Interregnum o Império Que Permanece Ou a Revolução Que Vem_ Rui Ibañez Matoso_2015

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INTERREGNUM: O IMPÉRIO QUE PERMANECE OU A REVOLUÇÃO QUE VEM ? Numa entrevista publicada no SALON , a propósito do lançamento do seu novo livro Wages of Rebellion: The Moral Imperative of Revolt , o jornalista Chris Hedges (prémio Pulitzer) defende que estamos a viver já num momento revolucionário e no auge de uma crise humanitária sem precedentes. Afirma ainda que vivemos num período de incubação, um interregnum prévio ao eclodir da revolução, tal como Antonio Gramsci o havia descrito nos cadernos de prisão a propósito do conceito de crise orgânica: A crise consiste precisamente no facto do antigo estar a morrer e do novo ainda não poder nascer; neste interregno uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem. É a partir da definição de situação revolucionária (Lenine) que Gramsci situa este interregno, uma suspensão das funções democráticas de governação, onde os governantes já não conseguem governar e os governados não pretendem continuar a a ser governados. Mas é também neste impasse que os Estados tendem a impor o estado de excepção como paradigma de governo e regra dominante na política contemporânea, desde a 1ª Guerra (Giorgio Agamben), dificultando assim, através do exercício sistemático da violência, o surgimento de plataformas favoráveis à democracia radical, à luta anti-globalização ou aos movimentos anticapitalistas. Na história mais recente do estado de excepção, o efeito panóptico do controlo foi

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Interregnum o Império Que Permanece Ou a Revolução Que Vem

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  • INTERREGNUM: O IMPRIO QUE PERMANECE OU A REVOLUO QUE VEM ?

    Numa entrevista publicada no SALON, a propsito do lanamento do seu novo livro Wages

    of Rebellion: The Moral Imperative of Revolt, o jornalista Chris Hedges (prmio Pulitzer) defende

    que estamos a viver j num momento revolucionrio e no auge de uma crise humanitria sem

    precedentes. Afirma ainda que vivemos num perodo de incubao, um interregnum prvio ao

    eclodir da revoluo, tal como Antonio Gramsci o havia descrito nos cadernos de priso a propsito

    do conceito de crise orgnica: A crise consiste precisamente no facto do antigo estar a morrer e do

    novo ainda no poder nascer; neste interregno uma grande variedade de sintomas mrbidos

    aparecem.

    a partir da definio de situao revolucionria (Lenine) que Gramsci situa este

    interregno, uma suspenso das funes democrticas de governao, onde os governantes j no

    conseguem governar e os governados no pretendem continuar a a ser governados. Mas

    tambm neste impasse que os Estados tendem a impor o estado de excepo como paradigma de

    governo e regra dominante na poltica contempornea, desde a 1 Guerra (Giorgio Agamben),

    dificultando assim, atravs do exerccio sistemtico da violncia, o surgimento de plataformas

    favorveis democracia radical, luta anti-globalizao ou aos movimentos anticapitalistas.

    Na histria mais recente do estado de excepo, o efeito panptico do controlo foi

  • ampliado pela ciberntica, o infame Patriot Act iniciativa de George Bush aps o 9/11- teve

    consequncias sobejamente conhecidas na escalada da vigilncia e controlo dos diversos

    movimentos sociais. Dada a situao de fim parcial de validade legal desta medida, o congresso

    americano poder ainda mant-la ou suspender os seus actos, nomeadamente desligar os

    sistemas de vigilncia massivos da NSA, isso que exigem os movimentos que defendem a

    liberdade de expresso e o direito privacidade.

    Na entrevista e num outro texto intitulado Our Invisible Revolution, Chris Hedges menciona

    o anarquista Alexander Berkman, para se referir ideia de ponto de ebulio revolucionrio. No

    ensaio The Idea is the Thing, Berkman coloca uma questo inicial que ainda aquela que nos

    colocamos um sculo depois: j alguma vez se perguntaram como que acontece que estes

    governos e o capitalismo continuem a existir apesar de toda misria e problemas causados no

    mundo?

    Apesar dos muitos (os 99%) terem conscincia deste paradoxo, tambm sabemos que no

    existem frmulas mgicas ou solues prontas a usar. Neste sentido, Berkman diz que a revoluo

    o clmax de uma trajectria evolutiva, a revoluo pois o ponto de ebulio da evoluo, e as

    condies econmicas e polticas o fogo que aquece mais, ou menos, o caldeiro social. De acordo

    com esta lgica, a Grcia teria atingido j o limiar da ebulio, sendo o Syriza o motor da

    revoluo contra as polticas neoliberais e austeritrias em solo europeu.

    Contudo, no se trata apenas de mecnica clssica doa fluidos, h mais variveis na

    equao, segundo Berkman: as presses vinda de cima (opresso poltica e econmica); as

    presses vinda de baixo (emancipao, activismo e pensamento crtico); a disseminao e debate

    de ideias crticas que facilitem a emergncia de subjectividades rebeldes (esclarecimento).

    A causalidade necessria entre a preparao individual e colectiva, e a efectiva emergncia

    de um movimento revolucionrio organizado um dos principais factores de uma transformao

    social e poltica bem sucedidas. No caso da revoluo Russa de 1917, Berkman s a reconhece

    como caso de sucesso at ao ponto em que a falta de esclarecimento das massas acerca dos

    fundamentos polticos redundou na imposio da ditadura aps a morte de Lenine.

    Na actualidade, tambm se tornou evidente que os movimentos dos Indignados em

    Espanha, a partir do 15-M (15 Maio, 2011), precisaram de tempo para reforar a construo de um

    programa poltico e a organizao da aco, at ao momento em que eclodiram como movimento

    poltico Podemos e iniciaram a mudana poltica em Espanha. Tambm os Occupy necessitam de

    ter em conta essa diferena de potencial entre a difuso e o enraizamento de uma cultura de

    crtica poltica e social, tal como Slavoj iek mencionou no Occupy Wall Street: There is a danger.

  • Dont fall in love with yourselves. We have a nice time here. But remember, carnivals come cheap.

    What matters is the day after, when we will have to return to normal lives.

    Chris Hedges menciona essencialmente as circunstncias actuais nos EUA, mas o padro

    de estado de stio mantm-se equivalente ao europeu, com nuances certo. Nos EUA, apesar das

    revoltas em torno das mortes de cidados afro-americanos e contra a violncia policial, a cada 28

    horas uma pessoa de cor abatida pela polcia, pessoas que na maioria dos casos esto

    desarmadas. Isto sintomtico de um Estado ossificado em torno dos interesses das corporaes,

    que j no se preocupa nem age a favor da sociedade civil. Atingido este ponto, afirma Chris

    Hedges, os mecanismos normais de reforma incremental das instituies sociais deixam de

    funcionar porque foram capturados por outros poderes exteriores ao Estado (corporaes

    financeiras ou imprios de comunicao social, p.ex).

    As frentes de luta so muitas e em diversas escalas, desde a globalizao secreta dos

    mercados livres inscrita no actual Tratado Trans-atlntico s privatizaes nacionais, passando

    pelas alteraes climticas, migraes foradas e inumanas, a expanso do poder militar e da

    guerra, ou o reforo da violncia contra os cidados, etc. alis na conjuntura desta frente de

    confronto, onde a violncia e os recursos tecnolgicos blicos sero certamente usados em caso

    de levantamento popular, que os activistas e movimentos sociais tem hoje de aliar-se aos hackers e

    ciberactivistas. Miguel Caetano (investigador em Cincias da Comunicao), questiona, num post

    sobre a entrevista de Chris Hedges: como possvel vencer o aparelho militar-industrial dos EUA?

    Eu diria que sem interveno de hackers quase impossvel. O resultado s poder ser uma guerra

    civil sangrenta e, consequentemente, o regresso barbrie... De qualquer forma, EUA e Espanha

  • continuam a ser pases com um elevado potencial "revolucionrio", seja pela via pacfica ou no....

    que parece impossvel que uma revoluo ocorra em pleno sculo XXI sem ter em conta o plano

    da ciberguerra e dos ataques informticos contra infra-estruturas militares e de comunicaes. De

    outro modo o nmero de vtimas tender a ser gigantesco, dada a capacidade de extermnio das

    armas dos dias de hoje.

    Seja como for preciso ateno redobrada neste interregnum, e ter em considerao que

    na derradeira carta ao comit revolucionrio Lenin fez notar que a histria no perdoar aos

    revolucionrios procrastinadores ...

    Rui Ibaez Matoso

    7 Junho 2015

    [email protected]