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  • INSTITUTO DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE LINGSTICA, LNGUAS CLSSICAS E VERNCULA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGSTICA

    JARDLIA MOREIRA DOS SANTOS

    LETRAMENTO MULTIMODAL

    E O TEXTO EM SALA DE AULA

    Braslia-DF

    2006

  • JARDLIA MOREIRA DOS SANTOS

    LETRAMENTO MULTIMODAL

    E O TEXTO EM SALA DE AULA

    Dissertao submetida ao Departamento de Lingstica, Lnguas

    Clssicas e Verncula como requisito parcial para a obteno do Grau

    de Mestre em Lingstica pela Universidade de Braslia.

    Prof. Dr. Josenia Antunes Vieira

    Orientadora

    Braslia-DF

    2006

  • JARDLIA MOREIRA DOS SANTOS

    LETRAMENTO MULTIMODAL

    E O TEXTO EM SALA DE AULA

    Dissertao submetida ao Departamento de Lingstica,

    Lnguas Clssicas e Verncula como requisito parcial para a

    obteno do Grau de Mestre em Lingstica pela Universidade

    de Braslia.

    Aprovada em _______de________ de 2006 __________________________________________ Professora Doutora Josenia Antunes Vieira Orientadora (UnB) __________________________________________ Professora Doutora Denise de Arago Costa Martins Membro (UnB) ____________________________________________ Professora Doutora Maria Christina Diniz Leal Membro (UnB) ____________________________________________ Professor Doutor Marcos Arajo Bagno Membro Suplente (UnB)

  • iv

    Si los textos son siempre multimodales, entonces la cuestin de las fronteras de

    un texto se convierte en un problema central. En cualquier pgina, resulta en alto

    grado problemtico leer solamente la significacin transmitida de modo lingstico.

    Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen (2000)

  • v

    Jade, minha pequena jia, pela

    compreenso e pelo carinho, durante essa jornada,

    mesmo sendo uma criana.

  • vi

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais: Carmindo e Jardlia, aqueles que, primeiro possibilitaram-me ver

    os dados do mundo com mais argcia, conduzindo-me a uma sala de aula.

    Aos meus irmos e irms: Carmlia, Roblia, Giovannia, Edilce, Cristhyane, Jos

    Neto, Geovah, Giovanni e Carmindo Jr., pelo carinho, por se preocuparem tanto comigo,

    sempre querendo saber por que estudo tanto.

    professora Dr. Josenia A.Vieira, pela orientao deste trabalho, marcada por

    apontamentos desafiadores rumo construo de uma conscincia crtica, por ter

    acreditado que eu seria capaz.

    Ao Edivam, esposo e companheiro, pela compreenso, pelo cuidado e por ter

    compreendido as minhas constantes ausncias.

    s amigas: Cristina Leite, Lia da Silva, Leni de Ftima, Marisa Almeida, Nelma

    dos Santos e Suely Nunes, pela fora, pela assistncia e pelo encorajamento.

    Mestra Vera Lcia C.da Conceio, aquela que me despertou para o mundo da

    Cincia da linguagem, meu eterno agradecimento.

    Professora Doutora Eliana Fernanda Cunha Ferreira, por ter me apresentado

    s suas leituras cruzadas, saudades mil.

    Cordlia, que colaborou para a concluso deste trabalho, mostrando-me o

    significado da palavra companheirismo.

    Aos colegas da Anlise de Discurso, principalmente, Alessandra ngelo,

    Edgleuba Queiroz, Elda Ivo e Luiza Kuwae, pelo companheirismo, pela amizade e pela

    cooperao, durante toda a nossa jornada, sem vocs teria sido mais fatigante.

    s irms Ana Paula e rica Marques, pela ajuda que ultrapassou os limites de

    uma grande amizade.

  • vii

    RESUMO

    A Pesquisa Letramento multimodal e o texto em sala de aula o resultado

    da anlise de prticas discursivas utilizadas pelas professoras em uma turma de 7 srie,

    no Ensino Fundamental, em uma escola pblica de Ceilndia, cidade do Distrito Federal.

    Investiguei em que medida as prticas discursivas adotadas pelas professoras do

    Ensino Fundamental influenciaram no interesse pela leitura de textos multimodais. Os

    fundamentos tericos desta dissertao so: (i) Anlise de Discurso Crtica formulada

    por Fairclough (1989, 1992, 2001, 2003) e por Chouliaraki e Fairclough (1999); (ii)

    Multimodalidade conforme Chouliaraki e Fairclough (1999), Kress e van Leeuwen (1996).

    (iii) Letramento defendido por Barton (1994); Barton e Hamilton (1998,2000); Hasan

    (1996); Heath (1982, 1983) e Street (1984, 1993,1995). O trabalho foi desenvolvido com

    base na metodologia qualitativa e tem como arcabouo terico, principalmente, os

    postulados de Bauer e Gaskell (2003) e Flick (2004). Na anlise, trabalhei para verificar

    de que a maneira as professoras orientam as prticas discursivas de seus alunos em

    relao aos textos multimodais e se esse trabalho contribui para a construo crtica do

    discurso do aluno e, ainda, quais so as orientaes quanto s mltiplas funes e os

    significados dos Letramentos, subjacentes s prticas discursivas utilizadas pelas

    professoras. O emprego das categorias analticas possibilitou, ainda, a constatao de

    que as imagens integram argumentos discursivos parte do discurso falado ou escrito e

    de que a composio das linguagens verbal e visual no neutra. Portanto, a escola

    deve buscar construir e transformar a realidade por meio de um ensino de produo e

    de leitura de textos multimodais.

    Palavras-chave: Letramento; Multimodalidade; Anlise de Discurso Crtica (ADC);

    Multiletramentos; Semitica Social.

  • viii

    ABSTRACT

    The Research Multimodal literacy and the text in classroom is the result of

    the analysis of discoursive practices used for the teachers in a 7 grade, of Basic

    Education class, in a public school of Ceilndia, city of the Federal District. I

    investigated in what measure the discoursive practices adopted by the teachers of

    Basic Education had influenced in the interest for the reading of multimodal

    texts.Theoretical basis of this dissertation are: (i) Critical Discourse Analysis (CDA),

    formulated by Fairclough (1989, 1992, 2001, 2003) and by Chouliaraki and

    Fairclough (1999); (ii) Multimodality agreement by Chouliaraki and Fairclough (1999),

    Kress and van Leeuwen (1996). (iii) Literacies defended by Barton (1994); Barton

    and Hamilton (1998, 2000); Hasan (1996); Heath (1982, 1983) and Street (1984,

    1993,1995). The work was developed with basis on the qualitative methodology and

    has its mainly original theoretical basis on the postulates of Bauer and Gaskell (2003)

    and Flick (2004). In the analysis, I worked to verify in which way the teachers guide

    their pupils on the discoursive practices in relation to the multimodal texts and if this

    work contributes for the critical construction of the speech of the pupil and, still, which

    are the orientations as for the multiple functions and meanings of the Literacies,

    underlying the discoursive practices used by teachers. The application of the

    analytical categories made possible, also prove that the images complete

    discoursive arguments from part of the spoken speech or written and that the

    composition of the verbal and visual language is not neutral. Therefore, the school

    must search to build and transform the reality, by means of an education of

    production and reading of multimodal texts.

    Key Words: Literacy; Multimodality; Multiliteracies; Critical Discourse Analysis (CDA);

    Social Semiotic

  • ix

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Letramento como prtica social 47

    Quadro 2 - Regras para a utilizao da pesquisa qualitativa 74

    Quadro 3 - Aspectos da pesquisa qualitativa 75

  • x

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Correlao entre Fairclough, Halliday e Foucault 29

    Figura 2 - Concepo tridimensional do discurso 33

    Figura 3 - Assentamento inicial 78

    Figura 4 - Vista area Ceilndia Sul 79

    Figura 5 - Casa do Cantador de Braslia 80

    Figura 6 - Sala de aula 81

    Figura 7 - Blocos B e C 81

    Figura 8 - Hall do Centro de Ensino 19 82

  • xi

    SUMRIO

    INTRODUO 14

    1 DESCOBRINDO O ENSINO CRTICO EM LNGUA PORTUGUESA 17

    1.1 O ensino de Lngua Portuguesa 20

    1.2 Conjunto de Prticas Sociais: nova concepo de Lngua e de Texto 22

    2 CONSTRUINDO AS TEORIAS PARA ANLISE 24

    2.1 Anlise de Discurso Crtica (ADC) 24

    2.1.1 Conceituando Discurso 26

    2.1.2 Lingstica Sistmico - Funcional (LSF) 26

    2.1.3 Os significados textuais segundo Fairclough 28

    2.1.4 Representao dos eventos sociais 30

    2.1.5 As noes de espao-tempo de Harvey 31

    2.1.6 Concepo Tridimensional do Discurso 32

    2.1.6.1 Prtica lingstica: discurso como texto 33

    2.1.6.2 Prtica discursiva 35

    2.1.6.3 Discurso como prtica social 37

    2.2 Letramento em Reviso 38

    2.2.1 Mudana de Perspectiva: a construo de novo objeto de anlise 40

    2.2.2 Alfabetizao, escolarizao e Letramento 44

    2.2.3 Eventos e prticas: componentes do Letramento 46

    2.2.4 O binmio de Street 48

    2.2.4.1 Modelo Autnomo 48

    2.2.4.2 Modelo Ideolgico 49

    2.2.5 Outras concepes sobre Letramento 51

    2.2.6 Letramento no panorama mundial 52

    2.2.7 Letramento no Brasil 54

    2.2.8 Multiletramentos: um novo conceito 57

    2.3 Multimodalidade: mudana no cenrio da comunicao 58

    2.3.1 Lingua(gem) e imagem 61

    2.3.2 Teoria de representao 62

    2.3.3 A semitica clssica: Christian Metz e Roland Barthes 63

  • xii

    2.3.4 Semitica Social 65

    2.3.5 Caractersticas dos textos multimodais 67

    2.3.6 Categorias para a anlise visual 69

    2.3.6.1 Valor da informao 69

    2.3.6.2 Salincia/projeo 69

    2.3.6.3 Framing 71

    3. EM BUSCA DE RESPOSTAS: OS CAMINHOS QUE TRILHEI 73

    3.1 Qualidades da Metodologia 73

    3.2 Aspectos relevantes para a Pesquisa 75

    3.3 Categorias de Anlise 76

    3.4 Questes da Pesquisa 77

    3.5 Os Sujeitos Pesquisados 77

    3.6 O Macro Contexto da Pesquisa: a Construo de Ceilndia 77

    3.7 O Micro Contexto da Pesquisa 80

    3.8 Instrumentos de Coleta de Dados 83

    3.9 O Corpus 83

    3.9.1Questes 84

    4 OS RESULTADOS: A ANLISE DO CORPUS 86

    4.1 Textos explorados em sala de aula pelas professoras 86

    4.1.1 Texto n 1 87

    4.1.2 Texto n 2 89

    4.2 Categorias analticas de Fairclough 92

    4.2.1 Vocabulrio 92

    4.2.2 Gramtica 93

    4.3 Categorias analticas de Fairclough 94

    4.3.1 Processos 95

    4.3.2 Participantes 96

    4.3.3 Linguagem 96

    4.4 Categorias analticas de Kress e van Leeuwen 97

    4.5 Orientaes para o Letramento 98

    4.6 Notas de campo 99

    4.6.1 Nota de Campo 1(NC1) 99

    4.6.1.1 Interpretando a Nota de Campo 1 (NC1) 100

    4.6.2 Nota de Campo 2 (NC2) 100

  • xiii

    4.6.2.1 Interpretando a Nota de Campo 2 (NC2) 102

    4.6.3 Nota de Campo 3 (NC3) 102

    4.6.3.1 Interpretando a Nota de Campo 3 (NC3) 103

    4.6.4 Nota de Campo 4 (NC4) 104

    4.6.4.1 Interpretando a Nota de Campo 4 (NC4) 105

    4.7 Analisando o Questionrio 106

    4.8 Consideraes Finais da Anlise dos Dados 109

    5 CONCLUSO 111

    6 REFERNCIAS 114

    ANEXOS 120

  • 14

    INTRODUO

    Por que o Letramento multimodal?

    As imagens carregam uma significao cultural com marcas geogrficas,

    religiosas e sociais que permitem ao leitor mltiplas e infinitas possibilidades de leitura.

    Ler as imagens, interpretando um texto verbal um desafio que se corporifica nesse

    mundo, marcado pela proliferao de imagens que nos bombardeiam: outdoors,

    noticirios, propagandas, multimdia etc.

    Qualquer que seja o texto escrito, ele multimodal, composto por mais de um

    modo de representao. Alm de palavras, elementos no-verbais, como fotos,

    desenhos, tabelas, grficos, quadros, diagramao da pgina (layout), interferem na

    mensagem a ser comunicada; bem como a cor e a qualidade do papel, o formato e a cor

    (ou as cores) das letras e a formatao do pargrafo etc.

    O grau de dificuldade dessa leitura depende da familiaridade da pessoa com o

    tipo de recurso grfico, com o assunto tratado e com a salincia da informao, tanto

    quanto do material lingstico. medida que esse tipo de texto trabalhado em sala de

    aula, o aluno poder perceber com mais facilidade que a leitura, como construo de

    sentido, requer no s os efeitos de sentido desencadeados pela lngua, mas tambm

    outros elementos.

    s vezes, as imagens dispensam as palavras, e, se o leitor tem habilidade para

    lidar com esses elementos no-verbais, pode estabelecer relaes e ser capaz de

    relacionar e de perceber como se completam informaes advindas dessas fontes, na

    construo de significados para o texto.

  • 15

    Foi esse cenrio instigante que me motivou a pesquisar com maior afinco e

    dedicao o fenmeno do Letramento multimodal. Considero-o relevante para que os

    alunos possam se familiarizar com textos multimodais e adquirir habilidades para lidar

    com elementos no-verbais.

    Na anlise do corpus, investigo as relaes entre a prtica discursiva e a social,

    as propriedades dos textos associadas s propriedades sociais dos eventos discursivos.

    Investigo, tambm, por meio da comparao com outros dados (questionrio e textos

    trabalhados em sala de aula), se o texto multimodal trabalhado em sala de aula e qual

    a sua contribuio para a construo do discurso crtico do aluno.

    A dissertao est organizada em seis partes: a introduo, quatro captulos e a

    concluso.

    No captulo 1, Descobrindo o ensino crtico em Lngua Portuguesa, apresento as

    novas concepes do ensino da Lngua Portuguesa, sugeridas pelo Ministrio da

    Educao e as novas concepes de linguagem no contexto contemporneo. O apoio

    terico vem das idias de Fairclough (1989, 1992, 2001, 2003) e de Chouliaraki e

    Fairclough (1999).

    No captulo 2, Construindo as teorias para anlise, subdividido em trs partes, na

    primeira, trabalharei a Anlise de Discurso Crtica, segundo Fairclough (1989, 1992,

    2001, 2003) e Chouliaraki e Fairclough (1999). Na segunda parte, apresento os

    resultados de pesquisas sobre o Letramento no panorama mundial, bem como na

    pesquisa nacional. Barton (1994); Barton e Hamilton (1998, 2000); Heath (1982,1983);

    Hasan (1995, 1996) e Street (1984,1993, 1995); Kleiman (1995); Marcuschi (2004);

    Soares (1998); Vieira (2003) fornecem-me a sustentao terica. Apresento, na terceira

    parte, consideraes acerca da Multimodalidade: de acordo com Chouliaraki e

  • 16

    Fairclough (1999); Kress e van Leeuwen (1996); Kress, Leite - Garcia e van Leeuwen

    (2000) e Trevisan (2002).

    No captulo 3, Em busca de respostas: os caminhos que trilhei, mostro os

    aspectos da metodologia; os sujeitos pesquisados, o contexto sociocultural, os

    instrumentos, a coleta dos dados e a organizao do corpus. As categorias de anlise,

    no campo da ADC, sero referentes s dimenses do vocabulrio no que se refere ao

    sentido da palavra e metfora, e da gramtica no que tange passivizao e

    nominalizao e as representaes dos eventos sociais: processos, participantes,

    linguagem, propostas por Fairclough (2003).

    Da Multimodalidade, sigo as propostas de Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen

    (2000); Kress e van Leeuwen (1996). Procurei, ainda, identificar orientaes quanto aos

    letramentos subjacentes s prticas docentes, de acordo com Barton (1994); Barton e

    Hamilton (1998, 2000); Heath (1982,1983) e Street (1984, 1993, 1995). A anlise de

    cunho qualitativo com reinterpretao dos dados, de acordo com Bauer e Gaskell (2003)

    e Flick (2004).

    No captulo 4, Os resultados: a anlise do corpus, realizo uma anlise crtica dos

    dados coletados em que o texto visto como representao, luz dos pressupostos

    tericos e analticos de Fairclough (2001, 2003). A Multimodalidade, segundo Kress e

    van Leeuwen (1996), Kress, Leite - Garcia e van Leeuwen (2000), fundamentar as

    anlises. Sobre o Letramento, ancorada em Street (1984, 1993, 1995), procurei

    identificar orientaes quanto s mltiplas funes e aos significados do Letramento,

    subjacentes s prticas utilizadas pelas professoras.

  • 17

    CAPTULO 1

    El Anlisis crtico del discurso

    interpreta el discurso - el uso del lenguaje em el habla y em la

    escritura - como una forma de prctica social (Fairclough e

    Wodak, 2001, p.367).

    DESCOBRINDO O ENSINO CRTICO EM LNGUA PORTUGUESA

    No Brasil, o ensino de Lngua Portuguesa tem sido desde os anos 70, o centro

    da discusso acerca da necessidade de melhorar a qualidade de ensino. Porm, as

    propostas de reformulao indicavam mudanas no modo de ensinar: pouco

    considerando os contedos de ensino; valorizando a criatividade e orientando pela

    perspectiva gramatical. (PCNs de Lngua Portuguesa, p. 17).

    Os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs - orientam para que a escola

    organize atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domnio da expresso oral

    e escrita em situaes de uso pblico da linguagem, alm disso esperam que o aluno

    Amplie o conjunto de conhecimentos discursivos, semnticos e gramaticais

    envolvidos na construo dos sentidos dos textos; reconhea a contribuio

    complementar dos elementos no-verbais (gestos, expresses faciais,

    postura corporal); utilize a linguagem escrita, quando for necessrio,

    quando apoio para registro, documentao e anlise; amplie a capacidade

    de reconhecer as intenes do enunciador, sendo capaz de aderir ou

    recusar as posies ideolgicas sustentadas em seu discurso. (PCNs de

    Lngua Portuguesa, p. 49).

    Para atender aos novos direcionamentos, o ensino de Lngua Portuguesa

    necessita considerar as prticas discursivas dos alunos como modo no s de valoriz-

  • 18

    los, mas tambm de valorizar sua comunidade. Vrios so os textos oficiais que

    suscitam discusses acerca da necessidade de repensar o ensino de Lngua

    Portuguesa.

    Nessa perspectiva, a escola deve assumir o compromisso de garantir que a sala

    de aula seja um espao em que cada sujeito tenha o direito palavra e que isso possa

    ser reconhecido como legtimo.

    O Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica - Saeb - do Ministrio da

    Educao, criado em 1990, constitui relevante instrumento para subsidiar e induzir

    polticas orientadas para a melhoria da qualidade da educao brasileira. O Saeb avalia

    a qualidade, a eqidade e a eficincia do ensino e da aprendizagem no mbito do

    Ensino Fundamental e do Ensino Mdio. Em Lngua Portuguesa, so avaliadas as

    seguintes competncias e habilidades:

    procedimentos de leitura;

    implicaes de suporte, do gnero e/ou enunciador, na compreenso dos

    textos;

    relao entre textos;

    coeso e coerncia no processamento de textos;

    relaes entre recursos expressivos e efeitos de sentido;

    variao lingstica.

    Os testes aplicados aos alunos contm itens que avaliam as habilidades

    (descritores) relacionadas nas Matrizes de Referncia do Saeb. Cada item construdo

  • 19

    para avaliar um nico descritor. Sobre o ensino da Lngua, h, no Saeb (2001, p.10

    -15), dois nveis de exigncia:

    1) que o aluno seja usurio competente da lngua;

    2) que o aluno seja crtico, reflexivo e independente.

    Assim, surge tambm nova exigncia em relao ao trabalho do professor. Ele,

    que antes detinha os conhecimentos e objetivava transmiti-los, agora tem como objetivo

    o desenvolvimento de habilidades.

    Essa mudana de foco significa que cabe ao professor o papel fundamental de

    organizar aes que possibilitem aos alunos o olhar crtico e reflexivo sobre os aspectos

    das prticas sociais; inclusive sobre aqueles que no foram percebidos inicialmente

    como intenes, valores, ideologias, articulados ao conhecimento dos recursos

    discursivos e lingsticos. Assim, necessrio que o professor tenha clareza das

    finalidades do ensino e dos conhecimentos que precisam ser construdos.

    O Currculo da Educao Bsica das Escolas Pblicas do Distrito Federal,

    fundamentado nos Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs -, apresenta proposta de

    reavaliao e de reflexo da prtica pedaggica do ensino e da aprendizagem da

    Lngua Portuguesa:

    O ensino da Lngua Portuguesa deve integrar-se aos demais componentes curriculares e aos

    principais temas sociais, deve contribuir para a formao global do cidado, possibilitando a ampliao do

    domnio da lngua e da linguagem. Para interagir por meio da lngua e da linguagem, o aluno necessita

    desenvolver conhecimentos discursivos e lingsticos, sabendo adequar suas produes orais e escritas a

    diferentes situaes de interlocuo. (Currculo da Educao Bsica das Escolas Pblicas do Distrito

    Federal, 2002, p.27).

  • 20

    Dessa forma, interagir, usando a linguagem, significa empreender ao que se

    realiza nas prticas sociais, a qual se manifesta por meio do texto. Portanto, o ensino da

    lngua, na escola, deve privilegiar o texto, no apenas como modelo, mas como eixo

    central das aulas.

    Ainda que apresentem propostas louvveis de reformulao das prticas

    tradicionais de ensino de lngua, os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de

    Lngua Portuguesa e os documentos dele decorrentes esto redigidos de modo que sua

    leitura se revela, extremamente difcil para a maioria dos professores brasileiros,

    principalmente para os que atuam em escolas pblicas, que no foram preparados, em

    seus cursos de formao, para ler esse gnero textual que pressupe o conhecimento

    prvio de teorias lingsticas especficas (Bagno, 2002, p.15).

    Elas so veiculadas em terminologia que no compreensvel para o professor-

    leitor como parece ser para os produtores do texto, os tcnicos do Ministrio da

    Educao.

    1.1 O ensino de Lngua Portuguesa

    O objeto de ensino-aprendizagem de Lngua Portuguesa o conhecimento

    lingstico e discursivo que o aluno opera ao participar de prticas sociais mediadas pela

    linguagem. Linguagem, aqui, entendida como ao interindividual orientada por uma

    finalidade especfica, que se realiza nas prticas sociais (PCNs de Lngua Portuguesa,

    p.20).

    Assim, a escola deve articular situaes de uso da linguagem com as relaes

    sociais e o professor deve ter em mente que a escola um espao de interao social

    em que prticas sociais acontecem e se circunstanciam.

  • 21

    Segundo os PCNs (p.23), no se devem tomar como unidades bsicas do

    processo de ensino-aprendizagem as prticas que decorrem de anlise de estratos,

    como letras, fonemas, slabas, palavras, sintagmas ou frases, que, descontextualizadas,

    so apenas exemplos de estudo gramatical, e pouco ou nada se relacionam com a

    competncia discursiva.

    Os alunos, nas suas prticas sociais, na busca de servios, nas tarefas

    profissionais, nos encontros institucionalizados, na defesa de seus direitos, sero

    avaliados na medida em que forem capazes de responder s diferentes demandas de

    fala e de escrita adequadas aos diferentes papis sociais, nunca com base em anlise

    de estratos, portanto esse modelo no funciona.

    O ensino crtico de Lngua Portuguesa passa a ser discutido em funo das

    novas teorias lingsticas como a Anlise de Discurso Crtica, o Letramento, a

    Multimodalidade. A escola v-se, ento, obrigada a ampliar seus paradigmas, suas

    concepes.

    Diante desses novos paradigmas, a unidade bsica do ensino deve ser o texto.

    Utilizo, aqui, texto como Fairclough (2003, p.3), em sentido amplo: qualquer exemplo de

    linguagem em uso um texto. Considerando tambm que textos so partes de eventos

    sociais.

    Alguns eventos tm carter altamente textual, outros no. Textos impressos e

    escritos, como listas de compras e artigos de jornal, so textos; cpias de conversas e

    de entrevistas (faladas) tambm o so, assim como televiso e pginas na Internet.

  • 22

    1.2 Conjunto de prticas sociais: nova concepo de lngua e de texto

    Para Fairclough (2003, p.23), a relao entre estruturas e eventos sociais

    mediada pelas prticas sociais. As estruturas sociais so entidades muito abstratas,

    pensadas como algo potencial, como grupo de possibilidades, ao passo que os eventos

    sociais constituem o que real. As prticas sociais podem ser tidas como meios de

    controlar a seleo de certas possibilidades estruturais e a excluso de outras e so

    padronizadas pelas instituies e pelas relaes de poder, esto inseridas em prticas

    culturais e metas sociais mais amplas.

    Prticas so estabelecidas em rede de modo particular e cambiante enquanto os

    eventos sociais so causativamente moldados por redes de prticas sociais. A essas

    redes de prticas sociais (no aspecto lingstico), Fairclough (2003, p.24) chamou-as de

    ordem de discurso, cujos elementos so:

    gneros - so modos diferentes de (inter)agir discursivamente em eventos

    sociais;

    discursos - so modos de representar aspectos do mundo (o fsico, o

    social e o material), so representaes que fazem parte de prticas sociais;

    estilos - so modos de ser, so identidades sociais ou pessoais

    particulares.

    A linguagem um elemento do social em todos os nveis ao passo que, os textos

    so efeitos de estruturas lingsticas, de ordens de discurso, bem como efeitos de

    outras estruturas sociais, e de prticas sociais em todos os seus aspectos, de modo que

    difcil separar os fatores que modelam os textos (Fairclough, 2003, p.24).

  • 23

    Portanto, a escola deve considerar o universo social do aluno, promovendo a sua

    ampliao, de modo que ele se torne capaz de interpretar textos diversos que circulam

    socialmente, de defender suas opinies, de produzir textos eficazes nas mais variadas

    situaes.

    Ao confrontar o que apresentado nos textos oficiais com as prticas discursivas,

    constatei que h uma lacuna entre o que se prope para o ensino de Lngua Portuguesa

    e o que de fato ocorre nas instituies de ensino. A comear pela prpria terminologia

    dos textos oficiais, que incompreensvel para a maioria dos professores.

    Alm disso, o texto ainda no tomado como unidade de ensino, quer seja na

    forma oral ou escrita; a mudana dessa prtica permitir aos alunos a expanso e a

    construo de habilidades que ampliem sua competncia discursiva, por meio da

    anlise e da reflexo sobre os mltiplos aspectos envolvidos nas prticas de leitura e de

    escrita de textos, nas atividades de Lngua Portuguesa.

    Assim, penso que as diferentes correntes da Lingstica, como a ADC, o

    Letramento e a Multimodalidade podem prestar contribuies significativas ao ensino de

    Lngua Portuguesa na escola, desde que haja abertura e disposio de ambas as partes

    - Governo e profissionais - para a efetivao de mudanas concretas.

    No captulo subseqente, apresentarei a fundamentao terica que dar

    sustentao anlise dos dados.

  • 24

    CAPTULO 2

    El anlisis crtico del discurso est

    bastante relacionado com el hecho de establecer

    nexos entre estructuras y procesos sociales y

    culturales por un lado, y con las propiedades del texto

    por el otro (Fairclough e Wodak, 2001, p.395)

    CONSTRUINDO AS TEORIAS PARA ANLISE

    Neste captulo, apresento a fundamentao terica que norteia a minha

    dissertao. Apresento, na primeira parte, a Anlise de Discurso Crtica na Concepo

    Tridimensional de Fairclough (2001), bem como discorro sobre a reelaborao dessa

    perspectiva para o discurso, lanada em Fairclough (2003). A segunda parte dedicada

    aos estudos dos Letramentos, propostos por Barton (1994); Barton e Hamilton (1998,

    2000); Heath (1982,1983); Street (1984,1993, 1995); Kleiman (1995); Marcuschi (2004);

    Soares (1998) e Vieira (2003), que repensam as prticas sociais em diferentes culturas

    e linguagens. E, por fim, trabalho com a Multimodalidade, de acordo com Chouliaraki e

    Fairclough (1999); Kress e van Leeuwen (1996); Kress, Leite - Garcia e van Leeuwen

    (2000), que destacam outras modalidades de discurso no-verbal.

    2.1 Anlise de Discurso Crtica (ADC)

    A anlise de Discurso apresenta duas vertentes: crticas e no-crticas. A linha de

    ADC possui como diferencial sua nfase sobre a esfera da prtica social. Esta linha

    confere linguagem um papel central e dependente dos determinantes culturais e das

    estruturas de poder que as configuram, no contexto social.

    A ADC torna-se um projeto em nvel transdisciplinar com perspectivas sobre a

    linguagem e o discurso imersos na teoria e pesquisa social para desenvolver a

  • 25

    capacidade de analisar textos como elementos do processo social. A

    transdisciplinaridade teoria ou ao mtodo analtico uma questo de trabalhar com

    categorias sociolgicas, por exemplo, para desenvolver uma teoria do discurso e

    mtodos para analisar textos, em virtude de no enfocar somente as propriedades

    discursivas (produo, distribuio e consumo dos textos) e textuais, mas por v-los

    como prtica social nas instituies e nas relaes com o poder e nos projetos

    hegemnicos em nvel social.

    Fairclough (2003, p. 28) afirma que a Anlise de Discurso influenciada pela obra

    de Foucault, a qual representa uma importante contribuio para uma teoria social do

    discurso em reas como a relao entre discurso e poder, a construo discursiva de

    sujeitos sociais e do conhecimento e o funcionamento do discurso na mudana social.

    A anlise de texto parte importante de Anlise de Discurso, porm a Anlise de

    Discurso no apenas a anlise lingstica de textos, algo que oscila entre o foco em

    textos especficos e o foco em ordem de discurso, que a estruturao social de uma

    lngua e sua parceria com determinadas prticas sociais, a ADC, alm de ser linha

    terica tambm modelo de anlise e por isso foi escolhida para nortear o meu trabalho.

    A linha de Anlise de Discurso no-crtica, por sua vez, considera o sujeito

    somente como agente dos processos sociais e o contexto como no fundamental para o

    processo de socializao dos sujeitos, por meio da linguagem.

    A seguir sero apresentados conceitos-chave para o entendimento da ADC e

    para sua utilizao como ferramenta terica e metodolgica.

  • 26

    2.1.1 Conceituando Discurso

    Para Fairclough (2003, p. 26), a anlise de qualquer discurso envolve vrios

    fatores e diferentes domnios. O autor utiliza o termo discurso em dois sentidos:

    abstratamente, como linguagem ou como outros tipos de semiose; e concretamente,

    como modos particulares de representar partes do mundo.

    Discursos representam o mundo como ele (ou melhor, como ele visto). Eles

    tambm so projetivos ou imaginrios, representando mundos possveis que so

    diferentes do mundo real, e inseridos em projetos de mudar o mundo em direes

    particulares (Fairclough, 2003, p.124).

    Sendo assim, o discurso sinaliza a viso particular da linguagem em uso, como

    um elemento da vida social que fortemente conectado a outros elementos. Ao usar o

    termo discurso, ao longo desta dissertao, proponho considerar o uso da linguagem

    como forma de prtica social e no como atividade puramente individual ou reflexo de

    variveis situacionais.

    2.1.2 Lingstica Sistmico-Funcional

    Fairclough (2003, p.5) considera a Lingstica Sistmico-Funcional (LSF) como a

    principal referncia para a anlise de texto. LSF uma teoria lingstica e um conjunto

    de mtodos analticos, associados a Halliday (1978), que se preocupam com a relao

    entre lngua, outros elementos e aspectos da vida social.

    A anlise lingstica de textos orientada ao carter social dos textos. Mas,

    Fairclough considera que as perspectivas de anlise entre a ADC e a LSF no

    coincidem, porque a ADC v a necessidade de abordagens textuais por meio de um

    dilogo transdisciplinar com perspectivas sobre linguagem e discurso, imersos na teoria

  • 27

    e na pesquisa social para desenvolver a capacidade de analisar textos como elementos

    do processo social, ao passo que a LSF no v essa necessidade.

    Fairclough (2003, p.26-27) considera as funes propostas por Halliday

    (1978,1985) porque os textos, simultaneamente, representam aspectos do mundo (o

    mundo fsico, o social e o mental); interpretam as relaes sociais entre os participantes

    de eventos sociais e as atitudes, desejos e valores dos participantes; alm de conectar-

    se com seus contextos situacionais, ou seja, os textos apresentam, ao mesmo tempo,

    as funes propostas por Halliday:

    funo ideacional, a representao e a significao do mundo e da

    experincia;

    funo interpessoal, a constituio (estabelecimento, reproduo,

    negociao) das identidades dos participantes da interao e as relaes sociais e

    pessoais entre eles;

    funo textual, distribuio da informao dada versus nova, e da

    informao foco versus aquela de pano de fundo.

    Fairclough (2003) denomina-as ideacional, identitria e relacional e no faz

    distino de uma funo textual. As funes identitria e relacional so reunidas por

    Halliday como a funo interpessoal. Essa unio realizada porque o autor relaciona a

    funo identitria aos modos pelos quais as identidades sociais so estabelecidas no

    discurso enquanto a funo relacional diz respeito ao modo como as relaes sociais

    entre os participantes do discurso so representadas e negociadas.

  • 28

    A Lingstica Sistmico-Funcional, a respeito da anlise lingstica de textos,

    sempre orientada ao carter social dos textos e essa postura faz da LSF um valioso

    recurso para a Anlise de Discurso Crtica. Utilizarei os pressupostos tericos e

    analticos da ADC, mas no sero utilizadas as categorias da LSF, porque considerei

    apenas a sua influncia sobre a ADC.

    2.1.3 Os significados textuais segundo Fairclough

    Fairclough (2003) concorda com as abordagens funcionais da linguagem que

    enfatizam a multifuncionalidade dos textos, ainda que o faa de maneira diferente, de

    acordo com a distino entre gnero, discurso e estilo como as trs maneiras em que o

    discurso figura como parte da prtica social, respectivamente: ao, representao e

    identificao.

    A ao seria o modo de (inter)agir em eventos sociais; corresponderia funo

    interpessoal, embora a nfase esteja no texto, representando relaes sociais. A

    representao, modo de representar o mundo material, equivaleria funo ideacional;

    e a identificao, modo particular de ser, identidade social ou particular, est includa,

    tambm, na funo interpessoal.

    Fairclough faz distines muito semelhantes aos trs eixos de Foucault (1994,

    apud Fairclough, 2003, p.27): o eixo do conhecimento, o eixo do poder e o eixo da tica,

    os quais apontam, tambm, para o carter dialtico e a complexidade entre eles:

    ao est relacionada, de modo genrico, com a relao com os outros,

    mas tambm com a ao sobre os outros e com o poder;

    representao tem a ver com o conhecimento e, por meio dele, com o

    controle sobre as coisas;

  • 29

    identificao liga-se com as relaes com a prpria pessoa, com a tica e

    com os assuntos morais.

    Figura 1 - Correlao entre os enfoques de Fairclough, Halliday e Foucault

    Fairclough Halliday Foucault

    ao interpessoal poder

    representao ideacional conhecimento

    identificao interpessoal tica

    Com base em Fairclough, 2003, p. 27-28.

    Devido complexidade relacionada aos trs aspectos de significado, posso

    abordar, em um texto, ou at mesmo, em um perodo simples, aspectos do mundo fsico

    (seus processos, seus objetos, suas relaes, seus parmetros de espao e de tempo);

    aspectos do mundo mental (pensamentos, sentimentos, sensaes e assim por diante);

    alm dos aspectos do mundo social.

    Nesta dissertao, ater-me-ei aos aspectos do mundo social porque o objetivo a

    representao dos eventos sociais, ainda que o mundo social possa ser representado

    de modo mais generalizado e abstrato em relao s estruturas, s relaes, s

    tendncias etc.

    Os trs tipos de significado: ao, representao e identificao devem ser

    levados em considerao quando o foco a orao, sendo que cada um deles oferece

    uma perspectiva especfica dele mesmo e de categorias analticas especficas. Mas,

    como foi dito anteriormente, o foco desta pesquisa a representao.

  • 30

    2.1.4 Representao dos eventos sociais

    Para uma anlise com base nos significados representacionais, Fairclough (2003)

    prope categorias diferentes: os processos, os participantes e as circunstncias.

    necessrio, ainda, considerar relaes sociais e formas institucionais; objetos; meios e

    tecnologias; linguagem (e outros tipos de semiose).

    As relaes sociais e as formas institucionais representadas podem ser

    mencionadas ou no. Os objetos e os meios relacionam-se com a linguagem dos tipos

    de eventos e podem estar ou no suprimidos no texto.

    Os processos, normalmente, realizam-se sob a forma de verbos e dizem respeito ao

    modo como os participantes agem nos eventos sociais; os participantes realizam-se sob

    a forma de sujeito, objetos diretos ou indiretos, so os agentes ou os pacientes que

    podem estar includos ou excludos; as circunstncias, sob a forma dos diferentes tipos

    de elementos adverbiais, como adjuntos adverbiais de tempo ou lugar.

    Consoante Fairclough (2003, p.135-136), para analisar os textos, sob a perspectiva

    representacional, necessrio verificar quais processos, participantes e circunstncias

    esto includos na representao dos eventos observados, quais dos elementos foram

    excludos e aos quais foi dada maior importncia; se o evento social est representado

    de forma concreta ou abstrata e qual o nvel de generalizao do mesmo.

    Os participantes podem ser identificados como agentes ou pacientes no processo.

    Podem ser representados pessoal ou impessoalmente, pelo nome (nomeados) ou

    classificados, de acordo com as categorias a que pertencem; podem, ainda, referir-se a

    um grupo especfico ou a uma classe em geral. Os agentes podem estar excludos ou

  • 31

    includos no texto, podendo vir sob a forma de substantivos ou pronomes, usados

    anaforicamente para fazer referncia a algo j citado.

    As categorias que sero utilizadas no corpus so: os processos, os participantes

    e a linguagem.

    2.1.5 As noes de espao-tempo de Harvey

    De acordo com Harvey (1996), as noes de espao e de tempo so construtos

    sociais, isto , so construdas diferentemente em cada sociedade e levam a

    discordncias. Alm disso, esto muito interligadas, sendo difcil separ-las. Em

    qualquer ordem social, haver diferentes espaos-tempo existindo, sendo, pois,

    necessrio analisar como esses diferentes espaos-tempo ligam-se uns aos outros.

    H distino entre as representaes de locao (localizao), em que se

    determina o lugar exato do evento social e as de extenso (durao, distncia), as quais

    se referem dimenso da(s) circunstncia(s). Vrios aspectos lingsticos contribuem

    para a representao do tempo, quais sejam: tempo verbal (presente, passado e futuro);

    as caractersticas do verbo (distino entre ao progressiva ou no); os advrbios; as

    conjunes; e os marcadores temporais.

    Harvey (1996, apud Fairclough, 2003, p.151) reconhece a importncia social do

    discurso como parte da ao e da construo reflexiva da vida social (significao),

    ressaltando, inclusive, o trabalho transformador do discurso. Esse processo

    transformador envolve a rearticulao dos discursos na luta pela mudana das

    estruturas sociais. Harvey considera, ainda, o discurso como um momento da prtica

    social ao lado de outros momentos: relaes sociais, poder, prticas materiais,

    crenas/valores/desejos.

  • 32

    Apresentei essas categorias porque dizem respeito s representaes (de

    locao) dos eventos sociais, porm no elas no sero utilizadas, visto que categorias

    de anlise propostas por Fairclough (2003) so abrangentes e contemplam os meus

    propsitos de anlise.

    2.1.6 Concepo Tridimensional do Discurso

    As novas perspectivas para o discurso propostas por Fairclough (2003)

    constituem a extenso de um trabalho anterior, o qual mostrava uma anlise lingstica

    mais detalhada de textos. Essa abordagem baseada na suposio de que a lngua

    uma parte da vida social conectada a outros elementos da vida social.

    Objetivando estabelecer a conexo entre a ancoragem e o trabalho anterior,

    julguei pertinente a apresentao da Concepo Tridimensional do Discurso porque

    aborda questes importantes para a anlise que me proponho a fazer, tendo como base

    as prticas discursivas utilizadas pelas professoras em sala de aula.

    A Concepo Tridimensional da Anlise de Discurso engloba, simultaneamente,

    as trs esferas principais de anlise voltada para a teoria social: texto, prtica discursiva

    e prtica social (Fairclough, 2001, p. 89).

  • 33

    Figura 2 - Concepo Tridimensional do Discurso

    PRTICA DISCURSIVA

    TEXTO

    PRTICA SOCIAL

    Fonte: Fairclough, 2001, p.101.

    2.1.6.1 Prtica lingstica: discurso como texto

    A dimenso textual do discurso mostra uma orientao simultnea para as formas

    lingsticas e para os sentidos. Essa implicao ocorre porque os traos formais de um

    texto so potencialmente significativos na anlise de discurso (Fairclough, 2001, p.102).

    A anlise de textos implica, invariavelmente, anlises de formas lingsticas e de

    significados. Ao contrrio da noo tradicional relativa natureza arbitrria do signo, as

    abordagens crticas de Anlise de Discurso consideram signos como motivados

    socialmente.

    O discurso contribui para a constituio de todas as dimenses da estrutura

    social, que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem; suas prprias normas e

    convenes, como tambm, relaes, identidades e instituies que lhe so subjacentes.

    Fairclough (2001) coloca quatro dimenses na anlise textual: vocabulrio,

    gramtica, coeso e estrutura textual.

  • 34

    Na esfera do vocabulrio, esto inclusos processos de lexicalizao, de

    relexicalizao, de construo de metforas e de significado do mundo, levando-se em

    conta os momentos histricos e os grupos sociais envolvidos. A relexicalizao dos

    domnios das experincias pode ter significado poltico e ideolgico, uma vez que os

    sentidos das palavras podem estar inseridos em lutas hegemnicas. A metfora,

    tambm, possui implicaes ideolgicas nos processos das selees estratgicas.

    Na dimenso da gramtica, a orao focalizada por representar combinao de

    sentidos ideacionais, interpessoais e textuais. A gramtica trata das palavras

    combinadas em frases e oraes. Aqui se pode analisar o tipo de orao (declarativa,

    interrogativa ou imperativa); o que ou quem o tpico da orao; se usada a voz ativa

    ou a passiva; se h ou no apagamento da agente da ao verbal.

    Assim, a escolha da estrutura oracional implica escolha sobre o significado de

    identidades e das relaes sociais, bem como conhecimento e crena. A dimenso

    ideacional da gramtica da orao , usualmente, referida na LSF como transitividade

    (Halliday, 1985). A transitividade lida com os processos relacionais e acionais e ainda

    com os tipos de participantes envolvidos (Fairclough, 2001, p.221).

    Fairclough (2003, p.143) amplia o conceito de metfora, o que antes estava

    restrito ao vocabulrio, agora, tambm, tem relao com a gramtica. So exemplos de

    metforas gramaticais a nominalizao e a passivizao. A nominalizao a

    converso de processos em nomes, que tm o efeito de colocar o processo em si em

    segundo plano, alm de, usualmente, no especificar os participantes envolvidos na

    ao, de forma que o agente e o paciente so apagados.

    A passivizao muda o objeto para a posio inicial de tema, o que significa

    apresent-lo como informao j dada ou conhecida. A passivizao permite a omisso

  • 35

    do agente, embora isso possa ser motivado pelo fato de que o agente, em alguns casos,

    evidente em si mesmo, irrelevante ou desconhecido.

    A modalidade a dimenso da gramtica que corresponde funo interpessoal

    da linguagem, pois indica o grau de afinidade e de comprometimento do produtor com

    seu discurso e o uso da modalidade pode implicar diferentes formas de poder.

    A coeso aborda como as oraes so ligadas em frases e como as frases, por

    sua vez, so ligadas para formar unidades maiores no texto. Essas ligaes podem se

    realizar de diversas maneiras, mediante diferentes mecanismos tais como referncia,

    elipse, conjuno e coeso lexical.

    A estrutura textual relaciona-se com os aspectos gerais de planejamento textual

    de acordo com as convenes de estruturao dos diferentes gneros textuais como

    produtos sociais: soneto, romance, entrevista, resenha etc. Essas estruturas fornecem

    pistas sobre os sistemas de conhecimentos e de crenas e sobre as relaes sociais e

    identidades subjacentes.

    2.1.6.2 Prtica discursiva

    No mbito da prtica discursiva, Fairclough (2001, p.108 -109) destaca a natureza

    dos processos de produo (intertextualidade e interdiscursividade dos textos),

    distribuio (fora dos enunciados) e consumo (coerncia), estabelecendo uma relao

    entre a prtica discursiva e a etapa interpretativa de Anlise de Discurso Crtica.

    A produo textual relaciona-se a contextos situacionais especficos e pressupe

    rotina particular que pode ser de natureza coletiva ou individual. O produtor do texto

    pode ser desdobrado em diferentes posies de forma consciente e inconsciente.

  • 36

    Goffman (1981, p.144 apud Fairclough, 2001, p.107) sugere que estes desdobramentos

    do produtor podem ser descritos em termos das seguintes categorias:

    animador, aquele que realmente realiza os sons ou as marcas grficas;

    autor, que responsvel pela reunio das palavras e pelo texto;

    principal, aquele cuja posio est representada no texto.

    A distribuio pode ser simples ou complexa de acordo com o contexto imediato

    ou mediato. Alm disso, os textos podem ser distribudos em diferentes domnios

    institucionais, cada um dos quais com seus padres prprios de consumo.

    Os textos so consumidos de forma diversificada, consoante os diferentes

    contextos sociais e prticas sociais em que so veiculados. O trabalho interpretativo

    particular, pois depende do grau de ateno do leitor, da ateno dividida com outra

    atividade, se um texto de consumo individual ou coletivo, entre outros aspectos. Por

    sua vez, os textos provocam efeitos em dois sentidos: passivos quando so aceitos e

    ativos quando questionados, contestados, discutidos.

    Os processos de produo e de consumo dependem das estruturas sociais,

    normas e conhecimentos internalizados pelos sujeitos, aqui denominados de recursos

    dos membros (Fairclough, 2001, p.109). Portanto, esses processos so, socialmente,

    restringidos em um sentido duplo: pelos conhecimentos e convenes incorporadas, e

    pela natureza da prtica social da qual so parte.

    Para Fairclough (2001, p.109), nos processos de produo e de consumo, esto

    envolvidas as dimenses sociocognitivas, que se centralizam entre recursos

  • 37

    internalizados dos participantes e o texto. Tais processos tambm so restringidos pelos

    recursos disponveis dos membros e pela natureza especfica da prtica social.

    Na dimenso do consumo, um texto coerente um texto cujas partes

    constituintes (episdios, frases) so relacionadas com um sentido, de forma que o texto

    como um todo faa sentido, mesmo na ausncia de marcadores explcitos, isto , os

    textos estabelecem posies para os sujeitos intrpretes, que so capazes de

    compreend-los e capazes de fazer as conexes e inferncias.

    2.1.6.3 Discurso como prtica social: ideologia e hegemonia

    O discurso como prtica social relaciona-se com a anlise das prticas sociais (o

    discurso em relao com a ideologia e com o poder) no que concerne s estruturas

    sociais. Sendo assim, o discurso uma prtica ideolgica que constitui, naturaliza e

    transforma significados do mundo, em vrias dimenses nas relaes de poder

    (Fairclough, 2001, p.121). Fairclough considera, ainda, trs proposies apresentadas

    por Althusser (1971), embora com algumas ressalvas: a existncia material da ideologia

    nas prticas, a interpelao dos sujeitos pela ideologia e a idia de que as lutas de

    classes ocorrem nos Aparelhos Ideolgicos do Estado.

    O foco de Fairclough (2001, p.122) est na luta ideolgica em termos de

    transformao (e no naturalizao do senso comum e cimento social proposta por

    Althusser) relacionada s prticas, contrastantes tanto em suas estruturas como em

    seus eventos discursivos.

    Para o autor, os sujeitos no devem ser subestimados no que concerne sua

    capacidade de ao contra prticas ideolgicas em prol de mudanas sociais mais

  • 38

    amplas. Ressalta, ainda, o lugar do discurso dentro da viso de poder como hegemonia,

    considerando uma viso das relaes de poder como lutas hegemnicas.

    Fairclough (2001) afirma que hegemonia tanto liderana quanto dominao nas

    esferas econmica, poltica, cultural e ideolgica de uma sociedade e que a prtica

    discursiva constitui uma faceta da luta hegemnica que contribui em variados graus para

    a reproduo ou transformao das ordens de discurso e tambm das relaes sociais e

    assimtricas.

    Pretendo mostrar, com esta pesquisa, que as perspectivas para o texto,

    propostas por Fairclough, podem ir alm do texto verbal, por isso, apresento, nas

    prximas sees, os resultados de pesquisas sobre Letramento, entendido como prtica

    social e sobre a Multimodalidade, que se preocupa, principalmente, com o texto

    imagtico.

    2.2 Letramento em Reviso

    As sociedades do mundo inteiro esto cada vez mais centradas na escrita, por

    isso ser alfabetizado tem se revelado condio insuficiente para responder

    adequadamente s demandas contemporneas. necessrio ir alm da aquisio da

    escrita, preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se da funo

    social dessas duas prticas; preciso letrar-se, conforme nos orienta Soares (2000).

    No Brasil, o termo Letramento foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em

    1986, na obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingstica. Em 1988, passa a

    representar um referencial no discurso da educao, ao ser definido por Tfouni em

    Adultos no alfabetizados: o avesso do avesso e retomado em publicaes

    posteriores.

  • 39

    Desde ento, passa a ser usado, nos meios acadmicos, em uma tentativa de

    separar os estudos sobre o impacto social da escrita (Kleiman, 1995, p.15) dos

    estudos sobre a alfabetizao, cujas conotaes escolares destacam as competncias

    individuais no uso e na prtica da escrita.

    O que provocou esse interesse foi o desenvolvimento social que acompanhou a

    expanso dos usos da escrita desde o sculo XVI, como a emergncia do Estado como

    unidade poltica e a formao de identidades nacionais.

    Devem ser consideradas, tambm, as mudanas socioeconmicas nas grandes

    massas que se incorporaram s foras de trabalho industrial, o desenvolvimento das

    cincias, a dominncia e a padronizao de uma variante de linguagem, a emergncia

    da escola, o aparecimento das burocracias letradas como grupo de poder nas cidades,

    enfim as mudanas polticas, sociais, econmicas e cognitivas relacionadas com o uso

    extensivo da escrita nas sociedades tecnolgicas (Kleiman, 2004, p.16).

    O conceito de Letramento est registrado no dicionrio Houaiss de Lngua

    Portuguesa e indica a tendncia fortemente acentuada de ampliar-se a definio de

    saber ler e escrever.

    Nesse dicionrio, esto mencionadas as seguintes acepes:

    Substantivo. 1 Diacronismo: antigo. representao da linguagem falada por

    meio de sinais; escrita 2 Rubrica:pedagogia m.q.alfabetizao ('processo')

    3 (dec.1980) Rubrica: pedagogia. Conjunto de prticas que denotam a

    capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito.

  • 40

    Consta, tambm, no Dicionrio de Linguagem e Lingstica, de R.L. Trask,

    publicado na Inglaterra em 1977 e traduzido por Ilari, publicado em 2004:

    Letramento (literacy) - a capacidade de ler e escrever de maneira eficaz. O

    letramento a capacidade de ler e escrever, e isso parece bem simples.

    Mas no . Entre os dois extremos constitudos pelo domnio

    magistralmente perfeito da leitura e escrita, de um lado, e pelo completo

    no-letramento, de outro, encontramos um nmero infinito de estgios

    intermedirios: o letramento gradual. (...) (Ilari, 2004. p.154 -155).

    No Dicionrio de anlise do discurso, de P. Charaudeau e D. Mainguenau,

    publicado na Frana em 2002, traduzido por Komesu em 2004, o termo foi assim

    registrado:

    Letramento - Recentemente difundido, esse termo de uso ainda restrito.

    Dele podem se distinguir trs sentidos principais: Em primeiro lugar, remete a

    um conjunto de saberes elementares, em parte mensurveis: saber ler,

    escrever, contar. (...) Em segundo lugar, o termo designa os usos sociais da

    escrita: trata-se de aprender a ler, a escrever e a questionar os materiais

    escritos. A terceira parte essencial para a obteno do xito. (...) Parece

    legtimo, conceber vrios tipos de letramento: um letramento familiar (Unesco,

    1995), um letramento religioso ou, ainda, um letramento digital. (...) Enfim,

    em um terceiro sentido, o letramento concebido como uma cultura que se

    ope cultura da orality (Ong, 1982). (...) (Komesu, 2004, p.300-301).

    Para essa dissertao, considerarei o termo no sentido em que designa os usos

    sociais da escrita: aprender a ler, a escrever e a questionar os materiais escritos.

    Tambm, julgo a terceira parte - questionar os materiais escritos - como sendo essencial

    para a obteno do xito na participao em prticas sociais. Os leitores que so

    capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades e os sentidos de um texto,

  • 41

    estaro melhor habilitados para responder s diferentes exigncias de uma sociedade

    letrada.

    A palavra no foi encontrada no Dicionrio da Lngua Portuguesa On-line,

    tampouco no Dicionrio de Portugus Caboverdiano. No foi includa no Michaelis,

    moderno dicionrio da Lngua Portuguesa, de 1998; nem na edio do Aurlio Sculo

    XXI, publicado em 2000, tambm no foi encontrada no Dicionrio de usos do

    Portugus do Brasil, de Francisco da Silva Borba, edio de 2002.

    Conforme mencionado, embora apaream com freqncia na bibliografia

    acadmica, a palavra Letramento e o conceito que ela representa entraram

    recentemente no nosso vocabulrio e no nosso uso. ainda palavra quase s dos

    pesquisadores. Existem vrios livros que trazem letramento no ttulo, mas preciso

    reconhecer que a palavra no foi incorporada, plenamente, pela mdia ou mesmo pelas

    escolas e professores.

    2.2.1 Mudana de perspectiva: a construo de novo objeto de anlise

    Os estudos tradicionais de linguagem concebiam a lngua como entidade de

    dupla face, cuja manifestao ou se realizava pela oralidade ou pela escrita. Tal

    dicotomia foi substituda, na dcada de 80, pela noo de continuum. Havia uma

    superposio dos dois sistemas, fala e escrita interagiam freqentemente. (Tannen,

    1982, p.207-218).

    Street (1995, p.2) critica essas abordagens pelo fato de o estudo das atividades

    de linguagem ser isolado e descontextualizado. Para ele, a escrita , antes de tudo,

    prtica social. Essas crticas provocaram o surgimento das novas perspectivas,

    intituladas de Letramento. Para Vieira (2003, p.253), a escrita, na concepo do

  • 42

    Letramento, no conhecimento adquirido de modo solitrio e individual, pois o

    produto de prticas sociais de escrita de determinada cultura.

    Letramentos so baseados em sistemas simblicos usados para comunicao e

    como tais existem em relao de troca com outros sistemas de informao. Nessa

    perspectiva, para refletir sobre o valor simblico e constitutivo da leitura e da escrita em

    uma sociedade letrada, preciso, conforme os novos estudos do Letramento,

    considerar que leitura e escrita s constituem sentido se imersas nas prticas sociais do

    contexto social em geral e da cultura em particular.

    Diferentes culturas valorizam e aprendem diferentes formas de Letramento. Os

    variados letramentos na vida das pessoas representam tenses, misturam valores,

    novas identidades e reconciliam conflitos sobre mudanas de valores. Existem muitos

    padres de como o letramento distribudo entre os participantes em diferentes

    relacionamentos com o outro, associado s diferentes identidades (Barton e Hamilton,

    1998, p.186).

    Letramentos no so apenas as habilidades de ler e escrever, nem esto ligados

    apenas esfera do ensino, so fenmenos sociais de escrita e de linguagem. Crianas

    adquirem lngua e letramento no meio em que convivem (famlia, igreja, vizinhana,

    escola, parquinho, clube), e a escola o frum adequado de interao. De acordo com

    Kleiman (1995, p.25), a escola , em quase todas as sociedades, a principal agncia de

    letramento.

    A escola, a famlia, a igreja, a vizinhana mostram orientaes diferentes para o

    Letramento. Todos os grupos possuem prticas sociais que do origem a habilidades

    especficas em suas crianas. Entretanto, apenas algumas dessas habilidades,

  • 43

    culturalmente determinadas, so privilegiadas na escola porque a lngua e seu uso so

    resultados de foras sociais.

    impossvel investigar Letramento sem referncia direta ao papel da fala e da

    escrita no contexto contemporneo, j no se podem observar as semelhanas e as

    diferenas entre elas sem considerar seus usos nas prticas sociais. A fala manifesta-se

    naturalmente em contextos informais do dia-a-dia e nas relaes sociais e dialgicas

    que se instauram desde o momento em que a me d seu primeiro sorriso ao beb.

    Marcuschi (2004, p.25) define fala como uma forma de produo textual-

    discursiva para fins comunicativos na modalidade oral, sem a necessidade de uma

    tecnologia, alm do aparato disponvel pelo prprio ser humano; ele aponta a oralidade

    como uma prtica interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas

    formas ou gneros textuais fundados na realidade sonora, vai desde realizaes mais

    informais s mais formais, nos mais variados contextos.

    A influncia da escrita marcante porque, no cotidiano, ela usada em mltiplos

    contextos sociais, quais sejam: o trabalho, a escola, a famlia, o trabalho intelectual etc.

    caracterizada por sua constituio grfica, embora envolva, s vezes, elementos

    imagticos, ideogrficos e pictricos.

    Street (1995, p.2) considera que Letramentos, como prticas sociais, so

    formalmente ligados ao uso da escrita, a qual se tornou um bem social indispensvel

    para enfrentar o dia-a-dia quer seja nos centros urbanos, quer seja na zona rural. Essas

    prticas variam desde uma apropriao mnima da escrita, at uma apropriao

    profunda.

  • 44

    At os analfabetos esto sob a influncia do que se convencionou chamar de

    prticas de Letramentos, isto , processos histrico-sociais que no se confundem com

    a realidade representada pela alfabetizao regular e institucional (Marcuschi, 2004,

    p.19).

    2.2.2 Alfabetizao, escolarizao e Letramento

    Embora a alfabetizao no seja pr-requisito para o letramento, ele est

    relacionado com a aquisio, com a utilizao e com as funes da leitura imersas em

    prticas sociais. Est relacionado, tambm, escolarizao que abrange processos

    educativos. Portanto, antes de iniciar a discusso sobre letramento, fao uma distino

    entre tais fenmenos, utilizando os conceitos de Marcuschi (2004, p. 24-25).

    A alfabetizao sempre uma aprendizagem mediante ensino e compreende o

    domnio ativo e sistemtico das habilidades de ler e escrever. A escolarizao, por sua

    vez, uma prtica formal e institucional de ensino que visa formao integral do

    indivduo.

    Quanto ao Letramento, a multiplicidade de significados atribudos sugere que

    processo multifacetado, seguindo fenmenos de diferentes tipos; as controvrsias,

    porm, tendem a assumir que somente algum aspecto seja relevante, os outros podem

    ser ignorados (Hasan, 1996, p.378).

    O letramento, por sua natureza social, revela as prticas de escrita e de leitura de

    determinado grupo social, sendo capaz, ao mesmo tempo, de mostrar formas

    emergentes de letramento em dado contexto sociocultural, conforme nos diz Vieira

    (2006), e que agora possvel falar em multiletramentos, como o letramento

    computacional, o visual, o tecnolgico entre outros.

  • 45

    Ainda, postula Hasan, que entender letramento entender como diversos

    aspectos entram na formao daquele complexo conjunto, que ela denomina de

    processo multifacetado: Multiletramentos, que englobariam todos os modos de

    representao dos aspectos do mundo, quer sejam eles fsicos, mentais ou sociais.

    O uso do plural destaca a suposio de que Letramentos, pelo menos em um de

    seus sentidos, consiste em fazer sentido de qualquer coisa que pode ser e tomada

    como expresso, isto , o indivduo letrado no apenas capaz de ler e de escrever, ele

    possui, tambm, a habilidade de ver um fenmeno e represent-lo, alm do mesmo,

    atribuindo-lhe sentido.

    A escolarizao fica a cargo dos professores e cabe ao professor de Lngua

    Portuguesa articular meios de uso da linguagem. Portanto, o professor de Lngua

    Portuguesa tem responsabilidade bem mais especfica em relao ao Letramento:

    enquanto este instrumento de aprendizagem para os professores das outras reas,

    para o professor de Lngua Portuguesa ele o prprio objeto de aprendizagem, o

    contedo mesmo de seu ensino.

    Um argumento que justifica o uso do termo Letramento, ao invs do tradicional

    alfabetizao, o fato de, em certas classes sociais, as crianas serem letradas, no

    sentido de possurem estratgias orais letradas, antes mesmo de serem alfabetizadas.

    Letramento definido como um estado em que vive o indivduo que sabe ler e

    escrever e exerce as prticas sociais de leitura e de escrita que circulam em sua

    sociedade: sabe ler e l jornais, revistas, livros; sabe ler e interpretar tabelas, quadros,

    formulrios, sua Carteira de Trabalho, suas contas de gua, luz, telefone; sabe escrever

    e ler cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade; sabe preencher um formulrio, sabe

  • 46

    redigir um ofcio, um requerimento. O Letramento evidenciado por meio dos eventos e

    das prticas.

    2.2.3 Eventos e prticas: componentes do Letramento

    Heath (1982, p.49) foi quem primeiro usou o termo evento de letramento e o

    definiu como situaes em que a lngua parte integrante da natureza da interao

    entre participantes e de seu processo de interpretao. Essa interao tanto pode

    ocorrer oralmente, com a mediao da leitura e da escrita, com os interlocutores face a

    face, ou distncia, com a mediao de um texto escrito.

    Para Heath (1983, p.76), prticas de letramento so ocasies em que a escrita

    (e/ou leitura) parte constitutiva das interaes dos participantes e de seus processos e

    estratgias interpretativas, isto , so ocasies em que as palavras quer sejam elas

    faladas, sejam escritas, so usadas em uma interao social concreta.

    Levando-se em considerao a definio de Heath, os usos da leitura e da escrita

    so analisados em contextos contnuos e reais; assim, os eventos passam a ser

    situaes comunicativas mediadas por textos escritos; o fenmeno do letramento, ento,

    extrapola o mundo da escrita.

    Para Street (1995, p.2), prticas so tanto os comportamentos exercidos pelos

    participantes em um evento de letramento quanto as concepes sociais e culturais que

    o configuram, determinam sua interpretao e do sentido aos usos da leitura e/ou

    escrita naquela particular situao.

    Nessa dimenso social, os eventos e as prticas de letramento so plurais, so

    as duas faces de uma mesma realidade. Barton e Hamilton (2000, p.7) resumem:

    prticas de letramentos so os caminhos culturais comuns de utilizao da linguagem

  • 47

    escrita que as pessoas delineiam suas vidas. As prticas envolvem valores, atitudes,

    sentimentos e relaes sociais que se tornam observveis por meio de eventos.

    Quadro 1 Letramento como prtica social.

    Letramento melhor entendido como um conjunto de prticas sociais, que podem ser inferidas

    de eventos mediados por textos escritos.

    H diferentes Letramentos associados a diferentes domnios da vida.

    As prticas so padronizadas pelas instituies e pelas relaes de poder, alguns Letramentos

    so mais dominantes, visveis, influentes que outros.

    Letramento historicamente situado.

    Prticas mudam e novas prticas so freqentemente desenvolvidas por meio de processos

    informais de aprendizagem e da produo de sentidos.

    Fonte: Barton e Hamilton, 2000, p. 8

    Eventos so atividades em que o Letramento tem uma funo, normalmente h

    um texto escrito, ou textos, isto , so situaes em que a escrita constitui parte

    essencial para fazer sentido da situao, tanto em relao interao entre os

    participantes como em relao aos processos e s estratgias interpretativas, o que

    central para a atividade (Heath, 1982, p.52).

    Eventos so episdios observveis que se originam das prticas e so moldados

    por elas. As prticas especficas da escola passam a ser, em funo dessa definio,

    apenas um tipo de prtica, que desenvolve apenas alguns tipos de habilidades,

    principalmente as que privilegiam a escrita. Para tentar compreender melhor as prticas

  • 48

    de uso da escrita da escola, Street (1984) prope o binmio modelo autnomo - modelo

    ideolgico.

    2.2.4 O binmio de Street

    Estudos de Street (1984, 1993, 1995) propem o Modelo Autnomo e o Modelo

    Ideolgico. Esse binmio proposto para discutir as prticas de letramento na escola e

    a relao que se estabelece entre o modelo subjacente a essas prticas e o sucesso ou

    o fracasso na construo de contextos facilitadores de transformao dos alunos em

    sujeitos letrados.

    2.2.4.1 Modelo Autnomo

    Ao usar a expresso Modelo Autnomo de Letramento, Street (1984, p.5)

    concebe-o como Letramento independente do contexto social, uma varivel autnoma

    cujas conseqncias para a sociedade podem ser derivadas do seu carter intrnseco.

    Assim, a autonomia refere-se ao fato de que a escrita seria completa em si mesma, ou

    seja, no estaria presa ao contexto de sua produo para ser interpretada.

    O Modelo Autnomo discrimina a linguagem oral, apresentado de forma

    subjacente idia de que a linguagem escrita mais importante, e que, portanto, quem

    domina a escrita superior. O conservadorismo do modelo autnomo atribua ao aluno

    o fracasso escolar, pois o considerava incapaz de desenvolver os conhecimentos

    necessrios para obter o sucesso e a promoo.

    Nesse modelo, prticas de leitura e escrita (aparentemente neutras) so

    trabalhadas desvinculadas do contexto social, como algo independente, valorizando o

    ato cognitivo em si e as competncias de ler e de escrever, reforando a diviso das

    pessoas nelas envolvidas em dois grupos: letradas (superiores e dominadoras) e

  • 49

    iletradas (inferiores e dominadas). Mas essa concepo recebeu muitas crticas como

    nos apresenta Street (1993, p.4) e que so a seguir listadas:

    correlao entre a aquisio da escrita e o desenvolvimento cognitivo;

    dicotomizao entre a oralidade e a escrita;

    atribuio de poderes e de qualidades intrnsecas escrita, e, por

    extenso, aos povos ou grupos que a possuem.

    As prticas de uso da escrita da escola sustentam-se neste modelo de letramento

    que considerado por muitos pesquisadores tanto parcial quanto equivocado. A escola

    sempre pautou o ensino pela progresso ordenada de conhecimentos: aprender a falar

    a lngua dominante, assimilar as normas do sistema de escrita para fazer uso desse

    sistema em formas de manifestao previsveis e valorizadas pela sociedade.

    2.2.4.2 Modelo Ideolgico

    Em oposio ao Modelo Autnomo de Letramento, Street (1985, p.7) prope o

    Modelo Ideolgico de Letramento, o qual sustenta as seguintes asseres:

    a linguagem escrita uma prtica social marcada por relaes de poder,

    portanto ideolgicas, e ligada a interesses polticos e econmicos;

    os aspectos sociais ligados classe, ao gnero social, etnia a aos

    grupos etrios em relaes de poder e presentes nas prticas discursivas devem ser

    considerados e analisados criticamente;

    as prticas sociais de linguagem so mantidas pela ideologia a servio da

    dominao.

  • 50

    O Modelo Ideolgico de Letramento no separa a oralidade da escrita como faz o

    Modelo Autnomo. Trabalha com prticas de Letramento em um processo de

    socializao do indivduo, no qual as prticas discursivas acontecem, no apenas na

    instituio escolar, mas em todo e qualquer contexto no qual o indivduo possa interagir;

    admite, ainda, a pluralidade das prticas letradas, valorizando o seu significado cultural

    e o contexto de produo.

    Rompendo definitivamente com a diviso entre o momento de aprender e o

    momento de fazer uso da aprendizagem, os estudos lingsticos propem a articulao

    dinmica e reversvel entre descobrir a escrita (conhecimento de suas funes e de

    suas formas de manifestao); aprender a escrita (compreenso das regras e dos

    modos de funcionamento) e usar a escrita (cultivo de suas prticas, partindo de um

    referencial culturalmente significativo para o sujeito).

    Street (1993) destaca o fato de que todas as prticas de Letramentos so

    aspectos no apenas da cultura, mas tambm das estruturas de poder em uma

    sociedade. Ao falar de prticas, no plural, j estabelecido diferencial quanto ao Modelo

    Autnomo, que apresenta apenas um tipo de Letramento, o neutro.

    O Modelo Ideolgico considera a pluralidade e a diferena, valorizando o aluno

    em si mesmo, e em seu contexto sociocultural. As prticas so social e culturalmente

    determinadas, sendo, portanto, mltiplas.

    No Modelo Ideolgico no se pressupe relao causal entre Letramento e

    progresso ou civilizao, pois, ao invs de estabelecer distino entre oralidade e escrita,

    prope-se interface entre tais prticas. Street (1984) aponta a existncia de prticas de

    Letramento especficas de grupos considerados iletrados ou com baixo grau de

  • 51

    Letramento. As prticas de Letramento so, a um s tempo, a situao emprica de uso

    da escrita e as concepes sociais sobre a escrita relacionadas a situaes especficas.

    2.2.5 Outras concepes sobre letramento

    Scribner e Cole (1981) definem prticas como modos de usar o Letramento,

    transportados de uma situao particular para outra situao semelhante. Critico essa

    concepo porque o letramento no pode ser considerado apenas como aprendizagem

    de habilidades para leitura e escrita que podem ser transportadas para outra situao,

    restringindo-se ao mbito do individual.

    Street (1984) definiu Letramento como prticas sociais e concepes de leitura e

    de escrita e observa que prticas dependem da sociedade e incorporam no apenas

    eventos, mas ideologias, crenas e valores que lhe so subjacentes.

    De acordo com Barton (1994) , como atividade social, que o letramento pode ser

    melhor descrito em termos de prticas utilizadas pelas pessoas em eventos. Em 1998,

    ele amplia a discusso, considerando as prticas como meios culturais generalizados de

    explorao do Letramento, aos quais o indivduo recorre em um evento. So, por assim

    dizer, modelos comuns no uso da leitura e da escrita em que as pessoas utilizam seus

    conhecimentos culturais.

    Baynham (1995) vai alm dos outros pesquisadores e aponta que as prticas so

    atividades humanas envolvendo no somente o que as pessoas fazem com o

    Letramento, mas tambm o que elas concluem do que fazem, e acrescenta: eventos

    podem ser definidos como momentos e ocasies em que o uso do Letramento assume

    um papel ou tenha funo especfica.

  • 52

    2.2.6 Letramento no panorama mundial

    Mortatti (2004) rene informaes sobre os estudos do Letramento em nvel

    mundial, as quais esto registradas nesta seo, porque julguei relevante apresent-las

    para depois situar o Letramento no Brasil.

    Nos Estados Unidos e na Inglaterra, h grande preocupao com o que

    consideram um baixo nvel de literacy da populao, e, periodicamente, realizam-se

    testes nacionais para avaliar as habilidades de leitura e de escrita da populao adulta e

    para orientar polticas de superao dos eventuais problemas detectados.

    No Reino Unido, na Universidade de Lancaster, pesquisadores como D. Barton,

    M. Hamilton, R. Ivanic e F. Ormerod, membros do Literacy Research Group, tm

    trabalhado juntos, desenvolvendo um entendimento semelhante para os estudos dos

    Letramentos.

    Para eles, todos os usos da linguagem escrita podem ser vistos como localizados

    em tempos e espaos particulares, ou seja, os Letramentos so distintos em contextos

    sociais especficos. Seus estudos tm contribudo para a compreenso dos caminhos

    nos quais as prticas de Letramentos so partes de processos sociais mais amplos.

    Outro exemplo a Frana: os franceses diferenciam illettrisme muito claramente

    de analphabtisme. Esse ltimo considerado problema j vencido, com exceo para

    imigrantes analfabetos em lngua francesa. J illettrisme surge como problema recente

    da populao francesa. A palavra illettrisme s entrou no dicionrio, na Frana, nos

    anos 80.

  • 53

    Em Portugal tambm recente a preocupao com a questo do Letramento,

    que l ganhou a denominao de literacia, em uma traduo ao p da letra do ingls

    literacy (the condition of being literate). 1

    As sociedades, no mundo inteiro, tornaram-se cada vez mais centradas na leitura

    e na escrita. A cada momento, multiplicam-se as demandas por prticas de leitura e de

    escrita, no s na chamada cultura do papel, mas tambm na nova cultura da tela, como

    os meios eletrnicos, que, ao contrrio do que se costuma pensar, utilizam-se

    fundamentalmente da escrita, so novos suportes da escrita. Assim, nas sociedades

    letradas, ser alfabetizado insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e

    responder s demandas de hoje.

    O Letramento da ps-modernidade agrega ao texto escrito inmeros recursos

    grficos, cores e principalmente, imagens, conforme nos ensina Vieira (2006). Passa a

    exigir do sujeito letrado, habilidades interpretativas bsicas que devem atender s

    necessidades da vida diria, como as exigidas pelos locais de trabalho do mundo

    contemporneo. As habilidades textuais atuais devem, assim, acompanhar os avanos

    tecnolgicos do contexto globalizado.

    A qualidade mais valorizada nos sujeitos letrados a capacidade de moverem-se

    rapidamente entre os diferentes eventos, compostos pela fala e pela escrita, pelas

    linguagens visuais e sonoras, alm de todos os recursos computacionais e tecnolgicos,

    mostrando competncia na produo e na interpretao de diferentes gneros

    discursivos.

    1 Condio de ser letrado

  • 54

    No Brasil, os estudos sobre o fenmeno tm adquirido fora e abrangncia, tema

    que ser abordado na prxima seo.

    2.2.7 Letramento no Brasil

    Os estudos sobre o Letramento, do mesmo modo como transformaram as

    concepes de lngua escrita, redimensionaram as diretrizes para a alfabetizao e

    ampliaram a reflexo sobre o significado dessa aprendizagem, obrigando-nos a

    reconfigurar o quadro da sociedade leitora, no Brasil. Ao lado do ndice nacional de

    16.295.000 analfabetos no Pas (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de

    indivduos que, embora formalmente alfabetizados, so incapazes de ler textos longos,

    de localizar ou relacionar suas informaes.

    Dados do Instituto Nacional de Estatstica e Pesquisa em Educao (INEP)

    indicam que os ndices alcanados pela maioria dos alunos de 4 srie do Ensino

    Fundamental no ultrapassam os nveis crtico e muito crtico. Isso quer dizer que,

    mesmo para as crianas que tm acesso escola e que nela permanecem por mais de

    trs anos, no h garantia de acesso autnomo s praticas sociais de leitura e escrita.

    Independentemente do vnculo escolar, essa mesma tendncia parece se

    confirmar pelo Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF, 2000), pesquisa

    realizada por amostragem representativa da populao brasileira de jovens e adultos

    (entre 15 e 64 anos de idade). Entre os 2000 entrevistados, 1475 eram analfabetos ou

    tinham pouca autonomia para ler ou para escrever, e apenas 525 puderam ser

    considerados efetivos usurios da lngua escrita.

    Ampliando a reflexo sobre o significado dessa aprendizagem, os estudos sobre

    o Letramento no Brasil esto em etapa extremamente vigorosa, configurando-se, hoje

  • 55

    como uma das vertentes de pesquisa que melhor concretiza a unio do interesse terico,

    a busca de descries e de explicaes sobre o fenmeno, com o interesse social, a

    formulao de perguntas cujas respostas possam vir a promover transformao de uma

    realidade to preocupante como a crescente marginalizao de grupos sociais que

    no conhecem a escrita.

    Estudiosos brasileiros tm buscado descries e explicaes sobre o fenmeno

    do Letramento, que ganha fora e abrangncia nacional em universidades como a

    Universidade de Campinas - UNICAMP, a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE,

    a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e a Universidade de Braslia - UnB.

    Kleiman (1995, p.19) define-o como conjunto de prticas sociais cujos modelos

    especficos tm implicaes importantes para as formas pelas quais os sujeitos

    envolvidos constroem relaes de identidade e de poder: um conjunto de prticas

    sociais que usam a escrita, enquanto sistema simblico e enquanto tecnologia, em

    contextos especficos.

    Para a autora, as prticas especficas da escola, que forneciam o parmetro de

    prtica social, segundo a qual o Letramento era definido, e os sujeitos eram

    classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou no-alfabetizado, passam a ser, em

    funo dessa definio, apenas um tipo de prtica - de fato, dominante - que desenvolve

    alguns tipos de habilidades, mas no outros, e que determina a forma de utilizar o

    conhecimento sobre a escrita.

    Para ela, a oralidade apenas um objeto de anlise de muitos estudos sobre o

    Letramento. Esse, de fato, extrapola o mundo da escrita tal qual ele concebido pelas

    instituies que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da

    escrita.

  • 56

    Soares (1995) observa que no se trata do aparecimento de novo conceito, mas

    do reconhecimento de fenmeno que, por no ter, at ento, significado social,

    permanecia submerso. Analisa que, desde os tempos do Brasil Colnia, e at muito

    recentemente, o problema que enfrentvamos em relao cultura escrita era o

    analfabetismo, o grande nmero de pessoas que no sabiam ler e escrever, portanto a

    palavra de ordem era alfabetizar.

    Esse problema foi, nas ltimas dcadas, relativamente superado, vencido de

    forma pelo menos razovel. Mas a preocupao com o Letramento passou a ter grande

    presena na escola, ainda que sem o reconhecimento e sem o uso da palavra, traduzido

    em aes pedaggicas de reorganizao do ensino e da reformulao dos modos de

    ensinar (Soares, 1986).

    Para Soares, o conceito de Letramento, bem como a nova concepo de

    alfabetizao que decorre dele e tambm das teorias do construtivismo que chegaram

    ao campo da educao e do ensino nos anos 80, trouxeram certo exagero na utilizao

    de diferentes gneros e de diferentes portadores de texto na sala de aula.

    Soares (1998) lamenta que os textos tenham perdido espao nas aulas,

    principalmente de Lngua Portuguesa, e sugere que preciso no se esquecer de que,

    exatamente porque a leitura tem, no contexto brasileiro, pouca presena na vida diria

    dos alunos, cabe escola dar-lhes a oportunidade de conhec-la e dela usufruir,

    contribuindo para construo do discurso crtico do aluno.

    Para Marcuschi (2004), o Letramento como prtica social formalmente ligado ao

    uso da escrita, a qual se tornou bem social indispensvel para enfrentar o dia-a-dia,

    quer seja nos centros urbanos, quer seja na zona rural. Varia desde apropriao mnima

    da escrita, at apropriao profunda. De acordo com suas idias, at os analfabetos

  • 57

    esto sob a influncia do que se convencionou chamar de prticas de Letramento, isto ,

    processo histrico e social que no se confunde com a realidade representada pela

    alfabetizao regular e institucional.

    Para Vieira (2006), todas as mudanas no cenrio da linguagem ensejaram

    alteraes nas formas de Letramento que assumem, no contexto contemporneo,

    sentido mais amplo. O Letramento, por sua natureza social, revela as prticas de escrita

    e de leitura de determinado grupo social, sendo capaz, ao mesmo tempo, de mostrar as

    formas emergentes de Letramento em dado contexto sociocultural.

    Vieira postula que indispensvel para um sujeito que deseje alcanar o

    letramento, que ele saiba utilizar a leitura e a escrita em diferentes papis sociais, alm

    de manejar com extrema habilidade os componentes fundamentais da escrita como

    letras, palavras, ortografia, regras gramaticais, sem contar com as inmeras noes de

    discurso e pragmtica.

    Ela julga que seria interessante se em termos de linguagem visual, nos

    comportssemos do mesmo modo. Lamenta que a idia de um letramento visual ain