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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016
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Estudos Comparativos de Cultura da Mídia Aplicados aos Filmes Top Gun e
Fahrenheit 9/111
Renato Márcio Martins de Campos2
Centro Universitário de Araraquara - UNIARA
Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP
Marcela Cristina de Campos Ambrús 3
Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura – FIEC
Resumo
Este artigo visa pontuar aspectos influenciadores na propagação de valores e
posicionamentos nos Estados Unidos, sob o viés de estudos da Cultura da Mídia que estão
disponíveis e acessíveis em momentos significativos de lazer e cultura, através da
abordagem de Douglas Kellner. A proposta é de um estudo comparativo de duas produções
audiovisuais ressaltando imagens, mensagens e o significado de cenas selecionadas. Para
melhor entendimento dos fatos relatados, tabelas foram anexadas, delimitando o tempo da
cena em questão, uma breve descrição e o apelo que ela sugere. O filme Top Gun (1986),
que está presente na obra de Kellner, demonstra a ênfase ao processo hegemônico, ao
americanismo. Posteriormente, o documentário Fahrenheit 9/11 (2004) aponta resistência e
crítica ao protótipo da cultura norte-americana.
Palavras-chave: Correntes Teóricas; Indústria Cultural; Cultura da Mídia; Hegemonia;
Resistência.
O Conceito de Cultura da Mídia
Neste artigo o foco proposto é o conceito de Cultura da Mídia presente na obra
do norte-americano Douglas Kellner, como conceito a ser adotado para análise de
produções midiáticas previamente selecionadas, neste caso, obras audiovisuais.
A partir do conceito de indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985),
evidencia-se que a produção artística e cultural é organizada sob a égide das relações
capitalistas, fato que traduz os padrões sociais, ideológicos e econômicos da estrutura de
poder e a reproduz. Dessa forma, a produção cultural se transforma em mercadoria e se
adapta aos padrões de economia de mercado. Esse processo é intitulado Indústria Cultural e
serve, segundo seus teóricos, como forma de dominação e perpetuação do regime capitalista
1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XXI Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Renato Campos. Docente da UNIARA e UNAERP. Pesquisador e coordenador do projeto mantido pela Uniara e
Funadesp: Teorias da Comunicação e Cultura da Mídia. Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade de
Comunicação Social Cásper Líbero. Coordenador do CIC (Centro de Informação em Comunicação). E-mail:
[email protected] 3 Marcela Cristina de Campos Ambrús. Docente da FIEC. Especialista em Língua Inglesa pela UNIBERO. Graduada
em Letras (UMC), Pedagogia (UNINOVE) e Gestão Empresarial (FATEC). E-mail: [email protected]
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e das formas de dominação. Percebe-se que, tal posicionamento teórico, carece de
atualização, conforme propõe Lessa:
Um dos questionamentos básicos para a produção teórica em comunicação
seria como traçar um viés crítico às produções midiáticas na pós-
modernidade sem incorrer em um posicionamento polarizado como a dos
frankfurtianos em relação à indústria cultural. Faz-se necessário, então,
perceber como um conceito advindo de uma escola de tradição marxista,
faz-se tão presente em nossa realidade impregnada pelas regras de
mercado (...) A cultura da mídia produzida e direcionada às massas é,
portanto, fruto de uma indústria cultural estabelecida através de grandes
conglomerados de comunicação e formatada através de suportes
tecnológicos cada vez mais sofisticados. Entretanto, Kellner chama
atenção para este fator multifacetário, não se pode se restringir ao antigo
discurso entre direita e esquerda. Socialismo e capitalismo não mais
embatem entre si na disputa política e ideológica. Ao contrário, percebe-se
uma incorporação dos discursos progressistas e conservadores no cenário
midiático. Os meios de comunicação de massa passam a ser o palco de
discussões e tendências sociais, produz-se à socialização, rivaliza-se com
outras instituições sociais tradicionais deste cenário, mas também se
produzem questionamentos (LESSA, 2004, p.10).
A presença das produções midiáticas no cotidiano das pessoas acontece a partir
da ocupação do tempo livre dos indivíduos. À medida que as pessoas se predispõem a
consumir, durante parte de seu tempo livre, as atividades midiáticas aumentam seu valor,
em termos de importância e, também a representatividade da mídia de massa na sociedade
contemporânea. Tal influência e penetração determinam o modo de vida atual e demonstra
a transformação do mundo e da produção cultural em uma espécie de matriz midiática, ou
seja, envolvida e dependente da produção cultural mediada pelos veículos de comunicação
de massa.
À medida que a importância do trabalho declina, o lazer e a cultura
ocupam cada vez mais o foco da vida cotidiana e assumem um lugar
significativo. Evidentemente, devemos trabalhar para auferir os benefícios
da sociedade de consumo (ou para herdar riquezas suficientes), mas
supõe-se que o trabalho esteja declinando em importância numa era em
que, segundo se alega, os indivíduos obtêm mais satisfação do consumo
de bens e das atividades de lazer do que das atividades laboriosas.
(KELLNER, 2001, p.29).
Kellner (2001, p.79) propõe o conceito de Cultura da Mídia não como uma
questão ingênua de negar os processos de dominação e exercício da ideologia dominante.
Ao contrário, o autor admite e considera o fator de manipulação midiática.
Kellner (2001, p.79) também vislumbra a presença da mídia de massa na
sociedade como um palco midiático onde acontecem as discussões sociais em termos de
exercício da hegemonia e da resistência. Os diversos grupos sociais que compõem a
complexa sociedade contemporânea conseguem pontuar, através da produção midiática,
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seus respectivos posicionamentos que, ora podem ser críticas ao sistema estabelecido, ora
estão integradas ao processo de dominação. Tais possibilidades acontecem por conta dos
veículos de comunicação de massa necessitarem de audiência e, a partir daí, abrirem
espaços para vários posicionamentos, críticos e hegemônicos.
Este trabalho, em termos de aproximação com o foco teórico da Cultura da
Mídia, procura, ao apontar produções audiovisuais específicas, desenvolver um exercício de
análise de tais obras; visa evidenciar os fatores ideológicos que constituem a construção do
discurso e da narrativa de tais filmes e por fim, tenta demonstrar como tais produções se
consolidam enquanto instrumentos de discussão de questões sociais e são representativas de
posicionamentos de hegemonia e resistência. Os filmes selecionados para discussão são: 1.
Top Gun (1986); 2. Fahrenheit 9/11 (2004).
A justificativa para a escolha de tais obras apresenta-se na necessidade de se
verificar posicionamentos representativos de hegemonia e resistência, com o intuito de
explicitar e ilustrar tais diferenciações em termos culturais e sociais, perante essas
produções midiáticas. O filme de longa metragem Top Gun, está presente na obra de
Kellner, portanto já se posiciona enquanto representativo do fator hegemonia. Já para
evidenciar o fator resistência optou-se pelo documentário Fahrenheit 9/11, justamente pela
representatividade de tal obra na conjuntura política e social dos Estados Unidos.
Top Gun (1986)
O filme Top Gun que no Brasil recebeu o subtítulo: Ases Indomáveis
desenvolve-se em uma escola de pilotos nos Estados Unidos. Trata-se de um filme de
simulação de guerra e atrito com outro país, mais precisamente a União Soviética. No filme
o aspecto simulação acontece porque a guerra nunca existiu, apresenta-se aos espectadores
a questão do período que ficou conhecido como guerra fria. Porém, demonstra em termos
ideológicos como a tecnologia militar norte-americana é superior ao do inimigo. Trata-se de
uma narrativa típica das produções dos Estados Unidos nos anos de guerra fria, e por este
motivo foi selecionado. Foi uma das maiores bilheterias do cinema de 1986. Top Gun, Ases
Indomáveis, dirigido por Tony Scott, mostra o perigo e a excitação que pode afligir os
pilotos que ingressam num dos cursos de treinamento mais prestigiados dentro da marinha
norte-americana e, além disso, pontua como tais alunos devem se destacar como os
melhores do mundo.
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Neste filme o ator Tom Cruise cumpre o papel de Maverick Mitchell, um jovem
piloto que pretende se tornar o melhor dentre os melhores na referida academia da marinha
dos Estados Unidos. A atora Kelly McGillis que desenvolve o papel de uma instrutora civil,
ensina a Maverick algumas coisas que não se pode aprender em uma sala de aula e pontua o
papel feminino nesta produção. Cabe ressaltar que no ano de lançamento, o filme Top Gun
levou o Oscar de Melhor Canção Original com Take My Breath Away.
O longa metragem mostra uma grande apologia à cultura norte-americana no
sentido de que a escola de elite para pilotos é liderada por Maverick, que se sente como o
melhor de todos os aviadores navais presentes, que não aceita derrotas ou concorrentes.
Uma marca do idealismo norte-americano é mostrada no filme pelas tecnologias de ponta,
superior às outras nações. Em suma, enquanto telespectadores desta aventura, fica-nos
nítido o objetivo, a mensagem do filme, que é a de engrandecer a potência norte-americana.
O título original Top Gun é utilizado pelos pilotos para se referirem à Escola de
Caças criada pela marinha dos EUA, demonstrando uma ideia de topo, superioridade e
avanços em suas armas, tecnologias e aviões. Por se tratar de um filme onde as aeronaves,
caças supersônicos e porta-aviões aparecem constantemente, o apelo à supremacia
tecnológica é evidente, principalmente no que se refere ao âmbito militar.
A base ideológica, além do vínculo com a tecnologia, se faz com as cores,
símbolos, marcas e a própria bandeira dos Estados Unidos, a qual, durante o longa
metragem, aparece mais de trinta vezes. Em termos de marcas comerciais pode-se verificar
a presença de merchandising dos produtos Budweiser e Pepsi. Constata-se que além do
fator cultural, ideológico e de comportamento, os filmes advindos dos Estados Unidos
procuram vender seus produtos, serviços e marcas comerciais.
Seguem três sequências de cenas selecionadas do filme Top Gun que reforçam
os aspectos tratados nesta análise:
Tempo Descrição da Cena Apelo
Início do
Filme
Manobras no porta aviões
(Oceano Índico). Música:
Danger Zone. Seguem-se
vários closes das aeronaves.
EUA: F-14 Tomcat.
URSS: Mig 28.
Tecnologia superior.
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Nesta sequência, depois de aproximadamente quatro minutos de cenas que
mostram a tecnologia norte-americana (porta-aviões e caças), há a interceptação do inimigo
representado pela extinta União Soviética. Neste início do filme, os caças norte-americanos
apenas afugentam o inimigo através de manobras radicais que apontam para uma
superioridade não somente em termos de tecnologia, como também no quesito treinamento,
preparo e destreza dos pilotos.
Tempo Descrição da Cena Apelo
00h16m13s Sala de aula em Miramar,
Califórnia. Aviadores navais
em treinamento sentados
ouvem o instrutor e as
estatísticas sobre
desempenho dos pilotos dos
Estados Unidos em guerras
anteriores.
Habilidade superior.
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Neste trecho do filme é interessante nos atentar ao diálogo do professor com a
classe de pilotos, as estatísticas são as seguintes:
Na Coréia, abatemos dozes jatos deles por cada um dos nossos. No
Vietnã, a razão desceu para três por um. Os nossos pilotos dependiam dos
mísseis. A escola foi feita para ensinar MCA (Manobras de Combate
Aéreo). No final, no Vietnã, era doze por um. O nosso comandante foi o
primeiro a ganhar o troféu Ases Indomáveis. Não encontraram melhor
piloto de caça. O comandante Mike Metcalf, nome de guerra Viper.
Meus senhores estão entre os primeiros um por cento de todos os
aviadores navais. A elite. Os melhores de todos. Vamos torná-los ainda
melhores. Farão duas missões de combate por dia, vão às aulas e serão
avaliados. Em cada sequência de combate enfrentarão um desafio
diferente. Vamos ensinar-lhes a pilotar o F-14 até aos limites. Aqui não
fazemos política, isso fica para as autoridades civis eleitas. Nós somos os
instrumentos deles e temos de agir como em guerra. (...) Se houver quem
queira saber quem são os melhores, os nomes estão nesta placa. A melhor
equipe de cada curso tem aqui o nome inscrito. Tem a possibilidade de
voltar para serem instrutores (...) Lembre-se onde termina, somos todos da
mesma equipe. Aqui aprende-se a combater. Não há pontos para o
segundo. Podem retirar-se (SCOTT, 1986).
A partir desta sequência e principalmente do teor da aula ministrada, verifica-se
o posicionamento do discurso ideológico onde se tratam os norte-americanos com uma
superioridade em termos de habilidade invejável, e um desprezo pelos outros povos
inimigos, as frias estatísticas apresentadas, com superioridade numérica, não mencionam as
derrotas sofridas nas guerras citadas por parte dos norte-americanos.
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Tempo Descrição da Cena Apelo
1h42m40s Ao final do filme há o
reencontro do casal
protagonista, após um breve
diálogo os dois se
aproximam e há o
encerramento. O que se deve
atentar para este desfecho é
o símbolo da Pepsi Cola
entre o casal.
Comercial
Como já mencionado, os filmes norte-americanos, além de projetar o modo de
vida, os comportamentos e a cultura do país, também nos impõe valores comerciais tais
como: moda, estilos de vida e consumo. No caso do filme Top Gun, o merchandising do
refrigerante Pepsi Cola é evidente ao final do filme, talvez uma das cenas mais esperadas
pelos espectadores, o reencontro do casal protagonista, é invadido pelo símbolo do
refrigerante, o qual é posicionado bem ao centro da cena, em um luminoso que fica presente
durante a cena final do beijo.
O que se constata a partir do filme Top Gun em termos do conceito de cultura
da mídia, apresentado no primeiro capítulo, é realmente o exercício de um discurso
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hegemônico. Um discurso que busca posicionar os Estados Unidos, seu governo e sua
política externa, como adequadas ao mundo da época, no qual se disputava acirradamente o
papel de potência hegemônica mundial. Fato que se consumou posteriormente, com a queda
do muro de Berlim e o consequente esfacelamento do bloco socialista.
Fahrenheit 9/11 (2004)
Fahrenheit 11 de setembro, como ficou conhecido no Brasil, é uma análise da
administração do governo de George W. Bush após o trágico ataque ao World Trade Center
de 11 de setembro de 2001. Este documentário polêmico e provocativo foi desenvolvido
pelo cineasta ganhador do Oscar Michael Moore. Com seu humor característico e obstinado
compromisso de revelar os fatos, Moore contempla as atitudes tomadas durante a
presidência de George W. Bush, principalmente no que tange à sua política externa. Ele
demonstra como e porque Bush e seus aliados evitaram associar os ataques de 11 de
setembro de 2001 aos sauditas. Fato que levou o governo a ignorar que 15 dos 19
sequestradores eram sauditas e de que foi capital oriundo da Arábia Saudita que fundou a
organização terrorista Al Qaeda.
Fahrenheit 11 de setembro mostrou a nação norte-americana mantida em medo
constante por alertas do FBI, dentre os quais muitos não passavam de boatos, e passiva,
diante de uma nova legislação restritiva e dominadora, o Patriot Act (Ato Patriótico), que
infringia direitos civis básicos garantidos pela constituição dos Estados Unidos. Foi nesta
atmosfera de confusão, suspeita e terror que a administração Bush fez sua abrupta entrada
na guerra contra o Iraque, fato, até hoje, questionado por vários países e que se demonstrou
alicerçado em notícias falsas.
Primeiramente, cabe uma justificativa pela escolha deste documentário, a
análise que se procede sob o conceito de cultura da mídia. O presente filme trata de uma
crítica às ações políticas e ao governo de George W. Bush, no que tange à sua política
ligada ao combate ao terrorismo e às guerras do Afeganistão e do Iraque. Neste sentido, a
narrativa crítica desenvolvida atende aos objetivos do presente artigo.
Vale destacar a origem do título do filme em questão, que faz uma referência ao
filme Fahrenheit 451 da década de 70, o qual trata da questão de uma forma de governo
autoritária, manipuladora e detentora do poder; em que as pessoas têm as mesmas moradias,
não possuem sequer o direito de ler e apenas têm acesso ao que é divulgado pelo Estado. Já
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em Fahrenheit 9/11 a Casa Branca assume um papel de divulgar notícias e criar cenários
muitas vezes falsos e duvidosos, é nesse ponto, de ainda manipular milhares de pessoas,
com discursos e crenças de liberdade, pátria e superioridade, que ambos os filmes se
conectam. Os números que aparecem no título do filme e referem-se aos ataques de 11 de
setembro de 2001 às torres do World Trade Center, também se aproximam do número para
ligações telefônicas de emergência nos Estados Unidos (911), o que aproxima o relato
produzido por Michael Moore neste documentário a um caso de polícia.
A ênfase na atividade bélica é uma marca do governo de George W. Bush; ele
também apontou, durante sua liderança, vários outros países como inimigos dos EUA e que
apresentavam algum tipo de ameaça, geralmente, não fundamentada a ponto de convencer o
povo da forte possibilidade de ataques ao território norte-americano. Como um exemplo,
tem-se a designação da Coréia do Norte, Irã e Iraque como integrantes do “eixo do mal”. A
doutrina Bush em suma, apoia o ataque eminente a qualquer nação que os Estados Unidos
considerem uma afronta à sua segurança. Durante o documentário, vários vídeos e cenas
que não haviam sido mostrados anteriormente, aparecem na tela para a surpresa da maioria
dos telespectadores.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos entram em
guerra contra o Iraque. Tal combate transparece o aspecto econômico que envolve o acesso
às grandes reservas de petróleo, matéria prima que move a economia norte-americana. Com
o combate ao terrorismo, inimigo este sem exército fixo e único, os norte-americanos
espalharam-se pelos países trazendo à tona mais contradições e agravando problemas
antigos.
Tempo Descrição da Cena Apelo
Início Eleições de 2000, vitória de
Al Gore
Política e mídia
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Neste trecho inicial do documentário de Michael Moore, tem-se um relato sobre
a questão política dos Estados Unidos na época da primeira eleição de George W. Bush.
Chega-se a mencionar a divulgação de pesquisa que dava como certa a vitória de Al Gore
para a presidência dos Estados Unidos naquele ano. Fato que foi alterado quando, segundo
o documentário, a Fox News começou a divulgar notícias ao contrário, por coincidência ou
não, um dos responsáveis por este canal na época era primo de George W. Bush, que se
elegeria então presidente dos Estados Unidos. A impressão que se passa é que o país, com
um sistema eleitoral complicado, e até mesmo a partir de fraude (caso dos votos dos
afrodescendentes não contabilizados no estado da Flórida) tenha sido tomado por assalto
em termos de poder político.
Tempo Descrição da Cena Apelo
00h07m52s Várias cenas de Bush em
férias.
Política de governo
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O documentário questiona a política governamental de George W. Bush em
seus primeiros oito meses de mandato. O então presidente parecia apenas ficar em férias
para justamente evitar as críticas que vinham de seus opositores. Segundo o conteúdo do
documentário Bush ficou 42% deste tempo inicial em férias. O principal argumento desta
fase do filme é que Bush recebera, em vários momentos, inclusive um relatório de seis de
agosto de 2001, alertas e estudos que apontavam para os ataques terroristas, porém nada
fora feito para se averiguar ou se evitar tais ataques.
Tempo Descrição da Cena Apelo
00h23m00s Retirada de membros da
família Bin Laden às pressas
dos Estados Unidos. Grupos
empresariais que teriam
obtido lucro com os ataques
(caso: Carlyle)
Política externa e relações
comerciais
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No caso de ambos os questionamentos, sempre se argumentam as relações
comerciais mantidas entre as famílias Bush e Bin Laden; a presença de pessoas ligadas aos
mesmos, em vários momentos não divulgados, em relações comerciais e políticas. Inclusive
se questiona a forte presença de investimentos sauditas na economia norte-americana. Valor
que, se retirado apressadamente da economia dos Estados Unidos, traria sérios prejuízos ao
país.
Tempo Descrição da Cena Apelo
00h43m25s Guerra ao terror, várias
cenas de notícias
direcionadas à mídia a partir
de fontes da Casa Branca
Mídia e política
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Tais posicionamentos citados por fontes fidedignas do poder norte-americano
produziam, segundo o documentário, dois aspectos principais: 1. Criavam certo medo ou
pânico junto a opinião pública. 2. Direcionavam ou justificavam a necessidade de ataque ao
Iraque, sempre sob o pretexto da presença de armas químicas ou atômicas no país. Uma das
declarações de George W. Bush é identificadora deste procedimento: “Precisamos deter o
terror. Faço um apelo a todas as nações do mundo para deter estes assassinos”.
O fato de fontes do governo e a própria mídia estimularem este pensamento, a
recepção da população como um todo, foi bastante direcionada e influenciada: “Não dá para
confiar em desconhecidos”, esta é uma das frases mencionadas por moradores de uma
pequena cidade norte-americana ao ceder entrevista a Michael Moore.
A partir deste posicionamento constata-se o incentivo à xenofobia e à
delimitação da liberdade que viriam com o decreto patriota aprovado na época.
Tempo Descrição da Cena Apelo
01h18m325s Guerra contra o Iraque e
posicionamento da imprensa
norte-americana.
Relações Internacionais,
guerra e mídia.
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Este item é bastante ilustrativo para apontarmos o tipo de discurso que se
desenvolveu na mídia e na imprensa dos Estados Unidos, a partir de técnicas de controle e
divulgação das informações estabelecidas pelo governo norte-americano. Os jornalistas
eram impedidos de divulgar notícias sobre os soldados mortos, ou pelo menos eram
distanciados de tais fatos ao passo que eram envolvidos com fatos do front de batalha, e
acabavam por assumir posicionamentos verdadeiramente tendenciosos. “Sobre o aparato de
guerra do exército dos Estados Unidos: É uma máquina sincronizada e mortífera”. Sobre o
momento da invasão do Iraque: “a oposição iraquiana desapareceu diante do poder
americano”. A partir da presença de jornalistas no front como fruto da estratégia de
divulgação de informações pelo pentágono: “É preciso estar com as tropas para entender
aquela adrenalina”. Mensagens extremamente patrióticas divulgadas pela imprensa: “O
apoio ao presidente, à bandeira e às tropas, claramente já começou” e “Se o meu país está
em guerra, eu quero que meu país vença”. Por fim, uma manifestação bastante explícita do
posicionamento adotado pela imprensa na época: “Se sou tendencioso? Pode apostar que
sim!”.
A partir do que foi exposto e analisado sobre o documentário Fahrenheit 9/11 tem-
se como presenciar um fato evidenciado por Kellner ao fazer sua abordagem do conceito de
cultura da mídia. Trata-se da aproximação da mídia com o poder político e como a opinião
pública pode ser influenciada com notícias não totalmente verdadeiras, ou mesmo como
certo nível de pânico pode tomar conta de uma população, se as informações forem
trabalhadas do mesmo modo adotado pelo governo de George W. Bush.
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Considerações Finais
O mundo atual é o palco de uma vasta circulação de informações e
entretenimento, peculiaridade esta inserida fortemente no processo de globalização
(MARTIN; SCHUMANN, 1998). Com tal abertura dentro da sociedade, uma ampla
sequência de intervenções culturais ocorre entre os países e seus povos, com grande
facilidade e força, implantando-se em nosso cotidiano. É importante ressaltar ainda que,
apesar de nos trazer amplos benefícios e facilitadores, tal sistema também apresenta
desvantagens em termos da dificuldade de controle de todo esse conteúdo disponível
mundialmente.
A difusão maciça da cultura através da mídia (cultura da massa) foi uma
demanda acentuada e salientada com a globalização; a sociedade consumidora capitalista
vigente faz uso das atividades midiáticas e engrandece a importância destes veículos de
comunicação, tornando-os cada vez mais presentes e atuantes em nossas vidas.
É a partir desse contexto que este artigo foi desenvolvido. Focando-se a difusão
da cultura norte-americana por meio de filmes, a dupla face de seus aspectos foi trabalhada
e exemplificada, ou seja, tanto levantamentos de sustentação como em Top Gun (1986)
quanto de resistência em Fahrenheit 9/11 (2004), foram apresentados e analisados.
Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Zahar, 1985.
FAHRENHEIT 9/11. Direção de Michael Moore. Produção de Michael Moore; Jim Czarecki;
Kathleen. Los Angeles (EUA): Lions Gate Films, 2004; IFC Films. 1 DVD (122 min).
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru: Edusc, 2001.
LESSA, Maraisa B.; CAMPOS, Renato Márcio M. Indústria Cultural e Cultura da Mídia: Da
Modernidade à Lógica Cultural Pós-Moderna. In: XXVII Intercom, 2004, Porto Alegre. Anais do
XXVII Congresso de Ciências da Comunicação – Intercom. Disponível em:
http://reposcom.portcom.intercom.org.br/handle/1904/17275. Acesso em: 14 Jul. 2009.
MARTIN, Hans Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. São Paulo: Globo,
1998.
TOP GUN. Direção de Tony Scott. Produção de Don Simpsom; Jerry Bruckheimer. San Diego, CA
(EUA): Paramount Pictures, 1986. 1 DVD (109 min).