INTRODUÇÃO - estudogeral.sib.uc.pt · O termo procedimento –procedura civile ... OSKAR VON...
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INTRODUO
A cincia processual tem sofrido constantes transformaes relacionadas ao
surgimento de um novo paradigma jurdico, o que deu ensejo atual fase metodolgica
denominada de formalismo-valorativo.
A nova era vivenciada pela dogmtica imps a adaptao dos institutos
processuais a uma viso finalstica e axiolgica do processo, este compreendido como
instrumento de realizao da justia material e da pacificao social, que deve atender aos
valores da efetividade processual, segurana jurdica e de uma organizao interna justa.
As caractersticas da moderna cincia processual civil tambm repercutiram na
funo jurisdicional, que precisou ser ampliada, para agregar mais poderes ao julgador, de
modo a contribuir para que o processo, estruturado a partir de uma concepo cooperativa,
atenda a sua natureza publicstica e as suas finalidades precpuas.
Acompanhando o desenvolvimento da cincia processual, o procedimento,
dado seu carter instrumental, passou a ser visto tambm como tcnica indispensvel
realizao das finalidades ltimas do processo.
Acontece, que para o procedimento atender a sua natureza finalstica e
axiolgica, o mesmo deve ser adequado s especificidades da causa concreta, aos sujeitos
processuais e finalidade para a qual foi institudo.
Contudo, nem sempre o modelo de procedimento preestabelecido na lei
adequado s peculiaridades da causa concreta, e, considerando que h um predomnio pelo
sistema de legalidade das formas procedimentais, nem sempre permitido ao juiz
promover a adequao do procedimento diante de uma demanda concreta.
Diante desse cenrio, a presente tese objetiva contribuir com a evoluo do
Direito Processual Civil, investigando amplamente, sob o enfoque do novo contexto atual
da cincia processual, o procedimento em matria cvel e o princpio da adaptabilidade
procedimental, norma processual que confere ao juiz o poder-dever de adequar o
procedimento diante de uma demanda concreta.
A importncia de aprofundar o estudo do princpio da adaptabilidade
procedimental est na possibilidade de sua aplicao garantir a natureza instrumental do
procedimento, especialmente face aos sistemas de legalidade das formas procedimentais, a
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partir da flexibilizao do procedimento, quando o rito abstratamente descriminado na lei
no se revelar apto a promoo da adequada prestao jurisdicional.
Com efeito, a investigao ser dirigida a anlise da possibilidade e do modo
de aplicao do princpio da adaptabilidade procedimental pelos sistemas processuais.
Como o objetivo principal da pesquisa o de compreender qual a contribuio
do princpio da adaptabilidade procedimental para a efetividade processual, foi necessrio,
em paralelo anlise do princpio da adaptabilidade procedimental, investigar a efetividade
processual, a partir da compreenso dos valores que a compem.
Somente aps a anlise pormenorizada do procedimento, do princpio da
adaptabilidade procedimental e da efetividade processual, individualmente, que se tornou
possvel atingir a pretenso almejada por esta pesquisa, de analisar e compreender a precisa
contribuio do princpio da adaptabilidade procedimental para a efetividade processual,
na busca da resposta ao problema suscitado.
A pretenso desta obra, alm de se referir sobre o que consta expresso nos
textos normativos legais, foi de buscar nas entrelinhas do sistema processual e na evoluo
da sistemtica da matria, a resposta para os questionamentos e as inquietaes que
circundam a compreenso da contribuio do princpio da adaptabilidade do procedimento
para a efetividade processual, com a finalidade de colaborar com a evoluo da cincia
processual e ser mais um instrumento de incentivo a que o processo viabilize,
efetivamente, o alcance da justia material e da pacificao social.
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CAPTULO I - O PROCEDIMENTO
A presente pesquisa no poderia ter incio, seno a partir do estudo do
procedimento, sobretudo por se tratar de instituto a respeito do qual circundar todo o foco
central da anlise do princpio da adaptabilidade procedimental e da sua contribuio para
a efetividade processual.
Como o procedimento corresponde ao objeto de trabalho do princpio da
adaptabilidade procedimental, a sua precisa compreenso certamente refletir no
entendimento acerca da contribuio do referido princpio para a to almejada efetividade
processual.
1.1 A EVOLUO DO PROCEDIMENTO NO MBITO DA CINCIA
PROCESSUAL CIVIL
A anlise da postura da doutrina, ao longo de toda a formao da cincia
processual, sobre o modo de entender o procedimento, abordando inclusive a sua relao
com o processo, imprescindvel para delimitao da evoluo do quadro conceitual do
instituto, que certamente servir como lastro terico fundamental para a compreenso do
princpio da adaptabilidade procedimental.
Como as investigaes histricas so relevantes para o desenvolvimento de
qualquer cincia social, inicia-se a presente pesquisa a partir do estudo da evoluo do
modo de compreender o procedimento ao longo de toda a histria da cincia processual.
O termo procedimento procedura civile foi inserido no plano cientfico
jurdico pela doutrina francesa1 e durante todo o perodo da pr-histria do direito
processual civil, vivenciado at o final do sculo XIX, era utilizado para designar o ramo
do Direito Civil que estudava o modo prtico de atuao em juzo2.
A denominao dada cincia jurdica dedicada ao estudo do processo como
Direito Processual Civil de cunho recente3. Na pr-histria do direito processual no se
reconhecia autonomia cincia processual e se entendia que direito judicirio civil mera
1 SATTA, Salvatore. Dalla procedura civile al diritto processuale civile. In Rivista Trimestrale di Diritto eProcedura Civile. Milano. Ano 18. 1964, p. 28-29.2 MENDES, Joo de Castro. Direito Processual Civil. I vol. Lisboa: AAFDL. 2012, p. 7.3 Como ressalva SATTA, Salvatore. Ob. cit., p. 28.
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procedura civile correspondia ao sub-ramo do direito material civil, dedicado ao estudo
do processo4, este, considerado como mero procedimento5 e como meio de exerccio dos
direitos6.
O procedimento, nesse perodo histrico inicial, correspondia mera sucesso
dos atos processuais7.
Durante todo o perodo de sincretismo jurdico, denominao dada fase
histrica em que no se reconhecia autonomia cincia processual8, houve verdadeira
identidade entre os conceitos de processo e de procedimento. O procedimento era o prprio
processo.
A partir do final do sculo XIX, quando os alemes comearam a considerar a
autonomia ao processualismo cientfico, o procedimento comeou a perder importncia,
cedendo lugar relao jurdica processual. Neste momento, houve o despertar para o
reconhecimento da existncia de uma relao processual autnoma, que no se confunde
com a relao jurdica de direito material deduzia pelos sujeitos processuais9.
OSKAR VON BLOW foi o jurista alemo que recebeu o mrito por
desenvolver o esprito da poca cientfica processualista10, a partir da conscincia de que
4 Durante o perodo de sincretismo jurdico, o processo era marcado por uma natureza altamente privatista eindividualista, justamente pelo seu enlace com o direito material. Cfr. MITIDIERO, Daniel. Colaborao noprocesso civil: pressupostos sociais, lgicos e ticos. So Paulo: RT, 2009, p. 32.5 DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p.17-18.6 CINTRA; Antonio Carlos de Arajo. GRINOVER; Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cndido Rangel.Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 42.7 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 18.8 Tambm chamada de procedimentalismo, cfr. FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral doprocedimento e o procedimento no processo penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 23.9 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 149.10 Apesar do mrito da conscincia da independncia e autonomia da relao jurdica processual ser dado,pela doutrina processual, ao jurista alemo OSKAR VON BLOW, CNDIDO RANGEL DINAMARCOressalva que a grande contribuio da obra de autoria do jurista alemo no foi propriamente a criao daideia de autonomia da relao jurdica processual, o que j era reconhecido em texto do direito comumitaliano e na Ordenao do Reino, mas sim a sistematizao do tema no que diz respeito a autonomia darelao jurdica processual. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini;DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 280. Von Blow no foi, na realidade, o primeiro a ter aintuio da existncia dessa relao jurdica. Antes dele, j tinham sido feita referncia a ela, na obra deBethmenn-Hollwes, que ele cita. Muito antes, dissera Blgaro, e no constitua segredo para os estudiosos,que judicium est actus trium personarum, judicisi, actoris, rei. E as Ordenaes do Reino consignavam: trspessoas so per direito necessrias em qualquer Juzo, juiz que julgue, autor que demande e rei que sedefenda.. DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I. 3 ed.Reviso e atualizao de Antnio Rulli Neto. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 88.
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entre os sujeitos do processo existe uma relao jurdica independente da relao de direito
material que h entre os mesmos11.
A conscincia autonomista do processualismo cientfico foi propulsada pelo
reconhecimento, devido fundamentalmente aos juristas alemes, da dissociao entre o
direito material e direito processual e entre a relao jurdica de direito material e a de
direito processual.
Sob a influncia do pensamento de OSKAR VON BLOW, a doutrina
processual passou a relacionar o conceito de processo ao de relao jurdica processual e o
conceito de procedimento ao de forma extrnseca do processo, perceptvel aos sentidos
humanos. Adotou-se, na poca, um critrio teleolgico como base dessa diferenciao,
atribuindo-se ao processo determinadas finalidades, dentre as quais, a atuao do direito, e
destituindo-se o procedimento de qualquer fim, em razo da sua natureza eminentemente
tcnica12.
A autonomia da cincia jurdica processual marcou a superao do sincretismo
processual e o incio do processualismo, que, por influncia do positivismo que orientou
todo o sculo XIX, foi uma fase da cincia processual marcada por uma exacerbada
mentalidade conceitual13.
Alm de romper com toda a perspectiva metodolgica do sincretismo, o
processualismo agregou cincia processual a natureza publicstica14. Como tal, o
processo passou a ser encarado como instrumento de exerccio da funo estatal
jurisdicional. O processo foi relacionado ao exerccio de uma funo do Estado, e, por
consequncia, ajustado a uma perspectiva teleolgica.
11 Sobre a teoria elaborada por BLOW, DINAMARCO explica: Von Blow realou que trs elementosessenciais distinguem a relao jurdica processual da relao substancial litigiosa trazida ao processo: a) osseus sujeitos, uma vez que ali comparece o juiz, no cumprimento de uma funo estatal e sem envolvimentona situao jurdico-substancial trazida pelas partes; b) o seu objeto, que no o bem da vida procurado pelodemandante, mas a prpria atuao do juiz no processo, c) os seus pressupostos, a que ele pela primeira vezchamou pressupostos processuais [...]. Dinamarco, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 88.12 GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica processual e teoria do processo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey.2012, p. 52-55.13 Nesse sentido, MITIDIERO, Daniel. Colaborao no processo civil: pressupostos sociais, lgicos e ticos.So Paulo: RT, 2009, p. 33.14 Cfr. MITIDIERO, Daniel. Ob. cit., p. 34; DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade doprocesso. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 49-50.
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Nesse momento da histria, o procedimento perdeu visibilidade para cincia
processual15, que direcionou toda a sua ateno para a relao jurdica processual,
sobretudo porque identificada como a prpria essncia do processo16.
Durante o processualismo, o procedimento foi visto a partir dos atos que o
compunham, analisados em relao forma e modo de movimentao. No se vislumbrava
no procedimento a ideia de unidade e vnculo entre os atos processuais17.
A preocupao da doutrina, nessa poca, era distinguir o conceito de processo
do conceito de procedimento. JOO MENDES DE ALMEIDA JUNIOR, no incio do
sculo XX, expressando o pensamento do perodo histrico que vivia, traou a distino
entre os institutos, afirmando que o processo seria uma direo no movimento e o
procedimento o modo de mover e a forma como o ato movido18. Enquanto aquele seria o
movimento em sua forma intrnseca, este seria o mesmo movimento, em sua forma
extrnseca, perceptvel aos sentidos humanos19. A distino proposta apenas remonta ao
pensamento da poca, que era de afastar a ideia de processo como mero procedimento e de
distinguir os dois institutos jurdicos.
Apesar da contribuio da distino entre os conceitos de processo e de
procedimento para a evoluo da cincia processual, nunca foi possvel negar uma relao
indissocivel, por natureza, entre os dois institutos.
Embora a distino proposta por BLOW tenha perdurado soberanamente por
anos20, despontou na doutrina, ainda na fase processualista, uma proposta que tambm
ganhou importncia para o Direito Processual, que destacava exatamente o oposto, ou seja,
a relao existente entre procedimento e processo21.
15 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 149.16 Em anlise sobre o livro Die Lehre von den Proze einreden und die Proze voraussetzungen de BLOW,que consistiu a verdadeira revoluo no direito processual, DINAMARCO esclarece que a relao jurdicaprocessual no foi apontada por BLOW como elemento que compe o conceito de processo, mas sim comoa prpria essncia deste. DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I.3 ed. Reviso e atualizao de Antnio Rulli Neto. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 88.17 FERNANDES, Antoinio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 24- 28.18 ALMEIDA JUNIOR, Joo Mendes de. Direito Judicirio Brazileiro. 2 ed. Rio de Janeiro, 1918, p. 298.19 ALMEIDA JUNIOR, Joo Mendes de. Ob. cit., p. 299.20 Muitas teorias foram desenvolvidas no sentido de afastar a predominncia da concepo de processo comorelao jurdica processual, dentre elas, a teoria do processo como situao jurdica, que foi uma das querecebeu algum destaque. Para AROLDO PLNIO GONALVES, defensor da teoria do processo comoprocedimento em contraditrio, em repdio teoria desenvolvida por BLOW, A teoria das situaesjurdicas nasceu para superar a doutrina da relao jurdica [...], GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnicaprocessual e teoria do processo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2012, p. 76.21 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 53.
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Foi na Itlia que surgiu, por obra de ELIO FAZZALARI, o pensamento que
repudiava a insero da relao jurdica processual no conceito de processo e que
considerava o procedimento em contraditrio como seu elemento conceitual, no lugar da
relao jurdica processual22.
O autor italiano referido refutou, a partir de um critrio lgico, buscado dentro
do prprio sistema jurdico normativo, a concepo de processo como relao jurdica,
para afirmar a incluso do procedimento no conceito de processo, como gnero, do qual o
processo espcie23.
Para o processualista italiano, era inconcebvel admitir o processo como
relao jurdica24, pois esta tem sentido de vnculo jurdico de exigibilidade entre os
sujeitos, constitudo a partir da noo de direito subjetivo, entendido como o poder de um
sujeito exigir de outro uma determinada conduta25.
Como explica AROLDO PLNIO GONALVES, que, assim como
FAZZALARI, defensor da teoria da natureza jurdica do processo como procedimento
em contraditrio, admitir o processo como relao jurdica seria o mesmo que conceber
que h direito de um sujeito processual em face da conduta do outro sujeito, que se torna
obrigado a uma determinada prestao, e que h direito dos sujeitos processuais sobre a
conduta do magistrado, e deste em face dos sujeitos processuais. Como argumentavam,
no seria possvel transpor para o processo a aplicao da figura da relao jurdica,
construda no sculo XIX para identificar um vnculo de subordinao entre os sujeitos, a
partir de um critrio eminentemente individualista, aplicvel ao direito privado26.
Afirmavam ainda que no processo no poderia haver um vnculo de
exigibilidade entre as partes, pois nenhuma delas poderia impor outra a prtica de um ato
processual, nem mesmo seria possvel sustentar o exerccio deste poder face ao juiz27. Para
FAZZALARI, direito subjetivo no o poder de um sujeito sobre a conduta alheia, mas
sim uma posio de vantagem de um sujeito assegurada pela norma jurdica28.
22 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel.Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 285.23 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 55-57.24 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob.cit., p. 285.25 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 59-66.26 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 83-86.27 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 83-86.28 GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 90-91.
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FAZZALARI examinou o procedimento sob duas ticas: em abstrato e em
concreto. Em abstrato, o mesmo constitua a prpria sequncia de normas reguladoras dos
atos do prprio procedimento, coligadas de modo que cada uma fosse a consequncia da
norma precedente e pressuposto da conseqente, e contemplava as posies subjetivas que
resultavam das normas reguladoras dos atos do procedimento. Em concreto, o mesmo
constitua a realizao da srie de atividades previstas nas normas reguladoras do
procedimento em abstrato29.
Apesar da contribuio do aludido autor italiano para o resgate da importncia
do procedimento para a cincia processual, alocando-o no conceito de processo, a sua
teoria no pode mais ser admitida sem ressalva no que diz respeito ao repdio pela teoria
de BLOW, pois o processo, com a evoluo, revelou-se como uma entidade complexa,
integrada pelo procedimento em contraditrio e pela relao jurdica processual30.
Como esclarece DINAMARCO, a cincia jurdica processual j alou
maturidade suficiente para entender que o processo judicial no a prpria relao jurdica
processual, mas sim uma entidade complexa que possui dois componentes, o procedimento
e a relao jurdica processual31.
Propor uma definio de processo que no leve em considerao o
procedimento significa ocultar uma parte essencial do seu objeto32.
Portanto, dois so os aspectos que do ao processo uma precisa configurao
jurdica: a relao existente entre os seus atos o procedimento e a que se estabelece
entre os seus sujeitos a relao jurdica processual33.
29 Conforme se verifica nas lies de ANTONIO SCARANCE FERNANDES, quando discorre sobre osensinamentos de FAZZALARI, nota de rodap nmero 24. FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geraldo procedimento e o procedimento no processo penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 30.30 Em razo da inexistncia de qualquer incompatibilidade entre as perspectivas conceituais do processo, sejacomo procedimento ou como relao processual, consagrou-se a sua natureza jurdica de entidade complexa.[...] definir o processo mediante associao do procedimento em contraditrio, ou inserir-lhe no conceito arelao jurdica processual so apenas dois modos diferentes de ver a mesma realidade. So perspectivasdiferentes, que no distorcem essa realidade nem se excluem reciprocamente, antes de complementam [...],cfr. DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 2009, p. 159.31 DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I. 3 ed. Reviso eatualizao de Antnio Rulli Neto. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 103.32 Nesse sentido MARINONI: "[...] a definio de processo que no considera o procedimento encobre umaporo essencial do objeto a ser elucidado. Tal definio manipula o conceito de processo, negando parcelada realidade a ser compreendida.", MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. Vol 1, 7 ed. SoPaulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 409.33 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Traduo e notas de Cndido RangelDinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 38-39.
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Esse conceito, dada sua amplitude, alm de valorizar o procedimento realizado
em contraditrio, nos termos da doutrina sustentada por FAZZALARI, reala a existncia
de toda uma srie de posies e relaes jurdicas que se formam em razo da pendncia de
um processo judicial.
Todas as criticas daqueles que repudiaram a doutrina do processo como relao
jurdica processual no foram capazes de elidir a constatao de que o procedimento fato
jurdico que produz uma srie de liames tambm jurdicos que vinculam os sujeitos
processuais (partes, juiz e auxiliares da justia), atribuindo-lhes poderes, direitos,
faculdades e os correspondentes deveres, obrigaes, sujeies e nus, que a relao
jurdica processual. Logo, no possvel concordar com a negao da constituio do
processo como feixe de relaes jurdicas processuais, pois no mbito processual
certamente iro se constituir direitos e deveres, decorrentes da relao jurdica formada
entre os sujeitos do processo34.
A viso de processo como entidade complexa permitiu a confluncia das
definies que existiam sobre o mesmo, como procedimento em contraditrio e como
relao jurdica processual, que identificam pensamentos que no se excluem
reciprocamente, antes se complementam, pois representam a anlise de um mesmo objeto
s que sob duas perspectivas diferentes35.
Durante toda a fase processualista, a doutrina se ocupou com a formao
dogmtica da cincia processual. No entanto, a preocupao puramente tcnica acabou por
distanciar a cincia processual do direito material, o que fez com que as fases
metodolgicas seguintes se ocupassem com o regaste do carter finalstico e axiolgico da
cincia processual36.
34 Ao analisar as crticas que GOLDSCHMIDT dirige a concepo de processo como relao jurdica,PAULA COSTA E SILVA concorda que no possvel acompanhar GOLDSCHMIDT na afirmao de queno pode haver no processo vnculos de exigibilidade entre as partes: GOLDSCHMIDT rejeita estaconcepo [do processo como relao jurdica] com base em trs argumentos fundamentais. [...] O segundodecorre da inexistncia de situaes jurdicas processuais recondutveis s categorias do direito e do dever.Neste ponto no podemos acompanhar GOLDSCHMIDT. No mbito do processo, vo constituir-se direitos edeveres. [...]. SILVA, Paula Costa e. Acto e Processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 9535 DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p.159.36 Nesse sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 42-43; MITIDIERO,Daniel. Colaborao no processo civil: pressupostos sociais, lgicos e ticos. So Paulo: RT, 2009, p. 34;OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 2.
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Surge, ento, a perspectiva instrumental do processo, teleolgica por definio,
que nega o carter puramente tcnico da cincia processual e de seus institutos e defende o
processo como instrumento voltado a realizao de propsitos sociais, polticos e
jurdicos37.
A fase instrumentalista no se ocupou em conceituar os institutos, pois estes j
haviam sido delineados satisfatoriamente pela cincia processual. A preocupao, nesta
fase, era com a construo de um sistema jurdico-processual voltado para realizao de
resultados prticos38.
Durante a fase instrumentalista, desenvolvida atravs do raciocnio teleolgico,
o processo foi reconhecido como instrumento voltado realizao de objetivos sociais,
polticos e jurdicos. No mbito social, o processo tem por finalidade ltima promover a
pacificao social, mediante critrios justos, ou seja, com justia, e, ao mesmo tempo,
conscientizar os membros da sociedade de seus direito e obrigaes39; em termos polticos,
o processo tem por escopo afirmar o poder estatal de decidir imperativamente, cultuar as
liberdades pblicas e assegurar a participao das partes na formao das decises
estatais40; no mbito jurdico, o processo tem por finalidade atuar a vontade concreta da
lei41.
Ainda durante todo o instrumentalismo processual, muito embora o processo
tenha sido caracterizado pela natureza teleolgica, o procedimento foi conceituado como
meio extrnseco de desenvolvimento do processo, vinculado a uma noo puramente
formal42.
No entanto, j se fala que a fase instrumentalista foi superada, em razo do
nascimento de uma nova fase metodolgica da cincia processual. O formalismo
valorativo, uma das denominaes dada a essa nova fase, tambm chamada de
37 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 22-2538 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 22-23.39 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 188-193.40 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 198-202.41 DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 246-250.42 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel.Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 277.
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neoconstitucionalismo ou de neoprocessualismo43, que est se ocupando com uma releitura
do prprio processo civil, luz de uma viso alm de teleolgica, tambm axiolgica44.
Para o formalismo-valorativo, o procedimento deixou de ser apenas forma, tal
qual um esqueleto sem alma45, tornando-se imprescindvel ao seu conceito a regulao da
atividade das partes e do rgo judicial, conexa ao contraditrio paritrio e ainda ao fator
temporal, a fatalmente entremear essa mesma atividade 46.
Alm disso, para essa fase metodolgica, toda a forma processual, o que inclui,
inclusive, a ordenao do prprio procedimento, qualificada pela natureza axiolgica,
com vistas a que sejam atingidas as finalidades perseguidas pelo processo judicial47.
Para o formalismo-valorativo, o processo deixa de se esgotar na realizao da
vontade concreta da lei, consistindo a ferramenta indispensvel para a realizao da justia
material e da pacificao social, seus fins ltimos48. O pensamento de que no basta que
seja alcanada a pacificao social, a qualquer custo, sem que se leve em considerao o
contedo da deciso judicial. Esta precisa tambm atender ao valor da justia material.
Diante da natureza axiolgica do processo, reconhecida pelo formalismo-
valorativo, toda a tcnica processual, da qual o procedimento jurisdicional espcie49,
passou a ser vista como meio/instrumento de atingir os fins do processo e os valores
constitucionais50.
43 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Introduo ao direito processual civil eprocesso de conhecimento. 13 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 29-30.44 MITIDIERO, Daniel. Colaborao no processo civil: pressupostos sociais, lgicos e ticos. So Paulo:RT, 2009, p. 47.45 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 130.46 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 130.47 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 8.48 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 75.49 No h como confundir tcnica processual com procedimento. O procedimento uma espcie de tcnicaprocessual destinado a permitir a tutela dos direitos., MARINONI, Luiz Guilherme. O direito tutelajurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponvel em. Acessado em 11/06/2014. Ou seja, o procedimento a tcnicaprocessual destinada ao exerccio da jurisdio.50 Como explica ROSA MARCACINI, a tcnica a ferramenta de trabalho dos juristas e necessrio sabermanej-la adequadamente. Com o avano experimentado a partir da fase processualista da cincia processual,a tcnica processual deixou de ser cultivada para sua prpria adorao, para ser direcionada realizao deresultados socialmente desejados atravs do processo. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Estudo sobre aefetividade do processo civil. Tese apresentada ao departamento de direito processual para obteno do graude doutor em direito. So Paulo, 1999, p. 33.
http://jus.com.br/artigos/5281/o-direito-a-tutela-jurisdicional-efetiva-na-perspectiva-da-teoria-dos-direitos-
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Enfim, a natureza finalstica e axiolgica atualmente reconhecida ao
procedimento, certamente, fator que influi na anlise do princpio da adaptabilidade
procedimental, que o objeto central desta obra.
1.2 CONCEITO DE PROCEDIMENTO E DE NORMAS PROCEDIMENTAIS
A anlise evolutiva do procedimento demonstrou que este passou de sinnimo
de processo, conceituado, simplesmente, como mera sucesso dos atos processuais, a
aspecto secundrio e destitudo de qualquer valor para a cincia processual, diante da
importncia reconhecida relao jurdica processual, recuperando, posteriormente, sua
estima, quando considerado pela doutrina como elemento que essencialmente integra o
conceito de processo, desde que animado pelo contraditrio.
crescente o prestgio na doutrina processual moderna da ideia de processo
como entidade complexa, integrada de procedimento em contraditrio e da relao jurdica
processual51. A partir do conceito exposto, o procedimento gnero, do qual o processo
espcie52.
A origem etimolgica da palavra procedimento vem do termo latim procedere,
que significa prosseguir, seguir para frente53 54. Na linguagem jurdico-processual, o
procedimento o nome tcnico dado ao conjunto dos atos processuais, interligados em
uma sucesso e unidade formal55, voltados para a finalidade comum, de preparao do
provimento final, para consumao do exerccio do poder jurisdicional56.
51 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. Trad. Cndido Rangel Dinamarco.Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 38-39.52 Nesse sentido FAZZALARI, seguido no Brasil por AROLDO PLNIO GONALVES. GONALVES,Aroldo Plnio. Tcnica processual e teoria do processo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2012, p. 95-98.53 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel.Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 277.54 Com a mesma raiz etimolgica, a palavra processo tambm deriva do latim procedere, o que ao menosjustifica a utilizao na pr-histria da cincia processual das palavras processo e procedimento, comosinnimos, significando a mera sucesso de atos processuais. GONALVES, Aroldo Plnio. Ob. cit., p. 51.55 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. Trad. Cndido Rangel Dinamarco.Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 39. Outra caracterstica dos atos processuais a de no se apresentaremisolados, pois cada ato se encontra ligado e coordenado a um grupo mais ou menos numeroso de outros atosprocessuais que se sucedem no tempo e formam uma srie contnua, como os elos de uma corrente; o grupoforma uma unidade que recebe o nome de procedimento e os atos so os elementos constitutivos dessaunidade.. LIEBMAN, Enrico Tullio. Ob. cit., p. 228. Nesse mesmo sentido, BEDAQUE, explica que [...] ofenmeno chamado processo pode ser examinado pelo ngulo dessa sequncia de atos ordenados, qual sedenomina procedimento. (p. 36), Cada ato pressuposto da situao seguinte, que, por sua vez, d origemao ato subsequente. O procedimento desenvolve-se mediante uma srie de atos, que tm em comum o
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Nesse mesmo sentido, ANSELMO DE CASTRO conceitua o procedimento
como o conjunto de atos orientados por uma linha lgica em vista de determinado fim ou
resultado57.
No curso do procedimento, cada ato tem o seu momento de realizao,
havendo entre eles uma conexo especfica, na qual a validade de um ato pressupe a
prtica de um ato precedente, sendo que todos os atos processuais so praticados com a
finalidade de preparar o provimento fruto do exerccio da jurisdio58. Essas so as razes
do carter de unidade do procedimento59.
Como cada ato do procedimento constitui consequncia do ato precedente e
pressuposto e condio necessria do ato consequente, diz-se que os atos processuais que
compem o procedimento esto organizados e ordenados entre si de modo sucessivo60.
Cada ato do procedimento como um trecho de um caminho que se percorre
at chegar ao ato final, que, no mbito processual, identificado pelo provimento
jurisdicional61.
Muito embora cada ato processual tenha sua finalidade prpria, particular,
todos os atos processuais que compem o procedimento esto voltados para um fim
objetivo final de dar soluo controvrsia. (p. 37). BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade doprocesso e tcnica processual. 2 ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 36-37.56 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel.Teoria Geral do Processo. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 321; DINAMARCO, Cndido Rangel. Ainstrumentalidade do processo. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 155.57 CASTRO, Anselmo de. Lies de processo civil. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1964, p. 38.58 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob.cit., p. 321.59 Como explica ANTONIO SCARANCE FERNANDES, a unidade do procedimento evidenciada por doisde seus aspectos, quais sejam: os atos processuais que compem o procedimento esto postos de formasucessiva, sendo que um ato constitui consequncia do antecedente e pressuposto do consequente, o quedenota uma noo de ordem preestabelecida; e os atos processuais que compem o procedimento so todosordenados com a finalidade de preparao do ato final, cfr. FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geraldo procedimento e o procedimento no processo penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 31 e ss.60 Nesse sentido, LIEBMAN explica: [...] quanto validade dos atos processuais, cada um deles tem os seusprprios requisitos, sendo porm condicionado ao menos em certa medida e em certo sentido validadedo procedimento a que pertence e dos atos anteriores dos quais dependa forma e logicamente., LIEBMAN,Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. Trad. Cndido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro:Forense, 1985, p. 229. Tambm nesse sentido, ANTONIO SCARANCE FERNANDES explica: Oprocedimento apresenta a caracterstica de ser composto de atos ordenados de forma metdica, de maneiraque um pressupe o prximo at o ltimo ato da srie, distinguindo-se, por isso, de outras realidades deformao sucessiva. A ideia de ordem insere-se no contexto da realidade unitria procedimental e a explica.,FERNANDES, Antonio Scarance. Ob. cit., p. 33.61 Esse o exemplo ilustrativo utilizado por LIEBMAN, em LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de DireitoProcessual Civil. Vol. I. Trad. Cndido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 39.
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comum de preparao do provimento final do processo62. Por isso, por definio, o
procedimento uma atividade preparatria do provimento que resultar do processo63.
No entanto, importante ressaltar, o conceito de procedimento no identifica
apenas o conjunto dos atos processuais, em sucesso e unidade, voltados preparao do
provimento jurisdicional.
tambm procedimento, na linguagem jurdico-processual, o modo de
interligao, coordenao e sequncia desses atos processuais64, ou seja, a regulao da
ordem dos atos processuais no curso do procedimento e da relao entre eles. Sob esse
sentir, o procedimento o processo em sua dinmica, visto em sua exterioridade, a partir
do modo pelo qual os atos se relacionam na srie constitutiva do processo, o que, enfim,
representa todo o movimento processual em juzo65 66.
Como j estudado no tpico precedente, JOO MENDES DE ALMEIDA
JUNIOR, j no incio do sculo XX, destacava que o procedimento o modo de mover e a
forma como o ato movido67. Como explicava referido autor, o procedimento o
movimento em sua forma extrnseca, perceptvel aos sentidos humanos68. Essa maneira de
expressar o conceito de procedimento retrata uma perspectiva externa do instituto, a partir
de uma definio daquilo que se visualiza e est perceptvel aos sentidos humanos.
62 Como explica LIEBMAN, Outra caracterstica dos atos processuais a de no se apresentarem isolados,pois cada ato se encontra ligado e coordenado a um grupo mais ou menos numeroso de outros atosprocessuais que se sucedem no tempo e formam uma srie continua, como os elos de uma corrente; o grupoforma uma unidade que recebe o nome de procedimento e os atos so os elementos constitutivos dessaunidade (cfr. sura, n. 20). [...] Os atos se ligam, em primeiro lugar, pela unidade do escopo (entendimentoem sentido formal), pois se destinam a provocar e preparar o ato final que completar e encerrar oprocedimento. Cada ato tem tambm um escopo imediato e prprio, que o qualifica na sua individualidade;mas esse escopo imediato no tem outra razo de ser seno a de representar um passo em direo a umescopo mais distante, comum a todos os atos, e que a formao do ato final, o qual resumir todo oprocedimento e constituir o seu resultado, LIEBMAN, Enrico Tullio. Ob. cit., p. 228.63 GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica processual e teoria do processo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey.2012, p. 87 e ss.64 Nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilizao procedimental: um novo enfoque parao estudo do procedimento em matria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. So Paulo:Atlas, 2008, p. 36.65 PASSOS, J. J. Calmon de. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. Vol. III. 8 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1998, p. 5.66 Embora JOS FREDERICO MARQUES tenha proposto uma definio de procedimento exclusivamenteformal, posio contrria concluso a que se chegou nesta pesquisa, o mesmo tambm expressou no seuconceito a identificao do procedimento com o movimento do processo, por corresponder a marcha dos atosprocessuais, organizados sob formas e ritos direcionados para que o processo alcance seus objetivos,MARQUES, Jos Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I, So Paulo: Bookseller, 1974, p. 35-36.67 ALMEIDA JUNIOR, Joo Mendes de. Direito Judicirio Brazileiro. 2 ed. Rio de Janeiro, 1918, p. 298.68 ALMEIDA JUNIOR, Joo Mendes de. Ob. cit., p. 299.
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MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA tambm destaca o aspecto externo do
instituto, ao tratar da sua distino de processo, quando ento afirma ser o procedimento a
sequncia das formalidades exigidas para atuao dos sujeitos processuais, de modo a
preparar a deciso final69.
Ainda sob o aspecto externo, o procedimento tambm enunciado como forma
do processo70.
Todo o complexo conceito de procedimento, nos termos aqui apresentado, a
envolver a forma do processo, o conjunto dos atos processuais e as formalidades da
sequncia dos atos processuais, foi, de certa forma, abordado pelo Cdigo de Procedimento
Administrativo de Portugal, no artigo 1, que dispe que se entende por procedimento
administrativo a sucesso ordenada de atos e formalidades tendentes formao e
manifestao da vontade da Administrao Pblica ou sua execuo71.
A precisa conceituao de procedimento pelo Cdigo de Procedimento
Administrativo portugus pode ser justificada pela ressalva feita por JOS RENATO
NALINI, de que se reconhece aos administrativistas, e no aos processualistas, o mrito
pela elaborao da disciplina e conceito de procedimento, utilizvel para alm do processo
jurisdicional, em qualquer setor do ordenamento jurdico, inclusive, no mbito da atuao
administrativa72. Como explica RENATO NALINI, enquanto os processualistas estavam
ocupados em definir o processo a partir da relao jurdica processual, dedicavam-se os
administrativistas ao estudo do procedimento73.
69 SOUSA, Miguel Teixeira de. Introduo ao processo civil. Lisboa: Lex, 2000, p. 11. importante que sediga que diferente do exposto na pesquisa, com fundamento no pensamento de LIEBMAN, TEIXEIRA DESOUSA no conceitua o procedimento como conjunto de atos processuais encadeados a preparao doprovimento, mas sim como a sequncia das formalidades exigidas para a apresentao das posies daspartes e para proferimento de uma deciso final. Ao conjunto de atos voltados preparao do provimentojurisdicional, o referido autor portugus chamou simplesmente de processo, sem fazer qualquer referncia aoconceito de processo como procedimento em contraditrio. V-se, portanto, ter o aludido processualistaapenas se referido, em suas lies, a um dos aspectos do conceito de procedimento.70 Forma do processo equivale a procedimento. Reduzindo o problema forma do processo, resta ver no queconsiste essa expresso. A forma do processo nada mais do que o procedimento., ARAGO, Egas DirceuMoniz de. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil: lei n. 5.689, de 11 de janeiro de 1973. Vol. II. 1 ed.Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 316.71 Embora TEIXEIRA DE SOUSA tenha se referido ao o conceito de procedimento apresentado pelo Cdigode Procedimento Administrativo de Portugal quando da apresentao da distino entre processo eprocedimento, o mesmo fez a ressalva de que o conceito apresentado pelo aludido cdigo seja respeitante aoutro mbito de aplicao, o que leva a crer que o autor no acredita que o conceito de procedimentoapresentado diga respeito teoria geral do processo, como defendido nesta pesquisa, cfr. SOUSA, MiguelTeixeira de. Ob. cit., p. 11.72 NALINI, Jos Renato. Processo e procedimento distino e a celeridade da prestao jurisdicional.Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 85, v. 730, p. 680, ago. 1996.73 NALINI, Jos Renato. Ob. cit..
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Ocorre que, por exigncia do reconhecimento do valor axiolgico incutido aos
institutos processuais pelo formalismo-valorativo, preciso ir mais fundo na anlise do
conceito de procedimento, pois no se pode admitir, na atualidade, satisfatria uma
pesquisa que o tenha como objeto central, que ignore sua natureza igualmente axiolgica,
como instrumento processual.
Para o formalismo-valorativo, o procedimento no pode ser encarado apenas
como simples coordenao e sucesso dos atos processuais, ou apenas como a forma de
realizao do processo, fruto de uma anlise meramente exterior do fenmeno
processual74.
De fato, o conceito de procedimento implica a noo de coordenao e
sequncia dos atos processuais, a ser observada pelos sujeitos processuais, mas no
apenas75.
O processo fenmeno cultural, permeado, portanto, pelos valores sociais
adotados por determinada sociedade. A prpria estrutura inerente ao processo depende dos
valores estabelecidos e adotados na sociedade, no se tratando, portanto, de mera tcnica
de carter exclusivamente formal, instituda de forma despropositada76.
Essa viso axiolgica do fenmeno processual refletiu na configurao do
procedimento, que deixou de ser visto apenas como forma do processo, instituda de
maneira despropositada, para encampar, do mesmo modo, a ideia de tcnica direcionada
para a realizao das garantias constitucionais, de ordem material e processual, e dos
valores da segurana, efetividade, justia e paz social, que identificam os reais fins do
processo77 78.
74 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 129.75 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 129.76 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 71-76.77 Nesse sentido, BEDAQUE trata da necessidade de alterao da maneira como a tcnica deve ser aplicada,para alcanar os resultados que consubstanciam os objetivos do processo. BEDAQUE, Jos Roberto dosSantos. Efetividade do processo e tcnica processual. 2 ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 40.78 Como explica MARINONI, Engana-se quem imagina que o procedimento, apenas por tambm poder servisto como uma sequncia de atos, no tem finalidade e no se destina a atender a objetivos e a necessidadesespecficas. O procedimento, em abstrato - como lei ou mdulo legal - ou no plano dinmico - comosequncia de atos -, tem evidente compromisso com os fins da jurisdio e com os direitos dos cidados.,MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. Vol 1. 7 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais,2013, p. 409.
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Alm de voltar-se realizao dos valores materiais constitucionais, o
procedimento precisa ser adequado e idneo a realizar e observar os valores processuais
consagrados constitucionalmente, que identificam os direitos fundamentais processuais.
Portanto, o procedimento, por se tratar de tcnica processual de que se vale o
processo para exercer a jurisdio, precisa atender a sua natureza instrumental e axiolgica,
correspondendo a um instrumento apto a realizao dos valores da justia material e da paz
social, fins ltimos do processo.
O procedimento no posto mais sem qualquer condicionamento, devendo
atender aos valores sociais e aos fins processuais.
Deixou-se para trs a viso do fenmeno processual como mero
procedimentalismo, para encampar a perspectiva axiolgica do fenmeno processual como
um todo, idealizado para a realizao de valores como a justia material e pacificao
social79.
Nesse contexto, o procedimento no mais visto apenas como um pobre
esqueleto sem alma, a representar apenas a forma do processo. A sua compreenso parte
tambm da perspectiva da regulao da atividade das partes e do rgo judicial, de modo a
realizar o contraditrio paritrio e atender ao fator temporal do processo judicial80, as
garantias processuais, constitucionalmente consagradas, que identificam os valores
estabelecidos pela sociedade para serem atingidos no processo judicial.
Alm disso, o modo como o procedimento se desenvolve determinado pelas
formas e formalidades processuais, e, para o formalismo-valorativo, o poder organizador,
coordenador e ordenador da totalidade formal do processo (isto , de todo o formalismo ou
forma em sentido amplo do processo), que compreende, inclusive, a ordenao do
procedimento, no oco, e deve ser pensado para atender aos fins processuais.
Sendo assim, inevitvel, na atualidade, desvincular o procedimento da sua
natureza axiolgica e, por conseguinte, da necessidade de atender s finalidades do
processo judicial.
Traado o conceito de procedimento e as nuances que lhe dizem respeito,
possvel definir e identificar as normas procedimentais, o que s poder ser feito a partir da
sua diferenciao das normas processuais.
79 Nos termos do formalismo-valorativo, cfr. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo noprocesso civil. Proposta de um formalismo-valorativo. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 76-77.80 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 130.
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Por ter sido adotado o conceito moderno de processo como entidade complexa,
da qual integra o procedimento em contraditrio e a relao jurdica processual, as normas
procedimentais so tambm normas classificadas, em sentido amplo, como normas
processuais81.
No entanto, em sentido estrito, as normas puramente processuais seriam todas
aquelas relacionadas relao jurdica processual, que, portanto, dizem respeito
jurisdio, ao, defesa e ao contraditrio82. Assim, as normas que disciplinam a
competncia, que regulam a atuao (poderes, deveres, faculdades, nus e sujeio) dos
sujeitos processuais (partes, juiz, terceiro e auxiliares), que tratam das condies da ao,
dos pressupostos processuais, meios de postulao e defesa, recursos, meios de prova,
efeitos das decises e da coisa julgada, so normas puramente processuais83.
As normas jurdicas procedimentais, por sua vez, so aquelas que prevem a
forma lgica e cronolgica como se combinam os atos processuais, que, em contraditrio,
formam o procedimento, as normas que disciplinam o modo de desenvolvimento, a
dinmica e o movimento da relao jurdica processual84. Em verdade, estas so as normas
que a doutrina classifica de puramente procedimentais85.
81 Nesse sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 89. Em verdade, DINAMARCOchega a afirmar que no h como distinguir com nitidez, segurana e generalidade, normas alusivas aoprocesso stricto sensu e ao procedimento, DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de DireitoProcessual Civil. Vol. I. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 68-69.82 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competncia constitucional dos Estados em matria deprocedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processocivil brasileiro em tempo de novo Cdigo de Processo Civil. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2010, n.186, ano 35, p. 203-204. Nesse sentido, DINAMARCO explica que as normas processuais stricto sensu soaquelas destinadas a regulamentao da relao jurdica processual, DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob.cit., p. 69.83 Nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competncia constitucional dos Estados em matriade procedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas doprocesso civil brasileiro em tempo de novo Cdigo de Processo Civil. Revista de Processo. So Paulo: RT,2010, n. 186, ano 35, p. 203-204; MALACHINI, Edson Ribas. A constituio Federal e a legislaoconcorrente dos Estados e do Distrito Federal em matria de procedimentos. Revista Forense. Rio deJaneiro: Forense, vol. 324, p. 53-54; DINAMARCO, Cndido Rangel. Ob. cit., p. 69; TERESA ARRUDAALVIM WAMBIER e JOS MIGUEL GARCIA MEDINA explicam que matrias relacionadas ao exercciodo direito de ao e as provas so matrias tratadas por normas processuais, que so aquelas cuja alteraoacaba influindo no direito material, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA. Jos Miguel Garcia.Processo civil moderno. Parte geral e processo de conhecimento. Vol 1, 3 ed. rev. atual. e ampliada. SoPaulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61.84 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilizao procedimental: um novo enfoque para o estudo doprocedimento em matria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. So Paulo: Atlas, 2008,p. 38-39.85 GAJARDONI, Fernando da Fonseca Ob. cit., p. 39.
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As normas que cuidam da sequncia dos atos processuais no mbito do
procedimento comum ou especial, a serem praticados pelas partes, juiz, auxiliares da
justia e terceiros, so as normas puramente procedimentais86.
Como o desenvolvimento dos atos processuais no livre e sim regulado, so
precisamente as normas de procedimento que sinalizam o modo de proceder, a ordem das
atuaes e o prazo de durao dos atos processuais87. RENATO NALINI alcunha as
normas procedimentais de as regras do jogo e, de fato, as normas sobre procedimento
traduzem as regras formais de toda a dinmica processual.
A doutrina, no entanto, faz uma diferenciao entre as normas puramente
procedimentais, que so aquelas que dizem respeito sequncia dos atos processuais,
daquelas acidentalmente procedimentais, que so as normas que do forma aos institutos
previstos nas normas processuais, tanto no que diz respeito forma de realizao do ato
processual em si considerado, quanto no que diz respeito aos prazos processuais88.
No entanto, de modo geral, so normas procedimentais todas aquelas que
cuidam da ordem dos atos processuais, da forma que se processar a sucesso desses atos
interligados, da forma dos institutos processuais em si considerados (modo, lugar e tempo),
e da dimenso temporal do processo, que compreende os prazos e o prprio ritmo da
demanda89.
1.2.1 A especial importncia do conceito de normas procedimentais para o ordenamento
jurdico brasileiro
86 MALACHINI, Edson Ribas. A constituio Federal e a legislao concorrente dos Estados e do DistritoFederal em matria de procedimentos. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, vol. 324, p. 54.87 NALINI, Jos Renato. Processo e procedimento distino e a celeridade da prestao jurisdicional.Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 85, v. 730, p. 679, ago. 1996. Para TERESA ARRUDA ALVIMWAMBIER e JOS MIGUEL GARCIA MEDINA, ser matria eminentemente procedimental aquelerelativo ao local em que determinada petio deve ser protocolizada, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;MEDINA. Jos Miguel Garcia. Processo civil moderno. Parte geral e processo de conhecimento. Vol 1, 3ed. rev. atual. e ampliada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61.88GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Ob. cit., p. 39-40; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Acompetncia constitucional dos Estados em matria de procedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto departida para a releitura de alguns problemas do processo civil brasileiro em tempo de novo Cdigo deProcesso Civil. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2010, n. 186, ano 35, p. 210-211.89 Sobre as normas procedimentais, sem fazer qualquer diferenciao entre as normas puramenteprocedimentais e as normas acidentalmente procedimentais, DINAMARCO afirma que [...] seriam aquelasque descrevem os modelos a seguir nas atividades processuais, ou seja, (a) o elenco de atos que compemcada procedimento, (b) a ordem de sucesso a presidir a realizao desses atos, (c) a forma que deve serobservada em cada um deles (modo, lugar e tempo) e (d) os diferentes tipos de procedimentos disponveis eadequados aos caos que a prpria norma estabelece., DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies deDireito Processual Civil. Vol. I. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 69.
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Para o ordenamento jurdico brasileiro, a definio das normas procedimentais
tem um valor peculiar, pois a sua distino das normas processuais alou ndole
constitucional, quando o constituinte brasileiro, em 1988, atribuiu competncia legislativa
concorrente Unio, aos Estados e ao Distrito Federal, para legislarem sobre
procedimentos em matria processual, nos termos do inciso XI do artigo 24 da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil, mantendo a competncia privativa da
Unio para legislar apenas sobre direito processual.
Em Portugal no h a previso de dispositivo que corresponda especificamente
delimitao da competncia legislativa em matria de procedimento. Na Constituio da
Repblica Portuguesa, h previso no artigo 161 apenas da competncia da Assemblia da
Repblica para fazer leis sobre todas as matrias, salvo aquelas reservadas pela prpria
constituio ao Governo.
A opo legislativa do constituinte brasileiro em 1988 reflete o fato de o Brasil
ser uma federao. Alm disso, trata-se de um pas de extensa faixa territorial, cuja grande
diversidade regional tambm justifica a atribuio, no texto constitucional, de competncia
legislativa aos Estados, para, em concorrncia com a Unio, legislarem sobre o
procedimento em matria processual, de forma a adequ-lo as necessidades locais de cada
regio90. Daqui j se extrai a importncia que a Constituio brasileira deu adequao
procedimental.
A competncia legislativa sobre procedimento em matria processual, no caso
do ordenamento brasileiro, marcada pela concorrncia entre a Unio, os Estados e o
Distrito Federal, cabendo quela a edio de normas procedimentais genricas e aos
Estados e Distrito Federal a edio de normas procedimentais particulares, como
estabelecido nos pargrafos do artigo 24 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil
de 198891.
90 CHAGAS apud GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competncia constitucional dos Estados emmatria de procedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemasdo processo civil brasileiro em tempo de novo Cdigo de Processo Civil. Revista de Processo. So Paulo:RT, 2010, n. 186, ano 35, p. 200.91 1 - No mbito da legislao concorrente, a competncia da Unio limitar-se- a estabelecer normasgerais. 2 - A competncia da Unio para legislar sobre normas gerais no exclui a competnciasuplementar dos Estados. 3 - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercero acompetncia legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. 4 - A supervenincia de lei federal sobrenormas gerais suspende a eficcia da lei estadual, no que lhe for contrrio.
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No mbito da competncia legislativa concorrente prevista na Constituio
brasileira, compete a Unio apenas a edio de normas gerais, cabendo aos Estados e
Distrito Federal a edio de normas destinadas a atender as peculiaridades de cada unidade
federativa. Deste modo, a edio pela Unio de normas procedimentais no gerais em
matria processual caracteriza a invaso da competncia legislativa das unidades
federadas92.
Embora a previso constitucional brasileira seja de fcil compreenso, a
dificuldade em identificar as normas procedimentais gerais e particulares, acaba por
ressaltar a importncia do conceito de normas procedimentais, especialmente para o
ordenamento jurdico brasileiro, por refletir diretamente na delimitao da sua competncia
legislativa93.
Desde a promulgao da Constituio da Repblica federativa do Brasil em
1988, o constituinte brasileiro atribui competncia legislativa concorrente Unio, aos
Estados e ao Distrito Federal para legislarem sobre procedimentos em matria processual.
Essa atribuio legislativa por fora constitucional, embora no dependa de lei federal
regulamentadora94, no tem sido exercida pelos Estados e Distrito Federal, o que, para a
doutrina, decorre da dificuldade de se definir o que seja propriamente uma norma sobre
procedimentos95, ao que se acresce a desimportncia dada a necessidade de adequao do
procedimento s peculiaridades de cada regio.
O Cdigo de Processo Civil brasileiro foi editado em 11 de janeiro de 1973, na
vigncia da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1967, que no fazia a
distino da competncia legislativa privativa da Unio para legislar sobre direito
processual e da competncia concorrente da Unio e dos Estados e Distrito Federal para
legislarem sobre procedimento no mbito do processo.
92 MALACHINI, dson Ribas. A Constituio Federal e a legislao concorrente dos Estados e do DistritoFederal em matria de procedimentos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 89, n. 324, p. 51.93 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competncia constitucional dos Estados em matria deprocedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processocivil brasileiro em tempo de novo Cdigo de Processo Civil. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2010, n.186, ano 35, p. 202.94 A natureza auto-aplicvel do inciso XI do artigo 24 da Constituio Federal do Brasil foi reconhecida,inclusive, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso do Brasil em 14 de junho de 1995, quando apresentouveto ao projeto de lei da Cmara dos Deputados nmero 3.588/89, que tinha por objetivo contribuir para aimplantao do referido dispositivo, cfr. NALINI, Jos Renato. Processo e procedimento distino e aceleridade da prestao jurisdicional. Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 85, v. 730, p. 686, ago. 1996.95 NALINI, Jos Renato. Processo e procedimento distino e a celeridade da prestao jurisdicional.Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 85, v. 730, p. 673, ago. 1996.
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Na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1967 havia apenas a
previso geral da competncia da Unio para legislar sobre direito processual, sem
qualquer referncia especfica ao procedimento, nos termos do artigo 8, inciso XVII,
alnea b96.
Logo, o Cdigo de Processo Civil brasileiro em vigor foi editado pela Unio,
levando em considerao a sua competncia privativa para legislar sobre o direito
processual, o que inclua, portanto, a normatizao tambm do procedimento.
No entanto, o cenrio constitucional foi modificado e desde 1988 a Unio
passou a ter competncia para legislar privativamente apenas sobre normas processuais, j
que a sua competncia para legislar sobre normas procedimentais no mbito processual
passou a ser concorrente com os Estados e o Distrito Federal, cabendo-lhe to somente a
edio de normas gerais, j que aos demais entes federativos cabem a edio de normas
procedimentais no gerais.
Por certo, como destaca FERNANDO GAJARDONI, as normas
procedimentais no gerais que foram editadas pela Unio, sob a vigncia da Constituio
da Repblica Federativa do Brasil de 1967, no podem ser consideradas inconstitucionais,
j que atenderam a competncia legislativa vigente poca da sua edio, e devem ser
consideradas vlidas, at que os Estados e o Distrito Federal disciplinem o assunto de
maneira diversa, no exerccio da sua competncia concorrente. No entanto, as diversas
normas procedimentais no gerais, que foram editadas pela Unio, j sob a vigncia da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, deveriam ser consideradas
inconstitucionais, por vcio de competncia, mas no o so97 98.
96 Art. 8 - Compete Unio: XVII - legislar sobre: b) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,agrrio, areo, martimo e do trabalho;97 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competncia constitucional dos Estados em matria deprocedimento (art. 24, XI, da CF/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processocivil brasileiro em tempo de novo Cdigo de Processo Civil. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2010, n.186, ano 35, p. 216 e ss.98 GAJARDONI, inclusive, aponta a Lei n. 8.952 de dezembro de 1994, que alterou dispositivos do Cdigode Processo Civil brasileiro sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar, como exemplo de umanorma no geral editada pela Unio aps a modificao constitucional de 1988, GAJARDONI, Fernando daFonseca. Flexibilizao procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matriaprocessual, de acordo com as recentes reformas do CPC. So Paulo: Atlas, 2008, p. 42.
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O que se tem, diante desse cenrio, a constatao de que cada unidade
federativa brasileira tem a competncia de legislar sobre procedimento, de modo a adequ-
lo s especificidades locais de cada regio99, embora no a exeram como deveriam.
A necessidade de adequao do procedimento s peculiaridades de cada regio
brasileira foi, como demonstrado, a razo de ser da previso do constituinte a respeito da
diferenciao da competncia legislativa para as normas processuais e procedimentais, o
que s confirma a especial importncia do conceito de normas procedimentais para o
ordenamento jurdico brasileiro e a importncia da necessidade de adequao do
procedimento.
1.3- O DIREITO AO PROCEDIMENTO ADEQUADO
A representao do procedimento, especialmente no que diz respeito a sua
atual feio, condicionada materializao de um processo justo de acordo com a ordem
constitucional vigente, evidencia a existncia de verdadeiro direito ao procedimento. Mais
do que isso, na atualidade, j se reconhece a existncia do direito ao procedimento
adequado100, alado a natureza de verdadeiro direito fundamental101.
Como cada direito material deve corresponder a uma dimenso processual
adequada a garantir a sua eficcia, a existncia de um direito material implica,
automaticamente, na existncia do direito subjetivo ao processo adequado e
consequentemente, ao direito subjetivo ao procedimento adequado102.
ANTONIO SCARANCE FERNANDES chancela a teoria defendida por
ROBERT ALEXY, que classifica os direitos subjetivos individuais em trs posies
jurdicas fundamentais em relao ao Estado, quais sejam, o direito a aes negativas ou
positivas do Estado, o direito a que o exerccio das liberdades seja permitido ou que as
liberdades sejam protegidas pelo Estado e o direito a que o Estado fixe os problemas ou
99 Seriam normas no gerais de procedimento, editveis pelos Estados, aquelas sobre o tempo e lugar para aprtica do ato processual, como exemplificado em GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilizaoprocedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matria processual, de acordo com asrecentes reformas do CPC. So Paulo: Atlas, 2008, p. 43.100 FRIEDE, R. Reis. A garantia constitucional do devido processo legal. In Justitia, So Paulo, 57(172),out./dez. 1995, p. 50.101 DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p.157.102 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA. Jos Miguel Garcia. Processo civil moderno. Parte geral eprocesso de conhecimento. Vol 1, 3 ed. rev. atual. e ampliada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61-62.
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competncias do cidado, e qualifica o direito ao procedimento como uma subespcie dos
direitos a aes positivas do Estado para tornar efetivo o direito fundamental103.
O direito ao procedimento adequado um direito fundamental, que decorre do
direito tambm fundamental ao devido processo legal (due process of law)104.
A expresso due process of law foi traduzida para o portugus como devido
processo legal, locuo consagrada no Direito brasileiro, constando, inclusive, no texto do
artigo 5, inciso LIV, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil. No entanto, como
law significa direito e no apenas lei, h na doutrina, brasileira e portuguesa, quem prefira
a traduo da locuo due process of law como devido processo em direito105. No se pode
ignorar, tambm, a existncia de ouras tradues, mais livres, para a aludida expresso,
como devido processo equitativo ou justo106.
Apesar da variao da nomenclatura da clusula due process of law, todas as
expresses se referem ao enunciado normativo que confere a todos o direito a um processo
em conformidade com o direito como todo e no apenas com a lei, em sentido estrito.
A noo de due process of law, concebida como enunciado de proteo contra
a tirania, refere-se ao dito de Conrado II (Decreto Feudal Alemo de 1037 d.C.), que,
originariamente, foi o primeiro registro escrito que consagrou a ideia de submisso,
inclusive do imperador, s leis do imprio107. Esse decreto alemo inspirou o artigo 39 da
Magna Carta inglesa, outorgada por Joo Sem-Terra, em 1215, confirmada por Eduardo I,
em 1297108, que constitui o antecedente histrico direto da clusula do due process of law109 e das garantias constitucionais do processo110.
103 FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 37-38.104 Nesse sentido, DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. So Paulo:Malheiros, 2009, p. 157; FRIEDE, R. Reis. A garantia constitucional do devido processo legal. In Justitia,So Paulo, 57(172), out./dez. 1995, p. 50.105 Nesse sentido, REDONDO, Bruno Garcia. Devido Processo Legal e Flexibilizao do Procedimentopelo Juiz e pelas partes. In Revista Dialtica de Direito Processual (RDDO), n. 130, Janeiro-2014, p. 10-11;CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003,p. 492-493.106 REDONDO, Bruno Garcia. Ob. cit., p. 10.107 REDONDO, Bruno Garcia. Ob. cit., p. 9.108 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Introduo ao direito processual civil eprocesso de conhecimento. 13 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 46. Sobre o antecedente histrico do dueprocess of law, ver: GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princpios Constitucionais e o Cdigo de ProcessoCivil. So Paulo: Bushatsky. 1975, p. 8-11.109 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ao. So Paulo: Revista dosTribunais, 1973, p. 25.110 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princpios constitucionais e o Cdigo de Processo Civil. So Paulo:Bushatsky, 1975, p. 8.
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O artigo 39 da Magna Carta inglesa estabeleceu, em termos gerais, que nenhum
homem livre111 seria detido, preso, privado de seus bens jurdicos maiores vida, liberdade
e propriedade ou exilado, sem que fosse submetido a um julgamento regular por seus
pares (judgement of his peers) e sem que lhe fosse garantido o respeito s leis do pas (law
of the land)112.
A clusula do devido processo legal foi reinterpretada pelos ingleses Edward
Coke, no sculo XVII, e Blackstone, no sculo XVIII, deixando de ser considerada mera
fonte de direitos dos senhores feudais, para se tornar garantia de julgamento conforme o
common law, no sentido de garantia de um processo legal, em termos equivalentes
moderna concepo de devido processo legal113.
No entanto, foi em terra norte-americana que o devido processo legal
desenvolveu o seu conceito atual.
A doutrina e jurisprudncia norte-americana expandiram o contedo do due
process of law e identificaram ao mesmo fundamentalmente duas concepes. A
concepo processual, que diz que uma pessoa no pode ser privada de seus direitos
fundamentais seno segundo um processo especificado na lei, e a concepo substantiva,
que justifica a ideia material de um processo justo, orientado pelo princpio da justia,
atravs do qual se exige a aplicao de uma lei materialmente justa. A evoluo
interpretativa da clusula do devido processo legal passa a qualific-lo como uma proteo
alargada de direitos fundamentais114.
Da clusula do devido processo legal emerge, no que diz respeito a sua
dimenso material, a garantia de que as decises jurdicas e as leis sero substancialmente
devidas e justas. No Brasil, a clusula do devido processo legal ganhou contedo
substancial peculiar, dado pelo Supremo Tribunal Federal, traduzido no princpio da
111 Expresso que na poca se referia apenas nobreza, pois eram os nicos membros que gozavam dacondio de homens livres, como ressalta PELLEGRINI GRINOVER. GRINOVER, Ada Pellegrini. Asgarantias constitucionais do direito de ao. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 24.112 Conforme GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ao. So Paulo:Revista dos Tribunais, 1973, p. 24, em traduo a: No free man shall be taken, or imprisoned, or disseised,or outlawed, or exiled, or in any way destroyed, nor will go upon him, nor will we send upon him, except bythe legal judgement of his peers or by the law or the land., GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantiasconstitucionais do direito de ao. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 24.113 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ao. So Paulo: Revista dosTribunais, 1973, p. 24-25.114 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7 ed. Coimbra: Almedina,2003, p. 494-495.
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proporcionalidade e razoabilidade das leis materiais e das decises jurdicas115.
A expanso do due process of law fez com que este se tornasse elemento
fundamental do Estado de direito, constante inicialmente da Constituio dos Estados
Unidos da Amrica do Norte, nas emendas V e XIV, e, posteriormente, das Constituies
europias, como a italiana, portuguesa, espanhola, alem e belga116. No Brasil, o devido
processo legal foi tambm consagrado constitucionalmente, no inciso LIV do artigo 5 da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Em Portugal, a consagrao do devido
processo legal est expresso atravs da garantia do processo equitativo, nos termos do
artigo 20, nmero 4, da Constituio da Repblica de Portugal.
A evoluo interpretativa da clusula do devido processo legal transformou a
mesma na garantia geral da ordem jurdica, que visa eliminar qualquer obstculo
injustificado tutela dos direitos individuais, sejam estes substanciais ou processuais117.
O que interessa pesquisa exatamente a dimenso processual do direito
fundamental ao devido processo legal.
O devido processo legal, alm de ser um princpio previsto, como regra,
constitucionalmente, tem contedo irradiante118, e uma clusula geral119, da qual se
115 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Introduo ao direito processual civil eprocesso de conhecimento. 13 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 49-53. Em sentido contrrio, ROBERTODEL CLARO, na defesa de que no h que se falar em recepo da clusula do devido processo legal emsentido substancial no Brasil, ao argumento de que a doutrina brasileira nunca precisou do devido processolegal para promover o controle de constitucionalidade dos atos normativos, podendo se valer de outrosprincpios igualmente consagrados constitucionalmente para que seja aferida a constitucionalidade de umanorma. CLARO, Roberto Del. Devido processo legal direito fundamental, princpios constitucional eclusula aberta do sistema processual civil. In Revista de processo. Ano 30, n. 126, agos. 2005, p. 266-269.FREDIE DIDIER JR. apesar de admitir haver construo doutrinria no sentido de refutar a existncia dodevido processo legal substancial, defende que o argumento de que possvel extrair a proporcionalidade erazoabilidade de outros fundamentos constitucionais, que no apenas o devido processo legal, ainda assimno serve para deslegitimar a construo brasileira de concretizao do devido processo lega substancial apartir da proporcionalidade e razoabilidade dos atos normativos. DIDIER JUNIOR, Fredie. Ob. cit., p. 51-52.116 FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal.So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 42 (nota 58).117 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ao. So Paulo: Revista dosTribunais, 1973, p. 38.118 Cfr. CLARO, Roberto Del. Ob. cit., p. 281-283.119 CLARO, Roberto Del. Ob. cit., p. 283-288. Clusula geral uma espcie de texto normativo, cujoantecedente (hiptese ftica) composto por termos vagos e o consequente (efeito jurdico) indeterminado.H, portanto, uma indeterminao legislativa em ambos os extremos da estrutura lgica normativa, DIDIERJUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Introduo ao direito processual civil e processo deconhecimento. 13 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 36. A clusula geral uma espcie de texto normativoelstico, que permite que o interprete construa o seu contedo a partir das circunstncias de cada momentohistrico e cultural.
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extraem todas as garantias processuais fundamentais120, que visam assegurar s partes o
exerccio das faculdades e poderes processuais e legitimar o exerccio da funo
jurisdicional121.
As garantias que emergem da clusula do devido processo legal podem ser
consagradas individual e expressamente no texto constitucional de cada ordenamento ou,
se no forem includas no texto constitucional, de forma expressa, so consideradas
garantias implcitas que decorrem da clusula geral do devido processo legal122.
Deste modo, o direito ao procedimento adequado, que emerge da clusula do
devido processo legal, pode ser um direito constitucionalmente expresso ou implcito,
como decorrncia da previso constitucional do devido processo legal.
No caso do ordenamento jurdico brasileiro, v.g., a doutrina considera que o
princpio da adequao (legal e jurisdicional) do processo, que assegura o direito ao
procedimento adequado, um princpio implcito, que decorre do devido processo legal123.
Logo, o direito ao procedimento adequado , no caso brasileiro, um direito fundamental
implcito, que emerge da clusula do devido processo legal.
Em relao ao contedo, o direito ao procedimento adequado/justo/equitativo
corresponde ao direito a que o procedimento seja conduzido sob o plio do contraditrio,
aderente realidade social, adequado relao de direito material deduzida em juzo124 e
120 Embora em Portugal haja a previso, em forma tambm de clusula geral, da garantia do processoequitativo, que uma outra denominao para a clusula do devido processo legal, GOMES CANOTILHOsuscita como problemtica [...] a questo de se saber se, para alm dos direitos processuais fundamentaisexpressamente consagrados, no existir um ( ) no sentido de um direito geral e abrangente, que poderia ser invocado no casode graves violaes de direitos processuais no abrangidos pelos vrios direitos processuais fundamentaisindividualizados na Constituio [...]. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Tpicos de um curso demestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organizao. In Boletim da Faculdade deDireito. Vol LXVI, 1990, p. 193-194. Acredita-se, todavia, que, tambm em Portugal a clusula do devidoprocesso legal tem contedo irradiante e por isso possvel atravs dela extrair todas as garantias processuaisfundamentais no individualizadas na Constituio, como o caso do direito ao procedimento adequado.121 DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 82.122 NERY JUNIOR, Nelson. Princpios do processo civil na constituio federal. 8 ed. rev., ampl. e atual.com as novas smulas do STF e com anlise sobre a relativizao da coisa julgada. So Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2004, 60; 70. Explica referido autor que Em nosso parecer, bastaria a normaconstitucional haver adotado o princpio do due process of law para que da decorressem todas asconsequncias processuais que garantiria aos litigantes o direito a um processo e a uma sentena justa. , porassim dizer, o gnero do qual todos os demais princpios constitucionais do processo so espcie., NERYJUNIOR, Nelson. Ob. cit., 60.123 Cfr. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Introduo ao direito processual civil eprocesso de conhecimento. 13 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 74-79.124 Ambos, DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2001,p. 82; FRIEDE, R. REIS. A garantia constitucional do devido processo legal. In Justitia, So Paulo, 57(172),out./dez. 1995, p. 50 (nota de rodap 2).
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que reflita e observe todos os valores constitucionais125.
ALVARO DE OLIVEIRA chega a identificar como coincidentes o devido
processo legal, do ponto de vista estritamente processual, e a prpria estruturao adequada
do procedimento, agregada s garantias processuais de publicidade, contato direto do juiz
com as partes, tramitao rpida do expediente, do contraditrio e da ampla defesa126.
Alm de ser identificado exigncia de observncia s garantias processuais,
DINAMARCO tambm relaciona o direito ao procedimento adequado previsibilidade do
iter procedimental, na preparao do provimento jurisdicional127.
Por fim, preciso destacar, como ensina ROBERT ALEXY, que o direito ao
procedimento compreende tanto um direito criao de determinadas normas
procedimentais como o direito a interpretao e aplicao concreta de normas
procedimentais128. Isso significa que seu campo de aplicao incide tanto no instante de
elaborao das leis, quanto no momento de sua aplicao pelo Poder Judicirio.
Portanto, no mais se questiona, como bem esclarece GOMES CANOTILHO,
a existncia do direito ao procedimento e o correspondente dever de o Estado prest-lo
adequadamente, mas sim como definir, conformar e ordenar a sua exata dimenso
processual em relao aos direitos fundamentais129.
1.4- SISTEMAS PROCESSUAIS: DE LEGALIDADE OU LIBERDADE DAS FORMAS
PROCEDIMENTAIS
125 Como explica MARINONI, O direito ao procedimento, dessa forma, quer significar o direito aoprocedimento que garanta os valores constitucionais, principalmente a participao plena e efetiva emcontraditrio., cfr. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3 ed. So Paulo:Malheiros, 1999, p. 249.126 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 102-104.127 DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I. 3 ed. Reviso eatualizao de Antnio Rulli Neto. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 77.128 Direitos a procedimentos podem ser tanto a criao de determinadas normas procedimentais quantodireitos a uma determinada interpretao e aplicao concreta de normas procedimentais. cfr. ALEXY,Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros, 2008, p.474.129 "o que agora se pergunta no se h direito ao processo/procedimento e ao correspondente dever doEstado, mas como definir, conformar e ordenar a dimenso processual dos direitos fundamentais.",CANOTILHO apud MEDINA, Jos Miguel Garcia. A dimenso procedimental dos direitos e o projeto donovo CPC. Disponvel em , Acessado em 10/07/2014,p. 14.
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A depender de como cada ordenamento organiza o seu sistema processual, este
ser caracterizado pela legalidade ou liberdade das formas processuais.
Fundamentalmente, h dois modelos processuais que um sistema jurdico pode
adotar: o sistema de legalidade das formas processuais e o sistema de liberdade de formas
processuais.
No sistema de legalidade das formas processuais, toda a atuao processual, o
que inclui todo o sistema procedimental, rigidamente preestabelecida na lei130, sendo que
o seu desrespeito implica invalidade processual do ato individualmente considerado, de
todo o procedimento, ou do ato final do processo131.
Pelo contrrio, no sistema de liberdade de formas processuais, no h a
previso de uma ordem preestabelecida na lei dos atos processuais, nem existem formas
processuais previamente fixadas pelas normas processuais, competindo aos sujeitos do
processo sua ordenao132.
No que diz respeito ao procedimento, o sistema da legalidade das formas
processuais foi pensado para garantir a previsibilidade do procedimento e, por
consequncia, a segurana jurdica dos jurisdicionados133.
130 Como explica PIERO CALAMANDREI, o sistema de legalidade das formas processuais foi concebidocomo sistema ideal, [...] segundo o qual as atividades que conduzem ao pronunciamento da providnciajurisdicional no podem ser realizadas no modo e na ordem que a juzo discricional dos interessados podeparecer mais apropriada ao caso singular, seno que devem, para poder ter eficcia jurdica, serem realizadasno modo e com a ordem que a lei (isto , o direito processual) tem estabelecido de uma vez por todas. [...]como uma espcie de programa do processo tipo, que permite prever em abstrato como deve se desenvolverum processo para ser juridicamente regular., CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Traduo deLuiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbiery. Campinas: Bookseller, 1999, p. 256.131 BRITO, Pedro Madeira de. O novo princpio da adequao formal. In SOUZA, Miguel Teixeira (Coord.).Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 33; GAJARDONI, Fernando da Fonseca.Flexibilizao procedimental: Um novo enfoque para o estudo do procedimento em matria processual. SoPaulo: Atlas, 2008, p. 79.132 BRITO, Pedro Madeira de. O novo princpio da adequao formal. In SOUZA, Miguel Teixeira (Coord.).Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 33. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Ob. cit., p.79. Sobre o sistema de liberdade da formas processuais, PIERO CALAMANDREI explica tratar-se de umsistema que deixa [...] a aqueles que aspiram obter uma providncia jurisdicional na liberdade de se dirigirao juiz nas formas que considerassem mais oportunas e persuasivas, sem a necessidade de dever seguirordem e modos preestabelecidos., oportunidade em que afirma que provavelmente na prtica no se tem asua aplicao de um modo integral, CALAMANDREI, Piero. Ob. cit., p. 255.133 Ao tratar do procedimento ordinrio, CALMON DE PASSOS, afirmou: Permitir que a atividadeprocessual se desenvolva segundo melhor parea s partes os mais autorizados juzes do prprio interesse,ou nos moldes fixados pelo magistrado, o melhor rbitro das necessidades no caso particular-, porque tcnicoe imparcial, seria olvidar-se que numa ou noutra hiptese a incerteza e a insegurana representariam o altopreo de vantagens muito discutveis. A legalidade da forma, por conseguinte, se impes como soluouniversal, estando na lei, e somente nela, toda a ordenao da atividade a ser desenvolvida para que o Estadorealize os seus fins de justia., PASSOS, Jos Joaquim Calmon de. Comentrios ao Cdigo de ProcessoCivil. Vol. III. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 6.
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Para HLIO TORNAGHI, a observncia rigorosa do sistema de legalidade das
formas processuais a melhor maneira de conciliar a celeridade e a segurana jurdica134.
O alerta que a doutrina faz em relao ao sistema de legalidade das formas
procedimentais, no sentido de que este pode representar demasiada burocratizao e
implicar no engessamento dos sujeitos processuais, tornando-se inadequado efetiva tutela
do direito material135.
Para ALVARO DE OLIVEIRA, deixar a ordenao do procedimento apenas
sob a competncia do juiz, de acordo com o caso concreto, significa permitir o
desequilbrio entre o rgo jurisdicional e as partes, possibilitar a desigual realizao do
direito material e desperdiar tempo com a formulao individual de um procedimento
para cada demanda136.
Por sua vez, o sistema de liberdade das formas processuais, garante a
celeridade do feito, pois permite aos sujeitos processuais a adequao particular do
procedimento efetiva tutela do direito material, dispensando a prtica de determinados
atos processuais que se mostrem desnecessrios/inteis no caso concreto. No entanto, a
principal crtica que se faz a este sistema que ele representa fator de insegurana jurdica
aos jurisdicionados e mais facilmente permite o arbtrio do julgador, que pode ceder
influncia das partes, ainda que inconscientemente, na regulamentao do procedimento137.
Embora no existam sistemas puros138, h uma preferncia pelos sistemas de
legalidade das formas processuais139.
Levando em considerao, v.g., a legislao portuguesa at outubro de 1985,
JOO DE CASTRO MENDES, com a ajuda de um grupo de assistentes, afirmou, em seus
134 TORNAGHI, Hlio. Comentrios ao cdigo de processo civil. 2 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais.1976, vol. I, p. 382.135 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilizao procedimental: Um novo enfoque para o estudo doprocedimento em matria processual. So Paulo: Atlas, 2008, p. 79.136 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. So Paulo: Saraiva. 2009, p. 8-10.137 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Ob. cit., p. 79.138 BRITO, Pedro Madeira de. O novo princpio da adequao formal. In SOUZA, Miguel Teixeira (Coord.).Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 33.139 Difcil problema de legislacin procesal es el de determinar si las normas deben ser sealadas por la leyo si debe dejarse al arbtrio del juez reuglarlas en cada caso, segn las exigencias del momento(2). En lamayor parte de las leyes, prevalece el primer sistema como el que ms garantas ofrece a los litigantes..CHIOVENDA, Giuseppe. Principios de derecho procesal civil. Tomo II. Madri: Editorial Reus. 1925, p 111.Nesse mesmo sentido, ARAGO, E. D. Moniz de. Procedimento: formalismo e burocracia. Revista Forense,Rio de Janeiro, Vol. 358, p. 57, nov/dez. 2001; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Ob. cit., p. 127. Sobrea preferncia pelo sistema de legalidade das formas, genericamente, a incluir a forma dos atos processuais,BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual. 2 ed. So Paulo:Malheiros Editores, 2007, p. 440.
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apontamentos, que o ordenamento jurdico portugus consagrava, poca, um sistema
rgido das formas proc