no domínio da educação especial mostram que a
tentativa de ir ao encontro de princípios e políticas preconizadas internacionalmente, se
tem desenvolvido num processo caracterizado ora por avanços súbitos, ora por
retrocessos, que terão com certeza repercussões na prática profissional, na qualidade das
respostas educativas proporcionadas às populações com necessidades educativas
especiais e na formação que, entretanto, se vem realizando neste domínio.
De facto, a análise comparativa entre os pressupostos e princípios preconizados no
despacho-conjunto nº 105/95 e as disposições do decreto-lei nº 3/2008 revela a
existência de pontos de vista divergentes, apontando-se ora para a necessidade de
mudança e de intervenção na escola enquanto organização numa perspetiva não
categorial, ora para a urgência de responder de forma eficaz às necessidades educativas
especiais de carácter permanente, explicitando de forma inequívoca as categorias que se
enquadram neste conceito, contrariando assim os pressupostos e princípios de uma
escola inclusiva que respeita e valoriza a diversidade, e que considera nefastas as
classificações e as categorizações.
É pois neste cenário caracterizado pela descontinuidade das políticas educativas
que os professores de educação especial vêm exercendo as suas funções nas escolas,
sendo difícil compreender quais são efetivamente as funções e os papéis que lhe são
atribuídos. E, é também perante esta pluralidade de funções que lhes vêm sendo
atribuídas ao longo dos últimos anos (através dos dois decretos antes analisados), que a
formação especializada tem vindo a organizar-se, de modo a ir ao encontro das
necessidades determinadas pelo sistema.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 98
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
2.3 A formação do professor de educação especial.
As diferentes conceções teóricas referidas anteriormente têm consequências no
modo como a formação especializada tem vindo a ser equacionada. Questionando-se
atualmente qual deverá ser o papel e as funções do professor de educação especial,
questiona-se qual o modelo de formação que melhor responde a um determinado perfil
de desempenho.
O que é que se entende por professor de educação especial? Será um perito, um
especialista que aplica técnicas específicas e cientificamente fundamentadas face aos
diferentes tipos de deficiências ou será um profissional da mudança educativa que é
capaz de responder de forma única e adaptada às necessidades e problemas das
situações singulares com que se depara?
Como responder a estas questões? Será que as conceções de professor
especializado acima referidas são conciliáveis e pertinentes no contexto da escola atual?
Se o são, como equacionar processos de formação que contemplem a vasta gama de
competências que lhe são inerentes?
A formação de professores especializados54
constitui atualmente uma realidade
complexa, uma vez que não pode deixar de responder a uma determinada conceção de
educação especial, cujos pressupostos terão necessariamente impacto no perfil do
professor que se pretende formar.
No nosso país, a formação especializada em educação especial55
é entendida como
uma formação acrescida, a realizar por instituições do ensino superior, às quais compete
o desenvolvimento de cursos que permitam o desenvolvimento de competências de
análise crítica, competências de intervenção, competências de formação, de supervisão e
de avaliação e de consultadoria.
No âmbito destes três domínios, enumeram-se quinze competências a desenvolver
na formação e que consubstanciam, em última análise, o perfil de desempenho esperado
para o professor de educação especial. A análise global das competências previstas
mostra que se atribui ao professor especializado um conjunto vasto e diversificado de
54 A formação de professores de educação especial iniciou-se no nosso país nos anos 40 do século passado no
Instituto António Aurélio da Costa Ferreira. Esta instituição foi responsável durante quatro décadas pela
especialização de professores em ensino/educação especial, sendo extinta em 1986, altura em que a formação em
educação especial passou a ser ministrada na Escola Superior de Educação de Lisboa. De há uns anos a esta parte,
com a liberalização da oferta formativa, a formação de professores especializados é realizada por diversas instituições
de ensino superior, quer estatais, quer privadas. 55 Cf. Despacho conjunto nº 198/99 de 15 de Fevereiro, no qual se definem os perfis de formação na formação
especializada de professores, tendo como base o regime jurídico da formação especializada de educadores de infância
e de professores dos ensinos básico e secundário aprovado pelo Decreto-Lei nº 95/97 de 23 de Abril.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 99
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
papéis e de funções que, não se limitando à intervenção junto de alunos com
necessidades educativas especiais e suas famílias, abrange também a intervenção na
escola enquanto organização, o apoio na formação contínua de professores do ensino
regular e a colaboração na formação de professores especializados e dos órgãos de
gestão das escolas.
Em termos gerais a formação tem vindo a desenvolver-se no sentido de formar
professores com vista ao atendimento de alunos portadores de determinada deficiência.
Nessa medida, existem professores especializados em diferentes categorias deficitárias,
pretendendo-se que as mesmas correspondam às exigências inerentes ao recrutamento
destes profissionais. Ao longo das últimas duas décadas, a tipologia dos cursos e as
designações das diversas especializações foram sendo alteradas, no sentido de se
adaptarem não só às conceções desenvolvidas neste domínio, mas também às exigências
do próprio sistema educativo. Nessa medida alguns cursos de formação centraram-se
mais no desenvolvimento de competências de apoio e de intervenção junto não só dos
alunos, mas sobretudo junto dos professores e das escolas, tendo em vista a sua
mudança.
Mas, grande parte da formação que vem sendo realizada fundamenta-se
simultaneamente nos pressupostos dos modelos deficitário e interativo anteriormente
referidos (Ainscow,1998), concebendo-se o professor de educação especial como um
perito em determinada categoria de deficiência/problemática, a quem, enquanto recurso
da escola compete a procura de respostas adequadas que facilitem a integração dos
alunos com necessidades educativas especiais bem como a colaboração e o apoio a toda
a comunidade escolar.
Sanches (1995), no estudo empírico que realizou sobre a formação especializada
concluiu que alguns cursos56
se caracterizavam por uma abordagem teórico-prática,
realizada no âmbito da investigação em educação, bem como pela preocupação em
considerar o formando como sujeito da sua própria formação, dinamizador de
aprendizagens dos alunos e com uma intervenção mais alargada a nível social. Nessa
medida, sublinha que alguns cursos de formação especializada assentavam num modelo
educativo de intervenção, no qual o discurso de natureza pedagógica e educativa ganha
relevo, e onde as áreas de especialização se organizam em torno de determinado tipo de
56 O estudo envolveu a formação desenvolvida no Ensino Superior, sob a responsabilidade do Ministério da
Educação, entre 1976 e1991, contemplando três cursos: Curso de Formação de Professores do Ensino Especial do
Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, Curso de Educação Especial da Escola Superior de Educação de Lisboa e
Curso de Educação Especial da Escola Superior de Educação do Porto.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 100
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
problemas do indivíduo. No entanto, não deixa de assinalar as diferenças existentes
entre os cursos de especialização, relativamente às conceções de formação subjacentes e
às diferentes designações das áreas de especialização.
Correia (1999) entende que a formação especializada deve permitir ao professor a
aquisição de competências específicas que lhe permitam desempenhar
convenientemente as suas funções e, nessa medida, enumera um conjunto de
conhecimentos e capacidades a desenvolver no processo formativo.
A análise desta proposta (ver quadro 8) permite perceber por um lado, a
preocupação em centrar a formação na aquisição de um conjunto de conhecimentos
específicos com vista a um adequado atendimento do aluno com necessidades
educativas especiais e, por outro, o vasto leque de funções e de papéis atribuídas ao
professor especializado.
Quadro 7 - Competências a desenvolver na formação e funções do professor
especializado (Correia,1999, pp. 163,164)
Competências a desenvolver na formação Funções do professor especializado
1.Capacidades de diagnóstico,
prescritivas e de avaliação processual;
2. Conhecimento dos currículos regulares
e ser capaz de identificar, adaptar e
implementar currículos alternativos;
3. Conhecimentos do tipo de materiais
educacionais usados na implementação de
programas e das novas tecnologias
adaptadas à educação especial;
4. Conhecimento sobre todo o processo de
1. Planificação/programação:
desenvolver planos e programas de
intervenção individualizados tendo em
conta as necessidades do aluno e do
professor do ensino regular;
implementar, avaliar e rever os planos
e os programas de intervenção
individualizados;
2. Prestação de serviços diretos:
intervenção junto do aluno nas áreas
curriculares onde existem problemas
académicos e sociais;
3. Prestação de serviços indiretos:
apoiar o professor do ensino regular;
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 101
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
avaliação educacional;
5. Perceber o processo administrativo que
leva à organização e gestão do ambiente
de aprendizagem (...);
6. Conhecimento de técnicas escolares de
orientação (vocacional) e aconselhamento;
7. Ter facilidade nas relações humanas e
públicas (administradores, gestores,
colegas, pais e alunos);
4. Formação em serviço:
colaborar na formação do professor do
ensino regular e do professor de
educação especial não especializado;
5. Educação parental:
intervir no processo que estimule o
envolvimento dos pais na educação;
6. Administração e gestão:
colaborar na elaboração de Programas
Educativos Individualizados, na
formação de equipas mutidisciplinares,
na organização de estudos de caso;
E, muito embora não seja possível definir atualmente o que constitui um bom
professor de educação especial, a proposta em análise parece fundamentar-se na ideia de
que “a legitimidade e a utilidade de um saber são suficientes para legitimar e justificar
a formação” (Demailly,1992, p.146), concebendo-se o professor como um especialista,
ou como um técnico que aplica com rigor as regras que derivam do conhecimento
científico (Gómez,1992).
Posteriormente, Correia (2003, pp. 36,37), quando analisa as implicações dos
princípios subjacentes à escola inclusiva no que diz respeito às funções e papéis a
desempenhar pelo professor de educação especial, considera-o como um técnico
especializado, mas cujas funções deverão ser “cada vez mais de consultoria e menos de
apoio direto”(...) “quando se trata de responder com eficácia às necessidades dos
alunos com NEE”. Nessa medida, entende que no seu desempenho profissional o
professor de educação especial deverá, entre outros aspetos, (...)“colaborar com o
professor da turma (ensino em cooperação); efetuar trabalho de consultoria (a
professores, pais, outros profissionais de educação); fazer planificações em conjunto
com professores de turma; trabalhar diretamente com o aluno com NEE (na sala de
aula ou sala de apoio a tempo parcial, se determinado no PEI do aluno).
Na mesma linha se situa Kronberg (2003, p.51) quando sublinha a importância
dos professores de educação especial “se familiarizarem com os currículos e rotinas
típicas de uma classe do ensino regular”, bem como a necessidade de estarem
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 102
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
disponíveis para um apoio generalizado a todos os alunos das classes regulares, não
deixando de apoiar de forma individualizada os alunos com necessidades educativas
especiais.
Recentemente Correia (2008), sublinhando a importância de repensar a formação
especializada, pela influência que a mesma pode ter no sucesso escolar dos alunos com
NEE, e tendo como referência prevalências de outros países sobre estas populações,
entende que aquela formação se vem centrando sobretudo em problemáticas mais
severas e não nas problemáticas mais prevalentes de NEE; consequentemente entende
que a formação não tem preparado os professores de educação especial para atender as
necessidades desses alunos.
Resulta evidente que os pressupostos inerentes à educação inclusiva, têm tido
impacto na forma como atualmente se definem as funções e os papéis a desempenhar
pelos professores de educação especial e nas perspetivas sobre a formação especializada
que importa desenvolver.
De facto, tendo como pano de fundo a defesa de uma escola inclusiva que
responde à diversidade, na última década assistimos à proliferação de cursos, que
apontam para um profissional mais generalista e onde a vertente de especialização em
determinada área de deficiência é menos valorizada. É neste cenário que a polivalência
surgiu como alternativa, assumindo-se como uma formação não categorial, uma vez que
se valorizam fundamentalmente competências relacionadas com os processos de
adaptação do ensino e de organização de apoios e de recursos que respondam às
necessidades educativas especiais (Parrilla Latas, 1997).
Neste âmbito, importa referir o contributo de Reynolds (1988;1990) que apresenta
um conjunto de tópicos que, em seu entender, poderão constituir uma base de reflexão
para a revisão dos programas de formação em educação especial, tendo como
pressuposto a resposta à diversidade.
Quadro 8 - A cultura da diversidade e a formação de professores especializados
Responder à Diversidade – Conteúdos a integrar na Formação Especializada
Conhecimento sobre princípios legais e éticos relativos à diversidade: bases legais
da integração escolar; dilemas, problemas e valores sociais e éticos;
Conhecimento sobre currículo geral e comum: suas modificações e adaptações.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 103
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Processo de elaboração do currículo, processos de adaptação às necessidades
educativas individuais e grupais.
Conhecimento sobre teorias e estratégias de ensino: modelos de ensino e tipos de
aprendizagem, ensino individualizado, estratégias de ensino de matérias
instrumentais, estratégias de ensino, adaptadas à diversidade, ensino assistido por
computador, etc.
Conhecimento sobre organização escolar e gestão: planificação e direção de
atividades em grupos caracterizados pela heterogeneidade, clima e ambiente da
aula; regras e normas; tratamento de conflitos; etc.
Conhecimento sobre teorias e processos de supervisão e consulta profissional:
modelos e processos de supervisão e apoio; fases no processo de supervisão e
apoio, estratégias formativas e processos de trabalho com pares. Modelos
conceptuais e estratégias de apoio interno e externo.
Trabalho com pais: modelos e estilos de trabalho família-escola. Modelos de apoio
e de colaboração familiar. A comunidade.
Relações entre alunos: modelos e estratégias de trabalho que promovem a interação
e o contacto entre alunos, interdependência, destrezas sociais, etc.
Condições excecionais: descrição das condições que produzem situações de
excecionalidade. Necessidades educativas especiais, categorias deficitárias.
Conhecimento de modelos de diagnóstico e avaliação: avaliação de necessidades
educativas, modelos de avaliação de necessidades e estratégias de avaliação,
avaliação de processos educativos e de programas.
Atitudes e desenvolvimento profissional: atitudes e valores face à diversidade;
modificação de atitudes e desenvolvimento profissional, etc.
Reynolds (1988;1990, citado por Parrilla Latas,1997, p 57)
As vantagens da polivalência em termos de formação prendem-se com o facto de
preparar o professor para atender crianças com características diversas, uma vez que se
enfatizam as respostas educativas a desenvolver e não os défices dos alunos57
. No
57 Blackhurts, Bott e Cross,1987; Cuomo,1994, citdado por Parrilla Latas, 1997, p. 55.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 104
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
entanto, como sublinha Jiménez (1991, p.55), com esta perspetiva formativa corre-se o
risco de formar “especialistas em generalidades”, tornando-se difícil definir as
competências e o âmbito de ação do professor de educação especial.
Numa outra perspetiva, Zabalza (1994, p.57) define quatro dimensões que importa
considerar na formação do professor de educação especial, a saber: adquirir
conhecimentos sobre os sujeitos com necessidades educativas especiais; dominar o seu
âmbito disciplinar ou os conteúdos a ensinar; possuir conhecimentos sobre a escola
enquanto organização e ter consciência de si próprio e das suas características
particulares como profissional.
Por sua vez, Parrilla Latas (1997) considera que as mudanças atuais no domínio
da educação especial delimitam um novo espaço profissional, didático, curricular,
organizativo e institucional e, nessa medida, entende ser fundamental rever e
reestruturar a formação.
Nesse sentido, sublinha a necessidade de se conceberem itinerários formativos
intra - disciplinares e interdisciplinares, que orientem todo o processo, considerando
para tanto fundamental a conceção de planos de formação que integrem a resposta à
diversidade como eixo integrador, de forma a permitir que todas as disciplinas adquiram
sentido e relevância. E, entendendo que a intencionalidade educativa constitui a
característica principal da intervenção em educação especial, defende uma formação
fundamentalmente educativa, muito embora possa incluir disciplinas de natureza
diversa.
Concebendo o professor de educação especial como um profissional da mudança
educativa, uma vez que desempenha um papel significativo no processo de mudança ou
de adaptação da escola regular à diversidade, Parrilla Latas (1997) apresenta também
um conjunto de conteúdos que considera fundamental, sendo evidente que na sua
perspetiva a formação especializada não pode ser meramente teórica e conceptual,
devendo antes envolver e inter relacionar outras dimensões, nomeadamente a formação
prática e a formação atitudinal. De facto, para além de conteúdos de natureza conceptual
(teorias, conhecimentos disciplinares básicos) e procedimental (técnicas, processos de
elaboração e desenvolvimento de programas em educação especial), refere ainda
conteúdos atitudinais (desenvolvimento pessoal dos profissionais, suas atitudes,
expectativas, capacidade de auto-controlo, resistência) e práticos (conteúdos
experiênciais nos quais, em função do perfil profissional concreto a que se dirija a
formação, se incluiriam os conteúdos de especialização).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 105
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Considerando que a diversidade reflete uma cultura diferente, a autora antes
referida sublinha a importância da formação especializada constituir um espaço
privilegiado para o desenvolvimento de uma atitude aberta e crítica. E, uma vez que a
intervenção do professor de educação especial envolve dimensões pessoais, relacionais,
situacionais e institucionais, entende que as “atitudes devem estar integradas no
processo formativo, não podendo omitir-se nem colocar-se no final”(Parrilla Latas,
1997, p.60).
No âmbito da pesquisa bibliográfica efetuada, julgamos importante referir um
estudo empírico58
realizado nos Estados Unidos da América, uma vez que ilustra
também as diferentes conceções de formação de professores de educação especial que
se vêm delineando neste domínio.
Com efeito, Brownell, M. T., Ross, D.D., Colón, P. e McCallum, C.L. (2006, p.
244) sublinham a inexistência de uma base conceptual e de pesquisa sobre as
características de uma formação de professores em educação especial eficaz e
consideram que esta situação é particularmente preocupante, perante as múltiplas e
diversas funções atribuídas ao professor de educação especial, o que julgamos ser
também preocupante no ensino regular e face aos modelos de formação de professores
em geral.
Relativamente às conceções de formação subjacentes aos programas que
analisaram, estes autores identificaram orientações positivistas e construtivistas,
apontando deste modo para distintas formas de equacionar o conhecimento e
aprendizagem a adquirir pelo professor durante o processo formativo.
Na formação de professores centrada em competências assume-se que existe um
conjunto específico de conhecimentos a ser adquirido pelos professores durante o
processo formativo; esta conceção é visível em muitos dos programas analisados,
mostrando, no entender dos autores citados, o papel preponderante do pensamento
positivista no domínio da educação especial. Neste cenário, a aprendizagem do
professor durante a formação é perspetivada como uma acumulação de conhecimentos
gerados por especialistas.
Em termos epistemológicos, esta abordagem aponta para a existência de um
conhecimento único, válido e que os professores deverão adquirir através do treino,
58 O estudo foi realizado nos Estados Unidos da América, envolveu a análise de 64 programas de cursos de formação
de professores de educação especial publicados em diferentes bases de dados, bibliotecas e em cinco revistas, entre
1990 e 2003. Os programas abrangiam cursos de formação tradicionais e alternativos ao nível de bacharelato e de
licenciatura (Brownell, M. T., Ross, D.D., Colón, P. e McCallum, C.L., 2006).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 106
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
revelando, em suma, uma visão geralmente considerada positivista sobre o
conhecimento. É neste contexto que se inserem os cursos de formação que enfatizam as
diferentes tipologias de deficiências.
Por sua vez, outros cursos apontam para uma abordagem construtivista da
formação, situando-se numa perspetiva epistemológica diferente. À semelhança dos
modelos construtivistas gerais de formação de professores, a aprendizagem do professor
durante o processo formativo decorre da análise coletiva de múltiplas fontes de
conhecimento, incluindo, mas não se limitando ao conhecimento gerado por
especialistas. Nessa medida, a formação envolve a utilização de uma grande variedade
de estratégias, no sentido de promover nos professores: a análise das suas crenças acerca
do ensino, a integração dos conhecimentos que vão adquirindo ao longo do curso com
conhecimentos anteriores, a aquisição de conhecimentos específicos sobre os alunos e a
reflexão sobre o impacto do seu ensino. Os cursos de formação que se inserem nesta
perspetiva construtivista pretendem preparar os professores para trabalhar com alunos
com necessidades educativas diversas, decorrentes de fatores sócio -culturais e
linguísticos.
Apesar de verificarem a existência destas duas perspetivas epistemológicas na
formação especializada, os autores questionam-se sobre os seus efeitos no
conhecimento e na aprendizagem do professor, uma vez que, a revisão da literatura
realizada sugere que ambas parecem resultar em ganhos positivos.
Acresce que os programas dos cursos de formação especializada eram diferentes
não só no que diz respeito às conceções subjacentes, mas também relativamente à forma
de equacionar a articulação entre a teoria e a prática.
Por sua vez, a análise dos programas revelou que em termos de conteúdos o
conceito de cooperação surge com grande ênfase, associado a competências de
aconselhamento e de apoio, uma vez que o professor de educação especial tem
atualmente funções que envolvem o trabalho com outros profissionais e com as
famílias. No entanto, os programas raramente mencionavam as estratégias/experiências
formativas utilizadas no sentido de desenvolver essas competências. O mesmo acontece
relativamente a outros conteúdos que surgem em alguns programas de formação, como
por exemplo, inclusão, diversidade cultural e trabalho com famílias, face aos quais
também não se referiam processos formativos que permitissem a aquisição de
competências relevantes nesses domínios.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 107
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
No que diz respeito às características comuns, consideradas importantes nos
cursos de formação de professores de educação especial, o estudo aponta as seguintes:
integrar extensas experiências de prática pedagógica, com supervisão cuidada e
respetiva avaliação; enfatizar a colaboração entre formandos e formadores; centrar a
formação em conhecimentos e métodos de ensino para dar resposta à diversidade dos
alunos; incluir conteúdos relacionados com a inclusão e a diversidade cultural; e,
desenvolver processos de avaliação do programa de formação.
No estudo que temos vindo a sintetizar, os autores sublinham que a investigação
sobre a formação de professores de educação especial é quase inexistente e, nessa
medida sugerem um conjunto de temáticas que importa desenvolver neste domínio. Um
dos temas a investigar prende-se com a análise do impacto da formação nos professores,
entendendo-se como essencial e prioritária a definição sobre o que se entende por
professor de educação especial.
A este respeito, consideram que definir o que significa ser um professor de
educação especial não é tarefa fácil dada a natureza complexa da intervenção deste
profissional. E, nessa medida, sublinham que para identificar as características de uma
intervenção educativa de qualidade, é fundamental considerar o conhecimento
necessário para ensinar alunos com necessidades dramaticamente diferentes, para
assegurar o ensino em áreas de conteúdo distintas, e finalmente, para desenvolver com
segurança papéis que envolvem a interação com alunos, colegas, diretores das escolas e
pais. Por outro lado, entendem ainda pertinente o desenvolvimento de estudos
comparativos que possibilitem identificar as componentes essenciais da formação
especializada, de forma a ser possível controlar a variação encontrada nos programas,
nomeadamente no que diz respeito à inclusão de determinados conteúdos e à promoção
de experiências práticas (Brownell, et al.,2005).
Em síntese, parece ser possível afirmar que a educação especial e
consequentemente a formação de professores neste domínio constituem atualmente
áreas de intervenção polémica, nas quais a persistente ambiguidade dos conceitos
usados em termos teóricos, a ausência de uma política educativa coerente e consistente,
a diferenciação de modelos de formação e a ainda escassa investigação desenvolvida,
nos deixam sempre a sensação de estarmos perante uma realidade complexa, tornando-
se difícil a intenção de vislumbrar clareza e inteligibilidade neste domínio.
Simultaneamente, e pelas mesmas razões, a educação especial constitui uma área
em que a investigação se revela imprescindível, de forma a ser possível fundamentar
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 108
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
opções em termos de práticas educativas e de formação que permitam uma efetiva
resposta às necessidades educativas dos alunos, numa escola que se pretende inclusiva.
É, portanto, num cenário que aponta para a necessidade de mudança da educação
especial e da escola, que a investigação sobre o professor de educação especial e sobre a
sua formação adquire, em nosso entender, particular legitimidade e pertinência.
Com efeito, a diversidade de papéis e de funções que atualmente são atribuídas ao
professor de educação especial envolve processos de mudança em termos de
desenvolvimento pessoal e profissional que importa procurar compreender, de forma a
equacionar modelos de formação adequados e pertinentes.
Entendemos que a ação educativa destes profissionais implica não apenas a
aquisição de um conjunto de conhecimentos e de competências de natureza técnica e
instrumental, mas também o desenvolvimento de competências de auto-conhecimento e
de carácter relacional e emocional; nessa medida, consubstancia significativos processos
de mudança ao nível das conceções pedagógicas e das práticas face aos quais a
formação especializada deverá procurar responder.
2.4 A socialização dos professores de educação especial.
Como foi possível constatar no primeiro capítulo, a socialização dos professores
constitui, há largas décadas, objeto de inúmeros estudos que procuram compreender
como nos tornamos professores e identificar fatores e circunstâncias fundamentais para
o desenvolvimento de trajetórias profissionais gratificantes e bem sucedidas. Tais
estudos têm permitido uma maior compreensão do professor enquanto pessoa e
enquanto profissional e, simultaneamente, uma análise holística da escola,
equacionando-a ora como instituição de formação, ora como local onde se exerce uma
profissão.
No caso dos professores de educação especial, a investigação sobre os processos
de socialização é mais recente, mais escassa, e surge dada a necessidade de
compreender os fatores que justificam “o êxodo” daqueles profissionais em início de
carreira 59
(Davis, 1983; Quaglia e Davis, 1991; Gehrke e McCoy, 2007) e a urgência de
59 Desde a década de oitenta que os professores de educação especial deixam a profissão ou para regressar ao ensino
regular ou para integrar outra mais gratificante esta situação constitui um problema sério nos Estados Unidos da
América, sendo assinalada por diversos autores em artigos publicados sobre o tema. No nosso país o número de
professores que deixam a educação especial também aumentou, sobretudo a partir das recentes mudanças legislativas
(decreto-lei nº 3 de 2008).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 109
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
continuar a formar docentes que constituam recursos qualificados para a construção de
uma escola inclusiva (Gersten et al., 2001; Brownell et al.2005; Young, 2007).
Vários autores assinalam a falta de estudos neste domínio e sublinham a
necessidade de compreender a dinâmica do processo de socialização dos professores de
educação especial em início de carreira, uma vez que têm experiências profissionais
com características e pressões únicas (Quaglia, e Davis, 1991; Pugach,1992; Griffin,
Winn, Otis-Wilborn, & Kilgore, 2003,; Gehrke e McCoy,2007).
Quaglia e Davis (1991) recorrem à abordagem proposta por Louis (1980), na qual
se descrevem as características das experiências dos professores em início de carreira e
se procura compreender como o sujeito lida com essas experiências de forma a
encontrar sentido para as suas ações. De facto, este autor perspetiva a entrada na
profissão como um processo em que o professor procura “encontrar sentido” para
aquilo que faz, e entende que isso é fundamental para o maior ou menor envolvimento
com a profissão docente. Neste cenário, a abordagem à socialização proposta poderá
revelar-se particularmente interessante, e possibilitar uma compreensão aprofundada
sobre um processo com características particulares, onde as mudanças de conceções e
de práticas que lhe são inerentes, configuram outras funções e outros papéis para o
professor de educação especial.
Quadro 9 - Tipos de experiências de professores em início de carreira (quadro
elaborado com base em Louis, 1980)
Experiências profissionais do início da carreira
Mudança
Mudança no papel a desempenhar;
Mudança na identidade profissional;
Discrepância
Abandono de papéis e de experiências anteriores; impossibilidade de
associar as experiências atuais às experiências do passado; Esforço do
sujeito decorrente da discrepância entre experiências atuais e
passadas;
Surpresa
Diferença entre as antecipações individuais e as novas experiências;
Necessidade de adaptação do sujeito às diferentes formas de surpresa;
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 110
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Como se vê no quadro, as experiências profissionais de um professor em início de
carreira podem implicar a vivência de três tipos de situações com características
diferentes, a saber: a mudança, a discrepância e a surpresa. Por sua vez, a forma como o
docente reage a essas experiências durante o processo de “encontrar sentido” constitui,
em seu entender, o cerne do processo de socialização. Segundo este autor as diferentes
formas de surpresa requerem processos de adaptação e surgem quando o professor,
confrontado com o real, percebe que algumas das suas crenças e expectativas sobre o
trabalho, sobre si próprio e sobre os alunos são desadequadas.
O processo de “encontrar sentido” envolve portanto uma análise constante entre
as experiências passadas e as atuais, o que nos parece particularmente pertinente quando
se pretende compreender de que modo os professores de educação especial se
socializam, e que perceção têm sobre as mudanças que vivenciam.
Para Quaglia e Davis (1991), a natureza dos papéis e responsabilidades atribuídas
aos professores de educação especial confere características particulares ao processo de
socialização destes profissionais, envolvendo fatores individuais e organizacionais.
Assim sendo, no que diz respeito aos fatores individuais, as crenças, a formação e
as competências de comunicação constituem dimensões importantes no processo de
socialização, uma vez que a sua análise permite, segundo os autores citados,
compreender como vivenciam o início da carreira. Neste cenário, assinalam-se as
situações dilemáticas decorrentes da divergência entre as crenças e conceções que têm
sobre o papel a desempenhar junto dos alunos e as expectativas que as escolas e os
professores desenvolvem relativamente à sua intervenção. Por sua vez, é apenas quando
iniciam a atividade profissional que compreendem as exigências do seu papel em termos
de tempo e de energia, e que constatam a falta de preparação para lidar com as pressões
da profissão, a saber: a quantidade e diversidade de papéis e funções, o elevado número
de reuniões e a natureza stressante das decisões e responsabilidades que lhe são
atribuídas. A comunicação com outros agentes educativos, nomeadamente com os pais,
pode constituir também fonte de dificuldade, dada a diferença que muitas vezes
vivenciam entre a antecipação que fazem relativamente ao seu papel e a realidade com
que se deparam. De facto, por vezes os professores têm dificuldade em desenvolver
processos de apoio e de cooperação mútua com a família, (dimensões importantes para a
implementação dos programas educativos) devido a um conjunto diversificado de
razões, entre as quais são de referir, a resistência ou ausência de comunicação por parte
dos pais, os sentimentos de falta de confiança e de angústia, os comportamentos de
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 111
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
oposição…. Por outro lado, a frequente constatação de que as necessidades60
dos seus
alunos ultrapassam em larga medida e muitas vezes as questões do currículo académico
e de que a sua intervenção perante tais necessidades tem um impacto limitado,
desencadeia nestes professores um questionamento constante sobre o que se considera
prioritário, podendo conduzir a sentimentos de culpa e de frustração (Quaglia e Davis,
1991).
Já quanto aos fatores organizacionais, os professores de educação especial em
início de carreira confrontam-se frequentemente com processos de socialização difíceis,
dada a diferença significativa entre as expectativas que desenvolvem relativamente aos
contextos onde irão exercer as suas funções e as experiências que vivenciam. As
expectativas de realizar uma intervenção eficaz abrangem a existência de apoios da
direção da escola e do departamento de educação especial, a disponibilização de
espaços e de recursos materiais e o desenvolvimento de processos de cooperação com
os colegas do ensino regular e com outros profissionais (Quaglia e Davis, 1991;
Billingsley, 2007). Mas a inexistência frequente de algumas destas condições pode
implicar sentimentos de abandono pela falta de apoio e supervisão das suas práticas,
sentimentos de desilusão perante a ausência de valores e perspetivas comuns nas
interações que estabelecem com colegas do ensino regular e ainda sentimentos de
frustração, ansiedade e estresse pela falta de condições materiais nas escolas, pela falta
de apoio de outros profissionais61
e pela constatação do escasso impacto62
da sua
intervenção no processo de tomada de decisão (Quaglia e Davis, 1991).
Perante o cenário proposto por este modelo de socialização, os seus autores
entendem que os futuros professores de educação especial devem ter um maior
conhecimento sobre os fatores de estresse com que se irão confrontar no exercício das
suas funções, o que implica a necessidade de repensar a formação especializada, no
sentido de desenvolver competências de mediação, de comunicação e de assertividade e
de integrar componentes de prática educativa e experiências no terreno; com efeito, a
possibilidade de durante a formação os professores vivenciarem situações individuais e
60 São de referir, a título de exemplo, as necessidades na área da saúde, as necessidades de natureza social e as
necessidades de apoio familiar e de apoio emocional, entre outras. 61 A este respeito os autores assinalam a falta de apoio de terapeutas da fala, de fisioterapeutas e de psicólogos no
processo de planificação e implementação de programas educativos, assumindo o professor total responsabilidade
sobre o seu desenvolvimento, o que causa também ansiedade e stresse. 62 Davis (1981, citado por Quaglia e Davis, 1991) sublinha esta ideia referindo outros profissionais que têm mais
influência nas decisões sobre os processos de colocação e ensino de alunos com necessidades educativas especiais, a
saber: psicólogos, médicos e diretores de escola.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 112
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
organizacionais semelhantes às posteriores constitui uma maneira de reduzir a
frustração e o estresse decorrentes das experiências de mudança, de discrepância e de
surpresa que caracterizam a entrada na profissão. Nessa medida, os autores que temos
vindo a seguir entendem necessário o desenvolvimento de estudos que avaliem o
impacto dos diferentes fatores individuais e organizacionais referenciados, de modo a
compreender as características únicas do processo de socialização dos professores de
educação especial e as razões que justificam o abandono da profissão (Quaglia e Davis,
1991).
E, é neste sentido que o estudo de Gersten et al. (2001)63
constitui um contributo
significativo para a compreensão do processo de socialização organizacional, uma vez
que procura conhecer as perceções dos professores de educação especial sobre as
características da profissão, sobre o seu comportamento e sobre as condições de
trabalho. Para estes autores a educação especial não tem dedicado a devida atenção à
análise da profissão e às condições de trabalho dos docentes e, nessa medida,
compreende-se e justifica-se o esgotamento, o abandono da profissão e a menor
qualidade da educação dos alunos com necessidades educativas especiais.
A análise dos resultados deste estudo baseou-se no modelo conceptual que se
apresenta na figura 3, no qual se sintetizam os problemas que podem decorrer de um
perfil de profissão inadequadamente definido, os seus efeitos no comportamento e na
forma como o docente vive a profissão e, por último, as implicações em termos da
intenção de permanência ou de abandono.
Figura 3. Efeitos da profissão - Modelo conceptual (baseado em Gersten et al. 2001)
63 O estudo envolveu a aplicação de um inquérito por questionário a 887 professores de educação especial de 31
escolas, tendo respondido 81% dos participantes. Na análise dos resultados usaram a técnica “path analisis” para o
tratamento estatístico e correlacional dos dados; esta técnica permitiu examinar múltiplas relações causais hipotéticas
e assim compreender de que forma a intenção de permanecer na profissão é mediada por variáveis como: a formação,
o apoio da escola e da administração, o stress, o envolvimento e a satisfação (Gersten et al., 2001).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 113
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Nos últimos anos, o movimento da escola inclusiva e a consequente importância
atribuída à colaboração entre professores do ensino regular e professores de educação
especial, constituíram fatores determinantes para as mudanças radicais que se vêm
verificando no perfil da profissão, mudanças essas que podem causar nos docentes um
elevado nível de estresse e uma escassa satisfação profissional (Morvant,1995, citado
por Gersten et al., 2001).
Perspetivando a escola como um local de trabalho, e no sentido de desenvolver
estratégias que permitam reduzir o abandono da profissão, os resultados do estudo
sublinham a importância de conceptualizar o apoio aos docentes considerando o
impacto conjunto e cumulativo da direção da escola e dos colegas de ensino regular, e
não apenas da direção. Com efeito, a necessidade de trabalhar em conjunto e as
limitadas oportunidades que têm para o fazer, constituem os problemas mais referidos,
(Morvant, Gersten, Gillman et al.,1995, ibidem, 2001:563) sendo por isso fundamental
desenvolver processos que assegurem, por parte da escola enquanto instituição, um
apoio significativo e sustentado ao trabalho destes docentes de educação especial.
Por outro lado, os resultados do estudo mostram a discrepância entre a perceção
que os professores têm do seu trabalho (por exemplo, a sua intervenção na escola tem
como finalidade principal ensinar os alunos com necessidades educativas especiais) e a
realidade da sua ação (realização de múltiplas reuniões, falta de tempo para intervir de
forma individualizada com alunos, enorme quantidade de documentação para preencher,
grandes diferenças nos níveis de realização dos alunos…); tal discrepância decorre de
um perfil de profissão mal definido e constitui fonte de estresse e de insatisfação
profissional. Também o isolamento e a extrema autonomia que, tal como os professores
do ensino regular, estes professores experimentam, constituem aspetos que contribuem
significativamente para a insatisfação profissional, podendo levar ao abandono da
profissão.
Perante os resultados, os autores do estudo sublinham a necessidade de aumentar
de forma substantiva as oportunidades de interação com pares, de promover atividades
que contribuam para o desenvolvimento profissional, e a urgência de definir o perfil da
profissão de forma a ser possível assegurar uma intervenção de qualidade (Gersten, et
al. 2001). Na mesma ordem de ideias, refletindo sobre os professores de educação
especial, York-Barr, Sommerness, Duke e Ghere (2005) entendem que as questões que
importa resolver, porque mais prementes, se prendem com os seguintes aspetos:
- responsabilidades ambíguas e competitivas;
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 114
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
- excesso de burocracia;
- inadequado apoio administrativo;
- isolamento significativo por parte dos professores;
- exigências crescentes para professores de educação especial mais qualificados e,
finalmente,
- falta de formação adequada dos novos professores.
Nessa medida, sublinham a necessidade de se criarem melhores condições de
trabalho para estes profissionais, de modo a proporcionar um menor desgaste e a
assegurar a permanência nesta área de intervenção.
2.4.1 O primeiro ano na educação especial – estudos sobre as necessidades dos
professores.
As experiências dos professores de educação especial principiantes só recentemente
constituíram objeto de estudo na investigação (Griffin et al.,2009; Bay e Parker
Katz,2009)64
.
Alguns destes estudos de natureza qualitativa e que envolveram pequenos grupos,
revelam que as necessidades sentidas pelos professores de educação especial no
primeiro ano de serviço decorrem de um conjunto diversificado de fatores, a saber:
a) gravidade e diversidade dos problemas dos alunos em termos académicos e
comportamentais;
b) diversidade de problemáticas dos alunos atendidos (autismo, problemas
emocionais, deficiência mental, dificuldades de aprendizagem…)
c) esforço inerente ao desenvolvimento de estratégias de ensino eficazes;
d) dificuldade na seleção de recursos curriculares e técnicos adequados;
e) falta de materiais para ensinar diferentes conteúdos junto de alunos com níveis
etários e de desenvolvimento diversos;
f) dificuldade na relação/comunicação com os colegas do ensino regular;
g) dificuldade na sensibilização da direção das escolas para a educação inclusiva;
h) variedade e confusão quanto aos papéis (explícito, implícito e escondido) e
funções a desempenhar na escola e, consequentemente, dificuldade em
corresponder às expectativas;
64 A este respeito referem os autores que na última década realizaram estudos neste âmbito, a saber: Billingsley,
Carlson& Klein, 2004; Billingsley&Tomchin, 1992; Boyer & Lee, 2001; Carter & Scruggs, 2001; Conderman
&Stephens, 2000; Griffin, Kilgores, Winn & Otis-Wilborn, 2008; Kilgore, Griffin, Otis-Wilborn & Winn, 2003;
MacDonald & Speece, 2001; Mastropieri, 2001; Otis-Wilborn, Winn, Griffin & Kilgore, 2005; Whitaker, 2000, 2003.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 115
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
i) dificuldade na gestão e organização das diversas tarefas que lhe são atribuídas;
j) falta de correspondência entre a formação do professor e a natureza das
funções a desempenhar na escola (Mastropieri, 2001; Griffin et al., 2009).
No que diz respeito ao contexto de sala de aula, em termos curriculares, a
definição dos conteúdos a ensinar aos alunos com NEE e a falta de materiais de ensino
constituem dificuldades e desafios com que se defrontam estes docentes no início da sua
carreira.
Por sua vez, o conhecimento de um conjunto alargado de conteúdos curriculares, a
utilização de várias metodologias em termos de ensino e de avaliação, a implementação
de processos de intervenção a nível de autonomia pessoal e social, a referenciação e
encaminhamento de alunos para determinados serviços/apoios constituem o conjunto de
capacidades e competências que, segundo Mastropieri (2001), os professores de
educação especial têm de ter quando iniciam as suas funções, e que justificam, em
inúmeras situações, os sentimentos de esforço, de cansaço e de frustração profissional
decorrentes da dificuldade em gerir de forma adequada o tempo para ensinar e para
realizar as diversas tarefas que lhe são atribuídas.
Já quanto ao contexto escolar, a localização da sala de aula dos professores de
educação especial, o tipo de relações profissionais que desenvolvem com colegas do
ensino regular e com a direção da escola e a frequência destas interações constituem
fatores que influenciam as suas experiências (Griffin et al.,2009), determinando em
suma, o processo de socialização na “nova” profissão.
Neste processo, os professores principiantes atribuem uma importância
significativa ao apoio informal que recebem dos seus pares/colegas de educação
especial, no entanto consideram que precisam de mais apoio, entendendo que este
poderá ser facultado também pelos professores do ensino regular. Nesta linha, Griffin et
al. (2009) sugerem que o desenvolvimento destes docentes deverá implicar os diversos
grupos profissionais da escola e não apenas os colegas de educação especial.
Por sua vez, outros estudos referidos pelo autor antes citado assinalam que o clima
de colaboração existente em determinadas escolas constitui fator determinante para a
permanência na profissão; é esse clima que permite, na perspetiva dos professores de
educação especial em início de carreira, por um lado, entender o trabalho colaborativo
como parte natural da profissão e, por outro, assegurar o apoio profissional que
necessitam nesta fase
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 116
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
E uma vez que a entrada na profissão não é de todo um processo fácil, Whitaker
(2003) 65
, identifica quatro necessidades dos professores de educação especial em início
de carreira, a saber:
1) apoio em termos de políticas e procedimentos inerentes à Educação Especial;
2) suporte emocional;
3) maior conhecimento sobre a escola enquanto organização;
4) suporte na procura e na aquisição dos recursos necessários à educação dos
alunos.
Na mesma linha, Bay, e Parker- Katz ( 2009) referem que para serem eficazes nos
vários papéis e cumprirem as numerosas responsabilidades que lhe são atribuídas, os
professores quando iniciam funções na educação especial precisam de: informação
sobre a política da escola onde trabalham; suporte emocional; apoio na gestão do
trabalho, minimizando as tarefas de natureza administrativa, de forma a poderem
centrar-se mais nas questões curriculares e de ensino; e, por último, apoio para trabalhar
com outros profissionais (professores do ensino regular e outros técnicos).
Começar a ensinar alunos com NEE depois de uma carreira no ensino regular,
intervir junto de alunos com diferentes capacidades e idades, e ter de interagir com
diversos modelos de ensino, constituem dimensões que, em muitos casos, caracterizam
o início de funções na educação especial; tais dimensões fundamentam a diversidade de
necessidades de apoio/ formação destes profissionais e justificam a pertinência de
desenvolver programas de apoio (“mentoring”) que respondam a essa diversidade e que
facilitem o processo de socialização na profissão (Mastropieri, 2001; Bay e Parker-Katz
, 2009).
Estes programas constituem processos facilitadores da socialização uma vez que
contribuem para sentimentos de satisfação com a profissão, reduzindo o stress e a
ansiedade bem como a ambiguidade e confusão decorrente do perfil profissional, e
apoiando o professor em início de carreira nas suas tarefas de natureza administrativa e
curricular.
2.4.2 O contributo da formação especializada para a socialização profissional.
Como vimos anteriormente, a socialização dos professores constitui um processo
que ocorre ao longo de toda uma carreira, que envolve diversas fases ou períodos e que
65 O estudo envolveu a aplicação de um questionário a156 professores de educação especial no final do primeiro ano
de trabalho, para identificar as necessidades associadas à entrada na profissão.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 117
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
decorre da interação ativa e constante entre o indivíduo e os agentes de socialização dos
diversos contextos onde aprende a ser professor e onde exerce a profissão docente.
No que diz respeito aos professores de educação especial, o processo de
socialização é determinado, por um lado, por fatores de natureza individual e
organizacional e, por outro, por fatores que decorrem da formação especializada. Trata-
se, no entanto, de um processo com característica específicas e únicas, quer pela
natureza dos papéis e responsabilidades atribuídas a estes docentes (Quaglia e Davis,
1991) quer pelas características particulares da formação e dos formandos (Pugach,
1992; Young,2007).
As razões subjacentes à opção pela educação especial e as expectativas que os
professores desenvolvem quando decidem realizar cursos de especialização constituem
dimensões sobremaneira importantes quando procuramos compreender os processos de
socialização destes profissionais e as mudanças que daí decorrem.
Nessa medida, o estudo de Hausstätter (2007)66
sobre as motivações subjacentes
à escolha do curso de formação em educação especial revela-se significativo uma vez
que refere a existência de dois tipos de razões para ser professor nesta área: querer
ajudar os alunos que têm dificuldades na aprendizagem e pretender aumentar as
qualificações profissionais face ao mercado de trabalho.
O facto de os professores terem tido, enquanto alunos, situações de insucesso e de
dificuldades na aprendizagem e/ou o facto de terem já experiência enquanto docentes na
área da educação especial, constituem aspetos comuns, que caracterizam e que
subjazem às motivações centradas nos alunos. Estas experiências fundamentam a sua
opção e as expectativas que desenvolvem face à formação: aquisição de capacidades e
competências que lhes permitam ajudar as pessoas que, de uma forma ou de outra,
precisam de apoio para participar na sociedade; aprender de forma teórica e prática
processos que possibilitem ajudar os seus alunos, ou outros, em situações semelhantes
de dificuldade (Hausstätter ,2007).
Por outro lado, realizar um curso de especialização em educação especial
constitui, segundo o autor que vimos seguindo, uma boa maneira de conseguir trabalho,
e também de dar ao professor mais autoridade e conhecimento para mudar a sua
66 O estudo envolveu entrevistas a 50 sujeitos e aplicação posterior de um questionário; realizou-se na Noruega onde
a formação para trabalhar na educação especial acontece apenas após o professor ter adquirido formação pedagógica.
Trata-se de um curso de formação que envolve dois anos, num primeiro abordam-se conteúdos de natureza mais
genérica mas que constituem os fundamentos da Educação Especial e, num segundo ano, realiza-se a especialização
numa das áreas que integram as necessidades educativas especiais ( Hausstätter, 2007).
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 118
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
situação profissional actual. A formação em educação especial constitui também uma
forma de acreditação profissional, o que é particularmente importante para os docentes
com experiência prévia naquele domínio, facilitando assim a aprendizagem de
competências relativas às metodologias de intervenção com a criança, com a família e
com a comunidade escolar no seu conjunto, bem como, o conhecimento de aspectos de
natureza organizacional.
Neste estudo o autor conclui que as motivações para escolher o curso de educação
especial não são, como seria desejável, de natureza filantropica e humanitária,
decorrendo antes de vantagens em termos de carreira para o professor . Por sua vez, o
estudo sugere que uma elevada percentagem de professores estão interessados nos
aspectos teóricos deste tipo de educação e que a área de maior interesse se situa ainda
numa perspectiva tradicional, médico-psicológica; de facto, muito embora considerem
importantes, em termos ideológicos, a perspectiva organizacional e a perspectiva
sociológica, o que os professores querem aprender no curso de especialização incide
sobretudo nos diferentes métodos de ensino, nas formas de diagnóstico de diferentes
problemáticas e nos processos de implementação deste tipo de conhecimento em
diversos contextos educativos. Nessa medida, na educação especial, a tradição em
termos de intervenção, impede/dificulta o desenvolvimento de práticas com vista a uma
educação inclusiva. (Hausstätter , 2007).
Importa ainda referir que a formação de professores de educação especial com
experiência prévia neste domínio coloca às instituições de formação problemas
particulares a nível da socialização, ou seja, na aquisição seletiva de valores, atitudes e
saberes veiculados no respetivo programa (Young, 2007). Neste aspeto, Young sublinha
o facto dos candidatos à formação especializada terem um conhecimento prévio baseado
na experiência de trabalho com crianças com necessidades educativas especiais e,
perante tal, questiona os processos de socialização que poderão emergir, uma vez que é
inevitável o confronto entre as crenças e conceções dos formandos decorrentes daquela
experiência e as conceções sobre o papel e as funções do professor de educação especial
subjacentes ao programa de formação.
Com efeito, estes profissionais são influenciados pela cultura organizacional do
local de trabalho, e pelos valores, atitudes e saberes veiculados durante a formação
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 119
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especializada67
(cf. figura 4), experimentando, portanto, processos de socialização
simultâneos, diferentes dos verificados nos estudos sobre os professores de ensino
regular68
(Young, 2007)).
Figura 4. Modelo de socialização na formação de professores de educação especial
(construído com base em Young, 2007)
Pugach (1992) compara os programas de formação de professores de ensino
regular com os programas de formação de professores de educação especial e considera
que estes últimos permitem o desenvolvimento de um processo de socialização mais
forte; o facto da educação especial, enquanto área de intervenção, envolver o domínio
de uma determinada linguagem técnica e da formação se fundamentar em pressupostos
e princípios legais e não em determinada área disciplinar, constituem as razões que
justificam a situação referida. Por sua vez, a ausência da aprendizagem prévia
decorrente da observação, uma vez que os docentes não passaram doze anos na sala de
aula a aprender modelos e práticas de inclusão, pode permitir que os programas de
formação especializada se centrem em novas formas de pedagogia, não sendo
necessário dissipar, ou fazer desaparecer velhas crenças.
E é neste contexto que o estudo de Young (2007)69
procura perceber em que
medida a experiência prévia no âmbito da educação especial influencia o processo de
formação e de socialização. Os resultados do estudo revelam que a socialização destes
professores pode ser completa, seletiva e/ou rejeitada, o que significa que os formandos
67 Segundo o estudo apresentado por Young (2007) algumas universidades dos Estados Unidos, nomeadamente a de
Califórnia, realizam cursos de formação para professores que, embora já trabalhem na educação especial, ainda não
se especializaram. Importa assinalar que no nosso país esta situação é também muito frequente nos candidatos aos
cursos de especialização em Educação Especial. 68 O autor refere-se especificamente aos estudos sobre a socialização dos professores de ensino regular realizados por
Lortie, Lacey e Zeickner. 69 O estudo envolveu a realização de entrevistas semi - diretivas a quatro professores que frequentaram o curso de
especialização em Educação Especial da Universidade de Califórnia, cujos objetivos principais eram
transmitir/inculcar valores, interesses conhecimentos e skills sobre a inclusão de alunos com necessidades educativas
especiais nas classes do ensino regular.
Capítulo II - Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual 120
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
adotam, adaptam ou rejeitam os valores e conhecimentos sobre inclusão veiculados pela
formação, de modo a irem ao encontro das suas crenças prévias e a estarem de acordo
com a cultura dos locais onde trabalham.
Trata-se, portanto, de um processo constante de negociação, no qual se torna
evidente o papel ativo do sujeito, a influência determinante do conhecimento prévio e da
cultura profissional atual, e a influência relativa da formação; em última análise,
compreende-se a natureza idiossincrática e evolutiva do processo de socialização,
sublinhada antes por diversos autores.
Em síntese, este capítulo permitiu perceber como a formação de professores em
educação especial constitui uma problemática que envolve outras anteriores, como se
viu e que importa considerar na investigação, de modo a ser possível delinear programas
que vão ao encontro das necessidades da escola atual e que, assim fazendo, contribuam
para a identificação do contributo do professor de educação especial na construção do
ideal de escola inclusiva que pretendemos atingir.
Nessa medida, os estudos sobre os processos de socialização profissional destes
docentes, porque ainda escassos e porque necessários para melhor equacionar os
dispositivos de formação especializada e contínua, revestem-se, como vimos, de
particular pertinência, dadas as condições ambíguas e indefinidas que vêm
caracterizando o exercício profissional.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 121
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Capítulo III: Metodologia do Estudo
(…) “A história como devir e como presente
de esperança ou de incerteza, como passado que nos
ensina sobre o que somos, como projeto de futuro
(de equidade, de maior justiça, em suma de
emancipação) continua a estar aí para ser
construída. Move-se entre o relato e a experiência,
entre a investigação e a narração (…) explorando o
conhecido, ou procurando elementos, evidências que
“falem de outra maneira”, que contem a história de
outra maneira”.
Hernández, 2004
3.1 Temática, questões, objetivos e campo de estudo
A propósito da relação entre os professores e a investigação educativa, Lortie em
1975, na sua obra “Schoolteacher”, sublinhava o facto de a educação ser rica em
prescrições e pobre em descrições, assinalando a existência de muitos livros que dizem
como o professor se deve comportar e a escassez de estudos empíricos sobre o seu
trabalho.
Apesar da distância que nos separa já dos anos 70, julgamos que as palavras
daquele autor, pioneiro no estudo sobre a socialização dos professores, adquirem
particular pertinência e atualidade quando equacionadas no âmbito da educação especial
e, especificamente, face aos docentes que exercem funções neste domínio.
Com efeito, são inúmeras e vastas as prescrições sobre o que este professor deve
realizar, sobre a importância do seu papel, quer na intervenção junto de alunos com
dificuldades, quer na mudança das escolas e dos professores de modo a contribuir para a
construção de uma escola inclusiva; alguns autores quando se referem ao seu papel
descrevem a sua ação como uma “missão impossível”( Abbott, 2007; Layton; 2005),
outros usam a metáfora do “controlador de tráfego aéreo” (York-Barr et al. 2005) para
evidenciar as múltiplas dimensões a que deve atender este profissional no exercício das
suas funções, sublinhando-se a necessidade de considerar simultaneamente o global e o
mais pequeno detalhe, de modo a que o “tráfego” nas escolas circule sem acidentes de
percurso.
Apesar disso, são ainda pouco frequentes, (sobretudo no nosso país), os estudos
que integrem estes profissionais e que procurem compreender como exercem as suas
Capítulo III: Metodologia do Estudo 122
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
funções, como vivenciam e superam as dificuldades do seu quotidiano, em suma como
se tornam professores deste subsistema educativo.
Nessa medida, com o presente estudo, e parafraseando Goodson (2004), o que se
pretende é assegurar que a voz dos professores de educação especial se ouça forte e
articuladamente, de modo a ser possível gerar “uma contra - cultura que oponha
resistência” (Goodson, 2004, p.56) à eventual tendência de os tornar agentes passivos
de políticas que mudam de forma arbitrária e sem qualquer atenção às características e
condições daqueles que supostamente serão responsáveis pela implementação das
mudanças no sistema.
3.1.1 Questões e objetivos.
É portanto neste contexto que aponta para a necessidade de ouvir os professores
de educação especial e de compreender os processos da sua socialização que ganha
significado a questão de partida do presente estudo, a saber: - como é que um professor
se torna professor de educação especial?
Foi de facto com base nesta questão, e depois de ter efetuado algumas leituras
sobre os processos de socialização profissional, que nos transmitem a ideia de contínuo,
de uma transformação reflexiva e gradual, que o tema do trabalho adquiriu o seu pleno
significado – “Tornar-se professor de educação especial”.
Aquela questão inicial associada à pesquisa que, entretanto, formos realizando
sobre mudança e socialização profissional possibilitou a formulação progressiva de
outras questões de investigação mais específicas, a saber:
- Que motivações fundamentam a opção pela educação especial enquanto área de
intervenção?
- Que razões justificam a permanência nesta área de intervenção?
- Que perceções têm os docentes das mudanças de conceções pedagógicas e de
práticas operadas na passagem de professor do ensino regular a professor de educação
especial?
- Que fatores contribuem para o processo de socialização dos professores de
educação especial na “nova” profissão?
- Entre esses fatores será que o género influencia o tipo de mudanças e o relato
das mesmas?
Perante estas questões, definiram-se os seguintes objetivos gerais do estudo:
Capítulo III: Metodologia do Estudo 123
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
1. Compreender os percursos referentes à passagem de professor do ensino
regular a professor de educação especial de um grupo de docentes;
2. Identificar as motivações subjacentes à escolha da educação especial;
3. Conhecer a perceção que os docentes têm das mudanças de conceções
pedagógicas sobre o ensino e sobre a educação especial decorrentes dessa opção;
4. Aprofundar o conhecimento obtido através de um estudo de quatro casos;
5. Caracterizar as sucessivas etapas e fatores de socialização dos professores de
educação especial;
6. Identificar necessidades e questionar a formação especializada recebida;
7. Verificar se o género influência o tipo de mudanças e o relato das mesmas.
Em suma, o que se pretende é compreender como se caracterizam os percursos de
mudança dos professores que optam pela educação especial como carreira e, nessa
medida, o estudo insere-se numa investigação qualitativa.
Com efeito, Strauss e Corbin (1990) consideram que a natureza do problema a
investigar bem como os seus objetivos constituem razões que legitimam a realização de
estudos qualitativos, dando como exemplos: situações onde que se pretende
compreender as experiências das pessoas perante determinados fenómenos; quando se
pretende perceber o que está por detrás de determinado fenómeno e face ao qual o
conhecimento é escasso, e ainda quando os detalhes de determinado fenómeno são
difíceis de transmitir através de métodos quantitativos.
Bogdan e Biklen (1994) apontam cinco características fundamentais da
investigação qualitativa: o desenvolvimento de processos de recolha de dados em meio
natural e através do contacto direto, a valorização do processo, a ênfase nos significados
e perspetivas dos participantes, a análise indutiva dos dados e, por último, a natureza
descritiva e interpretativa dos resultados. Na mesma linha, Denzin e Lincoln (2006),
quando se debruçam sobre a problemática da investigação, sublinham que a palavra
qualitativa implica uma ênfase nas qualidades das entidades e nos processos e
significados, não sendo estes examinados ou medidos experimentalmente. Para estes
autores, os investigadores qualitativos caracterizam-se assim por considerarem a
realidade como socialmente construída, por enfatizarem a íntima relação entre
investigador e o que é estudado, e por não descurarem as limitações situacionais que
podem limitar os estudos que desenvolvem. Para além destes aspetos, os investigadores
qualitativos enfatizam ainda a natureza valorativa da investigação e “procuram soluções
Capítulo III: Metodologia do Estudo 124
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
para questões que realçam o modo como a experiência social é criada e adquire
significado” (Denzin e Lincoln, 2006, p. 23)
Assim sendo, e perante os objetivos definidos, pareceu-nos pertinente o
desenvolvimento de uma abordagem qualitativa, na qual o paradigma fenomenológico e
interpretativo (Guba,1989; Boavida e Amado, 2008) se revela adequado, uma vez que
pressupõe a valorização das perspetivas e dos significados que os sujeitos/participantes
atribuem aos acontecimentos, não deixando no entanto de reconhecer a implicação do
investigador na própria investigação (Estrela,1995).
E, diferentemente do paradigma racionalista, que se fundamenta no pressuposto
da existência de uma realidade única, passível de ser investigada considerando e
manipulando independentemente variáveis, no paradigma interpretativo sublinha-se a
existência de múltiplas realidades, nas quais as diversas partes que as constituem se
interrelacionam entre si, o que significa que o estudo de uma delas influencia
necessariamente o estudo de outras (Guba,1989).
Nessa medida, a relação entre investigador e as pessoas investigadas é
perspetivada como interativa, existindo uma inter –relação e influência recíproca
durante o processo de investigação. Esta característica implica que o investigador
consiga manter uma “distância ótima” com os fenómenos que estuda, existindo
necessariamente “intercâmbios entre investigador-investigado” (Guba,1989: 149).
Alguns autores (Strauss e Corbin, 1990; Estrela, 1995) sublinham que os estudos
qualitativos exigem que o investigador, durante o processo, seja sensível às dimensões
sociais e teóricas envolvidas, e que seja capaz de ir interpretando os dados que emergem
do estudo; nessa interpretação será fundamental assegurar simultaneamente a necessária
distância face aos dados e considerar a inevitável influência da experiência e do
conhecimento que o investigador tem sobre o tema em estudo.
A este propósito, e de modo a ser possível assegurar a neutralidade no processo de
pesquisa, Estrela (2007) sublinha a necessidade do investigador saber executar “o
exercício dialético de proximidade e afastamento, para o qual deve ter sido preparado
quando se formou como investigador”.
Por outro lado, no que diz respeito ao tipo de conhecimento valorizado, no
paradigma racionalista importa atingir um conhecimento nomotético, o qual, através da
análise das semelhanças dos resultados dos estudos, possibilita a realização de
generalizações; contrariamente, no paradigma interpretativo pretende-se desenvolver
um conhecimento ideográfico e, nessa medida o investigador centra-se tanto nas
Capítulo III: Metodologia do Estudo 125
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
diferenças como nas semelhanças entre os objetos, não sendo, portanto, possível fazer
generalizações. Como sublinha Guba (1989:150), “ o máximo que se pode esperar são
hipóteses de trabalho, referentes a um contexto particular”.
Assim sendo, a distinção proposta por Polanyi (1958,cit in:Guba,1989:151) entre
conhecimento proposicional e tácito reveste-se de particular interesse uma vez que este
último assume significado relevante no paradigma interpretativo e fenomenológico,
dada a oportunidade de, através da investigação, ser possível a desocultação e a
expansão desse conhecimento tácito.
3.1.2 A abordagem biográfica – características e questões éticas.
O facto de procurarmos compreender os percursos de mudança dos professores
que optam pela educação especial como carreira, identificando assim dimensões de
natureza idiossincrática e compreendendo-as tendo em conta os contextos sociais em
que emergem, justifica, em nosso entender, a opção em termos metodológicos pela
realização de entrevistas de natureza biográfica, privilegiando assim os relatos sobre os
percursos profissionais dos participantes no estudo.
De facto, a análise dos objetivos do estudo sugere a pertinência de uma
abordagem biográfica, já que só a partir dos relatos de vida profissional dos
participantes foi possível caracterizar os seus percursos, conhecer as motivações que
fundamentam a escolha da educação especial, identificar as mudanças de conceções
pedagógicas e, por fim, caracterizar os processos de socialização na “nova” profissão.
As abordagens biográficas e auto - biográficas constituem métodos de
investigação que possibilitam, segundo Ball e Goodson (1994), compreender “como é
que os professores vêm o seu trabalho e as suas vidas”. Estes autores consideram que
para compreender “algo tão intensamente pessoal quanto o ensino é fundamental
conhecer a pessoa do professor”, sublinhando assim o valor para a investigação da
história de vida dos professores. Estudar a vida e o trabalho do professor é, portanto,
colocá-lo no centro da ação, preconizando-se assim uma reconceptualização da
investigação educacional, de forma que a sua voz seja ouvida, conferindo-lhes assim
poder e conhecimento.
Assim sendo, o estudo das narrativas quer na sua forma oral, quer escrita, permite
compreender as representações e explicações dos indivíduos sobre as suas experiências.
A análise da narrativa pode ser perspetivada como “o abrir de uma janela na mente ou,
quando perante narrativas de grupos específicos, como o abrir de uma janela na sua
Capítulo III: Metodologia do Estudo 126
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
cultura” (Cortazzi, 1993:2)70
. Em termos de investigação, a análise da narrativa
constitui uma técnica fundamental quando se pretende compreender o pensamento, a
cultura, o comportamento, em última análise, as perspetivas e perceções que os
professores têm das suas experiências profissionais (Cortazzi, 1993).
Se, como refere White (1981), as narrativas traduzem conhecimento sobre o que
se diz/narra, então, desenvolver investigação através da análise da narrativa é olhar para
o que é narrado, para voltar atrás ao seu próprio conhecimento. Nessa medida, a
possibilidade de os professores analisarem as suas próprias narrativas permite, como
sublinha Dewey (1938), que se tornem “alunos do seu próprio conhecimento”
(Cortazzi, 1993:139).
Segundo Denzin (1983), foi devido à crise dos métodos quantitativos que temos
vindo a assistir a um renovado interesse pelo método biográfico.
Para Denzin (1989:7, cit. in Erben, 1998), o método biográfico consiste no estudo
de uma vida e assinala a sua imprevisibilidade empírica, uma vez que a experiência, os
acontecimentos e as pessoas que encontramos ao longo da vida são, em parte,
imprevisíveis. Na perspetiva de Goodson (1994), o objetivo fundamental da
investigação baseada em histórias de vida consiste em localizar o próprio relato do
professor no marco de uma análise contextual mais ampla, ou seja, como refere
Stenhouse, em construir “ uma narrativa da ação dentro de uma teoria do contexto”
(citado por Goodson, p. 50). Este autor, propõe uma reconceptualização da investigação
educativa, entende que todos os grupos têm direito a falar por si próprios, com a sua
própria voz e a fazer reconhecer a autenticidade e legitimidade dessa voz.
Assinalando outra dimensão, Measor e Sikes (2004) consideram que as histórias
de vida e as biografias permitem aos investigadores obter, a partir das experiências
alheias, a evidência de que não estão sós com as suas dificuldades, os seus sofrimentos,
os seus prazeres e as suas necessidades.
Inserindo-se num paradigma de investigação hermenêutica, o método biográfico
centra-se na análise e interpretação da narrativa de vida, e constitui assim um processo
que permite aceder a dimensões ocultas e significativas (Erben, 1998).
70 Na educação especial e no âmbito da investigação com base em narrativas pessoais e histórias de vida, são de
referir os seguintes estudos citados por Brantlinger (2005): estudo de caso de Helen Keller (Keller, 1955), estudo de
Edgerton (1967) “Cloak of Competence: Stigma in the lives of the Mentally Retarded” e finalmente, estudo de
Bogdan & Taylor (1976) ,“The social meaning of mental retardation: two life stories. New York: Teachers College
Press.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 127
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
As vantagens da utilização deste método na investigação têm sido assinaladas por
alguns autores (Denzin,1970; Bertaux,1981;Goodson 2004; Moreira, 2007; Medrano,
2007). Entre eles, Digneffe e Beckers (2005) referem que o método biográfico permite:
a) Sair da oposição entre indivíduo e sociedade – o objetivo é descobrir a relação
entre as condições concretas de existência e necessariamente sociais e as vivências.
Tendo como base o pensamento de Ferrarotti (1983) no qual se sublinha que qualquer
narração autobiográfica conta uma prática humana, aqueles autores consideram que a
essência do homem se situa no conjunto de relações sociais e, nessa medida, qualquer
prática individual é uma atividade sintética, uma totalização do contexto social. Neste
cenário ganha particular relevo a conclusão de Ferrarotti quando refere que, e citamos:
“Se nós somos, se cada indivíduo representa a reapropriação singular do
universal social e histórico que o rodeia, podemos conhecer o social partindo da
especificidade irredutível de uma práxis individual”( Ferrarotti, 1983, p. 51).
b) Captar as relações dialéticas entre o ponto de vista subjetivo do homem e a sua
inscrição na objetividade de uma história, possibilitando também compreender o que de
ativo e passivo há no ser humano. Trata-se de, através do relato, perceber e captar a
influência dos determinantes sociais no sujeito e a relação e a criatividade deste perante
esses determinantes. Em última análise o que está em causa é compreender a relação
dialética entre o indivíduo produtor da sua história e produto da história (Ferrarotti,
1983).
c) compreender de que modo a conduta do ser humano é continuadamente
remodelada de modo a ter em conta as expectativas dos outros;
d) captar a diversidade social na sua multiplicidade de dimensões: o particular, o
marginal, as ruturas, os equívocos; aceder a estas dimensões implica reconhecer valor
sociológico ao saber individual e entender que só se pode captar o sentido de um fato
social através da experiência vivida e do discurso que sobre ela é produzido.
e) estudar os percursos dos indivíduos, compreender os processos de transição de
um estado para outro, compreender as mudanças; em suma, o método biográfico
permite analisar os momentos de rutura, as formas de organização ou de reorganização
num espaço social em mudança (Digneffe e Beckers 2005, p.243).
Por outro lado, importa ter em linha de conta as limitações inerentes ao próprio
método biográfico, nomeadamente a constatação da distinção fundamental entre a vida
vivida e experimentada e a vida relatada (Goodson, 2004). A este propósito, Denzin
(1989) numa postura atenta e lúcida refere que, e citamos:
Capítulo III: Metodologia do Estudo 128
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Não existe nenhuma janela que nos permita ver a vida interior de uma
pessoa, porque toda a janela está sempre mediada pelo cristal da linguagem, dos
signos e do processo de significação. E a linguagem, seja em forma oral ou escrita, é
sempre instável e feita de vestígios de outros signos e enunciados simbólicos. Por
conseguinte, nunca pode existir uma enunciação de uma intenção nem de um
significado clara e carente de ambiguidades” (Denzin, 1991, p. 14).
No que diz respeito às críticas, é de realçar de novo o contributo de Denzin uma
vez que chama a atenção para o perigo de, com esta abordagem se correr o risco de não
dar a devida atenção às estruturas sociais que causam opressão, uma vez que se
privilegia como centro de interesse o individuo e a sua biografia. Goodson (2004),
apesar de não concordar com as críticas deste autor na sua totalidade, entende também
que um dos efeitos colaterais do trabalho sobre relatos de vida é a eventualidade de uma
despolitização da investigação.
Para além destas dimensões, a abordagem biográfica coloca ao investigador
questões éticas que julgamos necessário ter em atenção. A este respeito, e porque o
conhecimento adquirido surge da interação absolutamente recíproca entre observador e
observado (Ferrarotti,1981), a investigação desenvolvida, enquanto processo social,
exige à partida que se tenha em conta o respeito pela pessoa, pela sua individualidade e
pela forma como interpreta o mundo. Nesta ordem de ideias, Measor e Sikes (2004)
assinalam a importância da relação entre investigador e os intervenientes no estudo,
sublinhando a relevância do acordo estabelecido entre ambas as partes; as regras
definidas sobre o papel e sobre o que é espetável de cada um constituem, no entender
daquelas autoras, bases fundamentais para o desenvolvimento de uma relação que, pela
sua própria natureza, é artificial e assimétrica. E, a propósito da relação estabelecida
durante a realização de entrevistas biográficas sublinham a necessidade do entrevistador
ter uma postura de neutralidade e de não revelação de aspetos da sua pessoa,
eventualmente facilitadores da recolha de dados (pela eficiência da reciprocidade
enquanto estratégia), mas pouco éticos em termos de processo de pesquisa. Estas
autoras referem ainda que a validação, por parte dos intervenientes/entrevistados, da
análise realizada constitui a melhor forma de assegurar e salvaguardar os aspetos éticos
envolvidos neste tipo de estudos.
Em função do que foi dito, é fundamental desenvolver processos de investigação
caracterizados pela colaboração entre investigadores e intervenientes, entendendo-se
Capítulo III: Metodologia do Estudo 129
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
assim os professores como sujeitos ativos na construção da sua própria história, e
desenvolvendo procedimentos metodológicos de “consentimento informado” e de
devolução e negociação de todos os dados (Bertaux, 1981; Measor e Sikes, 2004;
Goodson, 2004).
No âmbito deste método, Ferrarotti (1988) considera que existem dois tipos de
materiais que podem ser usados: os materiais primários, ou seja, as narrativas ou relatos
autobiográficos recolhidos pelo investigador através de entrevistas e os secundários, nos
quais inclui correspondências, diários, narrativas diversas, documentos, fotografias, etc,
cuja produção não teve, à partida, por objetivo a investigação.
O design de uma investigação qualitativa é consequentemente aberto,
“emergente”, “desenvolvendo-se e evoluindo em cascata”, (Guba,1986) e, sendo assim,
é possível ao longo da investigação considerar novos meios de recolha de dados, que
permitam uma maior compreensão do fenómeno em estudo.
Ao longo do estudo desenvolveram-se processos que garantissem o necessário
equilíbrio entre rigor e relevância (Guba,1989) dos dados. No seu desenrolar
procurámos ter em linha de conta os critérios referidos como fundamentais num estudo
desta natureza (Guba, 1989; Boavida e Amado, 2008) a saber: credibilidade,
transferibilidade, confiabilidade e confirmabilidade.
3.2 Fases do estudo e metodologia.
Tendo em conta os objetivos da investigação e as opções metodológicas antes
referidas, pareceu-nos pertinente organizar o estudo em duas fases.
- a fase inicial visava essencialmente conhecer os traços gerais do percurso de
professor de ensino regular a professor de educação especial, através de relatos escritos;
- a fase de aprofundamento propunha-se partindo dos resultados obtidos na análise
desses relatos, compreender através de entrevistas de natureza biográfica, o significado
desses percursos, as formas de socialização e os fatores que os determinaram.
3.2.1 Fase inicial: relatos escritos.
3.2.1.1 Recolha de relatos escritos sobre o tema - “De professor do ensino regular a
professor de educação especial”.
Foi no início do ano de 2007, após contato telefónico e, posteriormente, através de
“e - mail” que pedimos a um grupo de professores especializados que realizassem um
Capítulo III: Metodologia do Estudo 130
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
relato escrito sobre a passagem de professor do ensino regular a professor de educação
especial.
O pedido, para além informar os professores sobre a finalidade subjacente e sobre
os objetivos do estudo, solicitava o relembrar do percurso de professor de ensino regular
a professor de educação especial, incidindo nos aspetos significativos, nas
circunstâncias que o motivaram, nas mudanças de conceções e de práticas decorrentes
da experiência e da formação. Solicitaram-se ainda, de modo a ser possível caracterizar
os participantes, informações de natureza pessoal e profissional, garantindo-se
obviamente o anonimato sobre os dados facultados.
Entendemos por bem definir alguns aspetos a serem abordados, no entanto
procurámos que os intervenientes sentissem liberdade para relatar os acontecimentos
que entendessem mais pertinentes, de modo a podermos, depois, construir um guião de
entrevista adequado à população em causa.
Este pedido teve a adesão de um grupo de 10 docentes especializados em
educação especial. Após recebermos via e-mail os relatos dos professores, agradeceu-se
a todos a disponibilidade e o prazer que manifestaram em participar nesta primeira etapa
do estudo.
As respostas ao pedido foram surgindo ao longo de um mês (tempo destinado para
que tal acontecesse); os docentes optaram pelos formatos que julgaram convenientes ou
adequados e, nessa medida, a diversidade é a característica que melhor os define. Em
alguns casos, e porque o relato não é longo, surge no próprio texto da mensagem;
noutros, (a maioria), o relato do percurso surge como anexo e constitui um documento
que abrange entre duas a quatro páginas, no caso dos docentes homens e duas a nove
páginas, no caso das senhoras.
3.2.1.2 Análise de conteúdo dos relatos.
A análise de conteúdo categorial constituiu a técnica usada para o tratamento dos
relatos escritos. Num primeiro momento, em relação a todos e cada um deles, realizou-
se uma leitura exploratória que possibilitou a familiarização com a narrativa de cada
professor, o evitar da tipificação prematura (Zabalza,1994) e desde logo, o identificar
das potencialidades dos documentos que tínhamos em mãos.
Em seguida, e perante cada documento, desenvolveu-se uma análise dos textos,
através de processos indutivos, começando por recortar/separar as frases que
constituíam uma determinada unidade de registo; após este recorte de todo o texto em
Capítulo III: Metodologia do Estudo 131
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
unidades semânticas, sintetizou-se o significado principal de cada uma em
frases/indicadores. Através da “comparação constante” (Bardin, 1988) dos diferentes
indicadores, foi possível definir um conjunto diversificado de categorias que emergiam
das narrativas escritas. Seguidamente, a análise das relações de pertença ou de exclusão
entre essas categorias permitiu identificar os temas existentes em cada relato. Trata-se
de uma categorização que consiste na “passagem dos indicadores aos conceitos” (Vala,
1986, p. 111), implicando assim o agrupamento e re -agrupamento de material idêntico/
diferente. Este procedimento foi desenvolvido face aos dez relatos escritos e permitiu a
identificação dos diferentes temas, categorias e indicadores relativos a cada participante
(ver anexo 1 – Análise de conteúdo – Relato M8) e relativos ao total de relatos (ver
anexo 2- Quadros- síntese dos temas, categorias e indicadores dos relatos escritos).
Globalmente, os temas relatados pelos docentes integram o percurso pessoal e
académico, o percurso profissional prévio à frequência da formação especializada, a
análise dessa formação e, por último, o percurso mais recente na educação especial,
após a conclusão do curso de especialização.
3.2.2 Fase de aprofundamento: quatro entrevistas biográficas.
3.2.2.1 Seleção da amostra.
Decidir a quantidade ou representatividade dos dados a recolher num estudo de
natureza biográfica não é uma questão metodológica pacífica devendo as opções ser
tomadas em função do objeto de estudo (Gonçalves, 1997; Albarello et al.,2005;
Medrano, 2007). Na presente investigação optámos por realizar entrevistas em
profundidade e, assim sendo, a amostra abrangeu quatro professores de educação
especial em início de carreira. De facto, a seleção dos sujeitos a considerar no estudo
não foi de todo fácil, uma vez que a consecução dos seus objetivos implica uma genuína
adesão dos participantes a um projeto de investigação desta natureza. No entanto, após
alguns contactos realizados, primeiro por telefone e, em seguida, por e-mail, quatro
professores, que se situavam nos três primeiros anos de docência após a realização do
curso de especialização, aderiram ao projeto e foi possível constituir dois sub -grupos
em termos de género e de níveis de ensino (dois docentes do 1º Ciclo do Ensino Básico
e dois do 2ºe 3º Ciclos e Ensino Secundário).
Dado tratar-se de uma amostra pequena, desenvolveu-se um processo de
amostragem orientada (Patton, 1990) e, nessa medida procurou-se selecionar casos em
Capítulo III: Metodologia do Estudo 132
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
que a variação fosse considerada, quer em termos de idade, anos de experiência docente
e género (professores de gerações diferentes e em fases da carreira diferentes), quer em
termos de nível de ensino lecionado (professores do 1º CEB e do 2ºe 3º ciclo e ensino
secundário). A intenção foi obter uma amostra de conjunto que, de algum modo
“representasse o campo na sua diversidade” (Flick,2005, p.72), para assim ser possível
captar as diferentes formas de viver o processo de socialização na educação especial.
Quadro 10 - Composição da amostra
M 7 F3 M9 F5
Idade 32 anos 44 anos 45 anos 56 anos
Género Masculin
o
Feminino Masculin
o
Feminino
Nível de
ensino
1º CEB 1º CEB 2º, 3º
ciclo e E.
Secundário
2º, 3º
ciclo e E.
Secundário
Anos de
Experiência
10 anos 18 anos 12 anos 34 anos
E, uma vez que os intervenientes são professores que conhecíamos e que se
disponibilizaram para participar no estudo, pode considerar-se que se trata de uma
“amostra de conveniência” (Patton, 1990), pela facilidade de acesso aos casos.
A preocupação com a constituição destes dois sub – grupos distintos em termos de
género e de níveis de ensino decorre da pesquisa teórica entretanto realizada na qual
alguns autores sugerem a necessidade de considerar a variável género nos estudos sobre
a socialização profissional e nos estudos biográficos71
(Zeichner e Gore, 1990;
Edmonson, 200072
) e do interesse em compreender, a forma como os professores do 2º e
3º ciclo e secundário vivenciam a opção e a mudança para a educação especial, perante
o atual alargamento da escolaridade obrigatória no nosso país.
71 Estudos de Gillian e Freccero (1986 citados por Goodson, 1994, p. 289) – Há diferenças entre os relatos de vida
dos homens e das mulheres: as mulheres situam os factos dentro de uma estrutura de relações pessoais e ligam a
experiência do eu a atividades relacionadas com o cuidar e com os sentimentos de ligação; os relatos dos homens são
ordenados e lineares em relação ao conflito e à autoridade; os das mulheres revelam uma maior preocupação com o
conflito e por conseguir uma linearidade. 72 Edmonson, S. (2000). Women an d Special Educator Burnout: A Research Synthesis. Neste estudo o autor
identificou efeitos positivos do género na realização pessoal, no burnout, no entusiasmo, na intensidade da exaustão
emocional e na frequência dessa exaustão. As professoras que trabalham na educação especial apresentam uma
menor exaustão emocional e uma maior realização pessoal, quando comparadas com os professores.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 133
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
3.2.2.2 Elaboração do guião de entrevista.
Tendo os temas dos relatos como referentes, e porque pretendíamos compreender
os percursos profissionais dos docentes de educação especial, a entrevista semi –
estruturada, também designada semi - diretiva ou clínica (Ghiglione e Matalon,1993;
Estrela, 1994) constituiu a estratégia que considerámos adequada, tendo por conseguinte
elaborado o respetivo guião (ver anexo 3).
Na elaboração do guião procurou-se ter em linha de conta as fases de condução de
entrevista referidas por alguns autores (Dominicé e Fallet, 1981; Medrano, 2007),
começando assim por, numa fase prévia, estabelecer um contrato e uma relação com o
professor para, em seguida realizar perguntas abertas sobre a vida (neste caso sobre a
vivência profissional atual); na fase central da entrevista as perguntas tornaram-se mais
complexas e concretas, uma vez que implicaram uma rememoração retrospetiva do
percurso profissional, envolvendo assim a dimensão não só dos acontecimentos mas
também a sua cronologia; na fase final, procurámos efetuar questões mais gerais que, de
algum modo permitiam ao entrevistado uma apreciação global do seu percurso e o seu
enquadramento em etapas que considerasse pertinentes; nesta fase foi ainda pedido aos
intervenientes que se posicionassem em relação ao seu futuro, e embora conscientes da
complexidade deste tipo de questão (Medrano,2007), a sua realização era necessária
perante os objetivos do estudo. Já no final da entrevista, para além do agradecimento
devido aos intervenientes, solicitou-se o preenchimento de um ficha de caracterização
com dados pessoais e relativos à experiência e à situação profissional.
Este tipo de entrevista insere - se num quadro de não diretividade (Dominicé e
Fallet, 1981; Cohen e Manion,1990; Medrano, 2007) implica por parte do entrevistador,
uma postura de abertura, de empatia, de compreensão e de escuta ativa do outro e, nessa
medida, revela-se adequada quando se pretende recolher relatos biográficos
(Kelchetermans & Vandenberghe,1994).
E, uma vez que o objetivo geral é caracterizar os percursos profissionais de
professores de educação especial a partir da sua entrada na profissão docente, a
entrevista abrange seis blocos, a saber:
Bloco 1 - Legitimação e motivação – Neste primeiro bloco procurámos legitimar a
entrevista e motivar os entrevistados, começando desde logo por agradecer a
colaboração já prestada aquando da realização do relato escrito e a disponibilidade
entretanto manifestada em continuar a participar no estudo; seguidamente, relembrámos
os objetivos e as finalidades do estudo, sublinhando junto dos professores o carácter
Capítulo III: Metodologia do Estudo 134
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
fundamental da sua colaboração para a consecução daqueles objetivos, não deixando
obviamente de assegurar a confidencialidade e o anonimato face às informações
recolhidas. Garantimos ainda aos entrevistados que, no final iriam ter o feed - back do
estudo efetuado e, por último, pedimos autorização para gravar a entrevista.
Bloco 2 – Ser professor de educação especial hoje – Tendo como referência
criação do grupo de docência de educação especial (decreto-lei nº 20/2006) e a
regulamentação posterior nesta área (decreto-lei, nº 3/2008), pretendemos que os
entrevistados tendo em conta a experiência havida nos últimos três anos, se situassem
face à profissão e caracterizassem a intervenção que desenvolvem, assinalando os
princípios e valores que defendem, as condições de exercício profissional, as práticas, as
dificuldades, as fontes de satisfação profissional e a forma como estão integrados no
grupo de docência. Neste segundo bloco pretendíamos também que os entrevistados
relatassem episódios da sua prática atual, que fossem reveladores de mudanças
ocorridas na sua intervenção, procurando-se assim apreender e identificar as mudanças
recentes percebidas pelos professores.
Bloco 3 – Relembrar o tempo da formação especializada – Com este bloco
pretendíamos que os entrevistados relembrassem o período em que realizaram a
formação especializada em educação especial e que procurassem fazer uma apreciação
global sobre a mesma, assinalando também eventuais mudanças nas suas conceções,
atitudes ou práticas que associem a essa etapa dos seus percursos profissionais.
Pretendia-se assim compreender a importância e o significado atribuído à
formação especializada no processo de mudança e de socialização na profissão.
Bloco 4 – Relembrar os primeiros anos na educação especial - Com o intuito de
compreender e caracterizar o início de funções na educação especial e as eventuais
mudanças decorrentes dessa experiência, pedimos aos entrevistados que relembrassem
as razões que justificaram a opção por aquela área, a perceção global, as dificuldades e
as fontes de satisfação sentidas inicialmente; solicitou-se ainda que procurassem
relembrar eventuais mudanças nas suas conceções e nas suas práticas que associam a
esta fase.
Bloco 5 - Relembrar a experiência enquanto professor do ensino regular – Neste
conjunto de questões pretendíamos que os entrevistados recordassem, por um lado, as
razões que os levaram a escolher a docência como profissão e, por outro, a forma como
viveram a socialização inicial; procurou-se ainda identificar a perceção de eventuais
Capítulo III: Metodologia do Estudo 135
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
mudanças ocorridas nesta fase, pedindo aos entrevistados que tivessem como referência
as conceções e as práticas adquiridas durante a formação inicial.
Bloco 6 – Apreciar o percurso profissional em termos gerais – A fim de
compreender qual a perceção e apreciação global que os entrevistados têm dos seus
percursos e de que modo equacionam o seu futuro profissional, começamos por solicitar
a rememoração retrospetiva de todo o percurso, a eventual identificação e caracterização
de diferentes etapas que tenham sido determinantes e a narração das expectativas e dos
projetos profissionais a desenvolver no futuro; por último e para conhecer os efeitos da
participação no estudo, pedimos aos entrevistados a identificação das eventuais
aprendizagens decorrentes da rememoração retrospetiva do seu percurso profissional.
Com a elaboração deste guião procurámos abranger os três eixos que importa
considerar neste tipo de entrevista, a saber: a descrição da situação atual, a
compreensão dos acontecimentos significativos e dos momentos-chave do percurso
profissional e a projeção referente quer às expectativas iniciais quer à forma como se
equaciona o futuro profissional (Dominicé e Fallet, 1983).
3.2.2.3 Realização das entrevistas.
Para proceder à realização das entrevistas foi necessário contactar individualmente
os quatro professores que se haviam mostrado disponíveis para continuar a participar,
no sentido de acordar com cada um as datas de realização, bem como os locais e as
horas mais convenientes. Desde logo foi evidente a simpatia e a adesão face ao projeto,
numa postura de grande generosidade que em muito facilitou esta fase de recolha de
dados.
No contrato inicial que se estabeleceu com os intervenientes, estes foram
informados sobre as finalidades do estudo e sobre o tempo que poderia exigir a sua
participação, tendo-se ainda assegurado o anonimato e a confidencialidade dos dados,
de modo a respeitar a sua privacidade; desde o início os participantes tiveram também
conhecimento da intenção de lhes devolver a análise e interpretação dos dados, de modo
a ser possível a sua comprovação ou eventual alteração.
As entrevistas foram efetuadas durante os meses de Maio, Junho e Julho de 2009.
Dado envolverem a recolha de um vasto conjunto de dados, foi necessário realizá-las
em dois momentos sequenciais distintos, tendo o calendário sido definido em função da
disponibilidade de cada interveniente.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 136
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Todos os docentes autorizaram a gravação áudio, a duração das entrevistas oscilou
entre as duas horas e meia e as quatro horas, e todas elas decorreram num clima de
cordialidade, de simpatia e de colaboração. Na apreciação final que os professores
fizeram sobre a experiência de recordar o seu percurso profissional é em todos evidente
o prazer daí decorrente; a possibilidade de refletir sobre as escolhas realizadas, sobre as
dificuldades e sobre as fontes de satisfação vividas possibilitou encontrar sentido para o
que se fez e para o que se deseja fazer no futuro.
Durante a realização das entrevistas foi possível aprofundar e compreender
melhor algumas ideias captadas na análise dos relatos escritos sobre a passagem de
professor do ensino regular a professor de educação especial; com efeito, procurámos
antes da realização de cada uma das entrevistas, reler os relatos individuais e identificar
aspetos face aos quais seria importante uma compreensão mais clara e contextualizada.
O facto de relembrar alguns aspetos narrados no relato escrito facilitou o
desenvolvimento durante a entrevista de uma relação caracterizada pela compreensão,
pela abertura e pela valorização do depoimento escrito, e permitiu ainda a validação
junto dos participantes, dos dados inicialmente recolhidos.
E, uma vez que os professores se mostraram disponíveis para tal, durante a
realização das entrevistas pedimos – lhes ainda documentos relacionados com a sua
prática profissional atual, reveladores das mudanças anunciadas, completando assim os
materiais biográficos primários pelos secundários (Ferrarotti, 1988).
Após a realização das quatro entrevistas procedeu-se à sua transcrição. Neste
processo procurou-se ter em conta a forma e o sentido de cada uma das narrativas e, no
final, foi possível obter quatro longos protocolos. De modo a assegurar o anonimato dos
intervenientes e a confidencialidade das informações facultadas, substitui-se o nome
próprio de cada entrevistado e retiraram-se do texto todas as referências a nomes de
pessoas, de escolas, de agrupamentos e de localidades.
3.2.2.4 Análise de conteúdo das entrevistas - utilização do programa Atlas.ti.
Antes de iniciar a análise de conteúdo propriamente dita, e após se proceder à
conversão dos documentos do formato Word para o formato Rich Text Format (RTF)
criou-se para cada entrevista uma unidade hermenêutica, uma vez que à partida
pretendíamos conhecer os percursos individuais de cada interveniente. No âmbito do
Capítulo III: Metodologia do Estudo 137
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
programa Atlas.ti73
, cada unidade hermenêutica contém para além do protocolo de
entrevista e de outros documentos sobre as práticas (fotografias, planos de aulas e
projetos) todas as categorias, sub – categorias, anotações e redes conceptuais
construídas ao longo do processo de análise.
Dado que a socialização profissional dos professores de educação especial
constitui um tema recente na investigação, tivemos como preocupação central a análise
aprofundada e reflexiva de cada entrevista de forma a viabilizar, numa posterior análise
conjunta, a identificação das categorias com maior densidade na narrativa e a criação de
hipóteses ou de ideias que permitissem compreender o fenómeno em causa.
Tal preocupação vai ao encontro dos pressupostos de que uma “grounded theory”,
isto é, aquela que “deriva indutivamente do estudo do fenómeno que representa”
(Strauss e Corbin, 2008:23), o que significa que as hipóteses de investigação decorrem
da análise dos dados, não sendo, portanto, formuladas a priori.
Importa notar que este programa para além de disponibilizar informação sobre a
frequência de cada categoria, (o que constitui uma dimensão habitualmente considerada
na análise de conteúdo), faculta também informação sobre a respetiva densidade,
referindo-se esta dimensão ao número de relações de dada categoria com outras ao
longo da narrativa. E, uma vez que a densidade elevada significa que a categoria em
causa apresenta um alto grau de densidade teórica, o investigador pode estabelecer
hipóteses explicativas dos fenómenos que estuda, considerando as categorias que
apresentam essa maior densidade.
Estas virtualidades do programa constituem em nosso entender uma mais-valia
significativa em relação à análise de conteúdo tradicional, sobretudo em questões face
às quais o conhecimento existente é escasso, como é o caso da socialização profissional
dos professores de educação especial.
No programa em análise, a interpretação dos dados envolve diversos
procedimentos de tratamento do texto, os quais são habitualmente designados por três
tipos de codificação: aberta, axial e seletiva (Fernandes e Maia, 2001; Flick,2005). Estes
procedimentos constituem diferentes maneiras de tratar o material textual, entre os quais
o investigador se move e que combina quando necessário.
73 Flick (2005, p, 261) refere que este programa foi desenvolvido por Muhr (1991,1994) num projeto de pesquisa da
Universidade Técnica de Berlim e que se baseia na abordagem da teoria enraizada e na codificação teórica de Strauss
(1987). Tem sido classificado no âmbito de programas “construtores de redes conceptuais”(Weitzman,2000, p.809),
mas sobretudo no grupo de “construtores de teorias baseadas na codificação”.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 138
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Neste contexto, a codificação pode ser definida como o conjunto de “ operações
pelas quais os dados são divididos, conceptualizados, e reagrupados de forma
diferente. É o processo linear de construção das teorias a partir dos dados” (Strauss e
Corbin, 1990, p. 57). Nesta perspetiva, envolve processos constantes de comparação dos
dados empíricos, dos conceitos e das categorias, bem como a formulação de questões
dirigidas ao texto.
É, pois, a partir dos dados e através de um processo de abstração progressivo que
é possível chegar à elaboração de hipóteses teóricas. Para tanto, é necessário atribuir ao
material empírico conceitos e códigos, formulados primeiro o mais próximo possível do
texto e, seguidamente, de forma cada vez mais abstrata (Flick, 2005, p.180).
A categorização implica habitualmente a existência de muitos códigos (Strauss e
Corbin, 1990) sendo portanto necessário, através da comparação constante, agrupá-los e
construir categorias que sejam relevantes para a problemática em causa.
Assim sendo, após uma leitura reflexiva de uma das entrevistas realizadas,
passámos a análise da informação com vista à sua categorização/codificação, usando os
procedimentos de análise sugeridos por Straus e Corbin (2008) no programa Atlas.ti A
análise de conteúdo realizada envolveu uma abordagem predominantemente indutiva,
como se pode perceber através da figura 1.
Figura 5. Procedimentos de codificação - Programa Atlas Ti – abordagem indutiva
De faco, como o autor que temos vindo a seguir refere, neste processo de análise,
o investigador move-se sistematicamente entre o pensamento indutivo e dedutivo que
permite aferir a coerência da classificação.
Capítulo III: Metodologia do Estudo 139
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Assim sendo, a análise de cada entrevista envolveu três etapas que passamos a
descrever:
- na primeira etapa procedeu-se ao processo de codificação aberta, no qual se
examinou cuidadosamente o texto de forma a segmentar/decompor o conteúdo em
unidades de análise (que correspondem às diferentes ideias expressas), de modo a
proceder à sua codificação/classificação; nesta forma de classificação, que tem como
objetivo expressar os dados e os fenómenos na forma de conceitos (Flick 2005),
procurou-se, desde logo, evitar a mera descrição dos fenómenos, e desenvolveu-se um
processo de questionamento dos dados (ex. quem? quando? aonde? o quê? como?
quanto? porquê?). Este processo permitiu proceder a uma comparação constante
primeiro das sub - categorias e depois das categorias que foram emergindo, tendo-se
procurado a sua saturação, de modo a assegurar a conexão entre aquelas e os dados da
entrevista e, assim, comparar dados codificados de forma semelhante.
- na segunda etapa procurou-se apurar e diferenciar as sub - categorias e
categorias resultantes da codificação aberta, selecionando as que pareciam mais
promissoras em termos de elaboração posterior, de modo a desenvolver o processo de
codificação axial; este processo envolveu a aplicação de um modelo de análise dos
dados, no qual se identifica o fenómeno central, as condições causais, os aspetos do
contexto e os fatores facilitadores e/ou dificultadores, as estratégias de ação para
responder ao fenómeno e, por fim, as consequências, ou seja os resultados dessas
estratégias (Strauss e Corbin, 1990). Nesta fase o mais importante foi clarificar e
estabelecer as relações entre as categorias e as subcategorias encontradas, podendo essas
relações ser de natureza diversa (pertença, associação, causa, contradição, etc.).
- por último, na terceira etapa procedeu-se à codificação seletiva, na qual se
procurou identificar determinada categoria ou tema como fenómeno central,
relacionando-o sistematicamente com outras categorias e sub-categorias, de modo a ser
possível, com base nessa categoria/tema principal, construir/conceptualizar uma história
ou, como refere Strauss e Corbin (2008), uma “story line”. A codificação seletiva dá
continuidade à codificação axial, no entanto, o nível de abstração é mais elevado, uma
vez que o que se pretende é “ formular uma categoria integrativa na qual são agrupadas
as outras categorias”(Flick, 2005, p. 185).
Importa salientar que neste processo de análise de conteúdo, as categorias
definidas não têm que ser mutuamente exclusivas, podendo existir entre as mesmas
relações de causalidade circular facilitadoras da compreensão da globalidade do
Capítulo III: Metodologia do Estudo 140
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
fenómeno em estudo e dos respetivos contextos. Deste modo, procura-se atenuar a
atomização decorrente das relações de causalidade linear que constituem resquícios do
positivismo na investigação em educação e pôr em evidência o carácter sistémico dos
fenómenos estudados.
Com efeito, a análise de conteúdo que é possível realizar utilizando o programa
Atlas ti permite o desenvolvimento de uma investigação que efetivamente vai ao
encontro dos pressupostos das metodologias qualitativas, de natureza holística, onde se
procura fundamentalmente a compreensão da realidade como um todo.
3.2.2.5 Reconstrução das trajetórias profissionais.
Nesta última etapa, foi então possível reconstruir os percursos profissionais dos
professores. Com base nos blocos e temas gerais que emergiram da codificação seletiva
definiu-se um guião (“story line”), que facilitou a reconstrução dos percursos, desde a
opção pelo ensino enquanto carreira ao momento atual enquanto docente de educação
especial. Assim sendo, no relato de cada trajetória, para além dos dados iniciais de
caracterização, procurou-se seguir e ter em linha de conta as fases do percurso definidas
por cada professor na entrevista. Na reconstrução das trajetórias profissionais partimos
da identificação dos acontecimentos considerados pelos professores como mais
significativos e, porque consideramos que a compreensão destes acontecimentos
envolve a análise de toda a experiência vivida, em seguida relatam-se os percursos
individuais, com base nos seguintes blocos:
1. Motivação para ser professor
2. Socialização na docência
3. Socialização prévia na Educação Especial
4. Formação Especializada
5. Socialização atual na Educação Especial
6. Mudanças decorrentes da experiência e da formação
7. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas
8. Identidades Profissionais
9. Efeitos formativos da entrevista.
Na reconstrução das trajetórias profissionais, os resultados apresentados integram
as redes de categorias que considerámos pertinentes para uma visão global e
compreensiva dos diferentes blocos, temas, categorias e subcategorias respetivos. E,
apesar do processo de análise ter envolvido uma abordagem predominantemente
Capítulo III: Metodologia do Estudo 141
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
indutiva, mas que não exclui a dedução, a apresentação das redes de categorias permite
uma leitura dedutiva dos resultados, como se poderá constatar no próximo capítulo.
3.2.3 Critérios de cientificidade.
Durante o desenrolar desta investigação procurou-se ir ao encontro dos critérios
de cientificidade que, segundo alguns autores, importa considerar perante estudos de
natureza interpretativa e fenomenológica (Guba, 1986; Boavida e Amado,2008).
Assim sendo, a fim de garantir a credibilidade do estudo e de obter um
conhecimento aceitável, durante a pesquisa procurámos desenvolver processos de
observação persistente da realidade, de modo a identificar quer as características
atípicas quer as semelhanças (Guba,1986), na forma como os participantes relataram os
seus percursos de professor de ensino regular a professor de educação especial, quer em
termos de escrita, quer em termos de narrativa oral. Tal implicou contactos de carácter
informal com os professores especializados que aderiram ao projeto, de forma a criar
um clima de confiança recíproca, que permitiu a realização inicial de um relato escrito,
com um guião aberto, sobre o percurso vivido - de professor de ensino regular a
professor de educação especial e a realização posterior de entrevistas de natureza
biográfica.
Por sua vez, como complemento das entrevistas, a análise de documentos de
natureza profissional (fotografias, planos de aulas, programas, projetos educativos ...)
reveladores das mudanças nas práticas que alguns dos intervenientes nos
disponibilizaram, constituem também em nosso entender, processos de triangulação dos
dados que contribuíram para assegurar a credibilidade do estudo.
Por outro lado, a análise dos dados que fomos realizando ao longo do tempo, foi
sendo sempre objeto do juízo crítico de outros investigadores, contando para tal com o
contributo da professora orientadora do estudo e de alguns colegas que se
disponibilizaram para tal.
E, dado tratar-se de um estudo que envolveu dois momentos de recolha de dados,
importa sublinhar, de novo, que se devolveu aos participantes, ao longo do processo, a
análise e interpretação dos mesmos. Apesar de não ter havido em nenhuma das
situações necessidade de ajustar ou alterar a análise dos dados, o feed-back dos
professores participantes no estudo foi fundamental para a comprovação da análise e
interpretação por nós realizada. Esta comprovação junto dos participantes no estudo
aconteceu em diferentes tempos, à medida que se ia concluindo a análise das entrevistas
Capítulo III: Metodologia do Estudo 142
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
e se reconstruia a trajetória profissional de cada um, tendo permitido assegurar “que não
existem conflitos internos ou contradições” (Guba,1989:159) na interpretação dos
dados, garantindo-se assim a validade fenomenológica do estudo.
No que diz respeito ao critério da transferibilidade dos resultados para contextos
semelhantes, os critérios de seleção dos professores que participaram no estudo
(professores de níveis de ensino diferentes, nos três primeiros anos de experiência após
o curso de especialização, de géneros diferentes) e a descrição detalhada de informações
sobre os seus contextos atuais foram as estratégias privilegiadas.
Como já referimos, durante o processo de investigação utilizaram-se diferentes
instrumentos de recolha de dados (relatos escritos, entrevistas de natureza biográfica,
documentos referentes às praticas dos professores); entendemos que se trata de técnicas
complementares e, nessa medida, facilitaram o acesso a um conhecimento coerente
(Guba,1986).
Tendo como referente o critério da confiabilidade referido por Guba (1986), ou de
confiança no entender de Boavida e Amado (2008), o conhecimento que foi possível
obter, pôde contar com a análise contínua e constante do processo de recolha de dados
registado nas nossas “notas de campo” (Bogdan e Biklen (1994), que fomos realizando;
por sua vez, durante a análise e interpretação dos dados procurou-se desenvolver
processos que garantissem a consistência e a validade intra- individual das conclusões a
que íamos chegando, efetuando para tanto revisões sistemáticas e periódicas do material
e da análise proposta; por último, o acompanhamento e a análise da orientadora do
estudo (enquanto observadora externa) permitiu ir verificando, a par e passo, a
adequação e pertinência do referido processo.
Quanto à confirmabilidade, a recolha, análise e interpretação dos dados
decorrentes dos relatos escritos, das entrevistas biográficas e dos documentos de
natureza pessoal e profissional constituíram meios que entendemos pertinentes para a
triangulação; por sua vez, a confirmação por parte dos intervenientes no estudo das
interpretações que foram sendo realizadas e que constam da trajetória profissional de
cada um, constituiu também um meio de verificar a neutralidade do investigador num
estudo desta natureza.
Tornou-se ainda fundamental registar, como já foi referido, ao longo do processo
“notas de campo” (Bogdan e Biklen,1994), já que nos permitiram perceber e identificar
as reflexões e mudanças que formos fazendo, e que fomos partilhando com colegas e
Capítulo III: Metodologia do Estudo 143
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
com a professora orientadora, de forma a ser possível explicitá-las e integrá-las no
estudo.
Em síntese, a metodologia usada durante a pesquisa centrou-se numa abordagem
interpretativa, compreensiva e holística, envolvendo a utilização de entrevistas
biográficas enquanto metodologia fundamental, tendo sido complementada com os
relatos escritos iniciais e com os documentos de natureza profissional disponibilizados;
esta abordagem, associada à utilização do programa de análise qualitativa de dados
Atlas Ti.6 permitiu captar e compreender a complexidade e singularidade dos percursos
de mudança dos professores que optam pela educação especial como carreira e
identificar os fatores determinantes daqueles percursos.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 144
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados
“Se quisermos contribuir para a mudança dos
professores e das escolas temos de partir das suas
culturas, o que, aliás será mais coerente com a defesa
que se faz em termos teóricos da dar a vez e a voz aos
professores e com a importância atribuída aos
contextos para a compreensão da ação educativa.”
M. T. Estrela, 2003
4.1 Caracterização dos participantes
Os dez professores que colaboraram neste estudo trabalham no distrito de Lisboa
e pertencem a agrupamentos de escolas diversos; o grupo é formado por cinco
professores do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Estes docentes responderam
favoravelmente ao pedido feito através de “e – mail”, tendo relatado por escrito a
passagem de professor de ensino regular a professor de educação especial.
Quadro 11 - Dados de caracterização dos participantes
Sexo e Idade
Formação Inicial/Docência
Experiência
Docente
Experiência
Educação Especial
Curso de
Especialização
Experiência
após especialização
F 174 – 56 A Curso de Educação de
Infância 33 anos 8 anos Problemas de
Cognição 3 anos
F2 – 43 A Curso de Educação de
Infância 21 anos 9 anos Problemas de
Cognição 4 anos
F3 – 41 A
Madalena
Curso Magistério Primário
– 1º CEB 18 anos 6 anos
Apoios Educativos
-Problemas de Cognição
3 anos
F4 – 44 A Curso Magistério Primário-
1ºCEB 23 anos 16 anos Problemas de
Cognição 2 anos
F5 – 56 A
Margarida Licenciatura Geografia – 3º ciclo e E, Secundário
34 anos 9 anos Apoios Educativos
-Problemas de
Cognição
3anos
M6 – 32ª Licenciatura Línguas e
Literaturas Modernas - 3º
ciclo e E. Secundário
7 anos 1ano Problemas de
Cognição 1 ano
M7 – 32A
Lourenço
Licenciatura Ensino Básico –Variante Matemática
/Ciências – 1º e 2ºCEB
10 anos
7 anos
Problemas de
Cognição
2 anos
M8 – 31 A Licenciatura Ensino Básico
–Variante Matemática /Ciências – 1º e 2º CEB
10 anos
5 anos
Problemas de
Cognição
2 anos
M9 – 45A
Eduardo
Licenciatura Línguas e Literaturas Modernas - 3º
ciclo e E. Secundário
12 anos 3anos
Apoios
Educativos-Problemas de
Cognição
3 anos
M10 – 43ª
Curso Magistério Primário
– 1º CEB
19 anos
8 anos
Apoios
Educativos-Problemas de
Cognição
4 anos
74 F1 – A cada participante foi atribuído um código composto por uma letra e um número respetivo; a letra F refere-se
ao género feminino e a letra M ao género masculino. Os quatro nomes atribuídos referem-se aos docentes que
participaram na segunda fase do estudo.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 145
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
As idades dos professores variam entre os 31 e os 56 anos. A média das idades é
de 42,3 (= 42 anos) e a mediana é de 43 anos.
Perante estes valores é possível considerar a existência de dois grupos, um
referente aos professores mais novos (situando-se entre os 31 e os 41 anos) e outro
referente aos mais velhos (com idades entre os 43 e os 56 anos). A moda situa-se nos 56
anos. O desvio padrão é de 8,9, constatando-se assim uma distribuição assimétrica das
idades.
O grupo abrange profissionais de diferentes níveis de ensino, incluindo assim
docentes com formação para a educação pré-escolar (dois educadores), para o 1º Ciclo
do Ensino Básico (CEB) (quatro professores) e para o 2ºe 3º ciclo e Ensino Secundário
(quatro professores).
Quanto ao tempo de serviço docente, este varia entre os 7 anos (um professor) e
os 34 anos (uma professora), sendo a média de 18,7 (=19 anos), a mediana de 18 e a
moda 10, o que revela uma distribuição algo assimétrica dos anos de experiência
profissional. O desvio padrão é de 8,99.
Relativamente aos anos de experiência na educação especial, verifica-se que
variam entre 1 (um professor) e 16 anos (uma professora), sendo a média de 7,2 (=7
anos), a mediana de 7, a moda regista-se nos 9 anos e o desvio padrão é de 4,03.
No que diz respeito à formação especializada, todos os docentes frequentaram a
mesma instituição de ensino superior, numa mesma área de especialização (problemas
de cognição). Note-se no entanto que, quatro dos participantes realizaram um curso de
especialização cujo plano de estudos inicialmente era diferente, tendo posteriormente
sido adaptado às exigências decorrentes das condições de concurso destes docentes. Dai
a sua designação mais abrangente – “Apoios educativos – Problemas de Cognição”,
como se pode verificar no quadro síntese apresentado.
Por último, os anos de experiência após a especialização vão desde 1 a 4 anos, o
que à partida considerámos ser pertinente, dado se pretender compreender os processos
de socialização na profissão, ou seja a forma como se processa a mudança na carreira.
4.2 Temas emergentes dos relatos escritos
Os temas relatados pelos docentes integram o percurso pessoal e académico, o
percurso profissional prévio à frequência da formação especializada, a apreciação global
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 146
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
sobre essa formação e, por último, o percurso mais recente, após a conclusão da
especialização em educação especial.
Embora, como seria previsível, cada docente centre a sua narrativa em
determinados aspetos e não noutros, todos eles descrevem as razões que os levaram a
optar pela educação especial em determinado momento do seu percurso e as funções
que vêm desempenhando enquanto docentes.
Quadro 12 - Temas e categorias dos relatos escritos
Temas Categorias
Relatos
Percurso pessoal
e académico
Referências Pessoais F5
Referências Académicas F5
Percurso
profissional
(prévio à
formação
especializada)
Preocupações do início da carreira F5 – F3 - M7
Fatores de opção pela Educação Especial Todos
Avaliação da experiência prévia na EE F5- F3 – F4-M7-
M8- M9- M6
Funções Desempenhadas Todos
Mudanças conceptuais F5- M8
Mudanças nas práticas F5 – M8
Formação
Especializada
Entrada no Curso de Especialização Todos exceto M10
Avaliação da Formação Todos exceto M7 –
M10
Mudanças posteriores à formação
especializada
F5 – M8
Percurso
profissional
(posterior à
formação
especializada)
Avaliação da experiência profissional F5 – F3 – F2 – M9
- M6 – M10
Fatores facilitadores da intervenção do PEE F5 – M6
Fatores dificultadores da intervenção do
PEE
M6
Funções desempenhadas Todos
Mudanças conceptuais F3 – F4 – M 6
M10
Mudanças nas práticas F3 – F4
Mudanças nas atitudes F4 - M6
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 147
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Interessante notar o facto de apenas uma professora fazer referências à influência
de aspetos da sua vida pessoal, familiar e académica no seu percurso profissional, sendo
este tema ausente nos relatos escritos dos demais docentes.
No que diz respeito aos fatores associados à opção pela educação especial, todos
os professores referem as circunstâncias associadas a tal decisão. As razões de natureza
pragmática e as decorrentes da vivência de experiências positivas de integração de
alunos com necessidades educativas especiais (NEE) são as mais narradas, embora
sejam também descritas, com menor ênfase, razões de natureza circunstancial.
Quanto às funções desempenhadas, todos os docentes se referem a esta categoria,
quer para descrever a intervenção na educação especial enquanto docentes de apoio
educativo antes de realizarem a especialização, quer para assinalar as funções atuais
enquanto professor especializado.
Por sua vez, a referência a mudanças nas conceções, nas práticas e nas atitudes ao
longo do percurso profissional, constitui uma das categorias com pouca expressão na
maioria dos relatos escritos. A análise dos mesmos permite perceber que apenas alguns
docentes (entre dois ou quatro) fazem referências a mudanças, ora associadas ao início
de funções na educação especial, ora decorrentes da formação especializada, ora
referentes ao período posterior a essa formação. Apesar de escassas, as referências a
mudanças têm uma maior incidência nas conceções, sendo esta incidência menor
perante as atitudes e as práticas.
Relativamente à avaliação que fazem, quer da formação especializada recebida,
quer da experiência profissional posterior, os relatos escritos mostram, da parte da
maioria dos professores, um sentido crítico apurado e uma capacidade reflexiva que
reputamos importante para o desenvolvimento profissional de cada um.
Mas, sobre os fatores que poderão facilitar ou dificultar a intervenção enquanto
professores de educação especial, apenas em dois dos dez relatos encontramos
indicadores nesse sentido. A motivação pessoal, uma cultura de escola inclusiva, o
contacto permanente com os professores do ensino regular e o apoio dos alunos na sala
de aula são os fatores facilitadores assinalados em dois relatos; quanto aos
dificultadores, a falta de motivação dos alunos com problemáticas mais severas e a
dificuldade de articulação com os docentes do ensino regular no 2º e 3º ciclo são os
aspetos referidos por apenas um dos professores.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 148
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Como já referimos a análise dos relatos teve como intenção última possibilitar a
identificação de temas a integrar a entrevista de natureza biográfica, realizada na
segunda fase do estudo e cujos resultados se apresentam seguidamente.
4.3 Trajetórias de Professores de Educação Especial
4.3.1 Lourenço, 35 anos de idade.
Professor do Ensino Básico - Curso de Professores do Ensino Básico, variante
Matemática/Ciências
Professor de Educação Especial – Curso de Especialização – Problemas de Cognição
Experiência docente – 10 anos
Experiência na Educação Especial (antes do curso de especialização) – 7 anos
Experiência na Educação Especial após especialização – 2 anos
Situação profissional – Docente de Educação Especial, Professor do Quadro do 1º Ciclo
do Ensino Básico, com componente letiva em Educação Especial.
Apesar de caracterizar o seu percurso profissional como globalmente descontínuo,
Lourenço identifica com precisão três fases: a primeira refere-se à entrada na profissão,
enquanto professor do 1ºciclo, no ensino regular; a segunda envolve a opção pela
docência na Educação Especial, nomeadamente nos Apoios Educativos e, a terceira,
abrange o período entre a formação especializada e o exercício posterior como professor
de educação especial, sendo esta última, em seu entender, a “fase de consolidação”.
De todo o percurso profissional, aquilo que recorda e que narra como
particularmente significativo refere-se sempre à intervenção desenvolvida no âmbito da
educação especial e envolve ora a valorização do apoio dos colegas de equipa, ora a
evolução verificada no desenvolvimento e na aprendizagem dos seus alunos com NEE.
É deste modo que descreve essas situações significativas:
(…) E eu penso que aquela equipa de apoio, aqueles colegas que trabalhavam naquela
equipa, colegas de grupo de docentes de Educação Especial que pertenciam aquela
equipa, aquela força e o trabalho que ali foi feito, foi extremamente importante (…).
(…) Outro aspeto extremamente positivo foi o trabalho que desenvolvi com um aluno
(…) Um aluno autista, integrado na sala do Jardim de Infância Regular, em que nós,
eu, a educadora e a auxiliar da sala, adaptando um bocadinho da metodologia
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 149
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
TEACCH,75
àquela situação que era particular, o aluno teve, no final desses dois anos,
uma evolução espetacular (…).
Compreender o significado e a importância destas situações na trajetória de
Lourenço implica analisar, não apenas o seu percurso profissional, mas também o tempo
anterior, o tempo que antecedeu a formação profissional e a difícil escolha da docência
como profissão. É por aí que começaremos.
4.3.1.1 A falta de motivação para ser professor e o início da docência – tempo de
incerteza, de ambivalência e de procura.
Ser professor não foi, de modo algum, a profissão desejada por Lourenço na sua
juventude. Numa época em que o acesso à universidade não era fácil, nomeadamente no
que diz respeito a determinados cursos, a medicina ocupou um lugar privilegiado nos
seus sonhos e ambições. Ser médico constituía, de facto, o seu ideal em termos
profissionais mas, perante as dificuldades encontradas no acesso a essa formação, num
primeiro momento decide candidatar-se ao Curso de Enfermagem, curso que frequenta
ainda durante algum tempo, e do qual vem a desistir por não corresponder às suas
expectativas. Por isso, na sua narrativa é evidente o desejo de mudar.
É, portanto, num tempo de alguma desilusão e frustração que continua a tentar
encontrar saídas em termos de formação que possam de algum modo ir ao encontro dos
seus interesses. Diríamos que neste período da sua vida, Lourenço equaciona as mais
variadas hipóteses em termos de futuro, numa constante procura de saídas para a
situação de frustração e de impasse que vivencia. Medicina, enfermagem, farmácia,
academia militar são algumas das diversas hipóteses que vão surgindo e que vai
declinando, por uma razão ou por outra.
É neste contexto que tem informação, através de uma amiga, sobre a existência de
um Curso de Professores de 1º Ciclo, na variante de Matemática/Ciências. À partida a
ideia agrada-lhe pelas áreas curriculares e possibilidades envolvidas e, assim sendo,
decide candidatar-se ao curso, onde finalmente ingressa.
Perante toda a indefinição profissional que caracterizou o tempo anterior, a saída
encontrada não poderia corresponder ao ideal inicial… Trata-se, por conseguinte, de
75 Trata-se de um programa de Ensino Estruturado - TEACCH - Treatment and Education of Autistic and related
Comunication Handicapped Children (1966 , Eric Schopler)
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 150
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
uma decisão difícil, ambivalente, na qual a capacidade de resistir à frustração, aceitando
os condicionalismos do contexto pessoal e social é posta à prova. Não será por acaso
que a forma como vivenciou o tempo em que frequentou a formação é escassamente
referida na narrativa de Lourenço. Apenas podemos perceber uma apreciação global do
curso, onde a comparação entre a formação para o 1º ciclo e para o 2º ciclo é evidente e
pode justificar, como adiante veremos, algumas das dificuldades sentidas quando inicia
funções docentes.
4.3.1.2 A socialização inicial na profissão – desilusão e resignação.
(…) A primeira etapa do percurso docente foi o primeiro ano de trabalho como
professor do ensino regular (…)
Terminada a licenciatura, concorre ao ensino e, apesar do curso que havia
realizado permitir lecionar no 2º ciclo, Lourenço fica colocado como professor do
quadro numa escola de 1º ciclo. Perante esta colocação profissional, os sentimentos que
experimenta são de desilusão e de frustração. Neste cenário, o desejo de mudar aparece
de novo e com grande ênfase na narrativa.
É na apreciação que faz da formação inicial e nas expectativas face à lecionação,
que podemos encontrar as causas dos sentimentos que experimenta. Com efeito,
Lourenço considera que teve uma boa formação inicial para lecionar no 2º ciclo e uma
escassa formação para o 1º ciclo e, nessa medida, sente-se frustrado e desiludido com o
resultado do concurso. A boa formação para o 2º ciclo justifica o concurso realizado e a
expectativa de lecionar nesse nível de escolaridade.
Mas, por outro lado, obter um lugar como professor no quadro de escola, num
tempo em que é difícil encontrar emprego, confere alguma segurança e estabilidade
profissional e, nessa medida, compreende -se a resignação que seguidamente
experimenta e que expressa.
No que diz respeito à formação inicial ter sido lacunar em termos de 1º ciclo, no
entender de Lourenço, tal decorre da escassa componente prática do curso,
nomeadamente, a falta de experiência com pais e a falta de participação em projetos,
durante as situações de estágio.
Perante esta perceção, e face à realidade escolar com que se depara, facilmente se
compreendem as preocupações que caracterizam a sua entrada na profissão, bem como
as dificuldades sentidas. Efetivamente, Lourenço inicia funções docentes junto de um
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 151
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
grupo/turma com níveis de aprendizagem diversos, onde a falta de autonomia dos
alunos, a escassa ligação dos pais à escola e a ineficácia do apoio da educação especial
contribuíram para a perceção de não conseguir responder às necessidades, dadas as
dificuldades em gerir o currículo e em disciplinar os alunos. É pois sobretudo ao nível
da intervenção pedagógica com o grupo/turma e na articulação com os pais que
Lourenço refere dificuldades neste primeiro ano enquanto professor.
E, se à indefinição profissional que caracterizou a escolha da docência
associarmos agora este início “resignado” da profissão, facilmente percebemos o desejo
de mudar, evidente na persistência em candidatar-se e em iniciar a frequência de um
outro curso, numa atitude que parece ser de procura constante de uma identidade
idealizada, que a circunstâncias da realidade teimam em adiar.
O início da docência acontece portanto em simultâneo com o início de um outro
curso que, não sendo medicina, se insere nas ciências médicas. Esta decisão de ser
professor, de trabalhar no ensino e de continuar a estudar parece constituir uma forma
de compensar ou de lidar melhor com a frustração então sentida. Decisão que assume
particular relevo e significado no percurso profissional de Lourenço, uma vez que
constituiu uma das razões que fundamentaram a opção posterior pela educação especial.
A figura que seguidamente se apresenta mostra como a socialização inicial na profissão
docente não foi um processo fácil e sintetiza os fatores que dificultaram esta fase.
Figura 6. Socialização inicial na docência – fatores dificultadores
is part of
is part of
is associated with
is part of
is associated with
is part of
is part of is part ofis part of
is part of
is part of
is part of
is associated with
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is part of
is associated with
is part of is part of
is part of
is part of
* Sentimentos
Social inicial
docência {23-8}~
*Preocupações
iniciais {29-10}* Dificuldades
sentidas {9-4}
Concurso 2º ciclo
{2-1}
Professor do
quadro 1º ciclo {5-1}
Desejo de mudar
{7-2}
Desilusão {9-1}
Frustração {1-1}
Resignação {5-1}
Experiência prática
escassa {3-1}
Falta de
experiência com
pais {2-1}~
Falta de
participação em
projectos {3-1}
Apoio da EE
ineficaz {2-1}
Disciplinação {3-1}
Escassa ligação
dos pais à escola
{5-1}
Falta de
autonomia dos
alunos {2-1}Gestão do
currículo {4-1}
Não responder a
necessidades {8-1}
Níveis de
aprendizagem
diversos {5-1}
Articulação com
pais {6-2}
Intervenção
pedagógica {3-1}
Fraca formação 1º
ciclo {1-1}
Boa formação 2º
ciclo {4-1}
*Colocação
Profissional {11-5}
**Socialização
inicial docência -
dificultadores
{80-6}
*Formação inicial
lacunar {9-7}
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 152
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Apesar das dificuldades sentidas no início da profissão, é possível identificar na
narrativa de Lourenço, embora com menor relevância, outros aspetos que influenciaram
de forma positiva a sua entrada: a cultura organizacional e as fontes de satisfação
profissional decorrentes da intervenção. No que diz respeito à cultura organizacional, é
de assinalar a perceção positiva sobre a escola e a boa relação estabelecida com colegas
e com a direção; quanto às fontes de satisfação profissional, a relação pedagógica, os
resultados obtidos em termos de aprendizagem, e a possibilidade de participar com os
seus alunos em projetos da escola, são os aspetos narrados.
4.3.1.3 O encontro com a educação especial - transformação da motivação
extrínseca em intrínseca.
(…) Uma segunda fase foi quando comecei a trabalhar na Educação Especial, nos
Apoios Educativos (…).
Ora, se ser professor constituiu uma escolha difícil e ambivalente, tal não
aconteceu relativamente à opção pela educação especial. Com efeito, para além dos
aspetos de natureza circunstancial que estão associados a esta escolha, são sobretudo
razões de natureza pragmática que inicialmente a fundamentam.
Importa referir que, à partida, teve particular importância nesta escolha, a
perceção prévia que Lourenço tem sobre a profissão e sobre os professores de educação
especial. A possibilidade de exercer funções de apoio sem ser necessária uma formação
especializada, existindo portanto as mais diversas situações em termos profissionais,
surge associada e legitima a ideia de que o trabalho a realizar é fácil, que não exige uma
particular relação com o ensino regular e que permite ao professor ter bastante tempo
livre. Por outro lado, na sua narrativa Lourenço mostra uma imagem “quase mágica”
das funções dos professores especializados em educação especial, já que considera que
têm respostas ou “receitas” para cada uma das diversas problemáticas dos alunos. Os
excertos da narrativa que seguidamente se apresentam mostram esta perceção prévia
sobre a profissão e a sua relação com as razões de natureza pragmática que justificaram
o concurso para os Apoios Educativos:
(…) Eu achava que os professores de educação especial … na altura havia dois
grupos… havia o grupo das pessoas especializadas e das pessoas não especializadas.
Na altura eu pensava que os professores especializados conseguiam e tinham
conhecimentos sobre as estratégias a utilizar em cada situação … portanto é um
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 153
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
menino autista e nós fazemos isto, e isto e isto. Tinham uma receita, e que podiam … a
articulação deles com o professor do ensino regular não era assim nada de especial,
portanto relacionavam-se pouco, cada um estava um pouco no seu cantinho, mas o
PEE tinha um formulário em que tinha fórmulas para cada situação (…).
(…) E tinha um exemplo, se calhar um mau exemplo, de colegas que estavam nesses
lugares de professores de apoio não especializado e que realmente tinham muito tempo
livre e que … que lhes permitia ter algum tempo. Foi sobretudo uma questão de tempo
que me fez concorrer (…).
Como antes se referiu, Lourenço entra na profissão docente e, simultaneamente,
inicia outro curso enquanto trabalhador estudante. Esta circunstância está na base da
mudança do ensino regular para a educação especial, mudança que acontece quando
decide concorrer para exercer funções de apoio educativo, por precisar de tempo para
dedicar ao curso (Cf. figura 7).
Figura 7. Motivação para ser professor
As razões de natureza pragmática tiveram assim uma significativa influência na
escolha da educação especial. Com efeito, quer quando refere as razões que justificaram
a sua escolha, quer quando enuncia os motivos de outros docentes que realizaram o
mesmo percurso, encontramos na narrativa de Lourenço vários exemplos desse
pragmatismo. O facto de a profissão ser percebida como um espaço de menor trabalho e
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 154
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
de menor responsabilidade perante a escassez de resultados dos alunos, associado à
dificuldade atual em assegurar colocação no ensino justificam, na perspetiva de
Lourenço, o aumento evidente de docentes que concorrem para a educação especial e
que realizam a especialização.
Neste cenário, a Educação Especial constitui-se como uma saída profissional
possível e, nessa medida, pode facilitar o acesso e a continuidade na carreira docente.
Embora inicialmente apenas a perceção prévia sobre a profissão e as razões de
natureza pragmática permitam compreender a escolha de Lourenço face à Educação
Especial, outras razões, de natureza ética vão surgir, perante a colocação como docente
de apoio educativo e quando confrontado com o real. E é precisamente quando
confrontado com alunos com problemáticas graves que, entre sentimentos de surpresa,
de receio e de dúvida, Lourenço tem consciência das implicações profissionais da sua
escolha, como podemos constatar nos excertos seguintes:
(…) Só que depois… as coisas realmente mudaram, tanto que nesse lugar se calhar
estava assim previsto, que nesse lugar encontrasse duas crianças que eram crianças de
Educação Especial. Eram crianças com uma problemática, com um défice cognitivo,
muito grave e grave, e elas … elas … eu era o professor de apoio delas! Elas
precisavam de mim! E eu pensei… o que é que eu vou fazer com estas crianças? Não foi
isto… não era esta a minha perspetiva, não era esta a minha expetativa… o que é que
vou fazer?”
Deste modo, é quando percebe a dimensão da sua responsabilidade enquanto
educador que o sentido ético, de cuidado e de solicitude, surge na sua narrativa. Ajudar
os alunos, melhorar o seu quotidiano, motivar e transmitir alegria constituem exemplos
de razões de natureza ética que, em última análise, transformaram a motivação pela
Educação Especial. Nessa medida, o encontro com a educação especial permitiu
transformar a motivação extrínseca em intrínseca, o que em última análise pôde
constituir uma forma de ultrapassar a indefinição profissional da fase inicial, e
proporcionar a Lourenço uma fixação e identificação profissional. Os três excertos da
narrativa que se apresentam seguidamente ilustram, de certo modo, esta transformação:
(…) Foi a grande mudança, sobretudo que podia … não sei, ou pela minha maneira de
ser, de comunicar com eles, interagir com essas crianças, tentar transmitir sempre mais
uma ideia, transmitir sempre alegria, boa disposição, e às vezes eu sentia que essas
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 155
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
crianças estavam rodeadas de um clima não muito acolhedor…e eu acho que isso foi
importante (…).
(…) Transmitir sempre alguma alegria naquilo que faço. Às vezes, há sempre situações
horríveis, mas eu tento sempre ser o motor …. E tentar sempre transmitir o lado
positivo, tentar ter sempre um sorriso e tentar colocá-los sempre… tentar criar um
clima em que eles se sintam bem (…).
(…) Eu tento sempre envolvê-los ao máximo, e procurei sempre que eles gostassem de
trabalhar comigo e que … e isso acho que tem sido muito importante para conseguir
chegar a eles. E, por isso, esse ano foi… esse primeiro ano foi muito importante e muito
positivo (…).
4.3.1.4 Os primeiros anos na educação especial – desafio e vontade de aprender.
Gostar de desafios, ter vontade de aprender coisas novas e ter prazer em refletir
sobre a sua ação são características pessoais de Lourenço que, associadas às
aprendizagens realizadas durante a formação inicial facilitaram a entrada na educação
especial. Para além destes aspetos, a cultura organizacional das equipas de educação
especial onde se integrou, as possibilidades que teve de desenvolver uma intervenção
diversificada e as fontes de satisfação profissional que experimentou e que narra foram
fatores que em muito contribuíram para a socialização, nesta fase do seu percurso
De facto, contrariamente ao que acontecera no início da profissão, apesar da falta
de experiência, a entrada para a educação especial constituiu para Lourenço, pelas
circunstâncias envolvidas, fonte de satisfação e de desenvolvimento profissional.
Como sublinha na sua narrativa teve a “sorte” de fazer parte de uma equipa de
coordenação dos apoios educativos (ECAE) constituída por professores de educação
especial com muitos anos de experiência e onde existia a preocupação de apoiar, de
ajudar e de transmitir aos mais novos no “ofício” os saberes e as práticas da profissão.
Esta preocupação era evidente nos colegas especializados com quem Lourenço
trabalhou e até em alguns coordenadores das referidas equipas, uma vez que também
eles visitavam as escolas e os professores de apoio recentes, no sentido de identificar
eventuais dificuldades ou necessidades (Cf. figura 8).
Este apoio dos colegas especializados foi, no entender de Lourenço, fulcral para a
sua adaptação e integração na profissão, uma vez que proporcionou o acesso a recursos
e referências bibliográficas fundamentais, e facilitou o contacto com exemplos de boas
práticas que Lourenço adotou. As reuniões de equipa, porque organizadas de modo a
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 156
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
facilitar o trabalho de todos, constituíram oportunidades únicas de formação e de
aprendizagem.
Figura 8. Socialização prévia na educação especial – fatores facilitadores
Mas, para além desta formação que foi realizando de forma continuada, teve ainda
oportunidade de participar em ações de formação com temáticas e modalidades as mais
diversas que, como sublinha no excerto seguinte, foram importantes pois permitiram dar
resposta às diferentes necessidades formativas dos professores.
(…) Eu penso que foi muito importante, isto foi numa primeira fase houve estes grupos
de trabalho, numa segunda fase houve mesmo ações de formação. Creditadas. Havia
colegas especializados que tinham a formação de formadores e com o intercâmbio com
o centro de formação profissional (…) conseguiu-se encontrar quatro ações de âmbitos
diferentes, desde o seminário, à ação com 25 ou 50 horas, à oficina de formação
também… (…) E as pessoas inscreveram-se no que quiseram (…) e permitiu às pessoas
terem formação. Mais simples ou uma formação mais complexa (…).
A cooperação com os professores do ensino regular, nomeadamente através do
trabalho realizado em conjunto, quer dentro da sala de aula, quer no exterior, constituiu
também um dos fatores da cultura organizacional de escola que facilitou a sua
integração na profissão. Por sua vez, a boa relação que conseguiu estabelecer com os
pais dos alunos com NEE contrasta de forma evidente com as dificuldades narradas a
este nível no início da profissão docente e, por isso, integra uma das fontes de satisfação
profissional associadas a esta fase. Procurando explicações para este fenómeno
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 157
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Lourenço considera que os pais dos alunos com NEE têm uma atitude diferente face ao
professor:
(…) O professor de Educação Especial, eu penso que para alguns pais, quase para a
maioria, é visto como uma ajuda preciosa. Alguns em demasia … atribuem-nos quase
um valor terapêutico. Este senhor vai ajudar o meu filho a ficar melhor! (…)
Este valor terapêutico atribuído aos professores de educação especial permitiu o
desenvolvimento de uma boa relação de trabalho com os pais, verificando com prazer a
assiduidade e participação daqueles nas reuniões que convoca. Como assinala na sua
narrativa: (…) Consegui, ao contrário da primeira fase, consegui nesta fase uma boa
relação com os pais. Tão boa, que no final desse ano, fizeram uma carta para que
pudesse continuar o trabalho no ano seguinte (…).
E, este primeiro reconhecimento do seu trabalho por parte dos pais dos alunos
com NEE, uma vez que envolveu uma hetero - perceção francamente positiva,
configura-se como um momento sobremaneira importante para a sua auto -estima e para
a identificação com a profissão.
Perante este cenário, justifica-se que, na sua narrativa, Lourenço transmita uma
imagem francamente positiva da equipa de educação especial onde começou a trabalhar
e onde, pela cultura organizacional existente, pode aprender a ser professor neste
domínio.
Esta aprendizagem envolveu o desenvolvimento inicial de práticas pedagógicas
caracterizadas pelo improviso, pela tentativa e pelo erro, pela intenção de melhorar
ação, numa postura constante de experimentação e de verificação de resultados no
desempenho dos alunos.
Desenvolver uma intervenção holística considerando competências e dificuldades,
intervir não apenas nas áreas curriculares, mas em todas as dimensões do
desenvolvimento humano e proporcionar aos alunos uma diversidade de experiências
são aspetos narrados que revelam o modo como foi evoluindo em termos de prática. A
planificação, embora algo rígida no início, constituiu e constitui ainda hoje para
Lourenço fonte segurança, na intervenção desenvolvida, como se percebe no excerto
seguinte:
(…) Tentei primeiramente estabelecer um plano muito rígido de trabalho com eles…
por uma questão de segurança… E eu ainda faço isso hoje no Jardim de Infância
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 158
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
porque é um sítio onde não me sinto muito à vontade. E planifico muito. Muito. Todos
os dias. (…)
Por sua vez, a recolha de informação junto de colegas, a criação de rotinas com os
alunos, a realização de atividades simples, a adaptação de tarefas, a utilização das
tecnologias de informação e comunicação (TIC), a realização de projetos e o
encaminhamento de alguns alunos constituem outras dimensões reveladoras do carácter
diversificado da intervenção.
Intervenção que, pela forma sustentada como foi evoluindo, justifica o balanço
positivo que Lourenço faz sobre os primeiros anos na educação especial, aos quais
associa sempre a ideia de crescimento profissional: (…) E essa foi uma fase, esses dois
anos seguidos foram uma fase de crescimento grande em termos formativos e em
termos de Educação Especial (…).
Para além destes aspetos, a evolução os alunos com NEE, o desenvolvimento de
uma boa relação com os pais, a articulação com outras instituições e o conhecimento de
outros técnicos constituíram também fontes de satisfação profissional que em muito
contribuíram para a socialização prévia na educação especial.
Muito embora estes dois primeiros anos tenham sido francamente positivos,
Lourenço não deixa de assinalar outras situações que posteriormente vivenciou e onde é
possível identificar fatores que dificultaram a sua integração na profissão, a saber: as
características dos alunos e a cultura organizacional. Com efeito, perante uma mudança
de escola e de ECAE, depara-se com um grupo de alunos com problemáticas
substancialmente mais graves e face ao qual experimenta sentimentos de receio e de
dúvida; no entanto, nesta situação a cultura organizacional é bem diversa da anterior… e
a falta de disponibilidade dos professores do ensino regular na escola e a falta de apoio
da equipa em que está integrado justificam as dificuldades sentidas na intervenção e,
consequentemente, nesta etapa de socialização profissional.
4.3.1.5 A formação especializada – entre o desejo de aprender metodologias de
intervenção e a possibilidade de fundamentar saberes e práticas.
(…) Depois a terceira fase… foi durante a formação especializada até ao presente…foi
a fase de consolidação (…).
Como vimos, em termos gerais, a experiência prévia na educação especial
constituiu para Lourenço fonte de satisfação profissional e, nessa medida, compreende-
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 159
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
se que manifeste face à formação especializada, um conjunto de predisposições
francamente positivas.
Com efeito, a motivação subjacente à realização do curso de especialização
prende-se com o desejo de aprender metodologias de intervenção, para assim identificar
o modo correto de intervir junto dos alunos com NEE. O desejo de aprender “novas” e
“mais corretas” metodologias específicas que facilitem a intervenção junto de grupos
com problemáticas particulares, ou seja, junto de alunos com problemas de cognição é
expresso de forma evidente na narrativa.
De certo modo, esta expectativa face à formação justifica-se e encontra
fundamento na perceção prévia que Lourenço tem da profissão, na qual, como já
referimos, o professor de educação especial, tal como um “mágico”, tem “receitas” e
“respostas” para as diversas problemáticas dos alunos (cf. figura 9).
Figura 9. Formação especializada – motivação e apreciação global
É portanto à procura dessas receitas/respostas que vem frequentar a formação
especializada, escolhendo como instituição de formação aquela que já conhece e que
entende ser a instituição de referência para a área de especialização do seu interesse.
A apreciação que agora faz da formação especializada permite perceber como as
expectativas iniciais foram, em certa medida, frustradas: resulta evidente na sua
narrativa a crítica ao plano de estudos e à forma como foi implementado. O facto de
algumas disciplinas serem desadequadas pela falta de articulação com a educação
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 160
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especial, a escassa abordagem às diversas problemáticas dos alunos com NEE e,
sobretudo, a falta de formação prática são os aspetos negativos que a narrativa
evidencia.
Apesar disso, Lourenço não deixa de assinalar também alguns aspetos positivos
da formação, nomeadamente os que se prendem com a experiência enquanto formando,
com os resultados obtidos e com a pertinência de algumas disciplinas. O facto do curso
de especialização ser frequentado por professores que lecionam em diferentes níveis de
escolaridade, constituiu para Lourenço um aspeto positivo em termos da experiência
formativa, já que permitiu, por um lado, contactar e conhecer pessoas com experiências
profissionais diferentes e, por outro, compreender melhor como se trabalha na educação
pré-escolar e no 2º ciclo.
Embora de forma sempre vaga, Lourenço refere que realizou aprendizagens
durante a formação, aprendizagens que ainda hoje têm utilidade prática; a narrativa
sugere que em termos de resultados, a formação possibilitou sobretudo a fundamentação
de conceções e de práticas, como se torna evidente no seguinte excerto:
Do ponto de vista formativo é fácil de perceber, (…) eu penso que a formação me
conseguiu transmitir ou reforçar algumas ideias que eu já tinha da educação especial e
de práticas e de princípios pela qual se deve reger (…).
4.3.1.6 A fase atual de socialização – interesse pela pesquisa e identificação com a
profissão.
A experiência prévia na educação especial e a formação especializada, entretanto
concluída, justificam a ideia de “consolidação” que Lourenço associa a esta última fase
do seu percurso, ou seja, à fase atual.
É quando descreve a prática profissional atual que podemos identificar os
pressupostos educativos que a fundamentam, as formas como organiza a intervenção
junto das escolas, e os critérios de eficácia que considera essenciais na profissão. Estas
três dimensões são reveladoras do processo de interiorização de saberes, de valores e de
atitudes da profissão, permitindo portanto compreender a fase atual de socialização e o
processo identitário que lhe está associado.
O princípio de que a escola é para todos é sobremaneira defendido por Lourenço,
bem como o respeito pela individualidade da criança; neste aspeto, sublinha ainda a
necessidade de não fazer juízos de valor sobre a criança e de a perspetivar como única
em termos de desenvolvimento e de aprendizagem. É com base nestes princípios que
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 161
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
equaciona o seu papel e as suas funções na escola. Enquanto professor de educação
especial, perspetiva-se como um recurso da escola e, nesse sentido, considera
fundamental desenvolver uma intervenção holística, onde o apoio à escola e à família, a
procura de soluções para eventuais problemas, a mudança de perceções de professores e
alunos e a melhoria da auto - estima dos alunos com NEE consubstanciam objetivos
essenciais da sua ação, ação que pretende seja sempre facilitadora da inclusão.
Perante estes princípios, e consoante as características dos alunos com NEE e dos
respetivos contextos educativos, Lourenço desenvolve dois tipos de apoio: individual e
em grupo. Este apoio pode ser efetuado no espaço próprio existente nas escolas, no
espaço /sala do ensino regular e ainda no ginásio. São as necessidades e características
dos alunos e das escolas que determinam a opção pelo local e pelo tipo de apoio: no
ensino pré-escolar o apoio acontece com mais frequência na sala e perante determinadas
dificuldades dos alunos Lourenço recorre a espaços diferentes, como podemos perceber
no seguinte excerto:
(…) No primeiro ciclo tenho uma sala, trabalho numa sala, quer numa escola quer na
outra; no pré-escolar trabalho dentro da sala mas por vezes tenho necessidade de
trabalhar mais afastado do grupo, existem determinados conteúdos, determinados
assuntos que eu tenho necessidade de trabalhá-los individualmente com aquele aluno
específico ou com um grupo muito pequenino de dois alunos. Muitas vezes tenho
necessidade de recorrer ao ginásio quando existem problemas, dificuldades de
motricidade global, foi assim que eu estruturei a minha intervenção junto dos meus
alunos (…).
É também possível verificar através da narrativa que a intervenção acontece em
dois estabelecimentos escolares, abrange dois níveis de escolaridade (Educação Pré-
Escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico), envolve uma média de oito alunos por dia e
distribui-se entre o período da manhã e da tarde.
Na perspetiva de Lourenço, pensar em termos de eficácia na educação especial
implica considerar a relação entre competências do professor e desempenho dos alunos.
Atribuindo uma maior ênfase às competências de intervenção e de avaliação do
professor, a narrativa sugere que, em última análise, a eficácia está associada a
processos de ensino aprendizagem facilitadores da aquisição de níveis de maior
autonomia por parte dos alunos, o que nos parece particularmente pertinente perante
alunos com NEE.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 162
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quando a narrativa se centra nas competências do professor é possível perceber
como Lourenço tem vindo a interiorizar alguns dos saberes da profissão. Perspetivando
a avaliação como um processo facilitador da compreensão dos problemas e das
limitações dos alunos com NEE, sublinha a necessidade de uma “intervenção
cirúrgica”.
E é interessante verificar como Lourenço associa o interesse atual pela
compreensão dos problemas dos alunos com NEE a outros interesses que o
caracterizam, nomeadamente os que se relacionam com a área da saúde; como se pode
constatar no excerto que seguidamente se apresenta, esses interesses semelhantes
justificaram a continuidade na educação especial e, um última análise, o processo de
identificação com a profissão:
(…) Na área da saúde eu sempre gostei de perceber como é que as coisas funcionam, o
porquê o que está na génese, o que está na origem. E na área da Educação Especial
sempre tentei fazer o mesmo. Tentar perceber mas por que é que acontece assim, ou
melhor por que é que aquela criança ou aquele jovem tem este perfil. (…) E foi este
gosto por perceber o que se passa à volta daquela problemática, perceber porquê e
então qual é caminho que eu posso traçar, que me fez continuar (…).
Para além da compreensão dos problemas, as competências a nível da intervenção
narradas abrangem a observação sistemática, o desenvolvimento de expectativas
adequadas face ao futuro dos alunos e a implementação de processos de ensino por
etapas que permitam de aprendizagens mais simples, evoluir para outras mais
complexas.
Já no que diz respeito ao exercício da profissão, Lourenço assinala as boas
condições de trabalho das escolas onde exerce funções, sublinhando os recursos
materiais existentes e o fácil acesso aos mesmos.
Por outro lado, perante as alterações legislativas ocorridas ultimamente na
educação especial76
, é visível na narrativa como, através da leitura, da análise cuidada e
da procura de formação contínua, procurou adaptar-se às exigências da nova legislação,
nomeadamente as decorrentes da utilização da Classificação Internacional de
Funcionalidade na avaliação dos alunos; e, no que diz respeito à criação de unidades de
apoio para alunos com necessidades de carácter permanente, Lourenço sublinha também
76 Alterações decorrentes da publicação do Decreto-lei nº 3 de 2008.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 163
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a pertinência desta medida, perante uma escola que se pretende inclusiva, não deixando
no entanto de assinalar alguma preocupação quanto a eventuais desvios que poderão
ocorrer na sua implementação prática.
Mas, o que atualmente constitui fonte de grande satisfação profissional tem a ver
com as situações em que sente, pela evolução que observa, que a sua intervenção faz
“alguma diferença” na vida dos alunos, sendo portanto “um fator positivo na vida e na
carreira deles (…)”. Este prazer decorrente da intervenção surge de forma evidente na
narrativa quando sublinha que o importante na profissão é gostar daquilo que se faz. De
facto, é significativa a maneira como se refere à profissão e o valor que lhe atribui,
como podemos observar no seguinte excerto:
(…) É bastante gratificante, apesar de todos os condicionalismos e dificuldades é
gratificante trabalhar com os alunos da Educação Especial. Acho que é enriquecedor
tanto do ponto de vista profissional, como do ponto de vista humano (…)”.
Em síntese, os fatores que atualmente facilitam a socialização de Lourenço
enquanto professor de educação especial prendem-se com a forma positiva como encara
a profissão e com as fontes de satisfação que experimenta, as quais estão associadas, por
um lado, à evolução dos alunos com NEE com quem trabalha e aos recursos materiais
de que dispõe e, por outro, ao processo de adaptação que desenvolveu face às mudanças
legislativas.
Mas, apesar destes fatores facilitadores, Lourenço faz questão de assinalar
também um conjunto significativo de aspetos que constituem constrangimentos à sua
socialização atual, a saber: as mudanças preconizadas em termos de política educativa,
as condições de trabalho, as características da intervenção, a cultura organizacional da
escola atual e, por último, os sentimentos que experimenta enquanto professor de
educação especial.
Existe um conjunto diversificado de fatores circunstanciais e contextuais que
justificam o mal - estar e o cansaço de Lourenço nesta fase do seu percurso. As
alterações legislativas no domínio da Educação Especial ocorridas no ano anterior
associadas às exigências atuais inerentes à avaliação do desempenho dos docentes
consubstanciam na perspetiva de Lourenço razões efetivas do cansaço e mal - estar
referidos (Cf. figura 10).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 164
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 10. Fase atual de socialização – fatores dificultadores
A implementação prática das medidas legislativas referentes à educação especial e
à avaliação do desempenho dos docentes justificam não só o cansaço decorrente do
excesso de trabalho e do excesso de tarefas burocráticas, mas também as dificuldades
sentidas no exercício da profissão, nomeadamente na intervenção junto dos alunos, na
articulação com a área da saúde e na avaliação do desempenho do professor de
educação especial.
No que diz respeito ao decreto-lei nº3, as dificuldades de implementação prática
das medidas preconizadas prendem-se com a falta de preparação dos professores de
educação especial, com a falta de formação contínua no âmbito da Classificação
Internacional de Funcionalidade e com a falta de informação na área da saúde. À
partida, a articulação e a participação destes técnicos no processo de avaliação dos
alunos não foi uma tarefa fácil e, tal facto, está também associado, no entender de
Lourenço, à escassa abertura da escola ao exterior.
Por sua vez, a implementação da avaliação dos professores no âmbito da
Educação Especial causou à partida um excesso de tarefas burocráticas e implicou
dificuldades acrescidas devido à desadequação dos instrumentos previstos (registos,
planos de aula, etc). Na opinião de Lourenço, os instrumentos de avaliação propostos,
porque definidos e pensados para o professor de ensino regular, são completamente
desfasados da realidade da Educação Especial e tem sido difícil a sua adaptação, dadas
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 165
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
as diversas formas de trabalho existentes na profissão (apoio direto a alunos em
diferentes contextos e apoio indireto através do trabalho diário de cooperação com o
professor de ensino regular).
Por outro lado, o facto de atualmente a oferta em termos de formação contínua na
educação especial ser escassa, coloca dificuldades acrescidas à avaliação dos docentes;
com efeito, os professores de educação especial confrontam-se com uma situação de
desvantagem, já que na sua área específica existe pouca formação creditada e com o
valor exigido para a avaliação do desempenho.
E, a propósito da falta de formação contínua, Lourenço queixa-se ainda da falta de
financiamento atual por parte do sistema educativo, do custo excessivo de alguma
formação creditada e da desadequação da forma como está organizada, uma vez que
implica, em certas situações, o pedido de dias de férias para a sua frequência. Neste
contexto, apesar de sublinhar a importância da formação proporcionada pelo Ministério
da Educação, na fase de implementação do Decreto-lei nº 3, considera que o número de
professores envolvido (dois por agrupamento) foi claramente insuficiente.
No que diz respeito às características da prática profissional atual, Lourenço
associa o comportamento agitado dos alunos à falta de tempo dos pais e entende que tal
comportamento exige por parte do professor, a reformulação constante de metodologias
de ensino. Por outro lado, e porque desenvolve um trabalho de grande ligação com a
família, a desadequação das expectativas dos pais dos alunos com NEE, constitui fonte
de preocupação. Já relativamente à articulação com os professores de ensino regular,
Lourenço tem consciência de que as dificuldades ainda existentes decorrem em grande
medida pelo facto de a sua intervenção ser muito centrada nos alunos e pouco na
cooperação com os colegas. No entanto, não deixa de assinalar alguma evolução e
alguma mudança na sua ação, uma vez que tem conseguido implementar estratégias de
articulação com o professor e com o grupo/turma facilitadoras da integração dos alunos
com NEE. O facto de estes alunos apresentarem ao grupo/turma alguns dos projetos e
trabalhos realizados com o professor de educação especial tem facilitado a articulação
com o professor do ensino regular; simultaneamente tem permitido mudar a perceção
negativa existente sobre as competências daqueles alunos e melhorar a auto -estima.
Como anteriormente referimos, porque a intervenção que Lourenço desenvolve tem
como finalidade a inclusão dos alunos, estes dois objetivos são particularmente
importantes na sua ação.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 166
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.1.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar da formação e da
experiência na socialização profissional.
Como vimos, a narrativa sugere que a formação especializada fundamentou
/reforçou conceções e práticas anteriores e esta ideia é de novo sustentada, embora de
forma pouco coerente, quando Lourenço se refere às mudanças (cf. figura 11).
Começando por assinalar que a formação não desencadeou mudanças em termos
de conceções, em seguida refere situações formativas que foram significativas, uma vez
que lhe permitiram compreender como se aprendem determinadas áreas curriculares e
como se implementam algumas pistas de intervenção.
Figura 11. Mudanças decorrentes da Formação Especializada
A nível das práticas Lourenço assinala algumas mudanças decorrentes da
formação, a saber: estratégias de intervenção com adultos, conceção de instrumentos de
avaliação e desenvolvimento da metodologia de projeto.
E, como se pode verificar na figura 6, é ao nível das atitudes que se verifica um
contributo maior da formação, uma vez que a compreensão das problemáticas dos
alunos com NEE e a pesquisa de metodologias de intervenção passaram a ser
preocupações transversais à ação enquanto professor de educação especial.
Mas é a experiência na Educação Especial que desencadeia mudanças significativas nas
conceções, nas atitudes e nas práticas deste professor. Com efeito, muito embora
comece por referir a ausência de mudanças em termos de conceções, a análise da
narrativa mostra como para além da defesa de uma escola para todos, a experiência tem
permitido a Lourenço compreender não só o seu papel enquanto professor, mas também
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 167
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a responsabilidade da escola pública na educação de todos os alunos e,
consequentemente, o direito de alguns, a um currículo individualizado.
Quadro 13 - Excerto de um plano de intervenção individual
Interiorizar e assumir estas conceções e princípios tem implicado mudanças na
forma de trabalhar de Lourenço, nomeadamente nas práticas que vem implementando.
A estruturação da intervenção constitui um dos aspetos onde a mudança foi mais
significativa (cf. quadros nº 14 e 15).
Quadro 14 - Exemplo de uma planificação semanal
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 168
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Nos quadros apresentados, Lourenço procura ilustrar algumas das mudanças que,
em seu entender, decorrem da experiência havida na educação especial e que considera
importantes: a necessidade e a preocupação em estruturar a sua ação planificando, quer
tendo em conta as características individuais, quer tendo em conta os diferentes grupos
de alunos.
Por sua vez, desenvolver um trabalho que procura a articulação sistemática com
os pais, de modo a envolvê-los no processo educativo e a promover a adequação das
expectativas face ao futuro dos seus filhos; utilizar a apresentação dos trabalhos dos
alunos como estratégia facilitadora da articulação com os professores do ensino regular
e procurar estruturar de forma pertinente e eficaz a sua intervenção, constituem outras
mudanças na prática profissional que, na sua perspetiva, decorrem da experiência
havida na educação especial.
No que diz respeito às atitudes, deixar a postura passiva e passar a ter uma postura
de procura de cooperação com outros técnicos de forma a melhor responder às
necessidades dos alunos, ter um maior envolvimento no trabalho, ser mais exigente
consigo próprio e ser persistente perante as dificuldades dos alunos são as mudanças
narradas (cf. figura 12).
Parece possível concluir que foi sobretudo a prática profissional desenvolvida na
educação especial que desencadeou de forma mais significativa mudanças nas
conceções, atitudes e práticas de Lourenço; já a formação especializada teve um relativo
impacto em termos de mudança, possibilitando fundamentalmente a consolidação de
saberes e alguma mudança nas atitudes e nas práticas.
A análise da narrativa permite, como vimos, identificar os sentimentos que
Lourenço experimenta nas diferentes fases do seu percurso profissional e face às
mudanças que lhe estão associadas. Analisar esses sentimentos e os contextos em que
surgiram é particularmente relevante para a compreensão do processo de socialização e
de identificação com a profissão.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 169
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 12. Mudanças decorrentes da experiência na Educação Especial
Em síntese, diríamos que estamos perante um percurso cheio de vivências e de
sentimentos diversificados, o que facilmente se compreende quando analisamos o seu
desenrolar.
Com efeito, se à falta de motivação inicial para ser professor associarmos uma
colocação num nível de escolaridade para o qual se sente menos preparado,
compreendemos os sentimentos de desilusão, de frustração e de resignação que
caracterizam o início da profissão (Cf. figura 13); compreendemos também o desejo de
mudar, num movimento ainda de procura e de indefinição profissional inicial. É esse
intenso desejo de mudar que justifica a entrada e a frequência de outro curso e,
simultaneamente, o concurso para um lugar enquanto professor de apoio na Educação
Especial, lugar onde espera ter tempo para estudar.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 170
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 13. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas
Quando inicia funções na educação especial, a gravidade das dificuldades dos
alunos justifica a surpresa sentida, bem como o receio e a dúvida sobre como intervir
adequadamente. No entanto, o primeiro ano na educação especial vem a revelar-se
fundamental para o processo de socialização e de identificação com a profissão, pelo
apoio que teve de colegas especializados, com os quais foi interiorizando saberes,
atitudes e práticas.
As características e exigências da profissão associadas às características pessoais e
aos interesses de Lourenço permitiram e facilitaram a identificação com a profissão,
evidente nos sentimentos que expressa enquanto professor de educação especial. Apesar
do cansaço decorrente de fatores contextuais, gostar de ser professor de educação
especial e gostar dos alunos constituem os sentimentos que narra e que considera
essenciais no exercício da profissão.
4.3.1.8 Identidades profissionais – perceção sobre pares, reconhecimento pelo (s)
outro (s) e imagem de si próprio.
Atualmente é evidente na narrativa Lourenço uma auto -imagem positiva sobre o
desempenho profissional, compreendendo-se o desejo de realizar uma pós-graduação
em educação especial e, deste modo, continuar a formação neste domínio (cf. figura 14).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 171
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 14. Identidades profissionais
A auto-imagem está necessariamente associada à satisfação pessoal e profissional
decorrente da experiência que tem vindo a desenvolver na educação especial,
experiência que, em última análise, permitiu a identificação atual com a profissão, e a
superação da indefinição que caracterizou a fase inicial do seu percurso.
Com efeito, perceber que a sua intervenção promove a evolução dos alunos e ter o
reconhecimento do seu trabalho por parte dos pais, dos pares, dos professores de ensino
regular e ainda da direção das escolas, constituem dimensões facilitadoras quer da
internalização de uma boa imagem de si próprio, quer da identificação com a profissão.
Para esta identificação com a profissão contribui também a perceção francamente
positiva sobre os seus pares, a qual é evidente quando Lourenço manifesta um
sentimento de pertença ao grupo de educação especial e quando sublinha a boa relação
de trabalho existente, a consequente partilha de saberes e ainda as vantagens da
diversidade disciplinar em termos de uma maior articulação entre ciclos. Perante este
conjunto de dimensões, compreende-se que, presentemente, Lourenço afirme de forma
inequívoca a sua identidade enquanto professor de educação especial.
A análise global do processo de socialização e de construção identitária de
Lourenço mostra como a aprendizagem do ofício aconteceu na prática e pela prática; de
facto, esta constituiu fator determinante, quer da formação especializada já realizada,
quer do desejo de formação e de pesquisa que, entretanto, expressa, relativo à
frequência de um curso de doutoramento, na área da educação especial.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 172
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.1.9 Efeitos formativos da entrevista
Por último, no que diz respeito ao valor formativo da entrevista realizada, o facto
de ter participado no estudo, por permitir refletir sobre situações vividas e sobre as
circunstâncias que lhe estão associadas, possibilitou a compreensão da sua trajetória
profissional e, consequentemente, dos diversos fatores que fundamentaram decisões,
opções e mudanças.
4.3.2 Madalena, 42 anos de idade.
Professora do Ensino Básico – Curso do Magistério Primário
Professora de Educação Especial - Curso de Especialização – Apoios Educativos –
Problemas de Cognição
Experiência docente – 22 anos
Experiência na Educação Especial (antes do curso de especialização) - 7 anos
Experiência na Educação Especial (após curso de especialização) – 3 anos
Situação profissional - Professora do Quadro de Escola - Educação Especial –
Agrupamento de Escolas de 1º e 2º/3º ciclo.
É com bastante facilidade e precisão que Madalena identifica as três fases do seu
percurso profissional, duas das quais associa ao ensino regular e uma terceira à
intervenção desenvolvida no âmbito da Educação Especial.
A primeira fase, caracterizada por uma grande instabilidade, integra os primeiros
cinco anos de docência no ensino regular. Com efeito, nesta fase, Madalena foi sendo
colocada por períodos variáveis de tempo, em diversas escolas, o que em seu entender
justifica as dificuldades que então experimentou em “sentir-se professora”. A segunda
fase abrange os sete anos seguintes, durante os quais o trabalho desenvolvido no âmbito
de um projeto educativo, numa escola de intervenção prioritária, permitiu a estabilidade
necessária para finalmente poder “descobrir a profissão”. Já a terceira fase corresponde
aos últimos “dez anos de vida” e, como Madalena sublinha, trata-se de um período de
“viragem”, no qual novas aprendizagens acontecem, agora sobre a integração e sobre as
diferentes formas de apoio a alunos com necessidades educativas especiais na sala de
aula.
Relativamente às situações que considera particularmente significativas no seu
percurso profissional, Madalena, embora se refira a alguns incidentes penosos e difíceis
vividos enquanto professora do ensino regular, não deixa de assinalar também
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 173
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
acontecimentos gratificantes resultantes da sua ação enquanto docente na educação
especial.
No que diz respeito aos incidentes penosos, assinala como particularmente
significativas duas situações de conflito entre professores, seus colegas, e encarregados
de educação, situações que acompanhou em escolas do ensino regular distintas. Nos
incidentes narrados a questão de fundo prende-se com o racismo manifestado ora por
um professor face a um aluno, ora por encarregados de educação face a um docente;
ambos tiveram implicações graves em termos institucionais, pela queixas e
consequentes processos de averiguações e, nessa medida, condicionaram bastante o
clima de escola e perturbaram, de forma particularmente significativa Madalena, como
se pode verificar nos excertos seguintes:
(…) Uma situação que me marcou pela negativa acabou em processo disciplinar para a
professora, e foi muito muito desagradável. (…) Quer dizer, eu na altura pensei que
lidei bem, mas foi muito desagradável, foi muito muito desagradável. (…) Depois foram
as consequências dessa situação que envolveu toda a escola, pois a mãe formalizou
queixa, a queixa chegou à escola por escrito, nós, eu e a colega da Direção da escola,
face a uma queixa de encarregado de educação, ficamos num dilema, e agora? E
agora? (…)
(…) Iniciou-se um processo de averiguações que perturbou o funcionamento da escola,
eram reuniões atrás de reuniões, era a palavra da professora contra a palavra da mãe,
todo o percurso foi o que me incomodou mais, e eu fiquei com mais medo do que me
possa acontecer (…)
(…) Outra situação, já estava noutra escola, foi mesmo uma discussão com um
encarregado de educação, foi mesmo muito desagradável. Eram uns pais que estavam
muito insatisfeitos, envolveu um processo e a parte burocrática mexe com toda a
escola. Depois o professor só dizia que era racismo por ele ser de cor (…).
A questão das atitudes e dos valores fundamentais ao exercício da docência, o
dilema entre solidariedade com pares e o respeito pelos pais dos alunos são temas que
surgem de forma evidente na narrativa e que mostram como o facto de ter acompanhado
as situações de conflito constituiu uma experiência perturbadora para Madalena, capaz
de desencadear insegurança e receio face à sua ação enquanto professora.
Já quanto aos acontecimentos gratificantes, a narrativa centra-se na eficácia da
intervenção desenvolvida junto de um aluno com NEE, descrevendo com evidente
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 174
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
satisfação e pormenorizadamente os diversos fatores que, em seu entender, contribuíram
para tal eficácia. Neste contexto, e por oposição ao ensino regular, Madalena faz
questão de sublinhar a “ausência de experiências muito negativas” enquanto professora
de educação especial. Os fragmentos da narrativa que em seguida se transcrevem
mostram como o sucesso de um aluno com necessidades educativas especiais é
determinante para o sentimento de eficácia:
(…) Um aluno que eu acompanhei em fase terminal de ciclo. Foi um trabalho com a
mãe, uma aprendizagem com a mãe e com a professora, a trabalhar desde o 4º ano, e
depois acompanhei-o na transição para do 5º ano e durante o 6º ano… Verificar que os
professores o consideravam o melhor da escola, passou às disciplinas todas, foi assim
um caso que me ficou, ele era considerado o melhor da sala, ele até gostava mais de
trabalhar, era empenhado, tinha um bom apoio familiar… porque inicialmente os
professores estavam preocupados (…).
(…) Foi assim um aluno que me marcou, foi uma experiência que valeu a pena, porque
depois éramos reconhecidos naturalmente… e reconheciam a família e, não era só eu,
eu é que o acompanhei mais de perto (…) ele ainda fez o 5º e o 6º ano com as
disciplinas todas e era giro falar com os professores sobre o V. com orgulho, aquele
aluno era ótimo (…).
(…) Portanto acho que foi aquele aluno que criou um percurso, que fica, embora não
tenha sido só eu com ele, mas fiz parte, num determinado tempo, do percurso dele e ele
serviu também de abertura a outros alunos que vieram depois. Até para o grupo de
professores, não é? Atrás dele vieram outros alunos com características especiais para
aquele conselho de turma, para alguns daqueles professores, e o V. veio abrir um
bocadinho a porta (…).
Nestas transcrições é visível como Madalena valoriza a cooperação com a família
e com os professores e como estes fatores foram cruciais para a evolução escolar do
aluno com NEE e para a mudança de atitudes da escola face à inclusão.
Mas, não será por acaso que as situações profissionais consideradas por Madalena
como significativas abrangem experiências dos seus pares que a perturbaram pelo receio
que desencadearam e experiências pessoais que a gratificaram pela eficácia da sua ação
e pelos resultados obtidos. Compreender o porquê da escolha de situações profissionais
que envolvem ora insegurança e receio perante eventuais conflitos, ora satisfação e
orgulho perante a eficácia da intervenção é apenas possível quando se analisam os
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 175
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
fatores e os contextos que ao longo do percurso determinaram a trajetória de Madalena.
É isso que faremos em seguida, começando por procurar identificar as circunstâncias
associadas à escolha da profissão docente.
4.3.2.1 A escolha da profissão docente – entre as contingências familiares e a
necessidade de assegurar um futuro.
Quando termina, num liceu de uma cidade de província, o ensino secundário, ser
professora de 1º ciclo não era de todo o sonho de Madalena. Este desinteresse pela área
da educação e do ensino é narrado de forma explícita: (…) na altura eu nem queria ser
professora, não era a minha primeira opção (…) não posso dizer que queria o curso de
Educação (…).
Em plena juventude, ao desejo de independência face à estrutura familiar associa-
se o desejo de entrar na faculdade e de tirar o curso de direito o qual, como assinala
Madalena, na época era “o curso da moda”, constituindo também a sua “primeira
opção”. Este interesse justifica candidatura que então faz ao ensino superior e a
consequente admissão numa faculdade de direito.
No entanto, contingências familiares “obrigam” Madalena a abandonar a sua
primeira opção e a não ingressar na faculdade. A falta de condições financeiras que
assegurassem a frequência de um curso fora da área de residência coloca-a perante a
necessidade de equacionar outras hipóteses e de fazer outras opções.
E é neste cenário que a possibilidade de tirar o Curso do Magistério Primário,
existente na cidade onde reside, surge. Apesar da “natural” falta de interesse, Madalena
candidata – se, pois a possibilidade de “ter um curso” é percebida como uma mais -
valia em termos sociais, constituindo uma forma de assegurar um futuro em termos
profissionais. O excerto seguinte sintetiza a natureza pragmática da decisão tomada por
Madalena:
(…) Eu estava ali um bocadinho mais porque era um curso e na altura um curso tinha
valor até em termos sociais. Numa terra que era pequena, não é, ser professor
significava um estatuto. Mas não era aquela… Fui para Educação como escolha
minha… não. Não era uma profissão em que pensava, foi um bocadinho o percurso que
teve que ser (…).
Apesar destas contingências e do desinteresse inicial, a frequência do curso
modifica a perceção de Madalena. Gostar de determinadas disciplinas (Psicologia e
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 176
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Pedagogia), ter uma professora que “achava muito interessante” e ter um grupo de
colegas “engraçado” foram aspetos que justificam a perceção global positiva do curso
que manifesta posteriormente.
Após a conclusão do curso, já professora, realiza o sonho de ir para a faculdade e
resolve fazer, não o curso de Direito, mas de Filosofia. Para esta decisão e mudança
contribuiu a influência de um professor e obviamente o desejo de liberdade e de
autonomia antes referidos.
Os fragmentos seguintes mostram os fatores que contribuíram para a decisão de
fazer, enquanto estudante trabalhadora, o curso de Filosofia:
(…) Então, fiz o Magistério e assim que acabei, e até antes de ser colocada, inscrevi-
me na Faculdade porque eu achava que tinha que passar numa faculdade, não sei
muito bem porquê, porque achava que tinha que viver aquelas coisas que os alunos,
que os alunos que andavam em Lisboa contavam, que era mais aquela camaradagem.
Claro que eu depois vi que não era bem assim. Era uma experiência, pronto, era viver
fora da família, estarmos por nossa conta e risco…(…)
(…) Porque eu tinha um professor de Filosofia do 12.º ano que me obrigava muito a
pensar e a falar muito, muita argumentação e eu achava aquilo uma delícia. Claro que
depois quando cheguei ao curso é que foram elas, mas isso… (…)
E, embora tenha concluído o referido curso que lhe permitiria o eventual acesso à
docência num outro nível de ensino, o seu percurso profissional decorre sempre como
professora do primeiro ciclo do ensino básico.
4.3.2.2 As primeiras fases de socialização - da inevitável instabilidade à descoberta
da profissão.
“ (…) A primeira fase poderia dizer que foram os primeiros 5 anos, foi quando estava
no ensino regular (…) Depois consegui mais estabilidade quando entrei ou integrei um
projeto onde estive 7 anos(…)”
Como antes referimos, Madalena considera que as duas primeiras fases do seu
percurso profissional correspondem ao tempo em que foi professora no 1º ciclo do
ensino regular, tempo esse que integra um total de doze anos, durante os quais a
apropriação da profissão é progressiva e manifesta.
Com efeito, embora as dificuldades decorrentes do sistema de colocação de
professores tenham constituído fatores que dificultaram numa primeira fase a entrada na
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 177
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
profissão docente, a cultura organizacional e as fontes de satisfação associadas à
experiência vivida numa das escolas onde posteriormente lecionou foram determinantes
para a apropriação e descoberta da profissão (Cf. figura 15).
Figura 15. Socialização na profissão docente
De facto, durante os primeiros cinco anos, as mudanças constantes de escola por
períodos variáveis de tempo (ora por três meses, ora por um ano) dificultaram a sua
integração profissional. A inevitável instabilidade em termos de colocação e a
consequente falta de continuidade da intervenção pedagógica justificam as dificuldades
“em sentir-se professora” e também em estabelecer uma relação consistente com os
colegas.
Após esta fase de instabilidade, Madalena consegue finalmente uma situação
profissional mais estável através da colocação numa escola de intervenção prioritária, na
qual exerce funções docentes durante sete anos. A cultura organizacional que encontra
nesta escola é decisiva para a descoberta e para a aprendizagem da profissão. O fato de
poder integrar e participar num projeto educativo inovador, a possibilidade de mudar
práticas anteriores, de se envolver com a escola no seu conjunto e, finalmente, a
perceção positiva dos órgãos diretivos constituem aspetos que narra e que mostram
como a cultura organizacional foi importante para a sua socialização profissional.
Neste cenário, compreende-se que a possibilidade de participar em projetos, de trabalhar
em equipa e de simultaneamente se envolver em processos de formação contínua
constituam fontes de satisfação que associa a esta fase de integração na profissão. Os
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 178
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
três fragmentos que em seguida se transcrevem evidenciam alguns dos aspetos
referidos:
(…) Este percurso foi muito interessante, até porque permitiu trabalhar com muita
gente.
Eu tinha a turma, mas tínhamos muitas reuniões. O Dr. A. fazia muita formação aos
professores, até para os sensibilizar para os aspetos do comportamento. As terapeutas
da fala… pronto foi muito interessante. Foi um esforço muito agradável, muito rico
(…).
(…) Mais significativo foi poder trabalhar com outras pessoas da escola, quer ao nível
dos técnicos, assistentes sociais, quer ao nível até da expressão dramática, participar
em projetos que na altura eram inovadores (…)
(…) Um projeto muito engraçado foi também fazer formação em exercício, foi outro
período, mas acho que era bom o tipo de aprendizagem, não é? Depois foi possível
desenvolver o projeto ao nível da turma, e com colegas da escola uma que vez que ao
longo de tantos anos pudemos trabalhar em parceria (…).
Parece, pois, que nesta segunda fase de sete anos, enquanto professora do ensino
regular, a oportunidade de participar em projetos educativos inovadores constituiu fonte
de satisfação, de crescimento, de mudança, em suma de encontro com a profissão.
4.3.2.3 A opção pela educação especial – uma forma de responder a mudanças e
necessidades de natureza familiar.
(…) Depois na terceira fase foi a viragem para a educação especial e aí é outra
aprendizagem, é estar do outro lado e perceber também o que são as necessidades
educativas especiais na sala de aula (…).
É após os primeiros doze anos de docência no ensino regular que, por razões de
natureza familiar, a hipótese de concorrer à educação especial surge. Em termos
pessoais e familiares, Madalena decide ser mãe e esta decisão coloca-a perante um
conjunto de necessidades que condicionam de algum modo as suas escolhas face à
profissão. A necessidade de encontrar colocação numa escola próxima da sua residência
de modo a poder dispor de tempo para dedicar ao filho que espera justifica o concurso
para o apoio educativo que, por sugestão de uma colega, então realiza.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 179
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
São, portanto, razões de natureza familiar que fundamentam a decisão de
concorrer aos “apoios educativos”, de mudar o seu itinerário profissional, optando por
exercer funções docentes na educação especial (Cf. figura 16).
Figura 16. Motivação para ser professor
E, embora esta opção tenha implicado deixar de participar num projeto onde havia
trabalhado com imensa satisfação, nessa altura significou uma possibilidade única de
trabalhar próximo de casa, usufruindo assim de mais tempo e de maior disponibilidade
para cuidar do filho. O fragmento seguinte refere-se a esse tempo e às decisões então
tomadas:
(…) Eu fiquei grávida, nesse ano eu fiquei sem turma, fiquei só ligada ao projeto com
outra colega. Foi muito desgastante e quando chegámos a Junho, eu pensei, bom…
agora de manhã para vir com o bebé, se eu continuo aqui neste projeto não tenho
disponibilidade para estar com o bebé…(…) Diz-me uma colega: - E se nós
concorrêssemos todas ao apoio? Foi uma boa ideia. Uma experiência diferente,
experimentar o apoio. Pode ser que consiga ficar ao pé de casa, pensei. (…).
Mas, apesar desta satisfação decorrente do resultado do concurso, não existem
grandes expectativas face à nova situação profissional: (…) E agora? Eu estou aqui
para apoiar, mas nem tinha muitas expectativas. Eu achava que continuaria a
trabalhar a parte académica, ia ajudando a professora (…).
De facto, Madalena parece não ter uma ideia prévia do que significa ser professor
de apoio e, nessa medida, perspetiva a sua ação como se continuasse no ensino regular.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 180
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
É deste modo que nos narra como concebeu o seu papel quando entrou para a educação
especial: (…) achava que estava ali… no fundo era um pouco como fazia como
professora do regular. (…) Não tinha muita expectativa… eu achava que continuaria a
apoiar os meninos como se apoiasse os alunos que tinha. Era a ideia que tinha (…).
No entanto, posteriormente, quando confrontada com a situação, Madalena
manifesta um conjunto de preocupações sobre o tipo de funções a desenvolver enquanto
docente de apoio educativo.
O facto de não ter tido, enquanto docente do ensino regular, experiências de
integração de alunos necessidades educativas especiais, associado à natureza itinerante
da intervenção dos docentes de apoio educativo, permite compreender o
desconhecimento que manifesta sobre o tipo de funções a exercer, bem como as
dificuldades inicialmente sentidas. Com efeito, é esse desconhecimento inicial que
justifica as dificuldades em assumir funções de apoio, ou seja em “negociar” o seu papel
junto dos colegas de ensino regular com quem trabalha (Cf. figura 17).
Figura 17. Socialização prévia na educação especial
À partida, encontrar e definir o seu espaço de intervenção junto do grupo/turma
foi algo difícil para Madalena, levando algum tempo a perceber onde, quando e junto de
que alunos, seria oportuna a sua ação. A perceção de ter pouco espaço de intervenção,
de ser de algum modo “intrusa” é bem evidente nos excertos seguintes, nos quais
Madalena relembra as primeiras experiências neste domínio:
(…) Primeiro achava que, quando via os colegas de Educação Especial ou de Apoio
Educativo, achava que…não percebia muito bem qual era a posição que ocupavam
porque estavam fora da escola. Estavam fora da escola, não é? (…) Eu tinha
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 181
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
dificuldade de realmente me articular com eles, uns dias não estavam, outros dias
estavam noutra escola, isto quando eu era professora do Regular (...).
(…) Inicialmente, quando comecei, sentia-me mais fora do percurso, relativamente ao
percurso regular, sentia-me um bocadinho intrusa. Estamos a falar de há 10 anos
atrás, hoje já mudou. Intrusa no sentido de procurar o meu espaço naquele percurso.
Eu ajudava o professor e andávamos um bocadinho ali à procura de…(…)
(…) Dentro da turma, dentro da turma foi difícil no início, dentro da turma trabalhar
com a professora do regular, para mim foi difícil porque não me conseguia dissociar da
turma, tinha que intervir às vezes, achava que eu estava ali também podia ajudar a
colega, não é? No fundo também ainda não me tinha posicionado, incomodava-me
estar ali com um aluno ou com um grupo de alunos e não poder participar no grande
grupo. (…) Pronto eu só posso intervir em determinadas situações (…).
(…) Conheci os pais, fazia as reuniões com a professora,…era sempre apresentada
como professora de apoio que ia ajudar os meninos, mas não tinha muita intervenção.
Via os pais nas reuniões necessárias… (…)
Parece-nos interessante assinalar a dificuldade em se afastar de um modelo de
intervenção centrado no grupo/turma, para a qual fora formada e que, de algum modo,
se insere na prática profissional habitual, e em integrar novas formas de ação centradas
na resposta às necessidades individuais.
Para além destes aspetos, a cultura organizacional da escola onde exerceu funções
não facilitou a emergência de uma perceção inicial gratificante da profissão. A este
propósito, assumem particular relevo na narrativa as referências à falta de apoio dos pais
e à dificuldade de desenvolver um trabalho articulado com os professores do ensino
regular, sendo ainda assinaladas a falta de resposta dos Serviços de Psicologia e
Orientação (SPO) e a falta trabalho em equipa.
Torna-se assim compreensível a insegurança profissional sentida neste período,
bem como o sentimento de dúvida sobre a eficácia da sua intervenção enquanto docente
de apoio educativo.
Mas, nem tudo foi negativo nesta experiência de Madalena. O facto de apoiar
alunos apenas com dificuldades de aprendizagem e não com problemáticas mais
severas, associado à possibilidade de exercer as suas funções na sala de aula do ensino
regular, constituíram fatores que facilitaram a sua integração nas novas funções. Por sua
vez, o apoio que teve da Equipa de Coordenação dos Apoios Educativos (ECAE) e a
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 182
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
aprendizagem que pôde ir realizando com os colegas do ensino regular contribuíram
para a progressiva compreensão do seu papel, configurando, em última análise, as
fontes de satisfação profissional desta fase.
4.3.2.4 A formação em educação especial – entre o desejo de aprender e a
necessidade de assegurar colocação.
É quando confrontada com a falta de colocação como docente de apoio educativo
na educação especial que Madalena toma consciência da necessidade de realizar um
curso de especialização. De facto, decidir fazer a especialização “aconteceu
naturalmente” pela experiência havida e pela necessidade de aprender.
Compreender a educação especial, conhecer as respetivas teorias e desenvolver
diversas competências práticas constituem as necessidades e aspirações que expressa e
que são reveladoras de uma clara motivação intrínseca face ao curso. Por sua vez, é
quando a narrativa se centra nos fatores associados à escolha da instituição de formação
que podemos perceber a motivação extrínseca dessa escolha. Para além da falta de
colocação já referida, a opção por uma escola de formação pública, com um horário e
uma propina compatíveis com as suas necessidades e recursos, consubstanciam fatores
da motivação extrínseca referida.
Os dois fragmentos que seguidamente se apresentam mostram de forma evidente
alguns dos aspetos que motivaram a frequência de um curso de especialização:
(…) É assim, à data, a especialização fazia parte das minhas necessidades, para saber
o que é a educação especial, perceber o que é isto, o que é que se tem que fazer, o que é
que tem que se levar para a escola, que atitude é que tem que se ter… Tinha que ir
estudar (…).
(…) Eu agora vou descobrir como é que isto se faz. Isto antes de eu entrar. Vamos ver
o que é que em termos teóricos o que é que há. Nem como professora de ensino regular
tinha feito leituras. Expectativas de que ia aprender a fazer estudo de casos, que ia
aprender a construir instrumentos que pudesse aplicar, que ia fazer muita
prática…(…)
Estamos pois perante um significativo conjunto de necessidades, de aspirações e
de desejos face à formação, o que à partida nos parece muito importante dadas as
exigências de disponibilidade e de esforço inerentes à frequência de um curso em
regime pós-laboral. (Cf. figura 18).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 183
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 18. Formação especializada – motivação e apreciação global
A análise da apreciação que Madalena faz da formação especializada mostra que,
embora a experiência enquanto formanda e o plano de estudos tenham constituído
aspetos que valoriza e que considera positivos, a implementação daquele foi pouco
adequada e, por isso, entendida como um aspeto negativo da formação.
E, apesar de encontramos alguns excertos em que a contradição é evidente quando
se assinala ora a ausência de descontentamento, ora as expectativas defraudadas face à
formação, parece-nos evidente que tal situação decorre da relação discente anterior entre
a entrevistada e a entrevistadora. De facto, a apreciação que Madalena faz da formação
revela de forma clara como é ao nível da implementação do plano de estudos do curso
que as suas expectativas foram goradas: a falta de aprendizagens práticas e de conteúdos
específicos surge associada a referências ao escasso aprofundamento dos conteúdos
abordados (devido ao pouco tempo de formação) e à natureza demasiado teórica das
disciplinas.
É deste modo que Madalena nos mostra a sua apreciação crítica face à falta de
aprendizagens práticas na execução do plano de estudos do curso:
(…) Acho que quando se está no terreno e quando se vai fazer o curso de formação
tem-se uma perspetiva de dizer assim: eu agora vou aprender mais coisas para pôr em
prática e às vezes o que é que nós vimos à espera, é que nos ensinem a fazer alguma
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 184
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
coisa, está bem que nós temos de procurar, mas que nos ensinem a fazer. O objetivo da
formação não é sair com a sabedoria toda (…).
No entanto, não deixa de sublinhar com evidente agrado o facto de durante o
curso se ter procedido à adaptação do plano de estudos e à consequente integração de
disciplinas relacionadas com as necessidades educativas especiais de carácter
permanente. Tal facto possibilitou a realização de um estudo de caso, aspeto que
considera positivo.
Em relação à duração do curso de formação, a apreciação de Madalena revela
alguma ambivalência, uma vez que ora a considera adequada, ora, como vimos,
inadequada face ao escasso aprofundamento dos conteúdos.
E é sobretudo quando a narrativa se centra na experiência formativa que é possível
compreender os aspetos considerados francamente positivos. Na perspetiva de
Madalena, o processo formativo permitiu o desenvolvimento de uma boa relação entre
colegas, tendo sido para tanto fundamental a possibilidade de participar nas aulas e de
trocar experiências. Em seu entender, perante um grupo caracterizado pela
heterogeneidade de percursos pessoais e profissionais, a troca de experiências constituiu
uma mais-valia para a formação e para a aprendizagem entre pares. Para além destes
aspetos, a formação teórica “sólida” possibilitou também outras aprendizagens e,
consequentemente, sentimentos de segurança profissional que Madalena experimenta e
que descreve.
Compreende-se, assim, que a formação especializada tenha tido um impacto
relativo em termos de mudança. Na sua narrativa, Madalena refere mudanças a nível das
conceções e das práticas. Relativamente às conceções, entender o professor de educação
especial como agente de mudança da escola e ter um maior conhecimento sobre
problemáticas são os aspetos assinalados. No que diz respeito às práticas, as mudanças
referidas integram a melhor relação com os professores do ensino regular e com os
alunos com NEE, a maior capacidade de observar os alunos de forma holística e
compreensiva e, por último, a capacidade de pesquisar novas estratégias de intervenção.
4.3.2.5 A fase atual de socialização – entre o sentido de pertença e a dificuldade em
“estar num papel que não há”.
É quando Madalena nos relata a sua prática profissional que se torna possível
compreender não só os pressupostos educativos e a forma como organiza a intervenção,
mas também os critérios de eficácia profissional que considera fundamentais. Identificar
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 185
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
e analisar estas três dimensões constitui uma forma de compreender como se tem vindo
a desenvolver o processo de interiorização e de apropriação de saberes, de atitudes e de
valores face à profissão que agora exerce.
Enquanto professora de educação especial, Madalena desenvolve funções de
apoio especializado junto de seis alunos, numa das escolas de 1º ciclo do agrupamento a
que pertence. Trata-se de alunos que apresentam necessidades educativas especiais de
carácter permanente e que, por isso, se enquadram nos critérios de apoio previstos no
Decreto – lei nº3/2008. Madalena faz questão de nos discriminar os diagnósticos dos
alunos, mostrando quer a gravidade, quer a diversidade de problemáticas que atende. O
fragmento que seguidamente se apresenta mostra como na narrativa o nome das
crianças/jovens é substituído pelo tipo de problemáticas, tornando-as deste modo um
objeto de referenciação (Slee, 2011), conforme previsto na lei:
(…) Tenho défice cognitivo considerado num nível muito grave e grave, tenho
espectro de autismo ligeiro, tenho surdez severa, tenho alunos que têm problemáticas
mais … atraso global de desenvolvimento, mas incidindo mais na parte cognitiva (…)
Em termos de intervenção, Madalena privilegia o apoio destes alunos na sala de
aula do ensino regular, no entanto, realiza também, quando necessário, apoios fora da
sala de aula. A definição do local do apoio é sempre negociada com o professor do
ensino regular em função da evolução do processo de ensino-aprendizagem do
grupo/turma e das necessidades educativas manifestadas pelos alunos. O excerto
seguinte mostra bem as duas formas de apoio direto desenvolvidas por Madalena, sendo
de registar a preocupação em alargar a sua intervenção a outros alunos que
eventualmente possam beneficiar de um atendimento mais individualizado:
(…) Há momentos em que eu saio com o aluno da sala de aula, porque realmente é
mais favorável e tenho 45 minutos, é o tempo que posso despender para um aluno em
termos de apoio individualizado, é um ambiente sem ruído e portanto mais favorável, e
tenho que ter sempre o acordo do professor do Ensino Regular. Outras vezes, quando é
a introdução de conteúdos novos, eu acompanho dentro da sala de aula com o aluno e
os outros alunos à volta. Por vezes, a colega pede-me para reforçar mais um ou outro.
Tento que, na sala de aula, não seja só para aquele aluno, seja em 1º lugar para aquele
aluno, mas depois, estendendo dentro do possível aos outros alunos. Isto é uma
maneira que encontrei mais favorável de trabalhar (…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 186
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Assegurar este “modelo” de intervenção implica sem dúvida uma cooperação
entre os professores envolvidos e, nessa medida, compreende-se que conseguir articular
o seu trabalho com o dos professores do ensino regular constitua um dos objetivos
principais da intervenção de Madalena (Cf. Figura 19).
Para além desse, outros objetivos se revelam particularmente significativos, a
saber: conseguir desenvolver um trabalho em articulação com os pais dos alunos e com
os técnicos que participam no processo educativo, responder à burocracia inerente ao
processo, reforçar as aprendizagens dos alunos com NEE, corresponder às expectativas
dos pais e, por último, adquirir instrumentos de apoio facilitadores da sua ação.
Figura 19. Fase atual de socialização – Saberes, atitudes e valores
Já no que diz respeito aos princípios e valores subjacentes à ação educativa, a
narrativa permite perceber a conceção de inclusão desta docente. Madalena, tendo como
referência o direito à educação, perspetiva a inclusão como um direito de todos os
alunos, difícil de assegurar na escola atual, dada a falta de condições, ou seja dada a
falta de recursos humanos e de recursos técnicos.
O fragmento seguinte permite perceber as “reservas” que Madalena expressa face
à ideia de uma inclusão escolar total:
(…) Acho que é importante, os alunos terem contacto com os alunos ditos normais e
isso são princípios defendidos ao longo da Educação Especial, mas também é preciso
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 187
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
que existam condições. É preciso condições não só ao nível de recursos humanos, mas
também ajudas técnicas.
Não posso ter um aluno de baixa visão, quando não tenho uma lupa na escola. Não
posso ter um aluno… não posso, não posso ajudar mais o aluno, por exemplo, sem
comunicação, se não tiver suportes técnicos que permitam a comunicação. Agora, eu
não posso ter, por exemplo, um aluno autista se não tiver suporte técnico e o suporte da
Educação Especial, e há outros técnicos que têm que estar na escola. Para alunos com
problemas de comunicação … a terapeuta é importante! Mas é assim, eu sou a favor
que estes alunos estejam na escola, sem dúvida, só que, mas que alunos? Se tiver um
aluno acamado na escola, a escola não tem condições para ajudar o aluno. Eu acho
que, não é …a inclusão é para todos os alunos desde que existam condições. E as
condições não passam só por haver professores de Educação Especial (…).
Neste cenário, compreende-se que os critérios de eficácia da sua intervenção
envolvam quer a presença de um professor de educação especial com múltiplas
competências (relacionais, técnicas e críticas) quer a aferição do desenvolvimento dos
alunos com NEE (face a aprendizagens efetuadas e perante a avaliação do progresso
realizada por terceiros).
Figura 20. Fase atual de socialização – fatores facilitadores
Como se pode verificar na figura 20, embora existam vários fatores facilitadores
da socialização/integração na profissão, os mais significativos referem-se às
características do departamento de educação especial, em particular, à sua cultura
organizacional e às fontes de satisfação profissional que lhe estão associadas.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 188
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Importa no entanto notar que a experiência anterior, quer no ensino regular, quer
enquanto docente de apoio educativo, é percebida por Madalena como uma mais-valia
perante os desafios e as mudanças que se têm verificado em termos organizacionais na
educação especial. O conhecimento prévio do grupo de professores com um dado
modelo de funcionamento, facilitou a integração no departamento de educação especial,
e permitiu a implementação, neste, de uma dinâmica semelhante à das ECAE (s).
O departamento de educação especial em que Madalena exerce funções é
constituído por seis docentes, integrando educadores de infância e professores do 1º, do
2º e do 3º ciclo (em três áreas distintas), sendo portanto um grupo bastante heterogéneo
em termos de formação de base. E, apesar de todos serem especializados em educação
especial, como Madalena sublinha “ a formação de base às vezes vem ao de cima”;
nessa medida, em termos de funcionamento, o departamento tem procurado distribuir os
alunos pelos diferentes docentes, tendo em conta as idades e os níveis de ensino em que
aqueles se inserem.
O agrupamento não dispõe, em nenhuma das suas escolas, de uma unidade de
apoio a crianças com necessidades educativas especiais de carácter permanente.
(…) Portanto, nós decidimos que não tínhamos condições para criar uma unidade
especializada, nem de multideficiência, não tínhamos porque não tínhamos espaço,
porque não tínhamos uma estrutura, porque tínhamos uma diversidade de
problemáticas que… tínhamos um aluno com multideficiência, que era funcional,
portanto, que não era… A leitura que fizemos foi que não tínhamos população-alvo
para isso (…).
(…) No meu Agrupamento há uma sala na escola sede, 2º e 3º Ciclo que funciona como
uma sala de transição, ou seja, nós considerámos transição porque quando os alunos
que estão no 5º e 6º ano, 2º e 3º ciclo não têm, não frequentam todas as disciplinas, e
então, estão nessa sala e aí têm o apoio dos colegas de Educação Especial (…).
(…) É assim, eu acho que já foi mais difícil. No início porque cada um tinha a sua
experiência. Claro que nós verificámos que era preferível ver o que é que cada um fazia
bem, onde é que se sentia mais seguro. Quando nós nos encontrámos todos e passámos
a ser professores de Educação Especial…(…).
Na sequência deste discurso, salienta as dificuldades que os professores de um
ciclo sentem quando vão apoiar alunos doutros muito diferentes. E, sobre o
funcionamento do departamento diz o seguinte:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 189
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) A nossa equipa é assim. Nós, departamento … os professores de Educação
Especial reúnem no seu departamento na Escola Sede. Temos uma reunião, como
qualquer outro departamento, funcionamos como um grupo disciplinar, embora
sejamos um grupo disciplinar para umas coisas, para outras não, porque nós
abrangemos desde o pré-escolar até ao 3º ciclo (…).
(…) As reuniões são uma vez por mês a seguir ao Conselho Pedagógico, aí discutem-se
os aspetos relativos ao funcionamento de todo o Agrupamento, tomamos conhecimento
dos assuntos que são debatidos em Conselho Pedagógico. Nós tentamos sempre
privilegiar um bocadinho… os casos dos alunos que são referenciados e que é
necessário realmente dar andamento a um processo de avaliação (…).
Para além destes aspetos, a cultura do departamento de educação especial
constitui uma das dimensões que tem vindo a facilitar a integração de Madalena na
profissão. O trabalho em equipa e a boa relação entre colegas tem permitido a conceção
de instrumentos comuns e o crescimento profissional de todos. E, apesar de existirem
perspetivas educativas diferentes entre os professores, a preocupação em assegurar
respostas adequadas a todos os alunos é comum. O apoio a colegas mais novos quando
iniciam funções no âmbito da educação especial, a formação aos professores do ensino
regular no sentido de os sensibilizar para a inclusão e o estabelecimento de parcerias
com instituições de educação especial para assegurar apoios específicos no processo de
transição, constituem preocupações do departamento reveladoras de uma cultura de
interajuda, de cooperação e de responsabilização que Madalena valoriza e sublinha.
Compreende-se assim que as fontes de satisfação profissional desta docente
integrem fundamentalmente aspetos relacionados com a pertença a um agrupamento e
com a valorização e visibilidade institucional da educação especial enquanto grupo de
docência /departamento. Para além destes aspetos, Madalena sublinha ainda outras
fontes de satisfação profissional: a procura sistemática de formação contínua de modo a
melhorar a sua ação e a constatação de mudanças nas atitudes dos professores de ensino
regular.
Madalena assinala também aspetos decorrentes da política educativa que, em seu
entender, possibilitam uma intervenção educativa mais consistente e adequada às
necessidades dos alunos, a saber: a atribuição de recursos técnicos ao agrupamento
(nomeação de uma psicóloga) e a criação dos centros de recursos para a inclusão.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 190
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
A valorização e visibilidade da educação especial enquanto grupo de docência são
aspetos efetivamente significativos para Madalena (Cf. quadros 16 e 17 ).
Quadro 15 - Planificação das visitas de estudo - Ano lectivo 2009/2010
Com efeito, tendo sido solicitados à entrevistada documentos reveladores de
mudanças nas práticas, opta por mostrar planos anuais de atividades (Cf. quadros 15 e
16 ) que ilustram a visibilidade atual do Departamento de Educação Especial e que,
simultaneamente, testemunham algumas das atividades em que participa.
Quadro 16 - Plano anual de atividades - Ano letivo 2009/10 – 2º período
Mas, apesar deste “sentido de pertença” institucional, na narrativa de Madalena
estão longe de estar ausentes os fatores que, de algum modo, dificultaram a sua
experiência profissional.
Apesar dos aspetos positivos atrás referidos, Madalena faz uma avaliação negativa
da profissão, salientando as deficiências ainda existentes de uma cultura organizacional
de cooperação e as fracas condições de trabalho. Para além destes, importa ainda
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 191
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
assinalar os fatores associados à concretização da política educativa, às características
da intervenção desenvolvida e aos sentimentos que Madalena experimenta enquanto
professora de educação especial (Cf. figura 21).
Se a ambiguidade da narrativa pode causar alguma perplexidade, ela é
compreendida quando Madalena se refere à ambiguidade existente na definição do
papel do professor de educação especial e à amplitude do seu campo de intervenção.
Figura 21. Fase atual de socialização – fatores dificultadores
Com efeito, dificuldade, contrariedade, resistência e responsabilidade são palavras que
Madalena utiliza quando se refere ao exercício da sua profissão, como se pode perceber
nos excertos seguintes:
(…) Não é tarefa fácil. Ser professor de Educação Especial não é tarefa fácil. Até
porque é um grupo que precisa de um certo tempo para permanecer e há
condicionalismos e depende da resistência de cada um… resistência no sentido de
algumas contrariedades. Quando digo contrariedades falo da falta de recursos e da
falta de suporte técnico, terapeutas e psicólogos, ficar à espera e às vezes não ter, vive-
se numa angústia (…).
(…) Eu sinto a responsabilidade de outro modo, eu acho que se sente mais
responsabilidade sendo professor de apoio ou de educação especial do que ser
propriamente professor do ensino regular. O professor do regular tem o aluno sempre e
nós, se quisermos fazer qualquer coisa em termos de ajuda, temos muita
responsabilidade porque nós vamos por momentos ao aluno e temos que estar sempre
junto, de certa forma, do professor, não é? É uma função que não é fácil. E depois os
progressos só se vêm a longo tempo e isso causa alguma ansiedade “Estou a fazer
bem? O que é que eu faço?”(…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 192
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Eu acho que é assim da forma como estão as coisas, o professor de educação
especial pode trabalhar em vários agrupamentos, se for necessário. Pode, intervém a
todos os níveis incluindo a intervenção precoce (…).
(…) as pessoas também começaram a sentir que de fato é difícil estar num papel que
não há (…).
Por sua vez, as dificuldades em responder às expectativas dos pais dos alunos e
em mudar as atitudes e as práticas dos professores de ensino regular com quem trabalha
contribuem de modo particularmente significativo para essa perceção negativa da
profissão. O fragmento seguinte ilustra a dificuldade em corresponder à expectativa dos
pais:
(…) Quando a família cria uma expectativa e nós não a conseguimos ter, de facto é
uma dificuldade. Para mim é frustrante. Eu tenho sempre o cuidado, aquando da
primeira reunião, de explicar aos pais que, eu não posso fazer milagres sozinha.
Portanto, que também não quero gorar as expectativas deles, mas também quero que
tenham em conta que, de facto, nós não conseguimos vencer sem a participação deles.
Nalguns casos obtive bons resultados, noutros nem tanto (…).
Mas, para além de “difícil”, Madalena perspetiva a profissão como “saturante”.
Para tal conceção contribui, por um lado, a ideia de que o professor de educação
especial é fundamentalmente um técnico que pode exercer funções de apoio, se
necessário, em várias escolas e, por outro, o facto de legalmente se ter delimitado a
intervenção a alunos com “problemáticas muito acentuadas”. Ora, como vimos
anteriormente, a experiência de Madalena enquanto professora de apoio foi de certo
modo facilitada pelo facto dos alunos apresentarem dificuldades de aprendizagem, não
tendo tido casos com problemáticas graves. Compreende-se pois que o papel do
professor de educação especial seja atualmente percebido como saturante, uma vez que
a sua intervenção se deve restringir a alunos com problemáticas mais severas, face aos
quais a experiência de Madalena é escassa.
Mas, não é só a falta de experiência que justifica as dificuldades sentidas. A
natureza descontínua e transversal da intervenção do professor de educação especial e as
fracas condições de trabalho configuram também fatores determinantes assinalados.
E, é efetivamente quando procura intervir de modo a assegurar respostas
educativas adequadas e diversificadas que Madalena encontra os mais diversos
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 193
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
obstáculos, entre os quais refere a falta de apoio dos pais, as dificuldades em
implementar equipas de avaliação e em conseguir uma articulação com os diversos
técnicos que participam no processo educativo.
Para este cenário muito contribui a política educativa que vem sendo desenvolvida
no âmbito da Educação Especial; no entender de Madalena, porque excessiva quanto a
mudanças legislativas e quanto a exigências de natureza burocrática e porque exígua na
disponibilização de recursos humanos e financeiros. Assim a política educativa tem
constituído fonte de pressão, dificultando o exercício profissional.
Perante este conjunto de fatores facilmente se compreende a ansiedade, a angústia,
a desmotivação e a dúvida que inusitadamente surgem na narrativa, apesar de, noutros
momentos da entrevista, se mostrar como uma pessoa reservada e parca na expressão
dos seus sentimentos. Os fragmentos da narrativa que seguidamente se transcrevem
mostram alguns dos sentimentos referidos:
(…) Há coisas que mais vale não fazer do que fazer mal. Eu acho que estamos assim
um bocadinho… desprotegidos este ano… E é isso que também às vezes, isso também
cria às vezes um bocadinho de angústia (…).
(…) Quando tento articular com técnicos de fora e não consigo ter resposta de
imediato, e depois estou ali a meio com um encarregado de educação, e depois às vezes
também não consigo corresponder às expectativas dos pais, nem consigo em tempo útil
pô-los a fazer as cópias e a fazer ditados, criam-me alguma ansiedade, não é
insatisfação, é mais ansiedade em dar resposta a alguns casos (…).
(…) Os professores de educação especial, se calhar também desmotivam, a questão da
motivação também é muito importante… e se eu cada vez que quero ter um técnico de
ajuda tenho de fazer n projetos e tenho que fundamentar muito bem…(…)
No que diz respeito à fase atual de socialização, parece possível concluir que as
mudanças na profissão decorrentes da aplicação do decreto-lei nº3/2008, nomeadamente
as relativas à delimitação do tipo de alunos abrangidos pela educação especial e à
implementação de novos processos de avaliação e intervenção, configuraram fatores
que em muito contribuíram para as dificuldades sentidas por Madalena.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 194
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.2.6 Mudanças e sentimentos face à mudança - a complementaridade entre os
contributos da experiência e da formação.
Quando analisa o seu percurso e procura identificar mudanças significativas é
evidente na narrativa de Madalena alguma complementaridade entra aquelas que
decorrem da experiência e as que associa à formação em educação especial.
Com efeito, embora sejam mais significativas as mudanças decorrentes da
experiência, uma vez que envolveram alterações nas práticas, nas atitudes e nas
conceções, as associadas à formação, porque incidiram fundamentalmente nas
conceções e nas práticas, permitiram em certa medida a fundamentação e a reflexão
sobre a ação.
Em termos de práticas, Madalena entende que a experiência na educação especial
lhe tem permitido melhorar a sua ação enquanto docente de apoio, implementar
processos diferenciados de ensino, caracterizar melhor os alunos e ter uma maior
intervenção junto dos professores do ensino regular e dos pais (ver Figura 22).
Figura 22. Mudanças decorrentes da experiência e da formação especializada
Por sua vez, é também significativo como a experiência junto de alunos com NEE
tem desencadeado mudanças ao nível das atitudes enquanto docente. A este propósito,
Madalena refere a valorização que agora faz quer dos pequenos progressos dos alunos,
quer da aprendizagem da turma enquanto grupo, assinalando ainda o questionamento
que vem efetuando das suas práticas anteriores. Já as mudanças narradas a nível das
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 195
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
conceções integram uma nova conceção de ensino aprendizagem que privilegia
processos de individualização e o abandono do “mito” da homogeneidade do
grupo/turma.
No que diz respeito às mudanças decorrentes da formação especializada, Madalena faz
questão de mostrar como a conceção sobre o seu papel docente e sobre o aluno mudou,
referindo-se ainda, embora com menor ênfase, ao contributo daquela no conhecimento
sobre as diferentes problemáticas. Perspetivar o professor de educação como um agente
de mudança das escolas e dos professores e procurar ter uma visão compreensiva do
aluno com NEE são as mudanças a nível das conceções assinaladas. Compreende-se,
pois, que em termos das práticas, o desenvolvimento de uma melhor relação com alunos
e com professores e a pesquisa de processos de intervenção do ensino regular
constituam as mudanças referidas.
4.3.2.7 Sentimentos nas diferentes etapas – expressão e contenção.
A evolução dos sentimentos nas diferentes etapas do percurso é particularmente
reveladora da forma como Madalena se sentiu em cada uma delas, do modo como se foi
adaptando às mudanças e aos contextos onde trabalhou e das expectativas que hoje
manifesta face ao futuro.
Madalena apresenta-se ao longo da sua narrativa como uma professora que,
embora expresse os seus sentimentos relativamente aos momentos significativos do seu
percurso, essa expressão é quase sempre caracterizada pela contenção e pelo resguardo.
Com efeito, se analisarmos a evolução dos sentimentos nas diferentes etapas parece
possível perceber que a expressão dos sentimentos surge de forma mais evidente
sobretudo perante as decisões de mudança – a opção pela educação especial e a intenção
atual de voltar ao primeiro ciclo.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 196
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 23. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas
Por outro lado, como se pode constatar, a insegurança, a ausência de expectativas
e a desmotivação são sentimentos que surgem associados ao percurso enquanto docente
na educação especial, tornando compreensível o desejo de mudar.
Para além destes, Madalena expressa dúvidas quanto ao seu papel e quanto à
eficácia da sua intervenção, manifestando - as não só quando inicia funções na educação
especial, mas também perante o desejo atual de iniciar uma nova experiência
profissional (ver Figura 23).
Com efeito, apesar do sentimento de pertença, apesar da visibilidade atual da
educação especial, apesar da integração num departamento cujo funcionamento e
cultura valoriza, Madalena tem a intenção de abandonar a educação especial e de voltar
ao ensino regular.
Mas, tal intenção é vivida de forma dilemática, com alguma ambivalência e
receio. Deixar a educação especial suscita também sentimentos de perda, de saudade, de
angústia, devido à preocupação com alunos e com os pais; por sua vez, a ideia de
regressar ao ensino regular mostra de forma evidente o desejo de mudança que vem
caracterizando o percurso profissional de Madalena. Apesar das dúvidas que sente
relativamente à decisão tomada e à sua eficácia como docente no 1º ciclo, acredita que
poderá, dada a experiência adquirida, incluir melhor todos os alunos e, no futuro, viver
melhor a profissão docente, o que em seu entender significa reduzir e “ gerir melhor a
ansiedade”. O excerto da narrativa seguinte mostra o desejo de mudança face ao futuro:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 197
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Só um determinado período de tempo. Porque me faltam 20 anos. E eu acho que
não posso ter a certeza que daqui a 10 anos eu sei o que é corresponder aos desafios
que é estar à frente de uma turma. E aí posso equacionar outras coisas, poderá não ser
só educação especial, poderão ser outras coisas. Depende muito dos próximos dois
anos, da formação que eu posso vir a ter, e do próprio sistema, que pode evoluir de tal
maneira (…) não sei se com 45 anos, se com 55 anos farei coisas do domínio normal ou
vou fazer outras coisas, nesse momento eu não posso dizer, já não posso, não, tenho de
continuar neste percurso. Não me vejo mais 20 anos no ensino de primeiro ciclo, não
me vejo (…).
Esta postura de abertura à mudança, a novos desafios e a novas formações,
embora benéfica pelas eventuais possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagem,
revela ao mesmo tempo alguma insegurança, alguma insatisfação e a procura constante
de uma identidade, o que, lembrando Erickson (1968), pode significar, do ponto de vista
profissional, uma identidade frustrada e, nessa medida, sempre adiada.
4.3.2.8 Identidades profissionais – entre a constante procura de si e a construção de
uma identidade plural.
Com efeito, a análise da narrativa sugere uma procura constante se si própria
enquanto profissional. Em termos de auto- perceção Madalena faz questão de se
apresentar como uma professora que duvida sempre da sua eficácia e que manifesta um
constante desejo de mudança (Cf. Figura 24).
Figura 24. Identidades profissionais
Por sua vez, relativamente à hetero – perceção, o reconhecimento dos pares e dos
pais dos alunos é pouco significativo na narrativa, o que, em parte, permite compreender
a perceção que tem da profissão e as dificuldades sentidas.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 198
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Ora é na interação com os outros que se define a nossa subjetividade e que se
torna possível o reconhecimento do Eu. Enquanto momento constitutivo das
identidades, o desejo de reconhecimento assume-se como um aspeto central da auto
estima e das emoções dos professores ( Kelchtermans, 1996; Troman & Woods, 2000).
Compreende-se, pois, a dúvida e o desejo de mudança que Madalena expressa nesta fase
do seu percurso.
Por outro lado, a perceção ambivalente sobre os pares e a possibilidade de assumir
diferentes identidades em função de diferentes contextos sugerem a presença de uma
identidade plural, que poderá compreender-se pela pluralidade de papéis que
desempenha. Com efeito, após o momento em que parece encontrar-se e definir-se
assertivamente como professora de educação especial (como os extratos seguintes
revelam), vêm de novo as dúvidas que impedem uma identificação com a profissão,
bem como o desejo de abandono.
(…) Agora já acrescento de educação especial. Professora de apoio. Agora já digo
educação especial, mas digo mais professora de apoio porque a educação especial às
vezes tem uma conotação, no grande grupo que é o “coitadinho”. E portanto
professora de apoio, eu acho que é mais abrangente (…).
(…) Nas reuniões que faço só com os pais dos alunos com apoio, apresento-me e digo
logo que sou de educação especial, conforme os que estivermos à mesa (…).
No entanto, as dúvidas que as transcrições anteriores revelam mostram bem o
carácter transitório desta definição identitária.
A análise global do processo de socialização de Madalena revela por um lado,
como a estabilidade em termos de colocação é fundamental para a integração inicial
profissão e como a cultura organizacional da escola pode ser determinante para a
aprendizagem do ofício, com prazer e com envolvimento. No que diz respeito à opção
pela educação especial, apesar da ausência de expectativas e da natural insegurança
inicial, para a aprendizagem do novo ofício foram decisivos o apoio da ECAE e dos
colegas do ensino regular. Nesta fase Madalena é docente de apoio educativo e a sua
intervenção abrange apenas alunos com dificuldades na aprendizagem, e este dado é
também crucial para a facilidade sentida no desempenho das suas funções.
O contributo da especialização no processo de socialização profissional é
sobretudo visível nas mudanças que desencadeia em termos de conceções sobre o papel
do professor e em termos de práticas a desenvolver com os alunos.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 199
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Já as mudanças legislativas ocorridas nos últimos anos na educação especial,
muito embora tenham permitido a Madalena um sentido de pertença a um grupo,
implicaram desafios demasiado exigentes em termos de intervenção. Nesta fase, são
sem dúvida as mudanças decorrentes das alterações legislativas e o consequente
atendimento exclusivo a alunos com problemáticas severas que dificultam a adaptação à
profissão e que justificam, em certa medida, o desejo de a abandonar.
Como vimos, entre os acontecimentos significativos do seu percurso profissional,
Madalena descreve com evidente prazer a intervenção desenvolvida junto de um aluno
com NEE e os bons resultados obtidos. “Ser eficaz” constitui uma preocupação que vem
acompanhando Madalena ao longo do seu percurso, compreendendo-se assim a procura
constante de formação contínua, a desmotivação face à intervenção junto de alunos com
problemáticas mais acentuadas (pela dependência de outros e pela morosidade na
observação de resultados) e o desejo atual de voltar à profissão inicial, de modo a poder
encontrar-se e viver a profissão “sem sentir ansiedade”.
Será assim possível reconfigurar a identidade profissional plural, numa outra
identidade mais multifacetada porque enriquecida pelos conhecimentos e pelas práticas
de professora de educação especial, postos ao serviço das turmas que vier a ter. Este
movimento que parece ser um retorno a ideais de juventude, que a levaram a obter uma
licenciatura para poder deixar de ser professora do ensino básico, poderá ser uma forma
de garantir a convergência entre o grupo de pertença e o grupo de referência.
O exercício da profissão docente poderá então acontecer com o prazer, com a
segurança e com a maturidade entretanto adquiridas ao longo da experiência.
4.3.2.9 Efeitos formativos da entrevista.
Participar no presente estudo constituiu uma experiência positiva para Madalena,
uma vez que pôde “aprender com os erros” e “melhorar o futuro”. Relembrar e refletir
sobre todo o percurso profissional proporcionou não só a identificação das mudanças
ocorridas em termos pessoais e profissionais, mas também a análise dos aspetos
positivos e negativos da sua intervenção enquanto docente.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 200
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.3 Eduardo, 46 anos de idade.
Professor do Ensino Secundário - Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas
Professor de Educação Especial - Curso de Especialização - Problemas de Cognição
Experiência docente – 21 anos
Experiência na Educação Especial (antes do curso de especialização) – 7 anos
Experiência na Educação Especial (após curso de especialização) – 3 anos
Situação profissional – Professor do Quadro de Educação Especial- Agrupamento de
Escolas – EB 2/3
Quando recorda o seu percurso profissional Eduardo identifica duas fases
distintas: a primeira enquanto docente no ensino privado e, a segunda, já no ensino
público.
Perante um largo conjunto de “memórias” as situações que relembra por terem
sido particularmente significativas prendem-se com a experiência profissional
desenvolvida no ensino privado. O reencontro com um antigo aluno e a constatação da
influência que teve, não apenas no ensino de conteúdos, mas sobretudo na educação
(enquanto transmissão de valores e de atitudes, contribuindo assim para uma melhor
integração na sociedade), constitui uma das situações narradas; a outra refere-se à
problemática da relação pedagógica e à forma como, numa determinada situação,
procurou gerir a relação de modo a evitar equívocos e a manter a autoridade e a
distância que lhe são inerentes e necessárias.
É sobretudo quando inicia funções no ensino público que Eduardo toma decisões
relevantes que desencadearam mudanças em todo o seu percurso profissional. E, porque
pretendemos compreender esse percurso e o significado dessas mudanças, é com base
nas fases antes identificadas que, em seguida, se descreve a sua trajetória profissional,
não deixando de referir previamente os motivos que justificaram a escolha da profissão.
4.3.3.1 A escolha da profissão docente – infância e influência familiar.
(…) Tudo começou mesmo aos quatro anos. Desde sempre… desde muito pequeno que
me lembro, desde os quatro anos…(…)
É assim que Eduardo relembra a sua vontade precoce de ser professor, vontade
que associa a recordações de infância, onde determinadas situações vividas constituíram
fatores decisivos na escolha da profissão. Assistir “ainda sem saber ler” a séries
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 201
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
inglesas com o pai, ouvir a tradução que este lhe transmitia de passagens mais
significativas foram momentos importantes, já que justificam o interesse precoce pela
língua inglesa manifestado quando “falava inglês … falava qualquer coisa… falava um
dialeto qualquer inventado…” e quando decide que quer aprender e ser professor de
inglês. De facto, apenas razões de natureza afetiva justificaram a escolha da profissão
docente e do Curso de Línguas e Literaturas Modernas concluído na Faculdade de
Letras. Concretizar o desejo de ser professor que o pai não havia realizado e ter,
segundo opinião da mãe, uma vida mais liberal dadas as características da profissão,
constituíram ainda aspetos que, associados, permitem compreender a influência dos pais
na opção pelo ensino.
4.3.3.2 A socialização inicial na profissão – segurança e inconformismo.
(…) Durante esses onze anos a minha vida no colégio, nas escolas particulares,… a
vida é um bocadinho diferente…Esses são os primeiros anos, a primeira fase, na qual
eu me dei muito bem (…)
É num encontro informal com um amigo e colega de escola que decide ser
professor num colégio particular de Lisboa, local onde inicia a lecionação de Inglês e
Português junto de alunos do segundo ciclo de escolaridade.
À partida, a facilidade associada à entrada na profissão decorre da aprendizagem
prévia realizada com antigos professores e com o coordenador do estágio profissional;
este professor irá revelar-se uma figura particularmente significativa, pela conceção de
ensino através da arte que preconiza, conceção que irá marcar de forma decisiva as
práticas pedagógicas de Eduardo ao longo do seu percurso profissional.
A par das preocupações iniciais que caracterizam a sua entrada na profissão e que
se prendem com a transmissão correta dos conteúdos e com o desejo de ser percebido
pelos outros como um professor competente, nos primeiros anos Eduardo desenvolve
algumas das estratégias de integração na profissão referidas na literatura. Com efeito,
num processo nitidamente evolutivo e idiossincrático, começa por imitar de forma
passiva as formas de ensinar observadas e preconizadas pelo coordenador de estágio
para, em seguida, redefinir de forma estratégica a sua prática, adaptando-a ao contexto e
às suas características pessoais. Esta “redefinição estratégica” torna-se particularmente
evidente quando sublinha:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 202
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Ao princípio queremos fazer tudo, mas depois vemos que não pode ser assim.
Temos que ter mais calma. Ou seja, amadurecemos também, não pode ser só a arte,
não pode ser só o professor que conversa com os alunos,… tem de ser muito mais (…).
Neste cenário, a socialização constituiu um processo evolutivo, dinâmico e
transformador, facilitando a emergência de mudanças nas práticas e nas conceções sobre
o ensino.
Por outro lado, o facto dos primeiros anos como docente terem decorrido numa
escola particular, cuja cultura organizacional já conhecia enquanto aluno, facilitou o
processo de socialização: a existência de regras e a adequada organização da instituição,
a cooperação entre docentes e a responsabilização de todos pelos resultados
contribuíram para os sentimentos de segurança psicológica que então experimenta. Para
além da segurança, o prazer de ensinar constituiu outro sentimento dos primeiros anos:
ensinar através da arte nas suas diferentes formas, constatar os resultados da sua
intervenção pelas aprendizagens dos alunos e ainda contribuir para a sua educação,
tornaram-se assim fontes de satisfação profissional significativas neste período.
Apesar de todas estas dimensões, nem tudo foi fácil na socialização inicial na
profissão…Crítico acerca da sua formação inicial, Eduardo não deixa de sublinhar o
excesso de conteúdos do curso realizado e a falta de formação pedagógica que
experimenta. Por outro lado, se associarmos alguns fatores de natureza organizacional
(falta de rigor na avaliação dos alunos, falta de ética e excesso de regras) às
características pessoais deste professor (inconformismo), facilmente compreendemos
algumas dificuldades sentidas, nesta fase, na apropriação de atitudes e valores da
profissão.
Em síntese, julgamos possível considerar que, apesar das dificuldades antes
referidas, a socialização inicial na profissão docente constituiu um processo gratificante
em termos pessoais e profissionais. A forte motivação inicial, o conhecimento prévio da
cultura organizacional e a segurança psicológica daí decorrente foram sem dúvida
determinantes para que tal acontecesse.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 203
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.3.3 Os primeiros anos na educação especial – opção e necessidade de assegurar
colocação no ensino público.
(…) Depois fui para o público. Essa é a segunda fase. (…)
É após um concurso para professores, no qual fica colocado numa escola pública
longe da sua residência, que a hipótese de ir para a Educação Especial surge, sendo-lhe
colocada por colegas e amigos como alternativa possível, através de destacamento.
Os sentimentos de dúvida, de perda e de desilusão e a ausência de expectativas
marcam de forma evidente a decisão de optar pela educação especial e de mudar o rumo
da sua carreira. Com efeito, se por um lado os sentimentos de dúvida são justificados
pela falta de formação e pelo receio do desconhecido, por outro, deixar de ser professor
de inglês e português configura a perda, a desilusão sentida e fundamenta a ausência de
expectativas perante as novas funções que irá exercer, uma vez que, como Eduardo
refere, (…) era como fugir a tudo o que tinha sonhado para a minha vida…(…).
No entanto, assegurar quer a continuidade da carreira, quer uma colocação perto
de casa, são razões de natureza pragmática que justificam fortemente a decisão de
aceitar o destacamento para professor de apoio na educação especial, tão sugerido por
colegas e amigos (cf. Figura 25).
Figura 25. Motivações subjacentes à opção pelo ensino e pela educação especial
De facto, e contrariamente ao que acontecera perante a opção pelo ensino regular,
são fundamentalmente aquelas razões que estão na base da opção pela educação
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 204
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especial; no entanto, Eduardo não deixa de referir também algumas razões de natureza
afetiva, nomeadamente a facilidade que experimenta na interação com alunos com
necessidades educativas especiais e a vontade de os ajudar. É, portanto, num contexto
de alguma ambivalência de sentimentos que a mudança para a educação especial
acontece.
Tal ambivalência poderá ajudar-nos a compreender algumas das inúmeras
dificuldades sentidas no processo de socialização inicial na educação especial. De facto,
o início de funções não foi fácil para este professor, uma vez que experimenta sérias
dificuldades na intervenção, a saber: desenvolver uma adequada relação pedagógica
com os alunos, definir objetivos pertinentes e organizar materiais facilitadores da
aprendizagem. Os excertos seguintes ilustram de algum modo essas dificuldades:
(…) Uma coisa é pensar vou destacado, vou para apoios educativos mas … e a pessoa
pensar que engraçado… que bonito… não é nada! Isso foi o primeiro pensamento, mas
depois quando entrei pensei agora estou na guerra! (…)
(…) Como é que eu vou fazer? Foi a primeira pergunta. Meu Deus, como é que eu vou
fazer? E agora? Agora é à séria! (…)
(…) Eu tinha grandes dificuldades na organização de materiais. Com que objetivo é
que eu ia fazer isto? Podia ter a ideia, podia ser bonita, mas depois aplicá-la e de que
forma para chegar ao miúdo? Para chegar às competências que era necessário
trabalhar. Não é? (…)
(…) E então foi uma desgraça o primeiro ano… não gostei nada (…)
Para além das dificuldades decorrentes das características da intervenção, outros
fatores contribuíram para este difícil início. À partida, é manifesta uma perceção
negativa sobre o exercício anterior da profissão, na qual sublinha o escasso trabalho que
os professores de educação especial desenvolvem na escola; por outro lado, e
continuando numa postura crítica, Eduardo considera que a escassa valorização deste
domínio e as sucessivas mudanças em termos de designações de que é objeto, resultam
de uma política educativa pouco consistente.
Mas, a ambivalência de sentimentos antes referida compreende-se ainda quando
analisamos os fatores de natureza pessoal e organizacional que contribuíram para
facilitar a integração na nova profissão. Com efeito, o apoio que teve dos professores de
educação especial, a boa articulação que desenvolveu com colegas do ensino regular, o
sentimento de maior liberdade que experimentou e a possibilidade de contribuir para
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 205
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
mudar as formas de pensar dos colegas, constituíram aspetos da cultura organizacional
da escola que valorizou e que em muito contribuíram para a sua integração profissional.
A este respeito e embora com menor ênfase, Eduardo assinala ainda o fascínio que
inicialmente sente por determinadas problemáticas, bem como a representação positiva
que desenvolve sobre as funções da Educação Especial na escola, parecendo possível
perceber alguma contradição ou evolução entre a perceção inicial e posterior da
profissão.
4.3.3.4 A formação em educação especial – preocupação decorrente do presente e
processo de garantir um futuro.
É após dois anos de exercício na educação especial que decide candidatar-se ao
curso de especialização, o qual vem a realizar em regime pós-laboral, ao mesmo tempo
que continua a exercer funções como professor de apoio educativo.
Apesar de inicialmente recusar a ideia de realizar o curso de especialização, a
influência de colegas professores de educação especial assinalando, por um lado as
vantagens em termos de carreira e, por outro, a sua pertinência dadas as competências
manifestadas enquanto professor de apoio, Eduardo resolve candidatar-se, muito
embora sejam parcas as expectativas que tem face à formação e evidente a falta de
motivação.
Figura 26. Formação especializada – motivações e apreciação global
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 206
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Claro que o desejo de aumentar conhecimentos e alguma curiosidade manifestada
podem contrariar esta última ideia, no entanto, não nos parecem suficientes para esbater
predisposições prévias globalmente fracas face à formação (cf. Figura 26).
Contudo, na apreciação que agora faz, a frio, da formação é evidente como foi
gratificante a experiência formativa, sobretudo pelo prazer “de ser aluno outra vez”, e
também pelas aprendizagens realizadas em determinadas áreas curriculares.
O plano de estudos e a forma como foi implementado são outras dimensões que
considera na sua apreciação sobre os aspetos positivos e negativos da formação. E é ao
nível das estratégias de formação que a apreciação se revela mais crítica, sublinhando-se
a necessidade de um maior investimento nos “estudo de caso” e na articulação da
componente teórica com a prática; por sua vez, apesar de algumas áreas curriculares
serem consideradas menos pertinentes, na globalidade a apreciação da formação
sublinha a pertinência do currículo.
É ainda possível identificar na narrativa a referência a mudanças decorrentes da
formação especializada, mudanças que, de algum modo, podemos associar ao processo
de socialização. A este nível, a formação contribuiu quer para desmistificar ideias pré-
concebidas referentes aos alunos com Necessidades Educativas Especiais, quer para
fundamentar conceções sobre a prática. Para além destes aspetos, é ao nível das atitudes
e das práticas nas escolas que Eduardo assinala mudanças mais significativas:
identificando-se como defensor da inclusão e dos direitos das pessoas com deficiência,
equaciona agora de forma mais fundamentada, o seu papel enquanto ator de mudança
junto dos colegas e das escolas.
Os excertos que seguidamente se apresentam mostram de algum modo esta ideia
de procurar agir no sentido de mudar a cultura de escola face à inclusão:
(…) Depois… foi por aí que eu fui, que era tentar transformar … e foi uma coisa muito
engraçada… tentar transformar as mentalidades (…)
(…) E depois foi muito engraçado porque foi exatamente o que uma professora na formação
colocou à minha frente, essa ideia da mudança de mentalidades. (…) É aquele chavão, o
professor como ator da mudança, mas aqui é um bocadinho diferente… a educação especial é
mesmo para mudar… (…) E então foi aí que eu apostei também. Porque sempre tive essa noção
que havia muita pobreza de pensamento em relação à inclusão destas crianças na escola. (…)
(…) e então foi aí que eu percebi que de facto a mudança de mentalidades era necessária(…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 207
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Compreende-se portanto a pertinência e congruência das considerações antes
referidas sobre a necessidade de uma formação mais centrada na análise de casos e mais
articulada com a prática, já que não se registam na narrativa evidências de mudanças ao
nível da intervenção pedagógica.
4.3.3.5 A fase atual de socialização – interiorização de saberes, valores e atitudes.
É quando a narrativa se centra na experiência atual enquanto professor de
educação especial que é possível conhecer e compreender o processo de interiorização
de saberes, de atitudes e de valores da “nova” profissão, e identificar os fatores que,
associados, configuram agora a identidade profissional docente.
Neste contexto, os fundamentos e formas de organização da prática profissional, e
os critérios de uma intervenção eficaz constituem dimensões da narrativa que
possibilitam identificar os saberes, as atitude e os valores da profissão interiorizados (cf.
Figura 27).
Figura 27. Fase atual de socialização – Saberes, atitudes e valores
Quanto à prática profissional atual, é possível perceber que Eduardo, a fim de
melhor fundamentar a sua ação, desenvolve processos de pesquisa, quer sobre as
características e particularidades dos diversos tipos de Necessidades Educativas
Especiais, quer sobre os materiais a usar na intervenção pedagógica. E, porque esses
processos de pesquisa se revelam fundamentais para a compreensão das necessidades
educativas dos alunos, envolvem, não só a recolha de informação de natureza científica
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 208
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
sobre as diversas problemáticas, em livros e na Internet, mas também, a recolha de
dados sobre as características particulares de cada aluno, junto das respetivas famílias.
Por sua vez, embora a experiência adquirida no ensino regular seja referida como
relevante para o início de funções na educação especial, são sobretudo as aprendizagens
decorrentes da experiência prévia neste domínio e da formação especializada, que
fundamentam a intervenção atual. Nesta intervenção, intuição e criatividade são
percebidas também como capacidades imprescindíveis perante a singularidade e
especificidade dos contextos de ensino/aprendizagem envolvidos.
Por outro lado, em termos de organização da intervenção, a narrativa sugere que a
tomada de decisão sobre o tipo de apoio a desenvolver decorre das problemáticas e do
tipo de necessidades dos alunos. Trata-se, portanto, de formas de organização da
intervenção de natureza variável, abrangendo ora o apoio direto a alunos em situação
individual ou em situação de grupo, ora o apoio indireto baseado no trabalho sistemático
de cooperação/ articulação com os professores do ensino regular.
A variabilidade antes referida parece-nos fundamental perante a diversidade de
necessidades de alunos e de professores na escola atual, e tem consequências no
exercício da profissão.
Na opinião de Eduardo, a eficácia da intervenção pedagógica depende das suas
competências enquanto professor de educação especial e do desempenho dos seus
alunos. E é interessante verificar como as competências profissionais surgem na
narrativa de forma significativa, não acontecendo o mesmo quanto ao desempenho dos
alunos; de facto, as competências assinaladas integram a necessidade de realizar uma
intervenção pedagógica holística, de desenvolver atividades versáteis e a capacidade de
ser paciente; já no desempenho dos alunos, a narrativa salienta apenas a importância da
realização e da conclusão das atividades propostas. Esta maior preocupação com as
competências profissionais e pessoais do professor corresponde a algumas
características típicas do início da profissão docente e, nessa medida, poderá sugerir
nesta fase do percurso, alguma regressão no processo de socialização profissional.
É na análise da narrativa sobre os pressupostos educativos da intervenção atual e
sobre o que considera ser a “inclusão perfeita” que é possível inferir e compreender os
valores e as atitudes interiorizados sobre a profissão.
No âmbito dos pressupostos educativos, compreender e resolver os problemas dos
alunos e promover a auto -estima constituem os objetivos fundamentais da intervenção
de Eduardo; por sua vez, a referência aos direitos e deveres da profissão e a consciência,
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 209
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
quer das implicações da sua ação nos alunos, quer de um conhecimento inevitavelmente
limitado, consubstanciam princípios éticos e deontológicos que entendemos serem
significativos e pertinentes, perante as características da profissão.
Por outro lado, na narrativa, a explicitação de algumas práticas surge, por vezes,
associada à ideia de ter realizado “a inclusão perfeita” de determinado aluno e, nestas
situações, envolve um conjunto de aspetos, a saber: o desenvolvimento de processos de
adequação curricular que possibilitam a conceção de currículos de natureza funcional e
a resposta a necessidades e interesses; a intervenção junto do grupo/turma envolvendo
todos os alunos, professores e diretores de turma; a manutenção/colocação do aluno
com Necessidades Educativas Especiais na sala de aula a que pertence de forma a
facilitar a sua socialização; e, por último, a existência de recursos em termos de espaços
e de materiais nas escolas. O excerto que se apresenta exemplifica sumariamente parte
da implementação de um currículo funcional, envolvendo entre outras, a aprendizagem
da escrita de uma carta, por um aluno do 7º ano de escolaridade:
(…) Na aula de português, porque eu fiz questão de fazer par pedagógico com a
minha colega. Então foi a carta, foi aprender todo o processo da carta, o destinatário,
isto em termos funcionais, preenchimento de coisas, pronto… foi essa a aposta que eu
fiz no 7º ano (…).
Parece, pois, que ao nível da cultura profissional (saberes, atitudes e valores), a
narrativa mostra que Eduardo tem vindo a interiorizar dimensões relevantes e
necessárias ao exercício da profissão, o que poderia sugerir o desenvolvimento de um
processo de socialização globalmente fácil. Tal não foi o caso, como se poderá verificar
em seguida, quando analisarmos os fatores contextuais que determinaram uma
socialização marcadamente difícil, culminando no desejo de “voltar às origens” em
termos de docência.
4.3.3.6 Os fatores presentes na socialização atual – condicionalismos e ideais de
uma profissão.
A política educativa, as condições de trabalho, a cultura organizacional das
escolas onde vem exercendo funções enquanto professor de educação especial e as
características dos alunos consubstanciam fatores que, de modo sobremaneira evidente,
afetaram o processo de socialização, justificando os sentimentos que experimenta e que
expressa quando nos narra o seu percurso profissional (cf. Figura 28).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 210
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 28. Fase atual de socialização – fatores dificultadores
Com efeito, os três primeiros anos após a conclusão do Curso de Especialização
não têm sido fáceis em termos profissionais e, atualmente, é assim que Eduardo nos
descreve a forma com se sente face à profissão:
(…) Sinto-me frustrado, frustrado não por razões minhas, pessoais, mas por razões
exteriores, pelo próprio sistema educativo que não valoriza a educação especial. E
quando eu falo do sistema educativo, falo das políticas educativas deste domínio que
limitam bastante todo o trabalho de um professor (…).
A política educativa é perspetivada como limitadora da sua ação enquanto docente
de educação especial, uma vez que não cria condições nas escolas que permitam um
exercício adequado da profissão. À partida, da falta de condições estruturais das escolas,
nomeadamente a falta de um espaço próprio onde possa desenvolver a sua ação
constitui um dos aspetos largamente sublinhado ao longo da narrativa, como se pode
perceber em alguns excertos que se apresentam:
(…) E … a parte do especial é tudo ao molho e fé em Deus…. É quase que …a galinha
com os seus pintainhos, vai andando na escola de um lado para o outro, porque nem
sequer tem espaço próprio para trabalhar (…). E… não temos, de facto, grandes
condições para trabalhar…
(…) Eu não tenho uma sala na escola … Ora trabalho na biblioteca, ora trabalho
numa sala de aula que esteja disponível na altura, ora trabalho na sala… (…)
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 211
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Mas, para além destes aspetos, a falta de recursos humanos especializados que permitam
o desenvolvimento de uma intervenção multidisciplinar capaz de dar resposta às
necessidades educativas especiais é também sublinhada, condicionando de forma
evidente o exercício da profissão e os sentimentos que experimenta no seu quotidiano.
Por outro lado, é sobremaneira evidente no discurso a discordância face às
disposições previstas na legislação publicada (decreto – lei nº 3 de 2008), mais
especificamente no que diz respeito ao âmbito de intervenção da Educação Especial nas
escolas, ou seja, ao tipo de problemáticas que deverão constituir objeto da ação do
professor especializado.
(…) Desde que entrei naquela escola onde estou a dar aulas (…), eu tive quatro
alunos com problemas de aprendizagem, uns derivados de problemas emocionais,
outros de problemas de audição,… e dislexia e esses miúdos estiveram comigo no 7º e
8º com apoios a língua portuguesa, problemas de organização de estudo, eu estive a
ajudá-los (…) quando veio esta história do três …. Tornou-se indefinida a situação
deles. Porque a leitura que se faz do três é que é direcionado só para as alíneas e) que
são os currículos específicos individuais, os antigos funcionais. E estes, naturalmente
não são. No entanto, o que é que se faz a estes alunos? (…)
Este excerto ilustra as dificuldades práticas vividas após a publicação da lei,
dificuldades que têm como pano de fundo discussões de natureza “nosológica”, fonte de
acesa polémica entre teóricos e práticos nos últimos anos, e que, em última análise,
permitem questionar o papel da educação especial numa escola que é suposto assegurar
a igualdade de oportunidades educativas. Qual a legitimidade da intervenção desta área?
Quem são os alunos objeto da sua intervenção, ou seja, qual o âmbito do conceito
“Necessidades Educativas Especiais”?
A este respeito, Eduardo, entende que o conceito abrange não apenas os alunos
com dificuldades na aprendizagem decorrentes de incapacidades permanentes, mas
também alunos que apresentam dificuldades temporárias; esta perspetiva foi
preconizada desde os anos setenta do século passado e teve implicações evidentes na
forma como a escola equacionou respostas educativas para todos os alunos e,
consequentemente, no âmbito de intervenção dos professores de educação especial.
Nesse sentido, Eduardo não aceita que os alunos com dificuldades deixem de ter o seu
apoio e recorre à opinião dos pais para, de certa forma, contornar a situação, e continuar
a sua ação:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 212
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) E então, a partir da opinião dos pais eu disponibilizei, juntei… a outros dois, tentei
jogar com os horários dos alunos e disse-lhes: - Vocês vêm ter comigo
independentemente se autorizam ou não autorizam, está autorizado por mim, ponto
final. Vocês vêm ter comigo porque vocês precisam… (…).
A discrepância entre princípios e valores preconizados na lei e a sua
implementação nas escolas é também sublinhada na narrativa de Eduardo, como se
torna evidente no excerto seguinte:
(…) Porque isto é um “bluff”, a educação especial é um bocadinho um “bluff”, é um
bocadinho falso, tudo isto da Educação Especial. Quando se vê que o ministério
apostou na política inclusiva… apostou…. no papel, e sim senhor abriu as portas a essa
gente, mas depois não lhes dá as infra -estruturas necessárias. Isso é que é mais
importante! (…)
Esta representação bastante negativa da política educativa parece constituir um
dos condicionantes mais significativos da integração na cultura profissional. Por outro
lado, esta situação mostra como a apropriação da cultura profissional é um processo
individual e único, no qual as mudanças que ocorrem dependem do percurso de vida e
das características de cada professor.
Mas, a esta difícil integração estão associados outros fatores, sendo de assinalar os
que se referem às condições de trabalho e à cultura organizacional da escola. A
dificuldade em desenvolver um trabalho articulado com os professores do ensino
regular e com instituições, a falta de tempo para trabalhar com pares, a dificuldade em
coordenar o departamento de Educação Especial, o excesso de trabalho e de tarefas
burocráticas, a morosidade inerente à preparação da intervenção constituem aspetos
reveladores da perceção negativa que Eduardo tem sobre o exercício da profissão. Ser
professor de educação especial, ou mesmo criar e coordenar o departamento de
educação especial (situação que aconteceu no seu primeiro ano após ter concluído a
especialização) não é tarefa fácil. Tal acontece, devido à cultura organizacional das
escolas onde tem trabalhado e perante as características dos alunos que apoia.
Crítico em relação à falta de cooperação entre docentes existente nas escolas
públicas onde, como sublinha, (..) é cada um por si, é um mundo egocentrista, virado
para o umbigo, ninguém conversa com ninguém, só se fala mal… (…), assinala ainda a
falta de formação dos professores do ensino regular para a inclusão e a falta de
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 213
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
formação contínua dos docentes de educação especial, uma vez que constituem aspetos
que dificultam o exercício da profissão.
Por outro lado, Eduardo é confrontado no seu dia- a- dia com desafios
significativos e face aos quais não se sente devidamente preparado, mesmo após a
realização do curso de especialização. A diversidade e a gravidade dos problemas dos
alunos com NEE que atualmente frequentam a escola são dimensões que, associadas aos
sentimentos de cansaço e de frustração profissional justificam, em última análise, a
dúvida/ indecisão que experimenta perante a possibilidade de deixar a Educação
Especial. Entre as diversas referências que faz à diversidade e gravidade dos alunos que
apoia, a narrativa seguinte mostra de modo significativo as dificuldades sentidas:
(…) E tive um aluno … Não se mexia, só mexia a cabeça. E houve um dia em que ele
estava doente e que não conseguia tossir… isso foi horrível, porque a mãe não vinha,
dizia que estava a trabalhar e não podia vir, e eu disse ao conselho executivo, eu não
vou dar aula, eu vou ficar com ele aqui porque eu não quero que aconteça nada (…)
(…) Eu só pedi um Ben – u – ron para ele, porque estava com tosse e estava com
febre e era para baixar a febre e podia ser que a tosse também passasse. Depois era a
água que tinha que ser com palhinha… depois ele não tossia… depois era eu a tossir
para estimular ele a olhar para mim para ver se o estimulava, (…) e às duas por três
tive que sair dali…(…)
Em síntese é possível constatar que as dificuldades sentidas na socialização
enquanto docente de educação especial decorrem por um lado, das características e
exigências inerentes à profissão e, por outro, das características dos contextos políticos e
educativos onde é exercida.
Mas, as características da profissão e a política educativa surgem associadas
também aos fatores facilitadores da socialização; nessa medida, consubstanciam
dimensões transversais na narrativa e, por isso, assumem particular significado no
processo que ora analisamos (cf. Figura 29).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 214
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 29. Fase atual de socialização – fatores facilitadores
Assim, contrariando a perceção negativa que tem dos professores de educação
especial e que evidencia quando inicia funções nesta área dizendo: “(…) faltava ali
qualquer coisa, ou não trabalhavam, … andavam ali a arrastar-se, havia ali falta de
qualquer coisa que não se percebia….(…)”, Eduardo mostra agora uma postura
significativamente diferente, marcada pelo desejo de mudar a imagem social da
profissão e pela sua sobrevalorização. Trata-se de um movimento que, sendo facilitador
da integração na profissão, poderá simultaneamente ser “reparador” da perda sentida. A
profissão é agora perspetivada como algo a valorizar, não apenas pela sua dimensão
humana, mas também pelo âmbito alargado da intervenção e pelo conhecimento vasto e
abrangente que, consequentemente, exige.
Por sua vez, em termos de política educativa, a criação do quadro de professores
de educação especial é percebida como uma dimensão positiva, já que facilitou a
afirmação deste domínio em termos institucionais.
Para além destes, outros aspetos surgem na narrativa como facilitadores da
socialização. Verificar os resultados da sua intervenção na aprendizagem dos alunos,
ensinar introduzindo a arte, criar e coordenar o departamento de educação especial
constituem as fontes de satisfação associadas a esta fase do percurso profissional. Entre
elas, a coordenação do departamento parece ter tido um impacto particularmente
significativo, pelas funções que envolveu e que Eduardo valorizou. E, por oposição aos
sentimentos de cansaço, de frustração e de dúvida antes assinalados, a segurança surge
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 215
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
como o sentimento que experimenta neste contexto, parecendo evidente o prazer
proporcionado pelo desempenho de funções de liderança.
4.3.3.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar da experiência e da
formação na socialização profissional.
A experiência docente na educação especial teve uma particular influência no
processo de socialização profissional de Eduardo, desencadeando mudanças nas
práticas, nas atitudes e nas conceções.
Ao nível das práticas, a maior competência profissional, a maior facilidade na
inclusão dos alunos com NEE e a introdução da arte no seu processo de
ensino/aprendizagem (cf. Figura 30) são aspetos frequentemente narrados.
Figura 30. Exemplo de introdução da arte no processo de ensino dos alunos 77
No que diz respeito às atitudes, para além de uma maior preocupação com a
inovação, a experiência na Educação Especial desencadeou atitudes de maior paciência
e de maior compreensão face às dificuldades dos alunos e, simultaneamente, uma maior
resistência perante situações mais difíceis de gerir em termos emocionais (devido à
gravidade das situações e à imprevisibilidade de comportamentos e de reações). Para
além destas mudanças, é ainda assinalada uma postura defensiva face aos colegas do
ensino regular, atitude que pode associar-se à desilusão que Eduardo experimenta
77 A utilização de reproduções de obras de arte de pintores portugueses é referida como uma mudança, e exemplifica
uma das estratégias facilitadoras do desenvolvimento linguístico, cognitivo e estético dos alunos. Neste exemplo é
apresentada a reconstrução de um quadro de Paula Rego, tendo como base uma imagem previamente recortada.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 216
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
perante a dificuldade de alterar conceções e práticas nas escolas onde exerce funções
docentes. Já em termos de conceções é primeiramente na ideia sobre si próprio que
Eduardo regista a existência de mudanças, sendo significativa a referência a uma melhor
auto -imagem enquanto profissional; por outro lado, perspetivar o papel do professor do
ensino regular, como docente responsável por todos ao alunos e ter agora um
conhecimento mais abrangente da escola enquanto instituição, constituem outras
mudanças referidas, muito embora com menor ênfase.
Comparativamente com estas mudanças, as que decorreram da formação
especializada são substancialmente menos significativas na narrativa, apesar de
incidirem igualmente nas práticas, nas atitudes e nas conceções. Com efeito, como antes
se assinalou, a formação possibilitou mudanças sobretudo na forma de perspetivar o
papel do professor nas escolas, sendo frequentes as referências ao desenvolvimento de
um conjunto de práticas no sentido de procurar mudar a mentalidades dos professores.
De facto, em termos de conceções a formação permitiu por um lado, desmistificar
algumas ideias pré-concebidas sobre as (im) possibilidades de aprendizagem de alguns
alunos e, por outro, fundamentar as conceções prévias sobre educação e inclusão. Tal
justifica que agora Eduardo seja um acérrimo defensor da inclusão e dos direitos das
pessoas com deficiência, atitudes que associa a mudanças decorrentes da formação
especializada.
Em síntese, parece possível concluir que, embora experiência e formação
especializada tenham sido fatores influentes, é sobretudo à experiência na educação
especial, ou seja, à prática profissional desenvolvida neste âmbito que podemos atribuir
um lugar privilegiado no processo de socialização deste professor.
A análise da narrativa permite-nos identificar ainda a forma como Eduardo foi
vivendo as diversas mudanças inerentes ao seu percurso profissional, sendo evidente a
relação entre as características dos contextos em que se integra e os sentimentos que
experimenta (cf. Figura 31).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 217
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 31. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas
O início da profissão, contrariamente ao que alguns autores sugerem, não
constituiu para Eduardo fonte de grande preocupação, dificuldade ou “choque” face à
realidade.
Pelo contrário, segurança e satisfação são os sentimentos que experimenta e que
narra, sendo possível associá-los ao facto de ter iniciado funções docentes no ensino
particular, num contexto cuja cultura conhecia, e no qual não experimentou dificuldades
na relação pedagógica com os alunos. Com efeito, a segurança psicológica decorrente
do conhecimento das regras da instituição escolar e o prazer de ensinar os alunos são os
sentimentos desta fase inicial enquanto professor.
Mas, a mudança que, por opção pessoal, seguidamente experimenta, é vivida com
grande dificuldade e ambivalência. Decidir iniciar funções docentes na educação
especial constituiu um processo carregado de dúvidas e de indecisões, devido por um
lado, ao sentimento de perda de um projeto profissional que ambicionara e, por outro,
ao receio face a um mundo que desconhecia e face ao qual não se sentia devidamente
preparado. Compreende-se assim que, a par da desilusão sentida, Eduardo sublinhe a
ausência de expectativas face às novas funções que irá desempenhar.
Assim sendo, o início na educação especial, porque associado a razões
fundamentalmente pragmáticas, não foi vivido com satisfação, e tal poderá associar-se a
algumas das dificuldades posteriormente vividas e já referidas.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 218
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.3.8 Identidades profissionais - perceções, identidade originária e identidade
reconstruída.
Como vimos antes, as mudanças que Eduardo realizou ao longo do seu percurso
profissional foram vividas com sentimentos contraditórios e ambivalentes; tal poderá
compreender-se se tivermos em conta as razões que fundamentaram algumas das suas
opções.
Apesar disso, a narrativa sugere uma boa perceção de si próprio como professor
de educação especial, manifesta quando se considera um efetivo ator de mudança nas
escolas, quando valoriza a sua formação inicial face aos pares e ainda quando sublinha a
competência profissional adquirida naquele domínio (cf. Figura 32).
Por oposição a esta ideia, a narrativa mostra uma fraca imagem dos pares: a
escassa combatividade dos professores de educação especial, a sua falta de eficácia e a
sua desorganização constituem aspetos que Eduardo não deixa de sublinhar, revelando
assim uma perceção pouco favorável dos colegas. Esta perceção substancialmente
diferente de si próprio face aos outros, seus pares e colegas, constitui uma dimensão que
permite compreender as dificuldades havidas durante a socialização, já que aponta para
uma difícil, senão impossível identificação com os outros, com a sua cultura, em suma
com a “nova” profissão.
Figura 32. Identidades Profissionais
Tornam-se assim compreensíveis as dificuldades no processo de identificação
com a profissão, assumindo particular significado na narrativa de Eduardo a perceção
negativa dos pares, bem como, a plena consciência, quer da sua identidade originária,
quer da identidade que entretanto procura reconstruir. E são estas dimensões identitárias
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 219
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
que estão presentes na narrativa: não se identificando com pares que desvaloriza,
Eduardo recusa perder a sua identidade inicial enquanto professor de inglês (pela
motivação precoce que envolveu e pela formação realizada) e, em seguida, num
processo inicialmente dilemático, procura a identidade anterior para, finalmente, afirmar
conscientemente a sua dupla identidade e a influência da formação profissional contínua
no processo de reconstrução identitária. Os cinco excertos da narrativa que
seguidamente se transcrevem ilustram a forma como o processo de consciencialização e
de reconstrução identitária se foi manifestando ao longo da entrevista:
(…) Ah, nestes três anos eu ando sempre à procura do português, do inglês, é o meu
outro lado… são lados todos importantes (…)
(…) Eu sou professor nas três áreas … professor de inglês, professor de português e
professor de educação especial ou vice versa (…)”
(…) Um professor, qualquer formação que tenha tem sempre essa formação até ao fim
da vida. Eu vou ter sempre a Educação Especial na minha cabeça como tenho o
Português e o Inglês (…)
(…) Quando perguntam eu digo… sou professor de português, sou professor de
educação especial, sou professor de português, sou professor de inglês (…)
(…) Acima de tudo eu sou professor, mais nada! Eu sou professor dentro dessas
formações, consigo abranger isso tudo…sou mais rico que os outros! (…).
A análise global do percurso de Eduardo permite identificar vários aspetos que
influenciaram as sucessivas socializações e que, em última análise, possibilitam uma
visão compreensiva das dificuldades sentidas no processo de reconstrução identitária.
Efetivamente, parece possível concluir que a integração de saberes, atitudes e
valores da profissão constituiu um processo globalmente fácil, o que é compreensível
perante as características pessoais de Eduardo e as características do contexto escolar
onde iniciou funções docentes. Com efeito, a forte e precoce motivação para o ensino e
o conhecimento prévio da cultura organizacional da escola contribuíram para uma
predisposição prévia positiva face à profissão, e asseguraram os sentimentos de
segurança e de satisfação profissional vividos nos primeiros anos de docência.
Para além destes aspetos, a aprendizagem do ofício realizada enquanto aluno
contribuiu também para a socialização inicial na profissão. E, apesar da falta de
preparação pedagógica da formação inicial que não deixa de assinalar, a influência
determinante de um dos orientadores de estágio nas práticas que inicialmente
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 220
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
desenvolve com os alunos constituiu fator decisivo de integração na profissão. A
influência da formação inicial no processo de socialização manifesta-se na
interiorização evidente de uma cultura disciplinar específica e na conceção sobre o
ensino que inicialmente desenvolve.
No que diz respeito ao lugar da formação na socialização na “nova” profissão, é
ao nível das atitudes e dos valores que é possível perceber alguma influência. A defesa
de determinados princípios educativos e a conceção de professor de educação especial
como agente de mudança são exemplos efetivos de alguma eficácia da formação no
processo em análise. Com efeito, parece que a formação ficou a meio caminho em
termos de eficácia, ou seja, parece que não teve uma influência suficiente para
desencadear também mudanças na prática profissional. Diversas circunstâncias e
condicionalismos poderão estar associados a esta situação, nomeadamente a escassa
componente prática do curso, mas, à partida, parece ser possível inferir que o modelo de
formação implementado não se adapta e não responde às necessidades de docentes que
já tiveram experiência profissional.
Já ser professor de educação especial tem implicado processos de mudança e de
adaptação a novas realidades e funções, que foram vividos, ora de forma mais fácil, ora
com acentuadas dificuldades; analisar esses processos possibilita a identificação e a
compreensão dos fatores que condicionaram a socialização profissional e a
reconfiguração identitária. Nesse sentido, o atual desejo de voltar a ser professor de
línguas, confirma a ideia de que a área disciplinar constitui um elemento determinante
na identidade dos professores do ensino secundário, tornando neste caso, o processo de
reconfiguração identitária mais difícil. Com efeito, a identificação entre o grupo de
referência o grupo de pertença assume particular significado e relevância enquanto
professor de línguas, não se verificando do mesmo modo enquanto professor de
educação especial. Nessa medida, o processo posterior de socialização na educação
especial facilitou uma reconfiguração identitária complexa e ambígua porque sustentada
na procura constante da identidade anterior e na afirmação da dupla identidade
profissional.
Assim sendo, julgamos poder crer que a experiência e a formação especializada,
embora tenham constituído dimensões importantes no processo de socialização
profissional, permitiram uma reconfiguração identitária pouco sólida, onde o manifesto
desejo de abrangência parece justificar a ambiguidade referida.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 221
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
4.3.3.9 Efeitos formativos da entrevista.
Para Eduardo, participar no presente estudo permitiu (…) consciencializar muita
coisa que estava adormecida, lembrar coisas de que não falava há muito tempo… As
memórias aos 47 anos!
4.3.4 Margarida, 58 anos de idade.
Professora do Ensino Secundário - Licenciatura em Geografia
Professora de Educação Especial - Curso de Especialização – Apoios Educativos -
Problemas de Cognição
Experiência docente – 35 anos
Experiência na Educação Especial (antes do curso de especialização) – 5 anos
Experiência na Educação Especial (após curso de especialização) – 7 anos
Situação profissional – Professora Titular; Professora do Quadro de Educação Especial -
Agrupamento de Escolas – Escola Secundária com 2º e 3º ciclo
É com um prazer manifesto e explícito que Margarida nos narra o seu percurso
profissional, no qual identifica três fases: uma primeira que, desde logo, considera “(…)
qualitativamente de nível baixo e sem história (…)”, uma vez que nessa época se
descreve como a professora “que vai dando, mais ou menos, conta do recado…”; uma
segunda, “a fase de deixar marcas” na escola e na comunidade, onde é particularmente
evidente como o tempo, a experiência e o envolvimento são fatores necessários ao
amadurecimento como docente, justificando-se assim o “orgulho” que atualmente sente
ao lembrar esse longo período; e, por último, a terceira fase, na qual, ser docente de
apoio educativo e, em seguida, professora de educação especial, apesar de significar
“rutura” e “corte”, configura-se finalmente como um tempo de mudança, de
crescimento e de satisfação pessoal e profissional.
Compreende-se pois que as situações profissionais consideradas particularmente
significativas integrem, por um lado, o percurso desenvolvido com uma turma do ensino
regular (atividades e aprendizagens realizadas) e, por outro, incidentes decorrentes da
intervenção enquanto professora de educação especial (dificuldades no controlo de
comportamentos desadequados e superação de dificuldades por parte dos alunos com
NEE). Os excertos que em seguida se transcrevem ilustram algumas das situações
significativas narradas por esta docente. O primeiro refere-se ao ensino regular:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 222
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Guardo na minha memória, por exemplo, uma turma que eu tive desde o 7.º ano
até ao 12.º ano. Por ali adiante sempre comigo. E fizemos coisas engraçadas com eles,
eles fizeram no 9.º ano um trabalho de projeto e …(…) Desligámo-nos um pouco do
programa, o projeto foi a Conselho Pedagógico,(…) ficaram só aqueles aspetos
fundamentais do programa e depois fizemos um trabalho sobre o Tejo. (...).Aquelas
crianças, aquele 7.º ano foi uma das coisas boas, das coisas boas, das coisas boas que
eu tive. Pronto, depois as outras… Mas, essa foi assim uma coisa, foi especial! (…).
O segundo e o terceiro excertos referem-se à docência na educação especial, e
permitem perceber que nem só de momentos felizes é feita a experiência:
(…) Com estes alunos também há muitas vezes tantos momentos especiais … Em que
eles conseguem fazer uma coisa que era difícil. Conseguem levar… Uma tarefa que era
difícil e que depois levam do princípio ao fim! Com o T, aquele miúdo muito, muito
meigo, muito carinhoso, muito adequado socialmente, mas que tem em termos
intelectuais muitas dificuldades, em termos de raciocínio, de resolução de problemas,
de escrever. Hoje era preciso preencher a fita da terapeuta ocupacional que está a
acabar o curso. (…)E com ajuda ele foi capaz de escrever uma frase! (…) E quando ele
no momento consegue resolver um problema, uma situação, eu fico feliz e ele fica tão
feliz! (…)
(…) Eu tenho essa aluna C. e tenho uma aluna M., tenho mais, mas estas duas que são
meninas com características especiais a M. que é uma menina que tem Trissomia 21
mas que tem assim uns laivos de autismo (…) E que no ano passado corria o mês de
Fevereiro, Inverno (…) ocorreram vários episódios em que a M. e a C. ninguém as
conseguia controlar… pronto, eu não as conseguia controlar. (…) Foi daqueles
momentos de uma angústia, de uma impotência, de uma incapacidade e de um pensar
“Meu Deus, estes anos todos e agora não consigo controlar esta situação, não sou
capaz, como é que eu faço isto?”(…).
Da análise destes excertos torna-se sobremaneira evidente que, quer no passado,
quer no presente, o prazer decorrente da intervenção é transversal à narrativa,
envolvendo ora os projetos realizados com os alunos do ensino regular e o seu
acompanhamento ao longo do percurso escolar, ora a superação de dificuldades, por
parte dos alunos com NEE. Perante estes, não deixa de assinalar com particular ênfase,
os sentimentos de angústia e de impotência que recentemente experimentou e que
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 223
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
associa às dificuldades em gerir comportamentos inadequados e inesperados. No
entanto, a capacidade de superar estas dificuldades é manifesta, e permite compreender
a importância e o papel fundamental que os alunos tiveram nas diferentes fases de
socialização profissional desta docente.
4.3.4.1 A escolha da profissão docente – entre a influência familiar e a ambivalência
face à área disciplinar.
É à infância e ao facto de ser filha de professores que Margarida associa a escolha
da profissão. Nessa medida parece que ser professora decorre sobretudo de tal
circunstância e não tanto de uma escolha refletida. Como Margarida sublinha, (…) foi
quase um determinismo (…).
Por sua vez, no que diz respeito à área disciplinar a lecionar enquanto docente, a
escolha não foi de todo linear e imediata, dada a difícil articulação entre as
opções/alíneas existentes na altura e os interesses e dificuldades de natureza académica:
(…) desenho, era a disciplina que eu mais odiava (…), refere Margarida na sua
narrativa.
Esta difícil articulação justifica a ambivalência face à escolha da área disciplinar a
lecionar e, neste contexto, a opção pela geografia acontece devido à necessidade de
escolher uma “alínea” onde a disciplina de desenho fosse inexistente, dadas as
dificuldades antes referidas. Tal escolha, apesar de ter implicado deixar para trás a
“paixão pela Físico- Química”, não inviabilizou o interesse posterior pela área do curso
de licenciatura, que realiza com motivação e sucesso. É deste modo que Margarida
sintetiza este período da sua adolescência, caracterizado por alguma ambivalência:
(…) E foi assim que eu fui para Geografia, para fugir ao Desenho. Depois fiz a
Geografia. Estava no 7.º ano, no 7.º ano estava muito perdida porque eu adorava
Físico-Química, eu adorava! Química para mim era uma paixão. E eu estava ali e
depois…como não posso ir para Química, só posso em Geografia. E depois na
Faculdade até achei engraçado porque eu gostava de Geografia e fiz o curso de
Geografia e depois,… naturalmente, professora de Geografia (…)
4.3.4.2 A socialização na profissão – o desencanto da primeira fase.
(…) Gostava de caracterizar uma primeira fase, que em termos de rigor talvez não
interesse muito mas… a primeira fase incluindo o estágio, porque eu acho que o estágio
mudou muito pouco, talvez até por dificuldades pessoais…(…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 224
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
É ainda enquanto estudante, embora já no último ano da licenciatura, que
Margarida decide começar a dar aulas de Geografia num liceu da capital, tendo
contribuído para esta decisão a vontade de se casar. Neste contexto, e apesar do horário
completo e do elevado número de turmas que lhe é distribuído, decide matricular-se e
frequentar o Curso de Ciências Pedagógicas da Universidade, uma vez que (…) para
ser professora precisava saber alguma coisa sobre como se ensinava…(…). Lembrar
esta formação em Ciências Pedagógicas que então completou é hoje percebido como
revelador da preocupação que desde início sentiu face à prática, procurando saber como
é que se faz as coisas já que que, como sublinha, para ser professor, (…) convém saber
alguma coisa (…).
No entanto, a narrativa revela uma perceção algo negativa desse tempo de
formação, bem como a consciência do escasso impacto que teve na sua ação docente,
como podemos constatar nos seguintes excertos:
(…) O meu estágio não foi uma coisa muito gratificante, o meu estágio pedagógico.
Não foi. Foi um tempo muito conturbado (…).
(…) Lembro-me que me ficou sempre a Maria Montessori e a Escola Ativa. Mas eu
acho que … não sei, foram mais os modelos daqueles professores que me marcaram
(…).
Parece pois que, em termos de socialização na profissão, são sobretudo os bons
professores que teve enquanto aluna que constituem modelos de referência, uma vez
que inicialmente procura imitar as práticas desses docentes, parecendo pouco
significativa a influência da formação pedagógica então realizada. E são estas
estratégias que, de algum modo, facilitam a integração inicial na profissão, pois como
sublinha Margarida (…) as coisas não correram mal, não correram mal… Desde o
primeiro ano (…).
No entanto, os primeiros seis anos da profissão são vividos com algum
desencanto, decorrente quer da escassa gratificação do estágio realizado, quer da
perceção de uma intervenção docente pouco investida, por razões de natureza familiar e
circunstancial. Com efeito, os primeiros anos de profissão são marcados por
acontecimentos significativos de natureza pessoal, entre os quais Margarida assinala, o
casamento, o nascimento de dois filhos e algumas mudanças de residência.
Para além do desencanto, a humilhação é também um dos sentimentos que
vivencia nesta fase, quando, perante colegas mais velhos, se torna evidente a sua falta
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 225
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
de experiência na realização de tarefas extra – curriculares. Por outro lado, o facto de
desde sempre se preocupar demasiado com os resultados, ou seja, com as aprendizagens
dos alunos, constituiu, no entender de Margarida, uma das “maiores dificuldades” então
sentidas. E, de entre os fatores que tornaram difícil a socialização na profissão, a cultura
organizacional de uma das escolas onde lecionou surge também na narrativa, referindo-
se a falta de apoio da educação especial, perante a integração de dois alunos portadores
de deficiência sensorial.
Mas, apesar deste início algo desencantado, os anos seguintes vão constituir fonte
de satisfação pessoal e profissional, pela estabilidade familiar entretanto adquirida e
pelo envolvimento conseguido com os alunos e com a escola.
4.3.4.3 A socialização na profissão – crescimento e consolidação na segunda fase.
(…) Depois eu diria que uma outra fase de crescimento…. Crescimento como
professora com os alunos, mantendo esse rigor, toda essa fase de crescimento e por aí
adiante, foi a partir dos anos 79/80… Essa outra fase é de contínuo e vai até 97(…)
A segunda fase do percurso profissional envolve, segundo a narrativa de
Margarida, dezassete anos, durante os quais pode experimentar e consolidar estratégias,
numa procura constante de novas formas de ensinar os seus alunos. É com um evidente
sentimento de orgulho que Margarida se refere a esta fase na qual desenvolve um
trabalho “que deixa marcas” na escola e na comunidade.
Figura 33. Fatores facilitadores da socialização na profissão
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 226
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
A análise da narrativa permite perceber que foram vários os fatores que
contribuíram para este crescimento e desenvolvimento profissional: a cultura
organizacional da escola, as características pessoais e profissionais, as estratégias de
integração, as características da intervenção e as fontes de satisfação (cf. Figura 33).
Com efeito, como sugere a própria narrativa, é fundamental identificar e
compreender algumas dimensões pessoais e profissionais que caracterizam o percurso
de Margarida e que, em seu entender, justificam e contextualizam atitudes, conceções e
práticas.
Em termos pessoais, para além da idealização da figura paterna, é evidente uma
identificação com o pai e com os valores por ele veiculados: a ideia de justiça, de rigor e
de exigência face a resultados a obter pelos alunos constituem dimensões que Margarida
associa com prazer e orgulho a seu pai e que, conscientemente, integra na sua ação
educativa e pedagógica. Os dois excertos da narrativa que seguidamente se apresentam
ilustram de forma evidente quer a idealização, quer a identificação com a figura de
referência e com o modelo de professor que o pai representa:
(…) Isso talvez tenha a ver com uma história da minha infância porque o meu pai era
professor, a minha mãe também. O meu pai era um homem muito exigente. O meu pai
cresceu, o meu pai esteve no seminário, nos Jesuítas. O meu pai tinha onze irmãos e
tinha um tio Jesuíta. Esse tio Jesuíta do meu pai, achava que o meu pai era, dos irmãos
todos, o mais inteligente (…) O meu pai supostamente, na avaliação desse meu tio era o
mais inteligente, teria que ir para os Jesuítas…(…)
(…) E isto só para explicar o percurso do meu pai, ele tinha dos Jesuítas este culto da
exigência do saber. Ele era uma pessoa extremamente exigente com o saber. (…) Mas o
meu pai sempre foi muito exigente. E ficou-me sempre este culto da exigência, e
portanto eu transferi um bocadinho para os meus alunos este culto da exigência pelo
saber, era preciso ser sério, no saber, no aprender, no aprofundar, no rigor, portanto
eu acho que, talvez o meu ponto fraco tenha sido um pouco esse. Eu estava sempre
muito preocupada com o rigor, com aprender bem, o saber bem. Mas eu acho que
contrabalançava isso com uma coisa que era também uma preocupação enorme para
mim, talvez tenha a ver com a educação que tive em casa. A questão da injustiça, ser
justa (…).
Estas características pessoais e profissionais associadas a toda uma cultura
organizacional de cooperação entre docentes, facilitaram processos de aprendizagem da
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 227
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
profissão, particularmente relevantes no que diz respeito ao desenvolvimento da
intervenção pedagógica. De facto, Margarida valoriza de forma sobremaneira evidente o
trabalho de cooperação que realizou, assinalando com grande ênfase a aprendizagem da
profissão que, consequentemente, foi podendo efetuar com os seus pares. É, pois, no
contexto da escola e no âmbito da relação com colegas que adquire e desenvolve as
competências necessárias ao exercício da docência.
Com efeito, é quando Margarida nos narra a sua intervenção pedagógica num
liceu de uma cidade de província que é possível perceber todo o investimento e toda a
evolução havida durante esta fase de consolidação e de aprendizagem dos saberes da
profissão.
Não deixando de referir o trabalho expositivo que inicialmente realizava,
Margarida descreve com manifesto prazer inúmeras situações pedagógicas que
desenvolveu, bem como algumas das suas preocupações enquanto docente: a conceção e
implementação de diversos projetos pedagógicos, a experiência positiva de integração
de dois alunos portadores de deficiência visual, e a preocupação com o envolvimento
dos alunos, com a diversificação de atividades e de processos de aprendizagem.
De notar que o sucesso das situações pedagógicas que descreve surge
invariavelmente associado ao trabalho de cooperação que desenvolve com uma colega
de grupo disciplinar e à consequente aprendizagem que pôde ir realizando e que faz
questão de sublinhar na sua narrativa. Importa pois apresentar algumas das descrições
de práticas pedagógicas narradas por Margarida já que permitem perceber os aspetos
anteriormente assinalados.
(…) Era um programa muito diversificado e bastante exigente. E portanto nós
estudávamos juntas e trabalhávamos juntas e planificávamos juntas e fazíamos os testes
em conjunto e… E portanto era muito essa partilha. E entretanto colocámos também o
trabalho de projeto com… a fazer assim umas coisas… A fazer experiências na área do
Ambiente reciclagem de papel, recolha seletiva, fizemos uma parceria com a Câmara.
Ainda não havia recolhas seletivas, nem nada que se parecesse com isso, e os miúdos
andavam a recolher papel das casas das redondezas. Fizemos uma parceria com a (…)
e depois dávamos umas resmas de papel reciclado e os alunos trabalhavam o papel
reciclado, eram os únicos da escola que tinham papel reciclado (…).
(…) E fazíamos assim projetos engraçados e depois avançámos muito para
investigação do espaço, investigação territorial e trabalho sobre a organização do
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 228
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
território, as questões das autarquias. Depois da parte do planeamento vieram os
planos de organização… os planos estratégicos e os alunos também começaram a
participar nesses, nos processos de planeamento, de informação. Portanto, os alunos de
12.º ano. Depois criámos um clube de Geografia local (…).
(…) Houve um ano que o trabalho deles, de 12.º ano, (eles todos os anos tinham um
projeto que era definido com eles) foi um trabalho de Geografia Eleitoral… e fizeram
desde o 25 de Abril o tratamento de estatística e de expressão gráfica dos resultados
eleitorais de vários atos eleitorais por freguesia. Depois fizemos uma descrição e a
Câmara fez uma brochura e publicou. Portanto, aquilo foi o trabalho de projeto deles
de 12.º ano. Claro que isto exigia sempre muito dos alunos porque para além de terem
que trabalhar os conteúdos normais, depois tinham que fazer isto (...).
(…) Depois fizemos um trabalho sobre o Tejo. A importância do Tejo no
desenvolvimento do território, a história do Tejo, os cortes fluviais do Tejo, o papel do
caminho-de-ferro e depois o papel da rodovia e as alterações que foram decorrendo a
partir daí. Fizemos entrevistas aos presidentes de Câmara, a todos da zona ribeirinha,
mapearam todos os portos, palmilharam o Tejo ao lado para encontrar os sítios dos
portos. (…)
(…) Estou-me a lembrar de uma coisa com que eles ficaram deslumbrados quando
perceberam que em C. passavam barris que vinham com gelo da Serra da Estrela para
a Corte de Lisboa. Descobriram isto, eu na altura também não sabia, mas descobriram
isto. Depois fizemos com eles, uma viagem de uma semana ao Norte eu e a professora
de história (…). E então eles fizeram atividades, fizeram atividades várias, para terem
dinheiro, quer dizer, uns tinham possibilidades outros não tinham, como todos tinham
que vir, todos fizeram a atividade e no final fez-se a contabilidade toda e cada um
pagou …(…) Tínhamos dinheiro e fomos fazer uma viagem ao Porto, a câmara
emprestou uma carrinha pequenina, a colega levou o carro dela com os que não
cabiam na carrinha, foi a carrinha com uma parte e o carro com os que sobravam,
fomos visitar o Porto e fizemos um trabalho sobre o Parque Natural da Peneda do
Gerês. Foi uma coisa fantástica. Eles eram miúdos de catorze, quinze anos, alguns
quase que nunca tinham saído da cidade onde moravam, a maior parte deles não
conhecia o Porto, não conhecia o Norte, a maior parte deles foram pela primeira vez à
discoteca connosco, ficámos nas pousadas de juventude na Portela do Homem e na
pousada de juventude do Porto. Esses oito dias com aqueles miúdos que já vinham
connosco, desde o 7º ano, foi uma coisa fantástica (…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 229
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Os excertos apresentados são de facto reveladores de como as características da
intervenção desta professora constituíram, pelo sucesso e prazer que proporcionaram,
fatores facilitadores da socialização e da construção da identidade docente. Por sua vez,
permitem compreender quer o sentimento de orgulho, quer a ideia inicial onde esta fase
surge como uma fase de “deixar marcas” na escola e na comunidade.
Para além destes aspetos, o facto de Margarida, em determinado período, ter
exercido funções de gestão na escola e de ter participado com sucesso na integração de
alunos com deficiência visual, constituem também fontes de satisfação que narra e que
associa a este tempo do seu percurso profissional.
4.3.4.4 A opção pela educação especial - entre o desejo de mudança e a insegurança
da rutura, o reencontro do equilíbrio e da satisfação pessoal e profissional na
terceira fase.
(…) Em 1997 há ali um corte. Porque deixo de ser professora do Ensino Regular, onde
eu me via e revia e passo a ser professora de Educação Especial… e volto a ser recruta
na Educação Especial, não é? Esta é uma outra fase (…)!
É quando se publica o decreto-lei nº 105/97 que Margarida se vê confrontada com
a hipótese de ser docente de apoio educativo. O diretor da escola secundária onde
leciona resolve desafiá-la para desempenhar essas funções, porque tinha a referência das
boas práticas que, em seu entender, Margarida vinha desenvolvendo com os alunos.
Perante este repto, e apesar de não estar “vocacionada para isso”, decide aceitar, dando
assim resposta ao seu desejo de “experimentar outras coisas” em termos profissionais.
Com efeito, a entrada para a educação especial acontece associada a razões de natureza
meramente circunstancial, não existindo qualquer motivação face a esta área de
intervenção. No início, Margarida tem uma perceção vaga sobre esta área e a deficiência
não constitui, de todo, temática pela qual se interesse.
Mas, quando inicia funções como docente de apoio educativo, para além do
desejo de mudar e de ter experiências novas, Margarida tem a perceção de nada saber e,
usando a metáfora do “recruta”, sente-se como um jovem soldado que precisa de se
preparar para desempenhar novas competências. A ideia de não saber o que fazer e de
precisar de aprender tudo de novo é referida com grande ênfase na narrativa e
desencadeia memórias de situações e de colegas. A história que Margarida nos conta no
excerto seguinte mostra de forma notável os sentimentos que experimenta e que associa
à entrada para a Educação Especial:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 230
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) No 1.º ano em que dei aulas, uma colega, uma mulher já mais velha, uma vez,
disse-me assim: - “Sabes, quando a gente começa a ensinar, ensina o que não sabe,
depois começa a ensinar o que sabe e, finalmente, ensina o que é preciso”. (…). Eu
diria que esta pequena história, relata o que eu sentia… no início quando vim para a
Educação Especial, não sabia, não sabia, ia fazendo aquilo que eu achava, aquilo que
me parecia e ia perguntando às pessoas…(…)
Com efeito, a insegurança que experimenta devido à rutura com todo um percurso
enquanto professora do ensino regular, as dúvidas que sente relativamente às situações
pedagógicas com que agora se confronta, justificam o sentimento de “voltar a ser
recruta”, ou seja, a necessidade de aprender e de desenvolver novas competências, uma
vez que “não sabia rigorosamente nada” sobre práticas a desenvolver.
Para além destes aspetos, a cultura organizacional de escola condicionou a
socialização prévia enquanto docente de apoio educativo; sobre este assunto, Margarida
refere algumas dificuldades que inicialmente teve quando pretendeu desenvolver um
trabalho de articulação com os professores de ensino regular, conforme previsto nas
disposições que preconizavam a inclusão e que definiam as suas funções.
Figura 34. Socialização prévia na Educação Especial
Mas estas dificuldades iniciais foram sendo superadas, por um lado, devido ao
apoio que teve de uma colega com experiência na educação especial e, por outro, dado o
investimento que então fez na sua formação contínua, frequentando cursos diversos.
Esta formação contínua incidiu sobre o desenvolvimento de competências instrumentais
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 231
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
nos alunos e sobre metodologias de apoio e de intervenção a desenvolver com
professores do ensino regular, para a inclusão (Cf. Figura 34).
Numa época em que a inclusão constitui a palavra de ordem na educação, o
professor de apoio educativo é perspetivado fundamentalmente como um recurso da
escola, devendo prestar apoio indireto aos alunos com NEE, ou seja, dando suporte aos
professores do ensino regular no sentido de adequarem e adaptarem o processo de
ensino aos diferentes alunos. Nessa medida, e porque o que está em causa é a
mudança de atitudes e de práticas dos professores do ensino regular, Margarida organiza
depois um conjunto de ações e oficinas de formação para os seus colegas de escola, ora
convidando formadores externos, ora dinamizando ela própria sessões “no sentido de
lhes fornecer estratégias, para mudar um bocadinho as práticas e facilitar o processo
de inclusão”. Como Margarida sublinha “ (…) o que eu fazia era muito menos a
intervenção direta com alunos e muito mais a intervenção indireta”, e estas eram, sem
dúvida, as funções que um docente de apoio educativo deveria privilegiar de modo a
assegurar a inclusão dos alunos.
Nesta fase, ter conseguido desenvolver processos de cooperação com alguns
colegas e constatar também mudanças nas suas atitudes face aos alunos com
necessidades educativas especiais, facilitou, sem sombra de dúvida, o primeiro contacto
e integração na educação especial. Por sua vez, os resultados satisfatórios obtidos pelos
alunos constituíram também fonte de gratificação profissional. O excerto seguinte
revela por um lado, o tipo de trabalho desenvolvido e, por outro, os resultados obtidos e
os sentimentos vividos:
(…) Eu articulava muito com a coordenadora dos diretores de turma, portanto
fazíamos muitas coisas quando tínhamos oportunidade. Sessões sobre isto, sessões
sobre aquilo. (…) Eram alunos que quando apoiados obtinham sucesso. Só queria que
eles fossem tendo resultados satisfatórios, com estas adaptações, com estes apoios
suplementares e outra coisa que para mim também era gratificante, era ver que alguns
professores começavam a vir ter comigo “Ajuda-me lá aqui, vamos fazer isto. Como é
que há -de ser, como é que hei -de fazer isto… (…) Porque houve aqueles que
começaram a ver que resultava dali alguma coisa e que podiam fazer-se ali algumas
experiências e algumas coisas engraçadas. Como também ao mesmo tempo nós…
Agora estou-me a lembrar que fizemos outro projeto, que era o Projeto… Como é que
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 232
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
nós chamámos àquilo? Projeto de tutoria dos alunos mais velhos para os mais novos
também em articulação com os diretores de turma e com uma associação de pais (…).
A narrativa ilustra de forma evidente como foi gratificante para Margarida
assumir o papel de docente de apoio educativo, perspetivando-se como um recurso da
escola, que apoia alunos e professores, que articula com os diretores de turma e que
estabelece a ligação com os pais, sempre que necessário. E, apesar de globalmente
considerar que o trabalho desenvolvido “correu bem”, não deixa de assinalar algumas
dificuldades havidas na relação com pares e os sentimentos de rejeição e de intromissão
por vezes experimentados, mas com os quais, apesar de tudo, “vive bem”. Parece pois
que as características pessoais e profissionais de Margarida associadas a uma cultura
organizacional de escola que favorece a cooperação, a formação contínua e a mudança
constituíram fatores determinantes para o sucesso da socialização prévia na educação
especial e para o desejo de continuar a trabalhar nesta área.
A exigência e preocupação face aos resultados dos alunos que, como vimos,
constitui uma das características de Margarida, manifesta-se agora face aos alunos com
NEE, sendo interessante constatar como faz questão de assinalar que se trata de alunos
que obtém sucesso na aprendizagem, quando apoiados.
Em síntese, é assim que se refere a este período:
(…) Eu acho que fui fazendo, fui voltando a crescer outra vez a partir cá de
baixo, não é? Entrei no zero na Educação Especial e portanto voltei outra vez a
percorrer um caminho, mas tinha já toda aquela experiência, toda aquela
aprendizagem todo aquele “know how” que tinha adquirido ao longo de tantos anos
(…). Esta terceira fase... eu diria que se isto fosse uma curva, de 97 a 2002 como
professora de Educação Especial eu estive em crescendo(…).
4.3.4.5 A formação em educação especial – o surgimento de novas necessidades de
formação.
Esta ideia de “crescendo”, de crescimento e de desenvolvimento pessoal e
profissional é referida por Margarida com bastante relevo e surge associada a
aprendizagens que vai realizando, que decorrem ora da experiência com pares (no
ensino regular e na educação especial), ora da formação especializada, que entretanto
realiza.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 233
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Com efeito, é enquanto docente de apoio educativo que decide, em conjunto com
uma colega, realizar um curso de especialização, uma vez que a prática desenvolvida
lhe permitiu tomar consciência de necessidades de formação, perante uma área em
constante mudança. Adquirir conhecimentos de modo a poder agir com mais confiança
e segurança constituem fatores de natureza intrínseca que fundamentam a motivação
face à formação especializada.
Mas, a opção pelo curso a frequentar exigiu alguma pesquisa prévia e algum
cuidado, já que Margarida residia e trabalhava fora de Lisboa, sendo necessário
encontrar planos de formação que permitissem conjugar horários e que não fossem
muito dispendiosos em termos financeiros. Nessa medida, compreende-se que a opção
tenha incidido numa escola pública e que a posterior notícia de que o curso era
financiado tenha constituído uma significativa motivação extrínseca (Cf. Figura 35).
Assim, durante os dois anos de formação especializada Margarida continua e
exercer funções como docente de apoio educativo no liceu da cidade onde reside e, em
conjunto com uma colega, frequenta em Lisboa o curso de especialização.
A experiência vivida enquanto formanda constitui o aspeto que Margarida mais
valoriza na apreciação que agora faz da formação: a possibilidade de realizar ao longo
do curso diversos trabalhos de pesquisa e de grupo sobre temas do seu interesse, o
conhecimento e a influência que alguns formadores exerceram no seu percurso, a
concretização de um trabalho final e as aprendizagens decorrentes de todo o processo,
são exemplos daquela apreciação.
Figura 35. Formação Especializada – motivação e apreciação global
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 234
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Para além destes aspetos que integram as metodologias desenvolvidas durante a
formação, Margarida realça também a adequação do plano de estudos às suas
necessidades de formação, uma vez que permitiu a fundamentação e o desenvolvimento
de práticas e conceitos relacionados com a inclusão e com o apoio às escolas e aos
professores.
No entanto, a posteriori, Margarida assinala algumas lacunas no plano de estudos
do curso, nomeadamente a escassa formação sobre tipologias de deficiências e a falta de
formação prática. Esta apreciação negativa que faz do plano de estudos e dos conteúdos
que, em seu entender, deveriam ter sido trabalhados durante a formação justifica-se
perante as necessidades decorrentes da sua intervenção atual junto de alunos com
necessidades educativas especiais de carácter permanente.
Para compreender esta apreciação que agora, a frio, faz da formação
especializada, é necessário ter em linha de conta as mudanças que se operaram em
termos de política educativa entre 1997 e 2008 na educação especial78
, e que alteraram
de forma significativa o âmbito de intervenção desta área, circunscrevendo-a
fundamentalmente a crianças e jovens com necessidades educativas especiais de
carácter permanente. É quando confrontada com a necessidade de intervir junto de
alunos com problemáticas severas que Margarida analisa de forma mais crítica a
formação especializada recebida, identificando dimensões lacunares que, em seu
entender, são fundamentais. Os excertos que em seguida se apresentam mostram
algumas das apreciações sobre diferentes aspetos da formação especializada antes
referidos:
(…) Eu gostei… Eu acho que o curso respondeu às necessidades que eu tinha naquela
altura, não respondeu a necessidades que senti futuramente. (…) Portanto, aquela
formação respondeu às necessidades da altura (…).
(…) Digamos que esses quatro professores me marcaram profundamente. São
referências para mim hoje nas várias áreas (…).
(…) Teria sido para mim muito positivo se tivesse a oportunidade de estar algum
tempo com pessoas a trabalhar nessas áreas, em salas de ensino estruturado. Ter-me-ia
dado outra confiança. Quando os alunos com Trissomia 21 me vieram parar à mão eu
não teria sentido aquela angústia. E mesmo em termos teóricos… porque nós nunca
falámos, por exemplo, não caracterizámos as deficiências…(…)
78 Especificamente as alterações que decorrem do Decreto-lei nº 3 de 2008.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 235
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Perante este cenário, compreende-se que, no entender de Margarida as mudanças
decorrentes da formação especializada tenham incidido fundamentalmente nas
conceções e atitudes permitindo uma fundamentação das suas práticas ou reforçando
aquelas que já vinha realizando. A conceção de professor de educação especial como
agente de mudança das escolas e dos professores, a urgência de melhorar as práticas
docentes de modo a responder a todos os alunos e a inevitabilidade de pensar nas
Necessidades Educativas Especiais de Carácter Permanente de alguns alunos constituem
as mudanças narradas.
Parece pois que esta formação especializada constituiu um meio de sistematizar,
legitimar, fundamentar e desenvolver conceções e atitudes subjacentes a um modelo de
intervenção que vinha implementando. Nessa medida, este dispositivo de formação, ao
pretender contrariar uma lógica de formação assente na categorização, procurou ir ao
encontro dos princípios e valores preconizados no decreto - lei 105/97 onde ao docente
de apoio educativo são atribuídas competências facilitadoras da inclusão de todos os
alunos e que envolvem sobretudo a cooperação com escolas e com professores.
Mas, perante a mudança legislativa que alguns anos depois se opera, este
dispositivo de formação vem a revelar-se pouco eficaz, uma vez que não responde às
necessidades que são agora sentidas, relativamente ao conhecimento das características
das diversas tipologias de deficiências. A este propósito Margarida entende que (…)
Nós precisamos de ter, as pessoas têm que sair, acho eu, a saber trabalhar com
autistas, a saber trabalhar com multideficiências, a saber trabalhar com a deficiência
mental…(…).
Com efeito, atualmente, a inclusão de alunos com necessidades educativas
especiais de carácter permanente (NEECP) nas escolas exige ao professor de educação
especial um vasto leque de competências e, nessa medida, a formação especializada
precisa de equacionar dispositivos de formação que comtemplem o seu
desenvolvimento.
Em última análise, parece que estamos perante uma situação dilemática –
preconizamos a diversidade e a inclusão mas continuamos a perspetivar a formação
especializada com base em conceções que enfatizam défices e que procuram
caracterizá-los, entendendo que assim é possível encontrar respostas educativas mais
adequadas. Neste sentido, parece difícil abandonar formas de pensar que fazem parte de
uma tradição e de cultura profissional já longa (Hargreaves, 1996; Hausstätter, 2007).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 236
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Como poderá a formação especializada ir ao encontro dos princípios e valores que
se preconizam para a escola atual? Como equacionar dispositivos de formação que
comtemplem o desenvolvimento de competências científicas, pedagógicas e relacionais
inerentes às funções e ao perfil de desempenho do professor de educação especial?
4.3.4.6 A fase atual de socialização - enfrentar a mudança, investir na formação
contínua e renovar o interesse.
Os três primeiros anos após a especialização e apesar de Margarida ter mudado de
residência e de escola, decorreram sem incidentes significativos. Continuou, agora
numa escola de Lisboa, a exercer funções de apoio educativo e, apesar de algumas
dificuldades sentidas pela falta de apoio dos professores do ensino regular, esta fase é
percebida como decorrendo sem problemas, procurando sempre (…) ser um recurso da
escola em termos de mudança, de crescimento, em termos de práticas inclusivas, mas
inclusivas em termos mais genéricos, não com alunos com necessidades mais
acentuadas.
É neste contexto que a possibilidade de mudar de forma definitiva o seu percurso
profissional surge, e Margarida tem agora de decidir se concorre ou não ao quadro de
Educação Especial. O facto de ter, na lista de professores concorrentes, um excelente
lugar a nível nacional permitia-lhe à partida antever o resultado positivo do concurso e
esta situação justifica a dúvida e a ambivalência que inicialmente sente perante tal
decisão. Como Margarida refere, concorrer
(…) significava cortar definitivamente com um percurso de professora do
ensino regular, com toda uma experiência gratificante que eu tinha tido e, portanto,
mudar definitivamente de opção e de estatuto dentro da escola (…).
Acresce que, nessa altura, Margarida percebia a educação especial como algo um
pouco “à parte” dentro da escola, e esta perceção não ajudava no processo de decisão.
Apesar destas dificuldades, opta por concorrer a um lugar de Educação Especial, sendo
este facto atualmente assumido como algo positivo na sua trajetória, já que contribui
para a sensação de bem-estar e de satisfação pessoal e profissional que nos narra.
No entanto, faz questão de lembrar e assinalar na sua narrativa um tempo anterior,
nomeadamente quando se refere a um ano letivo vivido de forma particularmente difícil.
Esse ano, por circunstâncias várias, foi “um ano tenebroso” em termos profissionais e
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 237
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
desencadeou “noites sem dormir”, muito “stress” e a súbita intenção de deixar a
profissão, de pensar na “reforma”.
Razões de natureza circunstancial justificam estes sentimentos e, nessa medida,
importa descrever os acontecimentos que ocorreram nesse ano em termos de política
educativa e que tiveram um significativo impacto nas dificuldades sentidas por esta
docente, no exercício da profissão.
Implementar as medidas preconizadas pelo decreto-lei nº 3/2008 entretanto
publicado, pelas mudanças que envolvia em termos organizacionais e em termos de
intervenção, não constituiu tarefa fácil.
Por outro lado, a criação de um agrupamento de escolas com diferentes níveis de
ensino implicou mudanças organizacionais várias entre as quais a fusão de algumas
escolas e, no caso de Margarida, a mudança de uma escola pequena para uma escola
maior. Tal mudança, para além das dificuldades que criou ao nível da falta de espaço,
ou seja de condições estruturais para o exercício da profissão (pelo facto de ser uma
escola com obras de reestruturação), desencadeou ainda “uma guerra aberta” entre
professores, uma “guerra de cadeiras” entre os diferentes ciclos e níveis de ensino, num
processo de disputa de poder evidente; por sua vez, para os alunos com NEE, o facto de
terem de mudar com frequência de sala, devido às obras nas instalações escolares,
implicou algumas dificuldades acrescidas. É assim que Margarida se refere à forma
como alunos e professores reagiram a estas mudanças organizacionais:
(…) os alunos não viram muito bem a mudança, a mudança não estava devidamente
estruturada, os professores estavam completamente desmotivados e, portanto, nas aulas
não lhes ligavam nenhuma, porque estavam ocupados em discutir o seu lugar e a sua
disponibilidade (…).
Esta fusão de várias escolas implicou necessariamente algumas modificações ao
nível do corpo docente nas diferentes escolas do agrupamento. Lidar e trabalhar com
colegas novos pode, por vezes, ser difícil, mesmo no caso desta docente que em toda a
sua narrativa vem mostrando prazer em trabalhar e aprender com pares.
Com efeito, neste ano “tenebroso”, até a nível da relação com pares Margarida
sentiu dificuldades. O comportamento percebido como desadequado e autoritário, de um
colega, justifica a imagem negativa que, sobre ele tem, bem como as dificuldades
sentidas nas reuniões de grupo de educação especial que se realizam porque necessárias,
mas que Margarida sente serem “penosas”. Para além destes aspetos de natureza
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 238
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
organizacional e relacional, a imposição da avaliação de desempenho dos professores e
a publicação do decreto-lei nº 3/2008 já anunciada constituíram fatores que
contribuíram também para as dificuldades sentidas e narradas por esta docente.
Enquanto coordenadora do grupo de Educação Especial, Margarida tem de desenvolver
todo o processo de avaliação dos seus pares, o que faz contrariada e sob pressão.
Em suma, a difícil articulação no grupo de educação especial, o excesso de
trabalho e de burocracia inerente ao processo de avaliação dos professores, e a
insegurança que experimenta na prática profissional devido às mudanças preconizadas
no decreto-lei nº3/2008 constituem fatores que dificultaram nesta época, a sua
socialização na profissão.
Com efeito, fazendo parte de toda uma política que preconiza uma educação
inclusiva, aquele decreto-lei procura circunscrever o âmbito de intervenção dos
professores de educação especial de modo a assegurar o apoio e a inclusão de alunos
com necessidades educativas especiais de carácter permanente nas escolas. Assim
sendo, os professores de educação especial devem apoiar apenas alunos com este tipo de
problemáticas devidamente diagnosticadas, tendo-se verificado simultaneamente, um
evidente aumento do número de alunos nas escolas. Neste cenário, perante a informação
de que irá ter a seu cargo um grupo de alunos com necessidades educativas especiais de
carácter permanente, Margarida sente-se insegura e percebe a necessidade uma
formação específica centrada nas diferentes problemáticas. É deste modo que nos narra
a forma como reagiu a tal situação:
(…) Pânico! Pânico, pavor! Porque eu soube que ia ter alunos com Trissomia 21, coisa
que eu… Bem, tinha-os visto na carrinha a passarem lá em G.
E portanto tinha tido um aluno com deficit cognitivo na escola, mas nada disto, nada.
Um deles tinha síndrome de Asperger mas uma coisa ligeira. Mas, nunca tinha pensado
nisto, nestes todos, fiquei apavorada. Pensei… não sabia… como é que isto tinha que se
fazer. E quando os recebi fiz muita coisa mal, tanta coisa… Fiz muita coisa mal porque
eu não estava preparada para os receber…(…)”
(…) Faltava-me uma formação específica porque nós vamos, agora cada vez mais,
vamos encontrar na prática estes alunos… Como eu fui colocada e apareceram estes
alunos com Trissomia 21, podiam ter aparecido outros, porque também temos no
agrupamento uma unidade de autistas e neste momento ainda me sinto incompetente em
termos de autistas (…).
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 239
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Com efeito, a formação especializada que Margarida realizara vem agora a
revelar-se lacunar no que diz respeito ao conhecimento aprofundado sobre as diversas
tipologias de deficiências. A análise da sua narrativa permite perceber a escassa
experiência havida junto de alunos com problemáticas mais acentuadas e, nessa medida,
compreende-se a insegurança que manifesta face à intervenção que agora tem de
desenvolver.
Perante um ano tão difícil em termos profissionais, é com um sentimento de
grande alívio que Margarida deixa de ser coordenadora do grupo de educação especial.
O excerto seguinte ilustra bem esta situação:
(…) Com isto tudo acabou o ano letivo e acabou a avaliação, que morreu de morte
natural, o ano passado, e eu consegui deixar de ser coordenadora do grupo. A
burocracia era muita, muita, muita e a única coisa que fazia era complicar a vida das
pessoas em todos os aspetos e eu sentia-me posta em causa e portanto consegui deixar
de ser coordenadora e retomei no início do ano letivo (…).
É com o retomar do ano letivo seguinte, que novo alento surge em termos
profissionais. Para este novo alento contribuíram fundamentalmente dois fatores, a
saber: uma cultura organizacional de escola que privilegia o apoio, a cooperação e a
aprendizagem de toda a comunidade educativa e as características pessoais e
profissionais de Margarida.
O apoio de uma jovem psicóloga, com grande experiência de intervenção junto de
crianças e jovens numa instituição de educação especial, a pressão dos pais dos alunos
com NEE para continuar e o melhor ambiente da escola foram sem dúvida dimensões
que contribuíram para essa cultura organizacional facilitadora do investimento e da
socialização na profissão.
É de facto com uma colega psicóloga que Margarida vai realizar todo um trabalho
de cooperação e de aprendizagem. O apoio recebido, a confiança depositada no seu
trabalho e a aprendizagem que vai realizando através da experiência e do contacto com
alunos e com pais constituíram fatores determinantes da mudança, da boa integração na
profissão e dos sentimentos de segurança e de satisfação profissional que agora
experimenta. As passagens seguintes mostram como Margarida vivenciou esta fase:
(…) Fui muito apoiada pela psicóloga que é uma jovem, que é uma mulher fantástica,
com uma experiência enorme, com uma capacidade de dar “ empowerment” ao outro e
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 240
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
de achar que eu fazia o melhor do mundo, … E que eu fazia tudo e que a minha escola,
que aquela escola era o paraíso em relação a outras escolas que ela apoiava. E eu
dizia que não, porque eu não estava preparada e fui lendo e fui perguntando e fui
aprendendo com ela. Ela ensinou-me muito! E fui trabalhando com os pais, os pais
foram-me dizendo muito sobre os filhos e fui aprendendo (…)
(…) Depois de um momento para o outro as coisas começaram a correr bem e eu
ganhei este ano… Também me sentia bem comigo própria, porque o ano passado eu
não me sentia bem, eu não estava segura, estava mal, eu sentia que tudo me fugia ao
controlo, a minha auto -estima estava em baixo, eu sentia-me pouco confiante… foi
vital essas pessoas terem confiado em mim, quando eu própria não confiava. E,
portanto, este ano eu comecei a sentir que afinal ia fazendo e que as coisas começaram
a correr bem.
Tudo isto contribuiu para que eu iniciasse o ano de 2008/2009 e aí senti-me
completamente outra, porque consegui estruturar as coisas, o ambiente na escola
melhorou um bocadinho, não digo que voltou a ser o que era antes, mas melhorou um
bocadinho (…).
Por outro lado, a perceção positiva que tem da direção da escola, a cooperação
que desenvolve junto dos professores de ensino regular e a colaboração com os seus
pares constituíram dimensões da cultura organizacional de escola que em muito
facilitaram a realização profissional desta docente enquanto professora de educação
especial.
No que diz respeito às características pessoais e profissionais de Margarida, é
tendo em conta a capacidade de auto - crítica que faz questão de assinalar na sua
narrativa, que se compreende o constante investimento na formação contínua. De facto,
perante as dificuldades que experimenta na prática Margarida compreende a
necessidade de mudar a sua intervenção e de investir na formação contínua. A utilização
da Classificação Internacional de Funcionalidade no processo de avaliação dos alunos,
as metodologias a usar na elaboração de programas educativos e de planos individuais
de transição e as novas perspetivas educativas na intervenção junto de indivíduos
portadores de Trissomia 21 são alguns exemplos de ações de formação que Margarida
escolhe e frequenta. Na narrativa é evidente o constante investimento em áreas que
poderão responder a necessidades de formação decorrentes da prática, bem como o
prazer pelas aprendizagens entretanto realizadas.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 241
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Esta aprendizagem da profissão resultante da experiência, do apoio de colegas e
da formação contínua tem vindo a permitir a implementação de processos de
intervenção facilitadores da inclusão dos alunos na escola.
Com efeito, quando se analisam as características da intervenção atual desta
professora, torna-se evidente a preocupação em envolver no processo educativo os
professores do ensino regular e respetivas turmas, em desenvolver um trabalho
constante de articulação com os pais e com a comunidade, e em implementar respostas
educativas individualizadas que privilegiem a autonomia e a transição para a vida ativa
(Cf. Figura 36).
Figura 36. Fatores facilitadores da socialização atual
Neste cenário, a observação e o registo sistemático dos comportamentos dos
alunos, o desenvolvimento de processos de adaptação curricular e de planos individuais
de transição, e a utilização da análise de tarefas enquanto instrumento facilitador da auto
-avaliação e da avaliação feita pelo adulto, consubstanciam um conjunto de estratégias
que Margarida refere quando descreve a sua prática atual, fazendo questão de nos
mostrar durante a entrevista, exemplos de alguns instrumentos e materiais que usa.
Compreendem-se assim os sentimentos que atualmente experimenta de segurança e de
satisfação pessoal, bem como as fontes de satisfação profissional que narra e que
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 242
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
associa à natureza desafiante do grupo de alunos, à evolução e aos resultados dos
mesmos, à consequente avaliação positiva da intervenção e ao seu crescimento enquanto
profissional.
Com efeito, é quando a narrativa se centra na descrição da prática que se torna
possível identificar os pressupostos educativos que a fundamentam, as formas de
organização da intervenção e os critérios de eficácia que Margarida considera
relevantes, enquanto docente de educação especial. Trata-se, em última análise, de
dimensões particularmente significativas para a socialização, uma vez que permitem
compreender o processo evolutivo de interiorização de saberes, de atitudes e de valores
da profissão.
Figura 37. Fase atual de socialização – saberes, atitudes e valores
É numa das escolas do agrupamento, a escola secundária com 2º e 3º ciclo, que
Margarida exerce as suas funções junto de dez alunos adolescentes, que frequentam o 6º
e o 7º ano de escolaridade e dos quais cinco têm currículo específico individual e plano
individual de transição. Trabalhar com adolescentes constituiu sempre para esta
professora um desafio e um prazer e, assim sendo, compreende-se que atualmente se
sinta como “peixinho na água” junto dos seus alunos e que a sua conceção de inclusão
não seja exclusivamente escolar mas social. São, como sublinha Margarida, “novas
situações”, alunos com “dificuldades mais acentuadas”, que “têm condições para
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 243
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
aprender, mas que precisam de outras coisas, precisam de adaptações, de ajudas, de
instrumentos diferentes, de estratégias diferentes”.
Perante este grupo, Margarida organiza a sua intervenção optando por apoiar os
alunos ou na sala de aula durante as atividades letivas das diversas disciplinas, ou numa
outra sala, quando precisa de desenvolver atividades que envolvem aprendizagens
específicas. São, com efeito, as características e as necessidades dos diferentes alunos
que justificam a opção por uma ou por outra forma de apoio, como resulta evidente no
fragmento seguinte:
“ (…) Eu estou em sala de aula em algumas disciplinas, não estou noutras porque
tenho de trabalhar com eles em coisas específicas, não é, porque um aluno com
Trissomia 21 no 7.º ano não acompanha todas as disciplinas. Mas são alunos que vão,
por exemplo, a Inglês, vão a Ciências da Natureza, a Matemática Elementar, à Língua
Portuguesa, para além daquelas em que é muito habitual, como Educação Física,
Educação Visual, Área de Projeto… eles vão a essas disciplinas e aprendem e os
professores fazem fichas adequadas, dentro daquilo que é o trabalho, o conteúdo
lecionado em cada aula (…) aí trabalho com alguns alunos diretamente no sentido de
os apoiar nas aprendizagens, adaptar…(…)
São de novo as características e necessidades dos alunos que justificam os
objetivos preconizados por Margarida na sua intervenção. Com efeito, incluir os alunos
constitui a razão de ser da sua ação e, nessa medida, procura promover aprendizagens de
natureza funcional de modo a, por um lado, desenvolver a autonomia e a
responsabilidade e, por outro, identificar interesses que possibilitem desenvolver
competências profissionais nos jovens, fundamentais no processo de transição da escola
para a vida ativa.
Para além da pertinência dos objetivos face às características do grupo, é evidente
a sua relação com a conceção de inclusão defendida por Margarida. Começando por
assinalar a diversidade de processos, de níveis, e de meios que a poderão facilitar,
sublinha a importância da criação nas escolas das unidades de apoio às problemáticas
mais severas, e entende que após a escolaridade obrigatória é fundamental que a
sociedade assegure o emprego adaptado e a supervisão social destas populações. A este
propósito é assim que nos mostra a sua opinião:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 244
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
“ (…) Não sejamos utópicos. A inclusão é um processo e tem muitos níveis. Se pensar,
por exemplo, num aluno com uma multideficiência, a sua inclusão será muito diferente
da de um aluno com uma deficiência mental ligeira. Os processos são diferentes e a
própria legislação prevê as unidades de ensino estruturado para apoio a autistas e
prevê a criação de unidades para a multideficiência (…)”
E porque o futuro dos seus alunos constitui para Margarida fonte de preocupação,
descreve-nos na sua narrativa a maneira como gostaria de os ver, sendo de novo
evidente a perspetiva inclusiva que defende:
“ (…) E posso falar-lhe deste cenário otimista em que vejo cada um dos meus alunos
num sítio, cada um num sítio diferente mas globalmente num sítio com um emprego
protegido, num emprego não a tempo inteiro, a tempo parcial, em que eles serão
capazes de desenvolver bem, de realizar bem determinado tipo de tarefas, cada um
deles, determinado tipo de tarefa, e depois em articulação com qualquer outra entidade
um conjunto de atividades lúdicas (…)”.
“ (…) Não só os CAOs79
, mas uma entidade de apoio, de supervisão a estas pessoas,
onde fosse, no fundo, uma sala 30 para eles, na sua vida. A que eles pudessem recorrer,
para que pudessem ajudá-los em determinados momentos e que pudesse proporcionar-
lhes, por exemplo, a organização das tais atividades lúdicas, atividades de tempos
livres. Proporcionar-lhes essas atividades, mas não em regime de exclusão, mas em
contextos onde eles, com outros jovens, outros adultos da sua idade, possam conviver
(…). E que ao mesmo tempo possam dar um suporte de retaguarda ao emprego. Era
assim que eu gostava de ver todos estes meus alunos, nessa situação, porque eles têm
potencial para isso. (…)”.
Por sua vez, é quando a narrativa se centra nos princípios educativos que podemos
compreender a coerência existente entre estes e a conceção de inclusão que defende.
Nessa medida, equacionar uma sociedade e uma escola que responde às necessidades de
todos envolve, na perspetiva de Margarida, assumir que a igualdade de oportunidades, o
direito à diferença, o respeito pelo aluno como pessoa e o respeito pelas famílias
configuram os princípios que orientam e subjazem toda a ação educativa e pedagógica.
79 Refere-se aos Centros de Atividades Ocupacionais que atualmente existem e onde os jovens com Necessidades
Educativas Especiais de Carácter Permanente podem desenvolver atividades diversas.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 245
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
São também estes princípios que fundamentam e legitimam as práticas que vem
desenvolvendo e cujas características e adequação já assinalámos anteriormente.
Por sua vez, os critérios que Margarida considera relevantes na definição de um
professor de educação especial eficaz constituem também indicadores da forma como
concebe a sua profissão e das competências que lhe são inerentes. A este propósito é
interessante verificar como Margarida assinala a diversidade e interdependência das
competências técnicas e das competências relacionais. O fragmento da narrativa que
seguidamente se apresenta mostra a conceção de Margarida sobre as multi -
competências do professor de educação especial:
(…) Um professor tem que ser, para além de um técnico, não é, tem eu ser uma pessoa
que se relacione muito bem com os outros, tem que ser uma pessoa de bom trato, que
seja capaz de cativar os outros, de convencer, tem de ser um bom” relações
públicas”… Tem que ser muito bom em termos técnicos, saber muito bem o que está a
fazer, tem que ser muito bom em termos do trabalho com os alunos, tem que perceber
muito bem as necessidades dos alunos, conhecer as respostas que podem ser dadas.
Portanto, tem que ser um bom técnico, conhecedor, sabedor… Mas se for tudo isto e
não for capaz de se relacionar com os colegas, com os pais, com os auxiliares de ação
educativa, com os gestores, com a comunidade, isso tudo se perde. Portanto, eu diria
que há aqui um conjunto de facetas que são necessárias… (…)”
4.3.4.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar privilegiado da
experiência enquanto espaço e tempo de mudança e de socialização
profissional.
A análise da narrativa permite-nos conhecer a perceção que Margarida tem das
mudanças que foram acontecendo no seu percurso profissional e compreender as formas
como reagiu e os sentimentos que foi experimentando perante as diversas situações com
que se defrontou.
A experiência profissional tida na educação especial constituiu, na perspetiva de
Margarida, fonte de mudanças significativas em termos das atitudes, das práticas e das
conceções sobre a profissão (Cf. Figura 38).
É sem dúvida ao nível das atitudes face ao ensino e face aos alunos que podemos
identificar mudanças na narrativa. Margarida, enquanto professora de Geografia
caracteriza-se, como vimos, como uma professora exigente (reproduzindo o modelo
parental), que se preocupa fundamentalmente com os bons resultados dos seus alunos, e
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 246
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
que procura de forma constante processos e estratégias facilitadores da aprendizagem e
do sucesso. A intervenção que entretanto desenvolve na educação especial junto de
alunos com necessidades educativas especiais modifica bastante esta forma como se
apresenta, sendo agora particularmente relevante a preocupação, não com os resultados,
mas com os processos de aprendizagem, passando assim a valorizar os pequenos
progressos obtidos e a aceitar os resultados possíveis, tendo em conta as características
dos alunos. Estas mudanças implicaram também a capacidade de, em termos de
intervenção, se centrar nas competências dos alunos e procurar atender e dar resposta às
necessidades individuais, respeitando o ritmo de cada um.
Figura 38. Mudanças decorrentes da experiência e da formação especializada
Ao nível das práticas são múltiplas as passagens da narrativa que mostram as
mudanças havidas. Como sublinha Margarida: (…) A grande viragem deu-se quando
eu, por um lado, recebi estes alunos com Trissomia 21, estes 4 alunos com Trissomia 21
e comecei a trabalhar em equipa com a APPACDM (…). Conseguir uma maior
integração destes alunos foi possível devido à intervenção individualizada desenvolvida,
facto que não acontecia enquanto professora do ensino regular; por sua vez, o ser capaz
de identificar as necessidades dos alunos, de as “discernir e de lhes dar a resposta mais
adequada” significou também uma grande mudança na sua prática, implicando uma
maior estruturação do currículo, o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 247
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
diversificadas e ainda uma maior articulação com os pais. Os três excertos seguintes
mostram a forma como Margarida se refere a essas mudanças:
(…) Aqui eu tenho fundamentalmente o aluno, a pessoa. Dentro de uma turma nós não
chegamos tão bem à pessoa, chegamos a um ou outro, mas nós temos grupos,
funcionamos essencialmente em função do grupo. Aqui não, é a educação daquela
pessoa, daquele aluno. Portanto há logo aqui uma grande diferença e é a partir daqui
que eu vejo o que é que, com este aluno, eu posso fazer, o que é que eu posso fazer para
mudar este contexto. E então eu trabalho com o professor com estratégias de sala de
aula, com aquilo que eu estou a fazer com ele e depois aquilo que no aluno, aquilo que
são os seus pontos mais fortes em que eu posso pegar. Se um aluno lê bem eu tenho que
valorizar a leitura, usar a leitura para depois ir à escrita e depois na escrita as coisas
são complicadas (…).
(…) Relativamente à outra questão que tinha a ver com algumas mudanças neste
processo de crescimento profissional, eu identifico nos últimos anos dois aspetos: um,
que tem a ver com esta coisa da estruturação dos processos de aprendizagem, a
estruturação, a análise de tarefas. Eu passei a usar muito a análise de tarefas, a análise
da tarefa, a auto -avaliação e a articulação destes dois processos como justificação dos
objetivos para eles. Ora bem, o que é que têm que fazer, “Isto faz-se assim, assim, e
assim…”, o que é que eu espero que faça para que cheguemos a este resultado”. A
avaliação… Avaliar, auto -avaliação e, portanto, a auto - avaliação vem em
articulação com aquilo que planificámos em conjunto e eu acho que aperfeiçoei
bastante essa metodologia e acho que isso resultou muito bem (…).
(…) Outra mudança que eu introduzi foi esta, no fundo, foi o que me salvou também o
ano passado, foi fazer a articulação com os pais, chamar os pais à escola para
participarem. Participarem em tarefas específicas, participarem em casa, como eu já
lhe tinha dito, e participarem várias vezes nas atividades de culinária, aqui na escola.
Vinham às reuniões comigo e eles preparavam em conjunto o lanche para os pais.
Serviam bolo, serviam chá, serviam os pais também com tarefas mais ou menos
estruturadas (…).
Por último, a experiência na educação especial, pelas dificuldades iniciais que
desencadeou, configurou ainda algumas mudanças nas conceções sobre o ensino e sobre
o seu papel enquanto professora. A perceção da necessidade contínua de mudar as
estratégias de ensino perante as características dos alunos é narrada com grande ênfase,
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 248
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
bem como a mudança de perspetiva sobre o seu papel. Margarida refere-se a esta
mudança como se a mesma significasse ter-se transformado (…) numa outra pessoa,
que é a tal pessoa que tem uma lente aumentada para ver os pequenos progressos, que
se centra naquela pessoa individualmente, naquele aluno mais como pessoa, nos
contextos familiar, na sala de aula, que trabalha com os professores e com os diretores
de turma (…).
Trata-se sem dúvida de uma transformação significativa, reveladora de todo um
processo de socialização facilitador de uma outra identidade profissional, a de
professora de educação especial, entretanto assumida.
Comparando estas mudanças com as que decorrem da formação especializada,
anteriormente referidas, torna-se óbvio o lugar privilegiado da experiência no discurso
da professora enquanto espaço e lugar facilitador de processos de mudança, de
socialização e de identidade profissional.
4.3.4.8 Sentimentos nas diferentes etapas – diversidade e intensidade.
Como temos vindo a constatar, a narrativa mostra como Margarida vai lidando
com a mudanças nas diferentes etapas do seu percurso profissional e quais os
sentimentos que experimenta.
O facto de as experiências vividas serem narradas com evidente intensidade está
de acordo com o grande envolvimento com a profissão, que ela transmite e manifestado
nas diversas etapas (Cf. Figura 39).
Figura 39. Evolução dos sentimentos nas diferentes etapas
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 249
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Como vimos anteriormente, apesar de um início algo desencantado, a experiência
enquanto docente de ensino regular constituiu para Margarida fonte de aprendizagem,
de crescimento, de amadurecimento, de orgulho, em suma, de grande satisfação pessoal
e profissional. É já numa fase de consolidação dos saberes da profissão que Margarida
enfrenta uma primeira mudança significativa, quando aceita o desafio de ser docente de
apoio educativo. Nesta situação, e muito embora se tenha tratado de uma decisão
pessoal, a mudança desencadeia alguns sentimentos de insegurança e de dúvida face às
exigências das novas funções que tem de exercer. No entanto, o espírito de
experimentação, a procura de formação contínua específica e o apoio e aprendizagem
realizada junto de colegas permitiram superar a insegurança sentida e dar continuidade
ao percurso iniciado. São portanto as suas características pessoais e profissionais que,
associadas a uma cultura organizacional de colaboração e de aprendizagem entre pares,
constituem fatores determinantes de uma integração inicial com sucesso na área da
educação especial, enquanto docente de apoio educativo.
Mais tarde, é já enquanto professora especializada que Margarida opta por
concorrer ao quadro da educação especial, assumindo com esta decisão, uma mudança
definitiva na sua carreira profissional. Esta mudança, porque seguida das alterações
decorrentes do decreto-lei nº 3/2008, vai ter implicações profundas na sua forma de ser
e de estar e, nessa medida, desencadeia sentimentos diversos, vividos com grande
intensidade.
Desde logo, o concurso foi vivido com alguma ambivalência, uma vez que (…)
significava cortar definitivamente com um percurso de professora do ensino regular,
com toda uma experiência gratificante (…). Por sua vez, as mudanças decorrentes da
publicação do decreto-lei nº 3/2008, pelas consequências que tiveram no âmbito de
intervenção dos professores de educação especial, desencadearam situações de angústia,
de pânico, de insegurança, de impotência e de stresse. A falta de experiência junto de
alunos com problemáticas mais severas e a falta de formação justificam os sentimentos
experimentados. Apesar de terem sido várias as situações em que a insegurança e o
sentimento de impotência por não ser capaz, por não conseguir controlar os
comportamentos desadequados de alguns alunos dominaram, Margarida readquire a
segurança novamente através do apoio, da colaboração e da aprendizagem que faz, com
uma colega psicóloga, com os seus pares e mesmo com os pais. Esta segurança, é
considerada fundamental para a sua intervenção atual como se pode verificar nos
excertos seguintes:
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 250
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(…) Acho que os conheço muito bem e sinto-me segura do que estou a fazer. Sei que
vou fazer isto e acho que vai correr bem, que sou capaz de fazer. Sinto-me segura
comigo própria, sinto-me confiante, coisa que mesmo no ano passado não sentia. Não
sentia qualquer certeza, tudo me escapava, volta e meia havia situações que eu não
controlava e isso dava-me uma angústia terrível (…).
(…) Sim, a psicóloga da APP fez-me sentir aquilo que eu procuro também fazer sentir
aos outros que é… que sou eu que faço as coisas, que eu faço as coisas bem, mas ela
está por trás quando é necessário dizer, dar ajuda. Portanto foi isso e foi o facto de os
pais, mesmo quando eu achava que fazia mal, os pais acharem que eu fazia bem e
darem-me confiança (…).
(…) Este ano veio esta minha colega que é um raio de luz e, portanto, foi isto tudo e
que me ajudou e eu acho que neste momento vejo os resultados, vejo-os bem, a crescer,
a melhorarem, a melhorarem, a melhorarem os comportamentos, a adquirem
competências, a serem capazes de antecipar tudo o que vai acontecer…(…)
A análise destes fragmentos do discurso permite ainda compreender a satisfação
pessoal que Margarida sente perante o crescimento e evolução dos alunos.
No entanto, perante a eventualidade e a proximidade da reforma, os sentimentos de
Margarida são contraditórios e revelam toda a ambivalência entre o Eu pessoal e o Eu
profissional, que agora sente.
Com efeito, se por um lado a necessidade e a vontade de ter mais tempo para si e
para estar com a família fundamentam o desejo de liberdade e de aposentação, por
outro, não deixa de manifestar o desejo de continuar a ser professora e um grande
sentimento de perda face à eventualidade de deixar a escola. Os excertos seguintes
revelam de algum modo a forma difícil e algo penosa como Margarida vive a
eventualidade da reforma:
(…) Quando nos reformarmos eu acho que há aqui uma perda enorme. O Estado
investiu em nós imenso, pagou-nos muita formação, fizemos muita formação paga pelos
contribuintes, pelos portugueses. Aprendemos muito… Eu aprendi muita coisa. Tenho
58 anos, portanto, aprendi muita coisa, sei fazer muita coisa bem, faço tudo mais
lentamente, preciso de mais tempo, preciso de mais calma (…). Mas aquilo que me vão
exigir na escola não é compatível com esta necessidade de mais tempo que eu tenho, de
alguma calma, de alguma tranquilidade e não estar sempre a fazer tudo para ontem.
Portanto, eu acho que na escola devia haver lugar para… para estas pessoas que ainda
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 251
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
são válidas, que ainda se sentem motivadas, que ainda gostam da escola e dos alunos
(...)
(…) E portanto este é um ponto mais difícil porque na escola (e isto também acho que é
importante), porque na escola eu não encontro resposta para as minhas necessidades.
Se a escola tivesse resposta para as minhas necessidades eu não me ia embora. Porque
eu gosto demais da escola. Mas eu passei a vida a procurar responder às necessidades
dos outros, mas a escola não tem resposta para as minhas necessidades. Não tem.
Poderia ter, eu acho que fazia sentido ter, acho que fazia sentido poder haver uma
outra condição de professor. Eu sou professor titular, havia de haver o contrário de
professor titular. Não aquele a quem se pede tudo, mas aquele a quem se pede menos
(…).
Em suma, a ideia de reforma desencadeia uma diversidade significativa de
sentimentos abrangendo, ora o receio face à ausência de projetos de natureza pessoal
aliciantes, ora a solidão que antecipa, ora a esperança que finalmente vislumbra quando
refere (…) Eu hei - de encontrar alguma coisa para fazer (…).
4.3.4.9 Identidades Profissionais – a importância da perceção de si e da consciência
identitária.
Ao longo da narrativa Margarida faz questão de se apresentar como uma
professora com uma auto - imagem francamente positiva, que gosta da sua profissão,
quer enquanto docente do ensino regular, quer enquanto professora especializada,
justificando-se assim o desejo que manifesta de continuar na docência. Por outro lado,
para esta perceção positiva de si própria contribuem também, de forma particularmente
significativa, as situações em que o seu trabalho docente é reconhecido por pais, por
alunos e por colegas (Cf. Figura 40).
Por sua vez, para a consciência identitária atual, parece-nos que a perceção que
manifesta sobre os pares e o facto de assumir a sua identidade enquanto professora de
educação especial constituem dimensões importantes. De facto, são significativas as
situações em que Margarida colabora com os seus colegas e em que revela uma
perceção positiva sobre os mesmos, compreendendo-se assim o sentimento de pertença
ao grupo de educação especial que expressa.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 252
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 40. Identidades Profissionais
Apesar deste sentimento atual de satisfação, não deixa de recordar com imensa
saudade a área disciplinar que lecionava, as aulas, os alunos que ensinou… como resulta
evidente no excerto seguinte:
(…) Eu era professora de geografia e portanto há aqui um… há, há. Tenho uma
saudade imensa. (…) Fazíamos coisas fantásticas na geografia. Ainda hoje fazemos
uma equipa fabulosa. A geografia é grande, há muitos alunos nossos que fizeram
geografia e que estão por aí. E, portanto, isto para dizer que houve essa sensação de
perda, de grande perda e eu mantenho esse amor à geografia (…).Neste momento vivo
já em paz com isso, porque estou quase em fim de carreira e estou em paz com a minha
Educação Especial e estou realizada (…).
Parece pois que, muito embora assuma e afirme a sua identidade enquanto
professora de educação especial, Margarida não pode deixar de lembrar a sua identidade
originária como professora de geografia, mostrando assim como a área disciplinar
constitui fator determinante na socialização dos professores do ensino secundário.
Nessa medida, o processo posterior de socialização na educação especial poderá
ter facilitado reconfigurações identitárias sustentadas por um sentido de continuidade,
mas também de rutura e de perda. Se enquanto professora de geografia existia uma
identificação total entre o grupo de referência e o grupo de pertença, tal não se verifica
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados 253
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
enquanto professora de educação especial. Nesta situação, a identificação é apenas
parcial, uma vez que o sentimento de perda surge associado ao grupo de referência, e
existe alguma ambiguidade entre este e o grupo de pertença.
Assim sendo, julgamos poder crer que as experiências profissionais constituíram
dimensões importantes na reconfiguração identitária, permitindo a coexistência de
identidades profissionais diversas, a originária e a atual, onde sobressaem duas grandes
áreas de interesse e de envolvimento profissional.
Com efeito, no caso de Margarida, estas identidades são, como vimos, sinónimo
de um percurso profissional marcado pelo crescimento, pela aprendizagem, e pelo
prazer de ser professora, de ensinar. Em última análise poderemos estar perante um
processo de expansão da identidade profissional, uma vez que esta não se circunscreve a
determinada área disciplinar, a determinado nível de ensino ou a um determinado
público.
4.3.4.10 Efeitos formativos da entrevista.
Participar no presente estudo é percebido por Margarida como fonte de prazer,
prazer que associa e compara a situações anteriores em que teve necessidade de elaborar
o seu currículo. Naquelas situações, tal como agora, a possibilidade de refletir sobre o
seu percurso profissional, de o compreender e, sobretudo, de tomar consciência da sua
coerência, quando partilha connosco, percursos, decisões, dificuldades e vitórias,
justificam o prazer sentido durante a entrevista.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 254
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Capítulo V: Discussão dos Resultados
“O inesperado surpreende-nos. Porque nos
instalámos com demasiada segurança nas nossas
teorias e nas nossas ideias e estas não têm nenhuma
estrutura para acolher o novo. Ora o novo brota
sem cessar. Nunca podemos prever como se
apresentará, mas devemos contar com a sua
chegada, quer dizer com o inesperado.”
E. Morin, 2002
Neste capítulo, analisam-se de forma comparada os dados das quatro entrevistas
realizadas, de modo a identificar dimensões que nos permitam responder às questões e
aos objetivos que presidiram à elaboração do estudo.
5.1 As motivações: a vocação encontrada pela experiência profissional.
Com efeito, uma das questões que à partida nos interessou prendeu-se com as
motivações subjacentes à opção pela educação especial como carreira. O quadro síntese
que seguidamente se apresenta mostra as motivações subjacentes à profissão docente.
Quadro 17 - Motivações face à profissão docente
Bloco Motivação para ser professor
Temas
Categorias
Professores
Motivação Ensino
Regular
Motivação Educação Especial
Total
UA/
Prof e
Bloco
Lourenço,
35A
Indefinição profissional (15-8)
Escolha ambivalente
(12-7)
Total UA- 27
Perceção prévia da profissão (14-6)
Razões de natureza pragmática
(18-7)
Razões de natureza ética (15-6)
Total UA- 43
70
Madalena,
42 A
Falta de motivação (19-6)
Razões de natureza
pragmática (13-5)
Total UA- 32
Razões de natureza familiar (18-5)
Total UA- 18
50
Eduardo,
47A
Razões de natureza afetiva
(8-4)
Motivação intrínseca
Total UA- 8
Razões de natureza pragmática
(9-4)
Razões de natureza afetiva (3-3)
Total UA- 12
20
Margarida,
58ª
Razões de natureza familiar
(6-3)
Escolha ambivalente (6-3)
Motivação intrínseca (8-3)
Total UA – 17
Razões de natureza circunstancial
(3-2)
Falta de motivação (10-3)
Total UA- 13
30
Total
UA/Temas
84
86
170
Capítulo V: Discussão dos Resultados 255
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
No que diz respeito ao ensino regular, quando foi necessário decidir sobre a
carreira a desenvolver no futuro, ser professor não foi, para os docentes do 1º ciclo do
ensino básico, a primeira escolha, sendo evidente a falta de motivação inicial.
Contrariamente, nos professores do2º/3º ciclo e secundário, verifica-se uma
motivação intrínseca e precoce face ao ensino, decorrente nos dois casos da influência
familiar, à qual se associam razões de natureza afetiva.
Já na opção pela educação especial, a motivação extrínseca assume inicialmente
particular significado em todos os docentes. De facto, são sobretudo razões de natureza
pragmática, familiar e circunstancial que justificam deixar o ensino regular e iniciar o
exercício de funções na educação especial, o que, em termos gerias, vai ao encontro dos
resultados da análise dos relatos inicialmente realizados pelos docentes. Apenas um dos
professores, Eduardo, nos refere, para além daquelas, razões de natureza afetiva que de
algum modo justificam o interesse pelos alunos com dificuldades de aprendizagem.
Assim sendo, à partida, são sobretudo motivações de carácter extrínseco e
egocêntrico que subjazem à escolha da educação especial no percurso destes quatro
docentes.
No entanto, a análise das trajetórias profissionais permite perceber a influência da
experiência e das características pessoais e profissionais na possibilidade de transformar
a falta de motivação e a motivação extrínseca inicial, numa motivação intrínseca
posterior. Com efeito, a análise dos dados sugere que a experiência na educação
especial pode desencadear processos de reconversão profissional, reveladores da adesão
do professor a novos princípios e valores. As trajetórias profissionais de Lourenço e de
Margarida são exemplos efetivos desta reconversão. Em ambos os casos, é quando
confrontados com as características dos alunos com necessidades educativas especiais
que o sentido ético de cuidar e a responsabilidade de educar se revelam de forma
particular.
Em Lourenço, a adesão à educação especial e o cuidado que revela face às
necessidades dos alunos com NEE constituiu-se como uma forma de superar a
indefinição profissional que caracterizou a escolha da profissão. Com efeito, se tivermos
em consideração, por um lado, o interesse/vocação revelado face à área da saúde, onde
cuidar constitui uma competência fundamental e, por outro, o encontro, numa fase de
choque do real e de descoberta (Gonçalves, 2000), com culturas organizacionais
facilitadoras da sua ação educativa e de dinâmicas de trabalho que valoriza, é possível
compreender que a descoberta e a identificação com a profissão se faz perante a
Capítulo V: Discussão dos Resultados 256
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
intervenção que desenvolve na educação especial, e face aos princípios, valores e
práticas desta área.
Em Margarida, é numa fase de grande maturidade e investimento, que poderá ser
caracterizada pelo ativismo e pela diversificação (Huberman,1989; Sikes, 1985), que as
exigências inerentes à educação de alunos com NEE de natureza permanente surgem;
neste contexto, e apesar dos sentimentos de angústia, de receio e de stresse que
experimenta, a reconversão acontece devido, por um lado, ao sentido de
responsabilidade que experimenta face à educação daqueles alunos e, por outro, à
capacidade crítica e de aprendizagem com pares que caracterizam todo o seu percurso
pessoal e profissional, possibilitando e configurando mudanças significativas em termos
de conceções, de atitudes e de práticas. E, tratando-se de uma docente do ensino
secundário, estas mudanças revestem-se de particular interesse, uma vez que permitem
questionar a ideia de um menor envolvimento com os alunos e uma menor motivação
face à profissão neste grupo de professores, veiculada em alguns estudos. A experiência
profissional na educação especial poderá, assim, em determinadas circunstâncias e
perante professores com características particulares, facilitar a emergência de
identidades profissionais de natureza pedagógica e, nessa medida, mais amplas e mais
complexas porque não determinadas por áreas disciplinares de origem e por públicos
específicos.
Em síntese, as razões que justificaram inicialmente a opção pela educação
especial, porque marcadas fundamentalmente por interesses de natureza pessoal,
familiar e profissional, confirmam a ausência de razões de natureza filantrópica e
humanitária verificada no estudo realizado por Hausstätter (2007). No entanto, ao
contrário do que acontece em vários trabalhos de investigação, a motivação inicial (ou a
sua falta) não foi, nestes professores, o fator mais diretamente determinante do seu
percurso profissional.
Com efeito, perante os dados analisados, torna-se sobremaneira evidente a
influência do contexto e da cultura profissional na motivação face à educação especial e
na sua eventual mudança. A adesão à educação especial faz-se pela experiência
profissional e, nessa medida, a cultura organizacional das escolas onde os professores
exercem funções constitui um fator importante na aquisição e desenvolvimento de
novas competências pedagógicas, contribuindo assim para a construção de uma
motivação que, à partida, não existia. Esta natureza dinâmica e mutável da motivação
face à docência na educação especial configura responsabilidades acrescidas não só à
Capítulo V: Discussão dos Resultados 257
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
formação especializada e contínua destes profissionais, mas também à forma como
escolas se organizam enquanto comunidades de aprendizagem e de mudança para os
professores e, obviamente, para os alunos.
5.2 Os efeitos da formação especializada perante uma profissão em mudança.
Como foi possível verificar nas trajetórias profissionais dos quatro intervenientes
no estudo, é sempre após alguns anos de experiência na educação especial, enquanto
docente de apoio educativo, que a vontade de realizar um curso de especialização surge.
Fazê-lo envolve para todos os docentes um esforço adicional, uma vez que a
formação decorre em regime pós laboral; no entanto é evidente uma significativa
motivação intrínseca face à formação relacionada com a procura de respostas para as
dificuldades com que se defrontam na prática, bem como uma motivação extrínseca, na
qual a necessidade de assegurar colocação na educação especial e as razões geográficas
e financeiras associadas ao curso a escolher assumem relevo. Apenas um dos docentes
se mostra inicialmente menos motivado perante a ideia de fazer formação;
posteriormente, razões de natureza pragmática associadas à carreira, conseguem esbater
essa escassa motivação.
A apreciação que fazem da formação especializada sugere globalmente um
equilíbrio entre os aspetos positivos e negativos considerados. No entanto a análise das
categorias que integram estes temas revela que a experiência vivida enquanto formando
e o plano de estudos do curso constituem as dimensões mais significativas no discurso
dos intervenientes. Parece evidente que frequentar a formação especializada constituiu
uma experiência vivida com satisfação, decorrente sobretudo das estratégias formativas
implementadas facilitadoras da participação e da aprendizagem com pares e da relação
estabelecida entre formadores e formandos. Já no que diz respeito ao plano de estudos e
à sua execução, a apreciação global, embora por vezes contraditória, sublinha sobretudo
aspetos negativos.
Com efeito, apesar da pertinência das áreas curriculares comtempladas, da
adequação do tempo de duração do curso, e da adaptação do currículo de modo a
responder às necessidades do sistema de colocação, os docentes não deixam, no entanto,
numa avaliação a frio, e quando confrontados com a realidade atual, de evidenciar a
desadequação e a falta de pertinência de determinadas disciplinas, o enfoque excessivo
na teoria, a falta de formação sobre deficiências e a falta articulação com a prática.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 258
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Comparativamente com os resultados dos relatos escritos, a análise das entrevistas
possibilitou uma visão contextualizada e compreensiva das razões que justificam a
avaliação da formação então realizada, permitindo assim confirmar o sentido crítico
antes verificado neste grupo de docentes.
Compreender a avaliação que estes docentes fazem da formação exige que se
tenham em linha de conta as experiências prévias que haviam desenvolvido na educação
especial, os princípios educativos e as práticas preconizadas quando frequentaram a
especialização, (que influenciaram de modo determinante a formação desenvolvida), e,
por fim, as mudanças mais recentes operadas na política educativa que vieram alterar de
forma substantiva o papel e as funções dos professores de educação especial nas
escolas.
Com efeito, a experiência anterior destes docentes na educação especial
acompanha a publicação do Despacho - conjunto nº 105/97, no qual se preconiza a
escola inclusiva, se regulamentam os apoios educativos, se cria a figura do “docente de
apoio educativo” e se definem as suas funções nas escolas. Estas envolvem não apenas
o apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais, mas sobretudo o apoio
indireto facultado através da cooperação e colaboração junto dos professores das turmas
e das escolas, de modo a promover uma maior inclusão de todos os alunos. A formação
especializada acompanhou durante alguns anos e em algumas instituições este contexto
de mudança, equacionando modelos de formação em que o enfoque se centrava, não na
aquisição e compreensão de saberes relacionados com as deficiências dos alunos, mas
no desenvolvimento de competências de intervenção mais vastas, envolvendo sobretudo
a gestão e adaptação curricular, a cooperação com os professores e com as escolas e o
trabalho com adultos. As críticas que alguns autores realizaram então a este modelo de
formação, considerando-o inadequado por formar “especialistas em generalidades”
(Jiménez,1991, p. 55), e por tornar difícil a definição das competências e do âmbito de
ação do professor de educação especial, vão ao encontro de alguns aspetos negativos
sublinhados pelos professores do estudo quando assinalam a pertinência da aquisição de
saberes relacionados com as diversas problemáticas. Parecem, assim, dar razão às
considerações de Hausstätter (2007) ao afirmar que, apesar das mudanças inerentes a
uma educação inclusiva que pretendeu mudar o enfoque da formação para competências
mais transversais, tal tarefa revela-se difícil, pelo peso e pela influência da tradição
médico-psicológica nesta área de intervenção, muito assente nos diferentes tipos de
deficiências.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 259
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Neste cenário, compreende-se que alguns dos intervenientes refiram que a
formação especializada respondeu às suas necessidades enquanto docentes de apoio
educativo mas que deixara de corresponder à intervenção inerente à nova legislação,
originando assim outras necessidade de formação.Com efeito, onze anos após a
publicação daquele despacho, surgem de novo mudanças em termos de política
educativa com implicações evidentes no papel e nas funções do professor de educação
especial. No decreto-lei nº 3/2008, continuando a preconizar-se a inclusão delimita-se a
intervenção dos agora denominados “docentes de educação especial” a alunos com
necessidades educativas especiais de carácter permanente. Entende-se e justifica-se
assim a apreciação de alguns dos intervenientes no estudo, sublinhando a falta de
conhecimentos relacionados com as diversas tipologias de deficiências, quando
frequentaram a formação especializada.
5.3 Experiência profissional e (re) construção da identidade.
Para além das motivações e da apreciação sobre a formação, as entrevistas de
natureza biográfica permitiram, como vimos, identificar a perceção que os professores
têm das mudanças decorrentes da formação especializada e da experiência profissional,
sendo evidente o contraste destas duas categorias.
Contrastando com a experiência, as mudanças decorrentes da formação
especializada incidem sobretudo ao nível das atitudes e das conceções, tendo uma
menor expressão, ao nível das práticas.
Quanto às atitudes, diríamos que a formação proporcionou mudanças na forma de
lidar com as situações/problema com que se deparam no dia - a dia e permitiu a
fundamentação e a adoção de princípios relacionados com a educação especial, o que,
na perspetiva de Young (2007), pode significar uma “socialização completa”
relativamente aos valores e atitudes preconizados.
De facto, a influência do currículo não formal da formação (princípios e valores
preconizados sobre inclusão) parece evidente nestes docentes, indo assim ao encontro
dos resultados do estudo realizado pelo autor antes citado.
Mas, a escassez de mudanças a nível das práticas verificada sobretudo em dois
dos professores poderá, em nosso entender, ser sinónimo da precária influência da
formação a este nível, apontando assim para uma socialização incompleta, já que, para
além do saber e do saber – ser, o saber fazer constitui uma das dimensões fundamentais
no desempenho profissional destes docentes.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 260
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quadro 18 - Perceção das mudanças decorrentes da formação especializada
Temas
Prof.
Mudanças decorrentes da formação especializada
Total de
U.A. Conceções Atitudes Práticas
Lourenço,
35A
Prof. 1º
CEB
Ausência de mudanças
(1)
Como se aprende (1)
Pistas de intervenção (1)
Investigar (3)
Pesquisar metodologias
de intervenção (1)
Compreender causas (5)
Intervenção com
adultos (1)
Instrumentos de
avaliação (2)
Metodologia de
projeto (1)
16
Madalena,
42A
Profª. 1º
CEB
Conhecimentos sobre
problemáticas (1)
PEE agente de mudança
(1)
Ver aluno no seu todo (1)
Pesquisar práticas (1)
Melhor relação com PER
(1)
Melhor relação com aluno
(2)
7
Eduardo,
47ª
Prof. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Fundamentação de
conceções (1)
Desmistificação de ideias
(3)
Defensor da inclusão(2)
Defensor dos
direitos das pessoas
com deficiência (1)
Melhor relação com
aluno (2)
Actor de mudança (7)
16
Margarida
,58A
Profª. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
PEE ator de mudança (2)
Necessidade de melhorar
práticas nas escolas (6)
Responder a todos os
alunos (2)
Pensar NEECP (2)
12
UA /sub-categoria
18 19 14 51
Compreendem-se assim os aspetos negativos sobre a formação anteriormente
referidos, onde a falta de articulação entre a teoria e a prática sobressai.
Por sua vez, se tivermos em consideração os resultados dos relatos escritos, onde
as mudanças constituíram uma categoria com pouca expressão, torna-se evidente como
a realização das entrevistas possibilitou um conhecimento mais vasto, mais aprofundado
e mais compreensivo dos percursos destes docentes, permitindo-nos avançar no campo
da teorização.
Julgamos possível concluir que a formação especializada constitui uma dimensão
importante no processo de socialização profissional dos professores de educação
especial, nomeadamente pelo contributo que pode ter (como decorre dos resultados do
presente estudo) ao nível da interiorização e apropriação do conjunto de princípios e
valores educativos inerentes à prática daqueles profissionais. Mas, se perspetivarmos a
formação como um fenómeno organizado e intencional, a que corresponde um processo
contínuo e multiforme de socialização (Lesne e Mynvielle,1990, citados por Canário e
Capítulo V: Discussão dos Resultados 261
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Correia, 1999), coincidente com as trajetórias profissionais, parece evidente, perante os
resultados do estudo, a não consecução de tais finalidades, dada a escassa influência da
formação especializada no processo de mudança das práticas.
Para uma maior influência da formação na socialização profissional, importará
equacionar modelos de formação flexíveis no que diz respeito ao plano de estudos, os
quais, partindo das biografias dos professores permitam o desenvolvimento de percursos
individualizados de formação, onde a análise e reflexão crítica sobre a prática e sobre as
atitudes, princípios e valores que a fundamentam, e a aquisição de novas competências
em função das trajetórias e das necessidades dos formandos seja possível. E é neste
processo que a conscientização sobre os sentimentos vividos assume particular
pertinência e significado, pelas possibilidades de reconstrução e reconfiguração
identitária que envolve.
Com efeito, como assinala Mastropieri (2001), mesmo perante programas de
formação e de apoio excelentes, haverá sempre situações de natureza contextual para as
quais a formação não preparou adequadamente o professor: a falta de tempo, a falta de
recursos, a falta de articulação e de apoio (dos professores do ensino regular, dos pais,
da direção) e a falta de coerência entre as funções desempenhadas e a
preparação/formação especializada recebida. Mesmo perante estas situações, em que o
que está em causa é a dinâmica, a cultura organizacional das escolas e a
colocação/formação do docente, no entender do autor citado, o sucesso é possível
quando as dificuldades são encaradas pelos professores como desafios e com a paixão e
a resiliência necessárias.
No que diz respeito às mudanças decorrentes da experiência, é clara e
inquestionável a influência desta dimensão no processo de socialização.
E, é sobretudo ao nível das práticas e das atitudes que as mudanças são mais
significativas, compreendendo-se como a experiência na educação especial pode
contribuir para o desenvolvimento de competências pedagógicas específicas e de
competências pessoais e emocionais.
Estes dados confirmam a ideia de que “a produção de mudanças nas práticas
profissionais remete para o processo de socialização vivido nos contextos de trabalho
onde coexistem, no mesmo tempo e no mesmo espaço, uma dinâmica formativa e um
processo de construção identitária” (Canário e Correia, 1999, p. 6).
Nessa medida, ganha particular significado a perspetiva de Dubar (1991; 1997;
citado por Canário e Correia, 1999, p. 7) quando sublinha que a reinvenção de novas
Capítulo V: Discussão dos Resultados 262
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
modalidades de socialização profissional só é possível na ação e que o problema da
mudança, no essencial, é um problema de socialização.
Quadro 19 - Perceção das mudanças decorrentes da experiência profissional na
educação especial
Temas
Prof
Mudanças decorrentes da experiência Total de
U.A. Conceções Atitudes Práticas
Lourenço,
35A
Prof. 1º
CEB
Ausência de mudanças
(1)
Compreender papel
PEE (6)
Escola para todos (6)
Responsabilização da
escola (2)
Currículo
individualizado (3)
Procura de cooperação
(3)
Maior exigência (1)
Maior envolvimento (1)
Persistência (6)
Maior articulação com PER (1)
Apresentação de trabalhos à
turma (3)
Estruturação da
intervenção(4)
Maior articulação com pais
(6)
43
Madalena,
42A
Profª. 1º
CEB
Individualização (1)
Heterogeneidade do
grupo/turma(1)
Valorizar os pequenos
progressos (5)
Valorização das
aprendizagens do
grupo/turma (2)
Questionamento das
práticas (1)
Diferenciar o ensino (4)
Maior intervenção com PER
(4)
Maior intervenção com pais
(1)
Melhor caracterização dos
alunos (2)
Melhor intervenção (7)
28
Eduardo,
47ª
Prof. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Professor responsável
por todos (1)
Maior conhecimento
da escola (1)
Melhor auto -imagem
(2)
Maior paciência (1)
Maior preocupação com
inovação (2)
Maior resistência (3)
Maior compreensão (3)
Postura defensiva (2)
Maior competência
profissional (4)
Introdução da arte (7)
Maior inclusão (1)
27
Margarida,
58A
Profª. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Necessidade de mudar
a prática (7)
Papel do professor (5)
Respeitar ritmo do aluno
(5)
Centrar-se nas
competências (5)
Valorizar os pequenos
progressos (9)
Preocupação com
processos (10)
Atender a necessidades
individuais (5)
Atingir o possível (3)
Estruturação do currículo (2)
Intervenção NEECP (1)
Identificação de necessidades
dos alunos (5)
Intervenção Individualizada
(5)
Maior articulação com pais
(2)
Maior integração dos alunos
(7)
Maior diversificação de
estratégias (3)
74
UA /sub-
categoria
35
67
70
172
Assim sendo, parece possível concluir que se aprende a ser professor de educação
especial sobretudo pela experiência que se desenvolve junto dos alunos e das escolas. A
análise dos dados sugere que essa experiência possibilita a emergência de um conjunto
de competências profissionais específicas, a saber:
Capítulo V: Discussão dos Resultados 263
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
a) uma nova conceção sobre a função da escola e sobre o papel do professor, na
qual se perspetiva a educação como um direito de todos, o que implica respeitar,
valorizar e responder de modo eficaz à heterogeneidade da população escolar;
b) uma outra atitude face ao processo de ensino e de aprendizagem caracterizada
pela compreensão, pela tolerância e pela valorização dos percursos e progressos
do aluno enquanto indivíduo único;
c) e, um conjunto de competências de intervenção que envolve trabalhar em
equipa com os mais diversos intervenientes (pares, pais, técnicos de saúde, etc),
caracterizar e avaliar de modo a identificar as necessidades dos alunos e a
implementar currículos adaptados, e, por último, enfrentar, superar e resolver
situações imprevisíveis e difíceis.
Parece pois que, embora a formação especializada tenha tido alguma influência,
foi fundamentalmente a experiência profissional na educação especial que assumiu um
papel determinante no processo de mudança e de socialização profissional. Nessa
medida, constata-se um desfasamento entre formação e realidade e também entre duas
lógicas diferentes: a da racionalidade técnica da formação e a da racionalidade prática
inerente à ação.
Com efeito, em todos os docentes é evidente a influência da experiência na
mudança de conceções e de atitudes e de práticas; esta situação é reveladora do
potencial formativo que a intervenção junto de alunos com dificuldades pode ter em
termos pessoais e profissionais.
Por sua vez, a perceção de mudanças decorrentes da experiência, embora se
verifique em todos os intervenientes, é significativamente superior nos docentes que
optam pela educação especial como carreira e que, perante as dificuldades, mostraram
capacidades de resiliência (Lourenço e Margarida). Julgamos poder concluir que a
formação de base e o género não constituem neste grupo, fatores diferenciadores do tipo
de mudanças percebidas pelos professores.
Assim sendo, parece ser fundamental desenvolver processos de apoio e de
formação durante o exercício de funções que possibilitem a aquisição e o
desenvolvimento dos conhecimentos exigidos pela nova legislação, de capacidades de
resiliência e de atitudes positivas face à diferença e face à adversidade. A análise das
trajetórias profissionais destes quatro docentes nas suas diversas dimensões,
(dificuldades, fontes de satisfação, sentimentos experimentados ao longo do percurso,
mudanças decorrentes da experiência e da formação…) sugere ainda a necessidade e a
Capítulo V: Discussão dos Resultados 264
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
urgência de implementar processos de formação contínua que assegurem o apoio
durante o exercício de funções neste domínio.
A este respeito, Mastropieri (2001) considera que o movimento em prol de uma
educação inclusiva desencadeou expectativas maiores relativamente às funções e aos
papéis dos professores de educação especial, nomeadamente a possibilidade de
trabalharem com qualquer tipo de alunos, com qualquer tipo de
problemática/deficiência e em qualquer lugar. Nessa medida, sublinha a necessidade de
apoio durante a profissão, de modo a ser possível a aprendizagem dos papéis e das
responsabilidades da “nova” profissão.
Esta necessidade de apoio e de formação contínua ganha particular pertinência
perante a diversidade e complexidade das situações com que se defronta o professor de
educação especial no seu quotidiano profissional, não sendo fácil equacionar uma
formação especializada capaz de abranger essa diversidade e complexidade. Nessa
medida, o grande desafio é criar dispositivos de formação especializada e contínua que
facilitem não só a aquisição e o desenvolvimento de competências pedagógicas, mas
também o desenvolvimento de competências pessoais, emocionais e éticas emergentes
dos contextos de trabalho destes docentes.
A este propósito importa sublinhar o contributo de Dubet (1994, citado por
Canário e Correia, 1999. p. 7) quando assinala quer a necessidade da formação se basear
numa lógica de reconhecimento das competências adquiridas pelos professores, quer as
potencialidades formativas dos contextos de trabalho, uma vez que a experiência é
construída em contexto por cada sujeito, e a partir da mobilização e da articulação de
lógicas de ação distintas que, em harmonia, podem ser fonte de satisfação e a sua
desarticulação fonte de insatisfação, com consequências emocionais, por vezes
marcantes.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 265
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
5.4 Sentimentos nas diferentes etapas.
Será pois interessante procurar compreender o papel dos sentimentos na mudança,
ou seja, nos processos de socialização e de construção das identidades profissionais; tal
torna-se possível através da análise da evolução dos sentimentos narrados pelos
docentes nas diferentes etapas dos seus percursos profissionais.
Parece evidente que os sentimentos narrados se caracterizam pela diversidade,
polaridade e intensidade, o que, como sublinha Estrela (2010, p. 48), é compreensível se
considerarmos o grande número de interações que os professores estabelecem no seu
quotidiano profissional, bem como “a variabilidade e instabilidade das situações
pedagógicas”80
.
Ora, a análise das narrativas dos intervenientes no presente estudo mostra de
forma inequívoca, para além da variabilidade e da instabilidade, a complexidade de
algumas situações pedagógicas com que se defrontam os professores de educação
especial, compreendendo-se assim como as propriedades antes referidas caracterizam de
forma notável os sentimentos que expressam.
Em termos de polaridade, a análise das narrativas destes quatro docentes revela
que na fase de socialização inicial na profissão, num dos polos encontramos sentimentos
como desencanto, desilusão, frustração e humilhação e, no polo oposto, a resignação, o
prazer de ensinar, a segurança psicológica e o desejo de mudar.
80 No capítulo 4 do livro “Profissão docente – Dimensões afectivas e éticas”- A Dimensão Pedagógica dos
Sentimentos dos Professores - são apresentados os resultados de um estudo exploratório realizado por uma equipa de
investigadores, no qual se pretendia “identificar domínios de investimento emocional; inventariar situações a que os
professores associam emoções mais fortes, quer positivas, quer negativas, e averiguar como se posicionam perante
“a paixão do ensino” (Estrela, 2010, p. 46 - 47).
Capítulo V: Discussão dos Resultados 266
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Quadro 20 - Evolução dos sentimentos dos professores nas diferentes etapas da sua
carreira
Etapas
Prof.
Início da
profissão
Entrada
na E.
Especial
Professor
E. Especial
Intenção
abandonar
E.Especial
Proximid
ade de
reforma
Futuro
UA
Prof.
Lourenço,
35A
Prof. 1º
CEB
Desilusão;
Frustração
;
Resignaçã
o;
Desejo de
mudar;
UA- 22
Surpresa;
Receio;
Dúvida;
UA- 15
Gostar de ser
PEE;
Gostar dos
alunos;
Cansaço;
UA- 12
49
Madalena,
42 A
Profª. 1º
CEB
Dificuldad
e em
sentir-se
professora
;
UA-2
Ausência
de
expectativ
as;
Inseguran
ça;
Dúvida
sobre auto
-eficácia;
UA-11
Dúvida quanto
ao papel PEE;
Ansiedade;
Desmotivação;
Angústia;
UA -8
Saudade;
Perda
Angústia;
Preocupaçã
o face a
futuro dos
alunos;
Preocupaçã
o face a
pais;
UA-14
Dúvida sobre
auto -eficácia;
Dúvida sobre
evolução EE;
Desejo de
mudança;
Menor
ansiedade;
Esperança de
incluir
melhor;
UA-20
55
Eduardo,
47A
Prof. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Prazer de
ensinar;
Segurança
psicológic
a;
UA – 7
Ausência
de
expectativ
as;
Desilusão;
Dúvida/In
decisão;
UA -13
Dúvida/indecisã
o;
Frustração;
Cansaço;
Segurança
psicológica; UA
– 9
Perda;
Culpa;
Dúvida/inde
cisão;
Desejo de
formação
UA – 10
32
Margarida,
58ª
Profª. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Desencanto
;
Humilhação
;
Prazer de
ensinar;
UA - 12
Inseguran
ça;
Dúvida;
“Voltar a
ser recruta”
UA – 15
Ambivalência;
Insegurança;
Pânico;
Angústia;
Impotência;
Stresse;
Segurança;
Satisfação
pessoal;
Saudade;
UA- 52
Ausência
de projetos
pós
reforma;
Solidão;
Desejo de
liberdade;
Desejo de
aposentaçã
o;
Desejo de
continuar;
Esperança
;
UA- 45
146
Diríamos que, em termos gerais, a expressão por parte dos docentes deste tipo de
sentimentos na fase de socialização inicial, vai ao encontro dos resultados dos estudos
realizados sobre as diferentes fases e características do percurso profissional dos
professores (Loureiro, 1995,1997; Gonçalves, 2000; Flores,2004).
No que diz respeito à socialização na educação especial, num dos polos
deparamo-nos com sentimentos como receio, dúvida, surpresa, insegurança, ausência de
Capítulo V: Discussão dos Resultados 267
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
expectativas, ansiedade, angústia, desmotivação, frustração, ambivalência, pânico,
impotência, cansaço, stresse; no polo oposto encontramos sentimentos como satisfação
pessoal, segurança, saudade, perda, gostar dos alunos, gostar de ser PEE, culpa e
preocupação face ao futuro dos alunos e face aos pais. Parece, pois, que para além desta
polaridade, a diversidade de sentimentos é evidente nesta fase do percurso profissional;
por sua vez, importa sublinhar a intensidade destas emoções, intensidade que, seguindo
a perspetiva de Estrela (2010) julgamos poder inferir, pela forma como os professores
expressaram as emoções nas suas narrativas: ora através da expressão direta de
sentimentos (“pânico”; “pavor”; dúvida”; “medo”), ora através da sua adjetivação
(“imensa satisfação pessoal”), ora recorrendo a metáforas (“ voltei a ser recruta na
educação especial”; “atualmente, sinto-me como peixinho na água, com os alunos com
NEE ”), ora ainda quando referem alterações psico - fisiológicas decorrentes das
situações profissionais (“noites sem dormir”; “stress”).
Parece ser possível concluir que a experiência na educação especial, pelas
competências profissionais que envolve, desencadeia sentimentos diversos, bipolares e
de grande intensidade. Estas propriedades dos sentimentos são mais evidentes em
determinadas narrativas e não tanto noutras, o que decorre naturalmente das
circunstâncias e das consequências (Estrela,2010) que lhes estão associadas.
Em termos de diferenças de género, julgamos poder constatar uma maior
facilidade na expressão de sentimentos por parte das professoras, sendo notório que os
professores se referem com menor frequência aos sentimentos/ emoções que
experimentam no seu quotidiano profissional. Já quanto à predisposição para o
“caring”, ou seja para a capacidade de cuidar, que muita literatura considera ser
característica das professoras (Nias,1989; Kelchermands,1996) este estudo mostra que
tal predisposição se verifica também nos professores, o que julgamos decorrer da
natureza da intervenção educativa destes profissionais.
A formação de base parece não constituir fator diferenciador da forma como os
docentes exprimem as suas emoções, no entanto, a fase da carreira em que
presumivelmente se encontram poderá ser um aspeto a ter em linha de conta. Com
efeito, parece que a perceção da proximidade da reforma suscita, como vimos no caso
da professora Margarida, a expressão de um conjunto diversificado e contraditório de
sentimentos. O momento da pré-reforma é vivido por esta professora com sentimentos
ambivalentes e contraditórios entre a reafirmação do gosto de ser professora, o
sentimento de cansaço, a perceção da diminuição do ritmo de trabalho, o menor
Capítulo V: Discussão dos Resultados 268
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
entusiasmo, a dificuldade em lidar com o excesso de burocracia…mas com a
serenidade/ esperança de encontrar algo a que se dedicar. Neste cenário reveste-se de
particular pertinência o contributo do estudo de Gonçalves (2000)81
ao sublinhar a
complexidade da fase de pré – aposentação dos professores.
Por outro lado, se considerarmos os docentes que revelam a intenção de
abandonar a educação especial, constatamos que são quase inexistentes na narrativa
sentimentos positivos face à profissão de professor de educação especial, quer no início,
quando exercem funções como docentes de apoio educativo, quer atualmente, tendo já o
estatuto de professores especializados.
A análise das trajetórias destes docentes mostra, como vimos, as dificuldades
vividas durante o exercício de funções na educação especial, dificuldades que, citando
Correia, Matos e Canário (2002, p. 286) justificam o “sofrimento profissional” que
experimentam, o qual é “simultaneamente ético e organizacional”82
. Este sofrimento
decorre da dificuldade em gerir de modo equilibrado o pessoal e o profissional, em
assegurar a compatibilidade entre os valores que defendem e os que assumem na prática
profissional, em lidar com a conflitualidade decorrente das vivências privadas da
profissão e da sua expressão pública.
No entanto, em ambos, a intenção de abandonar a educação especial é vivida com
alguma ambivalência e culpa, evidente na saudade que manifestam à partida pelos
alunos que irão deixar, na preocupação que revelam face ao seu futuro escolar e face aos
pais, e finalmente no sentimento de perda pelo “quebrar” de uma relação pedagógica
entretanto estabelecida. Nessa medida, a intenção de abandonar a educação especial
indicia fundamentalmente a necessidade e a procura de outras fontes de realização e de
satisfação profissional que, nestes docentes, são difíceis de perspetivar enquanto
professores de educação especial, saliente-se no quadro legislativo atual, que pôs em
causa a experiência e a própria identidade destes profissionais.
Abandonar a educação especial pode constituir, em última análise, uma estratégia
de sobrevivência (Correia et al.,2002), ou seja, uma forma, não de “dissimular”, mas
antes de evitar o sofrimento ético e profissional.
81 De notar que o estudo de Gonçalves se baseia nos percursos de professores do 1º CEB. 82 O estudo envolveu a realização de entrevistas a 50 professores de três escolas do ensino secundário; a análise de
conteúdos das entrevistas permitiu a identificação de quatro ideologias – ideais tipo, ou seja quatro formas diferentes
de construir os relatos profissionais, a saber: o individualismo institucional, o voluntarismo inspirado, a ideologia
doméstica afetiva e o intervencionismo crítico (Correia, Matos e Canário, 2002, p. 289).
Capítulo V: Discussão dos Resultados 269
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Nos outros professores, apesar da ambivalência, da dúvida, da insegurança e do
receio que caracterizam a fase inicial e da grande ansiedade e do stresse experimentado
face às dificuldades na intervenção (sobretudo por parte de um dos docentes), registam-
se posteriormente sentimentos que revelam, em ambos, o prazer de ser professor de
educação especial pela satisfação pessoal daí decorrente e pela segurança profissional
entretanto adquirida, muito embora não deixem de revelar insegurança face aos
requisitos da nova legislação.
O início de funções na Educação Especial e a posterior opção por esta área
constituíram “pontos de viragem” (Kelchtermans,1995) no percurso profissional destes
docentes pelas mudanças e pelos sentimentos/emoções que lhe estão associados. Os
sentimentos experimentados nas diferentes fases dos seus percursos profissionais e as
mudanças que lhe estão associadas sugerem de facto que,
“Mudança e emoção são conceitos inseparáveis, uma vez que não existe mudança
humana sem emoção e não existe emoção que não comporte um processo de mudança,
pelo menos, momentâneo” (Hargreaves, 2004. p.287).
Por sua vez, a análise das situações que, em termos de percurso profissional,
foram mais significativas para cada professor permite uma visão mais compreensiva dos
pontos de viragem, ou seja, dos momentos e dos fatores que poderão justificar, quer o
desejo de retorno às origens e de abandono da educação especial, quer a identificação
com a “nova” profissão.
As situações mais significativas e entendidas como positivas estão relacionadas
em todos os professores com o sucesso/evolução dos alunos, surgindo ainda na narrativa
do docente que entra para a Educação Especial numa fase de sobrevivência, a referência
à importância do apoio dos colegas de Educação Especial; já as situações significativas
percebidas como negativas integram as dificuldades na relação com Pais e no controlo
dos comportamentos dos alunos com NEE.
Nessa medida, julgamos poder concluir que o sucesso ou a eficácia da intervenção
desenvolvida junto dos alunos com NEE constituiu também um fator importante no
processo de mudança e de socialização na nova “profissão”, conferindo-lhe um sentido
pessoal e profissional.
No que diz respeito às fases em que os professores optam pela educação especial,
à exceção de Lourenço que inicia funções no Apoio Educativo numa fase de
sobrevivência, os restantes docentes fazem-no após anos de experiência no ensino
Capítulo V: Discussão dos Resultados 270
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
regular, situando-se presumivelmente em fases de divergência positiva e de
diversificação e ativismo.
Quadro 21 - Situações significativas nas diferentes fases dos percursos profissionais.
Professores
Idades/
Anos de
experiência
Fases Definidas
na Entrevista
Fases Inferida
s
Situações
Mais Significativas
Funções
Duraçã
o
No momento
da opção pela
EE
Atualmente
Ensino
Regular
Educação
Especial
Lourenço,
35 A
Prof. 1º CEB
Experiência
docente – 10
anos
1ª – PER.-
1º CEB
2ª - PAE
3ª
Formação
especializa
da; PEE
1 anos
5 anos
4 anos
Sobrevivência
Divergência
positiva
(empenhamento
; interesse)
Apoio
Equipa
Educação
Especial
(2-1)
Evolução
aluno com
NEE (6-2)
Madalena,
42, A
Prof.ª 1º CEB
Experiência
docente – 22
anos
1ª –PER -
1ºCEB
2ª –PER -
1º CEB –
3ª -
PAE;PEE
5 anos
7 anos
10 anos
Divergência
Positiva
Serenidade
(desencanto;
desinvestimento)
Conflitos de
colegas com
Encarregados
de Educação
(7-1)
Intervençã
o eficaz
junto de
um aluno
com NEE
(9-1)
Eduardo,
47, A
Prof. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Experiência
docente-
21anos
1ª -Ensino
particular -
PER – 3º
ciclo e
secundário
2ª –
Ensino
oficial –
PAE;
PEE
11 anos
10 anos
Diversificação
Activismo
Diversificação
Activismo –
Contestação
Influência no
percurso de
aluno
(1-1)
Gerir
a relação
pedagógica
(1-1)
Margarida,
58 A
Profª.2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Experiência
docente – 35
anos
1ª- PER –
3º ciclo e
secundário
2ª –PER –
3º ciclo e
secundário
3ª –
Professora
PEA; PEE
6 anos
17 anos
12 anos
Diversificação
Activismo
Desinvestimento
sereno;
ambivalência;
Percurso de
uma turma
em termos de
aprendizagem
e de
atividades
(2-1)
Dificuldad
e em
controlar
comportam
entos de
aluno NEE
(10-1)
Realização
de tarefas
difíceis por
parte dos
alunos com
NEE (2-1)
Capítulo V: Discussão dos Resultados 271
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
E, apesar de como vimos, a experiência na educação especial implicar, mesmo
nestes docentes, o vivenciar das dificuldades e preocupações de um iniciado, a análise
do percurso posterior na educação especial parece apontar para a passagem por ciclos e
fases da carreira semelhantes aos que a literatura vem sugerindo em relação aos
professores do ensino regular.
5.5 Abandonar ou permanecer na educação especial?
Mas, para além dos aspetos já analisados, a nossa questão inicial procurava ainda
identificar e compreender as razões que justificam quer a opção, quer permanência nesta
área de intervenção. Em relação a este aspeto, como vimos anteriormente, dois dos
intervenientes no estudo manifestam o desejo de abandonar a educação especial:
Madalena (professora do 1º ciclo) e Eduardo (professor do 2º/3º ciclo e ensino
secundário).
Embora sendo docentes de níveis de ensino diferentes, estes dois professores
optam pela educação especial após 11/12 anos de experiência. O processo de
socialização inicial na docência permitiu a aquisição de um conjunto de saberes,
atitudes e práticas e julgamos poder inferir que a opção pela educação especial acontece
no caso de Madalena, numa fase de presumível divergência positiva e, no caso de
Eduardo, numa presumível fase de diversificação/ ativismo (Gonçalves, 2000;
Huberman,1989).
Como vimos anteriormente, a integração nas novas funções não foi, para estes
docentes, um processo fácil e linear. Com efeito, embora tenham existido alguns fatores
que facilitaram a socialização prévia na educação especial (natureza da intervenção, tipo
de dificuldades dos alunos, apoio e aprendizagem com professores de educação
especial…), em ambos os casos as dificuldades encontradas foram mais significativas
(sentimentos vividos, dificuldades na articulação com escolas e professores, dificuldade
em corresponder às expectativas, discordância face à política educativa…).
Por sua vez, a análise da fase atual de socialização mostra que, de novo, são as
dificuldades e divergências que sobressaem no discurso dos professores. De facto, é
quando estes docentes nos descrevem o seu quotidiano profissional que se torna
possível perceber como as alterações a nível da política educativa, as condições de
trabalho, as culturas organizacionais das escolas e as características da intervenção e dos
alunos constituem dimensões de natureza contextual percebidas como fatores que
dificultam a sua ação educativa.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 272
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
As alterações a nível da política educativa neste domínio, muito embora tenham
facilitado uma valorização e uma maior visibilidade da educação especial nas escolas,
aspetos que estes professores sublinham, implicaram, por outro lado, mudanças no que
diz respeito ao papel e funções do professor de educação especial, restringindo a sua
ação a populações com necessidades educativas especiais de carácter permanente e não
delimitando o âmbito de intervenção do docente ao nível de ensino decorrente da sua
formação inicial. Em ambos os professores, ajudar os alunos com dificuldades de
aprendizagem constituía uma dimensão gratificante enquanto docentes de apoio
educativo e, nessa medida, ter de deixar de o fazer, pode justificar os sentimentos de
preocupação, de receio e de desinvestimento face à profissão. Sentimentos que julgamos
se justificam face à falta de experiência junto de populações com problemáticas mais
severas e perante uma formação especializada lacunar em termos articulação com a
prática.
As alterações legislativas parecem ter constituído assim uma ameaça à identidade
profissional destes docentes. Com efeito, quando confrontados com a necessidade de
educar alunos com problemáticas severas, e perante as dificuldades sentidas, ambos
mostram falta de resiliência, evidente nas atitudes de desânimo de Madalena e na
vontade de desistir de Eduardo.
Neste sentido, a eficácia como orientadora da ação é posta em causa pela
impreparação sentida por ambos para assumir novos papéis e funções.
No caso de Madalena, a nova legislação ameaça a sua identidade uma vez que põe
em causa o sucesso profissional temporário experimentado anteriormente,
desencadeando assim o retorno ao desejo de ser eficaz, que, como vimos, atravessa todo
o seu percurso profissional, constituindo algo que procura incessantemente.
Em Eduardo, a nova legislação ameaça a sua identidade pelo medo de não ter
tanto sucesso profissional como havia tido anteriormente, enquanto professor de ensino
regular. A falta de resiliência perante as novas dificuldades põe em causa uma auto -
imagem de sucesso que foi construindo ao longo do seu percurso, compreendendo-se
assim a vontade de desistir da educação especial e o desejo de “retorno às origens”.
Por outro lado, julgamos que o desejo de abandonar a educação especial mostra,
de modo claro, as dificuldades de reconfiguração identitária experimentadas por estes
profissionais. De facto, se em termos de identidade profissional é importante a perceção
que temos de nós próprios como professores, bem como a que os outros (alunos, pares,
pais) nos transmitem, estamos em presença de professores em que a auto- perceção
Capítulo V: Discussão dos Resultados 273
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
revelada no discurso não é nele confirmada por sinais explícitos do reconhecimento dos
outros, tão importante para o que sentimos face à profissão e para o desejo de continuar.
Por último, a perceção ora ambivalente ora negativa que estes docentes revelam
face aos pares (professores de educação especial), dificulta obviamente a consciência
identitária, a identificação com o grupo e com a profissão.
A identidade ambígua que Madalena assume (professora de apoio, professor de
apoio de educação especial e professora de educação especial), e o desejo de voltar à
docência no 1º ciclo, constituem dimensões reveladoras das dificuldades em se
identificar com o novo papel atribuído ao professor de educação especial, dificuldades
às quais não é alheia a preocupação com a eficácia e a procura de uma identidade
sempre “adiada” que parece caracterizar o percurso profissional desta docente.
Em Eduardo, o desejo de manter uma identidade originária e de sublinhar uma
identidade reconstruída mostra, por um lado, a importância da formação disciplinar na
identidade dos professores do ensino secundário e a consequente dificuldade em
assumir outra identidade e, por outro, a possibilidade/eventualidade da experiência e da
formação na educação especial proporcionar processos de reconfiguração identitária
nestes docentes, tornando-os “mais ricos” em termos pedagógicos e profissionais.
Já as trajetórias dos docentes que optam pela educação especial e que se mantém a
exercer funções neste domínio, Lourenço (professor do 1º ciclo) e Margarida
(professora do 2º/3º ciclo e ensino secundário) revelam alguns indicadores interessantes
para a compreensão dos fatores associados à permanência nesta área de intervenção e à
possibilidade de reconfiguração por integração não conflitual das identidades (passada e
atual). Tal como nos casos anteriores, nestes docentes a opção pela educação especial
acontece por razões de natureza pragmática e por razões circunstanciais.
Quando iniciam funções como docentes de apoio educativo e apesar da evidente
diferença em termos de anos de experiência profissional, experimentam sentimentos
comuns como a dúvida, o receio e a insegurança; em Margarida esta situação sugere um
“reviver” do início da carreira, onde o tateamento, a sobrevivência e a descoberta
constituem características fundamentais; no caso de Lourenço, estas características
comuns ao “início” da carreira observam-se, uma vez que a socialização profissional
acontece sobretudo enquanto docente na educação especial.
Parece pois ser possível concluir que, a fase da carreira em que o professor se
encontra quando opta pela educação especial e a motivação que fundamenta essa
Capítulo V: Discussão dos Resultados 274
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
decisão, não constituíram, neste grupo de docentes, fatores à partida determinantes de
um processo de socialização gratificante, facilitador da identificação com a profissão.
Com efeito, nestes dois professores, a análise da socialização prévia na educação
especial, embora permita identificar fatores que poderão ter dificultado o processo
(sentimentos iniciais, características dos alunos e cultura organizacional) revela de
forma evidente a supremacia de um outro conjunto de fatores que facilitaram a
integração na “nova” profissão (características da intervenção, características pessoais,
cultura organizacional, fontes de satisfação profissional…).
Já no que diz respeito à fase atual de socialização, esta supremacia de fatores
facilitadores não acontece, verificando-se antes, em ambos os casos, um conjunto
significativamente maior de dificuldades: no caso de Lourenço, importa mencionar as
fracas condições de trabalho, as exigências decorrentes da política educativa e falta de
uma cultura organizacional de cooperação facilitadora da sua intervenção. No entanto, e
apesar destes constrangimentos, Lourenço gosta da sua profissão, gosta dos alunos e,
consequentemente, pretende continuar na educação especial, apesar do cansaço que
atualmente experimenta. No caso de Margarida, esta fase atual de socialização é vivida
de forma conturbada e difícil, sendo muito ténue ou quase inexistente a diferença entre
fatores facilitadores e fatores dificultadores.Com efeito, as mudanças na carreira que,
por decisão sua, realiza, associadas às mudanças legislativas referentes ao papel e às
funções do professor de educação especial, desencadeiam, numa primeira fase após a
especialização, um conjunto de sentimentos difíceis de gerir em termos pessoais e
profissionais, (ambivalência, insegurança, pânico, angústia, impotência, estresse). No
entanto, a cultura organizacional de colaboração que posteriormente encontra e que
promove nas escolas onde leciona, a vontade e o prazer de aprender com pares, as
dificuldades que despertam o sentido (e o dever) de resiliência e de responsabilidade
pela educação de todos os alunos e a satisfação profissional que daí retira mostram
como a experiência na educação especial pode constituir um meio de adquirir e
desenvolver quer competências pessoais e emocionais (pela capacidade de gerir e de
lidar com sentimentos de angústia, de frustração e de estresse), quer outras
competências pedagógicas (estruturação e adaptação do currículo) fundamentais no
processo de inclusão dos alunos na escola.
Por outro lado, em termos de socialização atual, as dificuldades experimentadas
quer por Lourenço, que por Margarida e a forma como as foram superando, sugere que,
embora os contextos profissionais e as culturas organizacionais influenciem de forma
Capítulo V: Discussão dos Resultados 275
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
determinante os processos de socialização na “nova” profissão, é na análise dos seus
percursos pessoais e profissionais marcados por experiências positivas e por atitudes pró
- ativas, que podemos encontrar a razão de ser da identificação com a profissão.
A este respeito é interessante verificar como nos dois docentes se regista uma
perceção francamente positiva sobre os seus pares, o que permite compreender a
importância desta dimensão no processo de reconfiguração por integração identitária.
Nestes dois professores, o desejo de continuar na educação especial revela que, a
entrada e a experiência neste domínio, por constituir uma descoberta e uma
oportunidade de expansão do seu desenvolvimento pessoal e profissional, permitiu no
caso de Margarida, um percurso de sucesso questionado e, no caso de Lourenço, um
percurso de sucesso assumido. E, se à expansão profissional referida associarmos razões
de carácter afetivo e ético subjacentes à decisão de mudança na carreira,
compreendemos a reconfiguração por integração não conflitual das identidades evidente
nos percursos destes dois docentes.
Em síntese, a análise das biografias, das trajetórias profissionais permite
compreender a falta de motivação inicial face à educação especial e os processos de
superação que estes docentes desenvolveram, determinando três tipos de percurso
diferentes:
Figura 41. Processos de superação da falta de motivação inicial
Capítulo V: Discussão dos Resultados 276
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
1º- falta de motivação inicial, resiliência83
face às dificuldades iniciais e atuais,
sucesso – aquisição e construção de uma motivação (Prof. Lourenço e Profª Margarida);
2º- falta de motivação inicial, fase de sucesso, desacordo face à legislação atual,
falta de resiliência perante as dificuldades atuais - desistência da educação especial,
“retorno às origens” (Prof. Eduardo) ;
3º- falta de motivação inicial, desejo e procura incessante de eficácia, desânimo
face à nova legislação, falta de resiliência face às dificuldades – desejo de abandono
(Profª. Madalena).
Estes resultados, embora não confirmem todas as variáveis assinaladas como
fatores determinantes do sucesso dos professores de educação especial (atitudes
positivas, motivação interna, desejo de sucesso, desejo de ensinar alunos difíceis,
capacidade de perspetivar os desafios como oportunidades, adaptabilidade e resiliência
Mastropieri, 2001), mostram a possibilidade de, através da experiência, e perante
determinadas características pessoais transformar a falta de motivação numa vocação
encontrada, sinónimo de oportunidade de desenvolvimento profissional.
No entender do autor citado, a resiliência é particularmente importante uma vez
que envolve a capacidade de se levantar após um dia difícil e de abordar o dia seguinte
com uma atitude positiva. Nesta perspetiva, e usando a metáfora do copo com algum
líquido, sublinha a necessidade e relevância de ver o copo como meio cheio em vez de
meio vazio, independentemente do cenário, o que nos parece imprescindível na
intervenção destes profissionais.
5.6 Dimensões significativas na socialização de professores de educação especial.
Em síntese, ao longo deste capítulo temos vindo a realçar fatores que foram
relevantes no processo de tornar-se professor de educação especial, tendo identificado
83 “Resiliência é aqui entendida como um processo, como um devir do ser humano que, de atos em atos e de palavras
em palavras, inscreve o seu desenvolvimento num ambiente e descreve a sua história dentro de uma cultura; trata-se
de um conjunto de fenómenos harmonizados em que o sujeito penetra dentro de um contexto afetivo, social e
cultural. A resiliência é a arte de navegar nas torrentes. (…) Perante o trauma o “ resiliente tem de fazer apelo aos
recursos interiores impregnados na sua memória, tem de lutar para não se deixar arrastar… (….) até que uma mão
estendida lhe ofereça um recurso exterior que lhe permita sair da situação.” Assim sendo, viver dentro duma cultura
onde se pode dar sentido àquilo que aconteceu: historizar, compreender e dar constituem os meios de defesa mais
simples, mais necessários e mais eficazes”, consubstanciando-se assim como fatores de resiliência. (…)” À força de
procurar compreender , encontrar as palavras para convencer e fazer imagens que evocam a realidade, o agredido
consegue curar a ferida e recompor a representação do trauma.” (Cyrulnik,2001, pp. 226-227).
Resiliência –“ capacidade de superar as situações adversas, constitui um esforço do ser humano de todos os tempos.
Termo que surge da física e que se refere à habilidade de uma substância voltar à sua forma original quando a
pressão é removida “(Poletto, 2007, p. 5.)
Capítulo V: Discussão dos Resultados 277
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
outros que, apesar do peso que a literatura lhes concede, foram menos determinantes a
julgar pelas narrativas destes professores.
Importa sublinhar que a utilização do programa Atlas ti na análise de conteúdo das
entrevistas, ao possibilitar a identificação das categorias com maior densidade na
narrativa, corrobora, reforça e amplia estes resultados, permitindo uma nova
estruturação dos fatores determinantes da socialização profissional, a saber: a cultura
organizacional das escolas, as características da intervenção do professor, as fontes de
satisfação profissional, a política educativa e os sentimentos experimentados enquanto
professor de educação especial.
Quadro 22 - Categorias com maior densidade nas narrativas docentes
Professores 1 2 3
Lourenço Prof. 1º CEB
Cultura
organizacional
(28-22)84
Características da
Intervenção (35-
21)
Fontes de Satisfação
Profissional (35-15)
Madalena Profª. 1º
CEB
Cultura
Organizacional
(35-29)
Fontes de
Satisfação
Profissional
(47-22)
Política Educativa
(18-13)
Eduardo Prof. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Cultura
organizacional
(36-18)
Política Educativa
(27-14)
Fontes de Satisfação
Profissional (26-10)
Margarida Profª. 2º/3º
Ciclo e E.
Secundário
Cultura
organizacional
(104-28)
Características da
Intervenção (130-
21)
Sentimentos enquanto
PEE (52-16)
Numa primeira observação parece possível concluir que a cultura organizacional da
escola onde o professor de educação especial exerce as suas funções desempenha o
principal papel no processo de socialização deste grupo de professores, constituindo,
portanto, o traço de união entre as diferentes narrativas.
Sabendo que a densidade de uma categoria no programa Atlas ti se refere ao
número de relações de dada categoria com outras e que o fato de uma categoria
apresentar uma densidade elevada pode ser interpretado como revelador de um alto grau
de densidade teórica, a cultura organizacional revela-se como um elemento estruturante
84 O primeiro número (por exemplo, 28) refere-se à frequência de determinada categoria na narrativa do sujeito; já o
número seguinte (por exemplo, 22) indica a densidade dessa categoria, ou seja, número de relações que estabelece
com outras categorias em toda a unidade hermenêutica.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 278
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
das narrativas, pelo grande número de relações que estabelece com outras categorias.
Assim sendo, a utilização do programa Atlas ti permite desocultar a estrutura oculta do
discurso, uma vez que possibilita a identificação das categorias com maior densidade na
narrativa. Exemplifiquemos o que foi apresentado através do caso da professora
Margarida.
Figura 42. Frequência e densidade da categoria cultura organizacional - narrativa da
Professora Margarida
A figura 42 constitui um dos exemplos onde se evidencia o papel agregador da
cultura no discurso dos professores, neste caso no discurso da professora Margarida,
permitindo deste modo, uma visão sistémica e mais compreensiva da sua influência no
processo de socialização profissional vivido. Efetivamente a cultura organizacional das
escolas constituiu uma categoria transversal na narrativa, influenciando da forma
positiva e/ou de forma negativa os processos de socialização inicial na profissão docente
e de socialização na educação especial (prévia e atual).
Estes resultados vão ao encontro de estudos desenvolvidos sobre a forma como os
professores de educação especial desenvolvem a sua intervenção nas escolas e sobre
fatores contextuais quo influenciam a sua ação85
. Efetivamente, como sublinham Abbott
85 Estudos desenvolvidos na Irlanda do Norte e nos Estados Unidos sobre as condições de trabalho dos professores de
educação especial e sobre as necessidades que experimentam no primeiro ano de exercício:
Abbott, L. ( 2007) Northern Ireland Special Educational Needs Coordinators creating inclusive environments: an
epic struggle. European Journal of Special Needs Education, Vol. 22, No. 4, pp. 391–407
Capítulo V: Discussão dos Resultados 279
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
(2007) e Griffin et al. (2009), a intervenção do professor de educação especial depende
fundamentalmente de uma cultura de escola inclusiva incorporada, na qual a existência
de recursos, a disponibilização de tempo para o exercício da profissão e a colaboração
genuína a todos os níveis constituem elementos imprescindíveis, não só para o sucesso
da sua ação, mas também para a própria inclusão.
Por sua vez, a densidade das categorias parece ser o fator diferenciador dos
percursos ligados ao desejo de permanência ou de abandono da educação especial como
profissão. A diferente valorização que as práticas pedagógicas têm na narrativa deste
grupo de professores é evidente na densidade da categoria “características da
intervenção”, a qual se revela significativa na construção de uma identidade de natureza
pedagógica.
Com efeito, esta categoria, permite comparar e compreender os percursos dos
docentes que optam pela educação especial como carreira e o percurso dos que
abandonam esta área.
De facto, é quando os professores narram as características da sua intervenção
passada e atual que podemos identificar e compreender algumas dimensões do processo
de interiorização dos saberes, atitudes e valores inerentes à docência na educação
especial. E, é a forma única como essa interiorização e apropriação de saberes acontece
(quer pelos contextos, quer pelos sujeitos envolvidos), que confere singularidade e
idiossincrasia aos processos de socialização analisados e que nos permite identificar os
conhecimentos pedagógicos envolvidos. As narrativas da professora Margarida e do
professor Lourenço são exemplos efetivos da influência determinante da dimensão
pedagógica das práticas.
Mais uma vez, a figura 43 ilustra o processo vivido por Margarida, sendo neste
caso evidente, a constante preocupação com a aprendizagem dos alunos (quer enquanto
docente do ensino regular quer enquanto docente de educação especial), e a mudança
nos princípios pedagógicos, nos processos e estratégias de ensino privilegiados e nas
formas de intervenção implementadas junto das escolas e das famílias, enquanto
professora de educação especial (fase atual de socialização).
Griffin, C.C.; Kilgore, K.L ; Winn, J.A. ; Otis-Wilborn, A.; Hou, W. ; Garvan, C.W. ( 2009). First-year special
educators. The influence of school and classroom. Context factors on their accomplishment and problems. Teacher
Education and Special Education. Vol. 32, Nº 1, pp. 45-63.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 280
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 43. Frequência e densidade da categoria características da intervenção - narrativa
da Professora Margarida
A individualização do ensino, o desenvolvimento de processos de observação e
registo sistemático dos alunos, a utilização da análise de tarefas enquanto estratégia
facilitadora da avaliação dos alunos e da definição das competências a desenvolver, a
adaptação curricular, a conceção de programas educativos que envolvem também a
implementação de planos individuais de transição, são alguns exemplos dos princípios e
das práticas pedagógicas que esta docente privilegia atualmente e que julgamos
fundamentais perante as características dos alunos que apoia. Por sua vez, a importância
atribuída à mudança da escola e dos professores para a construção de uma educação
inclusiva justificam e enquadram a necessidade da intervenção desta professora se
centrar também na sensibilização das turmas (professores e alunos) para a integração de
alunos com NEE e num trabalho constante de articulação com os professores, com os
pais e com a comunidade educativa, de modo a facilitar o processo educativo e a
posterior transição para a vida ativa.
No caso de Lourenço, as características da intervenção que desenvolveu
constituíram também fatores determinantes da socialização na educação especial.
De facto, é possível verificar como foi determinante, ainda na fase de socialização
prévia na educação especial, a forma como desenvolveu a sua intervenção e as
Capítulo V: Discussão dos Resultados 281
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
preocupações e princípios que a fundamentaram. Presumivelmente numa fase inicial do
seu percurso profissional, de descoberta e de exploração, compreende-se por um lado, a
postura de experimentação que desenvolve face à educação especial e, por outro, a
preocupação com a respetiva planificação, enquanto fonte de segurança; por sua vez, o
sentido ético de cuidar e de encontrar respostas educativas adequadas para os alunos
com NEE, fundamentam a preocupação em recolher informação sobre os alunos, em
desenvolver uma intervenção holística facilitadora do desenvolvimento, intervenção
onde, a criação de rotinas, a diversificação e adaptação de atividades e de tarefas e a
utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituem dimensões
reveladoras de uma progressiva integração na profissão; por último, o encaminhamento
dos alunos em função das necessidades e a estratégia de apresentar projetos às turmas
do ensino regular de modo a facilitar e a promover a valorização e a aceitação dos
alunos com NEE configuram um processo de compreensão e de identificação com os
procedimentos e com os princípios e valores da profissão.
Figura 44. Frequência e densidade da categoria características da intervenção –
narrativa do Professor Lourenço
Ora, quando estes dois docentes (Lourenço e Margarida) nos narram as
características da sua intervenção, em última análise o que fazem é descrever a forma
Capítulo V: Discussão dos Resultados 282
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
como trabalham, revelando assim o conjunto de conhecimentos pedagógicos que têm
sobre a profissão.
Em suma, estes resultados confirmam a perspetiva que preconiza que os
conhecimentos pedagógicos constituem elementos essenciais dos saberes profissionais
coletivos e partilhados dos professores, assumindo assim um papel central na construção
das suas identidades profissionais (Lingard, 2009).
Perspetivando “as pedagogias” como o centro do exercício do professor e como
idiossincráticas com a profissão, o autor antes citado sublinha a necessidade de
compreender a sua influência na identidade profissional, considerando-as fundamentais
quando o professor pretende ajudar as escolas a fazer a diferença, e a contribuir para a
equidade e para a justiça social, tão necessárias na sociedade atual.
Neste sentido, a identidade dos professores perspetiva-se nas “pedagogias” que
desenvolvem, não se circunscrevendo a um determinado nível de ensino ou área
disciplinar, como antes havíamos já sugerido. Julgamos poder crer que o nosso estudo
mostra de forma evidente como as pedagogias, ou dito de outro modo, como as
características da intervenção dos docentes (Lourenço e Margarida) constituíram fatores
determinantes da identificação com a profissão de professor de educação especial.
E, uma vez que esta dimensão pedagógica das práticas não se revela na narrativa
dos professores que querem partir (Professora Madalena e Professor Eduardo), julgamos
poder afirmar que constitui o fator distintivo entre os professores que permanecem e os
que abandonam a educação especial.
Em síntese, parece possível concluir que a cultura organizacional das escolas e as
pedagogias desenvolvidas na educação especial em interação com as biografias
constituem fatores que influenciam de forma evidente os processos de socialização
profissional. Assim sendo, os resultados do presente estudo confirmam não apenas “ a
poderosa interação existente entre as narrativas pessoais e as influências contextuais
do local de trabalho”, (Flores e Day,2006, p. 230) mas também a influência dos
“conhecimentos pedagógicos” (Lingard, 2009) nos processos de socialização
profissional dos professores. Os resultados corroboram ainda os estudos que sublinham
a conexão entre as relações de trabalho colaborativo espontâneo e as culturas de escola,
e a necessidade de proporcionar oportunidades significativas de apoio e de
desenvolvimento para os novos professores.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 283
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Por outro lado, nos docentes que optam pela educação especial como carreira as
fontes de satisfação profissional e os sentimentos vividos enquanto docente nesta área
são também categorias relevantes no processo de socialização.
Figura 45. Frequência e densidade da categoria fontes de satisfação profissional -
narrativa do Professor Lourenço
A análise das dimensões que constituem fontes de satisfação na narrativa de
Lourenço mostra como esta categoria tem uma influência positiva nas diferentes etapas
do seu percurso profissional (socialização inicial, prévia e atual).
Mostra ainda o prazer decorrente da relação pedagógica estabelecida com os
alunos e da verificação das aprendizagens por eles realizadas, o gosto em desenvolver
um trabalho conjunto com pais, com pares, e com outros técnicos, e, consequentemente
o contentamento inerente à perceção do seu crescimento enquanto profissional.
Torna-se evidente como a entrada para a educação especial constitui fonte de
satisfação profissional para Lourenço, compreendendo-se assim a identificação que faz
com a profissão e os sentimentos de prazer que revela.
E, são também os sentimentos contraditórios, diversos e intensos de Margarida
enquanto professora de educação especial que julgamos poder equacionar como
facilitadores do processo de mudança profissional e da identificação com as novas
Capítulo V: Discussão dos Resultados 284
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
funções.
Figura 46. Frequência e densidade da categoria sentimentos enquanto PEE - narrativa
da Professora Margarida
Entre esses sentimentos, a necessidade de mudar a prática configura-se como
determinante do processo de integração na nova profissão, necessidade para a qual
encontra resposta, pela capacidade de aprender e trabalhar em cooperação e pela
resiliência que manifesta face às dificuldades que encontra na sua intervenção actual.
Nos docentes que manifestam a intenção de abandonar a educação especial (Prof.ª
Madalena e Prof. Eduardo), as categorias referentes às fontes de satisfação profissional
e à política educativa assumem particular ênfase no processo de socialização.
A análise das fontes de satisfação narradas pela professora Madalena é exemplo
do que referimos.
Capítulo V: Discussão dos Resultados 285
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Figura 47. Frequência e densidade da categoria fontes de satisfação profissional –
narrativa da Professora Madalena
Como decorre da análise da figura 5, nas diferentes fases do percurso profissional
(socialização inicial na docência e socialização prévia e atual na educação especial) as
fontes de satisfação narradas decorrem em grande medida da cultura organizacional das
escolas onde exerceu funções e das implicações da política educativa na organização
escolar e, consequentemente, do sentido de pertença que parece experimentar
atualmente, enquanto docente de educação especial, não surgindo indicadores de fontes
de satisfação associadas aos efeitos da sua ação nos alunos.
Neste cenário, compreender a intenção de abandonar a educação especial é
possível se considerarmos todo o percurso, toda a história profissional desta docente. A
constante procura de formação, a perceção negativa que atualmente tem da profissão e a
necessidade de experimentar o sentido de eficácia, justificam o desejo de trabalhar em
contextos onde tal seja possível, nomeadamente voltando à docência no ensino regular.
Quanto à política educativa, a narrativa do professor Eduardo é também um
exemplo de como esta categoria foi relevante no processo de tornar-se professor de
Capítulo V: Discussão dos Resultados 286
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
educação especial, contribuindo de forma evidente para o desejo de abandonar esta área
de intervenção.
Figura 48. Frequência e densidade da categoria política educativa – narrativa do
Professor Eduardo
Como antes referimos, a política constituiu uma ameaça à identidade desses
docentes, sendo evidente, no caso do professor Eduardo, a postura crítica face à
educação especial nas diferentes fases da carreira e a discordância quanto às medidas
atualmente preconizadas, relativas ao papel e funções do professor de educação especial
e ao tipo e âmbito de atendimento preconizado.
Conclusões 287
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Conclusões
Revisitando o estudo feito desde a sua fase exploratória até à fase final, e para
evitar repetições, pomos em evidência algumas conclusões que nos parecem mais
pertinentes.
Em síntese, este estudo sugere um conjunto diversificado de dimensões com
influência significativa nos processos de socialização e de reconfiguração identitária,
entre as quais são de assinalar: as influências que antecedem o início da profissão; a
experiência docente no ensino regular; as circunstâncias associadas à opção pela
educação especial; a forma como foram vividas as experiências prévias nesta área e a
percepção sobre a formação entretanto realizada; a socialização actual na profissão e as
pedagogias desenvolvidas no âmbito da educação especial; e, por último, a reacção face
às alterações legislativas recentes e os sentimentos face à profissão. Foi este conjunto
de situações que permitiu a estes professores, de diferentes níveis de ensino, de
diferentes géneros, de diferentes idades e gerações tornar-se professores de educação
especial.
Neste grupo de docentes as hitórias pessoais associadas à cultura organizacional
das escolas onde leccionaram previamente à entrada na educação especial influenciaram
de modo relevante as suas trajectórias profissionais. Mas, foram os conhecimentos
pedagógicos que constituíram factores determinantes da socialização, da identificação
com a profissão, em suma, da intenção de permanecer na educação especial, intenção
que virá a ser perturbada pela legislação mais recente.
Com efeito, a socialização na educação especial envolveu um processo de
mudança significativo em termos de concepções, de atitudes e de práticas, que evoluiu
em função de um conjunto diversificado de influências, pessoais, profissionais e
contextuais e que permitiu reconfigurações identitárias que, em alguns casos,
consubstanciam a adesão a uma “outra” cultura docente. Tendo em consideração a
forma como foi vivida a experiência profissional na educação especial, o tipo de relação
pedagógica que desenvolveram com os alunos com NEE e a percepção que actualmente
têm da profissão, é possível distinguir três tipos de identidades neste grupo de docentes.
Conclusões 288
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
De facto, a análise das trajectórias e dos processos de socialização vividos
indiciam a configuração de três tipos de identidades profissionais: a identidade
pedagógica resiliente,a identidade plural vulnerável e a identidade ambígua vulnerável.
Para os professores que têm uma identidade pedagógica resiliente, a experiência
na educação especial constitui fonte de inúmeras aprendizagens e de significativas
mudanças em termos de conceções, de atitudes e de práticas; a relação pedagógica que
desenvolvem é marcada pela preocupação constante com a aprendizagem e com a
evolução dos alunos e, nessa medida, investem na aprendizagem contínua de
metodologias de ensino, o que lhes permite dar resposta às diferentes necessidades
educativas; perante situações difíceis e face às quais se sentem impotentes e
impreparados, a resiliência e os comportamentos pro -ativos que manifestam
possibilitam a procura do apoio e da formação que julgam convenientes.
Figura 49. Factores determinantes do processo de socialização e de reconfiguração
identitária dos professores de educação especial que ressaltam das entrevistas.
A reconfiguração por integração não conflitual das identidades profissionais
(passada e atual) é assim possível e acontece independentemente da idade, do género, da
formação de base e da fase da carreira em que se encontram quando optam pela
educação especial. Trata-se, por conseguinte, de profissionais que, pelos princípios
educativos e éticos que defendem e pelas práticas pedagógicas que descrevem, se
tornam professores de educação especial empenhados em construir, na escola,
Conclusões 289
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
comunidades de aprendizagem comprometidas com a valorização das diferenças
individuais dos alunos.
Para o professor que tem uma identidade plural vulnerável, a experiência na
educação especial envolveu alguma mudança ao nível das atitudes face aos alunos e das
conceções sobre as funções da escola e sobre o seu papel enquanto docente; a relação
pedagógica que desenvolve revela por um lado, uma preocupação com a aprendizagem
dos alunos e, por outro, uma preocupação com os efeitos educativos da sua ação e com a
natureza inovadora das práticas que desenvolve. A narrativa é reveladora da grande
preocupação com o desempenho profissional e com a respetiva eficácia, eficácia que
experimenta enquanto professor do ensino regular, e enquanto docente de apoio
educativo na ação que desenvolve junto de alunos com dificuldades de aprendizagem e
com a qual se identifica.
Perante situações difíceis e para as quais se sente impreparado, nomeadamente
perante a necessidade de apoiar alunos com problemáticas mais severas, decorrente das
mudanças legislativas de 2008, reage de modo recalcitrante, evidenciando frustração,
cansaço profissional, e o desejo de abandono da educação especial, aspetos indiciadores,
em última análise, da vulnerabilidade que experimenta perante as exigências da política
atual. Neste cenário, emerge uma identidade plural, marcada simultaneamente pela
influência determinante da formação de base, da formação especializada e pelas
diversas experiências profissionais. Não querendo abdicar de qualquer uma destas
influências, o professor com uma identidade plural vulnerável será ora docente de uma
dada área disciplinar, ora docente de apoio educativo, no entanto, não se identifica com
o papel e com as funções do docente de educação especial, previstas na legislação atual.
Por último, a identidade ambígua vulnerável retrata o professor para quem a
experiência na educação especial contribui para mudanças significativas nas conceções
sobre o papel da escola e do professor, nas atitudes face aos alunos e face à
aprendizagem e nas práticas educativas desenvolvidas na escola; a relação pedagógica
que estabelece com os alunos é marcadamente influenciada pela preocupação com a
eficácia da sua intervenção, razão pela qual, quer enquanto docente do ensino regular,
quer enquanto docente de apoio educativo, procura com frequência formação contínua
no sentido de encontrar respostas para as dificuldades com que se depara. À falta de
motivação inicial face à profissão associa-se depois um percurso marcado pela
ambiguidade das escolhas realizadas e pela procura constante de afinidades
profissionais e emocionais nos diferentes contextos onde trabalha. A procura de uma
Conclusões 290
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
identidade profissional e a preocupação com a eficácia da sua intervenção justificam o
desejo de abandonar a educação especial, pela vulnerabilidade experimentada face às
exigências legislativas que determinam a obrigatoriedade de trabalhar com alunos com
problemáticas severas. A identidade ambígua vulnerável retrata um professor à procura
de si próprio enquanto profissional; um professor para quem a experiência na educação
especial constituiu um espaço de crescimento e de desenvolvimento profissional num
tempo determinado, mas onde não se revê atualmente, perante o perfil de desempenho
previsto na lei.
Importa notar que, com a construção da tipologia antes apresentada se pretendeu
apenas dar inteligibilidade a um conjunto vasto e disperso de dados, próprio das
investigações qualitativas. Temos bem a noção de que a criação de uma tipologia pode
ter aspetos positivos, pelas possibilidades de identificação que proporciona aos
professores (Dubar, 1996; Cattonar, 2001), como negativos, pela dificuldade em se
construírem e se aceitarem outras identidades diferentes (Zembylas, 2003). Note-se, no
entanto, que se trata apenas de uma tipologia construída com base num número restrito
de sujeitos, e não de um modelo de socialização; para a construção deste, será
necessário, no futuro, desenvolver estudos que confirmem ou infirmem os resultados
encontrados, e que possibilitem a caracterização de novas configurações identitárias.
No que diz respeito aos resultados obtidos através da análise dos relatos escritos
e das entrevistas, é evidente que os primeiros, por menos espontâneos e provavelmente
mais reflexivos, permitiram a obtenção de dados de natureza fatual e descritiva, não
tendo sido possível a identificação dos sentimentos associados aos contextos descritos.
No entanto, importa notar que nos relatos alguns temas são escassamente referidos
(como é o caso dos fatores facilitadores e dificultadores da intervenção enquanto
docente de educação especial), quando comparados com a importância que lhe é
atribuída nas entrevistas.
Os sentimentos e os fatores facilitadores e dificultadores da intervenção surgem
de facto de forma evidente nos resultados das entrevistas, o que julgamos decorre da
natureza da própria técnica de investigação, que possibilita a liberdade de expressão do
entrevistado e o relato das opiniões, das crenças e dos sentimentos que experimenta
perante os diversos contextos que narra.
Relativamente às eventuais diferenças decorrentes do género, diríamos que as
narrativas dos professores se caracterizam por uma maior linearidade e sequência dos
factos, enquanto as narrativas das professoras são mais descritivas, situam os factos
Conclusões 291
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
dentro de uma estrutura de relações pessoais e familiares e revelam de forma mais
evidente sentimentos e conflitos. Assim sendo, a necessidade apontada por Zeichner
(1990) de analisar a variável género nos estudos sobre a socialização profissional parece
justificar-se, uma vez que estes resultados vão ao encontro dos estudos de Gillian e
Freccero (1986) que assinalam as diferenças entre os relatos de vida dos homens e das
mulheres.
Por sua vez, perante os resultados do presente estudo e dada dimensão da amostra,
não é possível confirmar ou infirmar as conclusões de Edmonson (2000), relativamente
à verificação de uma menor exaustão emocional e de uma maior realização pessoal por
parte das professoras de educação especial quando comparados com os professores.
Como antes se assinalou, o que se torna mais evidente, sobretudo perante uma das
narrativas, é o facto de o sentido ético de cuidar que habitualmente surge associado às
mulheres (Acker,1995; Biklen, 1995) se verificar também nos professores homens, o
que em nosso entender decorre das necessidades particulares dos alunos desencadearem
também, naqueles docentes, o desejo de cuidar existente.
No que diz respeito aos processos de socialização, a análise das preocupações, das
dificuldades e do modo como foram sendo superadas durante o exercício na “nova”
profissão sugere que a entrada para a educação especial implica, em termos de
desenvolvimento profissional, um recomeço, uma repetição de ciclos ou de fases da
carreira que, embora tendo sido já experimentados enquanto docente, surgem agora com
particular intensidade, perturbando de forma evidente a auto - imagem e a maturidade
profissional entretanto adquiridas. Os resultados do estudo vão ao encontro dos três
tipos de experiências profissionais do início da carreira dos professores de educação
especial referidos por Louis (1980), nos quais a mudança de papel e de identidade, a
discrepância entre as experiências anteriores e atuais e a surpresa entre a antecipação do
real e o real encontrado, justificam um início profissional onde o processo de
“encontrar sentido” não é fácil, pela análise e pelo confronto constante das experiências
passadas com as atuais.
Esta situação justifica, em nosso entender, a necessidade de desenvolver
dispositivos de apoio aos professores em início de carreira neste domínio (Mastropieri,
2001), de modo facilitar a sua socialização profissional e a promover uma intervenção
educativa sustentada por equipas multidisciplinares que suportem em termos técnicos e
emocionais, os processos de ação e de tomada de decisão, por vezes tão dilemáticos e
difíceis.
Conclusões 292
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Por outro lado, os resultados do estudo mostram como foi importante para a
socialização profissional e para o encontrar de uma motivação inicialmente inexistente,
a cultura organizacional das escolas onde lecionaram, nomeadamente pela
aprendizagem que puderam desenvolver com pares e com professores de educação
especial.
Neste cenário, a formação contínua assume-se como dimensão imprescindível se
se pretende, por um lado, preparar professores para a “ética do cuidado, para a ética da
justiça social e para a reflexividade crítica” (Estêvâo,2003) e, por outro, mudar não
apenas os indivíduos mas também os contextos em que trabalham (Canário, 1994).
Trata-se, portanto, de procurar através de uma “formação em contexto” (Correia,2008),
implementar processos facilitadores da mudança das culturas profissionais dos
professores e das culturas organizacionais das escolas. Só assim será possível “tornar a
escola numa organização democrática e participativa, aberta ao meio, dotada de um
sentido de comunidade e da relação com a comunidade”, organização na qual equipas
de professores trabalham, construindo uma “cultura de colegialidade” (Estrela, 2003, p.
53) caracterizada pela abertura e pela partilha de afinidades profissionais e emocionais.
Por sua vez, no que diz respeito ao papel desempenhado pela formação
especializada no processo de socialização destes profissionais, os resultados do presente
estudo revelam, tanto tendo em conta os relatos como tendo em conta as entrevistas,
uma inegável influência em termos de inculcação dos princípios e valores associados à
defesa de uma educação e de uma escola inclusiva; no entanto mostram também aspetos
lacunares da formação, nomeadamente quanto aos conteúdos que integram os planos de
estudo (falta de conhecimentos sobre as diferentes problemáticas dos alunos) e quanto à
forma como aqueles são implementados (escassa articulação entre a teoria e a prática).
Nessa medida, parece-nos que a formação destes profissionais não se compadece
com “discursos teóricos e jurídicos bem intencionados que muitas vezes só servem para
escamotear a realidade e as divergências entre o que se prega e o que se pratica”
(Estrela 2003, p. 60). Com efeito, não é possível preconizar a inclusão, criar para tanto
nas escolas unidades educativas de apoio para populações com caraterísticas e
necessidades particulares e continuar a proclamar que todos temos necessidades
educativas especiais, correndo o risco de desvalorizar as problemáticas efetivas
daquelas populações e os saberes que, sobre elas, se foram adquirindo com o contributo
das mais diversas áreas disciplinares e que poderão permitir ao professor de educação
Conclusões 293
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
especial uma leitura das situações com que se defronta e um questionamento sistemático
dos saberes que vai adquirindo pela experiência e pela reflexão.
A este propósito, Rodrigues (2011, p. 99) refere-se ao conhecimento que durante
muitos anos foi produzido no âmbito da educação especial e, nessa medida, considera
que “seria muito imprudente negligenciar toda a quantidade e qualidade de experiência
e de conhecimento”, devendo assim ser usado num “enquadramento atual de inclusão”.
Por outro lado, os resultados do estudo mostram de forma inequívoca a
inadequação da formação especializada recebida face às exigências e necessidades
decorrentes da legislação que posteriormente se publicou. Nesse medida, torna-se
evidente como a formação especializada constitui também e sempre um processo
historicamente situado e, por isso, influenciado de forma determinante por questões de
natureza politica. Ora, se atendermos às diferentes perspetivas teóricas e aos respetivos
modelos de intervenção que, nas últimas duas décadas, se configuraram no domínio da
educação especial, e que os dispositivos legais procuraram prontamente veicular,
compreendemos como num dado momento se pretendeu desenvolver um processo de
rutura com o passado para, após uma década, se procurar de algum modo re –
estabelecer a continuidade de perspetivas e de modelos que, embora reapareçam agora
com uma linguagem anunciadora de continuidade da inclusão, correm o risco de se
tornarem, na prática, formas disfarçadas de uma segregação silenciosa, porque
suportada pela legislação e pelos princípios educativos que esta veicula.
Estas mudanças sucessivas em termos de política educativa têm tido efeitos quer
na forma como a formação procura ir ao encontro de um “ideal de professor
especializado” previsto na lei, quer na forma como os docentes perspetivam e vivem a
sua profissão, podendo levar, como vimos, à desmotivação e ao abandono.
Com efeito, a descontinuidade das políticas educativas a que temos assistido tem
tido implicações na imagem da profissão, no processo de profissionalização dos
professores de educação especial e, consequentemente, nos programas de formação que
se foram implementando nos últimos anos. A dificuldade em definir e delimitar uma
determinada imagem da profissão tem tido um impacto negativo na formação
especializada, uma vez que permitiu o desenvolvimento de programas com referenciais
diferentes que, como vimos, podem vir a revelar-se inadequados face às necessidades do
real.
Nessa medida, a legislação que cria o quadro de docência da educação especial
constituiu, em nosso entender, uma forma de assegurar um processo de valorização da
Conclusões 294
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
profissão, sendo no entanto necessária uma delimitação do papel e das funções do
professor de educação especial, de modo a ser possível equacionar modelos de
formação que vão ao encontro de um perfil de desempenho mais coerente com as
disposições legais mais recentes. De facto, muito embora o decreto-lei nº 3 /2008 aponte
para um conjunto de funções do professor de educação especial junto de populações
com necessidades educativas especiais de caráter permanente, a dúvida quanto à
continuidade das funções de apoio previstas no decreto-lei nº 105/97 permanece nas
escolas e gera necessariamente em termos de práticas, perceções e expetativas as mais
diversas, dificultando assim o exercício da profissão, tornando “difícil ser professor
numa profissão que não há”, como referia um dos intervenientes do estudo. Por sua vez,
se considerarmos as competências a desenvolver durante a formação especializada
previstas na lei (Despacho Conjunto nº 198/99) facilmente compreendemos que se
aponta para um profissional com um amplo e diversificado leque de funções, sendo
difícil neste cenário perspetivar, quer uma formação especializada capaz de desenvolver
o conjunto de competências previsto, quer um exercício posterior da profissão onde o
sentido de responsabilidade e de “missão cumprida” possa ser experimentado no
quotidiano destes docentes.
A constatação da inadequação da formação especializada face às necessidades que
emergem da nova legislação exige em nosso entender, para além das ações que já foram
realizadas após a publicação da lei (Decreto-lei nº 3/2008), a continuação da
implementação de dispositivos de formação contínua que permitam o desenvolvimento
profissional destes docentes, que assegurem a sua motivação e que, deste modo,
facilitem os processos de socialização e de identificação com a profissão. Este é pois um
projeto que importa desenvolver no futuro de forma a assegurar a satisfação profissional
e o desejo de continuidade na profissão, tão importantes para a eficácia da intervenção
destes docentes.
Reconhecendo os limites da investigação, em parte decorrentes da metodologia
escolhida, o estudo não comporta generalizações, mas pode constituir a base para a
conceção de instrumentos que permitam ver até que ponto os resultados são
transferíveis para amostras maiores.
Com base nos resultados do presente estudo, novas investigações poderão ser
efetuadas no sentido de aumentar o conhecimento sobre as motivações face à profissão,
sobre os processos de reconfiguração identitária e sobre os modelos de formação
especializada facilitadores da socialização profissional. Por sua vez, procurar
Conclusões 295
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
compreender as implicações das mudanças legislativas nos processos de formação e de
socialização destes profissionais constitui também, em nosso entender, uma área de
investigação que importa continuar a aprofundar, de modo a evitar a implementação de
reformas e de mudanças que, não partindo das culturas dos professores, corram o risco
de se tornar ineficazes.
Numa investigação qualitativa em que o investigador é, segundo Bogdan e Biklen
(1994), o principal instrumento de investigação, temos consciência de que a nossa
experiência profissional influenciou necessariamente a forma como lemos os resultados
e como apreendemos o fenómeno em estudo; nessa medida, importa refletir sobre a
nossa implicação durante o processo de pesquisa e referir a atenção e o esforço que foi
necessário desenvolver no sentido de conseguir a neutralidade necessária face a uma
investigação desta natureza; esse esforço permitiu o confronto, a par e passo, dos dados
recolhidos com as ideias que íamos elaborando, e estas com as perspetivas teóricas
pesquisadas (Estrela,1995), possibilitando assim uma análise que se pretende válida da
realidade. Assim, por exemplo, fomos levados a pôr em causa os quadros teóricos sobre
a motivação dos professores de educação especial que inicialmente, reconhecemos
influenciaram a elaboração das entrevistas.
A elaboração desta investigação permitiu-nos ter uma visão mais crítica sobre a
formação que realizamos, tendo tomado consciência da urgência de, enquanto membro
de uma instituição de formação, procurar tornar explícitos os princípios e os valores
subjacentes ao perfil de professor que desejamos formar, de modo a assim podermos
equacionar dispositivos de formação especializada e contínua coerentes que, tendo o
professor como objeto e sujeito, privilegiem saberes e estratégias onde a articulação
entre a teoria e a prática seja possível e onde os percursos profissionais dos professores
constituam a base de novas competências e de novas aprendizagens. Para além disso, a
realização do estudo constituiu, pela necessidade de aprofundamento da problemática da
socialização e da identidade profissional uma oportunidade de aprendizagem, de
reflexão e de conscientização sobre a importância daqueles processos para o exercício
da profissão e para a formação. E, neste contexto, foi possível em muitos excertos das
narrativas dos professores, encontrar semelhanças com o nosso próprio percurso
profissional, o que, julgamos, facilitou uma análise compreensiva dos processos de
socialização do outro, mostrando-nos à evidência como em termos humanos, a
compreensão do único e singular pode permitir a compreensão do global. Importa ainda
referir que, nesta investigação, a possibilidade que aprender e de usar um programa de
Conclusões 296
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
análise de conteúdo que desconhecíamos constitui fonte de inúmeros “desafios
tecnológicos” e, por isso, de motivação e entusiasmo perante a descoberta de novas
formas olhar e analisar as experiências narradas pelos professores.
Por outro lado, consideramos que a formação especializada destes profissionais,
pela multiplicidade de saberes que envolve, não deverá em nosso entender ser
equacionada com base em modelos únicos que apontem ora para o treino e a aquisição
de saberes, saberes-fazer e atitudes pré-definidas, ora para o desenvolvimento pessoal e
profissional, no qual se valorizam as crenças, as necessidades do professor, sendo o auto
- conhecimento fundamental para orientar a sua ação educativa.
Julgamos, pois, que os resultados do estudo mostram a conveniência de, na
formação de professores de educação especial, se procurar superar, como sugere Estrela
(2002) os antagonismos dos modelos que opõem sujeito-objeto, teoria – prática,
pensamento – ação e, nessa medida, equacionar processos formativos onde o professor
possa ser entendido como sujeito e objeto da sua própria formação, não separada nem
separável da formação que proporcionam aos seus alunos.
Com efeito, a natureza abrangente, complexa e instável que caracteriza a
intervenção do professor de educação especial exige que a formação abranja, por um
lado, a aquisição de um conjunto de saberes e de saberes-fazer adquiridos neste domínio
e, por outro, o desenvolvimento de capacidades de auto - conhecimento, de observação,
de análise das situações problemáticas, de questionamento constante e crítico sobre as
consequências morais e sociais da sua intervenção e das decisões que toma.
E continuando a seguir Estrela (2002), os programas de formação deverão
procurar formar professores de educação especial comprometidos com uma ética do
dever profissional, mas também com uma ética do cuidado, do compromisso e da
equidade enquanto via para a igualdade; professores que, sendo inovadores e capazes de
investigar e problematizar as suas práticas, podem contribuir para a mudança das
escolas e para a construção de comunidades educativas solidárias onde, para além da
“capacitação académica dos alunos” se procura a “vinculação da aprendizagem com a
justiça social” (Estêvão, 2003, p. 238).
Julgamos também importante assinalar a falta de motivação intrínseca inicial face
à intervenção nesta área e as razões de natureza pragmática subjacentes ao desejo de
formação especializada verificadas no estudo.
E, muito embora tenha sido possível em alguns casos transformar essa falta de
motivação inicial, entendemos que a seleção dos professores que se candidatam à
Conclusões 297
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
formação deveria ter em linha de conta e procurar captar as motivações subjacentes ao
interesse pela especialização, não aceitando, por questões de natureza meramente
economicista, todos aqueles que se candidatam. Com efeito, se “ser professor obriga a
opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar,
e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser”
(Nóvoa,1992,p.9), diríamos que perante alunos em situação de carência e de dificuldade
é sobretudo esta última que de imediato transmitimos e que é captada por aqueles
alunos. Importa pois assegurar a formação de professores que gostem de desafios e que
entendam a sua ação como um exercício de cidadania e de responsabilidade social,
fundamental à construção de uma sociedade justa, solidária e democrática.
Por sua vez, os resultados do estudo mostram ainda como as pedagogias
desenvolvidas pelos professores constituíram a dimensão distintiva e fundamental do
sucesso da socialização na profissão e do desejo de permanecer na educação especial.
Assim sendo, parece ser necessário equacionar a problemática da inclusão escolar, antes
de mais, como um desafio às pedagogias que se desenvolvem nas escolas e, nessa
medida, a formação inicial e a formação especializada precisam de repensar a forma
como preparam os professores para que o ato pedagógico seja sinónimo de
aprendizagem, de autonomia e de integração para todos os alunos.
Articular inclusão com pedagogia significa, em última análise, que a função
docente e a formação de professores só adquirem sentido em relação à formação de
todos os alunos, sendo para tanto fundamental, um processo constante de combate a
pedagogias onde a indiferença face às diferenças individuais continue a predominar. É
neste combate que as competências pedagógicas e a capacidade de resiliência adquiridas
pelo professor quando se torna professor de educação especial podem contribuir para a
emergência de culturas inclusivas nas escolas. Os resultados do estudo mostram bem as
tensões, os dilemas e as dificuldades que os professores de educação especial
experimentam no exercício das suas funções, mas revelam também como essa
experiência os torna mais compreensivos, mais humanos e mais atentos às necessidades
individuais, tornando-se assim fator de desenvolvimento pessoal e profissional.
Conclusões 298
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Nessa medida, parafraseando Bourdieu (2005, p.119), esperamos que alguns
professores de educação especial possam reconhecer “as suas experiências, as suas
dificuldades, as suas interrogações, os seus sofrimentos,” (…) nas quatro trajetórias
apresentadas e que delas consigam retirar “meios para fazer e viver um pouco melhor
tanto aquilo que vivem como aquilo que fazem”. Se assim acontecer, o estudo que agora
se termina, adquire o sentido que desde o início lhe subjaz.
BIBLIOGRAFIA 299
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
BIBLIOGRAFIA
Abbott, L. ( 2007). Northern Ireland Special Educational Needs Coordinators creating
inclusive environments: an epic struggle. European Journal of Special
Needs Education, Vol. 22, No. 4, pp. 391–407.
Abreu, W. J. (1998). Identidades, Formação e Trabalho: Da formatividade à
configuração identitária dos enfermeiros. Tese de Doutoramento
apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa.
Ainscow, M. (1991). (Ed.). (1991). Effective schools for all. London: David Fulton
Publishers.
Ainscow, M. (1995). Necesidades especiales en el aula. Guia para la formación del
professorado. Madrid: Ediciones Unesco – Narcea, S. A. de Ediciones.
Ainscow, M., Porter, G. e Wang, M. (1997). Caminhos para as escolas inclusivas.
Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Ainscow, M. (1998). Would it work in theory? Arguments for practitioner research and
theorising in the special needs field. In: Clark, C.; Dyson, A.; Milward, A.
(Eds.). Theorising Special Education. Londres: Routledge.
Ainscow, M.; Booth, T. e Dyson, A. (2006). Improving Schools, Developing Inclusion.
London e New York: Routledge.
Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.P.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-Georges, P.(
2005). Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa:
Gradiva.
Altet, M. (2000). Análise das Práticas dos Professores e das Situações Pedagógicas.
Porto: Porto Editora.
Alves, N. (2009). Inserção Profissional e Formas Identitárias. O caso dos licenciados
da Universidade de Lisboa. Lisboa: Educa.
Bailey, J. (1998). Medical and Psychological Models in Special Needs Education. In:
Clark, C.; Dyson, A.; Milward, A. (Eds.). Theorising Special Education.
Londres: Routledge.
Bay, M. e Parker- Katz, M. (2009). Perspectives on Induction of Beginning Special
Educators Research Summary, Key Program Features, and the State-Level
Policies. Teacher Education and Special Education, Vol.32, Nº 1, pp. 17-
32.
Bairrão Ruivo, J. (1998). Os alunos com Necessidades Educativas Especiais. Subsídios
para o Sistema de Educação. Lisboa: Conselho Nacional de Educação.
BIBLIOGRAFIA 300
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Bairrão Ruivo, J. (2004). Prefácio. In: Pereira, F. Políticas e Práticas Educativas. O
Caso da Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo nos anos 2002 a
2004. Lisboa: Fundação Liga.
Ball, S. J. (1972). Self and identity in the context of deviance: the case of criminal
abortion. In: R. Scott & J. Douglas (Eds). Theoretical perspectives on
deviance. New York: Basic Books.
Bardin, L. (1977). A análise de Conteúdo. Lisboa: Ed. Presença.
Barroso, J. (2003). A formação dos professores e a mudança organizacional das escolas.
In: Ferreira, N. (Org.). Formação Continuada e Gestão da Educação. São
Paulo: Cortez Editora.
Ball, S. e Goodson, I. (1992). Teachers’ Lives and Careers. London: The Falmer Press.
Barbier, J. M. (1996). De l’usage da la notion d’identité en recherche, notamment dans
le domaine de la formation. Education Permanente, 128, 11-26.
Beijaard, D. (1995). Teachers’prior experiences and actual perceptions of professional
identity, Teachers and Teaching, 1 (2), 281-294.
Bénard da Costa, A. (1996). A Escola Inclusiva: do Conceito à Prática. Inovação, vol.9,
nº 1 e 2, pp.151-163.
Bénard da Costa, A. (2006). Promoção da Educação Inclusiva em Portugal.
Fundamentos e Sugestões. Lisboa. (doc. policopiado).
Berger, P. e Luckmann, T. (1994). La construction sociale de la realité. Paris:
Meridiens Klincksieck.
Bertaux, D.(1980). L’approche biographique, sa validité méthodologique, ses
potentialités, Cahiers internationaux de sociologie, Vol. 69, pp. 197-225.
Bettencourt, L. e Howard, L. (2004). Alternatively Licensing Career Changers To Be
Teachers in the Field of Special Education: Their First- Year Reflections.
Exceptionality, Nº 12 (4), pp. 225 – 238.
Billingsley, B. S. (2008). Recognizing and Supporting the Critical Roles of Teachers in
Special Education Leadership. Exceptionality, Nº 15 (3), pp. 163-176.
Biklen, S. K. (1995). School work, gender and the cultural construction of teaching.
New York: Teachers College Press.
Biklen, S. K. e Pollard, D. ( 2001). Feminist Perspectives on Gender in Classrooms.
In: Richardson, V. (Ed.). Handbook of Research on Teaching. (pp. 723-744). American
Educational Research Association: Washington, DC. 4ªed.
BIBLIOGRAFIA 301
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Blase, J. (1991). Everyday political perspectives of teachers toward students: The
dynamics of diplomacy. In: J. Blase (Ed.). The politics of life in schools:
Power, conflit and cooperation.Newbury Park, CA: Sage, pp. 185-206.
Blase, J., & Blase, J.R. (1994). Empowering teachers: What successful principals do.
Thousand Oaks, CA: Corwin Press.
Blin, J. F. (1997). Représentations, pratiques et identités professionnelles. Paris:
L´Harmattan.
Boavida, J. e Amado, J. (2008). Ciências da Educação. Epistemologia, Identidade e
Perspetivas. 2ª Ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Bogdan, R. e Biklen, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto
Editora.
Bolívar, A. (2007). La formación del profesorado de secundaria y su identidade
profesional. Estudios sobre Educación, 12, 13-30.
Booth, T. e Ainscow, M. (eds). (1998). From Them to Us: An International Study of
Inclusion in Education. London: Routledge.
Bourdieu, P; Chamboredon, J.C.; Passeron, J.C. (1999).Ofício de Sociólogo.
Metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Editora Vozes.
Bourdieu, P.(1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.
Bourdieu, P. (2005). Esboço para uma auto-análise. Lisboa: Edições 70.
Brantlinger, E.; Jimenez, R.; Klingner, J.; Pugach, M.; Richardson, V. (2005).
Qualitative Studies in Special Education. Exceptional Children. Vol.71,
Nº2, pp.195-207.
Brennan, W. K. (1990). El currículo para Niños com Necesidades Especiales. Madrid:
SigloXXI de España Editores, 2ª Ed.
Brownell, M.T.; Ross, D.D.; Colón, E.P.; McCallum, C.L. (2005). Critical Features of
Special Education Teacher Preparation: A Comparison with General
Teacher Education. The Journal of Special Education. Vol. 38. Nº 4, pp.
242-252.
Bullough Jr, R. V.; Knowles, G. J. e Crow, N. A.(1992). Emerging as a Teacher.
London and New York: Routledge.
Calderhead, J. & Robson, M. (1991). Images of teaching: Student teachers’early
conceptions of classroom practice. Teaching and Teacher Education, nº 7,
pp. 1-8.
Canário, R. (1997). (org.). Formação e Situações de Trabalho. Porto: Porto Editora.
BIBLIOGRAFIA 302
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Canário, R. (1997). Formação e Mudança no Campo da Saúde. In: Canário, R. (org.).
Formação e Situações de Trabalho. Porto: Porto Editora.
Canário, R. e Correia, J.A. (1999). Enseignants au Portugal. Formation continue et
enjeux identitaires. Éducation et Sociétés, 4, pp. 131-142.
Canário, R. (2006). A Escola – Da Igualdade à Hospitalidade. In: Rodrigues, D. (ed.)
Educação Inclusiva. Estamos a Fazer Progressos? Cruz Quebrada:
Faculdade de Motricidade Humana. Fórum de Estudos de Educação
Inclusiva.
Cardoso, C. (1996). Educação Multicultural. Percursos para Práticas Reflexivas.
Lisboa: Texto Editora.
Caria, T.H. (org.). (2005). Saber profissional. Análise social das Profissões em
Trabalho Técnico – Intelectual (ASPTI). Coimbra: Edições Almedina.
Carvalho, L.M. (1996). O estudo da socialização dos professores em Educação Física.
Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física. Nº13,pp. 11- 40.
Cattonar, B. (2001). Les identités professionnelles enseignantes. Ebauche d’un cadre
d’analyse. Louvain-la-Neuve: Cahier de Recherche, Groupe Interfacultaire
de Recherche sur les Systèmes d’Education et de Formation, pp. 1- 35.
Cavaco, C. (2002). Aprender Fora da Escola. Percursos de Formação Experiencial.
Lisboa: Educa.
Chizzotti, A. (2006). Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 2ª Ed.
Petrópolis: Editora Vozes.
Clark, C.; Dyson, A.; Millward, A. (1998). Theorising special education: time to move
on? In: Clark, C.; Dyson, A.; Milward, A. (Eds.). Theorising Special
Education. Londres: Routledge.
César, M. (2003). A escola inclusiva enquanto espaço-tempo de diálogo de todos e para
todos. In: Rodrigues, D. (Ed.), Perspetivas sobre Inclusão: da educação à
sociedade. Porto: Porto Editora,pp 117-149.
Cohen, L. & Manion L. (1990). Métodos de Investigación Educativa. Madrid: La
Muralla.
Coll, C.; Marchesi;A.; Palácios, J. & col. (2004). Desenvolvimento psicológico e
educação. 3. Transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas
especiais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.
Cooper, K. & Olson, M. (1996). The multiple I’s of teacher identity. In: M. Kompf, T.
Boak. W. R. Bond & Dworer (Eds). Changing research and practice:
teachers’ professionalism, identities and knowledge. London: Falmer Press.
BIBLIOGRAFIA 303
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Correia, J.A. e Matos, M. (2001). Solidões e solidariedades nos quotidianos dos
professores. Porto: Edições Asa.
Correia, J. A. ; Matos, M. e Canário, R. (2002). La souffrance professionnelle des
enseignants et les dispositifs de compensation identitaire. L’année de la
recherche en sciences de l’éducation, pp. 281-302.
Correia, L.M. (1994). A Educação da Criança com Necessidades Educativas Especiais
Hoje: Formação de Professores em Educação Especial. Revista Portuguesa
de Educação, 7(3), pp.45-53.
Correia, L.M. (1999). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes
Regulares. Porto: Porto Editora.
Correia, L.M. (2001). Educação Inclusiva ou Educação Apropriada? In: Rodrigues, D.
(Org.). Educação e Diferença – Valores e Práticas de uma Educação
Inclusiva. Porto: Porto Editora, pp. 123- 142.
Correia, L.M. (2003). Educação Especial e Inclusão. Quem Disser Que Uma Sobrevive
Sem a Outra Não Está no Seu Perfeito Juízo. Porto: Porto Editora.
Correia, L.M. (2003). O sistema educativo português e as necessidades educativas
especiais ou quando inclusão quer dizer exclusão. In: Correia, L.M. (Org.)
Educação Especial e Inclusão. Quem disser que uma sobrevive sem a outra
não está no seu perfeito juízo. Porto: Porto Editora, pp.10-39.
Correia, L.M. (2006). A categorização não deve ser ignorada no âmbito das NEE.
Educare Hoje. Edição Especial. Porto: Porto Editora. pp. 22-24.
Correia, L.M. (2008). A Escola Contemporânea e a Inclusão de alunos com NEE.
Considerações para uma educação com sucesso. Porto: Porto Editora.
Cortazzi, M. (1993). Narrative Analysis. London : The Falmer Press.
Corbin, J. M. e Strauss, A. L. (2008). Basics of Qualitative Research: Techniques and
Procedures for Developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage. 3ª Ed.
Cuche, D. (1996). La notion de culture dans les sciences sociales. Paris: Editions La
découverte.
Cyrulnik, B. (2003). Resiliência Essa Inaudita Capacidade de Construção Humana.
Lisboa: Instituto Piaget.
Damásio, A. (1994). O Erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro humano. Mem
Martins: Publicações Europa-América.
Damásio, A. (2000). O Sentimento de Si. O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da
Consciência. Mem Martins: Publicações Europa-América.
BIBLIOGRAFIA 304
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Day, C. (1999). Developing Teachers. The Challenges of Lifelong Learning. London:
The Falmer Press.
Day, C. (2004). A Paixão pelo Ensino. Porto: Porto Editora.
Day,C. ; Kingtona, A.; Stobartb, G ; Sammonsa, P.(2006). The personal and
professional selves of teachers: stable and unstable identities. British
Educational Research Journal, Vol. 32, No. 4, pp. 601–616.
Demailly, L. C. (1992). Modelos de Formação Contínua e Estratégias de Mudança. In:
Nóvoa, A. (Org.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa : Publicações
Dom Quixote e Instituto de Inovação Educacional.
Demailly, L. C. (1997). La restructuration des rapports de travail dans les métiers
relationnels, Travail et Emploi, Nº 76, pp. 3-14.
Denzin, N. K.( 1970). The research act. Chicago: Aldine.
Denzin, N.K. (1989). Interpretive Biography. Newbury Park : Sage Publications.
Denzin, N.K. ; Lincoln, Y.S. e col. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa :
teorias e abordagens. Porto Alegre : Artmed, 2ª ed.
Digneffe, F. e Beckers, M. (2005). Do individual ao social: a abordagem biográfica. In:
Albarello, L.; Digneffe, F.; Hiernaux, J.P.; Maroy, C.; Ruquoy, D.; Saint-
Georges, P., Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais.
Lisboa: Gradiva.
Dominicé, P. e Fallet, M. (1981). Exploration biographique des processus de formation.
Cahiers de la Section des Sciences de l’Education, Série Rcherches, nº 1,
Université de Genéve, Faculte de Psychologie et des Sciences de
l’Education.
Dominicé, P. (1990). L’histoire de vie comme processus de formation. Paris :
L’Harmattan.
Doyle, W. (1979). Classroom tasks and students’ abilities. In: P.L. Peterson & H.
Walberg (Eds.). Research on teaching : Concepts, findings and
implications. Berkeley, C.A : McCutchan.
Dubar,C. (1997). A Socialização. Construção das Identidades Sociais e Profissionais.
Porto: Porto Editora.
Dubar,C. (1997). Formação, Trabalho e Identidades Profissionais. In : Canário, R.
(org.). Formação e Situações de Trabalho. Porto: Porto Editora.
Dubet, F. (1994). Sociologia da Experiência. Lisboa: Instituto Piaget.
Dubet, F. (2006). El declive de la institución: profesiones, sujetos e indivíduos en la
modernidad. Barcelona: Gedisa.
BIBLIOGRAFIA 305
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Durkeim, E. (1902-1903 ). L’éducation morale. Paris: PUF. 1963.Nouvelle Ed.
Dyson, A. (1990). Special educational needs and the concept of change. Oxford Review
of Education, nº 16 (1), pp. 55-66.
Edmonson, S. (2000). Women and Special Educator Burnout: A Research Synthesis.
Research on Woman and Education Annual Conference. San Antonio.
Eric.32p.
Erben, M. (1998). The purposes and processes of biographical method. In: Scott, D.;
Usher, R. (Eds). Understanding Educational Research. Great Britain:
Routledge.
Erikson, E.H. (1971). Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Erikson, E. H. (1972). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Estêvão, C.A. (2003). Organizações educativas, justiça e formação. In: Ferreira, N.
(Org.). Formação Continuada e Gestão da Educação. São Paulo: Cortez
Editora.
Estrela, A. (1994). Teoria e Prática de Observação de Classes. Uma Estratégia de
Formação de Professores. 4ª Edição, Porto: Porto Editora.
Estrela, M. T. (1995). Le sujet dans la recherche qualitative. Quelques notes critiques.
In: Congrés A.F.I.R.S.E., Institut des Sciences de l’Education, vol.1.
Estrela, M. T. (1999). Da (im)possibilidade actual de definir critérios de qualidade da
formação de professores . Pedagogia, Educação e Cultura III (1), pp. 9-30.
Estrela, M.T. (2001). Realidades e perspetivas da formação contínua de professores.
Revista Portuguesa de Educação, Nº14 (1), pp. 27-48, CEEP, Universidade
do Minho.
Estrela, M.T. (2002). Modelos de formação de professores e seus pressupostos
conceptuais. Revista de Educação, vol. XI, Nº1, Departamento de Educação
da F.C.U.L.
Estrela, M. T. (2003). A formação contínua entre a teoria e a prática. In: Ferreira, N.
(Org.). Formação Continuada e Gestão da Educação. São Paulo: Cortez
Editora.
Estrela, M. T. (2005). A Investigação Educacional à luz da Revista da SPCE, Investigar
em Educação. Comunicação ao VIII Congresso da Sociedade Portuguesa de
Ciências da Educação. Castelo Branco.
Estrela, M. T. (2010). Profissão Docente Dimensões Afectivas e Éticas. Porto: Areal
Editores.
BIBLIOGRAFIA 306
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Estrela, M.T. e Caetano, A.P. (Coord.) (2010). Ética Profissional Docente. Do
pensamento dos professores à sua formação. Lisboa: Educa.
Esteve , J. M. (2003). La tercera revolución educativa: La educación en la sociedade
del conocimiento. Barcelona: Paidòs.
Fernandes, E. M. e Maia, A. (2001). Grounded Theory. In: Fernandes, E. e Almeida, L.
(Ed). Métodos e Técnicas de Avaliação: Contributos pata a prática e
investigação psicológica. Braga: Universidade do Minho.
Ferrarotti, F. (1983). Histoire et histoires de vie. La méthode biographique. Paris:
Editions ouvrières.
Ferrarotti, F. (1988). Sobre a autonomia do método biográfico. In: A. Nóvoa &M.
Finger (org.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa, Ministério
da Saúde, pp. 17-34.
Filipe, J.P. (2005). Narratividade, Reflexividade e Legitimidade em Educação Especial.
In: Caria, T.H. (org.). Saber profissional. Análise social das Profissões em
Trabalho Técnico – Intelectual (ASPTI). Coimbra: Edições Almedina.
Flick, U. (2005). Métodos Qualitativos na Investigação Científica. Lisboa: Monitor-
Projectos e Edições.
Flores, M.A. (2004). The Early Years of Teaching. Issues of Learning, Development
and Change. Porto: Rés-Editora, Lda.
Flores, M. A. (1999). (Des) ilusões e paradoxos: A entrada na carreira na perspectiva
dos professores neófitos. Revista Portuguesa de Educação, nº12 (1), pp. 171
– 204.
Flores, M. A. (2000). A indução no ensino: desafios e constrangimentos. Lisboa:
Instituto de Inovação Educacional.
Flores, M. A. (2005). Os professores em início de carreira e o seu processo de mudança:
influências e percursos. Instituto de Educação e Psicologia. Braga:
Universidade do Minho, pp. 107-118.
Flores, M. A. e Day, C. (2006). Contexts which shape and reshape new
teachers’identities: A multi-perspective study. Teaching and Teacher
Education, 22 (2), 219-232.
Florian, L. (2007). Reimagining special education. In: Florian, L. The Sage Handbook
of Special Education. London: Sage Publications.
Formosinho, J. (2009). (coord.). Formação de Professores. Aprendizagem profissional e
ação docente. Porto: Porto Editora.
Fuchs, D. e Fuchs, L.S. (1994). Inclusive schools movement and the radicalisation of
special education reform, Exceptional Children, nº 60, 4, pp. 294-309.
BIBLIOGRAFIA 307
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Fuller, F. (1969). Concerns of teachers: A developmental conceptualization. American
Educational Research Journal, Nº 6 (4), pp. 207-226.
García, C.M. ( 1999). Formação de Professores para uma mudança educativa. Porto:
Porto Editora.
Gardou, C. & Develay, M. (2005). O que as situações de deficiência e a educação
inclusiva 'dizem' às Ciências da Educação. Revista Lusófona de Educação, nº6, pp. 31-
45.
Gehrke, R.S. e McCoy, K (2007). Sustaining and retaining beginning special educators:
it takes a village. Teaching and Teacher Education, nº 23, pp. 490-500.
Gersten, R.; Keating, T.; Yovanoff, P.; Harris, M.K.(2001). Working in Special
Education: Factors that Enhance Special Educators’ Intent to Stay. The
Council for Exceptional Children, vol. 67, Nº 4, pp. 549- 567.
Ghiglione, R. e Matalon, B.(1993). O Inquérito. Teoria e Prática. Oeiras: Celta Ed.
Giddens, A.(1991). Sociología. Madrid: Alianza Editorial.
Giddens, A. (1995). Modernidad e identidad del yo. Barcelona: Península.
Gomes, V.; Dias,C.; Galiazzi, M. (2009). Saberes e fazeres identitários: a narrativa
produzindo professores educadores ambientais. Educação, Porto Alegre,
Vol. 32, nº 3, pp. 301-310.
Goméz, A. P. (1992). O Pensamento Prático do Professor: A Formação do Professor
como Profissional Reflexivo. In: Nóvoa, A. (Org.). Os Professores e a sua
Formação. Lisboa : Publicações Dom Quixote e Instituto de Inovação
Educacional.
Gonçalves, J. A. (1990). A Carreira dos Professores do Ensino Primário. Contributo
para a sua Caracterização. Dissertação de Mestrado apresentada à
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Gonçalves, J.A. (1992). A Carreira dos Professores do Ensino Primário. In: A. Nóvoa
(org.).Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, pp. 141-169.
Gonçalves, J.A. (1997). A abordagem biográfica: questões de método. In: Estrela, A. &
Ferreira, J. (Eds). Métodos e Técnicas de Investigação Científica em
Educação. Actas do VII Colóquio da AFIRSE, Lisboa: Universidade de
Lisboa, pp. 91-114.
Gonçalves, J. A. (2000). Ser Professora do 1º Ciclo. Uma Carreira em Análise. Tese de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa.
BIBLIOGRAFIA 308
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Gondar, M. C. (2005). Perdidos num imenso mar: dificuldades do professor
principiante. Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Goodson, I. (1994). Studyng the Teachers’s Life and Work. Teaching & Teacher
Education, vol.10, nº1, pp. 29-37.
Goodson, I. F. (Ed.). (2004) Historias de vida del profesorado. Barcelona:
Octaedro/EUB.
Goodson, I. F. (2008). Conhecimento e Vida Profissional. Estudos sobre educação e
mudança. Porto: Porto Editora.
Greimas, A. J. e outros (1979). Introdution à l´analyse du discours en sciences sociales.
Paris: Hachette.
Greimas, A. J. e Courtés, J. (1992). Les points de vue dans le récit. Lion: Voies Livres.
Griffin, C., Winn, J., Otis-Wilborn, A. & Kilgore, K. (2003). New teacher induction in
special education. Gainsville, FL: Center on Personnel Studies in Special
Education.
Griffin, C. C.; Kilgore, K. L ; Winn, J. A. ; Otis-Wilborn, A.; Hou, W. ; Garvan, C. W.
( 2009). First-year special educators. The influence of school and classroom.
Context factors on their accomplishment and problems. Teacher Education
and Special Education. Vol. 32, Nº 1, pp. 45-63.
Guba, E. (1989). Critérios de credibilidade en la investigación naturalista. In: Sacristán
& Perez (Eds). La Enseñanza: su Teoria y su Pratica. Madrid: Akal.
Hargreaves, A. e Fullan, M.G. (1992). Understanding Teacher Development. New
York: Teachers College Press.
Hargreaves, A. (1998). Os profesores em tempos de mudança. O trabalho e a cultura
dos profesores na idade pós-moderna. Lisboa: Mc Graw – Hill.
Hargreaves, A. (2004). Inclusive and exclusive educational change: emotional responses
of teachers and implications for leadership. School Leadership
&Management, Vol.24, Nº 2, pp. 287-309.
Hargreaves, A. (2005). Educational change takes ages: life, carreer and generational
factors in teachers’ emotional responses to educational change. Teaching
and Teacher Education. Nº21, pp. 967-983.
Hausstätter, R. (2007). Students' reasons for studying special needs education:
challenges facing inclusive education. Teacher Development, vol.11, nº1,
pp. 45-57.
BIBLIOGRAFIA 309
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Hernández, F. (2004). Las historias de vida como estrategia de visibilización y
generación de saber pedagógico. In: Goodson, I. F. (Ed.). Historias de vida
del profesorado. Barcelona: Octaedro/EUB.
Harvey, S.T.; Bimler, D.; Evans, I.M.; KirKland, J.; Pechtel, P. (2012). Mapping the
classroom emotional environment. Teaching and Teacher Education.
Vol.28, (4), pp. 628-640.
Heward, W.L. (2003). Ensino e Aprendizagem: Dez Noções Enganadoras Limitativas
da Eficácia da Educação Especial. In: Correia, L. Educação Especial e
Inclusão. Quem Disser Que Uma Sobrevive Sem a Outra Não Está no Seu
Perfeito Juízo. Porto: Porto Editora.
Huberman, M. (1989). Les Phases de la Carrière de L’Enseignant: un Essai de
Description et de Prévision. Revue Française de Pédagogie. Nº86, Janv.-
Fév.-Mars, pp. 5-16.
Huberman, M. (1989). La vie des enseignants . Évolution et bilan d’une profession.
Paris: Delachaux & Niestlé S.A.
Jesus, S. N. (1996). A Motivação para a Profissão Docente. Lisboa: Editora Estante.
Lacey, C. (1977). The socialization of teachers. London: Methuen.
Lacey, C. (1986). Professional Socialization of Teachers. In: Dunkin, M.J. (Ed.) The
International Encyclopedia of Teaching and Teacher Education (pp.634-
645).Oxford: Pergamon Press.
Lang, V. (1999). La professionnalisation des enseignants. Sens et enjeux d’une
politique institutionnelle. Paris: PUF, Education et Formation.
Laplanche, J. e Pontalis, J-B. (1976). Vocabulário da psicanálise. Lisboa: Moraes
Editores. 3ª Ed.
Larrosa, J. e outros (1995). Déjame Que Te Cuente. Ensayos sobre Narrativa y
Educación. Barcelona: Laertes Psicopedagogía.
Layton, L. (2005). Special educational needs coordinators and leadership: a role too far?
Support for Learning, Vol.20, Nº 2, pp. 53-60.
Leitão, F. A. (2006). Aprendizagem Cooperativa e Inclusão. Cacém: Ramos Leitão.
Lello, J. e Lello, E. (1986). Dicionário Enciclopédico Luso – Brasileiro. Porto: Lello &
Irmão.
Lemos, V.S. (2006). Sinalização de crianças com NEE necessita de ser clarificada.
Educare Hoje. Edição Especial. Porto: Porto Editora. pp. 12-14.
Lingard, B. (2009). Pedagogizing Teacher Professional Identities. In: Gewirtz, S. ;
Mahony, P.; Hextall, I.; Cribb, A. Changing Teacher Professionalism.
BIBLIOGRAFIA 310
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
International trends, challenges and ways forward. Routledge: London and
New York.
Lopes, A. (2004). O estado da investigação portuguesa no domínio do desenvolvimento
profissional e (re)construções identitárias dos professores: missão
(im)possível. Investigar em Educação. Revista da Sociedade Portuguesa de
Ciências da Educação, Nº 3, pp. 57-127.
Lortie, D. C. (1975). Schoolteacher: a sociological study. Chicago: University of
Chicago Press.
Loureiro, M. I. (1997). O desenvolvimento da carreira dos professores. In: M. T. Estrela
(org.). Viver e construir a profissão docente. Porto: Porto Editora. pp 117-
159.
Kauffman, J. M. (1993). How We Might Achieve the Radical Reform of Special
Education. Exceptional Children. Vol. 60. Nº1, pp. 6-16.
Kauffman, J. M. (2000). The Special Education Story: Obituary, Accident Report,
Conversion Experience, Reincarnation, or None of the Above?
Exceptionality. Vol. 8. Nº1, pp. 61-71.
Kaufmann, J.C. (2001). Ego. Para uma sociologia do indivíduo. Lisboa: Instituto
Piaget.
Kauffman, J. M. e Lopes, J.A. (coord.). (2007). Pode a Educação Especial deixar de ser
especial? Braga: Psiquilibrios Edições.
Kelchtermans, G. (1993). Getting the story, understanding the lives: from career stories
to teacher’s professional development. Teaching and Teacher Education,
9(5/6), pp. 443-456.
Kelchtermans, G. (1996). Teacher vulnerability: understanding its moral and political
roots. Cambridge Journal of Education, 26(3), pp. 307-324.
Kelchtermans, G. & Vandenberghe,R. (1994). Teacher’s professional development: a
biographical perspective, Journal of Curriculum Studies, vol. 26 (1), pp. 45-
62.
Kelchtermans, G. (2005). Teacher’s emotions in educational reforms: self-
understanding, vulnerable commitment and micropolitical literacy.
Teaching and Teacher Education, 21, pp. 995-1006.
Knowles, J.G. (2004). Modelos para la comprensión de las biografias del professorado
en formacíon y en sus primeiros años de docência. In: Goodson, I. F. (Ed.).
Historias de vida del profesorado. Barcelona: Octaedro/EUB
Kronberg, R. M. (2003). A Inclusão em Escolas e Classes Regulares. A Educação
Especial nos Estados Unidos: Do Passado ao Presente. In: Miranda Correia,
L. Educação Especial e Inclusão. Quem Disser Que Uma Sobrevive Sem a
Outra Não Está no Seu Perfeito Juízo. Porto: Porto Editora.
BIBLIOGRAFIA 311
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
MacLure, M. (1993). Arguing for your self: identity as an organizing principle in
teachers’ jobs and lives, British Educational Research Journal, Nº 19 (4),
pp. 311- 322.
Mahler, M.; Pine, F. ; Bergman, A. (1977). O nascimento psicológico da criança. Rio
de Janeiro: Zahar Editores.
Marmoz, L. (2001). L’entretien de recherche dans les sciences sociales et humaines. La
place du secret. Paris: L’Harmattan.
Mastropieri, M.A. (2001). Is the Glass Half Full or half Empty? Challenges
Encountered by First- Year Special Education Teachers. The Journal of
Special Education, Vol. 35,nº 2, 2001, pp. 66-74.
Measor, L. e Sikes, P. (2004). Ética y metodología de la história de vida. In: Goodson, I.
F. (Ed.). Historias de vida del profesorado. Barcelona: Octaedro/EUB.
Medrano, C. (coord). (2007). Las Histórias de Vida. Implicaciones educativas. Buenos
Aires: Alfagrama Ediciones.
Melero, M. L. (1997). La educación (especial): ¿Hija de un dios menor en el mundo de
la ciencia de la educación? Educar, nº 21, pp. 7-17.
Montenegro, M. (2003). Aprendendo com ciganos. Processos de Ecoformação. Lisboa:
Educa.
Montero, L. (2005). A construção do conhecimento profissional docente. Lisboa:
Instituto Piaget.
Moreira, C.D. (2007). Teorias e Práticas de Investigação. Lisboa: Universidade
Técnica de Lisboa. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Morin, E. (2002). Os sete saberes para a educação do futuro. Lisboa: Instituto Piaget.
Mucchielli, A. (1999). L’identité. Paris: PUF, Que sais-je? (4ª ed).
Muhr, T. (2004). ATLAS.ti:User’s guide and reference for ATLAS.ti 5.0. Berlin: Scientific
Software Development.
Nias, J. (1989). Primary teachers talking. London: Routledge & Kegan Paul.
Nias, J. (1989). Teaching and the Self. In: Holly e McLoughlin, (Ed.). Perspectives of
Teacher Professional Development. London, New York, Philadelphia: The
Falmer Press.
Nóvoa, A. (Org.). (1992). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora.
BIBLIOGRAFIA 312
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Nóvoa, A. (1992). Os profesores e as histórias da sua vida. In: A. Nóvoa (Org.) Vidas
de professores. Porto: Porto Editora.
Nóvoa, A. (2002). Formação de Professores e Trabalho Pedagógico. Lisboa: Educa.
Odom, S.M.; Brantlinger, E.; Gersten, R.; Honer, R.H.; Thompson, B.; Harris, K.R.
(2005). Research in Special Education: Scientific Methods and Evidence-
Based Practices. Excepcional Children, Vol.71,Nº2, pp. 137-148.
Parrilla Latas, A. (1997). La formación de los profesionales de la educación especial y
el cambio educativo. Educar, nº 21, pp. 39-65.
Parrilla Latas, A. (2002). Acerca del origen y sentido de la Educación Inclusiva. Revista
de Educación, nº 327, pp. 11-29.
Patton, M.Q. (1990).Qualitative Evaluation and Research Methods. (2ª ed). London:
Sage.
Pereira, G.A. e Engers, M.A. (2009). Identidade profissional docente: uma construção
histórico-sociocultural. Educação, Porto Alegre, Vol. 32, nº 3, pp. 291-300.
Piaget, J. (1932). Le jugement morale chez l’enfant. Paris: PUF, Que sais-je?
Piaget, J. (1969). Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Ed. Forense.
Poletto, M. (2007). Resiliência: um processo psicológico dinâmico. Revista do Instituto
Humanitas Unisinos, Brasil, nº 241, pp.5-7.
Pugach, M. (1992). Uncharted territory: Research on the socialization of special
education teachers. Teacher Education and Special Education, 15, pp.133-
147.
Quaglia, R. e Davis, E. (1991). The socialization of special educators: A model for
understanding the beginning teacher. Journal of Instructional Psychology,
Vol. 18, pp. 29- 37.
Quivy, R. e Campenhout, L.V. (2008). Manual de Investigação em Ciências Sociais.
Lisboa: Gradiva, 5ª ed.
Reboul, O. (2000). A filosofía da Educação. Lisboa: Edições 70 Lda.
Ribeiro, E. J. (2004). Reflexão sobre o conceito de identidade: Fundamentos e
implicações para a pedagogía da infancia. Revista Portuguesa de
Pedagogia, Ano 38, nº 1,2,3, pp. 315-336.
BIBLIOGRAFIA 313
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Richardson,V. e Placier, P. (2001). Teacher Change. In: Richardson, V. (Ed.).
Handbook of Research on Teaching. (pp. 905-947). American Educational
Research Association: Washington, DC. 4ªed.
Riddell, S. (2007). A Sociology of Special Education. In: Florian, L. The Sage
Handbook of Special Education. London: Sage Publications.
Robitaille, M., Maheu, L. (1993). Les reséaux sociaux de la pratique enseignante et l’
identité professionnelle: le cas du travail enseignant au collègial, Revue des
sciences de l’éducation, vol. XIX, Nº1, pp. 87-112.
Rodrigues, D. (2001). A Educação e a Diferença. In: Rodrigues, D. (org.) Educação e
Diferença. Valores e Práticas para Uma Educação Inclusiva. Porto: Porto
Editora.
Rodrigues, D. (2003). Educação Inclusiva. As Boas Notícias e as Más Notícias. In:
Rodrigues, D. (org.) Perspectivas Sobre a Inclusão. Da Educação à
Sociedade. Porto: Porto Editora.
Rodrigues, D. (2007). (Org.). Investigação em Educação Inclusiva. (Vol.2). Cruz
Quebrada: Fórum de Estudos de Educação Inclusiva. Faculdade de
Motricidade Humana.
Rodrigues, D. (2011). Educação Inclusiva. Dos Conceitos às Práticas de Formação.
Lisboa: Instituto Piaget.
Rosental, M.M. e Iudin; P.F. (1972). Dicionário Filosófico. Lisboa: Editorial Estampa.
.
Sabbe, E. & Aelterman, A. (2007). Gender in Teaching: a literature review, Teachers
and Teaching: Theory and Practice, 13:5, pp.521-538.
Sanches, I. (1995). Professores de Educação Especial. Da Formação às Práticas
Educativas. Porto: Porto Editora.
Sanches, I. & Teodoro, A. (2006). Da integração à inclusão escolar: cruzando
perspetivas e conceitos. Revista Lusófona de Educação, Nº 8, pp.63-83.
Sanches, M.F.C.; Seiça, A.; Bettencourt, A. M.; Veiga, F.; Davies, I.; Pintassilgo, J.;
Cortesão, L.; Mogarro, M. J.; Vieira, R. ( 2009). A escola como espaço
social. Leituras e olhares de professores e alunos. Porto: Porto Editora.
Santos, B. S. (2002). Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto: Edições
Afrontamento, 6ª Ed.
Santos, J. (1982). A caminho de uma utopia. Um Instituto da Criança. Lisboa: Edições
Europa-América.
Sikes, P.J., Measor, L., Woods, P.( 1985). Teacher careers crises and continuities.
London and Philadelphia: The Falmer Press.
BIBLIOGRAFIA 314
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Sikes, P. J. (1985). The Life Cycle of the Teacher. In: Ball e Goodson, (Ed.).
Teachers’Lives and Careers. London e Philadelphia: The Falmer Press.
Slee, R. (2001). Inclusion in practice: does practice make perfect? Educational Review,
Nº 53 (2), pp. 113-123.
Slee, R. (1995). Inclusive education: from policy to school implementation. In: C.
Clark, A. Dyson e A. Millward (eds). Towards Inclusive Schools? London:
David Fulton.
Slee, R. (2011). The Irregular School. Exclusion, Schooling and Inclusive Education.
London and New York: Routledge.
Soreide, G.E. (2006). Narrative construction of teacher identity: positioning and
negotiation. Teachers and Teaching: Theory and Pratice, Vol.12, Nº 5, pp.
527-547
Staton, A.Q. e Hunt,S.L. (1992). Teacher Socialization: Review and Conceptualization.
Communication Education, vol.41, nº2, pp. 109-137.
Strauss, A.L. e Corbin, J. M: (1990). Basics of Qualitative Research. Grounded Theory
Procedures and Techniques. London: Sage Publications.
Strauss, A. L. e Corbin, J. M. (2008). Basics of Qualitative Research: Techniques and
Procedures for Developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage. 3ª Ed.
Talbert e McLaughlin(1994). Teacher professionalism in local school contexts.
American Journal of Education, Nº 102 (2), pp. 123-153.
Tardif, M.e Lessard, C. (1999). Le travail enseignant au quotidian. Contribution à
l´étude du travail dans les métiers et les professions d’interactions
humaines. Saint-Nicolas: Les Presses de l’Université de Laval.
Tardif, M.e Lessard, C. (org.). (2009). O Ofício de Professor. História, perspectivas e
desafios internacionais. 3ª Ed. Petrópolis, R.J.: Editora Vozes.
Tilstone, C., Florian, L, e Rose, R. (2003). Promover a Educação Inclusiva. Lisboa:
Instituto Piaget.
Vala, J. (1986). A Análise de Conteúdo. In: Santos Silva e Madureira Pinto (Org.)
Metodologia das Ciências Sociais. Lisboa: Edições Afrontamento.
Veenman, S. (1984). Perceived Problems of Beginning Teachers. Review of
Educational Research, nº54 (2), pp. 143-178.
Veenman, S; Zeichner, K.; Goméz, A. & Crahay, M. (1988). El proceso de llegar a ser
professor: un analisis de la formación inicial. In: A. Villa (coord.).
Perspectivas y problemas de la función docente. Madrid: Narcea, pp. 39-68.
BIBLIOGRAFIA 315
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Vieira, R. (1999). Histórias de Vida e Identidades. Professores e Interculturalidade.
Porto: Edições Afrontamento.
Vieira, R. (2009). Identidades Pessoais. Interações, Campos de Possibilidade e
Metamorfoses Culturais. Leiria: Edições Colibri.
Vieira, R. (2011). Educação e Diversidade Cultural. Notas de Antropologia da
Educação. Porto: CIID, Instituto Politécnico de Leiria e Edições
Afrontamento, Lda.
Vislie, L. (2003). From integration to inclusion: focusing on global trends and changes
in the western European societies. European Journal of Special Needs
Education, Vol. 18 (1), pp. 17-35.
Weddel, K. (2005). Dilemas in the quest for inclusion. British Journal of Special
Education, vol. 32, 1, pp.3-11.
Woods, P. (1999). Investigar a Arte de Ensinar. Porto: Porto Editora.
York-Barr, J.; Sommerness, J.; Duke, K.; Ghere, G. (2005). Special educators in
inclusive education programmes: reframing their work as teacher leadership.
International Journal of Inclusive Education, Vol. 9, No. 2, pp. 193–215.
Young, K. (2007). An alternative model of special education teacher education
socialization. Teaching and Teacher Education, Vol. 24, pp. 901-914.
Zabalza, M.A. (1994). Diários de aula, Contributo para o Estudo dos Dilemas Práticos
dos Professores. Porto: Porto Editora Lda.
Zabalza, M. A. (1999). La Atencion Escolar a la Diversidad. In: Castiñeiras, A. (Edit.)
O reto da innovación na Educación Especial. Santiago de Compostela:
Servicio Publicacións. Univerdidade de Santiago de Compostela. pp. 15-48.
Zeichner, K.M. (1985). Dialectica de la socializacion del profesor. Revista de
Educación, Mayo- Agosto, pp.95-123.
Zeichner, K. & Gore, J. (1990). Teacher socialization. Houston,W. et al., (eds).
Handbook of teacher education ( pp. 329-348). New Cork: Mc Milan.
Zembylas, M.(2003).Emotions and Teacher Identity: a poststructural perspective.
Teachers and Teaching: theory and practice, Vol. 9, No. 3, pp.213- 238.
BIBLIOGRAFIA 316
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Legislação e outros documentos:
Lei de Bases do Sistema Educativo (L.B.S.E. 46/86) de 14 de Outubro.
Decreto-lei nº 35/90 de 25 de Janeiro.
Decreto-lei nº 319/91 de 23 de Agosto
Decreto-lei nº 95/97, de 23 de Abril
Despacho-conjunto nº 105/97 de 1 de Julho
Despacho-conjunto nº 198/99, de 15 de Fevereiro
Decreto-lei nº 20/2006 de 31 de Janeiro
Decreto-lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro
Parecer nº 1 /99 do Conselho Nacional de Educação
Warnock Report (1978). Special Educational Needs. H.M.S.O. Londres.
Unesco (1994). Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e práticas na Área
das Necesidades Educativas Especiais.
Unesco (2008) 48ª International Conference on Education – Conclusions and
Recomendations, Geneve, IBE.
ANEXOS 317
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
ANEXOS
Anexo 1: Análise de Conteúdo – Relato M8 318
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Anexo 1: Análise de Conteúdo – Relato M8
Tema
Categoria
Indicadores
Unidades de registo
Percurso
Profissional
(prévio à
formação
especializada)
Funções
Desempenhadas
Preocupações
do início da
carreira
Docente do
ensino regular
Docente de
Educação
Especial
Dar resposta à
diversidade
dos alunos
Cumprir o
programa
Dar resposta a
expectativas
dos pais dos
alunos
Gerir o tempo
Só trabalhei 1 ano no ensino
regular. Fui colocado no 1º
ciclo do Ensino Básico onde
tive uma turma com 27 alunos e
com 2 anos de escolaridade (1º
e 2º anos).
(…)
Chegada a altura de concursos,
não hesitei… concorri e fiquei!
E cá estou não sei até quando.
Tinha na turma 2 crianças com
NEE, uma chinesa, 2 alunos que
só falavam crioulo e uma parte
do grupo que tendo frequentado
o 1º ano se encontravam a nível
de aquisições académicas entre
um 1º e um 2º ano.
(…) Fazer diferenciação
pedagógica com um grupo desta
natureza, com os dois casos de
NEE que tinha,
(…) Cumprir com o programa
com os alunos ditos normais era
deveras complicado… muito
trabalho, muito esforço, pouco
tempo para chegar a todos os
alunos e
( … sobretudo insatisfação ao
fim do dia, da semana, e do
período, relativamente ao que
me era imposto pelo currículo
comum e exigido (com todo o
direito) pelos pais das crianças
normais.
Conclusão: não tinha tempo
Anexo 1: Análise de Conteúdo – Relato M8 319
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Percurso
Profissional
(prévio à
formação
especializada)
Formação
Especializada
Factores de
opção pela
educação
especial
Motivação para
a frequência do
Curso
Mudanças
posteriores à
formação
Actividade
profissional
dos PEE
menos
cansativa
Maior
realização
profissional
dos PEE
Motivação dos
alunos com
NEE face ao
apoio do
P EE
Necessidade
de aprofundar
conhecimentos
Assegurar
colocação na
EE
Atribuição de
maior
importância ao
papel da
família no
processo
educativo
Maior
conhecimento
sobre o
contexto
social, familiar
e económico
do aluno com
NEE
para dar aqueles que mais
necessitavam do meu tempo.
Observando o trabalho de uma
colega de Educação Especial
apercebi-me de menos cansaço
na actividade profissional,
(…)maior realização
profissional e sobretudo, para
mim (…)
(…) um aspecto muito
importante: os olhos dos meus
alunos com NEE brilhavam
quando iam para as “aulas de
apoio”!
Passados 5 anos decidi fazer a
formação especializada por um
lado para aprofundar
conhecimentos
(…) mas por outro para
continuar a garantir a colocação
em lugar de Educação Especial.
Em termos de mudanças de
concepções e práticas tenho a
salientar a importância
crescente que tenho vindo a dar
à questão da família, quer em
termos de intervenientes no
processo educativo
(…) quer ao nível de um
conhecimento profundo da
realidade familiar, social e
económica em que as crianças
estão inseridas.
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 320
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos
escritos
Tema: Percurso pessoal e académico
Categoria Indicadores
Referências Pessoais
Referências
Académicas
Casamento e nascimento de filhos
Conclusão da Licenciatura (F5)
(F1) (F2) (F3) (F4)
(M6) (M7) (M8) (M9) (M10)
Tema: Percurso profissional (prévio à formação especializada)
Categoria Indicadores
Preocupações do
início da carreira
Aquisição de conteúdos pelos alunos
Justiça e objectividade na avaliação dos alunos
Imagem face aos alunos (F5)
Obter colocação no ensino público
Garantir tempo de serviço
Sentimento de isolamento/colocação longe de casa
Falta de motivação para leccionar
Dificuldades na organização da escola
Falta de continuidade do trabalho
Frequência de acções de formação contínua
Frequência de acções de formação contínua no
âmbito das NEE
Dificuldades em implementar mudanças preconizadas
nos programas (F3)
(F1) (F2) (F4)
Dar resposta à diversidade dos alunos
Cumprir o programa
Dar resposta a expectativas dos pais dos alunos
Gerir o tempo (M7)
(M6) (M8) (M9) (M10)
Conhecimento dos problemas sociais e económicos
dos alunos
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 321
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Fatores de opção pela
Educação Especial
Fatores de opção pela
Educação Especial
Acompanhamento educativo dos filhos
Avaliação positiva da experiência de integração de
alunos com NEE
Convite
Frequência do Curso de Especialização em EE
Clima Inclusivo da escola (F5)
Participação em projectos de escola sobre integração
Avaliação positiva do trabalho em equipa
Avaliação positiva da experiência de integração de
alunos com nee de carácter temporário (F3)
Avaliação positiva da experiência de integração de
alunos com NEE
Necessidade de colocação próxima da área de
residência (F2)
Aprendizagem realizada durante a Formação em
Ciências da Educação
Sentimento de competência para ensinar crianças
com NEE
Facilidade na articulação com outros técnicos
Feed - back positivo dos colegas (F1)
Imagem positiva das funções do professor de
educação especial
Curiosidade e desejo de aprender a trabalhar com
NEE
Dificuldades na colocação perto de casa
Necessidades de acompanhamento familiar
Passagem de testemunho de PEE
Influência de Professora de Educação Especial
(F4)
Atividade profissional dos PEE menos cansativa
Maior realização profissional dos PEE
Motivação dos alunos com NEE face ao apoio do
PEE (M7)
Maior disponibilidade de tempo dos PEE
Possibilidade de realização de outras actividades não
docentes
Conhecimento das características e dos resultados dos
alunos com NEE
Feed - back de colegas e pais
Interesse pessoal pela descoberta das causas das
dificuldades dos alunos (M8)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 322
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Fatores de opção pela
Educação Especial
Dificuldades na colocação perto de casa
Influência de colega
Feed - back positivo da professora de Educação
Especial
Diversidade de Problemáticas dos alunos com NEE
(M9)
Dificuldades na colocação próxima de casa (M6)
Diversificar formação
Aumentar saídas profissionais no âmbito da docência
Responder com mais eficácia às necessidades dos
alunos
Estudar perspectivas /modelos pedagógicos diferentes
(M10)
Avaliação da
experiência prévia à
especialização
Valorização do apoio recebido por parte de outros
professores especializados
Valorização da colaboração com outros técnicos da
escola
Apreciação positiva da implementação de acções de
formação contínua sobre inclusão
Pertinência da formação contínua realizada no âmbito
das NEE (F5)
Reação inicial face a alunos com NEE de carácter
permanente
Dificuldades de adaptação às funções de professora
de apoio
Dificuldades na interacção com professores do ensino
regular
Sentimento de menor competência profissional (F3)
(F1) (F2)
Apoio da PEE na Intervenção junto de alunos com
NEE
Apoio da equipa de EE
Trabalho em parceria com PEE
Trabalho fonte de crescimento pessoal e profissional
Conciliação da vida familiar e com a vida pessoal e
profissional (F4)
(M7) (M10)
Natureza desafiante e exigente do trabalho
Intervenção junto de alunos com NEE fonte de
satisfação profissional
Possibilidade de enriquecimento profissional
Possibilidade de trabalho em parceria (M8)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 323
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Dificuldades características do início da carreira
Necessidade de estudar novos assuntos
Necessidade de aprender com outros profissionais
Necessidade de lutar pelos direitos dos alunos NEE
Dificuldades na interacção com professores do ensino
regular. (M9)
Dificuldades na intervenção junto de alunos com
NEE (M6)
Funções
Desempenhadas
Docente do ensino regular
Membro da Direção da Escola
Docente de educação especial sem especialização
(F5)
Docente do ensino regular privado
Docente do ensino regular público
Docente de educação especial sem especialização
(F3)
Educadora de Infância do ensino regular
Educadora de Apoio sem especialização (F2)
Educadora de Infância do ensino regular
Coordenadora de Ocupação de Tempos Livres
Educadora de apoio sem especialização (F1)
Docente do ensino regular
Docente de ensino regular como apoio às
dificuldades de aprendizagem
Docente de educação especial sem especialização
(F4)
Professor do ensino regular
Professor de educação especial sem especialização
(M7)
Professor do ensino regular
Professor de educação especial sem especialização
(M8)
Professor do ensino regular
Professor de educação especial sem especialização
(M9)
Professor do ensino regular
Professor de educação especial sem especialização
(M6)
Docente do ensino regular
Docente de Educação Especial sem especialização (M10)
Descoberta de novas formas de organizar o processo
de ensino/aprendizagem
Descoberta da influência do contexto de ensino no
comportamento e na aprendizagem (F5)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 324
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Mudanças concetuais
(F1) (F2) (F3) (F4)
(M6) ( M7) ( M9) (M10)
Indefinição conceptual inicial
Defesa inicial do ensino institucionalizado
Defesa absoluta do ensino integrado
Constatação da pertinência dos dois modelos de
ensino ( M8)
Mudanças nas
práticas
Desenvolvimento de projetos inovadores (F5)
(F1) (F2) (F3) (F4)
( M6 ) (M7) ( M9) (M10)
Intervenção inicial centrada nas actividades
Intervenção posterior centrada no aluno e no contexto
de ensino (M8)
Tema: Formação Especializada
Categoria Indicadores
Entrada no Curso de
Especialização
Necessidades de Formação
Candidatura e Frequência (F5)
Necessidades de formação
Candidatura e Frequência (F3)
Necessidades de Formação
Frequência do curso (F2)
Necessidades de Formação
Candidatura e Frequência (F1)
Dificuldades no ingresso no curso
Insatisfação devido às dificuldades de
ingresso (F4)
Necessidades de Formação
Assegurar colocação na EE (M7)
(M8) (M10)
Necessidades de Formação
Frequência do curso (M9)
Frequência do Curso (M6)
Avaliação dos resultados
Avaliação dos professores
Avaliação do grupo/processo (F5)
Avaliação dos resultados (F3)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 325
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Avaliação da Formação
Avaliação da Formação
(F2)
Avaliação global positiva
Avaliação dos resultados (F1)
Avaliação do processo
Avaliação dos resultados (F4)
(M7) (M10)
Avaliação dos Resultados (M8)
Avaliação dos professores
Avaliação do processo (M9)
Avaliação do Processo
Avaliação dos resultados (M6)
Mudanças concetuais
(F1) (F2) (F3) (F4) (F5)
Atribuição de maior importância ao papel
da família no processo educativo
Maior conhecimento sobre o contexto
social, familiar e económico do aluno com
NEE (M7)
Recusa de modelos únicos de intervenção
Postura crítica face a conceções e modelos
(M8)
(M6) (M9) (M10)
Tema: Percurso profissional posterior à formação especializada
Categoria
Indicadores
Avaliação da
experiência
profissional
Mudanças pessoais e profissionais
Ausência de trabalho em equipa
Maior dificuldade na interacção com recursos do meio
População escolar mais heterogénea
Maior dificuldade na relação com os EE dos alunos
com NEE (F5)
Dificuldade em responder à diversidade de solicitações
dos professores do 2º e 3º ciclo
Facilidade no trabalho em equipa
Carácter positivo das reuniões regulares entre docentes
de EE
Vantagens da intervenção em contexto de
agrupamento
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 326
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Avaliação da
experiência
profissional
Facilidade no trabalho em parceria com Professores
ensino regular
Intervenção positiva dada a mudança de atitudes dos
professores de ensino regular
Papel mais activo do PEE na Escola (F3)
Trabalho com alunos com NEE fonte de satisfação
(F2)
(F1) (F4)
(M7) (M8)
Dificuldades na intervenção enquanto coordenador
Novas funções fonte de enriquecimento
Melhoria na Intervenção junto de alunos e de famílias
Mudança na forma de conceber o papel do professor
Sentimento de perda devido à opção pela EE (M9)
Percurso profissional gratificante
Possibilidade de desenvolver competências
profissionais
Possibilidade de realizar formação contínua no âmbito
da EE
Possibilidade de ser formador no âmbito da EE
Possibilidade de diversificar experiências e contactos
Sentimento de ambivalência face às virtualidades das
funções do PEE
Intervenção positiva dada a mudança de atitudes dos
professores de ensino regular
(M6)
Dificuldade em conciliar teoria e prática
Intervenção pouco consistente devido ao elevado nº de
alunos
Falta de apoio nos processos de encaminhamento
(M10)
Funções
Desempenhadas
Docente de apoio educativo do quadro de EE (F5)
Docente de apoio educativo do quadro de EE (F3)
Docente de apoio educativo do quadro de EE (F2)
Docente de apoio educativo do quadro de E.E. (F1)
Professora de Educação Especial na escola regular
Professora do quadro de EE (F4)
Docente de apoio educativo do quadro de EE/(M7)
Docente de apoio educativo do quadro de EE ( M8)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 327
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Coordenação de unidades de apoio
Coordenação da Educação Especial a nível de
agrupamento (M9)
Docente de apoio educativo (M6)
Docente de apoio educativo (M10)
Fatores Facilitadores
da Intervenção do
PEE
Trabalho em equipa
Dimensão da escola
Docentes do ensino regular motivados e conscientes
do seu papel
Cultura escolar inclusiva
Motivação pessoal (F5)
(F1) (F2) (F3) (F4)
(M7) (M8) (M9) (M10)
Apoio aos alunos na sala do ensino regular
Contacto permanente com o ensino regular (M6)
Fatores
Dificultadores da
Intervenção do PEE
(F1) (F2) (F3) (F4) (F5)
(M7) (M8) (M9) (M10)
Falta de ligação ao ensino regular no 2º e 3º ciclo
Falta de motivação dos alunos com problemáticas
mais severas (M6)
Mudanças concetuais
(F1) (F2) (F5)
Conceção de aluno com deficiência na escola
Visão holística e compreensiva do aluno (F3)
Visão holística e compreensiva do aluno
Desvalorização da classificação/categorização (F4)
(M7) (M8) (M9)
Maior atenção ao desenvolvimento da criança
Visão abrangente dos factores que afectam a
aprendizagem
Perspectiva holística e compreensiva do aluno (M6)
Visão abrangente sobre diversas problemáticas da
escola (M10)
Mudanças nas
práticas
(F1) (F2) (F5)
Maior preocupação com adequação do currículo a
cada aluno
Maior apoio ao professor de ensino regular (F3)
Maior organização e sistematização (F4)
(M7) (M8) (M9) (M10)
Anexo 2: Quadros síntese - Temas, categorias e indicadores dos relatos escritos 328
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Mudança nas
atitudes
Maior tolerância face às dificuldades escolares
Menor exigência nos critérios de avaliação dos alunos
(M6)
Maior segurança na tomada de decisão
Maior segurança na interação com outros técnicos (F4)
Anexo 3: Guião de entrevista 329
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
Anexo 3: Guião de entrevista
Tema: Estudo dos percursos de mudança de Professores de Educação Especial Entrevistados: Professores de Educação Especial Objectivo geral: Caracterizar os percursos profissionais de professores de educação
especial, a partir da sua entrada na profissão docente.
Blocos Objectivos
Específicos
Temas para Questões Observações
1.
Legitimação
e motivação
.Legitimar a
entrevista
.Motivar os
entrevistados
. Agradecer a colaboração já
prestada e a prestar.
. Informar sobre o tema e
objectivos do estudo.
. Negociar a colaboração nesta
fase, sublinhando a importância
do contributo dos professores,
perante os objectivos do estudo.
. Assegurar o anonimato das
informações.
. Garantir o feedback do estudo a
realizar.
. Pedir autorização para gravar a
entrevista.
. Esclarecer
eventuais dúvidas
dos entrevistados.
2.
Ser
Professor de
Educação
Especial
hoje
.Conhecer a
percepção
actual dos
professores
sobre a
profissão
.Apreender
dimensões
identitárias
.Apreender e
identificar
mudanças de
concepções e
. Situar os entrevistados no
momento presente e pedir que,
tendo em conta a experiência
profissional dos três últimos
anos, refiram:
- Práticas (descrição);
- Expectativas;
- Condições de trabalho;
- Motivação;
- Desenvolvimento profissional;
- Satisfação profissional;
- Eficácia profissional;
- Dificuldades sentidas;
- Princípios e valores;
- Integração no grupo de
docência;
-Apresentação e identidade
profissional.
. Pedir aos entrevistados que
relatem episódios significativos
da sua prática actual, que sejam
reveladores de mudanças na sua
.Referenciar a
criação do grupo
de docência da
Educação Especial
(Decreto-lei nº
20/2006) e a
recente
regulamentação
nesta área
(Decreto-lei nº
3/2008).
Anexo 3: Guião de entrevista 330
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
de práticas. intervenção.
3.
Relembrar o
tempo da
Formação
Especializa
da
.
Compreender
o significado
e importância
atribuída à
formação
especializada
Apreender e
identificar
mudanças de
concepções e
de práticas
. Pedir aos entrevistados que
relembrem o período em que
realizaram o curso de formação
em termos de:
- motivação /necessidades;
- expectativas;
- Escolha, candidatura e
frequência do curso;
- Avaliação do curso (plano de
estudos, professores, processo e
resultados)
- Auto - avaliação enquanto
formando;
Pedir aos entrevistados que
relembrem a formação realizada
e que identifiquem eventuais
mudanças, relativamente a:
-diferentes formas de pensar a
Educação Especial;
-diferentes formas de equacionar
a intervenção.
. Introduzir
questões que
permitam captar a
percepção da ade-
quação e
pertinência da
formação face às
necessidades da
prá-tica, os
aspectos positivos
e lacunares da
formação e as
competências
profissionais
desenvolvidas.
. Sugerir questões
que permitam a
descrição de
situações/ práticas
que ilustrem as
mudanças.
4.
Relembrar
os primeiros
anos na
Educação
Especial
.
Compreender
e caracterizar
a experiência
profissional
inicial na área
da educação
especial
Apreender e
identificar
mudanças de
concepções e
de práticas
. Solicitar aos entrevistados que
recordem o início e o exercício
de funções na Educação
Especial, em -termos de:
- circunstâncias e pessoas
associadas à opção ;
- expetativas;
- perceção global;
- práticas;
- satisfação profissional
- dificuldades sentidas.
.Pedir aos entrevistados que
relembrem eventuais mudanças
decorrentes da experiência na
EE ao nível de:
- formas diferentes de
perspetivar a educação, o ensino
e o aluno;
. Introduzir
questões que
permitam captar as
reacções iniciais
face aos alunos
com NEE,
(temporárias e
permanentes) face
às novas funções a
desempenhar e
face ao contexto
escolar no seu
conjunto.
.Introduzir
questões que
permitam captar a
continuidade ou o
Anexo 3: Guião de entrevista 331
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
- formas diferentes de organizar
e gerir o processo de
ensino/aprendizagem.
abandono, por
parte do professor,
de concepções e de
práticas
desenvolvidas no
ensino regular.
5.
Relembrar a
experiência
enquanto
professor de
ensino
regular
Conhecer e
compreender
a opção pela
docência
Compreender
e caracterizar
a experiência
profissional
Apreender e
identificar
mudanças de
concepções e
de práticas
.Solicitar a rememoração do
início do percurso profissional,
relativamente a:
- Fatores, pessoas e
circunstâncias associados à
escolha da profissão;
- Experiências significativas,
determinantes do percurso
posterior;
. Pedir o relembrar da
experiência profissional no
ensino regular, designadamente
quanto a:
- Sonhos e expectativas do início
da carreira;
- Concepções e práticas;
- Experiências de integração de
alunos com NEE;
- Satisfação Profissional;
- Preocupações e Dificuldades.
. Pedir ao entrevistado que
relembre a sua prática e que
relate episódios significativos
reveladores de mudanças ao
nível das concepções e das
praticas adquiridas durante a
formação inicial.
. Sugerir questões
que permitam
identificar e
compreender os
fato-res de
natureza pessoal e
experiencial que
poderão ter sido
significativos para
o percurso
posterior.
. Introduzir
questões que
permitam a
rememoração do
início do percurso
profissional.
6.
Relembrar o
percurso
profissional
em termos
gerais
.Compreender
a percepção
global sobre o
percurso
profissional
. Solicitar ao entrevistado que
caracterize globalmente o seu
percurso profissional no sentido
de ser ou não possível identificar
e distinguir etapas principais.
.Pedir ao professor que
caracteriza e situe as diferentes
. Canalizar o
discurso dos
entrevistados no
sentido de uma
apreciação global
do percurso e de
uma compreensão
da forma como
Anexo 3: Guião de entrevista 332
TORNAR-SE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
UMA ABORDAGEM BIOGRÁFICA
. Conhecer os
efeitos da
evocação da
trajectória de
vida
etapas do seu percurso,
assinalando:
- fontes de satisfação e
insatisfação profissional;
- expetativas profissionais e
projectos futuros.
- Pedir ao professor a narração
de duas experiências que o
tenham marcado
particularmente, ou pela positiva
ou pela negativa.
.Pedir ao entrevistado que
analise a experiência,
identificando eventuais
aprendizagens.
equacionam o
futuro profissional.
Sugerir questões
que permitam
verificar as
aprendizagens
decorrentes da
participação no
estudo (relato
sobre o percurso
profissional).