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ENTRE A NORMA E O USO: AS DÚVIDAS MAIS FREQÜENTES DE 2007
Fernanda Menezes de Carvalho (G-UEL)
Marcos Antonio Nakayama (G-UEL)
Viviane Boneto Pinheiro (G-UEL)
Cristina Valéria Bulhões Simon (UEL)
Palavras-chave: Disque-Gramática, dúvidas, norma.
Introdução
A extensão universitária tem por função criar um elo entre a população e o
conhecimento produzido e transmitido na universidade. O Disque-Gramática objetiva
assistir os usuários em relação à linguagem padrão.
No ano de 2007, houve uma iniciativa em digitalizar todas as dúvidas sanadas ao
longo do ano, para que se pudessem fazer levantamentos e análises quantitativas e
qualitativas acerca das questões apresentadas pela comunidade. Para isso, parte-se do
pressuposto de que as dúvidas sanadas no projeto refletem quais as principais
dificuldades encontradas pelos falantes de português ao utilizar a língua em níveis mais
cultos.
Este trabalho apresentará as quatro principais dúvidas de 2007, para, a partir
delas, propor uma reflexão acerca da língua em uso e do conhecimento coletivo sobre a
gramática. Para isso, será feito uma apresentação do projeto; em seguida, serão
apresentados os critérios e a metodologia da digitalização. Por fim, serão analisadas as
quatro principais dúvidas.
1. O Projeto Disque-Gramática
O Disque-Gramática é um Projeto de Extensão Universitária do Departamento
de Letras Vernáculas e Clássicas da UEL. Ele tem a função de ajudar a comunidade
interna e externa nas dificuldades em relação à língua portuguesa. Essa assistência se
faz por meio de telefone, e-mail e a própria sede. O serviço funciona todos os dias úteis
da semana, desde as 10 horas da manhã até a seis horas da tarde, com intervalo entre o
meio-dia e as duas horas.
A divulgação é feita, além do boca-a-boca, por meio de marca-páginas e
apresentações em congressos científicos. Além disso, a emissora Record exibe anúncios
do serviço em sua programação. Também na rádio Paiquerê AM, onde é apresentado o
programa Fala Brasil, divulga-se o projeto no encerramento do programa em virtude de
ser este último apresentado pelos professores do projeto. O atendimento abrange desde
esclarecimentos rápidos como significados de palavras, até a correção total de textos,
como monografias e livros.
Para sanar as dúvidas, frequentemente são utilizados os dicionários Aurélio e
Houaiss, as gramáticas de Língua Portuguesa de Celso Cunha e Lindley Cintra e de
Napoleão Mendes de Almeida, os dicionários práticos de regência nominal e verbal de
Celso Pedro Luft e tantos outros, como dicionários de língua inglesa, língua espanhola,
língua francesa e latim, visto que várias dúvidas se referem a outros idiomas. Além do
mais, a internet serve também como fonte de pesquisa, porém, há sempre uma
preocupação em se deter em sites confiáveis.
O objetivo deste serviço é o de auxiliar a comunidade e também de formar
profissionais em gramática, pois os professores e estagiários que participam do projeto
estão constantemente em contato com a gramática e seu uso.
O projeto teve início em 1995 e, desde então, contou com a colaboração de 7
professores e mais de 30 estagiários. Corrigiu mais de 50 mil páginas e esclareceu cerca
de 45 mil dúvidas, dentre elas, as questões relacionadas aos verbos, ortografia, regência
verbal e regência nominal, crase, vocabulário, concordância, hífen, etc. Atualmente,
estão sendo catalogadas todas as dúvidas, desde 1995 até os dias atuais, a fim de
conseguir dados mais precisos e concretos.
Atualmente, os professores responsáveis pelo projeto são Joaquim Carvalho da
Silva e Cristina Valéria Bulhões Simon, que coordenam e ajudam os cinco estagiários,
todos do curso de Letras.
2. O processo de digitalização
O processo de digitalização, que é realizado pelos estagiários, tem como
objetivo o armazenamento das dúvidas em fontes mais seguras, além da disponibilidade
das questões para um possível estudo mais detalhado.
A prática da digitalização auxilia no aprimoramento dos estudos, uma vez que,
através dela, é necessário que se busquem fontes teóricas para o preenchimento das
lacunas, pois nem sempre a pergunta, que antes estava escrita, contém a resposta dada.
Nestes casos, recorre-se às gramáticas, enciclopédias ou dicionários.
Com a finalidade de padronizar as questões digitalizadas, tem-se uma lista de
palavras-chave, produzida e adaptada pelos estagiários, com auxílio do professor. Segue
apenas as palavras-chave mais utilizadas para digitalização do ano analisado:
CRASE — para fenômeno e sinal gráfico do acento grave
HÍFEN — para palavras compostas, mesmo quando não há hífen; ex.:
“retrabalho” e “fim de semana” não têm hífen, mas ele entra como palavra-chave. Inclui
ortografia. Exclui formação de plural dos compostos.
ORTOGRAFIA — como é escrito exceto para hífen. Exclui hífen, significado,
dígrafos e fonética. Inclui negrito, itálico e sublinhado.
VOCABULÁRIO — para significados e conceitos; qual o melhor termo; para
diferenças entre termos existentes com significados parecidos; ex.: camionete ou
caminhonete, veio ou foi a óbito. Exclui antônimos, sinônimos e duas formas quando
uma é inexistente; ex.: casa ou caza.
Com o auxílio da lista, passa-se então à digitalização das questões.
Como já mencionado, será enfocada a planilha do ano de 2007, veja-se um
excerto dela:
Dúvida Resposta Palavras-chave
atendimento à/das reivindicações?
ambos
regência nominal
se a cobrança se referir próclise colocação pronominal
Em atenção a sua solicitação
Crase facultativa antes de pronome possessivo
crase
diga não a atitudes violentas
sem crase, pois há plural em seguida crase
seminovos Sem hífen hífen
vírgula antes de etc.
é aceito, mas o erudito é sem, já que a letra e do etc significa a conjunção aditiva e
pontuação
14 anos bodas de marfim vocabulário
aluguel/aluguer
Ambas - a segunda é mais usada em Portugal
vocabulário
xampu com x ortografia
a ré sem crase crase
técnico-redacional com hífen hífen
Vem pra caixa você também
erro de concordância. Vem é segunda pessoa, e você é terceira
concordância verbal
(sobre as letras k, y e w no alfabeto português)
Ainda não fazem parte. O acordo ortográfico as incluirá
ortografia
plural de chapéu chapéus plural
(sobre a formação de verbos e substantivos)
s/r formação de palavras
(concordãncia verbo-nominal)
s/r concordância verbal; concordância nominal
falta/faltam conferir três pacotes
falta concordância verbal
abreviação de assessoria pedagógica
Ass. Ped.
abreviatura
plural de segunda-feira segundas-feiras plural
(questão de morfologia) s/r morfologia
A partir da tabela, percebe-se que as dúvidas mais freqüentes, que serão
analisadas neste artigo, são: 1º: crase (170 casos); 2º: vocabulário (167); 3º: ortografia
(150) e 4º: hífen (111).
3. Análise das principais dúvidas
3.1. Crase
Crase é a fusão (ou contração) de duas vogais idênticas numa só. Em linguagem
escrita, a crase é representada pelo acento grave, quando ocorre a fusão do artigo a com
a preposição a ou o pronome aquele, aquilo. Exemplo:
Vamos à (a – prep. + a – art.) cidade logo depois do almoço.
Como se vê, a fusão é um processo sintático, ou seja, algo que faz parte do
sistema lingüístico português. Dessa forma, a ocorrência dessa fusão não suscita
nenhuma dúvida mesmo no falante mais inculto. Não é erudição demais a seguinte
construção:
Maria levou a comida ao João (ou para o João).
O que comprova que qualquer falante consegue empregar as preposições e os
artigos (Só há dúvidas em alguns casos de regências, como do verbo esquecer, assistir
etc.). O que faz, então, a crase ter sido a dúvida mais freqüente do ano de 2007?
Pode-se analisar esse fato por mais de um fator. O primeiro é que a dúvida só
ocorre na fusão da vogal idêntica. Não houve nenhuma ligação no projeto que abordasse
a junção a + o, como se ao exemplo acima existisse a alternativa:
* Maria levou comida o João.
Isso permite inferir que o verdadeiro problema da crase está no fato de ela,
foneticamente, ser idêntica à preposição ou o artigo isolados. A dúvida manifesta-se,
então, pela confusão entre estas cinco possibilidades homófonas: artigo; artigo +
preposição; preposição; pronome; artigo + pronome.
A partir do exposto, é possível concluir que muitos usuários da língua não
compreendem corretamente o conceito de crase, pois todos os subsídios sintáticos para
alcançar a resposta eles já têm internalizados ─ salvo alguns casos especiais.
O segundo fator a se observar é que a fusão da crase apenas se manifesta na
escrita, e não na fala. A seguinte frase, quando pronunciada, não exige do enunciador
uma análise sintática:
A menina foi à montanha a pé,
ao passo que, na escrita, é necessário diferenciar os três a da oração (o primeiro, apenas
artigo, e o terceiro, apenas preposição). Isso corrobora o que se verá em duas das outras
dúvidas mais freqüentes: os principais problemas da língua em uso são da modalidade
escrita.
3.2. Vocabulário
A segunda dúvida mais freqüente foi em relação às acepções de palavras. Apesar
de a palavra-chave abranger também questões estilísticas, pode-se perceber, com a
rotina, que a grande maioria das dúvidas em relação a esta palavra-chave era sobre a
significação de uma palavra. Esse tipo de dúvida é simples e integralmente sanado com
a ajuda de um dicionário.
Com base nisso, a freqüência desse tipo de questão pode indicar que ou os
usuários não têm acesso a dicionários, ou eles buscam o Disque-Gramática por
comodidade.
3.3. Ortografia
Como já se viu na análise da crase, a escrita é onde os problemas pululam. Sobre
este aspecto da Língua Portuguesa, o qual tem como índice 150 perguntas no ano de
2007, pode-se dizer que sua freqüência nas ligações deve-se à busca pela escrita correta
de certas palavras, bem como a utilização de termos de destaque como negrito, itálico e
sublinhado.
Houaiss (2001) caracteriza tal função dentro da língua:
conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa que ensina a grafia correta das palavras, o uso de sinais gráficos que destacam vogais tônicas, abertas ou fechadas, processos fonológicos como a crase, os sinais de pontuação esclarecedores de funções sintáticas da língua e motivados por tais funções etc.
O contraste entre a concepção de ortografia utilizada pelo Disque-Gramática e a
apresentada por Houaiss está na grande ocorrência desse tipo de dúvida. Acentuação,
pontuação, crase e hífen são separados da ortografia nas palavras-chave da digitalização
do projeto, visto que sozinhos, comportam grande rol de questões. No objetivo da
palavra-chave, a ortografia trata apenas da escrita correta das palavras e seu uso nos
diversos contextos.
Para essa função, também um dicionário bastaria. Vale a mesma indagação feita
no item anterior.
3.4. Hífen
Como se viu, o hífen foi separado de ortografia por expressar um dos grandes
problemas da língua. Novamente tem-me um caso de dúvida relacionada à modalidade
escrita, o que pode indicar pouca familiaridade entre os usuários e a grafia de palavras.
Contudo, o uso do hífen não é simples e suscita insegurança mesmo nos mais
experientes.
Para elucidar uma das dúvidas mais freqüentes do ano de 2007, segue uma breve
definição e regras gerais quanto ao uso do hífen, de acordo com Celso Cunha e Luís F.
Lindley Cintra:
3.4.1. O uso do hífen
O hífen (-) usa-se:
a) para ligar os elementos de palavras compostas ou derivadas por prefixação.
Exemplos: couve-flor, pré-escola, guarda-marinha, super-homem, pão-de-ló, ex-diretor.
b) para unir pronomes átonos a verbos. Exemplos: ofereceram-me, retive-o,
levá-la-ei.
c) para, no fim da linha, separar uma palavra em duas partes. Exemplos:
estudan- / te, estu- / dante, es- / tudante.
3.4.1.1. Emprego do hífen nos compostos
O emprego do hífen é simples convenção. Estabeleceu-se que “só se ligam por
hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da composição,
isto é, os elementos das palavras compostas que mantêm a sua independência fonética,
conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita
unidade de sentido”.
Dentro desse princípio, deve-se empregar o hífen:
1.°) nos compostos cujos elementos, reduzidos ou não, perderam a sua
significação própria: água-marinha, arco-íris, pé-de-meia, pára-choque, bel-prazer;
2.°) nos compostos com o primeiro elemento de forma adjetiva, reduzida ou não:
afro-asiático, dólico-louro, galego-português, greco-romano, histórico-geográfico,
ínfero-anterior, latino-americano, luso-brasileiro, lusitano-castelhano;
3.°) nos compostos com os radicais (ou pseudoprefixos) auto-, neo-, proto-,
pseudo- e semi-, quando o elemento seguinte começa por vogal, h, r ou s: auto-
educação, auto-retrato, auto-sugestão, neo-escolástica, neo-humanismo, neo-
republicano, proto-histórico, proto-renascença, pseudo-herói, pseudo-revelação, semi-
homem, semi-reta;
4.°) nos compostos com os radicais pan- e mal-, quando o elemento seguinte
começa por vogal ou h: pan-americano, pan-helênico, mal-educado, mal-humorado;
5.°) nos compostos com bem, quando o elemento seguinte tem vida autônoma,
ou quando a pronúncia o requer: bem-ditoso, bem-aventurança;
6.°) nos compostos com sem, além, aquém e recém: sem-cerimônia, além-mar,
aquém fronteiras, recém-casado.
3.4.1.2. Emprego do hífen na prefixação
O prefixo escreve-se geralmente aglutinado ao radical. Há casos, porém, em que
a ligação dos dois elementos se deve fazer por hífen. Assim, nos vocábulos formados
pelos prefixos:
a) contra-, extra-, infra-, intra-, supra-, e ultra-, quando seguidos de radical
iniciado por vogal, h, r ou s: contra-almirante, extra-regimental, infra-escrito, intra-
hepático, supra-sumo, ultra-rápido; exclui-se a palavra extraordinário, cuja aglutinação
está consagrada pelo uso;
b) ante-, anti-, arqui- e sobre-, quando seguidos de radical principiado por h, r
ou s: ante-histórico, ante-higiênico, arqui-rabino, sobre-saia;
c) super- e inter-, quando seguidos de radical começado por h ou r: super-
homem, super-revista, inter-helênico, inter-resistente;
d) ab-, ad-, ob-, sob-, e sub-, quando seguidos de radical iniciado por r: ab-
rogar, ad-rogação, ob-reptício, sob-roda, sub-reino;
e) sota-, soto-, vice- (ou vizo) e ex-: sota-piloto, soto-ministro, vice-reitor, vizo-
rei, ex-diretor;
f) pós-, pré- e pró-, quando têm acentos e significados próprios; ao contrário das
formas homógrafas inacentuadas, que se aglutinam com o radical seguinte: pós-
diluviano, mas pospor; pré-escolar, mas preestabelecer; pró-britânico, mas procônsul.
3.4.2. O problema do hífen
Como se viu, as regras que regem o hífen são muitas, e nem sempre exatas. Os
autores afirmaram que o hífen se emprega quando ainda traz a noção de composição,
mas muitas vezes essa percepção é subjetiva e coerente. Passatempo se escreve sem
hífen, mas guarda-chuva, com hífen.
Aqui também um dicionário bastaria para sanar as dúvidas. No entanto, não raro
acontece de haver divergências entre autores. É o caso, por exemplo, de mau-trato (ou
mau trato). Enquanto Houaiss (2001) e Ferreira (1999) apresentam a forma com hífen,
Michaelis (1998) não trata essa construção como um vocábulo, pois não a apresente. E
Almeida (1996) assim assevera: “Não existe um composto, uma só palavra; escreve-se
analiticamente, o plural é maus tratos, sem hífen” (p. 335).
No caso do hífen, as dificuldades surgem na medida em que muitas vezes não
existe uma regra segura para se basear, o que cria confusão até mesmo entre os
dicionaristas.
Conclusão
Este trabalho objetivou apresentar sucintamente as quatro principais dúvidas de
2007. Isso é apenas uma pequena parte do que se pode fazer com os dados criados no
projeto Disque-Gramática. Como se viu, o processo de assistência à comunidade pode
servir de base para muitas reflexões e análises na universidade.
Espera-se que este trabalho sirva de convite para o desafio que é compreender as
dificuldades e as necessidades dos usuários da língua. Muitas vezes, as gramáticas e os
dicionários se contradizem, o que cria insegurança nos falantes.
Referências
ABREU, Antônio S. Gramática mínima: para o domínio da língua padrão. Cotia: Ateliê, 2003. ALMEIDA, Napoleão M. Dicionário de Questões vernáculas. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1996. CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. L. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. Objetiva, 2001.
MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos,
1998.