INVISIBILIDADE SOCIAL DAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO… · A questão da reabilitação...
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VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário O Trabalho em Debate
“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
INVISIBILIDADE SOCIAL DAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO: Desafios Para A Reabilitação Profissional
Edvânia Ângela de Souza Lourenço1; Iris Fenner Bertani2
Resumo
A reabilitação profissional no contexto neoliberal e de precarização das relações sociais do trabalho é, certamente, uma tarefa complexa. Esta lógica, no que diz respeito aos agravos à saúde dos trabalhadores, tem disseminado novos desafios, pois condições e ambientes de trabalho historicamente considerados prejudiciais e, portanto, origem dos acidentes e doenças ocupacionais clássicas, têm com a globalização econômica, ampliado muitos males (invisíveis) que atingem os trabalhadores. As Lesões Por Esforço Repetitivo (LER) e as Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) são algumas dessas expressões, mas nem sempre consideradas vinculadas ao trabalho. Ao não serem diagnosticadas como relacionadas ao trabalho, também não são notificadas e ficam na invisibilidade social o que, via de regra, prejudica a organização de ações e serviços de vigilância e de recuperação da saúde dos sujeitos que adoecem coletivamente, mas em decorrência do tratamento individualizado e distante das causas, acabam ficando no anonimato. Assim, discute-se, a partir das entrevistas semi-estruturadas realizadas com técnicos envolvidos com a saúde do trabalhador em Franca/SP e com uma trabalhadora vítima de LER, as implicações da falta de notificação dos agravos relacionados ao trabalho para a elaboração e efetivação das políticas mais amplas de atenção à saúde e de prevenção destes problemas. Palavras Chave: Reabilitação Profissional. Doenças Relacionadas ao Trabalho. Notificação. Saúde do Trabalhador. Sistema Único de Saúde.
INTRODUÇÃO
A questão da reabilitação profissional esbarra em um paradoxo: reabilitar
individualidades, sem perder o contexto coletivo, ou seja, é necessário prever ações de
assistência à saúde aos lesionados, mas também registrar essas ocorrências e intervir de
1 Professora do Departamento de Serviço Social UNESP- Franca/SP e líder do Grupo de estudos e pesquisas “Mundo do Trabalho: Serviço Social e Saúde do Trabalhador – GEMTSSS”, também é pesquisadora dos grupos QUAVISSS e Teoria Social de Marx, UNESP-Franca/SP. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutora pela PUCSP e Livre Docente pela UNESP. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Serviço Social - UNESP. Universidade Estadual Paulista– Campus de Franca. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Saúde, Qualidade de Vida e Relações de Trabalho - QUAVISSS, GEMTSSS. Endereço eletrônico: [email protected]
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modo que novos agravos sejam evitados. Portanto, está estreitamente vinculada aos
sistemas de Saúde e Previdência Social. Além disso, não se pode perder de vista que o
processo de desgaste biopsíquico da força de trabalho ocorre em determinado modo de
produção, a partir de determinadas exigências e processos de trabalho, que pode
consumir lenta ou fatalmente a vida de quem trabalha. Assim, não basta prestar
assistência aos adoecidos, mas é necessário também criar ações mais amplas capazes de
interferir na fonte causadora dos males da saúde.
As atuais mudanças do mundo do trabalho e as inovações técnicas e de gestão da
força de trabalho têm repercutido negativamente nas condições de vida e saúde da
classe trabalhadora, em especial, na gênese das doenças relacionadas ao trabalho. Tais
como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), um conjunto de enfermidades que
congregam o grupo de Doença Osteomuscular Relacionada ao Trabalho (DORT),
desgaste mental com repercussões do sofrimento psíquico e, entre outras, as
complicações ou associações psicossomáticas.
As doenças ocupacionais clássicas, caracterizadas com mais facilidade por
estarem conectadas a determinados agentes causadores, por exemplo, a silicose
decorrente do processo de trabalho nas minas, nas rochas de granito ou areia, pedreiras,
cerâmicas etc., pode ter o diagnóstico vinculado a história profissional com mais
facilidade. Ao contrário, nas condições atuais da reestruturação produtiva sob os
determinantes da mundialização do capital, que impõem as relações sociais de trabalho
informais, autônomas, domiciliares, marcadas pelas novas tecnologias, subemprego e
desemprego (ANTUNES, 2007) e, ainda, pelas mudanças operacionais na produção e
sua organização, em especial, pelo uso de “novos” enfoques de administração
empresarial, que estimulam a competitividade e instituem o cumprimento de metas em
ritmo acelerado; geram pressões que, certamente, sobrecarregam o trabalhador
provocando a deterioração da sua saúde. Porém, há uma dificuldade maior na
identificação do que é produzido pelo ou no trabalho.
Na esteira de tais transformações, situa-se a política de governo, que seguindo a
orientação neoliberal, cede às demandas empresariais por flexibilização dos direitos
trabalhistas, reduzindo as perspectivas de expansão dos direitos sociais, dificultando o
acesso às políticas públicas, em especial, aos benefícios previdenciários. Os sindicatos,
órgãos coletivos de representação da classe trabalhadora, também atuam como
amálgama destas novas relações sociais de trabalho. Diante das mudanças políticas,
econômicas e sociais em voga, estes órgãos têm-se afastado das prerrogativas de
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transformação da realidade social. De modo vulgarizado parece que se moldaram à
ordem, orquestrando-se à política econômica neoliberal e ao processo de acumulação e
valorização do capital (ALVES, 2000). Estas configurações do mundo do trabalho
mantêm inter-relação com as condições de saúde dos trabalhadores. Apesar dessa
conexão, ainda não se construiu uma tradição nos serviços de saúde tanto em distinguir
os determinantes sociais do processo e organização do trabalho para os agravos, quanto
em notificá-los, o que prorroga para um período indeterminado a construção de políticas
públicas, em especial, as de reabilitação profissional e as respectivas ações preventivas.
A devida notificação dos males provenientes do processo e relações sociais de
trabalho poderia criar dados epidemiológicos capazes de extrapolarem as ações
individuais, efetivando, portanto, a atenção à saúde. Narvai (1994) diferencia esse
conceito das ações assistenciais. Explicita que a ênfase para o atendimento ao individuo
nos serviços de saúde se caracteriza como assistência à saúde e quando há sua
ampliação, congregando as ações “intra e extra” setor saúde, como por exemplo, o
saneamento básico, habitação, trabalho, salário etc. tem-se a atenção à saúde.
Dessa maneira, a reabilitação profissional não está sendo entendida aqui apenas
como assistência à saúde realizada por meio do atendimento médico ou multidisciplinar
nas várias áreas: básica, emergencial, ambulatorial ou hospitalar, mas sim como um
conjunto de ações realizadas por meio de políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doenças e de outros agravos, além de serviços e ações que possam
promover, proteger e recuperar a saúde (BRASIL, 1988, art. nº196).
O objetivo é discutir a reabilitação profissional articulada ao reconhecimento das
doenças relacionadas ao trabalho e a sua devida notificação; assim enfatiza-se o papel
do Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, não é possível desconsiderar o papel do
sistema previdenciário, em especial, pelas garantias pecuniárias que deve oferecer ao
segurado durante o seu possível afastamento do trabalho para que esse possa fazer o
tratamento e recuperar a sua saúde. Além disso, a Saúde juntamente com a Previdência
e Assistência Social constituem a seguridade social, portanto, a discussão da
reabilitação profissional deve considerar a necessária mediação entre esses serviços,
sendo que realizar a sua análise como uma prática isolada do SUS significa negar as
condições para a atenção à saúde, a qual se efetiva por meio de ações intersetoriais.
Para a Previdência Social a habilitação e reabilitação profissional são
desenvolvidas a partir da garantia do beneficio em pecúnia para quem esteja
incapacitado para o trabalho, desde que devidamente comprovado, e de cursos de
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qualificação para a possível inserção ou reinserção do beneficiário em atividades
funcionais compatíveis com o seu nível de incapacidade (BRASIL, 1999). Também é
garantido o fornecimento de aparelhos, como prótese e órtese, entre outras, condições
para a participação nos cursos de qualificação para a possível vida ativa do beneficiário
no mercado de trabalho (BRASIL, 2007a).
Porém, frente ao avanço da informalidade e das relações sociais de trabalho sem
garantias legais, verificam-se os limites da cobertura previdenciária, a qual se restringe
aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. E vale lembrar que, mesmo entre
estes não se consideram as categorias de trabalhadores domésticos, autônomos e
funcionários públicos para o benefício específico vinculado aos acidentes ou doenças
relacionadas ao trabalho, denominado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS) de auxílios-doença acidentários (espécie B91). As enfermidades gerais e sem
relação com o trabalho congregam os auxílios-doença previdenciários (B31). Outro fato
é que o auxílio doença acidentário atende apenas os sujeitos com mais de quinze dias de
afastamento do trabalho e além de excluir aqueles com menor tempo de afastamento
deve-se considerar ainda que muitas pessoas, apesar de adoecidas, não conseguem se
afastar do trabalho para se tratar e recuperar a sua saúde, seja devido ao medo de
perderem o emprego em decorrência das possíveis faltas do trabalho ou de eventual
afastamento para tratamento médico; seja pelas dificuldades de diagnóstico e
tratamentos adequados, como se pode verificar no depoimento, exposto mais adiante.
O SUS, ao seguir o princípio da universalidade, não impõe restrições de
cobertura. Assim, todo trabalhador, independentemente do vínculo empregatício, etnia
ou renda, passa a contar com uma política pública de saúde, cujo processo de
reabilitação se efetiva por meio da atenção à saúde. Mas, o salto qualitativo da
reabilitação profissional no SUS ocorreu com a criação e normatização da política de
saúde do trabalhador, a partir da implantação dos Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador (CEREST), de abrangência regional e em todo o país (BRASIL, 2005).
O Centro de Referência tem o compromisso de organizar a assistência na rede
SUS para que os agravos à saúde dos trabalhadores sejam devidamente reconhecidos e
assistidos como provenientes do trabalho; desenvolver ações de prevenção e promoção
da saúde; implantar e acompanhar o sistema de notificação e de estudos dos agravos à
saúde dos trabalhadores; realizar vigilância em saúde do trabalhador; e de propiciar a
participação dos trabalhadores, inclusive no acompanhamento da gestão do referido
Centro.
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Em muitos Centros de Referência, a reabilitação profissional vem sendo
desenvolvida com ênfase para a recuperação da saúde física e mental. Em outros, a
assistência está integrada em toda rede SUS, porém, no geral, ainda existem
dificuldades relativas ao acesso ao tratamento com determinadas especialidades, bem
como a realização de exames mais sofisticados e, ainda, atendimento fisioterápico,
psicológico e alternativos como a acupuntura, entre outros. As dificuldades se agravam
quando as ações de vigilância são realizadas esporadicamente e sem relação com os
demais serviços e, sobretudo, quando a assistência é feita sem vincular o problema de
saúde com o trabalho, o que resulta na subnotificação. Isto inviabiliza o conhecimento
das reais doenças relacionadas ao trabalho, e, como efeito dominó, inviabiliza também a
articulação de ações intersetoriais entre o CEREST, Delegacia Regional do Trabalho
(DRT), sindicatos de trabalhadores e dentro da própria rede SUS, em conseqüência, a
atenção à saúde. Mantêm-se assim, os agravos à saúde dos trabalhadores como uma
problemática de atendimento individual. Tais limites puderam ser constatados por
Lourenço (2009) ao analisar a atuação do CEREST, regional Franca.
Assim - invisibilidade social das doenças relacionadas ao trabalho - é um título
paradoxal, pois quer expressar que, cotidianamente, os serviços de saúde se defrontam
com os agravos sofridos pelos trabalhadores, mas que, ao serem subsumidos pela
demanda crescente e pela crise do sistema, são mantidos como uma problemática geral
de assistência, o que traz graves conseqüências para as possibilidades de reabilitação
profissional para além da assistência individual.
Portanto, em linhas gerais, tenta-se destacar que as doenças relacionadas ao
trabalho ainda encontram muitas dificuldades para o seu diagnóstico, bem como o
devido registro como do/no trabalho e, em conseqüência, para as ações de reabilitação,
proteção, prevenção e de vigilância nos ambientes de trabalho. A falta da relação com a
atividade funcional deixa essas doenças na invisibilidade social e os seus portadores
percorrem um longo caminho em busca de tratamento e de reabilitação, nem sempre
com êxito na sua busca.
MÉTODO
A discussão se baseia nos estudos bibliográficos e na abordagem qualitativa em
pesquisa, especialmente, por meio de entrevistas semi-estruturadas com uma
trabalhadora que foi acompanhada pelo Serviço Social do CEREST-Franca, em 2007, e
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com técnicos envolvidos com a saúde do trabalhador neste município, especificamente,
a Auxiliar de Enfermagem do Trabalho, o Médico do Trabalho e a Psicóloga do
CEREST e, ainda, o Engenheiro do Trabalho do Grupo de Vigilância em Saúde, GVS –
regional -Franca/SP. A escolha desses sujeitos se deu em decorrência do papel do
CEREST frente a atenção à saúde do trabalhador. Já a escolha da história de trabalho e
saúde apresentada na forma de um relato de caso, se deu por ela expressar as
dificuldades que muitos trabalhadores enfrentam, quando adoecidos, tanto em se afastar
da atividade para o devido tratamento, quanto em ter o diagnóstico do seu problema de
saúde como relacionado ao trabalho.
As entrevistas ocorreram, no período entre janeiro a julho de 2008, visando
discutir o processo de implantação da política de saúde do trabalhador em Franca a
partir de estudo documental e de entrevistas semi-estruturadas (LOURENÇO, 2009).
Para esta discussão procedeu-se a seleção do material colhido naquela oportunidade,
selecionando apenas o conteúdo relativo às dificuldades verificadas pelos sujeitos
quanto ao reconhecimento das doenças relacionadas ao trabalho e a respectiva
notificação.
As entrevistas foram agendadas previamente e antecedidas pela assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
ENTENDIMENTO HISTÓRICO DAS DOENÇAS RELACIONADAS AO
TRABALHO E A SUA NOTIFICAÇÃO
A notificação dos agravos à saúde dos trabalhadores pode ser um dos eixos
estruturantes para se pensar a reabilitação profissional, uma vez que permite a criação
de sistemas de informação que possibilitam coletivizar os problemas e, por meio de
ações mais amplas, interrompê-los ou amenizá-los.
Nos dias atuais, as estatísticas oficiais dos agravos à saúde relacionados ao
trabalho ainda encontram dificuldades para representarem as reais condições que os
sujeitos estão inseridos, uma vez que os dados do Anuário Estatístico da Previdência
Social contemplam apenas os segurados, o que significa que os trabalhadores informais,
autônomos, domiciliares e sem garantias trabalhistas ficam descobertos pelo sistema
previdenciário e, em conseqüência, pelo seu Programa de Reabilitação Profissional.
Os dados oficiais dos agravos à saúde dos trabalhadores indicam os impactos da
organização, processos e relações sociais de trabalho sobre a saúde. Em 2006, o INSS
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registrou 503,9 mil acidentes de trabalho, desses, 2717 corresponderam a óbitos.
“Comparado com 2005, o número de acidentes de trabalho registrado aumentou 0,8%.
Os acidentes típicos representaram 80% do total de acidentes, os de trajeto 14,7% e as
doenças do trabalho 5,3%” (BRASIL, 2006).
No Estado de São Paulo foram 188.477 acidentes, 37% do montante nacional,
seguindo a mesma proporção na classificação entre típico, trajeto e de doenças do
trabalho sobressaíram 79,81%, 15,05% e 5,12%, respectivamente. Destaca-se que
desses, 644 pessoas perderam a vida (BRASIL, 2006).
Ao estudar as notificações dos agravos à saúde dos trabalhadores,
compreendendo as Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) e os Relatórios de
Atendimento aos Acidentados do Trabalho (RAAT), verificou-se que, nos anos de 2005
e 2006, foram registrados 7. 116 agravos em Franca e região. Desses 80,69% são
considerados “típicos”, seguidos de 12,68% de “Trajeto” e 6,30% de “Doenças
Relacionadas ao Trabalho” e 22 pessoas foram a óbito (LOURENÇO, 2009). Fica o
questionamento se as doenças relacionadas ao trabalho não existem, ou se não se não
estão sendo diagnosticadas como tal e, portanto, estão na invisibilidade social.
Historicamente os agravos à saúde dos trabalhadores foram subnotificados,
tendo o seu diagnóstico distanciado da organização e relações sociais de trabalho.
Ribeiro (1999) explica que os períodos históricos que precederam a Revolução
Industrial não estavam imunes às doenças e acidentes relacionados ao trabalho, bem
como aquelas de rápida transmissão. Apesar dessa historicidade verifica-se que foi a
partir da expansão da acumulação do capital desencadeado pela indústria moderna
assentada na maquinaria, na rigorosa divisão social do trabalho, na expropriação da
força de trabalho dos meios de produção e nas relações sociais de compra e venda da
força de trabalho “livre”, que os agravos à saúde ganharam nova dimensão, bem como
aqueles decorrentes das condições de vida. Desse modo, alguns estudos apontaram a
relação do ambiente, da organização social e da produção com os problemas de saúde.
Mendes e Waissmann (2005, p.5) ao biografar Bernardino Ramazzini,
importante precursor da Medicina do Trabalho, destacam que longe da tecnologia
médica, especialmente, de exames laboratoriais e de imagem, ele realizou importante
estudo e observação, inclusive no local de trabalho, enfatizou a conversa com os
trabalhadores (anamnese ocupacional) e categorizou problemas de saúde conforme a
ocupação transcendendo a abordagem individual para a coletiva ou epidemiológica.
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Engels (1985) ao estudar a história social da classe trabalhadora na Inglaterra,
em 1845, denunciou as repercussões da exploração do trabalho, na sociedade capitalista,
para a saúde e vida dos trabalhadores. Marx (2006) desmistificou o fetiche da
mercadoria, evidenciou a sanha do capital em fazer mais dinheiro (D-M-D’) por meio
da exploração e contribuiu, sobremaneira, para a compreensão da realidade social, do
trabalho como criação de valor a partir da produção de mais-valia, da alienação como
perda histórica dos meios de produção, do estranhamento social provocado pelas
dificuldades de uma vida cheia de sentido na ordem do capital.
Aos poucos, a saúde foi percebida a partir das condições ambientais e sociais.
Contudo, a partir da segunda metade do século XIX, como expõe Facchini (1993) os
estudos da microbiologia defenderam que toda doença tem uma causa, estabelecendo o
paradigma da unicausalidade na interpretação dos problemas de saúde.
Ribeiro (1999) destaca que no período pré-monopolista de 1870 a 1920 e o
monopolista entre 1920 a 1950, quando consolida a indústria pesada de bens de capital
houve declínio das doenças infecto-contagiosas e parasitárias presentes no ciclo
anterior, enquanto que as doenças e os acidentes de trabalho “típicos” ganharam relevo.
O autor sublinha ainda que aumentou a necessidade de comprovação da relação entre
causa (materialidade “físico-química” e “exposição ao risco”) e efeito (agravos), o que
para ele, vincula-se à instauração dos sistemas indenizatórios normatizados pelo Estado.
Em 1950, inicia-se a fase oligopolista do capitalismo que se acentuará a partir de
1970, quando “[...] a prevalência maior continua sendo dos acidentes típicos de trabalho,
mas, sobretudo, de doenças de causalidade não direta, com uma relação com o trabalho
menos explicita e mais sutil” (RIBEIRO, 1999, p.42). As doenças infecto-contagiosas dão
espaço àquelas enfermidades consideradas crônico-degenerativas, sendo o modelo
unicausal insuficiente para demonstrar as suas causas (FACCHINI, 1993).
A multicausalidade das doenças relacionadas ao trabalho é demonstrada pela
epidemiologia como biológica e social. Por um lado, o agravo é verificado a partir da
comprovação, inclusive laboratorial; por outro lado, da observação da evolução do
agravo na população. “O instrumento de observação deixou de ser, em alguns casos, o
microscópio, passando para a análise dos números e de suas correlações estatísticas. É
um ‘olhar armado com outras lentes’, as das 'ciências matemáticas” (RIBEIRO, 1999, p.
49, destaque do autor). Ou seja, a associação de vários fatores e as correlações possíveis
entre as causas, ainda que pontual, permite embasar algumas intervenções técnicas
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sobre a organização, processo e ambiente de trabalho na possível prevenção dos males
relacionados ao trabalho e reparação dos danos às vítimas.
Paralelamente ao avanço do entendimento das doenças relacionadas ao trabalho
foram sendo instalados os serviços de saúde e de previdência responsáveis pela
assistência, recuperação, prevenção e garantias pecuniárias disponibilizadas durante o
possível afastamento do trabalhador vítima de agravos da atividade funcional.
Deve se dizer que, ao longo dos tempos, a Previdência Social brasileira se
mostrou como um órgão restrito aos direitos garantidos, por meio da pressão social e de
relação direta com o trabalho assalariado. Como já abordado por Mota (2000) a
seguridade social, tanto no que diz respeito à saúde, à previdência e à assistência social,
resulta das conquistas políticas da classe trabalhadora como também das respostas do
capital às reivindicações desta classe, o que dá um status a seguridade social de espaço
privilegiado de disputas e negociações na ordem burguesa.
Foi no contexto político, econômico e social da década de 1970, que as críticas e
reivindicações da classe trabalhadora ecoaram na estatização brasileira do Seguro
Acidentes de Trabalho pelo sistema previdenciário. É a partir desse período, que o
Brasil passou a ter dados dos benefícios e afastamentos por invalidez (permanente e
temporária) e por mortes subjacentes ao trabalho (FALEIROS, 1992).
Segundo Lacaz (2007), nesse período, o Brasil apresentava o maior número de
óbitos entre a População Economicamente Ativa (PEA) em relação a outros países
industrializados. Em decorrência, o governo brasileiro teria implantado algumas
medidas como a obrigatoriedade dos Serviços Especializados em Engenharia de
Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT (Norma Regulamentadora nº 4,
BRASIL, 1978) e a mudança na Lei de cobertura de acidentes de trabalho. Em 1976, é
regulamentada nova Lei de Acidentes de Trabalho, Lei nº. 6.367, de 19/10/1976
(RIBEIRO; LACAZ, 1984, p. 28), que além de reduzir o valor dos benefícios, retirou a
cobertura legal do seguro a muitas doenças relacionados ao trabalho e, ainda, “criou
novas exigências absurdas, deixando inúmeras lesões sem qualquer proteção”
(RIBEIRO; LACAZ, 1984, p. 28). Para estes autores, a nova Lei, ao restringir a
cobertura às doenças relacionadas ao trabalho, diminuiu a demanda para o seguro social,
afastando a viabilidade de cerca de 90% das doenças ocupacionais. Após, foi observada
uma redução nos números de acidentes; contudo, os dados referentes àqueles eventos de
maior gravidade e morte subiram em comparação ao total de registro, “[...] o que
desmente as informações oficiais de que estaria ocorrendo uma melhoria na segurança
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no trabalho. A agressividade e a insegurança dos locais de trabalho vêm provocando o
aparecimento de uma verdadeira legião de inválidos” (LACAZ, 1995, p. 133).
Observa-se que, do período de 1971 a 1984, houve queda nos dados de acidentes
de trabalho (LACAZ,1995). Mas, a redução dessas ocorrências não foi acompanhada da
melhoria das condições de trabalho. Tal redução é representada também pela baixa dos
registros de doenças profissionais, que na década de 1980 girava em torno de 3 mil
casos. O autor relativiza que, países como Itália e Alemanha Ocidental, apesar de terem
dados de acidentes próximos ao do Brasil, em relação às doenças atingiam “[...] cifras
10 a 15 vezes maiores e onde, se sabe, as condições de trabalho são melhores que no
Brasil!” (LACAZ, 1995, p. 133). Para ele o reduzido número de doenças relacionadas
ao trabalho entre os brasileiros tem a ver com a assistência médica privada realizada
pelos serviços médicos de empresas ou pelos convênios particulares e, ainda, com o
pouco envolvimento dos serviços de saúde públicos com as questões do trabalho.
Lacaz (1995) destaca que, em meados da década de 1980, foram realizadas
importantes experiências de saúde do trabalhador no sistema público de saúde, em
alguns municípios, por meio dos Programas de Saúde dos Trabalhadores (PST), houve o
aumento das notificações das doenças relacionadas ao trabalho. Foram experiências
inovadoras que iniciaram ações de atenção à saúde aos trabalhadores; Porém, em fins
dos anos de 1988 e início de 1990, quando ocorre uma queda nestes números, Lacaz
(2007) estabelece analogia com a fase de redirecionamento dos PST. Fica, então,
sublinhada a importância dos serviços de saúde, especialmente, dos Centros de
Referência em Saúde dos Trabalhadores (CEREST), frente a notificação dos agravos à
saúde dos trabalhadores.
Wünsch Filho (1999) destaca que a queda dos registros de acidentes de trabalho
nos anos 1990 deve ser associada ao processo de terceirização da produção. Além disso,
a produtividade do trabalho incrementada por novas tecnologias e relações flexíveis de
trabalho, permeou-se da pressão para o cumprimento de metas, das atividades
fragmentadas e de repetição, cujo ritmo imposto viria afetar a saúde, a partir da
coexistência das cargascom as psicofísicas (LAUREL; NORIEGA, 1989) e sociais
(FREIRE, 2000) complexificando o quadro dos agravos à saúde dos trabalhadores com
a disseminação das Lesões Por Esforço Repetitivo, LER.
Assunção e Rocha (1993) descrevem o reconhecimento das LER no Japão em
1958; na Austrália em 1970, seguido dos Estados Unidos da América, e enfatizam que
apesar das denominações diferenciadas em cada país esta é uma patologia ocupacional.
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A organização e a gestão do trabalho provocam a “[...] sobrecarga dinâmica da
musculatura das mãos e braços e uma sobrecarga estática da musculatura das regiões da
nuca, ombros e pescoço, por colocar os trabalhadores em situação de trabalho monótono
e repetitivo” (ASSUNÇÃO; ROCHA, 1993, p. 466). Além disso, ainda há “[...] o
estresse devido ao ritmo intenso, a pressão pela produção e a perda de controle sobre o
próprio processo de trabalho” (idem).
Maeno e Carmo (2005) retratam que as LER apesar de já terem sido estudadas
ao longo dos tempos – de Hipócrates na Antiguidade a Ramazinni no início da
modernidade -, no contexto brasileiro, foram tardiamente reconhecidas pela Previdência
Social brasileira como doenças relacionadas ao trabalho. Os autores citam que foi
apenas em 1986 que a categoria de trabalhadores de processamento de dados do Banco
do Brasil conseguiu relacionar dores nos braços com o movimento repetitivo dos
digitadores e assim pressionar pelo seu reconhecimento, enquanto patologia do trabalho.
Paralelamente ao reconhecimento das LER pelos serviços previdenciários e
também de saúde ocorreu um amplo processo por parte das empresas e críticos em
descaracterizar essas doenças como relacionadas ao trabalho, apoiadas por profissionais
que ou não têm o real conhecimento das LER, como destacam Maeno e Carmo (2005,
p. 134), ou têm e o usam a favor da empresa “assumindo o [papel] de “advogados”,
defensores dos interesses patronais”.
Verthein e Minayo-Gomez (2001) discutem o reconhecimento das LER no
INSS/RJ, e enfatizam os impasses do entendimento destas patologias como relacionadas
ao trabalho. Os autores fundamentam a sua análise discutindo o processo de
reconhecimento da Repetitive Strain Injury – RSI –, na Austrália, denominação
equivalente a LER. Após aumento das situações de RSI, no início dos anos de 1980, o
governo daquele país teria tomado providências quanto aos aspectos de diagnose,
tratamento, reabilitação e investigação nos locais de trabalho. As RSI continuaram
aumentando e, assim, ganhou coro uma onda crítica quanto ao seu diagnostico,
argumentando que fatores mentais e sociais estavam presentes na “criação” da doença,
como se os sintomas e os problemas osteomusculares fossem resultados da
psicossomatização de indivíduos sem nenhuma relação com os movimentos repetitivos,
conteúdo da atividade ou questões ergonômicas, relações e organização do trabalho.
Os mitos que desconsideram a interação da doença, indivíduo e meio,
evidenciando as características dos sujeitos e a sua predisposição ao adoecimento,
também foram verificadas por Verthein e Minayo-Gomez (2001) no INSS/RJ.
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Para Ribeiro (1997) as LER só se constituem problema para a empresa quando
um contingente de trabalhadores tem a sua capacidade para o trabalho comprometida e,
assim, ameaça as metas e objetivos da empresa. A resposta pode ser a de responsabilizar
o subordinado pela doença, invalidando as suas queixas, situando-as no campo das
manifestações psicológicas, passíveis de medidas administrativas. O SESMT, que
poderia reunir as informações e implantar medidas de prevenção, não o faz; se o faz,
oculta-o, como referido pelo autor. O apoio que poderia vir da medicina é retardado a
pelas resistências inerentes ao capitalismo, cuja exploração é vista como “natural” e os
prejuízos físicos e mentais daqueles submetidos a este processo são transferidos para o
campo da subjetividade ancorada na idéia da predisposição individual.
Diante da dificuldade de reconhecer e notificar as LER e, ainda, intervir nesta
realidade com vistas a interromper esses problemas, tem ocorrido uma proposta
inovadora da Previdência Social brasileira, que pode contribuir para a notificação das
doenças relacionadas ao trabalho. Trata-se do Decreto nº. 6042 (BRASIL, 2007b), que
cria o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), o qual propõe a inversão
do ônus da prova. Se, tradicionalmente, foi responsabilidade do trabalhador lesionado
comprovar se o seu problema era ou não relacionado ao trabalho, a partir do NTEP, essa
relação passa a ser definida por critérios epidemiológicos e cabe ao empregador provar
que não existe nexo entre o agravo à saúde e o trabalho. Assim, desde março de 2007, o
INSS está promovendo o reconhecimento das patologias relacionadas ao trabalho, por
meio de análises epidemiológicas entre a Classificação Nacional de Atividades
Econômicas (CNAE) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). A partir do
NTEP, houve aumento nos registros, especialmente das doenças relacionadas ao
trabalho3.
Reconhece-se os avanços propostos pelo NTEP, pois, a partir dele, começa-se a
dar visibilidade social às doenças relacionadas ao trabalho, especialmente àquelas que
atingem a esfera mental e osteomuscular.
Porém, não se pode esquecer que existem limites objetivos para o NTEP, como
por exemplo, a terceirização da produção e o subemprego, ou seja, uma Agência de
Empregos pode diferir da empresa onde o trabalhador vai atuar e, além disso, são
3 “Levantamento realizado pelo Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília (UnB)
comprovou que, até 2006, os dados sobre acidentes e doenças do trabalho eram subnotificados em quase 50 % dos casos. Com a nova metodologia desenvolvida pela instituição e adotada pelo INSS em 2007, os números duplicaram. Os registros de doenças mentais relacionadas ao trabalho foram os que apresentaram maior crescimento” (OLIVEIRA, 2008, p. 42).
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CNAE diferentes. Em outro estudo, verificou-se que um dos trabalhadores entrevistados
havia sofrido grave acidente em uma usina sucroalcooleira, porém tinha sido contratado
por uma firma de metalurgia (LOURENÇO, 2010). Assim, este trabalhou por três anos
dentro da usina, onde veio, em dezembro de 2004, a sofrer o grave acidente. Observe-se
como ficou dificultado o vínculo automático entre o CNAE e o acidente, e este
obstáculo tende a aumentar em casos de doenças relacionadas ao trabalho, pois existem
condições que são específicas ao ambiente onde efetivamente o trabalhador desenvolve
as suas funções e aquele da empresa que o contratou. Além disso, o trabalhador, do
referido estudo, salientou que a firma usava como estratégia demitir todo funcionário no
final do ano, para recontratá-los no início do ano seguinte em nome de outra firma, no
caso, dos familiares do empregador. Assim, o processo de doença e adoecimentos se
torna fluído e difícil de ser reconhecido e registrado como tal.
Outro fato a ser destacado, é que os empregadores têm pressionado para que os
exames admissionais sejam mais rígidos4, impedindo o reingresso do trabalhador no
mercado de trabalho formal. Além disso, muitos empreendimentos têm demandado
ações jurídicas contra a Previdência Social, uma vez que o NTEP prevê a premiação
daquelas empresas com menores índices de agravos, por meio da redução das alíquotas
ou o seu aumento para as empresas que apresentarem maiores índices (JUSTIÇA,
2010).
IDAS E VINDAS DOS TRABALHADORES EM BUSCA DE REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL
A história ocupacional de uma trabalhadora entrevistada é revelada na Carteira de Trabalho, com 28 anos de contribuição, o que hoje tem se tornado cada vez mais raro, sendo mais de 20 anos na função de chanfradeira. Essa atividade é desenvolvida em Fábricas de Calçados e exige o movimento de pinça dos dedos das mãos para segurar a peça de couro a ser chanfrada na máquina, além da regulagem constante do maquinário. Quanto à situação de saúde, a entrevistada diz que desenvolveu, primeiramente, um problema de coluna, em decorrência dos dez anos que trabalhou (chanfrando) em pé e na esteira mecânica, portanto, o seu ritmo de trabalho tinha que acompanhar o da linha de produção, definido pelo chefe daquela seção. A trabalhadora conta que o esforço repetitivo, o ritmo, o fato de trabalhar em pé e virar (o corpo) para pegar as peças na esteira, lhe desencadeou um problema na coluna, chegando a ficar oito meses afastada pelo INSS, mas não foi feita a CAT [Comunicação de Acidentes de Trabalho].Conta que, pouco tempo após
4 “Além da mecanização, os exames médicos em algumas usinas estão mais rigorosos neste ano, o que fez com que trabalhadores rurais fossem dispensados com suspeita de terem mal de chagas” (PREFEITURA, 2007, p. C1). “Eles ficam ansiosos e por isto a pressão sobe e eles não são admitidos pela a usina” (DUMONT, 2007, p. C3).
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o seu retorno do afastamento médico ao trabalho, foi demitida. Mas como ela menciona, havia se especializado na função de chanfrar e, inclusive era a responsável pelas amostras (“[...] sempre que faz amostras tem que ter mais
atenção porque não pode ter um defeitinho”), o que a favoreceu em conseguir outro emprego, embora já não tivesse mais a saúde de antes. A trabalhadora fala que passou a sentir fortes dores nos ombros e por isso os afastamentos do trabalho começaram a ser constantes e sempre que voltava ao serviço era demitida. Assim começou a fazer maior esforço e a tomar medicamentos para não demonstrar a dor. No último emprego, em que permaneceu sete anos, explica que, às vezes, ia ao banheiro para chorar de dor. Diz também que sempre que procurava atendimento médico, estes a orientavam a deixar aquela atividade, mas nunca foi feita a abertura de CAT e que ela não deixou de trabalhar por questões de sobrevivência. Aos poucos, começou a ter problemas de estômago, acha que foi em decorrência do excesso de antiinflamatórios e analgésicos; de insônia, devido à dor que se intensificava a noite (segundo ela, não tinha “lado para dormir”, pois os ombros doíam); de humor, uma vez que já levantava sentindo o incômodo do problema, especialmente nos braços e nas mãos que “formigavam e ficavam
pesados”; o que culminou perda de movimentos das mãos. O ortopedista, que vinha cuidando do seu estado de saúde, disse-lhe que ela estava com tendinite crônica e que não tinha muita coisa a fazer. Encaminhou-a, então, para o reumatologista, que, segundo a trabalhadora, diagnosticou fibromialgia. Assim, o seu problema passou a ser visto como uma doença reumática. Teve alta do afastamento pelo INSS, foi demitida, e além do problema de saúde passou a enfrentar sérios problemas econômicos.
A trabalhadora apesar de ter adoecido em decorrência do processo de trabalho,
não teve o devido reconhecimento. Num primeiro momento, ela diz que chegou a ficar
afastada do trabalho, por oito meses, pelo INSS, provavelmente, na espécie B31, para o
qual não há o vínculo do problema de saúde com o trabalho. Na sua saga, ela destaca
que ao retornar do afastamento, foi demitida. Após, em outros serviços, sentia dor, mas
tinha medo de falar do seu problema e ser novamente, demitida.
Sua história de vida e trabalho retrata também que as empresas negam as
doenças relacionadas ao trabalho, que os seus serviços médicos além de não garantirem
a relação do desgaste com o trabalho ainda excluem os adoecidos do seu quadro de
funcionários. Em geral, a descaracterização do problema de saúde vinculado ao
trabalho é acompanhada das “[...] demissões de grande parcela de doentes que, apesar
de sintomáticos, vinham suportando as dores e repentinamente se vêem abandonados
pelas empresas às quais se dedicaram por anos, além do que podiam” (MAENO;
CARMO, 2005, p. 134-135). Seligmann-Silva (1997, p. 26) também enfatiza que, nos
casos de LER que ela estudou, “[...] foi bem evidenciado que a presença da patologia foi
decisiva para o desligamento”. Destaca ainda “[...] pressões sofridas, com exigências e
humilhações inclusive, de modo a tornar a continuidade no emprego insuportável. Em
outros casos, as empresas haviam proposto acordos para que os trabalhadores
aceitassem o desligamento” (idem). A injustiça social sofrida por estes trabalhadores
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aumenta à medida que conseguir nova ocupação pode ser mais difícil. “Com freqüência,
estão com a capacidade laboral diminuída de forma irreversível e sem possibilidade de
disputar em pé de igualdade uma vaga no mercado de trabalho” (MAENO; CARMO,
2005, p.135).
Verificam-se as dificuldades para a reabilitação. A trabalhadora chegou a ficar
afastada, mas depois retornou para as mesmas condições de trabalho. Em outros
serviços, continuou a exercer a mesma função, o que pode ter incidido no agravamento
do problema. Chegou a ter o diagnóstico de tendinite, mas em seguida foi
descaracterizado pela fibromialgia. Maeno e Carmo (2005, p. 142) enfatizam que, no
caso da notificação proposta pelo Sinan-net (BRASIL, 2004) [...] não há impedimento
para que as entidades nosológicas fibromialgia, síndrome da dor miofascial e síndrome
do impacto possam ser caracterizadas como LER/DORT” e que “[...] nem que a
concomitância de patologias reumáticas seja suficiente para descaracterizar o nexo com
o trabalho". Porém, pode ocorrer deste tipo de diagnóstico transformar o problema de
uma categoria profissional, de ordem coletiva, em problema individual, muitas vezes de
fundo subjetivo, como destacado por Verthein e Minayo-Gomez, (2001).
Sublinha-se a dificuldade de estabelecer a relação entre os agravos à saúde e o
trabalho. Isto não é apenas uma especificidade dos serviços de saúde, mas também da
perícia médica do INSS, como observa a psicóloga do CEREST-Franca: “Na perícia,
tem que levar relatórios médicos, para isso, o trabalhador percorre os consultórios
pegando relatórios”. Além disso, [...] “A pessoa que está afastada fica na via crucis,
um mês recebe, no outro recebe alta do INSS, é comum a alta, mesmo quando doente” e
completa “Ficando sem receber, geralmente, a parte emocional fica mais complicada e
precisa ser cuidada, mas não pode psicologizar tudo...”.
A vítima de doença relacionada ao trabalho, ou mesmo de acidente ainda
enfrenta um quadro de insegurança para conseguir se afastar pelo INSS. Além da
“pressão” psicológica que o trabalhador acaba sofrendo toda vez que tem que ser
periciado é importante considerar também que o tempo de afastamento, geralmente, não
coincide com o tempo de tratamento e recuperação. Assim, pode ocorrer do trabalhador,
apesar de adoecido, ter alta do INSS, mas ao retornar ao trabalho não ser aceito por
ainda apresentar o problema. Desse modo, agenda-se outra perícia e percorre os
consultórios em busca de relatórios médicos para atestar tal problema, como referido.
O acesso ao Programa de Reabilitação do INSS é outra dificuldade que se faz
presente no cotidiano dos trabalhadores, uma vez que não são todas as agências que
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“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
possuem esse Programa. Além disso, a sua Equipe é reduzida, sendo necessário
questionar a sua proposta de reabilitação.
As idas e vindas que os trabalhadores adoecidos estão condicionados podem
favorecer a demora pela procura do serviço de saúde para o tratamento e para
notificação, como também foi referido pelo Médico do Trabalho.
Eu acho que existe realmente mais acidentes que doenças, mas ainda existe a subnotificação, por quê? Porque existem vários fatores: econômicos, sociais, pessoais, psicológicos... A pessoa não quer assumir a dor, porque não quer perder o emprego ou ficar afastada pelo INSS, porque esse é outro problema sério que ela vai enfrentar, então, fica escondendo a doença. Quando chega até nós, muitas vezes, vai levar muito tempo para se tratar e nem sabe se vai ter cura, especialmente essas tendinites (Médico do Trabalho e ex-coordenador do CEREST).
As doenças relacionadas ao trabalho, em especial, as LER/DORT nem sempre
apresentam cicatrizes ou limites à saúde visíveis, isso leva as pessoas a retardarem o
tratamento. Ribeiro (1997) mostra que pode ocorrer a negação da doença pela própria
vítima, colegas e familiares, o que gera sofrimento psíquico e dificulta a inserção social
no trabalho.
O desespero passa a ser visível, mas falta aos circunstantes o sentimento objetivo da dor e das múltiplas perdas de quem adoece. E o olhar leigo, habituado a surpreender os sinais exteriores de outros adoecimentos, não logra a perceber as marcas interiores e profundas das LER, até porque a ambigüidade desse padecimento inaparente, inquietante, lento e crescente, estabelece, por um tempo razoavelmente longo, uma cumplicidade na negação e ocultação da doença entre o doente e os outros (RIBEIRO, 1997).
As pessoas adoecidas com LER/DORT, demandam atendimentos capazes de
proporcionar alivio da dor, a melhora dos movimentos e, sobretudo, o resgate da sua
autonomia. Essas pessoas são cobradas cotidianamente, pelo que sentem e como nem
sempre há uma prova concreta, por exemplo, um edema ou um nódulo, elas não
conseguem provar a sua dor.
Sato (2001) expõe que o caráter incapacitante das LER demandou ações de
assistência psicossocial individual e em grupo, que contemplassem as repercussões
psíquicas dos sujeitos vítimas. Porém, a autora questiona a vinculação entre LER e
sofrimento psíquico, bem como aqueles atendimentos que transferem as questões do
ambiente e relações sociais de trabalho para o indivíduo promovendo a sua culpa no
processo de adoecimento.
Assim, é importante que as ações assistenciais desenvolvidas pelas equipes
multiprofissionais dos serviços de saúde estejam embasadas no conceito ampliado de
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“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
saúde, contemplando o acesso universal, a integralidade, a participação, o tratamento e a
prevenção da saúde (CECÍLIO, 2004). Enfatiza-se que a reabilitação depende de
diferentes níveis de complexidade do diagnóstico e notificação – reconhecimento do
problema como relacionado ao trabalho – à cura e à prevenção. Ou seja, não se trata de
reforçar o discurso de saúde e qualidade de vida identificados pelos estilos de vida e
soluções milagrosas encontradas no mercado, mas de enfatizar que a reabilitação
profissional está intimamente ligada aos conhecimentos e práticas transversais,
especialmente, vinculadas ao conjunto das políticas sociais.
Os serviços de saúde, não apenas o CEREST, devem se atentar para a relação
dos problemas apresentados com o trabalho, promover a devida notificação e
encaminhamentos para que se proceda a reabilitação articulada às ações de vigilância.
[...] A subnotificação é porque falta conhecimento específico ao profissional de saúde, não adianta achar que ele vai relacionar o caso com o local de trabalho, porque ele não tem essa visão... [...] o trabalhador não sabe isso... você acha que o médico que está atendendo sabe que o problema do trabalhador pode ter vínculo com a atividade que o sujeito exerce? A grande maioria não sabe [...] (Engenheiro GVS - Regional).
Observe que o Engenheiro do GVS- regional - destacou a falta de preparação
dos profissionais da área da saúde para relacionarem as enfermidades com o trabalho.
O trabalhador nem sempre tem informação suficiente para cobrar dos
profissionais de saúde que o seu problema seja tratado como relacionado ao trabalho. O
médico da empresa, muitas vezes, não prima pela garantia desse vínculo. No INSS, a
ênfase recai sobre o que dizem os encaminhamentos, relatórios e exames e, no SUS,
pode ocorrer falta de vontade ou mesmo dificuldade de se fazer o diagnóstico da doença
como relacionada ao trabalho:
Existem os fatores associados que dificultam o diagnóstico e, muitas vezes, o médico especialista que está atendendo não tem a visão do Médico do Trabalho.... Tanto é que hoje existe uma orientação do Conselho Regional de Medicina para incluir na anamnese a seguinte pergunta: Qual é seu trabalho? O que você faz? Qual é sua profissão? Para estar atento nessa questão (Médico do Trabalho e ex-coordenador do CEREST).
O Conselho Regional de Medicina enfatiza a necessidade de se perguntar sobre a
profissão que a pessoa exerce, como enfatizado pelo entrevistado. Essa é uma
importante indicação já feita por Ramazzini (1999), em 1700, quando problematizando
os ensinamentos deixados por Hipócrates (considerado o pai da medicina) explicitou
que entre as interpelações relativas à enfermidade deve-se acrescentar; “que arte
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“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
exerce?”. Pois para ele (RAMAZZINI - “Pai da Medicina do Trabalho") essa pergunta
ajuda a chegar às causas. Ou seja, a intervenção médica é importante não apenas para o
tratamento da enfermidade, mas também para o esclarecimento do trabalhador, da
equipe de saúde, da relação do diagnóstico da patologia com eventual tipo de trabalho,
entre outros. Os demais profissionais que compõem a equipe como assistente social,
enfermeira, engenheiro, fisioterapeuta, fonoaudióloga, psicóloga, recepcionista, entre
outros, também devem estar atentos para fazer essa relação entre o problema de saúde e
a ocupação. Em outras palavras, esse tem de ser um trabalho desenvolvido em equipe, e
não cada profissional falar uma linguagem, o que leva a desarticulação e a não
efetivação da política de saúde do trabalhador.
Deve-se atentar também para a relação de gênero, pois, muitas vezes, as
doenças relacionadas ao trabalho no público feminino são analisadas a partir da
“predisposição” das mulheres para desenvolverem determinados problemas. Essa é uma
análise que desconsidera as relações sociais e naturaliza problemas subjacentes a essas
relações como se fossem biológicos.
O problema que eu vejo é que muitas doenças como as LER/DORT não são diagnosticadas como tal. [...] uma Coladeira de Peças em Calçados, fala da sua dor para o doutor, mas ele pergunta assim: “em casa você lava roupa, torce roupa, pega criança?” Eu acho que a mulher faz as atividades dela em casa, mas ela não lava roupa por oito horas e nem pega uma criança por oito horas. Na fábrica são 8 horas diárias, se trabalha na esteira tem que acompanhar a produtividade e a velocidade da máquina, mas isso nem sempre é considerado (Auxiliar de Enfermagem do Trabalho do CEREST).
Os agravos encontram-se no cerne da contradição capital e trabalho que
produzem e reproduzem as condições para as enfermidades expressadas nos baixos
salários, nas agruras sociais enfrentadas pelos trabalhadores, bem como nos valores
políticos e culturais norteadores da vida em sociedade.
Nogueira (2006) desenvolve a tese que o ingresso da mulher no mercado de
trabalho representa o direito à emancipação, pois o desenvolvimento do ser genérico se
dá, essencialmente, pelo trabalho, porém esse direito vem se assentando de modo
precário e parcial. Takahashi e Canesqui (2003) explicitam que ao público feminino
reservaram-se: “[...] os trabalhos monótonos e repetitivos, desprovidos de conteúdo
intelectual, que exigem movimentos leves, delicados e precisos, de atenção concentrada,
grande responsabilidade e paciência”, ou seja, a histórica submissão das mulheres
impõe no trabalho “atividades muito próximas de seus papéis familiares, condizentes
com o papel feminino, construído socialmente” (TAKAHASHI; CANESQUI, 2003).
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“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
A subnotificação pode estar associada também à falta de conhecimento e
envolvimento dos profissionais dos serviços de saúde, em fazer a devida relação do
problema de saúde com a atividade exercida, como já destacado. Mas, esta é uma
questão complexa que não deve ser entendida apenas a partir da formação em saúde do
trabalhador, pois ainda existe a correlação de forças e de poder presente nas relações
interinstitucionais e interpessoais.
Os registros das doenças relacionadas ao trabalho podem subsidiar ações no
local de trabalho que originou o problema, por isso pode ocorrer dos profissionais
ficarem com certo temor em confirmar a relação de especificado problema com
determinado trabalho. Além disso, ocorre dos médicos dos serviços públicos atuarem
também nas empresas privadas, o que pode gerar algum conflito quanto ao
reconhecimento da problemática como relacionada ao trabalho.
Outra questão a ser observada é o tempo de sujeição e de exposição, indicado
pelo depoimento da Auxiliar de Enfermagem do CEREST. Ribeiro (1999, p. 48) explica
que a intensidade e o tempo de sujeição “[...] são dois elementos convalidados
internacionalmente e convalidados na legislação acidentária brasileira como envolvidos
nas doenças do trabalho; a despeito das reservas quanto aos ‘limites de tolerância’, não
só para substâncias químicas, mas para poeiras, ruídos etc.”. Assim, “expressam e
consagram a tese de que as questões mais importantes relacionadas às doenças do
trabalho são a intensidade e o tempo de sujeição” (RIBEIRO, 1999, p. 48).
A violência no/do trabalho (RIBEIRO, 1999), muitas vezes, fica ocultada pela
naturalização da teoria do “risco iminente” e pelas explicações dos problemas de saúde
a partir da singularidade da situação, excluindo qualquer análise voltada para a
totalidade da questão. O estabelecimento de normas de higiene e segurança nos
ambientes de trabalho expressa o reconhecimento daqueles fatores (biológico, físico,
químico e mecânico) que afetam à saúde. Daí o conceito de “doença ocupacional”,
tornando necessária a criação de mecanismos de proteção como os Equipamentos de
Proteção Individual (EPI) e os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC) e, ainda, os
Limites de Tolerância (LT) etc. Expressa também que as doenças do trabalho têm um
agente causador e, portanto, o seu nexo depende da relação entre esses fatores e o
problema de saúde desenvolvido.
Tal fenômeno é assim acompanhado das “metateorias” do risco iminente a certas
ocupações, logo a responsabilidade do trabalhador pela sua escolha pessoal por
determinada atividade funcional. Se o trabalho na sociedade capitalista (e do salário)
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“Saúde Mental Relacionada ao Trabalho”
fosse uma questão de escolha, poder-se-ia imaginar que a pessoa nasce e se prepara, ao
longo de alguns anos, para ser sapateiro ou cortador de cana. Não se trata disso, como
bem explica Ribeiro (1999), a venda da força de trabalho não é uma questão de escolha
e sim de sobrevivência.
Na atualidade muitas explicações das doenças relacionadas ao trabalho partem
do princípio do risco iminente, quando a “metateoria” da suceptibilidade individual
assume papel fundamental nas interpretações. “Os que adoecem, enquanto grupo
minoritário, seriam indivíduos ‘predispostos’ ou ‘susceptíveis’ e os outros, a maioria,
seriam sadios [...]” (RIBEIRO, 1999, p. 46, destaques do autor).
Observa-se que a questão passa a ser vista a partir do indivíduo que “[...]
portadores de um handicap, isto é, de uma ‘predisposição’ patogênica endógena e
individual [...]”, se torna o responsável pelo problema de saúde. Ou seja, o fato de terem
pessoas expostas às mesmas condições de trabalho e ambientais e não adoecerem por,
talvez estarem “[...] mais ou menos relacionadas ao conceito de resistência, no caso,
baixa”, implica que aqueles que adoecem, assim o fazem por ter baixa resistência. O
problema é visto fora das relações e processos de trabalho e a partir do indivíduo.
Ribeiro (1999) destaca que a “metateoria” da suscetibilidade individual não é
aplicada às intoxicações, mas especialmente para aqueles problemas cuja causa/efeito
não é tão clara. Para o autor, a ciência médica contemporânea evoluiu sobremaneira,
inclusive o conhecimento acerca do sistema imunológico. Por isso considerar as causas
de determinadas doenças a partir da susceptibilidade individual seria banalizar o
conhecimento técnico-científico acumulado.
A violência do trabalho é também a violência do sistema que naturaliza a
nocividade do trabalho, que enxerga no trabalhador apenas uma peça da engrenagem
que estragada pode ser facilmente substituída. A debilidade da saúde é vista
singularmente e mostra o quanto a humanização pelo trabalho vai ficando cada vez mais
distante, nesta sociedade, que preza pelo supérfluo. Aliás, do ponto de vista do capital,
não apenas os objetos são supérfluos, mas também os sujeitos que os produzem. Os
impactos destrutivos das transformações do trabalho contemporâneo deixam as suas
marcas no corpo e na mente dos trabalhadores, reduz a força de trabalho à força
sucateada “imprestável” para as exigências de produtividade.
Acredita-se que a questão dos agravos à saúde dos trabalhadores, antes de ser
um problema biológico, é fruto de um processo social, marcado pela relação de gênero,
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exploração, alienação, subalternidade e violência do trabalho e afeta objetiva e
subjetivamente o ser humano e revela-se como uma das expressões da questão social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como explicitado, a reabilitação profissional está articulada a determinantes
estruturais, cujas particularidades se expressam na complexificação das doenças
relacionadas ao trabalho a partir das novas tecnologias e gestão do trabalho, avanço do
desemprego, da informalidade e da precarizaçao das relações sociais de trabalho, que
expõem, cada vez mais, homens e mulheres ao exercício funcional empobrecido,
alienado e desumanizante, mas nem sempre considerados no reconhecimento do
desgaste da saúde dos trabalhadores. A situação daqueles que têm apenas a sua força de
trabalho como moeda de troca no contexto do capital-cassino (ALVES, 2000) tende a se
deteriorar ainda mais, quando ocorre a perda da saúde, uma vez que acaba ocorrendo
também a perda do trabalho, acompanhada de estereótipos negativos da sua condição de
doente e, no caso das LER/DORT, nem sempre essa condição é reconhecida.
Somam-se a isso, as dificuldades de acesso as políticas públicas, em especial,
aos benefícios previdenciários e a falta de tradição dos serviços de saúde em reconhecer
as doenças relacionadas ao trabalho e em notificá-las, bem como a ausência de
articulação entre estes serviços e as demais políticas sociais.
Assim, ao manter a reabilitação como uma questão de assistência à saúde
individual, mantém-se também as doenças relacionadas ao trabalho no campo da
invisibilidade social e dissociadas das condições geradoras. Condena os sujeitos
adoecidos a inserção precária ou marginalizada no mercado de trabalho, ou,
simplesmente, excluídos, garantindo a continuidade da reprodução destes problemas,
que por não serem notificados também não são vistos nas estatísticas e tampouco
assumidos como pauta de lutas sociais ou metas das políticas públicas.
Ao caminhar para as linhas finais deste estudo, frisa-se que a reabilitação
profissional deve ser vista para além da assistência à saúde. É preciso dar visibilidade ao
processo trabalho/saúde/doença, construir dados epidemiológicos que permitam
estruturar, organizar e praticar a saúde do trabalhador como política pública.
Essa compreensão é necessária para que a reabilitação não se restrinja apenas ao
tratamento, ainda que extremamente necessário para o retorno do trabalhador à vida
funcional, mas é indispensável também enfrentar a problemática dos agravos à saúde a
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partir dos problemas vivenciados pelos grupos de trabalhadores, com vistas a
interromper o ciclo de produção destes agravos.
Os depoimentos sublinharam a tradição em abordar a relação trabalho e saúde
como uma questão de casos isolados, longe dos estudos epidemiológicos associados a
grupos humanos/coletivos. Essa preocupação remete também à necessidade do
CEREST agir de modo articulado com outros órgãos, inclusive com as Universidades,
buscando assim, estabelecer diretrizes de ação intersetorial tanto em relação ao que está
posto no plano da aparência, quanto ao que ainda não foi revelado. Trata-se de pensar
não só nos problemas que chegam, os quais podem ser resumidos aos 80% das
ocorrências classificadas como acidentes típicos e apenas 6,30% das doenças
relacionadas ao trabalho, num total de 7.116 registros, verificados em Franca e região,
mas também se deve atentar para aqueles que se mantêm invisíveis ou não notificados,
como apontado pelo relato da trabalhadora. Além disso, deve-se atentar também para as
relações sociais de trabalho tanto no âmbito formal, urbano e rural, quanto aquelas
marcadas pela informalidade (terceirização, trabalho domiciliar e doméstico)
(MINAYO-GOMEZ; LACAZ, 2007).
Enfim, a perspectiva da reabilitação profissional a partir do Sistema Único de
Saúde deve privilegiar, especialmente, a articulação entre as políticas de previdência,
trabalho e saúde, sendo que as ações fragmentárias alimentam o processo de
invisibilidade social com sérias conseqüências para as relações sociais de trabalho,
condições de vida e saúde da classe trabalhadora.
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