Irmandade do rosário dos Homens Pretos do Cariri_ Janaína

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IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS NO CARIRI CEARENSE: ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E SOLIDARIEDADE Janaína Fernandes 1 Orientador: Océlio Teixeira de Souza 2 RESUMO A presente pesquisa se propõe a realizar um estudo acerca da atuação da Irmandade do Rosário na sociedade barbalhense, da segunda metade do século XIX, focalizando as ações referentes à sociabilidade dos homens pretos, não esquecendo, entretanto da sua função religiosa. Nesse sentido, nosso objetivo é estudar essa instituição religiosa, principalmente como espaço de ajuda mútua e de construção de laços sociais entre os homens de cor e entre estes e a sociedade em geral. Na nossa perspectiva, é no ambiente dessa confraria que eles procuram reviver suas tradições e costumes, exercitando práticas autônomas e uma constante negociação com os poderes instituídos. Como fontes, utilizaremos os estatutos, as atas de reuniões e outros documentos da época. PALAVRAS-CHAVE: Irmandade. Sociabilidade. Tradições. Costumes. 1. INTRODUÇÃO O século XIX recebeu de herança o que ficou conhecido por “religiosidade colonial” ou “cristianismo moreno”, assim como denominou Eduardo Hoornaert. Ou seja, um cristianismo “mestiço” que se manifestava no cotidiano, marcado pela “exuberância, vitalidade e festividade” e que, ainda hoje, caracteriza as manifestações da religiosidade popular no Brasil. Esta prática religiosa em muito se afastava da “religião européia” que possuía um “ar tristonho, compungido, melancólico e repressivo”(Hoornaert, 1990, p.19). Uma das expressões típicas desse cristianismo foram as Irmandades de “Pretos”. 3 Essas associações organizadas por leigos se configuravam como importantes centros de coesão social. Mantidas dentro da própria estrutura da Igreja Católica, elas abrigavam escravos, forros ou pobres livres. Desenvolviam ações sócio-religiosas que possibilitavam aos seus membros uma relativa mobilidade social. Organizadas de acordo com a hierarquização social dividiam-se entre brancos, pardos e negros. 1 Graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri - URCA. [email protected] 2 Professor Ms. do Curso de História da Universidade Regional do Cariri - URCA [email protected] 3 Neste artigo será utilizado as denominações “ homens pretos” e “homens de cor” Como sinônimos de homens negros por serem esses termos utilizados na época para denominar essa grupo social.

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Texto historiográfico sobre as irmandades do Ceará

Transcript of Irmandade do rosário dos Homens Pretos do Cariri_ Janaína

  • IRMANDADE DO ROSRIO DOS HOMENS PRETOS NO CARIRI CEARENSE: ESPAO DE SOCIABILIDADE E SOLIDARIEDADE

    Janana Fernandes1Orientador: Oclio Teixeira de Souza2

    RESUMOA presente pesquisa se prope a realizar um estudo acerca da atuao da Irmandade do Rosrio na sociedade barbalhense, da segunda metade do sculo XIX, focalizando as aes referentes sociabilidade dos homens pretos, no esquecendo, entretanto da sua funo religiosa. Nesse sentido, nosso objetivo estudar essa instituio religiosa, principalmente como espao de ajuda mtua e de construo de laos sociais entre os homens de cor e entre estes e a sociedade em geral. Na nossa perspectiva, no ambiente dessa confraria que eles procuram reviver suas tradies e costumes, exercitando prticas autnomas e uma constante negociao com os poderes institudos. Como fontes, utilizaremos os estatutos, as atas de reunies e outros documentos da poca.

    PALAVRAS-CHAVE: Irmandade. Sociabilidade. Tradies. Costumes.

    1. INTRODUO

    O sculo XIX recebeu de herana o que ficou conhecido por religiosidade

    colonial ou cristianismo moreno, assim como denominou Eduardo Hoornaert. Ou

    seja, um cristianismo mestio que se manifestava no cotidiano, marcado pela

    exuberncia, vitalidade e festividade e que, ainda hoje, caracteriza as manifestaes

    da religiosidade popular no Brasil. Esta prtica religiosa em muito se afastava da

    religio europia que possua um ar tristonho, compungido, melanclico e

    repressivo(Hoornaert, 1990, p.19).

    Uma das expresses tpicas desse cristianismo foram as Irmandades de

    Pretos.3 Essas associaes organizadas por leigos se configuravam como importantes

    centros de coeso social. Mantidas dentro da prpria estrutura da Igreja Catlica, elas

    abrigavam escravos, forros ou pobres livres. Desenvolviam aes scio-religiosas que

    possibilitavam aos seus membros uma relativa mobilidade social. Organizadas de

    acordo com a hierarquizao social dividiam-se entre brancos, pardos e negros.

    1 Graduanda em Histria pela Universidade Regional do Cariri - URCA. [email protected] Professor Ms. do Curso de Histria da Universidade Regional do Cariri - URCA [email protected] Neste artigo ser utilizado as denominaes homens pretos e homens de cor Como sinnimos de homens negros por serem esses termos utilizados na poca para denominar essa grupo social.

  • Definiam o perfil dos associados a partir da condio jurdica, social e cor da pele. Em

    seus espaos teciam-se redes de solidariedades e sociabilidades. (Hoornaert, 1994).

    Criadas com a inteno de promover e divulgar o culto a um santo

    padroeiro, essas instituies abrigavam mais do que a funo religiosa. Elas traziam

    tambm no seu seio a finalidade social. A primeira se referia a tudo aquilo que estivesse

    ligado ao auxilio espiritual, das missas aos ritos fnebres. A segunda funo se

    reportava ao material, seja o auxilio econmico na doena, na pobreza ou na morte.

    As irmandades chegaram ao Brasil com os primeiros colonizadores por

    volta do sculo XVI. Eles desejaram continuar no novo mundo uma antiga tradio que

    na Europa remontava idade mdia. Tiveram seu apogeu no perodo colonial. Porm,

    sua existncia perpassou o Imprio avanando no sculo XIX, ainda com muito brilho.

    Elas se firmaram no Brasil como espaos significativos de devoo leiga. (Cardozo,

    1973).

    Essas instituies eram regulamentadas por um estatuto, elaborado e

    aprovado pelos seus membros. Em seguida era submetido aprovao da Igreja e do

    Estado. Esse documento denominado ordem de compromisso continha uma ntida

    descrio da estrutura e funcionalidade da confraria. Eles se constituem hoje como uma

    fonte primordial para quem deseja realizar uma pesquisa sobre essas associaes.

    Nesse sentido, esse artigo apresenta uma discusso das experincias

    desenvolvidas pelos homens de cor na regio do Cariri cearense, especificamente na

    cidade de Barbalha, na segunda metade do sculo XIX. Trata-se da Irmandade de Nossa

    Senhora do Rosrio. Abordaremos, especificamente, suas funes religiosas e sociais.

    2. ROSRIO DOS PRETOS: UMA EXPERINCIA DE DEVOO E SOCIABILIDADE

    A devoo a Nossa Senhora do Rosrio antiga e tem origem entre os

    dominicanos. Reza a tradio catlica que So Domingos Gusmo inspirado pela

    virgem Maria teria dado ao Rosrio seu formato atual. Logo, a prtica do Rosrio se

    propagou, sendo levada por missionrios europeus para outros continentes4.

    No Brasil, a tradio chegou juntamente com a colonizao. Foi adotada por

    senhores e escravos, sendo que estes ltimos absorveram dos primeiros essa prtica, a

    partir da associao em Irmandades, cuja devoo estava voltada a Nossa Senhora do

    Rosrio. Segundo Souza (2007), a popularizao das Irmandades do Rosrio ocorreu

    4 http: //pt.wikipedia.org/wiki/irmandadedospretos.

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  • com participao dos negros nessas comunidades, onde esse grupo social instrudo no

    catolicismo se reunia para rezar e cultivar suas tradies.

    No Cear vamos encontrar durante o Imprio vrias irmandades dedicadas a

    esse titulo de Maria. Muitas delas so compostas por escravos. Por exemplo, a

    Irmandade do Rosrio de Sobral que floresceu no sculo XIX. No Cariri esse tipo de

    associao religiosa tambm se fez presente, tendo em vista que a escravido foi uma

    realidade concreta na regio. Os cativos foram um elemento importante na composio

    scio-cultural do sul cearense. Diferentemente do que se pode pensar, o trabalho

    compulsrio foi utilizado na engrenagem da produo caririense. Em descrio acerca

    da mo de obra utilizada nos engenhos de rapadura (1790-1850), Antonio Jos de

    Oliveira, assim afirma:

    O escravo embora no muito expressivo, foi um dos elementos

    definidores das relaes de trabalho na regio, que

    estruturaram as formas de enrijecimento das relaes de

    poder e sociabilidade entre eles, seu senhor e o trabalho. Tais

    relaes demarcaram as diferenas entre os demais

    trabalhadores, diferenas entre os demais trabalhadores,

    diferenas que ocorriam em nveis tanto econmicos quanto

    sociais (...), deve-se considerar que aqui o homem de cor

    esteve presente; sua influncia sociocultural no dissipou

    juntamente com sua cor. (Oliveira, 2003, P. 33 36).

    Como avaliou Oliveira acima, os cativos estiveram presentes no Cariri e

    aqui imprimiram suas marcas. Viveram nestas terras a mesma situao dos escravos das

    outras regies brasileiras. Habitaram uma sociedade excludente e discriminatria.

    Sentiram na pele a discriminao e carga de preconceito como qualquer outro Preto

    que no Brasil da poca se encontrasse na mesma condio jurdica.

    A Irmandade do Rosrio, atuante na Barbalha oitocentista, foi uma dessas

    experincias utilizada para atenuar o sofrimento provocado pela escravido. Criadas

    pelos homens de cor, por volta de 18605, essa instituio religiosa conseguiu congregar

    em torno da devoo a Nossa Senhora do Rosrio um grupo de pessoas simples e

    piedosa que perceberam na f uma maneira de suportar as agruras da escravido.

    5 Pinheiro, Irineu. Efemrides do Cariri. Fortaleza: Imprensa Universidade do Cear, 1963.

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  • Nesse sentido, a criao dessa confraria, cuja atuao ocorreu num perodo

    de transformaes no vale caririense, significou uma conquista de espao para os

    negros. A devoo a Nossa Senhora do Rosrio foi a inspirao para essa gente de cor

    desenvolver aes que lhes aliviassem os sofrimentos infligidos pelos brancos, como

    por exemplo os momentos de festividades e comemoraes.

    Assim, a organizao anual da festa da padroeira da confraria representava

    um desses momentos de celebrao, quando negros libertos e escravos podiam construir

    espaos de transgresso do cotidiano. Isso se dava a partir da festa da santa que no

    ficava restrita apenas s novenas, missas e procisses. Rompendo as fronteiras da

    oficialidade, durante os festejos era realizada tambm a Coroao dos Reis da

    Irmandade, como expresso da cultura africana. Essa tradio oriunda da frica,

    recriada no ambiente escravista, tinha respaldo em acontecimentos vividos em seu local

    de origem que permanecia na memria dos negros escravos. (Sampaio, 1995).

    Era uma festividade de carter carnavalesco, recheada de muita alegria,

    dana e canto. Nesse momento, se escolhia entre os membros da confraria as figuras do

    rei e da rainha, juntamente com sua corte. Esses eram papis simblicos, semelhantes s

    representaes do folclore, onde os eleitos desempenhavam, alm da funo ldica,

    outras funes dentro da Irmandade, zelando sempre pelos interesses dos irmos.

    Um importante elemento a ser destacado, quando analisamos as irmandades

    de negros, o aspecto autnomo que essas organizaes de leigos conseguiram obter.

    Embora elas possussem um carter oficial, por estarem ligadas a Igreja e ao Estado,

    funcionavam como um dos mais fortes e coesos espaos de autonomia criado pelos

    escravos durante o perodo escravocrata.

    Nesses ambientes os negros puderam viver e reviver suas religiosidades,

    seus costumes e tradies. Isso porque, retirados da sua terra natal, os negros chegaram

    ao Brasil, deslocados culturalmente e proibidos de vivencia suas culturas e crenas. Eles

    encontraram nas Irmandades um espao onde puderam recriar elementos de sua cultura,

    a partir da sociabilidade que esses ambientes ofereciam. (Souza, 2007)

    Esses detalhes descritos acima constituem uma realidade que se aplica a

    Irmandade do Rosrio de Barbalha, visto que um dos momentos de maior importncia

    dessa confraria era a realizao anual da festa dos Reis de Congo, vivida paralelamente

    festa oficial, em homenagem a padroeira da confraria. Esse elemento da cultura

    africana era celebrado e, sobretudo, vivenciado. Todos os anos, na poca do Natal at o

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  • dia de Reis, os negros estavam livres para circular nesse mundo que eles construram

    dentro da oficialidade.

    As festividades realizadas pela irmandade eram vividas pelos associados

    como um momento de esperana e de unio. Participar dessas festividades significava

    vivenciar um novo tempo: o da alegria, da inverso e da transgresso do cotidiano. Eles

    podiam viver a liberdade, mesmo que simbolicamente. Sentir-se um ser humano capaz

    de tecer solidariedade e sociabilidade. Nesse sentido, escreve Souza:

    (...) alm do ldico e da f, estas festas eram uma forma de

    celebrar, de festejar, eram momentos de recriar a vida,

    ocasio de nascer no meio da morte da escravido. Os negros

    (cativos e libertos), nas festas ultrapassavam o cotidiano,

    dando um novo ritmo as suas vidas, produzindo esperanas de

    novo tempo, baseado na solidariedade, na alegria e

    confraternizao. (Souza, 2006, p. 100).

    Nas irmandades negras, em especial as devotadas a Nossa Senhora do

    Rosrio, o aspecto mais caracterstico dessa devoo pblica eram as procisses. Elas

    eram exerccios pblicos de piedade, mas tambm de divertimento.

    Esse aspecto ldico no qual transcorria toda a festividade era um mundo

    vivido parte da oficialidade, onde as missas e novenas realizadas em prol da devoo a

    Me do Rosrio se encontravam noutro plano o do catolicismo ortodoxo. Porm,

    nesse mundo paralelo, onde sagrado e profano se intercruzavam, a festa da padroeira

    funcionava como promotora de momentos de interao social.

    Outra faceta interessante a ser destacada nesse tipo de associao religiosa

    era a sua composio. Como j foi dito, anteriormente, elas representavam a hierarquia

    social. Por isso algumas irmandades que tinha Nossa Senhora do Rosrio como

    padroeira s acolhiam escravos e libertos, outras s recebiam cativos. Assim como

    existiam aquelas que no admitiam a participao desse contingente social. No que

    tange Irmandade analisada interessante perceber que havia uma tolerncia com

    relao participao de outras categorias sociais, alm dos negros.

    A de Barbalha permitia que dela participassem pessoas de

    ambos os sexos, condies e cores que por devoo nela

    quisessem ter ingresso, sendo, porm, privativo dos pretos toda

    a administrao da mesma irmandade, com excluso dos

    brancos e pardos, que no podero ocupar cargo nenhum,

    5

  • exceto de tesoureiro, administrador e procurador, ou outro por

    devoo. (Pinheiro, 2009, p. 238)

    A organizao dessa irmandade do Rosrio demonstra, portanto, que havia

    uma significativa articulao entre a confraria e a comunidade, o que com certeza

    gerava uma maior sociabilidade dos membros. Alm disso, a excluso de algumas

    categorias sociais e, ao mesmo tempo, essa abertura dada pelo estatuto que regia a

    associao religiosa barbalhense, revela que se por um lado as irmandades possuam

    certa flexibilidade, por outro se constata a restrio como centro marcador de espao.

    Isso porque uma de suas caractersticas era exatamente a autonomia. Assim sendo, elas

    vo se configurar como caminho para os negros exercerem dentro da legalidade

    atividades que estavam acima de sua condio.

    Ao se tornar irmo de uma determinada confraria, o escravo assumia papis

    que iam alm da sua condio jurdica, o que lhe possibilitava uma maior interao

    social. Dessa forma, pertencer a uma dessas associaes significava ganhar uma

    identidade que lhe permitia obter uma maior socializao junto aos membros e a

    sociedade em geral. Assumir um cargo (rei, rainha, ministrador, procurador, tesoureiro,

    etc.) era uma forma do cativo ultrapassar a simples condio de coisa, tornando-se um

    elo dentro da comunidade que lhe permitia a construo de laos sociais.

    Segundo Laura de Mello e Souza a festa era uma inverso da ordem

    escravocrata, pois, no reino da Irmandade, todos tinham o estatuto de irmos, livres

    para fazer sua festa, danarem os seus congos. (Souza, 2007, 115)

    Portanto, devemos entender que esses indivduos, que eram considerados

    uma categoria inferior do ponto de vista jurdico e do poder aquisitivo, sentiram a

    necessidade de articularem esses pontos de autonomia. Na busca de encontrar espaos

    numa sociedade marcada pelas estratgias dos grupos dominantes, que insistiam em

    negar sua condio humana, eles se associavam em organizaes que lhes

    possibilitavam uma viso diferente do mundo.

    A fundao de inmeras irmandades negras no Brasil foi fruto, pode-se

    afirmar, de uma reao a todas as negligncias sofridas pelos homens de cor que se

    encontravam desamparados em todas as suas necessidades. Percebi-se que alm da

    funo religiosa que conferia auxlio espiritual, elas tambm funcionavam como uma

    sociedade de ajuda mtua, ou seja, uma espcie de previdncia, cujo socorro poderia

    est relacionado s doenas, velhice, pobreza e morte. Assim, ajudar os irmos era uma

    6

  • das funes principais desempenhada por muitas dessas confrarias, inclusive no ato da

    morte.

    A preocupao com uma boa morte foi uma constante na sociedade

    brasileira do sculo XIX, quando muitos se questionavam sobre os destinos da alma

    aps a morte. Nesse sentido, como afirma Reis (1999), a morte no era vista como um

    fim, mas o incio de uma longa viagem em direo vida eterna, que poderia ter como

    destino o inferno, o purgatrio ou cu. Isso fez com que muitas irmandades fizessem

    dos ritos fnebres sua preocupao central, onde garantir enterros dignos aos associados

    era fundamental.

    Assim, podemos perceber que o desejo de ter um belo ritual fnebre

    ultrapassava as classes privilegiadas. Os escravos, os libertos e os membros das

    camadas mais pobres da populao tambm tinham essa preocupao. Isso fazia com

    que muitos se associassem em irmandades como forma de garantir uma boa morte.

    (Reis, 1999).

    Com relao Irmandade do Rosrio de Barbalha, podemos ressaltar que

    uma de suas maiores preocupaes era o desejo de garantir fundos para a construo de

    um templo em homenagem a sua Santa Padroeira, que ocupava um altar lateral na

    matriz dedicada a Santo Antnio. Nesse sentido, seus membros, anualmente, realizavam

    a festa no intuito de v concretizado esse sonho. Sonho que se dissipou com a disperso

    dos pretos para vrias localidades com o advento da abolio, por volta de 1884.

    (Sampaio, 1995).

    No entanto, esse desejo que ficou retido na memria do povo barbalhense.

    Esse sonho foi concretizado em 02 de fevereiro de 1921, quando se inaugurou a igreja

    de Nossa Senhora do Rosrio, construda graas iniciativa dos vigrios Padre Manoel

    Cndido dos Santos e dos ilustres cidados barbalhenses Antnio Correia Sampaio

    Figueiras e Jos de S Barreto Sampaio.

    3. CONCLUSO

    Como podemos observar as irmandades surgem no Brasil colonial como

    herana europia trazida pelos colonizadores, sendo absorvida, sobretudo pelas camadas

    subalternas. Estas instituies religiosas, ligadas ao catolicismo, eram organizadas por

    leigos e funcionavam como espao de autonomia da populao menos favorecida.

    Estavam voltadas para uma funo religiosa onde se destaca o zelo para

    com a devoo a um santo catlico, no caso analisado, Nossa Senhora do Rosrio,

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  • destacando todo auxlio espiritual proporcionado aos associados, como velrio, missas e

    oraes. No entanto, possvel enfatizar que as irmandades desempenharam tambm

    uma funo social voltada para a solidariedade, a caridade e a ajuda mtua entre seus

    membros. Alem dessas duas funes, h ainda uma terceira que enfatizamos ao longo

    do texto: a sociabilidade e interao entre os membros e entre esses e a sociedade de um

    modo geral.

    Foi atravs das irmandades que os homens de cor puderam desenvolver

    relaes de parentesco que ultrapassava a questo da consanginidade, estando ligada a

    construo de uma identidade que fazia todos se sentirem irmos, pertencentes mesma

    famlia, devotados mesma santa Nossa Senhora do Rosrio.

    No ambiente dessas confrarias, a gente de cor pde construir laos sociais,

    desenvolver redes de ajuda mtua, bem como espaos de lazer, alegria e diverso que

    para Souza, se configuravam como uma nova vida no meio da morte da escravido.

    Essas associaes, que no Brasil floresceram na colnia e no imprio,

    ultrapassaram as barreiras do tempo. Hoje ainda, podemos encontrar em cidades como

    So Paulo, essa tradio religiosa que serve de referncia para os movimentos de

    conscincia negra.

    Enfim, vale ressaltar que o universo dessas entidades no Brasil ainda

    pouco explorado pelos historiadores, o que representa uma lacuna na memria dos

    afrodescendentes que muito contriburam para a formao sociocultural desse pas.

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