INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se...

135
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS NAAMAZÔNIA - MPGAP Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão de Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para Sempre CLÁUDIO WILSON SOARES BARBOSA MANAUS AMAZONAS AGOSTO DE 2015

Transcript of INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se...

Page 1: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE ÁREAS

PROTEGIDAS NAAMAZÔNIA - MPGAP

Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão de

Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para

Sempre

CLÁUDIO WILSON SOARES BARBOSA

MANAUS – AMAZONAS

AGOSTO DE 2015

Page 2: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

CLÁUDIO WILSON SOARES BARBOSA

Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão de

Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para

Sempre

Orientador

Prof. Henrique dos Santos Pereira, PhD

Dissertação apresentada ao Instituto

Nacional de Pesquisas da Amazônia como

parte dos requisitos para obtenção do título

de mestre em Gestão de Áreas Protegidas

na Amazônia.

MANAUS – AMAZONAS

AGOSTO DE 2015

Page 3: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

B238 Barbosa, Cláudio Wilson Soares Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão

de Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para Sempre. / Cláudio Wilson Soares Barbosa. --- Manaus: [s.n.], 2015.

133 f. : il. Dissertação (Mestrado) --- INPA, Manaus, 2015. Orientador : Henrique dos Santos Pereira . Área de concentração : Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia

1. Recursos naturais. 2. Unidade de conservação. 3. Pesca. I.

Título.

CDD 333.7

Page 4: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

Sinopse:

Através de entrevistas com moradores da Resex Verde para Sempre,

pesquisa documental e revisão de literatura são avaliadas normas locais

de uso dos recursos naturais e como estas são ou não incorporadas aos

processos de gestão de unidade de conservação de uso sustentável.

Palavras-chave: Normas locais; Unidade de Conservação; Pesca.

Page 5: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho, reconheço que não seria possível finalizá-lo sem as

valiosas contribuições recebidas ao longo da pesquisa. Mas, primeiramente agradeço a Deus

pela natureza mais perfeita de sua criação: o ser humano, sua imagem e semelhança.

Aos meus pais Wilson e Socorro, aos meus irmãos Hely e Renato e aos meus

sobrinhos que sempre me ajudaram. A minha namorada Marilângela, agradeço.

Agradeço à coordenação do Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na

Amazônia, em especial a professora Rita Mesquita, ao Stanley Arguedas e a querida

Carminha, secretária do programa que sempre me atendeu com muito carinho e presteza.

Sou imensamente grato ao professor Henrique Pereira pelas orientações e pelo modo

sereno e fácil de orientar, pelas aulas de Legislação Ambiental, que muito me ajudaram a

compreender as unidades de conservação à luz da legislação.

Agradeço imensamente a Dra. Maria Clara, a Dra. Maria Olívia e ao Dr. Gabriel

Medina pelas valiosas reflexões que me proporcionaram, sugestões para o texto final dessa

dissertação e indicação e envio de literatura.

Aos amigos de longas caminhadas Paulinha, Gabriel, Marlon, Cesar Tenório, Bergue

e Sol pelo valioso apoio costumeiro.

Ao Dr. Alfredo Homma pela disponibilização de vários textos de seu arquivo pessoal

que muito ajudaram na construção do problema da pesquisa, agradeço.

Agradeço a Nayra Trindade, pela confecção dos mapas usados nesta pesquisa.

Aos colegas da turma MPGAP/2013 pela troca de mensagens otimistas e informações

valiosas no período de construção desse trabalho, agradeço a todos.

Agradeço aos diretores do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz

Antonio Duarte e Maria Creusa por permitirem o acesso a documentos importantes para a

realização desta pesquisa.

Agradeço de maneira muito especial aos moradores das comunidades Vila Bom Jesus

do Rio Coati, São João do Rio Cupari e Miritizal do Rio Peituru pelas valiosas informações

que me foram concedidas durante as entrevistas e pelo acolhimento.

Page 6: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

RESUMO

Esta pesquisa analisa a convivência entre a gestão governamental centralizada de uma área

recentemente transformada em Unidade de Conservação de Uso Sustentável (UC-US) e as

normas locais de acesso dos recursos pesqueiros, historicamente elaboradas e praticadas

autonomamente por suas populações ocupantes tradicionais. O estudo foi realizado na

Reserva Extrativista Verde para Sempre, criada pelo governo federal em 2004, no município

de Porto de Moz, no estado do Pará. O estudo foi baseado em análises documentais e no

levantamento e análise de dados primários e informações obtidas em comunidades localizadas

em área de várzea e da faixa de transição entre várzea e terra firme da UC-US, por meio de

entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com moradores e compradores de pescado. Os

resultados demonstram que as comunidades foram capazes de elaborar normas locais para uso

dos recursos naturais; essas normas locais são sistemas de governança importantes para a

manutenção do equilíbrio da exploração do pescado, mas são frágeis e não resistem à pressão

gerada pelo mercado, assim como a inserção de novas tecnologias no processo de exploração

e, portanto, requerem um processo de gestão compartilhado; revelam ainda que, o não

reconhecimento das normas locais pelo Estado, em momento de conflitos, consolidou o

processo de desarticulação do sistema de governança local e abriu caminho para um sistema

de exploração do pescado que pode resultar no esgotamento dos estoques de valor comercial

em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de

gestão da unidade de conservação, por duas questões fundamentais: (1) O não reconhecimento

pela autoridade instituída pelo governo da legitimidade da autoridade local coletivamente

construída e o conflito entre saberes tradicionais e saberes técnicos e científicos; e (2) a

interpretação e aplicação não contextualizadas de leis e atos normativos desatualizados pelos

gestores governamentais da Resex. Estas questões devem ser priorizadas no desenvolvimento

de práticas de gestão compartilhada em unidades de conservação de uso sustentável.

Palavras-chave: Normas locais; Unidade de Conservação; Pesca.

Page 7: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

ABSTRACT

This research analyzes the interaction between centralized government management in an area

newly transformed into a Sustainable Use Conservation Unit (UC-US) and the local rules on

access to fishery resources, historically developed and practiced independently by its

traditional occupant populations. The study was conducted in the Extractive Reserve Verde

para Sempre, created by the federal government in 2004, in the municipality of Porto de Moz,

in Pará State. The study was based on bibliographic reviews and in field survey and analysis

of primary data and information obtained in communities located in a floodplain area and the

transition zone between lowland and dry land areas of the UC-US, through structured and

semi-structured interviews with residents and fish dealers. The results demonstrate that

communities were able to draft local norms and regulations for use of natural resources; these

local standards are important governance systems to maintain the balance of fish exploitation,

but are fragile and cannot withstand the pressure generated by the market as well as the

inclusion of new technologies in the exploitation process and therefore require a co-

management process; also reveal that the non-recognition of local standards by the State, in

times of conflict, consolidated the dismantling process of the local governance system and

paved the way for a fishery system which can result in the depletion of commercially valuable

stocks in short time. It is concluded that local regulations are not incorporated into the

management processes of protected area for two fundamental questions: (1) The non-

recognition by the authority established by the government of the legitimacy of local authority

collectively built and the conflict between traditional knowledge and technical and scientific

knowledge; and (2) the decontextualized interpretation and application of laws and normative

acts outdated by the Resex’s governmental managers. These issues should be prioritized in the

development of co-management practices in sustainable use protected areas.

Keywords: Local Rules; Conservation Unit; Fishery.

Page 8: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1: Área de estudo ...................................................................................................... 23

Figura 2: Resex Verde para Sempre ...................................................................................... 35

Figura 3: Ambientes de extração do pescado nas comunidades estudadas. ............................ 43

Figura 4: Fontes de renda das famílias, 2014 ........................................................................ 65

Figura 5: Comercialização do pescado, 2014. ....................................................................... 70

Figura 6: Uso de malhadeira nas três comunidades em 2014. ............................................... 74

TABELAS

Tabela 1: Perfil dos entrevistados individualmente. .............................................................. 25

Tabela 2: Resex constituídas nos biomas brasileiros até fevereiro de 2015. ........................... 30

Tabela 3:Situação fundiária antes da criação da Resex, 2001. ............................................... 37

Tabela 4: Manifestos de apoio à criação da Resex Verde para Sempre, em 2001. .................. 39

Tabela 5: representação do conselho deliberativo da Resex/VPS .......................................... 40

Tabela 6: Calendário das atividades produtivas..................................................................... 47

Tabela 7: Pesca: ambientes, equipamentos e períodos. .......................................................... 50

Tabela 8: Mecanismos de controle elaborados com assessoramento externo.. ....................... 63

Tabela 9: AGC nas comunidades em 2014. ........................................................................... 71

Tabela 10:Produção de pescado no ano de 2014. .................................................................. 72

Tabela 11: Renda bruta anual da pesca, 2014. ....................................................................... 72

Tabela 12: Instrumentos de pesca usados atualmente. ........................................................... 77

Tabela 13: Gestão pesqueira atual......................................................................................... 79

Page 9: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

LISTA DE SIGLAS

ACS – Agente Comunitário de Saúde

AGC – Agente de Comercialização

AIMEX – Associação das indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará

ALEPA – Assembleia Legislativa do Estado do Pará

APA – Área de Proteção Ambiental

ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BPC – Benefício de Prestação Continuada

CDS – Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz

CCDRU – Contrato de Concessão de Direito Real de Uso

CNPT – Centro Nacional de Desenvolvimento das Populações Tradicionais

CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros

CNUC – Cadastro Nacional de Unidade de Conservação

CONTAG – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura

DEMA / PC – Divisão Especializada em Meio Ambiente, Polícia Civil (PA)

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FNO – Fundo Constitucional do Norte

GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit

IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IN – Instrução Normativa

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura

MPGAP – Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia

ONG – Organização não Governamental

PDRS/Xingu – Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável do Xingu

PFNM – Produto Florestal Não Madeireiro

PMFS – Plano de Manejo Florestal Sustentável

PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais

PPG-7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil

Page 10: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

PROVARZEA – Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea

RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Resex – Reserva Extrativista

Resex/VPS – Reserva Extrativista Verde para Sempre

SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente / Porto de Moz

SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação

STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

UC-US – Unidade de Conservação de Uso Sustentável

UHE/Belo Monte – Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

UHT – Usina Hidrelétrica de Tucuruí

WWF – World Wildlife Found

Page 11: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

ABORDAGEM METODOLOGICA ................................................................................ 22

COLETA E ANÁLISE DE INFORMAÇÕES .................................................................. 25

CAPITULO I – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL ............ 28

1. A FORMAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NO BRASIL ...................... 28

1.1 BASE LEGAL ............................................................................................................ 31

1.2 A CRIAÇÃO DA RESEX VERDE PARA SEMPRE ................................................. 34

CAPÍTULO II - NORMAS LOCAIS PARA USO DOS RECURSOS PESQUEIROS ... 41

2. DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES DE EXTRAÇÃO DO PESCADO ...................... 41

2.1 CICLOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS ............................................................. 46

2.2 ATIVIDADE PESQUEIRA ....................................................................................... 47

2.3 NORMAS LOCAIS COM BASE NO DOMÍNIO PARTICULAR DASÁREAS DE

EXPLORAÇÃO (1890-1972) ........................................................................................... 51

2.4 NORMAS LOCAIS INFORMAIS (1970 A 1995) ................................................. 54

2.5 NORMAS LOCAIS FORMAIS (1996 a 2012/13) ................................................. 58

CAPÍTULO III – MUDANÇAS NAS FORMAS DE EXTRAÇÃO DO PESCADO ....... 65

3. CONTEXTO ATUAL DAS COMUNIDADES .......................................................... 65

3.1 SITUAÇÃO DA RENDA ...................................................................................... 65

3.2 FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE PESCADO ......................................... 67

3.3 INTENSIFICAÇÃO DA PESCA ........................................................................... 73

3.4 NORMAS LOCAIS NO CONTEXTO DA RESEX/VPS ....................................... 78

4. DISCUSSÃO ............................................................................................................... 81

4.1 OS DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA RESEX/VPS .................................. 82

4.2 CONFLITO DE LEGITIMIDADE ........................................................................ 84

4.3 CONFLITOS ENTRE CONHECIMENTOS .......................................................... 89

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 93

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 96

Page 12: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

APÊNDICES .................................................................................................................... 102

APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados individual ............................................ 102

APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados global .................................................. 106

ANEXOS .......................................................................................................................... 111

ANEXO I – Acordo de pesca das comunidades Bom Jesus e São João do Cupari, 1996.. 111

ANEXO II – Acordo comunitário da comunidade São João do Cupari, 2006 .................. 112

ANEXO III – Acordo de pesca das comunidades Miritizal, Cajueiro e Laranjal, 2008 .... 115

ANEXO IV – Acordo de pesca das comunidades Vila Bom Jesus, Vila Nova Bom Jesus,

Maria de Mattias e São João do Cupari, 2011 ................................................................ 116

ANEXO V – Parecer Técnico do ICMBio ...................................................................... 122

ANEXO VI – Autorização CEP/INPA para pesquisa com populações humana ............... 128

ANEXO VII – Autorização do SISBIO para pesquisa em UC-US .................................. 131

Page 13: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

11

INTRODUÇÃO

A exploração do pescado e da fauna aquática nos rios e lagos da Amazônia por

indígenas, ribeirinhos e industriais é considerada uma das atividades extrativas mais antigas,

realizadas desde o período pré-colonial, tanto para a subsistência quanto para a

comercialização, e os apetrechos usados nas capturas são herança da cultura indígena ou dos

colonizadores (VERÍSSIMO, 1970).

Ao longo do processo de ocupação das várzeas do Rio Amazonas, a população

constituiu diferentes arranjos institucionais como forma de assegurar o acesso à terra e aos

recursos naturais (BENATTI, 2005). Dessa relação histórica da população com os recursos

naturais, surgem formas ou sistemas de manejo adaptativos (McGRATH e DA GAMA,

2005), para regular o acesso aos recursos naturais e garantir a reprodução social, econômica e

cultural das populações ribeirinhas.

Esses sistemas de manejo são baseados nos conhecimentos ecológicos que essas

populações têm em relação aos ecossistemas manejados, nas necessidades de geração de bens

materiais, no destino social dos recursos e nas capacidades das populações em relação ao

gerenciamento dos recursos e à mediação dos conflitos inerentes ao seu uso (FURTADO,

1990; 2006; MOREIRA, 2003; MOREIRA, HÉBETTE, LEITÃO, 2004).

As Unidades de Conservação de Uso Sustentável (UC-US), de modo especial as

Reservas Extrativistas, apresentam-se como um campo fecundo para o reconhecimento das

práticas de manejo dos recursos naturais por populações tradicionais, como é o caso dos

ribeirinhos da Amazônia. Principalmente, após promulgação de novas leis e edição de atos

normativos no começo deste século, como é o caso das Leis 9.985/2000, 12.651/2012 e da IN

Nº 29/2012 que asseguram direitos sobre o uso dos recursos naturais antes não previstos em

Lei e formas de gestão compartilhada entre usuários e órgãos gestores (PEREIRA, 2013).

A gestão compartilhada ou cogestão tem sido abordada como um modelo de gestão

que pressupõe a participação de vários atores (usuários dos recursos naturais, órgãos gestores,

instituições de pesquisa, inclusive financiadores) e tem como fundamento a participação

desses atores no processo decisório e compartilhamento de responsabilidades (SEIXAS, et al.,

2011). Neste trabalho, optou-se pela definição de cogestão (co-management) apresentada por

Borrini-Feyerabend (2000, p. 1), “a situation in which two or more social actors negotiate,

Page 14: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

12

define and guarantee amongst themselves a fair sharing of the management functions,

entitlements and responsibilities for a given territory, area or set of natural resources”.

Esse modelo de gestão dos recursos naturais tem sido amplamente estudado em vários

lugares do mundo e principalmente na Amazônia. Recursos como o uso da água do subsolo,

recursos florestais, e principalmente os recursos pesqueiros são frequentemente abordados em

artigos científicos. Em função da variedade de estudos, este trabalho limita-se abordar os

estudos focalizados nos recursos pesqueiros, cuja cogestão ou gestão compartilhada tem

recebido nomenclaturas diferentes, mas que encerram certa sinonímia: acordos comunitários

de pesca, acordos de pesca, reserva de lagos, normas de pesca (McGRATH et al., 1994; 1996;

CASTRO e McGRATH, 2001; BENATTI, McGRATH e OLIVEIRA, 2003; BARTHEM e

FABRÉ, 2004; RUFFINO, 2005; FABRÉ et al., 2007; FRAXE, PEREIRA e WITKOSKI,

2007).

A questão central que orientou esta pesquisa busca revelar se as normas locais de uso

dos recursos naturais estão ou não incorporadas nos processos de gestão de unidade de

conservação de uso sustentável, tomando como exemplo as práticas de gestão local de

recursos desenvolvidas pelas comunidades ribeirinhas da Resex Verde para Sempre, em

Porto de Moz/PA. Assim como outras comunidades ribeirinhas da Amazônia, moradores da

Resex Verde para Sempre, historicamente, desenvolveram normas locais de controle para

acesso aos recursos naturais, dentre eles pescado, para evitar a pesca predatória por

pescadores locais e estranhos às comunidades (MOREIRA, 2003; HEBETTE, 2004).

No campo teórico, os estudos publicados por Hardin (1968) mostram que o resultado

final dos recursos de uso comum é o esgotamento. O argumento usado para determinar o

esgotamento dos recursos comuns é a sobre-exploração. A ilustração apresentada na “tragédia

dos comuns” se constitui quando um membro do grupo que utiliza a pastagem comum resolve

aumentar o rebanho, tendo outros membros a mesma atitude, a capacidade de suporte da área

será superada e o pasto se esgotará para todos os criadores. Essa ilustração pode ser aplicada

para descrever situação muito semelhante no caso de recursos pesqueiros normalmente

considerados de livre acesso.

Para efeito de análise, Feeny et al., (1990), fazem a diferenciação de quatro regimes de

propriedades nos quais se encontram os recursos naturais: livre acesso – ausência de direito de

propriedade bem definido; privado – são exclusivos e intransferíveis, normalmente concedido

Page 15: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

13

pelo Estado e recebe incentivos para ser explorado racionalmente; comunal – recursos usados

por um grupo identificado; estatal – o Estado tem o controle de acesso aos recursos e

estabelece as normas para extração (não implica subtrabilidade).

Os recursos de uso comum compartilham duas características fundamentais: a primeira

reporta-se a dificuldade de exclusão. São recursos cujas possibilidades de exclusão de

potenciais usuários são muitos difíceis, os cardumes dos oceanos, os reservatórios de água

subterrâneos são exemplos de recursos comuns de difícil exclusão; a segunda característica é

a subtrabilidade. À medida que um usuário explora o recurso, diminui ou eleva os custos de

exploração a outros usuários (FEENY, 1990).

A maior contribuição teórica para o tema foi feita por Ostrom (1990) que argumenta

que a essência do sucesso ou fracasso do uso dos recursos naturais não reside, essencialmente,

no regime de propriedade, como afirma Hardin (1968). Os casos empíricos analisados

ilustram situações de êxito e fracasso nos três regimes (estatal, privado e comunal). Se o

grupo é capaz de desenvolver mecanismos internos de controle (autogestão), com capacidade

de monitoramento e adaptação, as chances de construção de sistema de governança locais são

maiores (Ostrom, 1990). Nesse caso, a propriedade comum é compartilhada e as

responsabilidades pela manutenção dos estoques de recursos naturais também. Isto é,

propriedade comum torna-se propriedade privada do grupo de usuários, cujas

responsabilidades (direitos e deveres) são igualmente compartilhados (MCKEAN e

OSTROM, 2001).

De acordo com McGrath, (1996), os recursos pesqueiros podem ser tratados como

recurso comum, quando assim concebido por determinados grupos que elaboram normas para

seu uso e exclui pescadores estranhos ao grupo; assumem características de recursos de livre

acesso, quando há ausência de elaboração e aplicação de mecanismos de controle, seja pelo

Estado ou usuários, e sua exploração pode resultar em esgotamento dos estoques no curto

prazo; assumem características de recursos estatais, quando este aplica as normas de comando

e controle contidas na lei, como, por exemplo, a lei do defeso (BRASIL, 2003); e de um

recurso particular, quando determinados grupos se apropriam dos recursos, sobretudo quando

se considera a complexidade fundiária nas áreas de várzeas da Amazônia1. Um exemplo

ilustrativo do regime de propriedade “privada” são os lagos localizados aos fundos das

1 “A Constituição Federal, no artigo 20, inciso III, afirma claramente que são bens da União todas as correntes de

água que banham mais de um Estado, bem como seus terrenos marginais. Portanto, todas as áreas de várzeas

pertencem à união e legalmente não podem ser propriedade privada” (SURGIK, 2005).

Page 16: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

14

propriedades. Normalmente, os proprietários ou posseiros das terras proíbem a entrada de

pescadores, cobram taxas por extração, pedágio ou controlam a exploração como foi o caso

do lago do Urubu2, no município de Porto de Moz (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003).

A partir do acúmulo acadêmico descrito, este trabalho trata de uma problemática

adicional: o papel do Estado no fortalecimento de sistemas locais de governança. As

pesquisas realizadas até aqui revelam que é possível construir sistemas de governança para

recursos de uso comum, mas, em alguns casos, os sistemas podem ser fragilizados sem o

reconhecimento e apoio do Estado. Não obstante o papel do Estado no fortalecimento dos

sistemas de governança local, uma intervenção que negue os sistemas locais pode, em vez de

fortalecê-los, fragilizá-los. Por isso, buscou-se avaliar a possibilidade de convivência entre

sistemas locais de manejo e sistemas propostos pelo Estado.

Ao se tratarem de temas relacionados às unidades de conservação de uso sustentável

na Amazônia e, particularmente às Reservas Extrativistas (Resex), torna-se importante que

sejam consideradas as mudanças nas formas de exploração dos recursos naturais, que passam

a ser mais aceleradas, a partir da década de 1970, com a implantação de projetos de

mineração, pecuária, construção de hidrelétricas, exploração florestal, colonização e

construção de rodovias visando à integração da região ao modo de produção capitalista

(HÉBETTE, 2004; GONÇALVES, 2012).

Associados à exploração dos recursos naturais, os conflitos fundiários floresceram,

sobretudo nas áreas em que os antigos donos dos seringais venderam suas alegadas

propriedades aos novos ocupantes: pecuaristas e madeireiros. A resistência das populações

afetadas foi se constituindo a partir de um modo particular de organização para fazer frente à

onda de reocupação do espaço, como foi o caso dos seringueiros do estado do Acre. Os

“empates” caracterizaram-se como forma de enfrentamento aberto entre os seringueiros e os

que buscavam transformar as florestas em áreas de pastagens.

Assim, proposta de criação das Reservas Extrativistas nasce da luta dos seringueiros

do Acre, no ano de 1985, inspirada no modelo de terra indígena, com a preocupação de definir

áreas de uso individuais (colocações), até áreas condominiais (coletiva). A proposta de áreas

sob o domínio da União surge como meio de evitar possível retorno do latifúndio pela venda

das colocações para fazendeiros. Ao invés títulos definitivos, a exemplo de outras modalidade

2 Os anos da década de 1990 foram de intensos conflitos, a ponto de a prefeitura mover uma Ação de Interdito

Proibitório para o fechamento do Lago do Urubu (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003)

Page 17: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

15

de regularização fundiária, os moradores celebram com o Estado um contrato de concessão de

direito real de uso (CCDRU)3 não remunerado (BRASIL, 2000). A proposta recebeu apoio de

setores progressistas da igreja católica, da organização sindical e de intelectuais como

propostas de reforma agrária que, de fato, atendesse aos interesses dos que retiram dos

ambientes naturais os recursos necessários para seu sustento (ALMEIDA, 2004;

ALLEGRETTI, 2008; GONÇALVES, 2012).

Num campo de conflitos, de reorganização do espaço, a proposta das Reservas

Extrativistas era nova e não encontrava amparo na legislação brasileira atinente ao meio

ambiente e à regularização fundiária (ALLEGRETTI, 2008). Com a promulgação da

constituição de 1988, abrem-se caminhos decisivos para a nova modalidade de regularização

fundiária e ambiental do ponto de vista legal, pela possibilidade da criação de espaços

protegidos pelo poder público (BRASIL, 1988. Art. 225, §1º, III). Contudo, é a Lei 7.804 que

torna explicita a criação desses espaços pelo poder público nas três esferas: “a criação de

espaços territoriais especialmente protegidos pelo poder público federal, estadual e municipal,

tais como Áreas de Proteção Ambiental [APA], de relevante interesse ecológico e Reservas

Extrativistas” (BRASIL, 1989, Art. 9º, VI).

Ao longo dos últimos 25 anos a base legal para a criação e gestão das Resex vem

sofrendo constante processo de aprimoramento. O Decreto 98.897 de 1990, por exemplo,

define que no ato de criação das reservas extrativistas devem constar três informações: limites

geográficos, população destinatária e as medidas para implantação; e define, conceitualmente

como “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos

recursos naturais renováveis, por população extrativista” (BRASIL, 1990, Art. 1º). Sendo o

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o órgão

responsável por sua gestão, através de contrato de concessão real de uso, com base no plano

de utilização aprovado pelo órgão, com cláusula rescisória quando houver danos ao meio

ambiente (BRASIL, 1990, Art. 4º, §2º e Art. 5º).

O desejo de implementação e democratização da gestão das Resex, por parte dos

movimentos sociais, resultou na criação do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado

3 “Concessão de direito real de uso: a Administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou

gratuito de terreno público para utilização, com fins específicos, por tempo certo ou prazo indeterminado. É

transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, como os demais direitos reais sobre coisas alheias. É direito

exclusivo (sobre o bem que recai não incidirá outro direito da mesma espécie) e oponível erga omnes (contra

todos). Diferencia-se da concessão de uso, uma vez que instaura um direito real; enquanto a concessão de uso

compõe-se de um direito natural obrigacional (pessoal)” (SURGIK, 2005, p. 28. Grifos da autora).

Page 18: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

16

das Populações Tradicionais (CNPT), em 1992, no âmbito do IBAMA. O novo Centro ficou

subordinado à presidência do órgão, para evitar sua subordinação a uma determinada

diretoria. Sua estrutura organizacional incluía um conselho consultivo, com a função de

“monitorar, avaliar, fiscalizar ações e propor diretrizes para a elaboração das políticas de ação

do CNPT” (CUNHA, 2010, p. 162). Essa estrutura permitiu a participação de representantes

das populações tradicionais e de organização não governamental (ONG). Contudo, o

funcionamento do conselho não resultou em melhorias consideráveis no sistema de gestão das

UC-US e a realização de reuniões sempre foi condicionada ao apoio financeiro externo, como

destacou Cunha (2010).

Com o advento da Lei 9.985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidade de

Conservação da Natureza (SNUC), as Resex tornam-se áreas destinas às “populações

tradicionais extrativistas” (BRASIL, 2000, Art. 18). Essa nomenclatura dada pelo SNUC

torna explicito a valorização do extrativismo tradicional enquanto proposta para o

desenvolvimento econômico, social e cultural das Resex, mas com condições restritivas à

exploração comercial dos recursos florestais madeireiros (BRASIL, 2000, Art. §7º); e exclui

populações, por exemplo, com tradição agrícola, e a criação de animais de grande porte,

embora a criação de bovinos e bubalinos esteja presente em parte das Resex na Amazônia

(MEDINA e BARBOSA, 2015).

Contudo, a criação das Resex direcionada para o extrativismo como via de

desenvolvimento para a Amazônia tem sido duramente criticada, ao ser tratada como um

modelo ilusório, que só prospera em uma sociedade que vive às margens dos avanços

tecnológicos (HOMMA, 1990). Ainda de acordo com essa linha de pensamento, o

extrativismo apresenta viabilidade em estrutura de mercado pequeno, mas não prospera em

mercados com grandes demandas. Nesse sentido, “a economia extrativa compreende três

fases: a expansão, seguida pela estabilização e finalmente pelo declínio. Na sequência, vem o

manejo dos recursos naturais e a domesticação das plantas, que pode evoluir para a produção

de sintéticos” (HOMMA, 2010, p. 100).

Ainda assim, de acordo com o Cadastro Nacional de Unidade de Conservação

(CNUC), atualmente são 904 Resex constituídas no país, em quatro biomas. Sendo que na

Amazônia está localizado o maior número de unidades, 71 no total (incluindo Resex federais

4 Informação disponível em: http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80112/CNUC_Bioma_Fevereiro_2015.pdf.

Acesso em 09 de julho de 2015.

Page 19: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

17

e estaduais), cobrindo uma área de 137.476 km2. Desse valor, somente 13 foram criadas antes

da Lei do SNUC (MEDEIROS e YOUNG, 2011).

A partir do SNUC, teoricamente, a gestão das Resex ganha mais abertura à

participação das populações e outros atores, através dos conselhos deliberativos, compostos

por entidades representativas, órgãos públicos e representantes das populações das unidades

de conservação (BRASIL, 2000, Art. 18, §2º). Dentre as atribuições do Conselho Deliberativo

destaca-se a aprovação do plano de manejo da unidade de conservação (BRASIL, 2000, Art.

2º, XVII). Contudo, faz-se importante observar que o plano de manejo é elaborado pelo órgão

gestor (com a participação da população), e a aprovação pelo conselho ocorre após a

aprovação prévia do órgão gestor (BRASIL, 2002, Art. 12, II). Isto é, após a análise jurídica

do teor do plano. Nesse sentido, a aprovação pelos representantes dos moradores e outras

entidades tem um caráter de legitimar a posição do órgão gestor em relação à interpretação da

Lei.

Silva et al., (2013) afirmam que, tanto o conselho deliberativo quanto o plano de

manejo são imprescindíveis para o processo de gestão das unidades de conservação, para

evitar a atuação improvisada dos agentes públicos de acordo como as “brechas” da Lei. Ao

criticar a publicização dada pelo ICMBio à constituição de conselhos deliberativos e

consultivos em 100% das unidades de conservação e o baixo número de planos de manejo

elaborados e aprovados, os mesmos autores demonstram com mais evidências os requisitos

para os plano de manejo das UC-US: “Não seria porque a construção desses instrumentos

demandaria estudos sistematizados, dinheiro e pessoal qualificado para que se possa efetivar

de maneira técnico-científica (grifo nosso) [o plano de manejo] com todas as suas

implicações” (SILVA et al., 2013, p. 32). Todas as atividades extrativistas devem ser

devidamente qualificadas e quantificadas de acordo com os parâmetros técnicos estabelecidos

na legislação e nas ciências. Se o plano de manejo da unidade e o conselho deliberativo não

são constituídos nada ou quase nada se pode fazer para garantir a “sustentabilidade

institucional” desses espaços na Amazônia, inclusive a regularização fundiária, destacam

Silva et al., (2013).

A questão do reconhecimento dos saberes das populações tradicionais, principalmente

aqueles relacionados à extração dos recursos naturais, e de suas formas de organização social

requerem uma atenção especial, uma vez que um dos objetivos das unidades de conservação

de uso sustentável é “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações

Page 20: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

18

tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as

social e economicamente” (BRASIL, 2000, Art. 4º, XIII). No entanto, em se tratando da

construção e legitimação dos instrumentos formais de gestão, observa-se que só serão

admitidos os usos e as formas organização que se enquadrem dentro dos limites estreitos das

leis e atos normativos já estabelecidos.

Como forma de atenuar a rigidez da Lei, tornar mais simples o processo de gestão das

Resex e RDS e permitir a participação dos moradores, o ICMBio publicou, em 2012, a

Instrução Normativa (IN) número 29, que define um “novo” instrumento de gestão, mas com

as mesmas características dos anteriores, conhecidos como planos de uso, planos de

utilização. Trata-se do acordo de gestão:

Documento que contém as regras construídas e definidas pela população tradicional

beneficiária da Unidade de Conservação de Uso Sustentável e o Instituto Chico

Mendes quanto às atividades tradicionalmente praticadas, o manejo dos recursos

naturais, o uso e ocupação da área e a conservação ambiental, considerando- se a legislação vigente (ICMBio, 2012, Art. 2º).

De maneira geral, todos os dispositivos legais e atos normativos corroboram para a

afirmação da legislação e dos conhecimentos científicos sobre a gestão e o manejo dos

recursos naturais nas unidades de conservação de uso sustentável. Os instrumentos

constituídos com a participação dos moradores devem conter os elementos que permitam o

exercício do controle do Estado (ICMBio, 2012). Como é o caso da extração do pescado e dos

Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS).

Os conhecimentos das populações tradicionais inerente à extração e ao gerenciamento

dos recursos naturais podem ser considerados, desde que não afrontem a legislação em vigor,

assim como não pode conter elemento de regulação e aplicação exclusivas do Estado

(ICMBio, 2012), como a fiscalização, por exemplo. No entanto, o zelo pelos dispositivos

legais não se manifesta com a mesma virtude em relação às normas de uso constituídas pelas

populações tradicionais. Ao invés da criação e imposição de novas normas para a gestão do

espaço controlada pelos órgãos ambientais, seria possível inventariar as normas locais

constituídas pelas populações para uso dos recursos naturais, com base em suas experiências

de vida, como forma de respeitar e valorizar os saberes locais, e colocá-las a serviço do

desenvolvimento das unidades de conservação de uso sustentável. Isto é, trabalhar a partir de

outro sistema de pensamento, o qual Lévi-Strauss (2008) chamou de “pensamento selvagem”.

Page 21: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

19

Em 2004, o governo federal criou, por meio do decreto de 08 de novembro a maior

Resex do Brasil, a Verde para Sempre, no município de Porto de Moz/PA. Os motivos que

levaram os movimentos sociais e parte da população do município solicitar a criação dessa

unidade de conservação são os mesmos que ensejaram a luta dos seringueiros do Acre a

propor a criação desses espaços protegidos pelo poder público: conflitos fundiários,

exploração desordenada da floresta e exploração predatória dos ambientes de pesca antes

usados única e exclusivamente por populações ribeirinhas (BARBOSA, 2003; SALGADO e

KAIMOWITZ, 2003).

O estudo dessa unidade de conservação torna-se emblemático para a discussão das

relações entre normas locais e normas de gestão impostas pela legislação e atos normativos,

questão central deste estudo. Durante muitos anos, as populações ribeirinhas que vivem na

área constituída em Resex exploraram os recursos naturais com base em mecanismos de

controle estabelecido localmente (MOREIRA; HEBETTE e LEITÃO, 2004; HÉBETTE,

2004). São normas para uso da madeira, dos campos naturais de várzea, do solo e,

principalmente da caça e da pesca.

O aumento da extração do pescado na Amazônia, a partir da década de 1960 é

consequência do projeto desenvolvimentista “Operação Amazônia” que acelerou o

crescimento demográfico da região, aumentou a população dos centros urbanos e a expansão

de áreas exploradas em diferentes frentes: pecuária, minério, floresta, hidrelétrica (PEREIRA;

SOUZA e RAMOS, 2007). A situação atual da pesca na Amazônia é resultado de três fatores:

adoção de novas tecnologias empregadas no processo de extração do pescado; declínio da

produção de juta nas várzeas, sobretudo no baixo amazonas e, consequentemente a migração

dos produtores de juta para a atividade pesqueira; e a pecuária que tem aumentado as áreas

desmatadas e reduzido a produção de pescado (McGRATH et al., 1996).

Frente a essas mudanças, as populações têm se organizado desde início dos anos de

1980, sob a liderança da igreja católica e mais tarde a partir de organizações laicas (como

sindicatos, associações comunitárias e de pescadores, e colônia de pescadores) para

construção de estratégias de enfrentamento dos problemas inerentes à pressão sobre os

recursos pesqueiros, o que tem chamado atenção de pesquisadores e também do próprio

Estado para os mecanismos de controle construídos pelas populações (McGRATH et al.,

1996; PEREIRA, SOUZA e RAMOS, 2007). Isso tem feito o Estado buscar medidas, embora

tímidas, que considere também a gestão local como parte das estratégias de controle da

Page 22: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

20

atividade pesqueira, como é o caso do reconhecimento, através de portarias, dos acordos

comunitários de pesca e da publicação da IN Nº 29/IBAMA contendo instruções no intuito de

ajudar as comunidades na elaboração das normas para facilitar o reconhecimento pelos órgãos

ambientais.

Estudos revelam que os acordos comunitários de pesca têm se constituído em

importante instrumento de manejo dos recursos pesqueiros, como alternativas à política de

controle centralizada no Estado (CASTRO e McGRATH, 2001; McGRATH, 1994; 1996). No

entanto, o funcionamento desse modelo de gestão exige a participação de vários atores para

gerar os melhores resultados. E sua eficiência em relação aos estoques de pescado é limitada

às espécies sedentárias, pois o raio de ação é limitado à área de uso de cada grupo de usuário

(comunidade).

Estudos que confirmam a capacidade de gerenciamento dos recursos naturais por

grupos locais (FURTADO, 2006) reforçam a tese de que é preciso haver o reconhecimento

dos saberes tradicionais, como forma de garantir a participação política desses grupos e

melhor gestão dos recursos manejados. Isso não implica em abrir mãos dos conhecimentos

produzidos pela ciência, construir modelos de gestão que agregue diferentes formas de

saberes (TEISSERENC, 2010).

Contudo, não se pode excluir desse campo de discussão os desafios enfrentados pelas

populações frente às mudanças na extração dos recursos pesqueiros, ensejadas pela entrada de

atores externos, o emprego de novas tecnologias no processo de extração, abertura de novos

mercados consumidores, sobretudo o acesso do pescado aos centros urbanos que afetam as

estruturas tradicionais de produção que pode resultar no esgotamento das espécies de valor

comercial, como ilustrado por Hardin (1968) na tragédia dos comuns.

O objetivo geral deste estudo foi o de analisar a convivência entre as normas locais de

uso dos recursos pesqueiros e suas relações com a concepção de gestão de Unidade de

Conservação de Uso Sustentável (UC-US). Especificamente, buscou-se: identificar, descrever

e contextualizar social e historicamente as normas locais para a gestão de recursos pesqueiros

desenvolvidas pelas comunidades; identificar os fatores que podem fragilizar as normas

locais; discutir o papel do Estado no reconhecimento e apoio às normas locais e as

implicações em caso do descumprimento do papel.

Page 23: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

21

A primeira parte apresenta um breve panorama do processo de formação das Resex no

Brasil e, em particular, da Resex Verde para Sempre, em Porto de Moz, PA; a segunda parte

descreve as normas locais estabelecidas pelas comunidades ribeirinhas para extração e

gerenciamento dos recursos pesqueiros; e a terceira parte apresenta os fatores responsáveis

pela desarticulação das normas locais. A quarta seção retoma os elementos centrais dos

capítulos para discutir dois aspectos fundamentais no processo de gestão da Resex: o conflito

de legitimidade sob o ponto de vista da constituição das normas e o conflito entre os saberes

locais e o saber científico, responsável pela formulação das normas para manejo dos recursos

naturais, explícitos nas leis e atos normativos que tratam da gestão das UC-US.

Page 24: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

22

ABORDAGEM METODOLOGICA

Neste trabalho, buscou-se analisar a convivência entre as normas locais de uso dos

recursos pesqueiros e suas relações com a concepção de gestão de Unidade de Conservação

de Uso Sustentável (UC-US). A análise foi feita essencialmente, a partir do levantamento das

normas estabelecidas pelas comunidades estudadas. Para isso, foram levantadas informações

sobre os componentes das normas locais e discutido com a legislação e com literaturas

especializadas.

A proposta de trabalho apresentada e aprovada pela banca examinadora ambicionava

analisar normas locais para uso de três recursos naturais: pescado, madeira e campos naturais

para a criação de bubalinos. Esses recursos são importantes do ponto de vista da geração de

renda, segurança alimentar e por serem explorados ou usados pela maioria dos moradores da

Resex Verde para Sempre. Para encontrar os elementos necessários à execução da proposta, o

trabalho se concentraria em quatro comunidades, todas no interior da Resex Verde para

Sempre, localizadas em áreas de floresta de terra firme, cuja atividade madeireira é importante

para a geração de renda, pela abundância de espécies de valor comercial; em áreas só de

várzea e várzea e terra firme, com predominância da criação de bubalinos e pesca como

principais atividades econômicas.

No entanto, uma análise mais cuidadosa sobre a dispersão geográfica das comunidades

selecionadas para a pesquisa e o aprofundamento da literatura sobre uso dos recursos naturais

serviram de base para a redefinição do plano de trabalho, optando-se por um estudo

direcionado para a questão pesqueira, embora inevitavelmente as atividades excluídas sejam

abordadas de maneira superficial, o que justifica a exclusão da comunidade com área de

floresta da pesquisa e a realização da pesquisa em comunidades com atividade pesqueira

(Figura 1).

Page 25: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

23

Figura 1: Área de estudo

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração: Trindade, 2015

A decisão de desenvolver o trabalho somente com base nas normas para uso dos

recursos pesqueiros foi tomada por se tratar de um recurso relevante para a economia local e

regional para a segurança alimentar nas comunidades; por apresentar visível histórico de

conflitos e elaboração de normas locais, atualmente conhecidas como acordos comunitários

de pesca; por permitir uma análise mais profunda sobre os efeitos das normas locais em

relação ao uso dos recursos naturais em unidade de conservação de uso sustentável e possíveis

conflitos com as normas oficiais de gestão desses espaços protegidos; por permitir estabelecer

uma relação entre os ambientes naturais usados nas experiências haliêuticas e os mecanismos

de controle e; sobretudo, por se tratar de um recurso de uso comum. Isto é, de difícil exclusão

e a exploração pode afetar os estoques e reduzir ou comprometer a exploração futura.

No entanto, a exclusão do uso dos campos naturais e da atividade florestal madeireira

da pesquisa não comprometeu a essência do trabalho, no que concerne ao exame das normas

locais e da relação com a concepção de gestão de UC–US. Ao contrário, proporcionou

possibilidades de maior aprofundamento acerca do tema, evitando superficialidades e,

Page 26: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

24

sobretudo, a conclusão do trabalho de acordo com o tempo previsto no regimento do

Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia (MPGAP).

Nesse sentido, a descrição das normas locais a partir da memória trazida pelos relatos

dos moradores e da análise dos documentos escritos, que definem as normas para acesso aos

recursos pesqueiro, o complexo sistema de gestão local e das relações com atores externos

colaboram para uma definição qualitativa da abordagem metodológica que, de acordo com

Godoy (1995, p. 58) “envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e

processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando

compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da

situação em estudo”. Ainda de acordo com a mesma autora:

Os estudos denominados qualitativos têm como preocupação fundamental o estudo e

a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa abordagem valoriza-se

o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está

sendo estudada. No trabalho intensivo de campo, os dados são coletados utilizando-

se equipamentos como videoteipes e gravadores ou, simplesmente, fazendo-se

anotações num bloco de papel. Para esses pesquisadores um fenômeno pode ser

mais bem observado e compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte.

Aqui o pesquisador deve aprender a usar sua própria pessoa como o instrumento

mais confiável de observação, seleção, análise e interpretação dos dados coletados.

(GODOY, 1995, p. 62).

Com base nessas premissas básicas dos estudos qualitativos, também se buscou

valorizar o contato direto do pesquisador com os moradores das comunidades estudadas, em

ambientes informais (campos de futebol, conversas durante viagens, etc.), para diálogos sem a

presença de blocos de anotação ou gravadores, para tornar a relação entre entrevistador e

entrevistado o mais natural possível, propiciando conversas abertas e francas. Nas viagens

junto com os pescadores para os ambientes de pesca, também foram adotadas formas de

diálogos informais, com prioridade a observação das técnicas de pesca e das conversas entre

os pescadores.

Para facilitar a coleta de dados e informações foram adotadas diferentes estratégias: a

aplicação de formulários para obtenção de informações gerais das comunidades pesquisadas,

entrevistas semiestruturadas com moradores nas três comunidades, convivência com

pescadores durante as pescarias, diálogos informais com compradores de pescado nas três

comunidades e análise de documentos antes e após a criação da Resex Verde para Sempre.

Page 27: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

25

COLETA E ANÁLISE DE INFORMAÇÕES

Entrevistas semiestruturada e estruturada foram os principais instrumentos de coleta de

informações usados na pesquisa foram. As entrevistas semiestruturadas foram aplicadas

individualmente (Apêndice A), com base em roteiro pré-estabelecido envolvendo moradores

das três comunidades estudadas. Já as entrevistas estruturadas (Apêndice B), também foram

aplicadas nas três comunidades, mas em grupos com sete pessoas na Vila Bom Jesus, cinco

em São João e seis em Miritizal.

As entrevistas individualizadas buscaram reconstruir o histórico de uso e gestão dos

recursos pesqueiros desde a chegada dos primeiros moradores até o momento atual. Para isso,

buscaram-se informações com pessoas de diferentes faixas etárias e que sempre viveram nas

comunidades, a fim de se evitarem lacunas nos relatos dos acontecimentos relevantes do

ponto de vista histórico. O perfil dos entrevistados é formado por pessoas que se identificaram

como pescadores, criadores, agricultores, extratores de madeira e compradores de pescado

(Tabela 1). Um perfil formado a partir das atividades que a maioria dos moradores das

comunidades estudadas desenvolve. Com exceção daqueles que se declararam só como

aposentados, as demais pessoas desenvolviam mais de uma atividade.

Comunidade Nº de

entrevistas

Idade

(Média)

Perfil dos entrevistados

H M Pescadores Criadores Agricultores Ext. de

madeira

Comp.

pescado

Outros

Bom Jesus 8 3 51 4 4 6 0 1 4

Cupari 8 3 46 7 6 3 2 3 3

Miritizal 5 2 39 5 2 0 0 1 1

Total 21 8 45 16 12 9 2 4 8

Tabela 1: Perfil dos entrevistados individualmente.

Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: Autor.

De acordo com Haguette (1997), a interlocução através de entrevista é um processo de

interação social entre entrevistador e entrevistado e aplicável quando se trabalha com amostra

de estudo em profundidade. Esse processo de interação realizado durante as entrevistas

trouxeram riqueza de detalhes sobre a vida dos moradores das comunidades estudadas, pois à

medida que se estabeleceu uma relação de confiança entre o pesquisador e os participantes da

pesquisa, os diálogos tornaram-se abertos, francos e verdadeiros. Isso possibilitou a

identificação de diversas situações, como por exemplo, a comercialização de animais e aves

proibida pela legislação Brasileira (BRASIL, 1998), e que são objeto de apreensão durante as

operações de fiscalização. Portanto, a confiança do participante da pesquisa sobre o sigilo e

Page 28: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

26

uso das informações tornou-se fundamental para a obtenção de dados relevantes para a

compreensão real da extração e gestão dos recursos naturais nas comunidades estudadas.

Desse modo, os depoimentos prestados pelos participantes foram além das questões

previamente formuladas para nortear os diálogos, expressando sentimentos de

descontentamento em função da criação da Resex, com as promessas de vida melhor feitas

aos moradores antes e logo após a criação da Resex e que não se materializaram, como acesso

a crédito para a produção, políticas de moradia digna, educação, saúde e segurança fundiária.

Também o medo que os moradores têm de que no futuro não mais poderão desenvolver

determinadas atividades, como a abertura de áreas em mata primária para pastagem e cultivo

e, sobretudo, de que a terra e os recursos das florestas e dos rios não mais pertencem aos

moradores, mais ao IBAMA, já que poucos moradores conhecem ou reconhecem o ICMBio

como o responsável pela gestão da Resex.

O maior esforço, no entanto, do ponto de vista metodológico é a compreensão dos

temas abordados nos diálogos a partir das perspectivas dos moradores. Como forma de

enfrentar o desafio de compreender os temas abordados nas entrevistas a partir das

perspectivas dos moradores adotou-se como estratégias de análise das mensagens a análise de

conteúdo, definida por Bardin (2011, p. 47) como um “conjunto de técnicas de análise das

comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do

conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de

conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas

mensagens”.

Dentre as várias modalidades da análise de conteúdo, adotou-se, nesta pesquisa, a

análise temática, descrita por Silveira e Córddova (2009) como mais apropriada para pesquisa

de cunho qualitativo. Operacionalmente, Minayo (2007, p. 36) a firma que “análise temática

consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença

ou frequência (grifo do autor) significa alguma coisa para o objetivo analítico visado”.

A análise de conteúdo apresenta três etapas ou fases que, embora flexíveis, devem ser

seguidas: pré-análise indicando o contato do pesquisador com o material, também chamada de

leitura flutuante, é a fase do contato, da organização de estratégias de tratamento e

formulação de indicadores para análise do material; a segunda fase é caracterizada pela

organização sistemática do material através da construção de quadros matriciais das

Page 29: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

27

categorias ou unidades de registro definidas de acordo com os objetivos da pesquisa; a

terceira fase reporta-se ao tratamento dos resultados – a inferência e interpretação (BARDIN,

2011).

As 29 entrevistas realizadas nas três comunidades foram transcritas, destacando-se as

categorias ou unidades de registro de acordo com as informações coletadas e os objetivos da

pesquisa, em: 1) histórico de uso e gestão dos recursos pesqueiros em cada comunidade

(envolvendo práticas de extração, apetrechos usados, mercados, conflitos, regras criadas pelos

moradores); 2) imagens que os moradores têm da Resex Verde para Sempre (operações de

fiscalização, promessas); 3) sobre o funcionamento da comunidade (divisão do espaço,

conflitos, regras locais).

Todo o processo de transcrição das falas dos interlocutores preservou à maneira dos

moradores se reportarem as questões apresentadas nos roteiros preestabelecidos e são

apresentadas com a mesma estrutura linguística nas citações. Preservando, no entanto, a

identidade de todos os participantes que são identificados pelos códigos formados pelas

iniciais da localidade e o número do entrevistado, como por exemplo, “Morador VBJ 1 a 11”,

quando se tratar de interlocutor da comunidade Vila Bom Jesus; “Morador SJC 1 a 11”, para

moradores da comunidade São João do Cupari e “Morador MTZ 1 a 07”, para moradores da

comunidade Miritizal.

Page 30: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

28

CAPITULO I – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL

Este capítulo tem por objetivo apresentar um breve panorama do processo de formação

das Reservas Extrativistas na Amazônia, em particular, da Reserva Verde para Sempre, em

Porto de Moz, PA. Mostra que a criação dessas UC-US resulta de um processo histórico de

construção de uma proposta de regularização fundiária e ambiental frente às transformações

vividas na Amazônia após o ciclo da borracha e que se acelerou a partir da década de 1970.

1. A FORMAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NO BRASIL

A compreensão do processo de formação das Resex passa pela leitura das mudanças

ocorridas na Amazônia após o clico da borracha. “Os antigos donos dos seringais ou

venderam suas terras para os paulistas ou simplesmente se omitiram de se colocarem em

defesa dos que lutavam contra a destruição da floresta.” (GONÇALVES, 2012, p.130). Isto é,

à medida que os seringais deixaram de render fortunas aos seus donos, foram vendidos para

os “paulistas” – denominação dada aos “de fora” – para a implantação da pecuária e

exploração madeireira.

A história de formação das Reservas Extrativistas no Brasil, particularmente na

Amazônia, contada por diferentes pesquisadores (ALMEIDA, 2004; ALEGRETTI, 2008),

inicia-se na da década de 1980, no estado do Acre, a partir da luta dos seringueiros

organizados em sindicatos.

As estratégias de enfrentamento dos seringueiros, no primeiro momento, conhecida

como “empates”, na década de 1970, convergiam para conter os avanços dos desmatamentos

para a implantação da pecuária; aos combates do crescente latifúndio – decorrente das novas

frentes de atividades econômicas em cursos na Amazônia; e contra a violência explícita ou

implícita responsável pela expulsão (forçada ou silenciosa) da população do interior das

florestas (GONÇALVES, 2012).

No segundo momento, a luta dos seringueiros saiu do anonimato, ganhou visibilidade

e notoriedade nacional e internacional, a partir das articulações com atores externos: ONGs,

pesquisadores, políticos e setores progressistas da igreja católica, com o fortalecimento e a

expansão dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, sob a liderança da Confederação dos

Page 31: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

29

Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e com a fundação do Conselho Nacional dos

Seringueiros (CNS), em 1985 (ALMEIDA, 2004).

A criação do CNS foi decisiva para a formulação e consolidação da proposta de

criação das Reservas Extrativistas na Amazônia, pois ao mesmo tempo em que promovia as

discussões e articulações entre os seringueiros do estado do Acre, expandia seus raios de ação

para outros estados da Amazônia, assim como passou a atuar na captação de recursos

financeiros de agências internacionais e nacionais, como foi o caso do financiamento do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar as ações

dos seringueiros (ALMEIDA, 2004).

Inicialmente, os debates serviram como exercício para a formulação de proposta de

reforma agrária mais adequada às condições das atividades extrativistas, que requerem áreas

maiores que os 100 ha, tamanho máximo de um módulo fiscal para efeito de reforma agrária –

na Amazônia. A equação apresentada por Almeida (2004, p. 39) da conta de que, “um

seringal com setenta chefes de famílias, dispersos por 25 ou 30 colocações, ocupava uma

extensão de cerca de 30 mil hectares de floresta, entrecortada por inúmeros caminhos e

atalhos”, resultando em unidades de produção acima de 400 ha por família.

Na década de 1970, a Amazônia como um todo passou por um processo de ocupação

agenciada pelo governo militar, tendo como exemplo, a construção da BR 230 (Rodovia

Transamazônica) e o processo de colonização em seu curso. Esse movimento em direção da

Amazônia tinha como centro de suas ambições a incorporação dos recursos naturais à

economia capitalista “nacional e internacional, assim como responder aos conflitos agrários

no nordeste e sudeste do Brasil” (Ibid., p. 40).

Outras análises e reflexões feitas acerca dos impactos dos grandes projetos na

Amazônia, afirmam que historicamente esses grandes projetos não atendem e nem estão

voltados para os interesses locais ou regionais e sim aos interesses externos. São projetos de

construção de barragens, pecuária em grande escala, exploração mineral, exploração

madeireira e monocultivo que têm provocado graves conflitos na Amazônia ao longo de

várias décadas, precisamente a partir de 1970:

O capital não entende a linguagem das relações primárias; sua racionalidade é de

lucro, de produtividade, do tempo de trabalho; é a racionalidade das relações

mercantis. Essa diferença torna o diálogo entre as partes – camponeses e os índios

por um lado, o capital por outro – quase impossível (HEBÉTTE, 2004, p. 151).

Page 32: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

30

Portanto, as Reservas Extrativistas nasceram e expandiram-se, ao longo das últimas

duas décadas e meia, num ambiente de profundos conflitos e disputas por territórios e seus

recursos naturais (madeira, pesca, minério, água) incluindo o uso do solo para a formação de

pastagem para a criação de gado e agricultura.

Em resumo, elas resultam de uma relação “intima” entre intelectuais e movimentos

sociais (sindical), a partir da necessidade de elaboração de “uma proposta que correspondesse

à vivência dos que lutavam, que incorporasse a sua cultura. Rigorosamente não veio de fora”

(GONÇALVES, 2012, p. 132). Essas considerações são importantes por refletirem o interesse

em assegurar um modo de vida diferenciado do modo de produção essencialmente capitalista.

Esse modo de conceber e reconhecer as Reservas Extrativistas como um espaço plural

– de inúmeras atividades produtivas (mesmo as que não são prevista pela atual legislação,

como por exemplo, a pecuária que se expande no interior desses espaços sem uma definição

clara quanto a sua legalidade), aliado as articulações políticas e institucionais, mudanças na

conjuntura política favorável à criação desses espaços, entre outros fatores, resultou na

constituição de 91 Reservas Extrativistas no Brasil (federal e estadual), em quatro biomas.

De acordo com o Cadastrado Nacional de Unidade de Conservação (CNUC), do

Ministério do Meio Ambiente, 71 unidades estão na Amazônia, cobrindo mais de 137 mil

quilômetros quadrados (Tabela 2). Desse total, apenas13 (treze) foram criadas antes da

promulgação da Lei 9. 985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC)(MEDEIROS e YOUNG, 2011).

Bioma / Área Km2 Nº de

Resex por bioma

Área total

em Resex (Km2)

%

(bioma/km2)

Amazônia 4.198.551 70 137.476 3,274

Caatinga 827.934 3 19 0,002

Cerrado 2.040.167 6 880 0,043

Mata Atlântica 1.117.571 11 711 0,064

Pampa 178.704 0 0 -

Pantanal 151.159 0 0 -

Total 8.514.086 90 139.086 1,634

Tabela 2: Resex constituídas nos biomas brasileiros até fevereiro de 2015.

Fonte: Cadastro Nacional de Unidade de Conservação (MMA). Elaboração: Autor

Além das alianças entre populações tradicionais, entidades sociais e ambientalistas, o

que contribuiu para o aumento no número de Resex no Brasil foi a eleição vitoriosa de um

Page 33: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

31

presidente da república alinhado como os movimentos sociais e, sobretudo o fato do MMA ter

sido chefiado pela ex-senadora Marina Silva, organicamente vinculada ao movimento dos

seringueiros do Acre. Entre 2002, ano em que Lula foi eleito presidente e 2015, foram criadas

no Brasil 39 das 62 Resex federais. Os estados que criaram essa categoria de UC-US também

têm ou tiveram governantes ligados ou apoiados pelos movimentos sociais de bases rurais ou

ambientalistas, mas o número de Resex estaduais no mesmo período foi de apenas 4 das 28.

Portanto, o processo de criação e gestão das Resex também tem em suas origens as marcas

das lutas políticas e ideológicas travadas por esses movimentos.

1.1 BASE LEGAL

O embasamento legal para a criação desses espaços, no âmbito da administração

pública federal, antes do advento SNUC, apresentado nos decretos de criação pelo poder

executivo, eram: o Artigo nº 84 da Constituição Federal, em seu inciso IV, que atribui

privativamente ao presidente da república: “sancionar, promulgar e fazer pública as leis, bem

como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução” (BRASIL, 1988, Art. 84, IV); a

lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente –

compartilha entre união, estados e municípios o poder de “criação de reservas e estações

ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder

Público Federal, Estadual e Municipal” (BRASIL, 1981, Art. 9º, VI); o Decreto Nº 98.897, de

30 de janeiro de 1990 que dispõe sobre as reservas extrativistas, definindo-as como “espaços

territoriais destinados à exploração auto sustentável e conservação dos recursos naturais

renováveis, por população extrativista” cujo ato de criação compete ao poder executivo, em

áreas consideradas de “interesse ecológico e social”. Tratava também da forma de gestão das

Reservas Extrativistas, atribuindo ao IBAMA a aprovação de um plano de utilização: “o

contrato de concessão incluirá o plano de utilização aprovado pelo IBAMA e conterá cláusula

de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão

inter vivos” (BRASIL, 1990, Arts. 1º, 2º e 4º, §2º).

Os conflitos políticos em torno do processo de criação e de gestão das Reservas

Extrativistas resultaram na criação de duas importantes instituições. A primeira foi o Centro

Nacional de Desenvolvimento das Populações Tradicionais (CNPT), autarquia federal, criado

pela portaria Nº 22/IBAMA de 10/02/1992, no final do governo de Fernando Collor de Melo.

Sua criação é atribuída às “reivindicações” dos movimentos sociais (CUNHA, 2010), sendo

Page 34: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

32

inclusive presidido em determinado momento por um membro do Conselho Nacional dos

Seringueiros (CNS), no período de um governo federal indiferente às lutas dos seringueiros.

Ainda que a criação do CNPT não tenha representado avanços significativos no

processo de implementação das Resex, ela sinaliza para a necessidade da instauração de um

processo de gestão democrático, que incluísse os movimentos sociais e os moradores das

unidades de conservação nas decisões sobre o futuro desses espaços.

Quinze anos após a criação do CNPT, e em uma conjuntura política completamente

diferente, em termos de gestão dos órgãos federais, é criado o Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pela Lei 11.516 de 28 de agosto de 2007. Do

ponto de vista histórico e político, faz-se importante observar duas mudanças fundamentais

em relação ao CNPT/IBAMA. A primeira é que o ICMBio é uma autarquia federal vinculada

ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), presidido, à época, por uma senadora do Acre,

organicamente ligada à luta dos seringueiros. Portanto, sem qualquer vínculo de subordinação

ao IBAMA, o que lhe confere, em tese, uma gestão autônoma política e administrativamente,

com orçamento e estrutura de funcionamento. A segunda questão é que o ICMBio passa a

exercer o papel de gestor de todas as categorias de unidade de conservação no país (BRASIL,

2007, art. 1º, I – IV) e não só das Reservas Extrativistas ou das populações tradicionais, como

trabalhava o CNPT. Esse ato o torna a primeira autarquia federal criada com a finalidade

precípua de gerir as unidades de conservação no país.

A partir de julho de 2000, o processo de criação e gestão das Reservas Extrativistas

passa a ser embasado legalmente pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 que “regulamenta

o Art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o sistema nacional de

unidade de conservação” - SNUC (BRASIL, 2000), e do decreto 4.340, de 22 de agosto de

2002, “que regulamenta os artigos da Lei 9.985, e dá outras providências” (BRASIL, 2002).

As atribuições quanto ao ato de criação continuam privativas ao poder executivo nas

esferas municipal, estadual e federal, mesmo após o advento da Lei do SNUC. No entanto, do

ponto de vista racional-legal, para usar a expressão apresentada por Silva et al. (2013), as

Reservas Extrativistas passam a ter uma denominação conceitual mais restrita em relação ao

Decreto nº 98.897/1990. Ao inserir os termos “extrativistas tradicionais” (BRASIL, 2000, Art.

18), encerrando a possibilidade de inclusão, do ponto de vista legal, de populações com

Page 35: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

33

tradição agrícola, por exemplo, na condição de beneficiárias das políticas públicas planejadas

para o desenvolvimento das Reservas Extrativistas.

Outra diferença notável em relação ao decreto nº 9.897/1990 e a Lei nº 9.985/2000 é a

definição quanto ao instrumento usado para celebração do contrato de concessão direito real

de uso entre moradores e o órgão responsável pela gestão da unidade de conservação. No

decreto não há definição clara quanto ao teor do plano de utilização, com aprovação do

IBAMA, já a lei é categórica ao definir plano de manejo como:

(...) documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de

uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que deve

presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das

estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (BRASIL, 2000, art. 2º, XVIII)

A importância primordial do plano de manejo das Reservas Extrativistas reside no fato

de que é nele que constam as atividades permitidas e em quais condições, e as que não são

permitidas – de acordo com os objetivos da unidade previstos no SNUC. O plano de manejo é

um dos requisitos necessários para a celebração do contrato de concessão de direito real de

uso entre os moradores e o governo federal, proporcionando a segurança fundiária e o direito

de acesso às políticas oficiais, como por exemplo, crédito.

Do ponto de vista da sustentabilidade institucional, tanto a elaboração do plano de

manejo quanto à constituição do conselho deliberativo são decisivos para a consecução dos

objetivos da unidade previstos no SNUC. “Caso contrário, as práticas dos agentes

governamentais serão feitas de maneira improvisada e voluntarista, com base em ‘brechas

legais’, fragmentos de leis, interpretações normativas ou em dispositivos institucionais com

força jurídica duvidosa” (SILVA et al., 2013, p. 15).

Para a elaboração do plano de manejo de Resex e RDS o ICMBio publicou a Instrução

Normativa (IN) Nº 01, de 18 de setembro de 2007, com a finalidade de disciplinar as

diretrizes e procedimentos para a sua elaboração. É interessante observar que a definição dada

ao plano de manejo pela referida IN apresenta elementos novos em relação aos contidos na

Lei do SNUC e no Decreto 4.340 de 22 de agosto que o regulamenta, ao introduzir os termos

sustentabilidade socioeconômica e sua construção participativa (grifo nosso):

(...) o documento que representa o principal instrumento de gestão da unidade de

conservação, definindo sua estrutura física e de administração, o zoneamento, as

normas de uso da área e de manejo dos recursos naturais e os programas de

sustentabilidade ambiental e socioeconômica, construído junto com a população

tradicional da unidade (ICMBio, 2007a, Art. 2º, I).

Page 36: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

34

A construção de Conselho Deliberativo de RDS ou Resex tem suas diretrizes, normas

e procedimentos disciplinados pela IN nº 02, de 18 de setembro de 2007, que define Conselho

Deliberativo como “espaço legalmente constituído de valorização, discussão, negociação,

deliberação e gestão da unidade de conservação e sua área de influência referente a questões

sociais, econômicas, culturais e ambientais” (ICMBio, 2007b, Art. 2º, I).

1.2 A CRIAÇÃO DA RESEX VERDE PARA SEMPRE

O município de Porto de Moz, localizado a Oeste do estado do Pará, possui uma área

total de 17.423,017 km2 e uma população estimada em 36.841 (IBGE, 2010). O Rio Xingu

atravessa o município em sentido Sul x Norte, constituindo-se na principal via de acesso e

ligação aos grandes centros urbanos dos estados do Pará e Amapá. À Leste, além do centro

administrativo, há uma significativa área de floresta ombrófila densa, tipo de floresta também

predominante a Oeste.

A Reserva Extrativista Verde para Sempre, com 1.288.717,00 ha (Figura 2), está

localizada entre os rios Xingu e Amazonas, e é constituída por áreas de terra firme e várzea. A

terra firme está localizada nos interflúvios dos rios Marituba e Jaurucu e a várzea entre os rios

Jaurucu e Amazonas, onde está concentrada a maior densidade populacional do interior do

município, às margens dos Rios Jaurucu, Coati, Cupari, Aquiqui, Uiui, Peituru, margem

direita do Rio Amazonas, e Rio Guajará e seus afluentes.

Page 37: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

35

Figura 2: Resex Verde para Sempre

Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: Trindade, 2015

Com exceção da parte sul, ocupada por fazendeiros da cidade de Altamira,

praticamente toda a margem esquerda do Rio Xingu, no município de Porto de Moz, é

povoada por população ribeirinha que, ao longo dos anos, a partir dos ciclos da borracha na

Amazônia, ocupou as margens dos rios e igarapés que drenam o imenso território.

(...). Toda a área do rio Xingu e do rio Jari, ao sul e ao norte, respectivamente, do rio

Amazonas, próximo a Porto de Moz tem, na composição de sua população e na sua

estrutura social, as marcas desta época “gloriosa” da borracha com a exploração

impiedosa dos seringueiros nos seringais, e da época da ressaca pós-anos 1950, com

a estagnação econômica e a volta de uma economia de quase subsistência nas

comunidades distantes (HÉBETTE, 2004, p. 280).

A notoriedade dos tempos áureos da borracha, por ter sido o entreposto entre os

seringais e o porto de Belém, se desfez e a região do Baixo Xingu5, passou por um longo

período de estagnação econômica (MOREIRA, 2003).

5 Baixo Xingu é uma “divisão geográfica” elaborada pela Prelazia do Xingu - Igreja Católica, que dividiu a área

de sua “circunscrição eclesiástica” em Baixo, Médio e Alto Xingu, com suas respectivas paróquias. De acordo

com essa divisão, os municípios de Porto de Moz e Gurupá ficam localizados no Baixo Xingu.

Page 38: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

36

Contudo, a partir dos anos de 1970, os grandes projetos de integração da Amazônia ao

modo de produção capitalista foram, aos poucos, introduzidos no Baixo Xingu, modificando

as relações de exploração dos recursos naturais até então estabelecidas. Como explica Hébette

(2004, p. 281): “Todas as políticas governamentais do período [da ditadura militar] levaram

ao que se chama de integração nacional da Amazônia insular ao Brasil dominante”. O mesmo

autor mostra as contradições políticas existentes na abertura da fronteira agrícola e a política

dos grandes projetos para a Amazônia, pois ao mesmo tempo em que se propõe modernizar

um “passado arcaico” preserva a “mesma linha de prioridade de exploração primária – o

extrativismo – dos recursos naturais: madeira, pesca, minérios, recursos hídricos – isto é, num

nível predatório que cresceu exponencialmente em relação aos séculos anteriores”

(HÉBETTE, op. cit).

As consequências desastrosas à população e ao meio ambiente dessas políticas

governamentais foram percebidas entre as populações ribeirinhas do Baixo Xingu.

Particularmente três frentes de expansão se destacam: a) a pecuária em grandes proporções

desenvolvidas na parte sul, nos limites dos municípios de Senador José Porfírio, Vitória do

Xingu, Brasil Novo e Medicilândia – todos interligados à Rodovia BR 230 (Transamazônica)

por estradas vicinais, abertas por grandes fazendeiros e madeireiros, sem qualquer vínculo

sociocultural com a população local; b) a exploração florestal praticada por grandes empresas

do setor florestal vindas de outros municípios do estado. Com máquinas pesadas e grande

número de trabalhadores, estes agentes econômicos passaram a praticar a grilagem de terras

públicas e a expulsar os antigos moradores de suas terras e; c) a pesca predatória nas

mediações do Rio Peri até a enseada do Irateua à margem esquerda do Rio Xingu.

A pecuária em larga escala foi e continua sendo desenvolvida em áreas pouco

habitadas. Isso fez com que seus impactos fossem menos percebidos aos olhos da população,

mesmo sendo desenvolvida em grandes áreas com corte raso da floresta nativa. Ao contrário

da pesca e da exploração florestal madeireira. Essas atividades foram desenvolvidas em áreas

com maior concentração de moradores cujos efeitos foram sentidos na escassez do pescado,

na escassez de madeira e caça nas áreas exploradas exaustivamente, além da perda de áreas de

uso comunal.

No início da década de 1980, com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí

(UHT), no Rio Tocantins, pescadores comerciais abandonaram a pesca a montante à barragem

e migraram para região do Xingu, com equipamento e barcos com alta capacidade de captura

Page 39: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

37

e armazenamento de pescado. Em menos de dez anos, todo o sistema de pesca artesanal local

entrou em crise (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003; BARBOSA e SOUZA, 2013). As

comunidades localizadas às margens dos Rios Xingu, Marituba, Peri, Acarai e os pescadores

artesanais da cidade de Porto de Moz foram os que mais sentiram os efeitos da redução dos

estoques de pescado.

Mais intensamente, a partir do início dos anos de 1990, a exploração madeireira

tornou-se a principal atividade econômica do município de Porto de Moz, sendo praticada por

empresas de outras cidades do estado do Pará, algumas, inclusive de capital internacional, e

também pequenos extratores locais (Tabela 3).

Rios Empresas (Grupos)

Do Rio Guará até o Rio

Marituba

Antônio e Everaldo, José Gonçalves, Mundicão

Do rio Marituba ao rio Peri Assis (dono a agropecuária Altamira)

Rio Acaraí Djalma Varejão, Ernestino Garcia, INTEL, Pedro, Dete, Lazarini.

Do Rio Acaraí ao igarapé Juçara Pedro, família Coimbra

Rios Una e Alto Rio Jaurucu Pedro, Nenzinho, COBEM, outros

Médio Rio Jaurucu Família Coimbra, Grupo Campos

Rios Jaurucu e Macapixi Madeireira Pipoca e Companhia Marajoara - Madenorte

Rio Inumbi Grupo Comavel

Alto Rio Guajará Madenorte e Grupo Campos

Tabela 3:Situação fundiária antes da criação da Resex, 2001.

Fonte: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz, 2001. Elaboração: autor

Já no final dos anos de 1990, as áreas com abundância de floresta estavam dividas

entre as grandes empresas madeireiras e grandes fazendeiros. As comunidades e famílias

dispersas ao longo dos rios e igarapés haviam ficado apenas com a roça e o “lugar da casa”, os

fundos dos lotes individuais haviam sido demarcados e, em alguns casos, eram vigiados por

homens armados. Esse cenário gerou mobilização das comunidades, sob a liderança da Igreja

católica e organizações representativas: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

(STTR), Associação dos pescadores Artesanais (ASPAR) e Associações comunitárias,

pesquisadores, instituições de pesquisa e organizações ambientalistas promoveram seminários

e debates locais e regionais para discutir a situação socioambiental porque passava a região e

tirar encaminhamentos (MOREIRA, 2003; SALGADO e KAIMOWITZ, 2003).

Page 40: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

38

Um dos encaminhamentos proposto nesses seminários foi a criação de uma Reserva

Extrativista, que mais tarde recebeu o nome de Verde para Sempre (MOREIRA, 2003). A

primeira proposta era de uma área de aproximadamente 3 milhões de hectares, nos municípios

de Porto de Moz e Prainha. No entanto, devido ao forte impacto da proposta no meio político

(LOBÃO, 2005), excluiu-se a área do município de Prainha, onde foi criada a Resex

Renascer, em 2009.

Nesse sentido, a Verde para Sempre é resultado das lutas de parte da população local e

suas articulações com atores externos, e foi profundamente motivada pelos conflitos

fundiários e pelas mudanças nas formas de exploração dos recursos naturais na Amazônia.

Assim como, a partir de intercâmbios de experiências entre moradores de Porto de Moz e

comunidades que já viviam em reservas extrativistas na Amazônia6.

No primeiro momento, a proposta recebeu apoio de diferentes setores da sociedade

local, inclusive do poder público, incluindo os poderes legislativo e executivo, vinculados

diretamente à atividade madeireira, por avaliarem que as empresas “de fora,” com mais poder

econômico, levariam toda a matéria prima disponível na floresta. Contudo, o apoio durou

pouco tempo, já em 2002, muitas manifestações contrárias à criação da Resex foram

realizadas em Porto de Moz e na Assembleia Legislativa do estado do Pará (ALEPA),

formando, de um lado, opiniões favoráveis e de outro, posições categoricamente contra à

criação da unidade de conservação (BARBOSA, 2003) (Tabela 4).

Documento Data Entidades Representante Função Justificativa

Ofício nº

0034/2001

08/10/2001 Prefeitura Municipal

de Porto;

Secretária Municipal

de Porto de Moz; e Secretaria Municipal

de Produção e

Abastecimento

- Gerson

Salviano

Campos

- Antônio Duarte Souto

-Prefeito

Municipal

- Secretário

Municipal

Garantia de direito à terra

e o apoio do governo

federal aos moradores.

Manifesto de

apoio

07/10/2001 Câmara municipal de

Porto de Moz

- Humberto

Souto Pires,

- Hely Soares

Barbosa

- vereador

presidente da

Câmara;

- Vereador

Garantia da terra aos

moradores e harmonizar a

relação do homem com a

natureza

Carta de apoio 03/10/2001 Paróquia de São Braz –

Prelazia do Xingu

Luis Gonçalves

Silva

Procurador do

vigário

Preocupação com a

concentração da terra -

“Dom de Deus e sua

distribuição dever ser

6 Entre 1996 e 2004, moradores da área constituída em Resex visitaram a Resex Chico Mendes - Acre, Tapajós

Arapiuns - Pará, Cajari - Amapá. Um grupo de quatro pessoas, representando o Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais visitou a Costa Rica. Os objetivos desses intercâmbios foram conhecer as experiências das

Resex já implantadas e o processamento/aproveitamento de madeira na Costa Rica.

Page 41: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

39

Documento Data Entidades Representante Função Justificativa

igualitariamente entre todos”.

Pedido de

criação da

Resex

sem data Associação de

Mulheres do Campo e

Cidade de Porto de

Moz

Maria Creusa da

Gama Ribeiro

Presidente Garantia da posse da terra,

segurança quanto ao

futuro, preservação dos

recursos naturais

Pedido de

criação da

Resex

sem data Colônia de pescadores

Z64

Erisvaldo

Barbosa e

Barbosa

Presidente Mudanças nos campos

econômico, social e

ecológico; garantia de

futuro melhor; escassez de

pescado.

Ofício nº

028/01

sem data Sindicato dos

Trabalhadores Rurais

de Porto de Moz

Idalino Nunes

de Assis

Presidente Garantia de direito à terra

e harmonização da relação

do homem com o meio

ambiente.

Pedido de criação da

Resex

sem data Associação dos Pescadores Artesanais

de Porto de Moz

Raimundo Valdo Pires

Barbosa

Presidente Garantia de direito à terra e harmonização da relação

do homem com a

natureza, “garantia de

permanência do homem

na terra”.

Pedido de

criação da

Resex

sem data Associação

Comunitária de

Desenvolvimento

Sustentável da

Comunidade Juçara

(ACDSCJ)

Enivaldo

Marques Gomes

Presidente Garantia de direito à terra

e harmonização da relação

do homem com a

natureza, “garantia de

permanência do homem

na terra”.

Apoio à criação

da Resex

sem data Serviço Alemão de

Cooperação Técnica e

Social (DED)

Georg Roling Cooperante As mudanças nas formas

de exploração da pesca e

da madeira já apresenta consequências as

comunidades.

Apoio à criação

da Resex

07/10/2001 Comissão Pastoral da

Terra (CPT)

Leônidas

Martins

Coordenador

da CPT Xingu

Garantia da terra aos

moradores, conservação

dos recursos

socioeconômicos.

Apoio à criação

da Resex

sem data Associação

Comunitária do Rio

Cupari (ACRC)

Maria do

Socorro Barbosa

Soares

Presidente Garantia de direito à terra

e harmonização da relação

do homem com a

natureza, “garantia de

permanência do homem

na terra”.

Apoio à criação

da Resex

Sem Fundação Viver

Produzir e Preservar (FVPP)

José Ribamar

Ripardo

Presidente Conter a ação dos grupos

de madeireiros e fazendeiro que destroem

os recursos naturais,

pondo em risco as famílias

do meio rural.

Manifesto de

apoio

07/10/2001 Sindicato dos

Trabalhadores Rurais

de Prainha

Manoel da Costa

Ferreira

Delegado

representante

do sindicato

Opressão aos

trabalhadores rurais

provocada por empresas

madeireiras.

Manifesto de

apoio

07/10/2001 Parlamentar José Geraldo

Torres

Dep. Estadual Resolver os conflitos e

“depredação” dos recursos

naturais envolvendo

empresas madeireiras.

Tabela 4: Manifestos de apoio à criação da Resex Verde para Sempre, em 2001.

Fonte: CDS. Arquivo. Documentos encaminhados ao CNPT, 2001. Elaboração: autor

Page 42: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

40

O processo de criação da Resex passou ser discutido no âmbito do poder público

estadual, liderado pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará

(AIMEX), com forte influência política nos poderes legislativo e executivo do estado do Pará.

O processo de criação da UC-US ficou parado no IBAMA entre 2001 e 2003, e o ato de

criação só aconteceu no final de 2004, após a eleição do presidente Lula e a indicação da

senadora Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente.

Em termos de instrumentos de gestão previstos em lei e atos normas normativos

(conselho deliberativo, plano de manejo e acordo de gestão ou plano de uso), prestes a

completar o décimo primeiro aniversário do decreto de criação, somente o conselho

deliberativo está constituído. Pelo regimento interno, ele é composto por 27 cadeiras (Tabela

5). Porém, atualmente, constam apenas vinte e quatro cadeiras, sendo três cadeiras excluídas à

revelia do regimento.

Representação do conselho deliberativo Nº de cadeiras

Órgãos públicos (federal, estadual e municipal) 4 Sociedade civil (ONG, Associações, Sindicatos) 7

Representante dos moradores (setores) 13

Total 24

Tabela 5: representação do conselho deliberativo da Resex/VPS

Fonte: Ata da reunião ordinária do Conselho Deliberativo da Resex/VPS, de 29 e 30 de maio de 2015.

Elaboração: autor

Na composição do atual conselho, a representação dos moradores é composta por treze

setores da Resex/VPS, eleita nas assembleias das comunidades organizadas pelo ICMBio.

Pelo regimento, o conselho deve se reunir ordinariamente três vezes ao ano. No entanto,

existem somente onze registros de reuniões, desde a criação em 2008. As frequentes

mudanças na chefia da unidade de conservação (oito no total) dificultam o registro e o

arquivamento da memória (atas) das reuniões realizadas.

Page 43: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

41

CAPÍTULO II - NORMAS LOCAIS PARA USO DOS RECURSOS PESQUEIROS

Este capítulo tem por objetivo descrever as normas locais estabelecidas pelas

comunidades ribeirinhas para extração e gerenciamento dos recursos pesqueiros. Considerou-

se o uso histórico dos recursos pesqueiros, desde a chegada dos primeiros moradores cujos

descendentes diretos conformam a população local atual, no final do século XIX, para a

exploração do látex, e, posteriormente a extração da ictiofauna nos campos de várzea, lagos e

rios tributários, entre os Rios Xingu e Amazonas. As normas são apresentadas em três

períodos. O primeiro e mais longo, estende-se entre 1890 a 1972, compreendido com um

período de baixa exploração dos recursos pesqueiros, e as normas locais com base no domínio

particular das áreas de exploração; o segundo, entre 1973 a 1995, é caracterizado pela

exploração dos recursos dentro de um sistema de troca entre pescadores e marreteiros e marca

o estabelecimento de normas informais para controle e acesso ao pescado, sendo a proibição

do uso da malhadeira e do timbó; e o terceiro período é marcado pela elaboração dos acordos

formais, entre 1996 a 2013.

2. DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES DE EXTRAÇÃO DO PESCADO

A Resex Verde para Sempre possui 1.289.362,78 hectares. Desse total, cerca de

285.731,00 ha são de formação hidrófila de várzea, também denominada de Formação

Pioneira, correspondendo a 22% de sua superfície (WATRIN e OLIVEIRA, 2009). Esse tipo

de formação se localiza em sentido Oeste a Leste em relação à sede municipal, entre os rios

Xingu, Juarucu e Amazonas. Possui um sistema de drenagem hídrica interligado ao Rio

Amazonas pelo furo do Aquiqui e pelo Rio Uiui que desemboca no Amazonas na foz do Rio

Guajará, e ao Xingu através do Rio Aquiqui. Desse modo, a parte mais ao norte das várzeas

está mais próxima das águas barrentas do Amazonas e a parte ao sul à terra firme e ao Rio

Jaurucu de águas escuras.

Todo o sistema de várzea é determinado pelo regime das cheias e estiagem. Isto é,

resulta da interação entre rios de águas barrentas, o Amazonas, e as áreas inundadas e que

recebem os sedimentos. Essas mudanças decorrentes dos regimes periódicos de cheias e

estiagem afetam diretamente a pesca. A localização dos cardumes está diretamente

relacionada aos ciclos hidrológicos, assim como os aspectos nutricionais das espécies

extraídas com finalidade comercial ou de subsistência. É com base nas características dos

Page 44: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

42

ambientes de pesca que pescadores definem as estratégias de captura e, consequentemente as

estratégias de controle. Daí a importância da descrição desses ambientes para a compreensão

das normas locais, ou mecanismos de controle.

Logo no início da inundação, os cardumes adentram os campos em busca de alimento

e para cuidar de suas proles. As áreas inundadas oferecem abundância de alimento, o que

resulta em maior taxa de crescimento e nutrição (BARTHEM e FABRÉ, 2004), pois além da

disponibilidade de alimento em forma de matéria orgânica, os cardumes acessam áreas de

ilhas que ficam completa ou parcialmente inundadas e igapós com diversidade de frutos,

como o inajá, seringa, caranã, miriti ou buriti, jauari, socoró, castanharana, entre outros.

Quando começa o processo de redução das cheias ou baixada d’água, os cardumes

retornam para os rios e lagos que permanecem cheios durante o ano todo. As comunidades

estudadas usam três complexos de lagos: Rancho, Fortaleza e Bom Jardim; e os rios Coati,

Cupari e Peituru, além das limpagens7 (Figura 3).

7Áreas localizadas nos campos de várzea sem a presença de qualquer tipo de vegetação. São formadas quando a

vegetação flutuante se desloca, durante as cheias, com a força do vento.

Page 45: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

43

Figura 3: Ambientes de extração do pescado nas comunidades estudadas.

Fontes: Campos higrófilos de várzea – Watrin e Oliveira, 2009; lagos e comunidades – dados de campo, 2015.

Elaboração: Trindade, 2015.

Os lagos do Rancho são os únicos que permitem acesso de pescadores durante o

período de estiagem, por igarapé e passagem8. É formado por um conjunto de mais de 100

lagos, também conhecidos pelos moradores como poços, sendo o lago ou poço do Miriti,

medindo cerca de 4 ha, o maior e concentra os maiores cardumes de espécies de maior valor

comercial como tambaqui, pirapitinga e tucunaré-açu. Em praticamente todos os lagos são

encontrados pirarucu, mas é no lago da Enseada Grande que se concentra a maior quantidade,

em função dos grandes aningais flutuantes existentes em suas margens, com aberturas que

permitem a respiração aérea da espécie. Todos os lagos são rodeados por “paredões” de

8 Caminho aberto pelo homem para deslocamento por meio de canoas ou rabetas. Em alguns casos, utiliza-se

búfalos para abrir a passagem no começo e no final das cheias. Depois de várias vezes que os animais passam

pelo mesmo local a vegetação é arrancada e a lama (matéria orgânica) desloca-se com a correnteza, formando

caminhos que são mantidos limpos para a passagem de pescadores durante o período de estiagem. A diferença

existente entre passagem e igarapé é pelo fato da passagem ser feita pelo homem e o igarapé pela natureza.

Page 46: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

44

miritizais, que impedem a entrada ou o deslocamento da vegetação flutuante externa e interna,

mantendo-os com as mesmas características durante muitos anos.

Durante o período de estiagem apenas moradores da comunidade São João do Cupari

conseguem acessar esses lagos. Porém, durante as cheias, moradores das comunidades

Cajueiro e Laranjal – no alto Rio Peituru - também acessam e praticam a pesca com o uso de

malhadeira, o que tem resultado em conflitos com pescadores do Rio Cupari que não

concordam com a pesca de malhadeira nos lagos.

Com as mesmas características dos lagos do rancho, os Poços da Fortaleza, como

conhecidos pelos moradores, têm 20 a 25 lagos que mantém lâmina d’água superior a 1,0

metro mesmo em anos de longa estiagem. O lago do Tartaruga, com cerca de 3,0 ha é o

maior entre todos e o que abriga os maiores cardumes de pirarucu. Não há meios que

permitam acesso de pescadores durante o período de seca, por não haver passagem ou igarapé

interligando os lagos aos rios ou entre estes. O acesso ocorre quando os campos estão

inundados, normalmente no início ou final das cheias, antes dos cardumes deixarem os lagos

ou logo que chegam para o período de estiagem. Moradores das comunidades Cupari e

Miritizal utilizam esses lagos para a pesca, principalmente do pirarucu, pirapitinga e

tambaqui. Sua localização está a cerca de 5 km das margens do Rio Cupari, 4 km das margens

do Rio Coati e a 7 km do Rio Peituru (Figura 3).

Entre os rios Coati e Uiui, existem cerca de 10 a 15 lagos, sendo o Urubuquara ou

lago do Urubu o de maior dimensão, com mais de 5 km de circunferência. Os demais são de

pequena dimensão, abaixo de dois ha. Até 2014 só eram explorados no início e no final das

cheias. Contudo, no final de 2014, devido à abundância de pirarucu, pescadores da Vila Bom

Jesus, com a utilização de animais para o transporte do pescado extraíram várias toneladas da

espécie nos lagos do Bom Jardim.

Os rios utilizados para a prática da pesca nas comunidades estudadas apresentam

variações drásticas de profundidade em relação às cheias e à estiagem. O Rio Coati, apresenta

lâmina d’água superior a sete metros de profundidade no pico das cheias e, no pico da

estiagem a maior profundidade é aproximadamente três metros, já nas proximidades de seu

encontro com o Rio Jaurucu. Em vários trechos o rio fica impraticável para a navegação de

embarcações de médio porte; no Rio Cupari, o período de estiagem deixa o rio impraticável

para a navegação de embarcações com motor de centro, sendo possível apenas o transporte

Page 47: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

45

através de canoas ou em rabetas; já o Rio Peituru apresenta condições de navegabilidade em

qualquer época do ano, e chega a cerca de 10 metros de profundidade nas cheias e 6 metros

em período de estiagem, no perímetro da comunidade Miritizal. O processo de enchente e

vazante que ocorre no Rio Amazonas o afeta. Quando a água enche, o rio corre em sentido da

foz à nascente, quando ela baixa corre em sentido da nascente à foz, sobretudo no período de

estiagem.

Além dos lagos permanentes é comum a formação de limpagens, ou lagos

temporários, a partir do deslocamento dos aningais ou boiados (vegetação flutuante). À

medida que a vegetação se desloca, arranca o capim e abre grandes áreas sem a presença de

vegetação de qualquer espécie. Essas áreas ficam abertas até a chegada de nova vegetação nos

anos seguintes, seja pela germinação de sementes de capim ou pela chegada de outras ilhas de

aningal. Durante a estiagem, essas limpagens ficam completa ou parcialmente sem lâmina

d’água. Quando isso ocorre, as espécies de peixes que permanecem nelas morrem ou

facilmente são capturadas por pescadores e predadores.

No período seco é muito comum a queima dos campos, facilitada pela acumulação de

matéria orgânica seca (capim) após as cheias. Esse processo também contribui para formação

de linpagens que se constituem em ambiente de pesca e de extração de jacaré, capivara e

quelônios, principalmente o cabeçudo. Durante o período de estiagem os campos são

queimados e, quando chega a época das cheias, o capim, particularmente a pomunga, fica

rasteiro, o que facilita aos pescadores andarem nos locais em pequenas canoas e localizarem

os animais pelo caminho aberto no capim (“batida”). Normalmente isso ocorre nos primeiros

meses do período de cheias (entre janeiro a março). Depois que a água sobe, essas áreas

passam a ser usadas para a extração de jacaré com o uso da lanterna, pois o capim rasteiro

facilita a sua localização.

Há mais de um século, as populações das comunidades estudadas usam esses

ambientes do ecossistema de várzea para a pesca e extração de animais. Mesmo diante das

mudanças nos ciclos das cheias ocorridas nos últimos anos e a introdução de novas atividades

econômicas que passaram a serem desenvolvidas pelas famílias, como a criação de bubalinos

com maior expressividade a partir de 1995, com o advento do FNO especial9, as populações

mantêm um calendário de atividades definido a partir dos ciclos das cheias e estiagem, que

9 FNO - Fundo Constitucional do Norte financiou atividades relacionadas à pecuária no município de Porto Moz

a partir de 1995.

Page 48: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

46

envolve terra firme e várzea em Cupari e Bom Jesus, e só várzea em Miritizal. Portanto, o

processo de cheias e estiagem que acomete as várzeas interfere no ecossistema como um todo,

incluindo todas as atividades econômicas, inclusive aquelas praticadas em terra firme ou de

forma intercalada nos dois tipos de ambiente.

2.1 CICLOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS

As comunidades São João do Cupari e Vila Bom Jesus têm a opção de trabalhar a

agricultura, abertura de pastagem para o gado e produção de madeira na terra firme, e a pesca

e o manejo do gado em determinadas épocas do ano (Tabela 6). Essas atividades são

desenvolvidas durante todos os meses do ano, mas com maior e menor intensidade em

determinados meses do ano, de acordo com os níveis das cheias, principalmente as

relacionadas com a pecuária. Quando a água começa subir, os animais são levados para a terra

firme; quando ela baixa, os animais são reconduzidos aos campos de várzea, um processo

cíclico.

Atividade Ciclos das cheias e estiagem

Transição estiagem cheia

Cheia (pico) Transição cheia estiagem

Estiagem (pico)

Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov

Comunidades Bom Jesus e São João do Cupari

Agricultura

(cultivo de

mandioca)

Plantio das roças de

mandioca

Produção de farinha

Capina

Produção de farinha

Produção de farinha Preparo da área

(roço, derruba e

queima

Produção de

farinha

Criação de

bovinos e

bubalinos

Venda de gado para

abate;

Manejo nos campos

de várzea;

Produção de queijo;

Transição para a

terra firme

Manejo dos animais em

terra firme;

Limpeza do pasto

Transição dos

animais da terra

firme para a várzea

Manejo dos

animais nos

campos de várzea

Madeira - Serragem e transporte de

madeira aproveitando os

igarapés de acesso a

florestas

- -

Pesca Pesca nos lagos Pesca nos campos

inundados, com tiradeira

Pesca intensiva, pelo

acesso fácil aos rios,

lagos e campos

Pesca nos lagos e

rios.

Comunidade Miritizal

Agricultura - - - -

Criação de

bubalinos

Pico da produção de

queijo;

Transição para o

sistema de manejo

em marombas

Manejo dos animais em

marombas, com

alimentação dos animais

jovens com capim

cortado;

Início da pesca (maio)

- Manejo dos

animais em campos

secos;

Início da produção

de queijo (outubro)

Page 49: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

47

Madeira - - - -

Pesca - Início da atividade pesqueira (maio)

Maior produção de pescado,

principalmente Acari

e tambaqui

-

Tabela 6: Calendário das atividades produtivas.

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração: autor

Na comunidade Miritizal, são apenas duas atividades que se destacam como

importantes para a composição da renda das famílias: a pesca e a criação de bubalinos. À

medida que as famílias reduzem o nível de ocupação com as atividades do gado,

principalmente aquelas relativas à produção de queijo, elas aumentam o nível de ocupação

com a atividade pesqueira. Contudo, observa-se que, entre os meses de março a maio, há

visível redução no nível de ocupação das famílias tanto na pesca quanto com o gado,

constituindo um período crítico na geração de renda, e algumas famílias fazem estoque de

alimentos, usando recursos do seguro defeso ou da safra do queijo, principalmente na

comunidade Miritizal.

2.2 ATIVIDADE PESQUEIRA

A extração comercial do pescado nos três componentes do ecossistema de várzea

também está intimamente relacionada com os ciclos da cheias e estiagem, pelas condições de

acesso aos ambientes (lagos, rios e campos) e pelos aspectos nutricionais das espécies. Nos

meses de junho a setembro, o pescado apresenta aspectos nutricionais superiores aos demais

meses do ano, pois é o período em que os cardumes estão retornando dos campos inundados

para os rios e lagos, depois de seis meses em ambiente com rica oferta de alimento, como

afirma um morador: “... na baixada d’água a gente pega um tucunaré pitanga e dá gosto a

gente comer. O bicho tem dedo de banha.Mas a partir de dezembro o bicho tá igual um

terçado de fino” (Morador SJC 01).

Quando os cardumes se concentram nos pequenos lagos e nos rios, a disponibilidade

de alimento se reduz e as espécies iniciam um processo de definhamento. Esse processo é

consolidado quando se inicia o período de reprodução, a partir de dezembro até março de cada

ano. Algumas espécies, como o tucunaré, aruanã, cara-açu e, principalmente o acari, são

rejeitadas por pescadores mesmo para o consumo. Em função disso, as espécies que mais

sentem os efeitos da estiagem não são pescadas para a comercialização. No entanto, outras

espécies, como o tambaqui, pirapitinga, pirarucu passam a ser mais procuradas por

Page 50: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

48

apresentarem bom estado nutricional mesmo no período de estiagem. Isto é, são espécies mais

tolerantes ao longo período de confinamento nos lagos e rios e, em razão disso, mais

demandadas nos mercados consumidores.

Em função das mudanças que ocorrem no ecossistema de várzea, decorrentes das

cheias e estiagem, diferentes métodos de captura são empregados durante o ano, de acordo

com o ambiente explorado (Tabela 7). Inicialmente são apresentadas as formas de extração

sem o uso de malhadeira nas comunidades Bom Jesus e Cupari, pois esse apetrecho foi

introduzido apenas recentemente.

Na comunidade Miritizal, a pesca com o uso de malhadeira sempre foi praticada. De

acordo com os moradores, os ambientes de pesca suportam esse tipo de equipamento, e seu

uso ocorre predominantemente em período de cheias e nos campos inundados. Devido à forte

corrente fluvial, o Rio Peituru não possibilita o uso de malhadeira durante a estiagem.

Page 51: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

49

Ambientes Espécies Materiais Época do ano

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Comunidade Bom Jesus

Lagos

Pirarucu Arpão x x x x

Tambaqui Arco e flecha x x x x

Tucunaré Linha e anzol, arco e flecha x x

Pirapitinga Arco e flecha x x

Rios

Pirarucu Arpão x x x x

Tambaqui Arco e flecha x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x

Pirapitinga Arco e flecha x x

Campos

Pirarucu Arpão e canição x x

Tambaqui Arco e flecha x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x

Pirapitinga Arco e fecha x x x

Comunidade São João do Cupari

Lagos

Pirarucu Arpão x x x x x

Tambaqui Arco e flecha x x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x x x x x

Pirapitinga Arco e flecha x x x x x x

Pirarucu Arpão x x x x x x x

Tambaqui Arco e flecha x x

Page 52: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

50

Ambientes Espécies Materiais Época do ano

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Rios

Tucunaré Linha e anzol x x x x

Pirapitinga Arco e flecha x x

Campos

Pirarucu Arpão e canição X x x

Tambaqui Arco e flecha X x x

Tucunaré Linha e anzol x x

Pirapitinga Linha e anzol e arco e flecha X x x x

Tambaqui Linha e anzol e arco e flecha

Comunidade Miritizal

Lagos Tambaqui Malhadeira x x x

Pirapitinga Malhadeira x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x

Rio

Pirapitinga Malhadeira x x x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x

Campo

Pirapitinga Malhadeira x x x x

Acari Malhadeira x x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x

Tabela 7: Pesca: ambientes, equipamentos e períodos.

Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: autor

Page 53: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

51

Os períodos de pesca de determinadas espécies nos ambientes dos ecossistemas de

várzea, frequentemente sofrem variações em função de mudanças na duração das cheias. A

partir de 1989, passaram a ser observadas na região cheias mais prolongadas que duram até

oito meses (fevereiro a setembro), assim como também nos anos de cheias menos demoradas,

com duração de apenas sete meses (janeiro a julho). Quando os campos ficam mais tempo

inundados, espécies como o tucunaré e o acari permanecem por mais tempo nesse habitat em

relação ao tambaqui, pirapitinga e pirarucu. Quando ocorre o contrário, todas as espécies se

concentram nos lagos e rios a partir do mês junho.

Mesmo o ecossistema de várzea dispondo de variedade relativamente grande de

espécies de pescados conhecidas pelos pescadores, somente cinco espécies são extraídas com

finalidade de comercialização. As espécies extraídas nas três comunidades são tambaqui e

pirapitinga. O Acari é extraído comercialmente apenas na comunidade Miritizal. O tucunaré é

extraído em pequena quantidade na comunidade Vila Bom Jesus e em maior quantidade na

comunidade São João do Cupari, principalmente em função da pesca nos lagos do rancho,

onde se concentram os maiores cardumes capturados nos meses de julho a setembro através

da pesca com isca. O pirarucu não é capturado na comunidade Miritizal.

Da interação dos pescadores com o ecossistema de várzea e com os compradores

surgem os primeiros mecanismos de controle da pesca. Esses mecanismos de controle

compostos por “ regras intrínsecas” (FABRÉ et al., 2007, p. 20) assumem diferentes formas,

que podem ser sutis, quase imperceptíveis, de compreensão apenas do grupo local, praticadas

intencionalmente ou não ou em forma de acordos comunitários. Os mais conhecidos são os

acordos comunitários de pesca, como será tratado a seguir.

2.3 NORMAS LOCAIS COM BASE NO DOMÍNIO PARTICULAR DASÁREAS DE

EXPLORAÇÃO (1890-1972)

Os primeiros moradores que deram origem a população que hoje ocupa as várzeas do

Rio Coati chegaram por volta de 1890, para o trabalho de extração do látex da borracha. Com

o fim do primeiro período da borracha, na segunda década do século XX, esses moradores

dedicaram-se a produção agrícola: tabaco e farinha para consumo e comercialização do

excedente, e ao extrativismo da castanha-do-brasil, para troca com os poucos marreteiros que

entravam no Rio Coati, uma ou duas vezes ao ano.

Page 54: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

52

A relação dos moradores com o mercado era restrita ao surgimento dos marreteiros.

“Agente plantava muito, quase não comprava nada de fora. O café era nós que plantava, o

açúcar era feito de cana e nós mesmo que fazia” (Morador VBJ 02), conta uma moradora da

comunidade Bom Jesus, com 80 anos de idade. Outro morador relatou que os primeiros

moradores não conheciam a arte da pesca, pois “vieram de fortaleza [estado do Ceará] para

trabalhar com a seringa. Quando acabou a compra da borracha, eles se dedicaram à roça. O

que eles sabiam mesmo era plantar, pra isso eles eram bons, mas pra mariscar, nem sabiam

pegar num arpão, num arco com uma flecha” (Morador VBJ 03).

A pesca ou o ato de “mariscar”, como é denominado pelos moradores ainda hoje,

torna-se importante no modo de produção nas comunidades Bom Jesus e São João do Cupari,

por volta de 1923, com a chegada de Antônio Fernandes Barbosa, o Antonico. Filho do

seringalista João Fernandes Barbosa, que tinha barracão e estradas de seringas em várias

localidades do Xingu. Antonico deu continuidade à atividade desenvolvida por seu pai na

localidade (posse) São João, recebida como herança. Aviava mariscadores e extratores de

seringa e maçaranduba, caçadores de animais para a produção da pele (onça, maracajá, lontra,

sucuri) e outros animais.

Entre a chegada de Antonico (1923) e 1973, ano de seu falecimento, ele exerceu o

monopólio do sistema de aviamento e a troca de mantimento10

e outros produtos entre os

moradores das comunidades de Bom Jesus, São João do Cupari e Alto Peituru. Como relata

uma neta dos primeiros moradores da Comunidade Bom Jesus: “Naquele tempo, a gente ia lá

no velho Barbosa e voltava com a canoa Santarém cheia de bagulho, mas isso era uma ou

duas vezes por ano. Ai os homens iam pescar pirarucu com canição e arpão para pagar a

conta. Quando não, iam pra mata juntar castanha. Só depois que começaram a pegar jacaré e

outros bichos pra vender o couro” (Morador VBJ 02).

Os filhos e genros de Antonico dedicavam-se à caça e aos “mariscos” para suprir a

demanda do comércio. Os marreteiros que adentravam o Rio Cupari abasteciam o comércio

com mercadoria e indicavam os produtos de interesse para recebimento da venda. Os produtos

de interesses eram indicados para os fregueses de Antonico, que utilizavam diferentes

métodos de extração: arpão, flecha e arco, linha e anzol (caniço, linha de mão, siririca,

auauaca), canição para jacaré e pirarucu. São métodos herdados dos índios e dos

10Na definição dos moradores das comunidades é tudo produto (pescado, caça, jacaré...) salgado e seco destinado

ao mercado de troca com os marreteiros.

Page 55: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

53

colonizadores e adaptados pelos moradores às condições locais e de acordo com a

disponibilidade de matéria prima para confecção dos materiais.

O poder exercido por Antonico ia além do monopólio do sistema de aviamento. Ele

mantinha o controle das atividades de extração por ser o “dono” das terras, estabeleceu cotas

de extração de quelônios, não “consentindo” que os filhos e genros capturassem quelônios

(tracajá e cabeçudo) para a comercialização ou mesmo que excedesse mais de dois tracajás,

por extração, nas terras que lhes pertenciam de um lado e outro das margens do Rio Cupari.

Quando algum membro da família excedia dois animais, o patriarca mandava soltar, conta

uma das filhas de Antonico: “naquele tempo, o papai não consentia, de jeito nenhum, fosse

quem fosse, pegar mais de dois tracajás, mesmo que fosse pra comer. Ele mandava soltar na

hora, não tinha acordo” (Morador SJC 02). O livre acesso à área sob o domínio do patriarca

era restrito aos filhos e genros.

A entrada de pessoas estranhas para qualquer atividade relacionada à caça e à pesca

nas várzeas do Rio Cupari estava condicionada ao consentimento do patriarca. No Rio Coati,

ocupado pelas fazendas de Michel de Mello e Silva11

, o controle era exercido por um capataz

local das fazendas Aquiqui, que recebia as ordens de um gerente que ficava na sede das

fazendas no Rio Aquiqui. Normalmente só entrava com autorização verbal do capataz e,

sobretudo se a produção de mantimento ou peles fosse destinada ao comércio da família Silva,

localizado na Boca do Aquiqui.

Na comunidade de Bom Jesus ou Terra Firme, como era denominada pelos moradores,

a situação da pesca era diferente da situação no Cupari, os moradores dedicavam-se a

agricultura e ao extrativismo de produtos da floresta. A pesca era praticada sazonalmente, pois

“só no mês de novembro eles iam pescar nos poços do rancho. Mas era só uma vez. Tinha

muito pirarucu e cada mariscador pegava sua quantia e ia embora e só voltada no outro ano”

(Morador SJC 03).

Enquanto Antonico mantinha o controle no Rio Cupari, Michel Silva ampliava a

criação de gado e, também o comércio do sistema de troca. Apresentando-se como dono de

todas as terras de várzea, ele ordenava a pesca de acordo com a demanda de seus

11Em 1941, Michel Mello e Silva comprou do cel. José Júlio de Andrade Miranda, a fazenda São Sebastião, no

Rio Aquiqui. Iniciou a criação de bubalinos (Bubalus bubalis) em 1951, e no auge dessa atividade chegou a 18

mil animais, distribuídos em 197 fazendas, conhecidas como retiros, distribuídos na área de várzea, hoje Resex

Verde para Sempre (HOMMA, 2015).

Page 56: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

54

empreendimentos comerciais. No final dos anos de 1960, os vaqueiros de suas fazendas do

Rio Coati, fecharam com madeira o Igarapé Munguba, no final do Rio Coati, para que os

cardumes de pirarucu ficassem sem saída para o rio durante o período de estiagem, de modo a

facilitar a captura pelos pescadores, que também eram vaqueiros. Dois moradores do Rio

Cupari, um filho e um genro de Antonico, tomaram a iniciativa de destruir a cerca, para

permitir que os cardumes acessassem o rio e, com isso, dificultasse a captura.

Essa iniciativa isolada desafiou a autoridade dos capatazes e funcionários do alto

comando das fazendas Aquiqui, gerou tensão e ameaças de ambas as partes. Possivelmente,

esse foi o primeiro conflito envolvendo os recursos pesqueiros nos rios Coati e Cupari que se

tem informação, no longo período, que vai desde a última década no século XIX, até por volta

de 1970, considerando-se que a extração de pescado, iniciada pelo pirarucu e depois se

expandindo para espécies de menor tamanho, começa a partir da chegada de Antonico no Rio

Cupari, por volta de 1923.

Em suma, ao longo desse período da história de exploração dos recursos pesqueiros

nasce a ideia de que é necessário estabelecer alguma forma de controle e as formas de

controle implantadas por Antonico para o tracajá e também pelos administradores das

fazendas podem ter inspirado a formulação de outras formas de controle a partir de 1970,

quando aumentou a produção de mantimento em toda área de várzea, hoje Reserva

Extrativista, em função de vários acontecimentos externos. Assim como, sinaliza para uma

compreensão acerca dos recursos naturais, de que mesmo em áreas de uso particular deve

existir respeito às formas costumeiras de extração, e evidencia disputas locais pela produção

de pirarucu, dado o aumento da procura.

2.4 NORMAS LOCAIS INFORMAIS (1970 A 1995)

As primeiras normas desvinculadas do uso particular da terra se voltavam para a

proibição da pesca com malhadeira e uso de timbó (Paullinia pinnata). Com o falecimento de

Antonico, em 1973 e a decadência das fazendas Aquiqui12

perde-se o referencial do “dono”

das terras com poder de controlar o acesso aos recursos pesqueiros e impõe aos moradores o

desafio de conviver com as mudanças externas que vão afetar a atividade pesqueira na região

do município de Porto de Moz como um todo. O aumento da demanda por mantimento em

12

A decadência das fazendas Aquiqui inicia a partir da década de 1970, e se consolida duas décadas e meia

depois, com a ocupação das terras antes sob o domínio da família Silva, por moradores das comunidades

estudadas. Aliás, muitos dos moradores dessas comunidades são ex-vaqueiros das fazendas. A ocupação das

terras que pertenceram às fazendas Aquiqui foi um processo de “reforma agrária silencioso” (HOMMA, 2015).

Page 57: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

55

função da exploração madeireira em Breves, o fechamento das comportas da Usina

Hidrelética de Tucurui (UHT) são fatores importantes nas transformações da extração do

pescado e nos conflitos, na região do Xingu, nos anos de 1980 e 1990.

O aumento da demanda por mantimento nas várzeas do município de Porto de Moz se

dá através da entrada de marreteiros, oriundos predominantemente da ilha do Marajó,

especificamente do município de Breves, os brevienses, como foram chamados pelos

moradores das comunidades.

Com início do extrativismo e processamento de madeira no município de Breves,

pequenas serrarias foram instaladas ao longo dos rios e igarapés. Os marreteiros abasteciam

os barcos com víveres, madeira processada em forma de tábuas, pernamancas, ripas e outras

peças e partiam em direção as várzeas para comercializarem em troca de mantimento. Jacaré,

capivara, pirarucu, caça e peixe salgado eram os principais produtos negociados pelos

marreteiros com os moradores.

Até por volta de 1994/5, praticamente todas as famílias das comunidades estudadas,

viviam basicamente do marisco, da agricultura de subsistência e da criação de animais (gado e

porco) em pequena quantidade. Como relata uma moradora:

Até o FNO, a gente vivia mais da pesca, todas as famílias pescavam e vendiam para

o marreteiro. Era jacaré, capivara, peixe, caça. Tudo era salgado e trocado com o

marreteiro. Até hoje tem gente que ainda vive assim, mas já é pouco. O gado que a

gente tinha era muito pouco, não dava nem pra fazer queijo. Uns tinha cinco, dez

cabeça de gado. Agora não, quase todo mundo tem gado e muitas famílias fazem

queijo pra vender, já não vivem mais só do marisco (Moradora SJC 04).

O FNO especial foi o principal responsável pelo aumento da criação bubalina nas

comunidades Bom Jesus e São João. As operações foram individualizadas. Em muitos casos,

os casais fizeram duas operações, uma para o esposo, outra para a esposa, destinadas a

compra de até nove matrizes, um reprodutor, animal de serviço e recursos para abertura de

pastagem e construção de cerca. Além de recurso para cultivo de coco, açaí, cupuaçu ou café.

Todas as operações foram realizadas entre 1995 e 2004. Para acesso ao FNO, os interessados

obrigatoriamente deveriam ser sócios de cooperativas ou associações. Foram realizadas 51

operações de crédito (31 em São João do Cupari e 20 em Bom Jesus). Na comunidade

Miritizal não existe associação ou cooperativa, fato que impediu aos moradores acessarem ao

crédito.

Page 58: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

56

A ocupação com a criação de gado vai, aos poucos, se fortalecendo e algumas famílias

abandonam parcial ou completamente a atividade pesqueira e se dedicam mais à criação e à

agricultura, principalmente a partir das cheias do ano de 198913

. As famílias que criavam

bovino nas três comunidades substituíram essa atividade pela a criação de bubalinos a partir

de 1990 e passaram a abrir pastagens em áreas de terra firme para o período das cheias. Com

o acesso a financiamento, a população de bubalinos aumentou exponencialmente, entre os

moradores, a partir de 1996.

Com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT), pescadores artesanais do

Rio Tocantins, também conhecidos como geleiros14

, afetados pela construção da UHT

migraram para a região do Xingu, no começo da década de 1980. A pesca no Rio Xingu entre

os rios Peri e Acaraí foi tão intensa, que em menos de uma década o sistema de pesca

artesanal local entrou em crise. Essa situação, agravou-se também pela pesca intensa no Lago

do Urubu, considerado como um lago de reprodução de várias espécies de pescado.

Os pescadores artesanais com residência na cidade de Porto de Moz e mesmo os

pescadores das inúmeras comunidades rurais das proximidades das áreas afetadas pelas

geleiras, deslocaram-se para novos ambientes de pesca, mais afastadas das margens do Rio

Xingu. Os rios Coati, Peituru e os lagos do rancho tornaram-se os principais alvos dos

pescadores, principalmente pela abundância e facilidade de captura do pescado. Portanto, os

conflitos ocorridos a partir da década de 1980, nas comunidades de Bom Jesus e de Cupari,

têm como causa principal a redução dos estoques de pescado em outras áreas de pesca do

Xingu. Ao contrário dos pescadores das comunidades estudadas, os pescadores estranhos

13

Em 1989 houve a segunda maior cheia. Sendo superada apenas pela cheia de 1953 (HOMMA, 2015). As famílias que criavam bovinos, perderam parcial ou totalmente os rebanhos. No ano seguinte os rebanhos salvos

foram trocados ou vendidos para a compra de bubalinos. 14 A lei Nº 11.595/2009 classifica a pesca em duas categorias: comercial, subdividida em artesanal e industrial; e

não comercial subdividida em científica, amadora e subsistência. É considerada pesca artesanal “quando

praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com

meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de

pequeno porte” e industrial “quando praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais,

empregados ou em regime de parceria por cotas-partes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande

porte, com finalidade comercial” (BRASIL, 2009, Art. 8º, I, a, b). De acordo com Batista, Isaac e Viana (2004,

p. 72) “a frota de embarcações da pesca artesanal de pequena escala que atua nas águas costeiras e estuarinas

está composta por um grande contingente de unidades de madeira, que pescam com redes de espera de tamanhos

variados, podendo alcançar até 3km de comprimento, e algumas vezes também utilizam espinhéis. Possuem

comprimentos entre 8 e 18m, são tripulados por 4 a 6 pescadores e utilizam gelo, que levam no porão, para

conservar o pescado. Possuem motores de até 300HP de potência e a tonelagem de arqueação bruta pode chegar

a 150t.” Portanto, o terno “pescadores artesanais” refere-se aos pescadores descrito pela legislação e pelos

autores citados.

Page 59: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

57

sempre usaram a malhadeira como principal instrumento de extração, nos rios Xingu, Aquiqui

e Jaurucu, e no lago do Urubu, sem qualquer restrição. Para entrar nas áreas usadas pelos

moradores, esses pescadores se aliavam aos moradores para facilitar a entrada ou entravam à

noite, para evitar contato com moradores.

A proibição da pesca com a utilização de malhadeira não foi uma decisão tomada em

assembleia de moradores, pelos patriarcas, líderes das comunidades ou pela interferência de

atores externos. Foi uma decisão nascida da relação da população com os ambientes –

responsável pelo fornecimento dos bens materiais e culturais à população; da consciência que

cada morador necessita ter para garantir a vida em comunidade; dos conhecimentos acerca

dos habitats e da ecologia das espécies extraídas, e também como forma de preservar uma

identidade de pescador efetivamente tradicional, com domínio sobre a arte da pesca com

instrumentos menos eficientes, como arpão, arco e flecha.

Certamente, os conhecimentos acerca dos ambientes de pesca conferem aos moradores

desses lugares os elementos necessários para consentir o que consideram possível o ambiente

suportar em termos de extração. Por isso, a reação “natural,” e de todos os membros das

comunidades em favor da proibição da pesca com malhadeira e timbó.

A proibição foi uma ação defendida por todos os moradores. “Quando se tinha notícia

que tavam pescando com malhadeira, todo mundo se juntava e ia atrás, prendia malhadeira,

casco, barco, peixe... o que tivesse era preso, não tinha conversa.” (Morador SJC 05). Não

havia reuniões para proibir ninguém de pescar, todos os moradores sabiam da não aceitação

da pesca com malhadeira. Quando havia notícias de que alguém estava pescando, os

moradores se organizavam em grupos e iam ao encontro dos pescadores para impedi-lose

fazer a apreensão dos equipamentos, como ocorreu nos lagos do rancho:

Primeiro o cumpadre (...) avisou que eles [os pescadores, sendo dois moradores e

um pescador de Souzel, município vizinho, o dono das malhadeiras] tinham passado,

ai a gente se reuniu e foi atrás. Chegamo lá no poço do rancho, eles vinham varando

do estaca [poço] com os cascos cheios de tambaqui e pirapitinga (...), ai nós

enfrentemo. Eles disseram que ia ter morte, mas nós não ficamo com medo.

Trouxemos os cabras. Não teve conversa. O Nondas era o comissário de polícia15 naquela época. Levou todos pra cidade, com peixe e tudo, mas quando chega lá, tu

15 Muitos dos conflitos de pesca envolvendo moradores eram mediados pelo comissário de polícia: uma pessoa

indicada pelo delegado de polícia civil, com a função de expedir licença para a realização de festas dançantes,

conduzir alguém até a presença do delegado, na cidade. Normalmente os moradores tinham respeito e aceitavam

ser levados pelo comissário quando havia brigas ou alguma anormalidade nas comunidades. O comissário era

responsável para prestar serviço na Vila Bom Jesus e em São João do Cupari.

Page 60: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

58

já sabe, tem o negócio dos políticos que passam a mão e nada acontece.” (Morador

SJC 05).

A manutenção dos rios e lagos livres da pesca com malhadeira tornou-se uma relação

direta entre proibição e responsabilidade de todos os moradores das comunidades Bom Jesus e

São João. Quando havia pessoa “suspeita”, no rios Coati, Cupari e nos lagos os moradores

faziam um percurso de quatro horas de canoa entre uma comunidade e outra, no período do

verão, para avisar aos moradores do que estava ocorrendo ou prestes a ocorrer. A partir do

comunicado os moradores se organizavam em grupos e saiam ao encontro dos pescadores.

Em algumas situações, os moradores faziam rodízio de vigilância dos rios.

A proibição da pesca com timbó e malhadeira, também serviu como mecanismo de

exclusão dos pescadores não residentes nas comunidades, pois a extração do pescado com

instrumentos como arco e flecha, linha e anzol requer muito tempo para obtenção da produção

desejada. Mesmo não sendo proibida a entrada de estranhos para pescar com os mesmos

materiais usados pelos moradores, a exigência de tempo necessário para a produção

inviabilizava a participação de não moradores. Por exemplo, um pescador, usando apenas o

arpão para a captura do pirarucu, pode ficar até um mês para conseguir pescar um exemplar.

Já com o uso da malhadeira, a eficiência aumenta drasticamente.

2.5 NORMAS LOCAIS FORMAIS (1996 a 2012/13)

As primeiras normas formais são constituídas a partir de uma ordem cronológica com

base nos acontecimentos, entre 1996 e 2012/13, à medida que os conflitos foram ocorrendo,

novos materiais e métodos foram sendo empregados no processo de extração e de acordo com

as estratégias das comunidades em defesa dos seus espaços e de seus recursos.

As primeiras normas criadas em 1996 pelas comunidades de Bom Jesus e de São João

do Cupari, expressam textualmente a convicção dos moradores de que os rios a eles

pertencem, mesmo legalmente sendo áreas de domínio da União. Dessa convicção emerge a

responsabilidade, definida no documento como “direito de preservar” (Anexo I)

As súplicas, aparentemente feitas à paróquia, ao IBAMA e câmara municipal buscam

o reconhecimento das lutas locais, mas sem atribuir responsabilidades aos atores externos.

Um sinal claro de que as normas locais informais que proibiam a pesca com malhadeira,

timbó e matança de pato do mato precisariam ser reconhecidas e apoiadas por atores externos

em momento de conflitos para se fazerem respeitadas.

Page 61: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

59

Esses documentos reivindicatórios quando construídos única e exclusivamente por

moradores, apresentam uma transcrição fiel à vivência e aos mecanismos de controle

informais, com poucos argumentos e sem a presunção de atribuir penalidades, pois estas são

materializadas de acordo com as circunstâncias e, em muitos casos, não são reveladas, como

parte das estratégias dos grupos, como por exemplo, quando materiais e canoas de pescadores

são destruídas. Apresentam respostas concretas e objetivas a situação real e atual, como

descrito no Acordo de pesca de 1996:

Nós o povo da comunidade Bom Jesus do Rio Coaty em união com o povo da

comunidade São João do Cupari localizada na fronteira de nosso Rio tomando

conhecimento de que a pesca de malhadeira é uma pesca predatória que elimina tudo

e qualquer quantidade e qualidade de peixes de nossos Rios. Reconhecendo nosso

direito de lutar em defesa da preservação dos peixes de nossos rios pois é a única

fonte de alimentação que nós o povo do interior precisamos ter todos os dias, pois

sabemos que se for [sic] eliminados os peixes de nossos rios através destes tipos de pesca predatória. Nós o povo do interior seremos envolvidos pela fome e por um

total sofrimento. Pois é a única fonte de alimentação que nos dar a garantia de

sobrevivermos tomando conhecimento que existe pessoas que se provalecem [sic]

desta época de estiagem para querer realizar esse tipo de pesca e assim abuzar [sic]

de nossos direitos de preservação que já é consagrado; nós, o povo em geral de

nosso rio resolvemos nos reunir para juntos discutirmos os meios e normas

comunitárias que possam amparar nossa situação neste sentido através do

acompanhamento dos artigos da lei que ampara os direitos da preservação.

1º- Fica apartir [sic] deste dia proibido [sic] a pesca com malhadeira em nosso rio,

de qualquer natureza ou tamanho, por nós residentes do rio e para as pessoas de fora;

2º- fica proibido o uso de timbó em qualquer parte do nosso rio;

3º- Fica proibido a pesca com puçá que é um tipo de rede que pesca tartaruga, tracajá e etc;

4º- Fica apartir [sic] desse dia proibido [sic] a matança de pato do mato em tocaia

com a quantia estipulada no mínimo três e no máximo cinco.

Esta aprovação comunitária foi realizada dia 10 de novembro de 1996 na igreja

católica da Vila Bom Jesus, por inúmeros membros de nossas comunidades, que

para reforçarmos o que tratamos, enviamos um a baixo assinado com as assinaturas

do povo do nosso rio.

Pedimos com isso o apoio de nossas autoridades competentes do qual esperamos

todo o apoio e atenção.

A situação concreta que ensejou a elaboração do documento foi a entrada de

pescadores residentes na cidade utilizando malhadeira e a introdução da tocaia, também

conhecida como negaça16

, para a matança de pato do mato. Muitos caçadores saiam de

Altamira para caçar pato do mato no Rio Coati e retornavam com mais de 50 aves por

16 Tocaia ou negaça é uma técnica usada para a captura do pato do mato. O caçador fica camuflado em baixo de

uma moita e coloca um pato doméstico ou feito de madeira (cor preta) a uma distância entre 10 a 15 metros. Ao

ver a ave, o pato do mato pousa próximo e é abatido com arma de fogo.

Page 62: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

60

viagem. Ao tomar conhecimento, os moradores das comunidades reagiram, manifestaram suas

posições contrárias e as fizeram chegar às autoridades governamentais distantes da realidade

local, que possivelmente não responderam por não serem capazes de compreender como

vivem essas populações.

Nos mecanismos definidos exclusivamente pelas comunidades, não há determinação

de punição ou referências às leis que punem os chamados crimes ambientais. As sanções são

executadas com base na leitura que os moradores fazem dos fatos e nas reuniões para

discussão do problema. As ideias são apresentadas e validadas ou não pelo conjunto de

moradores. Embora nem todos os moradores das comunidades tomem posição diante dos

conflitos, a aprovação da maioria torna-se uma condição para a ação e é assumida como uma

ação dos moradores, “nós, o povo”, mesmo quando praticado por uma fração de seus

membros, como tem ocorrido em casos de destruição de barcos e materiais de pesca.

Quando a ação é praticada por poucas pessoas, todos ou a grande maioria dos

moradores de um lugar assume o ato como uma ação da comunidade, como ocorreu

recentemente nas comunidades do Rio Acai, às margens do Rio Xingu. Os moradores

apreenderam e queimaram as malhadeiras de pescadores externos. Os pescadores registraram

ocorrência policial e no dia da audiência, a comunidade toda foi mobilizada e não apenas as

pessoas acusadas da destruição. Outro caso que bem ilustra tanto a questão das sanções

quanto o envolvimento dos moradores nos conflitos foi o recolhimento das malhadeira na

comunidade São João do Cupari. Depois de uma reunião em que ficou combinado que a pesca

com malhadeira seria suspensa, os moradores que tinham esse material entregaram à diretoria

da associação para que esta ficasse como fiel depositária.

A prática de recorrer à polícia instalada no município (civil ou militar) sempre foi uma

estratégia de pescadores que tiveram materiais confiscados por moradores das comunidades e

também das comunidades para resolver os conflitos. Na ausência de órgãos para regular as

atividades de extração dos recursos naturais, ambos recorriam à polícia para mediar situações

conflitivas, como relata uma moradora: “agente vinha na delegacia, ai o delegado dava um

conselho pra ambas as parte, mas apoiava a comunidade e resolvia o problema” (Morador SJC

07).

No entanto, a partir da década de 1995, com a aproximação entre comunidades e

entidades representativas como os Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

Page 63: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

61

(STTR), da criação das associações comunitárias, das colônias de pescadores, das ONGs e

outros tipos de organização formal, as comunidades passaram a elaborar normas assessoradas

por atores externos e, em alguns casos, contaram também com apoio financeiro.

Com a criação da Resex Verde para Sempre, em 2004, a participação de agentes

externos no processo de assessoramento às comunidades aumentou significativamente, e isso

torna-se explícito na descrição dos acordos de pesca, conforme se observa no acordo de pesca

de 2011 das comunidades do Rio Coati e Cupari e no acordo de 2008 da comunidade Miritizal

(Tabela 8) (Anexos II, III e IV).

Page 64: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

62

Ano Comunidades Atores envolvidos Conflitos Objetivos

Mecanismos de controle

Materiais

Permitidos

Materiais Não permitidos

Fiscalização Extração

1996

V. B. Jesus e

São João do

Cupari

Moradores das duas

comunidades

Entre

moradores e

pescadores e

caçadores de

pato do mato

externos

Garantir a

manutenção das

fontes de alimento

dos moradores,

através da proibição

da pesca com

malhadeira e a caça

ao pato do mato,

“matança”.

Sem especificação Malhadeira

Timbó

Solicita apoio do

IBAMA, paróquia

e câmara de

vereadores para as

proibições.

Proibição da

extração de Pato do

mato.

2006 São João do

Cupari.

Moradores das

comunidades,

ACRC, UFPA, CDS.

Redefinir as

estratégias de controle

de uso da área

comunitária, da pesca e da criação de gado.

Siririca, Tiradeira,

Linha-de-mão;

caniço, tarrafa e arco e flecha.

Malhadeira,

zagaião,

timbó, mergulho.

Sem especificação

Determina

parâmetros para

extração com base no peso mínimo

das principais

espécies (tambaqui

2kg, tucunaré 500

g e pirapitinga 2

Kg); Proíbe a

extração de

pirarucu por três

anos;

Estabelece período

de pesca (1º de

junho a 30 de setembro).

2008

Miritizal,

Cajueiro e

Laranjal.

Moradores das três

comunidades e

Colônia de

pescadores Z64.

Entrada de

pescadores de

outros lugares

para a prática

da pesca.

Criar mecanismo de

controle para a prática

da pesca, extração de

animais e

desmatamento.

Malhadeira de até

150m de maio a

junho, 75m de

agosto a setembro,

com tamanho

mínimo de 40mm

de malha.

No lago

cumprido [sic]

não é

permitido a

pesca de

malhadeira.

Comunidades

envolvidas,

Colônia Z64 e

órgãos

competentes (sem

especificações de

nomes).

Para a captura do

tambaqui, o

tamanho mínimo

da malha é 20cm;

Page 65: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

63

2011

V. B. Jesus,

Maria de Mattias,

Vila Nova Bom Jesus e São João

do Cupari

Moradores das

comunidades V. B.

Jesus, Maria de

Mattias, Vila Nova

Bom Jesus e São João do Cupari, CDS, GIZ,

STTR, Colônia Z64,

ASPAR

Aumento da

pesca com o

uso de malhadeira

“Estabelece regras

específica para o

ordenamento

pesqueiro, acordada

com os moradores ribeirinhos nos rios

Quati e Cupari”. (Art.

1º).

Tarrafa, arpão (com

restrição à pesca do

pirarucu),

Arpão para

pirarucu até o

período de

paralisação

previsto;

Malhadeira,

Zagaião, farol,

timbó

explosivos.

Comunidades,

SEMMA/Porto de

Moz, Polícias

Militar e Civil - DEMA/PC,

IBAMA, MPA,

ICMBIO

Período dedicado à pesca: 1º de junho a

30 de

setembro;Parâmetros

para a captura de

espécies: 55cm

tambaqui, 30cm

tucunaré e 50cm a

pirapitinga;

Proíbe a entrada de

pessoas de outros

setores (lugares).

Tabela 8: Mecanismos de controle elaborados com assessoramento externo..

Fonte: acordos formais. Elaboração: autor

Page 66: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

64

Observa-se que, nos acordos em que há assessoramento de atores externos, são

introduzidos termos técnicos, como “conselho intercomunitário”, “auto de constatação” dentre

outros, até então novos para os moradores. A atribuição de penalidades, referências a leis

ambientais e o estabelecimento de parâmetros técnicos, baseados na relação com o mercado,

também são características que distinguem as evidências dos mecanismos constituídos

localmente, sem o assessoramento de atores externos.

Sumariamente, a preocupação com os estoques dos recursos naturais necessários a

reprodução social, econômica e cultural das comunidades foi a base para a definição de

normas locais para exploração, em especial dos recursos pesqueiros. No contexto da pesquisa,

observa-se que as normas ou mecanismos são estabelecidos desde os primórdios do processo

de ocupação desse território e se estendem até um modelo formal, constituído a partir das

relações com atores externos.

À medida que o Sr. Antonico deixa de exercer o monopólio do comércio e o Sr.

Michel perde o controle das terras de várzea, a partir de 1970, a população organizada em

comunidades, cria duas regras locais de controle da pesca, eficazes até 2010: a proibição da

pesca com malhadeira e timbó. Sobre essas duas proibições os moradores das duas

comunidades se fizeram reconhecidos na luta pela preservação dos recursos pesqueiros por

mais de três décadas.

Contudo, a partir de 2010, apesar das iniciativas de reformulação das normas locais, as

comunidades perderam completamente o controle sobre a atividade pesqueira, em função de

vários acontecimentos que serão abordados no próximo capítulo.

Page 67: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

65

CAPÍTULO III – MUDANÇAS NAS FORMAS DE EXTRAÇÃO DO PESCADO

Este capítulo tem por objetivos apresentar os fatores responsáveis pelas principais

mudanças na extração do pescado no contexto da Resex Verde para Sempre. Conhecer essas

mudanças tornar-se importante para a definição de apoio às comunidades no aprimoramento

da gestão local e para a gestão da Resex como um todo.

3. CONTEXTO ATUAL DAS COMUNIDADES

3.1 SITUAÇÃO DA RENDA

As mudanças nas formas de extração dos recursos naturais ou o abandono das

atividades extrativistas precisam ser descritas de maneira ampla e considerando-se que a

composição da renda das famílias passou por mudanças profundas a partir da metade da

década de 1990, com o advento do FNO especial; com o acesso das famílias aos programas de

transferência de renda (bolsa família, e mais recente o bolsa verde); e seguro defeso (Figura

2). Além das fontes de renda advindas de outros benefícios, não sumarizados, como amparo

maternidade para trabalhadoras rurais e pescadoras e auxílio doença.

Figura 4: Fontes de renda das famílias, 2014

Fonte: entrevistas. Elaboração: autor.

0

20

40

60

80

100

Freq

uên

cia

de f

am

ília

s n

a c

om

un

ida

de (

%)

Fontes de renda monetária das famílias

Miritizal

Cupari

Bom Jesus

Page 68: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

66

De maneira geral, a pesca enquanto fonte de renda, é a segunda atividade em número

de famílias que a praticam, sendo inferior apenas à pecuária. No entanto, considerando que

todas as famílias, até metade dos anos de 1990, tinham algum membro pescador, o número de

famílias ocupadas com a atividade pesqueira caiu significativamente. Na comunidade de Bom

Jesus, das 90 famílias residentes, apenas 23 tem algum membro que se dedica a atividade

pesqueira, e em São João do Cupari, das 53 famílias 39 têm membros envolvidos na pesca.

Na comunidade Miritizal, somente duas famílias se dedicam única e exclusivamente à criação

de gado. As demais famílias que não pescam para a comercialização são compostas por

pessoas idosas.

A pecuária na produção familiar, sempre assumiu uma condição de “fundo de reserva”

ou “fundo para investimentos”. O acesso a outras fontes de renda como a pesca, agricultura e

programas de transferência de renda é fundamental para a manutenção da pecuária como

fundo a ser usado em investimento: imóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, meios de

transporte (barco e “voadeira”) e, principalmente, para tratamento de saúde tanto dos

membros das famílias que criam quanto de outras famílias na comunidade. A prática de

doação de bois às pessoas doentes é muito comum. Sempre que algum membro de família que

não cria gado ou que cria poucos animais, adoece normalmente animais são doados, por

parentes ou pessoas estranhas às famílias e vendidos em bingos e torneios de futebol, e o valor

gerado é entregue aos familiares da pessoa enferma.

Dentre todas as atividades produtivas, a que mais perde espaço é a agricultura –

cultivo de mandioca. Na comunidade de Bom Jesus, as famílias consideram mais prático e

conveniente comprar a farinha e outros produtos na cidade, a ter que cultivar e produzir

localmente. Essa estratégia se fortalece à medida que o sistema de transporte da comunidade à

cidade ocorre regularmente todos os dias da semana, em lancha voadeira, que faz o percurso

em pouco mais de uma hora de duração. No entanto, às vezes, falta farinha, como relata um

morador: “é a ilusão das pessoas que se dedicam só ao marisco e deixa de praticar a

agricultura e a criação. Eu te juro, Claylson [Cláudio], já teve dias que o peixe tava cozido e

não tinha farinha, agente corria no vizinho, no comércio e diziam que ainda não tinha chegado

da cidade” (Morador VBJ 04). Na comunidade São João do Cupari, o abastecimento de

farinha é feito por moradores que se dedicam à criação de gado e a produção de farinha de

mandioca para a comercialização local.

Page 69: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

67

Observa-se também que, a cobertura dos programas de transferência de renda atinge

mais de 60% das famílias nas três comunidades. Considerando-se que o foco central dos

programas bolsa família e bolsa verde é atender famílias que vivem em situação de pobreza à

extrema pobreza, com renda inferior a R$ 77,00 (setenta e sete reais per capita) por mês,

pode-se dimensionar a situação econômica das famílias dessas comunidades. Ressalva-se que

o número de famílias beneficiárias dos programas de transferência de renda corresponde à

totalidade de famílias, sem exclusão de aposentados ou famílias que recebem Benefícios de

Prestação Continuada (BPC) ou prestam serviços à prefeitura que teoricamente são excluídas

pelos critérios de acesso aos programas, o que torna a situação de pobreza e extrema pobreza

mais abrangente ainda.

Em todas as comunidades a prestação de serviços à prefeitura por professores,

serventes, secretários, transporte escolar é relevante para a composição da renda das famílias.

No entanto, na Vila Bom Jesus, chama a atenção ao fato demais de ¼ das famílias terem

vínculos com o serviço público. É possível que os serviços educacionais, Agente Comunitário

de Saúde (ACS) e o funcionamento da infraestrutura da Vila, como serviços de água, energia

elétrica, representação da prefeitura explique parcialmente o elevado número de funcionários

públicos.

Considerando-se a realização da pesquisa no interior de uma Resex, cuja existência de

extrativistas tradicionais é uma das condições para a criação desses espaços, com exceção da

pesca e da extração de madeira, não existe nenhuma família que pratique o extrativismo de

produtos florestais não madeiráveis (PFNM) com finalidade de geração de renda. No entanto,

pode-se atribuir um valor de consumo ao extrativismo da bacaba, patauá, miriti e outros

produtos de origem extrativa usados pelas famílias que vivem nas comunidades estudadas.

3.2 FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE PESCADO

Até metade da década 1990, toda a produção de pescado e caça era destinada ao

mercado de troca com os marreteiros dos municípios de Breves e Cametá, no Pará e de

Santana, no Amapá. A comercialização desses produtos in natura inicia-se entre1995/617

, a

partir do uso da tecnologia de conservação em caixa de isopor com gelo. Contudo, a aquisição

de gelo aumentava significativamente os custos das operações, pois o geleiro ou atravessador

17 Em 1995, foi inaugurada uma fábrica de gelo na cidade de Almeirim. Pescadores se deslocavam de Porto de

Moz em pequenos barcos para abastecê-los de gelo para a conservação do pescado, em viagens com duração de

cerca de 12h00 (trecho).

Page 70: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

68

que comprava o pescado diretamente do pescador, tinha que se deslocar até a fábrica para

abastecer o barco com gelo a cada viagem, o custo diminuía o valor do quilo do pescado pago

ao pescador e consequentemente tornava a pesca pouco atrativa financeiramente.

Mesmo assim, a mudança no processo de conservação do pescado aumentou a

extração e possibilitou que pescadores estranhos às comunidades praticassem a pesca nos

ambientes antes usados predominantemente pelos moradores. Tanto é que, em 1996 foi

elaborado, pelas comunidades, o primeiro documento proibindo a pesca com malhadeira e

timbó, conforme foi descrito no capítulo anterior. Contudo, apesar da nova tecnologia de

conservação, a demanda dos mercados estava restrita às cidades de Porto de Moz e Almeirim

cujo consumo era pequeno em relação a oferta, principalmente entre os meses de julho a

setembro (safra).

Com a construção e funcionamento de uma fábrica de gelo18

em Porto de Moz, em

2004, os custos logísticos referentes à conservação do pescado foram reduzidos

significativamente, pois os compradores não precisaram mais se deslocar para Almeirim para

comprar o gelo, o que possibilitou aos compradores pagarem melhores preços aos pescadores,

tornando mais atrativa a pesca do ponto de vista financeiro.

Além das questões relacionadas à logística, a maior circulação de moeda, na cidade,

em decorrência da exploração madeireira, corroborou para o aumento da demanda e,

consequentemente, a pressão sobre os recursos pesqueiros e os conflitos decorrentes.

Contudo, mesmo em menor escala, a relação com o sistema de troca com os marreteiros,

principalmente relativo à produção de mantimento conservado com sal, como é o caso do

jacaré, capivara e em menor quantidade o pirarucu, continua ativo.

O acesso aos mercados nos grandes centros urbanos tornou-se possível a partir da

regularidade do transporte fluvial que, além de passageiros e cargas, transporta pescado

regularmente para os centros urbanos mais distantes19

. De modo que, o pescado in natura

extraído na Resex, conservado em caixas de isopor, chega ao porto de Belém, no máximo

18 A fábrica de gelo concluída em 2004 foi financiada com recurso do PDA/PADEC, é administrada por uma

Associação de Pescadores Artesanais (ASPAR). No ano de 2000, a ASPAR iniciou a produção artesanal de gelo

em barra, com produção de 48 barras a cada 24h00. Em 2004, com a implantação da fábrica aumentou a

produção para 11 toneladas a cada 24h00. Atualmente ampliou o processo de produção para 24 toneladas a cada

24h00 com a da instalação de novos equipamentos, adquiridos com recursos do Plano de Desenvolvimento Rural

Sustentável do Xingu (PDRS/Xingu), vinculado à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE/Belo

Monte). 19 Para Belém são três viagens por semana, Macapá são cinco viagens e Santarém são 4 viagens.

Page 71: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

69

36h, saindo de Porto de Moz ou Almeirim e cerca de 20h até Santana, cidade portuária do

Amapá.

Faz-se importante observar que a funcionalidade desses mercados, que se estende do

pescador ao consumidor final, nos centros urbanos, depende da atuação de Agentes de

Comercialização (AGC), conhecidos como atravessadores, que atuam na compra do pescado

direto do pescador ou de terceiros, e distribuem em feiras e mercados urbanos ou mais

recentemente em navios.

No geral, são três agentes envolvidos na comercialização do pescado, divididos em

quatro grupos. O primeiro grupo trabalha com pescado in natura, destinados aos centros

urbanos de Santarém, Macapá, Belém e mais recentemente Altamira, em função da

construção da Hidrelétrica de Belo Monte; o segundo grupo trabalha com a comercialização

de pirarucu salgado, sobretudo destinado aos mercados de Macapá, navios e Belém; o terceiro

grupo atua na compra de mantimento salgado (jacaré e capivara, principalmente), destinado

aos mercados de Breves, Cametá e Macapá; e o quarto grupo atua na intermediação entre

pescadores e vendedores nas feiras e mercados dos municípios de Porto de Moz e Almeirim,

predominantemente (Figura 5).

Page 72: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

70

Figura 5: Comercialização do pescado, 2014.

Fonte: entrevistas 2014. Elaboração: autor

O único caso em que há uma relação direta entre pescador e consumidor é na Vila

Bom Jesus. Lá, pescador e consumidor se relacionam diretamente, sem a intermediação de

terceiros. Quando o pescador chega do marisco, os moradores vão comprar o pescado que

ainda está na canoa. Para boa parte das famílias, o principal alimento do dia chega junto com

o mariscador do lugar. Pelo menos quatro pescadores se dedicam à pesca para abastecimento

da comunidade.

A relação com os mercados consumidores nos centros urbanos aumentou

significativamente a demanda por pescado e despertou o interesse de moradores exercerem,

concomitantemente, as funções de pescador e agente de comercialização (Tabela 9). Os

agentes locais formam grupos de pessoas para pescar para eles, fornecendo redes de pesca e

combustível para o rabeta20

, ou só comprando o pescado para pagar quando vendido na

20 Pequena canoa feita de madeira, com motor de poupa (5,5 a 15 CV), com capacidade para transportar de uma a

dez pessoas. Pela facilidade de levantar a hélice, permite viagens rápidas em campos e igarapés. Em

praticamente todas as famílias sempre há um “rebeta” ou “catraia”, para deslocamento dos moradores.

Pesc

ad

or

Consumidor Vila Bom Jesus

AGC

geleiro

AGC Barcos

AGC

Mercados, feiras Consumidores

Macapá

Belém

Santarém

Altamira AGC

Mercados, feiras Consumidores

Porto de Moz

Almeirim

Prainha

AGC local

Pirarucu

AGC

Barcos

AGC

Mercados /feiras Consumidores

Santarém

Macapá

Belém

Ca

ça

dores

de j

aca

e c

ap

iva

ra

AGC

Marreteiro

AGC

Mercados, feiras Consumidores

Cametá

Brevés

Macapá

Page 73: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

71

cidade. Quando o comprador sai para vender o pescado na cidade ou nos barcos de linha,

deixa caixas com gelo para serem abastecidas, de modo que durante a safra o fluxo de compra

e venda é permanente.

Comunidade Agentes de comercialização Total

Interno Externo

Bom Jesus 5 3 8

Cupari 4 2 6

Miritizal 0 1 1

Total 9 6 15

Tabela 9: AGC nas comunidades em 2014.

Fonte: dados da pesquisa, 2014. Elaboração: autor

Nas comunidades de São João do Cupari e de Vila Bom Jesus, os agentes de

comercialização (internos e externos) mudam a cada ano. Somente dois compradores internos

estão na atividade a mais de dois anos, os demais iniciaram em 2014. Já entre os compradores

externos, apenas um compra pescado a mais de um ano, os demais iniciaram em 2014.

Na comunidade de Miritizal, o controle da entrada de pescadores é feito através de

uma negociação entre os moradores e o agente de comercialização. Os moradores se

comprometem a comercializar o pescado para o agente e ele se compromete a não trazer

pessoas de fora da comunidade para pescar nos ambientes de pesca de uso dos moradores.

Embora seja um acordo informal e não seja cumprida rigorosamente, a estratégia tem evitado

a entrada de estranhos e conflitos envolvendo moradores e pessoas de outros lugares.

Considerando-se somente a extração de três espécies de pescado de maior demanda,

em 201421

, foram produzidas 28.480 quilos de pescado; 9.060 de mantimento (carnes de

jacaré e capivara salgadas e secas) e 120.000 unidades de acaris (Tabela 10). Esses valores

referem-se unicamente ao pescado vendido para os AGC. Muitos pescadores também

aproveitam as viagens para cidade, que fazem mensalmente, para recebimento do “bolsa

família”, para comercializarem pescado. Essa produção não foi considerada. Portanto, a

produção do ano de 2014 é maior que os valores apresentados.

21

Infelizmente, a inexistência de dados estatísticos da produção pesqueira e a dificuldade de levantar dados

(precisos) impossibilitam a comparação da produção de anos anterior a 2014.

Page 74: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

72

Comunidades Nº famílias Produção por espécie

Mora-

doras

Pescadoras Pirarucu

(kg)

Tambaqui

(Kg)

Tucunaré

(Kg)

Acari

(Unid.)

Capivara

(Kg) Jacaré

(Kg)

Cupari 53 38 8.300 2.000 2.500 - 1.200 5700

Bom Jesus 90 23 5.000 3.000 1.200 - - -

Miritizal 25 18 - 6.480 - 120.000 960 1.200

Total 168 79 13.300 11.480 3.700 120.000 2.160 6.900

Tabela 10:Produção de pescado no ano de 2014.

Fonte: dados da pesquisa 2014. Elaboração: autor

Em termos de renda, no ano de 2014, foram gerados R$ 348.040,00 (trezentos e

quarenta e oito mil e quarenta reais) de renda para 79 famílias nas três comunidades (Tabela

11). A renda anual por família pescadora em Cupari foi de R$ 3.500,00; R$ 3.808,00 em Bom

Jesus e R$ 7.080,00 em Miritizal. Observa-se que a comunidade Bom Jesus tem o menor

número de famílias envolvidas com a atividade pesqueira, 25%, Cupari e Miritizal com cerca

de 72%. A produção de acari na comunidade Miritizal faz com que a renda por família fique

maior que nas demais comunidades.

Comunidades Famílias Renda bruta anual

(R$ 1,00)

Moradoras Pescadoras

Cupari 53 38 133.000,00

Bom Jesus 90 23 87.600,00

Miritizal 25 18 127.440,00

Total 168 79 348.040,00

Tabela 11: Renda bruta anual da pesca, 2014.

Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: Autor.

A produção de pescado sofre variações drásticas de um ano para o outro. Anos em que

as cheias são grandes e prolongadas, normalmente a produção é maior. Porém, quando as

cheias são menores e rápidas, normalmente a produção é menor. De acordo com os moradores

entrevistados, isso ocorre pelo fato dos campos ficarem com o capim mais fechado (adensado)

e isso dificulta a migração dos cardumes dos grandes rios (Amazonas e Xingu) para as áreas

de pesca.

Page 75: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

73

É possível que a produção apresentada (Tabela 10), esteja acima da média anual dos

anos anteriores, em função do uso de malhadeira pela ampla maioria dos pescadores nas

comunidades Cupari e Bom Jesus. Na comunidade Miritizal sempre se utilizou a malhadeira,

portanto, a produção apresenta-se dentro da média, para anos de boa produção.

3.3 INTENSIFICAÇÃO DA PESCA

A situação atual da atividade pesqueira nas comunidades analisadas é resultado das

mudanças ocorridas na estrutura de comercialização ao longo das três últimas décadas, desde

a utilização do gelo na conservação, passando pelo favorecimento do escoamento da produção

até os centros urbanos com a regularidade das linhas de transporte fluvial. Portanto, mudanças

estruturais são responsáveis pelo processo de intensificação da atividade pesqueira na região.

A partir da nova configuração dada pela dinâmica dos mercados, as famílias

aumentaram a eficiência e intensificaram o processo de extração. Introduziram-se novos

métodos e equipamentos na prática da pesca, como a malhadeira e a tiradeira22

, e outros

instrumentos para outras práticas de extração, como o uso de holofotes no abatimento do pato

do mato23

e a gravação do assovio da capivara24

para “arremedá-la”, facilitando sua captura.

A utilização desses novos métodos rompeu com as formas tradicionais de pesca e caça,

relacionadas aos ciclos da natureza, sobretudo pelos períodos de cheias e secas, e transmitidas

dos mais velhos para aos mais jovens.

Contudo, na comunidade de São João do Cupari, algumas famílias não aderiram à

pesca com malhadeira (Figura 5), sobretudo por considerar que esse tipo de material pode

levar ao esgotamento do pescado em pouco tempo, como explica um morador: “se não houver

22 A tiradeira ou espinhel é uma técnica empregada para a captura do tambaqui. Os anzóis são iscados com frutas

de seringa, socoró, castanhara ou mandioca e pendurados, em média, a vinte centímetros de profundidade, em

um fio (linha) de até 100 metros de comprimento, esticado horizontalmente na superfície da água. Os anzóis são

distribuídos a uma distância de aproximadamente um metro um do outro. As duas pontas do fio ficam amarradas

em varas ou galhos de árvores. Essa técnica é empregada em todas as comunidades pesquisadas durante o pico

das cheias, entre os meses de março a maio. De acordo com Moraes (2005) dependendo da espécie pretendida

para ser capturada, usa-se diferentes tipos de iscas e anzóis (frutos, sapos ou caramarão) e a posição da linha que

os anzóis ficam presos também sofre variações, podendo ficar esticada em posição transversal. Além do

tambaqui, quelônios como a tartaruga e a tracajá são capturadas com esse tipo de equipamento. Mas nas comunidades estudadas apenas o tambaqui é capturado com esse tipo de técnica. 23 Com o uso de holofotes ou lanternas potentes, caçadores de pato do mato e marrecos saem às noites para os

miritizais e tesos e com a luz forte encandeia as aves, que caem na água ou não conseguem voar e são abatidas

facilmente. Em conversa com moradores das comunidades analisadas, teve caso em que um caçador capturou,

em uma noite, 100 marrecos e comercializou a R$ 1,00 cada. 24

Os caçadores gravam, no celular, o assovio da capivara jovem e usam para atrair os animais adultos durante à

noite. Contam os caçadores que o animal chega à beira da canoa, achando se tratar de outro animal da mesma

espécie.

Page 76: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

74

controle vai acabar, porque estão botando malhadeira. Esse ano fizeram muito dinheiro com o

peixe. Eu não pesco com malhadeira para não dar o braço a torcer, se não, não vou ter o que

falar no futuro, tenho dificuldade de dinheiro, porque não sou aposentado mas, mesmo assim

não pesco” (Morador SJC 08).

Figura 6: Uso de malhadeira nas três comunidades em 2014.

Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor

À medida que a malhadeira passa a ser o principal instrumento usado nas pescarias, os

“obstáculos” da natureza são superados. Os ambientes que antes eram explorados com

instrumentos menos eficientes como arco e flecha, linha e anzol (caniço, linha de mão,

siririca, auauaca...), de acordo com os ciclos da natureza, subida e decida da água, localização

dos cardumes, hábitos alimentares das espécies, agora são explorados em praticamente todas

as épocas do ano com maior eficiência.

Além da exploração contínua e eficiente, espécies como tambaqui e pirapitinga, antes

extraídas em pequena quantidade e somente durante a “baixada d’água”, agora passam ser

exploradas em todas as épocas do ano, principalmente quando os campos secam e os

cardumes se concentram nos rios e lagos (Tabela 12). O Arpão, um dos utensílios de pesca

mais antigos, é usado em situação excepcional, quando o pirarucu fica cercado pela

malhadeira, mas resiste em entrar nas malhas, o pescador usa para atingi-lo durante a

respiração aérea. Inaugura-se, desse modo, o tempo produção, da precisão, da rapidez, do

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Bom Jesus Cupari Miritizal

No

. de

fam

ílias

Comunidades da Resex Verde para Sempre

Nº famílias

pescam

Usam malhadeira

Page 77: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

75

lucro. Como afirma um comprador de pescado: “um casal pescou só numa tarde 200 kg de

tambaqui e fez R$ 600,00. Se fosse de caniço ele passaria o ano inteiro para pegar esse tanto

de peixe e dinheiro.” (Morador VBJ 10).

Page 78: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

76

Ambientes Espécies Materiais Época do ano

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Comunidade Bom Jesus

Lagos

Pirarucu Malhadeira, arpão x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x x x

Tucunaré Linha e anzol, malhadeira x

Pirapitinga Malhadeira x x x

Rios

Pirarucu Malhadeira, arpão x x x x x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x x x

Tucunaré Malhadeira x x x x x x x

Pirapitinga Malhadeira x x x x x x x

Campos

Pirarucu Malhadeira, arpão x x x

Tambaqui Tiradeira, malhadeira x x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x

Pirapitinga Linha e anzol x x x

Comunidade São João do Cupari

Lagos

Pirarucu Arpão x x x x x x x x

Arpão e malhadeira x x x

Tambaqui Arco e flecha x x x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x x

Pirapitinga Anzol, Malhadeira x x x x x

Pirarucu Malhadeira, arpão x x x x x x x

Page 79: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

77

Ambientes Espécies Materiais Época do ano

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Rios

Tambaqui Malhadeira x x x x x

Tucunaré Linha e anzol x x x x

Pirapitinga Malhadeira x x x x x

Campos

Pirarucu Malhadeira, arpão x x x

Tambaqui Tiradeira, malhadeira x x x

Tucunaré Linha e anzol x x

Pirapitinga Linha e anzol x x x

Miritizal

Lagos Tambaqui Malhadeira x x x

Pirapitinga Malhadeira x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x

Rio

Pirapitinga Malhadeira x x x x x

Acari Malhadeira x x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x x

Campo

Pirapitinga Malhadeira x x x x x

Acari Malhadeira x x x x

Tambaqui Malhadeira x x x x

Tabela 12: Instrumentos de pesca usados atualmente.

Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor

Page 80: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

78

O processo de intensificação da pesca, assim como de outras atividades extrativas é

constante, e como podemos observar, a principal tecnologia empregada como parte desse

processo é a malhadeira. Ela passa a ser empregada na atividade de extração à medida que o

pescado alcança os grandes centros urbanos. Além das modificações no sistema de extração é

necessário considerar as mudanças nos sistemas de transporte local, como o uso de motores de

popa em pequenas canoas (rabetas) que possibilitam o deslocamento rápido aos ambientes de

pesca e à cidade para a comercialização do pescado, a tecnologia de conservação com o uso

de gelo em caixas de isopor, como já mencionado.

3.4 NORMAS LOCAIS NO CONTEXTO DA RESEX/VPS

A partir de 2004, com a criação da Resex, as comunidades criaram expectativas

quanto à atuação do Estado, na condição de agente “externo” capaz de estabelecer

mecanismos de controle eficazes para a exploração da madeira e do pescado ou de apoiar os

acordos locais, para fortalecer a gestão local, como revela uma moradora do Rio Cupari: “nós

tinha a esperança de que, com a criação da reserva, nossos acordos fossem respeitados, que

nós podia ter o apoio do governo federal, mas não aconteceu.” (Morador SJC 04).

Outro morador, parte da concepção de Reserva Extrativista como área governada

rigidamente pelos órgãos ambientais, cuja população está sujeita à aplicação das normas

legais, normalmente “proibitivas” e “punitivas”, em relação à exploração dos recursos

naturais: “dentro do Jaurucu [rio de exploração madeireira] teve reserva, porque pararam de

tirar madeira. Veio pra acabar mesmo [com a extração da madeira]. Mas aqui pra nós não teve

Lei. Não teve reserva pra nós, se dependesse da reserva... aqui não existia mais bicho, mas

ainda tem bem bicho. Mas do jeito que vai, vai acabar o que Deus deixou.” (Morador VBJ

01). Uma concepção formada a partir o processo de discussão que antecedeu a criação da

unidade de conservação, quando atores contrários à criação da Resex desenvolveram

campanhas junto a população afirmando que as pessoas não mais poderiam extrair recursos

naturais para sua subsistência e comercialização.

Na medida em que os mecanismos de controle estabelecidos pelas comunidades dos

rios Coati e Cupari tornaram-se ineficientes, a pesca predatória avançou e tornou-se uma

ameaça para os estoques de pescado (Tabela 13). Os próprios pescadores consideram a

possibilidade de esgotamento das espécies de maior valor comercial em pouco tempo: “vai

ficar só céu e água, e não vai demorar muito. Do jeito que vai, eu digo que em 2015 vai

Page 81: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

79

acabar, a pesca com malhadeira ficou tomada, começou este ano [2014] e a gente já vê os

resultado de diminuição” (Morador VBJ 06), afirma um morador da Vila Bom Jesus que antes

não usava malhadeira, mas depois que percebeu que não havia mais formas para evitar a

proliferação desse equipamento, também passou a utilizar.

Comunidade Mecanismo

de controle Governança e arranjos Ameaças

Bom Jesus

Acordo

de

pesca

Buscou-se a participação de atores externos, principalmente do

ICMBio, STTR e CDS para

atuarem como parceiros na gestão

do acordo.

Pesca realizada todos os meses do ano,

principalmente no período do defeso;

Uso de equipamentos predatórios em

relação às condições dos rios e lagos

durante a estiagem;

Extração de pirarucu pequeno;

Extração de aves e bicho de casco para

a comercialização;

Entrada de pescadores estranhos à

comunidade;

Abandonou-se as discussões sobre as

normas locais

Cupari

Acordo

de

pesca

Acordo conjunto com a comunidade Bom Jesus, mas

como não funcionou, adotou seus

próprios meio de gestão e

fiscalização. Passando a realizar

mutirões para vigiar os rios e

lagos e recolher as malhadeiras

existentes.

Pesca realizada sem interrupção,

principalmente no período do defeso;

Uso de equipamentos predatórios em

relação às condições dos rios e lagos

durante a seca;

Extração de pirarucu pequeno;

Extração de bicho de casco para a

comercialização.

Desde 2013 encerrou as discussões

sobre os mecanismos de controle.

Miritizal

Acordo

de

pesca

As três comunidades do Rio

Peituru têm um único acordo. O

acordo é assessorado pela Colônia

de pescadores Z64.

Planeja apresentar o acordo ao

ICMBio para receber apoio.

De cada 100 acaris capturados, 60 são

destinados à alimentação de suínos ou descartados por estarem abaixo do

tamanho exigido pelo mercado.

Tabela 13: Gestão pesqueira atual.

Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor

Page 82: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

80

Frente às ameaças já identificas desde o aumento na demanda por pescado, as

comunidades se articularam com organizações representativas para criar canais de diálogo

com o órgão responsável pela gestão da Resex/VPS, o ICMBio, com vistas ao

reconhecimento do acordo comunitário de pesca envolvendo três comunidades do Rio Coati e

São João do Cupari, como forma de manter o controle sob a atividade pesqueira.

O acordo foi entregue ao ICMBio, que buscou respaldo jurídico junto à procuradoria

do órgão para se posicionar sobre o pedido das comunidades. Fundamentalmente, dois

aspectos foram considerados no indeferimento do pedido: a legitimidade para elaborar normas

com vistas ao uso dos recursos naturais pertence ao ICMBio, não as comunidades. O segundo

aspecto, não menos importante, diz respeito ausência de estudos científicos para balizar ou

validar a definição de parâmetros técnicos, como tamanho ou peso do pescado permitido para

ser explorados conforme consta no parecer técnico da procuradoria do ICMBio (Anexo V) e

acatado pela gestão da UC-US (ICMBio, 2011, p. 4)

De início, cumpre realçar que todas as regras (grifo do autor) a serem estabelecidas pelo pretendido Acordo, por configurarem disposições que visam regular o uso e o

manejo dos recursos naturais daquele espaço territorial especialmente protegido,

competem ser delineadas não privativamente entre os membros das aludidas

comunidades, mas pelo ICMBio através de sua potestade de regular e gerir da Resex

Verde para Sempre como Unidade de Conservação de uso Sustentável, com todas as

particularidades que lhes são inerentes.

Assim, a par do que tenciona o Acordo, o estabelecimento de regras todas voltadas a

restringir o uso e gozo da liberdade e da propriedade, inclusive com a fixação de

parâmetros técnicos (tamanho mínimo de pescados, etc.), que somente poderão ser

impostas após estudos científicos que lhes dê [sic] suporte de validade, compreendo

que não poderão [ser] admitidas.

Os argumentos da procuradoria do ICMBio, reforçam a posição dos gestores da Resex

Verde para Sempre, quando discutem com as comunidades mecanismos de controle para a

atividade pesqueira, como relatam dois moradores: “Olha, Cláudio, a questão da malhadeira,

como já foi dito pelo Anderson [um dos gestores que passou pela Resex], numa reunião na

Vila Bom Jesus, não é crime, portanto, ninguém pode impedir ninguém de pescar” (Morador

SJC 03); “a Fernúbia [gestora] disse pra nós que a fiscalização do rio não é papel das

comunidades, é papel deles. Portanto, de agora pra frente era pra deixar com eles, que eles

iam fazer a fiscalização. Por que se acontecesse alguma coisa, eles não iam ser responsáveis”

(Morador SJC 04).

Page 83: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

81

4. DISCUSSÃO

Os debates inerentes ao uso dos recursos naturais têm suscitado estudos, conferências,

formulações de novas leis e arranjos institucionais na busca de soluções que garantam

princípios básicos manejo, no intuito de evitar o esgotamento de recursos importantes para a

economia e subsistência, sobretudo das populações tradicionais, como é caso das populações

ribeirinhas da Amazônia.

O ponto de partida para muitos estudos acerca dessa questão tem sido a publicação “A

tragédia dos Comuns”, de Hardin (1968). A saída apresentada para evitar o esgotamento dos

recursos de uso comunal apresentada é privatização ou a estatização. Ostrom (1990); Feeny

(1990) e Mckean e Ostrom, (2001) mostram que, a questão fundamental não é o regime de

propriedade, em todos os regimes de propriedade pode haver casos de sucesso e fracasso no

uso dos recursos comuns. A questão primordial é capacidade do grupo em formular normas de

acesso que sejam respeitadas e adaptadas ao longo do tempo. A propriedade comunal,

criticada por Hardim (1968), nas análises de Mckean e Ostrom, (2001) é propriedade coletiva

com compartilhamento de responsabilidades e direitos.

Essas definições e debates teóricos têm orientado diferentes análises e formulação de

propostas para o gerenciamento dos recursos naturais, resultando mais recentemente na

formulação de propostas que incorporem os saberes e as formas de gerenciamento dos

recursos naturais por populações tradicionais nas políticas governamentais. E as unidades de

conservação de uso sustentável, apresentam-se com um campo fecundo para a implantação de

modelos de gestão descentralizado, também conhecido como gestão compartilhada

(BENATTI, 2005; SEIXAS et al., 2011; PEREIRA, 2013). Os acordos comunitários de pesca

do Baixo Amazonas são modelos e exemplos de gestão que agregam as premissas principais

de uma gestão de recursos naturais compartilhada entre órgãos ambientais, pescadores e

comunidades ribeirinhas (MAcGRATH, 1996; CASTRO e MAcGRATH 2001). Nesse

sentido, a problemática central que orienta esta pesquisa consiste em saber se as normas locais

de uso dos recursos naturais estão incorporadas na estrutura de gestão de unidade de

conservação de uso sustentável, tomando como exemplo as comunidades ribeirinhas da Resex

Verde para Sempre, em Porto de Moz/PA

Page 84: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

82

Os resultados mostram que, historicamente as comunidades formularam normas locais

para acesso aos recursos naturais, principalmente para os recursos pesqueiros; essas normas

locais são sistemas de governança importantes para a manutenção do equilíbrio da exploração

do pescado, mas são frágeis e não resistem à pressão gerada pelo mercado, assim como a

inserção de novas tecnologias no processo de exploração e, portanto, requerem a participação

do Estado no processo de gerenciamento; mostram ainda que, o não reconhecimento das

normas locais pelo Estado, em momento de conflitos, consolidou o processo de desarticulação

do sistema de governança local e abriu caminho para um sistema de exploração do pescado

que pode resultar no esgotamento dos estoques de valor comercial em curto tempo.

4.1 OS DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA RESEX/VPS

É possível que a proposta de criação de Reservas Extrativistas seja a mais inovadora

para a regularização fundiária e ambiental que o Brasil já conheceu, com exceção das terras

indígenas e quilombolas. Nascida das lutas dos seringueiros do estado do Acre, o modelo se

espalhou por quatro biomas brasileiros nos últimos 25 anos. A Amazônia concentra quase

99% da área constituída em Resex no país, cobrindo mais de 137.000 km2, equivalente a 3%

do bioma (Tabela 2). Essa concentração de Resex na Amazônia reflete a situação histórica de

conflitos fundiários e ambientais que a região sofre desde a década de 1970, e a ação do

Estado para resolver esses problemas a partir de uma proposta concreta apresentada pelos

movimentos sociais, mas que carrega também a participação de intelectuais, ambientalistas e

políticos ligados a esses movimentos, uma interface entre questão agrária e ambiental

(ALMEIDA, 2004; ALEGRETTI, 2008).

Desde a criação das primeiras Resex, o problema da gestão desses espaços foi

evidenciado. Institucionalmente, a gestão ficou sob a responsabilidade do IBAMA até agosto

de 2007, ano de criação do ICMBio, pela Lei Nº 11.516/2007. Antes da criação do ICMBio, e

por pressão dos movimentos sociais, foi criado o CNPT, para trabalhar com as populações

tradicionais. É importante observar, que o CNPT foi criado como centro especializado dentro

do IBAMA para permitir a interlocução entre a sociedade e os órgãos governamentais em

relação ao processo de decisão sobre as Resex (CUNHA, 2010). Como forma de promover a

participação dos movimentos sociais ligados às questões socioambientais, criou-se um

conselho consultivo com a competência de “monitorar, avaliar, fiscalizar ações e propor

diretrizes para a elaboração das políticas de ação do CNPT” (IBAMA, 1992, Anexo D. Art.

6º).

Page 85: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

83

A criação do CNPT foi uma estratégia do Programa Piloto para a Proteção das

Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), e o funcionamento do conselho consultivo esteve

vinculado ao apoio financeiro dado pelo programa: “entretanto, as limitações deste Conselho

na garantia de participação democrática no CNPT seria logo percebido na paralisação de suas

atividades ao final da década de 1990, coincidindo com a mudança administrativa do centro e,

especialmente, com o término de financiamento pelo Projeto Resex” (CUNHA, 2010, p. 162).

Nesse contexto, chama atenção a definição de Reserva Extrativista enquanto áreas

destinadas às populações extrativistas tradicionais (BRASIL, 2000, Art. 18, grifo nosso). Isto

é, dá um duplo sentido à destinação desses espaços: extrativistas dando direcionamento às

atividades produtivas e tradicionais dando sentido a questão cultural. De modo que, com a

criação do SNUC, o extrativismo é institucionalizado como modelo de atividade principal a

ser desenvolvido pelas populações das Resex; não inclui na destinação das áreas populações

com tradição agrícola, por exemplo.

Dessa definição surge a necessidade de se pensar que a agricultura e a pecuária que

sempre fizeram parte do modo de produção na Amazônia, sobretudo das populações que

vivem em áreas de várzeas, são excluídas legalmente das políticas de desenvolvimento

econômico, por não estarem legalmente incluídas dentro dos objetivos dessa categoria de

unidade de conservação. O que traz um grande desafio para a construção dos instrumentos de

gestão das Resex, mais especificamente, a elaboração e aprovação do plano de manejo.

Considerando-se que a Lei não permite o desenvolvimento da criação de animais de

grande porte, tecnicamente é improvável que, no caso da Verde para Sempre, venha a existir

plano de manejo aprovado pela análise jurídica do órgão gestor e, consequentemente, a

regularização fundiária consolidada. Visto que, de acordo com o Decreto Nº 4.340, em seu

Art. 13: “o contrato de concessão de direito real de uso e o termo de compromisso com

populações tradicionais das Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento

Sustentável devem estar de acordo como plano de manejo, (...)”.

Os estudos socioeconômicos ou foram falhos ou então intencionalmente ignorados no

ato de criação desses espaços, principalmente quando considerado o caso específico da Verde

para Sempre, com predominância de criação de búfalos na área de várzea e bovinos na terra

firme, atividades não permitidas de acordo com a Lei do SNUC.

Page 86: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

84

Os argumentos principais que criticam o extrativismo enquanto modelo para o

desenvolvimento das Reservas Extrativista, estão sustentados no fato de que o extrativismo é

de baixa produtividade, portanto com potencial para atender a mercados com baixas

demandas. À medida que aumentam as demandas, a tendência é o abandono do extrativismo e

a passagem para o cultivo, o que leva ao seu colapso como atividade econômica (HOMMA,

1990; 2010; 2015).

É importante considerar esses argumentos, embora sejam voltadas única e

exclusivamente para a produção econômica, sem considerar aspectos culturais e o

desenvolvimento de várias atividades, como extrativismo, agricultura, pecuária e até mesmo

serviços na composição da renda dos moradores das reservas extrativistas, pelo fato de que, as

esparsas políticas públicas planejadas e executas no interior da Verde para Sempre tem como

direcionamento principal o atendimento à população extrativista, sobretudo o extrativismo de

produtos florestais não madeiráveis (PFNM), como é o caso da assistência técnica extrativista

nas Resex, voltadas para desenvolvimento de atividades extrativas, mas que não encontra eco

entre as populações. Políticas dessa natureza excluem, literalmente a maior parte da

população das políticas oficiais de apoio à produção, o que pode comprometer a segurança

econômica das famílias e, consequentemente a viabilidade da Resex.

Contudo, deve-se considerar que as Resex não são homogêneas e que a Verde para

Sempre não representa a realidade da maioria das Resex na Amazônia, cada uma tem

dinâmica e questões próprias. No entanto, no caso da Verde para Sempre, o extrativismo tal

como é concebido pelo SNUC, não representa a essência das atividades produtivas, e as

fontes de renda das comunidades analisadas testemunham isso (Figura 4) ao mostrar que a

pesca é a principal atividade extrativista e fonte de renda monetária das famílias.

Frente ao impasse na constituição dos instrumentos de gestão, de acordo com os

dispositivos legais e a ausência de normas oficiais, as normas locais constituídas ao longo de

várias décadas como mecanismo de controle do uso dos recursos naturais desenvolvidos pelas

comunidades, vão perdendo força e os recursos naturais passam a serem explorados em níveis

que podem levar aos seus esgotamentos, principalmente o pescado.

4.2 CONFLITO DE LEGITIMIDADE

A resposta técnica ao pedido de reconhecimento do acordo comunitário de pesca das

comunidades do rio Coati e Cupari, revela que, com a criação da Resex somente o ICMBio

Page 87: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

85

tem a legitimidade de estabelecer normas técnicas para regular o acesso e uso dos recursos

naturais, e não as comunidades, que utilizam os recursos (ICMBio, 2011). Essa posição é

importante na análise da pesquisa por se tratar de uma posição técnica do ICMBio, ausente de

qualquer discussão ou posicionamento político, muitas vezes usado para mediar situações

conflituosas.

Conforme descrito ao longo do capítulo II, as comunidades estudadas, historicamente

constituíram normas locais para extração do pescado, associadas aos conhecimentos

ecológicos, ao uso de técnicas e métodos de extração e a situação econômica das famílias.

Essas práticas têm chamado a atenção e se tornado objeto de estudo de muitos pesquisadores

das ciências sociais e humanas, sobretudo sociólogos, antropólogos e geógrafos. Os estudos

destacam a importância dessas práticas desenvolvidas pelas comunidades para a conservação

dos recursos naturais e reprodução social, econômica e cultural das populações tradicionais

(MOREIRA, HÉBETTE, LEITÃO, 2004; FURTADO, 2006).

No entanto, o conflito de legitimidade reside no fato da gestão das UC-US estar

fundamentada na constituição de instrumentos formais, baseado nos conceitos de conservação

definidos na Lei do SNUC cuja constituição é conduzida pelo ICMBio, embora aceite e

valorize a participação das populações que vivem no lugar. Para as comunidades, as normas

que regulam a extração dos recursos naturais, dentre eles o pescado, têm outra lógica, pois “o

ambiente natural onde moram estas populações tradicionais é a base econômica de sua

reprodução; por isto, elas são solidárias com a natureza” (MOREIRA, HÉBETTE; LEITÃO,

2004, p. 344).

As inúmeras vezes em que as comunidades buscaram apoio das autoridades estiveram

relacionadas à mediação de conflitos em função da pesca com malhadeira nas comunidades

Bom Jesus e São João do Cupari. Na comunidade Miritizal, não houve casos de resolução de

conflitos com a mediação de atores externos. Os moradores, incluindo o presidente do núcleo

da colônia de pescadores, têm mantido a pesca dentro dos limites das normas estabelecidas no

acordo. Nesse aspecto, a existência de fóruns para a resolução dos conflitos pode fortalecer as

normas localmente constituídas e evitar a degradação ambiental e social nas comunidades.

Estudos mostram que os tipos ou espécies de peixes existentes na Amazônia, podem

ser divididos em três grupos, de acordo com o deslocamento (migração) que realizam em

diferentes ambientes: “migradores de longa distância (MD), que podem cobrir migrações de

Page 88: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

86

até 3.500 km ao longo do canal principal do rio; migradores laterais (ML), que realizam

migrações entre lagos e rios adjacentes; e espécies sedentárias (SD), que raramente migram”

(CASTRO e McGRATH, 2001, p. 119). Essas definições ecológicas ajudam a explicar o fato

das normas locais apresentarem resultados promissores na manutenção das espécies extraídas.

Nas três comunidades as espécies extraídas comercialmente são sedentárias (tucunaré, acari

principalmente), ou, no máximo, migradores laterais, que migram de um lago para outro,

como é o caso do pirarucu e do tambaqui na fase pré-produtiva.

As normas elaboradas somente pelas comunidades omitem proibições explícitas à

pesca no período de reprodução das espécies (desova), fiscalização, tamanho ou qualquer

parâmetro técnico para a extração. Enquanto as normas elaboradas com o assessoramento de

atores externos, sempre há explicitamente definição dos períodos permitidos e não permitidos,

referencias as leis de crimes ambientais (BRASIL, 1998), parâmetros técnicos diversos e

atualmente têm seguido os critérios de elaboração dos acordos comunitários de pesca

previstos na IN número 29/IBAMA, 2002.

Estudos que analisam os acordos comunitários de pesca criticam a ausência de

elementos claros de punição para aqueles que quebram as normas estabelecidas nos acordos e

a inconsistência de um plano claro de fiscalização:

Embora as regras de acesso e uso sejam relativamente claras, a maioria dos acordos de pesca carece de uma estrutura consistente de regras de punição e fiscalização. As

regras de punição mais utilizadas são apreensão temporária e destruição dos

aparelhos proibidos, seguida de denúncia aos órgãos competentes e advertência oral.

Se o sistema de punição sofre de pouca clareza, a estratégia de fiscalização apresenta

um grau ainda maior de inconsistência. São poucos os acordos que descrevem como

a fiscalização do lago manejado será efetuada e quem a fará (CASTRO e

McGRATH, 2001, p. 118).

Os mesmos autores consideram positiva a integração dos acordos comunitários de

pesca informais aos critérios definidos pelo IBAMA, com vistas ao reconhecimento por meios

de portaria. De mesmo modo, consideram relevante a instituição de Agentes Ambiental

Voluntário (AAV), instituídos pelo IBAMA, com poderes de constatação para organização

das ações de fiscalização.

A proposta de regulamentação dos acordos comunitários de pesca ganhou visibilidade

e adesão por parte das comunidades pesqueiras e organizações dos pescadores, principalmente

durante a edição do projeto manejo dos recursos naturais da várzea – PROVÁRZEA (LIMA,

2005). Com apoio técnico e financeiro oferecidos pelo projeto, várias iniciativas de acordos

Page 89: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

87

comunitários de pesca foram desencadeadas na Amazônia. Em Porto de Moz, as comunidades

Santa Luzia e Cuieiras, no Rio Uiui, próximas à comunidade Miritizal, receberam apoio de

um projeto financiado pelo PROVARZEA, para elaboração de um acordo de pesca que, até

hoje ainda funciona, mesmo sem o reconhecimento dos órgãos ambientais.

Contudo, faz-se necessário analisar e discutir de maneira ampla e crítica o

“enquadramento” das normas locais para pesca ou manejo de outros recursos naturais, de

acordo com os dispositivos legais, normas técnicas e atos normativos ou a incorporação ao

plano de manejo da UC-US para evitar que as iniciativas locais sejam desarticuladas ou

suprimidas.

A primeira questão refere-se à dificuldade de convivência entre normas locais e legais.

Muito improvável que os pescadores suportem as exigências legais, como por exemplo, a

suspensão das atividades pesqueira no período do defeso, salvo se todas as famílias tiverem

acesso ao seguro defeso pago pelo Estado ou desenvolvimento de outras atividades produtivas

que gerem renda igual ou superior à pesca. Nas comunidades estudadas o número de famílias

com acesso ao seguro defeso é pequeno e com exceção da criação de gado, outras atividades

produtivas, como a agricultura, por exemplo, tendem a declinar (Figura 4).

A segunda questão diz respeito ao funcionamento das normas locais. O conjunto de

regras contidas na legislação prevê penalidade e parâmetros técnicos para a extração do

pescado. As normas locais apresentam lacunas que são preenchidas à medida que os fatos

ocorrem. Não há previsão de penalidades, mas no momento em que alguém quebra as normas

a comunidade se reúne, decide o que fazer e qual punição aplicar. A reação vai além da

destruição e apreensão dos equipamentos de pesca como descrito por Castro e McGrath

(2001). A exclusão do convívio social, em alguns casos, parece ser a punição mais dura

aplicada. Essa indefinição quanto à fiscalização, à punição e a outras sanções na verdade é o

que faz as normas locais funcionarem e fortalece os laços de solidariedade entre as famílias.

Quando às normas de funcionamento da pesca estão todas definidas, com punição,

fiscalização, como é o caso da política de comando e controle do Estado, incluindo a

instituição dos AAV pelo IBAMA em algumas experiências, as exigências de encontros para

debater os conflitos são menores, pois tudo já está definido, inclusive quem vai fiscalizar e a

punição a ser aplicada. De modo que a ação deixa de ser da comunidade e passa a ser de um

pequeno grupo que a realiza, com o apoio dos órgãos ambientais.

Page 90: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

88

A terceira questão diz respeito à relação das comunidades com os agentes do Estado.

As comunidades sempre buscaram apoio para a mediação de conflitos. Não buscaram a

presença ostensiva do Estado para definir as normas ou mesma para a realização de ações de

fiscalização. A presença dos agentes de fiscalização nas comunidades ou nos rios causa medo

às pessoas. Diferentes situações relatadas pelos moradores ilustram muito bem o medo que os

moradores têm dos agentes de fiscalização que, esporadicamente percorrem os rios com

voadeira e motores potentes e carregadas de policiais e agentes do IBAMA/ICMBio

fortemente armados. Dois relatos são apresentados a título de ilustração: “minha filha chegou

naquele dia de Almeirim pra ficar uns dias aqui em casa, ai eu comprei uma tracajá pra nós

comer assada. Quando tava assando, aqui nesse fogão à lenha, lá vem uma voadeirona, na

volta do rio, bem ali. Era o pessoal [do ICMBio]. Ai, essa daí [esposa], pegou a tracajá e

jogou no rio. Ficamo sem comida naquele dia (Morador MTZ 01). Em outra comunidade, foi

relatado a invasão de domicílio, por agentes do ICMBio sem mandado judicial: “eles

chegaram lá em casa e foram entrando, perguntado se eu tinha malhadeira. Eu mostrei pro

rádio [VHF], o nome dele é malhadeira. Ai eles entraram em casa e vasculharam tudo”

(Morador SJC 03).

A quarta questão diz respeito ao regime de propriedade dos recursos. Antes da criação

da Resex, os moradores concebiam os rios, lagos e campos naturais de várzea e os recursos

explorados nesses ambientes como comum a todos do lugar. Tanto é, que os moradores não se

referem ao Rio Coati, Cupari ou Peituru como algo particular. Quando se referem a esses

lugares os tratam como “nosso rio”, “nosso peixe”; não vão acabar com os peixes, “vão nos

acabar” (Morador VBJ 06). O lugar e os recursos naturais eram concebidos efetivamente

como uma “propriedade” coletiva no sentido empregado por Mckean e Ostrom (2001).

Como não foi implantado um sistema de gestão dos recursos pesqueiros compartilhado

com as comunidades, a concepção sobre a propriedade dos recursos mudou, e essa mudança

se manifesta na gestão local, como expressa uma moradora: “no tempo em que as

comunidades tomavam conta, as coisas funcionavam. Hoje, que as instituições [órgãos

públicos] assumiram o trabalho que as comunidades faziam, virou bagunça. Ninguém respeita

mais nada. Eu te digo, se não houver punição, daqui pra frente, ninguém vai segurar mais

nada” (Moradora VBJ 07).

Num contexto de mudanças nas formas de extração dos recursos pesqueiros, a partir

da abertura de novos mercados (Figura 9) e da adoção de “novas tecnologias”, como é o caso

Page 91: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

89

do uso da malhadeira (Figura 12), caberia aos órgãos ambientais apoiar as comunidades no

processo de revisão de suas normas para lidar com a nova realidade da pesca dentro de uma

estrutura de mercado, até então, novo para as comunidades envolvidas na pesquisa. De modo

a evitar a absoluta falta de governança (Tabela 13) sobre a extração do pescado no âmbito da

unidade de conservação.

Nesse sentido, ao invés do Estado investir grandes somas de recursos financeiros na

elaboração de plano de manejo ou passar dez anos sem uma proposta de gestão para a Resex

Verde para Sempre, ainda que preliminar, poderia ter se inspirado nas estratégias dos

ribeirinhos, assim como a proposta das Resex inspirou-se no modelo de terra indígena e

reconhecer as normas locais, legítimas, em favor das populações e dos recursos por elas

manejados.

A participação do Estado – ICMBio deveria seguir a abordagem participativa e

descentralizada desenvolvida nos 1990 e 2000, quando foram constituindo os mecanismos de

gestão compartilhada a partir de experiências bem sucedidas desenvolvidas pelas

comunidades e que apoiavam as normas já constituídas pelas comunidades como um processo

transitório para uma gestão integrada.

4.3 CONFLITOS ENTRE CONHECIMENTOS

Incorporar os conhecimentos das populações tradicionais sobre o uso dos recursos

naturais na gestão das UC-US constitui-se num dos principais desafios atuais para a gestão

desses espaços protegidos.

A ideia predominante de manejo dos recursos naturais está enraizada nos

conhecimentos gerados pelas ciências, onde a legislação e os atos normativos buscam

inspiração e modelos para estabelecer os parâmetros, critérios e regras para a exploração

sustentável. Um exemplo que bem ilustra essa questão são as definições para o manejo

florestal sustentável, com base em “fundamentos técnicos e científicos” (BRASIL, 2012. Art.

31, §1º).

Estudos críticos ao modelo de manejo e conservação dos recursos naturais amparados

pelos conhecimentos produzidos pelas ciências, afirmam que à medida que as populações

envolvidas na extração dos recursos naturais são excluídas de participação aumentam as

chances de maior degradação da biodiversidade, não por que os estudos técnicos/científicos

Page 92: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

90

estejam errados ou equivocados, mas pela falta de diálogo entre saberes tradicionais e

conhecimentos científicos no processo de construção de modelos de gestão participativo, com

distribuições de responsabilidades. Esse argumento reforça a afirmação de que os

conhecimentos tradicionais são fundamentais para o alcance dos objetivos de conservação e a

importância da participação dos moradores no processo de planejamento e gestão de unidades

de conservação (CARROCCI et al., 2009).

Ao formularem normas locais como mecanismo de controle para a pesca, as

comunidades apresentam uma visão holística sobre natureza. Muito embora essas normas não

sejam descritas nos documentos, a percepção dos processos ecológicos que ocorre dentro dos

limites de cada comunidade está explícita nos acordos de pesca. Como observado nas três

comunidades, a preocupação não se reporta unicamente ao controle da extração do pescado,

mas se estende ao controle do uso do fogo no período estiagem, do desmatamento das matas

ciliares com abundância de espécies de árvores que fornecem alimento para os peixes e até

cuidado para evitar a disposição de lixo nos rios.

Ao protegerem a vegetação que fornecem alimento à fauna aquática, materializam

seus conhecimentos profundos acerca da natureza e dos processos ecológicos que ocorrem

nos ambientes de extração do pescado. Nesse campo de discussão acerca dos conhecimentos

da natureza por populações tradicionais, Furtado (1990, p.74), mostra que:

A íntima relação entre homem e natureza, atribui ao produtor da pesca artesanal a

qualidade ímpar de conhecedor de seu meio envolvente, atribui-lhe regras de

equilíbrio e de preservação; o seu universo mítico, por outro lado, inculca-lhe

mecanismos (ainda que inconscientes) de preservação da natureza; permite-lhe um

conhecimento sobre quando uma árvore vai ou não florir, dar fruto ou se o fruto é ou

não comestível: conhece os dias e épocas adequadas para o corte de uma folha de

palmeira para cobrir sua casa e não criar bichos, ou de madeira para sua embarcação

e para não rachar depois de pronta; conhecem os territórios de caça e pesca e coleta:

tempo e efeito das chuvas, nível de trânsito de peixes nos rios e lagos e praias, etc.

Esses conhecimentos são importantes e podem dialogar perfeitamente com os

conhecimentos produzidos pelas ciencias para a construção de modelos de gestão para as

unidades de conservação de uso sustentável.

Ao indeferir o pedido de reconhecimento do acordo comunitário de pesca das

comunidades dos rios Coati e Cupari, sob o argumento de que os parâmetros técnicos

estabelecidos precisam ser embasados em estudos científicos (ICMBio, 2011), evidencia-se

claramente um “conflito” entre o reconhecimentos dos conhecimentos tradicionais como

Page 93: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

91

confiáveis frente aos conhecimentos produzidos pelas ciências, que amparam a formulação

das Leis e normas técnicas para a definição de critérios de extração dos recursos naturais. De

fato a lei da pesca (BRASIL, 2009) que criou o Ministério da Pesca, não recepcionou a

experiência dos acordos de pesca como instrumentos (estratégias) de manejo dos recursos

pesqueiros. O último acordo de pesca formalizado pelo IBAMA data de 2008, e trata da

região do baixo rio Branco.

A malhadeira é o principal petrecho utilizado empregado na pesca comercial ribeirinha

(FERNANDES et al., 2007), sendo um aparelho seletivo, o seu uso abusivo e não regulado

por regras de manejo pode resultar na degradação dos recursos. No Amazonas, o governo

estadual com base na Lei federal nº 11.959 (BRASIL, 2009) que em seu art. 3º, § 2º atribui

aos Estados e ao Distrito Federal competência para o ordenamento da pesca nas águas

continentais de suas respectivas jurisdições, deu continuidade ao reconhecimento dos acordos

de pesca local em suas áreas de jurisdição (AMAZONAS, 2013; 2014). Interessantemente,

esses acordo de pesca estaduais incorporam a proibição da malhadeira, como petrecho

restrito, e assim como já era adotado pelo Ibama, usa uma restrição tecnológica para reduzir a

pressão de captura do pescado na área do acordo, sem contudo, restringir o acesso aos agentes

da pesca. Essa estratégia é necessária para que o acordo de pesca não seja considerado ilegal

já que pela legislação vigente os recursos pesqueiros são de livre acesso (BRASIL, 2009, art.

24.).

Em âmbito federal, ao que tudo indica, o ICMBio não incorporou nas UC, o modelo

de acordos de pesca desenvolvido pelo Ibama, órgão que lhe deu origem. Isso reforça a

avaliação de que a criação do ICMBio resultou na implementação de um modelo de gestão

concentrado e centralizador e que se opunha ao modelo praticado pelo Ibama para a gestão

das unidades de conservação (FERREIRA e PEREIRA, 2012).

O plano emergencial constituído para a Reserva Extrativista Verde para Sempre, em

2007, previa a elaboração e o reconhecimento, pelo IBAMA, dos acordos comunitários de

pesca. Contudo, o plano não foi posto em prática em função das mudanças ocasionadas pela

criação do ICMBio e pelo fato de não encontrar base legal para ser implementado. Pois as

comunidades propuseram normas de uso dos recursos naturais com base nos conhecimentos

tradicionais, sem estudos técnicos e científicos, como a extração de até 5m3 de madeira, por

família/mês (MMA, 2007).

Page 94: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

92

De acordo com o SNUC, as normas para extração de recursos naturais em Resex,

devem constar no plano de manejo da unidade. Contudo, deve-se considerar que a

constituição desse instrumento é um processo complexo, por envolver a participação dos

moradores e, ao mesmo tempo, ser uma construção técnica, com definição de zonas de uso,

áreas de proteção integral e amortização (BRASIL, 2000). Sua elaboração tem sido realizada

sempre por especialistas, e de acordo com os objetivos UC-US estabelecidos no SNUC. Esse

modelo de definição do uso da área como um todo, conflita com a maneira local de definição

de normas de uso. As comunidades definem áreas ou “zonas” de uso de acordo com os limites

de cada uma. Normalmente, não há interferência ou raramente se percebe conflitos entre

comunidades em função das normas locais. Cada uma define suas normas com base na área

de uso de todos os moradores do lugar, isto é, dos ambientes explorados; nas condições

econômicas de seus membros; na análise dos métodos de extração que os ambientes

suportam; e sem a presença de autoridades governamentais ou científicas.

Nesse campo de conflitos, cabe ressaltar, que os conhecimentos tradicionais também

são bens comuns das populações e precisam ser preservados e valorizados para garantir a

sustentabilidade da gestão da Resex. O que foi observado na Resex-VPS, atualmente, parece

contradizer inteiramente a observação feita por Lima (2005) há uma década quanto à

participação social nos processos de gestão nas áreas de várzea do rio Amazonas:

É possível que as várzeas do Solimões e do Amazonas sejam, entre as ecorregiões

brasileiras, as que apresentam a mais extensiva participação da sociedade na gestão

do meio ambiente. Essa particularidade resulta do reconhecimento público da existência de um interesse comum por parte das instituições ambientais e das

comunidades rurais em garantir a sustentabilidade da pesca (LIMA, 2005, p. 364).

De fato, até a implementação dos instrumentos de gestão da Resex-VPS e nos períodos

que antecederam a afetação da área, como já relatado, as comunidades locais vinham

desempenhando um importante papel na gestão dos recursos pesqueiros locais, e eram

incentivadas pelos órgãos ambientais, como no caso do Projeto Provarzea desenvolvido pelo

IBAMA (LOBÃO, 2005).

Page 95: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

93

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação da Resex Verde para Sempre está se mostrando um meio eficaz para evitar a

grilagem de terra e a exploração madeireira em larga escala, por empresas e indivíduos. Todas

as empresas que operavam clandestinamente na área constituída em Resex se retiraram

voluntariamente logo após o decreto de criação em 2004.

A terra passou a ser usada novamente pelos moradores das comunidades para a

agricultura, extrativismo da madeira, entre outras atividades. Nesse aspecto, nas diversas

entrevistas realizadas durante a pesquisa, os moradores concebem como um aspecto positivo a

criação da unidade de conservação. Aliás, essa é a justificativa que os moradores aceitam e

consideram para a criação da Resex Verde para Sempre: expulsar as empresas madeireiras.

No entanto, a melhoria nas condições de vida dos moradores ainda não é percebida.

Pelo contrário, as promessas feitas pelo governo federal, logo após a criação da UC-US, de

grandes investimentos em eletrificação rural, transporte e produção – incluindo o manejo dos

recursos naturais – não se concretizou, o que têm gerado forte descontentamento dos

moradores que, consideram a possibilidade de migrar para a cidade por falta de oportunidades

para melhorar suas vidas.

Quanto ao uso dos recursos naturais, mais especificamente dos recursos pesqueiros,

conclui-se que, em termos de normas locais, antes da criação da Resex, as comunidades

estudadas desenvolveram mecanismos eficazes de controle com base no domínio particular

das áreas de exploração, nos conhecimentos acerca dos ambientes de pesca dos ecossistemas

de várzea e, também com base no modelo de organização comunitária, contando, mais

recentemente, com o apoio de atores externos para a reformulação das normas localmente

constituídas.

No entanto, à medida que o ICMBio questionou as normas locais, “assumiu” as

funções antes desempenhadas pelas comunidades e não reconheceu a proibição da pesca com

malhadeira como medida legal e eficiente para o controle do esforço de captura, criou uma

situação de instabilidade e enfraquecimento das normas locais. Esses fatos resultaram no

aumento drástico da extração do pescado, com riscos visíveis de esgotamento dos estoques

em curto prazo.

Page 96: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

94

Assim como, de acordo como parecer da procuradoria do ICMBio, resta claro que a

função de estabelecer normas para a exploração dos recursos naturais é função privativa ao

ICMBio, e não das comunidades. Também deixa claro que o estabelecimento de parâmetros

técnicos para extração dos recursos pesqueiros deve ser fundamentado a partir de estudos

técnicos e científicos, e não com base nos conhecimentos tradicionais.

A base jurídica para a negativa à proposta dos comunitários pode ser legalmente

questionada uma vez que a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura

e da Pesca que regula as atividades pesqueiras (BRASIL, 2009), faculta a proibição de

petrechos considerados predatórios. Além disso, como proibição tecnológica, a vedação ao

uso de malhadeira não se configuraria como restrição de acesso aos recursos pesqueiros

locais, mas sim de redução do esforço de captura.

Essa posição do órgão gestor da UC-US evidencia um conflito de legitimidade entre o

órgão gestor e as populações do interior da Resex, igualmente evidencia um conflito entre

conhecimentos tradicionais e conhecimentos científicos que amparam a gestão e uso dos

recursos naturais.

Os resultados desses conflitos são drásticos para os recursos pesqueiros. Entre 2012 a

2014 a pesca com malhadeira aumentou exponencialmente nas comunidades Vila Bom Jesus

e São João do Cupari, e os pescadores consideram real a possibilidade extinção das espécies

de valor comercial no curto prazo, principalmente do pirarucu.

Diante do quadro geral apresentado neste estudo, faz-se necessário um

acompanhamento sistemático do processo de construção dos instrumentos de gestão, no

sentido de avaliar mais detalhadamente a relação entre as normas e os instrumentos de gestão

concebidos na legislação e atos normativos. Assim como, estudos estatísticos para avaliar o

comportamento das espécies manejadas e auxiliar as comunidades no processo de tomada de

decisão.

Caso nenhuma medida seja tomada, possivelmente os estoques serão esgotados, com

graves consequências à diversidade biológica do sistema de várzea e, sobretudo às

comunidades locais que dependem desses recursos, pois além de importante fonte de renda, o

pescado representa a essência das fontes proteicas da população ribeirinha.

Page 97: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

95

Como bem disse um morador: “estão nos acabando”. Isto é, não é só o pescado

enquanto recurso natural que pode deixar de existir, mas o morador que pode deixar de existir

em suas condições de vida atual, cultural, econômica e social. Dessa maneira, a Resex que

“...tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações”

(BRASIL, 2000, art.18) poderá deixar de cumprir sua função primordial.

Page 98: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

96

BIBLIOGRAFIA

AMAZONAS. Instrução Normativa SDS Nº 2 de 09/12/2013. Reconhece o Acordo de

Pesca e estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do complexo de lagos do

município de Tonantins-AM. Disponível em: http://www.legisweb.com.br/legislacao/?

id=262990. Acessado em: 26 de setembro de 2015.

______. Instrução Normativa SDS Nº 3 de 26/06/2014. Reconhece o Acordo de Pesca e

estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do complexo de lagos do Paraná do

Jacaré, Setor Capivara, no Município de Maraã-AM. Disponível em:

http://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=262990. Acessado em: 26 de setembro de 2015.

ALEGRETTI, M. H. A construção social de políticas públicas. Chico Mendes e o movimento

dos seringueiros. Desenvolvimento e Meio Ambiente, nº 18, p.39-59, jul./dez. 2008. Editora

UFPR. Disponível em: ojs.c3.ufpr.br/ojs/index.php/made/article/viewFile /13423/9048. pdf.

Acesso em: 18/06/2014

ALMEIDA, M. B. W. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. São

Paulo: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 19, Nº 55. 2004. Disponível em: http://

www. scielo.br/pdf/rcsoc/v19n55/a03v1955. pdf. Acesso: 06/04/2014.

BARBOSA, C. Invasão de madeireiros ameaça a floresta e população de Porto de Moz. In:

Observatório da cidadania – Pará: 2 – políticas públicas e controle social. Belém: Fórum

da Amazônia Oriental-FAOR, 2003, p.213-222.

BARBOSA, C. W. S e SOUZA, A. P. S. Desafios da gestão dos recursos pesqueiros em

comunidades da Amazônia – o caso da Resex Verde para Sempre em Porto de Moz, 2013.

Anais... João Pessoa: SINGA, 2013.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009.

BARTHEM, R. B.; FABRÉ, N. N. 2004. Biologia e diversidade dos recursos pesqueiros da

Amazônia. In: RUFFINO, M. L. (coord.). A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia

Brasileira. IBAMA/PROVÁRZEA. p. 17-62

BATISTA, V.S.B.; ISAAC, V.J.; VIANA, J.P. 2004. Exploração e manejo dos recursos

pesqueiros da Amazônia. In: Ruffino, M.L. (Org). A pesca e os recursos pesqueiros na

Amazônia brasileira. IBAMA/ProVárzea, Manaus, Amazonas. p. 63-151.

BENATTI , J.H., MCGRATH, D. G. e OLIVEIRA, A. C. M. Políticas Públicas e Manejo

Comunitário de Recursos Naturais na Amazônia. Ambiente & Sociedade. Vol. VI, nº. 2

jul./dez. 2003.

BENATTI, J. H. (Coord.). A questão fundiária e o manejo dos recursos naturais da

várzea: análise para a elaboração de novos modelos jurídicos. Manaus: Edições

IBAMA/ProVárzea, 2005.

BORRINI-FEYERABEND, G., et al. Co-management of Natural Resources: Organizing,

Negotiating and Learning-by-Doing. Yaoundé, Cameroon: IUCN/GTZ. 2000, 85 p.

Page 99: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

97

BRASIL. Lei Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 02 março de

2014.

______.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do BRASIL. Brasília,

DF: Senado federal, 1988.

______.Lei Nº 7.804, de 18 de julho de 1989. Altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de

1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, a Lei Nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, a Lei nº 6.803, de 2 de

julho de 1980, e dá outras providências.

______.Decreto no 98.897, de 30 de janeiro de 1990. Dispõe sobre as reservas extrativistas

e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_ 03/decreto/Antigo

s/D9889 7.htm. Acesso: 02 de março de 2014.

______.Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras

providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. Acesso

em: 26 de julho de 2015.

______.Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e

VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

_ato2007-2010/2009/Lei/L11959.htm, Acesso em: 02 março de 2014.

______. Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamento os artigos da lei 9.985, de 18

de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de unidades de Conservação da

Natureza – SNUC, e dá outras providências.

______.lei no 10.779, de 25 de novembro de 2003.Dispõe sobre a concessão do benefício de

seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a

atividade pesqueira de forma artesanal. Disponível: http://www. planalto.gov.br /ccivil

_03/leis/2003/L10.779.htm. Acesso: 25 de setembro de 2014.

______. Lei 11.516, de 28 de agosto de 2007. Dispõe sobre a criação do Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes; altera as Leis nos

7.735,

de 22 de fevereiro de 1989, 11.284, de 2 de março de 2006, 9.985, de 18 de julho de 2000,

10.410, de 11 de janeiro de 2002, 11.156, de 29 de julho de 2005, 11.357, de 19 de outubro de

2006, e 7.957, de 20 de dezembro de 1989; revoga dispositivos da Lei no 8.028, de 12 de abril

de 1990, e da Medida Provisória no 2.216-37, de 31 de agosto de 2001; e dá outras

providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/

lei/l11516.htm. Acesso em 26 de julho de 2015.

______. Lei nº 11.959, de 29 de Junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras,

revoga a Lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do Decreto-Lei no 221, de

28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências.

Page 100: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

98

CARROCCI, J. B. et al. Etnoconservação e a Contribuição do Enfoque Agroecológico. Rev.

Bras. de Agroecologia/nov. Vol. 4, No. 2, p. 2478 – 248. 2009.

CASTRO, F. e MCGRATH, D. O Manejo Comunitário de Lagos na Amazônia. In: Parcerias

Estratégicas – Número 12 – Setembro, 2001.

COMITÊ DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PORTO DE MOZ (CDS).

Arquivo. Documentos encaminhados ao CNPT, 2001.

COMUNIDADES BOM JESUS e SÃO JOÃO. Acordo de pesca. Porto de Moz, 1996.

______. Acordo comunitário de pesca. Porto de Moz, 2011.

COMUNIDADE MIRITIZAL. Acordo comunitário de pesca. Porto de Moz, 2008.

CUNHA, C. C. Reservas extrativistas:institucionalização e implementação no Estado

brasileiro dos anos 1990. 2010. 308 f. Tese (Doutorado em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social) Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

FEENY, D. et al. The tragedy of the commons: twenty-two Years later. Human

Ecology18(1), p. 1-19, 1990.

FERNANDES, V. L. A.; VICENTINI, R. N. e BATISTA, V. S. Variação interanual no uso

de malhadeira pela frota pesqueira que desembarca em Manaus, Amazonas. IN:

FABRÉ, N. M. et al. (org). Sociobiodiversidade e conservação da várzea amazônica. Manaus:

Pyrá. 2007: 221-227.

FERREIRA, H. S. ; PEREIRA, H. S. A gestão federal das unidades de conservação no

Brasil: a transição Ibama/Icmbio. IN: II Simpósio Nacional de Áreas Protegidas – Anais.

Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2012. v. 2. p. 173-178.

FURTADO, L.G. Origens pluriétnicas no cotidiano da pesca na Amazônia: contribuições

para projeto de estudo pluridisciplinar. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 18,

n. 2, p. 159-172, maio-agosto. 2006.

______.Características gerais e problemas da pesca amazônica no Pará. Boletim do

Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 18, nº 6 (1), p. 41-93. 1990.

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. In: Revista de

Administração de Empresas. São Paulo: EDUSP, v.35, n.2, p.57-63, mar./abr., 1995.

GONÇALVES, C. W. P. Amazônia, Amazônias. 3ª ed. – São Paulo: Contexto, 2012.

HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na Sociologia. 5ª ed Petrópolis: Vozes,

1997.

HARDIN, G. The Tragedy of Commons. Science 162:1243-1248. 1968.

Page 101: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

99

HÉBETTE, J. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudos do campesinato na Amazônia/Jean

Hébette. V. III. – Belém: EDUFPA, 2004

HÉBETTE, J. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudos do campesinato na Amazônia/Jean

Hébette. V. II. – Belém: EDUFPA, 2004

HOMMA, A. e SANTOS, J. O Desafio Atual das Reservas Extrativistas: Agricultura ou

Extrativismo? In: MEDINA, G. e BARBOSA, C. (ed). Experiências Produtivas de

Agricultores Familiares da Amazônia. Goiânia: Kelps, 2015. 198p.

HOMMA, A. Deixem o Chico Mendes em paz. In: Veja, 19 de dezembro, 1990. p. 106.

HOMMA, A. Política agrícola ou política ambiental para resolver os problemas da

Amazônia? In: revista de política agrícola, Ano XIX – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2010, p 101.

IBAMA. Portaria 22-N, de 10 de fevereiro de 1992, que cria o Centro Nacional de

Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais.

IBGE. Censo 2010. Disponível em: www.cidades.ibge.gov.br/xtra/perfil.php?lang=7codmun

=150590. Acesso em 25 de maio de 2014.

ICMBio. Instrução Normativa Nº 01, de 18 de setembro de 2007a(Publicada no Diário

Oficial da União Nº. 182, Seção I, páginas 101 e 102, de 20/09/2007).Disciplina as

diretrizes, normas e procedimentos para aelaboração de Plano de Manejo Participativo de

Unidadede Conservação Federal das categorias Reserva Extrativista e Reserva de

Desenvolvimento Sustentável. Disponível emhttp://www.icmbio.gov.br/portal/images /stori

es/imgs-unidades-coservacao/in012007.pdf. Acesso em: 05 de abril de 2014.

ICMBio. Instrução Normativa Nº 02, de 18 de setembro de 2007b.(Publicada no Diário

Oficial da União Nº. 182, Seção I, páginas 102, 103 e 104, de 20/09/2007). Disciplina as

diretrizes, normas e procedimentos para formação e funcionamento do Conselho Deliberativo

de Reserva Extrativista e de Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em:

http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/o-que-somos/in022007.pdf. Acesso em: 02 de

abril de 2014.

ICMBio. Instrução Normativa Nº 29, de 5 de setembro de 2012.Disciplina, no âmbito do

Instituto Chico Mendes, as diretrizes, requisitos e procedimentos administrativos para a

elaboração e aprovação de Acordo de Gestão em Unidade de Conservação de Uso Sustentável

federal com populações tradicionais.

ICMBio. Parecer. Legalidade do acordo de pesca nos rio Quati e Cupari envolvendo as

comunidades Vila Bom Jesus, Vila Nova Bom Jesus, Maria de Matias e São João do Cupari,

localizadas na Reserva Extrativista Verde para Sempre, município de Porto de Moz, PA.

Santarém, outubro de 2011.

LIMA, D. M. Diversidade socioambiental nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões:

perspectivas para o desenvolvimento da sustentabilidade. IN: Ibama. Diversidade

socioambiental nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões: perspectivas para o

desenvolvimento da sustentabilidade / Deborah Lima (organizadora). 2005: 337 – 386.

Page 102: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

100

LOBÃO, R. Uma análise comparativa de processos de construção de unidades de conservação

de uso sustentável em áreas de várzea. IN: IBAMA. Diversidade socioambiental nas

várzeas dos rios Amazonas e Solimões: perspectivas para o desenvolvimento da

sustentabilidade/ Débora Lima, organizadora. 2005: 313-336.

McGRATH, D. et al. Manejo comunitário de lagos de várzea e o desenvolvimento

sustentável da pesca na Amazônia. Papers do NAEA 058, junho de 1996.

McGRATH, D. et al. Reserva de lagos e o manejo comunitário de pesca no Baixo

Amazonas. Paper do NAEA 18, março de 1994.

McKEAN, M. A. e OSTROM, E. Regimes de Propriedade Comum em Florestas: Somente

uma Relíquia do Passado? In: Diegues, A.C. e Moreira, A.C.C. (orgs). Espaços e Recursos

Naturais de Uso Comum. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações

Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras/ USP. 2001.

MEDEIROS, R; YOUNG; C. E. F. 2011. Contribuição das unidades de conservação

Brasileiras para a economia nacional: Relatório Final. Brasília: UNEP‐WCMC, 120p.

Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/240/_arquivos/relatorio_fin al_contribuio

_uc_para_ a_economia_nacional_reduzido_240.pdf. Acesso: 20 de abril de 2014.

MEDINA, G. e BARBOSA, C. Experiências Produtivas de Agricultores Familiares da

Amazônia. Goiânia: Kelps, 2015. 198p.

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento. 10ª ed. São Paulo: Hucitec, 2007.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Plano Emergencial e Zoneamento da Reserva

Extrativista Verde para Sempre. Belém, 2007

MOREIRA, E. S. Tradição em tempos de modernidade: reprodução social numa

comunidade varzeira do rio Xingu/PA/ Edma Silva Moreira... – Belém: EDUFA, 2004.

MOREIRA, E.S, HÉBETTE, J e LEITÃO, M.W. Comunidades ribeirinhas de Porto de Moz e

gestão dos recursos naturais locais. In: HÉBETTE, J. Cruzando a fronteira: 30 anos de

estudos do campesinato na Amazônia/Jean Hébette. V. III. – Belém: EDUFPA, 2004, p. 339

- 354

OSTROM, E. Governing the commmons: the evolution of instituions for collective action.

Cambriidge, New York: Cambridge University Press, 1990.

PEREIRA, C. F. et al. Análise da caça nas comunidades de atuação do PIATAM. In: FRAXE,

T.J.P.; PEREIRA, H.S. e WITKOSKI, A.C. (Orgs.). Comunidades ribeirinhas amazônicas:

modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: UFAM, 2007, p.157-167.

PEREIRA, H. S. Evolução dos direitos territoriais e de propriedade dos recursos de uso

coletivo em áreas protegidas na Amazônia. VI - Seminário Brasileiro sobre Áreas

Protegidas e Inclusão Social / I - Encontro Latino-americano sobre Áreas Protegidas e

Inclusão Social: Belo Horizonte, MG, 2013.

PEREIRA, H. S.; SOUZA, D. S. R. e RAMOS, M. M. A Diversidade da Pesca nas

comunidades da área Focal do Projeto PIATAM. In: FRAXE, T.J.P., PEREIRA, H.S.,

Page 103: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

101

WITKOSKI, A.C. (Orgs.) Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos

recursos naturais. Manaus: UFAM, 2007, p.171-195.

SALGADO, I e KAIMOWITZ, D. 2003. Porto de Moz: o prefeito dono do município. In:

Municípios e gestão florestal na Amazônia. TONI, F; KAIMOWITZ, D. (Org.). Natal, A.S.

editores p. 216 – 252.

SEIXAS C. S. et al., Gestão compartilhada do uso de recursos pesqueiros no Brasil:

elementos para um programa nacional. Ambiente & Sociedade. Campinas v. XIV, nº 1, jan.-

jun. 2011, p. 23-44.

SILVA, J. B. et al. Sustentabilidade institucional em reservas extrativistas na Amazônia

Brasileira. Paper do NAEA 316, Dezembro de 2013.

SILVEIRA, D. T. e CÓRDDOVA, F. P. A pesquisa científica. In: GERHARDT, T. E. &

SILVEIRA, D. T. (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2009.

SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE PORTO DE MOZ. Dossiê: a questão

fundiária no município de Porto de Moz, 2001. Documento elaborado pelo Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Porto de Moz e pela Paróquia de São Braz – Igreja Católica,

encaminhado a CPI da Grilagem de Terras na Amazônia, em 23 de março de 2001.

TEISSERENC, P. Reconhecimento de saberes locais em contexto de ambientalização: 2010.

Novos Cadernos NAEA. v. 13, n. 2, p. 5-26, dez. 2010.

VERÍSSIMO, J. A pesca na Amazônia. Coleção Amazônia, série José Veríssimo. Belém:

Universidade Federal do Pará, 1970.

WATRIN, O. S. e OLIVEIRA, P.M. Levantamento do uso e cobertura da terra em área

da Reserva Extrativista “Verde para Sempre,” Porto de Moz, PA. Belém, PA:

EMBRAPA Amazônia Oriental, 2009. 36.: 21 cm. – (Embrapa Amazônia Oriental. Boletim

de Pesquisa e Desenvolvimento, 69).

Page 104: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

102

APÊNDICES

APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados individual

ENTREVISTAS COM MORADORES DA RESEX VERDE PARA SEMPRE

Entrevistador/a:______________________________________________________________

Comunidade:________________________________________________________________

Data: _______ / _______/ 2014

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTAS INDIVIDUAIS

Identificação do participante da pesquisa

1. Nome do entrevistado:________________________________idade:_____sexo M ( ) F ( )

2. Local de Nascimento:_______________________________________________________

3. Estado civil:_______________________ Profissão: _______________________________

4. Há quanto anos mora na comunidade/lugar?_____________________________________

5. De onde veio?_____________________________________________________________

6. Por que escolheu este lugar para viver? _________________________________________

SOBRE A COMUNIDADE

7. Quais atividades as famílias desta comunidade desenvolvem ao longo dos anos?

Atividades Período

8. A terra onde os moradores desenvolvem suas atividades é: ( ) particular ( ) uso

comunitário ( ) outro dono ( ) arrendada ( ) do grupo familiar (em número de famílias).

9. Como se deu ocupação da área onde as famílias desta comunidade vivem? Conte-me,

por favor___________________________________________________________________

a) Como era a situação da terra antes delas virem morar aqui?_________________________

b) Houve demarcação de lotes? ( ) sim ( ) Não. Quem fez?__________________________

c) Como está a distribuição da terra na comunidade? ( ) Boa ( ) Ruim. Por quê?________

___________________________________________________________________________

10. Existem áreas onde só uma família usa? ( ) Sim ( ) Não. Como é o uso desta área?__

___________________________________________________________________________

11. O que define que uma área é de uso particular?________________________________

12. Existem normas para uso da área particular? ( ) Sim ( )Não. Quais?______________

___________________________________________________________________________

Page 105: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

103

13. Existem áreas onde todos os moradores do lugar podem usar”? ( ) Sim ( ) Não.

Quais os recursos explorados?___________________________________________________

a) Como é o uso da área?_______________________________________________________

b) Quem determina as normas ou modo de uso destas áreas? __________________________

c) Descrever os casos em que houve quebra das normas e os desdobramentos (se houver). Quais os motivos? Quando ocorreu? O que foi feito para resolver? e quem foi envolvido?

Motivos Quando ocorreu Como foi resolvido Quem foi envolvido

SOBRE O USO E GESTÃO DOS RECURSOS PESQUISADOS

Pesca

14. O pescado é um recurso comum ou particular? E se ele estiver em áreas particulares, como fica? _________________________________________________________________

15. Existem conflitos (ou existiram) referente ao uso dos recursos pesqueiros? ( ) sim ( )

Não. Quais?_________________________________________________________________

16. Existem normas diferentes para a pesca em áreas particulares e áreas comuns? ( ) Sim

( ) Não. Quais?______________________________________________________________

17. Quais as normas para as áreas particulares?___________________________________

18. Quais as normas para áreas comuns? _______________________________________

a) Quando foram elaboradas?___________________________________________________

b) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades, Quais?_______

___________________________________________________________________________

c) Por que foram elaboradas?___________________________________________________

d) Quais os resultados das normas?_______________________________________________

Floresta

19. Na sua opinião a floresta é considerada: ( ) um recurso comum, de todos ou ( )

particular? Por quê?__________________________________________________________

20. E quando a floresta está em áreas particulares (nos lotes dos moradores)? __________

___________________________________________________________________________

21. Nas áreas de particulares, como a floresta é explorada? _________________________

___________________________________________________________________________

22. Nas áreas de uso coletivo como a floresta é explorada? _________________________

23. Existem normas diferentes para seu uso em áreas particulares e normas para a área de

uso coletivo? ( ) sim ( ) Não quais?____________________________________________

a) Quando foram elaboradas? ___________________________________________________

b) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades ( ) __________

c) Por que foram elaboradas? ___________________________________________________

d) Quais os resultados? ________________________________________________________

Page 106: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

104

Campos naturais de várzea

24. Na sua opinião, os campos naturais de várzea, são considerados um recurso: ( ) de uso comum ou ( ) de uso particular? Por quê? _____________________________________

25. O sr. (a) sabe informar se existem áreas dos campos de várzea que são usados por vários moradores da comunidade? ( ) sim ( ) Não

26. Como essas áreas são usadas? ____________________________________________

27. Existem diferenças na forma de uso dos campos particulares e dos que são

considerados de uso coletivo? ( ) sim ( ) não. Quais?____________________________

__________________________________________________________________________

a) Existem normas para o uso dos campos de uso comum? ( ) Sim ( ) Não. Quais?_______

___________________________________________________________________________

b) Quando foram elaboradas?___________________________________________________

c) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades( ) Quais?_____

_________________________________________________________________________

d) Por que foram elaboradas? ___________________________________________________

e) Quais os resultados da elaboração das normas?___________________________________

Sobre a Resex

28. Você sabe me dizer o que é uma Resex? ( ) Sim ( ) Não _____________________

29. Qual é a imagem que você tem da Resex?___________________________________

30. Por que você tem esta imagem? ___________________________________________

31. Você sabe por que a reserva extrativista verde para sempre foi criada? ( ) sim ( ) Não. Por quê? _______________________________________________________________

32. A comunidade tem papel/participa na administração (gestão) da Resex? ( ) sim ( ) não. Qual? Ou Por quê? _______________________________________________________

33. Na sua opinião houve mudanças nas formas de uso dos recursos naturais depois que a

resex foi criada (pescado, madeira e campos naturais de várzea)? Quais?_____________________________________________________________________

34. Que tipo de direitos você tem dentro da resex? _______________________________

35. Quem tem a palavra final para decidir as coisas na resex?_______________________

36. O sr.(a) sabe como a resex verde para sempre é administrada (gerida)? ( ) sim ( ) Não. Como? ________________________________________________________________

37. Você sabe o que é conselho deliberativo? ( ) Sim ( ) Não

a) Aqui na sua comunidade tem algum morador que é membro do conselho? ( ) Sim ( ) Não

b) Qual é a função de dele? _____________________________________________________

c) Quem escolheu essa pessoa para fazer parte do conselho? __________________________

d) A comunidade reconhece seu representante e participa das decisões e trabalhos do

conselho? __________________________________________________________________

38. Qual é a função do ICMBio na administração da Resex Verde Para Sempre? __________

___________________________________________________________________________

a) O sr (a) conhece acordos ou normas locais (das comunidades) que foram reconhecidas

pela administração da Resex? ( ) sim ( ) Não Quais?________________________________

b) Como se deu o processo para que eles fossem reconhecidos? _______________________

c) Quem os reconheceu? _______________________________________________________

d) Quais foram os resultados do reconhecimento? ___________________________________

Page 107: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

105

39. Existem acordos locais elaborados e apresentados pelas comunidades ao ICMBio ou ao

Conselho Deliberativo, mas que não foi reconhecido? ( ) Sim ( ) Não.

Quais?______________________________________________________________________

a) Por que não foram reconhecidos?______________________________________________

b) Quem não os reconheceu? ___________________________________________________

c) Quais os resultados do não reconhecimento? _____________________________________

40. Você considera importante para a administração da Resex a relação entre o ICMBio e

as comunidades? ( ) Sim ( ) Não . Por quê? _____________________________________

41. Como é atualmente a relação do ICMBio como as comunidades? _________________

___________________________________________________________________________

42. Na sua opinião o que vai acontecer no futuro com:

a) a exploração de madeira? Por que?

b) a atividade pesqueira? Por que ?

c) com o uso dos campos de várzea para a criação de gado? Por que ?

43. Durante a nossa conversa, você lembrou de alguma questão que não foi perguntada e

gostaria de falar?

Muito Obrigado!

Page 108: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

106

APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados global

LEVANTAMENTO GLOBAL

Roteiro para diálogo grupal em todas as comunidades selecionadas para a pesquisa. O

tamanho grupo pode variar entre cinco (mínimo) e sete (máximo) pessoas. Qualquer questão

pode ser cortada durante os diálogos por solicitação dos interlocutores.

ROTEIRO

Local/comunidade:____________________________________________________________

Entrevistador:________________________________________________________________

Data: _____ / _____/ 201__

1. Informações sobre os entrevistados Nome Idade Sexo (M/F) Profissão Tempo que mora no lugar (anos)

01

02

03

04

05

06

07

2. Infraestrutura local

a. Moradia

Quantas famílias vivem na comunidade? (______). Número total de casas: ______________.

Existem núcleos com mais de cincos casas? Sim ( ) Não ( ). Quantos? (_____).

Principais materiais usados nas construções das moradias por unidade: Madeira (___).

Alvenaria (___) Barro (____).

Número de casas com energia elétrica (_____).

Número de casas com poço artesiano (_____).

Número de casas com sanitário (_____).

Número de casas com rádio amador (_____).

Número de casas com mobília (_____).

Número de casas com geladeiras (_____).

b. Transporte

Número de famílias que possuem barcos com capacidade acima de 1tn (____).

Número de famílias que possuem rabetas (____).

Número de famílias que possuem lancha voadeira (____).

Existem barcos ou outros meios de transporte usados pelos moradores para deslocamento até a

cidades? Quais? e qual a freqüência (todos os dias, semanas, mês)? ______________________

___________________________________________________________________________.

Quanto custa a passagem da comunidade para a cidade?

Voadeira: R$ (_____). Barco: R$ (_____). Outros : R$ (_____).

Page 109: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

107

c. Infraestrutura de uso público

Número de escolas existentes no lugar: (______). Número de sala de aulas (______). Número

de Creches (_____). Tem aula até que série? (____________________).

Descrever a situação física das escolas e creches (se existirem), com base no depoimento do

grupo e visita in loco: _________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________.

Posto de saúde: Sim ( ) Não ( ). Descrever a estrutura física: _________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________.

d. Infraestrutura de uso comunitário

Capela católica: Sim ( ). Não ( ). Quantas? (____) Material usado na construção

(______________________________________________________________________).

Templos evangélicos: Sim ( ). Não ( ) Quantos? (___). Material usado na construção

(_______________________________________________________________________).

Salão comunitário: Sim ( ). Não ( ). Quantos (___) Material usado na construção

(_______________________________________________________________________).

Motor/gerador (conjugado) para geração de energia elétrica: Sim ( ). Não ( ).

Quantos?(_____)

Campo de futebol: Sim ( ). Não ( ). Quantos (_____)

e. Infraestrutura/equipamentos individuais/privados

Mercearias, comércios: Sim ( ). Não ( ). Quantos (______) Desde quando? (____________)

Salão de festas: Sim ( ). Não ( ). Quantos (______________________________________)

Barco e voadeira: Sim ( ). Não ( ). Quantos (_______)

3. Alimentação e saúde

a. Alimentação

A alimentação das famílias é considerada: Boa ( ) Satisfatório ( ) Deficiente ( ) Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Quais os principais alimentos consumidos pelas famílias? ____________________________

___________________________________________________________________________

É comprado? Tirado natureza? __________________________________________________

b. Saúde

Há agente de saúde? Sim ( ) Não ( ). Quantos? (_______). Qual a formação dele/s?

(______________________________________________________________________).

Enfermeiro/técnico em enfermagem: Sim ( ). Não ( ). Sala para atendimento Sim ( ).

Não ( ). Equipamentos:_______________________________________________________.

Pessoas que fazem remédios caseiros: Sim ( ) Não ( ).? Quantas (_____________________).

Existem parteiras: Sim ( ) Não ( ). Quantas? (________)

Existem campanhas de vacinação? Sim ( ) Não ( ). Quantas vezes ao ano? (____________).

Doenças mais freqüentes: Nome da doença (popular) Frequência/nº de casos (2014/5)

Page 110: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

108

Não maioria dos casos, para pagar despesas com tratamento de saúde as famílias:

( ) Vendem animais. ( ) Vendem bens (terra, casa, barco...).

( ) Emprestam dinheiro. ( ) Recebem ajuda de parentes.

( ) Recebem ajuda de políticos. ( ) Recebem apoio da prefeitura.

( ) Recebem ajuda da comunidade. ( ) Não conseguem fazer o tratamento.

Outros: ____________________________________________________________________

Em situação de emergência, a prefeitura disponibiliza transporte para atendimento no hospital

do município? _______________________________________________________________

_______________________________________________________________________.

4. Parentesco, organização social, Conflitos

a. Parentesco

Existem famílias “grandes” na comunidade (se houver, descrever somente as três mais

numerosas): Ordem Sobrenome Percentual de membros (estimar)

01

02

03

b. Organização social

Existe algum tipo de organização formal (associação, cooperativa...) constituída pelos

moradores da comunidade: Sim ( ) Não ( ). Tipo: (_________________) Quantas pessoas

são afiliadas? (_______). Quando foi criada? (____________________________________).

Por que foi criada?____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________.

Existem moradores associados a outras organizações formais, tipo STTR, Colônia de

Pescadores, Cooperativas, Associações? Sim ( ). Não ( ). Nome da organização Nº de afiliados (moradores) Descrever os trabalhos realizados pela organização

Existe representante da prefeitura na comunidade? Sim ( ). Não ( ).

Nome:______________________________________________________________________

Qual a função dele?___________________________________________________________

___________________________________________________________________________

c. Conflitos

Aconteceu algum conflito (briga, confusão) que deixou marcar profundas dentro da

comunidade? Sim ( ). Não ( ).

Descrever a natureza do conflito:_________________________________________________

_________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

5. Atividades produtivas, fontes de renda das famílias e acesso a financiamento

a. Fontes de renda

Principais atividades para geração de renda e outras fontes (incluindo programas de

transferência de renda):

Page 111: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

109

Lista de atividades que geram renda para as famílias Número de famílias que praticam

Principais equipamentos usados nas atividades (principalmente na pesca) Atividades Equipamentos Número de famílias

As atividades desenvolvidas localmente permitem às famílias viverem: muito bem ( ).

Bem ( ). Mal ( ). Por quê?_____________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

b. Comercialização

Como é feita a comercializada daquilo que as famílias produzem? Produto Comprador Preço

c. Acesso a credito Tipo de financiamento Finalidades Nº de famílias

6. Normas locais

a. Normas para extração de recursos naturais

Existem normas criadas para extração de produtos das matas, dos rios e dos lagos? Sim ( ).

Não ( ). Quando foram criadas (ano)? (________________). Por que foram criadas?_______

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Quem criou essas normas?______________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Depois de criada as normas receberam apoio de alguém (pessoas, órgãos públicos)? Sim ( ).

Não ( ). Como foi esse apoio?___________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

7. Resex Verde para Sempre

a. Visão dos moradores sobre a Resex

Depois que a Resex foi criada já teve alguma mudança por aqui? Sim ( ). Não ( ).

O que mudou?_______________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Alguma pessoa da comunidade participa de reuniões sobre a Reserva? Sim ( ) Não ( ).

Quem é que administra a Reserva?_______________________________________________

Page 112: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

110

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________.

Tem Alguma pessoa da comunidade que participa de algum conselho da Reserva? Sim ( ).

Não ( ). Como é o nome do conselho?__________________________________________.

Já teve reunião na comunidade para tratar de alguma coisa sobre a reserva? Sim ( ). Não ( ).

O que foi tratado?____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Quem participou da reunião?____________________________________________________

__________________________________________________________________________

Alguma coisa foi ficou acertada entre os moradores e as pessoas do governo? Sim ( ) Não ( ).

Lembram o que ficou a acertado? Sim ( ). Não ( ).

Descrever:__________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

8. Outras questões

a. Divulgação dos dados

Durante a conversa foi dito alguma coisa que o grupo considera que não deve ser divulgada

pela pesquisa e pelo pesquisador? Sim ( ). Não ( ). Quais?___________________________

___________________________________________________________________________

Além do que foi conversado, tem mais alguma coisa que seria importante e que foi não tratada

e o grupo gostaria de falar? Sim ( ) Não ( ). O quê? _________________________________

________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

Observações gerais:_________________________________________________________

__________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Muito obrigado pela atenção e pelas informações!

Page 113: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

111

ANEXOS

ANEXO I – Acordo de pesca das comunidades Bom Jesus e São João do Cupari, 1996

Page 114: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

112

ANEXO II – Acordo comunitário da comunidade São João do Cupari, 2006

Acordo Comunitário: Comunidade São João – Rio Cupari

Propostas aprovadas em 23 – 26 de setembro de 2006:

Sobre a criação do gado búfalo:

A responsabilidade de manter o gado longe do Rio e Igarapés é cada família, entretanto,

adotou-se os seguintes critérios gerais:

1. Construção de uma cerca elétrica ou de arame comum em toda à margem do Rio Cupari

até o final do ano de 2008;

2. Os pastos de terra firme deverão está cercado até o final de 2007, com isso evitar que o

gado fique livre e entre no igarapé;

3. As áreas de pastagens próximas às plantações agrícolas devem está cercadas antes da

passagem do gado. Caso contrário, a família não poderá colocar gado na área. Pois, a

exemplo de anos anteriores, houve prejuízos às plantações agrícolas.

4. Fica determinado a formação de um grupo de 04 para monitorar / verificar se as famílias

estão cumprindo o acordo de manter o gado fora do Rio e Igarapés.

5. Também ficou acertado que a EMBRPA seria contatada para estudar a viabilidade de

construção de açudes para o gado beber água e, assim, evitar que ele desça ao Rio.

Construção de pastagens

As áreas disponíveis para a construção de pastagens permanecem as definida em acordo

anterior, que são: Bom Futuro; Cajueiros à cima; Pinto e Irapuca (somente na parte de

terra firme. Nas ilhas da Irapuca fica proibido).

1. O tamanho máximo permitido para desmate incluindo pastagem e agricultura é 20ha

por famílias.

2. A Associação ficará com a responsabilidade de formar um grupo de trabalho para

observar se as áreas a serem desmatadas não estão localizadas próximas as nascentes

ou se há riscos de incêndios durante a queima dos roçados.

3. Também será valorizada a construção de pastagens coletivas. Com isso evitar muitas

aberturas na floresta, mesmo de pequeno porte.

4. Será constituído um grupo de trabalho, com pessoas da própria comunidade, para

identificar ás áreas apropriadas para agricultura e pastagem (dentro dos limites

estabelecidos).

Page 115: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

113

Sobre as ilhas de várzea

De modo geral as ilhas ficam reservadas à reprodução e refúgio de animais silvestres e

atividades extrativistas, como a coleta de frutos e sementes, tais como: a bacaba, o inajá, o

patauá, o cajuaçu, etc. que não gerem nenhum tipo de agressão ao meio ambiente.

1. Ficando proibido qualquer tipo de desmatamento, seja para pastagem ou atividade

agrícola;

2. Também não é permitido atear fogo ao redor das ilhas ou em locais onde o ele possa se

propagar e atingi-las.

3. Só será permitida a extração de madeira seca ou caída para uso da própria família ou

comercializar dentro da comunidade.

4. Fica proibido o abate de árvores vivas de qualquer espécie com fins comercial.

Pesca

I – Período definido como propício para pesca: vai de 1º de junho à 30 de setembro.

II – Ressalva: fora desse período definido é permitido apenas fazer aproveitamento do

pescado dos lagos no período da seca;

III – Famílias com maiores necessidades econômicas podem pescar independente do período,

inclusive no período do defeso. Entretanto, a pesca para comercialização (nesse período) deve

se restringir a quantidades moderadas. (Também será feito contato com a colônia de

pescadores para que os moradores que têm a pesca como principal atividade econômica, possa

ter acesso ao seguro defeso).

IV – Utensílios permitidos na pesca:

a) Sirica; Tiradeira; Linha-de-mão; caniço e tarrafa.

V – Utensílios não permitido:

a) Rede malhadeira; Zagaião; Timbó; Mergulho e qualquer outra forma predatória.

Peso mínimo dos principais peixes capturados para comercialização:

a) Tambaqui a partir de 2 Kg

b) Tucunaré a partir de 500 g

c) Pirapitinga a partir de 2 Kg

VI – Pirarucu

a) Fica proibida a comercialização do PIRARUCU até dezembro de 2008, ou seja, será

dedicado um período de três anos para crescimento e reprodução da espécie, devido à

quantidade de filhotes e poucos adultos.

Page 116: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

114

b) A partir dezembro de 2008 será feito um novo acordo, no qual será definido o

tamanho, em consonância com a legislação pesqueira.

Uso da área Comunitária

A área comunitária GUARAÍ pertence a todos os moradores da Comunidade São João do

Rio Cupari. Ela está sendo utilizada por gerações e permanece com sua cobertura florestal

pouco alterada. Existe abertura de pequenas roças e pastagens.

I – A madeira proveniente das roças deve ser aproveitada. A associação fica responsável pela

organização para o aproveitamento.

II – Madeira morta na floresta pode ser aproveitada de forma individual ou coletiva para fins

comercial. Sendo que quem for fazer aproveitamento deve comunicar previamente à

Comunidade, durante as celebrações ou em reunião específica.

III – Em relação ao aproveitamento dos recursos florestais madeiro fica definido duas áreas

propícias para Manejo: TUBA e CANUDO.

IV – A Associação ficará responsável pela identificação de recursos financeiros que possam

ajudar na elaboração de planos de manejo de uso múltiplos dos recursos florestais.

O acordo considera a Área Comunitária, o complexo de lagos do Rancho, os “poços da

fortaleza” e os Rios Cupari e Coati

Page 117: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

115

ANEXO III – Acordo de pesca das comunidades Miritizal, Cajueiro e Laranjal, 2008

Page 118: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

116

ANEXO IV – Acordo de pesca das comunidades Vila Bom Jesus, Vila Nova Bom Jesus,

Maria de Mattias e São João do Cupari, 2011

ACORDO DE PESCA DO RIO QUATI E SEU AFLUENTE CUPARI QUE ENVOLVE

AS COMUNIDADES VILA BOM JEUS, VILA NOVA BOM JESUS, MARIA DE

MATTIAS E SÃO JOÃO DO CUPARI

CAPÍTULO I

DO OBJETIVO

Art.1º - Este acordo de pesca tem como objetivo estabelecer regras específicas para o

ordenamento pesqueiro, acordada com os moradores ribeirinhos nos rios Quati e Cupari, no

âmbito das comunidades Maria de Matias, Vila Nova Bom Jesus, Vila Bom Jesus e São João

do Cupari localizados na Reserva Extrativista Verde para Sempre, município de Porto de

Moz, Estado do Pará.

CAPÍTULO II

DA ABRAGÊNCIA

Art. 2 – A área de abrangência deste acordo de pesca rio Quati e Cupari tem inicio na foz do

Quati e faz limite no seu lado esquerdo na ilha da formiga nas coordenadas .......................,

ilha do 40 nas coordenadas ..........................., ilha do caripé nas coordenadas......................... a

terra firme obedecendo as coordenadas geográficas ..................... e pelo lado esquerdo limita-

se com igarapé do munguba nas coordenadas..................., poço da fortaleza e nas coordenados

........................e os poços do ranho nas coordenadas .............................., MIRITIZAIS nas

coordenadas.............MIRITIRANA nas coordenadas......................., SÃO RAIMUNDO nas

coordenadas..................., PONTA FINA nas coordenadas......................., JABURUZAL nas

coordenas...........................ILHA DO INAJAL NO GUARDINO nas coordenadas...............

ATÉ O MIRITIZAL DO AVIÃO coordenadas.....................

CAPÍTULO III

DAS REGRAS ESPECÍFICAS

Art. 3 – Proibir a captura do Pirarucu por 03 anos para comercialização e alimentação, após

completar ou paralelo aos 03 anos será realizado um estudo para verificar a viabilidade da

captura do Pirarucu, que passara por uma avaliação das comunidades envolvidas no acordo de

pesca; que autorizará a captura da espécie impondo normas de captura, ICMBio irá fazer

convênio com parceiros de pesquisa para fazer estudo de viabilidade.

I - As comunidades junto com seus parceiros durantes o período da proibição da captura do

pirarucu, buscará ou realizará estudo de mercado melhor que possa valorizar não só a carne,

mas outros produtos derivados do pirarucu como, por exemplo, a escama;

Page 119: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

117

II- Compete ao Icmbio celebrar termo de reciprocidade com entidade de pesquisa para analise

da viabilidade;

III - Quando reabrir a pesca do Pirarucu será discutido uma estratégia que todas as

comunidades sejam beneficiadas.

Art. 4 – Para a realização da captura do pescado para comercialização dentro e fora da

comunidade será permitido obedecendo ao seguinte calendário para atividade pesqueira

colocado pelas comunidades envolvida no acordo de pesca no período de 01º de julho a 30 de

setembro, e será permitida a captura das seguintes espécies: tambaqui, pirapitinga, Aruanã,

Traíra, Cará Açu, Piranha, Piau-(Aracu listrado), aracu cabeça gorda (Aracu Boi) e as espécie

de tucunaré, pitanga, Açu, e paca,

I - O acordo de pesca será aberto todos os anos no dia 1º de julho através de uma assembléia

com todas as comunidades e será fechado no dia 30 de setembro também através de uma

assembléia com as comunidades, onde será feito apresentação do relatório da captura do

pescado naquele ano.

II – Fora desse período definido é permitido apenas fazer aproveitamento do pescado dos lagos no

período da seca, no caso venha acontecer na abrangência do acordo de pesca.

Art. 5- O pescado terá tamanho mínimo dos principais peixes capturados para comercialização:

I –bocó (filhote do tambaqui) – fica proibido ou seja tambaqui a partir de 55 cm

II - Tucunaré a partir de 30 cm

III - Pirapitinga a partir de 50 cm

Art. 6 – No rio quati no período de 1º de fevereiro a 30 de março ocorre um fenômeno

chamado encontros das águas onde acontece a morte de varias espécies de pescado como, por

exemplo: mapará, filhote, dourada, sarda pescada e surubim; essas espécies serão realizadas a

comercialização no período indicado pelas comunidades e associações, sendo acompanhado

por fiscal do ICMBIO, Colônia Z 64 e Conselho Inter comunitário de pesca do Rio Quati e

Cupari.

Paragráfo Único: Para realização da comercialização o Conselho de pesca Intercomunitário

observará o inicio do fenômeno e comunicará o ICMBIO e autorizará o recolhimento do

pescado para comercialização.

Art. 7 – Observando desaparecimento das seguintes espécies Curimatá, jutuaraná e jaraqui os

comunitários resolve proibir a captura tanto para comercialização quanto para consumo das

famílias por cinco anos ou até que os estoques se regenere.

Paragráfo Único: Só será permitido a captura após cinco anos e que o estudo ou pesquisa de

viabilidade demonstre o aumento do estoque das espécies.

Art. 8 – Proibir a captura de peixes no rio quati e Cupari, na área de abrangência das

comunidades correspondente deste acordo de pesca, com o uso dos seguintes apetrechos e

métodos de pesca:

I – Arpão para captura do pirarucu até a discussão da liberação da captura do mesmo.

II – redes de emalhar e puçá de qualquer tipo e tamanho (malhadeira);

Page 120: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

118

III – Zagaião;

IV - farol;

V – pesca de mergulho ou pesca subaquática com ou sem respirador artificial;

VI – timbó ou qualquer outra substância tóxica;

VII – explosivos e qualquer tipo de bomba caseira;

VIII – dispositivos elétricos.

Art. 9- Permitir a captura do pescado utilizando os seguintes apetrechos de pesca:

I – Tarrafa será permitida para captura de pescado para o consumo das famílias com tamanho

de dois metros e meio de altura e malha de 90 mm, medida esticada entre nós opostos;

II - Caniço, linha de mão, flexa, siririca;

III - Arpão para captura de outras espécies que não seja pirarucu e que seja utilizado apenas

para captura para a alimentação;

IV - Espinhel com tamanho de nove metros de comprimento e que tenha a quantidade de sete

anzóis por unidade e que cada pescador terá o direito de utilizar no Maximo cinco espinhéis;

Art. 10. Fica proibido entrada de pessoas de outros setores para capturar qualquer espécie de

pescado ou caça ou trazer gelo para a área de abrangência do acordo de pesca, sabendo que

nas comunidades existem pessoas competentes para a tal função.

Parágrafo Único: Os pescadores das comunidades envolvidas no acordo de pesca organizarão

para buscar o gelo e realizar a comercialização dentro e fora da comunidade, obedecendo o

período deliberado neste acordo de pesca.

Art. 12 – Para os lagos existente na área de abrangência do acordo seguira as seguintes regras

I - Lago do Taperebá, lago da guariba, lago da pedra e lago do canário, lago do Chiquinho,

lago I e lago II da Ilha alta, lago do rancho, lago da fortaleza, lago do pau alto e lago do juçara

será utilizado a captura para a comercialização e consumo do período 01º de julho a 30 de

setembro;

II – Lago bom Jardim, Igarapé do Urubu, lago do Pojó, lago do Miritirana, lago do Jaburuzal,

lago Maguarizal igarapé do munguba e lago do caraná, será para reprodução de espécies de

pescado e outros animais aquáticos.

CAPÍTULO IV

DA AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO

Art. 13 - Fica instituído o Conselho Inter comunitário de Monitoramento e Fiscalização do

Acordo de Pesca do Rio Quati e Cupari

I - O Conselho Inter comunitário doravante instituído neste artigo é um colegiado de

governança local que tem a competência de zelar o cumprimento das regras deste acordo de

pesca e será constituído por representantes titulares e suplentes das comunidades das áreas de

Page 121: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

119

abrangência deste “Acordo de Pesca”, Instituto Chico Mendes de Conservação e

Biodiversidade (ICMBIO) e dos Conselheiros da RESEX representação do Setor, Colônia de

Pescadores Z-64, do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS),

Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), Movimento Sindical dos Trabalhadores

e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz ( MSTTR);

II – Para composição do Conselho Inter comunitário terá quatro representante de cada

comunidade e uma representação das entidades parceiras.

III – Será obrigatório a participação dos membros das comunidades comunitários/pescadores,

das comodidades envolvidas no acordo de pesca, participarem das reuniões que tratarem do

tema pesca no rio Quati e Cupari, defender e combater o desrespeito do deste acordo,

principalmente quando se trata de pesca predatória utilizando malhadeira e outros aprecho

proibido neste acordo.

Art. 14 - O Conselho Intercomunitário formado pelos moradores das comunidades fará o

levantamento das pessoas que possuem e usam malhadeira na abrangência do acordo, e

repassará ao ICMBIO.

Art. 15- ICMBIO fará notificação e apreensão das malhadeiras existente na área de

abrangência do acordo de pesca.

Art. 16- O Conselho Inter comunitário buscara parceria junto com ICMBIO com objetivo de

trabalhar capacitação para os comunitários, membros conselho de Monitoramento e

Fiscalização do Acordo de Pesca dos Rios Quati e Cupari para coleta de dados de

monitoramento e verificação de indicadores para subsidiar a avaliação anual.

Art. 17 - A avaliação anual deverá contar com a participação do ICMBIO, dos órgãos

ambientais municipal, estadual e federal e de entidades da sociedade civil afins.

Paragrafo Único: Caso seja constato a diminuição de determinada do tamanho e quantidade

espécie a mesma será suspensa para comercialização dessa espécie e será combinado com os

pescadores quanto tempo será o período da para paralisação até que o estoque se recomponha.

Art. 18 – O Conselho Inter comunitário cadastrará todos os moradores que exerce a atividade

pesqueira na área de abrangência do acordo de pesca.

CAPITULO V

DA FISCALIZAÇÃO

Art. 19 - Os comunitários exercerão a fiscalização da pesca ilegal e a vigilância das regras

deste “Acordo de Pesca” por meio de mutirões voluntários de pescadores/moradores das

comunidades devidamente treinados e credenciados pelos órgãos competentes e

acompanhados por agentes de fiscalização dos órgãos públicos de apoio.

§ 1º - Para os efeitos do caput (capítulo anterior) deste artigo poderá a fiscalização

comunitária abordar e revistar as embarcações, apreender apetrechos e a produção pesqueira

encontrada no cometimento da infração.

§ 2º - A fiscalização comunitária contará com a colaboração da diretoria da Colônia de

Pescadores Z- 64 de Porto de Moz e com o apoio dos fiscais dos órgãos como a Secretaria

Page 122: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

120

Municipal de Meio Ambiente – SEMMA/Porto de Moz, a Polícia Militar instalada no

município de Porto de Moz, a Delegacia de Polícia Civil do município de Porto de Moz, a

Secretaria de Estado de Meio Ambiente - SEMA/PA, a Divisão de Meio Ambiente da Polícia

Civil – DEMA/PC, o Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar – BPA, o

Instituto Brasileiro de Proteção dos Recursos Naturais e Meio Ambiente – IBAMA/PA, o

Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade - ICMBIO.

§ 3º - Os mutirões de fiscalização poderão ser executados pelos Comunitários e representantes

dos órgãos de apoio, sendo que poderão ser trabalhados com pelo menos um órgão da gestão

pública competente.

Art. 20 – A fiscalização para cumprimento das regras deste acordo de pesca será exercida

pelos órgãos públicos competentes em parceria com os Comunitários designados pelo

“Conselho Inter comunitário de Monitoramento e Fiscalização do Acordo de Pesca dos Rios

Quati e Cupari, treinados e credenciados pelos órgãos competentes.

Art. 21 – O ICMBio fará reunião de monitoramento no período de quatro em quatro meses

com as comunidades para verificar como esta se dando o cumprimento do acordo

Art. 22 - O ICMBio dará autorização para a policia Militar local para realizar apreensão das

malhadeiras e outras infrações que vai contra o acordo de pesca dos Rios Quati e Cupari

junto com os comunitários da abrangência do acordo.

Art. 23 – As multa aos infratores da abrangência do acordo de pesca será devolvida para as

comunidades do acorda de pesca. Para ajudar com as despesas de monitoramento e

fiscalização da área.

Art. 24 - O ICMBio deverá construir uma base operativa/fiscalização para ajudar as

comunidades na fiscalização e monitoramento do acordo de pesca.

CAPÍTULO VI

DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES

Art. 25 - Considera-se infração toda e qualquer ação que contrarie o “Acordo de Pesca

Comunitário” ora oficializado e que venha violar as regras nesta norma comunitária, ficando

os infratores passíveis dos seguintes procedimentos que podem ser realizados pelos

Comunitários que farão a Fiscalização.

I - no ato da constatação da 1ª infração o infrator será advertido verbalmente pelos fiscais

comunitários;

II – no ato da constatação da 2ª infração, em caso de reincidência ou não, será aplicado o

“Auto de Constatação da Infração”, apreendendo os apetrechos de pescas e a produção

pesqueira ilegal e, de imediato, lavrado o “Termo de Apreensão e Destinação”;

III – Os Comunitários não portarão armas e somente poderão fazer abordagem ao infrator

com um grupo de no mínimo de 04 comunitários devidamente identificados.

Page 123: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

121

§ 1º - A produção pesqueira apreendida será doada e distribuída para as comunidades da área

de abrangência do acordo de pesca lavrando-se o “Termo de Doação” com a assinatura de

duas testemunhas devidamente qualificada.

§ 2º - Os apetrechos da pesca ilegal apreendidos, o “Termo de Apreensão e Destinação”, o

“Termo de Doação”, o “Relatório Fotográfico da Infração” e o “Auto de Constatação da

Infração” serão entregues aos órgãos ambientais competentes e/ou a Delegacia de Polícia do

município para providências legais cabíveis ou ficará sobre custodia do Conselho

Intercomunitário ou encaminhar ao ICMBio.

Art. 26 – O comunitário/pescador que infringir o acordo de pesca perderá seu direito de

exerce a função por um ano ou mais dentro da área de abrangência do acordo.

Art. 27- Aos infratores do presente acordo de pesca serão aplicadas às penalidades e sanções

previstas na Lei Estadual nº 5.887 de 09 de maio 1995, combinadas com a Lei Federal nº

9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.

Parágrafo único - As proibições e as determinações tipificadas como infrações neste acordo

de pesca que não possam ser enquadradas especificamente nas normas vigentes poderão ser

consideradas como agravante na aplicação das penalidades fundamentadas.

Art. 28 – O comunitário/pescador que infringir o acordo caso ele seja inscrito pela colônia de

pesca Z 64 e de outras colônias perderá sua credencial da SEAP por um ano.

Art. 29 – Este acordo entra em vigor na data da sua aprovação em assembléia com a presença

das comunidades da abrangência do acordo de pesca e com reconhecimento das autoridades

competentes.

Aprovado em assembleia realizada na comunidade

Vila Bom Jesus, em 15 de setembro de 2011,

com a participação de moradores das envolvidas

Page 124: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

122

ANEXO V – Parecer Técnico do ICMBio

Page 125: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

123

Page 126: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

124

Page 127: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

125

Page 128: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

126

Page 129: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

127

Page 130: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

128

ANEXO VI – Autorização CEP/INPA para pesquisa com populações humana

Page 131: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

129

Page 132: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

130

Page 133: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

131

ANEXO VII – Autorização do SISBIO para pesquisa em UC-US

Page 134: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

132

Page 135: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA INPA … Barbosa TCC... · em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de gestão da unidade

133