Intrascendência, medidas cautelares reais e o cutelo de Sanson

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1 Boletim Informativo IBRASPP - Ano 02, nº 03 - ISSN 2237-2520 - 2012 /02 (In)Transcendência, Medidas Cautelares Reais e o Cutelo de Sanson: Mudam-se os tempos (mas não) mudam-se as vontades? Os Mútiplos Processos Punitivos Brasileiros e a Convenção Americana de Direitos Humanos: uma necessária reflexão sobre a cumulação da ação civil de improbidade administrativa com a ação penal e o princípio do non bis in idem. A Convenção de São José da Costa Rica e o Direito (e garantia) ao Duplo Grau de Jurisdição Lei 12.694/2012: O juiz oculto e o desprezo às garantias processuais penais Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importância para o processo penal brasileiro Processo Penal e Direitos Humanos: notas sobre a convencionalização do processo penal na perspectiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos Artigo 282, § 3º, do Código de Processo Penal: possibilidade de condenação do estado brasileiro na esfera internacional? Limites à Emendatio libelli em face da garantia da defesa na CADH Informe de Jurisprudência Corte Internacional de Direitos Humanos. Caso Escher vs. Brasil - Julgado em 06.07.2009.

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  • 1Boletim Informativo IBRASPP - Ano 02, n 03 - ISSN 2237-2520 - 2012 /02

    (In)Transcendncia, Medidas Cautelares Reais e o Cutelo de Sanson: Mudam-se os tempos (mas no)

    mudam-se as vontades?

    Os Mtiplos Processos Punitivos Brasileiros e a Conveno Americana de Direitos Humanos: uma necessria reflexo sobre a cumulao da ao civil

    de improbidade administrativa com a ao penal e o princpio do non bis in idem.

    A Conveno de So Jos da Costa Rica e o Direito (e garantia) ao Duplo Grau de Jurisdio

    Lei 12.694/2012: O juiz oculto e o desprezo s garantias processuais penais

    Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importncia para o processo penal brasileiro

    Processo Penal e Direitos Humanos: notas sobre a convencionalizao do processo penal na perspectiva

    da Corte Interamericana de Direitos Humanos

    Artigo 282, 3, do Cdigo de Processo Penal: possibilidade de condenao

    do estado brasileiro na esfera internacional?

    Limites Emendatio libelli em face da garantia da defesa na CADH

    Informe de JurisprudnciaCorte Internacional de Direitos Humanos.

    Caso Escher vs. Brasil - Julgado em 06.07.2009.

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    (In)Transcendncia, Medidas Cautelares Reais e o Cutelo de Sanson: Mudam-seos tempos (mas no) mudam-seas vontades? I-II

    Leonardo Costa de PaulaRodrigo Fernandes

    No ano de 1661, Nicolas Fouquet, vis-conde de Melun e de Vaux, foi superin-tendente das finanas do reino no incio do governo de Lus XIV. Foi processado porque em tese sua fortuna seria derivada de peculato na Frana. Fouquet foi conde-nado morte, mas, graas influncia de seus amigos, sua pena foi convertida em priso perptua. A narrativa epigrafada mostra que mais de trs sculos depois no intil a seguinte previso:

    Artigo 5 - Direito integridade pessoal;(...)3 A pena no pode passar da pessoa do de-linqente.Conveno Americana de Direitos Hu-manos.

    No dia 6 de novembro de 2012 tero se passado 20 anos da incorporao ao Di-reito brasileiro da Conveno America-

    na de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 7 de setembro de 1992, 23 anos aps sua elaborao, em 1969. As ltimas duas dcadas viram, contudo, concorrerem entre si tendncias contra-ditrias no mbito da concretizao dos direitos humanos. No plano do processo penal, a efetivao de direitos e garantias teve e tem nas tendncias expansivas e utilitaristas da poltica criminal podero-sas foras de conteno, que vm incre-mentando os j antigos traos de nossa tradio autoritria e inquisitiva.Por vezes, no embate dessas foras, a re-sistncia Constituio e aos tratados in-ternacionais de Direitos Humanos acaba por atingir mesmo garantias que so con-quistas de sculos passados, a tornar pan-tanoso o que j foi terreno firme.Ocorre que a Constituio da Repblica no convive bem com posies antidemo-crticas; e a partir da soluo para quem no se conforma lanar mo de argu-mentos retricos de justificao, em ver-dade logo destitudos (ou destituveis) se se tiver a boa vontade de no ceder ten-tao de trilhar o caminho de vilipndio da Constituio. (COUTINHO, 2009).Um dos pontos mais sensveis desse cho-que exatamente o das medidas caute-lares pessoais e reais, que seguem a trilha expansionista do punitivismo.A evoluo da espetacularizao das prises e constries patrimoniais, no bojo da pirotecnia das megaoperaes policiais, com seus nomes marcantes (...) para alm das sirenes e algemas (LOPES JR., 2012, p. 903), um sinal desse emergencialis-

    mo penal de que o gigantismo processual, aponta Ferrajoli, um componente que tem representado, por sua vez, um terre-no propcio para qualquer tipo de abuso possvel (2004, p. 823). justamente no contexto de persecuo a novas condutas e pessoas, mormente aquelas relacionadas ao exerccio da atividade econmica e empresarial, que se insere o incremento das cautelares reais, cuja sistematicidade, no decorrer do sculo XX, sempre foi causa de confuso. Nas palavras de Gustavo Badar (2007, p. 13/14), nos ltimos anos, cresceu mui-to a utilizao das esquecidas medidas cautelares patrimoniais que, at bem pouco tempo, no tinham relevncia prtica. Procurou-se atingir criminosos e organizaes criminosas no fim espe-cfico de suas atividades: o lucro.

    Os novos contornos dados ao seques-tro de bens, hipoteca legal e mesmo s apreenses, cada vez mais amplos e abertos no vm desacompanhados de restries e relativizaes quase sempre incompatveis com as bases do sistema de justia penal constitucionalmente consagrado. Medidas que, cada vez mais, buscam, via decisionismo judicial, atingir indiscriminada-mente bens dos investigados ou acusados, acabam por esfacelar barreiras como as da legalidade e culpabilidade, comprometen-do, tal qual no caso de Fouquet, no sculo XVII, a intranscendncia da pena.Transportado para o contexto de constries patrimoniais, seu exemplo seria incomum nas buscas e apreenses realizadas em operaes policiais no Brasil atual?A pessoalidade recebeu tratamento ex-presso no Pacto de So Jos da Costa Rica. De fato, a definio j era clara na Constituio da Repblica de 1988, segun-do a qual nenhuma pena passar da pes-soa do condenado, podendo a obrigao de reparar o dano e a decretao do per-dimento de bens ser, nos termos da lei, es-tendidas aos sucessores e contra eles exe-cutadas, at o limite do valor do patrimnio transferido.O expansionismo do Estado Penal tor-na, nesse contexto, correta a advertncia de Nilo Batista et alli (2006, p. 132/133) de que o estado de polcia estende a responsabilidade a todos que cercam o infrator, rompendo a superao, anotada por Maier (2004, p. 89), de la venganza de sangre del ofendido o sus parientes [que] se logr, tras una evolucin secular, mediante la creacin del poder penal del Estado.O pano de fundo se forma para transpor ao Processo Penal o que corolrio do Direito Penal, ou seja, o princpio da in-transcendncia deve se projetar sobre as cautelares no processo penal, evitando um mal maior que a prpria pena a ser apli-cada, com a punio, sem processo, do crculo de pessoas que envolve o acusado.Como bem aponta Aury Lopes Jr. (Op. Cit.), no processo penal as medidas as-securatrias buscam a tutela do processo (assegurando a prova) e, ainda, desem-

    Leonardo Costa de PaulaCoordenador Regional do IBRASPP, Mestreem Direito Pblico pela UNESA, Professorde Direito Processual Penal da UCAM, pesquisador do Grupo de Estudo Matrizes Autoritrias do Cdigo de Processo Penal(FND-UFRJ), advogado criminal.

    Rodrigo FernandesEspecialista em Direito Penal Econmicoe Europeu pelo IDPEE-FDUC, Bacharelem Cincias Jurdicas e Sociais pela FND-UFRJ, pesquisador do Grupo de Estudo Matrizes Autoritrias do Cdigo de Processo Penal(FND-UFRJ), advogado criminal.

    Na solido em que passou seus ltimos anos de vida, recordando Fausto, o prestgio e a adulao que o cercavam quando era todo-poderoso, teve pelo menos o consolo de saber que um de seus protegidos,o escritor Paul Pellisson, jamais o abandonou, levando to longe a sua solidariedade a ele que o monarca o enviou para a Bastilha, onde passou mais de quatro anos. E l tambm foram presos o filho, o mdico, o joalheiro e o criado de quarto de Fouquet, sem culpa nem julgamento.(Danillo Nunes)

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    Referncias:

    BADAR, Gustavo Henrique R. I.A Lei n 11.435, de 28.12.2006 e o novo arresto no Cdigo de processo penal. Boletim IBCCRIM, So Paulo, ano 14, n 172, p. 13-14, mar. 2007.

    COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda.A absurda relativizao de princpios e normas: razoabilidadee proporcionalidade. Texto apresentado no Encontro do Grupo Cain, realizado nos dias 12 e 13 de fevereiro de 2009, Rio de Janeiro.

    LOPES JR. Aury.Direito processual penal e sua conformidade constitucional.So Paulo: Saraiva, 2012.

    FERRAJOLI, Luigi.Derecho y razn: teoria del garantismo penal. 6. ed.Madrid: Trotta, 2004.

    MAIER, Julio B. J.Derecho procesal penal: fundamentos. 2. ed.Buenos Aires: Del Puerto, 2004, p. 89.

    NUNES, Danillo.A Bastilha e a revoluo. Rio de Janeiro: Record,1989, p. 20 e 21.

    ZAFFARONI, E. Ral; BATISTA, Nilo, ALAGIA; Alejandro; SLOKAR, Alejandro.Direito Penal Brasileiro: primeiro volume Teoria geraldo Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 3. ed. 2006.

    penham uma importante funo de tu-tela do interesse econmico da vtima. No h simplicidade no atendimento aos requisitos para a relativizao de direitos fundamentais operada pelas cautelares, muito embora a tendncia seja do uso de argumentos retricos com base na pro-porcionalidade (COUTINHO, Op. Cit.).Apesar de nas cautelares reais o periculum libertatis da medida assecuratria receber um referencial conceitual um pouco dis-tinto daquele que norteia o sistema das cautelares pessoais, j que a liberdade a de disponibilidade do bem, o princpio da pessoalidade condiciona, tanto quanto na priso, a aplicabilidade de qualquer restrio.Se a pena no pode passar da pessoa do condenado e a perda de bens em favor da Unio um dos efeitos da condenao, o acautelamento de coisas no pode, sob nenhuma hiptese, atingir a liberdade pessoal e o patrimnio dos familiares do ru. Este um dos eixos axiolgicos do Direito Penal moderno e, no por outra razo, consagrado pela Constituio e pelos tratados de Direitos Humanos de que o Brasil signatrio, dentre os quais se destaca o art. 5, 3, do Pacto de So Jos da Costa Rica, incorporado ao direito in-terno pelo Decreto 678/92.A luta pela aproximao democrtica e pela efetivao dos direitos humanos passa, em tempos de estrondo miditico de megaoperaes e da sedutora expanso do Estado Penal, tambm, pela trincheira das garantias.Que no seja preciso se chegar ao aniversrio de 40 anos da CADH para que se possa celebrar a superao, pela defesa do hu-manismo, da vingana e do escancara-mento da violncia estatal, de modo que ao patbulo de Sanson no sejam arrasta-dos os familiares e amigos do acusado ain-da durante o processo penal, como ocor-reu na suspensa execuo de Fouquet.

    Notas:I. Referncia ao conhecido poema de CAMES,Luis de. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.II. Texto confeccionado para o 3 Boletim semestraldo IBRASPP com foco na Conveno Americanade Direitos Humanos.

    Os mltiplos Processos Punitivos Brasileiros e a Conveno Americana de Direitos HumanosUma necessria reflexo sobre a cumulao da ao civilde improbidade administrativa com a ao penal e o princpiodo non bis in idem.

    Denise Luz

    Quem se v sob suspeita de ter praticado ilcito contra a Administrao Pblica no Brasil fica submetido a uma srie de procedimentos investigatrios e sancionadores, cumulativos e independentes entre si, nas distintas esferas, civil, penal e administrativa.O presente ensaio avalia a legitimidade da cumulao do processo para apurar ato de improbidade administrativa (Lei n 8.429/92) com o processo penal sobre os mesmos fatose contra os mesmos sujeitos.Essa delimitao do contedo da abordagem decorre do fato de que so esses os veculos processuais existentes no Direito brasileiro que podem ter como consequncia punitivaa suspenso dos direitos polticos (art. 15, III, e V, CF).A suspenso de direitos pena nos termos do artigo 5, XLVI, e, da CF, o que inviabiliza negar o carter sancionador da ao de im-probidade administrativa em que pese seja processada na esfera cvel (arts. 17 e 18 da Lei 8.429/92) e tenha tambm objetivo reparatrio. Assim, o problema que se coloca se a opo legislativa de submeter o acusado a ambos os processos, para julgamento dos mesmos fatos, viola a proibio de bis in idem ou de double jeopardy.A resposta dogmtica adotada no Brasil a da independncia das instncias. No caso es-pecfico do ilcito em voga, a cumulao de processos e sanes vem fundamentada na parte final do 4 do art. 37 da CF que prev a responsabilidade por atos de improbidade sem prejuzo da ao penal cabvel.

    O Pacto de So Josda Costa Rica, diferentemente do Convnio Europeu sobre Direitos Humanos que probea duplicidade apenasde sanes criminais, d grande amplitude clusulado non bis in idem.

    Denise LuzMestre em Cincias Criminais (PUCRS)Especialista em Direito do Estado (UFRGS)Advogada