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1 §. Introdução José Hermano Saraiva, na sua Historia Concisa de Portugal, referia que a I República está ainda muito próxima de nós para ser analisada sem preconceitos. O professor tinha nascido na I Republica e disse-o em 1975, no seu “exílio da Nazaré” como gostava de se referir a esse período difícil. É verdade que existiu muita demagogia, o país não progrediu, ficou mais desorganizado, autoritário, muitos discursos parlamentares de retórica inflamada mas com pouco conteúdo para aplicação prática, o que tornou o país mais pobre, atrasado técnica e culturalmente, tudo salpicado com acontecimentos despóticos e sangrentos que votaram ao ostracismo muita gente competente. Mas também se defendeu a escolaridade, melhores condições de trabalho mas principalmente deu-se a oportunidade de se desenvolver a consciência de que quem trabalha também tinha direitos, o povo veio para a rua lutar por aquilo em que acreditava e tinha direito. A legislação conheceu os maiores avanços até então, principalmente sobre as mulheres, os menores, a família, o divórcio, os idosos, o ensino, o trabalho, os seguros, o sindicalismo, o apoio social, entre ouros. Será o objetivo principal deste trabalho a análise do regime jurídico aplicável ao operariado dos finais do séc. XIX ao final da I República, analisando as transformações políticas, sociais e económicas que se fizeram sentir neste período, nomeadamente ao nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos revolucionários que tiveram grande peso no movimento sindical e o modo como influenciaram as alterações jurídicas no mundo laboral. Nesta análise foram surgindo questões que parecem impossíveis de separar, seja a questão económica e o patronato, a Igreja e a República, as colónias e a economia. Quando falamos de trabalhadores estamos a falar também das condições da mulher no mundo laboral e quando falamos de mulher não a podemos desligar da maternidade, dos menores e da discriminação. É feita a análise dos principais decretos que provocaram no mundo do trabalho e nos trabalhadores grandes alterações que trouxeram novas concepções sobre o mundo operário e que deram inicio a uma legislação menos opressiva que foi coroada em 1919 com os governos de esquerda de Domingos Leite Pereira e José Domingues dos Santos.

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§. Introdução

José Hermano Saraiva, na sua Historia Concisa de Portugal, referia que a I

República está ainda muito próxima de nós para ser analisada sem preconceitos. O

professor tinha nascido na I Republica e disse-o em 1975, no seu “exílio da Nazaré”

como gostava de se referir a esse período difícil. É verdade que existiu muita

demagogia, o país não progrediu, ficou mais desorganizado, autoritário, muitos

discursos parlamentares de retórica inflamada mas com pouco conteúdo para aplicação

prática, o que tornou o país mais pobre, atrasado técnica e culturalmente, tudo salpicado

com acontecimentos despóticos e sangrentos que votaram ao ostracismo muita gente

competente. Mas também se defendeu a escolaridade, melhores condições de trabalho

mas principalmente deu-se a oportunidade de se desenvolver a consciência de que quem

trabalha também tinha direitos, o povo veio para a rua lutar por aquilo em que

acreditava e tinha direito. A legislação conheceu os maiores avanços até então,

principalmente sobre as mulheres, os menores, a família, o divórcio, os idosos, o ensino,

o trabalho, os seguros, o sindicalismo, o apoio social, entre ouros.

Será o objetivo principal deste trabalho a análise do regime jurídico aplicável ao

operariado dos finais do séc. XIX ao final da I República, analisando as transformações

políticas, sociais e económicas que se fizeram sentir neste período, nomeadamente ao

nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências

internacionais.

Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

revolucionários que tiveram grande peso no movimento sindical e o modo como

influenciaram as alterações jurídicas no mundo laboral. Nesta análise foram surgindo

questões que parecem impossíveis de separar, seja a questão económica e o patronato, a

Igreja e a República, as colónias e a economia. Quando falamos de trabalhadores

estamos a falar também das condições da mulher no mundo laboral e quando falamos de

mulher não a podemos desligar da maternidade, dos menores e da discriminação.

É feita a análise dos principais decretos que provocaram no mundo do trabalho e

nos trabalhadores grandes alterações que trouxeram novas concepções sobre o mundo

operário e que deram inicio a uma legislação menos opressiva que foi coroada em 1919

com os governos de esquerda de Domingos Leite Pereira e José Domingues dos Santos.

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Os desenvolvimentos da indústria implicaram uma alteração no comportamento

dos trabalhadores vindos do mundo rural. A grande disponibilidade de mão de obra, o

trabalho forçado, a extrema pobreza e a Grande Guerra aprofundaram a crise social e o

forte aumento inflacionário.

Devido ao peso das transformações sociais foi dado maior relevo à República. Os

textos normativos consultados foram o Diário do Governo, O Boletim da Providencia

Social, Coleção Oficial de Legislação Portuguesa.

A maneira de pensar é condicionada pela própria época que nos dá a ideia de

conjunto num contínuo que nos ajuda a compreender os acontecimentos. Dizia Ruy de

Albuquerque que “sem a intervenção de conceitos jurídicos não será factível o

conhecimento histórico do Direito. Eles são imprescindíveis não obstante carecerem de

intemporalidade”1.

1. Notas prévias sobre alguns aspetos históricos políticos

Hoje os trabalhadores da indústria automóvel de países periféricos trabalham 10

ou mais horas diárias de trabalho, em troca recebem prémios e recompensas que aceitam

resignadamente já que o lugar é precário. Esquecer que outros que por eles lutaram,

sofreram e até morreram por medidas justas, pelo trabalho digno, como aqueles dez

trabalhadores de entre quase meio milhão que a 1 de Maio de 1886 em Chicago, não

voltaram a casa porque foram mortos pela polícia por reivindicarem as 8h diárias de

trabalho, merecem o respeito daqueles que apenas do trabalho conseguem o seu único

sustento. É por isso importante não deixar cair no esquecimento esta luta. Convém a

alguns que dela não se fale, para esses a luta e a consciencialização da classe

trabalhadora continua como começou há 100 anos atrás.

No final da monarquia o conflito social era evidente, pescadores contra

armadores, soldadores contra os donos da indústria conserveira, sapateiros, empregados

de comércio, pescadores, ferroviários, rurais, ardinas, conserveiros, etc., todos queriam

defender as suas revindicações através da luta.

Ataques à propriedade, armazéns, mercearias, padarias e carvoarias, com

sabotagem de máquinas e de fornecimento de materiais. Atentados à bomba contra

fábricas, oficinas e até contra a GNR. Rusgas na rua e nas sedes sindicais, sabotagens

1 Ruy de Albuquerque, 1985, p. 132.

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contra transportes, principalmente comboios. Decreta-se o estado de sítio e as prisões

são arbitrárias.

O lock-out é abusado perante a mais pequena contestação. Açambarcamento e

mercado negro são comuns.

No congresso de 1911 foi aprovada uma resolução sobre as greves, onde era dito:

“nunca prevenir a entidade patronal […] procurar que a greve constitua um máximo de

surpresa […]; evitar qualquer espécie de contrato de trabalho, individual ou coletivo, de

que possa resultar um entrave à liberdade do grevista […]; recusar a arbitragem sob que

forma se apresente”.2

Os anarquistas de Setúbal eram muito ativos e tentaram a proclamação de uma

“Comuna Livre”. Até as “forças do exército fatalmente minados por sindicatos e

anarquistas…”3

A carbonária recrutava num exército de miseráveis, proletários e assalariados,

simpatizantes para a sua causa de terror. Maçónicos, radicais, urbanos, terroristas mas

muitos lutaram pelo progresso, pela emancipação da mulher, educação, saúde e em

geral por melhor condição de vida.

Ser republicano não era mera teoria abstrata, foram o esteio contra Pimenta de

Castro em 1915, estavam unidos no assalto a Monsanto contra as incursões monárquicas

em 1919 ou nas revoltas em 1925.

Caos parlamentar, corrupção4 e clientelas, tal como hoje serviam membros do

partido do governo e dos lobbies, os objetivos deixam assim der ser económicos para

serem políticos. Veja-se o exemplo das cidades onde foram menos os “adesivos” e se

substituíram pessoas competentes por maçónicos do partido do governo.5

2 Raquel, Varela; Ricardo, Noronha; Joana Dias Pereira (coord.), Greves e conflitos sociais em Portugal

no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 68. 3 Raquel, Varela; Ricardo, Noronha; Joana Dias Pereira (coord.), Greves e conflitos sociais em Portugal

no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 68. 4 Eusébio Leão era médico e foi quem fez a leitura da proclamação da República no dia 5 de Outubro na

varanda dos Paços do Concelho, foi o primeiro governador civil do Distrito de Lisboa na República,

mandou prender muita gente desde padres a vadios nos primeiros 15 dias da proclamação e disse que

durante a sua governação houve má gerência com gastos acima do esperado, despesas com espionagem,

subsídios a vadios, desvio de dinheiro para uso próprio, existindo funcionários da câmara que recebiam

mas não trabalhavam. in III Congresso I República e Republicanismo 2015 por Gonçalo Ferreira “A

segurança publica na Lisboa republicana. O desempenho de Eusébio Leão como Governador Civil. 5 Passaram 100 anos e o Conselho para a Prevenção da Corrupção é governamentalizado impedindo assim

punir a corrupção na Administração publica já que a presença de ex membros do governo em empresas

que anteriormente estavam sob a sua alçada ou fazendo parte de empresas de advogados ou de

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A corrupção é potenciada pelas grandes desigualdades sociais e se o Estado não

cumpre a função de nivelador então surgem mecanismos paralelos de benefícios às

populações e de redistribuição de bens.6 O corrupto que faz obra, rotundas e fontanários

cria no cidadão a lógica de deficiência na população que acaba por defender uma pratica

que não lhes dão proteção ou benefícios que deviam pertencer ao Estado.7

Em 1890/1891 a crise económica e financeira internacional contribuiu para a

perda dos mercados, diminuição das exportações e do investimento, fuga de capitais e

para o agravamento da divida externa.

O fontismo deixou o país à beira de uma situação sem controlo nomeadamente

sem possibilidade de socorrer os bancos e as companhias ferroviários. A pauta

protecionista de 1892 favoreceu as primeiras industriais como as dos adubos e fosfatos.

A agricultura, os vinhos, cereais pedem a intervenção do Estado e do seu protecionismo

mas mesmo com proteção agrícola existia um grande deficit cerealífero, mesmo anos de

fertilidade excepcional como 19028, não se deixou de comprar cereais

9. Em maio de

1891 é suspensa a convertibilidade e em junho deixa-se de usar o padrão-ouro.

A tudo isto junta-se o Ultimatum10

de 11 de janeiro de 1890 a Republica é

consentida, mais do que um triunfo é a vitória da passividade perante a falta de

alternativas. A revolta de Janeiro de 1891 no Porto colocou de certo modo em evidência

as diferenças entre aqueles que defendem a transição para a República por meios

violentos e pacíficos. Uns mais radicais que outros mas profundamente divididos.

Republicanos, anarquistas e socialistas pareciam unidos nas propostas mas divididos

nos meios e mesmo entre eles existiam diferenças que levavam a afastamentos e criação

de outros movimentos mesmo dentro do governo. Em 1909, no Congresso de Setúbal, já

consultadoria que o Governo é a parte interessada ou o “caso da virgula” que custou 600 mil euros a

alguém que alterou o significado da norma legal ao arrepio do legislador e cujo inquérito parlamentar deu

em nada, in Vera-Cruz Pinto, Cascais, 2010, p. 432-433. 6 Luís de Sousa, Lisboa, 2011, p. 45.

7 Em 2006 o inquérito “Corrupção e Ética em Democracia: o caso de Portugal” onde 63,6% dos

portugueses toleram a corrupção desde que tenham benefícios in Luís de Sousa, Lisboa, 2011, p. 46. 8 Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 10-11.

9 Portugal não conseguia tirar mais de 9 hectolitros de trigo de um hectare de terra, a Espanha tirava 14, a

Inglaterra 24, a Holanda 26 e a Dinamarca 36 in Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 11. 10

Também Portugal tinha imposto um ultimato a Marrocos, devido ao apreso de embarcações de pesca no

porto de Lavache. Portugal impôs condições e ameaças com forças navais a quem não as tinha e que

mereceram o aplauso geral in Carlos Testa, Lisboa, 1890, p. 51.

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Teófilo Braga11

estava em divergência.12

Em 1913 já António José de Almeida estava

na oposição pelo Partido Evolucionista.

O final do séc. XIX foi muito conturbado em toda a Europa e em Portugal, as

caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, os artigos de Oliveira Martins, Antero de

Quental, as crónicas de Eça ou a prosa de Ramalho Ortigão são bem reveladoras desse

ambiente.

Em 1910 a Igreja geria 164 casa de recolhimento, escolas, asilos, hospitais, entre

outras instituições. Até 1914 devido à Lei da Separação, a situação não melhorou,

vários bispos foram expulsos das suas dioceses13

/14

/15

/16

e em 1913 deu-se o corte de

relações entre o Vaticano e Portugal. Só em 1914 com Bernardino Machado, graças à

sua temperança a situação foi ligeiramente atenuada.17

11

Teófilo Braga é aqui um caso diferente, homem rancoroso, amargurado pela perda das filhas e da

mulher, a sua obra serviu de base ao nacionalismo radical, foi um agente e mestre do integralismo cujos

ideais na sua obra “Raça, a Tradição, a Nacionalidade”, António Sardinha chamou de “iluminado”, eram

teorias racistas, perigosas que exaltavam ao orgulho nacional e ao mesmo tempo ao ódio pelo outro

diferente do tipo “Lusitano”. Agostinho de Campos chamou-lhe “Pai do nosso nacionalismo atual” e para

António Sardinha era um “profeta”, “com ardor iluminado” mas nem todos os que lhe tinham admiração e

que lhe prestam tributo estão para lá do nacionalismo. in Castelo Branco Chaves, Lisboa, 1935, p. 8, 10,

18. 12

Theophilo Braga, Carlos Consiglieri, Discursos sobre a Constituição Politica da República Portuguesa,

Setecaminhos, Lisboa, 2006, p. 10. 13

O decreto de 28 de Dezembro de 1911 proíbe o patriarca de Lisboa, o arcebispo da Guarda e o

governador do bispado do Porto de residirem durante dois anos nos respetivos distritos em virtude de

terem desrespeitado as instituições democráticas. Neste decreto era dito que “a Lei da Separação não foi

uma ato ad odium; foi o consequente produto, aliás bem meditado, duma necessidade social que

cimentara a ação revolucionária.” E acrescentava que para o “clero ficou garantido em sua subsistência

pelo regime de pensões […] nada o Estado ao clero exigiu […] garantiu ainda a cedência gratuita, para

habitação e ensino teológico, dos paços episcopais…” eram punidos os que perturbavam a prática do

culto (art. 11.ºss) e os donativos eram fiscalizados (art. 11.ºss e 16.º da Lei da Separação). “A consciência

civil e a religiosa não foram atacados ou sequer melindrados.” E referia ainda que respeita-se o crente e

não se condena os de outras religiões. É a diferença da democracia para a teocracia. in Prêambulo do

decreto citado. 14

Pelo decreto 12 de Fevereiro de 1912 sabemos que três prelados (os arcebispos de Braga e de

Portalegre e o bispo de Lamego) foram castigados e proibidos de residirem nos respetivos distritos por

terem feito publicar circulares sob pena de excomunhão os fiéis que colaborassem na formação de

associações cultuais, o que se considerou um ataque à Lei a Separação. 15

Pelo decreto de 31 de Julho de 1917 ficou proibido o bispo do Porto, D. António José de Sousa Barroso

de residir durante dois anos dentro dos limites dos distritos do Porto e Braga e limítrofes sem prejuízo do

processo criminal que houver lugar. 16 Afonso Costa tratava pessoalmente da execução de alguns dos seus diplomas como no caso do bispo de

Beja, D. Sebastião Leite de Vasconcelos (Decreto de21 de outubro de 1910 e o decreto de 8 de abril de

1911) por ter publicado a 24 de Dezembro de 1910 textos subversivos na Pastoral Coletiva do Episcopado

Português. in Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a

Excepção, 1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 75. 17

David Pereira, A sociedade in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica

Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 89.

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No decreto de 18 de fevereiro de 1911 (Lei do Registo Civil) era referido ser

obrigatório a inscrição no registo civil dos nascimentos, casamentos e óbitos (art. 2.º),

onde era realizado o reconhecimento e legitimação dos filhos, dos divórcios18

, das

anulações de factos relativos ao estado civil (art. 3.º).19

Registo civil20

foi uma das

grandes lutas do Portugal Republicano propostos no Parlamento em Junho de1908 por

Feio Terenas e instituído em Fevereiro de 1911.21

Mas já muito antes vinha esta luta

José Benevides em 1896 defendia que só o registo civil prova o casamento católico é

um ato alheio à competência da lei civil. “O registo civil deveria ser estabelecido e

completamente organizado para os casamentos, nascimentos e óbitos.”22

O povo odiava o jesuíta mas não o padre e a lei acaba por tornar aos olhos da

população mais conservadora, os padres em heróis os padres por isso Guerra Junqueiro

dizia “a lei é estúpida, dignifica o padre, e vai ferir o sentimento religioso do povo

português”.23

A República anunciou muito mas não trouxe melhorias económicas, basta ver que

o parlamento era praticamente ocupado por burgueses que não iam contra o patronato

capitalista ou contra a propriedade individual, mantinham e defendiam a ligação às

instituições de sustentavam o poder.

Tal como hoje a descrença na classe política era grande, Oliveira Martins,

escreveu num relatório oficial em 1891, “como até os piores males têm o seu lado

vantajoso, esta quadra de provações em que Portugal entrou traz consigo várias

vantagens: em primeiro lugar, dissipa as ilusões, refrescando a inteligência recta e

chamando-a à realidade do entorpecimento em que andava; em segundo lugar, acaba

com as abstrações ruinosas do livre-cambismo, forçando, pela fatalidade das coisas,

18

Só em 1915 pela lei n.º 467 de 30 de Setembro de 1915 se consideram hábeis para receber pensão de

sangue as mães dos oficiais que eram divorciadas ou judicialmente separadas dos seus maridos, quando se

faça prova que a sua subsistência estava unicamente a cargo dos seus filhos. 19 “Os livro de registo que existem em poder dos párocos serão por estes encerrados no estado em que se

encontram e neles não poderá escrever-se mais coisa alguma” que depois seria averiguado pela autoridade

judicial, administrativa do Ministério Publico (art. 8.º) poderão ser apreendidos e o pároco incorrerá nas

perdas de vantagens materiais presentes e futuras (art. 9.º). Os livros de registo não poderão ser

transitados para outro pároco (art. 10.º). 20

Registo de nascimento, casamento, óbitos, reconhecimento e legitimação dos filhos deveriam ser

realizados pela lei civil. Foram criados postos de civil por todo o país. António Granjo, futuro chefe de

governo em 1919, foi oficial do Registo civil. 21

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 67 22

José Benevides, 1896, p. 36. 23

João B. Serra, A evolução política (1910-1917), o Governo Provisório in Fernando Rosas; Maria

Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 99.

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explorar o trabalho nacional; em terceiro lugar, moraliza a política, encerrando o funesto

ciclo da especulação inconsciente”.24

A legislação portuguesa refletia o pensamento legislativo da não intervenção nas

relações de trabalho, dai a quase inexistência de legislação operaria até aos anos 90 do

séc. XIX. É de 1863 a primeira legislação portuguesa sobre indústrias insalubres,

incómodas e perigosas. Existe o decreto de 3 de Outubro de 1860 mas não é relevante

porque em relação aos estabelecimentos insalubres, a sua preocupação era apenas em

relação à saúde pública e não às dos trabalhadores.

Em 1884 a criação de escolas industriais25

, em 1889 os tribunais de árbitros-

avindores, em 1891 a regulamentação do trabalho de menores e das mulheres, em 1893

a organização das bolsas de trabalho, em 1913 a lei dos acidentes de trabalho e em 1919

a lei dos seguros sociais obrigatórios que iram ser analisados mais adiante.

Na Conferencia da OIT, em 1919, em Washington foram votadas varias propostas

relevantes.26

Na alimentação e sobre o fabrico e venda de pão surge legislação sobre a fixação

de preços, qualidade, pesos, composição e marcas realizadas pela DGPS27

. Saiu muita

legislação mas se por um lado nem toda foi executado muito houve que não teve

qualquer efeito prático28

.

Dizia-se que o seguro obrigatório se fez sentir na estatística dos acidentes; os

ligeiros diminuíram porque os operários pagam dois terços das despesas de doença

24

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 23. 25

O ensino industrial foi iniciado por António Augusto de Aguiar em 1883 mas não conseguia responder

às exigências da indústria mesmo sendo incipiente. 26 1 - As oito horas de trabalho diárias, 48 por semana em todos os países membros da Liga das Nações.

2 – Auxilio às mulheres durante a gravidez, paga pelo governo.

3 – Proibir o emprego a menores de 14 anos (excepto no Japão e na Índia).

4 – Proibir o trabalho noturno26

para as mulheres com menos de 18 anos.

5 – Proibir o emprego de mulheres e crianças nas metalurgias e fábricas de fósforos.

6 – Criação de serviços de inspecção fabris ao serviço de saúde do governo.

7 – Acabar com as agências particulares de empregos as quais deverão ser substituídas por lei

governamentais. 27 À Direção Geral da Previdência Social competia: associações de classe, associações de socorro mútuo

e cálculos de seguros, seguros contra desastres, invalidez, velhice, caixas económicas, inquéritos sobre o

trabalho operários, custo de vida, subsistências, Boletim da Previdência Social, estudos de legislação,

estatísticas, congressos, etc. 28

“Os nossos estadistas esgotam todos os seus recursos na fabricação de decretos, de portarias, de editais.

O «Diário do Governo» é o vazadouro da produção dos super-homens da situação. Decretos sem ninguém

autorizar a sua publicação, outros são retificados no dia seguinte. […] Quase sempre fica pior a emenda

que o soneto e a retificação ainda mais embaralha, mais confunde a solução do assunto.” in O Rebelde –

Defensor das Classes Proletárias (10 de Outubro de 1918) citado por António José Telo, Lisboa, [1977],

p. 291.

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enquanto os mais graves não só não pesam sobre os operários como existe “muito quem

aspire a passar por inválido ou, pelo menos, a aumentar a duração da doença”.29

A pouco ia-se tomando consciência da defesa da infância, na Alemanha a

legislação industrial obrigava à escolaridade30

entre os 8 e os 14 anos e até aos 18 anos

de idade os operários podiam ser obrigados a frequentar as escolas de aperfeiçoamento e

o patronato era obrigado a conceder as horas necessárias.31

Elevar a escolaridade e o

nível intelectual do operariado prestava um elevado serviço social. Se o operário via o

dia de amanha mais assegurado, instituição, se lhe é imposto deveres e direitos, esse

operário torna-se melhor preparado mas o povo estava longe de ter qualificações nem

preparação moral e intelectual para amar a liberdade e a partir do momento que sentiu

as grilhetas frouxas, a anarquia alastrou e os carbonários apoiados por milícias e

militares sem disciplina espalharam-se.32

A taberna era a distração do operário, sempre era melhor que estar numa casa

miserável e sem condições mínimas de vida. Surge assim a preocupação com a

habitação do operário e no modo como deviam ser dispostas as divisões para que não

prejudiquem a luz nem a circulação do ar umas das outras. As casas deviam ter quintal

mas as casas de banho, lavadouros e as creches seriam do bairro.

O decreto n.º 4:137 de 24 de Abril de 1918 sobre as casas económicas destinadas

aos menos abastados, este decreto bem-intencionado falhou em grande parte os seus

objetivos, por um lado a iniciativa particular foi descurada e não teve em conta as

situações especiais de algumas regiões.

O elevado analfabetismo desvalorizava o capital humano, só a Rússia se

aproximava dos 75% de analfabetos em 1911, já que a França tinha 25,8%, a Inglaterra

29

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 84. 30

Já na lei de 1878 de Rodrigues Sampaio a escolaridade era obrigatória mas depois tinha muitas

excepções como a de serem muito pobres ou se morassem longe. 31

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 85. 32

Afirmava Fialho de Almeida “Este Portugal republica é aquele mesmo que tem nas cidades 75% e nas

aldeias 90% de analfabetos; que apedreja os médicos por ocasião das epidemias, que crê parvamente em

Messias políticos e bruxas, que vive de indústrias fictícias e agriculturas rutinárias, e com um jornalismo

pedante de repórteres, uma ciência de copistas e uma literatura de decalco, chegou a este grau de

subalternidade mental e moral: no campo das liberdades políticas só conhece vivas e morras, e de tal

maneira ter perdido a noção das realidades e o instinto justiceiro dos galardões, que é ver um diabo de

espingarda, desata logo a chamar-lhes heróis, e a traze-lo pela rua às cavalitas”. in Fialho de Almeida,

Lisboa, 1920, p. 16.

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e a Alemanha menos de 10%33

já para não falar dos países nórdicos onde os valores

rondavam o 1 a 5%.

A República fez-se com os operários e depois estes vão ser perseguidos, presos e

até muitos mortos. Presos sem julgamento, deportados principalmente para Angola.

Esse foi o erro é que o mundo operário urbano era a base de apoio da República, foram

eles que lutaram contra a monarquia e agora são também inimigos. Mas as clivagens são

evidentes as perseguições34

contra a Igreja foram exageradas35

e só lhes deu mais

força36

voltando a República contra o mundo rural e contra as mulheres. O país era

profundamente católico praticante37

e isso não mudava numa geração. Bernardino

Machado de forma cínica afirmava que “ninguém pretende destruir a religião; o que

pretendemos, é fazê-la sincera e pura, tornando-a voluntária e livre”38

mas em 1904

demonstrava bem o que pensava: “O estado de ignorância é também o de santidade. O

pensamento gera a dúvida, que é a descrença, e o erro, que é o pecado. É para que

pensar? Para saber? Lá está a igreja infalível para com os seus dogmas nos infundir toda

a sabedoria, sem ser necessário pensarmos…”39

.

Para entendermos estes exageros da ação política republicana, mais propriamente

de Afonso Costa é essencial ligar ao pensamento de Benoît Malon já que para ele era

essencial e dever do Estado controlar todas as estruturas económicas do país,

nomeadamente as instituições de credito, caminhos de ferro, minas, canais, as grandes

empresas industrias e comerciais para estarem interligadas com os estruturas politicas,

sociais e culturais.40

Portanto não era uma perseguição gratuita e anti cristã antes uma

serie de objetivos essenciais para dar sucesso à resolução de um problema mais vasto.

33

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 119. 34

O anticlericalismo era em relação ao alto clero, congregações, Igreja católica em geral mas não contra o

clero de base que até estaria aberto a mudanças porque eram prejudicados pelos outros hierarquicamente

superiores. 35

Dizia Bernardino Machado: “Se a igreja já não queima, ainda amaldiçoa, excomunga, anatematiza” in

António Ramos de, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto, 1974, p. 51. 36

Dizia Carlos Testa: “Se querem um clero triunfante, persigam-no e talvez assim tomem novo e até se

fortaleçam” in Carlos Testa, 1888, p. 56. 37

Em 1900 cerca de 99% da população afirmava-se católica e em 1940 os que se diziam “sem religião”

eram apenas 4,5% in Luís F. Rodrigues, Lisboa, 2010, p. 292. 38

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 47. 39

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 175. 40

Jorge Pais, p. 15.

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10

Com a Constituinte de 19 de Junho de 1911 as diferenças são notórias41

mas em

relação aos de hoje uma grande diferença será de realçar, o direito de opinião no

parlamento era livre, sem entraves dos respetivos grupos parlamentares, cada um valia

por si. A ideia até parece interessante mas as fugas e as mudanças de partido eram uma

constante o que alterava o numero de votos e nunca se poderia esperar do que se poderia

contar nas diferentes votações nomeadamente no apoio ao governo o que dava origem a

grande instabilidade. Parece ter sido por isso um erro não dotar o Presidente da

República de poderes de dissolução42

que só foi corrigido pela lei n.º 891 de 22 de

Setembro de 1919.

Os inquéritos industriais

Lisboa e Setúbal, graças à indústria da cortiça e à indústria conserveira tinham

uma grande capacidade produtiva. A estes juntaram-se a indústria química, construção

naval, metalomecânica, têxteis, etc.

A construção civil tem ainda grande relevo em Lisboa, além do sector dos

transportes, eletricidade, água, gás, serviços de comunicações, serviços portuários entre

outros abarcavam muitos trabalhadores.

O questionário do inquérito de 1881 teve menos 1200 respostas de um total de

10500 enviados e mostravam que tratavam-se na sua maioria de pequenas oficinas

artesanais, familiares.43

O inquérito industrial de 1917 mostra que o grau de industrialização é pequeno

8% dos estabelecimentos tinham menos de 21 operários e só 5% tinham mais de 100

trabalhadores44

.

O inquérito de 1909 foi ordenado pela portaria de 26 de novembro de 1909. O

inquérito é pequeno, também teve poucas respostas, é limitado mas é a única fonte que

temos para esta época sobre associações comerciais. Nela verificamos uma grande

41 Vão surgir três tendências: a de Afonso Costa (Partido Democrático), a de António José de Almeida

(Partido Evolucionista) e a de Brito Camacho (Partido Unionista). Em 1926 o PRP já tinha dado vários

partidos, dos principais era o Partido Radical, Esquerda Democrática, Partido Democrático (ou

Republicano), Ação Republicana, Partido Nacionalista, União Liberal. De direita surgiu mais tarde o

Integralismo Lusitano e os grupos católicos de onde surgiu Salazar (Centro Académico da Democracia

Cristã e depois o Centro Católico Português). Os intelectuais juntaram-se na Seara Nova. 42

Paulo Ferreira da Cunha, Lisboa, 2011, p. 74. 43

Maria Filomena Mónica, 1987, p. 821-822. 44

Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 79.

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11

diferença salarial, a nível regional, no sexo e na idade. Por exemplo os tipógrafos eram

os mais bem pagos e os seus aprendizes os mais mal pagos na proporção de 1 para 45.45

Também nos têxteis do Norte os salários são menores em relação a Lisboa num desnível

de 6,5, é difícil e não tem assim grande interesse calcular o salário no entanto de 1909 e

1914 0 aumento foi de 43%.46

No inquérito de 1909 ficamos a saber que o pagamento em géneros já era raro

excepto na agricultura mas isso ainda hoje existe pelo menos no Código do Trabalho

como parte do pagamento da retribuição, onde a parte não pecuniária deve destinar-se à

satisfação das necessidades pessoais e da família.

Para que o empregador conseguisse um aumento de produção, difundia-se o

trabalho de empreitada ou à tarefa, é o exemplo do calçado, têxteis, mobiliário, tanoaria,

etc. Em muitos destes trabalhos as mulheres e as crianças eram pagas ao dia e os

homens à tarefa, satisfazendo assim os mais qualificados, com maior capacidade de

trabalho e até contratual, obtinha-se algum aumento salarial através do aumento da

produtividade. Talvez por isso em 1913-14 as industrias com mais de 10 operários eram

cerca de 20%47

, o resto estavam geograficamente dispersos ou trabalhavam em

pequenas oficinas ou em casas particulares.

O preço do pão chegava a atingir 20% das despesas do operário, daí a relevância

que teve “o pão político” em 1919.

As habitações dos operários do Porto e Lisboa eram conhecidos pela sua falta de

condições, são por isso importantes as leis do inquilinato sobre o aluguer da casa.

Em muitas profissões era ainda a luz do dia que determinava o horário de

trabalho. As 8h diárias só eram praticadas em alguns organismos do Estado. O trabalho

domiciliário era o aquele em que o horário de trabalho era maior. Mesmo assim a

produtividade não aumentava e como os salários subiram, logo só restava ao patronato

outra opção senão subir os preços ao consumidor para assim se manter os lucros.

Villaverde Cabral cita Ezequiel de Campos que no fim da guerra dizia: “que

importa o salário ser baixo em Portugal, se um português não faz metade, nem a terça

45

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 431. 46

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 431-432. 47

César Oliveira, 1973, p. 683.

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parte […] do trabalho que faz um homem de hoje? – o salário português é caríssimo.”48

O “homem de hoje” a que se referia era ao equipamento moderno. Vai ser Ezequiel de

Campos que em 1925 e com o apoio de António Sérgio vai defender a Reforma Agrária

que seguia nas suas bases o Projeto de Lei de Fomento Rural de Oliveira Martins de

1887.

Critica-se a legislação por não deixar que as associações criassem fundos para

manter os grevistas.

Pedia-se o direito de constituição de federações por ramo e por região, são elas

que permitiam ao operário defender-se do isolamento local e assim num sistema

corporativo de classe melhor se defender contra os ataques do patronato. Muitos eram

acusados de perseguirem os operários sindicalizados como aconteceu a dezassete

grevistas da empresa M. Ribeiro da Silva em 1907.49

Existem associações que pedem a autorização para conferirem diplomas aos

operários de modo a de operários enquanto os que usufruírem de um diploma

estivessem sem trabalho.50

Existiam associações perfilhadas com o governo que aprovavam as pautas

protecionistas e defendiam que era a falta delas que encorajava o sindicalismo

revolucionário.51

No entanto antes do protecionismo os têxteis empregavam mais gente

(5 vezes mais). E como um tear mecânico produz nove vezes mais que o manual o que

implica que dois terços dos operários perderam o trabalho, ou seja, em relação ao

emprego não foi protecionista apenas protegeu os capitalistas ambiciosos. Com os

preços a diminuir e com o aumento da mecanização a fome nos tecelões aumentou logo

devia ser autorizada a entrada livre dos produtos estrangeiros de modo a acabar com

aqueles que vivem à custa da pauta.52

48

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 433. 49

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 443. 50

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 444. 51

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 445. 52

Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.

XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 447.

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2 - O operariado nas vésperas da Republica

Os partidos da República eram de massas, ligadas à Maçonaria mas também

tinham objetivos como a cultura, a instrução, o lazer, o desporto, a música, etc. Muitas

ainda hoje existem.

Na 1ª Constituinte, 35% dos deputados pertenciam à grande e média burguesia,

64% tinham o nível universitário e só 4%, ie, 9 deputados tinham o nível básico53

As incompatibilidades eram muitas, João Chagas, afirmava “o Parlamento

português é uma repartição pública. Raro é […] o deputado que não é funcionário do

Estado ou não tem direta ou indiretamente, negócios com o Estado”, o clientelismo de

diretores gerais, de funcionários superiores da administração, de conservadores

municipais, de secretários de ministros, de militares e paramilitares era grande e até

havia quem reclama-se o subsídio que já tinha sido suspenso no tempo da Monarquia,

não existia assim uma grande ruptura, o comportamento pouco se tinha alterado.54

Fialho de Almeida referia que “O começo deste regime novo cheira

diabolicamente ao fim de velho […] só idiotas e ingénuos irão supor que três dias de

descargas regeneram povos indolentes e tardos como o nosso.”55

Luz Almeida e António Maria da Silva, tiveram um papel muito importante na

transição da Carbonária para o controlo do Partido Democrático e as suas milícias

armadas em 1911 já eram maiores que as da primeira. Mas faltava coerência, os que

estão contra Afonso Costa em 1913, vão dar-lhe apoio no golpe de 1915 e contra em

1917, mudava-se e crivam-se partidos com a mesma velocidade com que desapareciam.

As mortes de Elias Garcia e Latino Coelho em 1891 e de José Falcão em 1893

deram união aos republicanos e o “caso Sara de Matos”56

que apesar de para muitos

republicanos o Tribunal das Trinas ter sido um fracasso, foi aproveitado para

manifestações anticlericais que trouxeram milhares de manifestantes republicanos às

ruas. Em 1892 a repressão aumenta e são presos Heliodoro Salgado, João de Meneses,

Alves Correia e Alfredo Leal e no mesmo ano e greve académica.

53

Cf. Carvalho, 1981, p. 6. 54

Carvalho, 1981, p. 11. 55

Sardica, 2011, p. 180-181. 56

Noviça do Convento das Trinas em Lisboa que foi jovem abusada e envenenada a 23 de julho de 1891,

cujas culpas foram atribuídas aos jesuítas cujo caso foi julgado no Tribunal das Trinas. O “caso Rosa Calmon” filha de um diplomata, vitima de rapto trouxe milhares de manifestantes à rua em 1901 e 1902.

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Não quer dizer que não tivesse existido momentos com estabilidade governativa,

entre 23 de Fevereiro de 1893 e 7 de Fevereiro de 1897 o governo foi dos que resistiu

mais tempo dele fizeram parte Augusto Fushine57

e Bernardino Machado, mais liberais

inovaram e imprimiram uma nova dinâmica.

António José de Almeida (1866-1929) em 23 de Março de 1890 estava no 1.º de

Medicina quando no jornal académico O Ultimato: Folha Académica, publicou uma

serie de impropérios ao Rei, escrevendo que era “larapio”, “gatuno”, “medíocre”,

“bruto”, “pedante”, “pacóvio”, etc.58

Na mesma primeira página do mesmo jornal

escreveu Afonso Costa que para “…fazer subir a moralidade portuguesa […] derrubar a

monarquia, estabeleceu a república, e em seguida instruir, edificar, moralizar, o povo.

Não será isto mais curial mesmo mais científico?” Ambos, juntamente com o tipografo

Pedro Cardoso foram acusados pelo Ministério Publico de crimes por abuso de

liberdade. Manuel de Arriaga foi o advogado de António José de Almeida e Afonso

Costa teve a defesa brilhante de Magalhães Lima59

o que originou uma duradoura

amizade, cumplicidade no ideal e em artigos de jornais.60

Para Afonso Costa havia que alterar e simplificar os códigos, proceder à separação

do Estado da Igreja, abolição das festividades religiosas, substituição por festas cívicas,

demonstrar um Estado laico61

, abolindo os pagamentos à Igreja e o fim dos feriados

religiosos62

. O decreto-lei de 8 de Outubro de 1910 da laicização do Estado e da

sociedade determina que voltem as leis do Marquês de Pombal de 1767 e de Joaquim

António de Aguiar (1834) que acabam com as ordens religiosas e com jesuítas em

Portugal. A 15 de Outubro acaba-se com o juramento religioso nos atos civis e decreta-

57

Augusto Fuschini, Oliveira Martins e Sousa Brandão eram os chamados “socialistas de Estado”. 58

“…o rei que até aí era um simples larapio, passou a ser, na boca das folhas revolucionárias, um grande

gatuno; ele que até aí exibia, no seu pescoço pedante, uma educação deficiente, passou a ser um

pacóvio…” O Ultimato: Folha Académica, 23 de Maio de 1890, p. 1. 59

Era viajado e dominava vários idiomas que lhe possibilitaram contatar com varias figuras proeminentes

da politica como Vitor Hugo, Kropotkine, Benoît Malon e foi com este ultimo que as ideias vão ser por

Magalhães Lima difundidas, um dos principais adeptos do socialismo integralista que vai influenciar

Afonso Costa como se pode notar na sua tese de doutoramento em 1895 apenas com 25 anos, onde o cita

profusamente juntamente com Benoît Malon in Jorge Pais, p. 15. 60

Jorge Pais, p. 3. 61

O art.º 3.º da Constituição Politica da Monarquia Portuguesa referia que a religião do Estado era a

católica apostólica romana. 62

Foi o decreto com força de lei de 26 de outubro de 1910 que mandou que sejam dias úteis e de trabalho

para todos os efeitos os dias que até ao presente foram considerados santificados excepto os domingos

(art. 1.º) e o despacho de 28 de janeiro de 1911 esclarece que os dias feriados decretados pelo Governo de

República correspondem para todos os efeitos judiciais aos dias santificados mandados guardar pela

legislação anterior.

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se cinco novos feriados63

/64

. A 22 de Outubro acaba o ensino de moral cristã nas escolas

primárias e no dia seguinte fecham-se as matrículas em Teologia. No ano seguinte a 20

de Abril surge a Lei da Separação.

A justiça devia sofrer mudanças sérias65

, o acesso devia ser gratuito, reforma do

sistema prisional e a sua substituição por colónias penitenciárias e agrícolas.

Universalização do ensino geral e profissional gratuito. Abolição dos exércitos

permanentes e substituição por milícias nacionais. Abolição dos privilégios e das

ordens. Redução para as 8h/dia, proibição do trabalho a menores de 14 anos de idade.

Redução para 6h/dia para menores de 18 anos. Alteração do trabalho noturno e das

mulheres. Descanso obrigatório e fiscalização no trabalho, pensões, reforma, higiene66

,

segurança, salários e uma “urgente reforma” de acordo com a legislação internacional67

e subordinar a hora legal portuguesa ao meridiano de Greenwich, segundo o princípio

adoptado na Convenção de Washington em 188468

.

A sociedade em geral necessitava de mudanças sérias, principalmente no que diz

respeito às mulheres, aos filhos, ao seu bem estar, educação e solidariedade.69

E é claro

o divórcio que surge no decreto de 3 de novembro 1910 e referia que o casamento pode

dissolver-se por sentença em julgado e tinha juridicamente os mesmos efeitos da

dissolução por morte (art. 2.º). São causas de divórcio o adultério da mulher e do

63

1 de Janeiro – fraternidade universal, 31 de Janeiro – mártires da republica, 5 de Outubro – heróis da

República, 1 de Dezembro – dia de Portugal, 25 de Dezembro – a família (Diário do Governo de 13

outubro de 1910). Os feriados funcionavam como elementos de afirmação do ideário republicano.

No art.º 2.º do decreto de 12 de Outubro de 1910 sobre feriados municipais manda “escolher um dia de

entre as festas municipais”, às vezes não se escolhia o 1º de Maio e muito menos o 10 de Junho já que nas

zonas rurais eram mais importantes as festividades locais como o Santo António. 64

Em 1918 determina-se que seja feriado e festa nacional o 12 de Novembro pela portaria n.º 1:588 de 11

de Novembro e o 5 e 8 de Dezembro pelo decreto de 5:028 de 4 de Dezembro 1918. 65 É interessante observar o corte em relação a algumas ideias que Afonso Costa já criticava nas suas

teses universitárias sobre o Direito Penal, a Escola Clássica e a Antropologia de Lambroso onde se

acreditava ser possível detetar degenerescência e predisposição inata para o crime deriva de causas sociais

e não genéticas e pela melhoria das condições de vida era possível diminuir o crime, o que estava de

acordo com a escola socialista integral que acreditava ser possível diminuir o crime através de medidas

sociais. 66

Logo a 24 de Outubro de 1910 surge um decreto que altera os serviços sanitários e suprime vários

cargos, secretarias lugares e dispensados ou exonerados vários funcionários. 67

Jorge Pais, p. 16 68

Decreto de 26 de Maio de 1911. 69

São alguns exemplos o diploma sobre o divorcio (3 de Novembro), o decreto lei sobre o inquilinato (12

de novembro), casamento e proteção dos filhos (25 de dezembro), criação o Asilo dos Velhos de

Campolide (3 de Fevereiro de 1911), serviço militar obrigatório e a substituição de exércitos permanentes

por milícias nacionais (26 de Maio de 1911).

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marido, sevicias, injurias graves, abandono do domicilio, loucura incurável70

, o vicio ao

jogo, doença contagiosa, etc. (art. 4.º). Outra importante reforma apesar de nem sempre

cumprida mas muito desejada e defendida por Afonso Costa na monarquia era a de dar

liberdade à imprensa71

.

Nos finais do séc. XIX, as ideias da dignidade, igualdade, fraternidade, liberdade,

defendidas pelo movimento operário eram já reconhecidas pela maioria da sociedade

letrada como legitima, afinal já vinham da revolução francesa.

O Estado não devia diminuir a liberdade individual mas tem um papel essencial

no desenvolvimento da sociedade, já que o desenvolvimento da cooperação social só

seria possível com o Estado que corrige as deficiências e beneficia a paz social e isso só

é possível desde que o mais forte não esmague o mais fraco.

As ideias que a sociologia tinha ido buscar ao Ensaio Sobre a População de

Malthus que mais tarde serviriam de base aos movimentos fascistas e nazis na Europa,

onde a luta e a mortandade era um factor de progresso, estava errado porque a existia

agora uma novidade que era a cooperação entre trabalhadores, não o esmagar do outro

mas ser solidário. A ideia que somos como um conjunto de células que se organizam

entre si e contribuem para o todo.

O ser humano é eminente cooperativo e a evolução deu-se graças à cooperação e

não à luta como nos animais. Sem o outro nós não existíamos. Não quer isto dizer que

devamos ter demasiada confiança no Estado mas quando a iniciativa privada não é

possível, é ao Estado que cabe promover e garantir os direitos, sejam eles dos menores,

das mulheres, da saúde, horário de trabalho, cultura, lazer, segurança, etc.72

3 - Socialistas e anarquistas: ação política

Na verdade tanto o patrão como o operário são juridicamente iguais e podem

negociar em igualdade mas a realidade é que o trabalhador tem de negociar pelas

condições impostas pelo mercado dominado pelo patronato que beneficiam da elevada

70

O decreto com força de lei de dezembro de 1910 corrige para que não seja necessário esperar três anos

que poderia prejudicar os filhos, a vítima e o interdito. 71

Logo a 28 de Outubro de 1910 surge um decreto sobre a lei de imprensa onde se refere que esta deve

ser livre, independente da censura ou autorização prévia (art. 1.º). Era referido que o editor devia ser

português e pertencer a apenas um periódico (art. 4.º) e entre outros o nome do director devia figurar no

alto da primeira página (art. 5.º). 72

Por isso como afirma Gonçalves a liberdade é um meio e não um fim a atingir. In Luiz Gonçalves, A

Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça & C.ª, Lisboa, 1905, p.

53.

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taxa de desemprego o que dificulta a melhoria quer das condições de trabalho quer dos

salários, o que faz com que de facto exista grande desigualdade que pela necessidade de

subsistência, aceita-se as condições do contrato que são previamente fixadas pelo mais

forte.

Sem meios de defesa e com muita oferta de mão-de-obra, sem sindicatos,

aceitaram trabalhos por baixos salários, sem higiene, largo horário de trabalho, crianças

com 6 anos, enfim condição infra humanas73

. Estava criada assim um campo fértil para

que os trabalhadores tivessem a consciência da necessidade de unir a sua força em

conjunto para conseguirem melhores condições de vida. Para isso tinham de lutar contra

o patronato mas também contra o poder que lhes está associado, ou seja, o Estado é um

mal que corporiza a autoridade e sujeição74

que o tempo e o costume fez criar a

habituação sem que ela pareça uma imposição, é também o exemplo da religião e por

isso aquilo que o teólogo vê como pecado o anarquista exalta e eram muitos os nomes

relevantes que simpatizavam com o ideal75

.

O anarquismo não gosta de autoridade mas defende a ordem porque esta pode

existir sem autoridade já que assenta na continuidade que é diferente do poder. O

operariado conhecia os excessos de autoridade mas agora tinha a consciência que devia

ser tratado como seres dotados de direito e deveres mas principalmente com dignidade e

negava a superstições, conhecia a realidade e esta como não coincidia com a vontade o

poder adulterava-a numa forte tendência totalitária.

Se o Direito limita a liberdade, logo tem de ser construído um modelo que crie

uma estrutura fundamentada para ser livremente cumprida. O Direito não só normas que

regulam a vida em sociedade. Não é apenas, paz e segurança, mas a criação dos próprios

valores que lhes estão subjacentes76

portanto o Direito também altera a sociedade

porque vai criando valores diferentes ao longo do tempo para que os outros cumpram.

Foi o que aconteceu com o 5 de outubro de 1910, de imediato a ideologia alterou

valores ligados ao trabalho, família, economia, cultura e até mais profundos vínculos

73

Se grande parte do operário não era escravo não estava longe de o ser, fugidos à miséria e com excesso

de mão de obra disponível eram explorados de forma criminosa. Competir com base em baixos salários

foi e continua ser uma má aposta, muitas horas de trabalho, baixos salários, baixa qualificação, mau

ambiente, trabalho repetitivo desmotivante sem qualificação. 74

Miguel Morgado, Lisboa, 2010, p. 21. 75

“O anarquismo, em toda a sua pureza, é um sublime ideal…” Bernardino Machado.

“Só aceito acordos com os partidos mais avançados, socialistas e anarquistas, por cujos ideais tenho tanta

simpatia” António José de Almeida

“As leis são feitas pela burguesia capitalista, por isso mesmo visam a defender, senão a aumentar os

interesses do capital.” Brito Camacho in Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 51. 76

António Hespanha, Mem Martins, 2003, p. 72.

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religiosos. Veja-se o Código de Napoleão, como foi possível manter quase inalterado

durante 200 anos graças à jurisprudência que se foi adoptando ao longo do tempo.

O ambiente é violento, a maioria do operariado não tinham direito de voto ou

lugares no parlamento, existiram vários assassinatos à bomba77

de industriais,

administradores, governadores civis, aos consulados, a monárquicos ou até de simples

trabalhadores que obrigaram à criação de leis anti anarquistas78

que permitiram as

perseguições arbitrárias até de simples apoiantes que foram deportados e acabaram por

morrer em sítios tão distantes como Timor Leste. Isto aumentou ainda mais o desejo de

vingança por parte destes movimentos, organizando reuniões secretas de cariz radical

que não eram apoiados pela parte intelectual que se havia juntado recentemente.

No 5 de Outubro o papel do povo foi preponderante79

, os soldados eram poucos e

os líderes republicanos só apareceram no dia seguinte quando viram que o desfecho era

favorável, foram eles que colocaram os republicanos no poder e estes formaram

Batalhões de voluntários, de 1910 a 1915 surgiram mais de 25080

grupos anarquistas.

O Partido Socialista Português (Partido Operário Socialista) foi fundado por José

Fontana81

e Antero de Quental em Janeiro de 1875 e no ano seguinte é criado o Partido

Republicano Português. O esmagamento da Comuna de Paris vai diminuir o ímpeto em

Portugal.

A partir do Congresso Anticlerical em 189582

foram criados vários círios civis que

foram importantes na dinamização de correntes de livre pensamento anticlerical83

antes

de serem obrigados a fechar por volta de 1900. Foram uma forma de concorrer com as

organizações católicas que organizavam eventos de cariz religioso.

77

Para um bombista o Direito não existe, é a arma do cobarde, defender é passar para lá da liberdade de

expressão mas os jovens aderiam, era uma forma de mostrar a sua insatisfação, não viam solução na

democracia. 78

Em 1920 a lei de 11 de Maio era dedicada aos anarquistas e vadios. 79

Para isso basta ver que os mais de 100 mortos e feridos nesse dia, eram trabalhadores. 80

Carlos da Fonseca, Para uma análise do movimento libertário e da sua história, Edições Antigona,

Lisboa, 1988, p. 31. 81

Suicida-se em 1876 e a sua substituição na chefia vai ser difícil. 82

Dizia-se: “Se o capital esmaga, o clero embrutece” in A Vanguarda 26 de Março de 1895 83

A mentalidade judaico-cristã era servil, pobre, ignorante e o débil mental ou doente era visto como

santidade que tinha lugar no céu. O movimento académico da “Geração de 70” e as “Conferências do

Casino” foram um marco importante no movimento para a expressão livre do pensamento e anti religioso,

tendo em vista que Portugal se transforme e se abra às ideias da Europa.

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Os jornais gostavam de explorar notícias de cariz bizarro escandaloso sem decoro

pela verdade mas os jornais eram essenciais à formação da opinião política, daí que de

entre os vários assuntos que cativavam a opinião pública eram as despesas da família

real e o achincalhar dos soberanos84

, a liberdade de imprensa foi por isso algumas vezes

cortada85

/86

. O decreto n.º 1 de 29 de Março de 1890 reiterava que era importante

regular o exercício do direito de liberdade de imprensa, face aos “abusos de manutenção

de pensamento por meio da imprensa periódica aumentam e agravam-se de dia para dia

à sombra de quase impunidade […] publicam-se artigos contrários à ordem e à

tranquilidade, ameaça-se com a subversão violenta […] é punido não só o ato

difamatório ou injurioso mas também a sua publicidade…”. O mesmo para as

províncias ultramarinas o abuso da liberdade de imprensa era punido como crime pelo

decreto de 26 de Novembro de 189687

.

O decreto n.º 3:544 de 13 de Novembro de 1917 durante o estado de guerra são

proibidas de circular, apreendidas e destruídas as publicações de propaganda a favor do

inimigo ou a “deprimir a alma da nação ou a honra do seu exército.” Isto porque era

reconhecido que se havia intensificado a propaganda germanófila em campanhas

difamatórias.

Neno Vasco segue o pensamento de Enrico Malatesta88

que tardiamente é

conhecido em Portugal e do qual foi o principal divulgador nos periódicos89

anarquistas

onde defende que o sindicalismo era a plataforma ideal de espalhar os ideais libertários.

Esta ideia foi facilmente aceite no Porto mas em Lisboa deu origem a uma acesa

84

O decreto de 27 de Maio de 1911 aprova o acordo internacional de Paris sobre a publicações obscenas. 85

Com Lopo Vaz em 1890 e com João Franco em 1907. 86

Mas depois com a República gritar “Viva a Monarquia” ou “morra a República eram considerados

subversivos que atentavam à segurança do Estado, ordem e tranquilidade pública, punido pelo §2.º do

art.º 185.º do Código Penal. Era um delito político. Em 1922 Bernardino Machado afirmava: Nenhuma

revolução é legítima dentro da Republica, quando os homens de governo mantêm invioláveis as

liberdades públicas”. in António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado,

Brasília Editora, Porto, 1974, p. 207. 87 A lei de 7 de Julho de 1898 pelo art.º 43 proibia que se anuncia-se ou apregoa-se publicamente mais

que o título do jornal mas esta nada se comparava com a ríspida lei de 13 de Fevereiro de 1896. Leis que

mal interpretadas deram azo a perseguições e prisões de muitos jornalistas principalmente dos

anarquistas. 88

Em Portugal foram mais conhecidos Bákunine, Kropotkine, Jean Grave, Elisée Reclus, Sébastien

Faure, Ricardo Mella e já no séc. XX através de Neno Vasco, Enrico Malatesta mas outros como

Proudhon, Godwin, Stirner Tucker ou Tolstoi foram pouco ou nada conhecidos in João Freire, Porto,

[1992], p. 307. 89

Existiam 111 periódicos anarquistas e 51 sindicalistas libertários mas mais de 50% não publicam mais

de 5 números, o jornal A Batalha foi a excepção que até mereceu uma monografia de Jacinto baptista

mencionado neste trabalho.

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20

discussão, uma vez aceite foi aconselhado evitar fazer parte das direções dos

sindicatos90

, estes tornaram-se assim terrenos férteis para o lançamento do ideal

libertário91

. Mesmo que o fim seja bom, os trabalhadores não devem ser dirigidos ou

governados, devem ser emancipados. Os sindicatos deviam evitar estarem subordinados

a um partido político ou uma doutrina oficial e deviam ser autónomos92

. Assim se numa

primeira fase os anarquistas eram desinteressados pelo movimento sindical ou até

mesmo contra, existiam assim muitas opiniões e correntes93

mas a partir do momento

que entram no movimento sindical acabam por dominar as associações de classe que

pertenciam aos socialistas, o que faz com que o número de sindicatos e sindicalizados

aumentem enormemente94

. Existiam movimentos contra a guerra mas próprio

Kroptkine95

viu nos soldados aliados a defesa da civilização humana contra os “Hunus

do Reich”96

, muitos outros libertários assumiram a defesa do povo contra a agressão da

Alemanha97

.

Defendiam a abstenção porque quem tem ideias não altera a sua vontade, não

abdica da individualidade, não se reconhece a ninguém o direito de gerir os nossos

interesses mas para o Germinal de Setúbal (1905) os protestos platónicos valem é pouco

e havia que apoiar os que estavam politicamente mais próximos, defende-se o boicote às

90

Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 29. 91

Os marxistas tinham em mente a conquista do poder que os anarquistas desprezam e eram estes que

dominavam de forma esmagadora os sindicatos que com sucesso chegavam as camadas trabalhadoras

através de colóquios, atividades culturais, recreativas, desportivas, manifestações, etc. 92

Hoje o sindicalismo autónomo existe em muitos países como a Itália, por um lado parece ser boa ideia

defender esta independência mas a recusa da disciplina das uniões sindicais aumentam os conflitos com

situações imprevisíveis como acontece na Grécia com sindicatos anarquistas ou no caso português com a

greve na TAP um pouco antes de ser vendida em 2015. 93

Eram os individualistas económicos, ultra liberais, defensores da propriedade, do mercado e do livre

contrato (como Benjamin Tucker). Há também os individualistas de ação, uns violentos e ilegais,

assassinos e bombistas (tipo Ravachol, Casério ou Bonnot) e outros quase legalistas com formas de ação

própria direcionados para a paz, educação, objeção de consciência, natalidade consciente, etc. (Louis

Lecoin, Manuel Devaldès, Heugène Humbert). Depois também exista o anarquismo místico ou religioso

com muito pouca expressão, menos que o individualismo mas aparece algum fundo cristão no moralismo

mas em Portugal o combate era contra a Igreja, outras combinações doutrinarias, algumas originais e

surpreendentes são possíveis de encontrar in João Freire, Porto, [1992], p. 316-317. 94

Depois da I Guerra há um novo aumento. A maioria são sindicatos de ofício mas em localidades

pequenas podiam juntar várias profissões. 95

O anarquismo vai-se desenvolver no final do séc XIX através de Bakunine, Kroptkine, entre outros, o

primeiro coletivista e o segundo comunista eram os que tinham mais seguidores 96

Carlos da Fonseca, Para uma análise do movimento libertário e da sua história, Edições Antigona,

Lisboa, 1988, p. 34. 97

Foi o caso de Campos Lima mas outros como Neno Vasco e Aurélio Quintanilha mantiveram-se

neutrais.

Page 21: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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eleições mas isto era limitado, poucos votavam98

e dos mais de 700 grupos anarquistas

apenas três99

desenvolviam atividades especificamente anti eleitorais, tendo em conta

que a esmagadora maioria dos trabalhadores eram analfabetos e como tal estavam

arredados do direito de voto, mesmo que fossem chefes de família e maiores de idade,

dá para perceber que esta medida tinha um efeito muito reduzido.

Os socialistas exigiam a fixação legal do salário mínimo nos tabacos quando este

foi nacionalizado e isso surgiu na carta de lei de 22 de Maio de 1888 que determinava

que a fabricação de tabaco no continente do reino seja exclusivamente feita por conta do

Estado, sendo para isso expropriadas por utilidade pública as fábricas existentes (art.º

1.º).100

O socialismo tinha orientação do coletivismo como os alemães, o federalismo ou

o mutualismo, todos com a ideia da defesa dos trabalhadores. O anarquismo científico

de Proudhon não era bem recebido em comparação com o anarquismo de Bakounine ou

até mesmo o do tipo comunista defendido por Kropotkine. Não é que fossem novidade,

este ideal da igualdade aparecia já defendido em muitas religiões que para Gonçalves

eram meras utopias.101

Também Cristo pregou o amor, a humildade, o desprezo pelos

ricos, cuja doutrina foi levada pelos quatro cantos do mundo mas foi o império romano

quem primeiro o adotou e logo a tornou bastarda. A realidade foi a existência de Papas

superiores aos reis, no luxo, na ostentação, no poder e na força da vigilância das

perseguições jesuíticas.

A diferença é que o socialismo não promete recompensas no paraíso, as

promessas são as mesmas apesar de materialista, positivista e descrente, também

pregavam a igualdade, fraternidade mas o seu deus é apenas o egocentrismo.

A filantropia existia, pouca, mas existiam empregadores conscienciosos, não eram

todos iguais mas serviam como meros paliativos não resolviam a questão de fundo.102

98

Setúbal tinha 50 mil habitantes e votavam apenas 1000 dos quais menos de 700 eram para o PRP. 99

João Freire, Porto, [1992], p. 325. 100

Será levantada uma quantia até 7.2000:000$000 réis para pagamentos, capital fixo e circulante.

Indemnizações a que for obrigado emitindo para isso obrigações amortizáveis no máximo de cinquenta

anos (art. 1.º § 1.º). 101

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 208. 102

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 236.

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Quando a marcha da humanidade parece recuar é apenas para tomar balanço,

ganhar força numa luta que leva a um ideal. A evolução não é sempre consciente

acontece entre os que se adaptam e os que resistem como o fim das portagens trazidas

pela Revolução de 1820, mas no fundo já não existiam, o próprio tempo sobrepôs-se à

legislação, a evolução tratou de acabar com o que já naquele tempo era anacrónico, não

era necessário lei, e esta limitou-se a constatar o que já existia.

José Domingues dos Santos logo no seu 1º governo deu a várias capitais de

distrito os Tribunais de Desastres no Trabalho, criou regulação sobre o horário de

trabalho, bairros sociais a que deu particular importância e aumentou as verbas na área

laboral. José Domingues dos Santos um “republicano de 1916” como acusou Cunha

Leal que lutou por “Liberdade, Pão e instrução” e por isso foi acusado de ser o “Lenine

português”.103

Quando foi ministro do Trabalho e da Previdência Social, antecedido

pelo socialista Augusto Dias da Silva quando se continuou a legislar sobre o horário de

trabalho104

, 8h/dia e 48h /semana105

regulado pelo decreto n.º 6:112 de 23 de Setembro

1919. A oposição do patronato comercial e industrial foi grande já que as 10 ou12 horas

eram normais e agora como se não bastasse eram obrigados a indemnizar num ano de

vencimentos quem despedissem, daí que a 29 de outubro o deputado liberal Aboim

Inglês pede a suspensão do decreto das 8h mas apenas os liberais e um deputado

democrático votaram a favor, o processo era agora irreversível106

, democráticos,

socialistas e populares uniam-se contra o pedido107

, a contenda aumenta, dizia-se que

maior crise era a do parlamento mais que a do governo o que torna a governação mais

difícil108

e no sentido de apaziguar os ânimos José Domingues dos Santos aceitou que o

decreto tivesse uma vigência experimental de seis meses e depois poderia sofrer

modificações109

.

O governo de Domingos Leite Pereira tinha pouco apoio e com a greve da função

pública a 4 de Março que estava proibida pelo decreto-lei de 6 de Dezembro de 1910110

,

103

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 22. 104

Decreto n.º 5516 de 7 de Maio de 1919. 105

Excepto rurais e serviços domésticos, fossem eles de casa, hotéis e restaurantes. 106

Desde 1915 com a lei n.º 295 de 22 de Janeiro que os bancários, casas de cambio e escritório

usufruíam das 7h/dia. 107

A Capital, 29/10/1919, p. 1-2. 108

A Capital, 9/1/1920, p.1. 109

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 42-43. 110

Aqui as coligações eram consideradas crimes punidos pelo art.º 277º do Código Penal.

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se em relação aos ferroviários eram compreensivos não o foram com os empregados do

Estado a quem os incumpridores seriam despedidos.111

Faltava coerência ao governo

dizia A Capital112

.

A 9 de Abril de 1921 o governo de Bernardino Machado concedeu uma amnistia

muito polémica a favor dos monárquicos que atentaram contra a República. A

“camioneta fantasma” era a imoralidade da sociedade portuguesa. Alfredo da Silva,

financiava A Imprensa da Manhã e o padre Maximiliano de Lima foram os nomes

apontados como mandantes, pelo menos assim apurou Berta Maia, mulher de Carlos da

Maia, um dos assassinados.

Na sessão parlamentar de 24 de Fevereiro de 1922, referiam-se os inconvenientes

dos “guardas pretorianos”, da concentração numa força de todos os poderes. A GNR e o

exército não mandam, obedecem. Ao governo cabe orientar os destinos do pais e como

tal José Domingues dos Santos defendeu uma profunda remodelação da GNR113

e a 13

de Maio de Maio de 1922 no decreto n.º 8064, não só os efetivos foram reduzidos como

foram divididos pelas zonas rurais, foram retiradas as armas pesadas como

metralhadoras, ficando assim sem o poder de se opor ao Exercito, passando de 14300

para 9600 efetivos. Com o decreto n.º 4:179 de 29 de Abril de 1919 já tinham sido

aumentados.114

/115

A enorme inflação do pós-guerra era positiva para as divisas do Estado e para as

exportações mas prejudicava os assalariados. Mas as receitas não acompanham para

fazer face ao saldo negativo e aumentam a divida pública e duplica a emissão de moeda

o que implicou a inflação entre 1920 e 1924.116

111

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 48. 112

A Capital, 5/3/1920, p. 1. 113

Desde o tempo de Sidónio Pais eram oficiais monárquicos que dirigiam tanto a policia como a GNR e

tinham recebido armamento do exercito e aumentos salariais. 114

Já em 1914 com o decreto n.º 933 de 8 de Outubro aumenta os quadros do pessoal da policia cívica de

Lisboa por ser insuficiente em 3 chefes de esquadra 10 cabos e 260 guardas (art. 1.º) e criadas mais duas

escolas para a instrução de guardas. 115 Em Junho surge o decreto n.º 4:484 que permite o aumento de vencimento e em Julho o decreto n.º

4:614 concede um credito para reforço da GNR. Com o decreto n.º 5:568 de 10 de maio de 1919 em

virtude das frequentes revoltas, dava-se à GNR o poder e o reforço de homens e meios para rapidamente

interferir nesses acontecimentos mas em 1926 o decreto n.º 11:609 de 26 de Abril anunciava um nova

redução do número de praças da GNR de modo a adequar às circunstâncias e às despesas. 116

Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 116.

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24

Entre Dezembro de 1923 e Fevereiro de 1925 os governos são mais à esquerda117

mas o PRP derruba o governo para acalmar a reação dos patrões e industriais.118

Por

esta altura surgem movimentos e publicações que pronunciam os fascismos119

. O ano de

1924 foi o inicio dos ataques cerrados pelo PCP à CGT, é o fim da antiga camaradagem

nos artigos de A Batalha.

Em 1924 José Domingues dos Santos liberta os presos com mais de 8 dias sem

culpa formada por delitos políticos e sociais. O seu discurso teve uma realidade prática,

nada ali foi teórico e mexeu com os interesses da burguesia capitalista e fundiária,

principalmente com os decretos dos Ministérios das Finanças e Agricultura.

Enquanto ministro do Interior, publicou o decreto-lei n.º 10:401 de 22 de

Dezembro de 1924 depois corrigido e publicado, criava a “carteira de identidade” dos

profissionais de imprensa passada pelo sindicato e que foi uma importante vitoria

excepto os que não eram profissionais e que eram contra este monopólio120

. Em

Dezembro surge uma portaria para controlar os negócios de câmbio e apresentava ao

parlamento uma proposta para acabar com os monopólios do tabaco121

e dos fósforos122

.

A 17 de Janeiro de 1925 o decreto-lei n.º 10:474 estabeleceu que o Ministério das

Finanças autorizava a existência de instituições bancárias e tinham de realizar um

capital mínimo além de várias limitações e obrigações que teve tal oposição que

António Maria da Silva tentou travar mas José Domingues dos Santos afirmou que se a

117

Álvaro de Castro entre 24/12/1923 a 6/7/1924, Rodrigues Gaspar (6/7/1924 a 22/11/1924) e José

Domingues dos Santos (22/11/1924 a 15/2/1925). 118

já que tinha sido implementado o imposto progressivo sobre os rendimentos, tributação dos lucros da

guerra, actualização da contribuição predial, combate à especulação finaceira, controlo e câmbios,

fiscalização da atividade bancária, ensaio da reforma agrária no sul, tabelamentos dos bens de primeira

necessidade, lei do inquilinato, lei das 8h de trabalho, seguros sociais obrigatórios, legalização da CGT in

Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 117. 119

Partido Nacionalista, União Liberal de Cunha Leal, associações patronais, União de Interesses

Económicos, Cruzada Nuno Alvares, etc. 120

João Freire, Porto, [1992], p. 183. 121

O monopólio do tabaco já tinha terminado em 1864 por ser considerado um contrato subversivo que

era potenciador de corrupção, pagava interesses mas em 1890 o que parecia impossível acabou por

acontecer, voltou o monopólio entregue a privados por períodos de 20 anos, perante a passividade de uma

massa amorfa e acrítica já que mesmo sem monopólio nunca existiu concorrência ao contrário do que se

esperava, num país pequeno e pobre este parecia ser o seu destino natural já que a indústria tabaqueira

sempre esteve ligada ao regime e por ela caíram governos e renovaram-se ministérios que provocavam

acesas e insultuosas discussões no parlamento. 122 Decreto de 3 de Abril de 1911 proibia a importação de acendedores portáteis que se destinavam a

substituir os fósforos. O decreto de 14 de Dezembro de 1912 determina que os acendedores portáteis que

forem destruídos sejam inutilizados pelo fogo e seja levantado um auto perante três testemunhas (art. 1.º).

E que a Companhia Portuguesa dos Fósforos pague para cada um 30 centavos (art. 2.º).

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moção não fosse rejeitada se demitia. A margem foi curta123

mas Domingues dos Santos

venceu.

Foi também em Janeiro entregue uma proposta de lei que previa expropriações,

vendas ou arrendamentos de terras. Aproveitamento de baldios124

/125

, alteração predial

rústica e fomento florestal, proposta que fomentou aceso debate. A 27 de Dezembro

surge um decreto-lei que legaliza os sindicatos e associações de classe e permite que se

criem legalmente federações ou uniões. A CGT passava assim a ser legal. A 2 de

Janeiro o regime soviético é reconhecido.

Logo a 6 de Fevereiro de 1925 surgem manifestações de apoio ao governo e neles

estão socialistas, comunistas e anarco-sindicalistas, ou seja, aqueles que se sentiam

explorados que no dizer de José Domingos dos Santos, “pelo alto comercio e pela alta

finança”.126

Apesar das grandes manifestações de apoio, o parlamento respondia em

sinal contrário, Cunha Leal atacou ferozmente Domingos dos Santos, a queda do

governo era inevitável.

A 20 de Junho de 1924 José Domingues dos Santos apresenta propostas para

repor o texto original da Lei de Separação do Estado das Igrejas mas se a luta contra a

Igreja já não tinha acabado pelo menos já tinha decaído muito, levando António Maria

da Silva a afirmar que a questão religiosa já não existia127

/128

.

A pasta do ministério da Justiça foi bem aproveitada por José Domingues dos

Santos, ganhando popularidade no meio laico. Insistia na expropriação das terras

incultas, usar as grandes fortunas para equilibrar as contas do Estado, melhorar a

assistência social aos trabalhadores, criar um banco estatal.129

/130

123

56 votos contra 51. 124

Em virtude da crise era reconhecido no decreto n.º 9:843 de 20 de Junho de 1924 que para um maior

aproveitamento de uma extensa área agrícola, o Estado devia auxiliar o incentivo aos agricultores

nomeadamente dispensar o logradouro aproveitar por habitantes de maior idade que tenham fruído e

assim e declaram aos cargos administrativos que regulam o modo fruição desses baldios (art. 1.º). 125

A 5 de Julho de 1924 o decreto n.º 9:844 no art. 1.º incumbe a Junta de Fomento Agrícola de promover

e orientar o aproveitamento dos terrenos incultos e de charneca susceptíveis de cultura arvense ou

florestal que não tenham sido cultivados ou arroteados nos últimos sete anos. 126

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 96. 127

Luís F. Rodrigues, Lisboa, 2010, p. 288, 290. 128

Ainda em 1921 a portaria n.º 2:701 de 12 de Abril obrigava que todas as pessoas pertencentes a

quaisquer ordens regulares e autorizados pelo art. 6.º do decreto de 8 de Outubro de 1919 a residir em

Portugal deviam indicar o local do seu domicílio e a participar a mudança. 129

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 128. 130 José Domingues dos Santos era o político mais popular da República, era o chefe da esquerda

democrática, “os canhotos”, enquanto a ala direita, “os bonzos” eram representados por António Maria da

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Contra estes últimos governos da Republica estavam os latifundiários, as

industrias131

dos tabacos, fósforos e panificação mas para Domingues dos Santos o

essencial era “Liberdade, Pão e Educação”.132

Os jornais atacavam e insultavam o ministro com falsas acusações de bolchevista

por reatar as relações com a Rússia e pelos projetos de reforma agrária mas nada o

acusavam de corrupto ou qualquer ato pouco digno, era reconhecidamente um político

honesto.

António Maria da Silva apoiava a liberdade de comércio de tabaco e não estava só

para acabar com este monopólio, aumentou a confusão e como escreveu A Capital133

“foi o inicio da desordem”. Na sessão de 28 de Abril, os ânimos exaltaram-se e José

Domingues perante as injúrias perdeu a compostura e entrou numa cena de pugilato

com outro deputado134

. As cenas de berraria repetiram-se nos dias seguintes e no dia 30

de Abril acabava finalmente e oficialmente o monopólio dos tabacos135

mas não acabou

o conflito com governo, pelo contrário, aumentou.136

A instabilidade aumenta no Exercito, sente-se uma iminente intervenção mas

outras já tinham existido e sempre falharam137

mas agora muitos oficiais conspiravam e

em pouco tempo teriam o apoio de gradas figuras, principalmente em Lisboa,

nomeadamente de Mendes Cabeçadas uns defendiam uma reforma política e outros

muito autoritários. As intenções de Mendes Cabeçadas eram diferentes das de Gomes da

Costa, mas foi este último que chefiou o movimento do 28 de Maio. A resistência foi

fraca, a passividade geral originou uma entrada em triunfo na capital a 6 de Junho onde

o governo de António Maria da Silva cai por falta de gente convicta em o defender.

Silva. Em 1925 já o Partido Socialista com pouco prestígio concorreu em Lisboa e Porto coligado, e em

Faro, Tomar, Torres Vedras. 131

Muitas indústrias essenciais estavam na mão ou eram controladas ao nível da gestão por estrangeiros

era o exemplo dos transportes, telefones, eletricidade. 132

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 141. 133

2 de Março de 1926, p. 1. 134

O democrático Alfredo de Sousa. 135

Na portaria n.º 4:628 promove-se a administração a administração provisória da indústria dos tabacos. 136

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 157. 137

A 18 de Abril e 19 de Julho de 1925 e no inicio de Fevereiro de 1926.

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Em 1946, José Domingues dos Santos exortava à ação e à mudança, reafirmando

os valores da democracia e para isso defendia a nacionalização dos bancos e a

supervisão do Estado nas atividades financeiras. Nacionalização das empresas de

serviços públicos como os transportes, energia eléctrica, moagem, tabacos, fósforos,

etc.138

O decreto n.º 3:806 de 22 de Fevereiro de 1918 permite que os fieis de qualquer

confissão religiosa se organizassem e fossem independentes do Estado mas não se deve

abandonar os mais fracos, crianças e outros espíritos débeis ao fanatismos religioso

porque isso “é abandonar aos caprichos da reação as liberdades que uma democracia

mais obrigação tem de defender, a liberdade dos mais fracos. O decreto n.º 3856 referia

que ao facilitar a “criação de seminários de instrução secundária, abriu a porta para a

mais perniciosa escravatura de consciências139

.

Ação legislativa de José Domingues dos Santos140

foi responsável por uma

profusa ação legislativa na área do trabalho e do operariado, criando decretos e portarias

tendentes a melhorar a área do emprego e das condições laborais mas também de forma

a apaziguar o clima de radicalismo.141

138 Protegeu a pequena indústria e o comércio através do crédito. Reforma agrária, municipalização dos

latifúndios, uso dos baldios e dos incultos pelos trabalhadores com ajuda do Estado. Defendeu o auxílio

às cooperativas agrícolas, adubos, novos contratos. Ensino laico e gratuito por todo o país. Construção de

novas escolas e apoio aos estudantes pobres. Luta contra tuberculose, sífilis, lepra, alcoolismo, etc.

Maternidades, balneários, desporto. Legislação social tal como era antes do 28 de Maio. Salário mínimo.

Proteção ao trabalho feminino e juvenil. A 3 de Fevereiro participa no Porto na tentativa de derrube do

governo. Como ministro da Justiça a 18 de Dezembro de 1923 a 6 de Julho de 1924 autoriza a demolição

de capelas. Manda desafectar do culto e entrega à Comissão Central de Execução da Lei da Separação,

capelas e ermidas, bem como os seus de culto. Desafeta do direito de habitação algumas residências

paroquiais aos respetivos párocos pensionistas. Cede edifícios da Igreja de ordens extintas para o culto

público católico a Irmandades (portaria n.º 3:886 de 26 de Janeiro de 1924 e n.º 4:085 de 11 de Junho de

1924). Retira definitivamente do culto várias capelas e igrejas. Autoriza comissões de fiéis a proceder a

obras de reconstrução e reparação de igrejas e edifícios adjacentes. 139

António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da

Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 288. 140

Foi ministro do trabalho de 28/6/1919 a 21/1/1920, 30/11/1920 a 2/3/1921, 2/3/1921 a 24/4/1921. 141 Envia projeto de lei para conceder amnistia para alguns crimes (23 de Março de 1925). Critica o

aumento do preço dos fósforos, os que defendem os interesses das companhias fosforeiras e que não

defendem as condições de trabalho nesse setor. Cria mais de 7 tribunais do trabalho (Coimbra, Viseu,

Aveiro, Bragança, Leiria, Ponta Delgada, Portalegre). Concede mais de 20 subsídios a Câmaras

Municipais, junta de freguesia, concede subsídios de modo a atenuar a crise do trabalho e cria empregos.

Cria mais bibliotecas e bolsas de trabalho (portaria 2683 de 26 de Março de 1921). Aumenta vencimentos

em vários sectores e reforça verbas para muitos pensionistas e deficientes tentando atenuar a crise do

trabalho (decreto n.º 6370 de 20 de Janeiro de 1920. Cria portarias que autorizam mais de 113 asilos,

irmandades, misericórdias, confrarias, albergues, afim de receberem legados, doações, donativos, a

levantar capitais para obras sociais, contrair empréstimos. Autoriza cerca de 50 companhias de seguros,

bancos a explorar vários ramos de seguros e emitir novas apólices.

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4 - As lutas operárias e a resposta do governo

Em relação à reclamação por parte dos socialistas da importância da criação de

um ministério do trabalho, Ulrich dizia não “ir tão longe” mas reconhecia a necessidade

de criar órgãos específicos que ajudassem no melhoramento da indústria através de

maior informação.142

A maioria era o proletariado não fabril e em grande parte do país dominava ainda

a Igreja, os “patrões” e os caciques locais. Este sistema caciqueiro era, como dizia M.

Azevedo Gomes, uma maravilhosa máquina de fazer deputados143

. À medida que o país

se foi industrializando e complexificando surgem novas clientelas, interesses e

oportunidades de corrupção. Os valores vão sendo alterados, cedem perante as

transformações sociais. O capitalismo da I República era feito de clientelas que viviam

para o Estado e este não conseguiu criar laços de solidariedade, o autoritarismo estava

ainda muito enraizado a experiência democrática era reduzida. A juntar a tudo isto o

método fácil do arrependimento e absolvição dos pecados dados pelos católicos que

criavam também um ambiente de tolerância social.

O papel da maçonaria no patrocínio politico devido mais à obrigação de

obediência que ao sentido de dever. Foi visível nos presidentes da república, apenas

dois não eram da Maçonaria144

, era um factor de seleção e não um mérito profissional.

O domínio no país destas sociedades secretas em tudo o que foram atos governativos,

desde a escolha das cores da bandeira, deposição de antigos funcionários e imposição de

outros foi completamente incontestável.

As agremiações operárias não eram só os sindicatos, também eram as sociedades

recreativas145

, culturais, musicais, desportivas, cooperativas e socorros mútuos146

. Ainda

hoje muitas destas sociedades continuam a existir e prestam um importante contributo

às comunidades locais. As filarmónicas percorriam as ruas a tocar A Internacional e o

Hino do 1º de Maio. As peças de teatro para adultos e até os de fantoches estavam

142

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 101. 143

M. de Azevedo Gomes, 1972, p.83-89. 144

Manuel Teixeira Gomes não era maçónico mas tinha sido carbonário. 145

Foram algumas destas filarmónicas que no início do Estado Novo se recusaram a acompanhar as

visitas de Salazar e Carmona ao Barreiro e como resultado foram pura e simplesmente dissolvidas in

Raquel Varela, Ricardo Noronha, Joana Dias Pereira (coord.) Greves e conflitos sociais em Portugal no

século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 82. 146

Tinham escolas, faziam teatro, festas, passeios de convivio, editavam livros, jornais e revistas.

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politizados. As instituições de caridade asilos e misericórdias passam a ser de

solidariedade, previdência, alfabetização, saúde, cultura, etc. Representavam a

emancipação dos trabalhadores.147

Setúbal é o exemplo da grande adesão de trabalhadores às lutas das corticeiras,

ferroviárias e pescas. Também no Barreiro se juntaram contra a CUF de Alfredo da

Silva que despediu trabalhadores por criarem uma associações de classe na sua indústria

mas não era o único, outros afirmaram claramente que não empregavam operários

filiados nas associações de classe (foi o caso da Ferdinand Garrec & C.ª em Junho de

1912).148

Alfredo da Silva149

foi um caso único no nosso panorama, não discutia com os

operários as suas revindicações, não vergava, prometia e não cumpria, a não ser a

ameaças150

, apesar do paternalismo e das condições sociais das suas empresas serem a

melhores do pais, a CUF é palco de prisões, cargas da GNR (cujo posto era dentro das

instalações) e compram-se traidores (os “amarelos”), o ódio crescia e era

generalizado151

.

Os republicanos tinham prometido a legalização da greve e com o 5 de Outubro as

greves e manifestações não paravam a contestação, pelo contrário ela aumentou com a

sua legalização e com o aumento da consciencialização do movimento operário. No

147

Joana Dias Pereira, As comunidades industriais no alvorecer do associativismo operário português in

VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e conflitos sociais em

Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 79. 148

Joana Dias Pereira, As comunidades industriais no alvorecer do associativismo operário português in

VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e conflitos sociais em

Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 81. 149

Alfredo da Silva ofereceu a António Maria da Silva a compra do Diário de Noticias para que ele

tivesse a sua própria tribuna o que na época era essencial ao desempenho político, já que era fácil os

outros jornais difamarem. Os baixos salários foram essenciais para a prosperidade da CUF mas nem

sempre fizeram a vontade a Alfredo da Silva, apesar de beneficiar de regimes especiais e proteção aos

produtos da CUF que tinha uma boa política social mas o posto da GNR era dentro da CUF. Perante as

greves surgidas desde a sua fundação em 1908 a resposta era o despedimento, mandava prender

sindicalistas, chegou a fechar a empresa sem pagar salários e pela fome acabou por fazer quebrar os

operários.

O protecionismo dado à agricultura beneficiou a produção de adubos é o caso da CUF no Barreiro sob o

impulso de Alfredo da Silva desde 1908 foi um dos mais importantes complexos industriais da Península

Ibérica. 150

Expulsou os 500 grevistas das casas operárias e não os readmite in Maria Filomena Mónica, 1982, p.

1259. 151

Escrevia-se n’A Batalha: “…é um alambique de venenos esverdinhados. Pode comparar-se a um

polvo, mas com tentáculos a dobrar. Domina, abarca, suga.” in A Batalha citado por Maria Filomena

Mónica, 1982, p. 1260.

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entanto esta legalização no decreto de 6 de Dezembro de 1910152

, ainda no governo

provisório, estava acompanhada pela sua legalização do lock-out153

e de outras medidas

que limitavam a greve154

e como forma de contestação contaram-se mais de duas

centenas de greves155

logo no primeiro ano de governo republicano, principalmente na

agricultura, pescas, conservas, transportes, energia, panificação, etc. O que mostra que

ao “decreto burla” foi dado o mais completo desprezo, faziam-se greves sempre que

necessário mas às vezes não eram unânimes e existiam retaliações contra os fura greves

mas existia solidariedade pelos outros sindicatos que enviavam fundos aos grevistas que

seriam distribuídos como subsídios156

.

Os operários da Carris reivindicavam aquilo que era afinal as promessas dos

republicanos, como a igualdade de salários, oito horas de trabalho e juntaram nas

revindicações, muitas delas violentas como resposta à opressão dos governos de que

resultaram prisões e deportações que provocaram o rápido afastamento do movimento

sindical dos governos republicanos.157

/158

152

Art. 1.º era garantido aos operários como aos patrões o direito de se coligarem para cessação

simultânea do trabalho.

Art. 2.º os que tentarem formar, manter ou impedir as coligações operarias ou patronais usando a

violência ou ameaças como forma de coação para diminuir a liberdade “serão punidos com prisão

correcional até seis meses e multa correspondente.”

Art. 3.º quem perturbar a ordem pública ou não respeitar os regulamentos policiais para imporem

aceitação ou desistência de uma coligação organizada incorrem em pena de prisão correcional ate três

meses.

Art. 4.º as coligações patronais e operarias para cessação do trabalho em serviços de interesse publica

serão anunciadas com antecipação de: 12 dias para a luz, água e géneros de primeira necessidade assim

como serviços onde existem enfermos e asilados. E oito dias de antecipação quando resultar a suspensão

do transporte ferroviário, terrestre, fluvial e marítimo. 153

Brito Camacho, ministro do Fomento, usou a lei espanhola que parecia servir também o interesse do

patronato, o pré-aviso da greve devia ser de 12 dias para atividades e géneros de primeira necessidade. E

8 dias nos transportes terrestres, o que revelava prudência, não entendida assim pelos sindicais. Era um

exemplo do tratamento semelhante dado a patrões e a trabalhadores a quem era dado o direito simultânea

da cessação do trabalho. 154

Na monarquia a greve era um crime mas com a República os funcionários de Estado também não o

podiam fazer. 155

Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-

1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos

sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 90. 156

João Freira, Porto, [1992], p. 146. 157

Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-

1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos

sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 90. 158 A 22 de Maio de 1917, no Porto, são mortas 22 pessoas e em Lisboa a 12 de Julho é decretado o

estado de sítio que acontece novamente em 1919 pelo decreto n.º 5:110 de 19 de janeiro que declara o

estado de sítio em todo o território do continente da República com a suspensão total das garantias

constitucionais, durante trinta dias, para o completo restabelecimento da ordem.

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Afonso Costa159

tinha um temperamento de déspota, aquilo que exerceu foi uma

ditadura e quem o disse foram os mais insuspeitos como João Chagas, Carlos Malheiro

Dias, Francisco Rocha Martins, Fernando Pessoa e Raúl Proença.160

Fernando Pessoa

disse que tinha um ar “patibular”, era “jesuíta vermelho”, “destemperada besta”, “não

merece a consideração devida a qualquer membro da humanidade”, “pobre idiota”,

“escroque-nato”.161

Mas a indústria não se moderniza, não se inverte na formação do operariado e a

crise financeira torna a situação mais gravosa, a alta de preços não facilita, eram

necessárias reformas políticas e económicas mas a escolha foi a das perseguições,

deportações e julgamentos sumários. A oposição do patronato às revindicações

provocou uma forte reação popular, principalmente quando ao nível legislativo não se

viam as alterações desejadas. A miséria, o desemprego e o desespero potenciaram as

reações, com sabotagens de carris dos caminho-de-ferros com bombas ou destruição das

linhas. Foi aí que sob o Governo do coronel Sá Cardoso, era ministro do trabalho José

Domingues dos Santos quando de forma muito repressiva para combater as greves dos

ferroviários, o ministro da Guerra, coronel Hélder Ribeiro ordenou que na dianteira da

locomotiva estivesse um vagão aberto (um jota) com sindicalistas agrilhoados

guardados por guardas para evitar a sabotagem da linha e os maquinistas eram

contratados. Este tomou o nome de “vagão fantasma” e na verdade os atentados à linha

diminuíram.

A cidade de Setúbal tinha lutado pela República, as esperanças e as promessas

enquanto oposição estavam agora longe de ser cumpridas, era a traição, até porque

sendo estes novos governantes burgueses, aliaram-se ao patronato e não existiram

grandes mudanças de fundo. O PRP (Partido Democrático) em 1915 era pertença de

uma minoria burguesa, urbana e arrogante162

que tudo faria mesmo ilícito para se

segurarem no poder e dominar a politica e a administração. O povo estava farto da

miséria, grande parte eram jovens habituados à vida difícil e isso replica-se nas

manifestações mas a GNR e o Exercito continham o descalabro com a repressão que vai

159

A sua imodéstia estava até na escolha do seu nome maçónico, “Platão”. 160

João Medina, 1997, p. 158. 161

João Medina, 1997, p. 161. 162

Dizia Afonso Costa: “Deixemo-nos de hipocrisias. Já não podemos viver de fições. No séc. XX a

República é democrático ou não é. Não se fez para nela colaborarem todos os inimigos de ontem, todas as

castas, todas as seitas. A República fez-se com luta do povo contra os seus escravizadores, contra uma

classe que detinha o poder e não pode portanto chama-los a colaborar com ela. Esta República […]

fizeram-no os pobres, os rotos, os humildes e para eles é que ela tem que ser principalmente” O Mundo,

18 de Setembro de 1911.

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ser o substrato fértil para os ideais do sindicalismo revolucionário. Atirava-se

indiscriminadamente sobre a população indefesa e enviavam-se para os porões dos

navios os dirigentes sindicais como nunca se vira na monarquia.

Ramada Curto encontrou justiça na repressão, prisão, indiscriminada, julgamento

dos dirigentes, encerramentos da casa sindical, etc., dizendo que as revindicações eram

excessivas e que comprometiam a República.163

No cortejo de homenagem a Camões no dia 10 de Junho, também estavam

anarquistas mas foi atacado à bomba, houve vários feridos e um simples vendedor de

legumes de 17 anos foi morto. O Governo aproveita e acusa os sindicatos, invade e

fecha a 2ª Casa Sindical e a Terra Livre é suspensa. São presos e deportados dirigentes o

que afeta gravemente o movimento164

.

O decreto com força de lei de 10 de Outubro de 1910 procedeu à revogação das

leis de 13 de Fevereiro de 1896, 21 de Abril de 1892 e de 3 de Abril de 1896, cujos

indivíduos podiam ser submetidos a “juízos criminais excepcionais”. Eram as “Leis

Celeradas” como ficaram conhecidas as leis de João Franco165

contra os anarquistas que

acabaram por enviar para locais tão longínquos como Timor, não só anarquistas mas

também socialistas166

. Chegou mesmo a existir em 1904 um acordo secreto entre vários

países para vigiar anarquistas, só o governo francês tinha cerca de 2000 fichas de

anarquistas, sindicalistas e socialistas.167

Os dirigentes sindicais não são chamados a partilhar o governo nos municípios, os

regedores, até na administração de organismos públicos estão apenas os governantes e

os antigos monárquicos, daí que em 1926 não serão perdoados das promessas não

cumpridas, as frustrações eram muitas e o sentimento de traição era grande. Aqui foi a

continuidade de um regime para outro.

163

Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.

81. 164

Foi aproveitado pela Federação Operaria de Lisboa que em Janeiro de 1914 convoca um congresso

nacional in Manuel Joaquim Sousa, Porto, 4ª ed, 1974, p. 96. 165

Dizia João Franco nas suas Cartas d’El-Rei, que D. Carlos lhe tinha pedido que os presos políticos

fossem bem tratados já que “eram criminosos de pensamento e de ocasião.” In João Franco Castello-

Branco, 1924, p. 24. 166

Em 1911 surge uma queixa crime contra João Franco mas a Relação de Lisboa arquiva porque tinha

governado pelo quadro jurídico Constitucional da época. 167

Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o

Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 351.

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O decreto com força de lei de 8 de outubro de 1910 sobre a extinção congregações

religiosas foi um corte com o passado. A 31 de dezembro, foi regulada a posse pelo

Estado dos bens dessas congregações e o processo para reclamação desses bens168

. Mas

a lei do registo civil foi a que provocou um maior choque já que no final da lei dizia que

alem de ser obrigatória tinha precedência em relação à cerimónia religiosa. É este o pico

dos protestos e a Lei da Separação até vai limar algumas arestas. Proíbem-se os cortejos

fúnebres com símbolos religiosos em espaço público. A ideia que se espalha na

população é a de quererem fechar as igrejas e acabar com a religião no entanto não são

poucos os padres que defendem a República169

.

Impõem-se o fim dos hábitos talares170

, de procissões na via pública, feriados

civis, os sinos das igrejas deixaram de tocar em muitos locais principalmente urbanos, o

ensino é laico e obrigatório, assim como registo civil, enfermeiras também civis, lei do

divórcio, etc. Ao contrário do que se possa pensar isto não implicou maior tolerância e

justiça, o exemplo vai ser a relação com os operários.

O casamento era perpétuo e indissolúvel171

, o divórcio era uma das principais

revindicações da Liga República das Mulheres Portugueses conseguido a 25 de

dezembro de 1910172

.

O sufrágio em 1910 era masculino em quase todo o mundo, fica o caso de

Carolina Beatriz Ângelo173

mas teve de ir a tribunal para a recusa do Ministério de

António José de Almeida, foi o juiz João Baptista de Castro, pai de Ana Castro Osório,

168

A 15 de Abril de 1920 o art. 1.º do decreto de n.º 7:447 refere que as propriedades e valores sob

administração da Comissão jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas será apurado o

saldo líquido e a importância convertida em fundos públicos e a 17 de Fevereiro, a portaria n.º 3:092

regula a forma de atribuir e entregar às corporações encarregadas do culto público, os bens do Estado

arrolados e afetos ao culto. 169

Refira-se aqui o Padre Pires Laje em 1916 que no jornal O Rebate de Viseu defende acerrimamente a

República e a entrada de Portugal na guerra tal como os Evolucionistas e Padre Giesteira de Braga que

em 1919 reclama contra o arcebispo por estar contra a República. 170

Dizia-se que os hábitos talares praticamente não existiam a não ser ultimamente como reação clerical

contra os que defendiam a Republica mas como mudança de atitude aconselhavam “a todos os bons

portugueses, deixem os hábitos talares de ser considerados como uniforme de guerra, e possam

novamente ser permitidos por lei, sem inconvenientes de ordem pública e segurança individual” in Diário

do Governo n.º 153 de 3 de Julho, suplemento de 1911 (Instruções de 1 de julho). 171 Casamento como contrato puramente civil (art. 2.º), perante o respetivo oficial do registo civil (art.

3.º), os menores de dezoito anos do sexo masculino e dezasseis anos sendo do feminino não podiam

contrair matrimónio ou os 21 anos de idade se não estivessem emancipados ou sem autorização dos pais

(art. 5.º). Também eram referidos os interditos por demência (art. 4.º) e a proteção dos filhos. O

igualitarismo no casamento estava no entanto muito longe de ser conseguido. 172

Revoga-se o art.º 1185 do Código Civil (decreto lei n.º 1 de 25 de Dezembro de 1910) e equiparam-se

os cônjuges em liberdade e igualdade. Para efeitos de separação de pessoas e bens, o adultério é igual

(decreto-lei de 3 de Setembro de 1910, n.º 1º e 2º do art.º 4º). No entanto os direitos políticos como o

direito de voto continuavam vetados ou proibidos. 173

Era viúva, mãe e médica, logo correspondia às exigências.

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já que pelo decreto de 5 de Abril de 1911 eram eleitores, todos os portugueses maiores

de 21 anos com residência em território nacional que fossem chefes de família e que

soubessem ler e escrever. Era uma clara diminuição do direito eleitoral em relação à

monarquia mas o decreto de 28 de Março de 1895 que tinha sido inspirado no

pensamento liberal das leis de 23 de Novembro de 1859 e de 8 de maio de 1878 fixou

indicadores da capacidade eleitoral facultando o direito de sufrágio a uma grande massa

de cidadãos, todos os que sabem ler e escrever cuja doutrina foi sancionada pela lei de

21 de Maio de 1896 e mantido pela lei de 26 de Julho de 1899 era um arrependimento,

havia que fazer reparos sobre os inconvenientes de tão larga generalização do direito de

votar que voltou a ser reduzido com a República.

A monarquia em 1895 e 1901 perante o avanço republicano alterou a lei eleitoral

porque entre 1878 e 1895 foi perniciosa para a monarquia, os operários eram um grupo

coeso e com força urbana reivindicativa difícil de controlar e como os país estava

atrasado, a “ignóbil porcaria”, como chamaram os republicanos à lei de Hintze Ribeiro

em 1895 e pela lei de 14 de março de 1901, passam a existir círculos plurinominais

onde procurava diluir-se os votos urbanos (republicanos) com os votos rurais

(monárquicos), o circulo de Lisboa ia até Alenquer ou Torres Vedras, subvertendo o

sufrágio universal mas a verdade é que depois os extintos na República a situação

continuou a ser restritiva e o voto esteve muito longe de ser universal. Em 1913 também

os analfabetos vão ser excluídos do voto, apesar das promessas mas também as

mulheres, os negros e acabam por se manter os círculos plurinominais.174

Os operários foram desde cedo marginalizados o que fez com que tomassem a

consciência de que eram um grupo excluído. Para os anarquistas as eleições só serviam

para os exploradores, desprezavam as leis por consideram injustas, muitas leis

decretadas com pompa e circunstancia nunca foram cumpridas e na verdade muitas das

maiores conquistas melhor sucedidas foram feitas para alterar as leis.

Afonso Costa reconhecia que a lei de 8 de Maio de 1878 dava o direito de voto a

todos os chefes de família que não fossem analfabetos era bastante mais ampla.175

O

art.º 7º e 15º falava em democracia representativa mas o sufrágio não é universal exclui-

174

Em Lisboa o numero de recenseados em 1913 é metade dos de 1890 ma vai aumentando

consideravelmente de 34 mil em 1890 para cerca de 500 mil em 1925 (com Sidónio Pais chegaram aos

900 mil) mas isto não se reflete no numero de votantes onde a maioria dos lisboetas continuavam

alheados in Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1275. 175

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 20.

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se as mulheres por serem facilmente influenciáveis pela Igreja e os analfabetos que

Afonso Costa achava que não podiam votar conscientemente176

.

O “adesivos” foram uma das razões do desgaste dos governos e da dificuldade em

fazer mudanças gerais no regime, já que nos lugares que podiam propiciar o

desenvolvimento económico estavam na mesma elite burguesa.177

São mais

significativos ao nível das câmaras municipais fora das cidades porque nos centros

urbanos existiram grandes mudanças onde se substituíram quadros qualificados por

pessoas com pouca competência que não conseguiram fazer frente às corporações

profissionais mais favorecidas que continuavam na sua essência monárquicos como foi

o caso dos magistrados, diplomatas e docentes universitários. A velha ordem

aristocrática e religiosa apenas foi substituída nos privilégios, a burguesia dominante

continuou a dirigir a política económica em seu proveito, era ela que dominava as

finanças públicas que serviam os interesses com base na exploração da mão de obra

barata e no trabalho de sol a sol na agricultura que existiu até aos anos 50 do séc. XX.

As remessas dos emigrantes adiavam o descalabro.

5 - O direito Operário. Alteração do mundo laboral na transição para a República

Existiam os tribunais para julgar conflitos entre operários e patrões e os tribunais

para julgar conflitos coletivos. Os primeiros que emergem do próprio contrato de

trabalho são compostos em igual número por patrões ou operários, presidido por eles ou

por árbitro, magistrado ou notável que não pertença a nenhum dos lados.

Em 1886 o ministro das Obras Publicas, o conselheiro Thomaz Ribeiro,

apresentou um projeto lei em 31 de maio para a criação de tribunais de árbitros

avindores nos centros industriais que o requeressem.178

Os seus sucessores (conselheiros Emigdio Navarro e Eduardo José Coelho)

renovaram o projeto e convertido em lei por decreto de 14 de agosto de 1889 cuja

comissão formulou os regulamentos aprovados por decreto de 19 março de 1891. Para

os manipuladores de tabaco houve uma comissão diferente pelo art.º 14.º da lei de 23

março de 1891.

176

Paulo Ferreira da Cunha, 2006, p. 358. 177

O Thalassa, periódico monárquico, de 15 de Maio de 1913 pedia aos leitores que enviassem nomes de

comprovados adesivos para serem publicados in Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República.

Um regime entre a legalidade e a Excepção, 1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 96. 178

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 151.

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Para Neno Vasco179

a arbitragem180

era feita por burgueses com interesses nas

soluções que opunham aos proletários. A lei dava igual número de árbitros aos

operários e ao patronato mas o Estado de forma ardilosa e cínica considerava-se neutral

representante de todos e impunha-se um árbitro de desempate definitivo.181

A

resistência era por isso essencial e o sindicato a melhor forma, mesmo havendo outras

formas de luta era desta que todos dependiam.

Estes tribunais foram criados pela lei de 14 de Agosto de1889 e regulados pelos

decretos de 19 de Março de 1891 que tratam da constituição destes tribunais de árbitros

avindores para litígios laborais entre “patrões” e os seus trabalhadores para receberem

reclamações182

contra os excessos do patronato, procurarem maior equidade e levantar

autos se for caso disso. O decreto de 14 de Abril de 1891 trata do procedimento dos

recursos para o Supremo Tribunal Administrativo. Estes tribunais tinham de ser

requeridos ao governo pelos centros industriais ou pelas corporações administrativas183

.

Surge assim este tribunal em Lisboa184

, Coimbra185

, Covilhã186

, Porto187

, Lourenço

Marques188

, Setúbal189

, etc.

O art.º 4.º do decreto de 19 de Março de 1891 não distingue entre operários do

sexo masculino e feminino, no entanto e como refere Adolfo Lima, perante ”o habitual

conservadorismo, senão o reacionarismo, do legislador português, que tresanda em

todos os documentos legislativos, não foi essa a sua intenção.190

O decreto de 21 de Junho de 1883 e o de 30 de Junho de 1884 sobre máquinas e

mais especificamente o decreto de 14 de Abril de 1891 (art. 14.º a 20.º e 27.º a 32.º ) e o

regulamento de 16 Março 1893 (art. 4.º a 10.º). Deste decreto o art.º 15.º e 17.º referia

que os menores devem ser vacinados e revacinados de 7 em 7 anos, fica proibida a

179

Gregório Nazianzeno de Vasconcelos. 180

A arbitragem é um processo de decisão por terceiros a realidade como afirma Monteiro Fernandes a

mediação e a arbitragem são objetos para expor numa vitrina e contemplar, “contam-se pelos dedos das

mãos as arbitragens feitas desde 1974” in António Monteiro Fernandes, Coimbra, p. 54. 181

Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 128, 129. 182

Como acontece com muita legislação, é exaustiva até porque não existiam diplomas substantivos para

remeter, assim podiam receber reclamações sobre, salários, preços, mão de obra, horário, qualidade do

trabalho, abandono do local de trabalho, despedimentos, etc. 183

Art. 1.º da lei de 14 de Abril de 1889. 184

Decreto de 18 de Março de 1893. 185

Decreto de 22 de Julho de 1905. 186

Decreto de 2 de Setembro de 1905. 187

Decreto de 18 de Abril de 1907. 188

Decreto de 25 de Abril de 1907. 189

Decreto de 2 de Novembro de 1907. 190

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 249.

Page 37: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

37

manipulação de materiais explosivos, corrosivos, manipulação de substâncias que

produzam poeira, lubrificação, limpeza ou reparação de peças das máquinas em

movimento, esforço físico excessivo, violento, constantes e perigosos.191

Se o acidente provocar incapacidade trabalhar por mais de 2 dias, no prazo de 24h

o proprietário ou gerente deve participar ao administrador do concelho e ao respeitar,

assim como o ministério público deve também participar ao inspetor no mesmo

prazo192

.

Quando o inspetor verificar que existe alguma situação que possa dar origem a

uma situação perigosa para os operários deve intimar por escrito o responsável193

. Seja

foco de infeção, de insalubridade, ou práticas contrárias à saúde pública ou à moral

deverá de imediato e por escrito fazer-se acompanhar pelo delegado ou subdelegado de

saúde pública ou médico194

. Os inspetores têm por obrigação fazer uma visita anual

ordinária e os extraordinários que sejam necessários devem se justificar levantar autor e

contravenção195

.

Os decretos de 19 de Agosto de 1880, de 19 Abril de 1884 e o de 2 de Maio de

1883, são sobre as fábricas e depósitos de pólvora e de dinamite e determinam como se

deve tomar as precauções para evitar acidentes.

O decreto de 24 de Dezembro de 1902 é também sobre explosivos mas mais

pormenorizado e extenso e determina que é à autoridade administrativa que deve ser

participado os sinistros e à Direção Geral do Serviço de Artilharia poderá ordenar uma

vistoria196

.197

191

Pelo n.º 2 do art.º 17.º do decreto, existe uma lista anexa ao regulamento de 1893 onde o trabalho de

menores é proibido ou possível com limitações (art. 4.º do regulamento, a tabela n.º 1 com 108 industrias

onde o trabalho de menores é proibido e o art. 8.º apresenta uma tabela (n.º 2) com 48 industrias em que o

trabalho é consentido mas com limitações). São ainda indicados os resguardos das rodas e engrenagens

dos motores mecânicos. O mesmo para poços, escadas, etc. pelo art. 18.º. 192

Art. 19.º 193

Art. 20.º 194

Art. 28.º 195

Art. 36.º 196

Art. 285.º n.º 6. 197

O art.º 121.º tratava dos explosivos mas as pólvoras ordinárias não eram consideradas explosivos

propriamente ditos e podiam empregar-se sem licença. As licenças de foguetes, pólvoras, rastilhos e

cloretos eram concedidos pelos governadores civis, assim como regulavam os depósitos de enxofre,

carboneto e gasolina e como tal eram regulados pela lei de 29 de Maio de 1902 e pelo regulamento de 24

de Dezembro de 1904.

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38

O decreto de 6 de Março de 1884198

, de 16 de Abril de 1892 e a portaria de 17 de

Agosto de 1889 sobre pedreiras, saibreiras, caleiras e barreiras refere que a falta de

aviso ao administrador do concelho era punida com a suspensão dos trabalhos além de

outras penalidades.

Em Portugal a legislação era a da responsabilidade profissional onde pelo Código

Civil “empreendedores ou executores […] serão responsáveis não só pelos danos ou

prejuízos causados à propriedade alheia mas também pelos acidentes que, por culpa sua

ou de agentes seus […] procedam de factos, quer de admissão…”.199

A teoria da responsabilidade civil vai alterar-se com a lei n.º 83 de 24 Julho de

1913200

, que aprova a responsabilidade patronal pelo acidente de trabalho mas era

omissa no pagamento e indemnização.

A legislação operária é uma doutrina simplista, não tem em consideração a

complexidade dos fenómenos sociais e como eles se relacionam.201

O operário é

produtor mas também é consumidor e como tal as conquistas ganhas pelo operariado

acabarão por ser recuperadas pelos patrões quer seja no comércio ou outras vendas, ou

seja quando se afirma que é à conta do industrial que se faz a legislação social são como

afirma Adolfo Lima, “uma ficção e quem vem em última analise a paga-los […] são os

próprios operários. Belo benefício este não haja duvida!”, defendia por isso que a

legislação era um “verdadeiro bluff”, não dava qualquer garantia ao operário, “ignóbil

farsa é essa patacoada dos programas mínimos […] com quem os grandes politicões,

habilidosos e manhosos, que por aí pululam […] a engordar o povo crédulo e simples e

a quem, à semelhança do cão esfaimado a que se atirava um osso sem carne para

entreter a fome, ele atiravam de onde em onde, dois ou três textos de leis confusas para

198

Referia no art.º 9.º Para maior segurança as pedreiras devem ser cortadas em degraus e as terras formar

taludes inclinados. O art.º 21.º e 27.º Os engenheiros e auxiliares devem corrigir e indicar o que deve ser

melhorado para evitar acidentes nas minas quer na segurança quer na salubridade. Art.º 23.º As

autoridades administrativas não devem consentir que aos menores de 12 anos trabalham em pedreiras

subterrâneas. 199

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 289. 200

A lei de 24 de Julho de 1913 sobre desastres de trabalho, tratava a responsabilidade por acidentes de

trabalho tendo em conta o risco profissional, no n.º 10.º do art.º 1.º diz que têm direito a assistência

clínica, medicamentosa e indemnização consignada nos art.º 5.º e 6.º os que sejam vítimas de acidentes de

trabalho sucedidos ao serviço profissional e em virtude desse serviço. As indemnizações e encargos eram

pelo art.º 3.º da responsabilidade do Estado e corporações administrativas, as empresas e os “patrões” que

exploram essas indústrias. 201

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 314.

Page 39: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

39

que se entretenha na sua interpretação” e para coroar esta “aleivosa e desleal legislação”

criaram-se simulacros de conferências internacionais.202

A jurisprudência do tribunal de árbitros dizia que “o operário não é responsável

pela deterioração devida ao uso normal das ferramentas" e tem a obrigação de trabalhar

com desvelo, bons costumes, não prejudicar, não se ausentar sem licença, cuidar do

equipamento, etc.203

/204

Os regulamentos produzidos pelos árbitros não eram frequentes mas existiam e

para Adolfo Lima eram “perniciosos, ou, pelo menos, como inúteis” porque se o

operário se sujeita à arbitragem é porque não consegue impor as suas justas

revindicações ao patrões, estes fingem ceder porque sabem que os tais árbitros são

sempre burgueses e nunca da classe trabalhadora. Assim os patrões conseguem sempre

o que querem e embora acabem por dizer que foram vencidos “os regulamentos

emanadores dos árbitros, são sempre de pouco dura, de quase nenhuma consistência”.205

Parece ter razão Lima, já que era ideia os árbitros apenas adiavam a questão e

passado algum tempo voltava tudo à mesma situação. Vendo-se sempre na mesma ou

em pior condenação parecia obvio que os conflitos rebentassem e com piores

repercussões, cada vez havia um pedido ou uma revindicação, os patrões vendo da

inconsistência da justiça, organizavam melhor a sua defesa e a possibilidade de vitória

operária nos tribunais era menor206

. A arbitragem parecia só servir para alimentar a

vaidade daqueles que costumam intervir neles, vivendo à custa da luta de classes afirma

Adolfo Lima.207

202

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 314-315. 203

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 344-345. 204 A tolerância era de 30 minutos, três vezes por semana ou perderá o direito ao trabalho. O horário será

de 1 de Abril a 30 de Setembro de 10 horas e de 1 de Outubro a 31 de Março de 9h. Os soldadores

entravam às 6h da manhã e saíam às 9h da noite com 1h de almoço e 2h de jantar, terminando o trabalho

ao por do sol e de Novembro a Fevereiro será das 7.30h às 9h da noite com 1h de almoço e de jantar. In

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 347. 205

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 348. 206

Adolpho Lima refere o caso dos operários soldadores das fábricas de conservas de Setúbal com a

“infame” cláusula da “caução de 10$000 réis, que só um cérebro matoide sanguinário poderia ter o

atrevimento de colocar num regulamento de oficina”. O resultado foi uma luta violenta e direta que

resultou na vitória dos operários e a cláusula desapareceu. O mesmo aconteceu com a greve dos operários

tecelões da Covilhã em 1907 que depois de ter sido resolvido pelo árbitro não demorou muito tempo a

que rebentar de novo in Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga

Casa Bertrand, Lisboa, 1909, p. 349. 207

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 349.

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Mais frequentes eram os regulamentos dos patrões, ainda com maior abuso, sem

consciência, mais dispersos e “para muitos os regulamentos de oficina constituem o

próprio contrato do trabalho208

“ e o operário ao saber delas aceita tacitamente como

fazendo parte do contrato e como tal tem de o cumprir, resta-lhe apenas a questão do

salário que na maioria dos casos não tem discussão.”209

Os regulamentos de oficina apenas tinham como fim o patrão defender-se da

responsabilidade pelos acidentes de trabalho e não são termos de um contrato que

podem variar, ou seja, os regulamentos de oficina eram isso mesmo apenas

regulamentos e não contratos.

A maioria dos patrões defendia que desde que o operário tivesse conhecimento

das cláusulas do regulamento este devia ter caráter obrigatório mas a realidade era a de

que os operários eram em larga maioria analfabetos e mesmo que soubessem ler não

entendiam o ser alcance nem as armadilhas das cláusulas devido à falta de

sindicalização e de lhes pode-se esclarecer. Neste regulamento o patrão costumava

estabelecer multas, sanções, castigos210

, trata o operário como coisa, o seu trabalho é

sugado ao máximo a tirania de um soma-se a do estado, pior porque não se modifica a

não ser de um soma-se a do Estado, pior porque não se modifica a não ser pela força dos

protestos. O Código Civil de 1867 demonstrava muito pouca preocupação com o

trabalhador, talvez um pouco mais no serviço doméstico e na aprendizagem mas eram

mais no sentido de defender o contratrador onde o ambiente social era caraterizado por

castigos moralmente aceites tal como no tempo da escravatura, o serviçal tinha de

“obedecer ao amo em tudo o que não fosse ilícito ou contrário às condições do

contrato”.211

Muitos regulamentos são mal redigidos, confusos gramaticalmente e ao nível das

ideias e interpretações que faziam da lei, revelam ignorância e até má fé como acontecia

com as jovens costureiras com salários miseráveis ainda sofriam represálias e multas,

208

Para Monteiro Fernandes a primeira lei sobre o contrato de trabalho surge em 1937, sob o regime de

Salazar, estava indicado o conceito de férias pagas que tinha surgido em França apenas um ano antes in

António Monteiro Fernandes, Coimbra, p. 153. 209

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 350. 210

O ambiente era severo até ao nível institucional já que foi necessário esperar pelo decreto de 21 de

Março de 1895 para se abolirem os castigos físicos e humilhações na armada e em todos os serviços

dependentes do ministério e ultramar por serem anacrónicos e ser necessário dar melhores condições ao

exercício militar. 211

Cf. Ana Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 743.

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sofrendo um horário e trabalho escravo e ao menor pretexto eram despedidas porque

logo havia quem as substitui-se.

Pobre daquele que fosse visto a tirar apontamentos do regulamento que servia

para benefício do patrão. Pior para aqueles que tinham a ousadia de criticar era logo

despedido. A teoria era a de quem manda é patrão e se não está contente vai para a rua.

Quase todos os regulamentos tinham penalidades e castigos pecuniários. As

multas eram defendidas, “não admira num país, por consequência, de impostos de toda

a casta de contribuições, sempre corretos e aumentados, de lotarias e de rifas, não é para

estranhar que as multas nos regulamentos sejam defendidos e proclamados como uma

verdadeira instituição indispensável à engrenagem burguesa, destinada a espremer o

operário até à sua substância!”212

/213

Os regulamento estavam assim condenados a ser um foco de instabilidade, desde

a sua origem já que não eram fruto de um entendimento entre o patrão e o operário, não

derivavam da própria natureza do trabalho mas da arbitrariedade autoritária de um

explorador do trabalho de alguém numa situação social sem poder de escolha na miséria

total214

/215

e se tivesse a possibilidade de mudar de trabalho logo outro patrão surgia com

iguais clausulas prepotentes e qual escravo sem solução.216

A ideia era a de dar igualdade proteger o trabalhador contra o patrão para mas

Adolfo Lima dizia que era enganador porque o trabalhador ficava preso a um contrato o

212

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 354. 213

Os desconhecimentos dos mais básicos princípios jurídicos eram comuns, por exemplo, o caso de um

“benquisto comerciante” de Lisboa que obrigava os seus empregados à seguinte declaração: “Declaro que

me conformo com todas as disposições deste regulamento, que diligenciarei cumprir escrupulosamente,

assim como tudo mais que os meus deveres me obrigarem, não tendo direito nenhum a reclamação, seja

de que espécie for, quando os Srs. F…&C.ª, entendam dever-me despedir por sua conveniência bem

como reservo para mim igual direito de deixar a casa quando entenda, sem que os mesmos srs. F…& C.ª

possam exigir de mim qualquer indemnização, pagando-me só até ao dia em que for despedido ou me

despedir”. In Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand,

Lisboa, 1909, p. 355. Isto era claramente legal e ia contra o que era defendido no código comercial mas a

ignorância e a miséria dos empregados eram uma vantagem para o patrão.

214

Contava-se a história da vida de Joaquina Rosa numa situação de desespero e profunda miséria tentou

assassinar os filhos menores in Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o

Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 98. 215

Era comum pensar alem Pirineus que se pede trabalho mas para cá, pede-se esmola, “aqui o piolho é

um símbolo, uma bandeira o farrapo e um sistema de governo a mendicancia.” In Fialho de Almeida,

Lisboa, 1920, p. 38. 216

O art.º 4.º da Lei de 14 de Agosto de 1889 não permitia a liberdade do despedimento a gosto do patrão.

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do qual só se pode libertar decorrido um determinado tempo mesmo que tenha logo

reconhecido ter sido enganado.217

A lei n.º 4 de 16 de Março de 1916 criou o Ministério do Trabalho e pelo art.º 3.º

competia à Direção Geral do Trabalho a fiscalização da execução das leis e

regulamentos sobre o trabalho.218

Perante as graves movimentações, os políticos foram obrigados a ver a situação

miserável em que vivia o operariado. A legislação que vai surgindo é o espelho da

sociedade da época, dos protestos e de recearem os seus privilégios em perigo. Por isso

as leis operárias219

que vão surgindo não são uma oferta benemérita voluntaria mas

apenas fragmentos, leis parciais cuja burguesia vai sendo forçada a ceder ao operário

algumas leis que os protegem da exploração desenfreada do patronado ávido de lucro e

mesmo nas cidades a falta de géneros alimentícios fazem com que a burguesia urbana se

junte ao operariado nos protestos.

6 - A legislação internacional em Portugal

Apesar de Portugal tender para uma maior preocupação pela mulher e pelo menor

a verdade é que tinha ainda uma legislação muito rudimentar tal como a Grécia e

Roménia. Não quer isto dizer que Portugal estivesse muito atrasado do resto da Europa.

Por exemplo o dia de trabalho do homem adulto raramente estava fixado ao contrário

das mulheres e dos menores, mesmo assim a idade dos menores e a duração do dia de

trabalho variava bastante. A desculpa era a de em virtude da fragilidade da mulher e da

incapacidade do menor necessitavam de maior proteção.

Em França as primeiras leis do trabalho surgem em 1806 para a construção civil,

1813 para a idade dos 10 anos para o trabalho nas minas, 1814 para o descanso e 1841

217

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 209. 218

Higiene, salubridade e segurança dos lugares de trabalho; tribunais de árbitros avindores; agências de

colocação; provas de geradores e motores; instalações de oficinas, máquinas operatórias e iça-cargas;

inquéritos; estatística; boletim do trabalho; estudos de legislação operária; estudos sobre indústrias

especiais e sobre as condições do trabalho na indústria caseira; congressos; relações com instituições

estrangeiras, expediente do Conselho Superior do Trabalho, etc. in Boletim da Previdência Social,

Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa,

1916-1917, p. 66. 219

As leis operárias nas vésperas da República abrangem: Leis protetoras do operário - menores,

mulheres e homens; higiene, ventilação, vestuário; acidentes trabalho; risco profissional; seguros.

Contrato de trabalho – menores, mulheres e homens; salário mínimo, dia máximo de trabalho, descanso,

pagamento, caderneta operária; acordos coletivos, agências de colocação. Associações operárias –

sindicatos, bolsas de trabalho, confederação de trabalho, escolas profissionais, caixas económicas;

habitação operária; cooperativas. Conflitos – tribunais especiais; conciliação; arbitragem facultativa e

obrigatória.

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que limita o dia de trabalho. Na Alemanha a mais antiga é a lei prussiana de 1839 que

limita o dia de trabalho para os menores. A Inglaterra em 1802 publicou as leis que

regulavam as condições de trabalho.220

A França limita a duração e a idade mínima de trabalho (1841), a Inglaterra cria

uma lei sobre higiene e segurança (1833), surge a revolta da Comuna de Paris221

(1871),

as manifestações de Chicago pelas 8h de trabalho (1886), os sindicatos vão-se

fortalecendo em vários países, todos eles e muitos outros foram importantes

acontecimentos que aceleraram a mudança no Direito do Trabalho que vai revelando as

alterações no ordenamento jurídico.

Só com o fim da I Guerra222

em 1918, surge a OIT organização de que Portugal é

membro fundador, surge como parte integrante do Tratado de Versalhes e da

necessidade de assegurar a justiça social de modo a defender a paz, são aprovadas a

nível internacional várias convenções laborais de proteção ao trabalho. O radicalismo

anarquista vai perdendo terreno e militantes desde a formação do PCP223

em 1921 mas a

maioria da CGT em Portugal até ao Estado Novos sempre se manteve ao lado da

Internacional Anarquista até ao Estado Novo.

A 27 de Julho de 1912 é publicado um decreto que cria em Lisboa a Agencia

Oficial de Trabalho que vinha no seguimento de algo que já existia desde 1893. Muita

destas ideias ainda hoje são atuais e recorrentemente atualizadas, como a da recolha,

organização e publicidade das ofertas de trabalho, respeitando o sigilo e a privacidade.

No entanto a lei 111 de 17 de Fevereiro de 1914 parece mostrar que a agência não

funcionava, daí ter-se formado as Bolsas de Trabalho. Já na monarquia existiam os

tribunais de árbitros avindores com representantes dos patrões e operários.224

220

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 223. 221

Como refere Santos Monteiro com os acontecimentos da Comuna de Paris nota-se um cunho socialista

nas publicações operárias, nomeadamente nas do Centro Promotor, onde passa a existir uma maior

coerência de pensamento que se afasta de posições contraditórias e ate confusas anteriores e representa o

inicio de uma nova fase no movimento operário em Portugal onde se fazem notar influências da

internacional in José Monteiro Santos, 1980, p. 93. 222

Uma guerra que custou a vida a cerca de 12 milhões de militares e 20 milhões de civis e que assistiu a

violações, sadismo, fome e milhares de deslocados em miséria extrema, doentes e mutilados, tinha de

alterar a mentalidade da usura provocada pela crise americana. 223

Já se tinha notado com a formação da Federação Maximalista Portuguesa e o seu jornal “Bandeira

Vermelha” afetos a Moscovo. Em 1924 os arsenalistas da Marinha partidários da I.S.V. (Internacional

Sindical Vermelha). 224

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, p. 106.

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Ministério do trabalho225

e previdência social foi criado em 16 de Março de 1916

com a lei n.º 494 e sob esta designação teve nove anos de funcionamento é extinto pelo

decreto n.º 11267 de 25 de Novembro de 1925 o que implicou que todas as instituições

deste ministério voltassem ao Ministério do Interior. O Ministério das Obras Publicas e

Comercio e Industria muda de nome para Ministério do Fomento (decreto 8 de Outubro

de 1910).

A 10 de Maio de 1919 o grande conjunto de importantes diplomas desde o seguro

social obrigatório na doença (decreto n.º 5:636). Seguro obrigatório nos desastres de

trabalho em todas as profissões (decreto n.º 5:637)226

. Seguros contra a invalidez,

velhice e sobrevivência (decreto n.º 5:638). Organização das bolsas sociais de trabalho

(decreto n.º 5:639)227

. Cria e organiza o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de

Previdência Geral (decreto n.º 5:640).

O decreto 5:640 Instituto dos Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Geral

começou a funcionar a 24 de Maio de 1919 mas com muitos obstáculos pelas entidades

patronais como por ex não designarem os seus representantes nas comissões e das 235

comissões de mutualidades do seguro e doença só 4 funcionara em 1927. Só nos

seguros de desastres de trabalho parece ter existido algum sucesso e como não existia

código do trabalho nomeou-se uma comissão para coordenar todos os diplomas e

medidas legais. Em 1913 existiam apenas 3 tribunais de acidentes de trabalho mas em

1921 eram 18 tribunais (não abrangiam trabalhos agrícolas).

A influência estrangeira chegava tarde mas foi aproveitada e desenvolvida através

de congressos e conferências228

da legislação internacional do trabalho tinha por base a

melhoria das condições de trabalho.229

225

Direção geral do trabalho e Previdência Social e subsistências, Inspeção Geral e da Previdência Social

e o Conselho Superior da Previdência Social o que implica o alargamento dos serviços de assistência e

incluindo socorros mútuos, os seguros sociais, caixas económicas e de previdência social e as

cooperativas. 226

Tinha como objetivo “sólidos fundamentos em que tem de assentar o novo estado social…” 227

Bolsas de trabalho “serão os modernos templos do direito e da educação das populações ativas, para as

orientar, instruir e guiar…” 228 1890 – Conferência internacional de Berlim teve pouco resultado pratico mas foi uma tentativa para

regular o trabalho dos menores, mulheres e trabalho nas minas.

1897 – Congresso internacional de legislação do trabalho de Bruxelas e o Congresso Internacional para a

proteção operária de Zurique, mas foram contraditórias já que um proclama a necessidade de uma

regulamentação internacional do trabalho e o segundo a sua impossibilidade.

1900 – Em Paris, congresso internacional para a protecção legal aos trabalhadores deu origem à fundação

da Associação internacional para a protecção aos trabalhadores. Neste ano dá-se a exposição Universal de

Paris é criado nessa cidade o Congresso Anarquista que foi impedido de se realizar pelas autoridades e foi

por isso promovido o I Congresso Internacional Neomalthusiano que lançou as bases da Federação

Page 45: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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Para J. Andrade Silva a dificuldade para uma legislação internacional230

são a

diferente produtividade, preços dos produtos entre países, dificuldade em evitar as

fraudes e a dificuldade de estabelecer sanções para os Estados que não cumprissem as

cláusulas estipuladas.231

7 - Salários e contrato de trabalho

O Papa Leão XIII na encíclica De conditione opificum considerava o salário

mínimo um dever moral do patrão.232

Gonçalves defendia que o Estado não devia fixar

o máximo nem o mínimo salário mas deviam ser decretadas outras medidas que

protejam o operário tal como se protege o soldo dos militares e os ordenados dos

funcionários mas não referem outros trabalhadores como operários, criados de servir,

caixeiros, etc.233

/234

Internacional da Regeneração Humana, a ideia resumia-se a “bom nascimento, boa educação e boa

organização social” (Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o

Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 99).

1905-1906 – Conferências internacionais de Berlim e de Genebra foram os primeiros a regular

internacionalmente sobre o trabalho noturno das mulheres e substâncias tóxicas 229

Regulamentação das horas de trabalho, estabelecimento da duração máxima para o dia e semana de

trabalho; Regulamentação de mão e obra disponível; Supressão do inlabor; Regulamentação dos salários;

Proteção aos trabalhadores contra a doença e os acidentes de trabalho; Proteção aos menores e às

mulheres; Medidas de previdência para a velhice e invalidez; Proteção dos interesses dos trabalhadores

estrangeiros; Reconhecimento da liberdade de associação; Organização da educação técnica. 230

Apesar de não ser vinculativa é ratificado pela OIT conforme o Tratado de Versalhes de 28 de Junho

de 1919 do Tratado de Saint-Germain de 10 de Setembro de 1919.

Art.º 3.º As mulheres de qualquer idade não poderão empregar-se durante a noite em nenhum

estabelecimento industrial publico ou privado excepto naqueles em que só estejam empregados membros

de uma mesma família.

Art.º 4.º referia que o artigo 3.º não se aplicava em caso de força maior de uma situação imprevista ou do

risco da perda inevitável da matéria prima ou do trabalho não poderem continuar.

Art.º 7.º Nos países com clima que tornem o trabalho diurno penoso pode o período da noite ser mais

curto desde que de dia se torne um repouso compensador. 231

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 289. 232

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 116. 233

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 116-117. 234 Os valores dos salários por concelho eram proporcionais aos valores do custo médio dos alimentos e

os valores podiam ser melhores não fosse o imposto sobre o consumo. In Boletim do Trabalho Industrial,

Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 44, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 32-33.

Mas segundo Simão de Martel quando tiramos conclusões sobre a carestia dos alimentos em 1909

notamos que: O português é o que se alimenta pior, ingere menos quantidade de alimentos e de forma

pouco racional. Não era em Lisboa que a alimentação era mais cara, já que vários produtos eram mas

caros em Évora. Era exigida a organização dos agricultores em sindicatos e cooperativas de produção e

consumo, arroteamento de terrenos incultos. Supressão do imposto de consumo e rigorosa fiscalização no

comércio a retalho para atacar a fraude. Que se auxiliem as cooperativas para ajudar a regular os preços

do mercado livre sem a qual a supressão do imposto de consumo nada beneficiaria as classes mais pobres.

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46

Contrato

O “serviço salariado” (antecedente do contrato de trabalho) no código de

Seabra235

assenta na pertença igualdade entre as partes, não se notava uma clara

diferença com o contrato de prestação de serviço. Outras modalidades como o serviço

doméstico236

e aprendizagem237

eram outras modalidades do contrato.238

No entanto

Ulrich reparou que isto colocava o salariado numa posição subalterna impedindo de

negociar ao mesmo nível porque se declara que está sujeito “às ordens e direção do

patrão”239

, é obvio que o trabalhador deve fazer o seu trabalho bem feito mas o “bom” é

aqui subjetivo e cabe aos tribunais decidir.

Substitui-se a referência “é obrigado a obedecer ao seu amo” por “é obrigado a

prestar o trabalho a que se propôs, conforme as ordens e direção da pessoa servida” é

notório o atenuar da anterior visão conservadora e a aproximação ao atual Código

Civil240

.

O contrato de serviço doméstico, Ulrich reconhece a forma “anacrónica, absurda e

profundamente injusta. É a que manda decidir por juramento do amo as ações relativas a

soldas devidas e não pagas” e que reconhece o autor citado que tal situação já não existe

na maioria das legislações estrangeiras.241

/242

Ulrich defende que cada operário deveria

In Eng. Simão de Martel, “A alimentação das classes pobres e a sua relação com o trabalho”, Boletim do

Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e Industria, n.º 44,

Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 35. 235

Art. 1391.º “Serviço salariado é o que presta qualquer individuo a outro, dia a dia, ou hora por hora,

mediante certa retribuição relativa a cada dia ou a cada hora, que se chama salário.” Citado de Ana

Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 747. 236

Serviço doméstico – art.º 1370º do Código Civil era “o que é prestado temporariamente a qualquer

indivíduo por outro, que com ele conviva, mediante retribuição” a lei falava em “amo” e “serviçal” mas

não se pense que se falava apenas de serviços domiciliares mas também nos trabalhos agrícolas que

praticamente se estenderam até aos dias hoje. 237

Aprendizagem – art.º 1424º do Código Civil “chama-se contrato de prestação de serviço de ensino, ou

contrato de aprendizagem, aquele que surge entre maiores e menores devidamente autorizados, pelo qual

uma das partes se obriga a ensinar à outra uma indústria ou ofício.” Era algo que de modo camuflado se

estendeu quase até aos nossos dias como forma de justificar o trabalho infantil. 238

José João Abrantes, Lisboa, 1995, p. 27. 239

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 138. 240

“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição, a prestar atividade

intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta” art. 1152.º Código Civil. 241

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 128. 242

O regulamento para criados e criadas de servir de 1885, apenas protegia os patrões dos abusos de

confiança, deviam estar registados na polícia onde obviamente um livrete com os regulamentos, ter mais

de 21 anos, desde que não emancipados (art.º 9º) ou mulher casada com autorização do marido (art.º 10º),

tinham de dar conhecimento ao patrão do domicilio (art.º 12º), da falsificação do livrete (art.º 21º)

implicava multa ou prisão9 (art.º 23 e 24º), deviam andar sempre acompanhados pelo livrete (art.º 22) in

Regulamento para Cridos e Criadas de servir, Lisboa, [s.e.], 1885.

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47

ter uma cópia do contrato e este não devia ser apenas afixado e era importante que nos

regulamentos colaborassem também os operários “para evitar atritos entre patrões e

operários”.243

Não existiam contratos para a vida244

, o despedimento arbitrário e

malévolo não deve dar lugar à indemnização por perdas e danos porque o Código não

havia disposições sobre o assunto a não ser o despedimento antes do prazo.245

Por isso

defendia que o despedimento deve ser precedido do aviso prévio que na legislação

estrangeira é fixado em 15 dias.246

Para a lei o operário é aquele que trabalha sob a direção de outrem, é

assalariado247

e remunerado dia a dia ou hora a hora248

mas surge aqui o dilema entre o

contrato individual e o coletivo. Para Ulrich “contrato individual é a negação da

solidariedade e da previdência, tão características das sociedades civilizadas”.249

O

contrato individual gera concorrência e miséria. A superioridade do patrão aqui é

manifesta devido ao excesso de mão-de-obra enquanto “o contrato coletivo é igual para

todos”250

e sendo os operários interessados em não prejudicar a empresa até porque os

seus chefes sindicais muitas vezes conhecem a realidade do mercado, é graças a eles

que se conseguem melhorias nas condições de trabalho, de higiene e de segurança, estes

contratos já eram comuns na América e em parte da Europa e, como afirmava Ulrich,

ninguém as contestava.251

8 - Acidentes de trabalho e a importância dos seguros

Foi uma importante conquista que criava a responsabilidade do empregador pelos

riscos profissionais. Os trabalhadores tinham direito à assistência médica,

medicamentosa e indemnizações em 1913 com Afonso Costa, devidos aos acidentes

durante o trabalho ou em virtude deste, fosse ela uma lesão externa, intoxicação ou até

psíquica e nervosa, podendo o risco da obrigação ficar a cargo das seguradoras ou de

sociedades mútuas252

. Existiam seguros mas se estes não existissem não havia qualquer

243

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 135. 244

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 142. 245

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 144. 246

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 145. 247

Serviço salariado – art 1391 do Código Civil “o que presta qualquer individuo a outro, dia por dia, ou

hora por hora, mediante certa retribuição, relativa a cada dia ou a cada hora, que se chama salário” era

esta a base do trabalho operário ou da agricultura. 248

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 127. 249

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 449. 250

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 449. 251

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 450 252

Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 1.º

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garantia de pagamento por parte dos patrões. Só em 1919 sob o ministério de Domingos

Pereira e do ministro Jorge Vasconcelos Nunes, é que o Decreto nº 5637, de 10 de

Maio, torna obrigatório este seguro em todas as profissões253

.

O cônjuge sobrevivo tinha direito a uma pensão anual de 20% da retribuição anual

em caso de morte do acidentado até voltar a casar onde receberia o triplo da pensão

anual por inteiro. O mesmo para os filhos fossem ou não legítimos e perfilhados com

menos de 14 anos, tinham direito de 15 a 40% conforme o n.º de filhos254

. Dependendo

do grau de incapacidade assim a vitima receberia uma determinada quantia.255

A maior parte dos acidentes graves não estava diretamente relacionada com o

aumento da difusão das máquinas. A fiação e a tecelagem produziam menos acidentes

que a produção florestal. A maioria dos acidentes era provocada pela água e pelo fogo

(74%), seguidos, entre outros, dos aparelhos a vapor, materiais em fusão e gases

tóxicos, explosivos.256

Na portaria de 23 de Dezembro de 1907 é defendida a providência para que sejam

observadas as disposições relativas à proteção dos operários onde existem engenhos

movidos a vapor e eletricidade. Era reconhecido pela fiscalização do trabalho que não

havia o devido cuidado em proteger com “resguardos os alçapões, escadas e passadiços,

as cavidades em que giram volantes, rodas e tambores […] correias ou cabos de

transmissão […] que já era determinado pelo art. 18.º do decreto de 14 de Abril de 1891

e tinha de ficar registado nos livros de regime (art. 30.º) e que os proprietários eram

obrigados (art. 29.º) e muitos acidentes podiam ser evitados. Assim fica determinado

que face aos acidentes fica o engenheiro responsável pela participação ao poder judicial.

Com o decreto de 23 de Outubro de 1909 ficou aprovado o novo regulamento para

o serviço de inspeção e vigilância para a segurança dos operários da construção civil de

modo a harmonizar os serviços, já que existiam varias representações de sociedades e

corporações relativos a este tipo de serviço.

Com o aumento da mecanização no trabalho os acidentes foram sendo mais

graves podiam afetar vários operários num só acontecimento. Ulrich refere que havia

muitos que defendiam que deveria ser o próprio indivíduo a responder pelos seus

253

Este Decreto já vinha do ministro Augusto Dias da Silva que tinha saído a 6 de Maio. 254

Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 5º 255

Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 6º 256

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 143.

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49

próprios atos257

mas reconhecia que existia a habituação do operário ao perigo diário de

muitas horas que com o cansaço o tornavam muitas vezes imprevidente258

.

Se os acidentes não tivessem testemunhas era muito difícil provar e se fossem os

próprios operários a denunciar existia sempre o receio de despedimento como forma de

retaliação259

o que era muito fácil face à impunidade que se vivia daí serem comuns os

depoimentos falsos ou pouco sinceros.

A isto podem-se juntar as despesas, o complicado entendimento para um

analfabeto torna uma ação judicial de alcance quase impossível, já para não dizer muitas

vezes não havia direito a reparação.

Os tribunais tentaram suavizar estes absurdos mesmo “com a quebra do seu

habitual rigor jurídico, facilitavam de tal modo a exibição da prova […] mas este

procedimento não era seguido por todos os tribunais, donde resultava uma profunda

desigualdade entre a situação dos operários…”.260

Mas como distinguir uma culpa261

leve de uma culpa grave? Ulrich reforça a ideia de que o operário está subordinado ao

patrão logo é a este que cabe o ónus da responsabilidade, é a ele que cabem os lucros do

trabalho.262

Os acidentes de trabalho estavam até 1910 regulados apenas pelo Código Civil.

Era obrigatória a sua comunicação mas a responsabilidade do patrão era só no caso de

ser provada a culpa ou negligencia, o que era muito difícil de provar por ser algo que

dependia do grau de sensibilidade do patrão para os problemas dos trabalhadores e uma

vez acaba a indemnização a situação tornava-se extremamente angustiante. O decreto

n.º 5637 de 7 de Março de 1919 que dizia que “as indemnizações pelos desastres de

trabalho em Portugal eram apenas uma platónica disposição do Código Civil”. Sobre as

doenças profissionais nada era previsto na lei.263

A lei n.º 83 de julho de 1913 prevê o direito à assistência clínica, medicamentosa

e indemnização às vítimas dos acidentes de trabalho. Foi uma das melhores leis da

Republica já que na Europa era ainda corrente a teoria do risco profissional.

257

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 226. 258

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 250 259

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 226. 260

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 230. 261

O Código Civil fundava na culpa a responsabilidade do patrão pelos acidentes de trabalho, era

reconhecido como antiquado mas em vigor na altura. 262

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 247. 263

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, p. 144.

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O decreto 5:636 de 7 de Maio 1919 – obriga ao seguro social na doença para

cidadãos entre os 15 e os 75 anos com rendimento inferior a 900$00/ano e tinha de se

inscrever como sócios. Tinham acesso gratuito a consultas e medicamentos prescritos

que se estendiam a mulheres e filhos menores de 14 anos e outros dependentes a cargo

(ao fim de 3 meses) e ao fim de 6 meses o sócio tinha direito a subsidio na doença para

banhos e para uso de ares do campo. Ao fim de 2 anos tinha subsídio de funeral. As

grávidas tinham direito a hospitalização e socorro médico, medicamentos e subsídios ao

fim de 2 meses. Indigentes, idosos e doentes mentais podiam ser alvo de acordos de

mutualidade caso não estivessem abrangidos pelo seguro.264

Por os acidentes serem habituais assim como os seus efeitos e a probabilidade

com que acontecem poderem ser mensurados e previstos é que Ulrich defendia que o

seguro devia estar a cargo dos patrões, como afirmava Villela, era mais perfeito para

lutar contra o infortúnio do trabalho.265

No entanto o seguro obrigatório era ainda considerado por muitos como inútil

porque o operário podia escolher pelo aumento no salário ou ficava sem a liberdade de

escolher outro emprego, com o seguro os processos judiciais não diminuíram e fazem

perder a noção de responsabilidade sendo “um verdadeiro premio à incúria e ao

desleixo”. Ulrich respondia que se é o patrão que escolhe o seguro irá escolher o mais

barato.266

O seguro de acidentes “desastres de trabalho”267

só era obrigatório para as pessoas

sujeitos ao risco profissional ficando assim de fora a maior parte das profissões. A lei

portuguesa permitia ao “patrão” assumir a responsabilidade contra todos os riscos

profissionais. O decreto 5637 de 19 Maio de 1919268

sobre o seguro social obrigatório269

264

David Pereira, 1997, p. 68. 265

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 257. 266

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 258. 267 Decreto n.º 4:288 de 9 de Março de 1918 como a legislação sobre “desastres” de trabalho estava

dispersa havia que juntar não só para atender aos riscos e proporcionar uma justa e assistência, juntar

dados estatísticos, conhecer como se deram os acidentes e como a lei é cumprida, participado e

fiscalizado. 268

No seu art.º 1.º declara que o seguro obrigatório pelo risco profissional abrange todos os indivíduos ao

serviço de um patrão, ou seja, todo o trabalho por conta de outrem (serviço doméstico, salariado e

aprendizagem) sem distinção da sua natureza. O art.º 7.º refere que devem ser organizados cadastros

patronais e dos assalariados empregados e serviçais em cada concelho. O seguro é assim para todos os

que exercem uma profissão, sejam eles rurais ou criados de servir. 269

Aos trabalhadores eram distribuídas cadernetas de inscrição do seguro social obrigatório contra os

“desastres” de trabalho conforme o modelo publicado no Diário do Governo.

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garante a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho que são protegidos

pelo risco profissional a todos os trabalhadores sem excepção270

.

O empregador pode no entanto assumir a responsabilidade direta fazendo um

seguro de conta própria, onde a reparação é garantida mas pode não ser suficiente e

pode fazer com que onde os acidentes são mais frequentes o capital da empresa possa

ser absorvido podendo levar à falência da empresa se não for possível a hipoteca,

caução ou fiança.

Devido à pouca organização dos trabalhadores e à fraca industrialização do pais, a

teoria do risco profissional tardou em chegar mas na Europa já dominava a

responsabilidade baseada no risco profissional nos acidentes de trabalho, ou seja, a

teoria da culpa ia a pouco sendo ultrapassada, esta vinha já do tempo dos romanos, era a

base da responsabilidade civil que se afastava da teoria da responsabilidade objetiva ou

do nexo causal. Quer isto dizer que se defendia que a violação de um direito que seja o

resultado da atividade voluntaria ou involuntária de um indivíduo implica uma

reparação. A culpa não é assim elemento integrante da responsabilidade existe mesmo

que o sujeito passivo do dano concorra culposamente para ela.

A doutrina do risco profissional implicava a responsabilidade do empregador

mesmo que tenha sido um caso excepto se houver dolo do trabalhador. Esta era uma

forma de defender o futuro do trabalhador que estava sujeito a acidentes graves que o

deixaram afetado para o resto da vida e podiam torna-lo incapaz para o trabalho. Desde

os anos 80 do séc. XIX se começa a preocupar com o futuro do trabalhador mas o

campo de ação estava ligado às máquinas ou onde o trabalho fosse pesado e perigoso,

como a indústria extrativa e transformadora mais tarde abranger toda a indústria mas

não todos os assalariados.

O aumento do número de processos judiciais devia-se ao modo de pagamento e

não sobre indemnizações.271

A verdade é que se o seguro não fosse obrigatório nem

patrão nem empregados o fariam e o aumento de acidentes relaciona-se com o

desenvolvimento da indústria.

Ulrich defendia por isso que o seguro devia pertencer ao Estado porque é do

interesse de todos. Os privados estavam mais preocupados pelo lucro e não por diminuir

270

Anteriormente a lei de 24 de Julho de 1913 enumerava as poucas indústrias beneficiados. A lei 3 de

Outubro de 1917 já abrangia os caixeiros do comércio e os vendedores ambulantes. 271

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 259-261.

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as desigualdades.272

O seguro não é apenas uma “função de interesse geral” e como tal

não pertence ao Estado mas a sociedades comerciais privadas ou mutualidades.

Também o comércio é especulativo e o Estado não é o único intermediário entre a

produção e o consumo. No caso de insolvência da companhia seguradora o patrão não

ficava para Ulrich, isento de responsabilidade pelos acidentes.273

O Estado não pode deixar que a liberdade de escolha da seguradora caiba ao

patrão porque este escolherá a vertente mais económica e por isso com menos garantia.

Emygdo Silva defendia que o Estado não deve desinteressar-se da proteção ao operário

assim como deve ter em atenção a higiene e salubridade dos locais de trabalho o que

implica uma maior prevenção por parte do Estado. Antes da lei de 24 de Julho de 1913

a legislação sobre acidentes de trabalho era em Portugal de “pura teoria delitual”.274

A

teoria delitual de inspiração romana estava em vigor no séc. XIX onde quem ofende os

direitos de outrem tem a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados, ou seja,

pouco importava a origem, o importante era provar a culpa275

.

Ulrich defendia que os patrões deveriam “tomar as precauções necessárias para

evitar desastres no trabalho”276

mas se desconheciam o contrato de trabalho e a prova

recai no operário e perante o encargo económico, a dificuldade das testemunhas

afrontarem o patrão, a reparação das avarias ou a proteção dos perigos acabam por

dificultar e até mesmo viciar o exame levando à irresponsabilidade do patrão277

.

O operariado habituado ao perigo acaba por facilitar os acidentes a isto se junta o

longo horário de trabalho e os problemas de alcoolismo.

No n.º 1 do art.º 29.º e art.º30.º da lei de 16 de Abril de 1891 os inspetores podiam

intimar os patrões e estes podiam responder por perdas e danos se não tentaram evitar

acidentes provocados pelas máquinas, cadinhos, cubos, metal em fusão, etc.

Do mesmo modo o art.º 10.º do decreto de 6 de Junho de 1895 responsabiliza o

diretor de obra de construção civil pelos acidentes que sejam originados por má direção

do trabalho ou onde se empregue material em nós condições.

272

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 262. 273

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 263-264. 274

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 111. 275

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 16-17. 276

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 229. 277

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 26.

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Estes decretos obrigam os patrões a participarem o acidente de imediato ou 24

horas depois ao administrador do concelho.278

Pelo art.º 19.º do decreto de 14 de abril

de 1891 os inspetores devem ter conhecimento dos acidentes de trabalho e devem fazer

um inquérito a fim de determinar as causas para se averiguar se foi descuido do

operário, do maquinismo ou responsabilidade dos patrões.279

Estes inquéritos devem fazer parte de um relatório anual a ser publicado no

Boletim da Propriedade Industrial a que devem juntar-se informações de montepios,

caixas de socorros, caixas de seguros, escolas, enfermarias, hospitais, casas operárias,

etc.280

A Lei de 24 de julho de 1913 foi um projeto lei renovado e apresentado ao

Parlamento de um anterior diploma arquivado em 1909 pelo antigo deputado Estevão de

Vasconcelos, numa época em que poucas eram na Europa as leis que defendiam os

acidentes de trabalho.281

Dizia no art.º 2º n.º 1 que acidente de trabalho é “toda a lesão

externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica que resultem da ação duma

violência externa súbita produzida durante o exercício profissional.” No n.º 2 as

intoxicações agudas, produzidas durante e por causa de exercício profissional e as

inflamações das bolsas serosas profissionais. O acidente tem de ser súbito exterior e

violento, ou seja, importa aqui o facto que lhe dá origem, faltou a palavra “anormal”

278

Decreto de 6 de Março de 1884 referente a saibreiras e pedreiras.

Decreto de 30 de junho de 1884 referente a caldeiras a vapor.

Decreto de 5 de julho de 1894 referente a minas.

Decreto de 24 de dezembro de 1902 referente ao comércio de substâncias explosivas. 279 Decreto de 6 de Março de 1884 – pedreiras ou saibreiras a céu aberto, o proprietário ou empresário é

obrigado em caso de acidente a avisar de imediato o administrador do concelho que se deve deslocar ao

local e levantar um auto que enviará ao delegado do ministério público.279

Decreto de 14 abril de 1891 – no caso de acidente ou desastre que impeça o trabalho por mais de dois dias

deve no prazo 24h, o gerente ou proprietário participar ao administrador do concelho e ao inspetor.

Decreto de 30 junho 1884 – acidentes provocados por caldeiras, geradores ou recipientes de vapor que

ocasionem a morte ou ferimentos, o chefe deve prevenir imediato a autoridade a autoridade encarregado

da polícia local e o engenheiro encarregado da fiscalização.

Regulamento de 5 de julho de 1894 – art.º 47.º acidentes nas minas com mortes ou ferimentos deve o

proprietário ou diretor técnico prevenir o administrador de concelho.

Decreto de 6 de junho de 1895 – Artº 29.º diretor de obra é obrigado a comunicar à fiscalização no

próprio dia ocorrência. Art.º 10.º o diretor é responsável.

Portaria de 7 de agosto de 1897 – propõe-se aos engenheiros inspetores industriais que elaborem todos os

anos uma estatística dos acidentes. Que gerentes, mestres, diretores ou proprietários participem aos

mesmos engenheiros todos os desastres e os inspetores devem fazer um inquérito.

Decreto de 24 de Dezembro 1902 – art. 322.º o proprietário ou gerente da fábrica, oficina ou paiol que

manipulem explosivos com licença é o responsável por perdas e danos causados em consequência dos

desastres.

Lei de 21 de Abril de 1892 para quem usar dinamite nos atos revolucionários.

Art.º 253.º do Código Penal para fiscalizar os fabricantes e armazenistas de explosivos- 280

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 118. 281

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 121.

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como refere Emygdio da Silva, o mal pode ser posterior ao facto e não simultâneo como

a palavra “súbita” poderia suscitar.282

Surge depois algo inovador para a época e que poderia ser considerado como uma

patologia subjetiva, são as doenças nervosas e psíquicas causadas pelo trabalho e não

apenas por traumas exteriores283

a que podemos juntar uma leitura mais favorável ao

operário porque os acidentes produzidos são assim considerados “durante o exercício

profissional” e não apenas durante a execução do contrato de trabalho. Pode-se ainda

acrescentar o art.º 1.º “o acidente sucedido durante a execução do trabalho será

considerado até prova em contrário como proveniente dessa execução”, ou seja, não era

o operário que tinha de provar que o acidente provinha de execução do contrato de

trabalho tal como ainda figurava em alguns países.284

No n.º 2 do art.º 2.º notamos

aquilo que são as pressões parlamentares e patronais já que tirando os casos graves, as

doenças profissionais não se enquadravam no regime dos acidentes de trabalho285

excepto as doenças profissionais as do n.º 2 do art.º 2.º são excepcionalmente

equiparadas aos acidentes dizem que as indemnização se devem “durante e por causa do

exercício profissional”, onde o operário deverá fazer a demonstração da relação entre o

exercício profissional e o acidente.286

Segundo o n.º 2 do art.º 3.º, o seguro é livre assim como a escolha do segurador

mas obriga indiretamente pelo art.º 11.º287

os empregadores ao serem obrigados a

tomarem um seguro de modo a garantir o pagamento de indemnizações e demonstrou

assim o esforço para que as empresas seguradoras não se tornassem insolventes.288

Segundo Emydgio da Silva a lei portuguesa é uma das mais favoráveis ao operariado,

no entanto as indemnizações eram feitas de acordo com o número de filhos.289

282

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 123. 283

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 124. 284

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 124. 285

Talvez a busca da justificação esteja em valores de ordem económica já que tendo em conta o atraso

da medicina do trabalho poderia levar a casos muito subjetivos aumentando assim o n.º de casos ou

empurrando estes para os seguros obrigatórios dos quais não vislumbramos nesta época o seu

enquadramento. Mesmo atividades relacionadas com a atividade profissional pareciam assim estar

equiparadas pelo “exercício profissional” ao contrário de outros como a legislação francesa onde apenas o

que estava relacionado diretamente com o trabalho parecia estar abrangido. 286

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 125. 287

Art. 11.º Os patrões e empresas industriais que não tenham transferido as suas responsabilidades para

qualquer companhia de seguros ou sociedade mútua, deverão depositar na CGD, à ordem do Conselho de

Seguros, as reservas correspondentes às pensões de que tenham tornado responsáveis… 288

No art.º 10.º tornou obrigatório para o Concelho de Seguros de determinar os depósitos que as

sociedades seguradoras deveriam fazer na Caixa Geral de Depósitos. 289

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 150.

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O risco profissional foi um importante principio geral bem aceite pelos

empresários no entanto muitos destes empregadores como a Associação Industrial

Portuguesa afirmavam que a lei alem de “deficiente” era no entanto “inoportuna” e

“opressiva” em virtude do preço do capital.290

Nos censos industriais de 1881 até 1907 o número de trabalhadores com 16 anos

anda à volta dos 7%. A média de horas de trabalho era de 10h/dia mas havia casos

superiores. A proteção contra acidentes, doença era muito reduzida e a alimentação e

habitação eram más. A resposta por parte do operariado a esta situação foi com greves,

às vezes com violência através das associações sindicais. Estas lideradas por intelectuais

radicais deram as referências doutrinárias291

que faltavam ao movimento e ao

sindicalismo revolucionário quer anarquista quer socialista de tipo marxista. Neno

Vasco, importante anarquista era contra a violência292

e dizia serem os libertários

“inimigos da autoridade, da opressão, da coação […] querem porque são anarquistas,

banir a violência das relações sociais.” E dizia serem os atentados atos de revolta

instintivos, inevitáveis, respostas de baixo às violências do alto”.293

Mas para a maioria

dos anarquistas, revolução era significado de barricadas e espingardas294

era o caso de

Emilio Costa que defendia a greve e se necessário com alguma violência associados a

piquetes e sabotagens295

porque a propriedade privada, o militarismo ou a religião eram

em si também uma forma de violência e como tal usar outro tipo de violência era visto

como uma forma justa, legítima e necessária296

. Os anarquistas eram rebeldes mas não

eram assassinos vingativos, isso podia pertencer à Maçonaria, apenas minorias eram

violentas e geralmente espontâneas, muito raros os casos organizados.

290

Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 150. 291

João Freire refere que Manuel Silva Mendes tem uma obra de 1896 Socialismo Libertário ou

Anarquismo” para o séc. XX, Campos Lima, Emilio Costa, Neno Vasco e Adolfo Lima são talvez as

melhores elaborações técnicas e doutrinarias do anarquismo português in João Freire, Porto, [1992], p.

320. 292

Neno Vasco privilegia a intervenção direta na imprensa e nos sindicatos (escreveu peças de teatro e

como falava varias línguas teve uma vasta obra de tradução de muitos autores alguns dos quais com quem

se correspondia e publicava essa correspondência na A Batalha mesmo depois de morrer de tuberculose, é

o seu familiar, Adriano Botelho que publica essa obra in João Freire, Porto, [1992], p. 316-321. 293

Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o

Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 285, 286. 294

Raul Proença a este respeito dizia que em democracia as revoluções são ilegítimas “eu concebo uma

revolução contra Mussolini, uma revolução contra Primo de Rivera. Não a concebo contra o Sr. António

Maria da Silva que me dá o direito de lhe chamar um mau político tantas vezes quantas eu quiser” in João

Serra, Lisboa, 1986, p. 60. 295

João Freire, Porto, [1992], p. 320. 296

O Germinal afirmava que nem tudo se pode resolver sem violência (Germinal (2),10 de janeiro, 1915.

Mas sempre negaram a solidariedade a atos violentos sem justificação.

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56

Os regulamentos das oficinas de conserva de Setúbal, após as greves de 1907,

criados na ditadura de João Franco que Lima refere que “se limitou a traduzir algumas

disposições da lei belga”, os mestres e os contramestres297

“sempre que façam causa

comum com os operários, principalmente aderindo a movimentos grevistas, serão

despedidos sem readmissão do cargo”.298

O excesso e horas de trabalho, os serões constantes, o cansaço, o sono, os menores

adormeciam de pé, cansados e exaustos eram colhidos por máquinas que os

inutilizavam para a vida.299

Por isso a luta pelas 8 horas foi uma constante por parte do

movimento operário até à sua efetivação.

Em 1922 Portugal perante o tribunal Permanente de Justiça Internacional em

Haia, reconhece esta discriminação que Caeiro da Matta tenta disfarçar como não

havendo razão para tal diferença mas as limitações eram feitas pelo Governo imputando

a culpa à ordem social, ao progresso agrícola e pela diferença das regiões.300

É importante referir as empresas de tipo familiares, geralmente situadas em casa,

com poucos trabalhadores mas que eram provavelmente a maioria e que eram

completamente excluídos fazendo parte da excepção à aplicação da lei.301

No ano de 1909 dos 152 acidentes registados só 43 foram objeto de inquérito e

estes no geral culpam a imprevidência dos operários mas numa análise mais apurada aos

mapas do Boletim do Trabalho Industrial, verificamos que 22 são devido à falta de

segurança outros 23 são por distração302

. A maioria das mortes são nos transportes,

construção, minas, metalurgia e têxteis, causados pela má conservação dos motores,

engrenagens desprotegidas, falta de segurança, manutenção com máquinas em

movimento.303

O Governador Civil do distrito do Porto reconhecia que o número de desastres

que eram transmitidos vinham a aumentar mas atribuía-os ao “descuido, curiosidade e

297

Vulgarmente chamados de encarregados. 298

Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,

1909, p. 344. 299

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 48. 300

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 61. 301

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 62. 302

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e

Industria, n.º 33, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 9-10. 303

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e

Industria, n.º 33, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 10, 18.

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57

imprudência do operário […] não há meio de poderem ser evitados”304

. A realidade era

no entanto outra, já que no relatório do 1.º secretario da direção, José Gonçalves dos

Santos, a 7 de Abril de 1907 referia que um industrial vendo o movimento irregular da

máquina ordenou mais carvão ao fogueiro que chamou a atenção ao proprietário para a

sua imprudência mas este afirmou que “os teares tinham vindo para trabalhar e não para

estarem parados” e a caldeira acabou por explodir. Por isso o 1º secretário reclamava

junto do Visconde de Vilarinho de S. Romão, Director dos Serviços Técnicos da

Industria da Circunscrição do Norte, “mais energia em corrigir os abusos dos Srs.

Industriais, pois que, como V. Ex.ª deve compreender, a vida dos operários não pode

nem deve estar sujeita aos caprichos dos mesmos industriais”305

.

Em 1908 foram conhecidos 678 acidentes mas era reconhecido como sendo

valores muito aquém da realidade, já que muitos industriais “não se interessam pelo

assunto porque preferem guardar as suas informações. Há também repartições que só

conhecem os desastres em caso de morte”. Os principais acidentes eram devidos à falta

de resguardo das máquinas, lâminas, serras, saltos das lançadeiras e da falta de

segurança nos andaimes.306

Nas indústrias extrativas, o principal problema foram os desabamentos que

provocaram 9 mortes. Cerca de 28%, ou seja, 193 acidentes eram de causas

desconhecidas, o que demonstrava uma grande falta de informação às entidades

competentes307

.

Outro dado é o maior número de acidentes à segunda-feira que era atribuído aos

excessos do domingo já que as terças-feiras este número era atenuado mas a fadiga fazia

notar-se à sexta-feira e ao sábado308

. A hora do acidente tinha pouca importância, o

importante era a falta de iluminação no local e trabalho, o excesso de calor, frio, tipo de

piso, perigosidade do trabalho, etc. Quanto às partes do corpo afetadas são

304

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 15, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9. 305

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 15, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9. 306

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 44, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1909, p. 3-4. 307

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 6. 308

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 6-8.

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principalmente as mãos (27%), as pernas (14%) mas também nos pés (10%), cabeça

(9%) e o corpo (11%).309

310

Não existia uma lei que regula-se a responsabilidade dos acidentes de trabalho sob

aquilo que era o risco profissional, incapacidade permanente e morte. Os operários e

familiares não tinham direito a indemnizações condignas nunca chegavam à totalidade

do salário, dai a importância das associações também no apoio médico e

medicamentoso. Assim para Estevão de Vasconcelos era urgente uma lei sobre

acidentes de trabalho que responsabiliza-se os patrões e as empresas nos acidentes

durante o trabalho.

Sem ensino primário, dificilmente o operariado podia ter uma consciência dos

seus direitos e deveres cívicos por isso já em 1883 Bernardino Machado dizia:

“universalize-se a instrução primária, para que cada um mereça a dignidade de

compartir a civilização contemporânea; e porque acordado para o progresso todas as

forças vivas da nação, e poderá fazer-se o recrutamento das boas inteligências…” é que

“saber é poder; por isso só são fortes as nações instruídas. A ignorância, eis a causa de

todas as misérias: dos embaraços financeiros, da penúria económica, do amolecimento

de costumes”311

.

As vantagens eram largamente reconhecidas pelos mais ilustrados mas isso

implicava trabalhadores preparados, a falta de prudência e o elevado número de

acidentes derivava dessa falta de preparação, falta de conhecimento das regras mais

elementares de segurança, curiosidade, descuido, imprevidência ou até mesmo a falta de

meios e indicações para evitar ou atenuar os acidentes como por exemplo as redes de

arame curva que protegiam os trabalhadores dos saltos das lançadeiras, os graves

acidentes causados nos teares mecânicos cuja circular de 1 de Julho de 1903 se referia a

eles, continuava sem solução, apesar de em alguns casos ter sido colocadas as referidas

redes.312

309

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 9. 310

A quantidade de dias a que foram concedidas indemnizações, foram principalmente fraturas de braços,

pernas, bacia e dedos das mãos e pés (Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério

das Obras Publicas Comércio e Industria, n.º 3, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 9-10). 311

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 91. 312

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e

Industria, n.º 20, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 16.

Page 59: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

59

Os inspetores reconheciam que não usavam a coerção mas a mentalidade foi-se

alterando em virtude da revolução e a inspeção do trabalho de industrial de menores

exerce uma maior autoridade. Assim se fez em relação às faltas de “livros de registo

industrial, cadernetas de ensino primário, cadernetas industriais na posse de menores,

cartazes com a lei e tabela das horas de serviço e descanso, que são apenas os meios

burocráticos iniciais da intervenção tutelar do Estado”313

.

Era reconhecida grande complacência em relação ao patronato já que “ao fim de 7

anos de propaganda da lei protetora, tão somente se compeliam os industriais a conhece-

la, atendendo a que nem um só auto contem contravenção de abusos de trabalho

impostos aos menores…”314

.

Era vulgar pensar que os acidentes eram inerentes às profissões como se fosse

uma fatalidade, a passividade fazia parte da cultura herdada do Antigo Regime.

Sobre os acidentes de trabalho surge o decreto de 21 de outubro de 1863

melhorado pelo decreto de 30 de Junho de 1884 que regulamentava os “motores

inanimados” mas não criavam doutrina e tinham como base o direito civil e penal.

O decreto de 14 de abril de 1891 “manda apurar a responsabilidade dos que

dirigem os estabelecimentos industriais, em casos de sinistros, e comunicar o resultado

ao ministério público” art. 36, n.º 6315

. No art. 42 n.º 2.ºalinea b) em que se referem

coimas por contravenção apenas para os que não paguem aos menores que

temporariamente não possam trabalhar “pelo tempo que durar a impossibilidade”. Este

artigo volta a aparecer para a construção civil no decreto de Junho de 1895, art. 38.º n.º

2, mas com a generalização da “impossibilidade de trabalhar para algum operário” mas

reconhecendo que “é sempre a culpa, provada pela vítima” das responsabilidades ou não

do patrão responsável316

.

Sobre a prevenção de acidentes e no seguimento do decreto de 14 de abril de

1891, o regulamento de 16 de Março de 1893 existe uma melhoria ao tentar prevenir os

acidentes de trabalho na construção civil e oficinas, não tanto o apurar a

313

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 33. 314

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 33. 315

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 41. 316

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 41.

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60

responsabilidade sem distinção de idades mas com maior preocupação pelos menores e

pelas mulheres317

.

No relatório de 1908 é referido serem “em grande parte devidos à imprudência das

vítimas” mas ao mesmo tempo e mais uma vez reconhece-se que são poucos os

estabelecimentos com resguardos para segurança dos trabalhadores e muitos dos

acidentes poderiam ser evitados se fossem cumpridos os preceitos consignados nos

artigos 14.º, 18.º e 29.º do decreto de 14 de Abril de 1891318

.

Há na legislação casos específicos319

mas muito incompletos como no caso da

construção civil320

mas são referidas questões de higiene e segurança, assim como era

necessário a responsabilização de um engenheiro ou arquiteto do ministério das obras

públicas e auxiliado pela autoridade administrativa ou policial321

e o inspetor deveria

por escrito intimar o representante da fábrica/oficina para que o mesmo corrija as

diferenças dentro de determinado prazo e tal deverá ser lançado no livro de registo ou

então em caso de discordância que existia o tribunal arbitral.

9 - A melhoria das condições de trabalho

Paralelamente aos acidentes de trabalho surgem as doenças profissionais ou

adquiridos por más condições de higiene nas fábricas.322

Em Portugal podemos afirmar

que esta preocupação se inicia com o diploma sobre higiene de 21 de Outubro de 1863,

existem outras decretos e portarias que referem estabelecimentos insalubres e perigosos

mas não são propriamente sobre os industriais mas sobre a higiene geral das povoações

e habitantes. São os casos dos decretos de 21 Junho 1883 relativamente às corticeiras e

o de 30 Julho 1884 sobre máquinas. A higiene, a ventilação, a salubridade e a segurança

está protegida no art.º 14.º do decreto de 14 de abril de 1891.

317

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 42. 318

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e

Industria, n.º 20, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 14. 319

Portaria de 14 de Setembro de 1904 sobre refeitórios e lavatórios.

Circular de 29 de dezembro de 1902 sobre resguardos dos volantes, correias de transmissões e fossas.

Circular de 1 de Julho de 1903 sobre os saltos das lançadeiras nos teares

Portarias de 17 de Julho de 1903 sobre a segurança dos ascensores, iça-cargas e guindastes. 320

6 de Junho de 1895, art.º 1.º e 2.º 321

20 de Outubro de 1895, art. 35.º 322

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 148.

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O decreto de 14 de Abril de 1891323

vinha no seguimento das conclusões da

conferência de Berlim de 1890, ficava regulado o trabalho dos menores, eram criadas

creches perto das fábricas, implementava-se os cuidados de higiene, física e moral dos

menores. Mas a proteção era muito curta, já que ficava dito “não somos contra a

adopção do menor em quase todas as espécies de trabalho” mas era necessário ter

cuidado já que “a cobiça natural das empresas deseja nos seus trabalhos o menor […]

porque ele é instrumento dócil e barato; e tanto mais barato quanto mais produzir […]

os pais nem sempre medem as forças da criança que a natureza lhes manda proteger”

em virtude da pobreza da família que usufrui desses salários.

Era necessário atender às creches, higiene e vigilância mesmo que tudo isto fosse

muito empírico era necessário determinar o número de horas de trabalho de acordo com

as oficinas, meses do ano, temperaturas, estado das matérias primas, etc., mas era só

estabelecimentos industriais, minas, pedreiras, estaleiros, construção ou oficinas com

caldeiras, insalubres ou perigosas mas não abrangia as pequenas oficinas; familiares até

ao 3º grau ou até cinco empregados (art. 1.º) e para trabalhadores do sexo masculino até

aos 16 anos e feminino até aos 21 anos de idade (art. 1.º §1.º).

No regulamento de 16 de março de 1893 existia uma tabela com as indústrias

insalubres que determina que todas as caldeiras em exercício dentro das localidades

sejam munidos de aparelhos para queimar ou condensar o fumo quando se prove que

causa dano ou incomodo aos habitantes dos prédios vizinhos.

Existe uma preocupação com os serviços de saúde mesmo que incipiente no

decreto n.º 4 de 10 de Janeiro de 1895, é procedido à remodelação dos serviços de saúde

pública de modo a reduzir as despesas sem prejuízo da regularidade do serviço. No art.

1.º do referido diploma ficam com ordenado reduzido a metade os empregados do

lazaredo do Funchal até que fique em condições de funcionar e são extintas as

delegações distritais de saúde fora de Lisboa e Porto. Noutro decreto com o mesmo dia

do anterior é aprovada a reforma da organização superior dos serviços de saúde, higiene

e beneficência pública. Também no mesmo dia outro decreto proíbe a venda de artigos

de sapatarias fabricados com palmilhas e contrafortes de sola ou cabedal, proveniente de

323

Um novo decreto a 16 de Março de 1893 aprovava o regulamento para os menores e mulheres na

indústria.

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calçado usado sem terem sido desinfetados e para isso tinham de ter uma estampilha

(art. 1.º).

A portaria de 23 de Janeiro de 1912 sobre a proteção dos operários devia ser

fornecida nas fabricas quantidades suficientes de água potável (art. 1.º) ou devidamente

filtrada (art. 2.º) com filtros limpos (art. 3.º) e devem existir lavatórios com água

abundante (art. 4.º).

Na legislação de 1890/1891 apenas existia a preocupação de afastar as indústrias

perigosas das habitações as questões sobre higiene, limpeza, água e saneamento das

fábricas só aparecem pela primeira vez desenvolvida na lei de 12 de Junho de 1893 e

acrescentada pelo regulamento de 10 de Março de 1894 mais tarde alterado pelo decreto

de 14 de Julho de 1901 mas ainda não se aplicavam às pequenas empresas de tipo

familiar.

Do mesmo modo que o governo contraia empréstimos para aquisição de terrenos

para fazer escolas324

também fazia um crédito extraordinário pelo decreto com força de

lei de 4 de Novembro de 1910 para combater a epidemia de cólera. Estas epidemias

estavam ligadas a grandes pragas de ratos e para os combater o decreto de 11 de

Novembro de 1910 obrigava as câmaras a inscrever no orçamento estas despesas e

promulgar posturas necessárias para desratização nos canos e lugares públicos (art. 2.º).

Ao ler a legislação no Boletim do Trabalho Industrial e no Boletim da Segurança

Social aparecem termos e doenças hoje raras ou inexistentes como o saturnismo,

hidragirismo, tifo325

, etc.

Tirando o Código Civil que atribuía a responsabilidade aos executores

proprietários, empreiteiros ou donos existiam ainda decretos específicos326

. O decreto

25 de Janeiro de 1912 decreta-se que os patrões tenham água potável e em quantidade

suficiente. Se vier de rios que coloquem filtros e que estes sejam limpos e que nas

fabricas tenham lavatórios.

324

Decreto de 23 de Dezembro de 1907. 325 Em 1917 o tifo alastrou no norte e em 1919 mata 2282 pessoas. Em 1918 surge a pneumónica que

mata 31785 em Outubro, alguns bairros e aldeias ficaram desertas. 326

Decreto de 6 de Março de 1884.

Decreto de 30 de Junho de 1894.

Regulamento de 5 de Outubro de 1894

Decreto de 6 de Junho de 1895.

Decreto de 24 de Dezembro de 1902.

Decreto de 14 de Abril de 1891.

Decreto de 7 e Agosto de 1897.

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Nas medidas de higiene industrial eram referidas com lamento que a legislação

não abrangia ainda os adultos e era ainda referida a promiscuidade de idades e de sexos

nas fábricas e se existissem problemas ou doenças não existia “qualquer reparação civil

dos males contraídos”.327

/328

Vão aparecendo decretos avulsos onde surgem esclarecimentos e outros tipos de

industrias vão sendo acrescentadas às tabelas de industrias insalubres, incomodas e

perigosas do regulamento de 21 de Outubro de 1863329

/330

/331

.

Sob o regime de Sidónio Pais, o decreto de 29 de maio de 1918, no art.º 1.º as

indústrias insalubres, incomodas, perigosas e tóxicas são clarificadas, continuando

divididas em 3 classes, segundo o grau de maior ou menor das suas condições de

insalubridade, incómodo, perigo ou toxidez.

§ 1ª classe - implica o afastamento rigoroso das habitações devido ao perigo.

2ª classe – podem estar juntos das habitações mas com condições para a saúde,

segurança publica e dos operários.

3ª classe – permissão em qualquer local sob condições e subordinados a

vigilância.

Para o médico Estevão de Vasconcelos332

se a persuasão anti-alcoólica não

resulta-se reclamava a proibição da venda ao público das bebidas alcoólicas

concentradas já que o alcoolismo reduzia muito a capacidade de trabalho333

.

327

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 42. 328 Art.º 14.º - os estabelecimentos industriais devem estar limpos, ventilados e segurança.

Art.º 15.º - sem vacinação os menores não podiam ser admitidos nas industrias.

Art.º 16.º deve-se ter em atenção se o trabalho se adequa ao menor e não supera as suas forças.

Art.º 17.º, n.º 1 são considerados perigosos ou insalubres:

A manipulação ou fabricação de matérias explosivas ou inflamáveis, corrosivas, poeiras perigosas.

Fica proibido nos trabalhos que excedam: n.º 1. 5 a) dos 12 aos 14 anos cargas de 10 kg à cabeça ou às

costas ou 80 kg em terrenos horizontal com veículos de carga. b) Mais de 14 anos, 15 kg à cabeça/costas

ou 100Kg em terrenos na horizontal com veículo de carga.

Art.º 18.º - as peças perigosas como engrenagens ou rodas, poços, alçapões, etc., devem estar

resguardados ou com anteparas. 329

Decreto n.º 1:198 de 22 de Dezembro de 1914 decreta que as fábricas de escovas e pincéis sejam

considerados estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos de 2ª classe, devido ao cheiro

desagradável, incomodo de bulha e perigo de incêndio. 330

A portaria n.º 349 de 30 de Abril de 1915 esclarece as concessões de licenças que só são para as

verdadeiramente, insalubres, incomodas e perigosas. 331

Portaria n.º 470 de 7 de Setembro de 1915 manda considerar insalubres os torneiros de metal,

canalizadores e bronzeadores, ficando incluídos no n.º 3 dos art. 4.º da lei n.º 296 de 22 de Janeiro de

1915. 332

Congresso das Associações de Socorros Mutuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911. 333

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 56.

Page 64: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

64

O saturnismo doença comum no tempo dos romanos devido as canalizações de

chumbo era agora razão para levar à invalidez e à morte, só a França tinha feito

restrições ao uso do chumbo mas em Portugal ainda estava muito em uso o alvaiade334

que levava à invalidez dos operários.

Referia o Visconde de Vilarinho S. Romão que a principal causa de mortalidade

era o raquitismo, a falta de alimentação, os géneros falsificados335

e falta de higiene nas

casas.336

/337

10 - Os sindicatos e a greve

Os dirigentes sindicais eram figuras com pouca escolaridade e baixo nível literário

e sindical, autodidatas com ideias utópicas, sem formação, daí os seus objetivos serem

limitados, sem um rumo definido, muitos eram figuras pitorescas mas temidos pela sua

agressividade338

, o que fez com que o sindicalismo acabasse por descambar um

sidicalismo mais agressivo.

Pelo Boletim do Trabalho de 1910, estavam registadas 135 associações de classe

com 27 mil sócios, a grande maioria era da indústria, pesca, transportes e construção,

principalmente em Lisboa, Porto e Setúbal.339

No entanto, o número podia ser maior,

119 em Lisboa e 72 no Porto. Em 1911 já eram 356 e o Sul era área com mais

associações, onde o PRP tinha tido uma maior implantação, é o caso do grande aumento

nas corticeiras de Almada ou nos soldadores de Silves. As maiores e mais importantes

eram anarco-sindicalistas, os socialistas dominavam apenas 3 federações.340

No Sindicalista, a 4 de Dezembro de 1910, um dirigente operário anónimo

escreve: “Algumas parcas e parciais regalias têm sido extraídas, a ferros e para extinguir

334

Carbonato de chumbo de cor branca ou amarelada de uso comum no fabrico de tintas e perigosamente

usado para tratar hematomas. 335 O decreto n.º 11:228 de 29 de Outubro de 1925 reconhecem o problema da falsificação da manteiga

por adição de água e até nas margarinas e outras gorduras com corantes nocivos à saúde. Se vierem em

vasilha hermeticamente fechada a responsabilidade é do fabricante e não do retalhista. Os processos de

julgamento deviam ser feitos pelas disposições dos decretos de 22 de Julho de 1905 e de 3 de Novembro

de 1905 tal como se faz com a falsificação de leite. 336

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 7. 337

Devido ao grande aumento dos preços dos medicamentos motivado pelo pós-guerra o art.º 1.º do

decreto n.º 4:803 de 10 de Setembro de 1918, autoriza a Secretaria de Estado do Trabalho a fornecer às

associações mutualistas mais necessitados a quantia de 50000$, para socorrer no apoio aos medicamentos. 338

O caso do nome de “João das Bombas” é bastante explícito. 339

(Telo, 2010: 197) 340

(Valente, 2010: 187).

Page 65: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

65

o fogo grevista […] Não nos parece que as mais clamorosamente exaltadas leis da

República, a do divórcio, a do inquilinato e a das greves tenham para o operariado

qualquer valor real e beneficio”.341

Os países onde não existe o espírito de associativismo nascem com mais

facilidade o despotismo. É costume dizer que o movimento operário nasceu graças à

A.I.T., a Internacional de 1871-72 mas para a semente germinar, como dizia Manuel

Joaquim Sousa342

, é necessário ter o solo bem trabalhado e preparado, já existia um

pequeno mas coeso grupo operário. Em 1834 é extinta a Casa do Vinte e Quatro que

remontavam às corporações de séc. XIV com grémios, juiz e procuradores, etc.

Outro elemento essencial e apesar de importantes as Confrarias e as Irmandades

não chegaram para atender a grande miséria, a monarquia concedeu às confrarias e

misericórdias vários conventos, edifício e igrejas a titulo definitivo em muito casos343

.

Em 1917 de um total de 380000 proletários, só 50 a 70 mil estavam

sindicalizados.344

Portugal era um país pouco industrializado e talvez por isso foi dos

poucos países a incorporar o mundo rural nos sindicatos.

Entre incursões monárquicas existiram grandes greves e tumultos considerados

por governantes como os mais graves que existiram em Lisboa. João Chagas percebera

que uma revolução tem de responder com a melhoria do bem-estar. Na memória de

todos estavam a morte de dois grevistas em Setúbal pela GNR a 13 de Março de 1911

que serviu como símbolo do afastamento do apoio operário à República.

Uma greve no início de 1912 promovida pela União das Associações de Classe de

Lisboa servia como forma e pressionar abertura da associação mandada fechar em

Évora345

, exigia-se a libertação dos trabalhadores e a demissão do governador civil mas

estes foram violentamente reprimidos.

Os trabalhadores rurais eram vistos como animais de trabalho habituados às

privações e foram milhares os camponeses em luta contra a exploração. Nas regiões

sujeitas a crises sazonais pedia-se um salário mínimo para compensar as épocas sem

trabalho. Pedia-se que as máquinas agrícolas só pudessem ser usadas a determinada

341

(Pinto, 2010: 180). 342

Manuel Joaquim Sousa, Porto, 1974, p. 25. 343

Bom Jesus devolvido à Confraria de Santo António de Viseu pela carta de lei de 29 de Julho de 1899.

Igreja e edifícios em ruínas à Santa Casa da Misericórdia da cidade de Horta pela carta de lei de 29 de

Julho de 1899. 344

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 46. 345

A greve dos rurais a 1 de Janeiro de 1912 em Évora, só não foi plena devido às chuvas torrenciais de

impediram a mobilização geral.

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distância das localidades346

o que mostra a fraca mecanização, produtividade e

investimento.

Isto levou por um lado ao intensificar da luta e por outro a uma nova organização

política com o primeiro congresso de trabalhadores rurais em Évora criam-se os

fantasmas dos agitadores monárquicos e anarquistas cujas intenções eram o roubo e a

destabilização. Os sindicatos passavam a ser vistos como uma ameaça, a violência

alastra, existem armas por todo o lado e no decreto n.º 7:478 de 23 de Abril de 1921 é

referido que era urgente acabar com a concessão de licenças de porte de arma.347

O

decreto é assinado por António José de Almeida e Bernardino Machado.348

As vendas de armas são sujeitas a um maior controlo e pelo decreto n.º 11:268 de

25 de Novembro de 1925 os comerciantes de armas devem ser rigorosos na observação

do decreto de 31 de Maio de 1897 e da portaria de 28 de Março de 1908, ou seja, vender

apenas a quem tenha licença para uso e parte de armas.

Portaria n.º 4:349 de 16 de Fevereiro de 1925 autoriza aos guardas de jardins e

cemitérios da CML o uso e parte de arma e pelo decreto n.º 11:177 de 26 de Outubro de

1925 autoriza também aos guardas noturnos de Lisboa o uso e porte de armas durante o

exercício das suas funções.

No Diário do Governo de 3 de Novembro de 1910 é publicado o decreto de 31 de

Outubro, assinado pelo ministro António José de Almeida que é reveladora das

limitações sobre o direito à greve, dizia que afinal devia ser ponderado e estudado daí

ser constituída uma comissão encarregada de receber as reclamações entre patrões e

assalariados de modo a “harmonizar todos os interessados legítimos…”. Assim a 6 de

Dezembro seria então publicado, ainda no governo provisório a lei da greve de Brito

Camacho, o chamado “decreto burla” que anulava penalidades anteriores mas que

ficava muito aquém do esperado pelo operariado porque considera a desobediência um

crime e aqueles que quisessem impor a alguém outra vontade sobre a greve poderiam

346

Ana Paula de Brito Pereira, 1983, p. 488. 347

Não “usa armas quem não quer ou quem não pode pagar a licença […] certamente muitos dos crimes

não se dariam se o criminoso não tivesse tanta facilidade em obter licenças de parte de arma […] tem-se

abusado muito das licenças de parte de armas a particulares mas pode afirmar-se também que tem havido

uma excessiva complacência com respeito a funcionários públicos autorizados a usar armas com a

dispensa de licença.” 348

Art. 1.º dentro das povoações só é permitido o uso e porte de armas de fogo na sua própria habitação

em defesa pessoal, da sua família ou dos seus haveres. Art. 3.º sem licença só a quem tem autoridade para

tal por funções policiais ou de segurança

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67

incorrer em pena de prisão correccional até três meses, ficavam sujeitos a vigilância

policial se usassem meios violentos e perturbassem a ordem publica349

.

Tanto patrões como trabalhadores podiam fazer greve350

mas o art.º 4º e 7º

limitavam a eficácia do exercício da greve já que impunha o seu anuncio antecipado, 12

dias para o abastecimento de bens de primeira necessidade (abastecimento de água,

electricidade e saúde) e 8 dias para os transportes. Os funcionários públicos podiam ser

despedidos caso aderissem às greves. Ao contrário do que prometiam os republicanos

adulteraram o regime da greve o que desiludiu todos aqueles que se tinham batido pelo

5 de Outubro.

O apoio ao governo de Sidónio Pais veio da promessa da redução na participação

na guerra, da libertação dos presos e a esperança da resolução do problema da falta de

bens essenciais.351

Apesar de na prática já existirem só a 27 de Dezembro de 1924, o decreto n.º

10:415 do governo de José Domingues dos Santos em apenas cinco artigos reconhece

que as federações e uniões têm individualidade jurídica para celebrar contratos coletivos

de trabalho e autoriza as associações de classe ou sindicatos profissionais352

,

constituídos legalmente a reunirem-se e constituírem uniões ou federações de

associações de classe a quem tinha pelo art.º 3.º a capacidade para celebrar contratos

colectivos de trabalho.

Este é o único decreto que regulava as “associações de classe” sindicatos

profissionais era o decreto de 9 de Maio de 1891 cuja base era o art. 282.º do Código

Penal que autoriza o Governo a estabelecer a condições de se organizarem mas não faz

referência a federações ou uniões de associados e como eram reconhecidamente

preponderantes na organização profissional era de toda a justiça reconhecer a

personalidade jurídica para melhor cumprirem a sua finalidade (também não se fazia

referencia a contratos coletivos de trabalho), art. 1.º, as associações de classe ou

sindicatos profissionais, constituídos legalmente podem reunirem-se em federações

uniões (art. 1.º) que não dependem da aprovação do Governo mas da apresentação ao

Ministério do Trabalho; art. 3.º desde que estejam devidamente registados têm

349

Mas o conceito era vago podendo abranger muitas situações. 350

Para o empregador chama-se lock-out e apesar de ser permitido hoje em dia em vários países como a

Alemanha expressamente proibido pela Constituição Portuguesa (art. 57.º n.º 4). 351

João Freire, Porto, [1992], p. 233. 352

Apesar de não serem reconhecidos juridicamente a portaria n.º 1:832 de 11 de Junho de 1919 manda

publicar os modelos dos estatutos e instrução para a organização dos Sindicatos Agrícolas e das respetivas

uniões ou federações.

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individualidade jurídica para todos os efeitos legais como celebrar contratos coletivos

de trabalho.

Formalmente é aqui reconhecida a CGT pelo governo já que até então vigorava a

o diploma de 9 de Maio de 1891 que proibia a formação de federações e uniões

sindicais, apesar desse direito já constar da Constituição Portuguesa de 1911353

.

Em 1925 o Governo de Vitorino Guimarães permitiu o julgamento sumário e a

deportação de militantes da Legião Vermelha. O sindicalismo desenvolveu-se com a

República e por ela foi reprimida para voltar a ser duramente combatida pela Ditadura

Militar. O sindicalismo morreu mas a defesa dos valores do direito à dignidade

perduraram e perduram porque nestes momentos de crise, os discursos de há 100 anos,

estão atuais na defesa de valores que julgava-mos serem adquiridos e fundamentais.

O operariado responde com o coração, tem necessidades básicas; trabalho e pão.

O povo acordou para o ultraje, ganhou consciência que o seu trabalho não era

dignificado, saber que os filhos não podiam continuar a ser também desprezados e

deviam ter direitos pelos quais valia a pena lutar e se hoje estes são valores adquiridos é

porque alguém lutou, sofreu e até morreu para que eles existissem.

As empresa era vista visto como um campo de batalha, de um lado os que

produzem e do outro aqueles que com o monopólio dos instrumentos de trabalho, das

fábricas, dos campos, do capital, impõe a outros as condições injustas que submisso o

trabalhador tem de aceitar em virtude de leis que favorecem o mais forte e o povo

resigna-se como o burro que não sacode as moscas porque sabe que podem vir outras

ainda piores. As leis são um xaile que os pode livrar do pior que pode vir.

Na vida rural o camponês está habituado a uma maior liberdade que numa fábrica,

era difícil tornar em dócil alguém habituado a ter maior autonomia. A questão era que a

grande desqualificação e inexperiência tirava-lhes poder de discutir e negociar o

contrato e a mais pequena falta eram facilmente despedidos e substituídos, a

mecanização tornou-os mais domesticáveis, a luta contra as máquinas que aumentavam

o desemprego e diziam que o trabalho manual era mais perfeito, mas a solidariedade

353

“O direito de reunião e associação é livre. Leis especiais determinarão a forma e condições do seu

exercício” (n.º 14.º do art.º 3)

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ficava comprometida assim como o poder reivindicativo, a disciplina era agora

diferente, principalmente quando os patrões ou os mestres eram estrangeiros.354

O Estado tentava minorar o desemprego regulando a admissão de operários e

trabalhadores em geral nas obras pública aos mais necessitados para isso tinham de se

registar no Governo Civil pela portaria de 27 de Julho de 1894 e aqueles funcionários

públicos mais faltosos eram sancionados com a demissão, perda de vencimento ou de

abonos (art. 1.º ao 4.º do decreto n.º 4 de 15 de Dezembro de 1894).

Os partidos conservadores eram muito semelhantes, aconchegam-se uns aos

outros e trocavam lugares à mesa do repasto, nada fizeram para resolver problemas

fundamentais para que existisse progresso, era indiferente quem governava. Os dois

partidos, progressista e regenerador, morreram devido à sua constante substituição de

cadeiras, provocaram a derrocada económica em empréstimos desvairados o que levou à

intervenção estrangeira que nos fechou o crédito que nos espoliava.

A opressão a que estava sujeito o operariado acaba por se vingar danificando a

pessoa e bens da empresa. A greve355

era punida por lei356

tal como era em vários países

“felizmente, ninguém procura cumprir” já que “não se compadece com a moderna

orientação da intervenção social do Estado”357

. O reconhecimento ou não da greve era

irrelevante perante a evolução da sociedade até porque quando as greves eram proibidas

era como se o artigo não existisse porque elas sempre aconteceram358

.

O segundo congresso sindicalista de 7 de Maio de 1911, reuniram-se mais de 35

mil operários359

e nele foram votadas as seguintes conclusões:

“Não prevenir a entidade patronal, diligenciando que a greve constitua o mais

possível uma surpresa.

354

Quando em Portugal empresas estrangeiras proíbem de fumar e obrigam a cumprir horários fixos, são

consideram injusto, incompreensíveis e exigem o despedimento dos novos mestres para voltarem os

antigos, era de certo modo uma forma de saudosismo in Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1256. 355

25 de abril de 1889

16 de maio de 1890

16 de julho de 1890 356

Art.º 277.º n.º 2 do Código Penal. 357

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 99. 358

Em 1849 existiu uma importante greve metalúrgica que não teve as repercussões nem o sucesso que

poderia ter em virtude de ao tempo ainda não existirem estruturas associativas in José Barreto, 1981, p.

481. 359

Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-

1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos

sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 91.

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70

Evitar toda a espécie de contrato de trabalho individual ou coletivo de onde

resulte um entrave à liberdade de ação do grevista e que possa dar lugar a uma

intervenção legal que obrigue o operariado a respeitar o contrato a que se sujeita.

Generalizar a convicção de que a presença das forças armadas são um meio de

intimidação para quebrar o entusiasmo dos grevistas.

Preparar a opinião pública, pela educação constante, demonstrando-lhe a

necessidade das conquistas operárias, para que assim lhe não possa causar surpresa

qualquer movimento reivindicativo e repudiar a arbitragem, qualquer que seja o aspecto

com que ela se apresente.”360

Ulrich referia que muitas falavam em liberdade individual do trabalhador daqueles

que aceitavam de livre vontade salários mais baixos porque eram livres. Que liberdade

era a de aceitar piores condições? A venda do trabalho não é uma qualquer mercadoria.

Isoladamente o operário é inferior e acrescentava “fala-se muito na liberdade, mas a

liberdade do operário isolado é muitas vezes pior do que a escravatura. Liberdade

fecunda e proveitosa é a que ele encontra no seio da associação da sua classe, que ele só

luta para o favorecer!” e como tal o “boycotage exercido nas ditas condições por uma

associação, não deve, de modo algum ser reprimido pela lei.”361

Era uma forma de

perceber que a escravatura não tinha acabado totalmente mas tinha apenas sido

substituída pela do operário “era aviltante para a dignidade humana” alguém vender-se a

si próprio perante a extrema necessidade aceita-la era uma forma de reconhecer a

escravatura, já que não havia diferença entre vender o nosso trabalho para sempre ou

todos os dias.362

Era portanto um contrato intencionalmente subjetivo e impreciso, não é menos

verdade que hoje muita legislação também origina o livre arbítrio e abusos mas hoje

existem direitos de personalidade mas foram um longo caminho feito por gente que

lutou, sofreu por estes direitos e valores.

A greve permitia de maneira privilegiada uma rutura na relação laboral com o

objetivo de criar uma nova relação laboral, e como foram conseguidos graças a ela

importantes conquistas, estas lutas tinham grande importância no imaginário operário.

360

Alexandre Vieira, Para a Historia do Sindicalismo em Portugal, 2.ª ed, Seara Nova, Lisboa, 1974, p.

54-55. 361

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 338-339. 362

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 112.

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Gonçalves defendia que a greve era um direito que completava o princípio da

liberdade de trabalho. Se o contrato de trabalho é livre, o operário tinha o direito de

discutir as suas condições mas perante as grandes empresas tinham de se coligar para

ganharem força e fazerem vencer as suas pretensões.

A greve por si só demonstra que a sociedade tem defeitos e como tal é um modo

de os corrigir, já que o governo não tinha força para dar resposta às revindicações

operárias, a população ansiava por alterações e até Fernando Pessoa, escrevia em 1915:

“Quando fizemos a revolução não foi para implantar uma coisa igual ao que já

estava”.363

A greve nos escravos era considerado uma rebelião porque não tinham esse

direito. Não existirem escravos era uma noção de progresso mas o trabalho doméstico

ou as criadas era uma versão atenuada.364

A revolta era grande, os protestos comuns,

talvez alguns tivessem pouca justificação e tenham provocado a ruína das empresas e as

infelizes cedências dos Governos como aconteceu com a Caderneta Sindical que apesar

de nunca ter entrado em vigor nunca foi revogada, é de lembrar que em 1913365

existiram as greves contra “futuras” prisões de operários.366

/367

As principais revindicações eram: o aumento salarial, diminuição das horas de

trabalho sem redução do salário, contestação dos serões, pagamento de salários em

atraso, fim das violências e perseguições, coação, etc.

A verdade é que os patrões dificilmente mudariam os seus hábitos daí a

importância da luta operária e das greves que Ulrich diz ser “muitas vezes funestas à

fortuna económica dum país” e porque os operários ainda não estavam na sua grande

maioria sindicalizados a greve só era “parcialmente eficiente”.368

363

António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 39-40. 364

A “servidão não desapareceu senão para dar lugar ao salariato, e que o assalariato moderno sofre mais

e vive peias, muitíssimas vezes, do que o escravos antigos” in Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 40. 365

Foi neste ano que Afonso Costa afrontou o movimento sindical com a mesma frontalidade com que o

fez com a Igreja, numa conferência na Imprensa Nacional sob o tema “Sindicalismo e Catolicismo”, os

protesto foram generalizados. 366

Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 76. 367 São várias reivindicações mas as principais eram: o aumento salarial, diminuição das horas de trabalho

sem redução do salário, contestação dos serões, pagamento de salários em atraso, fim das violências e

perseguições, coação, etc. 368

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 78.

Page 72: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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Ainda hoje muita gente afirma que as greves criam incómodos369

que levam à

ruína de muitas empresas e impedem os outros de trabalhar mas é precisamente nestes

inconvenientes que se baseia a força da greve, sem eles a luta pouco valia “eis a grande

arma”370

.

O risco e sacrifícios que correm vale a pena face às melhorias que querem obter e

como são comuns a outros países, não colocam em causa as empresas nacionais, podem

prejudicar outras a que estão interligadas mas é nisso que se funda a solidariedade.

Não se conseguiu até hoje melhorias das condições de trabalho sem greves, não

existe outro método e por isso são justificáveis, são a arma por excelência da luta

operária, contra as injustiças, contra a fome e o livre arbítrio dos patrões a questão como

afirma Ulrich “é fazer bom uso dela”, já que a greve é o único meio, que o operário tem

de se fazer justiça a si mesmo”371

.

Quem vende o seu trabalho deve exigir em contrapartida condições “e todo o

homem é livre de trabalhar ou de deixar de trabalhar conforme entender”. Se a lei

reconhece o direito à greve, “que não se estabeleça o uso ilimitado desse direito”. O

ideal seria que a legislação admitisse só as “greves verdadeiramente úteis e

convenientes para o operariado e reprimisse todos os mais” mas devia ser “limitado, de

harmonia com o interesse público e com a liberdade alheia” mas como tal não é possível

é “necessário é permiti-los todos, sem o que não haveria verdadeira liberdade”.372

No relatório da greve da Covilhã em Junho de 1912373

, é referido que como não

conseguiam o aumento de salários e redução para as 10h, os menores que eram

pregadores de fios, função indispensável à produção foram instigados à greve o que

acabou com que fossem substituídos por adultos.374

Foi reconhecido neste relatório enviado ao Ministro do Fomento, “que havia um

grande fundo de justiça da parte dos operários, sendo para lamentar que eles não

tivessem formulado regularmente as suas reclamações, em vez de pretenderem fazê-los

vingar por meio de tumultos e arruaças” e acrescentava-se “Nas fábricas da Covilhã há

369

A greve tem em vista que o cidadão comum, privado de um serviço, sirva como forma de exigir a

reposição da normalidade. 370

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 385. 371

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 391-394. 372

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 393-395. 373

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 51-57. 374

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 53-54.

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73

uma verdadeira exploração com o trabalho dos menores” mas reconhecia-se que o

decreto de 24 de Junho de 1911 era tal como muitos consideravam “inexequível”375

.

Eram reconhecidas duas verdadeiras causas para esta greve por um lado “a falta

de seriedade nos contratos de trabalho, tanto por parte dos patrões como pelos

operários” e a presença de elementos perturbadores que “indiretamente” têm

manipulado o operariado.376

Grande parte das greves mesmo antes da Republica obtiveram resultados positivos

e foram atendidas as suas pretensões, nomeadamente na diminuição das horas de

trabalho, recusa na obrigatoriedade do pagamento do seguro contra acidentes trabalho,

alteração dos mestres de oficina, pagamentos, etc.377

Com o progresso de maior liberdade política e igualdade civil, surgem também

sociedades secretas, as greves vulgarizam-se e tornam-se até violentas, umas

espontâneas outras sem aviso prévio, sublevações, etc. A união faz a força mas o

egoísmo é humano e este arrasta multidões, a extrema miséria e o analfabetismo

dificultam uma união duradoura. Depois a intransigência de monárquicos e sindicalistas

na sua maioria libertários acabam por ficar de fora das soluções políticas.

Os patrões recusam-se a receber os membros das uniões. Ulrich afirma que ”a

experiência demonstra, que as situações dos operários de cada país melhoram na razão

direta do associativismo e piora na razão direta da sua decadência”378

São os sindicatos que contribuem para a melhoria das condições de trabalho e de

higiene, quer através das ações de sensibilização quer pelas diferentes formas de pressão

para melhores as leis laborais e reclamando uma maior liberdade para fazer contratos

com os patrões. Promovem a alfabetização379

e lutam contra o alcoolismo, promovem

acordos amigáveis com os patrões, impedem muitas vezes o recurso à violência nas

greves e nas ruas, tornando-as mais profícuas ao procurar razões justas sem

375

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 56. 376

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 57. 377

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 28-29. 378

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 327. 379

Um elevado de trabalhadores inscrevia-se nos cursos de alfabetização mas poucos chegavam ao fim

devido às dificuldades que lhes eram levantadas, nomeadamente os entraves colocados pelos pelos

“mestres” e patronato que tinham relutância em conceder 1h/dia para estudarem in José Santos, 1980, p

76.

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comprometer o futuro e o seu estatuto. Muitos foram os sindicatos que ajudaram o

operariado em épocas de crise quer através do apoio direto ou através da recolha de

fundos.

A falta de liberdade de pensamento e os tiques perseguitórios são vistos no

preambulo deste decreto que revela a mentalidade do poder ao querer limitar a ação dos

sindicatos.380

Na Sociedade de Geografia de Lisboa em 17 de Dezembro de 1923, Cunha Leal

afirmava: “As ditaduras hão-de vir, quer queiram quer não, pela força inevitável dos

acontecimentos”.381

- Relatórios de greves

Num relatório do Boletim do Trabalho Industrial de 1909, não se considerava a

luta dos trabalhadores uma coalizão ou greve mas de uma conspiração da classe dos

tecelões que se “amotinaram” por terem sido obrigados a “serem prefeitos no trabalho,

cumpridores dos seus deveres, ordeiros e disciplinados na oficina”, o que provocou um

“péssimo efeito moral” ao agravar a relação entre patrões e operários. Originou a

violência dos tecelões para impedir a sua substituição o que implicou a violação da

liberdade do trabalho que motivou o lock-out, dando origem à ruína e a ilusão dos

operários que se deixaram arrastar pela “minoria de agentes perturbadores” habituados a

transformarem impunemente as greves na Covilhã em tumultos incoerentes e

brutais”.382

São estes inspetores que escondendo o “sol com a peneira” mostram que

muitos eram coniventes com o patronato, diziam que as coisas estavam melhores em

cada ano que passava e até as condições de higiene estavam “em situação muito regular

e satisfatória”.383

380 “ocupando-se estas associações unicamente dos interesses profissionais e mantendo-se estas

associações unicamente dos interesses profissionais e mantendo-se alheios à política, podem ser elemento

de ordem e de progresso. Para aquelas que se desviarem do fim especial, para que foram instituídos, à

neste projeto de decreto e na legião neste projeto de decreto e na legislação geral os necessários meios de

repressão”. 381

Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.

132. 382

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 30, Lisboa, 1909, p.

52. 383

Idem, p. 12.

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75

Também no Funchal houve uma paralisação que quase gera o encerramento de

todo o comércio durante 2 dias como forma de protesto contra o regime cerealífero que

originou violência, tumultos, saques, feridos e até uma vítima mortal.384

O ano de 1911 e 1912 foram particularmente movimentados no que diz respeito às

greves, muitas por solidariedade, foi o caso das greves dos trabalhadores rurais duraram

seis dias. Os operários da construção civil do concelho de Évora, só foram regressando

ao trabalho à medida que as revindicações iam sendo satisfeitas.385

Fecharam-se fábricas

e oficinas, o abismo da anarquia aproximava-se e as associações sindicais tornaram-se o

centro difusor de novas doutrinas. Os que antes defendiam a liberdade agora iam contra

a liberdade dos outros à força das armas para que os proprietários fechassem as portas

das pequenas empresas386

.

Muitos dos protestos eram contra a concorrência que diminuía os salários, o uso

das máquinas que provocavam o aumento do desemprego. Num relatório de 1911387

era

referido que as queixas eram predominantemente sobre as más condições de vida,

habitação, alimentos, arrendamento, falta de higiene e era pedido o fim dos impostos de

consumo nos bens essenciais388

. No mesmo relatório era notório que em geral não eram

exigidas um numero superior às 10h de trabalho diário e era respeitado o descanso

semanal, no entanto devido aos baixos salários, muitos vezes partia do próprio

trabalhador o pedido de ultrapassar esse limite mas não deixavam de ser reconhecidos e

apontados alguns abusos onde a excessiva carga horária afetava também os menores.389

Tanto os patrões como operários não conheciam os decretos muitos meses depois

de publicados e quando os conheciam conformavam-se. Os próprios mapas dos

relatórios eram sempre aproximados já que não era obrigatório para os industriais,

384

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 104, Lisboa, 1916,

p. 10. 385

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 77, Lisboa, 1912-

1913, p. 10. 386

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 87, Lisboa, 1912-

1913, p. 7. 387

Da autoria do eng. José de Oliveira Simões, 10 de Agosto de 1911 in Boletim do trabalho Industrial,

República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-1911. 388

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-

1911, p. XIV. 389

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-

1911, p. XXI.

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fornecerem informações dos seus estabelecimentos.390

Mesmo mais tarde em relação

aos acidentes de trabalho na “maioria dos casos, os juízes de paz não fazem caso algum

destes preceitos”, dizia-se que fora do concelho do Funchal era raro ter conhecimento de

acidentes de trabalho a não ser que estes assumissem proporções tão graves que

apareciam nos jornais391

os juízes de paz, pessoas com instrução e “avisados das

formalidades a preencher, limitam-se a mandar o que recebem”, tardiamente e assim os

verbetes vêm com faltas e defeituosa redação.392

Existia a ideia na época que tendo em conta a situação da indústria, o atraso da

agricultura e a economia em geral não era ainda viável o dia normal de 8h de trabalho

diário. Não era apenas a forma ainda incipiente e pouco desenvolvida da economia era

também o preço elevado do capital, a falta de mercado externo, o facto de sermos um

pais periférico o que encarecia o custo das matérias primas e do transporte de produtos

em geral e de dificilmente os compradores externos se fixarem a um produtor e

dificilmente mudarem para um desconhecido, periférico sem reputação no mercado.

As revindicações393

eram muitas perante as más condições, no relatório de uma

importante fábrica394

lisboeta em 1916 era referido que ali não existiam greves nem

perturbações e eram os próprios operários a defender a empresa dos elementos

perturbadores395

. Dizia-se que todos os trabalhadores com mais de 12 anos não fazem

serões, descansam 1h, têm tolerância de 5 minutos ou mais tarde, se forem reincidentes

390

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-

1918, p. 6. 391

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-

1918, p. 8. 392

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-

1918, p. 9. 393 Associação de trabalhadores rurais – pede também o benefício da lei dos acidentes do trabalho, cultivo

dos baldios, terrenos abandonados, salário mínimo e horário de trabalho.393

Vendedores de leite – que se proíba a venda de leite desnatado ou que se use bilhas especiais. Que se

proíba a venda ambulante com gado passeando pelas ruas.393

Empregados do comércio pediam o cumprimento do descanso semanal e o respeito pelo horário de

trabalho do comércio.393

O regulamento do decreto n.º 5:516 de 7 de Maio de 1919 do comercio, o

horário era desde a 9h às 19h no máximo com folga de 2h e não mais de 5h consecutivas (art. 1.º). Nas

feiras e mercados podem abrir às 7h e fechar às 21h, considerando-se o tempo que exceder o horário

normal como horas extraordinárias. O art. 3.º trata das excepções, sejam, carnes e peixes, quiosques,

tabacarias, pastelarias, leituras, cervejarias, cafés, restaurantes, etc. E o decreto n.º 10:782 de 20 de Maio

de 1925 vai alterar as disposições regulamentares do 5:516 como cedência ao patronato sobre o horário de

trabalho de modo a garantir uma melhor execução até porque a portaria n.º 4:442 de 29 de Junho de 1925

tinha procurado defender os trabalhadores sem prejudicar os interesses do comércio e indústria,

afirmando-se que sempre que elas aleguem a necessidade de um horário mais prolongado será permitido

realizar por turnos ou pagando “o trabalho extraordinário pelo dobro do normal”. 394

Fábrica de Francisco de Almeida Grandela, S. Domingos de Benfica, Lisboa. 395

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 105, Lisboa, 1916,

p. 48.

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não entram. Tinham direito ao descanso semanal, não eram aplicadas multas mas os

estragos provados que tinham sido provocados pela falta de atenção do operário são

pagos em prestações semanais até completar o seu valor. Trabalham 9h/dia “porque não

quiseram trabalhar só 8”. Junto à fábrica tinham creche, o leite396

era de vacas próprias

da empresa e as mães podiam amamentá-los ao meio dia.397

O decreto n.º 10:539 de 11 de Fevereiro de 1925 praticavam abusos e fraudes que

convinham reprimir já que no mesmo estabelecimento se vendia leite de dois tipos um

completo e o desnatado e havia que prescrever as percentagens mínimas de gordura e de

extrato seco. Isto era um assunto sensível já afetava não só os adultos mas

principalmente as crianças e os velhos e os doentes. O decreto n.º 10:708 de 19 de Abril

de 1925 especifica a percentagem de gordura e extrato seco nas cidades e vilas é

proibida a existência de desnatadeiras nos estabelecimentos de venda de leite (art. 4.º) e

o leite complete será sempre em vasilhas diferentes das do leite desnatado (art. 5.º).

Antes do golpe sidonista, o movimento operário estava mais ativo que nunca,

Brito Camacho diria que tinha entregue o poder a Sidónio Pais para impedir a “ralé” de

o tomar.398

É nesta confusão que surgem as condições óptimas para o milagre de Fátima

lançado por um clero conservador. O apoio a Sidónio é enorme, desde a Igreja até ao

operariado, ricos e pobres, latifundiários e proletários mas depressa ia mudar com

achegada de uma Constituição presidencialista com o nome de Lei Eleitoral n.º 39977399

que alterava a de 1911 e iria inspirar a de 1933.

396

Foi na altura assunto debatido sobre a qualidade do leite e a 23 de Dezembro de 1899 o decreto aprova

as providências relativas à fiscalização da venda do leite de vaca puro sem adicionamento de outras

substâncias e os outros que não são de vaca puro, derivados ou processados devem trazer no receptáculo

em que são expedidos a denominação do leite de que são derivados (art. 1.º). 397

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 105, Lisboa, 1916,

p. 47. 398

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 130. 399

Esta lei dava o voto aos analfabetos que eram mais monárquicos e dava mais poderes ao Presidente da

Republica. A lei anterior republicana excluía os analfabetos com a desculpa que era necessário escolarizar

até estes seriam em princípio menos monárquicos.

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11 - O associativismo, cooperativismo e os socorros mútuos

Inspiradas nas Trade-Unions inglesas as associações de socorros mútuos, as

cooperativas e o movimento unionista em geral tem por objetivo a melhoria das

condições de vida do operário e a sua autonomia económica.

Com o fim das corporações algumas continuaram sob a forma de confrarias

religiosas ou de socorros mútuos. As associações de livreiros, sapateiros, ourives, entre

outros eram as mais antigas.

O Eng. Sousa Brandão viveu exilado em Espanha e França, estudou em Paris,

vendo como os operários eram mal pagos, sofriam castigos corporais, faltavam

condições de salubridade, horários longos acabou por fundar com dinheiro próprio a

Associação Operária e o primeiro periódico socialista em Portugal o jornal Eco dos

Operários400

destinados à causa e defesa dos operários e depois a Cooperativa

Industrial Social401

. Foi assim desde 1850 o grande dinamizador do movimento

operário e foi um dos fundadores do Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes

Laboriosas402

em 1853 cujos estatutos redigiu tendo por base a A.I.T. e defende a

criação de um banco de crédito, o “Banco do Povo”, para proteger as pequenas

industrias, comprar matérias primas, dar instrução e socorro. Tentou criar regras

coletivas, contribuiu para a melhoria das condições de trabalho também muito por

influência dos movimentos da internacional onde militavam espanhóis que procuraram

refúgio em Lisboa em virtude da repressão aos simpatizantes da Comuna de Paris, mas

tudo isto só seria possível com a criação de uma federação.

Em 1872 a Fraternidade Operária contava com 6000 associados nesse ano dá-se a

greve dos Tecelões de Lisboa e o movimento alastra e em 1876, Azedo Gneco

testemunhou mais de 50 greves de vários ofícios e por vários circunstâncias mas o

patronato reagiu e os resultados acabaram por ser desfavoráveis ao operariado porque

400

Juntamente com António Pedro Lopes Mendonça (jornalista, dramaturgo, romancista) e mais tarde,

Francisco Vieira da Silva Júnior. 401

Escrevia José Fontana sobre a intenção da generalização do cooperativismo “… haverá de absorver o

patronato e o salariato de hoje.” In Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 104. 402

José Fontana, Antero de Quental, Oliveira Martins, Lúcio Fazenda , Azedo Gneco, Felizardo Lima,

etc.

Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, os seus estatutos tinham por base a AIT. Em

1871 a Comuna de Paris dinamiza este movimento. Em 1878 tinham 17 associações em 79 surge uma

dissidência e em 80 já estava reduzido a 9 associações. Desde 85 que o anarquismo aumenta e surge um

confronto entre os que defendem reformas de Luis Figueiredo (socialistas possibilistas) e os marxistas ou

revolucionários de Azedo Gneco (socialista absoluto) este último é preterido pelo fação do primeiro.

Havia ainda um grupo mais pequeno dos chamados socialistas de Estado onde estava Sousa Brandão,

Costa Goodolphim, Liberato Correia, Augusto Fuschini, Oliveira Martins, Jaime Batalha.

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este não se soube manter unido nos momentos em que isso era exigido e foi essa

desunião que levou à derrocada da Fraternidade Operária.403

As associações de socorros mútuos tinham também o intuito de difundir o ensino

técnico e elementar, organizar asilos para inválidos, etc., o jornal do Centro Promotor

era o seu órgão de difusão.

A 10 de fevereiro de 1890 surge um decreto que autoriza o governo a regular estas

associações promulgadas pelo decreto de 28 de fevereiro de 1891 que regulava a

organização das associações de socorros mútuos com vista a proteger o operário.

Chama-se aqui a atenção do Rei que a maquinização tem vindo a substituir a

manufatura o que implicou uma alteração radical que depreciou o operário, criou

desconfiança e de concessões não voluntarias que não foram compensados. Esta

legislação esteve na origem de um conjunto de outros diplomas que se seguiram como

os regulamentos de árbitros avindores, trabalho feminino e de menores e que

precederam outros como as de associação de classe e de responsabilidade pelos

desastres no trabalho. Referia-se no decreto que o objetivo era o de socorrer os doentes,

custear funerais, pensões às viúvas e órfãos, pensões para aqueles que estivessem

impossibilitados de trabalhar tal como constava no art. 1.º, já que no art. 3.º referia que

as associações tinham de no mínimo ter 25 sócios.

Legislar não era suficiente, várias associações tinham desaparecido e para tentar

colmatar esta situação surge o decreto de 2 de outubro e 25 de novembro de 1896 que

aumentaram para 500 o número mínimo de sócios para fundar uma associação (mais

tarde diminuíram para 200).

Por portaria régia de 12 de junho de 1897 foi lançado o inquérito sobre o estado

económico das associações de socorros mútuos que viria a ser concretizada só para

Lisboa. Existiam em 1898, cerca de 190 associações com 102000 sócios404

na capital.405

Guilherme de Santa Ritta, o único que procedeu ao inquérito, conclui que “era fictícia a

vida dessas associações” em virtude da ausência de bases científicas, administração

onerosa e em alguns casos pouco escrupulosa.406

403

Joel Serrão, 1979, p. 9-10. 404

Havia quem fosse sócios de mais de uma associação de socorros mútuos. 405

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 62. 406

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 62.

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As associações eram no geral pouco úteis, o decreto de 28 de janeiro de 1905

criava uma caixa de pensões, estabelecia a reforma ou aposentação por incapacidade

permanente aos operários e jornaleiros dos serviços elétricos e telégrafo-postal.

Mas não era para todos, a 24 de Agosto de 1911 surge um decreto que aprova o

regulamento para concessão de socorros de assistência pública407

em Lisboa e a quem

eles não devem ser concedidos (art. 15.º), como aos que não querem trabalhar, aos que

habitualmente se embriagam, aos mendigos de profissão, mulheres de mau porte porque

todos estes recaiam no domínio da correção penal excepto em casos especiais. Por isso

devia procurar-se nas condições de trabalho normal que os trabalhadores se associem

para formar caixas de socorro (art. 22.º).408

Era importante a todo o operariado e não só

aos do Estado, o que nasceu pobre também deve ter acesso ao “meio de se tornar igual

em direitos civis e políticos ao homem que nasceu rico”.409

O imposto do Real d’Água era uma taxa de consumo410

pouco produtiva que

atingia 21%. Augusto Fuschini, em 1893, defendeu a incorporação deste imposto na

contribuição predial mas não teve sucesso411

. É que além deste imposto existia ainda

uma serie de impostos especiais que vinham de 1878 que incidiam sobre o vinho412

,

vinagre, uvas, etc.413

Estes impostos eram excessivamente onerosos para as classes mais

desfavorecidas daí a importância das associações de socorros mútuos se unirem para

defenderem a substituição por um imposto direto ou progressivo de acordo com os

rendimentos.

Ao contrário destas industrias o tabaco é independente de outros meios de

produção e como tal pode ser taxado sem prejudicar outros industrias de primeira

necessidade e depois como é um vicio é socialmente aceite esse encargo que chegou em

407

Decreto de 30 de Outubro regula o lançamento e cobrança do imposto especial destinado ao fundo

nacional da assistência publica. 408

Em 1914 o decreto n.º 298 de 29 de Janeiro amplia o de 3 de Janeiro para garantir maior justiça na

aplicação dos socorros da Assistência Pública que devia ser feita por uma comissão que formulava o

regulamento (tinham um mês para o fazer) cujo diretor geral representava o governador civil e o provedor

da Assistência. 409

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 74. 410

Atingia vários alimentos, líquidos alcoólicos, combustíveis, iluminantes, etc. 411

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 36. 412

O decreto de 23 de Maio 1911 o vinhos de região duriense devem ser abrangidos pelo real de água em

harmonia com a art. 13.º da Carta de lei de 13 de Setembro de 1908. 413

Pela carta de lei de 27 de Abril de 1896 determina quais os produtos que são fabricados e consumidos

no continente e ilhas adjacentes que ficam sujeitos aos impostos de fabricação e de consumo, fixando

preços para produtos como açúcar, óleos, manteigas, velas, etc. (art. 3.º).

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1860 a ser 1/8 do orçamento de Estado que em Inglaterra e na França era de 1/12 e 1/13

respetivamente.414

O princípio do associativismo mutualista terá surgido em Portugal em 1848 graças

às influências e desenvolvimento que os acontecimentos políticos em França tiveram no

operariado nacional. No mutualismo415

não existe especulação mas o reconhecimento da

consciência do apelo da solidariedade. No mútuo substituem-se os intermediários, um

pequeno acidente, uma doença que provocasse a falta no trabalho era suficiente para

lançar uma família na miséria e o seguro dá segurança416

, torna os homens iguais

perante infortúnio, fazer um seguro não é ser egoísta, é pensar na família e naqueles que

lhes estão mais próximos e que necessitam do seu sustento.

Referia Villela que o seguro público é preferível ou privado, é mais eficaz, a

dispersão de valores é menor e é mais justo. O seguro devia ser visto como uma

necessidade geral, como é uma padaria, um mercado, os correios, transportes, estradas,

caminhos-de-ferro, iluminação pública, higiene, etc., ou seja, ter carácter público e

social.417

Para José Ernesto Dias da Silva418

o seguro de sobrevivência devia abranger as

viúvas e órfãos já q a mutualidade centra-se no individuo e não na sua família, a não ser

num “socorro platónico” tipo médico mas uma vez falecido ninguém se preocupava e se

a mutualidade se centra no individuo acaba por ser instável já que de criança, passando

por adulto até envelhecer havia o cuidado de prevenir aqueles que deixava e a família

era de todas as formas associativas a mais natural e como tal deve merecer um lugar

especial mas poucas se compadecem achando que o homem só veio ao mundo para

trabalhar. Os filhos e as esposas ficavam abandonados à sorte, a sociedade não estava

414

Maria Filomena Mónica, 1992, p. 462. 415

Em 1909 eram já 628 associações mutualistas e 700 em 1921 in David Pereira, 1997, p. 59. 416

Em relação à segurança e em virtude da violência, bombas, destruição de propriedade, incêndios

provocados por grevistas, existia o sentimento de insegurança e falta de polícia, Portugal passa a ser um

grande consumidor de um novo seguro contra tumultos autorizado pelo Concelho de seguros que só EUA,

Inglaterra e Portugal tinham este tipo de seguro durante o período de 1912 até 1917, além disso vai

aumentar a procura pela segurança privada, nomeadamente guardas noturnos in III Congresso I República

e Republicanismo 2015 por Gonçalo Çonçalves, “A Comodificação da Desordem: Incêndios, Seguros e o

Imaginário da Insegurança em Portugal, 1910-1917” é o exemplo da portaria de 24 de Julho de 1913 que

autoriza a Companhia de Seguros Confiança Portuense a explorar novos ramos de seguros,

nomeadamente os riscos de incêndio proveniente de greve ou tumultos ocasionados por greves. 417

Alvaro da Costa Machado Villela, Seguros de Vidas (esboço histórico, económico e jurídico),

Imprensa da Universidade, Coimbra, 1898. 418

“Da Mutualidade na Assistência às viúvas e aos órfãos”, Congresso das Associações de Socorros

Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45,

Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.

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preparada para o infortúnio, as instituições de socorros mútuos eram poucas,

principalmente nas cidades, com poucos associados já que o salário operário não

permitia o pagamento de quotas.419

Em 1910 Alemanha, Áustria, Bélgica, Inglaterra e França, já tinham seguros

contra invalidez e velhice, reforma, seguros ou instituições que se encarregavam de

suprir essas faltas.420

Assegurar ao operário na doença, invalidez, velhice e desemprego,

o salário “constitui um dever da sociedade, para o qual o operário por igual da melhor

vontade deveria concorrer na proporção das suas forças”.421

Chegados a 1920 Portugal tinha uma legislação social, vasta e bastante completa

em comparação com outros países europeus, a solidariedade foi uma conquista social de

grande importância, abrangia quase todos os riscos profissionais por conta de outro

indivíduo ou entidade, obrigatório para o empregador e abrangia quem estivesse ao seu

serviço.

O cooperativismo

Alem das associações de socorros mútuos existiam o cooperativismo

impulsionados também por Sousa Brandão e José Fontana422

.

A lei de 2 de julho de 1867 referia que o fim das cooperativas era o de “auxiliar os

sócios no desenvolvimento da sua indústria, do seu crédito e da sua economia

doméstica; comprar para vender aos associados e a estranhos as coisas necessárias à

vida, alem de sementes, adubos agrícolas e matérias-primas; aluguer de máquinas e

instrumentos necessários à indústria; organizar oficinas de trabalho comum e vender os

produtos; vender por conta dos donos os produtos de indústria doméstica ou fabricados

419

Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p. 100. 420

Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p 101. 421

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 3, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 14. 422

De seu nome Giuseppe Silo Domenico Fontana, era Suíço, foi livreiro, publicista, intelectual e

activista cujos discursos de romântico exacerbado levava multidões ao rubro. Foi um dos organizadores

das Conferências do Casino. Com apenas 35 anos de idade, tuberculoso, suicidou-se, perdendo o partido

socialista, grande orador, uma das suas mais importantes figuras.

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83

isoladamente; construir casas; e fazer operações de crédito para os sócios

exclusivamente” mas muitas destas cooperativas acabaram com grandes deficits.423

O direito de associação, estava reconhecido para fins civis ou comerciais,

beneficência, instrução, recreio e mutuo auxílio. O decreto de 15 de junho de 1870

permitiu a liberdade de associação e reunião que supria a lacuna da Carta

Constitucional424

mas o decreto n.º 1 de 29 de Março de 1890 que regulava novamente o

direito de reunião afirmando que são uma garantia da liberdade e promove o

desenvolvimento e estas são inseparáveis das garantias da ordem pública e defendem o

respeito às instituições políticas e dão garantias de ordem pública mas com restrição se

as reuniões não fossem realizadas em recintos fechados. Por isso pela portaria de 20 de

Fevereiro de 1891 “determina que os governadores civis exerçam ativa e constante

vigilância sobre as associações ou coletividades que se desviem dos fins para que foram

constituídas” reforçado pelo decreto de 9 de Dezembro de 1897 onde se declara que os

funcionários civis do Estado não podem celebrar congressos de classe sem previa

autorização do governo (art. 1.º) era considerado um direito garantido por lei mas o

governo tinha de regular esse exercício.

Thomaz Ribeiro sensibilizou-se com a causa operária proibindo no decreto de 28

de fevereiro de 1891 tivessem nos seus estatutos preceitos alheios aos seus fins. Com

estes decretos as associações de classe podem ter mais de 20 pessoas425

com a mesma

profissão ou correlativa426

, sejam operários ou patrões, empregados ou mistos. Tem

individualidade jurídica possuir prédios urbanos, dispor de quotas e rendimentos, etc.427

423

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 76. 424

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 90. 425 Código Penal 16 de setembro de 1886

Art.º 130.º Aquele que faltar ao respeito à religião do reino, católica, apostólica, romana, será condenado

na pena de prisão correcional desde um até dois anos…

Art.º 282 toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em seções de menor numero,

que, sem preceder autorização do Governo, com as condições que ele julgar convenientes, se reunir para

tratar de assuntos religiosos, políticos, literários ou de qualquer outra natureza, será dissolvida, e os que a

dirigem e administrarem serão punidos com a prisão de um mês e seis meses. Os outros membros serão

punidos com a prisão até um mês. In António Ferreira Augusto, Coimbra, 1905, p. 245. 426 Relatório do decreto de 9 de maio de 1891 não permitia a constituição de sindicatos com menos de 21

associados o que era difícil fora das cidades. 427

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 91-92.

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84

As maiores associações cooperativas eram as dos manipuladores do tabaco de

Lisboa e Porto, manipuladores de fósforos428

, marítimos, trabalhadores fluviais do

Porto, corticeiros, marceneiros, construtores civis, fabricantes de calçado, etc.429

Para Custodio Mendonça430

os socialistas, os coletivistas e os anarquistas

moderados defendiam o cooperativismo como um meio para a diminuição da

propriedade individual, uma forma de atingir uma sociedade mais humana e igualitária.

Do outro lado defendia-se que o cooperativismo era uma forma de beneficiar o

consumidor à custa de quem a produzia431

e por isso era muito criticado pelos

anarquistas mesmo quando muitos deles eram sócios por questão de necessidade432

.

A Alemanha é muito desenvolvida em termos agrícolas e isso devia-se também ao

cooperativismo agrícola que lutava contra a usura dos campos, desenvolveram a as

caixas de crédito agrícola entre associados.

Mas em Portugal a lei de 2 de julho de 1876 não consagrou estímulos à formação

das cooperativas. Só o decreto n.º 3:618 de 27 de novembro de 1917, de forma a

contrariar os efeitos da guerra, estava o Governo autorizado a fazer empréstimos às

cooperativas433

. Em 1916 existiam em Portugal 140 cooperativas mas faltavam dados

estatísticos.434

Para muitos anarquistas o mutualismo e o cooperativismo eram impotentes,

podiam até para os trabalhadores “ser danosos e maléficos quando embaralhados e

confundidos com a resistência, no sindicato”, eram um engodo que “em breve vem a

paralisar ou a matar a ação de resistência…”.435

Os operários entravam nestas

428

A importância destas associações e das indústrias está no decreto de 19 de Julho de 1901 onde era

dada à Companhia Portuguesa de fósforos o direito de estabelecer uma fiscalização preventiva com

agentes especiais da sua confiança para descobrir “descaminhos e transgressões.” 429

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 93. 430

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 48-55. 431

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 48. 432

A ideia era a de ser patrão de si próprio, não mandar nem ser mandado era uma razão do ideal

libertário in João Freire, Porto, [1992], p. 190. 433

Foram os principais criadores de legislação cooperativista: Costa Goodolfim, José Fontana, Sousa

Brandão e Marnoco e Sousa. 434

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 55. 435

Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 123.

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associações “sem disposição para a luta e apenas com a mira no subsídio ou nas

vantagens cooperativas”.436

12 - Seguros obrigatórios, o embrião da previdência social

Já no Talmude da Babilónia existia o seguro para os viajantes hebreus, a ideia de

seguro consiste na difusão do dano por um grande número de indivíduos sujeitos ao

mesmo risco.

Foi Silvestre Pinheiro Ferreira quem primeiro fez um projeto de um banco de

socorro e de seguro mútuo em 1836437

. Os seguros principais eram o de invalidez e

velhice, doença, inatividade, acidentes de trabalho.

A mutualidade corporativa distrital é preferível tendo em conta a vigente teoria do

risco para os acidentes de trabalho, a organização dos seguros deve ser exercida pelas

sociedades mútuas federadas, obedecendo às regras do seguro.438

Para F. Emygdio da Silva a preferência ia para as sociedades mútuas mas tal só

seria possível quando a iniciativa e educação geral o permitirem. Nos EUA são

predominantes mas na Inglaterra um terço da população desenvolveu não as mutuas mas

“friendly societies”.439

O legislador afastou-se do sistema alemão que permitia a devassa o n.º 2 e n.º 3 do

art.º 49.º da lei de 9 de Setembro de1908, contem as bases em que as sociedades têm a

autorização para operar em Portugal tendo que dar garantias aos segurados e pagar

impostos se “os prémios das companhias já são o imposto que uma pessoa paga para se

segurar; como justificar um imposto sobre este imposto?”.440

O seguro de vida é a melhor garantia que o cidadão pode dar ao Estado de que

nunca cairão a cargo da sociedade a sua mulher e os seus filhos”.441

Com a República

436

Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 123. 437

Fernando Emygdio Silva, Seguros Mutuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 195. 438

Fernando Emygdio Silva, Seguros Mutuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 298. 439

Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 331. 440

O imposto é uma perturbação grosseira no seguro, apesar de o Estado perder dinheiro o interesse em

generalizar o seguro é essencial para o país in Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1911, p. 350 e 356. 441

Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 356.

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86

vão surgir muitos pedidos de seguradoras para exploração de novos ramos de seguros

contra os acidentes de trabalho442

.

Manuel de Vasconcelos em Março de 1917 defendia que a forma de previdência

era injusta443

, isto porque muitos trabalhadores não tinham morada fixa em virtude do

seu trabalho ou porque estavam desenraizados, saíam do raio de ação da sua associação

e perdiam os direitos adquiridos. Por outro, grande parte dos trabalhadores circulavam

por varias empresas e assim não permite supor que o trabalhador envelheça ou fique

inválido ao serviço de uma só empresa, já que é normal procurar melhor salário.

A “maioria dos nossos operários e empregados tem descontado nos seus salários e

ordenados a vida inteira para caixas de socorros e chegam ao dia da invalidez ou da

velhice sem ter direito a subsidio algum”444

. Isto acontecia principalmente nas caixas de

invalidez e velhice, anexas às fábricas, oficinas e comércio sob tutela patronal. É que

existiam patrões que não viam no operário senão “…o limão a espremer, e mais

nada.”445

Um trabalhador que vá de Lisboa para o Porto, os fundos deviam ser

transferência de uma associação para outra mas as cotas e as regalias são diferentes. O

que faltava era o seguro de doença, invalidez e velhice, cabia à caixa Nacional de

Previdência446

.

A lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913447

estabelece o direito à assistência clínica,

medicamentosa e indemnização para os operários e empregados vítimas de acidentes de

trabalho sucedido pelo serviço profissional e em virtude desse serviço, os operários e

empregados em fábricas, oficinas e estabelecimentos comerciais onde se faça uso de

uma força distinta da humana448

apresenta a noção para o que se considera acidente de

trabalho449

, sobre as indemnizações450

e seguradoras451

.

442

Portaria de 24 de Outubro de 1913 autorizava a Companhia de Seguros. A Mundial. Portaria d(5) de 15

de novembro de 1913 autoriza as companhias de seguros: A Lusitania, A Nacional, Portugal Previdente,

A Mutualidade Portuguesa, A Equitativa de Portugal e Ultramar. 443

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162. 444

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162. 445

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162. 446

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 163. 447

Vai-se com o tempo generalizando a outras profissões como aos caixeiros viajantes e de praça (lei n.º

801 de 3 de Setembro de 1917). 448

Minas, pedreiras, metalurgia, construção terrestre e naval, produtos tóxicos, inflamáveis, insalubres,

explosivos, etc. (art. 1.º). 449

“Toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica […] intoxicação agudas

produzidas durante e por causa do trabalho e as inflamação dos bolsas serosas profissionais.” (art. 2.º).

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87

No relatório sobre o seguro obrigatório contra os desastres no trabalho, criado por

decreto com força de lei n.º 5:637 de 10 de Maio de 1919452

, Estevão de Vasconcelos

que foi um dos maiores defensores do operariado principalmente no que diz respeito aos

acidentes de trabalho453

, refere que a lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913 era muito restrita

e excluía muitas profissões que ficavam sem assistência médica e medicamentosa como

era o caso do trabalho domestico e os rurais que na altura representavam a larga maioria

da população. O artigo 23.º deste decreto foi regulado pelo decreto n.º 183 de 24 de

Outubro de 1913 sobre o direito de assistência clínica, medicamentosa e indemnizações

para os operários e empregados vítimas de acidentes de trabalho e refere no art. 1.º que

os empreiteiros são responsáveis pelos acidentes de que sejam vítima os operários

menores de dezasseis anos e os aprendizes se estes não cumprissem as ordens e

instruções dadas454

.

O decreto n.º 182 de 24 de Outubro de 1913 regula as disposições da lei de 24 de

Julho de 1913 sobre o direito à assistência clínica e medicamentosa e assistência aos

operários vítimas de acidentes de trabalho, segundo a lei de 24 de Julho poderá ser feita

por sociedades mútuas de patrões e por companhias de seguros anónimos e de

responsabilidade limitada de acordo com o decreto com força de lei de 21 de Outubro

de 1907 (art. 1.º).455

Para rectificar esta lacuna o decreto n.º 5:637 de 10 Maio de 1919 sobre “desastres

de trabalho” que ficou defendido o princípio da obrigatoriedade patronal, tornando-se

extensiva “a todos os profissionais em todo o risco”456

. Para época foi já muito

revolucionário.

-Seguros obrigatórios na doença 10 maio de 1919.

O decreto n.º 5:636 de 10 de Maio de 1919 referia o art.º 1.º e 3.º que era para

“…todas as pessoas que exerçam uma profissão honesta dos 15 aos 75 anos de idade e

450

As indemnizações estão a cargo das empresas e patrões, o Estado e as corporações administrativas

cujos operários estejam ao seu serviço. 451

As companhias de seguros ou sociedades mútuas que desejem explorar estes seguros contra as doenças

e acidentes trabalho tinham de constituir-se pela lei de 21 de Outubro de 1907. 452

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 119. 453

Este termo começa já a substituir “desastres”. 454

Teria de ser afixado em sítio “bem visível” a lei n.º 83 3 os regulamentos respetivos” sob pena de

multa (art. 2.º). O “patrão” fiava isento de responsabilidade quando o acidente ocorrer em local fora das

suas funções ou (art. 6.º). 455

Para isso têm de se constituir e depois depositar na CGD uma determinada quantia (10000$) (art. 2.º).

Os patrões que não tenham transferido as suas responsabilidades para as companhias de seguros ou

sociedades anónimas deverão fazer os depósitos das reservas correspondentes às pensões na CGD, à

ordem do Conselho de Seguros (art. 8.º). 456

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 119.

Page 88: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

88

que tenham rendimento anual superior a 900$00…” e o art.º 13.º que “estas pessoas são

obrigadas a inscrever-se como sócios efetivos das Mutualidades de seguro obrigatório

na doença, pagando as suas quotas semanais ou mensais voluntariamente ou por

desconto nos seus salários feito patrão.”

-Seguro social obrigatório contra a invalidez e velhice e a favor das viúvas e

órfãos.

O decreto n.º 5:638 que “…é decretado o seguro social obrigatório contra a

invalidez. Velhice e a favor das viúvas e órfãos para todas as pessoas que exerçam

qualquer profissão útil e tenham rendimento anual inferior a 900$.” “A pensão de

velhice correspondente ao salário por inteiro é concedida a todo o segurado logo que

tenha concluído 70 anos de idade e tenha pago 1410 cotizações semanais.”

O seguro social obrigatório contra os acidentes no trabalho abrange todos os

riscos profissionais por conta de outro indivíduo ou entidade.457

Era esta a única forma

de combater a pobreza a dar esperança aos trabalhadores no futuro já que reconhece a

existência de direitos e deveres por parte do empregador e do trabalhador, ambos tinham

obrigações que eram garantidos pelo Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e da

Previdência Geral.458

O trabalhador deveria contribuir com 1,5% da sua remuneração

até aos 70 anos de idade desde que cumpridos os seus deveres sociais.459

Os socialistas chegaram a ter 8 deputados e chegaram a ter dos mais importantes

ministros460

. Em maio de 1919 são publicados vários decretos importantes como o das

8h/dia ou 48h por semana para os funcionários do Estado, indústria e comércio

(excluíam-se os rurais e domésticos, nestes estava incluída a hotelaria.

As horas extraordinárias eram pagas a dobrar mas eram uma forma de obrigar a

trabalhar mais pagando menos e havia que lutar pela sua abolição mas no setor público,

o Estado sabia tornear a questão e criava leis para que legalmente prorrogava o horário

em vigor nas obras da construção civil do Estado em Lisboa e nos demais serviços das

obras públicas dependentes do Ministério do Fomento.461

O desenvolvimento económico e a própria evolução trouxera mais veículos em

circulação e isto implicou mais acidentes pessoais com que a população ficou

457

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 409. 458

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 410. 459

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 411. 460

Augusto Dias da Silva em março de 1919 e Ramada Curto em janeiro de 1920. 461

Decreto n.º 333 de 31 de Março de 1915.

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“justamente alarmada com a crescente frequência dos desastres…” não se altera a

responsabilidade baseado na culpa por ser conforme a nossa tradição jurídica, “apenas

inverte o encargo da prova, que fica pertencendo não à vítima mas sim aos responsáveis

pelos acidentes…” o que era uma inovação na responsabilidade civil nestes casos o que

tornaria mais fácil a obtenção da justa reparação do prejuízo e se reduziria “a

imprevidência ou imperícia dos condutores de veículos.” O art. 1.º refere de todo o

acidente pessoal causado por terceiro ou por qualquer transporte terrestre dá ao lesado o

direito de exigir uma indemnização pelo prejuízo sofrido. No art. 2.º os proprietários

mesmo não sendo causadores respondem solidariamente com o autor.

O ISSOPG (Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Social) não

teve a utilidade que era desejada durante a República. Logo na aprovação da legislação

em Maio de 1919 as organizações patronais e médicos colocaram reticências que em

conjunto com a inflação do pós-guerra criaram dificuldades e os escalões salariais

ficaram desatualizados462

.

Em 1919 com o Partido Socialistas no governo de José Relvas e Domingos

Pereira463

, é Augusto Dias da Silva que finalmente consegue dar algumas respostas à

“questão social”, nomeadamente às 8h, seguros sociais obrigatórios e os bairros sociais,

foi por isso decisiva a ação do ministro socialista Augusto Dias da Silva, um defensor

de um amplo programa de reformas políticas e sociais, sob influência de ideias e

legislação que surgiram na Europa e nos EUA, nomeadamente através da ação da OIT

da qual Portugal foi membro fundador.

Em meados do séc. XIX as misericórdias e instituições filantrópicas tinham um

importante papel mas era claramente insuficiente, as necessidades da população eram

muitas, as associações não conseguiram dar satisfação e depressa se aperceberam que

era essencial o papel do Estado.

Em 1911 no Congresso Nacional da Mutualidade existia a preocupação dos

seguros de acidentes de trabalho, cujos números eram muito maiores que os das

estatísticas pelo que deveria ser criada legislação para que vinga-se o principio da

responsabilidade dos patrões sobre os seguros de acidente de trabalho e acabaram por

influenciar a lei de 24 de julho de 1913, sobre acidentes de trabalho.

462

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 440. 463

São mais de 340 decretos neste período por ele lançados.

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90

De acordo com a doutrina da solidariedade social, estender o seguro a todos os

trabalhadores era o ideal para garantir a paz social, evitar a fuga para as cidades, o

aumento da emigração. Estender a situação de doenças, invalidez e velhice, acidentes de

trabalho e desemprego mas tinha-se a noção que o sistema não se podia sustentar sem

apoio do Estado. O modelo de outros países europeus sobre os seguros obrigatórios que

o fizeram de forma faseada em Portugal logo em 1919 se defendeu todo um conjunto

seja doença, acidentes trabalho, invalidez, velhice, sobrevivência.464

A lei sobre acidentes de trabalho de1919 estende os benefícios do setor industrial

a outros trabalhadores. Surgiram cinco decretos com força de lei a 10 de Maio de

1919.465

Os seguros obrigatórios já estavam em vigor em vários países como a

Alemanha, Áustria, Suíça, Dinamarca, Suécia e Noruega. É reconhecida a influência

estrangeira principalmente inglesa, onde teve grande ação o primeiro-ministro inglês,

Lloyd George, a quem era reconhecida a ação nos decretos n.ºs 5636 e 5638.466

O decreto n.º 5640 é a “aliança entre o capital e o trabalho, pois é nessa aliança

que se encontra a solução de todos os problemas futuros da natureza económica e

social”.467

Era reconhecido pela legislação a importância da anterior ação das

mutualidades livres e pela associação de socorros mútuos e a ausência do apoio

financeiro por parte do Estado nos fundos de pensões na formação do modelo

português.

O decreto n.º 5636 sobre o seguro social obrigatório na doença refere o carácter

universal onde todos os indivíduos dos 15 aos 75 anos de ambos os sexos deviam estar

obrigatoriamente inscritos.

O decreto n.º 5637, seguro social obrigatório contra desastres no trabalho refere a

responsabilidade dos patrões em assumir o risco que fazem parte do trabalho dos seus

funcionários, o objetivo era o da responsabilidade patronal ser extensivo a todos os

trabalhadores. Este decreto define de forma rigorosa como seriam pagas as

464

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 446-447. 465

Decreto n.º 5636 - Seguro Social Obrigatório na Doença.

Decreto n.º 5637 – Seguro Social Obrigatório contra desastres no trabalho.

Decreto n.º 5638 – Seguro Social Obrigatório contra invalidez, velhice e sobrevivência.

Decreto n.º 5639 – Organização das bolsas sociais de trabalho.

Decreto n.º 5640 – Organização do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Desenvolvimento. 466

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 448. 467

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 448.

Page 91: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

91

indemnizações de acordo com a gravidade, o salário e o agregado familiar do

trabalhador.

Seriam as sociedades mútuas de patrões ou as companhias de seguros, nacionais

ou estrangeiras que deveriam explorar os seguros. Deveriam fazer um depósito

antecipado das garantias e das reservas matemáticas das pensões, à taxa de 4,5% sobre o

valor do salário na tesouraria do ISSOPG. Isto significa que o Estado se limitava a

fiscalizar a gestão deste seguro totalmente suportado pelo patronato.468

O preambulo do decreto n.º 5638 regula o seguro social obrigatório contra a

invalidez, velhice e sobrevivência era essencial para minorar as dificuldades da

população. Era um complemento dos seguros de doença e acidentes de trabalho,

aplicado a todos os trabalhadores dos 15 aos 65 anos com o salário anual inferior a

900$.

As quotas pagas pelo patronato asseguravam a manutenção deste seguro, 6% do

salário dos trabalhadores e por 1,5% do salário do assalariado. O Estado geria mas não

tinha aqui encargos no capital para assegurar a manutenção do seguro.

O decreto n.º 5639 previa a constituição de 100 bolsas organizadas ao nível dos

concelhos, no fundo as bolsas sociais de trabalho seriam os antecessores dos modernos

centros de emprego. A sua função era caraterizar e recolher informação dos

desempregados com vista a serem contratados, fazer estatísticas, estudos de mercado de

trabalho, organizar conferencias, promover cursos noturnos e alfabetizar trabalhadores.

A inspiração para a criação deste sistema pode ter vindo da Bélgica onde já existia.

As instituições de apoio eram assim de três tipos: As que tinham por objectivo a

previdência social, as de educação e recreio e as de habitação económica. O jornal

libertário O Germinal promovia cursos a baixo custo. Adolfo Lima, Neno Vasco,

Emílio Costa, José Carlos de Sousa entre outros conhecidos anarquistas ministravam

variadíssimas disciplinas.469

O Sindicato dos Metalúrgicos organizava cursos de

instrução primária, onde surgia até a disciplina de Esperanto, uma língua franca

internacional com pretensões de universalidade que nunca atingiu.

O decreto n.º 5639 “As Bolsas Sociais de Trabalho serão os modernos templos do

direito e da educação das populações ativas, para os orientar, instruir e guiar perante a

468

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 450. 469

Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o

Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 362.

Page 92: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

92

fase social, emancipadora, que se está esboçando em toda a Humanidade, sem ódios,

sem lutas violentas para a conquista das aspirações generosas que a justiça assegura aos

que, num trabalho constante, dão o seu mais poderoso concurso para a criação de todos

as fontes de riqueza”.470

Chegados a 1921 o balanço feito era positivo, o ISSOPG além do seguro de

doença, ocupava-se do seguro de invalidez, velhice e sobrevivência. Imprimiam-se 600

mil cadernetas e 60 milhões de selos que demonstram os pagamentos realizados.471

Em

1920 já cerca de 50000 trabalhadores estavam protegidos por ação do pagamento do

patronato que assumiam a responsabilidade dos sinistros.472

Em 1920 já existiam dezoito tribunais de desastres de trabalho473

, principalmente

com a legislação de 1919 tiveram grande desenvolvimento, só em Lisboa em 1918

entram 2310 processos que em 1920 já eram 5631.474

O Boletim da Previdência Social demonstra bem a atividade do ISSOPG que

recebia milhares de participações que estavam longe do total dos acidentes que

ocorriam.

A forte inflação tornou difícil a manutenção destes organismos e vários subsídios

foram afetados mas mesmos assim foram criados novas instituições de assistência como

escolas maternais, profissionais e colónias agrícolas.

Os seguros obrigatórios diminuem nos discursos políticos o ISSOPG foi

profundamente alterada com o decreto n.º 11:267 de 25 de novembro de 1925, foi

também extinto o Ministério do Trabalho475

e esta foi a fase final do ISSOPG no

Ministério das Finanças. O decreto de 25 de novembro de 1925 revela o fracasso da

experiencia.

Os seguros obrigatórios não foram concretizados da forma como foram pensados

mas as comissões locais foram logo criados em 1920 e o trabalho de recenseamento

para o seguro de invalidez e velhice estava avançado. A organização e a expansão do

470

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 476. 471

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 455. 472

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 456. 473

Coimbra (decreto n.º 5:992), Viseu (decreto n.º 5:998). Beja, Braga, Castelo Branco, Évora, Faro e

Santarém (decreto n.º 6:014). Setúbal (decreto n.º 5:381). Aveiro, Bragança, Leiria, Ponta Delgada e

Portalegre (decreto n.º 6:135). 474

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 456. 475

O Ministério do Trabalho e da Previdência Social entre 1916 e 1925. Com o Estado Novo e existiu

Nacional do Trabalho e Previdência. Ministério do Trabalho só depois do 25 de Abril.

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93

sistema foi feito mas os estatutos da comissão não foi feita e como tal faltava-lhes a

personalidade jurídica indispensável ao desenvolvimento das suas competências.

Também faltaram recenseadores porque não se dispunha de meios financeiros para o

fazer.

O orçamento do ISSOPG não dependia do Estado apesar de estarem previstas

receitas por parte de taxas vindas dos bancos e seguradoras cujos lucros provinham do

esforço dos trabalhadores mas estavam contra as taxas, requerendo os bancos a sua

isenção. Mesmo assim as despesas com pessoas eram um assunto crítico para o

Instituto. O decreto n.º 8:416 de 9 de outubro de 1911 reduziu as onze direções de

serviço e 27 secções iniciais a 6 direções de serviço e 15 secções.476

Por um lado a inércia do sistema por outro a forte inflação do pós-guerra que

desatualizou os escalões, por outro o absentismo dos funcionários e as repetidas

reclamações tomavam demasiado da estrutura do topo. No entanto não devemos

esquecer que as entidades patronais tornavam-se cada vez mais responsáveis, a

conquista das 8h de trabalho diárias, da legislação de proteção às mulheres e menores,

seguros de acidentes de trabalho, movimento cooperativo, estatística sobre salários,

acidentes trabalho, etc. Os sindicatos procuravam que a legislação fosse cumprida

principalmente para mulheres e menores.

A isenção do Estado nos seguros sociais obrigatórios era algo original português e

por isso a pouco se vai reconhecendo essa falha.

13 - A evolução e a melhoria da intervenção social

Quase metade da legislação operária é de natureza organizativa e administrativa,

ficando apenas 8% dedicada à condição das mulheres e menores, 22% para a higiene,

saúde e segurança no trabalho e 29% sobre o horário de trabalho.477

Como refere J. Francisco Grilo478

em 1930479

, os decretos com força de lei de 10

de Maio de 1919, obrigavam à inscrição nas mutualidades de cada concelho das 15 aos

75 anos de qualquer ramo de atividade profissional com salário até 900$/ano assim

476

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):

acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 459-461. 477

Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos

trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 70. 478

Funcionário do Instituto de Seguros Sociais. 479

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 2.

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como aqueles com interesses ligados à atividade económica e industrial ou agrícola de

cada concelho.

Quer dizer que a contribuição social estava restrita ao meio onde a mutualidade

exercia o seu campo de ação. Onde não existem mutualidades tinham de ser criados em

virtude da obrigatoriedade. Mas a perante a forte desvalorização da moeda os valores do

seguro de velhice e invalidez ficaram quase sem eficácia o que levou ao desinteresse de

muitos trabalhadores.

Se era reconhecido que o Estado não tinha recursos suficientes, as cotas teriam de

ficar a cargo do patrão e dos trabalhadores, pagar em partes iguais. Ficavam a cargo do

Estado os militares sujeitos ao serviço obrigatório. Seriam cerca de 2 milhões os

trabalhadores abrangidos pelo seguro de invalidez e velhice.480

/481

A Conferência de Washington de 1919 defendia a duração e trabalho moderado

para menores, mulheres, grávidas e mães que amamentam. Os menores tinham de ter 12

anos e até aos 14 anos trabalhariam 6h/dia e dos 14 aos 16 anos de 7h/dia. Existiam leis

que protegiam a mulher e o menor, em especial no trabalho noturno e subterrâneo. Para

proteger as grávidas e os filhos eram em alguns casos obrigatório a existência de

maternidades.

O seguro social obrigatório na doença foi uma das maiores conquistas da

República e do direito na proteção aos trabalhadores. Lisboa e Porto tinham a maior

base de população mutualista482

mas nem todos os concelhos tinham organizações

mutualista mas mesmo regiões onde existiam como Vila Real, Bragança, Guarda,

Viseu, Leiria ou Castelo Branco, a aderência ao mutualismo era diminuta483

.

480

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 7. 481 Trabalhadores rurais – 1250000

Construção civil – 250000

Profissionais de indústria – 200000

Pescadores fluviais e marítimos – 60000

Domicílios – 240000

482

Cerca de 271 e 244 por mil habitantes respetivamente in Boletim da previdência Social, República

portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919,

p. 428. 483

Cerca de 1 a 5 por mil habitantes in Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério

do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 428.

Page 95: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

95

A sua solução só parecia ser a sua aplicação incluída no seguro social obrigatório

e foi o que se fez mas faltou criar um sistema que cria-se estabilidade e que não perde-

se o princípio do mutualismo. Os tribunais de Previdência Social eram uma forma de os

tornar mais influentes e dar mais eficácia à ação fiscalizadora. Eram extintos os

Concelhos Regionais das Associações de Socorros Mútuos que perdiam a sua

justificação em face da existência dos seguros sociais obrigatórios na doença, desastres

no trabalho, invalidez, velhice e sobrevivência mas os vogais de julgamentos eram

eleitos pelas mutualidades regionais. Podendo ainda existir o recurso para o Concelho

Superior de Previdência Social.484

Estes decretos foram especiais com força de lei, manteve-se a estrutura concelhia

das atuais associações de socorros mútuos e onde só existia uma, teria essa associação a

faculdade de ser “a mãe criadora” do seguro social obrigatório mas devido ao princípio

da obrigatoriedade ficaria fortalecido.

Em cada concelho ficavam os princípios do mutualismo quer sob o regime livre

ou obrigatório mas os que para ela contribuíam ficavam garantidas as bases

essenciais.485

Em Lisboa e Porto devido ao grande número de associações ficavam organizados

por bairros com o número limitado mas podiam possuir sucursais, delegações, postos de

socorros, consultórios rápido e eficaz a sua ação, às mutualidades ficavam garantidos os

direitos e garantias que existiam. A maior carência de meios era precisamente nos

grandes centros da atividade rural, industrial e marítima, onde predominava o apoio das

misericórdias e de outros apoios rudimentares mas beneméritos.486

Por isso o seguro

social obrigatório seria a única solução para aqueles mais expostos ao risco. Esta era a

forma como a República que acaba por glorificar.487

484

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 430. 485

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 430. 486

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 431. 487

Decreto n.º 5:636 de 10 Maio de 1919, art.º 1.º “É decreto em Portugal e seguro social obrigatório na

doença para os indivíduos de ambos os sexos, que exerçam qualquer profissão nos domínios da atividade

humana, reconhecida como digna e honesta pelos usos, costumes e sancionada pelas leis vigentes como

digna ficando na dependência e fiscalizadora do Estado, por intermédio do ISSOPG (Instituto de Seguros

Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral).

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96

A indemnização pelos acidentes de trabalho era uma discussão do Código Civil

que poucos efeitos práticos traziam até que a lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913 defendeu

princípio da responsabilidade patronal nos de trabalho. Foi uma grande conquista do

operariado já em uso na Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA, etc. O Seguro Social

Obrigatório contra os acidentes de trabalho era também o princípio estrutural do novo

estado social republicano.488

Para combater o flagelo da miséria surge outro decreto na mesma altura, na

tentativa de compensar uma vida de trabalho, o seguro obrigatório de invalidez e velhice

foi um importante marco na república mas para isso tinham de segurar-se nos termos da

lei ou seriam marginalizados489

. Mesmo assim o Estado não conseguia assegurar estes

encargos, a economia não progredia e não existiam investimentos em número suficiente.

Por outro lado existia a preocupação para os que estavam fora dos seguros, como os

doentes mentais e para isso era importante a assistência pública mas era reconhecido

que era muito insuficiente comparada com aquela que era prestada pela Igreja e sem ela

Art.º 7.º Os médicos municipais são obrigados a fazer o serviço das mutualidades do seguro social do

respetivo concelho sendo esse serviço remunerado por uma tabela especial, elaborado por uma comissão

mista de método, representados da mutualidade obrigatória e do Estado” 488

Art.º 1.º “É decretado em Portugal o Seguro Social Obrigatório, contra desastres no trabalho,

abrangendo todos os riscos profissionais por conta de outro individuo ou entidade, nos diversos ramos de

atividade intelectual ou material, quer sejam exercidos isoladamente quer coletivamente, ficando todos os

serviços dependentes do Ministério do Trabalho, a cargo do Instituto de Seguros Obrigatórios e de

Previdência Geral.

Art.º 2.º § único “O único desastre sucedido durante o exercício do trabalho a que este artigo se refere

será considerado, até prova e contrario, como proveniente da função profissional.

Art.º 3.º Considera-se desastres no trabalho para os efeitos deste decreto com força de lei:

1.º toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica, que resulta da ação de uma

violência exterior súbita, produzida durante o exercício profissional;

2.º As intoxicações agudas, produzidas durante e por causa do exercício profissional, e as inflamações das

bolsas serosas profissionais;

3.º Todos os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas;

Art.º 4.º As entidades responsáveis pelas indemnizações e encargos provenientes dos desastres no

trabalho, são:

a) As empresas e os patrões que utilizam o trabalho;

b) O Estado e as corporações administrativas para com os operários ao seu serviço […]

§ 3.º As companhias de seguros ou sociedades mútuas, que desejem explorar o ramo de seguros contra a

doença e desastres pessoais, ou que se proponham a receber por transferência as responsabilidades de

qualquer patrão ou empresa, têm de construir-se nos termos deste decreto com força de lei.

Art.º 13.º Nas indemnizações devidas por incapacidade temporária, se o salário diário for favorável, deve

calcular-se pela média dos salários do último mês.

§1.º Para os salariados de menos de dezasseis anos e para os aprendizes, quer estes últimos recebam o

salário quer não, será a indemnização calculada, no caso de incapacidade definitiva, pelo salário do

operário valido da mesma categoria e da mesma empresa, que o tiver menor.

Art.º 20.º Ficam a cargo dos patrões as despesas dos funerais dos operários e empregados falecidos em

virtude dum desastre no trabalho, não devendo essas despesas exceder quinze vezes o valor do salário

diário e serão pagos dentro de quinze dias a contar do falecimento.” 489

A idade limite era agora os 65 anos.

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ficava muito aquém do necessário quer em número quer em qualidade, isso foi

reconhecido na altura e mais tarde muitas voltaram com o salazarismo.490

Pelos decretos n.º 15342 e 15343 de 11 de Abril de 1928, suspensos pelo decreto

n.º 15431 de 7 de Maio de 1928, o governo ainda procurava implementar os seguros

sociais, já que foram pouco eficazes, aí o Estado Novo teve maior mérito apesar de não

fazer tábua rasa do que estava feita alguns defendem que a previdência começou em

1935.491

Era natural os decretos sobre os seguros serem imperfeitos foram os primeiros

tinham de ser corrigidos faltava contatos com o operariado, não com o anarco

sindicalismo porque esses nunca demonstraram grande interesse e apoio pela

previdência social, era difícil chegar às massas mas elas tinham de ser esclarecidas e

essa foi a falha não só de Augusto Dias da Silva mas também dos outros autores dos

decreto como João Luís Ricardo e José Francisco Grilo.

O Estado Novo não esqueceu este legado da Republica, tanto que J. Francisco

Grilo, escreveu a1 de Maio de 1930 “verifica-se que uma grande obra que glorificou a

República está em marcha, baseado na cooperação ativa do capital e do trabalho, que é a

maior e forte aliança para desenvolver a produção de riqueza…” era esta a “única forma

de engrandecer os povos e as nacionalidades, para melhor orientarem os seus objetivos

através da Civilização”.492

As reclamações e alvitres de carácter económico das associações sobre a carestia

de vida eram muitas, algumas bastante progressistas ou sem realismo mas todas com o

desejo de colaborar na melhoria das condições sociais.493

490

Art.º 2.º “Em cada concelho do pais far-se-á por freguesias, por intermédio da Câmara Municipal, o

recenseamento do salários de todas as categorias, compreendendo os aprendizes e criados de servir, desde

os 15 anos aos 65 anos […]

Art.º 43.º Se um segurado morreu antes de obter uma pensão de invalidez ou de velhice, mas depois de ter

pago as cotizações legais durante o primeiro período, reverte em favor dos seus filhos uma pensão

extraordinária […]

§ único. Não tendo mulher nem filhos, será concedida aos seus ascendentes a pensão extraordinária…” 491

Pierre Guibentif, Lisboa, 1985, p. 52. 492

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 13. 493 Em 1918 a UON (União operaria Nacional) reclamava:

- Criação de um único tipo de pão, de um só tipo de cereal (sem mistura).

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14 - A situação económica no país. As Bolsas de Trabalho

A visita de operários portugueses à Bolsa do Trabalho de Paris por ocasião da

exposição universal de 1889 criou a vontade de aqui ser feito a coisa semelhante.494

O decreto de 19 de Março de 1893 já falava na criação dos bolsas de trabalho mas

apenas em Lisboa se deu ou procurou dar execução a este decreto e só surge a 10 de

Maio de 1919 o decreto n.º 5:639 com o intuito de organizar as Bolsas Sociais de

Trabalho.495

- Socialização dos baldios e terrenos camarários incultos que deveriam ser entregues à exploração dos

sindicatos de trabalhadores rurais e dos quais estes se tornarão, por titulo gratuito, usufrutuários durante

um período nunca inferior a três anos, devendo o Estado ou o município fornecer-lhes adubos, sementes e

credito que poderá ser cobrado no fim da colheita, e por empréstimos, alfaias, maquinas, gado, etc.

- Apropriação temporária dos caminhos-de-ferro para a circulação de géneros de primeira necessidade.

- Maior facilidade para importação de alimentos de 1ª necessidade, adubos e matérias-primas para a

indústria nacional com isenção de direitos e barateamento sensível de fretes e vapores do estado, utilizar

dos navios de guerra como transporte d géneros coloniais.

- Aproveitar os transportes marítimos para facilitar as trocas entre países.

- Proibição da maior parte dos géneros alimentares.

- Intensificação da produção agrícola. O Estado deve fornecer conhecimento instrução, créditos, gados,

maquinas alfaias sementes e adubos.

- Extinção dos monopólios.

Liga de consumidores e união das cooperativas.

- Medidas enérgicas contra os especuladores e dar força ao Estado para as fazer cumprir e que os

infratores não fiquem impunes.

- Boicote aos estabelecimentos que não respeitem as tabelas oficiais e aos jornais convenientes.

- Promover o desenvolvimento do cooperativismo, a intensificação da produção e o regime do

racionamento alimentar para todas as classes.

Associação dos trabalhadores Rurais Ervidelenses.

- Pedem que a lei dos acidentes de trabalho seja extensiva aos trabalhadores rurais.

Associação dos Agricultores e Lavradores do Concelho de Guimarães.

- Aproveitamento dos terrenos incultos e baldios, fixação do salário mínimo, estabelecimento do dia

normal de oito horas de trabalho; revisão da legislação operária social; criação de escolas profissionais.

Associação dos Trabalhadores Rurais de Benavente.

- Construção de bairros operários modestos; previdência contra a miséria, velhice e incapacidade de

trabalho com um imposto aos proprietários.

Associação dos trabalhadores Rurais de S. Tiago do Escoural

- Terrenos não cultivados durante vários anos sejam confiscados pelo Estado.

In Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 24-27. 494

O decreto de 9 de março de 1893 criou as Bolsas de Trabalho só em Lisboa e Porto “destinados a

servir de intermediários para a oferta e procurar de trabalho, pondo em relação os patrões com os

empregados, operários e aprendizes […] coligindo e patenteando informações exatas sobre o estado do

mercado de trabalho de cada especialidade no país” in Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento

Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça & C.ª, Lisboa, 1905, p. 162. 495

Art.º 1.º “São criadas Bolsas Sociais de Trabalho, como instituições de utilidade publica, de natureza

económica e de previdência social, tendo individualidade jurídica, ficando dependentes do Ministro do

Trabalho por intermédio do ISSOPG (Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral).

Art.º 2.º As Bolsas de Trabalho terão carater regional, sendo constituídas para os seguintes fins:

1º Organizar o recenseamento geral de todos os salariados por emprego e profissões;

2.º Pôr em relação os patrões com os empregados e salariados da respetiva especialidade, de modo a

facilitar as colocações em todos os ramos da atividade, dando-lhes ao mesmo tempo as informações que

interessam a essas transações ou contratos de trabalho;

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O fim é facilitar a colocação gratuita aos desempregados496

ao contrário dos

abusos das agências particulares de colocação. É importante subsidiar as despesas da

jornada de trabalho. “Não basta indicar ao operário as regiões ou locais, onde poderá

encontrar o trabalho, é necessário ainda habilita-lo a lá chegar”.497

A lei n.º 111 de 17 de Fevereiro de 1914 institui em Lisboa uma Bolsa de

Trabalho (art. 1.º) que funcionava num edifício do Estado (art. 2) a lei de base era a

alínea a) do art. 2.º do decreto de 9 de Março de 1893.

Na segunda metade do séc. XIX em Portugal ainda não estava destruída a

estrutura jurídica feudal, a politica de livre-câmbio era favorável à agricultura mas não à

indústria que no final de século era ainda secundária onde em 1890 trabalhava apenas

19% da população, enquanto na agricultura eram três vezes mais.498

/499

A agricultura portuguesa oferecia produtos de menor qualidade e quantidade que

os que vinham de fora já para não falar nos objetos de luxo, a isto junta-se o aumento de

preços provocados por uma pauta fortemente protecionista que acabava por fomentar o

contrabando.500

Mas foram os patrões e os operários que entre 1880 e 1890 se juntaram

para defenderem as pautas mas findo este período surge a desilusão, os benefícios não

foram semelhantes nem distribuídos e com o aumento da mecanização a luta contra o

3.º Promover que sejam contratados os desocupados, dando as informações necessários que lhes sejam

pedidos sobre a natureza dos serviços, salários e os ordenados;

4-º Coligir e publicar informações oficiais sobre o estado do mercado de trabalho […]

5.º Apresentar quaisquer alvitres sobre assuntos de legislação social de interesse […]

7.º Fazer conferências […] de modo a elevar o nível moral e profissional dos trabalhadores.

8.º Estudar as causas das crises de trabalho, de carácter local […]

9.º Promover a realização de cursos noturnos para os salariados analfabetos e auxiliar a criação de todas

as iniciativas de educação profissional […]

19.º As Bolsas Sociais estarão abertas todos os dias, sendo a entrada e permanência livres e gratuitas aos

patrões, seus representantes, salariados ou operários de qualquer profissão […]

21.º Na sala de espera da Bolsa haverá dois quadros para a afixação das ofertas e pedidos de trabalho,

tendo cada um deles no alto a respetiva indicação.” 496 Decreto de 9 de março de 1893 – art.º 1.º as bolsas são estabelecimentos públicos submetidos ao

Ministério das Obras Publicas, Comercio e Industria que fazem a intermediário entre a oferta e procura de

trabalho. Dando a conhecer as condições. 497

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 290. 498

Miriam Halpern Pereira, 1978, p. 14-15. 499 Em Portugal, ainda em 1930, mais de 50% da população

499 vivia da agricultura e pescas enquanto em

França era de 35% e neste a indústria absorvia mais de 30% dos trabalhadores que em Portugal era apenas

de 18%. 500

Augusto Fuschini, O Presento e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.16.

Page 100: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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progresso, pede-se o apoio de um Estado Providencia.501

Não bastava produzir, é

necessário trocar e vender mas o mercado nacional é limitado e o externo era restrito. A

pauta de 1891 tinha elevado os direitos de importação para tecidos estrangeiros para

proteger as empresas nacionais era necessário refrear o gosto pelo luxo.502

Por volta de 1890 industriais franceses abriram em Setúbal fábricas de conservas

de peixe. Entre 1890 e 1910 o número de fábricas passou de 15 para 40 e de 833 para

3640 operários conserveiros que em 1890 em todo o país os eram 2500 e em 1907 já

chegavam aos 10000. Em 1908 o Barreiro assistia à inauguração de uma fabrica de

ácido sulfúrico, o inicio da CUF de Alfredo da Silva que beneficiando das leis

protecionistas aos cereais de 1889 que beneficiou a agricultura consumidora de adubos.

Em 1889 o transporte de adubos por via férrea era de 1307t em 1913 já era quase

90000t. Em 1917 a CUF já empregava 2000 operários.503

Tínhamos a vantagem da

exportação de produtos como o vinho, cortiça, frutas, conservas, etc., que tinha largo

consumo no exterior.

Fuschini citava um banqueiro que dizia: “com os fundos portugueses janta-se

bem, mas dorme-se pouco sossegado; com os ingleses e franceses o sono é pacífico,

quase, porém, se morre de fome”.504

Os banqueiros pela sua forma de ação tinham

formado uma coligação que lhes trazia benefícios à custa da desgraça alheia, era e é

assim, “os banqueiros não são patriotas em parte alguma”505

.

Um mau exemplo foi o decretado por Dias Ferreira para o pagamento de apenas

um terço do juro da divida506

de 1892 aos portadores da divida externa. Foram os erros

acumulados e falta de ação politica ao longo de 40 anos que podiam ter levado ao krack

mas a consequência foi a redução forçada dos juros na divida interna (reduziu 27%) e

externa.507

O bimetalismo508

não deveria para Ulrich ser introduzido em Portugal porque

traria carestia dos produtos, já que seria necessário comprar prata que cá não havia

501

Maria Filomena Mónica, 1979, p. 940. 502

Augusto Fuschini, O Presento e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.48. 503

Maria Filomena Mónica, 1987, p. 842. 504

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.21. 505

Augusto Fuschini, 1891, p. 5. 506

A proposta de Fuschini era em 1887 a de que o governo devia “converter os títulos de divida publica

externa de 3% em obrigações amortizáveis em setenta e cinco anos, por sorteios semestrais in Fuschini,

Lisboa, 1887. 507

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.58. 508

O regime monetário português era bimetalico mas a lei de 29 de Julho de 1854 introduziu o

monometalismo do ouro mas com a crise de 1891 a nossa moeda ouro desapareceu para dar lugar ao

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101

quando o importante seria aumentar o stock de ouro509

. Pior que nós só a Grécia mas

esses estavam em guerra com a Turquia.

Era péssima a ideia que lá fora se fazia de Portugal510

como sendo incapazes de

administrar de forma competente os nossos bens e faziam um esforço para “vir por suas

próprias mãos administra-los” já que estavam entregues “a gerentes sem competência e

sem honestidade, começam a não oferecer garantias e má fé daqueles, deixamos que

continuem nas suas garras. É preciso sacar-lhos, é urgente vence-los…”511

A balança comercial ia sendo equilibrada com os empréstimos ingleses que nos

eram cedidos com muita facilidade, ou seja, o ouro não chegava a Portugal porque era

logo reabsorvido pelo capital inglês, sob a forma de saldos comerciais e de juros de

empréstimos. Quando Portugal procurou outros mercados mais favoráveis512

, a

Inglaterra vendeu os títulos da nossa divida à Alemanha e França. Em consequência não

demorou muito a decretarmos a redução dos juros de 1892.513

Os capitais procuram

segurança e lucro, se perdem estes objetivos rapidamente escapam para outros lugares.

Os câmbios rondavam 30 a 45% tinham influência implacável. Nos países de

padrão ouro a moeda não é depreciada e os câmbios têm pequenas oscilações. O trigo é

o ouro e se a moeda é depreciada o seu preço é elevado para impedir esse processo os

governos intervêm no processo com subsídios na sua compra, produção e transporte.

Mas em Portugal descura-se o preço dos “adubos permitindo verdadeiras espoliações

aos agricultores. Se o carvão514

era caro deviam-se baixar os impostos a outros

combustíveis mas ao comparar o preço com o de outros países “vê-se que este pais está

condenado a não progredir”515

.

sistema misto. O bimetalismo trazia vantagens nas relações com a França e os EUA mas tinha vários

inconvenientes. 509

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 232. 510

Sobre o facto de Portugal ser mau pagador até nas ruas de Paris foram afixados grandes cartazes

afixados por um privado exaltado onde dizia que o Governo Português era caloteiro in Maria Filomena

Mónica, 1987, p. 839. 511

Alfredo Mesquita, Lisboa, 1892, p. 62-63. 512

Uns anos antes os mercados onde Portugal podia negociar empréstimos era o de Paris e Berlim já que

em virtude do Ultimatum o mercado inglês estava fechado. 513

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 60. 514 Decreto n.º 11:654 de 8 de Maio de 1926 refere que perante a escassez de carvão mineral devido às

greves e à luta dos mineiros em Inglaterra, fica restringido o consumo nos serviços particulares e públicos

quer suprimento de comboios menos essenciais e deve-se “moderar as velocidades” (art. 1.º) e o carvão

para os navios da marinhas mercantes apenas receberão o necessário para atingir o próximo do porto da

sua escala o que será verificado por delegados do Ministério da Marinha. No Estado deverão ser feitas

economias no consumo de carvão (art. 3.º) e os depósitos de carvão poderão ser requisitados para o

serviço do Estado (art. 4.º). 515

Ferreira Neto, 1915/16, p. 2.

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102

Em 1911 em quase 6 milhões de habitantes a população ativa andava à volta de

2,5 milhões. A população agrícola era 55,8%, a indústria ou pré industria516

21,1%, o

comércio 6% e os improdutivos 4,7%.517

O setor têxtil era o mais importante e

representava 9 a 17% das exportações, seguido do setor alimentar com cerca de 14%

dos trabalhadores. Destes a panificação (moagem) a mais importante era a Companhia

Industrial de Portugal e Colónias que abarcava várias indústrias, lojas, padarias e

controlava até jornais como Diário de Noticias. Foi a moagem que deu origem a vários

escândalos, derrubando e elegendo governos, subordinando políticos e deputados.518

Depois existiam as conservas de peixe que tiveram grande desenvolvimento com a

guerra, assim como a indústria da madeira, metalúrgica e química519

que tiveram apoio

estatal. Era um proletariado distribuído ao longo do pais mas no litoral e na grandes

cidades.

A República procurou várias soluções, uma que causou algum espanto foi

procurar apoio em capitalistas judeus, por isso legalizou as maiores comunidades

judaicas de Lisboa e Porto e chamou os judeus a colaborar com ela, nomeadamente no

desenvolvimento colonial com a criação de importantes projetos em Moçambique. 520

Ramada Curto foi um dos mais acérrimos defensores do esforço colonizador, quer

através de projetos lei em 1911 sobre o direito de opção do Estado português sobre a

propriedade colonial mas também pela propaganda e esclarecimento público.521

Uma dos projetos defendidos por Ramada foi a colonização por judeus de Angola,

apresentado à Câmara em 19 de Março de 1912. Vendo nisso grandes vantagens,

nomeadamente de judeus russos, a quem seriam concedidos terras sob determinadas

condições.522

516

Mas destes talvez metade fossem milhares de pequenas oficinas familiares com pouca ou nenhuma

maquinaria, só os artesãos correspondem a 10% da indústria in António José Telo, Lisboa, [1977], p.18-

21. 517

David Pereira, A sociedade in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica

Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 80-81. 518

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 26. 519

Em 1916 a CUF do Barreiro tinha 2000 operários em 20hectares com 16 km de linhas de caminhos de

ferro. 520

Jorge Martins, A República e os Judeus, Veja, Lisboa, 2010., p. 152. 521

Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.

78. 522

Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.

79.

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103

Quer fosse na ciência, economia ou na cultura são vários os nomes judaicos do

séc. XIX-XX, inscritos na toponímia de Lisboa e que deram um importante contributo

para a sociedade da época.523

As crises parecem que têm momentos em que acabam pelo menos “os obesos

crêem que sim; e ressonam na paz de quem fez uma meritória e concorreu para a

salvação geral” mas a tendência é a de as crises reaparecem mais fortes em virtude da

aplicação de medidas erradas.524

E essas medidas eram muitas vezes para beneficiar

determinados grupos económicos, a indústria portuguesa dependia muito do Estado, ora

porque das suas opções dependia a prosperidade das empresas, ora porque era ela que

escolhia os concessionários525

ou decidia o valor das taxas alfandegárias526

e dos

impostos, “o Estado fazia e desfazia fortunas”527

.

Por outro lado os governos dependiam das boas graças dos grandes industriais e

comerciantes para se manterem no poder e equilibrarem as suas finanças e estes para

conseguirem realizar os seus negócios. Um exemplo desta parceria foi a legislação

sobre a melhoria das condições de trabalho em geral mas em especial das mulheres e

menores que poderiam afetar grandemente o patronato mas tal situação não aconteceu

porque o Estado não dispunha de meios suficientes de fiscalização nem tão pouco

demonstrava grande vontade em intervir e resolver estas situações e quando as coisas

descambavam para greves de protesto logo o patronato contratava de modo impune fura

greves, os “amarelos”, sem que o Estado atua-se para deter estes abusos, a maioria sem

sucesso, não fosse a união dos trabalhadores mas não raras vezes acabavam em cenas

muito violentas.

São os governos em geral que promovem as elevações câmbios mas os sacrifícios

daí decorrentes para o tesouro público são enormes, já que acarretam despesas para o

contribuinte.528

Sustentar artificialmente os câmbios fez com que o país gastasse somas

que se verificaram inúteis e a pobreza da população aumentou só que o seu sofrimento,

ocupados a lutar pela sua existência só se faziam ouvir nos movimentos grevistas e de

protestos.

523

Alfredo Bensaude, Mark Athias, Moisés Amzalak, Sara Benoliel, José D’Esaguy, Joshua Benoliel,

Sam Levy, etc. 524

Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 10. 525

Foi o caso dos Tabacos. 526

Que afetavam diretamente os têxteis, cortiças, conservas. 527

Maria Filomena Mónica, 1987, p. 855. 528

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 121.

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Fontes Pereira de Mello foi o mais hábil e superior de todos da sua época mas não

compreendeu o alcance da sua missão. “É, pois, ele, perante a história e perante o povo

português, o maior responsável pelos atuais desastres”, ou seja, tinha talento mas faltou-

lhe o génio.529

Fizeram-se “estradas, pontes, caminhos-de-ferro, são traçados e

constituídos conforme as indicações das melhores influências locais” para servirem

influências eleitorais,530

mas a educação não progrediu. Existem obras desnecessárias a

não ser para manter gente ocupada, assim no futuro o rendimento desses trabalhos são

um problema. Não é só fazer obra é dar condições gerais ao pais para que as obras

tenham aplicação, utilidade e se rentabilizem. Nada, mais atual.

Em 1886 aumenta a decadência moral, o cinismo político, “loucuras e

esbanjamentos dos dinheiros públicos” recrutam-se empregados “entre os amigos dos

ministros, o que custa ao Tesouro alguns milhares de contos de encargos permanentes,

alargam-se as despesas, inventando serviço para dar dinheiro aos protegidos, como o

dos grandes estudos de estradas.”531

O país estava empobrecido pelo ouro que se exportava para os mercados ingleses

e franceses e por outro lado pelos milhares de trabalhadores validos que emigravam. “O

histórico real d’água, verdadeiro imposto sobre a miséria”, os impostos sobre o

consumo e bens essenciais faziam elevar o custo de vida principalmente nas cidades.

Usava-se e abusava-se dos empréstimos perpétuos e dos amortizáveis e os valores

foram-se elevando até que em 1890 o crédito começou a vacilar e um pequeno

empréstimo tentado em França falhou”. Neste período, Fuschini refere que os juros e

amortizações que saem do país são “quase iguais à quantia recebida”.532

As ameaças futuras que estes encargos financeiros traziam eram um vexame para

o país, as reservas de ouro eram absorvidas pela necessidade do pagamento de juros.

Pais pobre e fraco mas com vasto domínio colonial para explorar. A educação do

operário é má e o associativismo não era melhor. Se o cristianismo progrediu com

facilidade no mundo romano isso deveu-se à doutrina mas ao facto de defender ideias

revolucionárias contra os afetos negativos da sociedade da época.

529

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 130. 530

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 142. 531

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 161. 532

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 202-

209.

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Fuschini dizia em 1899, “uma coisa, porem, se pode prognosticar com absoluta

confiança e firme certeza: o caráter violento que deveria assumir a transformação do

nosso atual modo de ser social”.533

15 - A agricultura e a dependência externa

Oliveira Martins esteve ligado às tentativas de criação de instrumentos de crédito

agrícola. O “Projeto de Lei do Fomento Rural” já que o crédito tradicional seja

hipotecário ou predial não promoviam a agricultura este projeto tinha como intenção

regular a intervenção do Estado na nacionalização da terra em termos agrícolas,

pecuários e florestais, ou seja, dar meios para que outros que não o Estado, atuem e

façam mas para isso eram necessários leis que fomentassem uma economia mais social

que capitalista. Oliveira Martins defendia a intenção do Estado na economia no entanto

não deixavam de estar harmonizadas com as suas convicções democráticas.534

Dizia Oliveira Martins, “onde há igualdade civil e política, força a que haja uma

justa distribuição de riqueza, uma aproximação de condições”. “É que a verdadeira

liberdade só pode existir no seio de instituições igualizadoras. Liberdade, igualdade, são

inseparáveis e correlativas”.535

E isso fazia-se também garantindo empréstimos536

nas

mãos do lavrador. Vários países como Itália e a Bélgica tinham Bancos rurais que

proporcionavam capitais que proporcionavam uma melhoria na agricultura.537

Elvino de Brito538

tomou uma série de reformas na agricultura através do decreto

de 27 de Outubro de 1898 desde a propriedade, arrendamento, enfiteuse, subenfiteuse,

expropriação de terrenos, credito agrícola através das caixas económicas, sindicatos

agrícolas, cooperativas de produção e consumo, socorros mútuos, apoio à agricultura

subsidiando os custos dos transportes de adubos e maquinas agrícolas, alargamento da

rede de caminhos de ferro e de estradas com construção e recuperação, vinho e azeite,

nomeou brigadas técnicas. Um interessante decreto surgido a 24 de Agosto de 1898

determinou que os terrenos contíguos às estradas comuns e caminhos de ferro do Estado

533

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 412. 534

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 15. 535

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 17. 536

Em 1898 Elvino de Brito numa proposta de lei existia a tentativa de criar um empréstimo agrícola a

que chamou “livrança agrícola” era uma forma de aproximar o capitalista ao lavrador. 537

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 266-267. 538

Presídio à pasta das Obras Públicas, Comercio e Industria de 18 de Setembro de 1898 a 25 de Junho de

1900.

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sejam cedidos por alienação ou arrendamento (art. 3.º) à exploração agrícola dos

proprietários das terras confinantes (art. 1.º) era considerado vantajoso para a

agricultura e trazia receitas para o Estado. Por um lado a preocupação por aproveitar ao

máximo a terra por outra a importância das receitas para o erário publico mesmo por

poucas que parecessem.

Os produtos nacionais não se conseguiam impor internacionalmente. A crise

económica e financeira de 1891 fez com que se olha-se para as colónias de outro modo,

graças a ela desenvolveu-se a cultura da vinha, têxteis de algodão, a indústria e o

comércio, elas iam absorver o excedente e em troca vem açúcar, caju, café, cera

borracha, cacau, etc. O ministro da Marinha da altura resumiu o essencial para

desenvolver a questão colonial: “bons funcionários, bons colonos, boas leis, atração de

capitais. Angola tinha grande vantagem sobre as outras colónias, “chega a ser um crime

aos olhos do mundo continuar a abandonar o aproveitamento dessa vasta e opulenta

Angola, que poderia ser a mais sólida garantia da nossa reabilitação económica.539

Teófilo Braga afirmava que “todo aquele governo que atentar contra a conservação das

colónias540

de Portugal enfraquece as condições da nossa autonomia e prepara a entrega

da Naçao ao inimigo secular (a Espanha).541

No entanto era a Inglaterra que abastecia de tecidos de algodão os mercados de

África Oriental. Em França desde 1863 que existia a sociedade de Credito Predial

Colonial mas em Portugal faltavam instituições que regulassem e proporcionassem esse

crédito.542

O Banco Nacional Ultramarino criado em 1869 não estava adaptado às

necessidades dos recursos coloniais. A pauta aduaneira colonial de 1892 contribuiu para

as trocas com as coloniais e em 1892 impôs-se o trabalho forçado aos nativos. Foi o

comercio colonial salvou o pais de uma crise mais profunda.

A importância económica das colónias é pouca mas no final do séc. XIX de 1892

1 1898 as exportações para Angola são 10 vezes mais. De 1810 a 1900 as exportações

para as colónias duplicam e quintuplicam as importações.543

Havia necessidade de mão

539

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 292, 298. 540

Com Teixeira Gomes como embaixador em Londres, o governo está a par das negociações sobre a

dividir das colónias portuguesas e caso a guerra fosse desfavorável à Inglaterra havia a esperança de uma

paz negociada usando as colónias portuguesas. 541

Joel Serrão, Lisboa, 1979, p. 35. 542

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 309. 543

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 67.

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de obra e o governo aproveitou pelo decreto de 20 de Setembro de 1894, os indígenas

condenados em Timor, S. Tomé e Principe e da costa África que forem condenados por

sentença judicial na pena temporária de trabalhos públicos serão postos à disposição da

direção das obras públicas das províncias mediante salário pago dia a dia pela

administração pública (art. 7.º). Também era estabelecido o trabalho correcional não

inferior a 15 dias e no máximo de 1 ano (art. 2.º) nas transgressões de vadiagem (CP art.

256), embriaguez (CP art. 185), desobediência às autoridades (CP art. 188), ofensa

corporal voluntária leve (CP art. 359), ultraje público ao pudor (CP art. 390), ultraje à

moral pública (CP art. 420).

A pena temporária de trabalhos públicos não será inferior a 3 anos nem superior a

12 anos e será aplicada a outros crimes. Enquanto não fosse decretado para o ultramar

um Código de Processo Criminal, os delitos e transgressões do art. 3.º serão julgados

sumariamente e sem recurso em discussão verbal, sem depoimento escrito (art. 5.º).

Considera-se indígenas os nascidos no ultramar de pai e mãe indígena e que não se

distingam pela instrução e costumes dos da sua raça (art. 10.º).

Em 1902 o decreto de 16 de julho aprova o regulamento provisório do trabalho

indígena e fomento agrícola em Angola. Era considerado uma missão civilizadora em

Angola tirar o indígena da ociosidade que era prejudicial aos próprios e à economia da

província e para isso facilitava-se a ocupação legal a quem “voluntariamente544

a

procura encaminhando-o, auxiliando-o a protegendo-o neste intento à autoridade a

quem mais ou menos deve competir tão simpática missão e ao mesmo tempo compelir

pelos necessários meios coercivos, o indígena indolente, vicioso e mais avesso ao

trabalho a utilizar este meio conducente para melhorar a sua condição social”545

. Era

necessário aproveitar os grandes terrenos agrícolas que eram a forma mais eficaz de

prosperidade. O art. 1.º aprovava o regulamento provisório do trabalho indígena e

fomento da agricultura na província de Angola. A 17 de Dezembro de 1902 é

estabelecido em todas as colónias o preceito do descanso semanal por vinte e quatro

horas às classes trabalhadoras das colónias (art. 1.º).

O decreto de 27 de Maio 1911 modifica o regulamento do trabalho dos indígenas

das colónias portuguesas que eram sujeitos à obrigação, moral e legal de procurar e

544

Existe aqui um avanço em relação à legislação anterior, onde quem não procurava trabalho

voluntariamente era obrigado a aceitar o lhe era imposto dentro da lei (Lei de 14 de agosto de 1889,

decreto de 14 de Abril de 1891 e o regulamento de 9 de Novembro de 1899). 545

Não era com preocupação pelo indígena mas pelo benefício do colono, impondo até os seus valores

morais como aconteceu com um acórdão de 1869 onde os trabalhadores do setor publica de Angola eram

obrigados a usar “camisa e calças” sob pena de multa in Ana Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 191.

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adquirir pelo trabalho os meios de subsistir e melhorar a sua condição social (art. 1.º).

Em 1914 com o decreto de 14 de outubro é aprovado o regulamento geral do trabalho de

indígenas nas colonias portuguesas. Era dito que todo o indígena valido das colónias

tem a obrigação moral e legal de prover o seu sustento e melhorar a sua condição social

pelo trabalho desde que não tenha domicílio certo, profissão nem meio de subsistência

(art. 1.º). Se recusar será julgado pelo curador de serviçais e colonos ou pelo

administrador do concelho (art. 2.º). Entre os 14 e 18 anos de idade devem ser os tutores

a fazer a escolha de trabalho (art. 3.º).

Pelo que se disse anteriormente podemos dizer que nas províncias ultramarinas o

trabalho forçado continuou mascarado pela nova legislação através dos “vadios”546

e

condenados judicialmente, trata-se de uniformizar a legislação neste aspeto a todo o

império até porque havia moralmente muita tolerância a esta forma de trabalho pela

sociedade e isso era visível na forma como o serviço doméstico e agrícola era

desempenhado no próprio continente.

A presença portuguesa resumia-se a alguns poucos postos de abastecimento no

litoral, poucos nacionais e como tal a força de trabalho era indígena cujos códigos

nacionais obrigavam ao trabalho (leis sobre vadios) para a ocupação efetiva as

companhias majestáticas eram uma forma de Estados com poderes militares, judiciais e

militares. Logo no Governo Provisório a 27 maio de 1911547

o regulamento aprovado

por decreto de 9 de Novembro de 1899548

vai sofrer uma serie de modificações num

conjunto de cerca de uma dezena de diplomas onde de releva o trabalho forçado do

indígena por um determinado número de dias por ano para não ser considerado vadio.

Apesar de reconhecer que o indígena podia escolher livremente o trabalho, isto permitia

546 Código Penal 16 de setembro de 1886

Art.º 130.º Aquele que faltar ao respeito à religião do reino, católica, apostólica, romana, será condenado

na pena de prisão correcional desde um até dois anos…

Art.º 282 toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em seções de menor numero,

que, sem preceder autorização do Governo, com as condições que ele julgar convenientes, se reunir para

tratar de assuntos religiosos, políticos, literários ou de qualquer outra natureza, será dissolvida, e os que a

dirigem e administrarem serão punidos com a prisão de um mês e seis meses. Os outros membros serão

punidos com a prisão até um mês. In António Ferreira Augusto, Coimbra, 1905, p. 245.

547

Estavam livre deste trabalho forçado os que tivessem rendimentos (art. 2.º, 1.º), trabalhassem alguns

meses por ano (art. 2.º, 3.º), não eram abrangidos as mulheres (art. 3.º, 2.º), homens com mais de 60 anos

e menores de 14 anos de idade (art. 3.º, 3.º), os doentes e inválidos (art. 3.º, 4.º), aos sipais (art. 3.º 5.º) e

aos chefes indígenas (art. 3.º, 5.º) e aos chefes e grandes indígenas (art. 3.º, 6.º). 548

E a 14 de outubro de 1914 vai surgir outro decreto.

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que a autoridade os obrigasse por formas legais a trabalhar para o Estado549

quer como

forma correcional ou para particulares no serviço doméstico550

.

A emigração era enorme e foi aumentando. A propriedade rural desvalorizava e as

taxas de juro eram abusivas já que chegavam a mais de 100%.551

Oliveira Martins não

sendo contra o direito de propriedade552

defendia uma função social da propriedade

privada.553

Defendia que era necessário evitar a sangria da saída de emigrantes para

reduzir as superfícies incultas, “necessitamos hoje implantar homens e implantar

arvores; dar à terra quem a fecunde é necessário sangra-la nuns pontos, laqueá-la em

outros”. Defendia por isso o aproveitamento dos incultos através da colonização.

Adaptar as culturas às regiões, etc.554

Os empréstimos deviam “evitar a divisão de casais e a dispersão ou parcelamento

das glebas”.555

Fomentar o associativismo através do consórcio de proprietários,

defende o “arroteamento dos terrenos incultos” esta colonização dos incultos pelo

aforamento. A expansão da agricultura familiar devia integrar-se num esquema de

associativismo. O Estado deveria providenciar estudos por sua iniciativa, transformação

do sequeiro em regadio é uma ação técnica mas também uma necessidade social.556

“Povoação, colonização, arroteamento, enxuga, irrigação e arborização são

operações congéneres e inseparáveis.” Existiam sistemas nefastos que prejudicam a

fertilidade do solo comprometendo um património que é de todos e por isso não pode

ficar sujeito à “cupidez do capitalismo”.557

Decreto n.º 10:552 de 16 de Fevereiro de 1925 esclarece o decreto n.º 9:843 que

estabeleceu as regras e formalidades a observar na divisão, utilização e aproveitamento

dos baldios e refere que a melhoria das condições económicas do país depende

549

Art.º 33.º 550

Art.º 58.º 551

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 19. 552

A propriedade privada começa antes do mais em nós próprios no nosso corpo. Faltavam outros direitos

como a saúde e a educação e isto implica que alguém tem de renunciar a um direito para dar a outro que

necessite, então temos de os tirar a alguém ou ir buscar a outros recursos que vão ficar em falta. 553

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 20. 554

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 20-25. 555

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 23. 556

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 28-35. 557

Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,

estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 35.

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110

“essencialmente” do aumento da produção agrícola. Existia uma extensa área não

aproveitada e que tinha qualidade agrícola e o Estado podia auxiliar no cultivo dos

baldios porque disso podiam depender as produções. Logo a seguir o decreto n.º 10:553

adiantava mais ainda demonstrando que era uma forma de promover o povoamento das

regiões com menor densidade populacional. Era à Junta do Fomento Agrícola que

incumbia promover e orientar o aproveitamento dos terrenos incultos tendo capacidade

jurídica para inclusive proceder à sua “exploração” (art. 1.º). Os terrenos têm de ser

susceptíveis para a agricultura, não tenham sido arroteados ou mobilizados e

periodicamente cultivados ou florestados (art. 2.º). E o prazo de arrendamento nunca

poderia ser inferior a cinquenta anos para a cultura e 19 anos para outros (art. 3.º).

16 - Economia e finanças. O custo de vida

Faltava iniciativa privada, sem ela faltavam recursos. A vida do trabalhador era

cara e a alimentação de fraca qualidade e desproporcionada ao esforço exigido. As

habitações eram insalubres, a mortalidade558

elevada, a emigração surgia como a única

solução. Os impostos estavam mal organizados e pedia-se o fim do real de água que

incidia sobre bens de primeira necessidade e tinham um peso social negativo. Este

assunto toma uma tal relevância que o decreto com força de lei de 31 de Dezembro de

1910, aboliu os direitos de consumo que incidem principalmente nas classes mais

pobres como os impostos de consumo e o real de água, muitos impostos refere este

decreto, “são agentes de definhamento da raça e causa de grande mortalidade nos

centros de população” e “sanciona uma grande desigualdade social.” É reconhecido que

houve um agravamento sucessivo de impostos “desde uma arbitrária tributação da

propriedade rústica e urbana até taxas absurdas […] são um fator de decadência

orgânica da população.” Dizia o Governo Provisório da Republica que era “sua intenção

atenuar as causas da miséria social”. No decreto afirmava-se a intenção de reformar o

imposto predial mas não era “possível abolir desde já o imposto do consumo e o real de

água […] e a crise de subsistências que tanto afeta a população de Lisboa…”. Existia

uma grande desigualdade de impostos sobre produtos559

por isso com a nova lei ficavam

558

A maior mortalidade era até aos 5 anos e cerca de 50% eram jovens mas nos homens a partir dos 35

anos o alcoolismo aumentava o risco de morte in Marnoco e Souza, 1905, p. 395 a 400. 559

Era referido no decreto que o azeite de oliveira pagava uma taxa de 55 réis por kg, ovos 25,26 e a

batata 1,72.

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isentos de todos os direitos de consumo, uma serie de produtos considerados

essenciais.560

Mas em 1912 arrependem-se e são abolidos. O novo regime não só não

trouxe a democracia e liberdade prometida nem o “bacalhau a pataco”.

Existia ainda a ideia defendida por muitos de transformar Lisboa em porto franco,

ideia que já vinha do tempo do Marquês de Pombal mas colocaria o comércio, os

armazéns e os empregados ao serviço dos americanos de onde os produtos chegavam

mais baratos e a partir daí também os bancos, o contrabando seria enorme, como

consequência Portugal perderia uma importante fonte de receita.561

Já os gregos diziam que o custo entre ir por mar ou por terra era de 1 para 50. Não

é por acaso que ainda hoje 80% das trocas comerciais são via marítima mas até aqui foi

necessário criar um decreto em 10 de Março de 1910 que determinava várias

providências para a repressão dos crimes de fruto praticado nas embarcações que se

empregam no transporte de carga sujeita à fiscalização aduaneira, já que as reclamações

eram muitas por parte do comércio contra os furtos nas embarcações de transportes562

.

O protecionismo alfandegário563

afastava o país das relações com países de

economias mais desenvolvidas e estas podiam ajudar a desenvolver a indústria e a criar

postos de trabalho. Perante uma organização complexa e o mau funcionamento da

indústria, o capital não aparecia. Era preferível ao capitalista ganhar apenas o juro que

arriscar na indústria. Sem riqueza o Estado não pode cobrar impostos e como tal em

relação à assistência o Estado pouco pode fazer.

Num país atrasado e pouco industrializado, sem carvão e sem possibilidades de

concorrer a única hipótese e mais fácil parecia voltar-se para si próprio. A lei do

protecionismo de 1889 e a lei de 1899 invertem a politica do livre-câmbio dominante

desde 1854, da mesma forma que o protecionismo aos cereais que facilitaram o

desenvolvimento de maquinaria mas vai dificultar o desenvolvimento do capitalismo

560

Era o caso da carne de porco (excluía-se a s carnes de bovino por ser preferencialmente consumido

pela população mais abastada) e de vários tipos de chouriços e miudezas e tripas de gado e farinheiras. 561

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 89. 562

Os delinquentes em processo de descaminho de direitos serão punidos com o dobro das multas dos

relativos aos trabalhadores aos trabalhadores dos caminhos de ferro e alfândegas e seria agravada com a

reincidência ou até eliminação da matricula (art. 1.º) 563

Oliveira Martins defendeu que por exemplo em relação ao álcool se o preço médio fosse superior a um

determinado limite devia ser autorizada a sua importação e que se aumenta-se os direitos sobre o álcool

estrangeiro de modo a não haver vantagem em o comprar dando preferência ao nacional in Ruy Ennes

Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 108.

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112

porque permite a redução do custo de produção e ao consumidor, diminui o esforço de

trabalho com mais fácil adaptação mas os salários eram tão baixos que enquanto

consumidor, o trabalhador não tinha benefícios.

Ulrich defendia o protecionismo, podia ter benefícios temporários mas não era

suficiente porque não conseguia trazer desenvolvimento por si só era necessário apostar

nas “energias nacionais”.564

Tal como hoje os impostos tinham em mente beneficiar o erário mas muito pouco

o de estimular a produção. A elevação do juro é disso um sintoma e Portugal sendo um

país de mau crédito, a tendência de crise foi-se acentuando. Os capitais565

que chegaram

abundantemente para as obras públicas não serviram para beneficiar o desenvolvimento

do país que não estava preparado para investir no desenvolvimento da produção e como

tal as estradas ajudaram à deslocação de população para o litoral. Em 1891 havia que

pagar esses empréstimos ao estrangeiro e o país ia assim ficando sem capitais.

Com um agricultura protecionista, mão-de-obra em excesso e sem qualificação

não permitiu modernizar o setor, até porque existiam interesses difíceis de conciliar, tal

como era difícil contrariar as classes dominantes, os grandes latifundiários e mais difícil

alterar práticas agrícolas antigas e tradicionais.

Para Samuel Maia566

as bases económicas são falsas “estão erradas desde a

primeira pedra” e acrescentava “as principais receitas do Estado são formadas à custa da

nossa ruína. O tesouro público suga a medula do país, dando em resultado a paralisação

de todos os movimentos e a incoordenação da vida social”.567

O governo de Sidónio Pais sofreu economicamente com a guerra568

, a subida do

custo de vida foi galopante569

, muitos géneros de 1ª necessidade eram açambarcados,

saiam de circulação para que os preços subissem artificialmente. Faltavam

564

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 162. 565

O Código Civil permitia a livre estipulação do juro na celebração de contratos o que prejudicou o

desenvolvimento da economia in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1902, p. 78. 566

Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911. 567

Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p 123. 568

São as dificuldades nos transportes marítimos, nas importações e exportações, os preços aumentam, o

consumo diminui e o mercado alemão fecha-se. 569

O ano de 1918 apresentou o maior deficit de sempre, 13833 milhares de libras de ouro in Carlos Pinto,

1979, p.47.

Page 113: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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infraestruturas, via de comunicação e não surgiram novas indústrias. Por isso nesta

altura, com falta de transportes e para que os minerais não fossem utilizados pelos

inimigos dos aliados e procurar o abastecimentos dos mercados aliados decreta-se que

enquanto durar a guerra e até seis meses depois, o decreto n.º 3:931 de 14 de Março de

1918, ficava reservado ao Governo o direito de se tornar o “único comprador e

exportador de todos os minérios que possam interessar às industrias de guerra…” (art.

1.º).570

O decreto n.º 4:745 de 20 de Agosto de 1918 concede vantagens e garantias a

todas fábricas que venham a fundar-se para desenvolver as indústrias de aplicação da

cortiça em produtos de maior valor comercial (art. 1.º) em troca recebiam a isenção de

direitos alfandegários na importação de maquinismos para essa indústria e aquisição

gratuita de terrenos pertencentes ao Estado para instalação destas fábricas.

São criadas medidas consideradas adequadas e indispensáveis para atender à

situação resultante da chamada “crise dos câmbios” que era cada vez mais gravosa e

havia que remediar a situação para estabelecer o possível equilíbrio da nossa balança de

contas já que a influencia que exerciam no comercio externo era grande e grave, assim

no decreto n.º 6:263 de 2 de dezembro de 1919 no art. 1.º elevou-se até ao dobro os

atuais direitos e sobretaxas de importação de produtos que não eram indispensáveis à

vida e ao desenvolvimento do trabalho nacional571

.

Lei n.º 922 de 30 de Dezembro de 1919 aplica penas aos comerciantes

açambarcadores ou cujos géneros estejam em mau estado, falsificados ou escondidos, o

seu possuidor pode ser preso e os géneros apreendidos e destruídos se estiverem

impróprios, a multa pode ir até cinco vezes mais o valor da mercadoria (art. 1.º). Os

géneros tinham de ser expostos em “lugar bem visível da casa onde se efetuem as

vendas”572

.

570

O decreto n.º 4:282 de 11 de Março de 1918 estabelece penas a quem exportar tungsténio. 571 §1.º os direito e sobretaxa eram pagos em ouro. 572 O art. 3.º são obrigados a despachar em 15 dias os géneros alimentares desde a entrada na alfândega e

findo este prazo serão considerados abandonados e vendidos em hasta pública.

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Segundo J. Andrade Saraiva573

os preços dos alimentos sofreram um aumento de

238% em Outubro de 1919 em relação a 1913 e se estendermos para Maio de 1920 a

subida foi de 343%, ou seja, um incremento de 105% em apenas 7 meses.574

Se for tida

em conta os preços a retalho de 25 géneros alimentícios, iluminação, aquecimento e

higiene, os valores em 1921 sobem para mais de 800%. Tirando o caso alemão, Portugal

tinha valores muito elevados já que para o mesmo período a Inglaterra no mesmo

período foi de 182%, França 282%, Itália 360%, Espanha 120%, Bélgica 380% e

Holanda 163%.575

Os valores podem ser manipulados e até podem ser outros576

, no

entanto mostram que não podemos apontar apenas à guerra a causa da inflação mas à

forte especulação que originou mais ricos e aumento o número de pobres.

A especulação fez subir os preços para o dobro dois anos depois do fim da guerra

e mesmo depois de Novembro de 1918 os preços continuaram a subir. O custo de vida

foi sempre muito à frente do aumento dos salários o que prejudicava o consumo e por

consequência também a industria, o que se traduziu pela diminuição da produção e por

consequência o aumento do desemprego e da miséria da população em geral.

A forte desvalorização do escudo577

em 1919/20 estimulou as exportações mas

1921 a crise internacional afetam as exportações e a economia578

ao contrario do que

aconteceu com a crise americana de 1929 cujo impacto em Portugal foi pequeno579

.

A Guerra favoreceu a especulação e o mercado negro580

e estes beneficiam a

banca e os seguros. São criados novos bancos581

e é autorizada para a exploração de

573

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 7-18. 574

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 10. 575

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 179. 576

O mesmo autor 2 anos antes tendo em conta outros dados tinha dado valores muito diferentes para a

subida dos preços dos géneros alimentares: Inglaterra 231%, França 183%, Itália 114%, Suíça 141%,

Holanda 103%, EUA 92%, Austrália 50%, Noruega 171%, Suécia 237%, Espanha 80%, Nova Zelândia

50%, Índia 192% in Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e

Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 416. 577

Liberdade de preços e câmbios, baixa de impostos, salários não sofrem aumentos e diminui

temporariamente o número de grave. 578

Hiperinflação, aumento da divida externa, desequilíbrio da balança, desemprego, desvalorização

salários implicou o aumento da agitação social. 579

Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 77. 580

Existiu racionamento, a bem da economia, o Diretor Geral das Subsistências o tenente – coronel do

serviço de Administração Militar, Benjamim Maia de Loureiro. Edital n.º 1 – 1ª “…fica vedada a venda

direta para consumo dos géneros sujeitos ração, sem que pelo consumidor sejam apresentados a carta e

senha de consumo… 581

Banco Colonial Português (de Candido Soto Maior) e o Banco Industrial Português (de Manuel Cruz

Bela).

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novas áreas de seguros e são fundadas novas companhias e sucursais francesas e

inglesas principalmente na área marítima.582

Portugal tinha a vantagem geográfica e de ter colónias583

, alem de uma reduzida

mobilização militar mas parte da população jovem, principalmente a do campo foi

desviada ou para a guerra ou para a indústria ligada à guerra. A nível mundial a

diminuição do consumo e produção, foram derivados dos 30 milhões de homens em

quatro anos da guerra era a parte mais valida da população. Muitas fábricas foram

convertidas ao esforço de guerra e o bloqueio marítimo paralisou a produção, em parte

foi compensado pelo trabalho das mulheres nas fábricas. A desvalorização da moeda em

relação a outros países perdeu mais de metade do seu valor em menos de um ano. O

Governo não investe e espera que outros o façam584

.

O sistema de transportes era fraco, pouco sofisticado, lentos e com pouca

segurança para as mercadorias. Em 1919 as tabelas de preços máximos foram abolidos o

que provocou uma alta de preços o que implicou o estabelecimento novamente das

tabelas já que mesmo que não se cumprissem na sua totalidade são de certo modo um

freio à especulação.585

O decreto n.º 6:391 de 14 de Fevereiro de 1920 aumentou os direitos pautais e

diminuiu as importações de objetos de luxo que podiam atenuar a crise cambial mas não

estão lá só produtos de luxo estão também tecidos de lã, algodão, calçado, lenços,

chapéus, louça, etc., e muitos destes produtos são de primeira necessidade o que acabou

por provocar o aumento do preço do vestuário e calçado, já que o importado era mais

barato, acabando por ficar dez vezes mais caro que em 1914.586

582

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 70. 583

O tratado luso-britanico de 11 de Junho de 1891 que acaba com o mapa cor de rosa mas os territórios

tinham fraca ocupação, pouca exploração económica quase sem administração e só com a difusão do

quinino se progrediu na colonização e ocupação militar e mesmo assim em varias zonas como na ilha de

Moçambique tinha de se pagar aos régulos locais e memo assim tinha de se cumprir um número máximo

de ocupantes. 584

O Governo através da lei n.º 678 de 14 de Abril de 1917 autoriza a conceder mediante concurso

público a qualquer entidade ou empresa portuguesa e pelo prazo de quinze anos, o estabelecimento e o

direito exclusivo da exploração da indústria siderúrgica pelos processos mais modernos (art. 1.º). O

concessionário instalará à sua custa e sem encargo algum para o Estado um estabelecimento siderúrgico

moderno. 585

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 419. 586

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 183.

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O protecionismo587

favoreceu alguns empresários à custa da miséria da população,

arruinou a industria e o comercio devido à diminuição do consumo e sem que este não

há produção. Tal como hoje explorar os consumidores foi um erro. Com o armistício,

refere J. Andrade Saraiva588

, notou-se uma melhoria mas foi sabotada a nível

internacional.

A grande oscilação cambial deu origem à incerteza, à especulação e agiotagem

que é referida nesta altura e cujos resultados se viriam a notar de modo intenso na crise

de 1929, não eram apenas devidos à balança comercial dos diferentes países.

A moeda nacional sofreu uma desvalorização brutal e os capitalistas nacionais

fizeram depósitos em bancos estrangeiros, apostando e beneficiando do “quanto pior

melhor”589

.

Referia J. Andrade Silva “se os povos europeus não souberem desembaraçar-se

dos seus velhos ódios e rivalidades e criar um espírito de solidariedade europeia, dentro

de meio século perderão a hegemonia mundial e cairão miseravelmente”590

. Não foi

necessário esperar tanto, os fascismos europeus estavam dentro de fronteiras e a II

Guerra apareceria ao fim de 10 anos.

Um dos medos referidos era o da independência das colónias europeias, pensava-

se que delas derivava o sustento. Daí defendia J. Andrade Saraiva que se deveria

aumentar a consciência da necessidade da solidariedade europeia. Unificar a moeda em

toda a Europa e nacionalizar as operações cambiais. Eliminar as barreiras fiscais e

estabelecer uma liga aduaneira para desenvolver a indústria e alargar os mercados.

Atenuar a luta de classes através de medidas justas. Defender uma confederação

europeia para dar origem a uma frente diplomática e militar para que se mantenha a paz

a fim de reduzir as despesas militares.591

A especulação dominava sobre a produção, não existia um verdadeiro espírito

coletivo fora das greves e dos movimentos de rua. A psicologia era tal como hoje, muito

587

Grande parte dos países eram protecionistas como os EUA, Alemanha, Suíça, Áustria, Itália, Rússia, o

livre cambismo no entanto predominava nos países como a Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega

e Dinamarca in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra,

1902, p. 161. 588

Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 4. 589

Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 183. 590

Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 7. 591

Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 7.

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negativista, dificultava a organização de projetos, os espíritos empreendedores eram

criticados e rebaixados. Faltava educação, visão de futuro, escolas com programas

adequados ao bem comum para a formação do ideal coletivo. Muitas leis mesmo que

bem formuladas eram imediatamente criticadas não por serem injustas mas por uma

questão de personalidade. Aqueles que enriqueceram com a guerra não investiram, não

criaram riqueza nem postos de trabalho, era mais seguro viver do juro que investir fora

do luxo e da ostentação fútil.

Em 1891 Portugal sai do padrão ouro, a credibilidade é abalada, não garante a

estabilidade não se garantia a conversão da circulação fiduciária. Os encargos da divida

externa tinham aumentado, encetaram-se negociações com credores, dá-se as conversão

em 1902. Desde a bancarrota de 1892 que o país estava desacreditado nos mercados

financeiros estrangeiros.

O convénio com a Inglaterra a 28 de Maio de 1891 e a lei de 20 de Maio de 1893

sobre credores revelava a fraca situação das finanças em Portugal. Os preços das

mercadorias e dos bens não dependiam da quantidade de metal precioso em circulação

mas de muitas causas conjuntas sob a principal influência do regime fiscal. Para Brito

Camacho o problema não estava em não ter riqueza era a situação financeira que não

permitia que fosse criada. Os encargos eram de tal modo elevados que absorviam

grande parte das receitas e aumentar essas despesas poderia levar à bancarrota. A dívida

estava nas mãos de estrangeiros592

e tal como “todos os países de finanças avariadas,

estamos à mercê do mais insignificante especulador de bolsa, que à nossa custa queira

enriquecer depressa.”593

A crise financeira de 1890 veio afetar o comercio, faltava o fomento industrial

para dar movimento nas estradas, caminhos-de-ferro e criar fabricas e oficinas pelo pais.

A “Lei Travão” aprovada em 1913 pelo Parlamento proibia os deputados de

aprovarem leis que aumentassem as despesas públicas. Com a República o Ministério

da Fazenda passa a denominar-se das Finanças o que releva o aumento da consciência

social da participação da contribuição dos cidadãos no bem público de modo a ser

alcançado um verdadeiro ideal de cidadania na melhoria da sociedade. Foi conseguido o

equilíbrio das contas públicas mesmo que temporariamente no entanto há que notar que

592

O rendimento dos fósforos foram hipotecados, as obrigações dos Caminhos de Ferro foram entregues

em Paris por curta quantia in Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 26. 593

Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 26, 28.

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esta melhoria já vinha desde a bancarrota, em virtude do pais estar fora dos mercados

internacionais e fora do padrão ouro desde 1891. Estando fora os câmbios não eram

fixos o que trazia inconvenientes ao comércio internacional porque tanto as transações

como os pagamentos tornaram-se mais complicados o contrario daqueles que estavam

num mercado globalizado mas conseguiu-se conter assim a sangria do défice publico

antes da revolução republica.

A necessidade de desviar os transportes marítimos para a guerra (já para não falar

dos que foram afundados) fizeram escassear os combustíveis e as principais matérias-

primas, as exportações foram prejudicadas e como os impostos incidiram sobre a

produção e sobre os rendimentos, as receitas diminuíram acentuadamente.

A falta de produtos devidos à guerra implicaram o aumento de preços o que levou

a tentativas de tabelamento de preços, criação de subsídios por um novo ministério para

fazer face à escassez594

de bens essenciais mas acabaram por não só aumentar as

despesas como favorecer o mercado negro que retirava muitos produtos essenciais de

circulação.

Em 1916 realizaram-se roubos a armazéns de géneros alimentícios em Lisboa,

Porto, Almada e tal como noutros locais o governo manda responder com violência

contra operários, contra a 1.ª secção da U.O.N. mas operários estando cada vez mais

unidos e organizados. Em Maio de 1917 acontecem novos assaltos a armazéns com

revoltas sangrentas das quais se ressalva a revolução da batata. De 1914 a 1919 os

preços triplicaram e se aumentarmos para 1924 podemos multiplicar por oito595

. O país

não conseguia produzir o suficiente para consumo, faltavam capitais para desenvolver a

indústria e transporte marítimos e não era só a falta de investimento estrangeiro era

também a fuga de capitais e as remessas dos emigrantes também diminuíram que com a

chegada da guerra a situação só poderia piorar.

594

O decreto n.º 6:723 de 5 de Julho de 1920 determina que o azeite de oliveira seja unicamente para

alimentação pública e seja exportado determinado sob determinadas condições.

Lei n.º 999 de 16 de Julho de 1920 autoriza as câmaras municipais a lançar impostos não superiores a 3%

sobre quaisquer géneros e mercadorias exportadas para fora do concelho.

Decreto n.º 6:889 de 6 de Setembro de 1920 restringe o consumo de água na cidade de Lisboa.

595

Maria Eugénia Mata, A política financeira In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da

Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 199.

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119

17 - Soluções encontradas para minorar a crise económica

As leis que iam surgindo de forma avulsa eram vistas como um paliativo já que

por parte dos sindicatos o problema estava no regime económico, nas pautas, nos

impostos, nos monopólios, nos intermediários, na corrupção e principalmente na

especulação. O decreto n.º 741 de 10 de agosto de 1914 do ministro da Justiça, Eduardo

Monteiro, estabelecia penalidades para quem aumenta-se os preços dos produtos de

primeira necessidade. Era uma forma de tentar combater a especulação que prejudicava

precisamente os mais pobres.

O decreto n.º 767 de 18 de Agosto de 1914, o Ministério do Fomento cria uma

comissão para fazer a análise da situação de modo a garantir o acesso a produtos

essenciais e evitar perturbações.596

Para relançar a economia do pós-guerra surge o

decreto de 21 de agosto de 1914 a Bolsa de Mercadorias de Lisboa e Porto.

A antiga lei de Elviro de Brito de 1899 foi revogada e para fazer face à escassez

de trigo e o Governo subsidiou o preço do pão pelo decreto n.º 1371, 1 março 1915.

O decreto n.º 2027 de 6 de novembro 1915 acabaria por ser uma forma

encapotada de legitimar a intervenção do Estado na economia. O Governo na tentativa

de evitar a saída de ouro e divisas através de uma série de proibições era a sua forma de

intervir economia e uma forma de o fazer era tentar evitar a saída do ouro e de divisas

através de uma serie de proibições.

Na Portaria n.º 518 de 10 novembro de 1915 fica demonstrada esta intervenção

na Fábrica de Adubos da Póvoa de Santa Iria, dada pelo ministro do Fomento, Manuel

Rodrigues Monteiro. A Lei n.º 493 de 12 de março de 1916 foi aprovada na sequência

da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, uma forma de possibilitar o

desenvolvimento industrial.597

O abastecimento de bens de primeira necessidade tinha muitas falhas, o Governo

não conseguiu combater a especulação, o açambarcamento e a requisição de transportes

para abastecimento de mercadorias foi indispensável à economia (Lei n.º 480 de 7 de

fevereiro de 1916).

596

Ana Paula Pires, A economia de guerra: a frente interna In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,

Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 325. 597

Ana Paula Pires, A economia de guerra: a frente interna in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,

Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 332.

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120

A Lei n.º 494 de 16 de março de 1916 sob proposta de António Maria da Silva do

Ministério do Trabalho e Previdência Social debruçava-se sobre a questão das

subsistências com especial relevo para as relações com o operariado.

Com os crescentes problemas de abastecimento e falta de transportes, levaram

Afonso Costa a criar uma Administração dos Abastecimentos do Ministério do Trabalho

e Previdência Social que estudou e elaborou estatísticas sobre preços, produtos,

quantidade, disponibilidade, etc. (decreto n.º 3174 de 1 de junho de 1917).

Para tentar acalmar os ânimos mais exaltados o Governo decretou a mobilização

agrícola para intensificar a produção e facilitar o acesso a sementes, maquinas,598

e

premiar os mais inovadores pelo decreto n.º 3:619 de 27 de novembro de 1917599

. Os

celeiros municipais foram uma forma de transferir poder para as autoridades locais e a

criação do Ministério da Agricultura que com o decreto n.º 3:902 de 9 de março de 1918

veio coordenar essa descentralização.

O decreto n.º 4841 de 26 de setembro de 1918 criava um imposto especial sobre

os lucros derivados da guerra que excedessem os de 1917, era a lei dos “lucros da

guerra” que podiam chegar aos 80%, deste modo atendia-se ao excesso destes lucros

com a guerra e ganhavam as finanças mas acabaria por ser revogado a 4 de outubro, ou

seja, uma semana depois pelo decreto n.º 4:864, tinham ganho neste confronto com

Sidónio Pais, as indústrias e o comércio.

598

Enquanto não se fizesse a classificação dos baldios nos termos e para os fins do art.º 185.º de decreto

n.º 88 de 7 de Agosto de 1913, nenhuma desamortização de baldios pode ser permitida, pelo art.º 187.º a

divisão dos baldios eram ilegais e expressamente proibidos às juntas de freguesia assim como aos baldios

paroquiais. Só com Sidónio se permite às câmaras municipais que entreguem os baldios a agricultores

escolhidos e não aos sindicatos como era pedido. 599 Para aumentar a produção agrícola nacional:

Art.º 1.º Enquanto durar o estado de guerra […] incumbe ao Ministério do Trabalho:

a) Organizar uma ativa propaganda do aumento das culturas, junto dos agricultores, dos

sindicatos agrícolas e das caixas de crédito rural;

b) Facilitar aos agricultores instruções sobre as melhores e possíveis adubações, processos de

cultura e sementes a empregar;

c) Por à disposição dos agricultores, que disso careçam para aumentar a sua cultura, gados,

maquinas, especialmente motores, e alfaias por meio de aluguer;

d) Promover a utilização e aproveitamento de todas as matérias que possam ser empregadas

como corretivos e adubos;

e) Pôr à disposição dos agricultores sementes e adubos a pronto pagamento ou para serem pagos

na ocasião da colheita, mediante garantia que poderá ser constituída por letras aceites pelos

agricultores com mais de uma ou duas firmas idóneas;

f) Instituir prémios aos agricultores que provem ter trazido à cultura novas terras;

g) Facultar aos agricultores isolados ou agrupados ou associados, fundos devidamente

garantidos, com juro módico, para com a assistência gratuita de técnicos, realizarem

determinadas culturas;

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Com a guerra desenvolvem-se as sociedades anónimas e vai ser Sidónio que pela

primeira vez promulga legislação neste sentido, é o decreto 4556 de 10 de Julho de

1918. Havia o desejo de mudanças e o decreto de 11 e 30 de março de 1918

demonstrava que a ideia era construir um outro regime. Portugal era muito dependente

do estrangeiro em relação a bens essenciais como alimentos, combustíveis, matérias-

primas, equipamento industrial, etc., mas o ambiente não ajudava, nomeadamente o

religioso e o decreto n.º 4:056 de 29 março de 1918 atenuou a visão radical contra a

Igreja, as relações com o Vaticano foram retomados, mesmo depois de Sidónio Pais.

Abrem-se novamente as igrejas e voltam os bispos e padres aos antigos locais. São

devolvidos bens e propriedades, permitem-se os hábitos talares e as procissões

religiosas não necessitam de autorização prévia.600

Surgem movimentos como a Seara Nova ou o Integralismo Lusitano, mas em

geral a oposição vai controlando a imprensa. Constroem-se bairros operários em Lisboa

e Porto.

O decreto n.º 3:907 de 11 de Março de 1918 estabelece o “sufrágio universal”

onde eram eleitores “todos os cidadãos portugueses, de 21 anos, que estejam no gozo

dos seus direitos civis e políticos e residam em território nacional há mais de seis

meses” (art. 1.º) mas para o Partido Democrático, “o sufrágio universal é, neste

momento, inoportuno porque só aos adversários das instituições aproveitava.601

Mas o sidonismo assentava na repressão602

, na censura603

, a opinião pública vai

achando que se vivia em ditadura, a base social era fraca, faltava apoio popular e

mesmo com vitórias militares, alguma mais tarde ou mais cedo viria a falhar. Os

decretos surgiam a velocidade vertiginosa, tudo era reformulado mas a miséria e a falta

de bens de primeira necessidade não diminuíam.

600

Pelo decreto n.º 4:717 de 17 de Julho 1918 concede-se uma a subvenção mensal extraordinária de

150$ para legação de Portugal junto do Vaticano e pelo decreto n.º 7:212 de 6 setembro de 1920 é extinta

a 2ª Repartição da Direcção Geral da Justiça e dos Cultos e outras se seguirão. 601 Ora, sendo de setenta por cento a percentagem de analfabetos, forçoso seria concluir que a enorme

maioria do país repudia as instituições vigentes…” mas para o Governo de Sidónio o sufrágio universal

“longe de prejudicar o regime antes o fortalecia, interna e externamente […] nem se diga que o iletrado é

incapaz de escolher quem legitimamente o representa” e na verdade muitos dos alfabetizados ou não

votavam ou não estavam politizados existindo assim uma curta distancia entre uns e outros. 602

Não será de esquecer a “Leva da Morte” de 16 de Outubro 1918 em Lisboa onde são assassinados

opositores ao regime como Francisco Correia de Herédia Visconde da Ribeira Brava tinha 66 anos. 603

O decreto n.º 4:436 de 17 de Junho de 1918 estabelece a forma como deve ser feita a censura

preventiva, enquanto durar a guerra (art. 1.º).

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O decreto n.º 4:223 de 8 de Março de 1918 deu uma amnistia geral604

e

completa605

para todos os crimes de natureza ou carácter político, reuniões criminosas,

porte de arma, abuso de autoridade (sem ofensas físicas), transgressão às leis de

Separação do Estado das Igrejas, ultraje à moral, etc. (art. 1.º). E o decreto de 8 de

Junho de 1918 concede um indulto a todo o pessoal do Arsenal da Marinha e a 13 de

Junho o decreto n.º 4:518 amnistia geral é completa às praças do exército e da armada e

das forças ultramarinas transferidas por terem tomado parte em manifestações coletivas.

No ano seguinte e pelo decreto n.º 5:402 de 12 de Abril de 1919 concede amnistia

para os crimes de deserção, simples ou agravada nos praças que tomaram parte nas

operações contra as revoltas monárquicas.

José Carlos Rates escrevia606

em 1919 n’A Batalha que “os povos que não

procuram bastar-se a si próprios podem fazer quantas revoluções quiserem, que nunca

serão independentes, que nunca serão verdadeira livres! […] há-de ser sempre

escravo…”607

mas em 1920 há um aumento da produção em virtude do investimento em

máquinas e ao aumento do consumo de combustíveis dos quais estávamos dependentes

do exterior. A desvalorização da moeda tinha um estímulo mais positivo e eficaz que o

do protecionismo, até porque a importação de produtos industriais torna-se demasiado

caro, o que favorece as empresas nacionais. Por outro lado as de exportação como as da

industria têxtil e conserveira, tornam-se mais competitivos e de mais fácil acesso aos

mercados internacionais.608

A inflação provocou uma forte subida dos preços mas iam sendo feitos algumas

concessões ao operariado. Acaba o congelamento dos salários do tempo de Sidónio, o

604 Decreto n.º 1:508 de 20 de Abril de 1915 manda aplicar a lei de 22 de Fevereiro de 1914 com

modificações para os crimes, delitos e infrações disciplinares por motivos políticos, ou seja, estende a

amnistia com algumas restrições uma forma de generosidade da República contra ódios sem espírito

perseguição “aberto a todos e em que a todos se mantenha o respeito das suas opiniões, das crenças e dos

seus ideais.”

Lei n.º 316 de 5 de Junho amnistia para todos os crimes com carácter político e autoriza o Governo a

renovar a expulsar dos indivíduos constantes da nova junta à lei n.º 114 de 22 de fevereiro de 1914. 605 Existem saneamentos na altura das incursões monárquicas mas acabam sempre em amnistias ou

“governos de acalmação” que reintegração dos saneados mesmo sendo militares do exercito e de outros

funcionários públicos com algumas limitações. 606

Personagem muito contraditória, foi anarquista e depois tornou-se o primeiro secretário geral do PCP

do qual foi expulso e no Estado Novo aderiu à União Nacional. Foi operário conserveiro, estudioso

autodidata, deixou vários estudos, obras publicada e até romances disse muitas coisas das quais se foi

arrependendo ao longo do tempo. 607

A Batalha 26 de Abril de 1919 citado por Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1235. 608

Ana Catarina Pinto, Nova Estratégia para a República In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,

Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 416.

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pão é subsidiado, o “pão político” que permitia algum controlo de preços, no entanto a

prazo servia como efeito paliativo para os mais pobres que se iam vendo confrontados

com o nível de vida cada vez mais caro e em consequência de Abril a Setembro de 1918

foram inauguradas 31 cozinhas económicas na zona de Lisboa.609

Desenvolve-se o sistema da sopa dos pobres610

já existente no tempo da

monarquia611

e que vai receber uma forte contestação maçónica.

Com a guerra houve a supressão, racionamento e redução de muitos produtos, até

a produção de energia foi reduzida e aqueles que ultrapassassem os 70% do seu

consumo habitual sofriam um acréscimo no pagamento. A iluminação exterior de

muitos edifícios foi proibida e vários estabelecimentos viram-se obrigados a fechar

portas mais cedo.612

O comércio viu-se mais vigiado e restrito mas com o fim da guerra

a liberdade comercial foi restabelecida, foram abandonadas as tabelas de preços fixos e

substituídas pelas dos preços máximos613

e a título experimental foram criados dois

tipos de pão de trigo com a intenção de baixar o preço sem baixar a qualidade.614

615

Quem lucrava com a especulação dos preços? A. Saraiva616

em março de 1918

referia que uns enriquecem, outros passam fome, principalmente os que trabalham por

609

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 70. 610

Decreto n.º 4031 de 30 de Março de 1918 com 35 cozinhas económicas em Lisboa. 611

Da Duquesa de Palmela em 1892 eram gratuitos ou de baixo custo. 612

O decreto n.º 2:922 de 30 de dezembro de 1916, referia no art.º 1.º a iluminação, quer a gás, quer a

eletricidade obtidos pelo carvão, será reduzida da forma seguinte: a) De 50 por cento a iluminação

pública; b) De 30 por cento a iluminação particular. n.º 2 - O consumidor que exceder 70 por cento do

consumo mensal […] pagará, além do custo, a quantia de $60 e $30 respetivamente, por cada quilovátio

ou metro cúbico consumido a mais.

Art.º 2.º São proibidas: a) Todas as iluminações exteriores dos edifícios, lojas, restaurantes, cafés, casas

de espetáculos e similares, bem como todos os anúncios e reclamos luminosos; b) A iluminação das lojas

e das montras depois da hora do encerramento dos respetivos estabelecimentos, com excepção das luzes

necessárias para a sua defesa ou vigilância. Acrescenta ainda o art.º 4.º que a restauração, espetáculos e

leilões enceraram às 23h. 613

Abolidos em 1919 o que voltou a provocar a elevação dos preços. 614

Lei n.º 835 de 17 de Fevereiro de 1919.

Art.º 1.º É restabelecida a liberdade de transito e comercio com algumas restrições.

Art.º 2.º São substituídas as tabelas de preços fixos por outras de preços máximos.

Art.º 3.º São criados, a titulo de experiência, dois tipos de pão de trigo, diminuindo o preço sem baixar a

qualidade. 615

Decreto n.º 5:175 de 26 de Fevereiro de 1919.

Art.º 1.º é garantida a liberdade de comércio e de transito de arroz, batata e feijão.

Art.º 2.º …para o arroz, batata, feijão são fixados preços máximos. 616

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 55-59.

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conta de outrem e como tal não têm poder sobre a alteração dos preços. Depois da

guerra a inflação foi de 13%, o que representou um forte corte salarial.617

Mas tudo poderia ser suavizado se o Estado, através da polícia, fiscalização,

tribunais, administração, etc., controla-se a especulação e baixa-se os preços com a

isenção de direitos pautais618

, fixação dos preços de alimentos essenciais619

,

estabelecimento de um preço na venda dos combustíveis620

e a proibição da exportação

de vários produtos621

.

Houve no entanto indústrias que se desenvolveram com a guerra como a

agricultura, alimentação, pesca, minas, metalurgia, transportes, armamento, etc. O que

provocou o aumento da procura de mão-de-obra e uma ligeira melhoria salarial em

relação a outros sectores. No geral os grandes e médios comerciantes e industriais

ganharam com a guerra.

Desde 1870 que os deficits eram muito elevados, fizeram-se empréstimos graças

ao ouro mas quando os empréstimos acabaram. Fez-se um empréstimo com a garantia

das receitas do monopólio dos tabacos em muito más condições e garantindo o

exclusivo fabrico dos tabacos e administração aos credores e amortizações. A partida de

uma expedição para África de forma urgente acarretou despesas não esperadas e a

Revolta no Porto a 31 e Janeiro de 1891 tornou a situação mais tensa.

Os mercados estavam parados e os ingleses por força das circunstâncias (O

Ultimatum) estava fechado restava o mercado francês e alemão mas esses só sob

determinadas garantias e rendimentos extras de juros.622

Para Mendes Leal existiam dois métodos de extinguir o deficit: por um lado com a

“organização dos serviços na distribuição das forças na elevação da venda derivando-a

617

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 56. 618

Decreto n.º 4:906 de 25 de Outubro de 1918, isenta de direitos pautais a importação de arroz, grão de

bico e massas para sopa. 619

Decreto 4:937 e 939 de 15 de Novembro de 1918, que fixa os preços das massas alimentícias, aveia,

cevada e outros cereais. 620

Decreto n.º 4:907 de 25 de Outubro de 1918, estabelece o preço da venda de petróleo e gasolina. 621

Decreto n.º 4:910 de 26 de Outubro de 1918, proíbe a exportação de sabão. 622

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 217.

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do desenvolvimento da matéria colectável” o segundo e o mais fácil, é cortar na despesa

e ajustar ao orçamento623

, foi o que fez anos mais tarde Afonso Costa.

18 - A habitação operária. A opinião de Caeiro da Matta

Caeiro da Matta afirmava que as casas ocupadas por mais de 10 pessoas

apresentavam uma mortalidade624

três vezes superior aos soldados mortos nas

batalhas.625

Mesmo com o preço das rendas das casas mais baixas cedidas pelo

industrial faziam com que o operário se sentisse em casa do patrão e se à qualidade

pouco amigável de senhorio ainda se junta a de patrão, muito se poderá temer de

agitação no mundo operário.626

Foi com o Marquês de Pombal que se construiu um bairro junto da real Fabrica de

sedas do Rato para os operários, em 1769 existiam já cerca de 60 casas. Em sessão de 3

de Dezembro de 1908, o vereador Luiz Filippe da Matta, propunha a construção de

casas baratas, higiénicas e com água gratuita.627

Já em 1883 Fontes Pereira de Mello e Hintze Ribeiro na sessão na câmara de

deputados de 15 de Janeiro, foi apresentada uma proposta de lei com vista à construção

de casas com rendas de baixo preço. Nessa ideia propunha-se a isenção de contribuição

predial por vinte anos, a isenção de contribuição de registo, a recolha de madeiras nas

matas nacionais, entre outras, neste sentido em 19 de Fevereiro de 1884 foi apresentado

um projeto de lei pelo deputado Rosa Araujo que não teve seguimento mas outro surgiu

em 16 de Maio de 1884 pelo conselheiro Augusto Fuschini mas também este não

chegou a ser discutido.628

A 7 de Março de 1901, foi o deputado Guilherme Santa Rita a apresentar um novo

projeto, ao qual se acrescentaria novo artigo e alíneas em 1904 que novamente não foi

aprovado e em 1905 o ministro das obras públicas D. João de Alarcão em sessão de 22

623

José Mendes Leal, 1867, Lisboa, p. 11 624

Em 1904 em cada 1000 sepulturas em Lisboa, 326 eram para crianças. 1/5 são de crianças até 1 ano de

vida. Em cada 500 crianças só 73 não têm defeito, as outras são anémicas, raquíticas, com pequenos

defeitos físicos, ventre abaulado, peito reentrante, etc. in Jorge Morais, Sintra, 2009, p. 119. 625

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 92. 626

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 106. 627

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 173. 628

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 174.

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de Agosto de 1905 apresentou mais uma proposta que seria renovada a 19 de Maio de

1908 pelo Conselheiro Alfredo Pereira que foi enviada à comissão de administração

pública.629

Na sessão de 23 de Maio de 1908 é apresentada uma nova proposta de lei

pelo Presidente do Conselho de Ministros, Ferreira do Amaral onde referia que até então

“em Portugal nada se tem feito para incitar à construção de habitações populares

salubres, que tanto têm contribuído em outros países para melhorar a saúde

pública…”.630

Depois de submetido à apreciação da comissão de administração de

administração pública, foi corrigida em alguns pontos como por exemplo substituir a

palavra “alugado” por “arrendada”, “por ser a verdadeira expressão jurídica”.631

Procurou-se evitar que se tenta-se fraudar a lei aumentando a renda da superfície

descoberta e incitar os senhorios a construir casas com jardins ou pátios que melhoram

as condições para isso devia ser incluído um limite máximo da renda. Havia ainda que

juntar o seguro de vida aos compradores dos prédios para que ficasse garantida a sua

posse às famílias no caso de morte. Se o operário tem de procurar trabalho no local onde

tem casa, fica numa situação de desvantagem para discutir as condições de trabalho. Os

operários com mais filhos voltarão para as antigas casa com mais espaço se eles não

forem destruídas e as novas entregues a locatários com mais elevada condição social.632

Se for o município a construir e explorar as casas, os preços serão mais baixos

porque não explorará comercialmente. Muitos impostos cobrados pelo município

oneram a propriedade predial. Os municípios devem facilitar a construção de habitações

populares compatíveis com higiene e segurança, facilitando o pagamento dos terrenos

cedidos pelos municípios, concedendo terrenos a títulos de enfiteuse.633

/634

629

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 199. 630

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 208. 631

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 217. 632

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 245. 633

Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da

Universidade, Coimbra, 1909, p. 252-253. 634 O decreto n.º 4:440 de 12 de Junho de 1918 enumera algumas condições técnicas e higiénicas casas

económicas No art.º 1.º As casas económicas e soladas ou agrupadas em bairros serão projetados e construídos em

obediência às prescrições…

Art.º 2.º Devem estar ligados ao saneamento públicos se este existir ou deverão construir fossas.

Art.º 3.º Por cada 100 casas económicas deve existir um lavadouro publico se as casas não tinham esses

tipo de instalações.

Art.º 4.º Por cada 50 casas económicas deve existir uma zona arborizada para logradouro dos seus

habitantes.

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O decreto com força de lei de 12 de Novembro de 1910 regula o inquilinato, o

senhorio de prédio urbanos pode arrendar pelo preço que lhe convier mas durante um

ano a contar da publicação deste decreto não poderá aumentar o preço da renda e se o

fizer é considerado desobediência (art. 9.º) também o processo de despejo era alterado

(art. 11.º).

O arrendamento e despejo de prédios urbanos foi legislado logo no início ainda

com o governo provisório.635

De modo a proteger os mais desfavorecidos o Governo

proibiu os senhorios de aumentarem as rendas dos arrendamentos urbanos sem

consentimento dos inquilinos através de o decreto n.º 1:079 de 21 de Novembro de

1914636

de Benardino Machado que obrigava que em caso de aumento de renda o

arrendatário fosse consultado. Se a casa fosse de baixo valor era proibido o aumento do

arrendamento na celebração de novos contratos. Este decreto foi renovado após a guerra

mas a inflação foi tal que se tornou num sério problema para os senhorios.

Sobre as casas económicas, o decreto n.º 4:137 de 24 de Abril de 1918, era

importante para conseguir-se casas acessíveis e com condições higiénicas para que o

trabalhador goste da casa e assim passe mais tempo com a família porque com as

condições oferecidas só se semeava a revolta e o ódio, onde as tabernas637

e os

prostíbulos serviam como forma de esquecer os problemas.638

Mas mais uma vez em

vez de ser atacado o problema pela sua base e nas suas causas, fazem-se remendos

usando meros métodos paliativos.639

As leis do inquilinato eram um ataque aos proprietários que tinham as rendas

congeladas. São de referir a lei n.º 828 de 28 de Setembro de 1917 que amplia e

confirma o decreto n.º 1:079 de 21 de Novembro de 1914 que proibiu durante a guerra e

6 meses depois de assinada a paz de elevar as pequenas rendas e despejar os inquilinos

Art.º 5.º Cada habitação deve ter uma retrete distinta da pia da cozinha. 635

Decretos de 12 e 18 Novembro 1910. 636

Ao abrigo da Lei de 8 de Agosto de 1914 surgem os art.ºs 1.º e 2.º do decreto n.º 1079 de 21 de

Novembro 1914. 637

Faltavam lugares para tomar as refeições nos locais de trabalho mas por todo lado existiam as tabernas,

era ali que se conversava, ouviam notícias, jogavam, cantavam, enfim se divertiam. 638

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 340. 639

a lei n.º 1:547 de 25 fevereiro de 1924 era proibida a instalação de novos estabelecimentos de venda de

vinho ou de quaisquer bebidas alcoólicas a copo num raio de 500m em Lisboa e 200m noutras localidades

em torno de edifícios públicos e escolas em especial (art. 1.º) ou a500m de outros da mesma natureza (art.

2.º), era proibida a entrada nas tabernas a menores de 15 anos que vai desde multa a prisão do taberneiro

que consente (art. 3.º) e das 21h às 6h é proibida a venda de bebidas alcoólicas, devendo as tabernas nesse

período estar enceradas.

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sem justificação mesmo que o proprietário justifica-se a necessidade para si do imóvel o

que ia contra o direito de propriedade mas protegia o inquilino. De maior ou menor

proteção mas foi em geral no sentido de proteger o inquilino e assim temos o decreto de

21 de Novembro de 1914 e a lei n.º 828 de 28 Setembro 1917 que proibiam a elevação

das rendas de casas para proteger os mais pobres durante a Guerra, era mais favorável

aos inquilinos e 6 meses após o tratado de paz referia uma série de benefícios640

este

prazo é alargado a um ano pelo decreto n.º 4:499 de 27 de Junho de 1918 que no

período sidonista já deixava a porta aberta a despejos641

até que o decreto n.º 5411 de 17

de Abril de 1919 com António Granjo como ministro da Justiça volta a proteger os

inquilinos e volta a ter mais proteção com a lei n.º 1:662 de 4 de Setembro no ministro

da Justiça João Catanho de Meneses devido ao aumento da contestação e da violência

operaria em Lisboa.

Os constantes abusos no inquilinato são reconhecidos no decreto n.º 9:496 de 14

de Março de 1924, onde à sombra da lei do inquilinato, nomeadamente os fixados “em

moeda estrangeira” que são prejudiciais à vida económica do país e contrários ao

espírito da lei e por isso devem ser reduzidas a escudos como é referido no art. 3.º. O

decreto n.º 10:774 de 19 de Maio de 1925 refere que desde 1914 foram publicadas leis e

decretos sobre inquilinato motivados pela crise económica e pela guerra. Por isso e para

manter a tranquilidade social o art. 13.º da lei n.º 1:662 de 2 de Setembro de 1924 é

prorrogado até 31 de Dezembro de 1926 (art. 1.º). As ações de despejo com o

fundamento na falta de pagamento de renda urbanos642

em que funcionem escolas do

Estado, estabelecimentos de assistência ou beneficiência, só poderão ser intentados seis

meses depois do respetivo vencimento e se nesse prazo não tiver sido feito o seu

pagamento (art. 2.º). Este artigo vai ser prorrogado por mais seis meses e os despejos

que não tenham sido transmitidos em julgado serão “declarados suspensos, reocupando

as escolas…” referido no decreto n.º 11:260 de 23 novembro de 1925.

640

Art.º 1.º É mantido o decreto n.º 1079 de 21 de Novembro 1914 com as alterações:

Art.º 2.º É expressamente proibido aos senhorios ou sublocadores:

n.º 1.º Aumentar as rendas que não excedam ou não correspondam mensalmente:

Em Lisboa a 25$; no Porto a 20$, outras cidades 13$, outras terras 8$. 641

A ação de despejo de prédios urbanos são da competência dos juízes (art.º 10.º). O senhorio podia

intentar ação de despejo por não lhe convir continuar o arrendamento para alem do prazo (art.º 11.º). por

ofensa à lei ou ao contrato (art. 12.º §3.º), por falta de pagamento (art.º 12.º § 4.º) 642

O decreto n.º 11:023 de 12 de Agosto de 1925 acentua que a lei dos despejos é só para os prédios

urbanos.

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129

19 - Situação profissional e a mendicidade

Os censos de 1864 e 1868 não referem as profissões, são muito incompletos mas

é de realçar o facto de referirem como “impressionante” a “descida da população ativa”

entre 1890 e 1911643

. Outros países agrícolas e com clima semelhante têm uma taxa de

ocupação superior e aqueles cujos valores não são muito superiores ao nosso como a

Inglaterra, Alemanha ou até os EUA, tinham já um desenvolvimento técnico de tal

modo avançado que não nos servem de comparação. Ali o emprego de maquinaria644

,

tecnologia com pessoal tecnicamente e profissionalmente preparado aliado ao grande

investimento e abundância de capitais, implicaram o elevado rendimento da indústria e

do comércio645

.

Em grande parte da Europa a população agrícola diminuía e aumentava

consideravelmente a indústria e o comércio. A diminuição da população agrícola

masculina é reconhecida ser devida principalmente à emigração646

.

O desenvolvimento industrial das zonas urbanas não acompanhavam o aumento

da população e o tráfego marítimo não correspondia nem à capacidade nem à benéfica

situação geográfica do país. O comércio prosperava mas não era propriamente um

benefício, já que o era consumido, não representava melhoria, nem os preços eram mais

vantajosas ou de melhor qualidade.

No congresso penitenciário de 1895 várias vozes disseram que a mendicidade não

é um delito, ao contrário da exploração da miséria física, dos maus tratos e da violência

para os obter.647

Mendigos assustados com a ameaça de cadeia648

podem preferir os roubos nas

estradas, já que os pobres também têm necessidades de comer como os ricos. Para

643

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 9. 644

A generalização da maquinização facilitava uma maior homogeneidade do trabalho, tornando o

operariado mais igualitário mas tende por parte do patronato a uma redução dos salários e o aumento dos

lucros em várias áreas, principalmente dos bens essenciais aumentavam os preços e os protestos, faziam-

se greves e contratavam-se fura-greves que tentavam boicotar os sindicatos e a sua ação, retirar as 8h/dia

e impor novos ritmos de trabalho. 645

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 9. 646

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 11. 647

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 184. 648

“Não tem, pois, a polícia de prender ninguém; mas se tivesse de faze-lo antes deitar a unha à caridade

que é quem faz os mendigos” in Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 8.

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130

garantir a subsistência criou-se o trabalho que deve ser um direito, a esmola é apenas

altruísmo, fora estas duas surge um último recurso que é o roubo.649

Desde 1911 que os vadios eram enviados para as colónias causando a saturação de

alguns destinos sem que os problemas diminuíssem sobre os cidadãos. O decreto de 27

de Maio de 1911 era para menores. Para os adultos o trabalho era obrigatório nos

estabelecimentos penais, as cadeias650

estavam sobrelotadas, o Governo estabeleceu o

trabalho obrigatório para vadios nos prédios rústicos e urbanos do Ministério da

Justiça.651

A legislação sobre mendicidade não envergonhava Portugal ao contrário de outros

países como a França onde era condenada. Em Portugal pelo art.º 260.º do Código Penal

era punido “todo o indivíduo, capaz de ganhar a sua vida pelo trabalho, que for

convencido de mendigar habitualmente” no entanto também não dava ao assunto a

proteção que merecia. Portanto para ser punido na nossa legislação tinha o mendigo de

ser capaz de ganhar a vida pelo trabalho e que mendigue habitualmente ou simulem

doenças652

, distinguindo-se assim aqueles que eram inválidos profissionais.

Em Portugal existiam os asilos de mendicidade, albergues noturnos, creches,

associações particulares de caridade e a beneficência mas não abrangiam todo o

território nem eram de tipo permanente e como tal não diminuíam o problema. Existiam

várias instituições como as Oficinas de S. José, escolas profissionais, tutórias de

infância, etc. Ao nível oficial existia a escola de Vila Fernando em Elvas e a colónia

penal agrícola de Sintra.653

Em 1917 o Estado da Virgínia Ocidental declarava em lei que todos os indivíduos

validos do sexo masculino tinham de ter uma profissão útil e licita para se sustentar a si

e às pessoas que dele dependem. Na Alemanha e na Hungria estava instituído o trabalho

649

Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 5. 650 Decreto de 21 de Setembro de 1901

Art.º 40 o ensino escolar pode ser confiado a alguém empregado das cadeias que tenha a necessária

idoneidade, ou a pessoa estranha ao quadro e que para esse fim tenha sido contratada.

Art 27 … haverá nas cadeias um posto antropométrico650

destinado não só ao estudo da antropologia

criminal mas também a auxiliar os serviços policiais e dos tribunais… in António Ferreira Augusto,

Coimbra, 1905, p. 245. 651

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 455. 652

Art.º 256.º do Código Penal. 653

Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 195.

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obrigatório. Para Portugal havia quem defende-se uma lei semelhante654

, porque como a

má situação económica derivava da fraca produtividade, alguns pensavam que isso se

fazia com o aumento do número de trabalhadores. Achava-se que era uma função

moralizadora para os milhares de “ociosos, vadios, parasitas e criminosos” 655

a

trabalhar, promover o ensino profissional obrigatório, fazer o cadastro profissional

rigoroso e distribuição cientifica das profissões, incentivar medidas enérgicas contra os

especuladores, supressão dos monopólios e impostos sobre os géneros de primeira

necessidade, etc.656

Obrigar os vadios, parasitas e criminosos a trabalhar era visto como uma medida

de justiça social e de regeneração individual. Obrigar a parte sã da sociedade a sustentar

os criminosos, dizia-se “é profundamente imoral”657

. O criminoso valido deve não só

produzir para se sustentar mais ainda para indemnizar as vítimas do seu crime. Pelo

censo de 1911 para Lisboa existiam 23000 indivíduos sem ocupação e o número deveria

ser bastante maior.658

Nesta continuidade de pensamento o decreto de 19 de Abril de 1915 estabelece

que os vadios condenados ao regime de trabalho obrigatório o devem fazer em prédios

rústicos e urbanos na posse do Ministério da Justiça determinar providências para a

instalação de uma Colónia Penal e de uma Casa Correcional de Trabalho. Até 1911 o

envio de vadios após um julgamento sumário para as províncias do ultramar levou à sua

saturação e os males continuaram a piorar na metrópole. Criou-se a Federação Nacional

dos Amigos das Crianças e dos Tutores da Infância e mais casas de reforma e para os

adultos instituiu as Colónias Penais Agrícolas e as Casas Correcionais de Trabalho.

654

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278. 655

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278. 656

Como medidas para combater a crise eram preconizados: o trabalho obrigatório para todos os ociosos

validos. Reprimir profissões inúteis e imorais, organizar o ensino profissional geral obrigatório. Proibir e

dificultar a importação e produção de objetos de luxo. Iniciar obras de barragens hidráulicas para diminuir

o consumo da energia do carvão e pedra, declarar incompatível a função de deputado ou ministro com as

de administrador ou advogado de empresas e acompanhar, afim de evitar que os superiores interesses

nacionais sejam sacrificados as dos negócios in Boletim da previdência Social, República portuguesa,

Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 419. 657

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278. 658

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 279.

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O decreto de 27 de Maio de 1911 foi exemplar e até, dizem659

, serviu de modelo a

legislação estrangeira, era por isso necessário desenvolver o seu espírito e acabar com a

disposição transitória de art. 8.º do decreto de 31 maio de 1913, pelos encargos que

pesam ao Estado e por ser desumano. Mas Casa Correcional de Trabalho nunca teve

começo e a Colónia Penal Agrícola ainda não tinha sido estabelecida apesar de sido

votada verba especial no Orçamento Geral de Estado. Nas cadeias de Monsanto,

Limoeiro e da Relação do Porto acumulam-se condenados num meio impróprio. Aos

vadios que tivessem aptidões iria sendo dado trabalho obrigatório nos prédios acima

referidos sob a administração da comissão jurisdicional dos bens das extintas

congregações religiosas.

Em 1916, Manuel de Vasconcelos defendia que a mendicidade alastrava graças à

caridade cristã, bastando para isso ver a afluência à porta das igrejas, conventos e

capelas. Era uma forma de defender a indolência, cria o vício, parasitismo, degradação

moral e até o crime mas antes de reprimir a mendicidade era necessário criar a

assistência para os inválidos, doentes e arranjar colocação para os validos. Os

reincidentes, esses, sim, deviam ser presos e expulsos. 660

A legalização das cadernetas pertencia à autoridade administrativa do domicílio

do menor, às vezes exige-se ainda as certidões de idade fornecidas pela paróquia e do

subdelegado de saúde para atestar a vacinação e a robustez mas nem sempre o fazem

gratuitamente o que serve como pretexto para os menores serem admitidos ao

trabalho.661

O problema é que os menores e os próprios pais não entendiam nem queriam

reconhecer, em virtude da sua difícil condição económica, o benefício da lei porque

eram um importante auxílio ao rendimento da família e mesmo em relação ao horário de

trabalho era cumprido o mesmo dos adultos662

.

659

No preambulo do decreto n.º 1:506 de 19 de Abril de 1915. 660

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º

21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 299-300. 661

Art.º 27.º decreto de 14 de abril de 1891 e regulamento de 16 de março de 1893. 662

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e

Industria, n.º 30, Lisboa, 1909, p. 11.

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As condições de vida era de tal modo más que os próprios elementos da

fiscalização não atuavam coercivamente de acordo com a lei e assim tentaram-se os

meios conciliatórios663

.

O decreto de 24 de Agosto de 1911 manda que junto das Casas de Trabalho seja

criada uma outra instituição denominada Refugio e destinada a albergar provisoriamente

os indigentes que a policia encontrar abandonados ou mendigando (art. 1.º). Os menores

sem destino poderão frequentar a escola primária ou oficinas.

A lei de 20 de Julho de 1912 estabelece providências para regressão da

mendicidade e vadiagem para maiores de 16 anos, sem profissão, subsistência e não seja

provada a necessidade de ser mendigo será julgado664

e punido como vadio e como tal

será posto à disposição do governo para ser internado num dos estabelecimentos de 3

meses a 6 anos (art. 1.º). O que seja apto para o trabalho mas que se encontre a

mendigar será condenado a prisão correcional até 10 dias. Tenha ele cedido a outrem a

guia de trabalho, aquele que simule a mendicidade através do comercio, bilhetes e

lotarias ou serviços semelhantes (art. 2.º). Será condenado a prisão correcional de um

mês a um ano, aquele que se entregar à prática de vícios contra natura, que simulem

enfermidades, usem ameaças ou injurias, explorem menores de 16 anos (art. 3.º). Será

condenado em prisão correcional de 6 meses a dois anos aquele que viver à custa de

mulher prostituída (art. 4.º).

20 - A alimentação. O regime cerealífero e o protecionismo

O trigo era pão mas também era salário, empregos para os operários e para os

rurais principalmente do centro e do sul do país, mesmo sazonalmente dava trabalho o

que era essencial para estabilidade económica.

A produção de trigo era muito reduzida em relação à parte cultivada comparada

com outros países europeus. Era aos EUA que íamos buscar os cereais muito mais

baratos, a concorrência era esmagadora. Fomos assim forçados a tomar medidas para

663

Esses meios conciliatórios estavam plasmados na portaria de 3 de agosto de 1898. 664

O decreto n.º 5:576 de 10 de Maio de 1919 determina que o julgamento dos acusados de vadiagem terá

lugar de forma sumária prevista na legislação vigente perante o diretor da Policia de Investigaçao e seus

adjuntos.

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proteger a agricultura, Évora, Portalegre e Beja produziam mais de metade da produção

de trigo do país, na altura eram mesmo o celeiro de Portugal mas o normal era o trigo

não ser suficiente. Em 1896 pelo decreto de 26 de Novembro autorizava a importação

de trigo estrangeiro para o fabrico de massas (art. 1.º) por não existir no mercado trigo

nacional suficiente e tendo em conta os mercados externos e as condições cambiais que

aconselhavam precauções, este trigo era distribuído pelas fábricas e moinhos que

estivessem inscritos. O regime protecionista dos cereais de Julho de 1889,

principalmente do trigo era o de beneficiar o consumidor sem prejudicar a economia e a

estas juntavam-se as tarifas alfandegárias como forma de garantir receitas ao Estado.

Assim era garantido um preço fixo para o trigo que variava na qualidade e variedade.665

Esta era a causa porque o consumidor pagava o pão muito caro, daí a designação

de “Lei da Fome” para a lei de Elvino de Brito de 1899, mas as leis que regulavam o

preço do pão foram eficazes mostram que o preço manteve-se estável pelo menos de

1879 a 1909, comparado com a carne, bacalhau, azeite, chouriço, etc. Subiram no

mesmo período de 20 a 36%.666

/667

A lei proibia a importação de trigo excepto se não colocasse em perigo a produção

nacional quer no preço quer na quantidade. Tinha de ser comprado a um preço

estabelecido pelo governo que fixava também a qualidade e peso do pão. Depois de toda

a produção nacional ser vendida então autorizava-se a importação suficiente para

consumo e da diferença se fixavam os lucros dos importadores e assim o Estado

controlava o preço do pão que era uma forma de controlo político conforme as

necessidades da população.

O decreto de 2 de Junho de 1892 determina que uma parte das fábricas de

moagem e panificação ficava, sob as ordens do ministro das Obras Publicas Comércio e 665

Jaime Reis, 1974, p. 747. 666

Jaime Reis, 1974, p. 791-792. 667 Em 19 de outubro de 1888 são reduzidos os direitos sobre os trigos e farinhas estrangeiros mas como

não foi suficiente faz-se uma nova redução pelo decreto de 2 de Novembro do mês seguinte em que os

trigos e farinhas de trigo estrangeiros pagavam 10 e 18 réis por kg respetivamente. Novo decreto a 23 de

Março de 1889, nova subida para 19 e 27 réis devido à baixa do preço dos trigos e farinhas americanos. A

carta de lei de 15 de Julho de 1889 volta a subir (art. 2.º) e proíbe a importação de trigo estrangeiro (art.

1.º) (salvo as excepções de ter sido farinado o dobro de trigo nacional ou que exceda 60 reis por kg (n.º

1.º e 2.º) e eleva os direitos de importação sobre o milho para 18 réis por kg (art. 4.º).

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industria (art. 1.º). A crise refletia-se nos serviços públicos e o Estado sentia-se na

obrigação de estimular a agricultura e a 30 de Setembro de 1892 surge um decreto que

autoriza o governo a facilitar aos lavradores a aquisição de sementes, adubos e químicos

e a promover o desenvolvimento das culturas agrícolas (art. 1.º). O governo devia criar

depósitos de sementes e adubos para venda aos lavradores (art. 2.º).

A 30 de setembro de 1892 surge um decreto que não esquece outras áreas como a

piscicultura, criando uma comissão central para oriental esta vertente mas faltava

estimular o espírito de associação em muitas áreas e neste mesmo dia outro decreto

promove a unificação dos processos de fabrico ficava o governo autorizado a auxiliar o

estabelecimento e manutenção de 8 adegas sociais e se desta experiencia surgissem bons

resultados seriam cridas 12 adegas (art. 1.º).

A crise acentua-se e o decreto de 26 de setembro de 1893 permite a importação de

trigo estrangeiro apenas aos fabricantes de farinhas inscritas na matrícula estabelecida

para fábricas, moinhos e azenhas (art. 3.º). É limitado o número de padarias de Lisboa a

250 e não eram concedidas novas licenças (art. 10.º) e é fixo o preço do pão (art. 11.º) e

o industrial que não cumprir ficará sem a respetiva licença (art. 11.º).

O decreto de Julho de 1894 permitir a fundação de associações com a

denominação de “sindicatos agrícolas” que já existiam em França desde 1884, a fim de

promoverem o desenvolvimento da agricultura, no entanto referiam que era necessário

ter cuidado se algumas desenvolverem atividades politicamente prejudiciais. Em França

já era 1300 associações agrícolas com resultados positivos e importantes para o

progresso rural já que estão afastados das grandes centros e criavam um fundo social

comum procurando distribui-lo e adaptando às condições reais e especificas de cada

região. Assim era objetivo promover e facilitar a venda de produtos dos associados

agrícolas para isso era permitido aos agricultores a fundação desses “sindicatos” para

facilitar a aquisição de adubos, sementes, plantas com preços mais vantajosos. Procurar

mercados e celebrar formas de transporte mais acessível e promover a agricultura

através de bibliotecas, cursos e conferências. As ditas associações não podiam negociar

por conta própria.

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No sentido de promover maior liberdade a portaria de 22 de Junho de 1895

declara que as sociedades cooperativas668

podem-se constituir sem prévia autorização de

governo, quando adoptem a forma de sociedades anónimas mas não é suficiente e a 23

de Dezembro de 1899 é aprovada a providência destinada a fazer publicidade dos

vinhos portugueses nos mercados coloniais e estrangeiros onde o governo auxiliaria e

subsidiaria a propaganda com apoio de viticultores e agentes comerciais (art. 1.º).

Ao longo dos anos vão surgindo decretos que ora permitem importação de cereais,

regulam o comércio, venda de pão, farinação, gado, ora proíbem exportação, fixam

preços de cereais, azeite, feijão, batata, café, arroz, etc.669

/670

Com a guerra começa a escassear o trigo mais ainda, o preço aumenta, logo o

sistema que serviu para proteger os latifundiários, agora esta a impedir lucros maiores,

começam a preferir armazenar e esperar que o preço suba ou a transacionar no mercado

negro. É aqui que surgem legislação mais dura a partir de 1915, onde se obriga a vender

o trigo com o arrolamento, manifestar obrigatoriamente a produção anual e passa a ser o

governo que importa diretamente o trigo e os produtores são obrigados a vender

obrigatoriamente à Manutenção Militar ao preço de tabela.671

668

Só pela lei n.º 599 de 14 de Junho de 1916 se permite às sociedades cooperativas constituir

associações de socorros mútuos e sociedades mútuos de seguros. 669 O decreto de 12 de Junho de 1901 regula algumas disposições dos regulamentos para o comércio do

trigo e dos produtos farinados e panificados. Altera o regulamento de 26 de Julho de 1899 e no art. 1.º

obriga o pão de família ater 500g.

A 1 de Agosto de 1901 outro decreto permite aos lavradores a importação de trigo exótico para semente,

pagando o respetivo direito (art. 1.º) deve ser assinado um termo e sujeitarem-se à fiscalização (art. 2.º). 670 Era importante organizar os serviços de estatística agrícola de modo a organizar não com base nas

colheitas que nem sempre eram exatas mas da produção de trigo e de outros cereais (decreto de 29 de

Março de 1911).

A lei de 29 de Fevereiro permite a importação de centeio ou de milho quando houver falta ou o seu preço

de venda for superior ao normal (art. 1.º).

A lei de 2 de Março de 1912 autoriza e regula a importação de trigo e cevada necessários à renovação das

sementeiras (art. 1.º) que serão fornecidos aos requisitos ao preço de custo acrescido de despesas de

transporte (art. 5.º).

O decreto de 4 de Novembro de 1913 autoriza a importação de trigo exótico em virtude da quantidade de

trigo ser inferior às necessidades de consumo, importou-se 40000t de trigo para o continente e Açores.

O decreto n.º 404 de 4 de Abril de 1914 permite a importação até final daquele mês de milho sem limites

de quantidade e 3000t de centeio mas a 14 de Outubro no decreto n.º 948 de 1914 proíbe a reexportação

do continente, ilhas e ultramar para o estrangeiro de arroz, açúcar, bacalhau, cereais, legumes e

medicamentos (art. 1.º).

Portugal assina em Paris um protocolo a 16 de Outubro de 1912, de onde surge a lei n.º 271 de 5 de

Agosto de 1914 para a unificação de resultados e análises químicas em alimentos para humanas e

animais. 671

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 76.

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Determina-se pelo decreto n.º 1:483 de 6 de Abril de 1915 que na sede de cada

concelho do continente funcione uma comissão denominada “comissão reguladora dos

preços dos géneros alimentícios” e regula a sua constituição e funcionamento, é

expressamente proibida sem autorização da autoridade administrativa elevar os preços

dos géneros alimentícios de primeira necessidade porque tinham sido publicadas tabelas

de preços com reclamações por não acompanharem as oscilações dos preços importados

e que colocam dificuldades ao pequeno comercio perante o consumidor.

No aperto legislativo torna-se obrigatório pelo decreto n.º 1:548 de 30 de Abril de

1915 a exposição para venda de qualquer cereal panificável existente na posse de

produtores e comerciantes e superior às necessidades da família e da sua exploração

agrícola, industrial e comercial mesmo assim deviam declarar às autoridades (art. 1.º

§1.º) ficam obrigados a expor imediatamente à venda o excedente desse cereal sob a

pena de desobediência qualificada (art. 1.º).672

Os decretos n.º 3:707 e 3:708 de 27 de Dezembro de 1917 fixa o preço de venda a

retalho da batata nacional em $07673

e do arroz nacional e a portaria n.º 1:434 de 1 de

Julho de 1918 fixa o preço da batata e proíbe a sua exportação. O mesmo aconteceu em

1920 com os decretos n.º 6:457 de 20 de Março e 6:513 de 5 de abril que criam tabelas

de preços de venda de arroz, azeite, batata, café, feijão grão, milho nacional, farinha de

milho nacional das ultimas colheitas e carvão vegetal674

/675

.

672 O decreto n.º 3:288 de 11 de Agosto de 1917 fixa os tipos e preços das farinhas que devem ser

fornecidos pelas fábricas de moagem e manda adoptar temporariamente dois tipos de pão a falta de trigo

não é suprida pela abundância de centeio ou de cevada a isto se junta o açambarcamento nos celeiros não

só devido ao medo da falta como na esperança que aumenta os preços. Isto já tinha sido feito mas para os

preços de aquisição dos cereais com o decreto n.º 3:216.

O decreto n.º 3:532 e 524 de 6 de Novembro de 1917, fixa os preços para venda dos vários tipos de azeite

e insere várias providências.

O decreto n.º 636 de 14 de Julho de 1918 obriga os detentores, negociantes, lavradores, produtores ou

possuidores de azeite têm de manifestar o que tiverem de azeite armazenado perante o regedor da

paróquia. O mesmo para feijão (decreto n.º 4:690 de 15 de Julho de 1918) e para o figo e alfarroba em

quantidade superior a 50 kg (decreto n.º 4:909 de 23 de Outubro de 1918).

No decreto n.º 4:713 de 30 de Julho de 1918 era reconhecido que “perante a enorme carestia das

subsistências” que originam uma situação “embaraçosa” autoriza-se várias corporações administrativas a

aumentarem temporariamente os vencimentos do seu pessoal.

O decreto n.º 3:661 de 4 de Dezembro de 1917 determina que todas as quantidades de trigo ou farinhas

existentes nas fábricas de moagem ou a elas pertencentes sejam adquiridas por intermédio do Ministério

do Trabalho (art. 1.º) que poderá mandar transferir consoante as necessidades (art. 2.º). O Ministério do

Trabalho fixará o preço do fornecimento do trigo e milho às fábricas tendo em atenção o preço de venda

das farinhas. 673

O decreto 3:826 de 8 de Fevereiro de 1918 sobe para $08. 674

O art. 1.º do decreto n.º 6:456 de 20 de Março de 1920 coloca “desde já” todas as quantidades destes

produtos à disposição do Governo pelo Ministério da Agricultura, existentes em armazéns, depósitos ou

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138

A lei de 24 de Março de 1920 o comércio, o transito de trigos nacionais e

produtos de moagem eram livres e sem restrições desde que dentro dos preços legais

(art. 1.º). O decreto n.º 6:470 de 24 de Março e 6:572 de Abril quanto aos preços e tipos

de pão refere o art. 14.º que é reduzido a 2/3 o fabrico atual de bolachas e o art. 16.º

tanto nas padarias como nas vendas no domicílio é obrigatória a pesagem do pão dos

dois tipos quanto seja exigida pelo consumidor.

Perante a falta de cereais proibiram doces e bolos, limitar o pão de luxo e o

consumo de carne.676

Quer seja devido ao aumento dos salários na agricultura, às greves, perda de

lucros, o trigo começa a ser substituído pela criação de gado que exige menos mão de

obra e os preços eram menos tabelados. Em 1916 o governo vai cedendo à pressão dos

latifundiários. Aumenta-se o preço do trigo e em vez de vender à Manutenção Militar é

vendida às Comissões de Subsistências locais.

Os latifundiários querem mais crédito, adubos, baixa salarial e aumento dos

preços dos cereais. O governo começa a legislar profusamente para conter a inflação e

cada um com menos sucesso que o anterior. O tabelamento dos preços dos cereais por

baixo provocou o abandono destas culturas. Perante esta falta o governo ordenou que o

pão tivesse 50% de farinha de trigo e outro tanto de farinha de milho mas como havia

quaisquer outros depósitos. Os detentores destes géneros serão considerados como fiéis depositários

destes produtos. 675

Em Lisboa a 4 de Janeiro o Comissário Geral das Abastecimentos, Francisco Peres Trancoso referia a

necessidade de regular a venda de carvão vegetal, evitar a aglomeração à porta das carvoarias e impedir

as vendas exageradas e o cuidado com o açambarcamento nomeadamente proibir o estacionamento por

mais 48h no cais do Barreiro. 676 O art. 1.º do decreto n.º 6:896 de 6 de Setembro de 1920 proíbe a “venda ao público às quartas e

quintas-feiras de pastéis doces, pudins, bolos ou quaisquer outros produtos de pastelaria” em que entrem

no fabrico o açúcar, os ovos, a farinha, a manteiga e o leite. E acrescenta a venda de pão só nas padarias e

vendedores ambulantes com licença.

O art. 2.º do decreto n.º 6:958 de 22 de Setembro de 19120 permite às fábricas de moagem de Lisboa a

usar a farinha de 1ª qualidade que não for usada no fabrico de pão de luxo no fabrico de massas e

bolachas.

O edital do Comissariado Geral dos Abastecimentos de 9 de fevereiro de 1922, assinado pelo Comissário

Geral, José de Melo Falcão Trigoso, verificava que se misturava açúcar no pão de 1ª qualidade para ser

considerada como pão doce ou bolo, o que era contrário à lei e era expressamente proibida a venda e

fabrico nas padarias de qualquer espécie de pão que não seja o único estabelecido pelo regulamento

Todo o gado676

comestível que exista nos limites da raia e ainda não manifestada será decretada pelos

seus proprietários no prazo de quinze dias (art. 1.º) nem poderão entrar gados provenientes de outros

concelhos sem guia de trânsito (art. 3.º) assim referia o decreto n.º 3:938 de 16 de Março de 1918.

O decreto n.º 3:818 de 6 de Fevereiro isenta de direitos de consumo em Lisboa a carne de gado bovino,

destinado às forças militares.

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falta dos dois na prática estava a autorizar a mistura com outros produtos que faziam

com que o pão perde-se qualidade acentuada677

e os fiscais não controlavam os géneros

alimentícios por receio, muitas vezes eram coagidos a voltarem a Lisboa678

.

Existiam deficiências na pesagem do pão que lesava o consumidor não existiam

análises de farinhas e de pão por os gabinetes oficiais de análise Assim no art. 1.º do

decreto n.º 3:965 de 22 de Março de 1918, o pão de 250g do primeiro tipo e o de 300g

do segundo não poderia ser vendido sem o peso legal e pelo art. 2.º era o estado que

forneceria aos laboratórios oficiais de análise os padrões normais de pão e fartinhas.

A importação de cereais era um dos fatores mais importantes do desequilíbrio da

balança comercial e era necessário fixar os preços era a única forma de desenvolver a

agricultura cerealífera e o decreto n.º 3:966 de 22 de Março de 1918 estabelece o preço

de trigo de produção nacional na próximo colheita e fixa o preço para os cereais. Em

1918 dá-se um passo importante e a concretização há muito pedida por vários políticos a

criação dos celeiros municipais pelo art. 1.º do decreto n.º 4:125 de 20 de Abril de 1918,

um por cada concelho, pertença das câmaras municipais para colaborarem com a

Repartição de Cereais e Panificação da Direção Geral de Subsistências, do Ministério

das Subsistências e Transportes, na aquisição, armazenagem e distribuição do centeio,

milho, trigo e respetivas farinhas, bem como das importadas (art. 2.º) e a portaria n.º

1:345 de 3 de Maio de 1918 obriga ao escrupuloso registo de acordo com as normas e

instruções em anexo à portaria.

Em 1917 a “revolução da batata” em fins de Maio assume proporções de violência

até então nunca vistas, assaltos a padarias, armazéns de víveres (o azeite corria na rua).

Quando a GNR ou o Exercito eram chamados logo noutro local surge nova revolta.

Decreta-se a suspensão de garantias constitucionais em Lisboa e arredores até Cascais e

na outra banda do Tejo. São 3 dias com 22 mortos entre o povo e militares ataques à

bomba, presos para o Arsenal da Marinha. A UON responde com greves gerais.679

A

UON via com satisfação o fim do “racha sindicalistas” e regozija-se com o golpe mas a

677

“Em Lisboa existe, é verdade, pão (?) de verdadeiro lixo, que nos mata lentamente, confecionado de

toda a porcaria inventada e por inventar à razão de 120 réis, que até os próprios cães o repudiam, vendo-

se os pobres na necessidade de recorrer ao de 250 réis o quilo” in “O Construtor” – Orgão da Federaçao

dos Operários da Industria da Construção Civil (5 de Outubro de 1918) citado por António José Telo,

Lisboa, [1977], p. 289. 678

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 289. 679

O ambiente é de tal forma violento que até aos funcionário dos tribunais de Árbitros Avindores, tal

como aos do Tribunal Especial de Árbitros Avindores de Acidentes no Trabalho, sem que para tal hajam

de munir-se de licença (portaria n.º 970 de 30 de Março de 1917).

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crise agudiza-se, mais greves e revoltas, marinheiros são deportados para África para

combater os alemães. Uma comissão da UON pede para ser recebida pelo Presidente

mas este recebe mal os trabalhadores dizendo que não estavam legalizados e não atende

a nenhuma das revindicações era o fim do apoio operário e o inicio de uma nova fase de

radicalismo.680

Os habitantes das cidades comiam menos ovos, leite e legumes o que lhes trazia

um deficit em albumina e hidratos de carbono. Eram precisamente aqueles que tinham o

trabalho mais duro os que tinham pior alimentação e piores condições de trabalho. No

congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa em 1910 dizia-se que “a

farinha é feita de gesso, é com margarina de mais reles qualidade […] é com azeite em

cujo fabrico a azeitona não entrou, é com o que se vende por vinho, mas não passa de

uma ignóbil potreia que o sumo da uva nem sequer conheceu”681

.

Era esta na essência a necessidade de defender a criação de cooperativas operárias

onde se acreditava “não se conhecem as fraudes nem as falsificações; nos seus armazéns

não têm entrado os géneros avariados e prejudiciais à saúde; porque ali a honradez e a

honestidade são impreteríveis normas de conduta; ao que ainda acresce que as

cooperativas nenhum interesse têm em enganar a fraudar os respetivos associados”682

.

Em relação ao pão a ideia era a de federar as cooperativas para as tornar mais

fortes e coesas. Augusto Fuschini tinha defendido a entrega do fornecimento do pão aos

municípios (padarias municipais e cooperativas) para que desça o preço e aumente a

qualidade do pão fornecido às classes mais desfavorecidas da população. As padarias

municipais deviam dar consumo aos trigos rijos nacionais e regularem o preço do pão

sem afetar a liberdade e concorrência. Portugal era muito deficitário e só podia cultivar

quase trigo rijo.683

680

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 171. 681

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 38. 682

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 39. 683

Augusto Fuschini, Padarias Municipais e Cooperativas, problemas e resoluções sociais, III, Imprensa

Democrática, Lisboa, 1889, p. 6.

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141

Não existia conexão entre o preço do trigo684

e do pão o que demonstrava a falta

de organização entre a moagem e as padarias685

, isto porque aquilo que regula o preço é

a relação entre a qualidade e a quantidade dos produtos.

O decreto de 27 de Maio de 1911 estabelece a liberdade da venda e fabrico de

pão686

em todo o país revogando a carta de lei de 14 de Julho de 1899 e ficava livre a

abertura de novas padarias em Lisboa e no Porto (art. 2.º). A iniciativa privada não

resolveu a situação “a livre concorrência é uma frase sem realidade social, que dá

origem a acordos e conluios hábeis de monopólio, exploram o consumidor, não

compensam os Estados e perdem a força viva e a função económica é falseada. É uma

função social indispensável para uma grande parte do país, daí que o Estado deve

desempenhar essa função para satisfazer essas necessidades”687

.

Os moageiros fizeram greves de produtores para imporem um preço, a industria

das moagens acabaram por empobrecer a agricultura nacional ao baixar o preço do

trigo, mais para seu beneficio que para o consumidor e habituou este a uma determinada

qualidade, daí os argumentos de Fuschini para a criação das padarias municipais. Ao

trocar o trigo duro nacional pelo mole estrangeiro acabaram por criar um hábito de

consumo nos mais pobres que agora não aceitam outro até porque o nacional era mais

caro.

Júlio Alexandre Irwin688

em Agosto de 1910 dizia que existiam 30 cooperativas

de panificação mas a verdade é que metade “é pura trama” porque são cooperativas de

indústrias que fazem o negócio sem vergonha “em proveito particular”. Importava-se

“milho branco, centeio e legumes, como feijão branco e moem tudo em farinha,

lotando-a com o trigo nacional […] uma mixórdia que temos de tragar…” e

684

Apesar de não ser claro havia quem relaciona-se a variação do preço do trigo com a mortalidade o que

era revelador da importância do pão para a classe operária in Marnoco e Souza, 1905, p. 400. 685

Dizia Marnoco e Sousa que as padarias existiam em tão grande número que perturbaram o equilíbrio

entre produção e consumo e acabou por elevar do preço do pão in Marnoco e Souza, 1910, p. 382. 686

Depois o decreto de 24 de Junho de 1911 que aprova o regulamento para venda e fabrico de pão. 687

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 43. 688

Era guarda-livros que no Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa em 1910 dissertou

com o tema “Mutualismo e Cooperativismo. Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa,

Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.

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142

acrescentava que as doenças do estômago “são quase todas causadas pela adulteração do

pão…”.689

Estas fraudes beneficiam os moageiros cujas vítimas eram os consumidores e o

Estado porque a importação de cereal estrangeiro era menor e trazia menos impostos.

Era importante alterar a lei dos cereais de 14 de Julho de 1899 para atender ao

melhoramento da agricultura e baixar o preço do pão. Esta lei foi bem recebida pelos

produtores que viram os seus rendimentos subirem, travou-se temporariamente a fuga

dos campos e elevou-se a riqueza nacional mas os consumidores chamaram-lhe a “Lei

da Fome” porque acabou por provocar o aumento do preço do pão690

e a desvantagem

de outros produtores de produtos não protegidos pela pauta.691

Tirando o projecto de Oliveira Martins poucos foram aqueles que pensavam na

agricultura. O país era essencialmente vinícola a norte e cerealífero a sul. Produzia-se

também arroz, azeite, cortiça, gado, fruta, mel, cera, etc.692

Mas a situação não

propiciava o desenvolvimento. Por um lado a desigualdade da divisão da propriedade,

distribuição da população, das culturas aliada à falta de capitais e excessiva carga fiscal.

Dizia Oliveira Martins “que o regime da propriedade no Minho multiplica a

população, em Trás-os-Montes duplica-a, e no Alentejo paralisa-a”.693

Para ultrapassar

esta questão Oliveira Martins idealizou a fundação de colónias agrícolas em terrenos

689

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 46-47. 690

No art. 57.º do decreto de 24 de Junho de 1911, o pão não tinha preço máximo. 691 Art.º 1.º Todos os produtores de trigo, centeio, aveia, cevada, fava, milho, arroz, feijão, grão-de-bico,

batata de sequeiro e de regadio do continente da República, são obrigados a manifestar, dentro de oito

dias, depois de terminadas as suas debulhas ou colheitas, em cada local de produção, as quantidades que

tiverem colhido, indicando em separado as quantidades que destinam para a futura sementeira, gastos de

família e encargos da sua casa agrícola, bem como as disponíveis para venda.

Art.º 44.º seja qual for o regime em que as fabricas trabalhem, o Governo estabelecerá os diagramas de

farinação a que as fabricas terão de sujeitar-se, ficando as fábricas responsáveis por todos os produtos

primários e secundários…

Art.º 51.º Os governadores civis dos distritos da metrópole promoverão a organização, em cada concelho,

de uma comissão de abastecimento local, que deverá ser constituída por vereadores da Câmara Municipal,

agricultores e industriais escolhidos de preferência pelos seus pares.

692

Por ordem decrescente de importância: algodão, lãs, tabacos, conservas, cortiças, fundições de metais,

faianças, chapelarias, papelarias, moinhos, tanoarias, vidros, refinação de açúcar, saboarias, etc. in Ruy

Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 164. 693

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 45.

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públicos que “seriam aforados a colonos, sem laudémios”694

. Para isso a emigração no

Minho que era muito elevada, deveria ser desviada para o Alentejo, preconizava

“duplicar o preço dos passaportes; reprimir com a maior atividade e diligencia a

emigração clandestina”.695

Ulrich apontava as causas para o atraso da agricultura:

desconhecimento técnico, ensino muito teórico e dirigido a poucos, falta de escolas,

grande analfabetismo.696

Mas a agricultura capitalista favorecia uma estrutura

tradicional de mão de obra sazonal do trigo, vinho, cortiça, azeite, etc.

Sobre a produtividade e previdência, J. Andrade Saraiva, referia que os patrões

defendiam o protecionismo mas este só resultava se a industria fosse viável e

competitiva mas usa-lo como método defensivo apenas trouxe o aumento generalizado

dos preços, na falta de concorrência com o estrangeiro, no aumento do custo de vida697

.

Como o país tinha um deficit permanente, o sistema reagia naturalmente

generalizado a miséria e assim ser redistribuída e todos lutam para suportar esse peso

tornando-se menos visível mas é mais lenta e permanente com consequências mais

dramáticas quer ao nível da economia quer ao nível da saúde, criando uma classe de

miseráveis enfraquecidos e degenerados, colocando em perigo a vida individual e

depois e de toda a sociedade.698

Daí que muitos defendiam o salário mínimo para algumas indústrias699

, e modo a

intensificar a produção e a atrair a mão-de-obra. A grande subida dos preços dos

produtos de primeira necessidade, a fixação de preços máximos em prática em muitos

países deveria ter como consequência a fixação do salário mínimo, se não

acompanharem o custo de vida. Se depois da guerra houve alturas em que o custo de

694

Pereira Lima, apresentou em 1898 na câmara dos deputados a arroteamento dos incultos no Alentejo

de modo a transforma-lo num “celeiro” para tal defendia o aumento da cultura intensiva e facilitar o

transporte dos produtos in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade,

Coimbra, 1902, p. 78. 695

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 70. 696

Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 124. 697

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 320. 698

Daí a ideia de republicanizar pela barriga o que implica criar cantinas no ensino primário que foram

criadas por exemplo pelo Governador Civil de Braga in Noticias do Norte (Braga), 21 de Setembro de

1913, ano V, n.º 582. 699

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 335.

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vida aumentou 100%, os salários aumentavam entre 10 a 40%, nunca acompanhando

esta subida700

e isto sem ter em conta que os lucros de muitas empresas aumentaram701

.

Depois da guerra o custo de vida aumentou três vezes de 1918 a 1921 e se

tivermos em conta 1914 o aumento do custo de vida ficou, vertiginosamente, oito vezes

mais caro. A partir de 1919 as greves e protestos aumentam e no 1º de Maio de 1919

juntam-se 30 mil operários na Parque Eduardo VII.702

Consumo de carne

Portugal era em 1909 o país que menor carne consumia, 50g/dia, “menos do que a

ração dos presos na França e na Alemanha”703

mas mesmo assim havia que diminuir o

consumo e pelo decreto n.º 2:921 de março de 1916 não se podiam abater reses fêmeas

prenhes, jovens, consumir ou vender todos os dias704

.

Como pela fronteira saem com frequência reses de espécies comestíveis

indispensáveis à alimentação portuguesa e para tentar pôr termo ao perigo do

abastecimento clandestino, o decreto n.º 3:101 de 20 de Março de 1917 no seu art.º 1.º

referia que nos concelhos limítrofes da raia não poderão entrar gados das espécies

comestíveis, provenientes doutras regiões dos pais, sem o respetivo guia de trânsito

passado pelo administrador do concelho de onde o gado procede.705

700

Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 335. 701

Hoje neste aspeto nos EUA desde 1980 que os salários dos trabalhadores cresceu 66% mas os dos

gestores foi de 1996%, ou seja, de 42 vezes passou para 531 vezes maior in António Monteiro Fernandes,

Coimbra, p. 19. 702

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 249-250. 703

Jacinto Baptista, O Cinco de Outubro, Editora Arcádia Limitada, Lisboa, [1965], p. 131. 704 Art.º 1.º é proibido abater para consumo as reses bovinas, ovinas, caprinas ou suínas, cujo estado de

prenhez seja conhecido. Art.º 2.º é conhecido a matança de reses bovinas do sexo feminino, de idade inferior a três anos,

reconhecíveis pela presença de quatro dentes incisivos permanentes.

Art.º 5.º Às câmaras municipais compete promover e fiscalizar o exato cumprimento das precursões…

Art.º 6.º Se as necessidades de alimentação pública assim o exigem fica o Governo autorizado a importar,

por intermédio do Ministério do Trabalho e Previdência Social…

Art.º 7.º É proibia a venda e o consumo de carne fresca de vaca em um dia por semana… 705

Pelo n.º 4.º “o transporte das referidas reses de uns concelhos para outros limítrofes da raia deve fazer-

se acompanhados de uma guia…”.

Art.º 2.º “Todo o gado das espécies comestíveis, existentes nos concelhos limítrofes da raia será declarado

pelos seus proprietários com rigorosa exatidão quanto ao número de cabeças, sua espécie, raça e local de

residência…”.

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145

Para garantir melhor abastecimento e alimentação o decreto n.º 3:123 de 12 de

Maio de 1917 no seu art.º 3.º “Fica o governo autorizado a tomar de sua conta o trigo, o

milho ou qualquer outro cereal panificável e as respetivas farinhas, existentes nas

fábricas de moagens e padarias, aos preços atualmente em vigor, ou, à sua escolha,

aqueles […] prove terem […] despesas justificadas.706

21 - A mulher e os menores na Industria. As leis protetoras

A República, a 9 Janeiro de 1911, pelo ministro Brito Camacho, fixou o horário

trabalho e o descanso, dependendo da área profissional mas não estabelece multas para

os patrões, fora das grandes cidades fiscalização era pouca não existiam forças

organizadas para fazer cumprir os regulamentos.

Neste sentido Marnoco de Sousa, lamentava que o Estado não conseguisse

legislação de acordo com princípios da razão, moral e do direito, referindo a este

respeito, a pobreza e esforço extremo dos operários.707

Pelo Código Civil de 1867

apenas estão disciplinados os contratos de prestação de serviços domésticos e o contrato

de serviço salariado ou de jornaleiros. O trabalho doméstico pelo art.º 1380 do Código

Civil de 1867 era prestado temporariamente e existia a convivência entre as partes.708

Se um feriado calha-se a um domingo a função pública podia gozar no dia

seguinte era a Lei de 12 de Outubro de 1910 (Decreto de 30 Dezembro de 1910).

706 No art.º 4.º “Quando for reconhecido que assim é necessário para melhor garantir a alimentação

pública, o Ministro do Trabalho e da Previdência Social poderá permitir no fabrico de pão a adição, à

farinha de trigo, de quaisquer outras farinhas panificáveis, determinando as proporções em que essa

adição se deve realizar”.

O art.º 5.º “ o Ministro do Trabalho e Previdência Social estabelecerá os preços de venda dos cereais e

farinhas em harmonia com os preços da sua aquisição e regulará os tipos e preços do pão… nas formas

referidas no art.º 4.º do decreto 2:997 e n.º 4.º do art.º 1.º do decreto 2:691.

A miséria e a escassez são notórias quando em 14 de Maio de 1917 no decreto n.º 3:136, art.º 1.º “é

declarada livre a entrada, em Lisboa, de pão de qualquer tipo.”

Art.º 2.º “Fica, temporariamente, proibido na cidade de Lisboa, e a partir de 16 do corrente, o fabrico de

pastéis e bolos.”

Art.º 3.º “Desde a publicação deste decreto, ficam de conta do Governo o trigo, o milho e as respetivas

farinhas, existentes nos depósitos, armazéns, celeiros, mercadorias, hotéis, ou quaisquer outros

estabelecimentos da cidade de Lisboa, aos preços atualmente em vigor […] ou com despesas

justificadas.”

Art.º 4.º “Todas os proprietários ou gerentes de armazéns, celeiros, depósitos ou estabelecimentos, a que

se refere o artigo anterior, deverão apresentar, ou diretamente à Comissão de Abastecimentos, no

Ministério do Trabalho e Previdência Social […] uma declaração das quantidades que possuem dos

géneros mencionados no mesmo artigo, acompanhada da fatura…”. 707

Costa, 2010, p. 59. 708

Costa, 2010, p. 57.

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146

Ainda no Governo Provisório, o Decreto de 17 de Dezembro de 1910 legislou

sobre o descanso semanal de 24h seguidas, em geral era ao Domingo mas em muitos

casos ficava ao critério dos patrões.

Pelo Decreto de 7 de Janeiro de 1911, as professoras da instrução primária que

eram dispensadas por 2 meses antes e depois do parto.

A Convenção Internacional de Berna de 23 de Setembro de 1906 foi adotada no

que diz respeito à proibição do trabalho noturno de mulheres trabalhadoras na indústria

com mais de 10 trabalhadores (Decreto de 24 de Junho de 1911). Mas não se aplicava às

empresas familiares, de espetáculo, lavoura, pesca, hospedagem, mercantil (art.º 1 n.º

2). O descanso noturno era de 11h consecutivas das 22h às 5h (Costa, 2010: 62).

O Decreto de 9 de Janeiro de 1911 mostra como se queriam conciliar interesses

diferentes entre patrões e trabalhadores, tendo o governo de os proteger a todos, por

exemplo, abriam-se muitas exceções a varias profissões, o art.º 1.º e 2.º, as hesitações

eram ainda muitas e cabia aos sindicatos fiscalizar. Por isso foi retomado e modificado

logo pelo Decreto de 8 de Março de 1911 que substituiu o anterior.

Ana de Castro Osório afirmava que a “questão feminista é uma questão

fundamentalmente económica”.709

O papel da mulher era a de esposa, mãe e dona de

casa, daí a defesa do direito ao trabalho. Só as que tinham autonomia económica podiam

ter capacidade de visão e uma maior igualdade no casamento. Comte dizia que “a

principal força da mulher consiste em vencer a dificuldade de obedecer”.710

José Relvas em 1911, abriu às mulheres cargos na junta do Crédito Público e

António Maria da Silva criou a Inspeção Feminina ao Trabalho das Mulheres, tendo

sido escolhida para subinspetora dos trabalhos técnicos femininos, Ana de Castro

Osório. Apesar de este ter sido o seu único cargo oficial, não se livrou das acusações de

ser conivente com o patronato por não abolir os serões das costureiras que tinha sido

709

Esteves, 2010, p. 23. 710

Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,

1899, p. 179.

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147

decretado pelo governo711

era burguesa e conservadora não se mostrou progressista

como outras femininistas.

A Guerra valorizou e incrementou o trabalho feminino e trouxe as mulheres a

novas profissões, as enfermeiras tiveram um papel essencial na guerra. As primeiras

licenciadas em Direito surgem em 1913, Regina Quintanilha, foi a primeira advogada,

notaria e conservadora com escritório no Rio de Janeiro e Nova Iorque.

O trabalho da mulher escapava às estatísticas oficiais, é o caso do mundo rural, do

doméstico e do infantil. O acesso ao emprego era uma revindicação burguesa, como o

voto, não era das classes trabalhadoras porque para estas o era uma necessidade, um

sacrifício, para outras era um direito, uma conquista ou uma opção. A saúde, a

educação, alguns ofícios da indústria ou até mesmo da administração eram vistas como

esferas preferencialmente femininas.712

O grande número de órfãos, crianças abandonadas ou sem ajuda tinham direito a

apoio até aos 7 anos pelo decreto de 23 de Fevereiro de 1887 e depois alargado pelo

decreto de 5 de janeiro de 1888 do governo de José Luciano de Castro. Regulava as

despesas com os subsídios de lactação que eram pelo art.º 1.º pagos pelas câmaras

municipais ou juntas gerais às amas de “leite ou de seco” aquém as crianças estivessem

entregues pelas câmaras. As mulheres eram escolhidas pelas câmaras e seriam de “bons

costumes” (art. 5.º §4.º). Os subsídios de lactação eram dados pelas câmaras aos mais

pobres, indigentes e impossibilitados de trabalhar (art. 28.º). “As mulheres solteiras ou

viúvas não recatadas, que se reputem grávidas” eram registadas pela polícia (art. 33.º).

Depois dos sete anos seriam entregues a uma comissão protetora e vigiar o tratamento e

promover os asilos escolas (art.º 45). Podiam no entanto ser empregados nas industrias

711

Esteves, 2010, p. 25. 712

Estamos em 1919 mas para cumprir o que tinha sido disposto na Convenção Internacional para a

proibição do trabalho noturno das mulheres empregadas na industria, assinada em Berna em 26 de

Setembro de 1906 e aprovado pela carta de lei de 17 de Setembro 1908 que já era legislação que vinha de

1891 e que dizia no seu art.º 1.º é proibido o trabalho noturno a todas as mulheres de qualquer idade, nos

estabelecimentos industriais onde laborem mais de dez operários/as; §1.º esta disposição não se aplica a

empresas em que somente se empreguem membros da mesma família do chefe dessa empresa. Art.º 2.º o

descanso noturno será pelo menos de onze horas consecutivas em que se compreenda o intervalo das dez

horas da noite às cinco da manhã. Art.º 5.º continuam em vigor as disposições do decreto de 14 de Abril

de 1891 e de 16 de Março de 1893, sobre o trabalho dos menores de sexo feminino, não alterados por este

decreto in Ministerio do Fomento, Trabalho Noturno das Mulheres nos estabelecimentos industriais.

Alteração e aditamentos aos decretos de 14 de Abril de 1891 e 16 de Março de 1893, Imprensa Nacional,

Lisboa, 1911.

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(art. 47.º) e o salário será guardado na caixa económica portuguesa (art. 56.º) que lhe

será entregue quando emancipado inclusive os do ano em curso mesmo não depositados

(art. 57.º).

A delinquência juvenil era muito elevada, a toxicomania não era um problema

como noutros países, era difícil na altura obter produtos que só as farmácias podiam

manipular.713

A responsabilidade penal em 1886 foi alargada dos 7 para os 10 anos de idade,

mas se tivessem agido com discernimento ficavam sujeitos às penas de direito comum,

com redução de pena mas que eram cumpridas nos mesmos estabelecimentos prisionais

dos adultos, daí a importância da criação em 1895 da Escola Agrícola em Vila Fernando

de Elvas para “menores vadios e mendigos, expostos, abandonados e desvalidos,

desobedientes e incorrigíveis, dos 10 aos 16 anos de idade” alargado em 1901 aos 18

anos.714

Para os menores alguns defendiam a necessidade da existência de um tutor mas

Ulrich defendia que o menor devia ser capaz de realizar o contrato.715

Sobre o salário o

menor deve dispor deles livremente a menos que viva com os pais que são quem deve

administrar, o que não significa devam explorar os filhos.716

As crianças não deviam ser admitidas antes dos 12 anos, para que pudessem ir à

escola mas sem escolas, professores ou associações que possibilitam a existência da

escola, as crianças ficavam na rua sem vigilância dos pais.

Já foi referido varias vezes o decreto de 14 de Abril de 1891 pela sua importância,

inovação e pormenor, foi ele que estabeleceu normas e regularizou o trabalho das

mulheres e dos menores nas fabricas e oficinas.717

O secretario Augusto Duarte pedia ao inspetor da 1ª Circunscrição dos Serviços

Técnicos da Industria do Porto em 2 de Maio de 1906 que seja feita uma nova inspeção

713

Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 98 – 100. 714

Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 110, 111. 715

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 122. 716

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 123. 717

Estabelecia a idade mínima para trabalhar na industria e construção civil aos 12 (art. 2.º) e:

a) excepcionalmente aos 10 anos se cumprissem saber as disciplinas que constituem a instrução primaria;

b) tiverem compleição física robusta; c) o “mister” não exigir muito esforço. Art. 3.º com menos de 12

anos estabelece para estes limites máximos e descanso. Art. 4.º domingo obrigatório. Art. 6.º limitou o

trabalho noturno. Art. 10.ºss Subterrâneo. Art. 4.ºss sobre a vacinação e higiene e segurança. Art. 24.º

Obrigação do ensino. Art. 27.ºss deviam ter a caderneta. Inspeção art. 33.ºss.

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a uma fábrica de fitas porque existiam queixas por parte da Associação de Classe dos

Operários Tecelões de Fitas que quando um operário ficava doente era “imediatamente

substituído” assim como não era respeitada a lei que regula o trabalho de menores. Feita

a vistoria foi verificado que os menores não possuíam as indispensáveis cadernetas nem

existia o livro de registo.718

Noutras fábricas a situação não era melhor, existia o exemplo de uma fábrica onde

alem do que era referido anteriormente, não existia ventilação719

e pior, o industrial, não

evitou os acidentes como a fuga de uma lançadeira que provocou um grave acidente

numa infeliz operária e pior não quis aceder aos pedidos da inspeção de pagar à

trabalhadora pelo menos a “insignificante verba” de 1/3 do seu salário durante o

curativo.720

Foi levantado também um auto pela transgressão a um industrial de latas

por não existirem cadernetas dos menores, livros de registo e por não participar os

acidentes.721

Sobre a admissão de horas de trabalho e descanso existam os decretos de 10 de

Fevereiro de 1890 e carta de lei de 7 de Agosto de 1890. O Ministério das Obras

Publicas, Comércio e Industria autorizava quais os menores e mulheres que só poderiam

ser admitidos nos estabelecimentos industriais (art.º 1.º§1.º - minas e pedreiras,

estaleiros, fabricas, oficinas, lugares de trabalho industrial de qualquer género). A

expressão “menor” compreende a partir destes decretos os 16 anos para os rapazes e os

21 anos completos para as raparigas. No trabalho na construção civil eram admitidos os

menores com 12 anos mas com 10 anos completos poderiam ser admitidos nas

indústrias desde que cumprissem uma série de requisitos.722

718

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 10. 719

Art. 14.º, 27.º e 30.º do Dec. de 14 de Abril de 1891. 720

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 10-11. 721

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 11. 722 Art. 2.º) “souberem as disciplinas que constituem a instrução primária elementar ou […] provarem

assídua frequência em uma escola…”

a) “Tiverem compleição física robusta”, b) “Forem empregados em misteres que não exijam

esforços físicos, mais que os ordinários”.

Até aos 12 anos não poderiam trabalhar mais de 6h/dia, 4h seguidas com descanso igual ao dos adultos

(art.º 3.º).

Com mais de 12 anos não poderiam trabalhar mais de 10h/dia, 5h seguidas com 1 ou 2 descansos iguais

aos dos adultos.

Pelo art.º 4.º não poderiam trabalhar aos domingos, nem mesmo na limpeza. E pelo art.º 5.º não poderiam

trabalhar em espetáculos de acrobacias ou ginásticos.

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Só em 1919 é criada a Inspeção Geral dos serviços de Proteção a Menores723

,

órgãos orientador e fiscalizador mas só em 1925 surge um decreto que dá e aumenta a

competência das tutórias da infância e dá maior coesão à Administração Superior dos

Serviços Jurisdicionais e Tutelares de Menores.724

Surge aqui alguém cujo nome tem sido muito injustamente esquecido; o do Padre

António Oliveira725

que a convite de Afonso Costa elaborou leis e regulamentos como

intuito de alterar radicalmente a regime de correção das tutórias da infância de onde o

mais relevante foi o regulamento aprovado pelo decreto de 10 de Setembro de 1901726

e

o decreto de 27 maio de 1911 cujos valores contidos foram os mais avançados para a

época como a ideia de tribunais para proteger menores como se fossem um bom “pai de

família” mais corretivo que punitivo no interesse do menor.

Pelo decreto de 18 de Outubro de 1904 o Padre António Oliveira foi nomeado

superintendente e capelão da Casa de Caxias onde se dedicou de forma absolutamente

notável à educação onde mais que uma casa de correção se transformava numa escola

de preparação para o futuro.

Foi pelo Padre António Oliveira que foi iniciado ou até da sua responsabilidade o

decreto com força de lei de 1 de Janeiro de 1911 que criou junto do Ministério da

Justiça uma Comissão da qual era vogal o próprio Padre Oliveira, cujo objetivo era o da

proteção e educação de menores em perigo ou chamados indigentes. Dizia este decreto

O trabalho noturno era assim considerado das 21 às 5h de Maio a Outubro e das 20 às 6h nos restantes

meses (art.º 6.º).

Pelo art.º 7.º não poderiam trabalhar à noite as menores do sexo feminino e os menores do sexo masculino

até aos 12 anos.

Com mais de 12 anos e sendo menores só poderiam trabalhar de noite sob determinadas condições nas

oficinas cujos fornos não pudessem ser interrompidos (fogo continuo) pelos exigências do próprio fabrico

(art.º 8.º) e não mais de 8 h com pelo menos 1h de descanso (art.º 9.º n.º1) e não poderiam trabalhar mais

de 3 noites seguidas a menos que existissem turnos com máximo de 3:30h onde poderiam trabalhar 12

noites em cada 15 dias (art.º 9.º, n.º 4.º alínea b).

Nas minas para os trabalhos subterrâneos era necessário ter 14 anos e ser do sexo masculino (art. 10.º) e

com 14 aos 16 anos não poderiam trabalhar mais de 6h/dia com descanso de pelo menos 1h (art.º 12.º).

Art.º 12.º n.º 1 – os menores não podiam trabalhar mais de 2h na rotação de ventiladores. n.º 2 –

trabalhadores subterrâneos podiam ser acumulados com os de superfície mas não mais de 10h/dia.

Art.º13.º - aos trabalhos subterrâneos eram vedados aos menores do sexo masculino dos 14 aos 16 anos. 723

Os menores incorrigíveis podiam pelo art.º 143.º do Código Civil serem entregues pelos á autoridade

judicial que os enviaram para a casa de correção no máximo 30 dias, o processo estava no art.º 668 do

Código Civil. 724

Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 115. 725

O Padre António Oliveira fez importantes experiencias pedagógicas com equipamentos didáticos que

encomendou a empresas na Suécia. Elaborou manuais e defendeu a orientação profissional. Foi nomeado

sub-diretor das Mónicas onde elevou os níveis de higiene e educação. 726

Foi um projeto único e pioneiro que dava assistência aos menores delinquentes com cargos educativos

como os preceptores (prefeitos professores), ou seja, se antes os menores eram tal como os adultos

guardados por carcereiros passavam a ser acompanhados por professores com formação pedagógica.

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151

que se sabia que a falta de meios de subsistência é “fator de degenerescência física e

social e contribui para o êxodo das populações rurais para as cidades” e “considerando

que as nossas colónias muito terão a aproveitar na sua riqueza e prosperidade” com a

chegada de operários com competência tirassem os filhos da escola para trabalharem e

era ao governo que cumpria proporcionar a educação e instrução, principalmente

aqueles em condições de extremo abandono.727

E o decreto de 27 de Maio de 1911728

, Lei de Proteção à Infância, que se tornou

em Portugal o verdadeiro ponto de charneira e de viragem não só do ponto de vista

jurídico mas também social e humano. Padre Oliveira era um grande educador e

conhecedor da mais avançada pedagogia.729

E por isso conseguiu influenciar a criação

de um novo direito criminal diferente do dos adultos com tribunais até aos 16 anos.

Conseguiu transformar casas de correção em escolas, criou as condições para o

aparecimento do tribunal de menores, criou o Código de Infância.

O decreto n.º 6:117 de 20 de Setembro de 1919 mostra que havia a necessidade de

criar mais instituições reformadoras que auxiliassem a ação das Tutorias na luta contra a

delinquência e degradação dos menores com menos de 16 anos de idade. Para que os

educáveis, desamparados se tornem honestos, laboriosos e úteis são criados varias

instituições pelo país (art. 2.º). Quando o menor terminar o seu curso poderá ser

colocado sob liberdade condicional em casa da sua família ou noutra (art. 8.º).

727

É criada uma comissão de proteção dos menores em perigo moral, pervertidos ou delinquentes (art.

1.º), menores de 16 anos, sem asilos nem meios de subsistência, sem pais e tutores, vivendo da

ociosidade, vadiagem ou mendigando (art. 2.º). A comissão deve inquirir e examinar o estado físico e

mental dos menores e classificados de acordo com o resultado dos inquéritos e exames (art. 6.º). Os

inspetores de Instrução Primária só tiveram a correspondência livre de franquia pela portaria de 28 de

Janeiro de 1911. 728

São 184 artigos mas no primeiro são criados: Tutória de infância (ou tribunal de menores) que tinha

como missão defender e proteger os menores desamparados e em perigo moral pela educação e pelo

trabalho. Do 2º ao 5º artigo é descrito como deve ser constituído o Tribunal de Menores. Mas o decreto é

muito mais que meros artigos ele entre outro revela a inibição do poder paternal e como atuar nos

menores abandonados, pobres, doentes, maltratados, vadios, mendigos, criminosos ou simples

delinquentes. 729

E por isso conseguiu influenciar a criação de um novo direito criminal diferente dos adultos com

tribunais ate aos 16 anos. Conseguiu transformar casas de correção em escolas, criou as condições para o

aparecimento do tribunal de menores, criou o código de Infância (decreto de 27 de Maio de 1911) mesmo

sem grande técnica jurídica é uma lei que compreende os verdadeiros problemas deste tipo de menores.

Publicou cerca de 10 livros e tinha mais em preparação não fosse a morte prematura em 1923, mais se

teria ganho com a sua enorme sensibilidade e conhecimento e interesse por estes jovens tocados pelo

infortúnio.

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22 - O descanso semanal e o horário de trabalho

Quando os sindicatos falavam com os seus associados, dirigiam-se a “homens,

mulheres e crianças”. Elas e os menores eram 48% do proletariado, eram os mais

explorados e com menor salário.730

Existiam 65 trabalhos proibidos a mulheres e 114

aos menores, existia a ideia que o emprego de mulheres casadas tende a diminuir a

natalidade, “tende a gerar, mais fêmeas que varões” e a taxa de mortalidade infantil

aumentava na proporção das mulheres casadas empregadas na indústria. 731

A maioridade da mulher operária era até aos 21 anos completos, o que trazia

dificuldades às casadas e mães com 18, 19 e 20 anos que não queriam sujeitar-se à

caderneta industrial que era uma forma de atentar contra a sua liberdade e dignidade.732

Luís Ferreira Girão733

sugeria a alteração do n.º 2 do art.º 1.º do decreto de 14 de abril

de 1891, onde era fixada a maioridade dos 16 anos para os operários dos dois sexos ou

pelo menos os 17 anos para operários do sexo feminino. Este decreto que regulava o

trabalho de menores e mulheres, sobre a idade mínima, condicionamento de

determinado tipo trabalho, horário, etc., é o decreto legislativo sobre o Direito do

Trabalho, a partir daqui surgem vários diplomas, sobre segurança e salubridade.

Existiam determinações para interditar o trabalho noturno734

/735

das mulheres, no

entanto era reconhecida a situação deplorável do trabalho das modistas ou costureiras, já

que nas oficinas espalhadas por toda a cidade, existiam lugares recônditos e casas de

família acanhados ou pequenos quartos em casas particulares que não estando abertas ao

público, não tinham a obrigação de abrir a porta à fiscalização e escapavam à vigilância.

É um trabalho predominantemente caseiro ao qual pela necessidade de procurar de

730

António José Telo, Lisboa, [1977], p. 30. 731

Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 19, Imprensa Nacional, Lisboa, 1928, p. 56-59. 732

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 55, Lisboa, 1911-

1912, p. 11. 733

Eng. chefe, escreveu o relatório a 1 de fevereiro de 1911. 734

O decreto de 1911 proibia o trabalho noturno das mulheres nos estabelecimentos industriais onde

laboram mais de dez operários e operarias (art. 1.º) excepto se forem todos da mesma família (art. 1.º

§1.º) ou espectáculos, navegação, lavoura, pesca, hospedagem, etc. (art. 1.º §2.º). O descanso noturno será

de 11h consecutivas (art. 2.º). Também em caso de força maior ou matérias primas que se deteriorem (art

3.º). 735

O decreto n.º 756 de 13 de Agosto de 1914 autoriza provisoriamente o trabalho noturno nas fábricas de

conserva de peixe, de legumes e de fruta, a mulheres com mais de dezasseis anos desde não exceda 180h

suplementares por ano (art. 1.º) tal como foi defendido na conferência de Berna de 15 de Setembro de

1913 e que o decreto 24 de junho 1911 permite em determinadas circunstancias e terá que ser dada parte à

circunscrição dos Serviços Técnicos da Industria.

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trabalho as mulheres são exploradas em serões736

quase intermináveis até altas horas

tornando impossível “apurar qualquer flagrante infração da lei”.737

O descanso semanal

O descanso dominical tinha inconvenientes para fábricas de funcionamento

contínuo.738

No entanto na maior parte das fábricas e no comercio era uso o domingo

como descanso semanal. Era uma necessidade independentemente de uma lei ou

preceitos religiosos.

No entanto surge a lei do descanso semanal de João Franco de 3 de Agosto de

1907739

era obrigatório mas ficava a cargo de cada município a regulamentação e tendo

em conta que nas regiões mais pequenas eram dominadas por caciques locais, muitas

vezes acabava por ser o patronato que escolhia, o que dava azo a abusos. Também o

decreto de 14 de Outubro de 1907 que altera varias disposições do decreto anterior mas

aumentava as dispensas com mais excepções como nas feiras e romarias (art. 3.º) ou

existia ainda a dispensa no caso do comércio ser exercido pelos proprietários ou por

familiares não remunerados (art. 43.º) ou até podiam ser os governadores civis a

autorizar o descanso por turnos (art. 4 § único), não era obrigatório para o pessoal dos

teatros ou acendedores de iluminação publica (art. 6.º). Vão ser revogados pelo decreto

de 9 de Janeiro de 1911 alegando a necessidade do descanso semanal em virtude da

fadiga derivada da elevada carga horas de trabalho. O art.º 1.º reconhece o direito a um

descanso semanal de 24h seguidas. No entanto o art.º 2.º referia que não encerravam ao

domingo a indústria hoteleira e a comercialização de géneros alimentícios. As padarias

por exemplo têm diferentes horas de descanso. O art.º 8.º refere a obrigação do descanso

semanal. E o art.º 9.º estipulava a responsabilidade civil e criminal pelas contravenções

ao direito.

Na república e com o decreto de 9 de Janeiro de 1911 é reconhecido a todo o

assalariado o direito ao descanso semanal de vinte e quatro horas seguidas excepto aos

teatros, cinematógrafos, circos, exposições e outras casas de espetáculos públicos (art.

736

A lei n.º 632 de 28 de Julho de 1916 manda abolir para a classe das costureiras, os serões a que se

referem os artigos 10.º e 12.º da lei n.º 296 de 22 de Maio. 737

Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 107, Lisboa, 1917,

p. 15. 738

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 134. 739

O Governo cai e com a oposição do patronato a lei não é aplicada em todo o país, em geral eram as

empresas com mais poder reivindicativo que beneficiavam deste tipo e leis.

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1.º) ou no caso de trabalho de limpeza ou reparação de máquinas mas pode ser

combinado com os “patrões” só meio dia de descanso (art. 1.º §2.º) mas se assim for

deve ser dado conhecimento às câmaras municipais (art. 1.º §4.º). O descanso será em

regra ao domingo (art. 2.º) excepto uma serie de profissões740

em que o descanso

poderia ser feito por turnos mas sempre de vinte e quatro horas seguidas (art. 2.º §1.º n.

1.º). Este decreto foi revogado pelo decreto com força de lei de 7 de Março de 1911741

aqueles que em virtude da urgência do seu trabalho não podiam ter o domingo como dia

de descanso fariam nos três primeiros dias normais depois do domingo em que

trabalham (art. 2.º §2.º). As padarias encerrarão às onze horas de domingo e abrirão às

onze horas de segunda feira (art. 2.º §3.º) mas se existir manifesto prejuízo com este

descanso poderão as câmaras municipais e juntas de paroquia dessas localidades alterar

o dia de descanso no dia seguinte como é o caso das feiras e mercados (art. 2.º §4.º),

para trabalhadores das empresas de viação e navegação deverá ser submetida à

aprovação dos câmaras municipais os regulamentos dessas empresas com a alteração do

descanso (art. 3.º), ou seja, fica entregue mais uma vez ao livre arbítrio da influencia do

patronato junto do poder politico e local.

Horário de Trabalho

A 22 de Janeiro de 1915 o decreto n.º 295 que fixam o limite de 10h742

por dia de

trabalho no comercio e n.º 296 na industria. E o decreto n.º 297 que altera o regime do

decreto de 14de Abril de 1891 de menores e mulheres. Lei n.º 426 de 13 de Setembro e

decreto n.º 2047 de 12 novembro dava 7 horas de trabalho para a banca e escritórios e 8

a 10h para operários fabris, oficinas e comercio. Mas era omisso nas contravenções dos

patrões que cometessem as infrações. As 8h de trabalho generalizadas para todo o país

só com o decreto n.º 5516 de 7 de Maio de 1919 mas foi sistematicamente violado e até

combatido judicialmente pelos patrões. Era necessário mais e melhor fiscalização sobre

o limite dos horários de trabalho da lei n.º 296 de 22 de Janeiro de 1915 assim vai surgir

a portaria n.º 401 de 30 de Junho de 1915 que cria providências para que aos inspetores

de trabalho sejam enviados os horários de trabalho na indústria.

740

Nos hospitais, farmácias, hotéis, restaurantes, cafés, locais onde existam produtos de consumo

imediato, lojas de flores, funerais, leilões, luz, água, telefones, jornais, cargas e descargas, etc. 741

Este é depois esclarecido pela portaria de 5 de Abril sobre o descanso semanal onde se afirma que este

não é obrigatório para os não assalariados nos municípios que assim o determinem (art. 1.º). as multas

pela portaria de 14 de Fevereiro de 1913 deveriam ser depositadas na CGD. 742

O período máximo de trabalho era ainda o de 10h, só em 10 de Maio de 1919 com o decreto n.º 5616

surgem as 8h/dia, 48h/semana para a função pública, comércio e indústria. Situação que já existia desde

1891 para os manipuladores de tabaco.

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Durante a guerra houve e em virtude das queixas aos decretos n.º 2:922 de 30 de

Dezembro de 1916 e 2:976 e 3 de Fevereiro de 1917 que harmonizar os interesses das

classes com os do país e reunir num só diploma as questões do horário de

encerramento.743

Rui Enes Ulrich em 1906 refere o excesso de horas de trabalho, defendendo que

deve existir um limite também para os homens adultos que uma vez ultrapassado pode

tornar-se um perigo para a saúde, segurança do operário e produtividade, podendo violar

“o mais fundamental dos seus direitos, o direito à existência”.744

As razões reveladoras da mentalidade da época eram as mais variadas, Ulrich cita

algumas como a que se o operário saía mais cedo do trabalho acabava por ir para a

taberna aumentando a taxa de alcoolismo e a redução do número de horas de trabalho

podia prejudicar os interesses económicos do país em relação à concorrência

internacional. Ulrich defende que com as reduções de horas os operários passavam mais

tempo com a família. Um homem não é uma máquina cuja função é trabalhar e tem

deveres de pai e de esposo745

.

Era normal na Europa não existir ainda um limite máximo no horário de trabalho

mas para Ulrich era essencial esse limite, a desculpa que a redução do horário de

trabalho implicava menor produtividade era “desmentido na prática”746

desde que

dentro de justos limites747

, “não afeta a sua produtividade” e como tal não prejudicava

“os interesses nacionais na concorrência economia internacional”748

, só se “queixarão os

743 Assim pelo art.º 2.º “Durante o estado de guerra, as lojas e estabelecimentos similares, incluindo as

tabernas sem comida, encerrar-se-ão às dezanove horas nos meses de Janeiro, Fevereiro, Outubro,

Novembro; às vinte horas nos meses de Março, Abril e Setembro, e até às vinte e uma horas nos meses de

Maio, Junho, Julho e Agosto.

No art.º 3.º Os cafés, restaurantes, tabernas com comida, casas de leiloes, leitarias, cooperativas de

consumo, clubes e outras sociedades de recreio encerrar-se-ão às vinte e três oras, não podendo funcionar

nem reabrir antes do nascer do sol. 744

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –

Editor, Coimbra, 1906, p. 73. 745

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –

Editor, Coimbra, 1906, p. 74-77. 746

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –

Editor, Coimbra, 1906, p. 75. 747

Parece importante referir o que eram para Ulrich “os justos limites” erra reconhecido que as 8 horas de

trabalho que eram o mais reivindicadas pelo operariado e defendida na América e na Europa apesar de

poucas serem as legislações que revelavam esta tendência mas parecia-lhe excessivo “nas condições da

industria atual” porque podia prejudicar a produtividade por isso defendia “o limite das 10 horas como o

mais geralmente seguido pelos escritores imparciais, devendo esse limite ser aumentado ou diminuir

consoante as condições especiais de cada industria” in Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria

Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado – Editor, Coimbra, 1906, p. 82-83. 748

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –

Editor, Coimbra, 1906, p. 78.

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156

patrões mal orientados” avessos às novidades mas a inércia destes seria vencida pelos

proveitos e melhoria geral. Ulrich reconhece que existem por parte dos operários

exageros e utopias mas quantas vezes são com frequência justas as reivindicações e por

isso ao longo do trabalho toma quantos vezes o seu partido.749

Na Riqueza das Nações, Adam Smith falava no dia das 8 horas, todos os países

europeus, América e até o Japão, reclamavam a fórmula dos “três oitos”, oito horas de

trabalho, sono e folga, esta ultima considerada essencial para a formação,

entretenimento e família. Gonçalves refere Vandervelde, o homem tem outras coisas

para fazer além de trabalhar, é pai de família, cidadão, tem deveres morais, políticos e

religiosos a cumprir.750

A 22 de Janeiro de 1915 surge a lei n.º 295 e n.º 296. Para o comércio ficava

fixado o máximo de 10h diárias além de 2h de refeição. A indústria terá o máximo de

10h diárias e de 60h por semana. O trabalho noturno será 8h por dia e 48h por semana.

Regulava ainda as pequenas empresas caseiras ou de tipo familiar com máximo de

cinco trabalhadores onde a este horário poderiam ser acrescidos os serões de 3h por dia

em 3 dias por semana ou 156 dias por ano.

A 12 de Novembro surge um decreto relacionado com a lei n.º 296751

que

fiscalizava as horas de trabalho nas oficinas, na agricultura, padarias, moagem, etc.

A 7 de Maio de 1919 surge o decreto de n.º 5516, onde aparece finalmente o dia

de trabalho de 8h e de 48h por semana, seja diurno, noturno ou misto mas ficam de fora

os rurais e os domésticos, sejam eles empregados de hotéis ou restaurantes.

Para além da hora estipulada será pago o dobro excepto aos funcionários do

Estado onde se aplica outros regulamentos. A 23 de Setembro é publicado o decreto n.º

6121 com vista à execução de decreto n.º 5516.

No congresso da indústria corticeira em 1924 é aprovado que durante a gravidez a

mulher não trabalhe e seja garantido o lugar de regresso e sejam criadas “creches” mas a

mulher burguesa era muito mais esclarecida e defendiam aquilo que há muito era

defendido pelos anarquistas da igualdade no trabalho e de poderem viver sem o auxílio

749

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –

Editor, Coimbra, 1906, p. 80. 750

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 132. 751

Nunca chegou a ser regulamentada.

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157

do homem, serem livres de escolher o trabalho e de não ter de depender de um

“senhor”.752

Horas de trabalho e descanso: Menores

O decreto de 14 de abril de1891753

regulado pelo decreto de16 de março de 1893

as mulheres e menores não podiam trabalhar nas fábricas insalubres e perigosas. Os

menores não podem entrar nas fábricas antes dos 12 anos salvo: ter instrução primária

ou frequência assídua de alguma escola, ser robusto mas não exercer esforços físicos

exagerados754

e aí podem entrar com 10 anos. Até aos 12 anos só podem trabalhar

6h/dia e não mais de4h seguidas e descanso de 1h. Com mais de 12 anos não podem

trabalhar mais 10h/dia, nem mais de 5h seguidas com descanso de 1 hora.755

O Código Civil tinha uma disposição onde o aprendiz com menos de 14 anos não

podia trabalhar mais de 9 horas. Trabalhos subterrâneos só com mais de 14 anos e não

752

João Freira, Porto, [1992], p. 181. 753 Para trabalhar na indústria e na construção civil era necessário ter no mínimo 12 anos ou os 10 anos de

idade no caso de provar a frequência assídua, ter compleição física robusta e que o trabalho não implique

esforço extraordinário (art. 2.º). Até aos 12 anos não poderão trabalhar mais de 6 horas por dia com

direito a descanso igual ao dos adultos. Menores com mais de 12 anos podem trabalhar no máximo 10

horas com 1 ou 2 descansos (art. 3.º). Não podiam trabalhar aos domingos excepto nas indústrias de fogo

contínuo (art. 4.º), não podiam ser sotas, ou condutores de cavalo ou de veículos, nem fazer exercícios

ginásticos (art. 5.º). Era considerado trabalho noturno entre as 21 horas e as 5 horas de Maio a Outubro e

as 20 horas às 6 horas de Novembro a Abril (art. 6.º). Isto só para rapazes com mais de 12 anos (art. 7.º)

no máximo de 8 horas em três noites seguidas excepto se existirem turnos (art. 9.º). Ficava proibido o

trabalho subterrâneo ao sexo feminino e aos rapazes antes dos 14 anos de idade (art. 10.º) e dos 14 aos 16

anos de idade num máximo de 6 horas por dia.

Deve de existir higiene e limpeza nas instalações, ventiladores e tem de existir segurança (art. 14.º) e a

vacinação era obrigatória (art. 15.º). Proibindo trabalhos insalubres, perigosos com produtos inflamáveis

ou explosivos, corrosivos, poeiras (art. 17.º §1.º). Dos 12 aos 14 anos de idade podiam ter 10 kg de carga

à cabeça ou às costas e 80 kg com veículo em terreno horizontal, para os menores com mais de 14 anos

era 15 e 100kg respetivamente (art. 17.º §1.º n.º 5).

Se existirem mais de 50 trabalhadoras deveria existir uma creche a menos de 300m que poderia ser

comparticipada por várias fábricas (art. 21.º). A mulher não deveria trabalhar nas primeiras 4 semanas

após o parto (art. 22). As professoras da instrução primária ficam dispensadas durante o ultimo período da

gravidez e em seguida do parto, sem perda dos seus vencimentos pelo decreto de 7 de Janeiro de 1911.

Isto foi importante já que o regulamento da instrução primária não reconhecia esse direito e poderá ir à

creche amamentar o filho pela forma regulamentada (art. 23.º).

O decreto de 27 de Junho de 1895 fixa as somas com que as câmaras municipais têm de contribuir

para as despesas do fundo de instrução primária. A escola seria proporcionada fora das horas de descanso

e no tempo livre (art. 24). A vigilância será feita através do administrador do concelho que dará uma

caderneta obrigatória para se poder trabalhar e onde serão anotados os dados do trabalhador e a sua

vacinação obrigatória (art. 27.º)

Os inspetores estavam obrigados ao dever de segredo (art. 41.º) e os empregadores que admitissem

menores fora daquilo que estava estipulado estavam sujeitos a várias penalidades (art. 42.º). 754

Antes dos 12 anos não podiam carregar mais de 10kg à cabeça mas depois dos 12 anos de idade já

subia aos 15kg. Por veículos de tração eram 80 e 100kg respetivamente. 755

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 135.

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158

podem trabalhar mais de 6h/dia mas com 2h seguidas de descanso mas não trabalham

de noite. Os menores tinham de estar vacinados.

Estas disposições não eram cumpridas onde por exemplo na greve dos cordoeiros

do Porto em março de 1905, verificou-se que menores a trabalhar 16h/dia.756

Referia ainda que desde que existam 50 mulheres empregadas devia existir uma

creche a menos de 300m da fábrica, nem deviam trabalhar antes das 4 semanas a seguir

ao parto e podiam ir às creches amamentar os filhos a hora reguladas.757

Os anarquistas defendiam que os menores tivessem tal como as mulheres igual

salário e se a tarefa fosse igual ao homem mas muitos iam mais alem e defendiam a

proibição do trabalho a menores de 14 anos de idade.758

Com 10 ou 12 anos só poderiam trabalhar na indústria os que não frequentassem a

escola e não tivessem as excepções da lei de 2 de Maio de 1878.759

Eram 108 os estabelecimentos industriais que eram proibidos a menores e

abarcavam os trabalhos desde o ácido arsénico ao polimento de vidro e zarcão. Mas

podiam trabalhar em 48 tipos de indústria, sob determinadas condições, desde o fabrico

de adubos aos vidros. Mas depois existiam várias excepções, como se verifica na lista

para as peles, palitos, minerais, ferro, esmaltes, etc.760

756

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 136. 757

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 137. 758

Os tanoeiros em 1925 não queriam menores analfabetos. Em 1922 os rurais defendiam que aos

menores em idade escolar não lhes seja permitido o trabalho no campo. No comércio também

reclamavam das entregas pesadas que os menores eram obrigados a fazer. Os gráficos defendem admissão

dos 14 anos, os tecelões os 16 anos e de preferências órfãos de pai e os tanoeiros aos próprios filhos. O

jornal A Batalha em 29 de Setembro de 1925 pedia-se a abolição do internato por ser vexatório e

desumano. A inspeção médica devia ser obrigatória em qualquer ramo de atividade. in João Freire, Porto,

[1992], p. 182 759 Oficinas de fogo contínuo – do art.º 4.º e 8.º do decreto de 14 de Abril de 1891: vidrarias, fundição e

fábricas de papel (art. 2.º).

Com mais de 12 anos poderiam trabalhar – à noite e ao domingo a fazer serventia, ajuda ou auxiliar nas

vidrarias, fundições e fábricas de papel (art. 2.º, n.º1).

Os menores com menos de 16 anos não poderiam trabalhar nos movimentos de rodas de eixo vertical,

saltos sobre pedais. Serras circulares, verticais ou sem fim (art. 5.º).

Os menores dos 12 aos 16 anos poderiam trabalhar em rodas tipo olaria não mais de 5 horas (art. 5 n.º 6).

Art. 6.º - dos 10 ao 12 anos não podiam em determinadas tipo de indústrias (as do art. 1.º) e trabalhar

mais de 5h.

Art. 9.º - os menores do sexo masculino só poderiam trabalhar nos subterrâneos, na escolha de minérios,

carregamentos, manobra e movimento de vagonetes, manobra de portas de ventilação e rotação de

ventiladores. 760

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 85-91.

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159

O projeto lei de Alfredo Maria Ladeira761

, era de 10h e 60h por semana quando

antes tinham defendido as 8h. Dizia mesmo que a intenção era não agravar a indústria o

que mostra a subserviência à indústria ao aceitar as excepções do “pessoal do fogo” ou

seja, os trabalhadores dos fornos de fogo contínuo. Grande parte da indústria estava

numa situação difícil em virtude dos elevados preços das matérias-primas importadas,

face à desvalorização da moeda, era o caso do carvão de pedra importado da Inglaterra,

também a maquinaria industrial sofria com as pesadas taxas alfandegárias que em

muitos casos encareciam em 50%.

O deputado Santos Moita chamava a atenção para as situações graves onde os

operários das indústrias têxteis da Beira trabalhavam 18h e meia, ganhando 300 réis por

dia e crianças até aos 15 anos trabalhavam o mesmo horário por 20, 40 e 100 rés por

dia.762

As greves foram violentas mas valeram a pena porque as 8h/dia foram

conquistadas e logo a CGT iniciou uma campanha mais violenta pelas 6h/dia de

trabalho.

Mulheres

Não havia direito de voto para mulheres763

ou para negros. Só com o Sidónio Pais

surge o decreto 4:676 de 19 julho de 1918 que permitiu às mulheres o desempenho de

varias funções públicas mas reconhecia o atraso em relação aos países anglo-saxónicos

sobre o voto.764

O decreto n.º 4:676 de 11 de Julho de 1918 permite à mulher portuguesa o

desempenho de varias funções públicas, era reconhecido que em direito publico

persistia a inferioridade da mulher que a privavam de quase todos os direito políticos

761

António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 59. 762

António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 61. 763

A desculpa era a de serem ainda eram pouco instruídas e presas à influência clerical e que podiam

manipular os maridos (por isso os filhos eram batizados) ou votavam igual aos maridos que teriam assim

dois votos. Carolina Beatriz Ângelo disse nos jornais que as mulheres ainda estavam muito influenciadas

pelo clero e eram analfabetas (mas também existiam homens sem formação politica). A Associação de

Propaganda Femininista (onde estava Carolina B. Ângelo e Ana C. Osório) não aceitavam homens nem

mulheres analfabetas porque queriam combater o analfabetismo, o que afastava as operarias, daí as

mulheres socialistas não terem grande simpatia por estes movimentos. Carolina foi a única a votar e em

1913 surgiu uma lei que corrigia esse “descuido” que a permitiu votar. 764

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 68.

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160

mas em direito privado esses vestígios legais romanos e germânicos já eram “raros”

explicitando-se a inferioridade da mulher nas leis civis em virtude do “efeito

necessário” do matrimónio. Nas sociedades anglo saxónicas a mulher já tinha direito de

voto. Eram médicas, professoras primárias ou superiores, serviços de telégrafo/postais

ou repartições públicas, no comércio cada vez eram mais comuns.

O excesso de oferta de trabalho, a extrema miséria e os ofícios que requeriam

poucos conhecimentos acabavam por proporcionar com que as condições de trabalho

fossem muito deficientes.

As leis do trabalho dificilmente entram nas empresas domésticas ou familiares, as

greves aqui são impossíveis, compostos por mulheres e estrangeiros com muito baixas

condições para se organizarem, já que as associações quando as admitiam exigiam o

pagamento de jóias e quotas que não podiam pagar acabando assim por ser uma classe

marginalizada.765

Gonçalves reconhece que o trabalho domiciliário era a “pior forma de salário” as

mulheres eram exploradas sem piedade principalmente as costureiras, lavadeiras,

sapateiras, marceneiras, etc.766

Dizia Carlos Lemos em 1899 “a emancipação da mulher não tem em mira o

predomínio da mulher sobre o homem: tem simplesmente em vista a sua equivalência

de direitos e de deveres: nada mais”.767

As mulheres que defendiam a emancipação não

eram contra a maternidade mas reconheciam que era pesado e doloroso pelo sofrimento

físico, aliás, vem no Génesis que Deus destinou à mulher como castigo, disse Ele à

mulher: “Eu multiplicarei os trabalhos e os teus partos. Tu em dor parirás teus filhos, e

estarás sob o poder de teu marido, e ele te dominará” (Génesis 3:16).768

Acabou a escravatura do negro de pés atados às correntes da tirania faltava a da

mulher, havia que ser astuto e muitas mulheres souberam reagir tal como Cristo ensinou

aos discípulos: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes 765

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 140. 766

Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &

C.ª, Lisboa, 1905, p. 139. 767

Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, série 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,

1899, p. 474. 768

Sully Prudhome, prémio Nobel da literatura em 1901 e poeta francês acreditava que com a evolução

técnica se haveria de resolver o problema da geração artificial que dispensaria a mulher do “pesado e

doloroso encargo da Maternidade…” in Beatriz Pinheiro, 1899, p. 326.

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161

como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mateus 10:16). Nas sagradas

escrituras existem varias mulheres que alguns consideram rameiras mas que a Igreja nos

manda venerar como santas.769

Os padres770

que nada têm a recear de uma esposa emancipada são os mais

severos opositores à emancipação da mulher, parecia que esquecem a importância do

sexo feminino na defesa e propagação do cristianismo. Dizer que as mulheres devem

estar em casa é esquecer que até quase ao séc. V a mulher foi padre, até porque foi no

Concilio de Laodiceia (364) que o sacerdócio lhes foi vedado, “a mulher não se deve

aproximar do altar”. No concilio de Cartago (391) foi proibido catequizar, batizar e só

podiam estudar com os maridos. Com Tertuliano e Athanasio até contra as ordens

femininas se revoltaram. Na Igreja do ocidente as mulheres nunca chegaram ao

presbítero pela sua falta de cultura mas tinham o diaconato mas é necessário chegar ao

séc. V para que dois Papas em três concílios do Ocidente, as mulheres fossem afastadas

das sagradas ordens.771

Dizia Chamfort uma frase muito citada por J. Agostinho de Macedo: “A mulher

tem uma fibra mais no coração e uma célula menos no cérebro”.772

Se a mulher era mais

sensível, logo menos inteligente. A verdade que gera o ódio é a de que “a dignidade e a

liberdade da mulher crescem proporcionalmente ao senso moral dum povo; mais

homens forem dotados de senso moral, tanto mais dignas e livres são as mulheres…”.773

E quando não existe moral e a sociedade se degrada isso reflete-se também na vida da

mulher, dizia-se que em Londres existiam 50 ou 60 mil prostitutas, pior em Paris e

Roma.

769

Débora (que seguiu Barac na guerra contra o general Sisara do exercito de Jabin); Jahel (matou

Sisara); Judith (entrou na tenda de Holophernes, seduziu-o e matou-o); Maria Madalena (segundo S. João

foi a única testemunha da ressurreição de Cristo); Tecla, Lydda, Cloe (a Palida), e Phebe (a Brilhante)

todas auxiliares de S. Paulo in Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo

n.º 10, Viseu, 15 de Outubro, 1899, p. 177. 770

O mundo católico em especial desejavam a mulher ignorante e ociosa do mesmo modo que o

mercenário deseja a guerra. O simples facto de virem de um osso supranumerário do homem (o único que

nos falta é o pineal) dava aos homens o direito de se considerarem superiores. 771

Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,

1899, p. 177. 772

Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,

1899, p. 489. 773

Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,

1899, p. 487.

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162

Proibir a mulher de ser oradora como Hortênsia, medica como Phrynea, filosofa

como Hypathia, teóloga como Santa Catarina ou ser pintora, romancista, poetiza, etc.

Como tantas outras que chegaram a morrer por uma ideia é cortar a dignidade

humana.774

Trabalho noturno

A lei não impunha a proibição do trabalho noturno mas referia que nas primeiras 4

semanas depois do parto não podiam ser admitidas ao trabalho. Mas sem assistência “é

simplesmente uma utopia” tinha de ser assegurada uma indemnização às parturientes

nesse período como existiam noutros países. A França onde existiam sociedades mutuas

e filantrópicas que subsidiavam mulheres pobres, asilos e maternidades ainda não

tinham efetivado tal proibição.775

A mortalidade infantil era demasiado elevada, principalmente nos casos por falta

de higiene e má alimentação. A pobreza e a morte daquela que assegura o pão, cria

horror num futuro incerto, num amanhã pior que o presente. Era importante reabastecer

o corpo para que este tivesse força suficiente para reagir contra as doenças. Como o

Eng. Mello de Matos776

havia notado, já Pasteur havia demonstrado que um organismo

doente é um produtor patogénico que afeta os que estão sãos, aumentando doenças

nocivas.777

Naquela que é a regulamentação mais importante sobre o trabalho das mulheres e

menores, o decreto de 14 de Abril de 1891 e o regulamento de 16 de Março de 1893 não

era cumprido. Mas em virtude da enorme pobreza os primeiros a não quererem respeitar

as leis são os próprios operários que permitem os abusos para isso era importante que a

fiscalização não estivesse apenas a cargo dos engenheiros do quadro das obras

públicas.778

774

Conta-se provavelmente como anedota, que os egípcios escreveram: - A mulher tem o direito de andar

por onde quiser. – Mas não pode sair descalça. – É proibido aos sapateiros de lhes venderem sapatos. 775

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 57. 776

Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica

Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911. 777

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p.125. 778

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1911, p. 59.

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Num relatório de 1908, vindo dos Açores sobre a fiscalização do trabalho dos

menores e das mulheres sobre as formas de admissão, horas de trabalho e de descanso,

diz-se que “impressiona é, por exemplo, admitirem nas construções civis menores do

sexo masculino, com plena liberdade, abusando-se das suas poucas forças e achar-se

sujeito à fiscalização o trabalho de menores na exploração de materiais, quase sempre

para as mesmas obras ou construções onde aqueles abusos se cometem”779

. Admitia-se

que dos vários acidentes do ano de 1907 “nenhum deles foi comunicado a esta

circunscrição pelos gerentes ou donos dos estabelecimentos, nem tão pouco pelas

autoridades administrativas, ou do Ministério Publico”780

.

Era reconhecido que a intervenção do Estado no trabalho industrial dos menores e

das mulheres “continua no período platónico dos instrumentos burocráticos de

fiscalização” 781

e acrescenta o incumprimento descarado por parte dos patrões que

“nem ao menos guardam aparência de respeito ou, quanto menos, de uma mera cortesia

pela lei benéfica da proteção aos fracos” mas é notória a culpabilização dos

trabalhadores e dos pais dos menores que também “não perdem ocasião de desprezar a

lei, em nome dos seus interesses imediatos”782

sem a preocupação pelo futuro e pela

saúde. Mas era reconhecido aquilo que parecia lógico, desde logo procurar as razões ou

as causas. Por um lado a passividade por parte da população em geral e dos

trabalhadores em virtude do ambiente social. A pobreza, a grande miséria não

permitiam criar um ambiente cultural de proteger e defender os trabalhadores. Por

exemplo a ausência de cadernetas de ensino primário e industrial eram normais em

1915, ou seja, os decretos de 14 de Abril de 1891 e de 16 de Março de 1893 não eram

respeitados nem se compreendia as suas vantagens.

As cadernetas do ensino primário deviam ser distribuídas pela inspeção industrial

aos menores de 12 anos mas a inspeção escolar não conseguia que o ensino primário

obrigatório fosse cumprido já que a resistência da população analfabeta era grande,

achavam uma perda de tempo, perda de salário, o que parecia normal já que até a saúde

era desprezada. Por isso Bernardino Machado afirmava: “o maior mal não é não

779

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 16, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 7. 780

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 16, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9. 781

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 91, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1915, p. 5. 782

Idem

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164

saberem os eleitores ler e escrever, é serem analfabetos políticos…” porque “nada pior

do que a ignorância em que os membros duma nação estejam dos seus direitos e dos

seus deveres. Nada mais necessário do que formar a opinião para que a opinião governe.

Eis o alto intuito da educação cívica”783

mas para que isto fosse possível acrescentava,

“não basta abrir aulas igualmente a todos, é indispensável que os que trabalham as

possam realmente frequentar”784

.

A distribuição das cadernetas era difícil, era precisamente aos 12 anos que

acabava a obrigação do ensino primário e a entrada no mercado de trabalho. Aos

menores com mais de 12 anos, pelo contrário, a frequência do ensino primário era livre

sem obrigação de receber as cadernetas do ensino primário.

Era no entanto notado que existiam menores de 12 anos sem cadernetas do ensino

primário o que ia contra a inspeção industrial785

e confirma-se o que se suspeitava, “nem

todas as cadernetas, saídas da sede da inspeção, iam parar às mãos dos menores”786

.

As mulheres com menos de 21 anos colocavam resistências às cadernetas

industriais. A mulher era maior por contrato nupcial, a responsabilidade jurídica

acontecia aos 18 anos mas só era maior para o trabalho aos 21 anos.

O desconhecimento da legislação do trabalho era grande e era reconhecida a

“ingenuidade primitiva” de quem não dá importância às leis. Alguns industriais

reconheciam que os menores do sexo masculino trabalhavam de “sol a sol” e as

mulheres não tinham “regulamento certo”787

.

Reconhecia-se que a punição não poderia ser só para o industrial, no entanto é ele

pela sua superioridade deve ter o principal papel de educador de respeito pela lei, por

outro o Estado demonstrava “certa tibieza perante as resistências passivas”788

.

783

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 167. 784

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 101. 785

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 19. 786

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 20. 787

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 29. 788

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 91, Imprensa

Nacional, Lisboa, 1915, p. 5.

Page 165: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

165

No entanto muitas mulheres tiveram uma participação ativa nos levantamentos

rurais. Nas greves de Setúbal789

dois jovens790

trabalhadores aos mortos pela GNR que

atirou a matar, muitos ficaram feridos, alguns com gravidade, muitas mulheres, a pouco

elas iam tomando a consciência da sua condição, eram elas as que mais sofriam com a

miséria, os maridos nas tabernas e no trabalho em horários prolongados, as mulheres em

casa a cuidar dos filhos. Durante a guerra o papel da mulher foi sobejamente

reconhecido mas uma vez acabada a guerra a situação em muitas situações voltou a

regredir.

A mulher casada

A mulher casada necessitava pelo Código Civil da autorização do marido para

adquirir ou alienar bens e contrair obrigações. Como tal carece da palavra do marido

para fazer um contrato791

e Ulrich acrescenta com alguma leviandade puritana própria

da época que “é justo que assim seja” devido às alterações que provoca no meio familiar

ao impedir “muitas vezes a coabitação com o marido, a que a mulher é em regra

obrigada”, acrescenta ainda com uma moralidade muito duvidosa que devido à

“intimidade com o patrão” que é assunto importante para a “vida conjugal e portanto é

bem natural que a mulher o não possa realizar por si só, sem outorga do marido”.792

Só a República criou condições onde era possível aspirar a alguma uma

emancipação feminina que não foi concretizada a não ser em questões pontuais como o

divórcio e as Leis da Família nas quais Ana Castro Osório, graças à sua condição de

liderança no movimento Feminino, teve alguma colaboração e até discordância com o

ministro da Justiça, Afonso Costa.

O Código Civil de 1867, refletia as condicionantes da época, as mulheres não

podiam administrar os seus bens, nem ter autoridade sobre os filhos ou sobre a sua

educação a não ser na impossibilidade do marido, mesmo viúva tinha dificuldades em

dispor dos bens porque o marido podia ter nomeado um administrador e voltando a

789

No fomento e organização destas greves estava Francisco Paulino Gomes de Oliveira (jornalista,

editor, ativista) marido de Ana Castro Osório, falecido em 1914. 790

António Mendes de 18 anos e Marina Torres de 21 anos, assassinados numa manifestação por altura da

greve geral na Av. Luísa Tody. Este foi um duro golpe de traição que mostra que a República não foi para

todos. 791

Mas o marido não podia recusar de forma injustificada caso contrário o autor defende a ação judicial in

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 124. 792

Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 124.

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166

casar perdia a possibilidade de administrar ou usufruir dos bens dos filhos menores do

casamento anterior. Para poder trabalhar no comércio ou na indústria a mulher tinha de

ter a autorização do marido. A correspondência podia ser aberta pelo marido que caso

deseja-se podia fazer regressar a mulher à força em caso de abandono do lar porque o

casamento era pelo art.º 1056º do Código Civil um contrato perpétuo.

O adultério era punido de maneira diferente, já que o da mulher era razão legítima

para a separação, o homem só em caso de ter existido escândalo público ou “concubina

teúda e manteúda” no domicílio conjugal. Em flagrante adultério o assassino da mulher

pelo marido era condenado, o pior que podia acontecer eram 6 meses de desterro fora da

comarca.793

23 - O ensino e a cultura A instrução no operariado

Em 1870, o Ministério da Instrução referia os problemas da falta de inspeção,

professores sem habilitações, falta de estímulo, baixa remuneração, sistema muito

desorganizado e sem apoio.794

No séc. XVIII, já Luís António Verney, criticava os métodos de ensino que devia

de deixar de assentar em modelos teóricos e mais na realidade, o ensino deviam ser

gratuito e principalmente ele devia ser ministrado a ambos os sexos. Não era contra os

castigos corporais mas reconhecia que eles eram de tal modo excessivos que deviam ser

proporcionais ao erro.795

É no ano de1891 que Sampaio Bruno parte para o exílio e é nesse mesmo ano que

pela primeira vez entra uma mulher na universidade, Domitila de Carvalho796

. A mulher

tratada como inferior, tinha a obrigação de ser protegida pelo homem e obedecer à sua

autoridade do marido (art.º 1185º do Código Civil), pai, irmão ou até um filho maior. A

pouca educação a que a mulher tinha direito era mais para ser formatada como filha,

esposa e mãe já que mais que isso era estar a distorcer aquilo que seriam as suas

funções. A mulher em casa em obediência era visto como um dever de estado. A

educação emancipava civicamente a mulher e o operariado em geral para melhor

enfrentarem o futuro e melhor perceberem o alcance da legislação.

793

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 123. 794

Maria Filomena Mónica, 1977, p. 322. 795

Sara Marques Pereira, 2007, p. 294. 796

Licenciada em Matemática (1894), Filosofia (1895) e Medicina (1905), não lhe foi permitida a

inscrição a Direito.

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167

Em 1901 é no governo de Hintze Ribeiro que se fazem importantes reformas no

ensino primário que passa a ter quatro classes, onde o ultimo ano seria já o 2.º grau que

dava acesso ao liceu mas se em 1910 o analfabetismo rondava valores ligeiramente

acima dos 70% em 1930 eles continuavam acima dos 60%.797

Em 1909-1910 existiam

5552 escolas oficiais do ensino primário, 25 anos depois existiram 6657, foi fraco o

sucesso. Sampaio Bruno (1858-1915), critico do positivismo comteano e de Afonso

Costa, disse ainda no final do séc. XIX perante o enorme número de 4 milhões de

analfabetos, terá perguntado, será “isto porventura uma Pátria?”798

Não eram só os castigos era também a má qualidade do material didáctico quando

existia, ensino com pouca utilidade para os trabalhadores. Não existia o incentivo ao

mérito do professor e a promoção da assiduidade799

. Depois o povo não sentia

necessidade de ir à escola e até consideravam uma perda de tempo, principalmente para

quem trabalhava a terra fazia falta terem os filhos por perto, os próprios professores

reconheciam as dificuldades800

, até intelectuais801

e alguns anarquistas802

tinham

dificuldade em reconhecer a importância da instrução.

O ensino secundário não teve grandes inovações, o regime de 1895 não foi

alterado no essencial, as reformas eram políticas e não pedagógicas ou científicas, no

entanto nos 16 anos de república o crescimento do n.º de estudantes foi de 42,4%803

,

tendo em conta o reduzido número de estudantes o aumento não é notório.

O ensino técnico804

não mereceu grande atenção e no ensino superior foram

criados as universidades do Porto e de Lisboa. O decreto de 23 de Outubro de 1910

criou “cursos livres” onde os alunos podiam fazer um plano de estudo pessoal

797

Paulo Guinote, 2014, p. 40. 798

Paulo Guinote, 2014, p. 301. 799

A portaria de 25 de Fevereiro de 1910 estabelece várias providências contra a falta de pontualidade às

classes por parte de alguns professores dos liceus. 800

“Esta gente não tem que vestir nem que calçar, nem uma sopa para dar aos filhos, e por isso os manda

com os gados dos lavradores ou os utiliza nos serviços domésticos.” in Maria Filomena Mónica, 1977, p

323. 801

Foi o caso de Aquilino Ribeiro que atacou os republicanos por acreditarem que isso estava na base do

progresso, achando “um absurdo criar escolas” in Maria Filomena Mónica, 1977, p 323. 802

Emílio Costa defendia que a causa do analfabetismo era a pobreza e não o contrário in Maria Filomena

Mónica, 1977, p 323. 803

Maria Cândida Proença, A Educação In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira

Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 179. 804

O ensino técnico não era só para formar especialistas eram também uma forma de diferenciar os

alunos. Marcello Caetano em 1928 era contra a escola única e o próprio Ministro da Instrução Pública,

Eusébio Tamagnini, cargo que exerceu entre 23 de Outubro de 1934 e 18 de Janeiro de 1936, conotado

com o Integralismo Lusitano e outros ideais de extrema direita, citava estudos estrangeiros pseudo

científicos que combatiam a escola igualitária “provando” que 8% dos alunos eram ineducáveis, 15%

estúpidos, 60% médios, 15% superiores e 2% seriam notáveis in Maria Filomena Mónica, 1977, p 338.

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168

escolhendo as disciplinas do curso. Regina Quintanilha aproveitou este regime e foi a

primeira mulher licenciada em Direito805

, curso que fez em três anos, alem de varias

disciplinas na Faculdade de Letras, no entanto o n.º 2 do art.º 1354º do Código Civil de

1867, proibia às mulheres exercer a advocacia mas o mundo e o país estavam em

mudança e as mulheres iam conquistando novas profissões e a situação foi alterada pelo

Supremo Tribunal de Justiça em 1913, tornando-se assim a primeira advogada806

em

Portugal.807

/808

Mas foi necessário esperar por 1977 ano em que surgiu uma juíza809

em

Portugal, Ruth Garcez.

A portaria de 5 de Abril de1910810

é um interessante modelo com alguns laivos de

modernidade do modo do que deveria ser a escola, o ensino e o professor para cativar

não só o aluno como o envolver a própria comunidade para que ela se sentisse atraída

para a importância da instrução.

805

O decreto n.º 4:676 de 11 de Julho de 1918 refere no art. 1.º que às formadas em Direito é permitido

serem advogadas, ajudantes de notário conservadoras e no art. 2.º, ajudantes de postos de repartições de

registo civil, podendo desempenhar cargos de oficiais do registo civil provisórios, podendo as mulheres

servir de testemunhas nos atos de estado civil, notariais quando exerçam profissões liberais ou a dos art.

1.º e 2.º. 806

As mulheres formadas em Direito podiam ser advogadas mas não procuradoras em juízo excepto em

causa própria, dos seus ascendentes, descendentes ou marido no caso destes se acharem impedidos. Dias

Ferreira justificava esta proibição porque o mandato judicial envolvia os mais altos segredos e os mais

caros interesses das partes e a legislação considerou que isto não estava de acordo com o temperamento e

decoro das mulheres a guardar segredos de certos factos. As mulheres casadas mesmo para serem

associadas das corporações encarregues do culto necessitavam de autorização por escrito dos maridos in

Código Civil Português anotado, 2ª ed., tomo 3.º, p. 25. 807

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 78, 80. 808

Em França as mulheres podiam ter a licenciatura em Direito mas só em 1900 conseguiram o direito a

ser advogadas. 809

Não se é igual aos homens a copiar o que eles fazem de mal apesar de este ser um erro comummente

repetido. 810

Determina que nas classificações dos professores de instrução primaria sejam observados várias

instruções porque se verificava que os alunos eram obrigados a exercícios de leitura, escrita e calculo

muitos fastidiosos, cansativos onde se perdia muito tempo e pouco proveito porque eram puramente

mecânicos e pior “só conseguem cansa-lo, causar-lhe tédio e afasta-lo da aula […] não se desenvolve nem

estimula as aptidões naturais da criança […] a missão da escola consiste em desenvolver, fecundar,

valorizar as existentes […] o professor mais deve queixar-se de si, da sua inabilidade, do que da

indolência, da indiferença, da indisciplina e da pouca ou nenhuma atenção dos alunos.” Havia assim que

verificar a aptidão pedagógica do professor, competência intelectual, se ministra um ensino útil e atraente,

adapta o ensino à idade do aluno, cria afetos, interesses, respeito, desperta atenção do aluno, etc. A juntar

à pedagogia havia o zelo e a assiduidade. Quanto à disciplina na escola era afirmado: “se conhece logo ali

se entra”. Depois seguia-se a descrição dos métodos para averiguar da eficácia de todos estes items

essenciais para a formação do carácter.

Ainda era referido neste diploma a necessidade da higiene, arejamento, vigiar a conservação do material

escolar, mobiliário, edifício em geral e era pedido que não deveria ser menosprezada da atenção do

inspetor, a higiene dos alunos, sejam os dentes, cabelo e unhas, mesmo pobres a higiene não era causa.

A escola não progride sem a cooperação da família e do seu comportamento dentro e fora da sala de aula,

se o professor não consegue interessar os pais e as famílias pelo ensino, fazer propaganda e fazer

interessar as crianças pela instituição fica muito distante do cumprimento da sua função social.

Page 169: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

169

Na reforma do ensino de 1911811

, existiu uma preocupação de criar escolas para

preparar os professores do ensino secundário e melhorar a formação dos professores

primários mas não houve uma reforma de fundo no ensino que vinha da monarquia812

pelo menos até 1918813

e com o decreto de 1912 fica determinado que os professores

primários oficiais que exerçam outras funções incompatíveis com os serviços escolares

sejam mandados optar por uma. Em 1917 os professores eram obrigados a reger até

catorze horas de serviço semanal pelo art. 1.º da lei de 1 de Agosto. E os encargos

obrigatórios da instrução primária traziam confusões, faltavam pagamentos que se

empurrava de umas instituições para outra e por isso o decreto n.º 1:637 de 20 de

Agosto de 1915, explicita o que está referido no art. 112.º da lei n.º 88 de 7 de Agosto

de 1913 onde se esclarece que ficam a cargo dos municípios que exclusivamente os

subsidiavam das suas receitas gerais e em caso algum podem ser provenientes do

imposto especial municipal para a instrução primária.

Muito importante foi o decreto n.º 70 de 12 de Agosto de 1913 que cria e regula a

constituição e funcionamento das escolas móveis exclusivamente para adultos com o

“ensino de leitura, escrita, contas, rudimentares de geografia, história pátria e educação”

e também “explicar a Constituição da República Portuguesa” (art. 1.º) e durariam em

regra 10 meses em forma de palestras. Perante a falta de professores e para fazer ao

aumento de alunos a 25 de Outubro do mesmo ano outro decreto determina que possam

ser nomeados professores de escolas moveis os estudantes dos diferentes

estabelecimentos de ensino do Estado. Os resultados são positivos e vão ser criados

vários cursos noturnos móveis em vários locais do país pelo decreto n.º 1:258 de 6 de

Janeiro de 1915 para fazer face ao aumento do número de alunos e também para

incentivar a instrução.

Faltavam meios de leitura numa época em que os meios eram escassos e por isso

pelo decreto n.º 1:924 de 30 de Setembro de 1915 aprova o regulamento das bibliotecas

811

O decreto de 29 de Março de 1911 cria o ensino infantil e primário que tinha três graus (elementar,

complementar e superior) (art. 4.º), desenvolve e explicita qual o objecto do ensino e como este deve ser

na realidade e quais as disciplinas, principalmente pratico, utilitário e quanto possível intuitivo (art. 12.º).

O ensino infantil, complementar e superior são facultativos e gratuitos (art. 38.º). O ensino particular

também não é esquecido. 812

A organização escolar organizada por Jaime Moniz feita em 1894-1895 em 1901 foram proposta novas

disciplinas no curso Superior de Letras (art.º 6.º paragrafo 2.º do decreto de 24 de dezembro de 1901). 813

Maria Cândida Proença, A Educação In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira

Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 184.

Page 170: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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móveis que eram considerados um meio eficaz de promover a instrução, empréstimo

domiciliar gratuito.

As mulheres e o ensino

O ensino é como seria de esperar para a época, muito sexista e tendo em conta o

aumento da população feminina nos liceus, o decreto n.º 1:055 de 17 de Novembro de

1914, institui junto dos liceus do Porto e de Coimbra uma secção feminina (nas três

primeiras classes) para serem ministrados “conhecimentos que no futuro as habilitem ao

perfeito desempenho dos seus deveres domésticos, enquanto se não estabelecerem

escolas especiais para esse fim”.

Adelaide Cabete, médica, em 1912 começou a trabalhar como professora no

Instituto Feminino de Educação e Trabalho de Odivelas. Até 1929 lecionou Higiene e

Puericultura, cujos pais, chocados alertaram o diretor da Escola que aquela disciplina

podia despertar nos alunos o desejo de ser mães, o preconceito era muito mas a luta

contra o elevado número da mortalidade infantil não travou Adelaide Cabete. Ainda em

1929, já reformada e em Angola, não deixou de lutar pela criação de maternidades e

postos de saúde814

e foi a primeira mulher815

a votar na África Portuguesa, para a

aprovação da Constituição em 1933, um ato de legitimação do Estado Novo.

Carolina Beatriz Ângelo, ou D.ª Carolina como era tratada, apesar de ser médica

nunca foi tratada por Dr.ª como os seus colegas.816

Em 1913 a Lei eleitoral para que

evitar que as mulheres votassem, tal como aconteceu com Carolina, ficou explicito que

o eleitor era do sexo masculino, o pensamento era o de que as mulheres eram frágeis e

dóceis facilmente influências pelos padres e o seu lugar era em casa.

Infelizmente algumas mulheres ilustres817

ainda não tinham evoluído818

e Maria

Amália Vaz de Carvalho apesar de defender a escolaridade da mulher achava “… tão

814

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 111. 815

Só a 10 de Junho de 1995, Adelaide Cabete, a título póstumo recebeu a Medalha e Colar de Grande

Oficial da Ordem da Liberdade. 816

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 134. 817

Virgínia de Castro e Almeida, aristocrata, tradutora e pioneira no cinema e na literatura infantil em

Portugal foi um exemplo do obscurantismo e acreditava que “…sabendo ler e escrever, nascem-lhes

ambições; querem ir para as cidades ser […] senhores […] Aprenderem a ler! Que lêem? [...] livros maus;

folhetos de propaganda subversão […] Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas […] A parte

mais linda, mais forte, e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos.” in

Maria Filomena Mónica, 1977, p 327. 818

Uma das razoes deste atraso estava na doutrina cristã que defendia “casadas, estai sujeitas aos vossos

maridos, como convém ao senhor” (18). “Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto é

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absurda e tão grotesca a mulher deputada como acharia a mulher soldado ou a

sacerdote”.819

Portanto não eram só os homens a considerar que o lugar da mulher era o

recato da casa sendo imprópria a politica para a sua condição. No entanto existia

homens como Magalhães Lima, António José de Almeida820

ou Bernardino Machado821

que não só defenderam o voto feminino como defenderam a escolaridade feminina822

“é

necessário lutar sobretudo pela educação, especialmente da mulher, em cuja

sensibilidade tão facilmente se enreda a superstição” e dizia que devia existir “liberdade

para a mulher de acesso a todos os graus académicos”.823

Maria Veleda, professora, anticlerical824

, defendia que “a escola livre seria a

minha escola ideal; escola sem compêndios, sem imposições, sem a tal absurda mania

de contrariar a natureza, preparando em vez de homens altivos, independentes e

sinceros, um rebanho de carneiros de Panurgio, timoratos e rotineiro”.825

Em 1911 surge uma cisão entre Maria Veleda e Ana Castro Osório, sobre a

questão da tolerância religiosa que dá origem à criação do Grupo das Treze por Maria

Veleda, com o objetivo de combater as superstições.826

No entanto em 1925

encontramos Maria Veleda e Maria O’Neill empenhadas no movimento espírita

agradável ao Senhor” (20). “Servos, obedecei, em todas as coisas, aos vossos senhores temporais […]

com sinceridade de coração, temendo a Deus.” (22) Epístolas de S. Paulo, Apóstolo, aos Colonenses III,

18-22. 819

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 143. 820

Depois não lhe perdoaram não ter autorizado o voto de Carolina B. Ângelo e das mulheres em geral

quando foi ministro mas na verdade poucos eram os países nem a França tinha ainda dado esse direito. 821

Bernardino Machado foi um homem de fortes convicções e na “Questão Académica” de 1907, o

governo encerra a universidade, mais de 100 estudantes perdem a matrícula. Bernardino Machado demite-

se da sua cátedra, não podia pactuar com abusos ditatoriais. 822

Uma das mais notáveis defensoras da emancipação da mulher foi Beatriz Pinheiro, junto com o marido

(Carlos Lemos) fundou a revista Ave Azul e nela defendeu: “É preciso, pois, fornecer à mulher os meios

de se educar, para ela, por sua vez, poder exercer dignamente o seu mais nobre mister, a sua primeira e

mais elevada função social, - a educação dos seus filhos. “ E acrescentava “…e só assim pela educação da

mulher, se irá forçosamente operando a transformação, para melhor, das sociedades futuras, o radioso

advento portanto da fraternidade e da solidariedade entre os homens...” in Beatriz Pinheiro, 1900, p. 8. 823

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 48, 76. 824

Foi líder e fundadora de associações espíritas 825

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 147. 826

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 149. Em 1911 Maria Veleda que era anticlerical e que lutava contra todas as

superstições, vai ajudar a criar em 1916 uma associação cujo nome será mais tarde “Centro Espiritualista

Luz e Amor” e nos anos 20 vai estar ligada à fundação da Federação Espírita Portuguesa, organiza o I

Congresso Espírita Português tem um lugar de destaque neste movimento (juntamente com outras figuras

femininas como por exemplo Maria O’Neill) e esta foi uma forma de ser vítima de chacota nos jornais,

numa altura em que já está desiludida e desligada da política.

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português quer seja na organização do I Congresso, quer na criação da Federação ou

fundando revistas827

deste tipo.

Na revista Almanaque das Senhoras, escrevia-se em 1915, sobre as mulheres

emancipadas na Finlândia: “As mulheres politicas […] abandonam o seu lar, os filhos

quando os têm, e as suas obrigações naturais. Desconhecem os seus deveres e só

pensam nos seus direitos. A sua principal característica é que nunca se mostram

contentes senão discutindo em público […] é desprovida de graça e de virtudes

domésticas, e aborrecida pela sua conversa e pelas suas preocupações”.828

A mulher existia para ser admirada pela elegância, pela beleza, pelo trato, dotes

físicos e não pela instrução ou conhecimentos mas era este como dizia Beatriz Pinheiro

o seu melhor dote que se pode deixar a uma filha, a sua emancipação para que no futuro

não fiquem sozinhas na vida e dependentes do infortúnio.829

830

De 1903 a 1914 houve um aumento de 25% de matrículas nas universidades831

mas o aumento é insignificante já que passou de 2000 para pouco mais de 2700.

Bernardino Machado lutou contra o atraso cultural que a universidade representava; não

podia ser um quartel amuralhado, “o despotismo no ensino determinava

necessariamente o despotismo no governo. É pela sujeição da inteligência a regras e

praticas arcaicas, obscurantistas, que a personalidade humana, abatida, se submete ao

mando dos senhores”.832

Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento económico era o alto nível de

analfabetismo que rondava 75% que nas zonas rurais atingia quase aos 100%, poucos

827

A Asa, O Futuro, A Vanguarda Espírita. 828

Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,

Lisboa, 2007, p. 179. 829

Beatriz Pinheiro, 1899, p. 506. 830

Por muito que custe foi Salazar a dar o voto às mulheres sob condições mais restritas que aos homens e

até deu lugar de deputadas na assembleia nacional a três mulheres (Domitila de Carvalho, Maria Cândida

Parreira e Maria Baptista Guardiola). Também Primo de Riviera concedeu cargos de responsabilidade a

mulheres nos municípios, foram muito poucas mas foi uma maneira de demonstrar uma forma de

valorizar a mulher na ditadura espanhola. 831

Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,

Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 13. 832

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 60.

Page 173: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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sabiam ler e escrever. Só nos grandes centros populacionais existiam escolas industriais

e mesmo estas tinham poucos alunos face ao número de operários.833

O operário não entendia a vantagem da escola, era necessário esclarecer, afasta-lo

da taberna. Mesmo muitos dos que se inscreviam acabavam por desistir. É o caso dos

trabalhadores de algumas fabricas que nas aulas de alfabetização eram poucas as

classificações negativas mas se juntarmos as desistências os valores das reprovações

ultrapassam os 50%834

/835

.

Os menores eram criados de limpeza, faziam recados, os mestres, contra-mestres e

oficiais “sabem passar descomposturas por serviços mal feitos, mas ensinar bem são

poucos. Ao aprendiz pouco e mal se ensina, ele nada pode fazer bem, porque para este

fim o não educam”836

. “Conservar o povo ignorante para o manter numa escravidão,

numa obediência servil, foi medida de outras eras; mas bem reconhecida pelo fogo das

revoluções por ela ateado…”837

.

Era notório o afastamento entre o ensino e a vida prática, Bernardino Machado

afirmava que “é necessário unir a escola com o trabalho e a vida. Senão ela só servirá

para formar incapazes e egoístas”, o ensino não devia servir doutores ignorantes mas

“fazer o operário e ao mesmo tempo fazer o homem e o cidadão”.838

O ensino era ideológico e assim continuou no Estado Novo, Salazar chamou a

“oficina das almas”, os filhos dos burgueses seriam burgueses e do camponês

permanecia numa imutabilidade.

O Salazarismo criou mais escolas primárias desde as aldeias mais remotas do

norte às ilhas do Algarve, ainda hoje figuram nas paredes abandonadas lápides

comemorativas onde figura o nome dos governantes da época mas a República investiu

833

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 241. 834

Existiam até alunos com boa classificação que desistiam, em geral deve-se à dificuldade de transportes

para voltar a casa, impedimento por parte do patronato, necessidade de fazer horas extras, ameaças de

despedimento, ambientte pouco favorável, etc. 835

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 249. 836

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 243. 837

Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e

Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 245. 838

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 70.

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174

na formação e dignificação do professor dando-lhe o prestígio que não tinham e

aumentaram em número. A escola que tinha sido alargada de 3 para 4 anos, o

desenvolvimento das escolas móveis que já vinham da monarquia para chegarem ao

mundo rural quando chega a revolução de 1926 a escolaridade passa novamente para 3

anos e acabam as escolas móveis com a desculpa da s dificuldades financeiras.

Muitas leis eram más e Bernardino Machado afirma que “quando uma lei é má,

em regra não se substitui logo por outra, não são só os parlamentares que a revogam,

são quase sempre os costumes que antecipadamente a vão dissolvendo […] a pouco e

pouco, pelo seu antagonismo com o espírito público, com a razão, não há já autoridade

para aplicar sem violência, até sem ridículo”.839

24 - O operariado a Igreja e o socialismo. Como se refletem na legislação laboral

A 14 de Outubro de 1910 Afonso Costa afirma: “o cidadão tem o direito a ser

respeitado no exercício de qualquer culto religioso”840

mas no dia 8 o decreto com força

de lei manda que continuem em vigor as leis de 3 de Setembro de 1759 na qual os

jesuítas foram havidos por desnaturalizados e proscritos e se mandou que fossem

expulsos de todo o país e seus domínios “para nele mais não poderem entrar”841

(art.

1.º). Continuava também a vigorar a lei de 28 de Agosto de 1767 que ampliou a anterior

(art. 2.º) e continuava também a vigorar o decreto de 28 de maio de 1834 que extinguiu

“os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as

ordens regulares, fosse qual fosse a sua denominação instituto ou regra” (art. 3.º). Este

parece ter sido o grande erro, já que a população era contra os jesuítas mas pouco

tinham contra os padres principalmente nas zonas rurais com quem tinham estreita

ligação. Mas não existiu grande oposição pela expulsão de “todos os membros da

chamada Companhia de Jesus” mesmo que fossem naturalizados ou estrangeiros. O

importante era mostrar que o espírito do novo regime842

era contrário ao decreto de 18

839

António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,

1974, p. 84. 840

António Maria Silva, 1979, p. 29. 841

A aplicação das teorias Lombrosianas aos jesuítas era uma forma de os humilhar, já que eram teorias

que procuravam através da análise antropológica, dados físicos e fisiológicos que descobrissem

características delinquentes na sua relação com o ambiente, a sua perigosidade e as tendências criminosas.

O mesmo se fez com os anarquistas. 842

Um novo regime que abre “guerra” até contra os mais elevados membros da Igreja que lhes faziam a

oposição é o caso da portaria de 21 de Outubro de 1911 que suspende o Bispo de Beja de todas as

temporalidades até nova resolução do Estado porque o referido Bispo não pediu autorização para sair da

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175

de Abril de 1901 que autorizou a constituição de congregações religiosas que se

dedicavam à instrução ou beneficência, propaganda da fé e civilização no ultramar

(art.4.º). Já antes da republica existia bispos censurados843

e os crimes contra a religião

tinham sido alterados e retirando poder às decisões da Igreja844

.

A ideia do trabalho como pena e sacrifício está na Bíblia: “Pois que tu deste

ouvidos à voz de tua mulher, e comeste do fruto da árvore, de que eu te tinha ordenado

que não comesses, a terra será maldita por causa da tua obra, tu tirarás dela o teu sus-

tento à força de trabalho. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu terás por sustento as

ervas da terra. Tu comerás o teu pão no suor do teu rosto, até que te tornes na terra de

que foste formado.” (Génesis, 3-17, 18, 19). Por isso Leão XIII clamava à resignação

porque o mesmo acontecia com as calamidades que “não terão trégua nem fim neste

mundo, porque os funesto frutos do pecado são amargos, ásperos, acerbos, e

acompanham necessariamente o homem até ao seu último suspiro” … “a dor e o

sofrimento são apanágio da humanidade “845

por isso acrescentava que “quando se

promete a um pobre uma vida isenta de sofrimentos e de penas, toda passada em

descanso e em gozos perpétuos, esses enganam certamente o povo e armam-lhe

emboscadas em que se ocultam no futuro mais terríveis calamidade que as do

presente”846

.

sua diocese, faltando assim ao dever de residência. Ora, se os bispos eram agora funcionários públicos e

era este Estado civil que “subsidiava os bispos, lhes pagava o dote ou ordenado” e como tal devem estar

sujeitos ao princípio geral de direito como todos os funcionários e devia ter solicitado a licença para se ter

ausentado. Manda por isso a Governo Provisório pelo Ministro da Justiça suspender o bispo de Beja (D.

Sebastião de Leite de Vasconcelos) de todas as temporalidades. 843

A portaria de 9 de Julho de 1910 censura o procedimento do Arcebispo de Braga na questão

concernente à supressão da revista A Voz de Santo António. Chegaram à Santa Sé graves queixas de

católicos portugueses contra as doutrinas sustentadas na dita revista onde se tinha confirmado que

estavam em oposição com a dita revista e que a sentença tinha sido aceite e a publicação tinha sido

imediatamente suspensa. 844

Portaria de 31 de Agosto de 1910 sobre os crimes contra a religião declara sem efeito a portaria de 21

de março de 1853 que tornava dependente de resolução do juízo eclesiástico em determinado crimes a

ação penal do foro secular como as injurias aos seus dogmas, abusos de função religiosas cometidas pelos

seus ministros onde o poder civil ficava em manifesta situação de inferioridade e é função do Estado zelar

pelos seus direitos e interesses para manter a supremacia social deixando a Igreja inteiramente livre na

ação religiosa de acordo com as leis do país. 845

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 241. 846

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 243.

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176

No fundo parece que não percebia que a doença não era incurável, podia e devia

ser tratada, a hipocrisia fazia de tudo uma problemática transformava um povo guerreiro

em acomodados.

Para Leão XIII era um erro o patrão e o operário serem inimigos, deveriam por

isso adaptar-se “maravilhosamente uns aos outros” como os órgãos do corpo humano,

“as duas classes são destinadas pela natureza a unir-se harmoniosamente e a conservar-

se mutuamente num perfeito equilíbrio”.847

Assim o operário “não deve lesar o seu

patrão, nem nos seus bens nem na sua pessoa; mesmo as suas revindicações devem ser

isentos de violências e nunca revestida forma de sedições os homens perversos que em

discursos artificiosos, lhe superem esperanças exageradas e lhe fazem grandes

promessas, que só conduzem a estéreis desgostos e à ruína das fortunas” e acrescentava,

“é ainda proibido aos patrões impor aos seus subordinados um trabalho superior às suas

forças ou em desarmonia com a sua idade e sexo”.”848

Mas, entre os principais deveres

do patrão, deve colocar-se em primeiro lugar o de dar a cada um o salário

conveniente”.849

E “devem tremer perante as ameaças extraordinárias que Jesus Cristo

profere contra os ricos; que enfim virá um dia em que deverão prestar a Deus, seu juiz,

contas muito rigorosas do uso que tiveram feito da sua fortuna”.850

Desviar-se do fim para que a sociedade foi fundada “é caminhar para a morte;

voltar a ele é recuperar a vida”.851

Este era o pensamento geral do mundo católico

Jerónimo Pimentel dizia: “O povo iludido por falsas doutrinas, esquecendo-se de que a

dor e o sofrimento são apanágio da humanidade, deixa-se ir atrás da sua ilusão,

aspirando ao gozo, que lhes foge, das venturas prometidas.852

847

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 243. 848

A palavra patronus de onde deriva pai e onde o patrão tem o dever de proteger a mulher e neste

sentido romano de família alargada aos escravos também tinha o dever de proteger os seus trabalhadores

e o operário tinha a obrigação de obedecer de boa vontade a alguém que não era igual a si mas que pela

posição social concretizava o princípio da autoridade. 849

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 245. 850

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005. P. 249. 851

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 257. 852

Jeronymo Pimentel, 1896, p. 28.

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177

A ideia da caridade é abusada853

“…há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus,

que por todas as formas nos persuade que façamos habitualmente esmolas” e cita os

Atos dos Apóstolos, 20:35 “É mais feliz aquele que dá, diz Ele, do que aquele que

recebe”.854

Em relação aos mais pobres a Igreja detinha instituições que aliviavam a miséria e

mesmo a custo os opositores reconheciam o importante papel da Igreja.

O Papa reconhecia que era no trabalho e nos campos, nas oficinas é dela que

procede a riqueza das nações.855

“Ora, importa à salvação pública e particular que a ordem e a paz reinem em toda

a parte, que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos

de Deus e os princípios da lei natural, assim justifica Leão XIII “que os operários

abandonando o trabalho ou suspendendo-o pelas greves que ameacem a tranquilidade

publica…”.856

Ou seja, tudo se deve coordenar par a “salvação”, sofrer na terra, paraíso

no céu, resignação e obediência.

“Comerás o teu pão com o suor do teu rosto…” (Génesis 3:18) por isso, é uma

forma de justificar que o trabalho tem uma natureza “pessoal” porque é inerente à

pessoa humana e “necessário” porque é essencial à sua sobrevivência.

“Estimula-se a industriosa atividade do povo pela perspetiva de uma participação

da propriedade do solo, e ver-se-á arrasar pouco e pouco o abismo que separa a

opulência da miséria e operar-se a aproximação das duas classes […] que a propriedade

particular não seja aniquilada por um excesso de encargos e impostos.857

Defende a utilidade das sociedades de socorros mútuos “melhor estarem dois

juntos do que um só […] se um cair o outro susterá858

/859

.

853

Principalmente quando ela é publica já que é feita à custa do contribuinte o que significa um sacrifício

pago pelo povo, alimenta a ociosidade o que representa uma inversão económica in José Leal, Lisboa,

1867, p 13. 854

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 251. 855

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 267-269. 856

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 271. 857

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 285. 858

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 389.

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178

Muitas associações eram governadas por “chefes ocultos”, hostis à Igreja e à

“segurança das nações”.860

“O objectivo principal, que é o aperfeiçoamento moral e religioso…”. Leve-se o

operário ao culto de Deus, excite-se nele o espírito de piedade, façam-no sobretudo fiel

à observe dos domingos e dias festivos” […] deve-se determinar o “grau de indigência”

e assim conceder “a medida de socorro”.861

Para Afonso Costa o remédio da Igreja só trazia prejuízos e referia a alta taxa de

suicídios que vinham aumentando de 1891 a 1893.862

Citava B. Malon “a fábrica

moderna tornou-se uma casa de terror. Trabalho intensificado, brutalidade e insolência

dos chefes, depois de uma serie de vexações – proibição de falar, de cantar, obrigação

de chegar ao minuto preciso, dias desiguais atingindo algumas vezes dezoito horas de

trabalho, multas arbitrarias, ruinosas, […] se não estás contente, parte, outros esperam à

porta”.863

Hoje não é uma casa de terror mas o mais baixo nível de participação dos

trabalhadores na empresa de entre os países da União Europeia é português.864

Os bispos concederam a Pio IX865

, em Julho de 1870 a declaração de

infalibilidade, mesmo com protestos ficou infalível, o Syllabus foi apenas mais uma

machadada severa, Leão XIII não seguiu este caminho. Apoiar os poderosos estava a

sair caro à Igreja. Para o Papa o socialismo violava os direitos dos proprietários porque

se a propriedade é adquirida à custa das poupanças tira a possibilidade de dispor do

salário e aumentar o seu património, que é um direito natural tal como recomendam as

leis civis e as divinas. Transforma a sociedade, o Estado intromete-se na família, origina

inveja e discórdia.

859

“Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não

haverá outro que o levante.” Eclesiastes 4:10 860

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 293. 861

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 301. 862

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 13. 863

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 13. 864

Monteiro Fernandes, Coimbra, 2008, p. 9. 865

Apesar da esperança que fosse um Papa mais aberto à modernidade demonstrou ser muito retrógrado e

reacionário.

Page 179: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

179

Leão XIII defende que a propriedade individual se funda no direito natural e não

apenas no direito humano866

mas para Afonso Costa o direito de propriedade não era

nesta fase um direito absoluto ou imprescindível porque era necessário adquiri-la e

mantê-la tem restrições, depende de determinadas condições de âmbito geral e não é

inalienável porque se pode vender, dar, trocar ao contrario da liberdade que mesmo

privado dela não se deixa de ser livre porque ela na sua essência pertence ao individuo.

Ela não está nas mãos de quem trabalha e foi quantas vezes adquirida por meios

violentos como a pilhagem e o assassinato, não é a recompensa do trabalho mas da

acumulação867

e acrescenta “é forçoso acabar com este regime e estabelecer outro em

que haja, não o antigo comunismo sonhado pelos antigos socialistas, mas uma fórmula

mais cientifica…”868

.

O liberalismo foi fortemente condenado como pecado na encíclica Mirari Vos de

Gregório XVI (1832) e principalmente no Syllabus869

de Pio IX (1864). Os liberais não

eram propriamente contra a Igreja, ela é que ocupava e dificultava o espaço de atuação

governamental por isso como afirma Braga da Cruz, “mais do que contra o poder

económico, a revolução liberal foi feita entre nós contra o poder económico

eclesiástico…”870

até porque devido ao apoio popular no final da Republica onde os

privilégios repostos por Sidónio Pais871

não foram anulados e até parecem ter sido

alargados dando alguma estabilidade de atuação à Igreja apesar de ter sido tentada a

reaplicação da Lei de Separação de 1911 por José Domingues dos Santos.

866

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 165. 867

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 167 a 170. 868

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 171. 869

Publicado junto com a encíclica Quanta cura, de Pio IX, condenava tudo o que fosse contrário aos

ensinamentos tradicionais da Igreja, eram condenados nomeadamente a ciência, a liberdade religiosa, a

democracia, era defendido a religião católica como religião de Estado, incompatibilidade entre a fé e a

razão, subordinação do Estado à moral, condena separação da Igreja do Estado, condena também a

liberdade pensamento, imprensa, consciência, cultura moderna mas mesmo assim foram-se

desenvolvendo correntes modernas que deram origem à democracia cristã principalmente com Leão XIII. 870

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 102. 871

A 22 de Fevereiro de 1918 com o Governo de Sidónio Pais, a Lei da Separação foi revista. Deixavam

de existir as restrições até aí impostas ao culto e às agremiações da Igreja. São restabelecidas as relações

com o Vaticano e até final da Republica não vai ser revisto.

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180

Nem todos os católicos eram retrógrados e reacionários872

, muitos vão criar novas

organizações para contrariar o atraso do movimento católico e vão ser por isso acusados

de liberais.873

Vão ser estes grupos de católicos que promovem congressos,

conferencias, jornais e a criação de um partido católico. Mais uma vez as influências

vinham de fora, era o Vaticano que exortava os católicos a criarem associações.

Para resolver os problemas sociais o Papa propunha mais caridade, resignação,

“amor” entre patrões e trabalhadores, que todos fossem bons cristãos, não deviam fazer

greves nem lesar o patrão e principalmente uma oposição frontal ao socialismo. O

patrão não devia tratar o operário como escravo, dar um salário874

“conveniente”, o

trabalho não ser superior às suas forças, sexo ou idade. Evitar a fraude, usura,

corrupção, conservar o espírito família, de economia, indústria é a agricultura, ordem,

moral, justiça e pratica da religião, enfim resolver a questão social com ações e valores

na medida do possível ou como afirma Afonso Costa “através da religião”875

.

Porquê esta maneira de pensar da Igreja e quais os motivo. A Igreja desde que se

tornou religião de Estado que se ligou aos governantes e aos poderosos, havia agora que

mudar de tática sem colocar em causa a ligação aos mais conservadores com quem

existia uma ligação económica de relevo. Era entrar num novo caminho sem quebrar

com o passado da encíclica Syllabus onde Pio IX em 1864 referia no art.º 80.º, que seria

excomungado quem concordasse com a reconciliação, “com o progresso, com o

liberalismo, e com a civilização moderna.”876

Dai a necessidade das encíclicas de Leão XIII sobre a condição dos operários a 15

de Março de 1891 e a 16 de Fevereiro de 1892 sobre as formas de governo, era uma

forma de combater o avanço socialista apesar de existirem cartas pastorais anteriores em

872

Augusto Lisbôa dizia algo tão retrógrado como : “o liberalismo sob qualquer ponto de vista que se

considere, é tão incompatível com o catolicismo como o modernismo; por isso foi condenado

solenemente pelo Papa Pio IX” in Augusto da Piedade Lisbôa, 1915, p. 5. 873

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 105. 874

O salário não tinha que atender apenas à lei da concorrência senão o salário era de miséria, ele deve ser

justo e atender às necessidades condignas do operariado e família. A Igreja criticava o egoísmo do

patronato mas era mais severa com aqueles que tentam resolver os conflitos e as desigualdades através do

socialismo. 875

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 140. 876

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 145.

Page 181: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

181

que se demonstrava a preocupação com a sorte dos operários, das mulheres e das

crianças sujeitas desce cedo ao trabalho pesado e excessivo na indústria.

O Papa não queria perturbar as empresas, nem a propriedade industrial, era contra

as greves mas não defendeu o número máximo de horas de trabalho, nem o salário

mínimo. Tudo estava exposto e termos tóricos, na medida do possível, cabia ao

patronato decidir o que era justo sobre o que era a necessidade do corpo e do sustento

não havia uma verdadeira conquista de direitos com estas propostas. Por toda a Europa

apareceram movimentos católicos conservadores que pouco ou nada ajudaram a este

progresso. Se combate o socialismo, logo não se pode ser socialista e católico.

Afonso Costa não era contra o direito de propriedade mas de um socialismo que

permitisse uma difusão mais proporcional da propriedade877

enquanto Leão XIII

afirmava que “os poderes públicos não podem pois legitimamente arrogar-se sobre elas

direito algum, nem atribuir-se o de as administrar; o seu oficio é antes protege-los,

respeita-los e, sendo necessário, defende-las”878

.

Leão XIII quer conciliar os direitos dos operários com os dos patrões e para isso

refere as corporações de artes e ofícios, adaptadas ao presente.

A perspetiva da miséria do presente era recompensada numa outra vida em que

seria largamente recompensada, daí a necessidade para a salvação da alma. Como

afirma Afonso Costa “esta doutrina é subversiva”879

, é ter uma paciência resignada,

desprezando esta vida de coisas materiais, porque a verdadeira vida é a eterna.

Era uma aplicação de teorias racistas que mais tarde vão servir de base doutrinal a

teorias fascistas e que já Afonso Costa se opunha como é o caso do decalque da

Selecção Natural de Darwin à sociedade880

, a sobrevivência do mais forte justificando

877

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 171. 878

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 178. 879

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 190. 880

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 191.

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182

assim as desigualdades e as injustiças sobre os mais fracos, uma forma de perpetuar a

exploração dos mais fracos e desprotegidos.

Na verdade o Evangelho prega a humildade e a paciência mas em lado nenhum

Jesus Cristo apregoou a desigualdade, sendo ele próprio um exemplo de igualdade entre

os primeiros cristãos. O próprio Leão XIII referiu que muitos patrões eram desumanos e

como tal era muito difícil a fraternidade e o amor que apregoava de bem intencionado

soava a hipocrisia.

O operário prometia não ser violento, não lesar o patrão e estes não podiam

explorar o operário como se fosse uma máquina ou um escravo, pagar o que era justo

num horário que acha-se adequado e assim em contrapartida já podia com violência

repelir as revindicações. Era uma posição conservadora, igual à do patronato. Via-se

assim do lado de quem estava. A caridade e a bondade não são apenas um sentimento

cristão, ela por si só não é suficiente, ela impõe a vergonha, o abuso e como não é

obrigatória não cobre as necessidades e é apenas temporária. A caridade não chega,

nunca chegou, é temporária, efémera.

Existiam muitas sociedades de apoio aos idosos e crianças, asilos e albergues e

nem por isso a miséria881

e a taxa de prostituição882

ou de suicídios deixava de aumentar

de modo exponencial, era a perda de dignidade da pessoa humana. Era necessário atacar

a origem do mal, alterando a organização industrial e criar uma “segurança social”883

que auxilia-se os mais necessitados como defendia Afonso Costa884

.

As leis de 1891 e 1893, a criação das bolsas de trabalho, proteção aos menores e

às mulheres nas fábricas derivavam de motivos semelhantes aos que levaram Leão XIII

à Rerum Novarum eram o pronuncio de uma nova época que se estava a formar para dar

melhores condições de vida ao operariado.

O Papa ao mesmo tempo que fala da miséria e excesso de trabalho do operário,

pede que o Estado castigue os que perturbam a paz e a propriedade individual, proibir as

881

Eusébio Leão, primeiro governador civil de Lisboa queria acabar com os vadios e expulsou muitos que

vinham de fora de Lisboa mas principalmente quis terminar com o aluguer de crianças na mendicidade. 882

Viena tinha em meados do séc. XIX, 400000 habitantes e 20000 prostitutas, cerca de 25% dos

nascimentos eram ilegítimos, mil milhões de enjeitados e uma enorme taxa de infanticídio, isto tudo

enquanto uns dançavam ao som da valsa de Strauss in Oliver Thomson, Lisboa, 2010, p. 289. 883

Não parece ser ainda adequado falar de Estado Providência devido às medidas serem incipientes no

entanto já existe uma notória preocupação pela questão social que se nota a partir da I Guerra onde o

Estado se torna mais interveniente, ie, não foi uma alteração interna mas um novo rumo na política

internacional. 884

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 198.

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183

greves e os protestos. Os salários eram apenas para subsistir e o horário o suficiente para

resistir. E como quem protestava era considerado socialista logo deve-se resistir contra

eles. Mas as greves eram e são uma arma importante e foi graças a elas que foram

possíveis importantes conquistas, prejudicavam os consumidores mas eram úteis para os

trabalhadores, só através da luta foram conseguidas importantes melhorias, já que elas

não eram dadas de livre vontade pelo patronato, pelo contrário tentaram sempre

contraria-las.

Para o Papa o descanso era o que bastasse para repousar da fadiga e se assim fosse

teríamos 16h de trabalho já que ao corpo chegam 8h de descanso. Se o salário fosse o

que bastasse para alimentar sobriamente a família então o resto ia para o patrão

explorador. Perguntava Afonso Costa: isto é justiça?885

O importante era respeitar os

domingos886

para a salvação da alma, ir à Igreja era mais importante que ir à escola, à

biblioteca, divertir-se, fazer desporto, etc. Eram ideias retrógradas, reacionárias,

inaceitáveis, perigosas que iam contra a evolução dos tempos do progresso e

desenvolvimento intelectual dos trabalhadores.

A Europa e a reação do operariado. Os círculos católicos

Na década de 1880 vários partidos católicos tinham atingido a maioria em vários

países da Europa. Na Bélgica ganhavam as eleições em 1870887

e é nesta década que em

Lisboa e no Porto vão surgir greves de grande envergadura. Em 1875 é fundado o

Partido Socialista e em 1876 é o Partido Republicano mas em Portugal o Partido

Católico tem uma fraca implantação e a sua principal função é a da união entre católicos

para defesa da Igreja.888

Em virtude dos congressos e palestras em 1882 é fundada a

União Católica Portuguesa, Teófilo Braga considerou uma “violação da disciplina da

Igreja”889

e apesar de terem criado vários núcleos pelo país teve pouco impacto e fracos

resultados.

885

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 204. 886

Por sinal pouco fizeram já que esta foi uma conquista operária, comum noutros países europeus. 887

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 105. 888

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 107. 889

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 108.

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184

A Igreja demonstra nesta altura, talvez de modo oportunista perante o crescendo

do movimento socialista um maior interesse pelo movimento operário. Surge o Centro

Católico em 1894 com muito fraca adesão e em 1898 a criação de Círculos Operários

que com algum sucesso vão aparecendo esporadicamente por todo o país e em 1903

surge um partido conservador católico. Este é um movimento comum em quase toda a

Europa que num esforço de impedir a fuga do operariado para os movimentos

progressistas.

Estes movimentos mais sociais que políticos voltaram-se contra os anarquistas e

outros grupos revolucionários mas no fundo eram pouco autónomos já que a Igreja

dominava os seus conteúdos e ação contra os liberais e socialistas. Em Portugal foram

importantes os Círculos Operários Católicos que concorreram com os socialistas nos

principais centros industriais. A diferença era a de que estes Círculos não eram

unicamente operários, deles faziam parte patrões, padres e aristocratas que os dirigiam e

dominavam. Daí que ao invés de afluírem operários em grande numero vieram

elementos das classes medias, chegando a surgir associações de alfaiates e fabricantes

de calçado subordinados aos Círculos.890

Ao invés da luta direta, preferiam movimentações pacíficas através de petições,

conferencias e palestras, deixaram-se dominar pelo movimento nacionalista que entre

outros de cariz conservador e religioso com a revolução de 1910 desapareceram. Para

Braga da Cruz isto não se ficou unicamente a dever ao 5 de outubro porque já antes a

implantação era fraca mas devido à “débil ou inexistente resistência” 891

do próprio

movimento.

Leão XIII vai ser o primeiro Papa que em 1901 vai reconhecer o movimento da

democracia cristã mas de natureza social (Graves de communi)892

.

A 24 de Maio de 1911, o Papa Pio X na encíclica Jandudum in Lusitania

condenava a Lei da Separação893

e apoiava o episcopado894

. O patriarca de Lisboa, D.

890

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 113. 891

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 115. 892

É uma continuação Rerum novarum com uma visão mais evoluída do ponto de vista social em

oposição ao liberalismo capitalista criando as bases políticas da democracia cristã. 893

Afirmava: “Declaramos como nulo e de nenhum valor tudo quanto esta lei ordenava contra os direitos

intangíveis da Igreja” in António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa,

2010, p. 31. 894

Vitor Neto, A questão religiosa: Estado, Igreja e conflitualidade sócio-religiosa In Fernando Rosas;

Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 138.

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185

António Mendes Belo, instigou os católicos a não participarem em associações

culturais.

O decreto da separação do Estado da Igreja de 20 de Abril de 1911 permitia entre

outras coisas que aos presbíteros, prelados e párocos podia ser ordenado o desterro dos

paços episcopais pelo Governo. Pelo art.º 99.º e 100.º era dado o direito a habitação

gratuita nos edifícios era feito mediante o direito às pensões que podia ser perdido pelo

art.º 145.º. Era o Governo que o podia fazer e não o administrador do concelho.895

Este era um regime muito anormal já que permitia uma clara ingerência do Estado

na vida da Igreja e a sua integração no entanto a Constituição no n.º 5º do art.º 3.º,

reconhecia a igualdade política e civil a todos os cultos desde que respeitassem a ordem

pública, leis, bons costumes e os principais de direito público. No regime da separação

não existia autoridade eclesiástica, a Igreja católica era vista como uma simples

agremiação particular (art.º 2.º e 175.º).

O decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910 regula a posse pelo Estado

dos bens das extintas corporações religiosas, ficavam à sua guarda e conservação, assim

como entrariam todos os bens mobiliários ou imobiliários que pelo decreto de 8 de

Outubro de 1910 foram arrolados pelas autoridades administrativas e judiciais (mesmo

aqueles que estejam ainda ocupados, sejam jesuítas ou qualquer outra congregação,

companhia, conventos, colégios, hospícios, missões, etc. (art. 1.º). Os membros das

associações religiosas autorizados a viver em Portugal “não poderão exercer o ensino ou

intervir na educação quer como professores ou empregados quer como diretores ou

administradores (art. 40.º) no entanto ficam proibidos de usarem “qualquer habito talar,

devendo ser presos pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo em

flagrante delito (art. 42.º), ficavam excluídos destas indicações os jesuítas com idade

“muito avançada ou de doença gravíssima, verificada por médicos (art. 44.º §1.º).

Não são só os bens da Igreja, também as receitas e bens da monarquia896

pelo

decreto com força de lei de 12 de dezembro de 1910 os bens da monarquia entraram

895

A expropriação dos bens da monarquia foram para o Estado e depois devolvidas para o culto pelas

associações culturais (que não funcionaram) através das irmandades cultuais (compromisso entre a lei e

as irmandades). Os padres que não aceitaram as pensões ficavam sem alojamento mas eram acolhidos por

famílias e continuaram a dar as missas em capelas privadas e era uma forma da população religiosa fugir

aos padres pensionistas (também chamados de sismáticos ou cultuais). 896

Já a 15 de Outubro de 1910 são abolidos todos os títulos nobiliárquicos distinções honorificas ou

direitos de nobreza (art. 1.º) com a excepção da ordem da Torre e Espada que será revista (art. 3.º). as

antigas ordens nobiliárquicas são extintas para todos os efeitos (art. 2.º), no entanto os títulos conferidos

ou comprados podiam continuar a ser usados mas nos atos públicos para produzir direitos ou obrigações

era necessário usar o nome civil para serem validos. Um dos últimos resquícios do sistema monárquico

era o Conselho de Estado e a Câmara dos Dignos Pares do Reino que foi abolido pelo art. 2.º) decreto de

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186

para o Tesouro publico, foram palácios, quintas e vários bens e as suas receitas passam

para a posse do Estado e até os títulos de mercê não foram esquecidos e porque o

decreto com força de lei de 15 de Outubro e 2 de Dezembro de 1910 sobre títulos

nobiliárquicos897

levantaram duvidas na determinação na forma como poderiam ser

pagos as importâncias em divida dos direitos de mercê898

o decreto de 25 de Março de

1911 determina a providencia para a fiscalização na arrecadação destes direitos. Com o

decreto de 19 de Junho de 1911899

fica para sempre abolida a monarquia e banida a

dinastia de Bragança.

Com o final da I Guerra, surgem por toda a Europa novos movimentos católicos,

em Portugal é fundado o Centro Católico em 1917, surge como partido politico

propriamente dito mas que já vinha das atividades do Centro Académico da Democracia

Cristã, fundado em 1912, no qual Salazar900

vai notabilizar-se, ser dirigente e

juntamente com o futuro Cardeal Cerejeira, entre outros, vão dinamizar jornais e

federações901

defendiam a liberdade religiosa sem serem clericais mas o Papo Bento XV

17 de Outubro de 1911 sem que alguém a defende-se (foram muitos os pares forjados, o que do ponto de

vista simbólico fez com que perdessem importância) e os juramentos com carácter religioso foram

substituídos no decreto de 18 de outubro e 1911 pela fórmula: “Declaro pela minha honra que

desempenharei fielmente as funções que me são confiadas” (art. 4.º). Também para os jurados (art. 5.º) e

era dispensa qualquer declaração aos estudantes que se matriculassem no ensino (art. 7.º). 897 Sobre títulos honoríficos o decreto n.º 10:537 de 12 de Fevereiro de 1925 apesar do decreto de 15 de

Outubro de 1910 ter abolido os títulos nobiliárquicos, distinções honoríficas e direitos de nobreza,

existiam ainda algumas repartições onde se permite nos atos oficiais o uso de títulos de nobreza. Fica

decidido no art. 1.º que “em nenhum ato, contrato ou documento, que haja de produzir direitos ou

obrigações […] em que surja referência honorífica ou nobiliárquica […] poderá intervir ou dar ulterior

despacho qualquer magistrado, notário ou ato oficial publico…”.

Em Inglaterra ainda hoje existem títulos apenas para uma vida (como aconteceu com Margaret Thatcher

com o titulo de Baronesa) em Portugal ficam para descendentes, muitos comprados, cedidos a troca de

avultadas somas de dinheiro e benesses ad aeternum. “Foge cão que te fazem barão. Para onde se me

fazem visconde?” alguns foram o reconhecimento de relevantes serviços prestados à Nação com

importantes tradições de família e feitos militares. No 5 de Outubro a Republica não reconhece títulos, diz

que os tem por abolidos mas na sua essência o art. 4.º reconhece a quem tem títulos que os pode continuar

a usar de acordo com o uso do costume. Em razão, é um uso por razões históricas, ainda hoje e desde o

Estado Novo ser concorde com a proteção dos títulos. 898

Estes valores pagos pelo cargo ou título honorífico que costumava ser pago de uma só para quem

podia mas não foram raros os casos em que nem a prestações o puderam fazer e tiveram de apear as

respetivas armas por não poderem pagar. Eram por isso valores de alguma importância para não serem

desprezados e alguns só foram pagos durante o Estado Novo in http://geneall.net/pt/forum/19712/direitos-

de-merce-dos-titulos-e-outras-merces/ 899

É também estabelecida a forma de governo como Republicana Democrática e é estabelecida as cores e

desenhos da bandeira nacional e as funções do poder Executivo e ao Governo Provisório da Republica. 900

Salazar vai ser eleito deputado durante alguns meses em 1921 pelo círculo de Guimarães com o apoio

católico e monárquico, vai mesmo ser acusado de “adesivo” pelos monárquicos mais conservadores. 901

É o caso do jornal O Imparcial e da Federação das Juventudes Católicas.

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187

pede aos católicos portugueses, complacência e colaboração com as autoridades

governamentais.902

Misericórdias e confrarias

Só eram reconhecidas como corporações cultuais as associações de assistência e

beneficência que se dedicavam ao culto na paróquia. Era o caso das misericórdias que

tinham a seu cargo os hospitais, hospícios, albergarias, asilos, creches, confrarias ou

irmandades. Existiam corporações ou associações que tratavam do culto religioso e

podiam dar assistência e beneficência. As confrarias embora tivessem actos de culto

religioso não eram corporações ou associações cultuais.

O n.º 16.º do art.º 2.º da lei de 21 de jullho de 1855 os ministros de qualquer culto

religioso de ordens sacras não tinham de ser jurados em tribunal mas perderam essa

isenção com o decreto da “Separação”, a religião católica, apostólica e romana deixou

de ser a religião do Estado pelo n.º 5.º art.º 3.º da Constituição, igualdade politica e civil

a todos os cultos, deixando de ser serviços públicos.

A extinção das instituições de beneficência e piedade não estava dependente do

Governo, podendo ser feita pelos governos civis, podendo os seus bens entregues aos

estabelecimentos de beneficência locais. Estavam sob a tutela e inspeção do governador

civil pelo art.º 253 do código administrativo de 1910, ou seja, as irmandades e

confrarias estavam sujeitas à tutela administrativa.903

/904

/905

Mesmo os párocos não

estavam isentos do imposto municipal (art.º 107.º e 108.º do Código Administrativo).

902

Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,

Lisboa, 2013, p. 200. 903

Convêm aqui esclarecer que a lei da separação nos seus arts.º 39.º e 169.º mandou declarar extintas as

corporações de piedade que não tivessem os seus estatutos em harmonia com os seus preceitos e mandou

incorporar os seus bens na fazenda nacional, excepto os valores destinados ao exercício do culto que

seriam entregues à junta da paróquia. Passado pouco tempo o decreto de 25 de Maio de 1911, no seu art.º

38.º determinou que as verbas deviam pertencer às despesas da assistência pública assim como os bens e

rendimentos das que forem extintas, ou seja, com este decreto os bens das confrarias extintas passam

sempre para as comissões distritais de assistência e não para a fazenda nacional. Assim os bens das

confrarias extintas não se enquadravam com a lei da separação do Estado pertenciam às comissões

distritais de assistência. As irmandades e confrarias legalmente constituídas, são pessoas morais com

individualidade jurídica e como tal podiam adquirir bens patrimoniais. O decreto vai autorizar estas

instituições de beneficência a alterar os seus estatutos. 904

São por exemplo portarias como a de 30 de Abril de 1912 que autorizam algumas confrarias para

pagar despesas para reformar os seus estatutos. 905 Mesmo os párocos não estavam isentos do imposto municipal (art.º 107.º e 108.º do Código

Administrativo).

A revelação de segredos confiados em confissão pelos párocos faziam incorrer no crime do §1.º do art.º

290.º do Código Penal.

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A revelação de segredos confiados em confissão pelos párocos faziam incorrer no

crime do §1.º do art.º 290.º do Código Penal.

Foi destituído das suas funções de bispo e governador da diocese do Porto e

administrador dos bens da sua mitra, pelo decreto de 8 de Março de 1911, D. António

José de Sousa Barroso que não poderia voltar a qualquer ponto do território da mesma

diocese sem que intervenha na deliberação do Governo da Republica. Este gosto de

perseguição aos padres não era correspondido pela população que apenas não nutria

simpatia pelos jesuítas e esta situação vai-se prolongar no tempo, até uma simples visita

pascal tinha de ser pedida licença à autoridade administrativa, situação que só termina

com o decreto de 22 de fevereiro de 1918.

Com a encíclica Rerum Novarum (15 de Maio 1891) fica demonstrado que a

Igreja não queria ficar alheia ao movimento operário e vai chamar a si um modo mais

coerente de resolver os problemas pelo menos naquele que se referem à moral, já que

em termos técnicos, como referia Pio XI mais tarde a 15 de Maio de 1931 na carta

encíclica Quadragesimo Anno906

faltava-lhes a competência907

.

Sindicalismo e ação católica

Leão XIII apoiava a existência de sindicatos mas sem a intervenção de socialistas.

Defende um dos problemas da laicização da sociedade era a falta de valores morais e

éticos, a concentração da riqueza nas mãos de poucos que dela faziam mau uso. Refere

que para se atingir uma maior justiça social deve existir uma melhor distribuição da

riqueza e para isso defendeu que o Estado devia intervir na economia não esquecendo a

caridade aos mais pobres. É um documento importante porque com ele foi dado inicio à

sistematização do pensamento social católico, passado a ser um fundamento da Doutrina

Social da Igreja até hoje.

A Rerum Novarum contribuiu assim para a criação de vários movimentos

católicos, padres e bispos que tiveram um importante papel de mediação entre os

trabalhadores e o patronato. Para Leão XIII a questão não passava pelo socialismo nem

pelo liberalismo mas pelos próprios intervenientes no processo, patrões e operários. O

Estado deveria criar legislação apropriada e a Igreja proteger os mais fracos através de

906

Sobre o aperfeiçoamento da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, onde considera positivo o livre

mercado mas este deve ser temperado de modo a não dominar o mundo. 907

Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,

1999, p. 17.

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associações de apoio, corporações e sindicatos. Em toda a Europa surgiam movimentos

com grande apoio social, principalmente na Alemanha, França e Bélgica que acabaram

por influenciar outros países europeus.908

Em Portugal a encíclica não teve grande influência, apesar de terem surgido

alguns movimentos católicos com pouco apoio do operariado, de curta duração,

limitando-se a colóquios, a artigos em revistas e jornais católicos mas incitavam à

criação de uniões profissionais com patrões e operariado com o objectivo de aumentar o

entendimento onde os sindicatos são apresentados como a possível solução de muitos

problemas.

Depois de Leão XIII (1878-1903), Pio X (1903-1914) e Bento XV (1914-1922),

vai ser Pio XI (1922-1939) que volta a dar a importância devida aos sindicalismos,

alterando a concepção em relação a Leão XIII que refere ainda as “corporações

operárias” mas defende que os católicos devem-se constituir em associações regidas

pelos princípios da fé cristã para fomentar a concórdia e a paz. Era uma tentativa de

contrariar o movimento socialista europeu e contra o capitalismo liberal que beneficiava

uma elite à custa dos operários mas era também contra a luta das classes apesar de

aceitar a existência de classes sociais.

Os Círculos Operários Católicos tinham uma perspetiva paternalista, caritativa ou

de assistência e as suas atividades andavam em torno de conferências, congressos,

missas, peregrinações, apoio aos doentes, idosos e carenciados.909

A sua ação não era

muito forte junto do operariado e como em 1910 algumas das suas sedes foram

incendiadas, vandalizadas ou simplesmente encerradas era difícil continuar.

O Centro Católico Português em 1917 foi direcionado para a política e para as

eleições, o que não acontecia com a União Católica. O centro Parlamentar Católico

(1893) ou Partido Nacionalista (1903) tinham como ação primordial salvaguardar os

interesses da Igreja.910

O Centro Católico Português de 1919 ate 1926 graças à direção de António Lino

Neto tem um maior relevo social e político. Com o inicio do salazarismo o CCP cessa a

sua atividade, o que mostra que era um movimento mais anti-republica, anti-progresso e

908

Foi na Bélgica, na Universidade de Lovaina que estudou o padre Abel Varzim e contatou com

importantes figuras do pensamento cristão mais propriamente do sindicalismo católico, daí que quando

chegam a Portugal o seu pensamento é diferente e apesar de olhado com desconfiança vai nos anos 30

influenciar o movimento operário e social em Portugal. 909

Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,

1999, p. 30. 910

Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,

1999, p. 57.

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quando já nada impedia a sua ação, antes pelo contrário, a verdade é que já nada

justificava a sua existência.

Relação com o Estado: O socialismo

Em 1891 na encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII condenava solução

socialista que dizia ser falsa, já que para curar o mal do presente estado social, onde os

princípios religiosos tinham desaparecido das leis, tal como as antigas corporações911

que eram uma proteção, não foram substituídos o que fez com que os trabalhadores

ficassem sem defesa “à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência

desenfreada”912

.

Para este Papa o socialismo instiga nos pobres o ódio da inveja contra os

detentores da propriedade daí defenderem que ela devia ser pertença de todos através

dos municípios ou do Estado. Esta uma visão limitada do socialismo, já que apenas uma

parte defendia o coletivismo em Portugal. Oliveira Martins ou Antero de Quental não

eram coletivistas, até achavam abusivo, nomeadamente quando se afirmava que era

objetivo do socialismo acabar com a família ao querer substituir “a providência paterna

pela providência do Estado”913

.

Reconhecia-se que era contra a vontade de Deus as más condições de vida de

quem trabalha, no entanto aceitava-se as desigualdades eram inevitáveis e até vantajosas

já que serviam como um benefício para todos, a sociedade necessita de um organismo

com funções muito variadas e cada um deve adaptar-se a essa diversidade conforme a

sua condição.914

Mas não se propunha superar as desigualdades, antes aceita-las como

sendo naturais.

Em 1911, o Papa Pio X na encíclica Jandudum in Lusitania condenava a Lei da

Separação e apoiava o episcopado. Foi neste ambiente que D. António Mendes Belo,

patriarca de Lisboa, instigou os católicos a não participarem em associações culturais. A

911

As antigas corporações serviram de proteção aos associados como de abusos já que muitas vezes não

olhavam a meios para obter o benefício à custa de outros. A Revolução Francesa também se fez contra

esses benefícios das corporações para as quais o operariado não tinha defesa e assim na passavam de

meras maquinas de trabalho, outra forma de escravatura e foram os movimentos sociais que levaram ao

despertar da sua condição. A reação era totalmente justa para a Igreja as propostas é que eram ilegítimas. 912

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 28. 913

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p 45. 914

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p.41.

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191

Republica odiava a Igreja, queria acabar com ela em “duas gerações” como alguns

afirmam ter dito Afonso Costa915

mas a Republica foi mais no sentido de limitar a

liberdade religiosa, o culto e promoveu a ingerência nos assuntos da Igreja, perseguiu e

dificultou a sua ação através do despojamento da sua riqueza e gerindo o seu

património. Só com Sidónio Pais este ambiente negativo foi alterado, restabelecendo as

relações diplomáticas com a Santa Sé, terminando com o desterro de bispos, promoveu

alterações à Lei da Separação, fim do Beneplácito e das pensões às “viúvas e filhos de

padres”, deu autonomia às associações religiosas mas só em 1926 um decreto de

Manuel Rodrigues atribuía, segundo Braga da Cruz, personalidade jurídica à Igreja.916

Leão XIII reconhecia que as alterações derivadas das inovações tecnológicas

possibilitavam a acumulação de riqueza nas mãos de poucos que modificavam a relação

entre patrões e operários cuja pobreza era cada vez maior e esse mal havia que ser

curado sem incitações ao ódio e sem acabar com a propriedade privada porque este era

para o Papa um direito que derivava da própria natureza e que por isso era inviolável e

deveria ser repudiada a propriedade coletiva que era defendida pelos socialistas.917

Em relação à pobreza referia: “Quanto aos deserdados da fortuna, eles aprendem

da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio, e

ninguém deve envergonhar-se de dever ganhar o pão com o suor do seu rosto”, “…a sua

excelência está nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o património

comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos

ricos; que a virtude dos merecimentos, em qualquer que se encontrem, obterão a

recompensa da eterna felicidade”. “É para as classes inferiores que o coração de Deus

parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres bem-aventurados, convida cheio

de amor a que venham para ele todos os que sofrem e choram; abraça com a mais terna

caridade os pequenos e os oprimidos”.918

915

Durante o seu exílio Afonso Costa desmentiu esta afirmação. 916

Manuel Braga da Cruz, O Estado Novo e a Igreja Católica, Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998, p. 38. 917

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 237. 918

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 251 e 253.

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192

Existia um notório paternalismo na Rerum Novarum, os ricos e os patrões nos

seus deveres “não devem tratar o operariado como escravo919

mas respeitar nele a

dignidade do homem realçada ainda pelo do cristão […] é vergonha e desumano é usar

dos homens como de vis instrumentos do lucro e não os estimar senão na proporção do

vigor de seus braços”920

. Dizia-se de modo muito subjetivo mas convincente que o

salário seria conveniente “fixar a justa medida do salário”921

.

“O Estado deve proteger de modo especial os fracos e indigentes” mas também

“deve reprimir os agitadores e preservar os bens operários do perigo da sedução”, ou

seja” torna-los obedientes e resignados, era no fundo fazer com que tudo ficasse na

mesma com a promessa de um lugar no céu, aos pobres e ignorantes estava prometido a

vida eterna, era uma forma de tirar a principal arma de protesto, o castigo seria o divino.

Em relação à propriedade dizia “…tirar por força o património de outrem, invadir

as propriedades estranhas, a pretexto de uma absurda igualdade a justiça condena…” e

quando uns quantos “ambiciosos” arrastam outros para os tumultos, então diz Leão XIII

“intervenha então a autoridade publica, e, pondo um freio às excitações dos cabeças de

motim […] as greves não só revertem em prejuízo dos patrões e dos operários, mas

embaraçam o comercio e prejudicam os interesses gerais da sociedade…”.922

“Devem impedir-se as «as greves», removendo as origens e sujeitando à

autoridade das leis” reconhecia que era injustos os horários muito prolongados de

trabalho com fraca retribuição e esta seria uma razão para a greve mas isso “… põem

muitas vezes em risco a tranquilidade pública” e como tal o remédio mais eficaz seria o

de “prevenir o mal com a autoridade das leis […] removendo as causas de que se prevê

que hão-de nascer os conflitos entre os operários e patrões”.923

Assim era reconhecido que “o número de horas de trabalho diário não deve

exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à

qualidade do trabalho…”.924

919

Ainda hoje trabalho forçado e a escravatura são atuais, um efeito da globalização. 920

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 42-43. 921

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 45. 922

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 273. 923

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 61. 924

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 64.

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193

Não foram esquecidas as mulheres e crianças, as quais deviam ser protegidas de

horários prolongados. À criança devia ser dada primazia à educação e que tenha

desenvolvido “as forças físicas, intelectuais e morais […] à mulher nem todos os

trabalhos se adaptam já que à mulher “a natureza destina de preferência aos arranjos

domésticos”. 925

O direito de associação faz parte da própria natureza humana e como tal deve ser

protegido porque ao proibir a sociedade civil está-se a atacar a si mesma mas devia-se

ter o cuidado de evitar a usurpação dos direitos dos cidadãos “pois uma lei não merece

obediência, e a lei eterna de Deus”926

ou “…uma lei só merece obediência enquanto é

conforme à recta razão e à lei eterna de Deus.”927

Ao apresentar este argumento estaria a pensar nas confrarias, congregações e nas

ordens religiosas que tinha sido “fundadas com um fim honesto e consequentemente sob

os auspícios do direito natural: no que eles têm de relativo à religião, não dependiam

senão da Igreja”928

.

As misericórdias, hospitais, irmandades, confrarias e ordens religiosas foram

muito importantes e essenciais para as populações mas em vez de serem aproveitadas e

desenvolvidas foram expropriadas, extintas e vendidas em proveito do Estado. As bases

económicas da Igreja já antes tinham sido afetadas com a abolição dos dízimos e com a

desamortização dos bens.

Bento XV, em 7 de Maio de 1919 escrevia “que desejava a formação dos

sindicatos verdadeiramente profissionais e expandir-se sobre todo o território francês

poderosas ligas animadas pelo espírito cristão…”.929

Leão XIII exortou os operários cristãos a juntarem sob a forma de associação

profissionais para “a maior abundância possível, para cada um, de bens do corpo, do

espírito e da família.”930

925

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 64. 926

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 72. 927

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 291. 928

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 72. 929

Numa carta ao Arcebispo de Lille, datada, de 5 de Junho de 1929 era pela Igreja reconhecido o direito

ao patrão e aos operários o direito de constituírem sindicatos separados ou mistos, como meio de

promover solução para as questões sociais de modo “a operar uma aproximação entre as duas classes…”

que instituição “quanto a Nós, os chamados sindicatos parecem-nos muito oportunos” pena que em

Portugal neste ponto fossem proibidos e perseguidos pelo Estado Novo in Acção Social Cristã, A Igreja e

a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 115.

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194

Pio XI no Quadragesimo Anno em 15 de Maio de 1931, retomou o tema da Rerum

novarum de Leão XIII ao aplicar alguns ensinamentos, assim é claramente defendido a

desproletarização do povo, daqueles que para o dia a dia não têm senão o essencial. “É

uma iniquidade abusar da idade infantil ou da fraqueza feminina. As mães de família

devem trabalhar em casa ou na sua vizinhança, dando-se aos cuidados domésticos” a

mulher não devia a vida fora das paredes domésticas descurando os cuidados e “deveres

próprios e sobretudo a educação dos filhos”. “Deve pois, procurar-se que os pais de

família recebam uma paga suficiente abundante para cobrir as despesas ordinárias da

casa”.931

“Da mesma forma, há trabalhos menos adaptados à mulher, que a natureza

destina ao serviço doméstico; serviço de salvaguarda admiravelmente a honra do seu

sexo […] em geral, a duração do descanso deve medir-se pela despesa de forças que ele

deve restituir.932

Júlio de Vilhena em 1873 sintetizava assim o pensamento para a época:

“organizar a família nas bases da moralidade, da religião e da justiça é a aspiração

constante da filosofia moderna […] uma família artificial sem coesão entre os seus

membros, há-de produzir a desagregação do Estado”.933

O “Bom Operário”

O “bom operário” é o trabalhador respeitador das ordens do patrão, cumpridor,

conformado, bom chefe de família, católico, por isso se dizia “sofre com resignação,

que no céu terá um diadema de glória”934

.

A pobreza era vista como algo inevitável e natural assim se pensava n’O Conde de

Abranhos de Eça de Queiroz (1879) devia-se investir nas classes mais prósperas e cultas

porque eram essas que governavam o país. Assim pensou e disse em 1933 António

Ferro, responsável pela propaganda e informação do governo de Salazar, que era mais

importante educar as elites porque eram estas que governavam.

930

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 140. 931

Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 161. 932

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 279. 933

Júlio de Vilhena, Problemas do Direito Moderno (opúsculos jurídicos baseados no Código Civil), vol.

I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1873, p. 9. 934

João Francisco de Almeida Policarpo, O “Bom Operário” Estudo de uma Mentalidade, Centro de

Historia da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979, p. 78.

Page 195: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

195

As associações católicas surgiram na década de 1870935

, foi por esta altura que

surgiram várias greves de grande importância em Lisboa e no Porto, surge o Partido

Socialista (1875), o Partido Republicano (1876) e em 1878 é eleito o Papa Leão XIII.

As associações católicas de proteção ao operariado tinham poucos associados e

tinham pouca implantação. Os CCO (Círculos Católicos Operários) foram constituídos

com a ideia de disputar terreno com os socialistas e chegaram a constituir algumas

associações de classe mas eram pouco reivindicativas, o seu intuito era mais recreativos,

a não ser a luta pelo descanso ao domingo pelo seu carácter religioso e mesmo assim

com pouco afinco.

Dos deveres para com Deus que se deve religiosamente cumprir “dimana a

necessidade de descanso e da cessação de trabalho nos dias do Senhor. Não se entenda

todavia por esse descanso uma parte mais larga concedida a uma estéril ociosidade […]

fator dos vícios e dissipador dos salários, mas antes um descanso santificado pela

religião” […] tal como no Antigo Testamento, “lembra-te de santificares o dia de

sábado936

” tal como na Bíblia “descansou no sétimo dia de todo o trabalho que fizera937

[…] o numero de horas de um dia de trabalho não deve exceder a medida das forças dos

trabalhadores, e os intervalos de descanso deverão ser proporcionados à natureza do

trabalho e à saúde do operário, e regulados segundo as circunstancias dos tempos e dos

lugares”938

e de acordo com a idade e o sexo939

.

A principal preocupação era a de catequizar e faziam-no através de conferências,

animações, passeios, etc. Se a missão não era a de criticar e esclarecer os trabalhadores,

estes acabavam por ir ficando cada vez mais alheados da realidade. Estas associações

foram por isso mais um movimento social que politico, a fraca militância e implantação,

tornou num movimento fraco mais de tipo paternalista, assistencial, caritativo que nunca

soube defender o operariado convenientemente. Acabou por ser absorvido pelo Partido

935

Manuel Braga da Cruz, Os Católicos e a politica nos finais do séc. XIX, Analise Social, Vol. XVI (61-

62), 1980-1.º 2.º, p. 261-262. 936

Êxodo 20.8-11; Deuteronômio 5.12-15 937

Gênesis 2:2 938

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 277. 939

Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione

Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da

edição de 1895, 2005, p. 279.

Page 196: Introdução · nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências internacionais. Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos

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Nacionalista e tirar-lhe legitimidade e autonomia porque um e outro estavam

interligados. Quando o Partido caiu em 1910 arrastou consigo as CCO.

25 - As amnistias e a autoridade

No V Concilio de Toledo em 636, no cânone VIII, conferia-se ao rei a

prerrogativa de indultar os criminosos, desde aí até hoje, o perdão das penas é aceite e

até espera-se que sejam feitas em épocas festivas em que o espírito de fraternidade pelo

próximo o justifique.940

Pelo decreto de 26 de Março de 1888 concedeu-se a amnistia a todos os crimes

contra o exercício do direito eleitoral e políticos excepto crimes de sangue que contam

do n.º 5.º do art.º360.º e 361.º do CP

Outros pretextos existiram para conceder até a jóia oferecida a Maria Pia de

Saboia941

pelo Papa Leão XIII de onde saiu o decreto de 4 de Julho de 1892 que

concedeu a amnistia aos crimes contra o exercício de direito eleitoral e de abusos de

liberdades de imprensa excepto os crimes violentos dos art.s 360.º n.º 5 e 361.º do CP.

No ano seguinte uma nova amnistia para aqueles que participaram na revolta de 31 de

Janeiro no Porto sejam eles civis ou militares excepto os oficiais que tomaram parte. De

entre os que assinam este decreto de 25 de Fevereiro de 1893 estão Bernadino Machado

e Augusto Fuschini.942

Pela Constituição de 1911, no n.º 18.º do art.º 26.º podiam ser concedidas

amnistias pelo congresso da República. O recurso às amnistias foram constantes,

situação que estava prevista na Constituição que deveria ser concedida de acordo com

“humanidade e o bem do Estado” não abrangia crimes comuns mas foi logo usada pelo

Governo provisório a 14 de Novembro de 1910 como forma de clemência para a

940

Paulo Ferreira da Cunha, et al., 2010, p. 331. 941

Cabe aqui realçar que pelo decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910 se manteve

provisoriamente a dotação da ex rainha mas considera-se que abandonou voluntariamente o país e como

foi declarado pelo decreto de 15 de Outubro de 1910, proscrita para sempre a família de Bragança

(ascendentes, descendentes) portanto a dita ex rainha D.ª Maria Pia não podia tornar a residir em Portugal. 942 No decreto de 28 de Setembro de 1903 novas amnistias para todos os crimes contra o exercício do

direito eleitoral e em geral para todos os crimes de carácter político excepto os violentos do art. 360.º n.º 5

e 361.º do CP.

Ainda antes da república o decreto de 17 de Setembro de 1910 concede amnistia para todos os crimes de

abusos de liberdade de imprensa (art. 1.º) e os processos ficam sem efeitos e quem estiver preso será

imediatamente posto em liberdade. E a 4 de Novembro um amnistia geral para vários tipos de crimes942

pelo decreto com força de lei de 4 de Novembro de 1910 que depois se torna extensivo aos praças da

armada pelo decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910.

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disciplina académica, delitos contra o direito eleitoral, liberdade de imprensa. O mesmo

governo concedeu a amnistia para comemorar o 31 de Janeiro de 1891 através do

decreto de 31 de Janeiro de 1911, para as infrações cometidas por militares não

abrangidos pela amnistia de 4 de Novembro de 1910. A justiça criminal era assim posta

em causa devido ao recurso constante à amnistia e a sua eficácia era afetada.943

/944

As amnistias eram uma excepção recorrente e a sua utilização era na maioria dos

casos meramente políticos, os delitos eram políticos no entanto estas amnistias

promoviam a pacificação política e ao mesmo tempo a impunidade que descredibilizou

o regime.

A fim de serem amnistiados os implicados no “caso do Arsenal”, Machado Santos

defende novas amnistias num projeto discutido a 22 de Agosto de 1911. Afonso Costa

defendeu este projeto. António José de Almeida defendia a “acalmação” nomeadamente

com a igreja católica.945

A 4 de Maio de 1912 surge uma nova lei para amnistiar os que estivessem presos

ou pronunciados em casos em casos de greve, excepto os que atentaram contra o regime

republicano ou contra a vida humana.946

Nos voluntários que se bateram em Chaves em 8 Junho em Vila Verde da Raia,

estava o nome de António Granjo947

homem corajoso que alem de ter estado na frente

de batalha na guerra que apoiou a entrada de Portugal também se enfrentou (com

irresponsabilidade948

) em vários duelos949

.

943

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 172. 944 A 13 de Junho de 1911 amnistia para os operários e empregados dos caminhos de ferro do sul e sueste

pelas infrações contra a lei do direito à greve (art. 1.º) e são reintegrados na suas categorias mas não

reembolsados (art. 2.º).

Decreto de 23 de Agosto de 1911 concede amnistia plena aos implicados na revolta de 7 de Abril de 1911

no Arsenal da marinha e a lei de 4 de Maio de 1912 concede amnistia a todos os implicados em casos de

greve que estejam presos ou pronunciados (art. 1.º). 945

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 177. 946

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 182. 947

António Joaquim Granjo era menos radical, rude mas sincero nas crónicas que escrevia nos jornais.

Corajoso, enfrentou-se em vários duelos, defendeu a entrada de Portugal na Guerra e ao contrário de

outros, inclusive generais, esteve na linha da frente de combate, alistando-se como alferes miliciano e

quando se demite a 19 de Outubro de 1921 enfrentou as armas pela última vez aos 40 anos desta vez

desarmado e destemido é assassinado enfrenta os seus opositores na “noite sangrenta” levada a cabo pelos

assassinos da “camioneta fantasma”. 948

Dizemos nós porque na altura dava prestígio e currículo. 949

Os duelos eram comuns entre aristocratas no séc. XVIII e XIX, quantas vezes por motivos frívolos e

não poucas vezes acabavam em morte apesar de não ser essa a intenção, o principal era reparar a honra

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O Governo reconhecia os que lutaram e colaboraram contra as incursões

monárquicas mesmo uma criança de 12 anos foi agraciada com a entrada no Colégio

Militar com dispensa de idade.950

E aqueles que em 1911 e 1912 marcharam para o

norte do país contra os monárquicos insurrecionais, pelo decreto n.º 11:374 de 22 de

Dezembro de 1925 mandou ser feito “um aumento de 100% no tempo de serviço”.

A lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914 concede amnistia para todos os crimes de

caráter político951

ou social (art. 1.º) excepto dos chefes dirigentes e instigadores são

expulsos do território da Republica Portuguesa sob o parecer da Comissão da Reforma

Prisional e Penal. Os que regressarem antes do tempo da pena cumprirão o resto em

prisão presídio nas ilhas ou ultramar (art. 2.º). A lei n.º 152 de 6 de Maio de 1914

estende a lei anterior a mais “crimes”, inclusive abuso de autoridade.

A lei de 20 Julho de 1912 criou a Casa Correcional do Trabalho e a Colónia

Agrícola Penal, ambos estabelecimentos penais.952

Era ao Poder Executivo que pertencia a ação disciplinar dos funcionários do

Estado.953

Os funcionários civis e militares acusados de conspiração contra a República

não podiam ser juízes de paz durante 5 anos mas aos meros particulares tal já não era

exigido. A lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914 deu a amnistia aos condenados e

julgados por crimes políticos. Excepto os chefes, dirigentes e instigadores. Os que

estavam presos à espera de julgamento deviam ser libertados.

A lei anterior no seu art.º 18.º da lei de 23 de Outubro de 1911 dispunha que os

funcionários públicos ficavam “ipso facto” demitidos excepto no caso de absolvição.

que podia acabar num repasto amizade. Ao contrario do que muitos pensam não eram nada secretos, os

jornais noticiavam com grande alarido os acontecimentos que tal como demonstram as fotografias eram

muito concorridos por uma multidão curiosa. Como em geral eram políticos e militares a policia só

aparecia no fim ou nem se metia no assunto. O último duelo aconteceu no inicio do período salazarista

que tratou de acabar radicalmente com tamanha frivolidade imatura. 950

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 216. 951

Do art. 2.º do decreto com força de lei de 28 de Dezembro de 1910 e 30 de abril de 1912. 952

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 245. 953

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 247.

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199

O padre Avelino Simões de Figueiredo condenado a 4 anos de prisão maior

celular e oito de degredo mas muitos outros foram condenados por conspirarem contra a

Republica.954

A ética republicana é revelada na lei n.º 266 de 27 de Julho que responsabiliza

ministros por actos graves no exercício das suas funções.955

Surgem muitas amnistias de

vários tipos e sobretudo sob vários pretextos comemorativos mas a razão principal era a

de obter alguma pacificação.956

O decreto n.º 1:508 de 20 de Abril de 1915 concedeu amnistia aos delitos e

transgressões compreendidos na lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914, no entanto esta

lei continuou em vigor já que o decreto n.º 1:508 passados apenas 26 dias foi declarado

irrito e nulo pelo decreto n.º 1:578 de 24 de Maio de 1915957

.

No entanto a lei reservava o direito desconfiar dos seus funcionários e pela Lei n.º

319 de 16 de Junho de 1915 autoriza o Governo a separar do serviço efetivo todos os

funcionários que não dão a completa garantia de adesão à república e à Constituição

(art. 1.º) § único são abrangidos aqueles que faziam parte do Governo anterior à data de

14 de Maio de 1915 mas os que não forem exonerados perceberão 80% dos seus atuais

vencimentos.

GNR

É importante aqui o papel da GNR, já que era a guarda do Estado, mais

propriamente dos governos e que pela sua resposta violenta acabaram por ter um peso

preponderante nos acontecimentos, eram essenciais para a manutenção do poder. A

GNR é rearmada e concentrada em Lisboa entre 1919 e 1922 onde serve de proteção

954

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 249. 955

Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,

1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 394. 956 A amnistia da lei de 22 de Fevereiro de 1914 era extensiva até 20 de Abril de 1915 abrangia os

motivos políticos. A 20 de Abril e ao abrigo da lei de 8 de Agosto de 1914 surge nova amnistia

A lei n.º 1:146 de 9 de Abril de 1921 amnistia a todos os crimes os crimes militares em África ou em

França durante a Grande Guerra e aos crimes de natureza politica, religiosa ou social que não tenham

causado dano á propriedade e a pessoas, crimes eleitorais, deserção militar e abuso liberdade de imprensa.

Novamente a 2 de setembro do mesmo ano, a lei n.º 1:198 que amnistia todos os crimes essencialmente

militares de oficiais e praças em África e em França durante a guerra.

Em 1924, a lei n.º 1:551 de 1 de Maio concede amnistia geral e completa aos atos de rebelião de 10 de

Dezembro de 1923. 957 Manuel de Arriaga subscreveu a queda de Pimenta de Castro que pelo decreto n.º 1578 de 24 de Maio

declarava “irritos e nulos diversos decretos do ministério Pimenta de Castro” e reintegrava em funções

muitos funcionários administrativos dispensados pelo decreto n.º 1148 de 9 de Abril anulando castigos

impostos por aquele governo.957

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200

aos governos. Entre 1916 e 1917 a repressão foi muito dura por parte da União sagrada

e de Afonso Costa contra os protestos operários o que faz com que estes acabem por

apoiar o golpe militar de Sidónio Pais. O decreto n.º 5:568 de 10 maio de 1919 a GNR é

reforçado com o intento de defender o regime: “atendendo a que em casos graves de

alteração da ordem pública, como sejam as revoluções, e no intuito de impedir e julgar

prontamente qualquer tentativa de insurreição contrária ao regime republicano vigente,

a mesma guarda deve dispor de todos os elementos para operar com absoluta segurança

e rapidez”.958

O exército era mais conservador e assim a GNR ao serviço do Governo ficava

com um poder equiparado ao exército para assim poderem investir sobre os operários e

trabalhadores. Era o braço armado do PRP e Liberato Pinto que foi ministro em 1920-

1921 era entregue o comando da GNR. Aos praças da GNR competiam sempre metade

das multas impostas por si. Pelo art.º 38.º e ss da lei de 1 de Julho de 1913 e art.º 4º de

lei 3 de Fevereiro de 1915 podiam impor multas e pelo art.º 448.º Código

administrativos de 1896 conferiam metade das multas aos oficiais das guardas

campestres959

a estes podemos acrescentar todos os empregados públicos a quem a lei

concedia este direito a participar nas multas por si impostas, tal como constava nas

posturas e regulamentos policiais (art.º 38.º e 45.º da de 1 de Julho de 1891).

Dizia Platão que “a justiça é no interesse do mais forte” mesmo muitos daqueles

com forte sentido de dever e julgando que estavam a fazer o que era mais correto não

deixaram de cometer os crimes mais hediondos. A justiça vendada não vê a realidade,

tal como afirma Cunha960

, quando se procura a beleza de um corpo ele tem de ser

destapado e depois espera o inesperado tal como quando se parte um copo de cristal é a

alma que dói.

958

Ana Catarina Pinto, Nova Estratégia para a República In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,

Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 418. 959

A lei n.º1:121 de 1921, no art.º 1.º que “enquanto não for organizada e aprovada um código de polícia

rural deverão os juízes conhecer e julgar as transgressões de harmonia com as disposições contidas nos

códigos de posturas municipais…” isto era um ataque à Constituição política porque o juiz fica confinado

ao que seja aprovado por deliberação nas câmaras municipais e aprovado pelas juntas de freguesia dos

concelhos, ou seja, elas podem ser diferentes nos vários distritos o que podia contrariar as leis da

administração pública e às leis do país, já que são elas próprias também a lei e os juízes julguem segundo

ela o que iniciava um período anárquico já que nos meio pequenos e com pouca instrução não eram de

excluir que os sentimentos se sobrepusessem à razão com a intenção de criar uma tendência

desequilibrada. 960

Paulo Ferreira da Cunha, Porto, 1996, p. 177, 257

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201

Conclusão

As grandes ideias nascem como sonhos, utopias de quem as pensa, lunáticos

divertidos e inofensivos. Mas as ideias são como sementes que se perdem nos pés de

quem as semeou até que a luz irradiante de um dia fresco e húmido ela surgirá e quiçá

se transformará numa árvore cujas flores e frutos trarão perfume e alimento aos que dela

procurarem abrigo. Se num dia quente a copa dessa árvore nos dá uma proverbial

sombra é porque há muito alguém a plantou há muito tempo. São as ideias consideradas

ridículas hoje que podem ser esplêndidas amanhã, ideias que guinaram a humanidade da

barbárie à civilização, as ideias libertárias do passado são aquelas que hoje

consideramos como dados adquiridos conquistadas com a liberdade.

Se os cidadãos não considerarem o poder político como legitimo então estes não

seriam aceites em consciência e este é essencial para uma adesão livre e afetiva porque

respeitar a autoridade é diferente de ter receio dela. Para que exista respeito pela

autoridade é essencial respeitar as instituições, negar o clientelismo e lutar contra a

corrupção porque esta lesa o bem público e muitos bens jurídicos como a legalidade,

igualdade, concorrência e outros que são bens abstratos e difíceis de detetar.

Para respeitar a dignidade de quem trabalha era necessário garantir os seus

direitos e liberdade fundamentais. Para a sociedade ser justa e solidário é necessário que

cada cidadão cumpra o seu dever, liberdade de imprensa, expressão, direitos de reunião,

manifestação, participação e associação. E o Estado não soube nem teve a capacidade

de criar oportunidades para aqueles que estavam numa situação de desvantagem. Não

existiam programas adequados às diferentes situações nem metas objetivas o que fez

com que as desigualdades não foram alteradas de modo significativo.

A lei tinha de garantir a liberdade civil política. Mas uma coisa é a vontade e a

outra é a estabilidade social e do poder. E quando pela miséria os trabalhadores eram

empurrados para a greve, eram acusados de agitadores e de aptos de subversão, o

importante era a ordem pública mas não podemos esquecer que foram estas multidões

que com coragem e sacrifício de quem nada tem a perder, tinham fortes razões de que

representavam os interesses de quem trabalhava.

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202

A educação foi outro dos pontos tratados, ela se tivesse triunfado seria a carta de

alforria contra a miséria, alta mortalidade. Mas ultrapassou-se o tempo em que ter

instrução era vergonhoso, os nossos primeiros reis eram analfabetos, o importante era

saber caçar, lutar, usar a espada e montar a cavalo, tal como ensinavam os livros que

não sabiam ler.

Um dos problemas do positivismo foi o de acreditar que o Direito era uma ciência

exacta e como tal a lei era a ultima palavra. É necessário perceber o contexto caso

contrário corremos o risco de trair a intenção com o que foram realizadas as leis. Estas

tal como o que era defendido no Código Napoleónico e defendido pelos positivistas o

texto da lei devia ser claro e preciso, sem ambiguidades que pudessem levar à confusão

mas era sempre limitada pelo próprio natureza do texto legislativo que não diz tudo.

Este Código Napoleónico cujas diretrizes foram reconhecidas em 1867 com o fim das

Ordenações Filipinas pelo Visconde de Seabra perduraram no seu Código Civil por 60

anos.

Os decretos de 1919 sobre os seguros obrigatórios não distinguem os

trabalhadores, profissão, sexo ou idade era uma intenção progressista mas apenas isso,

para o futuro e não para o momento, era anacrónico, bem intencionado mas não era para

levar à prática.

Toda a República foi conturbada mas também D. Manuel II empossou 7 governos

e Salazar despedia ministros com um simples Catão de visita.

Existia um profundo desconhecimento da realidade, dos problemas e dos encargos

financeiros. O Estado Novo não fez tábua rasa do passado961

teve em conta o que já

estava feito e apenas fez alterações. Existiu a vontade de fazer algo, de melhorar as

condições de vida dos trabalhadores e da sua família, de colaborar com o mutualismo, o

alcance não foi atingido como os próprios o reconheceram.

Em relação ao ensino foram orientações deficientes e reformas mal orientadas,

falta de desejo ou capacidade para levar avante essas alterações, até porque a máquina

administrativa emperrava na inércia, falta de capacidade e de meios de controlo. O

conhecimento é essencial para que a sociedade ganhe a consciência para a intervenção e

961

Mantém inclusive a forma republicana mas estão ausentes os valores republicanos do mesmo modo

também a I Republica foi pouco social e democrática. Na Historia de Portugal tudo o que há de grandioso

pertence à monarquia mas foi também ela que fugiu aos franceses e nos entregou aos espanhóis e nos

transformou em colónia inglesa.

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vigilância que não se resume apenas ao voto eram esses os valores defendidos pela

República mas o meio não permitiu a sua difusão e aplicação.

A Lei da Separação foi uma clara ingerência mas o verdadeiro problema foi a

destruição do funcionamento de uma instituição que tinha um importante papel onde o

Estado não chegava no apoio social aos mais necessitados e pior tornou mais fracas

outras instituições municipais que estavam ligadas à Igreja perdendo assim o efeito

prático para o fim a que estavam destinadas. O Estado conseguiu autonomizar-se à custa

da intolerância. Acreditar que se podia acabar com Deus por decreto e ao mesmo tempo

falar em dignidade atropelando a liberdade de consciência num pais que gastava

milhões em artilharia pesada sem existirem escolas suficientes, impondo um sistema

económico e politico em nome de trabalhadores que eram presos por falarem a verdade.

Querer que todos fossem iguais como autómatos, querer uma ideia pela força não deu

resultado.

O povo via nestes líderes populistas a solução para os seus problemas mas estes

aproveitaram-se da miséria, jogaram com as suas necessidades e carências a seu favor

para imporem ditaduras ou soluções autoritárias. Uma democracia demagógica,

parlamento pouco ou nada comunicativo, sem soluções ou ideias lógicas razoáveis, os

argumentos falaciosos davam origem a discussões agressivas. Gostavam tanto dos

pobres que os multiplicaram e um povo sem dignidade não é capaz de se governar nem

ser governado.

A admiração pelo clericalismo ou pelo anarquismo não era seguida pelo

conhecimento, não queriam ver as atrocidades porque lhes prometeram o que eles

queriam ouvir. Se uns são ricos logo outros são pobres, nem todos podem estar bem e

segundo outros todos eram culpados desde que não fossem pobres. Um povo sem

educação não consegue exigir dos seus governantes melhores argumentos, deixam-se

manipular com mais facilidade pelas paixões mantêm-se submetidos e iludidos.

Foi um republicanismo socialista e burguês não fazia mal que a lei fosse má se o

propósito fosse o de não cumprir já que a razão de ser feita era o de acalmar

temporariamente os trabalhadores. As autoridades locais dominadas pelos caciques

eram pouco dadas a evoluções eram muito tolerantes com os patrões, perdoando ou

tolerando para evitar punições e reclamações de quem dominava o poder local. Esta

inação e até leviandade eram denunciadas pelos inspetores de trabalho nomeadamente

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nos obstáculos ao seu trabalho. A legislação procurou sem sucesso a harmonia entre o

capital e o trabalho.

Os sindicatos tiveram muitos defeitos mas estiveram à altura das difíceis

circunstâncias conseguiram importantes vitórias e como tal o resultado foi positivo.

O anarquismo foi assim uma posição intermédia entre o liberalismo e o socialismo

da época, era um liberalismo extremo, um socialismo onde o indivíduo é soberano, a

sociedade auto regulava-se sem necessidade de um Estado autoritário que se limitava

aos serviços públicos.

As revoltas também se fizeram contra a justiça e se cá não existia o juiz Magnaud

existia a trupe maçónica nos tribunais que estavam nas mãos de grupos político

maçónicos. Já “O Auto da Barca do Inferno” retratava a corrupção na justiça nos

subornos e jogos sub-reptícios em 1517.962

Devido à falta de provas o crime de

corrupção é o mais arquivado e hoje a força dos órgãos de informação é essencial para o

combate à corrupção. Ainda hoje e ainda mais na altura os jornais difamavam e

deturpavam factos para favorecer uma parte. O poder tinha do seu lado a maioria dos

jornais e das forças de polícia, por isso o Estado nem sempre é confiar no combate à

corrupção, só que felizmente hoje existem organizações não governamentais em que

podemos confiar e que representam a sociedade civil e que hoje têm um papel

importante na investigação internacional, já que não basta ter leis bem intencionadas

quando não há interesse em aplica-las. Na altura da “camioneta fantasma” foi Berta

Maia que heroicamente fez mais sozinha pela descoberta da verdade que todos os

militares juntos chefiados por Carmona.

Podemos assim dizer que a estrutura jurídica da I República assenta no

pensamento do socialismo integralista de Benoît Malon e para levar avante este

programa havia que proceder a uma profunda alteração com a Igreja e retirar poder. Não

é algo separado num anticlericalismo radical mas antes fazendo parte de um todo de

teorias já por si desenvolvidas nas suas teses.

Existe uma ligação no espírito doutrinário de Afonso Costa com Magalhães Lima

e destes com Benoît Malon e só assim se pode perceber a intenção e a atitude do

962

E passaram 5 séculos e a maioria dos processos instaurados em 2004-2008 foram arquivados e em

muito poucos houve decisão condenatória e menos ainda os que cumprem pena de prisão efetiva in Luís

de Sousa, Lisboa, 2011, p. 63.

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socialismo integral à realidade do país. Isto é mais notório nas leis da justiça quando

Afonso Costa foi ministro da Justiça logo no inicio da República e que teve

continuidade excepto no período sidonista e que depois finda com 1926.

As revindicações nada tiveram de revolucionárias “pão, paz e terra” o que era

verdadeiramente revolucionário era que para que este objetivo fosse atingido tinham de

destruir uma importante base do Estado burguês; a alteração das relações de produção

principalmente assentes na exploração agrícola. Eram um movimento que já vinha em

andamento antes do aparecimento da sindicalização mas foram estes que trouxeram uma

importante dinâmica que o radicalismo impediu de produzir melhores efeitos e ter

impedido o diálogo.

Seja por culpa dos condicionalismos da época ou da impreparação, impaciência e

ingenuidade agarrada a utopias que armadilhavam um sistema onde acabava por ser

mais fácil combater uma horda violenta. As exigências eram legítimas mas o exagero

provocou o afastamento das elites e de quadros qualificados nas direções do movimento

cujo interesse era pela política e pouco pelas questões sociais.

Portugal precoce, apenas a França era também uma república na Europa (a Suíça

era diferente em virtude da sua estrutura cantonal remontar à Idade Média) mas com

mais de 70% de analfabetos era difícil o progresso económico, faltava formação. A

igreja anglicana nos países nórdicos proibiram o casamento entre analfabetos logo na

primeira metade do séc. XIX, mesmo sem ser esse o objetivo, acabaram por trazer

desenvolvimento económico, social e uma sociedade melhor preparada para o futuro.

A legislação não foi a esperada, o mesmo se passou com o insucesso da

escolarização, da indústria, da melhoria das condições sociais principalmente na vida

das mulheres e crianças operárias.

Por toda a Europa existiam regimes instáveis e ditaduras que em Portugal foram

até 1975, ou seja, a República foi apenas uma parte desses sistema com grande agitação

social, grupos civis armados, a “formiga branca” (tinham o apoio velado de alguns

governos), a “formiga preta” (mais conservadora), os “trauliteiros” (monárquicos) ou

simples bombistas, terroristas com bombas artesanais.

Ora se o voto não era universal e o Estado era ele também parte do problema ao

não conseguir harmonizar os varias setores sociais, aprofundando o fosso

impossibilitando a paz social que é essencial para o desenvolvimento económico. Uma

República com 16 anos não muda um povo com séculos de história e talvez por isso se

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estranhe que não se aprenda com a história e cometa-se os mesmos erros políticos ou

como dizia George Bernard Shaw, “Se a historia se repete e o inesperado acontece, quão

incapaz precisa o homem ser para aprender com a experiencia?”

Perguntem às aves que cantam,

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?

quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinquenta angolares

"porrada se refilares"?

Ruy Mingas: Monangambé

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Índice

Introdução

1 - Notas prévias sobre alguns aspetos históricos políticos

A economia internacional no final do séc. XX

Aspetos legislativos

2 - O operariado nas vésperas da Republica

3 - Socialistas e anarquistas: ação política

4 - As lutas operárias e a resposta do governo

O alcance dos sindicatos

5 – O Direito Operário. Alteração do mundo laboral na transição para a República

Os tribunais de árbitros avindores.

Os regulamentos patronais

6 - A legislação internacional em Portugal

A influência das grandes lutas internacionais

O papel da OIT na legislação laboral

7 - Salários e contrato de trabalho

8 - Acidentes de trabalho e a importância dos seguros

A melhoria das condições de trabalho

A doutrina do risco profissional e da culpa

A Indemnização e a lei

A formação do trabalhador

A reação do patronato

9 - A melhoria das condições de trabalho.

Higiene, salubridade e segurança no trabalho.

As obrigações das industriais

Avanço legislativo

A mulher e o menor

Maternidade

Fiscalização

10 – Os sindicatos e a greve

Greves e instabilidade social

Relatórios

Revindicações

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11 – O associativismo, cooperativismo e os socorros mútuos.

Alcance e sucesso

O seguro de sobrevivência

As famílias

12 – Seguros obrigatórios, o embrião da previdência social

as obrigações do patronato

O apoio na vida e na morte

13 – A evolução e a melhoria da intervenção social

A mulher e o menor

Bolsas de Trabalho e a sua importância no igualitarismo social

14 – A situação económica no país. As Bolsas de Trabalho

Protecionismo e impostos

Os câmbios e a relação com o custo de vida

15 – A agricultura e a dependência externa

A importância das exportações

As colónias e a população indígena

16 - Economia e finanças. O custo de vida

Consumo, moeda e a implicação no aumento do custo de vida

Situação internacional

Despesas soluções para minorias

Fome, carestia de vida.

17 – Soluções encontradas para minorar a crise económica

Sufrágio e sidonismo

Bens de 1ª necessidade e os lucros com a guerra

Movimentação política

18- A habitação operária. A opinião de Caeiro da Matta

Arrendamento e a proteção ao inquilino

A visão do proprietário

19 – Situação profissional e a mendicidade

Repressão e perseguição

20 – A alimentação. O regime cerealífero e o protecionismo

As cooperativas de consumo e a fraude

A qualidade alimentar, os preços e a escassez

Como a legislação respondeu às carências

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21 – A mulher e os menores na Industria. As leis protetoras

O horário de trabalho, limites e incumprimentos

As tutórias e o Padre António Oliveira

22 – O descanso semanal e o horário de trabalho

As excepções e o incumprimento e a fiscalização

A mulher casada

23 – O ensino e a cultura. A instrução no operariado

A evolução legislativa no ensino e

Como este era visto pelos trabalhadores

A mulher e a instrução

A reforma do ensino

A relação com o desenvolvimento económico e social

24 – O operariado a Igreja e o socialismo. Como se refletem na legislação laboral

A visão de Igreja, de Afonso Costa e do proletariado

Sindicatos e associações católicas

25 – As amnistias e a autoridade

A GNR

Meios e objetivos