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INTERCULTURALIZAR DESCOLONIZAR DEMOCRATIZAR: uma educação “outra”?

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uma educação “outra”?

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Copyrigth@2016 Vera Maria Candau

Organização

Vera Maria Candau (org)

Coordenação editorial e revisão

Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Projeto gráfico e capa

Rodolpho Oliva

Autores/autoras

Adélia Maria Nehme Simão e Koff, André Luiz Sena Mariano, Augusto Cesar Gonçalves e Lima, Carla de Oliveira Romão, Carmen Teresa Gabriel, Catherine Walsh, Cinthia Monteiro de Araújo, Cristiane Correia Taveira, Daniel Mato, Daniela Frida Drelich Valentim, Edson Diniz, Emilia Freitas de Lima, Fidel Tubino, Helena Maria Marques Araújo, Isabell Theresa Tavares Neri, Ivanilde Apoluceno de Oliveira, Kelly Russo, Luiz Fernandes de Oliveira, Marcelo Gustavo Andrade de Souza, Miriam Soares Leite, Stela Guedes Caputo, Susana Beatriz Sacavino, Vera Maria Ferrão Candau, Wilson Cardoso Júnior

Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida, duplicada ou transmitida por quaisquer meios sem a prévia autorização da organizadora.

FICHA CATALOGRÁFICA

2016Viveiros de Castro Editora LtdaRua Visconde de Pirajá, 580 Loja 320Ipanema, Rio de Janeiro/RJCep: 22410-902

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Organizadora

Vera Maria Candau

Rio de Janeiro, 2016

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A Educação Intercultural parte da afirmação

da diferença como riqueza. Promove processos

sistemáticos de diálogo entre diversos sujeitos

-individuais e coletivos-, saberes e práticas na

perspectiva da afirmação da justiça -social,

econômica, cognitiva e cultural-, assim como

da construção de relações igualitárias entre

grupos socioculturais e da democratização da

sociedade, através de políticas que articulam

direitos da igualdade e da diferença.

(GECEC, 2014)

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Apresentação

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O Grupo de Estudos Cotidiano, Educação e Cultura(s) (GECEC), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC--Rio, está completando no presente ano vinte anos de atividades.

Desde 1996, estamos desenvolvendo, de modo sistemático e articu-lado, uma linha de pesquisa que aborda diferentes dimensões da problemática das relações entre educação e cultura(s). Foram anos de intenso trabalho e produção de livros, artigos, comunicações em congressos, capítulos de livros, palestras, cursos, assim como de teses e dissertações que, sempre referidos a uma pesquisa-eixo de caráter institucional, permitiram aprofundar e discutir diver-sas questões presentes tanto na produção acadêmica, quanto na dinâmica da sociedade em geral e, particularmente, no contexto educacional.

A problemática das diferenças culturais vem adquirindo cada vez maior visibilidade social e suscitando acirradas polêmicas em di-versos espaços, da grande mídia às redes sociais, dos movimentos sociais às salas de aula. Relações étnico-raciais, diversidade sexual, questões de gênero, pluralismo religioso, relações geracionais, cul-turas infantis e juvenis, saberes curriculares, entre outros, são te-mas que provocam tensões, reações de intolerância e discriminação, assim como suscitam diversas iniciativas orientadas a trabalhá-los numa perspectiva orientada à afirmação democrática, ao respeito mútuo, à aceitação da diferença e à construção de uma sociedade em que todos e todas possam ser plenamente cidadãos e cidadãs.

No trabalho que vimos realizando, algumas afirmações foram ad-quirindo cada vez maior centralidade na perspectiva de se aprofun-dar esta problemática nos contextos educativos.

A primeira delas refere-se à relação entre diferenças culturais e direitos humanos. O discurso sobre os direitos humanos tem uma longa trajetória histórica e está intimamente relacionado com as lutas sociais. No entanto, a configuração que adquiriu está forte-mente marcada por referenciais da modernidade, tendo no cen-tro de sua construção as questões da igualdade, da liberdade e da universalidade. Hoje, vários grupos questionam a pertinência desta construção e se perguntam se esta pode ser referência para se reco-nhecer as diferenças culturais, os diversos modos de situar-se diante da vida, dos valores, as várias lógicas de produção de conhecimen-tos, práticas e visões de mundo.

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Partimos do ponto de vista de que a relação entre questões refe-ridas à justiça, superação das desigualdades e democratização de oportunidades, e as que dizem respeito ao reconhecimento de di-ferentes grupos socioculturais se faz cada vez mais estreita. Neste sentido, a problemática dos direitos humanos, muitas vezes en-tendidos como direitos referidos à igualdade, fundamentalmente individuais, civis e políticos, se amplia e, cada vez mais, se afirma a importância dos direitos coletivos, culturais e ambientais. Nes-ta perspectiva, igualdade e diferença não podem ser vistos como pólos que se contrapõem e sim como pólos que se exigem mutua-mente. Esta articulação entre igualdade e diferença, redistribuição e reconhecimento (Fraser, 2001), tem sido um eixo central das pes-quisas que vimos desenvolvendo e orientando.

A segunda afirmação que estrutura nosso trabalho tem que ver com a relação entre multiculturalismo e interculturalidade. Parti-mos do reconhecimento de que estas são expressões polissêmicas. Na América Latina muitos autores as contrapõem, entendendo o multiculturalismo como a afirmação das diferenças em suas espe-cificidades e a interculturalidade colocando a ênfase no aspecto relacional.

No entanto, assumimos a posição de que o multiculturalismo ad-mite diferentes posições que podem ser sintetizadas em três: as-similacionista, diferencialista e interativa (Candau, 2009). A abor-dagem assimilacionista parte da afirmação de que vivemos numa sociedade multicultural, no sentido descritivo. Uma política assimi-lacionista - perspectiva prescritiva - vai favorecer que todos se in-tegrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica.

No caso da educação, promove-se uma política de universaliza-ção da escolarização. Todos e todas são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo, quanto às relações entre os diferen-tes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. Quanto ao multiculturalismo diferencialista ou, segundo Amartya Sen (2006), monocultura plural, esta abordagem parte da afirmação de que quando se enfatiza a assimilação termi-na-se por negar a diferença ou por silenciá-la. Propõe então colocar a ênfase no reconhecimento da diferença e, para promover a ex-pressão das diversas identidades culturais presentes num determi-nado contexto, garantir espaços em que estas possam se expressar.

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Afirma-se que somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base. Algumas das posi-ções nesta linha terminam por assumir uma visão essencialista da formação das identidades culturais. São então enfatizados o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, é privilegiada a formação de comunidades culturais consideradas ‘homogêneas’ com suas próprias organizações - bairros, escolas, igrejas, clubes, associações etc. Na prática, em muitas sociedades atuais terminou-se por favorecer a criação de verdadeiros apartheids socioculturais.

Estas duas posições, especialmente a primeira, são as mais frequen-tes nas sociedades latino-americanas. Algumas vezes convivem de maneira tensa e conflitiva. São elas que em geral são focalizadas nas polêmicas sobre a problemática multicultural.

No entanto, nos situamos numa terceira perspectiva, que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a intercul-turalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades democráticas e inclusivas, que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade.

Afirmamos também o caráter original do desenvolvimento da pers-pectiva intercultural na América Latina, assim como a relevância que vem adquirindo, especialmente a partir dos anos 90. Em di-versos países do continente provoca uma intensa produção biblio-gráfica e fortes discussões. Diferentes dimensões -política, ética, social, jurídica, epistemológica e educacional- são analisadas e ob-jeto tanto de debates por atores da sociedade civil, como ocasião de desenvolvimento de pesquisas e outras iniciativas. Também tem estimulado a elaboração de políticas públicas centradas ou que contemplam esta temática.

Na realização de nossas pesquisas temos privilegiado o diálogo com diferentes autores latino-americanos e estimulado o aprofun-damento na educação intercultural crítica, na perspectiva assina-lada por Tubino (2005, p. 5):

A assimetria social e a discriminação cultural tornam inviável o diálogo intercultural autêntico. Por isso, não se deve come-çar pelo diálogo e sim pela pergunta pelas condições do diálo-go. Ou, dizendo de modo mais preciso, é necessário exigir que o diálogo entre as culturas seja em primeiro lugar um diálogo sobre os fatores econômicos, políticos, militares etc., que con-dicionam atualmente o intercâmbio franco entre as culturas

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da humanidade. Esta exigência é hoje imprescindível para não se cair na ideologia de um diálogo descontextualizado, que se limitaria a favorecer os interesses criados da civilização domi-nante, não levando em consideração a assimetria de poder que reina hoje no mundo. Para que o diálogo seja real, é necessário começar por visibilizar as causas do não diálogo, o que passa necessariamente por um discurso de crítica social.

A interculturalidade crítica quer ser uma proposta epistemológica, ética e política orientada à construção de sociedades democráticas que articulem igualdade e reconhecimento das diferenças cultu-rais, assim como a propor alternativas ao caráter monocultural e ocidentalizante dominante na maioria dos países do continente.

Um terceiro eixo articulador do nosso trabalho tem sido, particu-larmente no que se refere a educação escolar, a afirmação de que estamos chamados a “reinventar a escola”. (Candau, 2010)

A problemática da educação está na ordem do dia e abarca diferen-tes dimensões: universalização da escolarização, qualidade da edu-cação, projetos político-pedagógicos, dinâmica interna das escolas, concepções curriculares, relações com a comunidade, função social da escola, processos de avaliação no plano institucional e nacional, formação de professore/as, violências no/do contexto escolar, entre outras. É possível detectar um crescente mal-estar entre os profis-sionais da educação. No entanto, acreditamos que este mal-estar exige que nos enfrentemos com a questão da crise atual da escola não de um modo superficial, que tenta reduzi-la à inadequação de métodos e técnicas, à introdução das tecnologias da informação e da comunicação de forma intensiva, ou ao ajuste da gestão escolar à lógica do mercado e da modernização. Pensamos que a crise da escola se situa em um nível mais profundo.

Nesta busca nos situamos e consideramos a interculturalidade um elemento central neste processo de “reinventar a escola”, articulan-do igualdade e diferença e construindo sujeitos, saberes e práticas comprometidos com o fortalecimento da democracia e a emanci-pação social.

Hoje temos como referência fundamental de nossas pesquisas a concepção de interculturalidade crítica que construímos coletiva-mente no GECEC:

A Educação Intercultural parte da afirmação da diferença

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como riqueza. Promove processos sistemáticos de dialogo en-tre diversos sujeitos -individuais e coletivos-, saberes e práti-cas na perspectiva da afirmação da justiça -social, econômica, cognitiva e cultural-, assim como da construção de relações igualitárias entre grupos socioculturais e da democratização da sociedade, através de políticas que articulam direitos da igualdade e da diferença (2013).

Gostaríamos simplesmente de ressaltar a primeira afirmação: a educação intercultural parte da afirmação da diferença como ri-queza. Parece uma afirmação óbvia, mas não é. O termo diferença, em depoimentos de educadores/as, em várias das pesquisas que realizamos, é frequentemente associado a um problema a ser resol-vido, à deficiência, ao déficit cultural e à desigualdade. Somente em poucos depoimentos, a diferença é articulada a identidades plurais que enriquem os processos pedagógicos e devem ser reconhecidas e valorizadas. No entanto, se não logramos mudar de ótica e situ-ar-nos diante das diferenças culturais como riquezas que ampliam nossas experiências, dilatam nossa sensibilidade e nos convidam a potencializá-las como exigência da construção de um mundo mais igualitário, não poderemos ser atores de processos de educação intercultural na perspectiva que assinalamos. E, para tal, estamos chamados a desconstruir aspectos da dinâmica escolar naturaliza-dos que nos impedem de reconhecer positivamente as diferenças culturais e, ao mesmo tempo, promover processos que potenciali-zem esta perspectiva.

Além de especialistas de diferentes países latino-americanos, a quase totalidade dos autores e autoras que integram a presente publicação participaram do GECEC em diversos momentos de sua trajetória acadêmica e profissional: como estudantes do programa de pós-graduação -Mestrado e Doutorado- da PUC-Rio ou como co-legas que realizaram seu pós-doutorado no contexto deste grupo de pesquisa. Todos foram/são atores, construtores dos caminhos que trilhamos nestes 20 anos.

Estes profissionais estão hoje vinculados a diferentes universida-des do país, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Federal de São Carlos e Uni-versidade do Estado do Pará, assim como ao Instituto Nacional de Educação de Surdos e a equipe da organização não governamental

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Novamerica. Têm exercido nas respectivas instituições funções de gestão, assim como atividades de ensino, pesquisa e extensão e re-alizam consultorias a diversos órgãos públicos e privados. Coorde-nam equipes de pesquisa relacionadas com a temática das relações entre educação e cultura(s), possuem uma expressiva produção acadêmica e são atuantes em associações nacionais como a Anped, entre outras, participando comprometidamente do debate público sobre as questões educativas e sociais.

Agrupamos os artigos da presente publicação em quatro grandes blocos. O primeiro -Interculturalidade, Decolonialidade e Educação: perspectivas - está integrado por textos de autores latino-america-nos com os quais temos mantido uma intensa interlocução: Fidel Tubino, da Universidade Católica do Peru, que trata das relações entre formação cidadã e educação intercultural, Catherine Walsh, da Universidad Andina Simón Bolívar, sede Equador, focalizando as “brechas decoloniais”, bem como suas implicações para o trabalho acadêmico e político e Daniel Mato, da Universidade Nacional de Três de Fevereiro (Untref), Argentina, que analisa questões sobre as relações entre universidade e diversidade cultural e epistêmica no contexto latino-americano. Foi incluído também um trabalho de minha autoria sobre as contribuições para a Educação Intercultural do pensamento de Boaventura Sousa Santos, conhecido sociólogo da Universidade de Coimbra, com o qual também temos mantido um intenso diálogo, particularmente nos últimos anos. A produção destes autores tem provocado discussões e alargado nossas inquie-tudes e buscas na perspectiva da afirmação da interculturalidade crítica e suas implicações para os processos educacionais.

O segundo bloco, -Conhecimentos, Políticas, Enfoques e Educação In-tercultural- está integrado por textos que abordam determinadas políticas públicas como a versão preliminar sobre a Base Nacional Comum Curricular, proposta pelo MEC, e que tem suscitado ampla discussão na área acadêmica, concretamente sobre o ensino de história, de autoria de Carmen Teresa Gabriel; este também é o foco de um segundo texto orientado a desconstruir o caráter mo-nocultural de sua abordagem e oferecer elementos para a constru-ção de “outras histórias possíveis”, de Cinthia Monteiro de Araujo. Outros textos abordam temas relativos às políticas de ação afirma-tiva no ensino superior dirigidas a estudantes negros, de Daniela Valentim Drelich, assim como a implantação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, em escola de ensino fundamental situada próxima de uma comunidade quilombola do Rio de Janeiro, de autoria de

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Augusto César Gonçalves e Lima. Integram também este bloco o trabalho de Luís Fernandes de Oliveira que nos oferece elementos para repensar a luta antirracista no Brasil, em especial, no campo educacional sob a perspectiva da interculturalidade, e o de Susana Sacavino que aborda tema que vem adquirindo especial relevância na América Latina, as relações entre descolonização e educação.

Sujeitos, Diferenças e Processos Educativos é a temática do terceiro bloco. Nele são abordados temas pouco trabalhados na literatura pedagógica e importantes para a perspectiva da educação intercul-tural. Kelly Russo e Edson Diniz tratam de trajetórias de estudan-tes universitários indígenas no Estado do Rio de Janeiro. Miriam Soares Leite e Carla de Oliveira Romão da persistência do sexismo na educação escolar da juventude. Helena Maria Marques de Araú-jo e Stela Guedes Caputo focalizam as crianças como sujeitos em espaços de educação não formal, o Museu da Maré e os terreiros. Finaliza o bloco, Cristiane Correia Taveira, abordando processos de construção pedagógica que assumem as especificidades das pesso-as surdas.

O quarto e último bloco, está centrado em temas relativos às Prá-ticas Pedagógicas, Formação de Educadores e Interculturalidade. Pro-cura oferecer caminhos para a construção de práticas educativas interculturais e o enfrentamento de preconceitos e discriminações presentes muitas vezes nos âmbitos educativos. Adélia Maria Neh-me Simão e Koff analisa a pertinência do trabalho centrado em projetos para a educação intercultural. Wilson Cardoso Júnior trata do ensino de artes visuais antirracista. Marcelo Andrade de como enfrentar a intolerância religiosa na escola, a partir da perspectiva intercultural. Ivanilde Apoluceno de Oliveira e Isabell Theresa Tava-res Neri analisam experiências de educação não formal a partir das contribuições de Paulo Freire à perspectiva intercultural. Emília Freitas de Lima e André Luiz Sena Mariano, assim como Vera Maria Candau, focalizam temas referentes à formação de professores e interculturalidade. Os primeiros a partir de questões sobre os sabe-res docentes e a segunda apresenta uma experiência realizada com professores em serviço.

Por esta breve descrição, é possível afirmar que os textos que inte-gram a presente publicação abordam diferentes temáticas, a partir de diversos olhares e perspectivas, com referenciais teóricos e en-foques plurais. Constituem um significativo mosaico das problemá-ticas que afetam as questões relativas às diferenças culturais hoje.

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Esta é uma característica inerente a esta linha de investigação, a pluralidade analítica e crítica, o incessante alargamento de suas preocupações e perspectivas.

No entanto, tendo presente esta diversidade dos textos, é possível identificar uma busca comum, presente de modo explícito ou im-plícito em todos os trabalhos, a necessidade de reinventar a educa-ção e a escola, a superação do caráter monocultural, euro-usa-cên-trico e homogeneizador das práticas educativas. Consideramos que este é o desafio do momento. E, neste sentido, Interculturalizar, Descolonizar e Democratizar são referentes fundamentais. Fica o interrogante: é possível construir uma Educação “Outra”? “Outra” na perspectiva que nos propõe Catherine Walsh (2005):

O conceito de interculturalidade é central à (re) construção de um pensamento crítico-outro -um pensamento crítico de/des-de outro modo-, precisamente por três razões principais: pri-meiro porque está vivido e pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque reflete um pensamento não baseado nos legados eurocêntricos ou da modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro no norte global” (WALSH, 2005, p. 25).

Esta publicação só foi possível tendo presente todas as pessoas que participaram/am do GECEC nestes 20 anos: mestrandos, doutoran-dos, pós-doutorandos, profissionais de outras instituições, bolsistas de iniciação científica e de apoio técnico. A todos agradecemos sua participação ativa crítica e comprometida. Também foi/é funda-mental a disponibilidade, interesse e colaboração dos funcionários e docentes do Departamento de Educação da PUC-Rio. Sem vocês não teria sido possível o desenvolvimento do GECEC. Não poderia deixar de mencionar também o CNPq que tem viabilizado financei-ramente a realização dos diferentes projetos institucionais que re-alizamos nestes 20 anos. Sua ação é fundamental para o contínuo aperfeiçoamento da produção científica no nosso país. A todos e todas agradeço profundamente e desejo que possamos continuar investindo na construção de uma educação que responda aos de-safios hoje colocados pela nossa sociedade.

Vera Maria Candau

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): multiculturalismo, univer-salismo e currículo. In: Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Forma&Ação, 2009.

__________________ Reinventar a Escola. In: CANDAU, V. M. (Org.). Reinventar a Escola. Petrópolis: Vozes, 7ª ed. 2010.

FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialista. In: SOUZA, Jessé. (Org.) Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Editor Universidade de Brasília, 2001.

SEN, Amartya. O racha do multiculturalismo. Suplemento Mais. Folha de São Paulo, 17 de setembro, 2006.

TUBINO, Fidel. La interculturalidad crítica como proyecto ético-político. Encuen-tro Continental de Educadores Agustinos. Lima, enero 2005.

Disponível em http://oala.villanova.edu/congresos/educación/lima-ponen-02.html

WALSH, Catherine. (Ed.). Pensamiento crítico y matriz (de)colonial: reflexiones lati-noamericanas. Quito: Universidad Andina Simon Bolivar/Abya-Yala, 2005.

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1 INTERCULTURALIDADE, DECOLONIALIDADE E EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS p. 21

Por que a formação cidadã é necessária na educação intercultural? p. 22

Fidel Tubino

Universidades e diversidade cultural e epistêmicana América Latina: experiências, conflitos e desafios p. 38

Daniel Mato

Notas pedagógicas a partir das brechas decoloniais p. 64

Catherine Walsh

“Ideias-força” do pensamento de Boaventura Sousa Santos e a educação intercultural p. 76

Vera Maria Candau

2 CONHECIMENTOS, POLÍTICAS, ENFOQUES E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL p. 99

Nação, diferença e temporalidade: uma análise discursiva da BNCC de história p. 100

Carmen Teresa Gabriel

Conhecimento Escolar e Interculturalidade: por outras histórias possíveis p. 126

Cinthia Monteiro de Araujo

Educação intercultural crítica e ação afirmativa: avanços e desafios p. 144

Daniela Frida Drelich Valentim

A cultura escolar e os quilombolas: uma experiência de aplicação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 p.160

Augusto César Gonçalves e Lima

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A razão do outro: uma perspectiva histórica intercultural como referência para a educação p. 174

Luiz Fernandes de Oliveira

Educação descolonizadora e interculturalidade: notas para educadoras e educadores p. 188

Susana Sacavino

3 SUJEITOS, DIFERENÇAS E PROCESSOS EDUCATIVOS p. 205

Interculturalidade combina com universidade? Trajetórias de estudantes universitários indígenas no Estado do Rio de Janeiro p. 206

Kelly Russo e Edson Diniz

Da persistência do sexismo na educação escolar da juventude: sobre gênero, heranças e multiplicações p. 226

Miriam Soares Leite e Carla de Oliveira Romão

Transformando a palafita em casinha: as memórias do Museu da Maré através das crianças p.250

Helena Maria Marques Araújo

Pesquisar crianças em terreiros: diálogos e alianças necessárias p. 266

Stela Guedes Caputo

Em busca de uma didática da invenção surda p. 282

Cristiane Correia Ttaveira

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, FORMAÇÃO DE EDUCADORES E INTERCULTURALIDADE p. 303

Educação intercultural crítica e trabalho centrado em projetos: um diálogo produtivo para reinventar a escola p. 304

Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Uma aproximação à interculturalidade nas práticas pedagógicasescolares: qual o lugar dos saberes docentes? p. 322

Emília Freitas de Lima e André Luiz Sena Mariano

Cotidiano escolar e práticas interculturais p. 342

Vera Maria Candau

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ário

Vozes de educandas em práticas pedagógicas interculturais freireanas p. 358

Isabell Theresa Tavares Neri e Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Ensino de artes visuais antirracista: reflexões sobre uma prática pedagógica p. 376

Wilson Cardoso Junior

Intolerância religiosa como experiência escolar: viver, narrar e aprender p. 394

Marcelo Andrade

Perfil dos autores p. 419

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INTERCULTURALIDADE, DECOLONIALIDADE E EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS

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Fidel Tubino

Porque a formação cidadã é necessária na educação intercultural

Doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica); Professor principal do Departamento de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Peru; Coordenador da Rede Internacional de Estudos Interculturais (RIDEI).

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E m nossos países, a educação intercultural é basicamente fun-

cional, não crítica. Quando não evidencia e desconstrói as causas estruturais e os processos históricos que estão na base da estig-matização cultural, oxigena o modelo social vigente, sem gerar al-ternativas viáveis. Em nossas sociedades pós-coloniais, a educação intercultural bilíngue tende a se limitar à revitalização etnolinguís-tica de nossos povos indígenas. Sem dúvida, isso é muito importan-te, na medida em que permite reforçar a autoestima individual e coletiva dos grupos socioculturais, injustamente inferiorizados. No entanto, limitar-se a essa questão não é suficiente. É como atacar os efeitos sem analisar as causas.

A estigmatização sociocultural é um problema relacional de mão dupla. O estigma é uma marca socialmente menosprezada, que desumaniza quem a encarna. A estigmatização atua como um obs-táculo, que impede as pessoas de desenvolver suas capacidades valiosas e exercer seus direitos fundamentais. É, portanto, um pro-blema ético e, ao mesmo tempo, de cidadania.

Em nossos processos primários de socialização, assimilamos, de maneira não deliberada, um conjunto de classificações hierarqui-zadas de categorias, que agrupam as pessoas em função de uma série de atributos, que despertam, nos outros, “expectativas nor-mativas”1, sensações, pressupostos e atitudes, ou seja, projeções.

Um estigma é um atributo que colocamos e projetamos, de ma-neira inconsciente, em uma pessoa, por seu pertencimento a um grupo social, categorizado como socialmente menosprezado. Isso gera “projeções” desumanizantes e desqualificadoras, que anulam simbolicamente a pessoa. Nojo, rejeição, medo são algumas das re-ações involuntárias que os estigmas produzem. Dessa forma, “um indivíduo, que poderia ser facilmente aceito em uma relação social comum, adquire uma característica que pode impor-se à força à nossa atenção, anulando o chamado que nos fazem seus outros atributos”2. Pode ser um traço fenotípico, uma maneira de falar, um costume. Por isso, “é provável que, ao ficarmos frente a um estra-nho, as primeiras aparências nos permitam prever em que catego-ria ele se encaixa e quais são seus atributos, ou seja, sua identidade

1 GOFFMAN, Erving. Estigma. Bs. As.: Amorrurtu Ed., p. 14, 2008. 2 GOFFMAN, Erving. Estigma. Bs. As.: Amorrurtu Ed., p. 16, 2008.

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social”3, que se parece mais com o estereótipo estabelecido do que com sua real identidade.

Os estigmas definem, não um conjunto de pessoas (discriminados e discriminadores), mas papéis de interação social. Assim, por exem-plo, uma pessoa pode assumir papel de estigmatizador frente à outra que possui o mesmo estigma sociocultural, ao se encontrar em uma posição social privilegiada. O mais grave é que os estigmas geram crenças impensadas, que funcionam como disparadores de atitudes depreciativas. Assim, “cremos, por definição, que a pessoa que tem um estigma não é totalmente humana”4.

Segundo Goffman, existem três tipos fundamentais de estigmas. Aqueles que estão associados a deformidades físicas, os que estão relacionados ao “caráter do indivíduo” (por exemplo, perturbações mentais, vícios) e os chamados “estigmas tribais”5. Entre esses últi-mos, encontram-se os estigmas culturais e etnorraciais. No presen-te trabalho, me limitarei a analisar as origens dos “estigmas tribais” socioculturais nas sociedades pós-coloniais e como podemos res-ponder a seus efeitos sobre o conhecimento de suas causas.

Postularei que desconstruir esse padrão de relação perversa, en-raizada no imaginário social, é a tarefa fundamental da educação intercultural. Isso implica em fazer dela um espaço que permita problematizar e desnaturalizar a estigmatização cultural, mediante a visibilidade e o questionamento de suas causas atuais e suas ori-gens históricas. Para desfazer esse padrão de comportamento, é ab-solutamente necessário recriar a educação intercultural e ampliar seu campo de influência para as elites hegemônicas da sociedade. Estamos diante de tipos de interação social, que “marcam” as pes-soas, reduzindo suas possibilidades vitais de crescimento humano.

Para abordar essa problemática a partir da educação, não basta transpor o modelo de educação intercultural bilíngue, que hoje é ensinado aos estudantes indígenas que habitam as zonas rurais e estudantes não indígenas que moram nas zonas urbanas. Generali-zar a educação intercultural implica em reinventá-la, articulando-a à educação ética e cidadã que nossas sociedades demandam. Signi-fica revisá-la criticamente, tanto em nível conceitual como peda-

3 GOFFMAN, Erving. Estigma. Bs. As.: Amorrurtu Ed., p. 14, 2008.4 GOFFMAN, Erving. Estigma. Bs. As.: Amorrurtu Ed., p. 17, 2008.5 GOFFMAN, Erving. Estigma. Bs. As.: Amorrurtu Ed., p. 16, 2008.

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Na América Latina, a interculturalidade, como deve ser, não se li-mita a fixar um conjunto de competências que tornem possível a comunicação entre pessoas de culturas diferentes. Estamos cons-cientes de que, por baixo desses problemas comunicativos, há uma problemática de fundo que deve ser desvelada, para possibilitar a construção das condições de um diálogo intercultural autêntico.

Por essa razão, “parte-se da afirmação de que a interculturalida-de aponta para a construção de sociedades que assumem as di-ferenças como constitutivas da democracia e que são capazes de construir novas relações, verdadeiramente igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que foram historicamente inferiorizados”7. No presente trabalho, desejo expor as razões pelas quais considero uma necessidade his-tórica recolocar o sentido da educação intercultural em nossos países, a partir de uma perspectiva crítica e libertadora8. Para tal, começarei apresentando, de maneira geral, a problemática de fun-do à qual a interculturalidade crítica responde como projeto social ético-político, considerando que “o grande desafio, tanto da edu-cação intercultural como da educação bilíngue, é contribuir para romper as relações assimétricas de poder que existem no país e buscar a construção de uma sociedade mais igualitária e justa, na qual todos e todas nos reconheçamos igualmente valiosos e impor-tantes e tenhamos as mesmas oportunidades de desenvolvimento pessoal e coletivo por fazermos parte de um povo”9. Em segundo lugar, tentarei analisar os alcances da educação intercultural con-vencional e as possibilidades que a educação cidadã intercultural

6 WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago e GROSFOGUEL, Ramón. Giro decolonial, teoría crítica y pensamiento heterárquico. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, p. 47, 2007.

7 CANDAU, Vera Maria. Diferenças culturais, interculturalidades e educação em direitos huma-nos. In: Educ. Soc., v. 33, n. 118, p. 244, 2012.

8 A esse respeito, considero vital “atualizar” a obra de Paulo Freire, pois, quando a educação in-tercultural se utiliza como instrumento de afirmação intracultural acrítica, converte-se em um tipo de educação “bancária” e um meio de domesticação das consciências. Perde, portanto, sua dimensão libertadora. A educação para a autonomia é o horizonte no qual deveríamos colocar a educação intercultural e vice-versa. Ver FREIRE, Paulo. Pedagogía de la autonomía. México: SXXI, 1996.

9 MINISTERIO DE EDUCACIÓN. Hacia una educación intercultural bilingüe de calidad. Pro-puesta pedagógica. Introducción. Lima: MINEDU, p. 10, 2013.