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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE ÁREAS
PROTEGIDAS NAAMAZÔNIA - MPGAP
Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão de
Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para
Sempre
CLÁUDIO WILSON SOARES BARBOSA
MANAUS – AMAZONAS
AGOSTO DE 2015
CLÁUDIO WILSON SOARES BARBOSA
Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão de
Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para
Sempre
Orientador
Prof. Henrique dos Santos Pereira, PhD
Dissertação apresentada ao Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia como
parte dos requisitos para obtenção do título
de mestre em Gestão de Áreas Protegidas
na Amazônia.
MANAUS – AMAZONAS
AGOSTO DE 2015
B238 Barbosa, Cláudio Wilson Soares Populações tradicionais e suas relações com a concepção de gestão
de Unidade de Conservação de uso sustentável: o caso da Resex Verde para Sempre. / Cláudio Wilson Soares Barbosa. --- Manaus: [s.n.], 2015.
133 f. : il. Dissertação (Mestrado) --- INPA, Manaus, 2015. Orientador : Henrique dos Santos Pereira . Área de concentração : Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia
1. Recursos naturais. 2. Unidade de conservação. 3. Pesca. I.
Título.
CDD 333.7
Sinopse:
Através de entrevistas com moradores da Resex Verde para Sempre,
pesquisa documental e revisão de literatura são avaliadas normas locais
de uso dos recursos naturais e como estas são ou não incorporadas aos
processos de gestão de unidade de conservação de uso sustentável.
Palavras-chave: Normas locais; Unidade de Conservação; Pesca.
AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho, reconheço que não seria possível finalizá-lo sem as
valiosas contribuições recebidas ao longo da pesquisa. Mas, primeiramente agradeço a Deus
pela natureza mais perfeita de sua criação: o ser humano, sua imagem e semelhança.
Aos meus pais Wilson e Socorro, aos meus irmãos Hely e Renato e aos meus
sobrinhos que sempre me ajudaram. A minha namorada Marilângela, agradeço.
Agradeço à coordenação do Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na
Amazônia, em especial a professora Rita Mesquita, ao Stanley Arguedas e a querida
Carminha, secretária do programa que sempre me atendeu com muito carinho e presteza.
Sou imensamente grato ao professor Henrique Pereira pelas orientações e pelo modo
sereno e fácil de orientar, pelas aulas de Legislação Ambiental, que muito me ajudaram a
compreender as unidades de conservação à luz da legislação.
Agradeço imensamente a Dra. Maria Clara, a Dra. Maria Olívia e ao Dr. Gabriel
Medina pelas valiosas reflexões que me proporcionaram, sugestões para o texto final dessa
dissertação e indicação e envio de literatura.
Aos amigos de longas caminhadas Paulinha, Gabriel, Marlon, Cesar Tenório, Bergue
e Sol pelo valioso apoio costumeiro.
Ao Dr. Alfredo Homma pela disponibilização de vários textos de seu arquivo pessoal
que muito ajudaram na construção do problema da pesquisa, agradeço.
Agradeço a Nayra Trindade, pela confecção dos mapas usados nesta pesquisa.
Aos colegas da turma MPGAP/2013 pela troca de mensagens otimistas e informações
valiosas no período de construção desse trabalho, agradeço a todos.
Agradeço aos diretores do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz
Antonio Duarte e Maria Creusa por permitirem o acesso a documentos importantes para a
realização desta pesquisa.
Agradeço de maneira muito especial aos moradores das comunidades Vila Bom Jesus
do Rio Coati, São João do Rio Cupari e Miritizal do Rio Peituru pelas valiosas informações
que me foram concedidas durante as entrevistas e pelo acolhimento.
RESUMO
Esta pesquisa analisa a convivência entre a gestão governamental centralizada de uma área
recentemente transformada em Unidade de Conservação de Uso Sustentável (UC-US) e as
normas locais de acesso dos recursos pesqueiros, historicamente elaboradas e praticadas
autonomamente por suas populações ocupantes tradicionais. O estudo foi realizado na
Reserva Extrativista Verde para Sempre, criada pelo governo federal em 2004, no município
de Porto de Moz, no estado do Pará. O estudo foi baseado em análises documentais e no
levantamento e análise de dados primários e informações obtidas em comunidades localizadas
em área de várzea e da faixa de transição entre várzea e terra firme da UC-US, por meio de
entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com moradores e compradores de pescado. Os
resultados demonstram que as comunidades foram capazes de elaborar normas locais para uso
dos recursos naturais; essas normas locais são sistemas de governança importantes para a
manutenção do equilíbrio da exploração do pescado, mas são frágeis e não resistem à pressão
gerada pelo mercado, assim como a inserção de novas tecnologias no processo de exploração
e, portanto, requerem um processo de gestão compartilhado; revelam ainda que, o não
reconhecimento das normas locais pelo Estado, em momento de conflitos, consolidou o
processo de desarticulação do sistema de governança local e abriu caminho para um sistema
de exploração do pescado que pode resultar no esgotamento dos estoques de valor comercial
em curto tempo. Conclui-se que as normas locais não estão incorporadas aos processos de
gestão da unidade de conservação, por duas questões fundamentais: (1) O não reconhecimento
pela autoridade instituída pelo governo da legitimidade da autoridade local coletivamente
construída e o conflito entre saberes tradicionais e saberes técnicos e científicos; e (2) a
interpretação e aplicação não contextualizadas de leis e atos normativos desatualizados pelos
gestores governamentais da Resex. Estas questões devem ser priorizadas no desenvolvimento
de práticas de gestão compartilhada em unidades de conservação de uso sustentável.
Palavras-chave: Normas locais; Unidade de Conservação; Pesca.
ABSTRACT
This research analyzes the interaction between centralized government management in an area
newly transformed into a Sustainable Use Conservation Unit (UC-US) and the local rules on
access to fishery resources, historically developed and practiced independently by its
traditional occupant populations. The study was conducted in the Extractive Reserve Verde
para Sempre, created by the federal government in 2004, in the municipality of Porto de Moz,
in Pará State. The study was based on bibliographic reviews and in field survey and analysis
of primary data and information obtained in communities located in a floodplain area and the
transition zone between lowland and dry land areas of the UC-US, through structured and
semi-structured interviews with residents and fish dealers. The results demonstrate that
communities were able to draft local norms and regulations for use of natural resources; these
local standards are important governance systems to maintain the balance of fish exploitation,
but are fragile and cannot withstand the pressure generated by the market as well as the
inclusion of new technologies in the exploitation process and therefore require a co-
management process; also reveal that the non-recognition of local standards by the State, in
times of conflict, consolidated the dismantling process of the local governance system and
paved the way for a fishery system which can result in the depletion of commercially valuable
stocks in short time. It is concluded that local regulations are not incorporated into the
management processes of protected area for two fundamental questions: (1) The non-
recognition by the authority established by the government of the legitimacy of local authority
collectively built and the conflict between traditional knowledge and technical and scientific
knowledge; and (2) the decontextualized interpretation and application of laws and normative
acts outdated by the Resex’s governmental managers. These issues should be prioritized in the
development of co-management practices in sustainable use protected areas.
Keywords: Local Rules; Conservation Unit; Fishery.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1: Área de estudo ...................................................................................................... 23
Figura 2: Resex Verde para Sempre ...................................................................................... 35
Figura 3: Ambientes de extração do pescado nas comunidades estudadas. ............................ 43
Figura 4: Fontes de renda das famílias, 2014 ........................................................................ 65
Figura 5: Comercialização do pescado, 2014. ....................................................................... 70
Figura 6: Uso de malhadeira nas três comunidades em 2014. ............................................... 74
TABELAS
Tabela 1: Perfil dos entrevistados individualmente. .............................................................. 25
Tabela 2: Resex constituídas nos biomas brasileiros até fevereiro de 2015. ........................... 30
Tabela 3:Situação fundiária antes da criação da Resex, 2001. ............................................... 37
Tabela 4: Manifestos de apoio à criação da Resex Verde para Sempre, em 2001. .................. 39
Tabela 5: representação do conselho deliberativo da Resex/VPS .......................................... 40
Tabela 6: Calendário das atividades produtivas..................................................................... 47
Tabela 7: Pesca: ambientes, equipamentos e períodos. .......................................................... 50
Tabela 8: Mecanismos de controle elaborados com assessoramento externo.. ....................... 63
Tabela 9: AGC nas comunidades em 2014. ........................................................................... 71
Tabela 10:Produção de pescado no ano de 2014. .................................................................. 72
Tabela 11: Renda bruta anual da pesca, 2014. ....................................................................... 72
Tabela 12: Instrumentos de pesca usados atualmente. ........................................................... 77
Tabela 13: Gestão pesqueira atual......................................................................................... 79
LISTA DE SIGLAS
ACS – Agente Comunitário de Saúde
AGC – Agente de Comercialização
AIMEX – Associação das indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
ALEPA – Assembleia Legislativa do Estado do Pará
APA – Área de Proteção Ambiental
ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CDS – Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz
CCDRU – Contrato de Concessão de Direito Real de Uso
CNPT – Centro Nacional de Desenvolvimento das Populações Tradicionais
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros
CNUC – Cadastro Nacional de Unidade de Conservação
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura
DEMA / PC – Divisão Especializada em Meio Ambiente, Polícia Civil (PA)
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FNO – Fundo Constitucional do Norte
GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IN – Instrução Normativa
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura
MPGAP – Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia
ONG – Organização não Governamental
PDRS/Xingu – Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável do Xingu
PFNM – Produto Florestal Não Madeireiro
PMFS – Plano de Manejo Florestal Sustentável
PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais
PPG-7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PROVARZEA – Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea
RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Resex – Reserva Extrativista
Resex/VPS – Reserva Extrativista Verde para Sempre
SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente / Porto de Moz
SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação
STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
UC-US – Unidade de Conservação de Uso Sustentável
UHE/Belo Monte – Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
UHT – Usina Hidrelétrica de Tucuruí
WWF – World Wildlife Found
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11
ABORDAGEM METODOLOGICA ................................................................................ 22
COLETA E ANÁLISE DE INFORMAÇÕES .................................................................. 25
CAPITULO I – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL ............ 28
1. A FORMAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NO BRASIL ...................... 28
1.1 BASE LEGAL ............................................................................................................ 31
1.2 A CRIAÇÃO DA RESEX VERDE PARA SEMPRE ................................................. 34
CAPÍTULO II - NORMAS LOCAIS PARA USO DOS RECURSOS PESQUEIROS ... 41
2. DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES DE EXTRAÇÃO DO PESCADO ...................... 41
2.1 CICLOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS ............................................................. 46
2.2 ATIVIDADE PESQUEIRA ....................................................................................... 47
2.3 NORMAS LOCAIS COM BASE NO DOMÍNIO PARTICULAR DASÁREAS DE
EXPLORAÇÃO (1890-1972) ........................................................................................... 51
2.4 NORMAS LOCAIS INFORMAIS (1970 A 1995) ................................................. 54
2.5 NORMAS LOCAIS FORMAIS (1996 a 2012/13) ................................................. 58
CAPÍTULO III – MUDANÇAS NAS FORMAS DE EXTRAÇÃO DO PESCADO ....... 65
3. CONTEXTO ATUAL DAS COMUNIDADES .......................................................... 65
3.1 SITUAÇÃO DA RENDA ...................................................................................... 65
3.2 FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE PESCADO ......................................... 67
3.3 INTENSIFICAÇÃO DA PESCA ........................................................................... 73
3.4 NORMAS LOCAIS NO CONTEXTO DA RESEX/VPS ....................................... 78
4. DISCUSSÃO ............................................................................................................... 81
4.1 OS DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA RESEX/VPS .................................. 82
4.2 CONFLITO DE LEGITIMIDADE ........................................................................ 84
4.3 CONFLITOS ENTRE CONHECIMENTOS .......................................................... 89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 93
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 96
APÊNDICES .................................................................................................................... 102
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados individual ............................................ 102
APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados global .................................................. 106
ANEXOS .......................................................................................................................... 111
ANEXO I – Acordo de pesca das comunidades Bom Jesus e São João do Cupari, 1996.. 111
ANEXO II – Acordo comunitário da comunidade São João do Cupari, 2006 .................. 112
ANEXO III – Acordo de pesca das comunidades Miritizal, Cajueiro e Laranjal, 2008 .... 115
ANEXO IV – Acordo de pesca das comunidades Vila Bom Jesus, Vila Nova Bom Jesus,
Maria de Mattias e São João do Cupari, 2011 ................................................................ 116
ANEXO V – Parecer Técnico do ICMBio ...................................................................... 122
ANEXO VI – Autorização CEP/INPA para pesquisa com populações humana ............... 128
ANEXO VII – Autorização do SISBIO para pesquisa em UC-US .................................. 131
11
INTRODUÇÃO
A exploração do pescado e da fauna aquática nos rios e lagos da Amazônia por
indígenas, ribeirinhos e industriais é considerada uma das atividades extrativas mais antigas,
realizadas desde o período pré-colonial, tanto para a subsistência quanto para a
comercialização, e os apetrechos usados nas capturas são herança da cultura indígena ou dos
colonizadores (VERÍSSIMO, 1970).
Ao longo do processo de ocupação das várzeas do Rio Amazonas, a população
constituiu diferentes arranjos institucionais como forma de assegurar o acesso à terra e aos
recursos naturais (BENATTI, 2005). Dessa relação histórica da população com os recursos
naturais, surgem formas ou sistemas de manejo adaptativos (McGRATH e DA GAMA,
2005), para regular o acesso aos recursos naturais e garantir a reprodução social, econômica e
cultural das populações ribeirinhas.
Esses sistemas de manejo são baseados nos conhecimentos ecológicos que essas
populações têm em relação aos ecossistemas manejados, nas necessidades de geração de bens
materiais, no destino social dos recursos e nas capacidades das populações em relação ao
gerenciamento dos recursos e à mediação dos conflitos inerentes ao seu uso (FURTADO,
1990; 2006; MOREIRA, 2003; MOREIRA, HÉBETTE, LEITÃO, 2004).
As Unidades de Conservação de Uso Sustentável (UC-US), de modo especial as
Reservas Extrativistas, apresentam-se como um campo fecundo para o reconhecimento das
práticas de manejo dos recursos naturais por populações tradicionais, como é o caso dos
ribeirinhos da Amazônia. Principalmente, após promulgação de novas leis e edição de atos
normativos no começo deste século, como é o caso das Leis 9.985/2000, 12.651/2012 e da IN
Nº 29/2012 que asseguram direitos sobre o uso dos recursos naturais antes não previstos em
Lei e formas de gestão compartilhada entre usuários e órgãos gestores (PEREIRA, 2013).
A gestão compartilhada ou cogestão tem sido abordada como um modelo de gestão
que pressupõe a participação de vários atores (usuários dos recursos naturais, órgãos gestores,
instituições de pesquisa, inclusive financiadores) e tem como fundamento a participação
desses atores no processo decisório e compartilhamento de responsabilidades (SEIXAS, et al.,
2011). Neste trabalho, optou-se pela definição de cogestão (co-management) apresentada por
Borrini-Feyerabend (2000, p. 1), “a situation in which two or more social actors negotiate,
12
define and guarantee amongst themselves a fair sharing of the management functions,
entitlements and responsibilities for a given territory, area or set of natural resources”.
Esse modelo de gestão dos recursos naturais tem sido amplamente estudado em vários
lugares do mundo e principalmente na Amazônia. Recursos como o uso da água do subsolo,
recursos florestais, e principalmente os recursos pesqueiros são frequentemente abordados em
artigos científicos. Em função da variedade de estudos, este trabalho limita-se abordar os
estudos focalizados nos recursos pesqueiros, cuja cogestão ou gestão compartilhada tem
recebido nomenclaturas diferentes, mas que encerram certa sinonímia: acordos comunitários
de pesca, acordos de pesca, reserva de lagos, normas de pesca (McGRATH et al., 1994; 1996;
CASTRO e McGRATH, 2001; BENATTI, McGRATH e OLIVEIRA, 2003; BARTHEM e
FABRÉ, 2004; RUFFINO, 2005; FABRÉ et al., 2007; FRAXE, PEREIRA e WITKOSKI,
2007).
A questão central que orientou esta pesquisa busca revelar se as normas locais de uso
dos recursos naturais estão ou não incorporadas nos processos de gestão de unidade de
conservação de uso sustentável, tomando como exemplo as práticas de gestão local de
recursos desenvolvidas pelas comunidades ribeirinhas da Resex Verde para Sempre, em
Porto de Moz/PA. Assim como outras comunidades ribeirinhas da Amazônia, moradores da
Resex Verde para Sempre, historicamente, desenvolveram normas locais de controle para
acesso aos recursos naturais, dentre eles pescado, para evitar a pesca predatória por
pescadores locais e estranhos às comunidades (MOREIRA, 2003; HEBETTE, 2004).
No campo teórico, os estudos publicados por Hardin (1968) mostram que o resultado
final dos recursos de uso comum é o esgotamento. O argumento usado para determinar o
esgotamento dos recursos comuns é a sobre-exploração. A ilustração apresentada na “tragédia
dos comuns” se constitui quando um membro do grupo que utiliza a pastagem comum resolve
aumentar o rebanho, tendo outros membros a mesma atitude, a capacidade de suporte da área
será superada e o pasto se esgotará para todos os criadores. Essa ilustração pode ser aplicada
para descrever situação muito semelhante no caso de recursos pesqueiros normalmente
considerados de livre acesso.
Para efeito de análise, Feeny et al., (1990), fazem a diferenciação de quatro regimes de
propriedades nos quais se encontram os recursos naturais: livre acesso – ausência de direito de
propriedade bem definido; privado – são exclusivos e intransferíveis, normalmente concedido
13
pelo Estado e recebe incentivos para ser explorado racionalmente; comunal – recursos usados
por um grupo identificado; estatal – o Estado tem o controle de acesso aos recursos e
estabelece as normas para extração (não implica subtrabilidade).
Os recursos de uso comum compartilham duas características fundamentais: a primeira
reporta-se a dificuldade de exclusão. São recursos cujas possibilidades de exclusão de
potenciais usuários são muitos difíceis, os cardumes dos oceanos, os reservatórios de água
subterrâneos são exemplos de recursos comuns de difícil exclusão; a segunda característica é
a subtrabilidade. À medida que um usuário explora o recurso, diminui ou eleva os custos de
exploração a outros usuários (FEENY, 1990).
A maior contribuição teórica para o tema foi feita por Ostrom (1990) que argumenta
que a essência do sucesso ou fracasso do uso dos recursos naturais não reside, essencialmente,
no regime de propriedade, como afirma Hardin (1968). Os casos empíricos analisados
ilustram situações de êxito e fracasso nos três regimes (estatal, privado e comunal). Se o
grupo é capaz de desenvolver mecanismos internos de controle (autogestão), com capacidade
de monitoramento e adaptação, as chances de construção de sistema de governança locais são
maiores (Ostrom, 1990). Nesse caso, a propriedade comum é compartilhada e as
responsabilidades pela manutenção dos estoques de recursos naturais também. Isto é,
propriedade comum torna-se propriedade privada do grupo de usuários, cujas
responsabilidades (direitos e deveres) são igualmente compartilhados (MCKEAN e
OSTROM, 2001).
De acordo com McGrath, (1996), os recursos pesqueiros podem ser tratados como
recurso comum, quando assim concebido por determinados grupos que elaboram normas para
seu uso e exclui pescadores estranhos ao grupo; assumem características de recursos de livre
acesso, quando há ausência de elaboração e aplicação de mecanismos de controle, seja pelo
Estado ou usuários, e sua exploração pode resultar em esgotamento dos estoques no curto
prazo; assumem características de recursos estatais, quando este aplica as normas de comando
e controle contidas na lei, como, por exemplo, a lei do defeso (BRASIL, 2003); e de um
recurso particular, quando determinados grupos se apropriam dos recursos, sobretudo quando
se considera a complexidade fundiária nas áreas de várzeas da Amazônia1. Um exemplo
ilustrativo do regime de propriedade “privada” são os lagos localizados aos fundos das
1 “A Constituição Federal, no artigo 20, inciso III, afirma claramente que são bens da União todas as correntes de
água que banham mais de um Estado, bem como seus terrenos marginais. Portanto, todas as áreas de várzeas
pertencem à união e legalmente não podem ser propriedade privada” (SURGIK, 2005).
14
propriedades. Normalmente, os proprietários ou posseiros das terras proíbem a entrada de
pescadores, cobram taxas por extração, pedágio ou controlam a exploração como foi o caso
do lago do Urubu2, no município de Porto de Moz (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003).
A partir do acúmulo acadêmico descrito, este trabalho trata de uma problemática
adicional: o papel do Estado no fortalecimento de sistemas locais de governança. As
pesquisas realizadas até aqui revelam que é possível construir sistemas de governança para
recursos de uso comum, mas, em alguns casos, os sistemas podem ser fragilizados sem o
reconhecimento e apoio do Estado. Não obstante o papel do Estado no fortalecimento dos
sistemas de governança local, uma intervenção que negue os sistemas locais pode, em vez de
fortalecê-los, fragilizá-los. Por isso, buscou-se avaliar a possibilidade de convivência entre
sistemas locais de manejo e sistemas propostos pelo Estado.
Ao se tratarem de temas relacionados às unidades de conservação de uso sustentável
na Amazônia e, particularmente às Reservas Extrativistas (Resex), torna-se importante que
sejam consideradas as mudanças nas formas de exploração dos recursos naturais, que passam
a ser mais aceleradas, a partir da década de 1970, com a implantação de projetos de
mineração, pecuária, construção de hidrelétricas, exploração florestal, colonização e
construção de rodovias visando à integração da região ao modo de produção capitalista
(HÉBETTE, 2004; GONÇALVES, 2012).
Associados à exploração dos recursos naturais, os conflitos fundiários floresceram,
sobretudo nas áreas em que os antigos donos dos seringais venderam suas alegadas
propriedades aos novos ocupantes: pecuaristas e madeireiros. A resistência das populações
afetadas foi se constituindo a partir de um modo particular de organização para fazer frente à
onda de reocupação do espaço, como foi o caso dos seringueiros do estado do Acre. Os
“empates” caracterizaram-se como forma de enfrentamento aberto entre os seringueiros e os
que buscavam transformar as florestas em áreas de pastagens.
Assim, proposta de criação das Reservas Extrativistas nasce da luta dos seringueiros
do Acre, no ano de 1985, inspirada no modelo de terra indígena, com a preocupação de definir
áreas de uso individuais (colocações), até áreas condominiais (coletiva). A proposta de áreas
sob o domínio da União surge como meio de evitar possível retorno do latifúndio pela venda
das colocações para fazendeiros. Ao invés títulos definitivos, a exemplo de outras modalidade
2 Os anos da década de 1990 foram de intensos conflitos, a ponto de a prefeitura mover uma Ação de Interdito
Proibitório para o fechamento do Lago do Urubu (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003)
15
de regularização fundiária, os moradores celebram com o Estado um contrato de concessão de
direito real de uso (CCDRU)3 não remunerado (BRASIL, 2000). A proposta recebeu apoio de
setores progressistas da igreja católica, da organização sindical e de intelectuais como
propostas de reforma agrária que, de fato, atendesse aos interesses dos que retiram dos
ambientes naturais os recursos necessários para seu sustento (ALMEIDA, 2004;
ALLEGRETTI, 2008; GONÇALVES, 2012).
Num campo de conflitos, de reorganização do espaço, a proposta das Reservas
Extrativistas era nova e não encontrava amparo na legislação brasileira atinente ao meio
ambiente e à regularização fundiária (ALLEGRETTI, 2008). Com a promulgação da
constituição de 1988, abrem-se caminhos decisivos para a nova modalidade de regularização
fundiária e ambiental do ponto de vista legal, pela possibilidade da criação de espaços
protegidos pelo poder público (BRASIL, 1988. Art. 225, §1º, III). Contudo, é a Lei 7.804 que
torna explicita a criação desses espaços pelo poder público nas três esferas: “a criação de
espaços territoriais especialmente protegidos pelo poder público federal, estadual e municipal,
tais como Áreas de Proteção Ambiental [APA], de relevante interesse ecológico e Reservas
Extrativistas” (BRASIL, 1989, Art. 9º, VI).
Ao longo dos últimos 25 anos a base legal para a criação e gestão das Resex vem
sofrendo constante processo de aprimoramento. O Decreto 98.897 de 1990, por exemplo,
define que no ato de criação das reservas extrativistas devem constar três informações: limites
geográficos, população destinatária e as medidas para implantação; e define, conceitualmente
como “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos
recursos naturais renováveis, por população extrativista” (BRASIL, 1990, Art. 1º). Sendo o
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o órgão
responsável por sua gestão, através de contrato de concessão real de uso, com base no plano
de utilização aprovado pelo órgão, com cláusula rescisória quando houver danos ao meio
ambiente (BRASIL, 1990, Art. 4º, §2º e Art. 5º).
O desejo de implementação e democratização da gestão das Resex, por parte dos
movimentos sociais, resultou na criação do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado
3 “Concessão de direito real de uso: a Administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou
gratuito de terreno público para utilização, com fins específicos, por tempo certo ou prazo indeterminado. É
transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, como os demais direitos reais sobre coisas alheias. É direito
exclusivo (sobre o bem que recai não incidirá outro direito da mesma espécie) e oponível erga omnes (contra
todos). Diferencia-se da concessão de uso, uma vez que instaura um direito real; enquanto a concessão de uso
compõe-se de um direito natural obrigacional (pessoal)” (SURGIK, 2005, p. 28. Grifos da autora).
16
das Populações Tradicionais (CNPT), em 1992, no âmbito do IBAMA. O novo Centro ficou
subordinado à presidência do órgão, para evitar sua subordinação a uma determinada
diretoria. Sua estrutura organizacional incluía um conselho consultivo, com a função de
“monitorar, avaliar, fiscalizar ações e propor diretrizes para a elaboração das políticas de ação
do CNPT” (CUNHA, 2010, p. 162). Essa estrutura permitiu a participação de representantes
das populações tradicionais e de organização não governamental (ONG). Contudo, o
funcionamento do conselho não resultou em melhorias consideráveis no sistema de gestão das
UC-US e a realização de reuniões sempre foi condicionada ao apoio financeiro externo, como
destacou Cunha (2010).
Com o advento da Lei 9.985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidade de
Conservação da Natureza (SNUC), as Resex tornam-se áreas destinas às “populações
tradicionais extrativistas” (BRASIL, 2000, Art. 18). Essa nomenclatura dada pelo SNUC
torna explicito a valorização do extrativismo tradicional enquanto proposta para o
desenvolvimento econômico, social e cultural das Resex, mas com condições restritivas à
exploração comercial dos recursos florestais madeireiros (BRASIL, 2000, Art. §7º); e exclui
populações, por exemplo, com tradição agrícola, e a criação de animais de grande porte,
embora a criação de bovinos e bubalinos esteja presente em parte das Resex na Amazônia
(MEDINA e BARBOSA, 2015).
Contudo, a criação das Resex direcionada para o extrativismo como via de
desenvolvimento para a Amazônia tem sido duramente criticada, ao ser tratada como um
modelo ilusório, que só prospera em uma sociedade que vive às margens dos avanços
tecnológicos (HOMMA, 1990). Ainda de acordo com essa linha de pensamento, o
extrativismo apresenta viabilidade em estrutura de mercado pequeno, mas não prospera em
mercados com grandes demandas. Nesse sentido, “a economia extrativa compreende três
fases: a expansão, seguida pela estabilização e finalmente pelo declínio. Na sequência, vem o
manejo dos recursos naturais e a domesticação das plantas, que pode evoluir para a produção
de sintéticos” (HOMMA, 2010, p. 100).
Ainda assim, de acordo com o Cadastro Nacional de Unidade de Conservação
(CNUC), atualmente são 904 Resex constituídas no país, em quatro biomas. Sendo que na
Amazônia está localizado o maior número de unidades, 71 no total (incluindo Resex federais
4 Informação disponível em: http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80112/CNUC_Bioma_Fevereiro_2015.pdf.
Acesso em 09 de julho de 2015.
17
e estaduais), cobrindo uma área de 137.476 km2. Desse valor, somente 13 foram criadas antes
da Lei do SNUC (MEDEIROS e YOUNG, 2011).
A partir do SNUC, teoricamente, a gestão das Resex ganha mais abertura à
participação das populações e outros atores, através dos conselhos deliberativos, compostos
por entidades representativas, órgãos públicos e representantes das populações das unidades
de conservação (BRASIL, 2000, Art. 18, §2º). Dentre as atribuições do Conselho Deliberativo
destaca-se a aprovação do plano de manejo da unidade de conservação (BRASIL, 2000, Art.
2º, XVII). Contudo, faz-se importante observar que o plano de manejo é elaborado pelo órgão
gestor (com a participação da população), e a aprovação pelo conselho ocorre após a
aprovação prévia do órgão gestor (BRASIL, 2002, Art. 12, II). Isto é, após a análise jurídica
do teor do plano. Nesse sentido, a aprovação pelos representantes dos moradores e outras
entidades tem um caráter de legitimar a posição do órgão gestor em relação à interpretação da
Lei.
Silva et al., (2013) afirmam que, tanto o conselho deliberativo quanto o plano de
manejo são imprescindíveis para o processo de gestão das unidades de conservação, para
evitar a atuação improvisada dos agentes públicos de acordo como as “brechas” da Lei. Ao
criticar a publicização dada pelo ICMBio à constituição de conselhos deliberativos e
consultivos em 100% das unidades de conservação e o baixo número de planos de manejo
elaborados e aprovados, os mesmos autores demonstram com mais evidências os requisitos
para os plano de manejo das UC-US: “Não seria porque a construção desses instrumentos
demandaria estudos sistematizados, dinheiro e pessoal qualificado para que se possa efetivar
de maneira técnico-científica (grifo nosso) [o plano de manejo] com todas as suas
implicações” (SILVA et al., 2013, p. 32). Todas as atividades extrativistas devem ser
devidamente qualificadas e quantificadas de acordo com os parâmetros técnicos estabelecidos
na legislação e nas ciências. Se o plano de manejo da unidade e o conselho deliberativo não
são constituídos nada ou quase nada se pode fazer para garantir a “sustentabilidade
institucional” desses espaços na Amazônia, inclusive a regularização fundiária, destacam
Silva et al., (2013).
A questão do reconhecimento dos saberes das populações tradicionais, principalmente
aqueles relacionados à extração dos recursos naturais, e de suas formas de organização social
requerem uma atenção especial, uma vez que um dos objetivos das unidades de conservação
de uso sustentável é “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações
18
tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as
social e economicamente” (BRASIL, 2000, Art. 4º, XIII). No entanto, em se tratando da
construção e legitimação dos instrumentos formais de gestão, observa-se que só serão
admitidos os usos e as formas organização que se enquadrem dentro dos limites estreitos das
leis e atos normativos já estabelecidos.
Como forma de atenuar a rigidez da Lei, tornar mais simples o processo de gestão das
Resex e RDS e permitir a participação dos moradores, o ICMBio publicou, em 2012, a
Instrução Normativa (IN) número 29, que define um “novo” instrumento de gestão, mas com
as mesmas características dos anteriores, conhecidos como planos de uso, planos de
utilização. Trata-se do acordo de gestão:
Documento que contém as regras construídas e definidas pela população tradicional
beneficiária da Unidade de Conservação de Uso Sustentável e o Instituto Chico
Mendes quanto às atividades tradicionalmente praticadas, o manejo dos recursos
naturais, o uso e ocupação da área e a conservação ambiental, considerando- se a legislação vigente (ICMBio, 2012, Art. 2º).
De maneira geral, todos os dispositivos legais e atos normativos corroboram para a
afirmação da legislação e dos conhecimentos científicos sobre a gestão e o manejo dos
recursos naturais nas unidades de conservação de uso sustentável. Os instrumentos
constituídos com a participação dos moradores devem conter os elementos que permitam o
exercício do controle do Estado (ICMBio, 2012). Como é o caso da extração do pescado e dos
Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS).
Os conhecimentos das populações tradicionais inerente à extração e ao gerenciamento
dos recursos naturais podem ser considerados, desde que não afrontem a legislação em vigor,
assim como não pode conter elemento de regulação e aplicação exclusivas do Estado
(ICMBio, 2012), como a fiscalização, por exemplo. No entanto, o zelo pelos dispositivos
legais não se manifesta com a mesma virtude em relação às normas de uso constituídas pelas
populações tradicionais. Ao invés da criação e imposição de novas normas para a gestão do
espaço controlada pelos órgãos ambientais, seria possível inventariar as normas locais
constituídas pelas populações para uso dos recursos naturais, com base em suas experiências
de vida, como forma de respeitar e valorizar os saberes locais, e colocá-las a serviço do
desenvolvimento das unidades de conservação de uso sustentável. Isto é, trabalhar a partir de
outro sistema de pensamento, o qual Lévi-Strauss (2008) chamou de “pensamento selvagem”.
19
Em 2004, o governo federal criou, por meio do decreto de 08 de novembro a maior
Resex do Brasil, a Verde para Sempre, no município de Porto de Moz/PA. Os motivos que
levaram os movimentos sociais e parte da população do município solicitar a criação dessa
unidade de conservação são os mesmos que ensejaram a luta dos seringueiros do Acre a
propor a criação desses espaços protegidos pelo poder público: conflitos fundiários,
exploração desordenada da floresta e exploração predatória dos ambientes de pesca antes
usados única e exclusivamente por populações ribeirinhas (BARBOSA, 2003; SALGADO e
KAIMOWITZ, 2003).
O estudo dessa unidade de conservação torna-se emblemático para a discussão das
relações entre normas locais e normas de gestão impostas pela legislação e atos normativos,
questão central deste estudo. Durante muitos anos, as populações ribeirinhas que vivem na
área constituída em Resex exploraram os recursos naturais com base em mecanismos de
controle estabelecido localmente (MOREIRA; HEBETTE e LEITÃO, 2004; HÉBETTE,
2004). São normas para uso da madeira, dos campos naturais de várzea, do solo e,
principalmente da caça e da pesca.
O aumento da extração do pescado na Amazônia, a partir da década de 1960 é
consequência do projeto desenvolvimentista “Operação Amazônia” que acelerou o
crescimento demográfico da região, aumentou a população dos centros urbanos e a expansão
de áreas exploradas em diferentes frentes: pecuária, minério, floresta, hidrelétrica (PEREIRA;
SOUZA e RAMOS, 2007). A situação atual da pesca na Amazônia é resultado de três fatores:
adoção de novas tecnologias empregadas no processo de extração do pescado; declínio da
produção de juta nas várzeas, sobretudo no baixo amazonas e, consequentemente a migração
dos produtores de juta para a atividade pesqueira; e a pecuária que tem aumentado as áreas
desmatadas e reduzido a produção de pescado (McGRATH et al., 1996).
Frente a essas mudanças, as populações têm se organizado desde início dos anos de
1980, sob a liderança da igreja católica e mais tarde a partir de organizações laicas (como
sindicatos, associações comunitárias e de pescadores, e colônia de pescadores) para
construção de estratégias de enfrentamento dos problemas inerentes à pressão sobre os
recursos pesqueiros, o que tem chamado atenção de pesquisadores e também do próprio
Estado para os mecanismos de controle construídos pelas populações (McGRATH et al.,
1996; PEREIRA, SOUZA e RAMOS, 2007). Isso tem feito o Estado buscar medidas, embora
tímidas, que considere também a gestão local como parte das estratégias de controle da
20
atividade pesqueira, como é o caso do reconhecimento, através de portarias, dos acordos
comunitários de pesca e da publicação da IN Nº 29/IBAMA contendo instruções no intuito de
ajudar as comunidades na elaboração das normas para facilitar o reconhecimento pelos órgãos
ambientais.
Estudos revelam que os acordos comunitários de pesca têm se constituído em
importante instrumento de manejo dos recursos pesqueiros, como alternativas à política de
controle centralizada no Estado (CASTRO e McGRATH, 2001; McGRATH, 1994; 1996). No
entanto, o funcionamento desse modelo de gestão exige a participação de vários atores para
gerar os melhores resultados. E sua eficiência em relação aos estoques de pescado é limitada
às espécies sedentárias, pois o raio de ação é limitado à área de uso de cada grupo de usuário
(comunidade).
Estudos que confirmam a capacidade de gerenciamento dos recursos naturais por
grupos locais (FURTADO, 2006) reforçam a tese de que é preciso haver o reconhecimento
dos saberes tradicionais, como forma de garantir a participação política desses grupos e
melhor gestão dos recursos manejados. Isso não implica em abrir mãos dos conhecimentos
produzidos pela ciência, construir modelos de gestão que agregue diferentes formas de
saberes (TEISSERENC, 2010).
Contudo, não se pode excluir desse campo de discussão os desafios enfrentados pelas
populações frente às mudanças na extração dos recursos pesqueiros, ensejadas pela entrada de
atores externos, o emprego de novas tecnologias no processo de extração, abertura de novos
mercados consumidores, sobretudo o acesso do pescado aos centros urbanos que afetam as
estruturas tradicionais de produção que pode resultar no esgotamento das espécies de valor
comercial, como ilustrado por Hardin (1968) na tragédia dos comuns.
O objetivo geral deste estudo foi o de analisar a convivência entre as normas locais de
uso dos recursos pesqueiros e suas relações com a concepção de gestão de Unidade de
Conservação de Uso Sustentável (UC-US). Especificamente, buscou-se: identificar, descrever
e contextualizar social e historicamente as normas locais para a gestão de recursos pesqueiros
desenvolvidas pelas comunidades; identificar os fatores que podem fragilizar as normas
locais; discutir o papel do Estado no reconhecimento e apoio às normas locais e as
implicações em caso do descumprimento do papel.
21
A primeira parte apresenta um breve panorama do processo de formação das Resex no
Brasil e, em particular, da Resex Verde para Sempre, em Porto de Moz, PA; a segunda parte
descreve as normas locais estabelecidas pelas comunidades ribeirinhas para extração e
gerenciamento dos recursos pesqueiros; e a terceira parte apresenta os fatores responsáveis
pela desarticulação das normas locais. A quarta seção retoma os elementos centrais dos
capítulos para discutir dois aspectos fundamentais no processo de gestão da Resex: o conflito
de legitimidade sob o ponto de vista da constituição das normas e o conflito entre os saberes
locais e o saber científico, responsável pela formulação das normas para manejo dos recursos
naturais, explícitos nas leis e atos normativos que tratam da gestão das UC-US.
22
ABORDAGEM METODOLOGICA
Neste trabalho, buscou-se analisar a convivência entre as normas locais de uso dos
recursos pesqueiros e suas relações com a concepção de gestão de Unidade de Conservação
de Uso Sustentável (UC-US). A análise foi feita essencialmente, a partir do levantamento das
normas estabelecidas pelas comunidades estudadas. Para isso, foram levantadas informações
sobre os componentes das normas locais e discutido com a legislação e com literaturas
especializadas.
A proposta de trabalho apresentada e aprovada pela banca examinadora ambicionava
analisar normas locais para uso de três recursos naturais: pescado, madeira e campos naturais
para a criação de bubalinos. Esses recursos são importantes do ponto de vista da geração de
renda, segurança alimentar e por serem explorados ou usados pela maioria dos moradores da
Resex Verde para Sempre. Para encontrar os elementos necessários à execução da proposta, o
trabalho se concentraria em quatro comunidades, todas no interior da Resex Verde para
Sempre, localizadas em áreas de floresta de terra firme, cuja atividade madeireira é importante
para a geração de renda, pela abundância de espécies de valor comercial; em áreas só de
várzea e várzea e terra firme, com predominância da criação de bubalinos e pesca como
principais atividades econômicas.
No entanto, uma análise mais cuidadosa sobre a dispersão geográfica das comunidades
selecionadas para a pesquisa e o aprofundamento da literatura sobre uso dos recursos naturais
serviram de base para a redefinição do plano de trabalho, optando-se por um estudo
direcionado para a questão pesqueira, embora inevitavelmente as atividades excluídas sejam
abordadas de maneira superficial, o que justifica a exclusão da comunidade com área de
floresta da pesquisa e a realização da pesquisa em comunidades com atividade pesqueira
(Figura 1).
23
Figura 1: Área de estudo
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração: Trindade, 2015
A decisão de desenvolver o trabalho somente com base nas normas para uso dos
recursos pesqueiros foi tomada por se tratar de um recurso relevante para a economia local e
regional para a segurança alimentar nas comunidades; por apresentar visível histórico de
conflitos e elaboração de normas locais, atualmente conhecidas como acordos comunitários
de pesca; por permitir uma análise mais profunda sobre os efeitos das normas locais em
relação ao uso dos recursos naturais em unidade de conservação de uso sustentável e possíveis
conflitos com as normas oficiais de gestão desses espaços protegidos; por permitir estabelecer
uma relação entre os ambientes naturais usados nas experiências haliêuticas e os mecanismos
de controle e; sobretudo, por se tratar de um recurso de uso comum. Isto é, de difícil exclusão
e a exploração pode afetar os estoques e reduzir ou comprometer a exploração futura.
No entanto, a exclusão do uso dos campos naturais e da atividade florestal madeireira
da pesquisa não comprometeu a essência do trabalho, no que concerne ao exame das normas
locais e da relação com a concepção de gestão de UC–US. Ao contrário, proporcionou
possibilidades de maior aprofundamento acerca do tema, evitando superficialidades e,
24
sobretudo, a conclusão do trabalho de acordo com o tempo previsto no regimento do
Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia (MPGAP).
Nesse sentido, a descrição das normas locais a partir da memória trazida pelos relatos
dos moradores e da análise dos documentos escritos, que definem as normas para acesso aos
recursos pesqueiro, o complexo sistema de gestão local e das relações com atores externos
colaboram para uma definição qualitativa da abordagem metodológica que, de acordo com
Godoy (1995, p. 58) “envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e
processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando
compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da
situação em estudo”. Ainda de acordo com a mesma autora:
Os estudos denominados qualitativos têm como preocupação fundamental o estudo e
a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa abordagem valoriza-se
o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está
sendo estudada. No trabalho intensivo de campo, os dados são coletados utilizando-
se equipamentos como videoteipes e gravadores ou, simplesmente, fazendo-se
anotações num bloco de papel. Para esses pesquisadores um fenômeno pode ser
mais bem observado e compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte.
Aqui o pesquisador deve aprender a usar sua própria pessoa como o instrumento
mais confiável de observação, seleção, análise e interpretação dos dados coletados.
(GODOY, 1995, p. 62).
Com base nessas premissas básicas dos estudos qualitativos, também se buscou
valorizar o contato direto do pesquisador com os moradores das comunidades estudadas, em
ambientes informais (campos de futebol, conversas durante viagens, etc.), para diálogos sem a
presença de blocos de anotação ou gravadores, para tornar a relação entre entrevistador e
entrevistado o mais natural possível, propiciando conversas abertas e francas. Nas viagens
junto com os pescadores para os ambientes de pesca, também foram adotadas formas de
diálogos informais, com prioridade a observação das técnicas de pesca e das conversas entre
os pescadores.
Para facilitar a coleta de dados e informações foram adotadas diferentes estratégias: a
aplicação de formulários para obtenção de informações gerais das comunidades pesquisadas,
entrevistas semiestruturadas com moradores nas três comunidades, convivência com
pescadores durante as pescarias, diálogos informais com compradores de pescado nas três
comunidades e análise de documentos antes e após a criação da Resex Verde para Sempre.
25
COLETA E ANÁLISE DE INFORMAÇÕES
Entrevistas semiestruturada e estruturada foram os principais instrumentos de coleta de
informações usados na pesquisa foram. As entrevistas semiestruturadas foram aplicadas
individualmente (Apêndice A), com base em roteiro pré-estabelecido envolvendo moradores
das três comunidades estudadas. Já as entrevistas estruturadas (Apêndice B), também foram
aplicadas nas três comunidades, mas em grupos com sete pessoas na Vila Bom Jesus, cinco
em São João e seis em Miritizal.
As entrevistas individualizadas buscaram reconstruir o histórico de uso e gestão dos
recursos pesqueiros desde a chegada dos primeiros moradores até o momento atual. Para isso,
buscaram-se informações com pessoas de diferentes faixas etárias e que sempre viveram nas
comunidades, a fim de se evitarem lacunas nos relatos dos acontecimentos relevantes do
ponto de vista histórico. O perfil dos entrevistados é formado por pessoas que se identificaram
como pescadores, criadores, agricultores, extratores de madeira e compradores de pescado
(Tabela 1). Um perfil formado a partir das atividades que a maioria dos moradores das
comunidades estudadas desenvolve. Com exceção daqueles que se declararam só como
aposentados, as demais pessoas desenvolviam mais de uma atividade.
Comunidade Nº de
entrevistas
Idade
(Média)
Perfil dos entrevistados
H M Pescadores Criadores Agricultores Ext. de
madeira
Comp.
pescado
Outros
Bom Jesus 8 3 51 4 4 6 0 1 4
Cupari 8 3 46 7 6 3 2 3 3
Miritizal 5 2 39 5 2 0 0 1 1
Total 21 8 45 16 12 9 2 4 8
Tabela 1: Perfil dos entrevistados individualmente.
Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: Autor.
De acordo com Haguette (1997), a interlocução através de entrevista é um processo de
interação social entre entrevistador e entrevistado e aplicável quando se trabalha com amostra
de estudo em profundidade. Esse processo de interação realizado durante as entrevistas
trouxeram riqueza de detalhes sobre a vida dos moradores das comunidades estudadas, pois à
medida que se estabeleceu uma relação de confiança entre o pesquisador e os participantes da
pesquisa, os diálogos tornaram-se abertos, francos e verdadeiros. Isso possibilitou a
identificação de diversas situações, como por exemplo, a comercialização de animais e aves
proibida pela legislação Brasileira (BRASIL, 1998), e que são objeto de apreensão durante as
operações de fiscalização. Portanto, a confiança do participante da pesquisa sobre o sigilo e
26
uso das informações tornou-se fundamental para a obtenção de dados relevantes para a
compreensão real da extração e gestão dos recursos naturais nas comunidades estudadas.
Desse modo, os depoimentos prestados pelos participantes foram além das questões
previamente formuladas para nortear os diálogos, expressando sentimentos de
descontentamento em função da criação da Resex, com as promessas de vida melhor feitas
aos moradores antes e logo após a criação da Resex e que não se materializaram, como acesso
a crédito para a produção, políticas de moradia digna, educação, saúde e segurança fundiária.
Também o medo que os moradores têm de que no futuro não mais poderão desenvolver
determinadas atividades, como a abertura de áreas em mata primária para pastagem e cultivo
e, sobretudo, de que a terra e os recursos das florestas e dos rios não mais pertencem aos
moradores, mais ao IBAMA, já que poucos moradores conhecem ou reconhecem o ICMBio
como o responsável pela gestão da Resex.
O maior esforço, no entanto, do ponto de vista metodológico é a compreensão dos
temas abordados nos diálogos a partir das perspectivas dos moradores. Como forma de
enfrentar o desafio de compreender os temas abordados nas entrevistas a partir das
perspectivas dos moradores adotou-se como estratégias de análise das mensagens a análise de
conteúdo, definida por Bardin (2011, p. 47) como um “conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens”.
Dentre as várias modalidades da análise de conteúdo, adotou-se, nesta pesquisa, a
análise temática, descrita por Silveira e Córddova (2009) como mais apropriada para pesquisa
de cunho qualitativo. Operacionalmente, Minayo (2007, p. 36) a firma que “análise temática
consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença
ou frequência (grifo do autor) significa alguma coisa para o objetivo analítico visado”.
A análise de conteúdo apresenta três etapas ou fases que, embora flexíveis, devem ser
seguidas: pré-análise indicando o contato do pesquisador com o material, também chamada de
leitura flutuante, é a fase do contato, da organização de estratégias de tratamento e
formulação de indicadores para análise do material; a segunda fase é caracterizada pela
organização sistemática do material através da construção de quadros matriciais das
27
categorias ou unidades de registro definidas de acordo com os objetivos da pesquisa; a
terceira fase reporta-se ao tratamento dos resultados – a inferência e interpretação (BARDIN,
2011).
As 29 entrevistas realizadas nas três comunidades foram transcritas, destacando-se as
categorias ou unidades de registro de acordo com as informações coletadas e os objetivos da
pesquisa, em: 1) histórico de uso e gestão dos recursos pesqueiros em cada comunidade
(envolvendo práticas de extração, apetrechos usados, mercados, conflitos, regras criadas pelos
moradores); 2) imagens que os moradores têm da Resex Verde para Sempre (operações de
fiscalização, promessas); 3) sobre o funcionamento da comunidade (divisão do espaço,
conflitos, regras locais).
Todo o processo de transcrição das falas dos interlocutores preservou à maneira dos
moradores se reportarem as questões apresentadas nos roteiros preestabelecidos e são
apresentadas com a mesma estrutura linguística nas citações. Preservando, no entanto, a
identidade de todos os participantes que são identificados pelos códigos formados pelas
iniciais da localidade e o número do entrevistado, como por exemplo, “Morador VBJ 1 a 11”,
quando se tratar de interlocutor da comunidade Vila Bom Jesus; “Morador SJC 1 a 11”, para
moradores da comunidade São João do Cupari e “Morador MTZ 1 a 07”, para moradores da
comunidade Miritizal.
28
CAPITULO I – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL
Este capítulo tem por objetivo apresentar um breve panorama do processo de formação
das Reservas Extrativistas na Amazônia, em particular, da Reserva Verde para Sempre, em
Porto de Moz, PA. Mostra que a criação dessas UC-US resulta de um processo histórico de
construção de uma proposta de regularização fundiária e ambiental frente às transformações
vividas na Amazônia após o ciclo da borracha e que se acelerou a partir da década de 1970.
1. A FORMAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NO BRASIL
A compreensão do processo de formação das Resex passa pela leitura das mudanças
ocorridas na Amazônia após o clico da borracha. “Os antigos donos dos seringais ou
venderam suas terras para os paulistas ou simplesmente se omitiram de se colocarem em
defesa dos que lutavam contra a destruição da floresta.” (GONÇALVES, 2012, p.130). Isto é,
à medida que os seringais deixaram de render fortunas aos seus donos, foram vendidos para
os “paulistas” – denominação dada aos “de fora” – para a implantação da pecuária e
exploração madeireira.
A história de formação das Reservas Extrativistas no Brasil, particularmente na
Amazônia, contada por diferentes pesquisadores (ALMEIDA, 2004; ALEGRETTI, 2008),
inicia-se na da década de 1980, no estado do Acre, a partir da luta dos seringueiros
organizados em sindicatos.
As estratégias de enfrentamento dos seringueiros, no primeiro momento, conhecida
como “empates”, na década de 1970, convergiam para conter os avanços dos desmatamentos
para a implantação da pecuária; aos combates do crescente latifúndio – decorrente das novas
frentes de atividades econômicas em cursos na Amazônia; e contra a violência explícita ou
implícita responsável pela expulsão (forçada ou silenciosa) da população do interior das
florestas (GONÇALVES, 2012).
No segundo momento, a luta dos seringueiros saiu do anonimato, ganhou visibilidade
e notoriedade nacional e internacional, a partir das articulações com atores externos: ONGs,
pesquisadores, políticos e setores progressistas da igreja católica, com o fortalecimento e a
expansão dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, sob a liderança da Confederação dos
29
Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e com a fundação do Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS), em 1985 (ALMEIDA, 2004).
A criação do CNS foi decisiva para a formulação e consolidação da proposta de
criação das Reservas Extrativistas na Amazônia, pois ao mesmo tempo em que promovia as
discussões e articulações entre os seringueiros do estado do Acre, expandia seus raios de ação
para outros estados da Amazônia, assim como passou a atuar na captação de recursos
financeiros de agências internacionais e nacionais, como foi o caso do financiamento do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar as ações
dos seringueiros (ALMEIDA, 2004).
Inicialmente, os debates serviram como exercício para a formulação de proposta de
reforma agrária mais adequada às condições das atividades extrativistas, que requerem áreas
maiores que os 100 ha, tamanho máximo de um módulo fiscal para efeito de reforma agrária –
na Amazônia. A equação apresentada por Almeida (2004, p. 39) da conta de que, “um
seringal com setenta chefes de famílias, dispersos por 25 ou 30 colocações, ocupava uma
extensão de cerca de 30 mil hectares de floresta, entrecortada por inúmeros caminhos e
atalhos”, resultando em unidades de produção acima de 400 ha por família.
Na década de 1970, a Amazônia como um todo passou por um processo de ocupação
agenciada pelo governo militar, tendo como exemplo, a construção da BR 230 (Rodovia
Transamazônica) e o processo de colonização em seu curso. Esse movimento em direção da
Amazônia tinha como centro de suas ambições a incorporação dos recursos naturais à
economia capitalista “nacional e internacional, assim como responder aos conflitos agrários
no nordeste e sudeste do Brasil” (Ibid., p. 40).
Outras análises e reflexões feitas acerca dos impactos dos grandes projetos na
Amazônia, afirmam que historicamente esses grandes projetos não atendem e nem estão
voltados para os interesses locais ou regionais e sim aos interesses externos. São projetos de
construção de barragens, pecuária em grande escala, exploração mineral, exploração
madeireira e monocultivo que têm provocado graves conflitos na Amazônia ao longo de
várias décadas, precisamente a partir de 1970:
O capital não entende a linguagem das relações primárias; sua racionalidade é de
lucro, de produtividade, do tempo de trabalho; é a racionalidade das relações
mercantis. Essa diferença torna o diálogo entre as partes – camponeses e os índios
por um lado, o capital por outro – quase impossível (HEBÉTTE, 2004, p. 151).
30
Portanto, as Reservas Extrativistas nasceram e expandiram-se, ao longo das últimas
duas décadas e meia, num ambiente de profundos conflitos e disputas por territórios e seus
recursos naturais (madeira, pesca, minério, água) incluindo o uso do solo para a formação de
pastagem para a criação de gado e agricultura.
Em resumo, elas resultam de uma relação “intima” entre intelectuais e movimentos
sociais (sindical), a partir da necessidade de elaboração de “uma proposta que correspondesse
à vivência dos que lutavam, que incorporasse a sua cultura. Rigorosamente não veio de fora”
(GONÇALVES, 2012, p. 132). Essas considerações são importantes por refletirem o interesse
em assegurar um modo de vida diferenciado do modo de produção essencialmente capitalista.
Esse modo de conceber e reconhecer as Reservas Extrativistas como um espaço plural
– de inúmeras atividades produtivas (mesmo as que não são prevista pela atual legislação,
como por exemplo, a pecuária que se expande no interior desses espaços sem uma definição
clara quanto a sua legalidade), aliado as articulações políticas e institucionais, mudanças na
conjuntura política favorável à criação desses espaços, entre outros fatores, resultou na
constituição de 91 Reservas Extrativistas no Brasil (federal e estadual), em quatro biomas.
De acordo com o Cadastrado Nacional de Unidade de Conservação (CNUC), do
Ministério do Meio Ambiente, 71 unidades estão na Amazônia, cobrindo mais de 137 mil
quilômetros quadrados (Tabela 2). Desse total, apenas13 (treze) foram criadas antes da
promulgação da Lei 9. 985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC)(MEDEIROS e YOUNG, 2011).
Bioma / Área Km2 Nº de
Resex por bioma
Área total
em Resex (Km2)
%
(bioma/km2)
Amazônia 4.198.551 70 137.476 3,274
Caatinga 827.934 3 19 0,002
Cerrado 2.040.167 6 880 0,043
Mata Atlântica 1.117.571 11 711 0,064
Pampa 178.704 0 0 -
Pantanal 151.159 0 0 -
Total 8.514.086 90 139.086 1,634
Tabela 2: Resex constituídas nos biomas brasileiros até fevereiro de 2015.
Fonte: Cadastro Nacional de Unidade de Conservação (MMA). Elaboração: Autor
Além das alianças entre populações tradicionais, entidades sociais e ambientalistas, o
que contribuiu para o aumento no número de Resex no Brasil foi a eleição vitoriosa de um
31
presidente da república alinhado como os movimentos sociais e, sobretudo o fato do MMA ter
sido chefiado pela ex-senadora Marina Silva, organicamente vinculada ao movimento dos
seringueiros do Acre. Entre 2002, ano em que Lula foi eleito presidente e 2015, foram criadas
no Brasil 39 das 62 Resex federais. Os estados que criaram essa categoria de UC-US também
têm ou tiveram governantes ligados ou apoiados pelos movimentos sociais de bases rurais ou
ambientalistas, mas o número de Resex estaduais no mesmo período foi de apenas 4 das 28.
Portanto, o processo de criação e gestão das Resex também tem em suas origens as marcas
das lutas políticas e ideológicas travadas por esses movimentos.
1.1 BASE LEGAL
O embasamento legal para a criação desses espaços, no âmbito da administração
pública federal, antes do advento SNUC, apresentado nos decretos de criação pelo poder
executivo, eram: o Artigo nº 84 da Constituição Federal, em seu inciso IV, que atribui
privativamente ao presidente da república: “sancionar, promulgar e fazer pública as leis, bem
como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução” (BRASIL, 1988, Art. 84, IV); a
lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente –
compartilha entre união, estados e municípios o poder de “criação de reservas e estações
ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder
Público Federal, Estadual e Municipal” (BRASIL, 1981, Art. 9º, VI); o Decreto Nº 98.897, de
30 de janeiro de 1990 que dispõe sobre as reservas extrativistas, definindo-as como “espaços
territoriais destinados à exploração auto sustentável e conservação dos recursos naturais
renováveis, por população extrativista” cujo ato de criação compete ao poder executivo, em
áreas consideradas de “interesse ecológico e social”. Tratava também da forma de gestão das
Reservas Extrativistas, atribuindo ao IBAMA a aprovação de um plano de utilização: “o
contrato de concessão incluirá o plano de utilização aprovado pelo IBAMA e conterá cláusula
de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão
inter vivos” (BRASIL, 1990, Arts. 1º, 2º e 4º, §2º).
Os conflitos políticos em torno do processo de criação e de gestão das Reservas
Extrativistas resultaram na criação de duas importantes instituições. A primeira foi o Centro
Nacional de Desenvolvimento das Populações Tradicionais (CNPT), autarquia federal, criado
pela portaria Nº 22/IBAMA de 10/02/1992, no final do governo de Fernando Collor de Melo.
Sua criação é atribuída às “reivindicações” dos movimentos sociais (CUNHA, 2010), sendo
32
inclusive presidido em determinado momento por um membro do Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS), no período de um governo federal indiferente às lutas dos seringueiros.
Ainda que a criação do CNPT não tenha representado avanços significativos no
processo de implementação das Resex, ela sinaliza para a necessidade da instauração de um
processo de gestão democrático, que incluísse os movimentos sociais e os moradores das
unidades de conservação nas decisões sobre o futuro desses espaços.
Quinze anos após a criação do CNPT, e em uma conjuntura política completamente
diferente, em termos de gestão dos órgãos federais, é criado o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pela Lei 11.516 de 28 de agosto de 2007. Do
ponto de vista histórico e político, faz-se importante observar duas mudanças fundamentais
em relação ao CNPT/IBAMA. A primeira é que o ICMBio é uma autarquia federal vinculada
ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), presidido, à época, por uma senadora do Acre,
organicamente ligada à luta dos seringueiros. Portanto, sem qualquer vínculo de subordinação
ao IBAMA, o que lhe confere, em tese, uma gestão autônoma política e administrativamente,
com orçamento e estrutura de funcionamento. A segunda questão é que o ICMBio passa a
exercer o papel de gestor de todas as categorias de unidade de conservação no país (BRASIL,
2007, art. 1º, I – IV) e não só das Reservas Extrativistas ou das populações tradicionais, como
trabalhava o CNPT. Esse ato o torna a primeira autarquia federal criada com a finalidade
precípua de gerir as unidades de conservação no país.
A partir de julho de 2000, o processo de criação e gestão das Reservas Extrativistas
passa a ser embasado legalmente pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 que “regulamenta
o Art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o sistema nacional de
unidade de conservação” - SNUC (BRASIL, 2000), e do decreto 4.340, de 22 de agosto de
2002, “que regulamenta os artigos da Lei 9.985, e dá outras providências” (BRASIL, 2002).
As atribuições quanto ao ato de criação continuam privativas ao poder executivo nas
esferas municipal, estadual e federal, mesmo após o advento da Lei do SNUC. No entanto, do
ponto de vista racional-legal, para usar a expressão apresentada por Silva et al. (2013), as
Reservas Extrativistas passam a ter uma denominação conceitual mais restrita em relação ao
Decreto nº 98.897/1990. Ao inserir os termos “extrativistas tradicionais” (BRASIL, 2000, Art.
18), encerrando a possibilidade de inclusão, do ponto de vista legal, de populações com
33
tradição agrícola, por exemplo, na condição de beneficiárias das políticas públicas planejadas
para o desenvolvimento das Reservas Extrativistas.
Outra diferença notável em relação ao decreto nº 9.897/1990 e a Lei nº 9.985/2000 é a
definição quanto ao instrumento usado para celebração do contrato de concessão direito real
de uso entre moradores e o órgão responsável pela gestão da unidade de conservação. No
decreto não há definição clara quanto ao teor do plano de utilização, com aprovação do
IBAMA, já a lei é categórica ao definir plano de manejo como:
(...) documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de
uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que deve
presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (BRASIL, 2000, art. 2º, XVIII)
A importância primordial do plano de manejo das Reservas Extrativistas reside no fato
de que é nele que constam as atividades permitidas e em quais condições, e as que não são
permitidas – de acordo com os objetivos da unidade previstos no SNUC. O plano de manejo é
um dos requisitos necessários para a celebração do contrato de concessão de direito real de
uso entre os moradores e o governo federal, proporcionando a segurança fundiária e o direito
de acesso às políticas oficiais, como por exemplo, crédito.
Do ponto de vista da sustentabilidade institucional, tanto a elaboração do plano de
manejo quanto à constituição do conselho deliberativo são decisivos para a consecução dos
objetivos da unidade previstos no SNUC. “Caso contrário, as práticas dos agentes
governamentais serão feitas de maneira improvisada e voluntarista, com base em ‘brechas
legais’, fragmentos de leis, interpretações normativas ou em dispositivos institucionais com
força jurídica duvidosa” (SILVA et al., 2013, p. 15).
Para a elaboração do plano de manejo de Resex e RDS o ICMBio publicou a Instrução
Normativa (IN) Nº 01, de 18 de setembro de 2007, com a finalidade de disciplinar as
diretrizes e procedimentos para a sua elaboração. É interessante observar que a definição dada
ao plano de manejo pela referida IN apresenta elementos novos em relação aos contidos na
Lei do SNUC e no Decreto 4.340 de 22 de agosto que o regulamenta, ao introduzir os termos
sustentabilidade socioeconômica e sua construção participativa (grifo nosso):
(...) o documento que representa o principal instrumento de gestão da unidade de
conservação, definindo sua estrutura física e de administração, o zoneamento, as
normas de uso da área e de manejo dos recursos naturais e os programas de
sustentabilidade ambiental e socioeconômica, construído junto com a população
tradicional da unidade (ICMBio, 2007a, Art. 2º, I).
34
A construção de Conselho Deliberativo de RDS ou Resex tem suas diretrizes, normas
e procedimentos disciplinados pela IN nº 02, de 18 de setembro de 2007, que define Conselho
Deliberativo como “espaço legalmente constituído de valorização, discussão, negociação,
deliberação e gestão da unidade de conservação e sua área de influência referente a questões
sociais, econômicas, culturais e ambientais” (ICMBio, 2007b, Art. 2º, I).
1.2 A CRIAÇÃO DA RESEX VERDE PARA SEMPRE
O município de Porto de Moz, localizado a Oeste do estado do Pará, possui uma área
total de 17.423,017 km2 e uma população estimada em 36.841 (IBGE, 2010). O Rio Xingu
atravessa o município em sentido Sul x Norte, constituindo-se na principal via de acesso e
ligação aos grandes centros urbanos dos estados do Pará e Amapá. À Leste, além do centro
administrativo, há uma significativa área de floresta ombrófila densa, tipo de floresta também
predominante a Oeste.
A Reserva Extrativista Verde para Sempre, com 1.288.717,00 ha (Figura 2), está
localizada entre os rios Xingu e Amazonas, e é constituída por áreas de terra firme e várzea. A
terra firme está localizada nos interflúvios dos rios Marituba e Jaurucu e a várzea entre os rios
Jaurucu e Amazonas, onde está concentrada a maior densidade populacional do interior do
município, às margens dos Rios Jaurucu, Coati, Cupari, Aquiqui, Uiui, Peituru, margem
direita do Rio Amazonas, e Rio Guajará e seus afluentes.
35
Figura 2: Resex Verde para Sempre
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: Trindade, 2015
Com exceção da parte sul, ocupada por fazendeiros da cidade de Altamira,
praticamente toda a margem esquerda do Rio Xingu, no município de Porto de Moz, é
povoada por população ribeirinha que, ao longo dos anos, a partir dos ciclos da borracha na
Amazônia, ocupou as margens dos rios e igarapés que drenam o imenso território.
(...). Toda a área do rio Xingu e do rio Jari, ao sul e ao norte, respectivamente, do rio
Amazonas, próximo a Porto de Moz tem, na composição de sua população e na sua
estrutura social, as marcas desta época “gloriosa” da borracha com a exploração
impiedosa dos seringueiros nos seringais, e da época da ressaca pós-anos 1950, com
a estagnação econômica e a volta de uma economia de quase subsistência nas
comunidades distantes (HÉBETTE, 2004, p. 280).
A notoriedade dos tempos áureos da borracha, por ter sido o entreposto entre os
seringais e o porto de Belém, se desfez e a região do Baixo Xingu5, passou por um longo
período de estagnação econômica (MOREIRA, 2003).
5 Baixo Xingu é uma “divisão geográfica” elaborada pela Prelazia do Xingu - Igreja Católica, que dividiu a área
de sua “circunscrição eclesiástica” em Baixo, Médio e Alto Xingu, com suas respectivas paróquias. De acordo
com essa divisão, os municípios de Porto de Moz e Gurupá ficam localizados no Baixo Xingu.
36
Contudo, a partir dos anos de 1970, os grandes projetos de integração da Amazônia ao
modo de produção capitalista foram, aos poucos, introduzidos no Baixo Xingu, modificando
as relações de exploração dos recursos naturais até então estabelecidas. Como explica Hébette
(2004, p. 281): “Todas as políticas governamentais do período [da ditadura militar] levaram
ao que se chama de integração nacional da Amazônia insular ao Brasil dominante”. O mesmo
autor mostra as contradições políticas existentes na abertura da fronteira agrícola e a política
dos grandes projetos para a Amazônia, pois ao mesmo tempo em que se propõe modernizar
um “passado arcaico” preserva a “mesma linha de prioridade de exploração primária – o
extrativismo – dos recursos naturais: madeira, pesca, minérios, recursos hídricos – isto é, num
nível predatório que cresceu exponencialmente em relação aos séculos anteriores”
(HÉBETTE, op. cit).
As consequências desastrosas à população e ao meio ambiente dessas políticas
governamentais foram percebidas entre as populações ribeirinhas do Baixo Xingu.
Particularmente três frentes de expansão se destacam: a) a pecuária em grandes proporções
desenvolvidas na parte sul, nos limites dos municípios de Senador José Porfírio, Vitória do
Xingu, Brasil Novo e Medicilândia – todos interligados à Rodovia BR 230 (Transamazônica)
por estradas vicinais, abertas por grandes fazendeiros e madeireiros, sem qualquer vínculo
sociocultural com a população local; b) a exploração florestal praticada por grandes empresas
do setor florestal vindas de outros municípios do estado. Com máquinas pesadas e grande
número de trabalhadores, estes agentes econômicos passaram a praticar a grilagem de terras
públicas e a expulsar os antigos moradores de suas terras e; c) a pesca predatória nas
mediações do Rio Peri até a enseada do Irateua à margem esquerda do Rio Xingu.
A pecuária em larga escala foi e continua sendo desenvolvida em áreas pouco
habitadas. Isso fez com que seus impactos fossem menos percebidos aos olhos da população,
mesmo sendo desenvolvida em grandes áreas com corte raso da floresta nativa. Ao contrário
da pesca e da exploração florestal madeireira. Essas atividades foram desenvolvidas em áreas
com maior concentração de moradores cujos efeitos foram sentidos na escassez do pescado,
na escassez de madeira e caça nas áreas exploradas exaustivamente, além da perda de áreas de
uso comunal.
No início da década de 1980, com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí
(UHT), no Rio Tocantins, pescadores comerciais abandonaram a pesca a montante à barragem
e migraram para região do Xingu, com equipamento e barcos com alta capacidade de captura
37
e armazenamento de pescado. Em menos de dez anos, todo o sistema de pesca artesanal local
entrou em crise (SALGADO e KAIMOWITZ, 2003; BARBOSA e SOUZA, 2013). As
comunidades localizadas às margens dos Rios Xingu, Marituba, Peri, Acarai e os pescadores
artesanais da cidade de Porto de Moz foram os que mais sentiram os efeitos da redução dos
estoques de pescado.
Mais intensamente, a partir do início dos anos de 1990, a exploração madeireira
tornou-se a principal atividade econômica do município de Porto de Moz, sendo praticada por
empresas de outras cidades do estado do Pará, algumas, inclusive de capital internacional, e
também pequenos extratores locais (Tabela 3).
Rios Empresas (Grupos)
Do Rio Guará até o Rio
Marituba
Antônio e Everaldo, José Gonçalves, Mundicão
Do rio Marituba ao rio Peri Assis (dono a agropecuária Altamira)
Rio Acaraí Djalma Varejão, Ernestino Garcia, INTEL, Pedro, Dete, Lazarini.
Do Rio Acaraí ao igarapé Juçara Pedro, família Coimbra
Rios Una e Alto Rio Jaurucu Pedro, Nenzinho, COBEM, outros
Médio Rio Jaurucu Família Coimbra, Grupo Campos
Rios Jaurucu e Macapixi Madeireira Pipoca e Companhia Marajoara - Madenorte
Rio Inumbi Grupo Comavel
Alto Rio Guajará Madenorte e Grupo Campos
Tabela 3:Situação fundiária antes da criação da Resex, 2001.
Fonte: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz, 2001. Elaboração: autor
Já no final dos anos de 1990, as áreas com abundância de floresta estavam dividas
entre as grandes empresas madeireiras e grandes fazendeiros. As comunidades e famílias
dispersas ao longo dos rios e igarapés haviam ficado apenas com a roça e o “lugar da casa”, os
fundos dos lotes individuais haviam sido demarcados e, em alguns casos, eram vigiados por
homens armados. Esse cenário gerou mobilização das comunidades, sob a liderança da Igreja
católica e organizações representativas: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
(STTR), Associação dos pescadores Artesanais (ASPAR) e Associações comunitárias,
pesquisadores, instituições de pesquisa e organizações ambientalistas promoveram seminários
e debates locais e regionais para discutir a situação socioambiental porque passava a região e
tirar encaminhamentos (MOREIRA, 2003; SALGADO e KAIMOWITZ, 2003).
38
Um dos encaminhamentos proposto nesses seminários foi a criação de uma Reserva
Extrativista, que mais tarde recebeu o nome de Verde para Sempre (MOREIRA, 2003). A
primeira proposta era de uma área de aproximadamente 3 milhões de hectares, nos municípios
de Porto de Moz e Prainha. No entanto, devido ao forte impacto da proposta no meio político
(LOBÃO, 2005), excluiu-se a área do município de Prainha, onde foi criada a Resex
Renascer, em 2009.
Nesse sentido, a Verde para Sempre é resultado das lutas de parte da população local e
suas articulações com atores externos, e foi profundamente motivada pelos conflitos
fundiários e pelas mudanças nas formas de exploração dos recursos naturais na Amazônia.
Assim como, a partir de intercâmbios de experiências entre moradores de Porto de Moz e
comunidades que já viviam em reservas extrativistas na Amazônia6.
No primeiro momento, a proposta recebeu apoio de diferentes setores da sociedade
local, inclusive do poder público, incluindo os poderes legislativo e executivo, vinculados
diretamente à atividade madeireira, por avaliarem que as empresas “de fora,” com mais poder
econômico, levariam toda a matéria prima disponível na floresta. Contudo, o apoio durou
pouco tempo, já em 2002, muitas manifestações contrárias à criação da Resex foram
realizadas em Porto de Moz e na Assembleia Legislativa do estado do Pará (ALEPA),
formando, de um lado, opiniões favoráveis e de outro, posições categoricamente contra à
criação da unidade de conservação (BARBOSA, 2003) (Tabela 4).
Documento Data Entidades Representante Função Justificativa
Ofício nº
0034/2001
08/10/2001 Prefeitura Municipal
de Porto;
Secretária Municipal
de Porto de Moz; e Secretaria Municipal
de Produção e
Abastecimento
- Gerson
Salviano
Campos
- Antônio Duarte Souto
-Prefeito
Municipal
- Secretário
Municipal
Garantia de direito à terra
e o apoio do governo
federal aos moradores.
Manifesto de
apoio
07/10/2001 Câmara municipal de
Porto de Moz
- Humberto
Souto Pires,
- Hely Soares
Barbosa
- vereador
presidente da
Câmara;
- Vereador
Garantia da terra aos
moradores e harmonizar a
relação do homem com a
natureza
Carta de apoio 03/10/2001 Paróquia de São Braz –
Prelazia do Xingu
Luis Gonçalves
Silva
Procurador do
vigário
Preocupação com a
concentração da terra -
“Dom de Deus e sua
distribuição dever ser
6 Entre 1996 e 2004, moradores da área constituída em Resex visitaram a Resex Chico Mendes - Acre, Tapajós
Arapiuns - Pará, Cajari - Amapá. Um grupo de quatro pessoas, representando o Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais visitou a Costa Rica. Os objetivos desses intercâmbios foram conhecer as experiências das
Resex já implantadas e o processamento/aproveitamento de madeira na Costa Rica.
39
Documento Data Entidades Representante Função Justificativa
igualitariamente entre todos”.
Pedido de
criação da
Resex
sem data Associação de
Mulheres do Campo e
Cidade de Porto de
Moz
Maria Creusa da
Gama Ribeiro
Presidente Garantia da posse da terra,
segurança quanto ao
futuro, preservação dos
recursos naturais
Pedido de
criação da
Resex
sem data Colônia de pescadores
Z64
Erisvaldo
Barbosa e
Barbosa
Presidente Mudanças nos campos
econômico, social e
ecológico; garantia de
futuro melhor; escassez de
pescado.
Ofício nº
028/01
sem data Sindicato dos
Trabalhadores Rurais
de Porto de Moz
Idalino Nunes
de Assis
Presidente Garantia de direito à terra
e harmonização da relação
do homem com o meio
ambiente.
Pedido de criação da
Resex
sem data Associação dos Pescadores Artesanais
de Porto de Moz
Raimundo Valdo Pires
Barbosa
Presidente Garantia de direito à terra e harmonização da relação
do homem com a
natureza, “garantia de
permanência do homem
na terra”.
Pedido de
criação da
Resex
sem data Associação
Comunitária de
Desenvolvimento
Sustentável da
Comunidade Juçara
(ACDSCJ)
Enivaldo
Marques Gomes
Presidente Garantia de direito à terra
e harmonização da relação
do homem com a
natureza, “garantia de
permanência do homem
na terra”.
Apoio à criação
da Resex
sem data Serviço Alemão de
Cooperação Técnica e
Social (DED)
Georg Roling Cooperante As mudanças nas formas
de exploração da pesca e
da madeira já apresenta consequências as
comunidades.
Apoio à criação
da Resex
07/10/2001 Comissão Pastoral da
Terra (CPT)
Leônidas
Martins
Coordenador
da CPT Xingu
Garantia da terra aos
moradores, conservação
dos recursos
socioeconômicos.
Apoio à criação
da Resex
sem data Associação
Comunitária do Rio
Cupari (ACRC)
Maria do
Socorro Barbosa
Soares
Presidente Garantia de direito à terra
e harmonização da relação
do homem com a
natureza, “garantia de
permanência do homem
na terra”.
Apoio à criação
da Resex
Sem Fundação Viver
Produzir e Preservar (FVPP)
José Ribamar
Ripardo
Presidente Conter a ação dos grupos
de madeireiros e fazendeiro que destroem
os recursos naturais,
pondo em risco as famílias
do meio rural.
Manifesto de
apoio
07/10/2001 Sindicato dos
Trabalhadores Rurais
de Prainha
Manoel da Costa
Ferreira
Delegado
representante
do sindicato
Opressão aos
trabalhadores rurais
provocada por empresas
madeireiras.
Manifesto de
apoio
07/10/2001 Parlamentar José Geraldo
Torres
Dep. Estadual Resolver os conflitos e
“depredação” dos recursos
naturais envolvendo
empresas madeireiras.
Tabela 4: Manifestos de apoio à criação da Resex Verde para Sempre, em 2001.
Fonte: CDS. Arquivo. Documentos encaminhados ao CNPT, 2001. Elaboração: autor
40
O processo de criação da Resex passou ser discutido no âmbito do poder público
estadual, liderado pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
(AIMEX), com forte influência política nos poderes legislativo e executivo do estado do Pará.
O processo de criação da UC-US ficou parado no IBAMA entre 2001 e 2003, e o ato de
criação só aconteceu no final de 2004, após a eleição do presidente Lula e a indicação da
senadora Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente.
Em termos de instrumentos de gestão previstos em lei e atos normas normativos
(conselho deliberativo, plano de manejo e acordo de gestão ou plano de uso), prestes a
completar o décimo primeiro aniversário do decreto de criação, somente o conselho
deliberativo está constituído. Pelo regimento interno, ele é composto por 27 cadeiras (Tabela
5). Porém, atualmente, constam apenas vinte e quatro cadeiras, sendo três cadeiras excluídas à
revelia do regimento.
Representação do conselho deliberativo Nº de cadeiras
Órgãos públicos (federal, estadual e municipal) 4 Sociedade civil (ONG, Associações, Sindicatos) 7
Representante dos moradores (setores) 13
Total 24
Tabela 5: representação do conselho deliberativo da Resex/VPS
Fonte: Ata da reunião ordinária do Conselho Deliberativo da Resex/VPS, de 29 e 30 de maio de 2015.
Elaboração: autor
Na composição do atual conselho, a representação dos moradores é composta por treze
setores da Resex/VPS, eleita nas assembleias das comunidades organizadas pelo ICMBio.
Pelo regimento, o conselho deve se reunir ordinariamente três vezes ao ano. No entanto,
existem somente onze registros de reuniões, desde a criação em 2008. As frequentes
mudanças na chefia da unidade de conservação (oito no total) dificultam o registro e o
arquivamento da memória (atas) das reuniões realizadas.
41
CAPÍTULO II - NORMAS LOCAIS PARA USO DOS RECURSOS PESQUEIROS
Este capítulo tem por objetivo descrever as normas locais estabelecidas pelas
comunidades ribeirinhas para extração e gerenciamento dos recursos pesqueiros. Considerou-
se o uso histórico dos recursos pesqueiros, desde a chegada dos primeiros moradores cujos
descendentes diretos conformam a população local atual, no final do século XIX, para a
exploração do látex, e, posteriormente a extração da ictiofauna nos campos de várzea, lagos e
rios tributários, entre os Rios Xingu e Amazonas. As normas são apresentadas em três
períodos. O primeiro e mais longo, estende-se entre 1890 a 1972, compreendido com um
período de baixa exploração dos recursos pesqueiros, e as normas locais com base no domínio
particular das áreas de exploração; o segundo, entre 1973 a 1995, é caracterizado pela
exploração dos recursos dentro de um sistema de troca entre pescadores e marreteiros e marca
o estabelecimento de normas informais para controle e acesso ao pescado, sendo a proibição
do uso da malhadeira e do timbó; e o terceiro período é marcado pela elaboração dos acordos
formais, entre 1996 a 2013.
2. DESCRIÇÃO DOS AMBIENTES DE EXTRAÇÃO DO PESCADO
A Resex Verde para Sempre possui 1.289.362,78 hectares. Desse total, cerca de
285.731,00 ha são de formação hidrófila de várzea, também denominada de Formação
Pioneira, correspondendo a 22% de sua superfície (WATRIN e OLIVEIRA, 2009). Esse tipo
de formação se localiza em sentido Oeste a Leste em relação à sede municipal, entre os rios
Xingu, Juarucu e Amazonas. Possui um sistema de drenagem hídrica interligado ao Rio
Amazonas pelo furo do Aquiqui e pelo Rio Uiui que desemboca no Amazonas na foz do Rio
Guajará, e ao Xingu através do Rio Aquiqui. Desse modo, a parte mais ao norte das várzeas
está mais próxima das águas barrentas do Amazonas e a parte ao sul à terra firme e ao Rio
Jaurucu de águas escuras.
Todo o sistema de várzea é determinado pelo regime das cheias e estiagem. Isto é,
resulta da interação entre rios de águas barrentas, o Amazonas, e as áreas inundadas e que
recebem os sedimentos. Essas mudanças decorrentes dos regimes periódicos de cheias e
estiagem afetam diretamente a pesca. A localização dos cardumes está diretamente
relacionada aos ciclos hidrológicos, assim como os aspectos nutricionais das espécies
extraídas com finalidade comercial ou de subsistência. É com base nas características dos
42
ambientes de pesca que pescadores definem as estratégias de captura e, consequentemente as
estratégias de controle. Daí a importância da descrição desses ambientes para a compreensão
das normas locais, ou mecanismos de controle.
Logo no início da inundação, os cardumes adentram os campos em busca de alimento
e para cuidar de suas proles. As áreas inundadas oferecem abundância de alimento, o que
resulta em maior taxa de crescimento e nutrição (BARTHEM e FABRÉ, 2004), pois além da
disponibilidade de alimento em forma de matéria orgânica, os cardumes acessam áreas de
ilhas que ficam completa ou parcialmente inundadas e igapós com diversidade de frutos,
como o inajá, seringa, caranã, miriti ou buriti, jauari, socoró, castanharana, entre outros.
Quando começa o processo de redução das cheias ou baixada d’água, os cardumes
retornam para os rios e lagos que permanecem cheios durante o ano todo. As comunidades
estudadas usam três complexos de lagos: Rancho, Fortaleza e Bom Jardim; e os rios Coati,
Cupari e Peituru, além das limpagens7 (Figura 3).
7Áreas localizadas nos campos de várzea sem a presença de qualquer tipo de vegetação. São formadas quando a
vegetação flutuante se desloca, durante as cheias, com a força do vento.
43
Figura 3: Ambientes de extração do pescado nas comunidades estudadas.
Fontes: Campos higrófilos de várzea – Watrin e Oliveira, 2009; lagos e comunidades – dados de campo, 2015.
Elaboração: Trindade, 2015.
Os lagos do Rancho são os únicos que permitem acesso de pescadores durante o
período de estiagem, por igarapé e passagem8. É formado por um conjunto de mais de 100
lagos, também conhecidos pelos moradores como poços, sendo o lago ou poço do Miriti,
medindo cerca de 4 ha, o maior e concentra os maiores cardumes de espécies de maior valor
comercial como tambaqui, pirapitinga e tucunaré-açu. Em praticamente todos os lagos são
encontrados pirarucu, mas é no lago da Enseada Grande que se concentra a maior quantidade,
em função dos grandes aningais flutuantes existentes em suas margens, com aberturas que
permitem a respiração aérea da espécie. Todos os lagos são rodeados por “paredões” de
8 Caminho aberto pelo homem para deslocamento por meio de canoas ou rabetas. Em alguns casos, utiliza-se
búfalos para abrir a passagem no começo e no final das cheias. Depois de várias vezes que os animais passam
pelo mesmo local a vegetação é arrancada e a lama (matéria orgânica) desloca-se com a correnteza, formando
caminhos que são mantidos limpos para a passagem de pescadores durante o período de estiagem. A diferença
existente entre passagem e igarapé é pelo fato da passagem ser feita pelo homem e o igarapé pela natureza.
44
miritizais, que impedem a entrada ou o deslocamento da vegetação flutuante externa e interna,
mantendo-os com as mesmas características durante muitos anos.
Durante o período de estiagem apenas moradores da comunidade São João do Cupari
conseguem acessar esses lagos. Porém, durante as cheias, moradores das comunidades
Cajueiro e Laranjal – no alto Rio Peituru - também acessam e praticam a pesca com o uso de
malhadeira, o que tem resultado em conflitos com pescadores do Rio Cupari que não
concordam com a pesca de malhadeira nos lagos.
Com as mesmas características dos lagos do rancho, os Poços da Fortaleza, como
conhecidos pelos moradores, têm 20 a 25 lagos que mantém lâmina d’água superior a 1,0
metro mesmo em anos de longa estiagem. O lago do Tartaruga, com cerca de 3,0 ha é o
maior entre todos e o que abriga os maiores cardumes de pirarucu. Não há meios que
permitam acesso de pescadores durante o período de seca, por não haver passagem ou igarapé
interligando os lagos aos rios ou entre estes. O acesso ocorre quando os campos estão
inundados, normalmente no início ou final das cheias, antes dos cardumes deixarem os lagos
ou logo que chegam para o período de estiagem. Moradores das comunidades Cupari e
Miritizal utilizam esses lagos para a pesca, principalmente do pirarucu, pirapitinga e
tambaqui. Sua localização está a cerca de 5 km das margens do Rio Cupari, 4 km das margens
do Rio Coati e a 7 km do Rio Peituru (Figura 3).
Entre os rios Coati e Uiui, existem cerca de 10 a 15 lagos, sendo o Urubuquara ou
lago do Urubu o de maior dimensão, com mais de 5 km de circunferência. Os demais são de
pequena dimensão, abaixo de dois ha. Até 2014 só eram explorados no início e no final das
cheias. Contudo, no final de 2014, devido à abundância de pirarucu, pescadores da Vila Bom
Jesus, com a utilização de animais para o transporte do pescado extraíram várias toneladas da
espécie nos lagos do Bom Jardim.
Os rios utilizados para a prática da pesca nas comunidades estudadas apresentam
variações drásticas de profundidade em relação às cheias e à estiagem. O Rio Coati, apresenta
lâmina d’água superior a sete metros de profundidade no pico das cheias e, no pico da
estiagem a maior profundidade é aproximadamente três metros, já nas proximidades de seu
encontro com o Rio Jaurucu. Em vários trechos o rio fica impraticável para a navegação de
embarcações de médio porte; no Rio Cupari, o período de estiagem deixa o rio impraticável
para a navegação de embarcações com motor de centro, sendo possível apenas o transporte
45
através de canoas ou em rabetas; já o Rio Peituru apresenta condições de navegabilidade em
qualquer época do ano, e chega a cerca de 10 metros de profundidade nas cheias e 6 metros
em período de estiagem, no perímetro da comunidade Miritizal. O processo de enchente e
vazante que ocorre no Rio Amazonas o afeta. Quando a água enche, o rio corre em sentido da
foz à nascente, quando ela baixa corre em sentido da nascente à foz, sobretudo no período de
estiagem.
Além dos lagos permanentes é comum a formação de limpagens, ou lagos
temporários, a partir do deslocamento dos aningais ou boiados (vegetação flutuante). À
medida que a vegetação se desloca, arranca o capim e abre grandes áreas sem a presença de
vegetação de qualquer espécie. Essas áreas ficam abertas até a chegada de nova vegetação nos
anos seguintes, seja pela germinação de sementes de capim ou pela chegada de outras ilhas de
aningal. Durante a estiagem, essas limpagens ficam completa ou parcialmente sem lâmina
d’água. Quando isso ocorre, as espécies de peixes que permanecem nelas morrem ou
facilmente são capturadas por pescadores e predadores.
No período seco é muito comum a queima dos campos, facilitada pela acumulação de
matéria orgânica seca (capim) após as cheias. Esse processo também contribui para formação
de linpagens que se constituem em ambiente de pesca e de extração de jacaré, capivara e
quelônios, principalmente o cabeçudo. Durante o período de estiagem os campos são
queimados e, quando chega a época das cheias, o capim, particularmente a pomunga, fica
rasteiro, o que facilita aos pescadores andarem nos locais em pequenas canoas e localizarem
os animais pelo caminho aberto no capim (“batida”). Normalmente isso ocorre nos primeiros
meses do período de cheias (entre janeiro a março). Depois que a água sobe, essas áreas
passam a ser usadas para a extração de jacaré com o uso da lanterna, pois o capim rasteiro
facilita a sua localização.
Há mais de um século, as populações das comunidades estudadas usam esses
ambientes do ecossistema de várzea para a pesca e extração de animais. Mesmo diante das
mudanças nos ciclos das cheias ocorridas nos últimos anos e a introdução de novas atividades
econômicas que passaram a serem desenvolvidas pelas famílias, como a criação de bubalinos
com maior expressividade a partir de 1995, com o advento do FNO especial9, as populações
mantêm um calendário de atividades definido a partir dos ciclos das cheias e estiagem, que
9 FNO - Fundo Constitucional do Norte financiou atividades relacionadas à pecuária no município de Porto Moz
a partir de 1995.
46
envolve terra firme e várzea em Cupari e Bom Jesus, e só várzea em Miritizal. Portanto, o
processo de cheias e estiagem que acomete as várzeas interfere no ecossistema como um todo,
incluindo todas as atividades econômicas, inclusive aquelas praticadas em terra firme ou de
forma intercalada nos dois tipos de ambiente.
2.1 CICLOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS
As comunidades São João do Cupari e Vila Bom Jesus têm a opção de trabalhar a
agricultura, abertura de pastagem para o gado e produção de madeira na terra firme, e a pesca
e o manejo do gado em determinadas épocas do ano (Tabela 6). Essas atividades são
desenvolvidas durante todos os meses do ano, mas com maior e menor intensidade em
determinados meses do ano, de acordo com os níveis das cheias, principalmente as
relacionadas com a pecuária. Quando a água começa subir, os animais são levados para a terra
firme; quando ela baixa, os animais são reconduzidos aos campos de várzea, um processo
cíclico.
Atividade Ciclos das cheias e estiagem
Transição estiagem cheia
Cheia (pico) Transição cheia estiagem
Estiagem (pico)
Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov
Comunidades Bom Jesus e São João do Cupari
Agricultura
(cultivo de
mandioca)
Plantio das roças de
mandioca
Produção de farinha
Capina
Produção de farinha
Produção de farinha Preparo da área
(roço, derruba e
queima
Produção de
farinha
Criação de
bovinos e
bubalinos
Venda de gado para
abate;
Manejo nos campos
de várzea;
Produção de queijo;
Transição para a
terra firme
Manejo dos animais em
terra firme;
Limpeza do pasto
Transição dos
animais da terra
firme para a várzea
Manejo dos
animais nos
campos de várzea
Madeira - Serragem e transporte de
madeira aproveitando os
igarapés de acesso a
florestas
- -
Pesca Pesca nos lagos Pesca nos campos
inundados, com tiradeira
Pesca intensiva, pelo
acesso fácil aos rios,
lagos e campos
Pesca nos lagos e
rios.
Comunidade Miritizal
Agricultura - - - -
Criação de
bubalinos
Pico da produção de
queijo;
Transição para o
sistema de manejo
em marombas
Manejo dos animais em
marombas, com
alimentação dos animais
jovens com capim
cortado;
Início da pesca (maio)
- Manejo dos
animais em campos
secos;
Início da produção
de queijo (outubro)
47
Madeira - - - -
Pesca - Início da atividade pesqueira (maio)
Maior produção de pescado,
principalmente Acari
e tambaqui
-
Tabela 6: Calendário das atividades produtivas.
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração: autor
Na comunidade Miritizal, são apenas duas atividades que se destacam como
importantes para a composição da renda das famílias: a pesca e a criação de bubalinos. À
medida que as famílias reduzem o nível de ocupação com as atividades do gado,
principalmente aquelas relativas à produção de queijo, elas aumentam o nível de ocupação
com a atividade pesqueira. Contudo, observa-se que, entre os meses de março a maio, há
visível redução no nível de ocupação das famílias tanto na pesca quanto com o gado,
constituindo um período crítico na geração de renda, e algumas famílias fazem estoque de
alimentos, usando recursos do seguro defeso ou da safra do queijo, principalmente na
comunidade Miritizal.
2.2 ATIVIDADE PESQUEIRA
A extração comercial do pescado nos três componentes do ecossistema de várzea
também está intimamente relacionada com os ciclos da cheias e estiagem, pelas condições de
acesso aos ambientes (lagos, rios e campos) e pelos aspectos nutricionais das espécies. Nos
meses de junho a setembro, o pescado apresenta aspectos nutricionais superiores aos demais
meses do ano, pois é o período em que os cardumes estão retornando dos campos inundados
para os rios e lagos, depois de seis meses em ambiente com rica oferta de alimento, como
afirma um morador: “... na baixada d’água a gente pega um tucunaré pitanga e dá gosto a
gente comer. O bicho tem dedo de banha.Mas a partir de dezembro o bicho tá igual um
terçado de fino” (Morador SJC 01).
Quando os cardumes se concentram nos pequenos lagos e nos rios, a disponibilidade
de alimento se reduz e as espécies iniciam um processo de definhamento. Esse processo é
consolidado quando se inicia o período de reprodução, a partir de dezembro até março de cada
ano. Algumas espécies, como o tucunaré, aruanã, cara-açu e, principalmente o acari, são
rejeitadas por pescadores mesmo para o consumo. Em função disso, as espécies que mais
sentem os efeitos da estiagem não são pescadas para a comercialização. No entanto, outras
espécies, como o tambaqui, pirapitinga, pirarucu passam a ser mais procuradas por
48
apresentarem bom estado nutricional mesmo no período de estiagem. Isto é, são espécies mais
tolerantes ao longo período de confinamento nos lagos e rios e, em razão disso, mais
demandadas nos mercados consumidores.
Em função das mudanças que ocorrem no ecossistema de várzea, decorrentes das
cheias e estiagem, diferentes métodos de captura são empregados durante o ano, de acordo
com o ambiente explorado (Tabela 7). Inicialmente são apresentadas as formas de extração
sem o uso de malhadeira nas comunidades Bom Jesus e Cupari, pois esse apetrecho foi
introduzido apenas recentemente.
Na comunidade Miritizal, a pesca com o uso de malhadeira sempre foi praticada. De
acordo com os moradores, os ambientes de pesca suportam esse tipo de equipamento, e seu
uso ocorre predominantemente em período de cheias e nos campos inundados. Devido à forte
corrente fluvial, o Rio Peituru não possibilita o uso de malhadeira durante a estiagem.
49
Ambientes Espécies Materiais Época do ano
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Comunidade Bom Jesus
Lagos
Pirarucu Arpão x x x x
Tambaqui Arco e flecha x x x x
Tucunaré Linha e anzol, arco e flecha x x
Pirapitinga Arco e flecha x x
Rios
Pirarucu Arpão x x x x
Tambaqui Arco e flecha x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x
Pirapitinga Arco e flecha x x
Campos
Pirarucu Arpão e canição x x
Tambaqui Arco e flecha x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x
Pirapitinga Arco e fecha x x x
Comunidade São João do Cupari
Lagos
Pirarucu Arpão x x x x x
Tambaqui Arco e flecha x x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x x x x x
Pirapitinga Arco e flecha x x x x x x
Pirarucu Arpão x x x x x x x
Tambaqui Arco e flecha x x
50
Ambientes Espécies Materiais Época do ano
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Rios
Tucunaré Linha e anzol x x x x
Pirapitinga Arco e flecha x x
Campos
Pirarucu Arpão e canição X x x
Tambaqui Arco e flecha X x x
Tucunaré Linha e anzol x x
Pirapitinga Linha e anzol e arco e flecha X x x x
Tambaqui Linha e anzol e arco e flecha
Comunidade Miritizal
Lagos Tambaqui Malhadeira x x x
Pirapitinga Malhadeira x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x
Rio
Pirapitinga Malhadeira x x x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x
Campo
Pirapitinga Malhadeira x x x x
Acari Malhadeira x x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x
Tabela 7: Pesca: ambientes, equipamentos e períodos.
Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: autor
51
Os períodos de pesca de determinadas espécies nos ambientes dos ecossistemas de
várzea, frequentemente sofrem variações em função de mudanças na duração das cheias. A
partir de 1989, passaram a ser observadas na região cheias mais prolongadas que duram até
oito meses (fevereiro a setembro), assim como também nos anos de cheias menos demoradas,
com duração de apenas sete meses (janeiro a julho). Quando os campos ficam mais tempo
inundados, espécies como o tucunaré e o acari permanecem por mais tempo nesse habitat em
relação ao tambaqui, pirapitinga e pirarucu. Quando ocorre o contrário, todas as espécies se
concentram nos lagos e rios a partir do mês junho.
Mesmo o ecossistema de várzea dispondo de variedade relativamente grande de
espécies de pescados conhecidas pelos pescadores, somente cinco espécies são extraídas com
finalidade de comercialização. As espécies extraídas nas três comunidades são tambaqui e
pirapitinga. O Acari é extraído comercialmente apenas na comunidade Miritizal. O tucunaré é
extraído em pequena quantidade na comunidade Vila Bom Jesus e em maior quantidade na
comunidade São João do Cupari, principalmente em função da pesca nos lagos do rancho,
onde se concentram os maiores cardumes capturados nos meses de julho a setembro através
da pesca com isca. O pirarucu não é capturado na comunidade Miritizal.
Da interação dos pescadores com o ecossistema de várzea e com os compradores
surgem os primeiros mecanismos de controle da pesca. Esses mecanismos de controle
compostos por “ regras intrínsecas” (FABRÉ et al., 2007, p. 20) assumem diferentes formas,
que podem ser sutis, quase imperceptíveis, de compreensão apenas do grupo local, praticadas
intencionalmente ou não ou em forma de acordos comunitários. Os mais conhecidos são os
acordos comunitários de pesca, como será tratado a seguir.
2.3 NORMAS LOCAIS COM BASE NO DOMÍNIO PARTICULAR DASÁREAS DE
EXPLORAÇÃO (1890-1972)
Os primeiros moradores que deram origem a população que hoje ocupa as várzeas do
Rio Coati chegaram por volta de 1890, para o trabalho de extração do látex da borracha. Com
o fim do primeiro período da borracha, na segunda década do século XX, esses moradores
dedicaram-se a produção agrícola: tabaco e farinha para consumo e comercialização do
excedente, e ao extrativismo da castanha-do-brasil, para troca com os poucos marreteiros que
entravam no Rio Coati, uma ou duas vezes ao ano.
52
A relação dos moradores com o mercado era restrita ao surgimento dos marreteiros.
“Agente plantava muito, quase não comprava nada de fora. O café era nós que plantava, o
açúcar era feito de cana e nós mesmo que fazia” (Morador VBJ 02), conta uma moradora da
comunidade Bom Jesus, com 80 anos de idade. Outro morador relatou que os primeiros
moradores não conheciam a arte da pesca, pois “vieram de fortaleza [estado do Ceará] para
trabalhar com a seringa. Quando acabou a compra da borracha, eles se dedicaram à roça. O
que eles sabiam mesmo era plantar, pra isso eles eram bons, mas pra mariscar, nem sabiam
pegar num arpão, num arco com uma flecha” (Morador VBJ 03).
A pesca ou o ato de “mariscar”, como é denominado pelos moradores ainda hoje,
torna-se importante no modo de produção nas comunidades Bom Jesus e São João do Cupari,
por volta de 1923, com a chegada de Antônio Fernandes Barbosa, o Antonico. Filho do
seringalista João Fernandes Barbosa, que tinha barracão e estradas de seringas em várias
localidades do Xingu. Antonico deu continuidade à atividade desenvolvida por seu pai na
localidade (posse) São João, recebida como herança. Aviava mariscadores e extratores de
seringa e maçaranduba, caçadores de animais para a produção da pele (onça, maracajá, lontra,
sucuri) e outros animais.
Entre a chegada de Antonico (1923) e 1973, ano de seu falecimento, ele exerceu o
monopólio do sistema de aviamento e a troca de mantimento10
e outros produtos entre os
moradores das comunidades de Bom Jesus, São João do Cupari e Alto Peituru. Como relata
uma neta dos primeiros moradores da Comunidade Bom Jesus: “Naquele tempo, a gente ia lá
no velho Barbosa e voltava com a canoa Santarém cheia de bagulho, mas isso era uma ou
duas vezes por ano. Ai os homens iam pescar pirarucu com canição e arpão para pagar a
conta. Quando não, iam pra mata juntar castanha. Só depois que começaram a pegar jacaré e
outros bichos pra vender o couro” (Morador VBJ 02).
Os filhos e genros de Antonico dedicavam-se à caça e aos “mariscos” para suprir a
demanda do comércio. Os marreteiros que adentravam o Rio Cupari abasteciam o comércio
com mercadoria e indicavam os produtos de interesse para recebimento da venda. Os produtos
de interesses eram indicados para os fregueses de Antonico, que utilizavam diferentes
métodos de extração: arpão, flecha e arco, linha e anzol (caniço, linha de mão, siririca,
auauaca), canição para jacaré e pirarucu. São métodos herdados dos índios e dos
10Na definição dos moradores das comunidades é tudo produto (pescado, caça, jacaré...) salgado e seco destinado
ao mercado de troca com os marreteiros.
53
colonizadores e adaptados pelos moradores às condições locais e de acordo com a
disponibilidade de matéria prima para confecção dos materiais.
O poder exercido por Antonico ia além do monopólio do sistema de aviamento. Ele
mantinha o controle das atividades de extração por ser o “dono” das terras, estabeleceu cotas
de extração de quelônios, não “consentindo” que os filhos e genros capturassem quelônios
(tracajá e cabeçudo) para a comercialização ou mesmo que excedesse mais de dois tracajás,
por extração, nas terras que lhes pertenciam de um lado e outro das margens do Rio Cupari.
Quando algum membro da família excedia dois animais, o patriarca mandava soltar, conta
uma das filhas de Antonico: “naquele tempo, o papai não consentia, de jeito nenhum, fosse
quem fosse, pegar mais de dois tracajás, mesmo que fosse pra comer. Ele mandava soltar na
hora, não tinha acordo” (Morador SJC 02). O livre acesso à área sob o domínio do patriarca
era restrito aos filhos e genros.
A entrada de pessoas estranhas para qualquer atividade relacionada à caça e à pesca
nas várzeas do Rio Cupari estava condicionada ao consentimento do patriarca. No Rio Coati,
ocupado pelas fazendas de Michel de Mello e Silva11
, o controle era exercido por um capataz
local das fazendas Aquiqui, que recebia as ordens de um gerente que ficava na sede das
fazendas no Rio Aquiqui. Normalmente só entrava com autorização verbal do capataz e,
sobretudo se a produção de mantimento ou peles fosse destinada ao comércio da família Silva,
localizado na Boca do Aquiqui.
Na comunidade de Bom Jesus ou Terra Firme, como era denominada pelos moradores,
a situação da pesca era diferente da situação no Cupari, os moradores dedicavam-se a
agricultura e ao extrativismo de produtos da floresta. A pesca era praticada sazonalmente, pois
“só no mês de novembro eles iam pescar nos poços do rancho. Mas era só uma vez. Tinha
muito pirarucu e cada mariscador pegava sua quantia e ia embora e só voltada no outro ano”
(Morador SJC 03).
Enquanto Antonico mantinha o controle no Rio Cupari, Michel Silva ampliava a
criação de gado e, também o comércio do sistema de troca. Apresentando-se como dono de
todas as terras de várzea, ele ordenava a pesca de acordo com a demanda de seus
11Em 1941, Michel Mello e Silva comprou do cel. José Júlio de Andrade Miranda, a fazenda São Sebastião, no
Rio Aquiqui. Iniciou a criação de bubalinos (Bubalus bubalis) em 1951, e no auge dessa atividade chegou a 18
mil animais, distribuídos em 197 fazendas, conhecidas como retiros, distribuídos na área de várzea, hoje Resex
Verde para Sempre (HOMMA, 2015).
54
empreendimentos comerciais. No final dos anos de 1960, os vaqueiros de suas fazendas do
Rio Coati, fecharam com madeira o Igarapé Munguba, no final do Rio Coati, para que os
cardumes de pirarucu ficassem sem saída para o rio durante o período de estiagem, de modo a
facilitar a captura pelos pescadores, que também eram vaqueiros. Dois moradores do Rio
Cupari, um filho e um genro de Antonico, tomaram a iniciativa de destruir a cerca, para
permitir que os cardumes acessassem o rio e, com isso, dificultasse a captura.
Essa iniciativa isolada desafiou a autoridade dos capatazes e funcionários do alto
comando das fazendas Aquiqui, gerou tensão e ameaças de ambas as partes. Possivelmente,
esse foi o primeiro conflito envolvendo os recursos pesqueiros nos rios Coati e Cupari que se
tem informação, no longo período, que vai desde a última década no século XIX, até por volta
de 1970, considerando-se que a extração de pescado, iniciada pelo pirarucu e depois se
expandindo para espécies de menor tamanho, começa a partir da chegada de Antonico no Rio
Cupari, por volta de 1923.
Em suma, ao longo desse período da história de exploração dos recursos pesqueiros
nasce a ideia de que é necessário estabelecer alguma forma de controle e as formas de
controle implantadas por Antonico para o tracajá e também pelos administradores das
fazendas podem ter inspirado a formulação de outras formas de controle a partir de 1970,
quando aumentou a produção de mantimento em toda área de várzea, hoje Reserva
Extrativista, em função de vários acontecimentos externos. Assim como, sinaliza para uma
compreensão acerca dos recursos naturais, de que mesmo em áreas de uso particular deve
existir respeito às formas costumeiras de extração, e evidencia disputas locais pela produção
de pirarucu, dado o aumento da procura.
2.4 NORMAS LOCAIS INFORMAIS (1970 A 1995)
As primeiras normas desvinculadas do uso particular da terra se voltavam para a
proibição da pesca com malhadeira e uso de timbó (Paullinia pinnata). Com o falecimento de
Antonico, em 1973 e a decadência das fazendas Aquiqui12
perde-se o referencial do “dono”
das terras com poder de controlar o acesso aos recursos pesqueiros e impõe aos moradores o
desafio de conviver com as mudanças externas que vão afetar a atividade pesqueira na região
do município de Porto de Moz como um todo. O aumento da demanda por mantimento em
12
A decadência das fazendas Aquiqui inicia a partir da década de 1970, e se consolida duas décadas e meia
depois, com a ocupação das terras antes sob o domínio da família Silva, por moradores das comunidades
estudadas. Aliás, muitos dos moradores dessas comunidades são ex-vaqueiros das fazendas. A ocupação das
terras que pertenceram às fazendas Aquiqui foi um processo de “reforma agrária silencioso” (HOMMA, 2015).
55
função da exploração madeireira em Breves, o fechamento das comportas da Usina
Hidrelética de Tucurui (UHT) são fatores importantes nas transformações da extração do
pescado e nos conflitos, na região do Xingu, nos anos de 1980 e 1990.
O aumento da demanda por mantimento nas várzeas do município de Porto de Moz se
dá através da entrada de marreteiros, oriundos predominantemente da ilha do Marajó,
especificamente do município de Breves, os brevienses, como foram chamados pelos
moradores das comunidades.
Com início do extrativismo e processamento de madeira no município de Breves,
pequenas serrarias foram instaladas ao longo dos rios e igarapés. Os marreteiros abasteciam
os barcos com víveres, madeira processada em forma de tábuas, pernamancas, ripas e outras
peças e partiam em direção as várzeas para comercializarem em troca de mantimento. Jacaré,
capivara, pirarucu, caça e peixe salgado eram os principais produtos negociados pelos
marreteiros com os moradores.
Até por volta de 1994/5, praticamente todas as famílias das comunidades estudadas,
viviam basicamente do marisco, da agricultura de subsistência e da criação de animais (gado e
porco) em pequena quantidade. Como relata uma moradora:
Até o FNO, a gente vivia mais da pesca, todas as famílias pescavam e vendiam para
o marreteiro. Era jacaré, capivara, peixe, caça. Tudo era salgado e trocado com o
marreteiro. Até hoje tem gente que ainda vive assim, mas já é pouco. O gado que a
gente tinha era muito pouco, não dava nem pra fazer queijo. Uns tinha cinco, dez
cabeça de gado. Agora não, quase todo mundo tem gado e muitas famílias fazem
queijo pra vender, já não vivem mais só do marisco (Moradora SJC 04).
O FNO especial foi o principal responsável pelo aumento da criação bubalina nas
comunidades Bom Jesus e São João. As operações foram individualizadas. Em muitos casos,
os casais fizeram duas operações, uma para o esposo, outra para a esposa, destinadas a
compra de até nove matrizes, um reprodutor, animal de serviço e recursos para abertura de
pastagem e construção de cerca. Além de recurso para cultivo de coco, açaí, cupuaçu ou café.
Todas as operações foram realizadas entre 1995 e 2004. Para acesso ao FNO, os interessados
obrigatoriamente deveriam ser sócios de cooperativas ou associações. Foram realizadas 51
operações de crédito (31 em São João do Cupari e 20 em Bom Jesus). Na comunidade
Miritizal não existe associação ou cooperativa, fato que impediu aos moradores acessarem ao
crédito.
56
A ocupação com a criação de gado vai, aos poucos, se fortalecendo e algumas famílias
abandonam parcial ou completamente a atividade pesqueira e se dedicam mais à criação e à
agricultura, principalmente a partir das cheias do ano de 198913
. As famílias que criavam
bovino nas três comunidades substituíram essa atividade pela a criação de bubalinos a partir
de 1990 e passaram a abrir pastagens em áreas de terra firme para o período das cheias. Com
o acesso a financiamento, a população de bubalinos aumentou exponencialmente, entre os
moradores, a partir de 1996.
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT), pescadores artesanais do
Rio Tocantins, também conhecidos como geleiros14
, afetados pela construção da UHT
migraram para a região do Xingu, no começo da década de 1980. A pesca no Rio Xingu entre
os rios Peri e Acaraí foi tão intensa, que em menos de uma década o sistema de pesca
artesanal local entrou em crise. Essa situação, agravou-se também pela pesca intensa no Lago
do Urubu, considerado como um lago de reprodução de várias espécies de pescado.
Os pescadores artesanais com residência na cidade de Porto de Moz e mesmo os
pescadores das inúmeras comunidades rurais das proximidades das áreas afetadas pelas
geleiras, deslocaram-se para novos ambientes de pesca, mais afastadas das margens do Rio
Xingu. Os rios Coati, Peituru e os lagos do rancho tornaram-se os principais alvos dos
pescadores, principalmente pela abundância e facilidade de captura do pescado. Portanto, os
conflitos ocorridos a partir da década de 1980, nas comunidades de Bom Jesus e de Cupari,
têm como causa principal a redução dos estoques de pescado em outras áreas de pesca do
Xingu. Ao contrário dos pescadores das comunidades estudadas, os pescadores estranhos
13
Em 1989 houve a segunda maior cheia. Sendo superada apenas pela cheia de 1953 (HOMMA, 2015). As famílias que criavam bovinos, perderam parcial ou totalmente os rebanhos. No ano seguinte os rebanhos salvos
foram trocados ou vendidos para a compra de bubalinos. 14 A lei Nº 11.595/2009 classifica a pesca em duas categorias: comercial, subdividida em artesanal e industrial; e
não comercial subdividida em científica, amadora e subsistência. É considerada pesca artesanal “quando
praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com
meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de
pequeno porte” e industrial “quando praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais,
empregados ou em regime de parceria por cotas-partes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande
porte, com finalidade comercial” (BRASIL, 2009, Art. 8º, I, a, b). De acordo com Batista, Isaac e Viana (2004,
p. 72) “a frota de embarcações da pesca artesanal de pequena escala que atua nas águas costeiras e estuarinas
está composta por um grande contingente de unidades de madeira, que pescam com redes de espera de tamanhos
variados, podendo alcançar até 3km de comprimento, e algumas vezes também utilizam espinhéis. Possuem
comprimentos entre 8 e 18m, são tripulados por 4 a 6 pescadores e utilizam gelo, que levam no porão, para
conservar o pescado. Possuem motores de até 300HP de potência e a tonelagem de arqueação bruta pode chegar
a 150t.” Portanto, o terno “pescadores artesanais” refere-se aos pescadores descrito pela legislação e pelos
autores citados.
57
sempre usaram a malhadeira como principal instrumento de extração, nos rios Xingu, Aquiqui
e Jaurucu, e no lago do Urubu, sem qualquer restrição. Para entrar nas áreas usadas pelos
moradores, esses pescadores se aliavam aos moradores para facilitar a entrada ou entravam à
noite, para evitar contato com moradores.
A proibição da pesca com a utilização de malhadeira não foi uma decisão tomada em
assembleia de moradores, pelos patriarcas, líderes das comunidades ou pela interferência de
atores externos. Foi uma decisão nascida da relação da população com os ambientes –
responsável pelo fornecimento dos bens materiais e culturais à população; da consciência que
cada morador necessita ter para garantir a vida em comunidade; dos conhecimentos acerca
dos habitats e da ecologia das espécies extraídas, e também como forma de preservar uma
identidade de pescador efetivamente tradicional, com domínio sobre a arte da pesca com
instrumentos menos eficientes, como arpão, arco e flecha.
Certamente, os conhecimentos acerca dos ambientes de pesca conferem aos moradores
desses lugares os elementos necessários para consentir o que consideram possível o ambiente
suportar em termos de extração. Por isso, a reação “natural,” e de todos os membros das
comunidades em favor da proibição da pesca com malhadeira e timbó.
A proibição foi uma ação defendida por todos os moradores. “Quando se tinha notícia
que tavam pescando com malhadeira, todo mundo se juntava e ia atrás, prendia malhadeira,
casco, barco, peixe... o que tivesse era preso, não tinha conversa.” (Morador SJC 05). Não
havia reuniões para proibir ninguém de pescar, todos os moradores sabiam da não aceitação
da pesca com malhadeira. Quando havia notícias de que alguém estava pescando, os
moradores se organizavam em grupos e iam ao encontro dos pescadores para impedi-lose
fazer a apreensão dos equipamentos, como ocorreu nos lagos do rancho:
Primeiro o cumpadre (...) avisou que eles [os pescadores, sendo dois moradores e
um pescador de Souzel, município vizinho, o dono das malhadeiras] tinham passado,
ai a gente se reuniu e foi atrás. Chegamo lá no poço do rancho, eles vinham varando
do estaca [poço] com os cascos cheios de tambaqui e pirapitinga (...), ai nós
enfrentemo. Eles disseram que ia ter morte, mas nós não ficamo com medo.
Trouxemos os cabras. Não teve conversa. O Nondas era o comissário de polícia15 naquela época. Levou todos pra cidade, com peixe e tudo, mas quando chega lá, tu
15 Muitos dos conflitos de pesca envolvendo moradores eram mediados pelo comissário de polícia: uma pessoa
indicada pelo delegado de polícia civil, com a função de expedir licença para a realização de festas dançantes,
conduzir alguém até a presença do delegado, na cidade. Normalmente os moradores tinham respeito e aceitavam
ser levados pelo comissário quando havia brigas ou alguma anormalidade nas comunidades. O comissário era
responsável para prestar serviço na Vila Bom Jesus e em São João do Cupari.
58
já sabe, tem o negócio dos políticos que passam a mão e nada acontece.” (Morador
SJC 05).
A manutenção dos rios e lagos livres da pesca com malhadeira tornou-se uma relação
direta entre proibição e responsabilidade de todos os moradores das comunidades Bom Jesus e
São João. Quando havia pessoa “suspeita”, no rios Coati, Cupari e nos lagos os moradores
faziam um percurso de quatro horas de canoa entre uma comunidade e outra, no período do
verão, para avisar aos moradores do que estava ocorrendo ou prestes a ocorrer. A partir do
comunicado os moradores se organizavam em grupos e saiam ao encontro dos pescadores.
Em algumas situações, os moradores faziam rodízio de vigilância dos rios.
A proibição da pesca com timbó e malhadeira, também serviu como mecanismo de
exclusão dos pescadores não residentes nas comunidades, pois a extração do pescado com
instrumentos como arco e flecha, linha e anzol requer muito tempo para obtenção da produção
desejada. Mesmo não sendo proibida a entrada de estranhos para pescar com os mesmos
materiais usados pelos moradores, a exigência de tempo necessário para a produção
inviabilizava a participação de não moradores. Por exemplo, um pescador, usando apenas o
arpão para a captura do pirarucu, pode ficar até um mês para conseguir pescar um exemplar.
Já com o uso da malhadeira, a eficiência aumenta drasticamente.
2.5 NORMAS LOCAIS FORMAIS (1996 a 2012/13)
As primeiras normas formais são constituídas a partir de uma ordem cronológica com
base nos acontecimentos, entre 1996 e 2012/13, à medida que os conflitos foram ocorrendo,
novos materiais e métodos foram sendo empregados no processo de extração e de acordo com
as estratégias das comunidades em defesa dos seus espaços e de seus recursos.
As primeiras normas criadas em 1996 pelas comunidades de Bom Jesus e de São João
do Cupari, expressam textualmente a convicção dos moradores de que os rios a eles
pertencem, mesmo legalmente sendo áreas de domínio da União. Dessa convicção emerge a
responsabilidade, definida no documento como “direito de preservar” (Anexo I)
As súplicas, aparentemente feitas à paróquia, ao IBAMA e câmara municipal buscam
o reconhecimento das lutas locais, mas sem atribuir responsabilidades aos atores externos.
Um sinal claro de que as normas locais informais que proibiam a pesca com malhadeira,
timbó e matança de pato do mato precisariam ser reconhecidas e apoiadas por atores externos
em momento de conflitos para se fazerem respeitadas.
59
Esses documentos reivindicatórios quando construídos única e exclusivamente por
moradores, apresentam uma transcrição fiel à vivência e aos mecanismos de controle
informais, com poucos argumentos e sem a presunção de atribuir penalidades, pois estas são
materializadas de acordo com as circunstâncias e, em muitos casos, não são reveladas, como
parte das estratégias dos grupos, como por exemplo, quando materiais e canoas de pescadores
são destruídas. Apresentam respostas concretas e objetivas a situação real e atual, como
descrito no Acordo de pesca de 1996:
Nós o povo da comunidade Bom Jesus do Rio Coaty em união com o povo da
comunidade São João do Cupari localizada na fronteira de nosso Rio tomando
conhecimento de que a pesca de malhadeira é uma pesca predatória que elimina tudo
e qualquer quantidade e qualidade de peixes de nossos Rios. Reconhecendo nosso
direito de lutar em defesa da preservação dos peixes de nossos rios pois é a única
fonte de alimentação que nós o povo do interior precisamos ter todos os dias, pois
sabemos que se for [sic] eliminados os peixes de nossos rios através destes tipos de pesca predatória. Nós o povo do interior seremos envolvidos pela fome e por um
total sofrimento. Pois é a única fonte de alimentação que nos dar a garantia de
sobrevivermos tomando conhecimento que existe pessoas que se provalecem [sic]
desta época de estiagem para querer realizar esse tipo de pesca e assim abuzar [sic]
de nossos direitos de preservação que já é consagrado; nós, o povo em geral de
nosso rio resolvemos nos reunir para juntos discutirmos os meios e normas
comunitárias que possam amparar nossa situação neste sentido através do
acompanhamento dos artigos da lei que ampara os direitos da preservação.
1º- Fica apartir [sic] deste dia proibido [sic] a pesca com malhadeira em nosso rio,
de qualquer natureza ou tamanho, por nós residentes do rio e para as pessoas de fora;
2º- fica proibido o uso de timbó em qualquer parte do nosso rio;
3º- Fica proibido a pesca com puçá que é um tipo de rede que pesca tartaruga, tracajá e etc;
4º- Fica apartir [sic] desse dia proibido [sic] a matança de pato do mato em tocaia
com a quantia estipulada no mínimo três e no máximo cinco.
Esta aprovação comunitária foi realizada dia 10 de novembro de 1996 na igreja
católica da Vila Bom Jesus, por inúmeros membros de nossas comunidades, que
para reforçarmos o que tratamos, enviamos um a baixo assinado com as assinaturas
do povo do nosso rio.
Pedimos com isso o apoio de nossas autoridades competentes do qual esperamos
todo o apoio e atenção.
A situação concreta que ensejou a elaboração do documento foi a entrada de
pescadores residentes na cidade utilizando malhadeira e a introdução da tocaia, também
conhecida como negaça16
, para a matança de pato do mato. Muitos caçadores saiam de
Altamira para caçar pato do mato no Rio Coati e retornavam com mais de 50 aves por
16 Tocaia ou negaça é uma técnica usada para a captura do pato do mato. O caçador fica camuflado em baixo de
uma moita e coloca um pato doméstico ou feito de madeira (cor preta) a uma distância entre 10 a 15 metros. Ao
ver a ave, o pato do mato pousa próximo e é abatido com arma de fogo.
60
viagem. Ao tomar conhecimento, os moradores das comunidades reagiram, manifestaram suas
posições contrárias e as fizeram chegar às autoridades governamentais distantes da realidade
local, que possivelmente não responderam por não serem capazes de compreender como
vivem essas populações.
Nos mecanismos definidos exclusivamente pelas comunidades, não há determinação
de punição ou referências às leis que punem os chamados crimes ambientais. As sanções são
executadas com base na leitura que os moradores fazem dos fatos e nas reuniões para
discussão do problema. As ideias são apresentadas e validadas ou não pelo conjunto de
moradores. Embora nem todos os moradores das comunidades tomem posição diante dos
conflitos, a aprovação da maioria torna-se uma condição para a ação e é assumida como uma
ação dos moradores, “nós, o povo”, mesmo quando praticado por uma fração de seus
membros, como tem ocorrido em casos de destruição de barcos e materiais de pesca.
Quando a ação é praticada por poucas pessoas, todos ou a grande maioria dos
moradores de um lugar assume o ato como uma ação da comunidade, como ocorreu
recentemente nas comunidades do Rio Acai, às margens do Rio Xingu. Os moradores
apreenderam e queimaram as malhadeiras de pescadores externos. Os pescadores registraram
ocorrência policial e no dia da audiência, a comunidade toda foi mobilizada e não apenas as
pessoas acusadas da destruição. Outro caso que bem ilustra tanto a questão das sanções
quanto o envolvimento dos moradores nos conflitos foi o recolhimento das malhadeira na
comunidade São João do Cupari. Depois de uma reunião em que ficou combinado que a pesca
com malhadeira seria suspensa, os moradores que tinham esse material entregaram à diretoria
da associação para que esta ficasse como fiel depositária.
A prática de recorrer à polícia instalada no município (civil ou militar) sempre foi uma
estratégia de pescadores que tiveram materiais confiscados por moradores das comunidades e
também das comunidades para resolver os conflitos. Na ausência de órgãos para regular as
atividades de extração dos recursos naturais, ambos recorriam à polícia para mediar situações
conflitivas, como relata uma moradora: “agente vinha na delegacia, ai o delegado dava um
conselho pra ambas as parte, mas apoiava a comunidade e resolvia o problema” (Morador SJC
07).
No entanto, a partir da década de 1995, com a aproximação entre comunidades e
entidades representativas como os Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
61
(STTR), da criação das associações comunitárias, das colônias de pescadores, das ONGs e
outros tipos de organização formal, as comunidades passaram a elaborar normas assessoradas
por atores externos e, em alguns casos, contaram também com apoio financeiro.
Com a criação da Resex Verde para Sempre, em 2004, a participação de agentes
externos no processo de assessoramento às comunidades aumentou significativamente, e isso
torna-se explícito na descrição dos acordos de pesca, conforme se observa no acordo de pesca
de 2011 das comunidades do Rio Coati e Cupari e no acordo de 2008 da comunidade Miritizal
(Tabela 8) (Anexos II, III e IV).
62
Ano Comunidades Atores envolvidos Conflitos Objetivos
Mecanismos de controle
Materiais
Permitidos
Materiais Não permitidos
Fiscalização Extração
1996
V. B. Jesus e
São João do
Cupari
Moradores das duas
comunidades
Entre
moradores e
pescadores e
caçadores de
pato do mato
externos
Garantir a
manutenção das
fontes de alimento
dos moradores,
através da proibição
da pesca com
malhadeira e a caça
ao pato do mato,
“matança”.
Sem especificação Malhadeira
Timbó
Solicita apoio do
IBAMA, paróquia
e câmara de
vereadores para as
proibições.
Proibição da
extração de Pato do
mato.
2006 São João do
Cupari.
Moradores das
comunidades,
ACRC, UFPA, CDS.
Redefinir as
estratégias de controle
de uso da área
comunitária, da pesca e da criação de gado.
Siririca, Tiradeira,
Linha-de-mão;
caniço, tarrafa e arco e flecha.
Malhadeira,
zagaião,
timbó, mergulho.
Sem especificação
Determina
parâmetros para
extração com base no peso mínimo
das principais
espécies (tambaqui
2kg, tucunaré 500
g e pirapitinga 2
Kg); Proíbe a
extração de
pirarucu por três
anos;
Estabelece período
de pesca (1º de
junho a 30 de setembro).
2008
Miritizal,
Cajueiro e
Laranjal.
Moradores das três
comunidades e
Colônia de
pescadores Z64.
Entrada de
pescadores de
outros lugares
para a prática
da pesca.
Criar mecanismo de
controle para a prática
da pesca, extração de
animais e
desmatamento.
Malhadeira de até
150m de maio a
junho, 75m de
agosto a setembro,
com tamanho
mínimo de 40mm
de malha.
No lago
cumprido [sic]
não é
permitido a
pesca de
malhadeira.
Comunidades
envolvidas,
Colônia Z64 e
órgãos
competentes (sem
especificações de
nomes).
Para a captura do
tambaqui, o
tamanho mínimo
da malha é 20cm;
63
2011
V. B. Jesus,
Maria de Mattias,
Vila Nova Bom Jesus e São João
do Cupari
Moradores das
comunidades V. B.
Jesus, Maria de
Mattias, Vila Nova
Bom Jesus e São João do Cupari, CDS, GIZ,
STTR, Colônia Z64,
ASPAR
Aumento da
pesca com o
uso de malhadeira
“Estabelece regras
específica para o
ordenamento
pesqueiro, acordada
com os moradores ribeirinhos nos rios
Quati e Cupari”. (Art.
1º).
Tarrafa, arpão (com
restrição à pesca do
pirarucu),
Arpão para
pirarucu até o
período de
paralisação
previsto;
Malhadeira,
Zagaião, farol,
timbó
explosivos.
Comunidades,
SEMMA/Porto de
Moz, Polícias
Militar e Civil - DEMA/PC,
IBAMA, MPA,
ICMBIO
Período dedicado à pesca: 1º de junho a
30 de
setembro;Parâmetros
para a captura de
espécies: 55cm
tambaqui, 30cm
tucunaré e 50cm a
pirapitinga;
Proíbe a entrada de
pessoas de outros
setores (lugares).
Tabela 8: Mecanismos de controle elaborados com assessoramento externo..
Fonte: acordos formais. Elaboração: autor
64
Observa-se que, nos acordos em que há assessoramento de atores externos, são
introduzidos termos técnicos, como “conselho intercomunitário”, “auto de constatação” dentre
outros, até então novos para os moradores. A atribuição de penalidades, referências a leis
ambientais e o estabelecimento de parâmetros técnicos, baseados na relação com o mercado,
também são características que distinguem as evidências dos mecanismos constituídos
localmente, sem o assessoramento de atores externos.
Sumariamente, a preocupação com os estoques dos recursos naturais necessários a
reprodução social, econômica e cultural das comunidades foi a base para a definição de
normas locais para exploração, em especial dos recursos pesqueiros. No contexto da pesquisa,
observa-se que as normas ou mecanismos são estabelecidos desde os primórdios do processo
de ocupação desse território e se estendem até um modelo formal, constituído a partir das
relações com atores externos.
À medida que o Sr. Antonico deixa de exercer o monopólio do comércio e o Sr.
Michel perde o controle das terras de várzea, a partir de 1970, a população organizada em
comunidades, cria duas regras locais de controle da pesca, eficazes até 2010: a proibição da
pesca com malhadeira e timbó. Sobre essas duas proibições os moradores das duas
comunidades se fizeram reconhecidos na luta pela preservação dos recursos pesqueiros por
mais de três décadas.
Contudo, a partir de 2010, apesar das iniciativas de reformulação das normas locais, as
comunidades perderam completamente o controle sobre a atividade pesqueira, em função de
vários acontecimentos que serão abordados no próximo capítulo.
65
CAPÍTULO III – MUDANÇAS NAS FORMAS DE EXTRAÇÃO DO PESCADO
Este capítulo tem por objetivos apresentar os fatores responsáveis pelas principais
mudanças na extração do pescado no contexto da Resex Verde para Sempre. Conhecer essas
mudanças tornar-se importante para a definição de apoio às comunidades no aprimoramento
da gestão local e para a gestão da Resex como um todo.
3. CONTEXTO ATUAL DAS COMUNIDADES
3.1 SITUAÇÃO DA RENDA
As mudanças nas formas de extração dos recursos naturais ou o abandono das
atividades extrativistas precisam ser descritas de maneira ampla e considerando-se que a
composição da renda das famílias passou por mudanças profundas a partir da metade da
década de 1990, com o advento do FNO especial; com o acesso das famílias aos programas de
transferência de renda (bolsa família, e mais recente o bolsa verde); e seguro defeso (Figura
2). Além das fontes de renda advindas de outros benefícios, não sumarizados, como amparo
maternidade para trabalhadoras rurais e pescadoras e auxílio doença.
Figura 4: Fontes de renda das famílias, 2014
Fonte: entrevistas. Elaboração: autor.
0
20
40
60
80
100
Freq
uên
cia
de f
am
ília
s n
a c
om
un
ida
de (
%)
Fontes de renda monetária das famílias
Miritizal
Cupari
Bom Jesus
66
De maneira geral, a pesca enquanto fonte de renda, é a segunda atividade em número
de famílias que a praticam, sendo inferior apenas à pecuária. No entanto, considerando que
todas as famílias, até metade dos anos de 1990, tinham algum membro pescador, o número de
famílias ocupadas com a atividade pesqueira caiu significativamente. Na comunidade de Bom
Jesus, das 90 famílias residentes, apenas 23 tem algum membro que se dedica a atividade
pesqueira, e em São João do Cupari, das 53 famílias 39 têm membros envolvidos na pesca.
Na comunidade Miritizal, somente duas famílias se dedicam única e exclusivamente à criação
de gado. As demais famílias que não pescam para a comercialização são compostas por
pessoas idosas.
A pecuária na produção familiar, sempre assumiu uma condição de “fundo de reserva”
ou “fundo para investimentos”. O acesso a outras fontes de renda como a pesca, agricultura e
programas de transferência de renda é fundamental para a manutenção da pecuária como
fundo a ser usado em investimento: imóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, meios de
transporte (barco e “voadeira”) e, principalmente, para tratamento de saúde tanto dos
membros das famílias que criam quanto de outras famílias na comunidade. A prática de
doação de bois às pessoas doentes é muito comum. Sempre que algum membro de família que
não cria gado ou que cria poucos animais, adoece normalmente animais são doados, por
parentes ou pessoas estranhas às famílias e vendidos em bingos e torneios de futebol, e o valor
gerado é entregue aos familiares da pessoa enferma.
Dentre todas as atividades produtivas, a que mais perde espaço é a agricultura –
cultivo de mandioca. Na comunidade de Bom Jesus, as famílias consideram mais prático e
conveniente comprar a farinha e outros produtos na cidade, a ter que cultivar e produzir
localmente. Essa estratégia se fortalece à medida que o sistema de transporte da comunidade à
cidade ocorre regularmente todos os dias da semana, em lancha voadeira, que faz o percurso
em pouco mais de uma hora de duração. No entanto, às vezes, falta farinha, como relata um
morador: “é a ilusão das pessoas que se dedicam só ao marisco e deixa de praticar a
agricultura e a criação. Eu te juro, Claylson [Cláudio], já teve dias que o peixe tava cozido e
não tinha farinha, agente corria no vizinho, no comércio e diziam que ainda não tinha chegado
da cidade” (Morador VBJ 04). Na comunidade São João do Cupari, o abastecimento de
farinha é feito por moradores que se dedicam à criação de gado e a produção de farinha de
mandioca para a comercialização local.
67
Observa-se também que, a cobertura dos programas de transferência de renda atinge
mais de 60% das famílias nas três comunidades. Considerando-se que o foco central dos
programas bolsa família e bolsa verde é atender famílias que vivem em situação de pobreza à
extrema pobreza, com renda inferior a R$ 77,00 (setenta e sete reais per capita) por mês,
pode-se dimensionar a situação econômica das famílias dessas comunidades. Ressalva-se que
o número de famílias beneficiárias dos programas de transferência de renda corresponde à
totalidade de famílias, sem exclusão de aposentados ou famílias que recebem Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) ou prestam serviços à prefeitura que teoricamente são excluídas
pelos critérios de acesso aos programas, o que torna a situação de pobreza e extrema pobreza
mais abrangente ainda.
Em todas as comunidades a prestação de serviços à prefeitura por professores,
serventes, secretários, transporte escolar é relevante para a composição da renda das famílias.
No entanto, na Vila Bom Jesus, chama a atenção ao fato demais de ¼ das famílias terem
vínculos com o serviço público. É possível que os serviços educacionais, Agente Comunitário
de Saúde (ACS) e o funcionamento da infraestrutura da Vila, como serviços de água, energia
elétrica, representação da prefeitura explique parcialmente o elevado número de funcionários
públicos.
Considerando-se a realização da pesquisa no interior de uma Resex, cuja existência de
extrativistas tradicionais é uma das condições para a criação desses espaços, com exceção da
pesca e da extração de madeira, não existe nenhuma família que pratique o extrativismo de
produtos florestais não madeiráveis (PFNM) com finalidade de geração de renda. No entanto,
pode-se atribuir um valor de consumo ao extrativismo da bacaba, patauá, miriti e outros
produtos de origem extrativa usados pelas famílias que vivem nas comunidades estudadas.
3.2 FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE PESCADO
Até metade da década 1990, toda a produção de pescado e caça era destinada ao
mercado de troca com os marreteiros dos municípios de Breves e Cametá, no Pará e de
Santana, no Amapá. A comercialização desses produtos in natura inicia-se entre1995/617
, a
partir do uso da tecnologia de conservação em caixa de isopor com gelo. Contudo, a aquisição
de gelo aumentava significativamente os custos das operações, pois o geleiro ou atravessador
17 Em 1995, foi inaugurada uma fábrica de gelo na cidade de Almeirim. Pescadores se deslocavam de Porto de
Moz em pequenos barcos para abastecê-los de gelo para a conservação do pescado, em viagens com duração de
cerca de 12h00 (trecho).
68
que comprava o pescado diretamente do pescador, tinha que se deslocar até a fábrica para
abastecer o barco com gelo a cada viagem, o custo diminuía o valor do quilo do pescado pago
ao pescador e consequentemente tornava a pesca pouco atrativa financeiramente.
Mesmo assim, a mudança no processo de conservação do pescado aumentou a
extração e possibilitou que pescadores estranhos às comunidades praticassem a pesca nos
ambientes antes usados predominantemente pelos moradores. Tanto é que, em 1996 foi
elaborado, pelas comunidades, o primeiro documento proibindo a pesca com malhadeira e
timbó, conforme foi descrito no capítulo anterior. Contudo, apesar da nova tecnologia de
conservação, a demanda dos mercados estava restrita às cidades de Porto de Moz e Almeirim
cujo consumo era pequeno em relação a oferta, principalmente entre os meses de julho a
setembro (safra).
Com a construção e funcionamento de uma fábrica de gelo18
em Porto de Moz, em
2004, os custos logísticos referentes à conservação do pescado foram reduzidos
significativamente, pois os compradores não precisaram mais se deslocar para Almeirim para
comprar o gelo, o que possibilitou aos compradores pagarem melhores preços aos pescadores,
tornando mais atrativa a pesca do ponto de vista financeiro.
Além das questões relacionadas à logística, a maior circulação de moeda, na cidade,
em decorrência da exploração madeireira, corroborou para o aumento da demanda e,
consequentemente, a pressão sobre os recursos pesqueiros e os conflitos decorrentes.
Contudo, mesmo em menor escala, a relação com o sistema de troca com os marreteiros,
principalmente relativo à produção de mantimento conservado com sal, como é o caso do
jacaré, capivara e em menor quantidade o pirarucu, continua ativo.
O acesso aos mercados nos grandes centros urbanos tornou-se possível a partir da
regularidade do transporte fluvial que, além de passageiros e cargas, transporta pescado
regularmente para os centros urbanos mais distantes19
. De modo que, o pescado in natura
extraído na Resex, conservado em caixas de isopor, chega ao porto de Belém, no máximo
18 A fábrica de gelo concluída em 2004 foi financiada com recurso do PDA/PADEC, é administrada por uma
Associação de Pescadores Artesanais (ASPAR). No ano de 2000, a ASPAR iniciou a produção artesanal de gelo
em barra, com produção de 48 barras a cada 24h00. Em 2004, com a implantação da fábrica aumentou a
produção para 11 toneladas a cada 24h00. Atualmente ampliou o processo de produção para 24 toneladas a cada
24h00 com a da instalação de novos equipamentos, adquiridos com recursos do Plano de Desenvolvimento Rural
Sustentável do Xingu (PDRS/Xingu), vinculado à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE/Belo
Monte). 19 Para Belém são três viagens por semana, Macapá são cinco viagens e Santarém são 4 viagens.
69
36h, saindo de Porto de Moz ou Almeirim e cerca de 20h até Santana, cidade portuária do
Amapá.
Faz-se importante observar que a funcionalidade desses mercados, que se estende do
pescador ao consumidor final, nos centros urbanos, depende da atuação de Agentes de
Comercialização (AGC), conhecidos como atravessadores, que atuam na compra do pescado
direto do pescador ou de terceiros, e distribuem em feiras e mercados urbanos ou mais
recentemente em navios.
No geral, são três agentes envolvidos na comercialização do pescado, divididos em
quatro grupos. O primeiro grupo trabalha com pescado in natura, destinados aos centros
urbanos de Santarém, Macapá, Belém e mais recentemente Altamira, em função da
construção da Hidrelétrica de Belo Monte; o segundo grupo trabalha com a comercialização
de pirarucu salgado, sobretudo destinado aos mercados de Macapá, navios e Belém; o terceiro
grupo atua na compra de mantimento salgado (jacaré e capivara, principalmente), destinado
aos mercados de Breves, Cametá e Macapá; e o quarto grupo atua na intermediação entre
pescadores e vendedores nas feiras e mercados dos municípios de Porto de Moz e Almeirim,
predominantemente (Figura 5).
70
Figura 5: Comercialização do pescado, 2014.
Fonte: entrevistas 2014. Elaboração: autor
O único caso em que há uma relação direta entre pescador e consumidor é na Vila
Bom Jesus. Lá, pescador e consumidor se relacionam diretamente, sem a intermediação de
terceiros. Quando o pescador chega do marisco, os moradores vão comprar o pescado que
ainda está na canoa. Para boa parte das famílias, o principal alimento do dia chega junto com
o mariscador do lugar. Pelo menos quatro pescadores se dedicam à pesca para abastecimento
da comunidade.
A relação com os mercados consumidores nos centros urbanos aumentou
significativamente a demanda por pescado e despertou o interesse de moradores exercerem,
concomitantemente, as funções de pescador e agente de comercialização (Tabela 9). Os
agentes locais formam grupos de pessoas para pescar para eles, fornecendo redes de pesca e
combustível para o rabeta20
, ou só comprando o pescado para pagar quando vendido na
20 Pequena canoa feita de madeira, com motor de poupa (5,5 a 15 CV), com capacidade para transportar de uma a
dez pessoas. Pela facilidade de levantar a hélice, permite viagens rápidas em campos e igarapés. Em
praticamente todas as famílias sempre há um “rebeta” ou “catraia”, para deslocamento dos moradores.
Pesc
ad
or
Consumidor Vila Bom Jesus
AGC
geleiro
AGC Barcos
AGC
Mercados, feiras Consumidores
Macapá
Belém
Santarém
Altamira AGC
Mercados, feiras Consumidores
Porto de Moz
Almeirim
Prainha
AGC local
Pirarucu
AGC
Barcos
AGC
Mercados /feiras Consumidores
Santarém
Macapá
Belém
Ca
ça
dores
de j
aca
ré
e c
ap
iva
ra
AGC
Marreteiro
AGC
Mercados, feiras Consumidores
Cametá
Brevés
Macapá
71
cidade. Quando o comprador sai para vender o pescado na cidade ou nos barcos de linha,
deixa caixas com gelo para serem abastecidas, de modo que durante a safra o fluxo de compra
e venda é permanente.
Comunidade Agentes de comercialização Total
Interno Externo
Bom Jesus 5 3 8
Cupari 4 2 6
Miritizal 0 1 1
Total 9 6 15
Tabela 9: AGC nas comunidades em 2014.
Fonte: dados da pesquisa, 2014. Elaboração: autor
Nas comunidades de São João do Cupari e de Vila Bom Jesus, os agentes de
comercialização (internos e externos) mudam a cada ano. Somente dois compradores internos
estão na atividade a mais de dois anos, os demais iniciaram em 2014. Já entre os compradores
externos, apenas um compra pescado a mais de um ano, os demais iniciaram em 2014.
Na comunidade de Miritizal, o controle da entrada de pescadores é feito através de
uma negociação entre os moradores e o agente de comercialização. Os moradores se
comprometem a comercializar o pescado para o agente e ele se compromete a não trazer
pessoas de fora da comunidade para pescar nos ambientes de pesca de uso dos moradores.
Embora seja um acordo informal e não seja cumprida rigorosamente, a estratégia tem evitado
a entrada de estranhos e conflitos envolvendo moradores e pessoas de outros lugares.
Considerando-se somente a extração de três espécies de pescado de maior demanda,
em 201421
, foram produzidas 28.480 quilos de pescado; 9.060 de mantimento (carnes de
jacaré e capivara salgadas e secas) e 120.000 unidades de acaris (Tabela 10). Esses valores
referem-se unicamente ao pescado vendido para os AGC. Muitos pescadores também
aproveitam as viagens para cidade, que fazem mensalmente, para recebimento do “bolsa
família”, para comercializarem pescado. Essa produção não foi considerada. Portanto, a
produção do ano de 2014 é maior que os valores apresentados.
21
Infelizmente, a inexistência de dados estatísticos da produção pesqueira e a dificuldade de levantar dados
(precisos) impossibilitam a comparação da produção de anos anterior a 2014.
72
Comunidades Nº famílias Produção por espécie
Mora-
doras
Pescadoras Pirarucu
(kg)
Tambaqui
(Kg)
Tucunaré
(Kg)
Acari
(Unid.)
Capivara
(Kg) Jacaré
(Kg)
Cupari 53 38 8.300 2.000 2.500 - 1.200 5700
Bom Jesus 90 23 5.000 3.000 1.200 - - -
Miritizal 25 18 - 6.480 - 120.000 960 1.200
Total 168 79 13.300 11.480 3.700 120.000 2.160 6.900
Tabela 10:Produção de pescado no ano de 2014.
Fonte: dados da pesquisa 2014. Elaboração: autor
Em termos de renda, no ano de 2014, foram gerados R$ 348.040,00 (trezentos e
quarenta e oito mil e quarenta reais) de renda para 79 famílias nas três comunidades (Tabela
11). A renda anual por família pescadora em Cupari foi de R$ 3.500,00; R$ 3.808,00 em Bom
Jesus e R$ 7.080,00 em Miritizal. Observa-se que a comunidade Bom Jesus tem o menor
número de famílias envolvidas com a atividade pesqueira, 25%, Cupari e Miritizal com cerca
de 72%. A produção de acari na comunidade Miritizal faz com que a renda por família fique
maior que nas demais comunidades.
Comunidades Famílias Renda bruta anual
(R$ 1,00)
Moradoras Pescadoras
Cupari 53 38 133.000,00
Bom Jesus 90 23 87.600,00
Miritizal 25 18 127.440,00
Total 168 79 348.040,00
Tabela 11: Renda bruta anual da pesca, 2014.
Fonte: dados da pesquisa. Elaboração: Autor.
A produção de pescado sofre variações drásticas de um ano para o outro. Anos em que
as cheias são grandes e prolongadas, normalmente a produção é maior. Porém, quando as
cheias são menores e rápidas, normalmente a produção é menor. De acordo com os moradores
entrevistados, isso ocorre pelo fato dos campos ficarem com o capim mais fechado (adensado)
e isso dificulta a migração dos cardumes dos grandes rios (Amazonas e Xingu) para as áreas
de pesca.
73
É possível que a produção apresentada (Tabela 10), esteja acima da média anual dos
anos anteriores, em função do uso de malhadeira pela ampla maioria dos pescadores nas
comunidades Cupari e Bom Jesus. Na comunidade Miritizal sempre se utilizou a malhadeira,
portanto, a produção apresenta-se dentro da média, para anos de boa produção.
3.3 INTENSIFICAÇÃO DA PESCA
A situação atual da atividade pesqueira nas comunidades analisadas é resultado das
mudanças ocorridas na estrutura de comercialização ao longo das três últimas décadas, desde
a utilização do gelo na conservação, passando pelo favorecimento do escoamento da produção
até os centros urbanos com a regularidade das linhas de transporte fluvial. Portanto, mudanças
estruturais são responsáveis pelo processo de intensificação da atividade pesqueira na região.
A partir da nova configuração dada pela dinâmica dos mercados, as famílias
aumentaram a eficiência e intensificaram o processo de extração. Introduziram-se novos
métodos e equipamentos na prática da pesca, como a malhadeira e a tiradeira22
, e outros
instrumentos para outras práticas de extração, como o uso de holofotes no abatimento do pato
do mato23
e a gravação do assovio da capivara24
para “arremedá-la”, facilitando sua captura.
A utilização desses novos métodos rompeu com as formas tradicionais de pesca e caça,
relacionadas aos ciclos da natureza, sobretudo pelos períodos de cheias e secas, e transmitidas
dos mais velhos para aos mais jovens.
Contudo, na comunidade de São João do Cupari, algumas famílias não aderiram à
pesca com malhadeira (Figura 5), sobretudo por considerar que esse tipo de material pode
levar ao esgotamento do pescado em pouco tempo, como explica um morador: “se não houver
22 A tiradeira ou espinhel é uma técnica empregada para a captura do tambaqui. Os anzóis são iscados com frutas
de seringa, socoró, castanhara ou mandioca e pendurados, em média, a vinte centímetros de profundidade, em
um fio (linha) de até 100 metros de comprimento, esticado horizontalmente na superfície da água. Os anzóis são
distribuídos a uma distância de aproximadamente um metro um do outro. As duas pontas do fio ficam amarradas
em varas ou galhos de árvores. Essa técnica é empregada em todas as comunidades pesquisadas durante o pico
das cheias, entre os meses de março a maio. De acordo com Moraes (2005) dependendo da espécie pretendida
para ser capturada, usa-se diferentes tipos de iscas e anzóis (frutos, sapos ou caramarão) e a posição da linha que
os anzóis ficam presos também sofre variações, podendo ficar esticada em posição transversal. Além do
tambaqui, quelônios como a tartaruga e a tracajá são capturadas com esse tipo de equipamento. Mas nas comunidades estudadas apenas o tambaqui é capturado com esse tipo de técnica. 23 Com o uso de holofotes ou lanternas potentes, caçadores de pato do mato e marrecos saem às noites para os
miritizais e tesos e com a luz forte encandeia as aves, que caem na água ou não conseguem voar e são abatidas
facilmente. Em conversa com moradores das comunidades analisadas, teve caso em que um caçador capturou,
em uma noite, 100 marrecos e comercializou a R$ 1,00 cada. 24
Os caçadores gravam, no celular, o assovio da capivara jovem e usam para atrair os animais adultos durante à
noite. Contam os caçadores que o animal chega à beira da canoa, achando se tratar de outro animal da mesma
espécie.
74
controle vai acabar, porque estão botando malhadeira. Esse ano fizeram muito dinheiro com o
peixe. Eu não pesco com malhadeira para não dar o braço a torcer, se não, não vou ter o que
falar no futuro, tenho dificuldade de dinheiro, porque não sou aposentado mas, mesmo assim
não pesco” (Morador SJC 08).
Figura 6: Uso de malhadeira nas três comunidades em 2014.
Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor
À medida que a malhadeira passa a ser o principal instrumento usado nas pescarias, os
“obstáculos” da natureza são superados. Os ambientes que antes eram explorados com
instrumentos menos eficientes como arco e flecha, linha e anzol (caniço, linha de mão,
siririca, auauaca...), de acordo com os ciclos da natureza, subida e decida da água, localização
dos cardumes, hábitos alimentares das espécies, agora são explorados em praticamente todas
as épocas do ano com maior eficiência.
Além da exploração contínua e eficiente, espécies como tambaqui e pirapitinga, antes
extraídas em pequena quantidade e somente durante a “baixada d’água”, agora passam ser
exploradas em todas as épocas do ano, principalmente quando os campos secam e os
cardumes se concentram nos rios e lagos (Tabela 12). O Arpão, um dos utensílios de pesca
mais antigos, é usado em situação excepcional, quando o pirarucu fica cercado pela
malhadeira, mas resiste em entrar nas malhas, o pescador usa para atingi-lo durante a
respiração aérea. Inaugura-se, desse modo, o tempo produção, da precisão, da rapidez, do
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Bom Jesus Cupari Miritizal
No
. de
fam
ílias
Comunidades da Resex Verde para Sempre
Nº famílias
pescam
Usam malhadeira
75
lucro. Como afirma um comprador de pescado: “um casal pescou só numa tarde 200 kg de
tambaqui e fez R$ 600,00. Se fosse de caniço ele passaria o ano inteiro para pegar esse tanto
de peixe e dinheiro.” (Morador VBJ 10).
76
Ambientes Espécies Materiais Época do ano
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Comunidade Bom Jesus
Lagos
Pirarucu Malhadeira, arpão x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x x x
Tucunaré Linha e anzol, malhadeira x
Pirapitinga Malhadeira x x x
Rios
Pirarucu Malhadeira, arpão x x x x x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x x x
Tucunaré Malhadeira x x x x x x x
Pirapitinga Malhadeira x x x x x x x
Campos
Pirarucu Malhadeira, arpão x x x
Tambaqui Tiradeira, malhadeira x x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x
Pirapitinga Linha e anzol x x x
Comunidade São João do Cupari
Lagos
Pirarucu Arpão x x x x x x x x
Arpão e malhadeira x x x
Tambaqui Arco e flecha x x x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x x
Pirapitinga Anzol, Malhadeira x x x x x
Pirarucu Malhadeira, arpão x x x x x x x
77
Ambientes Espécies Materiais Época do ano
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Rios
Tambaqui Malhadeira x x x x x
Tucunaré Linha e anzol x x x x
Pirapitinga Malhadeira x x x x x
Campos
Pirarucu Malhadeira, arpão x x x
Tambaqui Tiradeira, malhadeira x x x
Tucunaré Linha e anzol x x
Pirapitinga Linha e anzol x x x
Miritizal
Lagos Tambaqui Malhadeira x x x
Pirapitinga Malhadeira x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x
Rio
Pirapitinga Malhadeira x x x x x
Acari Malhadeira x x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x x
Campo
Pirapitinga Malhadeira x x x x x
Acari Malhadeira x x x x
Tambaqui Malhadeira x x x x
Tabela 12: Instrumentos de pesca usados atualmente.
Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor
78
O processo de intensificação da pesca, assim como de outras atividades extrativas é
constante, e como podemos observar, a principal tecnologia empregada como parte desse
processo é a malhadeira. Ela passa a ser empregada na atividade de extração à medida que o
pescado alcança os grandes centros urbanos. Além das modificações no sistema de extração é
necessário considerar as mudanças nos sistemas de transporte local, como o uso de motores de
popa em pequenas canoas (rabetas) que possibilitam o deslocamento rápido aos ambientes de
pesca e à cidade para a comercialização do pescado, a tecnologia de conservação com o uso
de gelo em caixas de isopor, como já mencionado.
3.4 NORMAS LOCAIS NO CONTEXTO DA RESEX/VPS
A partir de 2004, com a criação da Resex, as comunidades criaram expectativas
quanto à atuação do Estado, na condição de agente “externo” capaz de estabelecer
mecanismos de controle eficazes para a exploração da madeira e do pescado ou de apoiar os
acordos locais, para fortalecer a gestão local, como revela uma moradora do Rio Cupari: “nós
tinha a esperança de que, com a criação da reserva, nossos acordos fossem respeitados, que
nós podia ter o apoio do governo federal, mas não aconteceu.” (Morador SJC 04).
Outro morador, parte da concepção de Reserva Extrativista como área governada
rigidamente pelos órgãos ambientais, cuja população está sujeita à aplicação das normas
legais, normalmente “proibitivas” e “punitivas”, em relação à exploração dos recursos
naturais: “dentro do Jaurucu [rio de exploração madeireira] teve reserva, porque pararam de
tirar madeira. Veio pra acabar mesmo [com a extração da madeira]. Mas aqui pra nós não teve
Lei. Não teve reserva pra nós, se dependesse da reserva... aqui não existia mais bicho, mas
ainda tem bem bicho. Mas do jeito que vai, vai acabar o que Deus deixou.” (Morador VBJ
01). Uma concepção formada a partir o processo de discussão que antecedeu a criação da
unidade de conservação, quando atores contrários à criação da Resex desenvolveram
campanhas junto a população afirmando que as pessoas não mais poderiam extrair recursos
naturais para sua subsistência e comercialização.
Na medida em que os mecanismos de controle estabelecidos pelas comunidades dos
rios Coati e Cupari tornaram-se ineficientes, a pesca predatória avançou e tornou-se uma
ameaça para os estoques de pescado (Tabela 13). Os próprios pescadores consideram a
possibilidade de esgotamento das espécies de maior valor comercial em pouco tempo: “vai
ficar só céu e água, e não vai demorar muito. Do jeito que vai, eu digo que em 2015 vai
79
acabar, a pesca com malhadeira ficou tomada, começou este ano [2014] e a gente já vê os
resultado de diminuição” (Morador VBJ 06), afirma um morador da Vila Bom Jesus que antes
não usava malhadeira, mas depois que percebeu que não havia mais formas para evitar a
proliferação desse equipamento, também passou a utilizar.
Comunidade Mecanismo
de controle Governança e arranjos Ameaças
Bom Jesus
Acordo
de
pesca
Buscou-se a participação de atores externos, principalmente do
ICMBio, STTR e CDS para
atuarem como parceiros na gestão
do acordo.
Pesca realizada todos os meses do ano,
principalmente no período do defeso;
Uso de equipamentos predatórios em
relação às condições dos rios e lagos
durante a estiagem;
Extração de pirarucu pequeno;
Extração de aves e bicho de casco para
a comercialização;
Entrada de pescadores estranhos à
comunidade;
Abandonou-se as discussões sobre as
normas locais
Cupari
Acordo
de
pesca
Acordo conjunto com a comunidade Bom Jesus, mas
como não funcionou, adotou seus
próprios meio de gestão e
fiscalização. Passando a realizar
mutirões para vigiar os rios e
lagos e recolher as malhadeiras
existentes.
Pesca realizada sem interrupção,
principalmente no período do defeso;
Uso de equipamentos predatórios em
relação às condições dos rios e lagos
durante a seca;
Extração de pirarucu pequeno;
Extração de bicho de casco para a
comercialização.
Desde 2013 encerrou as discussões
sobre os mecanismos de controle.
Miritizal
Acordo
de
pesca
As três comunidades do Rio
Peituru têm um único acordo. O
acordo é assessorado pela Colônia
de pescadores Z64.
Planeja apresentar o acordo ao
ICMBio para receber apoio.
De cada 100 acaris capturados, 60 são
destinados à alimentação de suínos ou descartados por estarem abaixo do
tamanho exigido pelo mercado.
Tabela 13: Gestão pesqueira atual.
Fonte: entrevistas. Elaboração: Autor
80
Frente às ameaças já identificas desde o aumento na demanda por pescado, as
comunidades se articularam com organizações representativas para criar canais de diálogo
com o órgão responsável pela gestão da Resex/VPS, o ICMBio, com vistas ao
reconhecimento do acordo comunitário de pesca envolvendo três comunidades do Rio Coati e
São João do Cupari, como forma de manter o controle sob a atividade pesqueira.
O acordo foi entregue ao ICMBio, que buscou respaldo jurídico junto à procuradoria
do órgão para se posicionar sobre o pedido das comunidades. Fundamentalmente, dois
aspectos foram considerados no indeferimento do pedido: a legitimidade para elaborar normas
com vistas ao uso dos recursos naturais pertence ao ICMBio, não as comunidades. O segundo
aspecto, não menos importante, diz respeito ausência de estudos científicos para balizar ou
validar a definição de parâmetros técnicos, como tamanho ou peso do pescado permitido para
ser explorados conforme consta no parecer técnico da procuradoria do ICMBio (Anexo V) e
acatado pela gestão da UC-US (ICMBio, 2011, p. 4)
De início, cumpre realçar que todas as regras (grifo do autor) a serem estabelecidas pelo pretendido Acordo, por configurarem disposições que visam regular o uso e o
manejo dos recursos naturais daquele espaço territorial especialmente protegido,
competem ser delineadas não privativamente entre os membros das aludidas
comunidades, mas pelo ICMBio através de sua potestade de regular e gerir da Resex
Verde para Sempre como Unidade de Conservação de uso Sustentável, com todas as
particularidades que lhes são inerentes.
Assim, a par do que tenciona o Acordo, o estabelecimento de regras todas voltadas a
restringir o uso e gozo da liberdade e da propriedade, inclusive com a fixação de
parâmetros técnicos (tamanho mínimo de pescados, etc.), que somente poderão ser
impostas após estudos científicos que lhes dê [sic] suporte de validade, compreendo
que não poderão [ser] admitidas.
Os argumentos da procuradoria do ICMBio, reforçam a posição dos gestores da Resex
Verde para Sempre, quando discutem com as comunidades mecanismos de controle para a
atividade pesqueira, como relatam dois moradores: “Olha, Cláudio, a questão da malhadeira,
como já foi dito pelo Anderson [um dos gestores que passou pela Resex], numa reunião na
Vila Bom Jesus, não é crime, portanto, ninguém pode impedir ninguém de pescar” (Morador
SJC 03); “a Fernúbia [gestora] disse pra nós que a fiscalização do rio não é papel das
comunidades, é papel deles. Portanto, de agora pra frente era pra deixar com eles, que eles
iam fazer a fiscalização. Por que se acontecesse alguma coisa, eles não iam ser responsáveis”
(Morador SJC 04).
81
4. DISCUSSÃO
Os debates inerentes ao uso dos recursos naturais têm suscitado estudos, conferências,
formulações de novas leis e arranjos institucionais na busca de soluções que garantam
princípios básicos manejo, no intuito de evitar o esgotamento de recursos importantes para a
economia e subsistência, sobretudo das populações tradicionais, como é caso das populações
ribeirinhas da Amazônia.
O ponto de partida para muitos estudos acerca dessa questão tem sido a publicação “A
tragédia dos Comuns”, de Hardin (1968). A saída apresentada para evitar o esgotamento dos
recursos de uso comunal apresentada é privatização ou a estatização. Ostrom (1990); Feeny
(1990) e Mckean e Ostrom, (2001) mostram que, a questão fundamental não é o regime de
propriedade, em todos os regimes de propriedade pode haver casos de sucesso e fracasso no
uso dos recursos comuns. A questão primordial é capacidade do grupo em formular normas de
acesso que sejam respeitadas e adaptadas ao longo do tempo. A propriedade comunal,
criticada por Hardim (1968), nas análises de Mckean e Ostrom, (2001) é propriedade coletiva
com compartilhamento de responsabilidades e direitos.
Essas definições e debates teóricos têm orientado diferentes análises e formulação de
propostas para o gerenciamento dos recursos naturais, resultando mais recentemente na
formulação de propostas que incorporem os saberes e as formas de gerenciamento dos
recursos naturais por populações tradicionais nas políticas governamentais. E as unidades de
conservação de uso sustentável, apresentam-se com um campo fecundo para a implantação de
modelos de gestão descentralizado, também conhecido como gestão compartilhada
(BENATTI, 2005; SEIXAS et al., 2011; PEREIRA, 2013). Os acordos comunitários de pesca
do Baixo Amazonas são modelos e exemplos de gestão que agregam as premissas principais
de uma gestão de recursos naturais compartilhada entre órgãos ambientais, pescadores e
comunidades ribeirinhas (MAcGRATH, 1996; CASTRO e MAcGRATH 2001). Nesse
sentido, a problemática central que orienta esta pesquisa consiste em saber se as normas locais
de uso dos recursos naturais estão incorporadas na estrutura de gestão de unidade de
conservação de uso sustentável, tomando como exemplo as comunidades ribeirinhas da Resex
Verde para Sempre, em Porto de Moz/PA
82
Os resultados mostram que, historicamente as comunidades formularam normas locais
para acesso aos recursos naturais, principalmente para os recursos pesqueiros; essas normas
locais são sistemas de governança importantes para a manutenção do equilíbrio da exploração
do pescado, mas são frágeis e não resistem à pressão gerada pelo mercado, assim como a
inserção de novas tecnologias no processo de exploração e, portanto, requerem a participação
do Estado no processo de gerenciamento; mostram ainda que, o não reconhecimento das
normas locais pelo Estado, em momento de conflitos, consolidou o processo de desarticulação
do sistema de governança local e abriu caminho para um sistema de exploração do pescado
que pode resultar no esgotamento dos estoques de valor comercial em curto tempo.
4.1 OS DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA RESEX/VPS
É possível que a proposta de criação de Reservas Extrativistas seja a mais inovadora
para a regularização fundiária e ambiental que o Brasil já conheceu, com exceção das terras
indígenas e quilombolas. Nascida das lutas dos seringueiros do estado do Acre, o modelo se
espalhou por quatro biomas brasileiros nos últimos 25 anos. A Amazônia concentra quase
99% da área constituída em Resex no país, cobrindo mais de 137.000 km2, equivalente a 3%
do bioma (Tabela 2). Essa concentração de Resex na Amazônia reflete a situação histórica de
conflitos fundiários e ambientais que a região sofre desde a década de 1970, e a ação do
Estado para resolver esses problemas a partir de uma proposta concreta apresentada pelos
movimentos sociais, mas que carrega também a participação de intelectuais, ambientalistas e
políticos ligados a esses movimentos, uma interface entre questão agrária e ambiental
(ALMEIDA, 2004; ALEGRETTI, 2008).
Desde a criação das primeiras Resex, o problema da gestão desses espaços foi
evidenciado. Institucionalmente, a gestão ficou sob a responsabilidade do IBAMA até agosto
de 2007, ano de criação do ICMBio, pela Lei Nº 11.516/2007. Antes da criação do ICMBio, e
por pressão dos movimentos sociais, foi criado o CNPT, para trabalhar com as populações
tradicionais. É importante observar, que o CNPT foi criado como centro especializado dentro
do IBAMA para permitir a interlocução entre a sociedade e os órgãos governamentais em
relação ao processo de decisão sobre as Resex (CUNHA, 2010). Como forma de promover a
participação dos movimentos sociais ligados às questões socioambientais, criou-se um
conselho consultivo com a competência de “monitorar, avaliar, fiscalizar ações e propor
diretrizes para a elaboração das políticas de ação do CNPT” (IBAMA, 1992, Anexo D. Art.
6º).
83
A criação do CNPT foi uma estratégia do Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), e o funcionamento do conselho consultivo esteve
vinculado ao apoio financeiro dado pelo programa: “entretanto, as limitações deste Conselho
na garantia de participação democrática no CNPT seria logo percebido na paralisação de suas
atividades ao final da década de 1990, coincidindo com a mudança administrativa do centro e,
especialmente, com o término de financiamento pelo Projeto Resex” (CUNHA, 2010, p. 162).
Nesse contexto, chama atenção a definição de Reserva Extrativista enquanto áreas
destinadas às populações extrativistas tradicionais (BRASIL, 2000, Art. 18, grifo nosso). Isto
é, dá um duplo sentido à destinação desses espaços: extrativistas dando direcionamento às
atividades produtivas e tradicionais dando sentido a questão cultural. De modo que, com a
criação do SNUC, o extrativismo é institucionalizado como modelo de atividade principal a
ser desenvolvido pelas populações das Resex; não inclui na destinação das áreas populações
com tradição agrícola, por exemplo.
Dessa definição surge a necessidade de se pensar que a agricultura e a pecuária que
sempre fizeram parte do modo de produção na Amazônia, sobretudo das populações que
vivem em áreas de várzeas, são excluídas legalmente das políticas de desenvolvimento
econômico, por não estarem legalmente incluídas dentro dos objetivos dessa categoria de
unidade de conservação. O que traz um grande desafio para a construção dos instrumentos de
gestão das Resex, mais especificamente, a elaboração e aprovação do plano de manejo.
Considerando-se que a Lei não permite o desenvolvimento da criação de animais de
grande porte, tecnicamente é improvável que, no caso da Verde para Sempre, venha a existir
plano de manejo aprovado pela análise jurídica do órgão gestor e, consequentemente, a
regularização fundiária consolidada. Visto que, de acordo com o Decreto Nº 4.340, em seu
Art. 13: “o contrato de concessão de direito real de uso e o termo de compromisso com
populações tradicionais das Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento
Sustentável devem estar de acordo como plano de manejo, (...)”.
Os estudos socioeconômicos ou foram falhos ou então intencionalmente ignorados no
ato de criação desses espaços, principalmente quando considerado o caso específico da Verde
para Sempre, com predominância de criação de búfalos na área de várzea e bovinos na terra
firme, atividades não permitidas de acordo com a Lei do SNUC.
84
Os argumentos principais que criticam o extrativismo enquanto modelo para o
desenvolvimento das Reservas Extrativista, estão sustentados no fato de que o extrativismo é
de baixa produtividade, portanto com potencial para atender a mercados com baixas
demandas. À medida que aumentam as demandas, a tendência é o abandono do extrativismo e
a passagem para o cultivo, o que leva ao seu colapso como atividade econômica (HOMMA,
1990; 2010; 2015).
É importante considerar esses argumentos, embora sejam voltadas única e
exclusivamente para a produção econômica, sem considerar aspectos culturais e o
desenvolvimento de várias atividades, como extrativismo, agricultura, pecuária e até mesmo
serviços na composição da renda dos moradores das reservas extrativistas, pelo fato de que, as
esparsas políticas públicas planejadas e executas no interior da Verde para Sempre tem como
direcionamento principal o atendimento à população extrativista, sobretudo o extrativismo de
produtos florestais não madeiráveis (PFNM), como é o caso da assistência técnica extrativista
nas Resex, voltadas para desenvolvimento de atividades extrativas, mas que não encontra eco
entre as populações. Políticas dessa natureza excluem, literalmente a maior parte da
população das políticas oficiais de apoio à produção, o que pode comprometer a segurança
econômica das famílias e, consequentemente a viabilidade da Resex.
Contudo, deve-se considerar que as Resex não são homogêneas e que a Verde para
Sempre não representa a realidade da maioria das Resex na Amazônia, cada uma tem
dinâmica e questões próprias. No entanto, no caso da Verde para Sempre, o extrativismo tal
como é concebido pelo SNUC, não representa a essência das atividades produtivas, e as
fontes de renda das comunidades analisadas testemunham isso (Figura 4) ao mostrar que a
pesca é a principal atividade extrativista e fonte de renda monetária das famílias.
Frente ao impasse na constituição dos instrumentos de gestão, de acordo com os
dispositivos legais e a ausência de normas oficiais, as normas locais constituídas ao longo de
várias décadas como mecanismo de controle do uso dos recursos naturais desenvolvidos pelas
comunidades, vão perdendo força e os recursos naturais passam a serem explorados em níveis
que podem levar aos seus esgotamentos, principalmente o pescado.
4.2 CONFLITO DE LEGITIMIDADE
A resposta técnica ao pedido de reconhecimento do acordo comunitário de pesca das
comunidades do rio Coati e Cupari, revela que, com a criação da Resex somente o ICMBio
85
tem a legitimidade de estabelecer normas técnicas para regular o acesso e uso dos recursos
naturais, e não as comunidades, que utilizam os recursos (ICMBio, 2011). Essa posição é
importante na análise da pesquisa por se tratar de uma posição técnica do ICMBio, ausente de
qualquer discussão ou posicionamento político, muitas vezes usado para mediar situações
conflituosas.
Conforme descrito ao longo do capítulo II, as comunidades estudadas, historicamente
constituíram normas locais para extração do pescado, associadas aos conhecimentos
ecológicos, ao uso de técnicas e métodos de extração e a situação econômica das famílias.
Essas práticas têm chamado a atenção e se tornado objeto de estudo de muitos pesquisadores
das ciências sociais e humanas, sobretudo sociólogos, antropólogos e geógrafos. Os estudos
destacam a importância dessas práticas desenvolvidas pelas comunidades para a conservação
dos recursos naturais e reprodução social, econômica e cultural das populações tradicionais
(MOREIRA, HÉBETTE, LEITÃO, 2004; FURTADO, 2006).
No entanto, o conflito de legitimidade reside no fato da gestão das UC-US estar
fundamentada na constituição de instrumentos formais, baseado nos conceitos de conservação
definidos na Lei do SNUC cuja constituição é conduzida pelo ICMBio, embora aceite e
valorize a participação das populações que vivem no lugar. Para as comunidades, as normas
que regulam a extração dos recursos naturais, dentre eles o pescado, têm outra lógica, pois “o
ambiente natural onde moram estas populações tradicionais é a base econômica de sua
reprodução; por isto, elas são solidárias com a natureza” (MOREIRA, HÉBETTE; LEITÃO,
2004, p. 344).
As inúmeras vezes em que as comunidades buscaram apoio das autoridades estiveram
relacionadas à mediação de conflitos em função da pesca com malhadeira nas comunidades
Bom Jesus e São João do Cupari. Na comunidade Miritizal, não houve casos de resolução de
conflitos com a mediação de atores externos. Os moradores, incluindo o presidente do núcleo
da colônia de pescadores, têm mantido a pesca dentro dos limites das normas estabelecidas no
acordo. Nesse aspecto, a existência de fóruns para a resolução dos conflitos pode fortalecer as
normas localmente constituídas e evitar a degradação ambiental e social nas comunidades.
Estudos mostram que os tipos ou espécies de peixes existentes na Amazônia, podem
ser divididos em três grupos, de acordo com o deslocamento (migração) que realizam em
diferentes ambientes: “migradores de longa distância (MD), que podem cobrir migrações de
86
até 3.500 km ao longo do canal principal do rio; migradores laterais (ML), que realizam
migrações entre lagos e rios adjacentes; e espécies sedentárias (SD), que raramente migram”
(CASTRO e McGRATH, 2001, p. 119). Essas definições ecológicas ajudam a explicar o fato
das normas locais apresentarem resultados promissores na manutenção das espécies extraídas.
Nas três comunidades as espécies extraídas comercialmente são sedentárias (tucunaré, acari
principalmente), ou, no máximo, migradores laterais, que migram de um lago para outro,
como é o caso do pirarucu e do tambaqui na fase pré-produtiva.
As normas elaboradas somente pelas comunidades omitem proibições explícitas à
pesca no período de reprodução das espécies (desova), fiscalização, tamanho ou qualquer
parâmetro técnico para a extração. Enquanto as normas elaboradas com o assessoramento de
atores externos, sempre há explicitamente definição dos períodos permitidos e não permitidos,
referencias as leis de crimes ambientais (BRASIL, 1998), parâmetros técnicos diversos e
atualmente têm seguido os critérios de elaboração dos acordos comunitários de pesca
previstos na IN número 29/IBAMA, 2002.
Estudos que analisam os acordos comunitários de pesca criticam a ausência de
elementos claros de punição para aqueles que quebram as normas estabelecidas nos acordos e
a inconsistência de um plano claro de fiscalização:
Embora as regras de acesso e uso sejam relativamente claras, a maioria dos acordos de pesca carece de uma estrutura consistente de regras de punição e fiscalização. As
regras de punição mais utilizadas são apreensão temporária e destruição dos
aparelhos proibidos, seguida de denúncia aos órgãos competentes e advertência oral.
Se o sistema de punição sofre de pouca clareza, a estratégia de fiscalização apresenta
um grau ainda maior de inconsistência. São poucos os acordos que descrevem como
a fiscalização do lago manejado será efetuada e quem a fará (CASTRO e
McGRATH, 2001, p. 118).
Os mesmos autores consideram positiva a integração dos acordos comunitários de
pesca informais aos critérios definidos pelo IBAMA, com vistas ao reconhecimento por meios
de portaria. De mesmo modo, consideram relevante a instituição de Agentes Ambiental
Voluntário (AAV), instituídos pelo IBAMA, com poderes de constatação para organização
das ações de fiscalização.
A proposta de regulamentação dos acordos comunitários de pesca ganhou visibilidade
e adesão por parte das comunidades pesqueiras e organizações dos pescadores, principalmente
durante a edição do projeto manejo dos recursos naturais da várzea – PROVÁRZEA (LIMA,
2005). Com apoio técnico e financeiro oferecidos pelo projeto, várias iniciativas de acordos
87
comunitários de pesca foram desencadeadas na Amazônia. Em Porto de Moz, as comunidades
Santa Luzia e Cuieiras, no Rio Uiui, próximas à comunidade Miritizal, receberam apoio de
um projeto financiado pelo PROVARZEA, para elaboração de um acordo de pesca que, até
hoje ainda funciona, mesmo sem o reconhecimento dos órgãos ambientais.
Contudo, faz-se necessário analisar e discutir de maneira ampla e crítica o
“enquadramento” das normas locais para pesca ou manejo de outros recursos naturais, de
acordo com os dispositivos legais, normas técnicas e atos normativos ou a incorporação ao
plano de manejo da UC-US para evitar que as iniciativas locais sejam desarticuladas ou
suprimidas.
A primeira questão refere-se à dificuldade de convivência entre normas locais e legais.
Muito improvável que os pescadores suportem as exigências legais, como por exemplo, a
suspensão das atividades pesqueira no período do defeso, salvo se todas as famílias tiverem
acesso ao seguro defeso pago pelo Estado ou desenvolvimento de outras atividades produtivas
que gerem renda igual ou superior à pesca. Nas comunidades estudadas o número de famílias
com acesso ao seguro defeso é pequeno e com exceção da criação de gado, outras atividades
produtivas, como a agricultura, por exemplo, tendem a declinar (Figura 4).
A segunda questão diz respeito ao funcionamento das normas locais. O conjunto de
regras contidas na legislação prevê penalidade e parâmetros técnicos para a extração do
pescado. As normas locais apresentam lacunas que são preenchidas à medida que os fatos
ocorrem. Não há previsão de penalidades, mas no momento em que alguém quebra as normas
a comunidade se reúne, decide o que fazer e qual punição aplicar. A reação vai além da
destruição e apreensão dos equipamentos de pesca como descrito por Castro e McGrath
(2001). A exclusão do convívio social, em alguns casos, parece ser a punição mais dura
aplicada. Essa indefinição quanto à fiscalização, à punição e a outras sanções na verdade é o
que faz as normas locais funcionarem e fortalece os laços de solidariedade entre as famílias.
Quando às normas de funcionamento da pesca estão todas definidas, com punição,
fiscalização, como é o caso da política de comando e controle do Estado, incluindo a
instituição dos AAV pelo IBAMA em algumas experiências, as exigências de encontros para
debater os conflitos são menores, pois tudo já está definido, inclusive quem vai fiscalizar e a
punição a ser aplicada. De modo que a ação deixa de ser da comunidade e passa a ser de um
pequeno grupo que a realiza, com o apoio dos órgãos ambientais.
88
A terceira questão diz respeito à relação das comunidades com os agentes do Estado.
As comunidades sempre buscaram apoio para a mediação de conflitos. Não buscaram a
presença ostensiva do Estado para definir as normas ou mesma para a realização de ações de
fiscalização. A presença dos agentes de fiscalização nas comunidades ou nos rios causa medo
às pessoas. Diferentes situações relatadas pelos moradores ilustram muito bem o medo que os
moradores têm dos agentes de fiscalização que, esporadicamente percorrem os rios com
voadeira e motores potentes e carregadas de policiais e agentes do IBAMA/ICMBio
fortemente armados. Dois relatos são apresentados a título de ilustração: “minha filha chegou
naquele dia de Almeirim pra ficar uns dias aqui em casa, ai eu comprei uma tracajá pra nós
comer assada. Quando tava assando, aqui nesse fogão à lenha, lá vem uma voadeirona, na
volta do rio, bem ali. Era o pessoal [do ICMBio]. Ai, essa daí [esposa], pegou a tracajá e
jogou no rio. Ficamo sem comida naquele dia (Morador MTZ 01). Em outra comunidade, foi
relatado a invasão de domicílio, por agentes do ICMBio sem mandado judicial: “eles
chegaram lá em casa e foram entrando, perguntado se eu tinha malhadeira. Eu mostrei pro
rádio [VHF], o nome dele é malhadeira. Ai eles entraram em casa e vasculharam tudo”
(Morador SJC 03).
A quarta questão diz respeito ao regime de propriedade dos recursos. Antes da criação
da Resex, os moradores concebiam os rios, lagos e campos naturais de várzea e os recursos
explorados nesses ambientes como comum a todos do lugar. Tanto é, que os moradores não se
referem ao Rio Coati, Cupari ou Peituru como algo particular. Quando se referem a esses
lugares os tratam como “nosso rio”, “nosso peixe”; não vão acabar com os peixes, “vão nos
acabar” (Morador VBJ 06). O lugar e os recursos naturais eram concebidos efetivamente
como uma “propriedade” coletiva no sentido empregado por Mckean e Ostrom (2001).
Como não foi implantado um sistema de gestão dos recursos pesqueiros compartilhado
com as comunidades, a concepção sobre a propriedade dos recursos mudou, e essa mudança
se manifesta na gestão local, como expressa uma moradora: “no tempo em que as
comunidades tomavam conta, as coisas funcionavam. Hoje, que as instituições [órgãos
públicos] assumiram o trabalho que as comunidades faziam, virou bagunça. Ninguém respeita
mais nada. Eu te digo, se não houver punição, daqui pra frente, ninguém vai segurar mais
nada” (Moradora VBJ 07).
Num contexto de mudanças nas formas de extração dos recursos pesqueiros, a partir
da abertura de novos mercados (Figura 9) e da adoção de “novas tecnologias”, como é o caso
89
do uso da malhadeira (Figura 12), caberia aos órgãos ambientais apoiar as comunidades no
processo de revisão de suas normas para lidar com a nova realidade da pesca dentro de uma
estrutura de mercado, até então, novo para as comunidades envolvidas na pesquisa. De modo
a evitar a absoluta falta de governança (Tabela 13) sobre a extração do pescado no âmbito da
unidade de conservação.
Nesse sentido, ao invés do Estado investir grandes somas de recursos financeiros na
elaboração de plano de manejo ou passar dez anos sem uma proposta de gestão para a Resex
Verde para Sempre, ainda que preliminar, poderia ter se inspirado nas estratégias dos
ribeirinhos, assim como a proposta das Resex inspirou-se no modelo de terra indígena e
reconhecer as normas locais, legítimas, em favor das populações e dos recursos por elas
manejados.
A participação do Estado – ICMBio deveria seguir a abordagem participativa e
descentralizada desenvolvida nos 1990 e 2000, quando foram constituindo os mecanismos de
gestão compartilhada a partir de experiências bem sucedidas desenvolvidas pelas
comunidades e que apoiavam as normas já constituídas pelas comunidades como um processo
transitório para uma gestão integrada.
4.3 CONFLITOS ENTRE CONHECIMENTOS
Incorporar os conhecimentos das populações tradicionais sobre o uso dos recursos
naturais na gestão das UC-US constitui-se num dos principais desafios atuais para a gestão
desses espaços protegidos.
A ideia predominante de manejo dos recursos naturais está enraizada nos
conhecimentos gerados pelas ciências, onde a legislação e os atos normativos buscam
inspiração e modelos para estabelecer os parâmetros, critérios e regras para a exploração
sustentável. Um exemplo que bem ilustra essa questão são as definições para o manejo
florestal sustentável, com base em “fundamentos técnicos e científicos” (BRASIL, 2012. Art.
31, §1º).
Estudos críticos ao modelo de manejo e conservação dos recursos naturais amparados
pelos conhecimentos produzidos pelas ciências, afirmam que à medida que as populações
envolvidas na extração dos recursos naturais são excluídas de participação aumentam as
chances de maior degradação da biodiversidade, não por que os estudos técnicos/científicos
90
estejam errados ou equivocados, mas pela falta de diálogo entre saberes tradicionais e
conhecimentos científicos no processo de construção de modelos de gestão participativo, com
distribuições de responsabilidades. Esse argumento reforça a afirmação de que os
conhecimentos tradicionais são fundamentais para o alcance dos objetivos de conservação e a
importância da participação dos moradores no processo de planejamento e gestão de unidades
de conservação (CARROCCI et al., 2009).
Ao formularem normas locais como mecanismo de controle para a pesca, as
comunidades apresentam uma visão holística sobre natureza. Muito embora essas normas não
sejam descritas nos documentos, a percepção dos processos ecológicos que ocorre dentro dos
limites de cada comunidade está explícita nos acordos de pesca. Como observado nas três
comunidades, a preocupação não se reporta unicamente ao controle da extração do pescado,
mas se estende ao controle do uso do fogo no período estiagem, do desmatamento das matas
ciliares com abundância de espécies de árvores que fornecem alimento para os peixes e até
cuidado para evitar a disposição de lixo nos rios.
Ao protegerem a vegetação que fornecem alimento à fauna aquática, materializam
seus conhecimentos profundos acerca da natureza e dos processos ecológicos que ocorrem
nos ambientes de extração do pescado. Nesse campo de discussão acerca dos conhecimentos
da natureza por populações tradicionais, Furtado (1990, p.74), mostra que:
A íntima relação entre homem e natureza, atribui ao produtor da pesca artesanal a
qualidade ímpar de conhecedor de seu meio envolvente, atribui-lhe regras de
equilíbrio e de preservação; o seu universo mítico, por outro lado, inculca-lhe
mecanismos (ainda que inconscientes) de preservação da natureza; permite-lhe um
conhecimento sobre quando uma árvore vai ou não florir, dar fruto ou se o fruto é ou
não comestível: conhece os dias e épocas adequadas para o corte de uma folha de
palmeira para cobrir sua casa e não criar bichos, ou de madeira para sua embarcação
e para não rachar depois de pronta; conhecem os territórios de caça e pesca e coleta:
tempo e efeito das chuvas, nível de trânsito de peixes nos rios e lagos e praias, etc.
Esses conhecimentos são importantes e podem dialogar perfeitamente com os
conhecimentos produzidos pelas ciencias para a construção de modelos de gestão para as
unidades de conservação de uso sustentável.
Ao indeferir o pedido de reconhecimento do acordo comunitário de pesca das
comunidades dos rios Coati e Cupari, sob o argumento de que os parâmetros técnicos
estabelecidos precisam ser embasados em estudos científicos (ICMBio, 2011), evidencia-se
claramente um “conflito” entre o reconhecimentos dos conhecimentos tradicionais como
91
confiáveis frente aos conhecimentos produzidos pelas ciências, que amparam a formulação
das Leis e normas técnicas para a definição de critérios de extração dos recursos naturais. De
fato a lei da pesca (BRASIL, 2009) que criou o Ministério da Pesca, não recepcionou a
experiência dos acordos de pesca como instrumentos (estratégias) de manejo dos recursos
pesqueiros. O último acordo de pesca formalizado pelo IBAMA data de 2008, e trata da
região do baixo rio Branco.
A malhadeira é o principal petrecho utilizado empregado na pesca comercial ribeirinha
(FERNANDES et al., 2007), sendo um aparelho seletivo, o seu uso abusivo e não regulado
por regras de manejo pode resultar na degradação dos recursos. No Amazonas, o governo
estadual com base na Lei federal nº 11.959 (BRASIL, 2009) que em seu art. 3º, § 2º atribui
aos Estados e ao Distrito Federal competência para o ordenamento da pesca nas águas
continentais de suas respectivas jurisdições, deu continuidade ao reconhecimento dos acordos
de pesca local em suas áreas de jurisdição (AMAZONAS, 2013; 2014). Interessantemente,
esses acordo de pesca estaduais incorporam a proibição da malhadeira, como petrecho
restrito, e assim como já era adotado pelo Ibama, usa uma restrição tecnológica para reduzir a
pressão de captura do pescado na área do acordo, sem contudo, restringir o acesso aos agentes
da pesca. Essa estratégia é necessária para que o acordo de pesca não seja considerado ilegal
já que pela legislação vigente os recursos pesqueiros são de livre acesso (BRASIL, 2009, art.
24.).
Em âmbito federal, ao que tudo indica, o ICMBio não incorporou nas UC, o modelo
de acordos de pesca desenvolvido pelo Ibama, órgão que lhe deu origem. Isso reforça a
avaliação de que a criação do ICMBio resultou na implementação de um modelo de gestão
concentrado e centralizador e que se opunha ao modelo praticado pelo Ibama para a gestão
das unidades de conservação (FERREIRA e PEREIRA, 2012).
O plano emergencial constituído para a Reserva Extrativista Verde para Sempre, em
2007, previa a elaboração e o reconhecimento, pelo IBAMA, dos acordos comunitários de
pesca. Contudo, o plano não foi posto em prática em função das mudanças ocasionadas pela
criação do ICMBio e pelo fato de não encontrar base legal para ser implementado. Pois as
comunidades propuseram normas de uso dos recursos naturais com base nos conhecimentos
tradicionais, sem estudos técnicos e científicos, como a extração de até 5m3 de madeira, por
família/mês (MMA, 2007).
92
De acordo com o SNUC, as normas para extração de recursos naturais em Resex,
devem constar no plano de manejo da unidade. Contudo, deve-se considerar que a
constituição desse instrumento é um processo complexo, por envolver a participação dos
moradores e, ao mesmo tempo, ser uma construção técnica, com definição de zonas de uso,
áreas de proteção integral e amortização (BRASIL, 2000). Sua elaboração tem sido realizada
sempre por especialistas, e de acordo com os objetivos UC-US estabelecidos no SNUC. Esse
modelo de definição do uso da área como um todo, conflita com a maneira local de definição
de normas de uso. As comunidades definem áreas ou “zonas” de uso de acordo com os limites
de cada uma. Normalmente, não há interferência ou raramente se percebe conflitos entre
comunidades em função das normas locais. Cada uma define suas normas com base na área
de uso de todos os moradores do lugar, isto é, dos ambientes explorados; nas condições
econômicas de seus membros; na análise dos métodos de extração que os ambientes
suportam; e sem a presença de autoridades governamentais ou científicas.
Nesse campo de conflitos, cabe ressaltar, que os conhecimentos tradicionais também
são bens comuns das populações e precisam ser preservados e valorizados para garantir a
sustentabilidade da gestão da Resex. O que foi observado na Resex-VPS, atualmente, parece
contradizer inteiramente a observação feita por Lima (2005) há uma década quanto à
participação social nos processos de gestão nas áreas de várzea do rio Amazonas:
É possível que as várzeas do Solimões e do Amazonas sejam, entre as ecorregiões
brasileiras, as que apresentam a mais extensiva participação da sociedade na gestão
do meio ambiente. Essa particularidade resulta do reconhecimento público da existência de um interesse comum por parte das instituições ambientais e das
comunidades rurais em garantir a sustentabilidade da pesca (LIMA, 2005, p. 364).
De fato, até a implementação dos instrumentos de gestão da Resex-VPS e nos períodos
que antecederam a afetação da área, como já relatado, as comunidades locais vinham
desempenhando um importante papel na gestão dos recursos pesqueiros locais, e eram
incentivadas pelos órgãos ambientais, como no caso do Projeto Provarzea desenvolvido pelo
IBAMA (LOBÃO, 2005).
93
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação da Resex Verde para Sempre está se mostrando um meio eficaz para evitar a
grilagem de terra e a exploração madeireira em larga escala, por empresas e indivíduos. Todas
as empresas que operavam clandestinamente na área constituída em Resex se retiraram
voluntariamente logo após o decreto de criação em 2004.
A terra passou a ser usada novamente pelos moradores das comunidades para a
agricultura, extrativismo da madeira, entre outras atividades. Nesse aspecto, nas diversas
entrevistas realizadas durante a pesquisa, os moradores concebem como um aspecto positivo a
criação da unidade de conservação. Aliás, essa é a justificativa que os moradores aceitam e
consideram para a criação da Resex Verde para Sempre: expulsar as empresas madeireiras.
No entanto, a melhoria nas condições de vida dos moradores ainda não é percebida.
Pelo contrário, as promessas feitas pelo governo federal, logo após a criação da UC-US, de
grandes investimentos em eletrificação rural, transporte e produção – incluindo o manejo dos
recursos naturais – não se concretizou, o que têm gerado forte descontentamento dos
moradores que, consideram a possibilidade de migrar para a cidade por falta de oportunidades
para melhorar suas vidas.
Quanto ao uso dos recursos naturais, mais especificamente dos recursos pesqueiros,
conclui-se que, em termos de normas locais, antes da criação da Resex, as comunidades
estudadas desenvolveram mecanismos eficazes de controle com base no domínio particular
das áreas de exploração, nos conhecimentos acerca dos ambientes de pesca dos ecossistemas
de várzea e, também com base no modelo de organização comunitária, contando, mais
recentemente, com o apoio de atores externos para a reformulação das normas localmente
constituídas.
No entanto, à medida que o ICMBio questionou as normas locais, “assumiu” as
funções antes desempenhadas pelas comunidades e não reconheceu a proibição da pesca com
malhadeira como medida legal e eficiente para o controle do esforço de captura, criou uma
situação de instabilidade e enfraquecimento das normas locais. Esses fatos resultaram no
aumento drástico da extração do pescado, com riscos visíveis de esgotamento dos estoques
em curto prazo.
94
Assim como, de acordo como parecer da procuradoria do ICMBio, resta claro que a
função de estabelecer normas para a exploração dos recursos naturais é função privativa ao
ICMBio, e não das comunidades. Também deixa claro que o estabelecimento de parâmetros
técnicos para extração dos recursos pesqueiros deve ser fundamentado a partir de estudos
técnicos e científicos, e não com base nos conhecimentos tradicionais.
A base jurídica para a negativa à proposta dos comunitários pode ser legalmente
questionada uma vez que a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura
e da Pesca que regula as atividades pesqueiras (BRASIL, 2009), faculta a proibição de
petrechos considerados predatórios. Além disso, como proibição tecnológica, a vedação ao
uso de malhadeira não se configuraria como restrição de acesso aos recursos pesqueiros
locais, mas sim de redução do esforço de captura.
Essa posição do órgão gestor da UC-US evidencia um conflito de legitimidade entre o
órgão gestor e as populações do interior da Resex, igualmente evidencia um conflito entre
conhecimentos tradicionais e conhecimentos científicos que amparam a gestão e uso dos
recursos naturais.
Os resultados desses conflitos são drásticos para os recursos pesqueiros. Entre 2012 a
2014 a pesca com malhadeira aumentou exponencialmente nas comunidades Vila Bom Jesus
e São João do Cupari, e os pescadores consideram real a possibilidade extinção das espécies
de valor comercial no curto prazo, principalmente do pirarucu.
Diante do quadro geral apresentado neste estudo, faz-se necessário um
acompanhamento sistemático do processo de construção dos instrumentos de gestão, no
sentido de avaliar mais detalhadamente a relação entre as normas e os instrumentos de gestão
concebidos na legislação e atos normativos. Assim como, estudos estatísticos para avaliar o
comportamento das espécies manejadas e auxiliar as comunidades no processo de tomada de
decisão.
Caso nenhuma medida seja tomada, possivelmente os estoques serão esgotados, com
graves consequências à diversidade biológica do sistema de várzea e, sobretudo às
comunidades locais que dependem desses recursos, pois além de importante fonte de renda, o
pescado representa a essência das fontes proteicas da população ribeirinha.
95
Como bem disse um morador: “estão nos acabando”. Isto é, não é só o pescado
enquanto recurso natural que pode deixar de existir, mas o morador que pode deixar de existir
em suas condições de vida atual, cultural, econômica e social. Dessa maneira, a Resex que
“...tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações”
(BRASIL, 2000, art.18) poderá deixar de cumprir sua função primordial.
96
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102
APÊNDICES
APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados individual
ENTREVISTAS COM MORADORES DA RESEX VERDE PARA SEMPRE
Entrevistador/a:______________________________________________________________
Comunidade:________________________________________________________________
Data: _______ / _______/ 2014
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTAS INDIVIDUAIS
Identificação do participante da pesquisa
1. Nome do entrevistado:________________________________idade:_____sexo M ( ) F ( )
2. Local de Nascimento:_______________________________________________________
3. Estado civil:_______________________ Profissão: _______________________________
4. Há quanto anos mora na comunidade/lugar?_____________________________________
5. De onde veio?_____________________________________________________________
6. Por que escolheu este lugar para viver? _________________________________________
SOBRE A COMUNIDADE
7. Quais atividades as famílias desta comunidade desenvolvem ao longo dos anos?
Atividades Período
8. A terra onde os moradores desenvolvem suas atividades é: ( ) particular ( ) uso
comunitário ( ) outro dono ( ) arrendada ( ) do grupo familiar (em número de famílias).
9. Como se deu ocupação da área onde as famílias desta comunidade vivem? Conte-me,
por favor___________________________________________________________________
a) Como era a situação da terra antes delas virem morar aqui?_________________________
b) Houve demarcação de lotes? ( ) sim ( ) Não. Quem fez?__________________________
c) Como está a distribuição da terra na comunidade? ( ) Boa ( ) Ruim. Por quê?________
___________________________________________________________________________
10. Existem áreas onde só uma família usa? ( ) Sim ( ) Não. Como é o uso desta área?__
___________________________________________________________________________
11. O que define que uma área é de uso particular?________________________________
12. Existem normas para uso da área particular? ( ) Sim ( )Não. Quais?______________
___________________________________________________________________________
103
13. Existem áreas onde todos os moradores do lugar podem usar”? ( ) Sim ( ) Não.
Quais os recursos explorados?___________________________________________________
a) Como é o uso da área?_______________________________________________________
b) Quem determina as normas ou modo de uso destas áreas? __________________________
c) Descrever os casos em que houve quebra das normas e os desdobramentos (se houver). Quais os motivos? Quando ocorreu? O que foi feito para resolver? e quem foi envolvido?
Motivos Quando ocorreu Como foi resolvido Quem foi envolvido
SOBRE O USO E GESTÃO DOS RECURSOS PESQUISADOS
Pesca
14. O pescado é um recurso comum ou particular? E se ele estiver em áreas particulares, como fica? _________________________________________________________________
15. Existem conflitos (ou existiram) referente ao uso dos recursos pesqueiros? ( ) sim ( )
Não. Quais?_________________________________________________________________
16. Existem normas diferentes para a pesca em áreas particulares e áreas comuns? ( ) Sim
( ) Não. Quais?______________________________________________________________
17. Quais as normas para as áreas particulares?___________________________________
18. Quais as normas para áreas comuns? _______________________________________
a) Quando foram elaboradas?___________________________________________________
b) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades, Quais?_______
___________________________________________________________________________
c) Por que foram elaboradas?___________________________________________________
d) Quais os resultados das normas?_______________________________________________
Floresta
19. Na sua opinião a floresta é considerada: ( ) um recurso comum, de todos ou ( )
particular? Por quê?__________________________________________________________
20. E quando a floresta está em áreas particulares (nos lotes dos moradores)? __________
___________________________________________________________________________
21. Nas áreas de particulares, como a floresta é explorada? _________________________
___________________________________________________________________________
22. Nas áreas de uso coletivo como a floresta é explorada? _________________________
23. Existem normas diferentes para seu uso em áreas particulares e normas para a área de
uso coletivo? ( ) sim ( ) Não quais?____________________________________________
a) Quando foram elaboradas? ___________________________________________________
b) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades ( ) __________
c) Por que foram elaboradas? ___________________________________________________
d) Quais os resultados? ________________________________________________________
104
Campos naturais de várzea
24. Na sua opinião, os campos naturais de várzea, são considerados um recurso: ( ) de uso comum ou ( ) de uso particular? Por quê? _____________________________________
25. O sr. (a) sabe informar se existem áreas dos campos de várzea que são usados por vários moradores da comunidade? ( ) sim ( ) Não
26. Como essas áreas são usadas? ____________________________________________
27. Existem diferenças na forma de uso dos campos particulares e dos que são
considerados de uso coletivo? ( ) sim ( ) não. Quais?____________________________
__________________________________________________________________________
a) Existem normas para o uso dos campos de uso comum? ( ) Sim ( ) Não. Quais?_______
___________________________________________________________________________
b) Quando foram elaboradas?___________________________________________________
c) Quem participou da elaboração: ( ) pessoas da comunidade, ( ) entidades( ) Quais?_____
_________________________________________________________________________
d) Por que foram elaboradas? ___________________________________________________
e) Quais os resultados da elaboração das normas?___________________________________
Sobre a Resex
28. Você sabe me dizer o que é uma Resex? ( ) Sim ( ) Não _____________________
29. Qual é a imagem que você tem da Resex?___________________________________
30. Por que você tem esta imagem? ___________________________________________
31. Você sabe por que a reserva extrativista verde para sempre foi criada? ( ) sim ( ) Não. Por quê? _______________________________________________________________
32. A comunidade tem papel/participa na administração (gestão) da Resex? ( ) sim ( ) não. Qual? Ou Por quê? _______________________________________________________
33. Na sua opinião houve mudanças nas formas de uso dos recursos naturais depois que a
resex foi criada (pescado, madeira e campos naturais de várzea)? Quais?_____________________________________________________________________
34. Que tipo de direitos você tem dentro da resex? _______________________________
35. Quem tem a palavra final para decidir as coisas na resex?_______________________
36. O sr.(a) sabe como a resex verde para sempre é administrada (gerida)? ( ) sim ( ) Não. Como? ________________________________________________________________
37. Você sabe o que é conselho deliberativo? ( ) Sim ( ) Não
a) Aqui na sua comunidade tem algum morador que é membro do conselho? ( ) Sim ( ) Não
b) Qual é a função de dele? _____________________________________________________
c) Quem escolheu essa pessoa para fazer parte do conselho? __________________________
d) A comunidade reconhece seu representante e participa das decisões e trabalhos do
conselho? __________________________________________________________________
38. Qual é a função do ICMBio na administração da Resex Verde Para Sempre? __________
___________________________________________________________________________
a) O sr (a) conhece acordos ou normas locais (das comunidades) que foram reconhecidas
pela administração da Resex? ( ) sim ( ) Não Quais?________________________________
b) Como se deu o processo para que eles fossem reconhecidos? _______________________
c) Quem os reconheceu? _______________________________________________________
d) Quais foram os resultados do reconhecimento? ___________________________________
105
39. Existem acordos locais elaborados e apresentados pelas comunidades ao ICMBio ou ao
Conselho Deliberativo, mas que não foi reconhecido? ( ) Sim ( ) Não.
Quais?______________________________________________________________________
a) Por que não foram reconhecidos?______________________________________________
b) Quem não os reconheceu? ___________________________________________________
c) Quais os resultados do não reconhecimento? _____________________________________
40. Você considera importante para a administração da Resex a relação entre o ICMBio e
as comunidades? ( ) Sim ( ) Não . Por quê? _____________________________________
41. Como é atualmente a relação do ICMBio como as comunidades? _________________
___________________________________________________________________________
42. Na sua opinião o que vai acontecer no futuro com:
a) a exploração de madeira? Por que?
b) a atividade pesqueira? Por que ?
c) com o uso dos campos de várzea para a criação de gado? Por que ?
43. Durante a nossa conversa, você lembrou de alguma questão que não foi perguntada e
gostaria de falar?
Muito Obrigado!
106
APÊNDICE B – Instrumento de coleta de dados global
LEVANTAMENTO GLOBAL
Roteiro para diálogo grupal em todas as comunidades selecionadas para a pesquisa. O
tamanho grupo pode variar entre cinco (mínimo) e sete (máximo) pessoas. Qualquer questão
pode ser cortada durante os diálogos por solicitação dos interlocutores.
ROTEIRO
Local/comunidade:____________________________________________________________
Entrevistador:________________________________________________________________
Data: _____ / _____/ 201__
1. Informações sobre os entrevistados Nome Idade Sexo (M/F) Profissão Tempo que mora no lugar (anos)
01
02
03
04
05
06
07
2. Infraestrutura local
a. Moradia
Quantas famílias vivem na comunidade? (______). Número total de casas: ______________.
Existem núcleos com mais de cincos casas? Sim ( ) Não ( ). Quantos? (_____).
Principais materiais usados nas construções das moradias por unidade: Madeira (___).
Alvenaria (___) Barro (____).
Número de casas com energia elétrica (_____).
Número de casas com poço artesiano (_____).
Número de casas com sanitário (_____).
Número de casas com rádio amador (_____).
Número de casas com mobília (_____).
Número de casas com geladeiras (_____).
b. Transporte
Número de famílias que possuem barcos com capacidade acima de 1tn (____).
Número de famílias que possuem rabetas (____).
Número de famílias que possuem lancha voadeira (____).
Existem barcos ou outros meios de transporte usados pelos moradores para deslocamento até a
cidades? Quais? e qual a freqüência (todos os dias, semanas, mês)? ______________________
___________________________________________________________________________.
Quanto custa a passagem da comunidade para a cidade?
Voadeira: R$ (_____). Barco: R$ (_____). Outros : R$ (_____).
107
c. Infraestrutura de uso público
Número de escolas existentes no lugar: (______). Número de sala de aulas (______). Número
de Creches (_____). Tem aula até que série? (____________________).
Descrever a situação física das escolas e creches (se existirem), com base no depoimento do
grupo e visita in loco: _________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________.
Posto de saúde: Sim ( ) Não ( ). Descrever a estrutura física: _________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________.
d. Infraestrutura de uso comunitário
Capela católica: Sim ( ). Não ( ). Quantas? (____) Material usado na construção
(______________________________________________________________________).
Templos evangélicos: Sim ( ). Não ( ) Quantos? (___). Material usado na construção
(_______________________________________________________________________).
Salão comunitário: Sim ( ). Não ( ). Quantos (___) Material usado na construção
(_______________________________________________________________________).
Motor/gerador (conjugado) para geração de energia elétrica: Sim ( ). Não ( ).
Quantos?(_____)
Campo de futebol: Sim ( ). Não ( ). Quantos (_____)
e. Infraestrutura/equipamentos individuais/privados
Mercearias, comércios: Sim ( ). Não ( ). Quantos (______) Desde quando? (____________)
Salão de festas: Sim ( ). Não ( ). Quantos (______________________________________)
Barco e voadeira: Sim ( ). Não ( ). Quantos (_______)
3. Alimentação e saúde
a. Alimentação
A alimentação das famílias é considerada: Boa ( ) Satisfatório ( ) Deficiente ( ) Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quais os principais alimentos consumidos pelas famílias? ____________________________
___________________________________________________________________________
É comprado? Tirado natureza? __________________________________________________
b. Saúde
Há agente de saúde? Sim ( ) Não ( ). Quantos? (_______). Qual a formação dele/s?
(______________________________________________________________________).
Enfermeiro/técnico em enfermagem: Sim ( ). Não ( ). Sala para atendimento Sim ( ).
Não ( ). Equipamentos:_______________________________________________________.
Pessoas que fazem remédios caseiros: Sim ( ) Não ( ).? Quantas (_____________________).
Existem parteiras: Sim ( ) Não ( ). Quantas? (________)
Existem campanhas de vacinação? Sim ( ) Não ( ). Quantas vezes ao ano? (____________).
Doenças mais freqüentes: Nome da doença (popular) Frequência/nº de casos (2014/5)
108
Não maioria dos casos, para pagar despesas com tratamento de saúde as famílias:
( ) Vendem animais. ( ) Vendem bens (terra, casa, barco...).
( ) Emprestam dinheiro. ( ) Recebem ajuda de parentes.
( ) Recebem ajuda de políticos. ( ) Recebem apoio da prefeitura.
( ) Recebem ajuda da comunidade. ( ) Não conseguem fazer o tratamento.
Outros: ____________________________________________________________________
Em situação de emergência, a prefeitura disponibiliza transporte para atendimento no hospital
do município? _______________________________________________________________
_______________________________________________________________________.
4. Parentesco, organização social, Conflitos
a. Parentesco
Existem famílias “grandes” na comunidade (se houver, descrever somente as três mais
numerosas): Ordem Sobrenome Percentual de membros (estimar)
01
02
03
b. Organização social
Existe algum tipo de organização formal (associação, cooperativa...) constituída pelos
moradores da comunidade: Sim ( ) Não ( ). Tipo: (_________________) Quantas pessoas
são afiliadas? (_______). Quando foi criada? (____________________________________).
Por que foi criada?____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________.
Existem moradores associados a outras organizações formais, tipo STTR, Colônia de
Pescadores, Cooperativas, Associações? Sim ( ). Não ( ). Nome da organização Nº de afiliados (moradores) Descrever os trabalhos realizados pela organização
Existe representante da prefeitura na comunidade? Sim ( ). Não ( ).
Nome:______________________________________________________________________
Qual a função dele?___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
c. Conflitos
Aconteceu algum conflito (briga, confusão) que deixou marcar profundas dentro da
comunidade? Sim ( ). Não ( ).
Descrever a natureza do conflito:_________________________________________________
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
5. Atividades produtivas, fontes de renda das famílias e acesso a financiamento
a. Fontes de renda
Principais atividades para geração de renda e outras fontes (incluindo programas de
transferência de renda):
109
Lista de atividades que geram renda para as famílias Número de famílias que praticam
Principais equipamentos usados nas atividades (principalmente na pesca) Atividades Equipamentos Número de famílias
As atividades desenvolvidas localmente permitem às famílias viverem: muito bem ( ).
Bem ( ). Mal ( ). Por quê?_____________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
b. Comercialização
Como é feita a comercializada daquilo que as famílias produzem? Produto Comprador Preço
c. Acesso a credito Tipo de financiamento Finalidades Nº de famílias
6. Normas locais
a. Normas para extração de recursos naturais
Existem normas criadas para extração de produtos das matas, dos rios e dos lagos? Sim ( ).
Não ( ). Quando foram criadas (ano)? (________________). Por que foram criadas?_______
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quem criou essas normas?______________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Depois de criada as normas receberam apoio de alguém (pessoas, órgãos públicos)? Sim ( ).
Não ( ). Como foi esse apoio?___________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
7. Resex Verde para Sempre
a. Visão dos moradores sobre a Resex
Depois que a Resex foi criada já teve alguma mudança por aqui? Sim ( ). Não ( ).
O que mudou?_______________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Alguma pessoa da comunidade participa de reuniões sobre a Reserva? Sim ( ) Não ( ).
Quem é que administra a Reserva?_______________________________________________
110
___________________________________________________________________________
________________________________________________________________________.
Tem Alguma pessoa da comunidade que participa de algum conselho da Reserva? Sim ( ).
Não ( ). Como é o nome do conselho?__________________________________________.
Já teve reunião na comunidade para tratar de alguma coisa sobre a reserva? Sim ( ). Não ( ).
O que foi tratado?____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quem participou da reunião?____________________________________________________
__________________________________________________________________________
Alguma coisa foi ficou acertada entre os moradores e as pessoas do governo? Sim ( ) Não ( ).
Lembram o que ficou a acertado? Sim ( ). Não ( ).
Descrever:__________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8. Outras questões
a. Divulgação dos dados
Durante a conversa foi dito alguma coisa que o grupo considera que não deve ser divulgada
pela pesquisa e pelo pesquisador? Sim ( ). Não ( ). Quais?___________________________
___________________________________________________________________________
Além do que foi conversado, tem mais alguma coisa que seria importante e que foi não tratada
e o grupo gostaria de falar? Sim ( ) Não ( ). O quê? _________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Observações gerais:_________________________________________________________
__________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Muito obrigado pela atenção e pelas informações!
111
ANEXOS
ANEXO I – Acordo de pesca das comunidades Bom Jesus e São João do Cupari, 1996
112
ANEXO II – Acordo comunitário da comunidade São João do Cupari, 2006
Acordo Comunitário: Comunidade São João – Rio Cupari
Propostas aprovadas em 23 – 26 de setembro de 2006:
Sobre a criação do gado búfalo:
A responsabilidade de manter o gado longe do Rio e Igarapés é cada família, entretanto,
adotou-se os seguintes critérios gerais:
1. Construção de uma cerca elétrica ou de arame comum em toda à margem do Rio Cupari
até o final do ano de 2008;
2. Os pastos de terra firme deverão está cercado até o final de 2007, com isso evitar que o
gado fique livre e entre no igarapé;
3. As áreas de pastagens próximas às plantações agrícolas devem está cercadas antes da
passagem do gado. Caso contrário, a família não poderá colocar gado na área. Pois, a
exemplo de anos anteriores, houve prejuízos às plantações agrícolas.
4. Fica determinado a formação de um grupo de 04 para monitorar / verificar se as famílias
estão cumprindo o acordo de manter o gado fora do Rio e Igarapés.
5. Também ficou acertado que a EMBRPA seria contatada para estudar a viabilidade de
construção de açudes para o gado beber água e, assim, evitar que ele desça ao Rio.
Construção de pastagens
As áreas disponíveis para a construção de pastagens permanecem as definida em acordo
anterior, que são: Bom Futuro; Cajueiros à cima; Pinto e Irapuca (somente na parte de
terra firme. Nas ilhas da Irapuca fica proibido).
1. O tamanho máximo permitido para desmate incluindo pastagem e agricultura é 20ha
por famílias.
2. A Associação ficará com a responsabilidade de formar um grupo de trabalho para
observar se as áreas a serem desmatadas não estão localizadas próximas as nascentes
ou se há riscos de incêndios durante a queima dos roçados.
3. Também será valorizada a construção de pastagens coletivas. Com isso evitar muitas
aberturas na floresta, mesmo de pequeno porte.
4. Será constituído um grupo de trabalho, com pessoas da própria comunidade, para
identificar ás áreas apropriadas para agricultura e pastagem (dentro dos limites
estabelecidos).
113
Sobre as ilhas de várzea
De modo geral as ilhas ficam reservadas à reprodução e refúgio de animais silvestres e
atividades extrativistas, como a coleta de frutos e sementes, tais como: a bacaba, o inajá, o
patauá, o cajuaçu, etc. que não gerem nenhum tipo de agressão ao meio ambiente.
1. Ficando proibido qualquer tipo de desmatamento, seja para pastagem ou atividade
agrícola;
2. Também não é permitido atear fogo ao redor das ilhas ou em locais onde o ele possa se
propagar e atingi-las.
3. Só será permitida a extração de madeira seca ou caída para uso da própria família ou
comercializar dentro da comunidade.
4. Fica proibido o abate de árvores vivas de qualquer espécie com fins comercial.
Pesca
I – Período definido como propício para pesca: vai de 1º de junho à 30 de setembro.
II – Ressalva: fora desse período definido é permitido apenas fazer aproveitamento do
pescado dos lagos no período da seca;
III – Famílias com maiores necessidades econômicas podem pescar independente do período,
inclusive no período do defeso. Entretanto, a pesca para comercialização (nesse período) deve
se restringir a quantidades moderadas. (Também será feito contato com a colônia de
pescadores para que os moradores que têm a pesca como principal atividade econômica, possa
ter acesso ao seguro defeso).
IV – Utensílios permitidos na pesca:
a) Sirica; Tiradeira; Linha-de-mão; caniço e tarrafa.
V – Utensílios não permitido:
a) Rede malhadeira; Zagaião; Timbó; Mergulho e qualquer outra forma predatória.
Peso mínimo dos principais peixes capturados para comercialização:
a) Tambaqui a partir de 2 Kg
b) Tucunaré a partir de 500 g
c) Pirapitinga a partir de 2 Kg
VI – Pirarucu
a) Fica proibida a comercialização do PIRARUCU até dezembro de 2008, ou seja, será
dedicado um período de três anos para crescimento e reprodução da espécie, devido à
quantidade de filhotes e poucos adultos.
114
b) A partir dezembro de 2008 será feito um novo acordo, no qual será definido o
tamanho, em consonância com a legislação pesqueira.
Uso da área Comunitária
A área comunitária GUARAÍ pertence a todos os moradores da Comunidade São João do
Rio Cupari. Ela está sendo utilizada por gerações e permanece com sua cobertura florestal
pouco alterada. Existe abertura de pequenas roças e pastagens.
I – A madeira proveniente das roças deve ser aproveitada. A associação fica responsável pela
organização para o aproveitamento.
II – Madeira morta na floresta pode ser aproveitada de forma individual ou coletiva para fins
comercial. Sendo que quem for fazer aproveitamento deve comunicar previamente à
Comunidade, durante as celebrações ou em reunião específica.
III – Em relação ao aproveitamento dos recursos florestais madeiro fica definido duas áreas
propícias para Manejo: TUBA e CANUDO.
IV – A Associação ficará responsável pela identificação de recursos financeiros que possam
ajudar na elaboração de planos de manejo de uso múltiplos dos recursos florestais.
O acordo considera a Área Comunitária, o complexo de lagos do Rancho, os “poços da
fortaleza” e os Rios Cupari e Coati
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ANEXO III – Acordo de pesca das comunidades Miritizal, Cajueiro e Laranjal, 2008
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ANEXO IV – Acordo de pesca das comunidades Vila Bom Jesus, Vila Nova Bom Jesus,
Maria de Mattias e São João do Cupari, 2011
ACORDO DE PESCA DO RIO QUATI E SEU AFLUENTE CUPARI QUE ENVOLVE
AS COMUNIDADES VILA BOM JEUS, VILA NOVA BOM JESUS, MARIA DE
MATTIAS E SÃO JOÃO DO CUPARI
CAPÍTULO I
DO OBJETIVO
Art.1º - Este acordo de pesca tem como objetivo estabelecer regras específicas para o
ordenamento pesqueiro, acordada com os moradores ribeirinhos nos rios Quati e Cupari, no
âmbito das comunidades Maria de Matias, Vila Nova Bom Jesus, Vila Bom Jesus e São João
do Cupari localizados na Reserva Extrativista Verde para Sempre, município de Porto de
Moz, Estado do Pará.
CAPÍTULO II
DA ABRAGÊNCIA
Art. 2 – A área de abrangência deste acordo de pesca rio Quati e Cupari tem inicio na foz do
Quati e faz limite no seu lado esquerdo na ilha da formiga nas coordenadas .......................,
ilha do 40 nas coordenadas ..........................., ilha do caripé nas coordenadas......................... a
terra firme obedecendo as coordenadas geográficas ..................... e pelo lado esquerdo limita-
se com igarapé do munguba nas coordenadas..................., poço da fortaleza e nas coordenados
........................e os poços do ranho nas coordenadas .............................., MIRITIZAIS nas
coordenadas.............MIRITIRANA nas coordenadas......................., SÃO RAIMUNDO nas
coordenadas..................., PONTA FINA nas coordenadas......................., JABURUZAL nas
coordenas...........................ILHA DO INAJAL NO GUARDINO nas coordenadas...............
ATÉ O MIRITIZAL DO AVIÃO coordenadas.....................
CAPÍTULO III
DAS REGRAS ESPECÍFICAS
Art. 3 – Proibir a captura do Pirarucu por 03 anos para comercialização e alimentação, após
completar ou paralelo aos 03 anos será realizado um estudo para verificar a viabilidade da
captura do Pirarucu, que passara por uma avaliação das comunidades envolvidas no acordo de
pesca; que autorizará a captura da espécie impondo normas de captura, ICMBio irá fazer
convênio com parceiros de pesquisa para fazer estudo de viabilidade.
I - As comunidades junto com seus parceiros durantes o período da proibição da captura do
pirarucu, buscará ou realizará estudo de mercado melhor que possa valorizar não só a carne,
mas outros produtos derivados do pirarucu como, por exemplo, a escama;
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II- Compete ao Icmbio celebrar termo de reciprocidade com entidade de pesquisa para analise
da viabilidade;
III - Quando reabrir a pesca do Pirarucu será discutido uma estratégia que todas as
comunidades sejam beneficiadas.
Art. 4 – Para a realização da captura do pescado para comercialização dentro e fora da
comunidade será permitido obedecendo ao seguinte calendário para atividade pesqueira
colocado pelas comunidades envolvida no acordo de pesca no período de 01º de julho a 30 de
setembro, e será permitida a captura das seguintes espécies: tambaqui, pirapitinga, Aruanã,
Traíra, Cará Açu, Piranha, Piau-(Aracu listrado), aracu cabeça gorda (Aracu Boi) e as espécie
de tucunaré, pitanga, Açu, e paca,
I - O acordo de pesca será aberto todos os anos no dia 1º de julho através de uma assembléia
com todas as comunidades e será fechado no dia 30 de setembro também através de uma
assembléia com as comunidades, onde será feito apresentação do relatório da captura do
pescado naquele ano.
II – Fora desse período definido é permitido apenas fazer aproveitamento do pescado dos lagos no
período da seca, no caso venha acontecer na abrangência do acordo de pesca.
Art. 5- O pescado terá tamanho mínimo dos principais peixes capturados para comercialização:
I –bocó (filhote do tambaqui) – fica proibido ou seja tambaqui a partir de 55 cm
II - Tucunaré a partir de 30 cm
III - Pirapitinga a partir de 50 cm
Art. 6 – No rio quati no período de 1º de fevereiro a 30 de março ocorre um fenômeno
chamado encontros das águas onde acontece a morte de varias espécies de pescado como, por
exemplo: mapará, filhote, dourada, sarda pescada e surubim; essas espécies serão realizadas a
comercialização no período indicado pelas comunidades e associações, sendo acompanhado
por fiscal do ICMBIO, Colônia Z 64 e Conselho Inter comunitário de pesca do Rio Quati e
Cupari.
Paragráfo Único: Para realização da comercialização o Conselho de pesca Intercomunitário
observará o inicio do fenômeno e comunicará o ICMBIO e autorizará o recolhimento do
pescado para comercialização.
Art. 7 – Observando desaparecimento das seguintes espécies Curimatá, jutuaraná e jaraqui os
comunitários resolve proibir a captura tanto para comercialização quanto para consumo das
famílias por cinco anos ou até que os estoques se regenere.
Paragráfo Único: Só será permitido a captura após cinco anos e que o estudo ou pesquisa de
viabilidade demonstre o aumento do estoque das espécies.
Art. 8 – Proibir a captura de peixes no rio quati e Cupari, na área de abrangência das
comunidades correspondente deste acordo de pesca, com o uso dos seguintes apetrechos e
métodos de pesca:
I – Arpão para captura do pirarucu até a discussão da liberação da captura do mesmo.
II – redes de emalhar e puçá de qualquer tipo e tamanho (malhadeira);
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III – Zagaião;
IV - farol;
V – pesca de mergulho ou pesca subaquática com ou sem respirador artificial;
VI – timbó ou qualquer outra substância tóxica;
VII – explosivos e qualquer tipo de bomba caseira;
VIII – dispositivos elétricos.
Art. 9- Permitir a captura do pescado utilizando os seguintes apetrechos de pesca:
I – Tarrafa será permitida para captura de pescado para o consumo das famílias com tamanho
de dois metros e meio de altura e malha de 90 mm, medida esticada entre nós opostos;
II - Caniço, linha de mão, flexa, siririca;
III - Arpão para captura de outras espécies que não seja pirarucu e que seja utilizado apenas
para captura para a alimentação;
IV - Espinhel com tamanho de nove metros de comprimento e que tenha a quantidade de sete
anzóis por unidade e que cada pescador terá o direito de utilizar no Maximo cinco espinhéis;
Art. 10. Fica proibido entrada de pessoas de outros setores para capturar qualquer espécie de
pescado ou caça ou trazer gelo para a área de abrangência do acordo de pesca, sabendo que
nas comunidades existem pessoas competentes para a tal função.
Parágrafo Único: Os pescadores das comunidades envolvidas no acordo de pesca organizarão
para buscar o gelo e realizar a comercialização dentro e fora da comunidade, obedecendo o
período deliberado neste acordo de pesca.
Art. 12 – Para os lagos existente na área de abrangência do acordo seguira as seguintes regras
I - Lago do Taperebá, lago da guariba, lago da pedra e lago do canário, lago do Chiquinho,
lago I e lago II da Ilha alta, lago do rancho, lago da fortaleza, lago do pau alto e lago do juçara
será utilizado a captura para a comercialização e consumo do período 01º de julho a 30 de
setembro;
II – Lago bom Jardim, Igarapé do Urubu, lago do Pojó, lago do Miritirana, lago do Jaburuzal,
lago Maguarizal igarapé do munguba e lago do caraná, será para reprodução de espécies de
pescado e outros animais aquáticos.
CAPÍTULO IV
DA AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO
Art. 13 - Fica instituído o Conselho Inter comunitário de Monitoramento e Fiscalização do
Acordo de Pesca do Rio Quati e Cupari
I - O Conselho Inter comunitário doravante instituído neste artigo é um colegiado de
governança local que tem a competência de zelar o cumprimento das regras deste acordo de
pesca e será constituído por representantes titulares e suplentes das comunidades das áreas de
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abrangência deste “Acordo de Pesca”, Instituto Chico Mendes de Conservação e
Biodiversidade (ICMBIO) e dos Conselheiros da RESEX representação do Setor, Colônia de
Pescadores Z-64, do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS),
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), Movimento Sindical dos Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz ( MSTTR);
II – Para composição do Conselho Inter comunitário terá quatro representante de cada
comunidade e uma representação das entidades parceiras.
III – Será obrigatório a participação dos membros das comunidades comunitários/pescadores,
das comodidades envolvidas no acordo de pesca, participarem das reuniões que tratarem do
tema pesca no rio Quati e Cupari, defender e combater o desrespeito do deste acordo,
principalmente quando se trata de pesca predatória utilizando malhadeira e outros aprecho
proibido neste acordo.
Art. 14 - O Conselho Intercomunitário formado pelos moradores das comunidades fará o
levantamento das pessoas que possuem e usam malhadeira na abrangência do acordo, e
repassará ao ICMBIO.
Art. 15- ICMBIO fará notificação e apreensão das malhadeiras existente na área de
abrangência do acordo de pesca.
Art. 16- O Conselho Inter comunitário buscara parceria junto com ICMBIO com objetivo de
trabalhar capacitação para os comunitários, membros conselho de Monitoramento e
Fiscalização do Acordo de Pesca dos Rios Quati e Cupari para coleta de dados de
monitoramento e verificação de indicadores para subsidiar a avaliação anual.
Art. 17 - A avaliação anual deverá contar com a participação do ICMBIO, dos órgãos
ambientais municipal, estadual e federal e de entidades da sociedade civil afins.
Paragrafo Único: Caso seja constato a diminuição de determinada do tamanho e quantidade
espécie a mesma será suspensa para comercialização dessa espécie e será combinado com os
pescadores quanto tempo será o período da para paralisação até que o estoque se recomponha.
Art. 18 – O Conselho Inter comunitário cadastrará todos os moradores que exerce a atividade
pesqueira na área de abrangência do acordo de pesca.
CAPITULO V
DA FISCALIZAÇÃO
Art. 19 - Os comunitários exercerão a fiscalização da pesca ilegal e a vigilância das regras
deste “Acordo de Pesca” por meio de mutirões voluntários de pescadores/moradores das
comunidades devidamente treinados e credenciados pelos órgãos competentes e
acompanhados por agentes de fiscalização dos órgãos públicos de apoio.
§ 1º - Para os efeitos do caput (capítulo anterior) deste artigo poderá a fiscalização
comunitária abordar e revistar as embarcações, apreender apetrechos e a produção pesqueira
encontrada no cometimento da infração.
§ 2º - A fiscalização comunitária contará com a colaboração da diretoria da Colônia de
Pescadores Z- 64 de Porto de Moz e com o apoio dos fiscais dos órgãos como a Secretaria
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Municipal de Meio Ambiente – SEMMA/Porto de Moz, a Polícia Militar instalada no
município de Porto de Moz, a Delegacia de Polícia Civil do município de Porto de Moz, a
Secretaria de Estado de Meio Ambiente - SEMA/PA, a Divisão de Meio Ambiente da Polícia
Civil – DEMA/PC, o Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar – BPA, o
Instituto Brasileiro de Proteção dos Recursos Naturais e Meio Ambiente – IBAMA/PA, o
Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade - ICMBIO.
§ 3º - Os mutirões de fiscalização poderão ser executados pelos Comunitários e representantes
dos órgãos de apoio, sendo que poderão ser trabalhados com pelo menos um órgão da gestão
pública competente.
Art. 20 – A fiscalização para cumprimento das regras deste acordo de pesca será exercida
pelos órgãos públicos competentes em parceria com os Comunitários designados pelo
“Conselho Inter comunitário de Monitoramento e Fiscalização do Acordo de Pesca dos Rios
Quati e Cupari, treinados e credenciados pelos órgãos competentes.
Art. 21 – O ICMBio fará reunião de monitoramento no período de quatro em quatro meses
com as comunidades para verificar como esta se dando o cumprimento do acordo
Art. 22 - O ICMBio dará autorização para a policia Militar local para realizar apreensão das
malhadeiras e outras infrações que vai contra o acordo de pesca dos Rios Quati e Cupari
junto com os comunitários da abrangência do acordo.
Art. 23 – As multa aos infratores da abrangência do acordo de pesca será devolvida para as
comunidades do acorda de pesca. Para ajudar com as despesas de monitoramento e
fiscalização da área.
Art. 24 - O ICMBio deverá construir uma base operativa/fiscalização para ajudar as
comunidades na fiscalização e monitoramento do acordo de pesca.
CAPÍTULO VI
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES
Art. 25 - Considera-se infração toda e qualquer ação que contrarie o “Acordo de Pesca
Comunitário” ora oficializado e que venha violar as regras nesta norma comunitária, ficando
os infratores passíveis dos seguintes procedimentos que podem ser realizados pelos
Comunitários que farão a Fiscalização.
I - no ato da constatação da 1ª infração o infrator será advertido verbalmente pelos fiscais
comunitários;
II – no ato da constatação da 2ª infração, em caso de reincidência ou não, será aplicado o
“Auto de Constatação da Infração”, apreendendo os apetrechos de pescas e a produção
pesqueira ilegal e, de imediato, lavrado o “Termo de Apreensão e Destinação”;
III – Os Comunitários não portarão armas e somente poderão fazer abordagem ao infrator
com um grupo de no mínimo de 04 comunitários devidamente identificados.
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§ 1º - A produção pesqueira apreendida será doada e distribuída para as comunidades da área
de abrangência do acordo de pesca lavrando-se o “Termo de Doação” com a assinatura de
duas testemunhas devidamente qualificada.
§ 2º - Os apetrechos da pesca ilegal apreendidos, o “Termo de Apreensão e Destinação”, o
“Termo de Doação”, o “Relatório Fotográfico da Infração” e o “Auto de Constatação da
Infração” serão entregues aos órgãos ambientais competentes e/ou a Delegacia de Polícia do
município para providências legais cabíveis ou ficará sobre custodia do Conselho
Intercomunitário ou encaminhar ao ICMBio.
Art. 26 – O comunitário/pescador que infringir o acordo de pesca perderá seu direito de
exerce a função por um ano ou mais dentro da área de abrangência do acordo.
Art. 27- Aos infratores do presente acordo de pesca serão aplicadas às penalidades e sanções
previstas na Lei Estadual nº 5.887 de 09 de maio 1995, combinadas com a Lei Federal nº
9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.
Parágrafo único - As proibições e as determinações tipificadas como infrações neste acordo
de pesca que não possam ser enquadradas especificamente nas normas vigentes poderão ser
consideradas como agravante na aplicação das penalidades fundamentadas.
Art. 28 – O comunitário/pescador que infringir o acordo caso ele seja inscrito pela colônia de
pesca Z 64 e de outras colônias perderá sua credencial da SEAP por um ano.
Art. 29 – Este acordo entra em vigor na data da sua aprovação em assembléia com a presença
das comunidades da abrangência do acordo de pesca e com reconhecimento das autoridades
competentes.
Aprovado em assembleia realizada na comunidade
Vila Bom Jesus, em 15 de setembro de 2011,
com a participação de moradores das envolvidas
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ANEXO V – Parecer Técnico do ICMBio
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ANEXO VI – Autorização CEP/INPA para pesquisa com populações humana
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ANEXO VII – Autorização do SISBIO para pesquisa em UC-US
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