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Em pauta 96 Instalações elétricas em piscinas Não são poucos, infelizmente, os acidentes relacionados às instalações elétricas em piscinas. Embora a normalização técnica seja específica e clara quanto às prescrições para esse tipo de ambiente, a desobediência é flagrante. Basta conhecer o relato de alguns desses acidentes para constatar que essas prescrições ou são desconhecidas ou propositada- mente desrespeitadas. E não se trata apenas das instalações residenciais, mas de locais de afluência de público, como é o caso de clubes, hotéis e parques. Entre os acidentes graves e fatais, apresentam-se a seguir alguns relatos para nos servir de alerta sobre a importância desse tema. Os nomes das vítimas e dos locais foram omitidos propositadamente, uma vez que o objetivo do artigo é tratar do assunto de forma a estimular a prevenção de acidentes. Alguns desses relatos encontram-se disponíveis no portal da Abracopel. Em 1999, em um clube, em São Paulo, um menino de 14 anos saiu da piscina e encostou em um andaime que estava próximo. Esse andaime estava eletrificado por causa de um contato com a fiação da iluminação de Natal do clube. O choque elétrico fez com que a vítima sofresse severos danos neurológicos, ficando definitivamente incapacitado para o trabalho. Tanto o clube quanto os engenheiros responsáveis técnicos pelas suas instalações elétricas foram condenados pela justiça. Em 2006, no julgamento de recurso das partes, manteve-se a condenação do clube não só ao pagamento das despesas médicas, mas a Instalações elétricas em piscinas – aspectos de segurança Elaborado por Ricardo Pereira de Mattos indenização por danos morais e estéticos, pagamento de pen- são de dez salários mínimos à vítima e de indenização à sua mãe, que foi obrigada a parar de trabalhar para cuidar do filho. A manutenção da condenação, segundo o Superior Tribunal de Justiça, ocorreu porque o clube não teria tomado as medidas necessárias para garantir a segurança dos frequentadores. Em 2004, durante uma festa em um clube, no interior de Minas Gerais, dois jovens sofreram choque elétrico quando entraram na piscina e se apoiaram em sua borda, sendo que para um deles a ocorrência foi fatal. A causa identificada pelos peritos da Delegacia de Homicídios foi a precária instalação da tenda de bebidas, cujos fios estavam com isolamento danificado, passando na área molhada no entorno da piscina. O Ministério Público denunciou, por homicídio culposo, o então presidente do clube, os dois diretores sociais, o engenheiro eletricista, o gerente, o eletricista e o chefe da segurança. A vítima fatal era um jovem de 20 anos, estudante de engenharia. O processo judicial relativo à indenização ainda está em andamento. Em 2006, em um resort do litoral baiano, uma criança de 6 anos recebeu um choque elétrico na piscina e não resistiu, vin- do a falecer no local. Além dessa informação, não se encontra disponível na imprensa ou em processos judiciais quaisquer outros dados. O que nos leva a crer que as ações tenham se transcorrido mediante acordo entre as partes. Sob o ponto de vista da segurança do trabalho, as instalações elé-

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Instalações elétricas em piscinas

Não são poucos, infelizmente, os acidentes relacionados às instalações elétricas em piscinas. Embora a normalização técnica seja específica e clara quanto às prescrições para esse tipo de ambiente, a desobediência é flagrante. Basta conhecer o relato de alguns desses acidentes para constatar que essas prescrições ou são desconhecidas ou propositada-mente desrespeitadas. E não se trata apenas das instalações residenciais, mas de locais de afluência de público, como é o caso de clubes, hotéis e parques.

Entre os acidentes graves e fatais, apresentam-se a seguir alguns relatos para nos servir de alerta sobre a importância desse tema. Os nomes das vítimas e dos locais foram omitidos propositadamente, uma vez que o objetivo do artigo é tratar do assunto de forma a estimular a prevenção de acidentes. Alguns desses relatos encontram-se disponíveis no portal da Abracopel.

Em 1999, em um clube, em São Paulo, um menino de 14 anos saiu da piscina e encostou em um andaime que estava próximo. Esse andaime estava eletrificado por causa de um contato com a fiação da iluminação de Natal do clube. O choque elétrico fez com que a vítima sofresse severos danos neurológicos, ficando definitivamente incapacitado para o trabalho. Tanto o clube quanto os engenheiros responsáveis técnicos pelas suas instalações elétricas foram condenados pela justiça. Em 2006, no julgamento de recurso das partes, manteve-se a condenação do clube não só ao pagamento das despesas médicas, mas a

Instalações elétricas em piscinas – aspectos de segurança

Elaborado por Ricardo Pereira de Mattos

indenização por danos morais e estéticos, pagamento de pen-são de dez salários mínimos à vítima e de indenização à sua mãe, que foi obrigada a parar de trabalhar para cuidar do filho. A manutenção da condenação, segundo o Superior Tribunal de Justiça, ocorreu porque o clube não teria tomado as medidas necessárias para garantir a segurança dos frequentadores.

Em 2004, durante uma festa em um clube, no interior de Minas Gerais, dois jovens sofreram choque elétrico quando entraram na piscina e se apoiaram em sua borda, sendo que para um deles a ocorrência foi fatal. A causa identificada pelos peritos da Delegacia de Homicídios foi a precária instalação da tenda de bebidas, cujos fios estavam com isolamento danificado, passando na área molhada no entorno da piscina. O Ministério Público denunciou, por homicídio culposo, o então presidente do clube, os dois diretores sociais, o engenheiro eletricista, o gerente, o eletricista e o chefe da segurança. A vítima fatal era um jovem de 20 anos, estudante de engenharia. O processo judicial relativo à indenização ainda está em andamento.

Em 2006, em um resort do litoral baiano, uma criança de 6 anos recebeu um choque elétrico na piscina e não resistiu, vin-do a falecer no local. Além dessa informação, não se encontra disponível na imprensa ou em processos judiciais quaisquer outros dados. O que nos leva a crer que as ações tenham se transcorrido mediante acordo entre as partes.

Sob o ponto de vista da segurança do trabalho, as instalações elé-

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tricas em piscinas e suas proximidades também expõem os emprega-dos dos clubes, hotéis, parques e escolas, e até mesmo empregados domésticos, cuja atividade esteja vinculada à operação e manutenção das piscinas. Os casos seguintes exemplificam essas situações.

Em 2007, no interior de São Paulo, o empregado de um clube morreu eletrocutado quando realizava a limpeza de uma das piscinas, manuseando equipamento elétrico. Ele foi socorrido, levado ao hospital mais próximo, onde faleceu logo depois de chegar. A ocorrência foi registrada pela Delegacia da Polícia Civil como acidente de trabalho com vítima fatal, sendo instaurado um inquérito policial para apuração. Segundo divulgado na época, a vítima era o empregado mais antigo do clube.

Em 2009, um jovem de 16 anos morreu eletrocutado quando ajudava o caseiro de uma chácara a fazer a limpeza da piscina. De acordo com a imprensa local, a Polícia Militar identificou que havia fios com o isolamento danificado sobre o chão, para alimentação de uma luminária, e que o jovem pisou sobre eles.

Com o intuito de dar destaque às prescrições mais importantes sobre essas instalações, registre-se logo de início que a norma brasileira de instalações elétricas de baixa tensão (ABNT NBR 5410) aborda com detalhes esse assunto. Em uma seção específica, a referida norma descreve as características das instalações nesses locais. O fundamento desses requisitos especiais de segurança está no fato de a resistência da pele tornar-se extremamente baixa quando molhada e quase desprezível quando o corpo está imerso. Dados quantitativos sobre essa característica estão apre-

sentados na especificação técnica internacional IEC TS 60479, que trata dos efeitos da corrente elétrica no organismo humano. Em termos qualitativos, essa característica da resistência elétrica do corpo humano está descrita na NBR 5410, ao incluir esse aspecto entre as influências externas que afetam as prescrições de uma instalação elétrica, conforme pode ser observado na tabela 1.

Essa tabela, caracterizando a resistência elétrica do corpo humano em função da presença da água, é uma das influências externas previstas na norma para o projeto das instalações. Cabe ao projetista analisar cada uma das influências externas previstas, identificar as que se aplicam ao seu projeto e selecio-nar os requisitos específicos que deverão ser obedecidos. Isso diz respeito tanto ao aspecto conceitual do projeto quanto à escolha dos componentes e método de instalação. No caso das instalações elétricas de piscinas e do seu entorno, identificam-se claramente nesta tabela os códigos BB3 (condições molhadas) e BB4 (condições imersas), quanto à utilização.

Essas condições, combinadas com a influência externa de serem pessoas leigas (frequentadores das piscinas – BA1, BA2) e em contato contínuo com o potencial da terra (BC4), direcio-nam o projetista para adotar as medidas de proteção contra choque elétrico de forma a atender a seção 9.2 da NBR 5410, que trata especificamente de instalações em piscinas, bem como do seu anexo C (influências externas e proteção contra choques elétricos). Antes de apresentar essas medidas de prote-ção, é importante ficar claro que, mesmo para quem ainda não

Tabela 1: Resistência elétrica do corpo humano (fonte: NBR 5410)

Código Classificação Características Aplicações e exemplos

BB1 Alta Condições secas Circunstâncias nas quais a pele está seca (nenhuma umidade, inclusive suor)

BB2 Normal Condições úmidas Passagem da corrente elétrica de uma mão à outra ou de uma mão a um pé, com a pele úmida de suor, sendo a superfície de contato significativa.

BB3 Baixa Condições molhadas Passagem da corrente entre as duas mãos e os dois pés, estando as pessoas com os pés molhados a ponto de se poder

desprezar a resistência elétrica da pele e dos pés. BB4 Muito baixa Condições imersas Pessoas imersas na água, por exemplo, em banheiras e piscinas.

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tenha tido a oportunidade de realizar projetos ou serviços de manutenção em instalações dessa natureza, a norma brasileira apresenta praticamente um passo a passo para que esse projeto seja realizado de forma a garantir a segurança das pessoas.

Para caracterizar a instalação, a norma considera a existência de 3 volumes, conforme a figura 1, denominando-os de volume 0,1 e 2. O volume 0 corresponde ao interior do reservatório (piscina ou lava-pés) e os volumes 1 e 2 estão em suas adjacências de acordo com as distâncias horizontais e verticais especificadas. Essa mesma figura está presente em diversas normas e até mes-mo em legislações específicas de alguns países.

Para os volumes 0 e 1, é admitida apenas a instalação em extra-baixa tensão, com separação elétrica, em tensão não su-perior a 12 V, em corrente alternada, e 30 V, em corrente contí-nua. A norma utiliza a denominação SELV, do inglês “separated extra low voltage”. E, para o volume 2, caso não seja aplicado o mesmo tipo de instalação em extra-baixa tensão, admite-se a instalação em baixa tensão, desde que os circuitos contenham ligações equipotenciais e estejam protegidos por dispositivos DR (corrente diferencial residual não superior a 30mA).

Além disso, prescrevem-se os graus de proteção dos componentes a serem instalados dentro desses volumes, desde as luminárias subaquáticas até os interruptores e tomadas de corrente, estes, por exemplo, com pelo menos a proteção contra aspersão de água (IP X4). Constata-se, então, que nas proximidades da piscina todos os componentes devem ser específicos, não cabendo em

nenhum caso, interruptores e tomadas de uso geral.Em todos os acidentes relatados, dispensável é a perícia

para constatarmos que essas prescrições mínimas não foram observadas. Como a mensagem principal deste artigo é a preocupação e atenção com os requisitos de segurança, não entramos em muitos detalhes técnicos sobre as características especiais dessas instalações, exceções aplicáveis, opções e re-cursos adicionais. Cabem aos responsáveis técnicos por essas instalações a consulta e o estudo das normas mencionadas, em especial da NBR 5410 (instalações elétricas de baixa tensão), NBR 13570 (instalações elétricas em locais de afluência de públi-co – requisitos específicos), NBR IEC 60529 (graus de proteção para invólucros de equipamentos elétricos – código IP) e IEC 60598-2-18 (luminárias para piscinas e instalações similares).

Nos últimos anos, aumentou o interesse dos engenheiros ele-tricistas quanto ao tema da segurança. Boa parte desse interesse surgiu a partir da revisão da norma regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego que trata do assunto, a NR-10. Entretanto, além de a NR-10 ter por objetivo a prevenção de acidentes do trabalho, ela não detalha os requisitos técnicos aplicáveis para garantir a segurança. O seu texto recomenda a obediência às normas técnicas nacionais ou internacionais.

Compreendendo a lacuna deixada pela regulamentação tra-balhista, a ABNT já está trabalhando na elaboração de uma norma técnica nacional voltada à segurança em eletricidade, tal qual foi feito em alguns países. Aliás, esse será um dos temas

Figura 1: Delimitação de volumes em piscinas e lava-pés

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do ESW Brasil 2011, evento promovido pelo IEEE a cada dois anos, que será realizado em São Paulo, em novembro.

Acidentes podem e devem ser evi-tados, exigindo-se e cumprindo-se as recomendações técnicas existentes. É bom saber que as normas técnicas na-cionais para as instalações elétricas são equivalentes às normas internacionais, portanto a comunidade técnica brasileira pode ter acesso às melhores práticas em língua portuguesa, e o cumprimento dessas recomendações permitirá que o seu projeto esteja compatível com os requisitos adotados internacionalmente para instalações em piscinas. Isso é um instrumento de proteção para os proje-tistas, executantes, mantenedores, para os proprietários e dirigentes de clubes e hotéis e principalmente para todos nós e nossos filhos, na condição de frequenta-dores de piscinas. Entretanto, é preciso que esses requisitos sejam cumpridos e que a negligência seja punida de forma exemplar, para que vidas não permane-çam expostas a riscos desnecessários, uma vez que as medidas de proteção existem e são conhecidas.

Ricardo Pereira de Mattos é engenheiro eletricista

e engenheiro de segurança. Atua como professor

de cursos de pós-graduação em engenharia de

segurança do trabalho, no Rio de Janeiro, e mantém

um blog sobre prevenção de acidentes no endereço

www.enderecodaprevencao.blogspot.com.

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