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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO (IR)RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DE SEUS JUÍZES:ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL GILMAR SOARES Itajaí (SC), junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

(IR)RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DE SEUS JUÍZES:ANÁLISE DOUTRINÁRIA E

JURISPRUDENCIAL

GILMAR SOARES

Itajaí (SC), junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

(IR)RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DE SEUS JUÍZES:ANÁLISE DOUTRINÁRIA E

JURISPRUDENCIAL

GILMAR SOARES

Monografia submetida à Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de

Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Emerson de Morais Granado

Itajaí (SC), junho de 2010

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ii

MEUS AGRADECIMENTOS:

A Deus, pela força que me conferiu nas horas

mais difíceis;

À minha esposa e a minha filha, pela fortaleza

que vocês significam e por estarem sempre

comigo, em todos os momentos, e;

Aos amigos com os quais sempre poderei contar

e que não preciso nem nominar – muito obrigado.

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iii

ESTE TRABALHO DEDICO:

A todas as pessoas que conheci nesta longa

caminhada e que me fortaleceram de todas as

formas possíveis, especialmente ao Prof. MSc.

Eduardo Erivelton Campos, pelo aprendizado

durante quase cinco anos de convivência; e ao

Prof. MSc. Emerson de Morais Granado, meu

orientador e por muitas vezes parceiro neste

trabalho.

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iv

Determinação, coragem e autoconfiança são

fatores decisivos para o sucesso. Não importa

quais sejam os obstáculos e as dificuldades. Se

estamos possuídos de uma inabalável

determinação, conseguiremos superá-los.

[Dalai Lama]

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v

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduando Gilmar

Soares, sob o título A (IR) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO

DE SEUS JUÍZES: análise doutrinária e jurisprudencial, foi submetida em 11 de

junho de 2010 à Banca Examinadora composta pelos seguintes Professores:

Emerson de Morais Granado (Orientador e Presidente da banca) e Eduardo

Erivelton Campos ( membro examinador), aprovada com a nota (

).

Itajaí (SC), junho de 2010.

Prof. MSc. Emerson de Morais Granado Presidente da Banca

Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação de Monografia

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vi

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando

a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Itajaí (SC), junho de 2010.

GILMAR SOARES Graduando

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ROL DE CATEGORIAS

Apresenta-se o rol de categorias que o autor considera

estratégico à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Estado:

“Organização ou sociedade político-jurídica que resulta do fato de um povo viver

em um território delimitado e governado por leis fundadas num poder soberano;

nação politicamente organizada por leis próprias; complexo de poderes políticos

de uma nação”1.

Juízes:

Agente público, vitalício, que representa o Estado nas elaborações de condução e

decisões jurisdicionais.

Jurisdição:

“Poder que têm os Magistrados de aplicar o Direito, que o Estado lhes confere

para dirimir litígios ou impor preceito legal entre particulares e entre estes e o

próprio Estado. Pode ser contenciosa (“inter nolentes”), quando visa dirimir

litígios; ou voluntária (“inter volentes”), que se aplica apenas à homologação de

pedidos não litigiosos” 2.

Responsabilidade:

“A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou.

Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica, contendo

um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada ou uma

1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. vol 2. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 404. 2 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 2. ed. São Paulo: Rideel, 1999. p. 381/382.

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injúria pública, conforme a natureza dos interesses afetados, se individuais ou

coletivos” 3.

Responsabilidade Civil:

“Aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral e patrimonial

causado a terceiro em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele

responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou ainda, de simples

imposição legal. A responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou

Estado, de modo que a vítima poderá pedir reparação do dano, traduzida na

recomposição statu quo ante ou em uma importância em dinheiro” 4.

Responsabilidade Civil do Estado:

“obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em

razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo,

material ou jurídico, que lhe seja imputável” 5.

3 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 550-551.

4 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Vol 4. São Paulo: Saraiva, 1998. p.171. 5 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 869.

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ix

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................. 12

CAPÍTULO 1 ................................................................................... 14

O ESTADO E A SUA ORGANIZAÇÃO ............................................ 14

1.1 ORIGEM, FORMAÇÃO E TEORIAS DO APARECIMENTO DO ESTADO .... 14 1.1.1 Teoria familiar ............................................................................................. 16 1.1.2 Teoria da força ........................................................................................... 17 1.1.3 Teoria da divindade.................................................................................... 18 1.1.4 Teoria contratual ........................................................................................ 18

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE ESTADO ............................... 19 1.2.1 Estado Antigo ............................................................................................. 20 1.2.2 Estado Grego .............................................................................................. 21 1.2.3 Estado Romano .......................................................................................... 22 1.2.4 Estado Medieval ......................................................................................... 23 1.2.5 Estado Moderno ......................................................................................... 25 1.2.6 Estado Contemporâneo ............................................................................. 26

1.3 CONCEITO DE ESTADO ............................................................................... 27

1.4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO .............................................. 28 1.4.1 Povo ............................................................................................................ 28 1.4.2 Território ..................................................................................................... 28 1.4.3 Governo Soberano ..................................................................................... 29

1.5 A SEPARAÇÃO DE PODERES ..................................................................... 30

CAPÍTULO 2 ................................................................................... 32

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................. 32

2.1 ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................... 33

2.2 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................. 36 2.2.1 Teoria da irresponsabilidade do Estado .................................................. 37 2.2.2 Teorias civilistas ........................................................................................ 39 2.2.3 Teorias publicistas ..................................................................................... 42

2.3 ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................ 44

2.4 CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................... 48

CAPÍTULO 3 ................................................................................... 52

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x

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DOS SEUS JUÍZES ............................................................................................. 52

3.1 O PODER JUDICIÁRIO E A FUNÇÃO JURISDICIONAL .............................. 53

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS COMETIDOS POR SEUS JUÍZES ................................................................................................................. 58

3.3 ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS ATOS JURISDICIONAIS ......................................................... 64

3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS ATOS JURISDICIONAIS ......................................................... 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 73

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................ 78

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RESUMO

A presente monografia trata da Responsabilidade Civil do

Estado pelos atos praticados por seus juízes. O trabalho tem como objetivo geral

compreender a Responsabilidade Civil do Estado; e específico, analisar a

Responsabilidade Civil do Estado no que tange aos atos praticados pelos juízes,

no exercício regular da função jurisdicional. A monografia está dividida em três

capítulos. O primeiro estuda o Estado e sua organização. O segundo, a

Responsabilidade Civil do Estado e, o terceiro, tem por escopo analisar a

Responsabilidade Civil do Estado decorrente da função jurisdicional, com seu

posicionamento doutrinário e jurisprudencial vigente. O método utilizado, tanto

para a investigação como para o relato dos resultados do estudo, foi o indutivo,

utilizando-se a técnica da categoria, do referente e do conceito operacional. A

pesquisa foi bibliográfica.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto aprofundar a discussão

relativa à Responsabilidade Civil do Estado, fundamentado, para tanto, no estudo

das bases legais, doutrinárias e jurisprudenciais e, como objetivos institucional,

produzir uma monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, compreender a Responsabilidade

Civil do Estado no que concerne aos atos de seus juízes; específicos, expor o

entendimento doutrinário no que tange ao assunto, bem como, o posicionamento

jurisprudencial sintético apresentado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da

questão em apreço.

O tema é atual e relevante, pois, como será visto no decorrer

do trabalho, há grande discussão no que diz respeito à incidência de

responsabilidade do Estado nos gravames provindos de atos judiciais.

Para iniciar a investigação adotou-se o método indutivo,

operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos

operacionais e da pesquisa de fontes documentais. Para relatar os resultados da

pesquisa, empregou-se igualmente o método indutivo.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes

problemas:

a) existe responsabilidade estatal objetiva pelos atos

praticados no decorrer da função jurisdicional?

b) existe responsabilidade subjetiva do Estado pelos atos

praticados pelos juízes, quando caracterizada a culpa, em sentido lato sensu, no

exercício da função jurisdicional?

c) existe direito de regresso do Estado em face do agente

público juiz?

Teve como hipóteses:

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a) aparenta haver responsabilização estatal objetiva pelos

gravames decorrentes dos atos de seus juízes;

b) aparentemente não há responsabilidade civil dos juízes

pelos seus atos gerados com culpa, em lato sensu, no exercício da função

jurisdicional;

c) não há o direito de regresso concedido ao Estado contra o

agente público-juiz.

O trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo destaca-se a origem e a formação do

Estado, despontando um breve estudo acerca das teorias que conceberam sua

organização, destacando-se, aqui, sua evolução histórica que permeou até alcançar

seu conceito atual, compreendendo, por fim, o conceito de Estado e seus elementos

constitutivos.

O segundo capítulo sintetiza os aspectos gerais dos danos

causados pelos agentes públicos, no exercício dos atos estatais e o direito a sua

reparação. Com abordagem ao instituto da responsabilidade civil, que se iniciará

com o estudo acerca de sua origem, passando à elucidação do conceito de

responsabilidade civil, à exposição das espécies, bem como ao esclarecimento das

teorias existentes.

No terceiro e último capítulo, destaca-se o objeto do presente

estudo, ou seja, a responsabilidade civil do Estado frente aos atos dos juízes.

Nas considerações finais serão apresentadas breves sínteses

de cada capítulo e se demonstrará se as hipóteses básicas da pesquisa foram ou

não confirmadas.

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CAPÍTULO 1

O ESTADO E A SUA ORGANIZAÇÃO

No intuito de apresentar uma seqüência lógica para melhor

compreensão do tema, necessário se faz uma abordagem prévia sobre o Estado,

envolvendo sua origem e a forma organizacional para elucidar sua responsabilidade

civil frente aos atos de seus juízes.

1.1 ORIGEM, FORMAÇÃO E TEORIAS DO APARECIMENTO DO ESTADO

O Estado, como uma das criações complexas do homem, tem

sido o centro de discussões da Ciência Política, bem como do Direito Constitucional,

por ser a forma encontrada para uma convivência agrupada e de distribuição de

poder.

Aristóteles6 ressalta que “(...) todo Estado é uma sociedade, a

esperança de um bem, sem princípio, assim como de toda associação, pois todas as

ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem”.

A origem do Estado e os fatores que levaram o homem a viver

em sociedade têm sido objeto de análise de diversas correntes doutrinárias.

Brandão7 ressalta que o estudo do Estado, dentro dos seus

diversos campos, não tem sido pacífico na doutrina, pois existem diversas correntes

que se posicionam quanto a sua origem, justificando o seu nascimento decorrente

de um processo e não apenas de um ato.

6 ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 1.

7 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. Florianópolis: Habitus, p. 20.

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Dallari8 divide o estudo da origem do Estado, apresentando

duas indagações: “(...) uma a respeito da época do aparecimento do Estado; outra

relativa aos motivos que determinaram e determinam o surgimento dos Estados

(...)”.

Em se tratando da época do aparecimento do Estado, têm-se

que a expressão ‘Estado’ é relativamente nova, embora os gregos utilizassem o

termo polis para denominar as cidades que eram os limites do Estado, enquanto os

romanos utilizavam o termo civitas. O termo Estado foi, primeiramente, utilizado em

1513, por Maquiavel9 em sua obra “O Príncipe” na qual se encontra a seguinte

afirmação: “Todos os Estados, todas as dominações que tiveram e têm o império

sobre os homens foram e são repúblicas ou principados”. Esta expressão, utilizada

por Maquiavel no início de sua obra, demonstra que o termo Estado já era

conhecido.

Dallari10 defende que o nome Estado dado a uma sociedade

política organizada, surgiu no século XVI.

De qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando uma

sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos

argumentos para alguns autores que não admitem a existência do

Estado antes do Século XVII. Para eles, entretanto, sua tese não se

reduz a uma questão de nome, sendo mais importante o argumento

de que o nome Estado só pode ser aplicado com propriedade à

sociedade política dotada de certas características bem definidas. A

maioria dos autores, no entanto, admitindo que a sociedade ora

denominada Estado é, na sua essência, igual à que existiu

anteriormente, embora com nomes diversos, dá essa designação a

todas as sociedades políticas que com autoridade superior, fixaram

as regras de convivência de seus membros.

Comungando da mesma teoria, diz Bastos11:

8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, p.45.

9 MACHIAVELLI, Niccollò. O príncipe. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 2. ed. ver., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais. p.21.

10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado, p. 45. 11 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, p. 5.

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O Estado – entendido, portanto como uma forma específica da

sociedade política – é o resultado de uma longa evolução na maneira

de organização do poder. Ele surge com as transformações por que

passa a sociedade política por volta do século XVI. Nessa altura,

uma série de fatores, que vinham amadurecendo ao longo dos

últimos séculos do período medieval, torna possível – e mesmo

necessária – a concentração do poder numa única pessoa. É esta

característica a principal nota formadora do Estado moderno. O

poder torna-se mais abrangente. Atividades que outrora

comportavam um exercício difuso pela sociedade são concentradas

nas mãos do poder monárquico, que assim passa a ser aquele que

resolve em última instância os problemas atinentes aos rumos e aos

fins a serem impressos no próprio Estado.

Quanto aos motivos que levaram os homens a se organizarem

em sociedade surgiram diversas teorias, entre outras, as abaixo mencionadas12 13.

1.1.1 Teoria familiar

Esta teoria, provavelmente a mais antiga, sustenta a tese,

firmada em princípios religiosos, de que o homem surgiu do relacionamento de um

casal originário. Ela se encontra dividida em dois períodos: na força matriarcal e

patriarcal.

A teoria familiar caracterizada pela força matriarcal sustenta

que a primeira força de domínio que impunha a convivência do homem em

sociedade familiar, era dominada pela mulher, que, por viverem em promiscuidade,

tendo mais de um relacionamento carnal com diferentes homens, não podiam

identificar a paternidade de sua prole. Assim, o governo familiar foi assumido pela

mãe que era a chefe de seu clã.

Porém, a teoria familiar, para defender o período da força

patriarcal, sustenta que o Estado surgiu com a organização familiar, onde o homem,

o patriarca da família, mantinha o domínio e o poder sobre seus filhos.

12 Estas teorias encontram-se descritas na seguinte obra: PAUPÉRIO, A. Machado. Introdução à

ciência do direito. p. 25-35. 13 O autor não dissertou sobre todas as correntes existentes por não se tratar do objeto principal do tema abordado.

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Em análise geral, tem-se como sociedade primária e mais

difundida, a sociedade familiar, pois o indivíduo nela surge, e geralmente só se retira

para criação de outro agrupamento. Com a reprodução da espécie humana,

surgiram várias necessidades, entre outras, aquelas relativas à recreação,

religiosidade, esportes e políticas.

1.1.2 Teoria da força

Esta teoria firmou-se na hipótese de que o homem

necessitando dominar suas conquistas buscou estruturar-se com a liderança dos

mais fortes dominando os mais fracos. Este domínio levou o homem à invasão de

novos povos para manter seu poderio.

Hobbes14 ao tratar do estado de natureza, afirma que os

homens nada têm a temer, a não ser à força dos outros homens. Força esta que

impõe aos mais fracos a obrigação de viver dentro de certos limites ou parâmetros.

Gruppi15 ao comentar a teoria do Estado de Hobbes, ressalta

que a mesma se resume em:

(...) quando os homens primitivos vivem no estado natural, como

animais, eles se jogam uns contra os outros pelo desejo de poder, de

riquezas, de propriedades. É o impulso à propriedade burguesa que

se desenvolve na Inglaterra: “homo homini lupus”, cada homem é um

lobo para o seu próximo. Mas como, dessa forma, os homens

destroem-se uns aos outros, eles percebem a necessidade de

estabelecerem entre eles um acordo, um contrato. Um contrato para

constituírem um Estado que refreie os lobos, que impeça o

desencadear-se dos egoísmos e a destruição mútua. Esse contrato

cria um Estado absoluto, de poder absoluto.

Nesse sentido, o homem dominou um grupo de pessoas

utilizando-se da força, restringindo-lhes suas liberdades naturais.

14 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil (os pensadores). Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 3. ed., p. 75.

15 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel – as concepções de Estado de Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Tradução de Dario Canali. Porto Alegre: L&PM Editores. p. 12-13.

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1.1.3 Teoria da divindade

Defensores desta teoria apresentam o surgimento do Estado à

revelação divina, reconhecendo que o poder emana de Deus e que as pessoas o

exercem em seu nome, como representantes seu na terra.

A igreja, com interesses essenciais, usando do poder de

persuasão de seus mestres, e levando em consideração a fé exercida pelos fiéis ao

sobrenatural, interpôs sobre a sociedade, seu domínio.

Com a defesa desta corrente, permitiu-se que a igreja

infiltrasse e dominasse o Estado, mantendo-se aquela, no controle do poder civil

deste.

Bonavides16 ressalta que a constância do pensamento cristão

da época cifrou-se, por considerar o Estado como meio para a realização dos fins

espirituais da igreja, partindo sempre da premissa de que ao poder temporal deverá

sobrepor-se o poder sobrenatural, e que a ordem de Deus prevaleceria sobre a

ordem humana. Havia no pensamento medieval, confirmação de uma idéia essencial

à época: a da efetivação da vontade divina em proveito da cristandade. A

decadência ética da igreja durante a derradeira fase da idade média e os

acentuados embates e rivalidades entre o papa e os imperadores germânicos

acabaram, porém, por soterrar a hegemonia da igreja, arruinando assim, o último

grande esforço humano de unidade política universal.

1.1.4 Teoria contratual

Aquino17 inspirando-se em Aristóteles18, afirmou ser o homem,

por natureza, um animal social e político e que a vida em sociedade surgiu ante a

tendência natural dos homens em conviver em cooperação com seus semelhantes.

16 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 28. 17 AQUINO, Santo Tomás de. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução Francisco Benjamim de Souza Neto, Petrópolis: Vozes, 1997, p. 27.

18 ARISTÓTELES afirma: “Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por natureza, um animal político” ARISTÓTELES, A política, p. 4.

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Afirma Souto19, que Platão e mais tarde Hobbes, defendiam

que algo havia além da tendência natural da convivência do homem em sociedade,

que era à vontade humana. Neste sentido, menciona:

Titularizando cada ser humano um poder, isto é, a faculdade de

transformar vontade em atos, aos poucos o homem foi sentindo a

necessidade, decorrente da vida social num determinado território,

de transferir o seu exercício (e não a titularidade) a um

representante, para que este, agindo em nome da vontade de todos,

zelasse pelo bom funcionamento da sociedade. Surgiu, então, a

noção de Estado.

Locke20 ao iniciar sua abordagem sobre os fins da sociedade

política e do governo faz a seguinte indagação:

Se o homem no estado de natureza é livre como se disse, se é

senhor absoluto de sua própria pessoa e suas próprias posses, igual

ao mais eminente dos homens e a ninguém submetido, por que

haveria ele de se desfazer dessa liberdade?

Locke21 mesmo responde afirmando que a reunião de homens

em sociedade decorreu da necessidade de estruturarem-se para mútua defesa e

“(...) conservação de suas vidas, liberdades e bens, aos quais atribuo o termo

genérico de propriedade”. Era a idéia do “contrato social” sustentada por

Rousseau22, através do qual haveria mútua transferência do direito em prol do bem-

estar geral.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE ESTADO

O Estado, elemento dinâmico por excelência, vem se

aprimorando no passar dos tempos. Com escopo de vislumbrar o desenvolvimento e

a evolução estatal no decorrer dos anos, e ainda, de idealizar um futuro para o

19 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações e contratos administrativos. 3. ed. Rio de Janeiro: Esplanada, p.23.

20 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução Julio Fischer, São Paulo: Martins Fontes, p. 494-495.

21 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil, p. 494-495 22 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 24.

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mesmo, traçou-se a diferenciação entre as diversas épocas da história da

humanidade, evidenciando as peculiares formas atribuídas ao Estado em cada

época.

Alguns autores que tratam deste assunto adotaram uma

seqüência cronológica, iniciando-se através do Estado Antigo e finalizando no

Estado Contemporâneo.

Elementos comuns no processo evolutivo do Estado podem ser

aferidos partindo-se de um estudo pretensioso, que possibilite delimitar em cada

época a forma de exercício do poder, sem exaurir o assunto, para uma visão mais

global da atualidade, senão, pelo menos sumariamente fornecer um norte da

evolução do exercício desse poder e da limitação da liberdade dos indivíduos que

convivem sob este Estado.

1.2.1 Estado Antigo

Nas antigas civilizações, em que o pensamento político da

religião, da moral e da economia confundia-se num conjunto de difícil separação,

predominava os ideais religiosos, razão de ser chamado teocrático, haja vista que o

governo e o comportamento dos indivíduos eram regidos por um “poder divino”.

Segundo Dallari23:

Há, entretanto, duas marcas fundamentais, características do estado

desse período: a natureza unitária e a religiosidade. (...) a idéia de

natureza unitária é permanente, persistindo durante toda a evolução

política da humanidade. Quanto à presença do fator religioso, é tão

marcante que muitos autores entendem que o Estado desse período

pode ser qualificado como estado teocrático.

Nesse sentido, convém anotar que no Estado Antigo, definido

entre as civilizações do Oriente, o poder pertencia a uma só pessoa, que acumulava

funções militares, judiciais, sacerdotais. Neste norte, Maluf24 elucida:

Outro de seus caracteres gerais era a concentração de poderes

numa mesma pessoa, que acumulava as funções militares, judiciais,

23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 62. 24 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 94.

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21

sacerdotais e de coleta de impostos. Essa acumulação de funções,

principalmente nas províncias longínquas, tornava o chefe local

praticamente independente do poder central, a tal ponto que o

emprego se transmitia hereditariamente.

Outra característica comum no Estado teocrático, é que eles

eram formados e mantidos através do poder bélico.

O imperador que triunfasse em maior número de batalhas anexava

os territórios conquistados e escravizava as populações vencidas,

formando um grande império com plena hegemonia sobre vastas e

determinadas regiões25.

A classe política que exercia o poder na polis era a elite,

formada por poucos indivíduos considerados cidadãos.

1.2.2 Estado Grego

O Estado Grego ou Estado Helênico é geralmente apontado

como fonte da democracia, entretanto, nunca possuiu um alcance de democrático no

conceito do direito público moderno, pois grande massa de sua população era

formada por escravos, sem qualquer espécie de direitos políticos26.

À luz de Dallari, apesar da distinção entre os costumes

adotados pelos principais Estados gregos, Atenas e Esparta; a concepção política

era muito semelhante. Caracterizada por Cidade-Estado, a polis, eram as

sociedades políticas de maior expressão, no qual houve uma evolução da

monarquia patriarcal para a república democrática direta, em que os cidadãos

possuíam uma posição diferenciada27.

Denota-se um grande avanço concernente à religião, pois

Estado e a religião não se confundiam, as divindades gregas não possuíam cunho

místico à autoridade, coexistindo, assim, distintamente, a comunidade religiosa e a

25 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 93. 26 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 97. 27 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 63.

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22

associação política. As polis encontravam, tão somente, limites na intervenção do

povo, quando dos negócios estatais e na distribuição da justiça. 28

Segundo Aristóteles29,

(...) a sociedade constituída por diversos pequenos burgos forma

uma cidade completa, com todos os meios de se abastecer por si,

tendo atingido, por assim dizer, o fim a que se propôs.

Nas lições de Dallari30, a elite que compõe a classe política tem

imensa influência nas decisões do Estado nos assuntos de caráter público. Já nas

relações privadas a vontade individual é restrita, ou seja, até mesmo o governo

democrático era dominado por uma faixa estrita da população.

1.2.3 Estado Romano

Pode-se dizer que o Estado Romano originou-se logo após o

Estado Grego, possuindo características semelhantes ao mesmo, em razão do

parentesco étnico entre gregos e romanos antigos, bem como na forma que se deu

à evolução do Estado.

Sob a égide de Maluf31:

O Estado Romano tinha sua origem, efetivamente na ampliação da

família. A família era constituída pelo pater, seus parentes agnados,

os parentes destes, os escravos (servus) e mais os estranhos que se

associavam ao grupo (famulus). A autoridade do pater família era

absoluta: pontífice, censor dos costumes, juiz e senhor, com poder

de vida e morte sobre todos os componentes do grupo (jus vitae et

necis ).

Mantenedor das características básicas da Cidade-Estado, o

império romano se estendeu de 754 a.C. até a morte de Justiniano em 565 da era

cristã. O considerável desenvolvimento e superação determinaram-se pelo domínio

28 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 98. 29 ARISTÓTELES, A política. p 8. 30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 64. 31 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 101.

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23

de uma grande extensão territorial e principalmente pelo cristianismo, através do

advento de novas formas de sociedade política no contexto medieval32.

Frente às várias conquistas dos romanos, começou a surgir à

idéia de formar um Império e, por conseguinte, a necessidade de manter o poder

político centralizado, razão pela qual houve uma integração jurídica dos povos

conquistados. Mesmo assim estes povos ficaram numa situação inferior ao plebeu

romano até o edito de Caracala. Neste contexto, afirma Cintra33:

O objetivo do edito de Caracala foi político, a unificação do império;

foi religioso, visa aumentar os adoradores dos deuses de Roma; foi

fiscal, quer obrigar os peregrinos a pagar impostos nas sucessões;

foi social, com vistas a simplificar e facilitar as decisões judiciais, nos

casos sobre o estado e constituição das pessoas.

Assim, iniciou-se a fase de transição marcada pelo Edito de

Milão, em 313 d.C., quando Constantino assegurou liberdade religiosa e extinguiu

com a noção de superioridade dos romanos.

1.2.4 Estado Medieval

Houve o início da Idade Média após o desmoronamento do

Império Romano, findando-se a idade antiga, e surgindo, então, o Estado Medieval.

A noite negra da história da humanidade é a denominação

trazida por alguns acerca de tal idade, pois é indubitável que se trata de um dos

períodos mais difíceis do plano do Estado. Caracterizado por elementos como o

cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo, que muito contribuíram para uma

evolução que tendesse a centralização do poder e uma unidade política34.

Formado por um direito consuetudinário, o Estado Medieval

utilizava-se dos usos, dos costumes e das regras do direito natural como fonte de

direito. Percebe-se como característica também pela confusão que se fazia entre

32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 64. 33 CINTRA, Geraldo de Ulhôa. De statu civitatis. Alguns Aspectos da Cidadania Romana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 54.

34 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 66.

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direito público e privado, ocasionando paulatinamente na absorção das propriedades

privadas pelo poder administrativo. Daí se originou o feudo ou comuna35.

Com a consolidação do Estado Medieval, formulou-se a teoria

da separação e coexistência de dois poderes, no sentido de evitar os abusos

decorrentes da acumulação dos poderes. Todavia, a partir do século VII, nasceu a

supremacia da doutrina do poder espiritual sobre o poder temporal, de tal forma que

até mesmo os reis medievais passaram a submeter-se ao crivo da Santa Igreja.

Sobre o assunto, Maluf36 assevera que:

A preeminência do Papado sobre os monarcas medievais era de

ordem espiritual. O Estado era de fundamento teológico, mas não se

confundia com o feitio teocrático das monarquias orientais, isto é,

com o sistema dos reis-deuses da antigüidade. O rei-cristão da Idade

Média recebia o poder das mãos do Bispo, era consagrado no ato de

sua investidura e ungindo ao pé do altar. Daí a sua subordinação ao

poder espiritual, considerado originário e superior.

Devido ao fato do Estado medieval ter-se erguido por meio dos

escombros das invasões bárbaras, as tradições romanas nada influíram para o seu

desenvolvimento37.

Em consequência da vasta dominação de territórios pelos reis

bárbaros, passou-se a distribuir cargos, vantagens e privilégios aos seus chefes

guerreiros, resultando daí a fragmentação do poder, já que era impossível manter

sua unidade através de um comando central. Em compensação, foi criada a

hierarquia imperial de condes, marqueses, duques e barões, que possuíam certas

faixas territoriais, sendo concessionários do poder jurisdicional do rei. Em suma,

havia a fragmentariedade do poder, através de reinos, feudos, corporações de

ofícios; e a luta entre Igreja e Império, que apenas terminou com o surgimento do

Estado Moderno 38.

35 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 108. 36 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 112. 37 MALUF, Sahid.Teoria geral do Estado. p. 109. 38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p. 109.

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25

Logo, conclui-se que essa fase foi conseqüência de uma

permanente instabilidade econômica, social e política.

1.2.5 Estado Moderno

Vislumbra-se através da obra de Dallari39, que surge aqui a

compreensão dos principais elementos constitutivos do Estado, que são:

(...) a soberania, como sinônimo de independência e de poder

jurídico mais alto; o território, ou seja, onde esta soberania é exercida

delimitadamente; o povo, como o conjunto de indivíduos que, através

de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado.

Segundo a maioria dos autores, os elementos indispensáveis

para a existência desse novo Estado são dois: soberania e territorialidade. Mas, para

Dallari40 é necessário analisar quatro características – a soberania, o território, o

povo, e a finalidade – para alcançar um conceito realista de Estado.

Assim, os traços mais salientes da mais abrangente, complexa

e importante forma de organização da sociedade, o Estado Moderno, é a

harmoniosa separação dos poderes do Estado, ou seja, das fontes orgânicas de

decisão sobre as condições gerais da vida humana em sociedade. Além do solene

compromisso de revelação e preservação da ordem jurídica e garantia dos direitos

humanos.

Importa trazer a baila que o processo de formação dos Estados

Modernos foi também expressivamente impulsionado por outras grandes

transformações de ordem cultural e religiosa.

Ora, as deficiências no Estado Medieval despertaram a

consciência para buscar uma unidade com poder supremo. Fato este “documentado”

pelo tratado de Westfália, do qual o Estado moderno foi oriundo41.

39 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p 67. 40 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p 72. 41 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. p 70.

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1.2.6 Estado Contemporâneo

O Estado contemporâneo tem como marco de seu surgimento,

a Constituição mexicana de 1917 e com a Constituição de Wiemar em 1919,

destacando-se a primazia do humano, submetendo o econômico à força social42.

Pasold43 assevera que o Estado contemporâneo desenvolve

uma função social. Ao explicar o mecanismo da função social aplicada ao Estado

Contemporâneo, o faz partindo “(...) de um significado para a palavra função

comprometida com dois elementos semânticos distintos entre si, mas mutuamente

complementares, quais sejam: a AÇÃO e o DEVER DE AGIR, este último resultante

da natureza do agente. (...) A causa da Função Social é, pois, a necessária

interação continuada entre Sociedade e Estado”.

Importante destacar que o Estado contemporâneo está

caracterizado pela sua posição intervencionista no domínio econômico e nas

relações negociais da sociedade, através do surgimento do Estado de direito em

estágio mais elevado, e através do Estado social de direito, que aspira proporcionar

o bem social e a melhora de vida em sociedade.

Wolkmer44 destaca:

(...) a crise e a falência do modelo liberal, a eclosão da sociedade

industrial de massas, bem como as profundas transformações sócio-

econômicas ocorridas em fins do século XIX e começos do século

XX, possibilitaram a complexa experiência de uma estrutura que, por

estar ainda em curso, assume diversas especificidades, cunhada por

autores com as designações de Estado Social, Estado

Intervencionista, Estado Tecnocrático, Estado do Bem Estar, Estado

Providência ou Assistencial (Welfare State), etc.

O Estado contemporâneo, efetivamente assumiu sua função

intervencionista na sociedade a fim de promover o equilíbrio das relações sociais e

42PASOLD. Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo. 2. ed. Florianópolis: Estudantil, 1988. p. 104.

43 PASOLD. Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo. p. 69. 44 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 26.

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27

proteger os indivíduos que estão em situação desfavorável perante as leis do

mercado e da livre competição45.

1.3 CONCEITO DE ESTADO

O conceito Estado pode ser entendido através de diversos

enfoques, desde modos mais genéricos e abrangentes até classificações mais

específicas e restritas.

Em seu lato conceito, Ceneviva46 preleciona:

O Estado é entidade jurídico-social soberana, constituída pelo povo,

sob governo exercido sobre espaço delimitado. Visto como

instituição, compreende os elementos fundamentais indicados (povo,

território e governo), cuja conceituação, por envolver ramos diversos,

varia conforme a posição do observador. Povo e Espaço delimitado

são realidades, humanas e físicas, sem cuja existência não há falar

em Estado. Poder haver povo sem Estado (os israelenses, antes de

Israel, os palestinos nos últimos anos do século XX, mesmo após o

reconhecimento pela Organização das Nações Unidas) e espaços

territoriais sem povo (a região polar da Antártida). A conjugação dos

dois elementos á base ao Estado, enquanto entidade jurídica e social

sob governo. O trinômio é insuficiente, sendo completado pela

soberania. Adiante se examina o conjunto desses elementos

essenciais.

Corroborando com a conceituação de Estado supra aludida,

Ferreira Filho47, em lapidar construção, diz que o “Estado é uma associação humana

(povo), radicada em base espacial (território), que vive sob o comando de uma

autoridade (poder), não sujeita qualquer outra (soberana)”.

Sobre o assunto, a fim de concluir a conceituação estatal, insta

discorrer acerca dos elementos constitutivos do Estado.

45 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. p. 26. 46 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 31-32. 47 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.49.

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28

1.4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO

Elencam-se como elementos primordiais na constituição do

Estado: o Povo, Território e o Governo Soberano. Em que pese ao povo, é, no

próprio conceito da palavra, o componente humano do Estado. Logo, o território é a

base física do Estado e, quanto a soberania, atinente ao governo soberano, é o

elemento condutor do Estado, que detém o dever absoluto de determinar e organizar

o poder emanado do Povo.

1.4.1 Povo

Povo é o conjunto de indivíduos que vivem em determinado

território; organizados politicamente, firmados em Nação. Esta é, assim, a forma

política, orgânica, do povo48.

Verifica-se que a população é o primeiro elemento formador do

Estado, o que independe de justificação. Sem essa “substância humana” não há que

cogitar na formação ou existência do Estado. Sustentam que o elemento

“população” se entende, em sentindo amplo e puramente formal, como reunião de

indivíduos de várias origens, os quais se estabelecem num determinado território,

com ânimo definitivo, e aí se organizam politicamente49.

1.4.2 Território

Notória a conceituação de território, posto que é a base

geográfica do Estado, vale dizer, a parcela do globo terrestre que se encontra sob

sua jurisdição. Indubitavelmente, é elemento material essencial ao Estado, onde ele

exerce a sua soberania. Não se conhece nenhum ente estatal sem território. O

inverso também é verdadeiro. A parte sólida do globo terrestre está toda ocupada

por Estados, com exceção, tão-somente, da Antártida50.

48 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p.131.

49 Maluf, Sahid. Teoria geral do Estado. p. 23. 50 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e ciência política. p. 57;

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Errôneo o entendimento de que o território fica restrito à área

material circunscrita pelas fronteiras, ou seja, terrestre, haja vista que ele abrange

também as águas territoriais, o ar e o subsolo51.

Segundo Burdeau, o território não passa de um limite natural à

ação dos governantes, não se configurando um limite caracterizador do Estado.

Kelsen define território como sendo o âmbito de validade da norma jurídica. O

território tem de ser visto sob prisma de um conceito político jurídico e não apenas

geográfico. Também não se deve confundir o conceito de território com o de

propriedade, pois naquele encontramos o poder de imperium, ou melhor, sua

competência jurisdicional, e, na propriedade, o poder de domínio52.

Importa comentar, então, que num dado território só vige uma

ordem jurídica, é o chamado principio da territorialidade, pois já se foi o tempo,

anterior à consolidação do Estado, em que numa mesma área geográfica conviviam

pessoas leais a diferentes ordens jurídicas. O que depreende nos dias atuais é que

o ente estatal submete o povo encontrado no seu território ao seu próprio direito53.

Exceção à regra apresenta-se o fenômeno da

extraterritorialidade, que em virtude de tratados ou costumes internacionais entre os

Estados, tolera em reconhecer embaixadas e as representações diplomáticas em

geral, assim como as belonaves, como uma extensão54.

1.4.3 Governo Soberano

Positivamente, governo é o conjunto das funções necessárias à

manutenção da ordem jurídica e da administração pública. Ensina Duguit que a

palavra governo tem dois sentidos: coletivo, como conjunto de órgãos que presidem

a vida política do Estado, e singular, como poder executivo, “órgão que exerce a

função mais ativa na direção dos negócios públicos”55.

51 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e ciência política. p. 58; 52 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e ciência política. p. 59; 53 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e ciência política. p. 59; 54 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e ciência política. p. 60; 55 Maluf, Sahid. Teoria geral do Estado. p.27;

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30

Já soberania pressupõe uma supremacia absoluta, deve-se

considerar como soberano aquele Estado que, na comunidade internacional, não

encontra limites no exercício dos seus direitos, não admite a tutela de outros, em

seus negócios internos56.

Esta soberania estende-se, mesmo, além das fronteiras, na

proteção dos seus nacionais, na extraterritorialidade da representação diplomática,

na força das decisões dos seus tribunais57.

1.5 A SEPARAÇÃO DE PODERES

É clarividente que a separação dos poderes foi um importante

mecanismo de organização e limitação do poder político, e basicamente visualiza o

impedimento da concentração de funções a uma única estrutura organizacional.

Ao se falar na repartição dos poderes, não se pode deixar de

lembrar a manifestação de Montesquieu58:

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos

principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes; o

de fazer as leis, o de exercitar as resoluções publicas e o de julgar os

crimes ou as querelas entre os particulares.

Os postulados fundamentais de sustentação da separação dos

poderes são três:

O primeiro consiste na diferenciação de estruturas organizacionais

estatais. É necessário configurar diferentes conjuntos de órgãos

organizados entre si por vínculos de cunho hierárquico. Cada uma

das estruturas organizacionais é dotada de uma margem de

autonomia, o que significa ausência de subordinação á outra. Depois

é necessária a diferenciação entre funções estatais, o que se faz em

vista de sua consistência material. Classicamente, são identificadas

três funções diversas: a legislação, a jurisdição e a administração. O

terceiro postulado consiste em atribuir a cada estrutura

56 Cavalcanti, Themistocles Brandao. Teoria do Estado. p.135; 57 Cavalcanti, Themistocles Brandao. Teoria do Estado. p.135; 58 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 172.

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organizacional (Poder) um tipo de diverso de função. Assim, o Poder

Judiciário é investido da competência jurisdicional, o Poder legislativo

é titular da competência legislativa ou legiferante e o Poder executivo

desempenha a competência administrativa ou executiva.59

Ante a fragilidade humana na busca do poder, não convinha

que as mesmas pessoas que possuem o poder de legislar tenham também o poder

de executar as leis, pois estas poderiam se isentar da obediência às leis que

elaboraram, adequando, pois, a lei a sua vontade quando da execução desta.

Com o advento da Revolução Francesa esta teoria tornou-se,

um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão de 1789 expressar que não teria constituição a sociedade que não

assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constituiu

técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o

é.

Deve-se levar em consideração que existem várias teorias de

separação dos poderes. Ela é adotada em praticamente todos os países, mas com

configurações e modificações próprias de cada país. Então, evidentemente, todos

compartilham a impossibilidade da separação absoluta das funções.

Uma vez organizado o Estado, este passa a responder

civilmente por atos de seus agentes. Tal tema será abordado no capítulo seguinte.

59 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23/24.

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CAPÍTULO 2

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O Estado é um ente figurado, constituído para desenvolver

uma prolixidade de funções atreladas aos três grandes poderes de legislar, de

administrar e de jurisdicionar. Sabe-se que ele é movimentado pela força humana,

mas com personalidade jurídica própria. Desta forma, como todo ser humano está

suscetível a cometer erros, boa parte dos atos estatais são imperfeitos, deixam a

desejar, ou ainda, causam dano a outrem.

Sobre este enfoque Cahali60 elucida que:

No desenvolvimento das funções que lhe são próprias e na

realização dos fins colimados, o Estado desdobra-se em organismos

e órgãos, estruturando-se segundo uma aparelhagem complexa, sem

prescindir, todavia, do elemento humano, da pessoa física, na

execução daquelas tarefas: são seus agentes, seus funcionários,

seus servidores, seus prepostos, aos quais delega atribuições ou

poderes de agir, de tal modo que os atos por estes praticados

representam atos da própria entidade estatal.

Assim como os demais indivíduos, o Órgão Estatal é titular de

direitos e obrigações na esfera civil. Ele possui responsabilidade sob os danos

resultantes de seus comportamentos, ainda que não haja um contrato firmado entre

ele e o ofendido, sempre que um ato comissivo ou omisso do Estado gera um dano,

nasce à responsabilidade de ressarci-lo.

Para aprofundarmos no assunto, importa esclarecer como

ocorreu a evolução de tal instituto.

60 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 15.

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33

2.1 ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Na busca em indicar quando despontou os primeiros ideais

constituintes da responsabilidade civil, é necessário retroceder ao princípio da

civilização humana, ocasião em que o homem, convivendo em grupo, agia por

vingança coletiva contra o ofensor que lesava outro integrante61.

Mais tarde, no período em que vigorava a Leis das XII Tábuas,

a vingança adquiriu caráter privado, sob o enfoque trazido pela Pena de Talião, em

que a lesão causada era reparada por outra lesão de igual natureza62.

Avançando no tempo, constatou-se que a fórmula “olho por

olho, dente por dente” apenas resultava duplo dano, ou seja, aquele causado à

vítima e ao ofensor, razão pela qual se deixou em desuso a retaliação e foi adotada

a composição entre as partes, uma forma mais prudente de reparação63.

Consoante Diniz64, a composição surgiu para que “reparasse o

dano mediante a prestação de poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a

critério da autoridade pública, se o lesado fosse público (perpetrado contra direitos

relativos à res pública), e do lesado, se tratasse de delito privado”, nas situações em

que o prejuízo incidia contra os interesses de particulares.

Mais tarde, o Estado tornou a composição em compulsória,

passando a exercer de forma exclusiva a função de fixar o valor dos prejuízos, neste

período, não havia distinção entre a responsabilidade civil e penal, sendo que a

composição servia como remédio para solucionar ambos os casos65.

Em crescente análise, a Lex Aquilia apontou as bases da

responsabilidade extracontratual. Ela reforçou a medida de reparação pecuniária do

dano, e a partir de sua edição, o conceito de culpa foi tracejado, o que propiciou ao

61 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 10.

62 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: saraiva, 2005. p.10.

63 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 11. 64 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

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lesante a isenção da responsabilidade nos casos em que ele houvesse agido sem

intenção. Ademais, passou-se a analisar o patrimônio do ofensor, a fim de que ele

pudesse arcar com o valor exigido como ressarcimento, aplicando-se uma poena

específica para o dano que deu origem.66

Sobre o assunto Gagliano e Pamplona Filho67 ensinam que:

Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá,

porém, com a edição Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que

deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou

extracontratual. Constituída de três partes, sem haver revogado

totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é propugnar pela

substituição das multas fixas por pena proporcional ao dano

causado. (...) Com efeito, regulava ela o damnum injuria datum,

consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato

ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem

justificativa legal. Embora sua finalidade original fosse limitada ao

proprietário de coisa lesada, a influência da jurisprudência e as

extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse

uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual.

Assim, na busca por resoluções mais equitativas, o valor da

prestação pecuniária – que era a mesma para todos os casos – começou a analisar

dois pressupostos para ser estipulado, quantificava-se em concordância com o valor

venal da coisa deteriorada e sua quantia estimada no decorrer de trinta dias

anteriores ao delito 68.

Adiante, as sanções da referida lei foram aplicadas aos casos

de omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. No período da

Idade Média, a concepção de dolo e de culpa no seu stricto sensu tomou forma, o

que ocasionou a distinção da responsabilidade civil e penal.69

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 67 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 11-12. 68 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 21. 69 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

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O berço da conceituação doutrinária da responsabilidade civil

foi à obra do jurista francês Domat, teoria que logo foi concebida pelo Código Civil

francês e demais legislações que estabeleceram a culpa como pressuposto70.

Por fim, a responsabilidade civil se assemelhou à concepção

contemporânea quando seu estudo compreendeu que não bastava apenas garantir

a reparação das hipóteses de culpabilidade, ou seja, de ênfase subjetiva, mas

também das circunstâncias que ocasionavam o simples risco de prejuízo,

estendendo sua área de incidência para acontecimentos que dispensavam a

efetivação da culpa.71

Neste enfoque, esclarece Lima72:

O movimento inovador se levanta contra a obra secular; a luta se

desencadeia tenazmente e sem tréguas; Ripert proclama Saleilles e

Josserand ‘os síndicos da massa falida da culpa’, e, a despeito das

afirmações de que a teoria do risco desfaleceu no ardor de seu

ataque, seus defensores persistem na tarefa, e as necessidades

econômicas e sociais da vida moderna intensa obrigam o legislador a

abrir brechas na concepção da teoria clássica da responsabilidade.

Ambas, porém, continuarão a subsistir, como forças paralelas,

convergindo para um mesmo fim, sem que jamais, talvez, se possam

exterminar ou se confundir, fundamentando, neste ou naquele caso,

a imperiosa necessidade de ressarcir o dano, na proteção dos

direitos lesados.

Assim, frente à fundamentação de tal teoria, as legislações

modernas optaram por ampará-la, sem desprezar a teoria da culpa, fato ocorrido,

inclusive, em nosso ordenamento jurídico73.

Não obstante o Estado se tratar de um ente figurado hábil a

cometer equívocos por meio de seus agentes públicos, a medida sob seus

indivíduos não era a mesma aplicada contra si, ele não aderiu primordialmente à

concepção de que suas ações também resultariam em ressarcimento, o dever

70 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 71 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 12. 72 LIMA, Alvino. Culpa e risco.p. 41. 73 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 13.

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estatal de reparação dos danos causados aos particulares foi uma construção mais

tardia, ocorrida ao longo da sua salutar estruturação.

Sob a égide Farias74 esclarece que:

A responsabilidade civil do Estado passou por processo mutativo na

medida da evolução da sociedade e do Estado. Inicialmente, o

Estado era concebido como irresponsável visto estar ele acima do

Direito. Da irresponsabilidade evoluiu-se para a responsabilidade

com culpa (subjetiva), chegando, finalmente, à responsabilidade sem

culpa (objetiva).

À luz do doutrinador Paul Duez , apud Cahali75 esquematiza o

processo em fases:

a) numa primeira fase, a questão inexistia; a irresponsabilidade

aparece axioma, e a existência de uma responsabilidade pecuniária

da Administração é considerada como entrave perigoso à execução

dos seus serviços; na ordem patrimonial, os administradores têm à

sua disposição apenas uma ação de responsabilidade civil contra o

funcionário; b) numa segunda fase, a questão se põe parcialmente

no plano civilístico: para a dedução da responsabilidade pecuniária

do Poder Público, faz-se apelo às teorias do Código Civil, relativas

aos atos dos prepostos e mandatários; c) numa terceira fase, a

questão se desabrocha e se desenvolve no plano próprio do direito

público; uma concepção original, desapegada do direito civil, forma-

se progressivamente no quadro jurídico da faute e do risco

administrativo.

Destarte, o instituto da responsabilidade civil sofreu evolução

no tempo e no espaço, por meio das diversas teorias ao seu respeito que foram

criadas, conforme análise a seguir.

2.2 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Convém advertir, precipuamente, que a terminologia e

estruturação utilizadas pela doutrina para discorrer sobre a evolução histórica das

74 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 421.

75 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 19/20.

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teorias da responsabilidade do Estado possuem divergências, optou-se por adotar

para este trabalho, a divisão que se passa a expor:

2.2.1 Teoria da irresponsabilidade do Estado

Em meio ao período em que vigorava os estados absolutos, é

cediço que a primeira teoria crescente foi a da irresponsabilidade do Estado.

Em tal momento histórico, altamente autoritário, não havia

separação entre a figura do Estado e do soberano, o qual, inclusive, possuía uma

feição divinizada. Assim, o particular que sofresse gravames decorrentes dos atos

estatais resignava-se, suportando exclusivamente o custo, sem qualquer proteção

de seus direitos76.

Em meio à soberania vigente, pairava pelo Estado uma

autoridade incontestável perante os súditos, sendo que ele exercia a tutela do

Direito, não podendo, então, agi contra si. O Marco da época são os princípios de

que o rei não pode errar (the king can do no wrong) e o de que aquilo que agrada o

príncipe tem força de lei (quod principi placuit habet legis vigorem) 77.

Descreve Maffini78 que existiam “algumas exceções à realidade

relatada, as quais, contudo, deveriam estar expressas em textos legais e eram

consideradas benesses outorgadas pelo Estado”.

Assim, apesar do Estado não arcar com o prejuízo, ou seja,

viger a irresponsabilidade estatal, o ressarcimento recaía sobre os atos dos seus

agentes, acabando por admitir a responsabilização individual do agente estatal,

desde que demonstrado o seu dolo e culpa79.

Em tese, os danos eram ressarcidos pelos agentes, mas na

prática, a satisfação material ao dano causado não logrou êxito por dois fatores: “O

primeiro decorre do fato de os servidores de classe média ou baixa não disporem de

76 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: 2007. p. 206. 77 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p. 640

78 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. p. 206. 79 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.402.

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recursos financeiros e nem patrimoniais, em regra, para suportarem suas despesas”.

O segundo fator obstaculizando “decorria do fato de que nem sempre a autoridade

administrativa competente autorizava o processamento do servidor, condição

essencial para instauração do processo”, apregoa Faria80.

À luz de Medauar81, por muitos séculos prevaleceu a teoria da

irresponsabilidade, e para sua mantença, várias concepções foram levantadas

justificando o prevalecimento estatal e sua isenção, dentre as quais: “o monarca ou

o Estado não erram; o Estado atua para atender o interesse de todos e não pode ser

responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontrastável, impede seja

reconhecida sua responsabilidade”.

Ponderar tal teoria nos tempos atuais seria um retrocesso, uma

concepção primitiva, neste enfoque, Cahali82 diz que “até mesmo nas legislações, o

princípio da irresponsabilidade está inteiramente superado, pois até mesmo os dois

últimos países que a sustentavam – Inglaterra e Estados Unidos – acabaram por

abandoná-la”, tornando-se “ponto axiomático, incontestável por qualquer escritor”.

E fatalmente isso passou a ser observado “com a evolução da

sociedade e a busca de preservação dos direitos individuais do homem, aspecto

aliado à submissão do Estado de Direito, deixou de prevalecer à irresponsabilidade

estatal ante os atos causadores de prejuízo ao homem.” esclarece Bruno83.

“Foi no século XIX que a tese da irresponsabilidade ficou

superada. Porém, ao admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado,

adotavam-se os princípios do Direito Civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se

em teoria civilista da culpa”, diz Di Pietro84.

80 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 626. 81 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno.12. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 365.

82 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 19. 83 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 402. 84 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 640.

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Por esta análise, a evolução do Estado Absolutista para Estado

de Direito acabou por reconhecer uma nova fase na história, o implemento da

responsabilidade estatal, ainda limitada, através da teoria civilista.

2.2.2 Teorias civilistas

A responsabilidade do Estado não foi inserida subitamente,

sofreu desenvolvimento ao longo do avanço do direito para ter o alcance

contemporâneo, a teoria civilista, etapa nesta evolução, compreende a teoria dos

atos de império e gestão e a teoria da culpa civil.

Apesar de ser tripudiada nos dias atuais, a teoria civilista teve

seu inegável mérito em outros tempos, face sua contestação inicial sobre o princípio

da irresponsabilidade absoluta85.

“Essa teoria, com a distinção operada, buscou abrandar a

teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Passou-

se a admitir a responsabilidade civil pelos atos de gestão e afastá-la pelos atos de

império.”, percebe Paulo Magalhães da Costa Coelho, em virtude de que o Estado é

dispare da pessoa do rei, que em tese, é insuscetível de cometer erros86.

Numa primeira fase distinguiram-se os atos do ente estatal em

dois grupos para efeitos da responsabilização do Estado; nos atos de império e atos

de gestão. Os atos de gestão eram praticados em condição igualitária com a

coletividade, para a consecução e desenvolvimento do patrimônio público e para a

gestão de seus serviços, assim, com aplicação do direito comum87.

“Tais como alienações, contratos, trocas, aquisições, em suma,

atos que o Estado pratica como se fosse um particular administrando seu

patrimônio.”, exemplifica Araújo88 acerca dos atos de gestão.

85 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p.22.

86 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 422.

87 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 422. 88 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 718.

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A respeito dos atos de império, tratavam-se da manifestação

da soberania, da autoridade pública, como requisições e atos relativos à segurança

da nação e sua defesa: em resumo, englobava todos aqueles que envolvessem uma

parcela do exercício do poder soberano estatal, permitindo, obstando ou mesmo

impondo algo aos membros dessa coletividade89.

Os atos de impérios garantiam a Administração Pública à

coerção em detrimento dos particulares e a imposição unilateral, usufruindo de todas

as prerrogativas e privilégios de autoridade, sendo regidos por um direito especial,

exorbitante do direito comum, haja vista que os particulares não gozavam destas

benesses90.

Nessa trilha de raciocínio, em virtude da equiparação com os

particulares, os atos perpetrados pelos agentes público que ferissem direitos dos

particulares, na condição de atos de gestão, aderiram à responsabilização estatal,

desde que presente a culpabilidade. Já os atos de império escapariam ao domínio

do direito privado, não sendo, por conseguinte, responsabilizado o Estado por

prejuízos causados por seus agentes agindo nessa qualidade91.

“Em condições tais, agindo o Estado no exercício de sua

soberania, na qualidade de poder supremo, supra individual, os atos praticados

nessa qualidade, atos jure imperii, restariam incólumes a qualquer julgamento (...)”,

frisa Cahali92.

No período de sua vigência, criou-se grande oposição a essa

teoria, pois houve o reconhecimento de ser impossível dividir a personalidade do

Estado93.

Ademais, a complexa conceituação das diferenças entre os

atos de gestão e império causava grande dificuldade e confusão no enquadramento

dos atos, quando possível, o que gerou o deslocamento do centro condicionante da

89 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 718. 90 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 422. 91 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 718. 92 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p.22. 93 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 640.

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responsabilidade pública para a culpa do ato, conforme já era adotado pelo Direito

Civil, assim, bastava evidenciar a culpa do ato estatal para responsabilizá-lo94.

“O estágio da responsabilidade com culpa civil do Estado,

também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob

influência do liberalismo, que assemelhava, para fins de indenização, o Estado ao

particular”, discorre Gasparini95.

Por esta análise, “procurava-se equiparar a responsabilidade

do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos (...)”,

assim, “a doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil Brasileiro

(de 1916), que consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado”, ressalta

Di Pietro96.

A concepção de culpa e dolo trazida à época continua a

mesma, referente ao Direito Privado. Encontra-se a noção de culpa quando o agente

público age com imprudência, negligência, imperícia ou imprevisão e causa um

prejuízo a alguém. Dolo designa a vontade consciente de agente público voltada a

prática de um ato que sabe ser contrário ao Direito97.

Sem esquecer, que a culpa do servidor teria de ser provada

pela vítima ou por quem legalmente lhe fizesse às vezes, desta feita a

responsabilidade do estado e do servidor não atendia plenamente aos interesses

das vítimas, visto necessitar de um conjunto probatório. Assim, a jurisprudência e a

legislação, a reboque, nortearam para a culpa objetiva 98.

Sobre o enfoque, escreve Gasparini:

A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em

relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não

satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia muitos dos

94 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 719. 95 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 872. 96 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 641. 97 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 872. 98 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 626.

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administrados, pois o lesado tinha de demonstrar além do dano, que

ele fora causado pelo estado e a atuação ou dolosa do agente

estatal.

Pelo exposto, que a doutrina civilística ou da culpa civil, “vem

perdendo terreno a cada momento, com o predomínio das normas de Direito Público

sobre as regras de Direito Privado na regência das relações entre a Administração e

os administrados” pelos ensinamentos de Meirelles99.

Assinala, portanto Meirelles100:

Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder, poder e

seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade

e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em

sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a

responsabilização da Administração pelos danos causados aos

administrados. Princípios de direito público é que devem nortear a

fixação dessa responsabilidade.

Assim, pela necessidade vivenciada, analisando os defeitos da

teoria adotada, foram desenvolvidas novas teorias que suprissem as falhas

existentes, surgindo, então, as teorias publicistas.

2.2.3 Teorias publicistas

Na fase mais avançada, por meio das decisões

jurisprudenciais, o Estado teve um estalo em sua mente figurada, ou seja, percebeu

que a formulação das teorias da responsabilidade deveria ser à luz dos princípios

aplicados ao direito público, nascendo as teorias publicistas.

As teorias publicistas da responsabilidade do Estado são: a

teoria da culpa do serviço e a teoria do risco, desdobrada, por alguns autores, em

teoria do risco administrativo e/ou integral. A teoria da culpa do serviço, também

99 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 630.

100 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 630.

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denominada culpa administrativa, desvinculou a responsabilidade do Estado da idéia

de culpa do funcionário, tratando como a culpa do serviço público101.

Nesta teoria, a obrigação de indenizar na culpa do serviço ou,

segundo os franceses, faute du service, foi centralizada. Ocorria a culpa do serviço

sempre que este não funcionava (não existia, devendo existir, por omissão),

funcionava mal (devendo funcionar bem), ou funcionava atrasado (devendo

funcionar no tempo), independente de qualquer apreciação da responsabilidade do

funcionário, a responsabilidade incidia102.

Desta forma, desaparece a exigência da demonstração da

culpa do agente público. “Basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade,

isto é, a constatação de que o fato danoso foi causado pelo estado, por ação

omissiva ou comissiva, culposa ou não”, assinala Faria103.

A teoria denomina-se de risco, pois parte da concepção de que

a atuação estatal envolve risco de dano, e chama-se também teoria da

responsabilidade objetiva por prescindir a análise dos elementos subjetivos (culpa

ou dolo), tendo sido acolhida pelo Código Civil Brasileiro104.

Não obstante alguns doutrinadores discordarem de tal

disparidade, Meirelles diferencia a teoria do risco administrativo e a teoria do risco

integral dizendo que a primeira admite - sendo que a segunda não admite – as

causas excludentes da responsabilidade do estado: culpa da vítima, culpa de

terceiros ou força maior105.

Diante das normas introduzidas no direito brasileiro –

consoante observância do art. 21, XXIII, d, da CRFB; da Lei n. 10.309/2001; da Lei

n. 10.744/2003 e dos arts. 246, 393, 399, do Código Civil – parece que a

conceituação de Meirelles foi acolhida, tendo em vista que há hipóteses expressas

101 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 642. 102 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 872. 103 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 627. 104 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 642/643. 105 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 631/632.

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de aplicação da teoria do risco integral, como são os casos de danos decorrentes de

acidentes nucleares, atos terroristas, atos de guerra e nas relações obrigacionais106.

Neste enfoque que as teorias foram estruturadas até

resultarem nos alicerces da responsabilidade patrimonial do Estado encontrados no

dias atuais, percebe-se que o Estado Brasileiro prevê, por meio de sua Carta

Magna, as responsabilidades subjetivas e objetivas.

2.3 ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Importa trazer à baila as diversas espécies de responsabilidade

civil. A classificação exsurge quanto ao fato gerador, quanto ao agente, e ainda,

quanto ao fundamento 107.

Acerca do fato gerador, observa-se que há duas formas

originárias da responsabilidade civil: por meio contratual e extracontratual.

A ordem jurídica estabelece que as pessoas físicas e jurídicas

devam ressarcir os danos provenientes de dois casos: do descumprimento de

cláusulas contratuais ou da inobservância das regras gerais que estejam obrigadas.

Aquela corresponde à responsabilidade obrigacional (contratual). Isto é, os

contratantes acordam reciprocamente em indenizar um ao outro pelo

descumprimento de cláusula estabelecida no contrato. Esta se refere à outra

modalidade de responsabilidade, decorrente do inadimplemento de normas gerais, é

a chamada responsabilidade extracontratual, ou seja, responsabilidade civil108.

Em análise à nomenclatura, torna-se lógica a distinção entre as

naturezas do fato gerador, pois a contratual decorre da convenção bilateral firmada

em contrato e a extracontratual pressupõem que nasça de uma relação que não haja

contrato entre os envolvidos, e para existir obrigação que não decorra de relação

contratual, trata-se de imposição legal.

106 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 644. 107 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 128/129. 108 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 625.

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Cretella Júnior mostra que a “responsabilidade contratual

deriva da infração de cláusulas aceitas por ambas as partes. Desse modo, celebrado

o contrato, descumprida uma ou mais cláusulas, o prejuízo ocasionado empenhará a

responsabilidade do infrator” 109, a respeito da responsabilidade extracontratual,

entende que “deriva da infração do princípio geral do neminem laedere110, pois quem

desempenha atividade deve suporta-lhe os ricos e perigos, as vantagens e

desvantagens” 111.

Tal entendimento doutrinário foi implantado na legislação

brasileira, o Código Civil vigente expõem os fundamentos da responsabilidade

contratual em seus arts. 389 e s. e 395 e s., quanto à responsabilidade

extracontratual, do art. 186 ao art. 188 e no art. 927. Veja-se:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao

exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um

direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa,

a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente

quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não

excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a

outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

109 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 601.

110 Ninguém deve ser lesado pela conduta alheia. 111 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 602.

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quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Exemplificando, se o prejuízo decorre da violação direta de

uma norma legal em razão de atuação ilícita do agente infrator, caso em que o

sujeito bate no carro de outrem, depara-se com a responsabilidade

extracontratual112.

Por outro lado, se existia norma jurídica contratual, vinculando

as partes, estaremos diante de uma responsabilidade contratual, como por exemplo,

o inquilino que deixa de pagar o aluguel113.

No que concerne ao agente, a responsabilidade civil estrutura-

se relativamente a quem pratica a ação, classificando-se em direta e indireta.

“Há situações em que o ordenamento jurídico atribui

responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele,

mas sim por terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica”, são

situações em que, a priori, corresponde a responsabilidade civil indireta, como

observa Gagliano e Pamplona Filho.

A responsabilidade direta é proveniente da própria pessoa

imputada – o agente responderá, então, por ato próprio. Quanto à responsabilidade

indireta ou complexa, deriva de ato de terceiro (RT,646:89, 641:132, 566:104;

494:92; RTJ 62:108), que haja vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal

(RT, 535:111, 589:109) e de coisas inanimadas sob sua guarda114.

Por fim, a responsabilidade civil (extracontratual) subdivide-se

conforme seu fundamento, em subjetiva e objetiva. Segundo Diniz115, é subjetiva

caso encontre sua “justificativa na culpa ou dolo, por ação ou omissão, lesiva a

determinada pessoa (RT, 583:145, 591:237, 607:117, 621:93). Desse modo, a prova

da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparar”.

112 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p.18. 113 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.129. 114 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 130. 115 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.130.

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A responsabilidade subjetiva resulta caracterizada pelo dano

causado em função de ato doloso (intencional), e culposo, que corresponde aos

casos em que há negligência ou imprudência, conforme o art. 186 e seguintes

aludidos. O dever de reparar é a conseqüência jurídica lógica do ato ilícito, com base

no capítulo das obrigações de indenizar, dos arts. 927 à 943 e no capítulo sobre os

parâmetros da própria indenização, previsto nos arts. 944 à 954, todos do Código

Civil. O princípio norteador do instituto é de que cada um responde pela própria

culpa, o que caberá ao autor, sempre, o ônus de provar a culpa do réu116.

Nos casos de responsabilidade indireta a culpa torna-se

presumida, seu elemento não é desprezado em razão do dever geral de vigilância a

qual o réu encontra-se obrigado117.

Neste enfoque Pereira118 demonstra o seguinte:

Na tese de presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa

como fundamento da responsabilidade civil. Onde se distancia da

concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova.

Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de demonstrar a

existência dos elementos fundamentais da pretensão, sobressaindo

o comportamento culposo demandado. Ao se encaminhar para a

especialização da culpa presumida, ocorre a inversão do ônus

probandi. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento

culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência

de culpa, para eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar

a responsabilidade civil, sem a necessidade provar o lesado a

conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo

da doutrina tradicional. Em determinadas circunstâncias é a lei que

enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que,

partindo de uma idéia tipicamente assenta na culpa, inverte a

situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado

demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria

vítima.

Sobre a responsabilidade objetiva, afirma Diniz119, que está

“fundada no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente

116 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p 14/15. 117 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p.14/15. 118 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense: 2001. p. 265-266

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causado prejuízo a vítima ou a seus bens (RF, 284:274; RT,579:135, 611:275,

620:197). É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez

que bastará a existência”.

Assim, a teoria do risco mantém a concepção de culpa,

contudo, distancia-se no momento de operacionalizar a reparação, tendo em vista

que dispensa a comprovação da culpa, invertendo o ônus probante para o ofensor.

2.4 CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

À vista do que até aqui dissemos, insta apenas esclarecer o

que é responsabilidade e demonstrar a distinção entre a responsabilidade civil e

criminal para, por fim, compreender a designação da responsabilidade civil do

Estado.

“Fácil é concluir que a noção de responsabilidade domina todo

o campo da ciência do direito, sendo comum ao direito privado e ao direito público,

apresentando-se como verdadeira categoria jurídica, cuja fonte produtora é o

homem”, diz Cretella Júnior120.

Bruno121 afirma textualmente que a expressão

responsabilidade é uma terminologia oriunda “do latim responsabilitatis, e refere-se à

idéia de garantia, de segurança, de assunção de pagamento a que se obriga, como

também, em relação aos atos em que pratica”.

A noção jurídica de responsabilidade desponta da “atividade

danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica

preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, as conseqüências

do ato (obrigação de reparar)”, tendo em vista os ensinamentos de Gagliano e

Pamplona Filho.

119 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 130. 120 JÚNIOR, José Cretella. Direito administrativo brasileiro. p. 601. 121 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 401.

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Araújo122 lembra que há sempre:

comportamentos devidos e comportamentos vedados relativos a

cada circunstância, e que os membros da comunidade devem

obedecer a essas prescrições, para que a coexistência no seio da

coletividade se desenvolva de maneira normal e equilibrada, sob

pena de sanções destinadas a restabelecer essa normalidade. Trata-

se apenas de diferentes aspectos da mesma questão, que é a

responsabilidade.

Neste norte, a responsabilidade criminal corresponde às

normas que coíbem certos comportamentos sociais de maior gravidade, tutelando os

bens jurídicos de maior importância para os indivíduos, como a incolumidade à vida,

à integridade física e psíquica, à liberdade, entre muitos outros.

Em incongruência com a responsabilidade civil, a criminal tem

por escopo aplicar uma “cominação legal, que poder ser privativa de liberdade,

restritiva de direitos ou multa” 123, a qual visa repreender futuras ações delitivas e a

conduta ora cometida, sem buscar trazer ao ofendido o statu quo ante ou qualquer

reparação.

Quanto à responsabilidade civil, tem o papel de reparar o dano

patrimonial e moral resultantes, buscando restaurar o statu quo ante, e quando

inviável, converter em pagamento de uma indenização (se possível avaliar o valor do

dano) ou de uma compensação (se inauferível) em favor do lesado124.

Em suma, Araújo125 conceitua a responsabilidade civil ou

patrimonial como “a obrigatoriedade de ressarcimento ou reparação pelo culpado

direto ou indireto do dano causado, ou seja, pelo responsável pela ação ou omissão

que causou o desequilíbrio na ordem natural patrimonial”.

Pereira inova ao denominar que a responsabilidade civil é um

binômio entre a reparação e o sujeito passivo. Descreve que “consiste na efetivação

da reparação abstrata em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se

122 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 711. 123 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 5. 124 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 5. 125 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 712.

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forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil,

que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência

na pessoa do causador do dano”126.

Diniz127 define a responsabilidade civil como aplicar as

“medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a

terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde,

ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”.

Corroborando Lopes128 esclarece que a responsabilidade civil é

“a obrigação de reparar prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de outra

circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por circunstância

meramente objetiva”.

Inserida no corpo conceitual da responsabilidade civil, está a

responsabilidade civil atinente ao Estado, que se perfaz pelo dever de reparar as

lesões acometidas pelos atos dos seus agentes públicos, contra os particulares de

uma relação em que não enseja contrato.

“Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se

cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a

administrativa, a jurisdicional e a legislativa.” É o que dispõe Di Pietro129.

Na tentativa de firmar a caracterização da responsabilidade

patrimonial do Estado, Gasparini trabalha pelo método dialético, trazendo as

negativas do que vem a ser o instituto:

O estado tem que recompor, integralmente, os gravames de ordem

patrimonial infligidos à vítima de sua ação ou abstenção lesiva? Na

obrigatoriedade, ou não, de restaurar o patrimônio ofendido reside o

problema da responsabilidade civil do Estado. Não se trata de

responsabilidade oriunda de ajustes celebrados pela Administração

Pública com terceiros, denominada responsabilidade contratual

126 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. p. 11. 127 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.34. 128 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1995. p.160

129 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 639.

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(nesta responsabilidade está fixada e se resolve com base nas

cláusulas do contrato) ou de responsabilidade criminal (as pessoas

jurídicas, públicas e privadas, não cometem contravenções ou

crimes, embora seus agentes, causadores diretos do dano, possam

cometê-los). Também não diz respeito à obrigação de indenizar, que

cabe ao Estado pelo legítimo exercício de poderes contra direitos de

terceiros, como ocorre na desapropriação e, algumas vezes, na

servidão, conforme inteligentemente observa Celso Antônio Bandeira

de Mello (Curso, cit., p. 473). Cuida-se, isto sim, da responsabilidade

patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado ou

responsabilidade civil do Estado, em face de comportamentos

unilaterais, comissivos ou omissivos, legais ou ilegais, materiais ou

jurídicos, que lhe são atribuídos.

Nos termos de Di Pietro130: “corresponde à obrigação de

reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos

ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes

públicos”.

Tal conceito de responsabilidade extracontratual do Estado não

difere do alcançado por Gasparini131, quando ele diz que é a “obrigação que se lhe

atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento

unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe

seja imputável”.

Concluindo, o simples conceito de Cahali132 mostra a

“responsabilidade civil do Estado como sendo a obrigação legal, que lhe é imposta,

de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades”.

O dano for provocado por Juízes no desenvolvimento da

função jurisdicional será objeto do próximo capítulo.

130 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 639. 131 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 869. 132 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p.22.

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CAPÍTULO 3

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DOS SEUS JUÍZES

Frente ao discorrido até então, surge indagação acerca da

responsabilização estatal no que tange aos atos praticados pelo Poder Judiciário,

em nome da sua função jurisdicional.

Com escopo de responder tal questionamento, percebe

Medauar133, que no “ordenamento pátrio a responsabilização do Estado por danos

oriundos de atos jurisdicionais ainda não encontrou guarida apesar de rica

elaboração doutrinária em sentido favorável”.

Assim Cahali134 elucida:

Não há espaço, aqui, para um exame da evolução histórica e

dogmática do instituto, em face dos objetivos visados pelo presente

trabalho. O que se tem como certo, contudo, é que vem-se

acentuando, mais recentemente, uma expressiva manifestação

doutrinária, com reflexos antecipatórios na jurisprudência, no sentido

do reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos danos

conseqüentes de suas falhas e omissões na prestação jurisdicional.

“Os fundamentos que conduzem à responsabilização civil do

Estado por atividade administrativa não contratual são plenamente aplicáveis ao

âmbito de atividade jurisdicional e legislativa”, posiciona-se Justen Filho135.

Mas antes de se discutir o mérito da questão, convém

esclarecer o que é o Poder Judiciário e a função jurisdicional.

133 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 373. 134 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 470. 135 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo. p. 805.

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3.1 O PODER JUDICIÁRIO E A FUNÇÃO JURISDICIONAL

A obra clássica “O espírito das leis”, autoria de Montesquieu,

despontou o apoio para estruturar o Estado Contemporâneo Ocidental. A separação

dos três poderes fez nascerem três órgãos independentes com funções distintas,

mas que se compõem e são harmônicos entre si, e dentre eles, está o judiciário.

Sabe-se que o homem – visto análise anterior do estudo – na

condição de ser social, sempre viveu em meio aos conflitos, sendo que “A função de

julgar é tão antiga como a própria sociedade. Em todo o aglomerado humano, por

primitivo que seja, o choque de paixões e de interesses provoca desavenças que

hão de ser dirimidas por alguém”, ilustra Guimarães136.

André Ramos Tavares apud Guimarães lembra que “o poder

de julgar pertence à nação, que o exercita por meio de seus juízes. Chama-se a

esse poder – jurisdição”, sendo que existem duas diretrizes básicas nesta seara, em

primeiro lugar, o cidadão não pode fazer justiça com as próprias mãos. Como

segunda diretriz, observa-se que todo conflito pode ser levado ao Estado para

resolução, e caso seja, nenhuma lide pode ser excluída de apreciação estatal, ou

seja, proíbe-se cominação legal ou ato que obste o direito de ação, e ainda, o

Estado não pode negar-se a apreciar e decidir o conflito social137.

Assim, o poder jurisdicional do Estado é além de um dever,

uma das funções inerentes à sua figura, o direito de ação do particular, que quando

exercido, resultará na movimentação da máquina do judiciário, e logo, sempre

alcançará numa conseqüente solução.

Segundo Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes

Júnior138, pode-se definir o poder judiciário como o “conjunto de órgãos públicos ao

qual foi deferida, com exclusividade, a função jurisdicional. É que, sob a ótica da

Constituição Federal, a jurisdição é monopólio do Poder Judiciário”.

136 GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 19 137 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1069.

138 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 343.

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O Poder Judiciário é consagrado como poder autônomo e

independente com crescente importância no Estado de Direito, pois sua função não

consiste em apenas administrar a justiça, é seu mister ser o verdadeiro conservador

da Constituição, com a finalidade de preservar, basicamente, os princípios da

legalidade e igualdade, alicerces para os demais. Tal concepção propiciou a

consolidação de grandes princípios de organização política, incorporados pelas

necessidades jurídicas na solução de litígios139.

Sob a égide, assevera Mendes140:

Destaca-se que, diferentemente do Legislativo e do Executivo, que

se encontram em relação de certo entrelaçamento, o Poder

Judiciário, ou a Jurisdição, é aquele que de forma mais inequívoca se

singulariza com referência aos demais Poderes. Konrad Hesse

observa que não é o fato de o Judiciário aplicar Direito que o

distingue, uma vez que se cuida de afazer que, de forma mais ou

menos intensa, é levado a efeito pelos demais órgãos estatais,

especialmente pelos da Administração. Todavia, o que caracterizaria

a atividade jurisdicional é a prolação da decisão autônoma, de forma

autorizada e, por isso, vinculante, em casos de direitos contestados

ou lesados.

Precipuamente, no Estado Moderno, a função jurisdicional, ou

seja, a função de fazer justiça se confundia com aplicar, exercer a lei em casos

particulares. Contudo, executar a lei é também objeto da função administrativa,

assim, mora a distinção das duas funções no modo de execução da lei que obedece

o Judiciário. Este aplica a lei contenciosamente, garantindo o debate entre as partes,

a apresentação de razões e do contraditório a todos os envolvidos, fazendo presumir

o acerto da decisão e, por conseguinte, a coisa julgada141.

Com advento da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, a função jurisdicional recebeu extensão, passando a “apreciar não só

o estrito cumprimento da lei, mas também alguns outros princípios, além da

139 MOARES, Alexandre. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 501. 140 MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 932. 141 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 247.

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legalidade. São estes, conforme o art. 37, caput, os da “impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência””, bem leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho142.

À luz de Marcato143:

Ao exercer em concreto a atividade jurisdicional, órgão estatal

imparcialmente sobrepõe-se aos sujeitos envolvidos no litígio

submetido à apreciação e, substituindo-se àqueles, torna efetiva a

regra legal reguladora do conflito; então, já de sua natureza

substitutiva (já que por meio da jurisdição o Estado faz valer a sua

vontade, sobrepondo-se à das partes envolvidas no conflito), a

jurisdição é ainda instrumental, ou seja, valendo-se dela o estado

torna efetiva e concreta a tutela abstrata e genericamente prevista no

ordenamento positivo. A função jurisdicional é exercida através do

processo e, uma vez instaurada a relação processual, as partes

submetem-se à autoridade do órgão jurisdicional, até o desfecho

daquele, quando então surge o comando estatal inserido na decisão

final, ficando as partes obrigadas acatá-lo.

O alargamento da função jurisdicional se deu em virtude de

que não há conceituação de um Estado Democrático de Direito sem existir um Poder

Judiciário com autonomia e independência para que exerça sua função de guardião

das leis, pois, como confirmou Zaffaroni, “a chave do poder judiciário se acha no

conceito de independência” 144.

Desta forma, as normas são gerais e o seu conteúdo se

moldará ao caso concreto da forma que o juiz especificar, então, ele pode considerar

irregular um ato, embora este atenda formalmente à legalidade. Nota-se, que foi

propiciado ao Judiciário controlar não apenas o princípio da legalidade, mas o da

legitimidade e, por conseguinte, a aplicação do interesse público, o que acarreta um

grau de insegurança, visto que traz certa subjetividade às decisões145.

142 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. p. 248. 143 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.4.

144 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário. Trad.Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 87.

145 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. p. 248.

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A inserção do conceito de eficiência no referido art. 37, caput,

se destacou pela dificuldade do Poder Judiciário em cumprir as funções para quais

se destina, assegura Ceneviva146.

Quanto à publicidade dos atos, esta é também imposta por

meio do art. 93, X, o qual exige que todos os julgamentos dos órgãos do Poder

Judiciário sejam públicos e fundamentados, sob pena de nulidade, pois a

publicidade impede julgamentos secretos, infringindo garantias fundamentais147.

Por falar em garantias, devido à extrema importância que

detém o poder jurisdicional, foram conferidos aos magistrados certos privilégios

inerentes ao cargo, bem como ao próprio Poder Judiciário, em caráter de instituição,

com o escopo de resguardar o livre exercício da democracia, manter a

imparcialidade e independência na resolução dos litígios e obstar as pressões do

poder executivo e legislativo 148.

Verificam-se como garantias individuais dos juízes, as

seguintes: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. Ao lado

dessas garantias constitucionais está a independência jurídica dos juízes, o qual

possibilita a insubordinação hierárquica no desempenho de suas atividades

funcionais149.

Paralelamente, existem também as garantias institucionais que

asseguram ao Poder Judiciário a autonomia frente aos demais poderes, que são: a

capacidade de autogoverno, a capacidade normativa, a autonomia administrativa e a

autonomia financeira150.

Tendo em vista o abordado, cumpre observar que o Judiciário

não se limita ao exercício da função jurisdicional que lhe é típica, ele exerce funções

146 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. p. 265. 147 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 295.

148 MOARES, Alexandre. Direito constitucional. p. 478-479. 149 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. p. 345-346

150 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. p. 346

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atípicas, como a competência legislativa, que consiste na elaboração de Regimentos

Internos dos Tribunais, propositura de projetos de lei complementar ou ordinária

através do STF ou Tribunais Superiores, entre outros. É dotado, ainda, de

autonomia governamental, previsto no art. 96 da CRFB/1988, o qual lhe compete

tratar de todas as matérias administrativas. Assim como eleger órgãos diretivos,

organizar secretarias, conceder licenças, férias, etc. 151.

“Também o poder Legislativo, por expressa previsão

constitucional, pode exercer excepcionalmente a atividade jurisdicional”, ensina

Chimeti, exemplificando que o Senado Federal, em cumprimento ao disposto no art.

52, I e II, processa e julga, privativamente, o Presidente e o Vice-Presidente da

República nos crimes de responsabilidade152.

Além disso, reconhece-se hoje ao Judiciário a tarefa de velar

pelos demais poderes do Estado, podendo-se falar, assim, de uma função de

controle, inclusive tendo como parâmetro máximo a Constituição. Observa Otto

Bachof apud Tavares que tal “aumento da função de controle significa um

incremento acentuado do poder de juiz e, necessariamente, uma diminuição

proporcional do poder legislativo e do Executivo. Esse fato é indiscutível” 153.

Acerca do organograma, o Poder Judiciário apresenta “forma

estrutural de pirâmide, preenchida por órgãos situados em vários níveis e em linhas

ascendentes diversas, voltadas para o topo jurisdicional – mas não administrativa –

onde está o Supremo Tribunal Federal”, organiza Ceneviva154, salientando que os

órgãos são providos de autonomia judiciária e administrativa dentro do segmento

que se dividem, não se subordinando aos demais da mesma linha.

151 MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 161.

152 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. p. 282. 153 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 1069. 154 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 265.

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A estrutura serve para classificar por setores, consoante a

matéria tratada, objeto da jurisdição, mas na verdade o judiciário se perfaz em um

todo, uno, harmônico e indivisível155.

A Constituição enumera, no art. 92, os órgãos do Poder

Judiciário: o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça (EC nº

45/04), o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Juízes

Federais, os Tribunais e os Juízes do Trabalho, os Tribunais e os Juízes Eleitorais,

os Tribunais e os Juízes Militares e os Tribunais e os Juízes dos Estados e do

Distrito Federal e Territórios. Em complemento, o art. 98, II, da Constituição vigente,

estabeleceu a previsão da Justiça de Paz também como órgão do judiciário.

Em síntese, cabe compreender que a função jurisdicional é a

aquela exercida pelo Estado-Juiz, representando o poder eminente do povo, em que

consiste na aplicação da lei ao caso concreto, com debate entre as partes, e em

respeito à justiça, resultando numa solução que atinja coisa julgada.

Apreciar o caso e alcançar aos ideais de justiça por meio das

decisões são atos de inteira subjetividade, apesar de bem preparados, os juízes são

suscetíveis a cometer erros, o que ocasiona a dúvida acerca da responsabilidade

estatal sob certos atos judiciais.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS COMETIDOS POR SEUS

JUÍZES

Um dos temas mais afligentes no Direito Administrativo se

afigura como a estreme dúvida se há incidência da responsabilidade civil do estado

por condutas (ações ou omissões) cometidas no âmbito jurisdicional.

Cahali esclarece que o tema ensejou uma rica afloração

doutrinária ao longo dos anos, elencando um grupo vasto no âmbito internacional,

como:

Rocco, La riparazione alle vitime degli errori giudiziari, Nápoles,

1906; G. Ardant, La responsabilité de l’ État du fait de la fonction

155 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. p. 265.

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jurisdictionnelle, Paris, 1935; Bielsa, Las víctimas de los errores

judiciales em lãs causas criminales y el derecho a la reparación,

Estúdios de derecho público, 2. ed. III, §18. E também na esfera

nacional: Alcino de Paula Salazar, Responsabilidade do poder

Público por atos judiciais, Rio de Janeiro, 1941; Artur Marques da

Silva Filho, “Juízes irresponsáveis? Uma indagação sempre

presente”, RT 674/70; Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “A

responsabilidade civil do estado pelo exercício da função jurisdicional

no Brasil”, Ajuris 59/5 e Maria Sylvia Zanella de Pietro,

“Responsabilidade do estado por atos jurisdicionais”, RDA 198/85;

dentre muitos outros156.

Em suma, “por atos ou fatos administrativos que causem danos

a terceiros a regra é a responsabilidade civil do Estado, mas por atos legislativos e

judiciais (sentenças) a regra é a irresponsabilidade patrimonial.”, assevera

Gasparini157.

Isto ocorre, diz Bruno158, “devido à existência de inúmeros

instrumentos disponibilizados ao cidadão no sentido de promover a revisão da

decisão que entenda ofensiva aos seus interesses”.

Como a maioria das regras, esta também comporta exceções,

os atos praticados pelos magistrados em pleno exercício da função judicante podem

ser suscetíveis de responsabilização na exceção prevista no art. 5º, LXXV, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que estabelece “o Estado

indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do

tempo fixado na sentença.” 159.

O inciso decorreu de ideais inovadores, como o de Dromi160,

ao falar que “é indispensável que o estado garanta a integridade e efetividade da

justiça que administra. A injustiça eventual, ainda que derivada de sentença

definitiva, deve ser consertada e oportunamente indenizada“.

156 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 470. 157 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 877. 158 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 420. 159 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 420. 160 DROMI, Roberto. Derecho administrativo. 6. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1997. p. 769.

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60

“Assim, esse novo preceito constitucional traz dois objetos

passíveis de indenização: erro judiciário e o excesso de prisão”, enumera Moraes, e

ambas acarretam reparação dos danos materiais e morais, uma vez que são óbvios

os feitos psicológicos advindos de tais hipóteses, que ferem de forma direta o direito

à liberdade e à honra161.

Aguiar Dias apud Cahali162, em conferência sobre erro

judiciário, esclareceu que:

Ordinariamente, considera-se erro judiciário a sentença criminal de

condenação injusta. Em sentido mais amplo, a definição alcança,

também, a prisão preventiva injustificada. Com efeito, não há base

para excluí-la do direito à reparação. Se há erro judiciário em virtude

de sentença condenatória, haverá também em conseqüência de

prisão preventiva ou detenção. Danos e tragédias decorrem, por

igual, de uma e de outros. Onde existe a mesma razão, deve valer a

mesma disposição.

Ensina Moraes, que “a indenização por excesso de prisão

abrange todas as espécies de prisão, sejam processuais, penais, administrativas,

civis ou disciplinares” 163.

Em verdade, a exceção prevista no art. 5º, inc. LXXV, da

CRFB/1988, impôs o reforço necessário a garantir os direitos individuais dos

cidadãos, coibindo a prática de qualquer restrição injusta à liberdade individual,

advinda de ato abusivo da autoridade judiciária, e compulsando a responsabilização

do Estado pelos danos em que ocasionou decorrência164.

A lei n. 4.898/1965 dispõe acerca dos casos de abuso de

autoridade, esclarecendo quais são as hipóteses em que configura o ato abusivo.

Então, convém salientarmos o que prevê o art. 4º e art. 6º, § 2º da referida lei:

Art. 4º. Constitui também abuso de autoridade:

161 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 241. 162 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 475. 163 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. p. 243. 164 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 477.

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a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem

as formalidades legais ou com abuso de poder;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção

ilegal que lhe seja comunicada; (...)

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar

fiança, permitida em lei; (...)

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida

de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de

cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Art. 6º. O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção

administrativa civil e penal.

§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano,

consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez

mil cruzeiros.

Neste enfoque, que o art. 5º, inc. LXXV, da CRFB/1988 teve a

finalidade de referendar o que já tinha previsão pela Lei n. 4.898/1965, acentuando a

gravidade e trazendo maior efetividade a responsabilização e reparação.

“Somente vem aceita a responsabilidade civil do estado por

erro judiciário de natureza criminal, em virtude do art. 630 do Código de Processo

Penal”, assinala Medauar165, fora dela predomina a irresponsabilidade.

O art. 630 do Código de Processo Penal, assim dispõe:

Art. 630. O tribunal, se o interessado requerer, poderá reconhecer o

direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1o Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível,

responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça

do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela

respectiva justiça.

§ 2o A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta

imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de

prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

165 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 374.

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O art. 630 do estatuto processual penal restringe a

responsabilidade indenizatória aos danos causados no exercício da função criminal

a seu cargo, contudo, como aconteceu no caso Naves, se prestava para determinar

a responsabilidade ainda nos casos que o erro judiciário decorresse das mazelas do

aparelhamento policial, acolitadas pela Justiça166.

“Nos casos de erro judiciário, a revisão criminal e a ação

própria no juízo cível são os instrumentos cabíveis para seu reconhecimento e

conseqüente fixação de indenização”, expõe Moraes167, estando sumulado que o

habeas corpus não é o meio hábil para obter o reconhecimento do erro judiciário.

Destarte, quando a reclamação não for feita no tempo próprio,

ocorrendo prescrição, o interessado não irá decair do direito de exigir a indenização

por meio de ação ordinária, na esfera cível168.

O acórdão em revisão criminal ou a sentença civil que

reconhecem o direito à indenização por erro judiciário consistem em título judicial

executório ilíquido, que deverá sofrer liquidação no juízo cível, mas nos casos em

que o preso ficar retido além do tempo fixado na sentença, o pleito por reparação

deverá ser por ação própria no juízo cível169.

No restante da função jurisdicional, isto é, na maioria das

manifestações feitas na função jurisdicional, quer parecer que a responsabilidade do

Estado somente ocorreria quando houvesse dolo, fraude, ou má-fé do magistrado.

Tal responsabilização do Estado – espécie de responsabilidade subjetiva

“qualificada” pelo aspecto intencional – vincula-se à responsabilidade civil da própria

pessoa do magistrado, assim como expõem o art. 133 do Código de Processo Civil,

em igual teor ao art. 49 da Lei Complementar n. 35 de 1979, que trata sobre a lei

orgânica da magistratura nacional 170. Veja-se:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

166 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 475. 167 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo.. p. 242. 168 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 476. 169 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. p. 242. 170 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. p. 213.

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I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que

deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no

no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao

juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido

dentro de 10 (dez) dias.

Neste enfoque, em congruência ao art. 37, § 6º, da

Constituição brasileira vigente, é admitido ao lesado demonstrar o elemento

subjetivo – dolo ou fraude – como móvel do ato jurisdicional, o que resulta na

responsabilidade individual do juiz, incidindo na esfera civil da atuação judicante171.

Referindo-se a estes dispositivos Meirelles172 descreve que:

O ato judicial típico, que é a sentença ou decisão, enseja

responsabilidade civil da Fazenda Pública, nas hipóteses do art. 5º,

LXXV a CF/88. Nos demais casos, tem prevalecido o entendimento

de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro

judiciário não ocorra quando a decisão judicial está suficientemente

fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam.

Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsável por dolo,

fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado, de

providências de seu ofício, nos expressos termos do artigo 133 do

CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá

ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado.

Porém, nos casos do referido art. 5º, LXXV, a responsabilidade pelo

dano é do Estado, e não do juiz. Quanto aos atos administrativos

praticados por órgão do Poder Judiciário e do Legislativo, equiparam-

se aos demais atos da Administração e, se lesivos, empenham a

responsabilidade civil objetiva da Fazenda Pública.

Em suma, insta dizer que a evolução do instituto da

responsabilidade civil continua em ápice, visto que a responsabilização estatal pelos

danos decorrente da função jurisdicional não vigora como regra nos dias atuais,

aparecendo como medida para apenas alguns casos com cominação legal.

171 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 420. 172 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. p. 639

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64

A doutrina tem se levantado para desmantelar os fundamentos

da irresponsabilidade.

3.3 ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO

ESTADO PELOS ATOS JURISDICIONAIS

Está esclarecido que no direito pátrio, rege-se, como regra

geral, o princípio da irresponsabilidade estatal referente aos atos jurisdicionais,

admitindo aplicar a responsabilização nos casos expressos em lei.

Os posicionamentos trazidos para refutar a inexistência da

responsabilidade do Estado nos atos de seus juízes são os seguintes: o Poder

Judiciário é soberano; o Magistrado não é funcionário público; os juízes agem com

independência no exercício das funções, sem temor do ensejo do direito de

reparação que possa ser atribuído às suas decisões, e por fim, a coisa julgada é

imutável, e o reconhecimento da responsabilidade implicaria dizer que houve

violação da lei173.

“A base fundamental dessa teoria é o instituto da coisa julgada.

A admissão de dano causado pelo Judiciário e a conseqüente reparação implicaria,

por certo, o enfraquecimento da decisão transitada em julgado”, diz Faria174.

Entretanto, cediço é que a irresponsabilidade total do Estado

por qualquer de seus atos, ainda que frente à excepcional função jurisdicional, é

acepção primitiva, que não cabe mais ser aplicada, estando em desuso.

Rebatendo todas as argumentações levantadas para que

sempre incida a responsabilização, vários doutrinadores têm trazido, ao longo dos

anos, novos argumentos, justificando o emprego da responsabilidade estatal.

A respeito dos argumentos da soberania, estes não procedem,

pois causa estranheza admitir tal tese, como já fez o Supremo Tribunal Federal, com

relação à função jurisdicional e não a argüir para os demais poderes, o legislativo e

o executivo. Com efeito, os poderes, conquanto independentes, não são soberanos,

173 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 658. 174 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo. p. 653.

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não exercem soberania incontrastável, mas encontram limites nas competências

constitucionais. Lembre-se, que a soberania é atributo do Estado na perspectiva do

direito internacional e de direito interno, e não pode ser confundida com a atuação

ilegal, arbitrária e inconstitucional dos poderes175.

“Quanto a não ser o juiz funcionário público, a justificativa não

é aceitável no direito brasileiro, em que ele ocupa cargo público criado por lei e se

enquadra no conceito legal da categoria funcional”, explana Di Pietro, pois ainda que

o juiz se enquadre como agente político na classificação, ele é abrangido pelo art.

37, § 6º da CRFB/188, que ao dispor o vocábulo agente, estendeu sua incidência

para todas as categorias que prestam serviço ao Estado176.

Neste norte, Meirelles177 aborda que acertadamente a

constituição usou “o vocábulo agente, no sentido genérico de servidor público,

abragendo, para fins de responsabilidade civil, todas as pessoas incumbidas da

realização de algum serviço público em caráter permanente ou temporário”.

Acerca da independência exercida pelos juízes em suas

funções e da suposta condição temerosa que se firmará contra estes, verifica-se que

a independência também é pressuposto do demais poderes, então, não cabe

sustentar a irresponsabilidade do poder judiciário por tal motivo178.

Por fim, o argumento mais forte é o que reconhece que a

responsabilidade do Estado por atos dos seus juízes acarreta ofensa à coisa

julgada179.

Apesar de ser substancial, o instituto da coisa julgada não é

suficiente para justificar a imunidade do poder público frente ao gravame causado

em desfavor de particulares, por erro jurisdicional. O clássico e conhecidíssimo

brocardo de Ulpiano, “Res judicata proveritate habetur”, consagra a presunção legal

de verdade no julgamento, ou seja, metaforicamente, ensina que “(...) a decisão do

175 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 437. 176 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 659. 177 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 635. 178 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 438. 179 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 659.

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juiz, em última instância, transforma branco em negro e o quadrado em redondo,

visto trazer em si a presunção da verdade” 180.

Completando-nos com a doutrina estrangeira Paul Duez apud

Araújo181 diz que:

A indenização, em virtude de erro judiciário, nem sempre é

incompatível com o princípio da autoridade da coisa julgada. Bem ao

contrário, há casos em que a outorga da indenização é precisamente

uma homenagem a esse princípio. Em julgamento absolutório, o

indivíduo perseguido em Juízo se beneficia com tal julgamento e

reclama indenização. Em que se verifica a violação da coisa julgada?

Funda-se o reclamante, ao contrário, no julgamento liberatório para

apoiar sua pretensão. A autoridade da coisa julgada só se ergue

contra decisão judiciária que conceda indenização, deixando de lado

o julgamento condenatório anterior. É preciso, primeiro, proceder à

revisão da sentença condenatória, recorrendo às vias legais. Mas,

uma vez desaparecido tal obstáculo processual, o princípio da

indenização não encontra mais oposição fundada na autoridade da

coisa julgada.

Descreve Cretella Júnior182 assevera que ninguém nega a força

da coisa julgada, todavia “elevar a res judicata à categoria de muralha sacrossanta,

absolutamente impenetrável, é admitir a infalibilidade do julgamento humano, ou a

intransigência obstinada e incompreensível, mesmo diante de erro manifesto“.

Já Mafini pondera o equilíbrio, dizendo que “o melhor

entendimento é o intermediário, que, a um só tempo, responsabilize o Estado em

situações peculiares e não comprometa a soberania jurisdicional. A questão,

entretanto, encontra-se longe de ser considerada pacífica.”, logo, ele optou por

considerar preferível o posicionamento que não consiste em extremos, pois, não há

falar-se em negar por completo a responsabilidade do Estado. Seria considerar que

o Poder Judiciário está acima do Estado de Direito. Contudo, aplicar os mesmo

critérios que existem para atribuir a responsabilidade do Estado no desempenho da

180 ARAUJO, Edmir Netto de. Curso de Direito administrativo. p. 799. 181 ARAUJO, Edmir Netto de. Curso de Direito administrativo. p. 800. 182 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 643.

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função administrativa seria, por sua vez, uma amplitude de responsabilização

incompatível com a realidade estatal pátria183.

“O dever de diligência objetiva norteador do exercício das

competências administrativas também existe no tocante ao desempenho das

competências jurisdicionais e legislativas.”, afirma Justen Filho. Logo, se o

desempenho de qualquer função estatal infringir o dever de diligência objetiva e

produzir lesão material ou moral a terceiro, haverá dever indenizatório, não

importando se possui ou não caráter administrativo184.

Como muitas questões de direito e conforme se observa no

presente caso, existem vários posicionamentos doutrinários distintos e

fundamentados acerca do mesmo assunto, contudo, pode-se afirmar que a corrente

majoritária é favorável ao reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos

prejuízos decorrentes da função jurisdicional185.

3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO

ESTADO PELOS ATOS JURISDICIONAIS

É de se observar o desenvolvimento jurisprudencial sofrido

pelas decisões do Supremo Tribunal Federal no que tange ao reconhecimento da

responsabilidade civil do Estado pelos atos de seus juízes.

Neste avanço, para título ilustrativo, importa trazer a algumas

decisões à colação.

Assim, como outrora abordado, o julgados mais antigos do

Supremo Tribunal Federal dispunham pela total irresponsabilidade estatal nos atos

decisórios de seus juízes.

183 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. p. 213. 184 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo. p. 805. 185 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 470.

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Neste enfoque, que se extrai trecho do que fora mencionado

pelo Ministro Henrique D’avila, em julgamento feito no dia 11 de agosto de 1958,

pelo Supremo tribunal Federal186:

O JUIZ NÃO E PREPOSTO DO EXECUTIVO. MAS AINDA, QUE

FOSSE POSSIVEL CLASSIFICA-LO COMO TAL NÃO

RESPONDERIA O ESTADO PELOS ATOS POR ELE PRATICADOS

COMO SIMPLES PARTICULAR.

No sistema Constitucional brasileiro, os Magistrados vitalícios do

Estado, não são prepostos ou empregados do Estado, para o efeito

deste responder pelo dano que porventura eles causem a terceiros,

do exercício de funções específicas. (...) Se para determinados

efeitos administrativos os Magistrados podem ser incluídos entre os

funcionários públicos o mesmo não ocorre quando desempenham

função específica e jurisdicional. Neste caráter eles integram um dos

Poderes da Soberania Nacional e desempenham suas funções como

órgãos próprios deste Poder.

Em meados do ano de 1960, o STF reconheceu que cabia

pagar danos morais para um dos maiores erros judiciários da história brasileira, o

famoso caso dos irmãos Naves, que foram condenados pelo crime de latrocínio

enquanto a suposta vítima estava viva, fato descoberto somente após terem

cumprindo aproximadamente 9 (nove) anos da pena privativa de liberdade.

Todavia, o órgão maior não esclareceu a discussão acerca da

responsabilidade do Estado frente ao caso, permanecendo o que o TJMG já havia

julgado, assim, aplicou-se o ressarcimento devido em favor dos beneficiários à custa

do Estado.

No ano de 1971, o Pretório Excelso julgou em sessão plena, a

mantença do posicionamento da irresponsabilidade estatal para a função

jurisdicional, reconhecendo apenas a responsabilização civil do magistrado e a

reparação prevista em lei, atinente ao art. 630 do CPP. Logo, o dever de

ressarcimento estatal pelos atos de seus funcionários com direito a regresso,

186 STF, 2º T.; RExtr. Nº 35376, Rel. Min. Henrique D’avila, j. 11-8-1958; ementa.

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excetuava os acometidos na função jurisdicional, consoante o destaque trazido na

Ementa do Acórdão187. Veja-se:

No acórdão objeto do recurso extraordinário ficou acentuado que o

Estado não é civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciário,

a não ser nos casos expressamente declarados em lei, porquanto a

administração da justiça e um dos privilégios da soberania. Assim,

pela demora da decisão de uma causa responde civilmente o Juiz,

quando incorrer em dolo ou fraude, ou ainda sem justo motivo

recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de oficio ou a

requerimento da parte (art. 121 do Cod. Proc. Civil) Além disso, na

espécie não se trata de responsabilidade civil decorrente de revisão

criminal (art. 630 e seus parágrafos do Cod. de Processo Penal).

Impõe-se a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público

quando funcionário seu, no exercício das suas atribuições ou a

pretexto de exercê-las, cause dano a outrem. A pessoa jurídica

responsável pela reparação e assegurada a ação regressiva contra o

funcionário, se houve culpa de sua parte. "In casu" não se

caracteriza negativa de vigência da regra do art. 15 do Código Civil,

nem tão pouco ofensa ao princípio do art. 105 da Lei Magna.

Aferição de matéria de prova (súmula 279). Recurso extraordinário

não conhecido.

O entendimento era pacífico, tanto que em julgamento ao

Recurso Extraordinário de n. 69568/SP, o Min. Luiz Galotti corroborou com o

discorrido, ante a soberania e independência funcional. Inclusive, é o que menciona

a Ementa do Acórdão que julgou o referido recurso, a qual diz

“RESPONSABILIDADE CIVIL. NÃO A TEM O ESTADO PELOS PREJUIZOS

DECORRENTES DE ATOS JUDICIAIS” 188.

O Min. Rafael Mayer asseverou de forma incontundente o

posicionamento dominante no STF e majoritário da doutrina no que concerne a

responsabilização apenas nos casos cominados na lei, demonstrando que no

período de 1980, “poucas são as vozes que se opõem à tese, mesmo porque, do

contrário, se comprometeria a nímia liberdade interior do ato de julgar”189.

187 STF, Pleno, RExtr. n. 70121/MG, Rel. Min. Aliomar Baleeiro e Rel. Min. Djaci Falcão. j. 13-10-1971; ementa.

188 STF, 1ª T. RExtr. n. 69568/SP, Rel. Min. Luis Galotti, j. 17-11-1970; ementa.

189 STF, 1ª T. RExtr. 91680/PR, Min. Rafael Mayer. j. 25-03-1980. RESPONSABILIDADE CIVIL DO

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No ano de 1999, o Min. Ilmar Galvão asseverou ainda estar

pacificamente assentado como regra na jurisprudência do STF a irresponsabilidade

estatal quando se discute os gravames causados pelos atos dos seus juízes190.

No acórdão proferido pelo STF no ano de 2002, em

observância ao que dispõe ao art. 37, § 6º da CRFB/1988, o Min. Néri da Silveira

esclareceu que a “autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos

jurisdicionais praticados. Embora sejam considerados agentes públicos, os

magistrados se enquadram na espécie agente político”, então, exercem a função em

representação ao ente estatal, gozando de independência funcional e

permanecendo salvaguardados da responsabilização direta, exceto os casos de

culpa grosseira, má fé ou abuso de poder.191

Apesar de tal decisão, o posicionamento contrário à

responsabilização objetiva do Estado permaneceu assentado, haja vista o que

opinou o Min. Carlos Velloso “É dizer, que a 2º Turma decidiu, no julgamento citado

do RE 229877/SP, em que se apega a agravante, que a ação deveria ter sido

ajuizada contra o Estado e não contra o juiz. Não decidiu que o Estado deveria

ESTADO. ATO DO JUIZ. IMUNIDADE JUDICIÁRIA. EXECUÇÃO DESORDENADA DE PRECATORIA. - ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO DE ORDEM EMANADA DO JUIZ, O QUE ESTARIA SUBTRAIDO A IMUNIDADE PERTINENTE AOS ATOS TIPICAMENTE JUDICIAIS, ENVOLVENDO A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CAUSA QUE, ENTRETANTO, NÃO ENFOCOU ESSE ASPECTO DA RESPONSABILIDADE, CINGINDO-SE AO EQUACIONAMENTO DO ATO DE JUIZ, EM SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

190 STF, 1ª T. RExtr. 219117/PR, Min. Ilmar Glavão. j. 03-08-1999. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso conhecido e provido.

191 STF, 2º T. RExtr. 228977/SP. Min. Néri da Silveira. j. 05-03-2002. Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.

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indenizar” seguindo os preceitos da responsabilidade objetiva, expondo que as

hipóteses já encontram-se na forma taxativa192.

Buscando elucidar o tema, o Min. Sepúlveda Pertence

menciona que o assunto é sempre polêmico e, ao mesmo tempo, fascinante, uma

vez que poucas são as jurisprudências do STF abordando diretamente a questão.

Observa que o art. 5º, inc. LXXV da CRFB/1988, não barra a discussão

infraconstitucional da matéria, inclusive, aos casos que não encontram amparo

expresso em tal preceito, pois trata-se de uma garantia constitucional. Não há

restrição para leis ou as construções doutrinárias nas hipóteses que não sejam o

erro judiciário no seu stricto sensu 193.

Deste modo, perquirindo a jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça, a Min. Eliana Calmon denota como “a jurisprudência do STJ é firme no

sentido de que a prisão processual e posterior absolvição no processo criminal, não

enseja, por si só, direito a indenização” 194.

192 STF, 2ª T. AG. REG. RExtr. 228035/SC. Min. Carlos Velloso. j. 10-2-2004. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS ATOS DOS JUÍZES. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - RE provido. Agravo improvido.

193 STF, 1ª T. RExtr. 505393/PE. Min. Sepúlveda Pertence. j. 26-6-2007. Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irResponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça.

194 STJ, 2ª T. EDcl no REsp 1034818/SP. Min. Eliana Calmon. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ERRO MATERIAL CARACTERIZADO – MATÉRIA ESTRANHA À DOS AUTOS – CORREÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – PRISÃO PREVENTIVA E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO – ERRO JUDICIÁRIO – NÃO-CONFIGURADO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 282/STF – AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO – SÚMULA 7/STJ – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM RECURSO ESPECIAL.

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Por fim, não obstante as fortes investidas doutrinárias em

atento favorável à mudança do entendimento jurisprudencial vigente, conclui-se que

o Pretório Excelso permanece firme quanto ao ideal de irresponsabilidade civil do

Estado pelos atos decorrentes da função jurisdicional, salvos os casos contidos em

lei.

Entretanto, é sabido de todos que o esforço doutrinário não é

vão, pois inerente ao direito – e principalmente a jurisprudência – consta seu caráter

evolutivo, permissivo as rápidas alterações interpretativas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e da jurisprudência nacional, qual o posicionamento assente

quanto à responsabilidade objetiva do Estado nos casos em que haja prejuízo ao

particular por atos cometidos na função judicante.

O interesse pelo tema abordado se deu em razão de sua

atualidade e pela diversidade de interpretações com que esta questão vem sendo

abordada e discutida na conjuntura jurídica nacional.

Para seu desenvolvimento lógico, o trabalho foi dividido em três

capítulos.

O primeiro tratou de situar a questão problema na órbita

jurídica, haja vista que para entender como surgiu o instituto da responsabilidade

civil do Estado, convém analisar brevemente o surgimento, a evolução, o conceito e

a organização do ente estatal.

No avanço histórico, muito se discutiu sobre a real origem do

Estado, e na busca por tal esclarecimento, diversas teorias do aparecimento do

Estado, caracterizado pela sociedade política, nasceram, tais como: a teoria familiar

ou teoria da força, a teoria divindade e a teoria contratual.

Seqüencialmente, analisou-se a evolução histórica do conceito

que o Estado sofreu, discorrendo resumidamente acerca das peculiaridades

encontradas nos Estados estruturados ao longo dos anos.

Desse modo, resolveu-se coletar as características mais

marcantes dos Estados formados pelas diferentes nações, discorrendo-se sobre o

Estado Oriental; o Estado Grego, o Estado Romano, o Estado Medieval, o Estado

Moderno e o Estado Contemporâneo.

Frente ao discorrido até então, foi propício fazer também

delineamentos no que diz respeito à conceituação do Estado atual, podendo

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apresentar os elementos constitutivos do Estado, que são: uma determinada nação,

compreendida num território demarcado, coberto de soberania.

Finalizou-se o primeiro capítulo discorrendo sobre os três

poderes inerentes ao Estado, ou seja, o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário.

O segundo capítulo foi destinado a tratar do dever reparação

que compete àquele que ocasionou gravame a outrem. Para tanto, inicialmente foi

analisada a evolução história da concepção da responsabilidade civil, o conceito, as

espécies e as teorias deste instituto.

A responsabilidade civil assomou nos primórdios da história

humana, quando ocorria a vingança coletiva do grupo contra o ofensor, a vingança

coletiva tornou-se privada, apenas entre os envolvidos, desenvolvendo-se nas leis

de talião, pelo instinto vingativo de “olho por olho, dente por dente”.

No avanço intelectual humano, compreendeu-se que a violenta

penalidade atribuída ao ofensor não recuperava o dano causado, quando coube

estipular uma pena pecuniária para fins de ressarcimento, assim, o instituto foi

evoluindo até o encontrado nos dias atuais.

No estudo dos elementos que compõem a responsabilidade

civil foi que as teorias passaram a ser criadas ao longo dos tempos.

Na concepção atual, a responsabilidade civil é a obrigação de

reparar dano moral ou material que atinja terceiro, resultante de ato direto do

ofensor, ou indireto, quer por ato de pessoa pela qual ele responda, ou ainda, de

fato, coisa ou animal que consta sob sua guarda, quer por imposição legal.

Neste ínterim, em síntese, resultou esclarecido que a

responsabilidade civil pode ser classificada sob diversos aspectos, á respeito de

suas espécies, quanto ao fato gerador, divide-se em responsabilidade civil contratual

e extracontratual.

A responsabilidade civil contratual decorre do acordo de

vontades celebrado entre partes, surge da relação contratual firmada, consoante à

própria nomenclatura atribuída, prevista nos arts. 389 e seguintes. e 395 e seguintes

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do CC. Já a responsabilidade extracontratual é proveniente de cominação legal, está

disposta nos arts. 186 ao188 e no art. 927 do CC.

A responsabilidade extracontratual subdivide-se em subjetiva e

objetiva. Resumidamente, ambas exigem o nexo causal entre o dano e ao ato

perpetrado, a diferença está em que a responsabilidade subjetiva exigirá que o

ofendido prove a culpa do agente, já a objetiva, em meio a teoria do risco, presume

a culpa do agente, invertendo o ônus probante, e exigindo que o agente prove não

ter correspondido com a conduta, através das causas excludentes de ilicitude.

Logo, chegou-se ao conceito de responsabilidade

extracontratual do Estado, que é dever de reparação dos danos decorrentes a

terceiros por comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos

ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.

O art. 37 §6º da CRFB/1988 expõe que a responsabilidade

atinente aos atos do Estado é objetiva.

No terceiro e último capítulo, estudou-se o tema chave do

presente trabalho, ou seja, a responsabilização estatal no que tange aos atos

praticados pelo Poder Judiciário, em nome da sua função jurisdicional.

A priori, coube antes de se discutir o problema chave,

esclarecer o que é o Poder Judiciário e sua função jurisdicional, tendo em vista que

a discussão se aborda sobre a função judicante.

Assim, destaca-se que o Poder Judiciário, um dos três poderes

inerentes ao Estado corresponde à função jurisdicional. A função jurisdicional,

exercida pelos agentes públicos, magistrados, é feita em meio certas garantias,

como a independência funcional dos juízes, a autonomia do poder judiciário, além de

existir a coisa julgada.

Seguindo o trabalho, determinou-se escrever sobre um dos

temas mais temerosos do direito administrativo que afigura como a estreme dúvida,

o assunto em questão.

Averiguou-se, que via de regra, o Estado é irresponsável pela

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função típica dos juízes, ou seja, por suas decisões, salvo os casos cominados em

lei, como a previsão do art. 5º, LXXV da CRFB/1988, nas hipóteses de erros

judiciários ou excesso de prisão.

Passo seguinte foi conveniente extrair das doutrinas colhidas o

posicionamento acerca do assunto, notando-se majoritário o entendimento

doutrinário em favor da responsabilização estatal na função judicante, contudo,

reconhecendo estar ainda assente a idéia de irresponsabilidade.

Foi, então, realizado sintético estudo nas decisões do Supremo

Tribunal Federal, visto que a discussão recai sobre norma constitucional e este é

pretório excelso, o que acabou por corroborar com que estava sendo esclarecido.

Por fim, retomam-se as três hipóteses básicas da pesquisa:

a) foi verificado ao longo do estudo que a primeira hipótese não

foi confirmada, apesar do que dispõe no art. 37, § 6º do CRFB/1988, constatou-se

que vige a irresponsabilidade do Estado frente aos atos de seus juízes, com

exceção dos casos previstos no art. 5º, LXXV da CRFB/1988.

b) a segunda hipótese foi parcialmente confirmada, haja vista

que, consoante o artigo aludido, o Estado que responderá subjetivamente pelos atos

dos juízes nas hipóteses que dispõe o art. 133 do CPC.

c) a terceira hipótese encontra-se parcialmente confirmada,

visto que o Estado possui direito de ação regressiva para ser restituído pelo juiz, nos

casos do art. 133 do CPC, nas exceções levantadas pelo art. 5, LXXV da

CRFB/1988, o agente público-juiz agiu em representação ao Estado, não incidindo o

direito de regresso.

Portanto, através da análise feita, conclui-se que por atos ou

fatos administrativos que causem danos a terceiros a regra é a responsabilidade civil

do Estado, mas por atos legislativos e judiciais (sentenças) apresenta-se como regra

a irresponsabilidade patrimonial.

De outro lado, é entendimento crescente e cada vez mais

respaldado, especialmente pelo posicionamento doutrinário colhido durante o

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estudo, que os argumentos que desconstituem a obrigação do Estado de se

responsabilizar pelos atos de seus juízes não merecem mais prosperar, rebatendo

tal exceção a regra.

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