Introdução - O Cinema e a Invenção Da Vida Moderna (Leo Charney e Vanessa R. Schwartz)1

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8/20/2019 Introdução - O Cinema e a Invenção Da Vida Moderna (Leo Charney e Vanessa R. Schwartz)1 http://slidepdf.com/reader/full/introducao-o-cinema-e-a-invencao-da-vida-moderna-leo-charney-e-vanessa 1/7  n t r o u eo harney e Vanessa R Schwart z Triunfante, exultante, pincelado, afixado, arrancado em poucas horas e co nti nuame nt e solapando o corac;:ao e a alma com s ua futilidade vibrante, o cartaz e de fato a arte .. des sa era de agitac;:ao e riso, de violenci a, decadencia, eletri cidade e esquecimento:' 1 A torrente de adjetivos usados por esse comentarist a socia l frances em 1896 para descrever o cartaz como um produto da era moderna exempli fica o modo pelo qual a modernidade trouxe a ona discur sos vigorosos qu e procuraram construi-la, defini-la, caracteri za-la, analisa-la e e ntende-la . 2 A modernidade': como expressao de mudanc;:as na chamada experiencia subjet i va ou como uma f 6rmula abreviada para ampl as transfor mac;:oes sociais, economicas e culturais, tern sido em geral co mpreendida por meio da hist6ria de al gum as inovac;:oes talismanicas: o telegrafo e o telefone, a es trada de ferro e o automovel, a fotografia e o cin ema . Desses emblemas da modernidade nenhum personifi co u e ao mesmo tempo transcend eu esse periodo ini cial co m mais sucesso do que o cinema. Os treze ensa i os deste volume aprese ntam o cinema e a modernidade co mo pontos de retlexao e convergencia . Todos os ensaios o ri g ina m-se da premissa de que o cinema, tal como se de senvolveu no fim do seculo xrx, tornou -se a exp re ssao e a combinac;:ao mais completa dos atributos da modernidade. Embora alguns ensaios abordem os vfnculos entre o cine - ma e outros meios da modernidade mais diretamente do que outros, todos 17

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  n t r o u

eo

harney e

Vanessa

R Schwartz

Triunfante, exultante, pincelado, afixado, arrancad o em poucas horas e conti

nuamente solapando o corac;:ao e a alma com sua futilidade vibrante, o cartaz

e de fato a arte

..

d

es

sa era de

agitac;:ao

e riso, de violencia, decadencia, eletri

cidade e esquecimento:'

1

A torrente de adjetivos usados

por

esse comentarista

social frances em 1896 para descrever o cartaz

como um produto da

era

moderna exempli

fica

o modo pelo qual a modernidade trouxe a ona discur

sos vigorosos que procuraram construi-la, defini-la,caracteriza-la, analisa-la

e entende-la.

2

A modernidade':

como

expressao de mudanc;:as

na

chamada

experiencia subjetiva ou

como

uma f6rmula abreviada para amplas transfor

mac;:oes

sociais, economicas e culturais, tern sido em geral compreendida

por

meio da hist6ria de algumas

inovac;:oes

talismanicas: o telegrafo e o telefone,

a

es

trada de ferro e o automovel, a fotografia e o c

in

ema . Desses emblemas

da modernidad

e

nenhum personificou e ao mesmo tempo transcendeu esse

periodo inicial com mais sucesso do que o cinema.

Os

treze ensaios deste volume aprese

ntam

o

cinema

e a

modernid

ade

co

mo ponto

s

de

retlexao e convergencia. Todos os ensaios origina

m-se

da premissa de que o cinema, tal como se desenvolveu no fim do seculo

xrx, tornou-se a expressao e a combinac;:ao mais completa dos atributos

da

modernidade. Embora alguns ensaios

abordem

os vfnculos entre o cine-

ma e outros meios da

modernidad

e mais diretamente do que outros, todos 17

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3

presumem

que a c

ultur

a moderna foi

cinema

tognifica"

antes do

c

inem

a.

Este

foi

apenas urn elemento de uma variedade de novas formas de tecnolo

gia, representac,:ao, espetaculo, distrac,:ao,consumis

mo

, efemeridade, mobili

dad e e entretenimento- e, em muitos aspectos, nao foi nem o mais convin

cente nem o mais promissor.

Estes ensaios argumentarn que o

surgimento do

cinema

pode

ser carac

terizado como inevitavel e redu

nd

ante. A cultura da modernidade tornou

inevitavel alga

como

o cinema,

uma

vez que as suas caracteristicas desenvol

veram-se a

parti

r dos

tr

ac,:os que definiram a vida

moderna

ern geral. Ao mes

mo tempo, o cinema formou um cadinho para ideias , tecnicas e estrategias

de

representac,:ao ja presentes em outros lugares. Estes ensaios identificam

um

a cultura historicamente especifica da cinematografia que surgiu de outras

transformac,:6es associadas a

modernidade

-

embora

tambem tenha corrido

para)eJa a tais transformac,:oe  110 fim

do

secu)o

XIX

e inicio do

XX

em paises

como a

Franc,:a,

Ale

manha

, Inglaterra, Suecia e Estados Unidos.

Esta coletfmea

justa

p6e o

trabalho

de especialistas em

uma

variedade

de

disciplinas

na

esperanc,:a

de

un ir a divisao frequente entre a hist6ria do

cine

ma

e a hist6ria

da

vida

moderna.

R

eco

rrendo a academi cos

de

diver

sos campos, esperamos enriquec

er

as areas

de

Estudos Culturais, Estudos de

Cin ema, Literatura, Hist6ria da Arte e Hist6r ia d'a Cultura insistindo que os

estudos da vida

moderna podem

ser enriquecidos

quando

lidos

por

interme

dio do surgimento

do

cinema e

em

comparac,:ao a ele. De fato, estes ensaios

irao a

pre

sent

ar

a ideia

de

que a

mod

ernidade

pod

e ser me

lhor compree

ndida

como

inerentemente cinematognifica.

Apesar das multiplas

con

ex6es e pontos

de

conf uencia que ligam estes

ensaios, nos os agrupamos em

qu

atro amplas areas conceituais: Corpos

e sensac,:

ao ,

A ci rculac;:ao e o desejo

do consumidor

': "A

efemeridade

e o

insta nte" e "Espetaculos e espectadores': Esses titulos nao

pretendem

ofere

cer uma es

trutur

a exclusiva ou restritiva, mas acentuar os encadeamentos

comuns ent re os t6picos considerados

por

esses au

tor

es.

Em "Corpos e sensac,:ao:

os

ensaios de Tom G

unnin

g, Jonathan C

rary

e

Ben Sing

er

abordam novas respostas corporais para a estimulac,:ao, a superes

timulac,:ao e

OS

problemas rel

at

ivos

a

aten

c;:a

o e

a

distra

c;:iio. Da

persp

ec

tiva

dessas analises, a percepc,:ao na v ida moderna tornou-se uma at ividade ins

tavel e o corpo

do

individuo

moderno, um

tema tanto de exper ime

ntac,:ao

quanta

de novas discursos.

Os

ensaios focalizam tecnicas como a fotografia,

a ficc,:ao policial, a psicologia cientifica, a pintura impressionista, a

im

prensa

de massa e os entretenimentos "emocionantes·: todas elas empe

nh

adas

em

regular e controlar um ator social recem-m obiliza

do

da epoca.

Tanto a

reprodU<;:ao

mecanica

quanta

a rnobilidade de produtos, consumi

dores e nacionalidades caracterizaram formas de cultura comercial na virada

do

seculo. Os ensaios de Marcus Verhagen, Erika Rappaport, Alexandra Keller

e Richard Abel em A circulac;:ao e o desejo do consumidor" elaboram

um

a

cultura de mecanismos de mercado que desafiou as fronteiras ent re as esfe

ras privada e publica e reconstituiu identidades nacionais e de genero. Esses

ensaios tambem deixam

claro

que o cinema nao criou mas participou de

um

a

cultura urbana de lazer que dependeu

da

participac;:ao ativa das mulheres.

Em

A

ef

em

eridade e o insta

nte ,

Margaret Cohen, J

eann

ene

Pr

zyblyski

e Leo

Charney dizem que a modernidade residiu em uma imersao

no

coti

diano;

ainda qu

e o cotidiano fosse,

po

r definic,:ao, efemero. Em resposta a

esse proble

ma

, for

ma

s

como

a literatura panoramica, a fotografia e o c ine

ma te

ntar

am fixar distr

ac;:

6es fugazes e sensac;:oes evanescentes identificando

momentos

isolados da experi

encia

presen

te .

Nesses

discursos

literarios,

arti

sticos e filos6ficos, a negociac,:iio

entre

a efemeridade e a s

uspen

sao

do

movimento surgiu como uma caracteristica definidora

da

modernidade.

Em "Espetaculos e espectadores': os ensaios de Vanessa

R

Schwartz, Mark

Sandberg e Miriam Bratu Hansen investigam a fascinac;:ao de fenomenos diver

sos como os

mu

seus de cera, os museus de fo lclore, os parques de diversao e o

cinema no desenvolvimento de um publicode massa. Enquanto os dois primei

ros ensaios centram-se no fim de seculo, Hansen avan

c :a no

seculo xx. Cada

ensaio elabo

ra de uma perspectiva diferente o que Hansen chama de "apelo

libertador do moderno' para um publico de massa -

um

publico que era, em si

mesmo, tanto um produto quanta uma vitima do processo de modernizac,:ao".

Como urn todo, os ensaios deste volume mapeiam um terreno comum de

problemas e

fe

nomenos que define o "moderno': No restante desta int

roduc,:ao,

identificamos seis elementos destes ensaios que se mostram centrais para a his

t6ria cultural da modernidade e para a sua relac,:ao como cinema: o surgimento

de uma cultura urbana metropo litana que levou a novas formas de entreten i

mento e atividade de lazer; a centralidade correspo

nd

ente do corpo como o

local de visao,

atenc,:ao

e es

timulac;:a

o; o reco

nh

ecime

nt

o de

um

publico, multi

ciao ou audiencia de massa que subordinou a resposta individual

a

oletividade;

0

impulso para definir, fixar e representar instantes isolados em face das distra

c,:oes e

sensac;:6es

da modernidade,

um

anseio que perpassou o impressionismo

e a fotografia e chegou ate o cinema; a indistin

c,:ao

cada vez maior da linha entre

a realidade e suas representac;:oes; e o salto havido na cultura comercial e nos

desejos do consumidor que estimulou e produziu novas formas de diversao.

A modernidade nao pode ser ente

nd

da fora

do contexte

da cidade,

qu

e

proporcionou

uma

arena

para

a cir

cu

la

c,:ao

de corpos e mercadorias, a troca

19

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de olhares e o exercicio

do

consumismo. A vida moderna pareceria urbana

por definic;ao, contudo as transformac;oes sociais e economicas cr iadas pela

modernidade remodelaram a imagem da cidade

em

plena erup'rao do capita

lismo industrial na segunda metade

do

seculo xrx. Como observou o soci6-

logo alemao Georg Simmel em seu excepcional estudo de 1903,

A

m

et

r6pole

e a vida mental , a cidade moderna ocasionou

a

nipida convergencia de ima

gens em mud an'ra, a descontinuidade acentuada

no

alcance

de

urn simples

o

lhar

e a imprevisibilidade de impress6es subitas':

3

Nao e por acaso que as palavras de Simmel

podem

servir como

uma

descrir,:ao do cinema,

uma

vez que a experiencia da cidade definiu os termos

para a experiencia dos outros elementos da modernidade. Numa tradic;ao

que come'YOU com o trabalho

do

poeta frances Charles Baudelaire, esta cida

de

moderna

tern sido com mais frequencia associada aParis p6s-1850, que

Walter Benjamin chamou de capital do seculo xix':

4

0

redesenho da cidade

em meados do seculo, movimento conhecido hoje como haussmannizac;ao ,

foi idealizado

por

Napoleao e seu entao prefeito

do

Sena, Badio Georges

Haussmann, para modernizar a infraestrutura da cidade, criando bulevares

majestosos,

um

novo sistema de esgoto e um mercado central reconstruido.

5

Essas mudan'ras controversas tornaram mais legivel

uma

geografia ate entao

labirintica, conduzindo Paris a

uma

maior visibilidade.

Como

observou T J

Clark, Paris tornou-se, para seus habitantes, simplesmente uma imagem,

algo ocasional e informalmente consumido':

6

Paris foi

depo

is aclamada como a fonte da vida

moderna

por criticos

como Benjamin e Siegfried Kracauer,

que

a relacionaram aos fenomenos que

os rodearam nos anos 1920 e 1930 em

Bedim.'

0 ensaio de Miriam Hansen

neste vo

lum

e faz uma analise abrangente da evolur,:ao de Kracauer, de um

discurso pessimista da modernidade antes

de 1925

para

uma

visao de cultura

de massa como alegoria e sintoma das mudanyas que estavam transformando

a sociedade a ema. Kracauer comeyou

aver que

as formas culturais de massa,

como

amostras da modernidade, davam aos espectadores a possibilidade

de

entender

as condic;o

es

nas quais estavam vivendo e, portanto, adquirir a

capacidade de autorreflexao (no minimo) ou de emancipayao esclarecida (na

melhor das hip6teses).

A partir do contraste

entre

a posiyao de Kracauer ante fenomenos con

temporaneos

do

secu(O XX C a visao benjaminiana da modernidade que toma

como referenda a Paris

do

seculo xrx, Hansen estabelece

uma

distinc;ao entre

a modernidade oitocentista, essencialmente associada acultura de Paris, e a

modernidade do seculo

xx,

esta

da

produyao em massa, do consumo em

massa e da aniquilac;ao em massa; da racionalizac;ao, da padronizac;ao e dos

ptlblicos de midia identificada com os Estados Unidos e tipificada pela inter

dependencia entre cultura de massae produc;ao industrial.

Se Paris iniciou a transformar,:ao da cidadc moderna em urn local de exi

bi<;:ao de visualidade e distrayao, a congestionada Nova York da virada do

seculo deu o tom para o frenesi e para a superestimulac;ao. Como escreve Ben

Singer neste volume,

As cidades [ .. ] sempr e foram movimentadas, mas

nunca

haviam sido tao

movi-

mentadas

quanto

se tornaram logo antes

da

virada

do

seculo. 0 subito aumento

da popula<;:iio urbana, [ .. ] a prolifera<;:ao dos sinais e a nova densidade e com-

plexidade

do

triinsito das ruas [ .. ] tornaram a cidade um ambiente

muito

mais

abarrotado, ca6tico e estimulante

do

que jamais havia sido no passado.

As

fotografias e os cartuns de jornais e revistas de grande circular,:ao, que

acompanham o ensaio de Singer, comprovam essa visao

da

cidade como um

caldeirao transbordante

de

distrayao, e n s ~ o e estimulo. A cidade tornou

se expressao e local da enfase mo derna na multidao. Quer o objetivo fosse

domina-la, satisfaze-la ou juntar-se a cia, a multidao,

na

forma das massas,

tornou-se urn ator central da modernidade. 0 surgimento da vida moderna

acompanhou o nascimento de

uma

sociedade de massa que resultou,em

parte, do crescimento do capitaJismo industrial.Alem disso, na Europa e nos

Estados Unidos, a segunda metade do seculo XIX testemunhou o nascimen

to de urn nacionalismo e de um imperialismo fervorosos, amedida que

as

democracias burguesas liberais dominadas pelas elites

deram

Iugar a socie

dades nas quais a vasta maioria da populac;ao lentamente adquiriu direito de

voto.

As

massas passaram a ser reconhecidas como urn eleitorado decisivo,

imaginadas e descritas como urn ag

rup

amento quase sempre indiferenciado,

com desejos e aspirac;oes supostamente comuns.

A possibilidade de uma audiencia de massa, juntamente com a atmosfera

de excitac;ao visual e sensorial, abriu as port as para novas formas de entre

tenimento,que surgiram tanto como

part

e da cultura de sensar,:oes quanto

como um esforc;o para atenwi-la. surgimento de Coney Island na virada do

seculo, por exemplo, ironicamente recriou as

sensac;:oes

estafantes o ritmo

frenetico da cidade em uma atmosfera aparentemente mais calma.

8

A aura

da caminhada abeira

mar

possibilitou aos produtores de diversoes de Coney

Island tirar proveito do maior interesse por sensac;oes vari<\veis e cineticas, ao

mesmo tempo em que vendiam suas

atrac;:oes

justamente como a oportuni

dade

de uma

pausa dessas sensac;oes. Do mesmo modo, nos seus primeiros

anos como um fenomeno urbano, o cinema teve multiplas func;6es: como

21

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parte

da paisagem

da

cidade, uma breve pausa para o t rabalha

dor

a cami

nho de casa, uma forma de escape

do

trabalho domestico para as mulheres e

pedra

de toque cultural para os imigrantes.

9

Como resultado

de

toda essa estimulacyao, comenta Singer, observadores

sociais das decadas pr6ximas da vi rada do seculo fixa ram-se

na

ideia de que

a m odernidade havia causado um aumento radical na estimulac;:ao nervosa

e no risco corporal': Nesse ambiente, o

corpo

tornou-se urn

ponto

cada vez

mais importante

da

modernid

ade, fosse

como

espectador, veiculo de atenc;:ao,

icone de circulacyao

ou

local de desejo insaciavel. Essa experiencia

se

nsual

da

cidade foi expres

sa na

figura

do

flaneur,

o perso

na

ge

m

emb

lematico da

Paris

do

seculo

XIX, qu

e perambulava pelas ruas, olhos e sentidos ligados nas

di

strac;:6es que o cercavam. A atividade d o

flimeur,

ao

mesmo tempo

corpo

ral e visual, estabeleceu os termos para 6 publico do cinema e para as outras

formas de audiencia

qu

e dominaram as novas experiencias e entretenimentos

do

periodo}°

Como

um tipo parisiense, o

flaneur

exemplificava o

pri

vilegio

masculine da vida publica moderna. Na formul

ac;:a

o de Janet Wolff, Inven

tar

aflaneuse

esta fora de

qu

estao: [ ..] tal personagem tornou-se impossivel

pelas divisoes sexuais

do

seculo x1x': Outros argumentaram que a prostituta,

que dividia a calc;:ada

como

flitneur,

representava sua contraparte feminina.

1

2

Diversos ensaios deste volume abordam a

flimerie

e a

condic;:ao

do mascu

lino e do feminino na vida publica. Ao tratar dos cartazes de Jules Cheret no

fim

do

seculo

XIX,

Marcus Verhagen mostr a como o personagem extravagante

do

artista, a che

rette,

foi retratada como uma prostituta e como, desse modo, a

representac;:ao da sexualidade femi

nin

a

foi

mobilizada a

servicyo

do consumo.

Por sua vez, o ensaio de Erika Rappaport sobre as lojas de departamentos indi

ca como,

por

razoes comerciais, novas formas

de

cultura para o consumid

or

atrairam as mulh

er

es para o espac;:o urbano e cultivaram o desejo feminino.

E

na

analise de Alexandra Keller, dos catalogos

de

venda por correspondencia

da virada do seculo, as mulheres de

modo

seme

lh

ante tornam-s e tanto objeto

quanto sujeito dessa nova forma de atividade de consumo.

Co

mo exemplificado pela

jlimerie,

a atenc;:ao moderna foi concebida nao

so mente como visual e m6vel, mas tambem fugaz e efemera.A

atenc;:ao

moder

na era visao em movimento. As form as

mod

ernas de experiencia

dep

endiam

n

ao

apenas

do

movimento, mas dessa junc;:ao

de

movimento e visao:

ima

gens e m movimento. Urn

pr

ecursor 6bvio dessas imagens foi a estrada de

fe rro,

que

eliminou as barreiras tradicionais

de espac;:o

e distancia

a

medida

que forjou

uma

intimidade fisica com o t

empo

, o

espacyo

e o movimentoY

A viagem feita na estra

da de

ferro antecipou mais explicitamente

do que

qual

qu

er outra tecnologia

uma fa

ceta importante

da

experiencia do cinema: uma

pessoa

em

uma

poltrona observa vistas

em

movimento

atra

ves de

um

quadro

que nao

muda

de

posic;:ao.

14

Nesse

se

ntido, os estimulos e as distrac;:oes da mo

dernidade tornam

a concentrac;:ao

da atenc;:ao

mais vital, ai

nda

que

menos

provavel. Na ava

liac;:ao

de Jonathan

Crary o

es t

e vo

lum

e, a atenc;:ao moderna

bas

eo u

-se

explicitamente em seu potencial

para

o fracasso, resultando em desate

nc;:a

o

ou

distrac;:ao. A aten

c;:ao ,

escreve Crary a uz

da

psicologia cientifica desse

periodo, foi descrita como aquilo

que

impede a nossa percepc;:ao de ser urn

fluxo ca6t ico

de

sensa

c;:oes, contudo

a pesquisa

mo

s

trou-a

como

um

a defesa

incerta

cont

ra tal caos .. A atenc;:ao sempre conteve

em

si as condic;:oes para

sua propria desintegra

c;:ao .

Desse modo, a atenc;:ao e a distrac;:ao nao eram

do

is es

tados

essencial

ment

e difere

nt

es,

mas

existiam em urn (mico

conti-

nuum :

Cr

ary

trac;:a es

sa

ambiguidade

por

meio

do

di

scurso

da psicologia

cientifica e

do quadro Na estufa

[Dans

Ia

serreJ de

1879,

no qual Claude

Manet

esforc;:ou

-se para tornar visivel o

po

tencial

do

espectador tanto para a

a t e n ~ a o

quanto ~ r a

a

i s t r a ~ a o

A ten

sa

o entre foco e distrac;:ao estabeleceu os termos para urn intercam

bio mais amplo entre mobilidade e estase, entre a efemeridade das sensac;:6es

da modernidade e o consequente desejo de congelar essas sensac;:6e s em urn

momenta

fixo de r e p r e s e n t a ~ a o 0 ensaio de Leo

Charney

investiga a tenta

tiva de resgatar a possibilidade da experiencia sensorial

em

face da efemeri

dade

do moderno

 , que vincula trabalhos filos6ficos e cri ticos sobre moder

nidade

desde Walter Pater, nos

anos 1870,

ate

Martin

He

id

egger, nos

ano

s

1920

e Walter Benjamin nos

anos 193 0 .

No cinema, essa

p r e o c u p a ~ a o

surgiu

no conceito de fotogenia de Jean Epstein - instantes evanescentes de praz

er

cinematogn\fico - e nos estudos de movimentos pre-cinematrograficos

de

Eadweard Muybridge e Etien ne-Jules Marey, que analisaram movimentos

continuos em seus momentos constituintes. Esses escritores e artistas crista

Uzaram a efemeridade nao apenas

como

urn con ce ito abstrato, mas como urn

pr

oblema ativo de sensac;:ao, cog

nic;:ao

e perce

pc;:

ao fisica. 0 momento presen

te podia exist ir apenas

com

o o local

on

de passado e futuro colid

em , um

a

vez que a efemeridade iria sempre ultrapassar o

esf

orc;:o para estabiliza-la, e a

consciencia cognitiva do corpo

ant

e suas sensac;:oes presentes nao

poder

ia

nunca coincidir

como momenta

inicial da sen

sac;:ao

.

Na P

ar is

do seculo XIX os impulsos para conge lar o momenta e representar

o presente logo tomaram forma

no

desenvolvimento da fotografia e na este

ti

ca

correspondente do impressionismo.

  5

Os ensaios de Tom

Gunn

ing e Jeannene

Przyblyski sugerem alguns dos usos complexos da fotografia nesse periodo.

Gunning coloca a fotografia como urn cruzamento multiplamente determinado

23

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4

de novas preocupas;oes modcrnas. A fotogralia auxiliou a investigas;ao policial

ao identificar pessoas

no

meio da circulas;ao e do anonimato, o que sob outro

aspecto marcou a vida moderna. Ao reapresentar a aparencia

do

individuo

supostamente unico, a fotografia desestabilizou conceps;oes tradicionais de

identidade pessoal ao fazer

do

corpo uma imagem transportavel e totalmente

adaptavel aos sistemas

de

i r c u a ~ a o e mobilidade que a modern idade exigia':

Como deixa claro o ensaio de Gunning, essas novas tecnicas de represen

t ~ o

nao reproduziram simplesmente

uma

realidade autonoma e presente.

No caso da fotogralia policial, decompoe-se o corpo do individuo

em

partes

constituintes que depois sao processadas por novas formas de organizac;:ao

da

informac;:ao. Mais importante, a indistinc;:ao entre representac;:ao e reali

dade

conduziu a urn aspecto crucial da

modernidade

- a crescente tenden

cia de entender o real somente como 'suas re-apresentac;:6es.

 

6

Ao analisar

fotografias

da

insurreta

Comuna de

Paris,

de 1871,

Jeannene Przyblyski

comenta a tendencia crescente durante as decadas de 186o e 1870 de voltar a

camera para eventos contemporaneos·: A discussao de Przyblyski indica qu e

amedida que a fotogralia comec;:ou a captar o real, o real tornou-se inconce

bivel e inimaginavel sem a

presenc;:a

verificadorada fotografia.

0

que era apa

rentemente esperado das

ctu lites

fotograficas

em

1871': escreve Przyblyski,

era [ ..

I

que exibissem pedac;:os

do

real: que operassem de m

odo

fragmentario

e

como

reliquias, com

uma

reivindicac;:ao metonimica de autenticidade. Em

sua condic;:ao quase mumificada a meio camin ho entre o artefato hist6rico e a

rec

riac;:ao

simulada,h i alguma coisa [ ..] particularmente moderna':

Muitos ensaios deste volume fazem eco

a

firmac;:ao de-Przyblyski, de que

a represe

ntac;:ao como

reapresentac;:ao do real marcou a forma definidora

da modernidade; ou, mais exatamente,

de

que com

o advento de

uma

cul

tura urbana ca6tica e difusa, o rea l  p6de

ser

cada vez mais compreendido

apenas

por

meio de tais representac;:oes. Alem das exposic;:oes qu e

Gunning

e Przyblyski fazem

dos

usos da fotografia, os ensaios de Margaret Cohen,

Vanessa

R.

Schwartz e

Mark

Sandberg exploram casos dessa nova forma de

reapresentac;:ao.

Cohen

analisa a lit

erat

ura panoramica francesa da Monar

quia de Julho (1830-1848), urn genero que visou fornecer um panorama visual

e verbal

da

vida contemporanea. Essa literatura era

um

genero cotidiano

para representar o cotidiano: um genero

com

minimas pretensoes esteticas

transcendentes [ ..] a atenc;:ao muito proxima a detalhes exteriores, sobretudo

visiveis [ ..] franqueiam ao leitor acesso vivido a materialidade sensorial da

realidade parisiense da epoca·:

Cohen

chama essa zona entre representac;:ao e r ealidade de lusco-fusco

cpistemol6gico ,

uma

frasc notavel que capta a ambiguidade

da

interac;:ao

entre

uma

rcalidade que

pode

ser compreendida apenas

em

suas represen

tac;:oes

e as representac;:oes que

incorporam

e fazem parte daquela realidade

em

andamento. 0 cnsaio de Schwartz indica diversos fenomenos da cultura

parisiense

do

fim

do

secu iO XIX

que

eram

pOpulareS porqu e transl iguravam

e reapresentavam uma visao da realidade :

mu

seus

de

cera, panoramas, a

imprensa de massa e a

exibic;:ao

publica de cadaveres no necroterio de Paris.

Para

entender

o

modo da

recepc;:ao cinematognHica

como

uma

pnitica his

t6rica ,

argumenta

Schwartz, e essenciallocalizar o

cinema no

campo

das

formas e praticas culturais associadas a florescente

cu

ltura de massa

do

lim

do

seculo x1x':

Co

mo o cinema, essas novas divers6es compeliram o espec

tador a transpor o espetaculo e a narrativa para obter

um

efeito-realidade

  .

De modo

semelhante, o ensaio de Mark Sandberg situa

os

museus de fol

clore escandinavos da virada

do

seculo

como

parte

de um

patrocinio ativo

da cultura visual mais amplo. Esses museus apresentavam dioramas nostal

gicos

como

maneira de compensar as perdas ameac;:adoras de uma moderni

dade que chegou relativamente tarde

a

Escandinavia.

No

museu do folclore, a

exposic;:ao de momentos congelados do passado e a consequente confianc;:a

de que o espectador preencheria

os

vazios do espetaculo antecipou o cinema,

ao indicar

como

a narrativa

pod

ia cumprir

uma

fun

c;:ao

estabilizante

em

face

da dissipac;:ao moderna. Pode muito bern ser': prop

oe

Sandberg

no

lim

de

seu ensaio, que a narrati va fosse mais

importante para

o publico

na

vira

da

do

seculo do que sempre se sup6s, servindo

como

a rede

de

seguranc;:a

nao obstrutiva que tornou possivel e prazeroso o desprendimento

do

olho

na

modernidade

[ ..

] A

narrativa aju

dou

a

tornar

a

modernidade

atraente,

transformando

uma

sensac;:ao de estar deslocado' em 'mobilidade' e

uma

sen

sac;:ao

de desenraizamento'

em

liberac;:ao' .

A narrativa e a visualidade esforc;:aram-se para canalizar a

atenc;:iio

osci

lante do sujeito,

nao

apenas como espectador mas tambem como consumidor.

As formas analisadas

por

Gunning, Przyblyski, Cohen, Schwartz e Sandberg

foram

todas

iniciativas

come

rciais,

como

foram a

estrada

de ferro, o tele

grafo e praticamente todo icone

da

modernidad

e.

0

papel

do

consumismo

como

motor

da modernidade esta presente nos ensaios

de

Marcus Verhagen,

Richard Abel, Erika Rappaport e Alexandra Keller. Para Verhagen, a explosiio

do

cartaz

na

paisag

em

parisiense do fim

do

seculo XIX revolucionou o neg6-

cio

do

entretenimento parisiense tanto como uma expressao

da

emergencia

da

cultura

de massa [ .. ]

quanto como um

catalisador

no

desenvolvimen

to de novas formas desta cultura':

Na

analise de Verhagen, respostas

mora-

listas a popularidade do

cartaz

ecoaram as primeiras objec;:oes ao cinema e

as reac;:oes,

em

geral, receosas as novas formas de

uma

cu ltura voltada para 25

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5

o consumidor cujos "mecanismos de mercado [

..

] estavam desgastando o

alicerce sob o qual a sociedade de classes estava construida':

No ensaio de Abel, o desenvolvimento do cinema norte-americano nos

prirneiros anos do seculo xx nao pode ser entendido fora das pressoes do

mercado que impeliram os esrudios a diferenciar seu produto dos filmes fran

ceses potencial mente mais populares do esrudio Pathe. Em resposta a atura

do mercado norte-americana pelo"galo vermelho frances"e a urn publico

de imigrantes recem-chegados que precisava "americanizar-se':

OS

estudios

americanos caracterizaram a Pathe

como

suspeita e

como

o "outro" desmo

ralizador,

uma

o r m ~ o que entrelac;:ava identidades nacionais e comerciais.

A discussiio de Abel sublinha a interdependencia

entre

capitalismo e naciona

lismo, medida que a industria capitalista (simbolizada no estudio de cine

ma) podia tanto distribuir seus produt6s internacionalmente

quanto

inter

ceder em seus pr6prios mercados nacionais. Nesse sentido, escreve Abel,

o

cinema como um fato especi

fico

da modernidade [

..

] foi inscrito nos discur

sos do imperialismo e do nacionalismo e de suas

r e i v i n d i c ~ o e s

conflitantes,

respectivamente, d e supremacia economica e cultural':

De modo

similar, Rappaport e Keller investigam como os desejos dos

consumidores

eram

mediados pelos textos escritos que

os

cercavam e inci

tavam. Rappaport

demonstra

como, na Londres do inicio do

secu

lo

xx

a

irnprensa produziu a cultura comercial eduardiana em parceria com homens

como Gordon Selfridge': Este, dono de

uma

loja de departarnentos

que

trazia

seu nome, sagazmente utilizava publicidade e art igos de jornal para promo

ver a si pr6prio, sua loja e a visao das mulheres

como

consumidoras, e

de

Londres como uma metr6pole comercial

que

as i

ria

apoiar. Ao transferir o

foco das lojas para as ma n ipula<;:6es de discurso que as cercavam, Rappa

port ilustra

como

os fenomenos sociaisda modernidade somente

podem

ser

entendidos por meio das representa<;:6es

que

os construiram.

0 ensaio de Keller sobre os primeiros catalogos de venda por corres

pondencia da Sears Roebuck expande essa interdependencia entre texto e

consumismo para sugerir que o cata ogo de venda por correspondencia ofe

recia o texto ilustrado, apenas, como a base para o desejo, amedida que suas

imagens evocavam

os

produtos ausentes desejados pelo consumidor . Essas

imagens fantasmaticas, como a dissemina<;:ao em massa do catalogo, fizeram

dele urn fenomeno simil

ar

ao cinema. Keller continua,

para

indicar que o

catalogo de venda "produziu um tipo dejltm ri rural para aqueles que folhea

varn suas paginas': 0 lei tor rural podia passear pelos produtos como o vadio

perambulava pela cidade.

Tal

qual a cidade moderna, o "mundo, tal como

foi

levado para o lar rural pelo catalogo de venda por correspondencia, era um

Iugar abundante e concorrido, apinhado de mercadorias, a representac;:ao de

um mercado cuja materializac;:ao seria igualmente apinhada de vendedores,

consumidores e espectadores':

0 cinema, en ao, marcou o cruzamento sem precedentes desses fen6me

nos da modernidade. Tratava-se de urn produto comercial que era tambem

uma

tecnica

de

mobilidade e efemeridade. Foi uma consequencia e

uma

par

te vital da cultura urbana que se dirigia a seus espectadores como membros

de urn publico de massa coletivo e potencial mente indiferenciado. Era

uma

forma de representa<;:ao que foi alem

do

impressionismo e da fotografia, ence

nando movimentos reais, embora estes nunca pudessem ser (e ainda hoje nao

sao) mais

do

que a progressao serial de fotogramas fixos. Era uma tecnologia

destinada a provocar respostas visuais, sensuais e cognitivas nos espectadores

que estavam

come<;:ando

a se acostu mar aos ataques da estimulac;:ao.

Mais importante, o cinema nao forneceu simplesmente urn novo meio no

qual os elementos da modernidade podiam se acotovelar. Ao contrario, ele foi

produto e parte componente das variaveis interconectadas da modernidade: tec

nologia mediada por estimulac; ao visual e cognit

iva;

a reapresentac;:ao da reali

dade possibilitada pela tecnologia; e um procedimento urbano, comercial, pro

duzido em massa e definido como a captura do movimento continuo. 0 cinema

forc;:ou

esses elementos da vida moderna a uma sintese ativa; ou, de um outro

modo, tais elementos criaram suficiente pressao epistemol6gicapara produzi-lo.

0

cinema

portanto, nao pode ser concebido simplesmente

como

o

resultado de formas tais como o teatro melodramatico, a prosa narrativa

e o

romance

realista

do seculo

XIX

embo

ra

todos

esses meios tenham

influenciado sua forma. Tampouco as hist6rias da tecnologia podem expli

car de modo satisfat6rio o surgimento do cinema. Ao contrario, ele deve ser

repensado

como

um componente vital de

uma

cultura mais ampla da vida

moderna

que

abran geu transforma<;:oes politicas, sociais, economicas e cultu

rais. Essa cultura

nao

"criou" o cinema

em

um sentido simples, nem tampou

co o cinema desenvolveu quaisquer formas, conceitos ou tecnicas novas que

ja

nao estivessem disponiveis

em

outros caminhos. Ao fornecer urn cadinho

para elementos

ja

evidentes

em

outros aspectos da cultura moderna, o cine

ma acabou por se ad antar a essas outras formas, e acabou sendo muito mais

do que simplesmente uma nova

invenc;:ao

entre outras.

Estes ensaios,

por

fim,

nos

ajudam a reconsiderar a linhagem

da

moder

nidade a p6s-modernidade , bern como as tecnologias, entretenimentos e

representac;:oes

da

nossa pr6pria virada de seculo. Ao especificar uma cul

tura particular da vida

moderna

este volume ira iniciar idealmente uma

interroga<;:ao mais rigorosa dos contrastcs e semelhanc;:as entre o "moderno"

27

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eo

supostamenre "p6s-

moderno':

Embora o p6s -modernismo tenha sempre

sido concebido como o sucessor

do

modernismo

como movimento

artistico,

estes ensaios criam urn contexto para reimaginar a p6s -modernidade como o

resultado da modernidade,

tm1a

transforma<yao social, politica e cultural mais

ampla,

da

qual o modernismo foi apenas um aspecto. Embora as implica

<;:6es

dessa

distin<yao

ainda tenharn que

se

r melhor exploradas, a estrutura da

modernidade articulada nestes ensaios encoraja outros estudiosos a come<yar

a partir

do

cinema e a retornar a ele

como um denominador

comum

unindo

os seculos XIX, xx e

XXI

(potencialmente), a

um

s6 tempo um reposit6r io

est

ranho

e familiar de tempos passados e

um onkulo

prescie

nt

e do porvir.

Notas

Maurice Talme)

r, "L:

Age de J'affiche'; La

Revue des

Deux Mo11des, t

 '

set. 1896, p. 216; citado

por

Verhagen nestc volume.

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vida moderna sao: Stephen

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3

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Guilherme

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ro: Zahar Editores, 1976].

4 Charles Baudelair

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The Painter of Modem Life and Other

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para

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A

Lyric

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(Charles Baudelaire: urn lirico no auge

do

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111. Sao

Paulo:

Hrasiliense,1995),e Paris. Capitale du xix '"' sii Cle,

org. RolfTiedmann,

trad. Jean Lacoste,

Paris: Editions

du

Cerf, 1989.

5 Ver, em especial, o estudo chissico de David Pinkney, Napoleon 111 and the Rebuilding

of

Paris (Princeton: Princeton University Press, 1958). A h a u s s m a n n i z a c ; ~ o tambem foi

um

a o

importante

de

con

trolc social;

os

bulevarcs dividiam encraves da classc open ia, impediam

a construc;ao de barricadase facilitavarn a disposic;iiode tropas em

caso

de insurrei,.:iio.

6 T. J. Clark, 111e Painting

of

Modem Life. Princeton: Princeton University Press. 1984, p. 36.

7 Trabalhos dee sobre Kracauer e Benjamin

sao

citados nos ensaios deste volume, em especial

nos

de

Hansen

e Charney.

Sobre

Kracauer, Benjamin e a

modernidade.

ver David Frisby,

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