Inovacao Em Materiais

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C A P A por Gabriela Di Giulio Pesquisas garantem novos materiais para as mais variadas aplicações ecidos que absorvem suor e eliminam bactérias; embalagens de plástico bio- degradável que podem virar adubo; revestimento de vitrocerâmica que imita pedras natu- rais. A lista de possibilidades não cessa. Se, há milhares de anos, o ser humano dispunha apenas do que a natureza lhe oferecia — madeira, pedras, ossos e peles de animais — para satisfazer as suas necessidades, hoje o cenário industrial moderno dispõe de um amplo leque de novos materiais. Entre pesquisados e processados nos laboratórios de insti- tutos de pesquisas e empresas, existem mais de 50 mil tipos divididos, basica- mente, em cinco classes: cerâmicas, semi- condutores, compósitos, metais e polí- meros. Como desenvolvê-los em escala econômica e sustentável é o desafio dos especialistas. O primeiro caminho, certamente, pas- sa pelo investimento em pesquisas, seja por parte do setor público ou do privado. Nas últimas três décadas, a ciência ou engenharia dos materiais assim como o próprio termo "novos materiais" se tor- nou uma área de grande interesse, na formação acadêmica, profissional e em novas oportunidades de negócios. No Brasil, os investimentos em pesquisas no setor ganharam ritmo a partir de mea- dos da década de 1980, com a criação do Programa de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas em Apoio à Inovação Tecnológica (RHAE) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do pro- grama de novos materiais da Financiado- ra de Estudos e Projetos (Finep) e dos programas de nanomateriais. "Várias agendas governamentais têm dado aten- ção ao setor", diz Edgar Zanotto, vice- presidente da Associação Brasileira de Cerâmica (ABC) e pesquisador do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O custo das pesquisas nessa área é elevado. Microscópios de última gera- ção, sistemas de análise de imagens e ressonância magnética são algumas das ferramentas que permitem que os pes- quisadores coloquem em prática a anti- ga idéia do físico norte-americano, Richard Feynman, propagada no fim da década de 1950: a de que no futuro, enge- nheiros poderiam pegar átomos, colocá- los onde bem entendessem e, dessa for- AUMENTAR RECURSOS EM P&D NA INICIATIVA PRIVADA E AMPLIAR PRODUÇÃO DE NOVOS MATERIAIS DENTRO DE UMA POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE T 40 Fibras recobertas com nanocompostos de prata Divulgação/Santista Têxtil

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C A P A

por Gabriela Di Giulio

Pesquisas garantem novos materiais para as

mais variadas aplicações

ecidos que absorvem suore eliminam bactérias;embalagens de plástico bio-degradável que podem viraradubo; revestimento de

vitrocerâmica que imita pedras natu-rais. A lista de possibilidades não cessa.Se, há milhares de anos, o ser humanodispunha apenas do que a natureza lheoferecia — madeira, pedras, ossos e pelesde animais — para satisfazer as suasnecessidades, hoje o cenário industrialmoderno dispõe de um amplo leque denovos materiais. Entre pesquisados eprocessados nos laboratórios de insti-tutos de pesquisas e empresas, existemmais de 50 mil tipos divididos, basica-mente, em cinco classes: cerâmicas, semi-condutores, compósitos, metais e polí-meros. Como desenvolvê-los em escalaeconômica e sustentável é o desafio dosespecialistas.

O primeiro caminho, certamente, pas-sa pelo investimento em pesquisas, sejapor parte do setor público ou do privado.Nas últimas três décadas, a ciência ouengenharia dos materiais assim como opróprio termo "novos materiais" se tor-nou uma área de grande interesse, naformação acadêmica, profissional e em

novas oportunidades de negócios. NoBrasil, os investimentos em pesquisasno setor ganharam ritmo a partir de mea-dos da década de 1980, com a criação doPrograma de Recursos Humanos paraAtividades Estratégicas em Apoio àInovação Tecnológica (RHAE) doConselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq), do pro-grama de novos materiais da Financiado-ra de Estudos e Projetos (Finep) e dosprogramas de nanomateriais. "Váriasagendas governamentais têm dado aten-ção ao setor", diz Edgar Zanotto, vice-presidente da Associação Brasileira deCerâmica (ABC) e pesquisador doDepartamento de Engenharia deMateriais da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar).

O custo das pesquisas nessa área éelevado. Microscópios de última gera-ção, sistemas de análise de imagens eressonância magnética são algumas dasferramentas que permitem que os pes-quisadores coloquem em prática a anti-ga idéia do físico norte-americano,Richard Feynman, propagada no fim dadécada de 1950: a de que no futuro, enge-nheiros poderiam pegar átomos, colocá-los onde bem entendessem e, dessa for-

AUMENTAR RECURSOS EM P&D NA INICIATIVA

PRIVADA E AMPLIAR PRODUÇÃO DE NOVOS

MATERIAIS DENTRO DE UMAPOLÍTICA DE PRESERVAÇÃO

DO MEIO AMBIENTE

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Fibras recobertas com nanocompostos de prata

Divulgação/

Santista Têxtil

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ma, criariam materiais com proprieda-des inteiramente novas. A nanotecnolo-gia está presente em boa parte dos mate-riais atuais. Com capacidade de manipu-lar, criar e avaliar materiais um bilioné-simo de vezes menor que um metro, essatecnologia permite que os materiais, porestarem nessa dimensão, tenham com-portamentos especiais e possuam maioreficiência nas suas propriedades.

No Brasil, ainda é o setor público oresponsável pela maioria dos estudossobre novos materiais. "Poucas empre-sas contratam doutores pesquisadorese investem em pesquisas, de fato. Masesse quadro precisa mudar para real-mente chegarmos à inovação", apontaZanotto. Economicamente, o setor de

materiais responde por 3 a 4% do ProdutoInterno Bruto (PIB) brasileiro, segundoestimativas do vice-presidente da ABC.

NOVOS TECIDOSO setor têxtil, dependente de proces-

sos e produtos inovativos para sobrevi-ver num mercado bastante competitivo,tem financiado estudos com nanotec-nologia em busca de novos materiaisque atendam às diferentes exigênciasdos consumidores. "Com essas novastecnologias geradas, graças às pesqui-sas realizadas com nossos parceiros,temos conseguido renovar anualmentenosso portfólio em 35%", diz RogérioSegura, gerente de desenvolvimento daSantista Têxtil, tida como líder mundial

de produtos denim — tecido de algodãocom que são fabricados os jeans — e con-trolada pelo grupo Camargo Corrêa eAlpargatas. Há mais de quatro anos, aSantista vem estudando tecidos modifi-cados com fibras recobertas com nano-compostos de prata, acabamentos demicrocápsulas com matéria ativa hidra-tante e microbial. Em 2006, a empresainvestiu R$ 4,1 milhões em pesquisa edesenvolvimento (P&D). O resultado foio lançamento da etiqueta NanoComfort,de tecidos tratados com tecnologia nano(tanto na produção da fibra como no pro-cesso de tingimento).

Da linha NanoComfort fazem partetrês tecidos: o Technopolo Light, oTechnopolo Fit e o Image. O primeiro é

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Laboratório de pesquisa e

desenvolvimento daSantista Têxtil

Gabriela D

i Giulio

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100% algodão, apropriado para confec-ção de camisas e tem acabamento anti-microbial, que elimina os odores da trans-piração. O segundo, Fit, é formado por62% algodão, 35% poliéster e 3% de elas-tano. Apesar de conter poliéster, temcapacidade de absorção e rápida seca-gem da umidade corporal. Já o Image,considerado o "filão" da linha, é um pro-duto 100% poliéster, com visual, toquee caimento de tecido de lã. Também absor-ve rapidamente a transpiração, comouma roupa de fibra natural, tem facili-dade na remoção de manchas e mantémas funcionalidades de um produto sin-tético. O custo dessa linha é, em média,30 a 40% mais alto do que o dos tecidoscomuns. Mesmo assim, a aceitação temsido muito boa, segundo Rogério Segura.

Para chegar aos tecidos NanoComfort,a Santista Têxtil fez acordo de coopera-ção técnica com o Instituto Têxtil Alemão,com a Universidade de São Paulo (USP)de São Carlos e deve fechar, em breve,uma parceria com a UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp). Atentaaos recursos públicos, a empresa tam-bém foi a primeira do segmento a conse-guir, em 2004, verbas do Plano deDesenvolvimento Tecnológico Industrial(PDTI), junto ao Ministério de Ciência eTecnologia (MCT), e para suas pesquisasconta com apoio da Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp) e do CNPq. "Essa visão tambémé resultado da fusão da Santista Têxtilcom a empresa espanhola Tavex, conhe-cida pelo seu forte desenvolvimento eminovação", explica Segura. "Estamos cadavez mais convencidos de que vale a penainvestir na inovação, pois isso gera umdiferencial para a empresa, além de maislucro." Em 2006, o faturamento líquidoda Santista-Cone Sul ultrapassou os R$

776 milhões e a receita bruta ficou mui-to próxima de R$ 1 bilhão.

A estratégia da Santista Têxtil é con-tar com gerentes de produtos que via-jam o mundo todo e acompanham asprincipais tendências da moda, princi-palmente nos mercados norte-america-no e europeu. A empresa procura tambémfortalecer a interação com seus clientes:"eles dizem o que querem, e nós pesqui-samos", diz Segura. É uma ação presen-te, por exemplo, na área de novos mate-riais cujos resultados, porém, são pou-co divulgados pela empresa, que os tra-ta como segredos industriais.

Em breve, a empresa deverá colo-car no mercado a linha Lotus Effekt,composta por tecidos que, em contatocom a água, eliminam as partículas desujeira presentes nos tecidos. O nomeé uma referência à flor de lótus, plan-ta que nasce no lodo e só se abre aoatingir a superfície, quando suas péta-las estão completamente limpas. Estáprevisto, ainda, o lançamento mundialde uma nova linha denim da Santistaque promete maior funcionalidade aojeans, mesmo depois de lavagens maisagressivas.

Outra fabricante focada em desco-brir novos materiais no setor têxtil é aCedro Cachoeira Inovação em Tecidos.Com capital 100% nacional, está no mer-cado há mais de 130 anos e hoje traba-lha com duas linhas de produto: denime tecidos profissionais. Anualmente aempresa lança coleções de novos teci-dos no mercado e, por isso mesmo, inves-te regularmente em P&D. "Nossa ativi-dade de pesquisa é rotineira, semprebuscando novas formulações de cores,composições e estruturas de tecidos",diz Américo Melaggi, gerente de produ-tos da Cedro. Para isso, mantém parce-

rias com fornecedores e investe em par-ceiros internacionais. É o caso dos tes-tes realizados na Universidade de Alberta,no Canadá, com pesquisas em nanotec-nologia, que já conseguiu produzir teci-dos como o retardante de chamas, anti-micróbio, anti-manchas e anti-estático,disponíveis no mercado. "Eles custamde 20 a 80% mais caros que os tecidosnormais, mas os clientes têm aprovadoe, inclusive, alguns já estão exportandoprodutos feitos com eles", informaMelaggi.

A empresa, no momento, se preparapara investir em pesquisas para produ-ção de tecidos com aplicações específi-cas, como é o caso dos tecidos de altavisibilidade, usados por aqueles que tra-balham na manutenção de estradas erodovias, por exemplo. No setor, a Cedroé a terceira maior empresa brasileira etem registrado um crescimento supe-

Casa que está sendoconstruída com

placas de gesso maisresistente pela empresaInovamat, de São Carlos

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apoiar em redes de colaboradores nacio-nais e internacionais", explica o pesqui-sador do laboratório Edgar Zanotto.

Uma das pesquisas atuais do LaMaVrefere-se ao desenvolvimento de reves-timentos arquitetônicos artificiais fei-tos com vitrocerâmica que imitam gra-nito e mármore, têm um custo menor epodem substituir o uso de pedras natu-rais, que estão em extinção. "É uma linhafantástica, a ser explorada em breve, pelomercado da construção civil", adianta opesquisador. A pesquisa começou há 10anos e surgiu de estudos do laboratóriosobre processos envolvidos no aqueci-mento do pó de vidro e na união dos seusgrãos. "O material usado não é vidro puro,porque o vidro tem uma estrutura mole-cular desorganizada. Para melhorar aspropriedades, é preciso cristalizá-lo.Depois desse processo, o material pas-sa a ser denominado vitrocerâmica, que

apresenta maior resistência mecânica",afirma Zanotto. A pesquisa teve apoioda Fapesp e do CNPq e o produto final,apesar de não ter um nome comercial, jáfoi patenteado. "Estamos, agora, procu-rando empresas interessadas em pro-duzi-lo em larga escala", acrescenta.

O laboratório da UFSCar desenvol-veu, ainda, um outro material vitrocerâ-mico para o mesmo setor de construçãocivil, a partir da demanda da Usiminas."Fomos contratados pela siderúrgica queprecisava desovar a escória resultante daprodução de aço. Com aquele materialobtivemos um produto vitrocerâmicomuito bonito, resistente, de cor escura,que pode ser utilizado para revestimen-to. Agora, só falta encontrar um investi-dor interessado em montar uma empre-sa próximo à Usiminas para poder apro-veitar o material descartado por ela", dizZanotto.

GESSO MAIS RESISTENTEDesenvolver materiais a base de ges-

so para aplicação na construção civil éo objetivo de uma pesquisa desenvolvi-da entre o Instituto de Física da USP-São Carlos e a empresa InovamatInovações em Materiais Ltda, com apoioda Fapesp, Financiadora de Estudos eProjetos (Finep) e do Programa Habitare.A idéia é produzir estruturas de gessocom elevada resistência mecânica parasubstituir, em alguns casos, o uso docimento na construção civil. Os estudostêm mostrado que é possível prepararplacas de gesso com adição mínima deágua para satisfazer a reação de hidra-tação. Dessa forma, são obtidas peçasmais densas e, portanto, de alta resis-tência mecânica.

Além disso, o gesso é material nãocombustível, 100% reciclável, de baixo

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rior a 10% ao ano. "Para isso, é funda-mental a estrutura de P&D que temos.Sem ela, não conseguiríamos nos man-ter no mercado."

PATENTES NA CONSTRUÇÃO CIVILO setor de construção civil, com a mul-

tiplicidade de produtos que trabalha, éoutro segmento que se beneficia direta-mente das pesquisas com novos mate-riais. Porém, praticamente inexiste pes-quisa privada na área e as descobertas eo processamento de novos materiaisdevem ser creditados aos laboratóriosdas universidades. É o caso do Laboratóriode Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar,referência nacional no segmento de novosmateriais, fundado há 30 anos."Funcionamos com estratégia similar ade uma empresa e aprendemos, empiri-camente, que a pesquisa na área de mate-riais, por ser muito ampla, tem de se

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custo, não causa poluição em sua fabri-cação e seu uso na construção civil aju-da a reduzir o emprego indiscriminadode madeira. Segundo o pesquisador daUSP-São Carlos, Milton de Souza, tam-bém diretor presidente da empresaInovamat, há duas formas conhecidasde gesso: o mineral e o fosfogesso, ou osulfato de cálcio hidratado, que resultada produção de fertilizantes fosfatados.Na região Sudeste, há montanhas des-se rejeito industrial, encontradas, porexemplo, em Cubatão e no norte de MinasGerais. O problema é que o fosfogesso,devido ao tamanho de suas partículas,não podia ser empregado na produçãode placas. Por isso mesmo, as pesquisasse concentraram num novo método depreparação de gesso e seus compósitos,chamado Ucos: o fosfogesso é moído eaquecido a uma temperatura de 100ºC.Torna-se, assim, um sulfato de cálciohemi-hidratado, conhecido como reboco.

"Com pouca água, o gesso passa a teroutro tipo de consistência. O materialnão vira uma pasta e sim um pó umede-cido que, ao ser comprimido, gera peçasmais fortes até do que as de concreto",explica Souza. O novo material é tam-bém mais resistente do que o gesso uti-lizado regularmente na substituição dasdivisórias internas pela construção civil.Essas estruturas, conhecidas como dry

wall, apresentam alta capacidade deabsorção de água, e, por conta disso,desenvolvem baixa resistência à com-pressão e à flexão.

A nova técnica permite que o produ-to seja usado em paredes internas e exter-nas, piso, forro e como isolante térmicoe acústico. O isolamento térmico e acús-tico, bem como o aumento da resistên-cia à flexão, ao impacto e a redução dadensidade, são alcançados nos compó-

sitos gesso-fibra, que podemser obtidos usando fibras de papel,coco, tronco de bananeira ou fibras lig-nocelulósicas. Isso permite, inclusive,pensar em aplicar esse gesso na indús-tria moveleira.

Uma casa de aproximadamente 50metros quadrados, utilizando comomaterial básico essas placas de gesso,está sendo construída em São Carlos.A idéia é mostrar que o material é resis-tente e substitui tranqüilamente ocimento. Depois de inaugurada, a casaservirá ainda para estudos complemen-tares para a medição de radiação. "O fos-fogesso usado, por exemplo, nos EstadosUnidos é altamente radioativo. Sabemosque o material brasileiro é bem menosradioativo, mas queremos confirmarisso através de pesquisa", diz Milton deSouza. Para que o novo material chegueao mercado, é preciso que haja parce-rias com empresas dispostas, inclusi-

ve, a investir na constru-ção de maquinários para pro-

dução em larga escala das placas. AInovamat não tem esse objetivo, já quepretende funcionar como um centro depesquisa privado. Se a parceria for rea-lizada, a previsão é que em 10 anos asplacas de gesso estejam disponíveis aosconsumidores.

BIOMATERIAIS: APLICAÇÕES NA SAÚDENa área da saúde os investimentos

têm sido direcionados para pesquisascom os chamados biomateriais — mate-riais que são empregados como um todoou parte integrante de um sistema paratratamento, ampliação ou substituiçãode tecidos, órgãos ou funções corporais.Os resultados têm despertado a aten-ção de pesquisadores e de empresas dosetor, dispostas a licenciar os novosmateriais patenteados e colocá-los nomercado. Dos biomateriais existentes,

Amostras de revestimentos feitos com vitrocerâmica que imitam granito

e mármore que podem substituir pedras naturais

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os cerâmicos são degrande importância por apresentaremcaracterísticas como bioabsorção, bioi-nércia ou bioatividade.

No LaMaV, uma linha de pesquisaque se destaca é a de biovidros, compos-ta por ossos artificiais e bioativos devitrocerâmica. "O biovidro se liga sozi-nho a ossos e cartilagens e, por ser iner-te, não faz mal. Ele pode substituir, porexemplo, pequenos ossos das mãos, narize ouvido", explica Edgar Zanotto. Porenquanto, o grupo liderado pelo pesqui-sador conseguiu produzir em escala delaboratório pequenos ossos de vitroce-râmica para o ouvido médio, que estãosendo testados na Faculdade de Medicinada USP de Ribeirão Preto.

Na Escola de Engenharia da USP-SãoCarlos, há também um grupo de pesqui-sa envolvido na produção de implantesósseos bioativos mais resistentes e eco-

nomicamente viáveis. Esses implantessão produzidos utilizando escafoldes(estruturas) de alumina (óxido de alumí-nio) infiltradas com biovidro e hidroxia-patita. Os testes em laboratório, segun-do o pesquisador Carlos Fortulan, mos-traram que o material obtido é atóxico,tem forte interação com as células ósseas,maior resistência mecânica e apresen-ta custo inferior, uma vez que reduz aquantidade de materiais bioativos a nomáximo 15% do volume da peça. "A paten-te já foi homologada e os testes, agora,deverão ser feitos em cobaias", explica.

Até mesmo problemas como a hiper-sensitividade dentária pode ser comba-tida com materiais bioativos. No LaMaV,pesquisadores desenvolveram um vitro-cerâmico muito fino, que deve ser apli-cado sobre os dentes hipersensíveis."Através de uma reação química, a hiper-sensibilidade vai diminuindo até ser eli-minada. Já fizemos testes em aproxima-damente 200 pacientes, na Faculdadede Odontologia da USP de Ribeirão Preto,e tivemos sucesso. O que podemos per-ceber é que para a cura o número de apli-cações do produto varia, entre três a nove,dependendo do paciente", afirma Zanotto.O produto recebeu o nome de Biosilicato,já foi patenteado e licenciado para aempresa privada VitroVita. Mas, parachegar ao mercado, ainda depende daautorização e liberação da AgênciaNacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ainda em saúde, pesquisadores daFaculdade de Engenharia Química (FEQ),em parceria com a Faculdade deOdontologia de Piracicaba (FOP), ambasda Unicamp, desenvolveram um conjun-to de arcos dentais pré-fabricados, fle-xíveis e com dentes ajustáveis para sim-plificar o processo de confecção das pró-teses parciais e totais removíveis. O mate-

rial originou patente envolvendo os pes-quisadores Almenara de Souza FonsecaSilva, José Luiz Lino Trochmann, LeilaPeres, Lucia Helena Innocentini-Mei eSimonides Consani, e oferece como prin-cipal vantagem a confecção de peças per-sonalizadas, já que as próteses pré-fabri-cadas existentes no mercado não ofere-cem possibilidade de ajustes individuais— fator importante para uma boa adap-tação. Confeccionados a partir de polí-meros específicos com propriedadeselásticas, os arcos possibilitam a elimi-nação de uma das etapas mais demora-das do processo: a montagem dos den-tes individualmente. Em geral, os dentesartificiais são comercializados como ele-mentos unitários, que precisam ser fixa-dos um a um.

Os arcos representam uma nova for-ma de apresentação para os dentes, jáque se encontram pré-montados e conec-tados a uma base de suporte constituí-da de resina, com capacidade de movi-mentação tridimensional. O material dabase também permite ajustar a posiçãode cada dente, caso haja necessidade decorrigir problemas fonéticos, estéticosou oclusais. Segundo a pesquisadoraLucia Mei, os testes clínicos realizadosna FOP devem ter início em agosto. Jáhá empresa interessada na comerciali-zação do produto e a previsão é de que,se houver financiamento, nos próximosdois anos ele deverá estar no mercado.

ENTRAVES ENTRE PESQUISA E EMPRESAApesar do avanço de pesquisas com

novos materiais com aplicação na áreamédico-hospitalar, ainda é possível obser-var que alguns produtos podem não che-gar ao mercado porque simplesmentefaltam empresas interessadas em produ-zi-los em larga escala. É o caso, por exem-

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plo, de um material estudado pela pes-quisadora Lucia Mei para aplicação emradioterapia para tratamento do câncer.Equivalente a um tecido mole humano,transparente e flexível, com boa resis-tência à radiação, baixos custos e boaspropriedades radiológicas, o material,conhecido como "bolus", foi desenvolvi-do há cerca de 10 anos, mas não desper-tou interesse das empresas, talvez porrepresentar maior durabilidade.

Na radioterapia de pacientes com cân-cer, utilizam-se amplamente os acelera-dores lineares que produzem feixes defótons e elétrons de alta energia. Umacaracterística importante desses feixesé que a dose liberada no tecido irradiadonão tem seu valor máximo na superfí-cie, mas aumenta conforme o poder depenetração do feixe, até uma profundida-de que varia de 0,5 a 3,0 cm da pele. A téc-nica de irradiação, em geral, consiste emdirigir um ou mais feixes para o volumedo tumor, de modo a produzir uma dis-tribuição uniforme da intensidade daradiação dentro do mesmo, caindo a valo-res mínimos nas regiões circunvizinhas."No caso da radioterapia de tumoressuperficiais, muitas vezes é exigida umasuperficialização do ponto de dose máxi-ma, seja para maximizar a dose no tumor

ou mesmo para limitar a penetração dofeixe, preservando as estruturas poste-riores ao tumor. Isso é feito utilizando-se materiais simuladores de tecido huma-no, como o "bolus", com espessura variá-vel", explica Lucia Mei.

Para o desenvolvimento do mate-rial, o grupo da Unicamp usou o policlo-reto de vinila — PVC — devido à sua ver-satilidade e boa relação custo/benefí-cio. A partir da dispersão do pó PVC noplastificante Di-octil ftalato (DOP), ospesquisadores obtiveram uma pasta,conhecida como plastisol, que ao seraplicada a uma temperatura de 160oCtransformou-se em um produto trans-parente e flexível. O "bolus", em testesde laboratório, mostrou-se eficaz quan-to à estabilidade à radiação. "Na épocados testes realizados, alcançava um pre-ço bem menor do que o material impor-tado, além de tempo maior de uso tam-bém. Ele poderia estar no mercado numprazo muito pequeno, cerca de seismeses, se houvesse infra-estrutura einteresse do governo ou outras fontesde financiamento para desenvolvê-lo.Chamo a atenção que o produto é mui-to estável e não há interesse de empre-sas em fabricar um produto que duretanto", explica Lucia.

PREOCUPAÇÃO AMBIENTALA questão ambiental impulsionou

pesquisadores do Instituto de Químicae da Faculdade de Engenharia Químicada Unicamp a desenvolverem um novomaterial que permite a fabricação deembalagens biodegradáveis para uso naagricultura. O produto mistura o copolí-mero poli (hidroxibutirato-hidroxivale-rato) — PHBV —, produzido através da fer-mentação de bactérias, com outro com-ponente natural denominado lignosul-fonato, obtido como resíduo da indústriade papel. As vantagens do novo produtosão o custo — altamente competitivo — ea utilização de matéria-prima renovável.

Segundo os pesquisadores daUnicamp Nelson Duran, Ana PaulaLemes e Lucia Mei, o PHVB é um polí-mero biodegradável, também produzi-do no Brasil e em fase de avaliação paraaplicação em diversos setores do mer-cado de plásticos. O lignosulfonato, porsua vez, tem um amplo potencial de usona agricultura. O método, de acordo comos pesquisadores, também evitaria des-perdício, diminuindo a quantidade demicronutrientes, e reduziria o risco decontaminação de águas superficiais esubterrâneas.

Apesar da importância do novo mate-

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Instalações do Laboratório

de MateriaisVítreos

(LaMaV), daUFSCar

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ENERGIA LIMPA: PESQUISA DESENVOLVE LIGAS PARA ARMAZENAR HIDROGÊNIODesde 2000, o grupo de pesquisa Metais Amorfos e Nanocristalinos, do

Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, tem pesquisado ligasarmazenadoras de hidrogênio. Com financiamento da Fapesp e do CNPq, osestudos envolvem desde a caracterização do material até a proposição denovas ligas. No momento, o grupo tenta construir um protótipo de tanquepara armazenagem de hidrogênio. Segundo o pesquisador Tomaz ToshimiIshikawa, a armazenagem de hidrogênio em ligas, sob a forma de hidretosmetálicos, além de proporcionar uma alta eficiência volumétrica de arma-zenagem, é considerada mais segura do que a armazenagem no estado líqui-do ou gasoso. A segurança se deve à estabilidade e facilidade do manuseioque os hidretos metálicos apresentam à temperatura ambiente.

As pesquisas dessas ligas, de acordo com ele, se concentram em duasáreas: ligas metálicas nanocristalinas e estudos de compósitos. As ligas metá-licas nanocristalinas para armazenagem de hidrogênio apresentam maiorárea superficial e maior densidade de contornos de grão. Essas caracterís-

ticas estruturais favorecem a absorção, liberação e difusão do hidrogênio.Já os compósitos são formados por dois componentes: um majoritário, comalta capacidade de absorção de hidrogênio, e um minoritário, com alta ati-vidade superficial. Essa combinação de alta fração volumétrica de contor-nos com a ação de catalisadores de superfície faz com que os nanocompó-sitos tenham propriedades atrativas para armazenagem de hidrogênio.

O interesse pela pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias basea-das no hidrogênio tem crescido principalmente devido às preocupaçõescom as mudanças climáticas. Essas tecnologias desempenham papel funda-mental na transição para um sistema energético de geração distributiva econstituem uma resposta promissora às necessidades atuais de energia lim-pa e renovável. As ligas podem ser usadas, por exemplo, em baterias recar-regáveis, como geração de energia limpa. As pesquisas feitas pelo grupo ren-deram uma patente e já há empresas interessadas nos estudos, inclusive,recentemente um convênio foi firmado com a Petrobras.

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rial, a pesquisadora Lucia Mei chama aatenção para a carência de pesquisascom materiais biodegradáveis no Brasil.Uma das dificuldades é o preço maiordo biodegradável em relação ao plásti-co comum. "Falta também uma maioratenção e apoio do poder público. A fal-ta de leis que regulamentem o uso debiodegradáveis é um dos motivos pelosquais não houve a expansão da indús-tria nessa área. Muitos países europeusjá tornaram obrigatório o uso de plásti-co biodegradável", diz.

PLÁSTICO DE MELHOR QUALIDADEPara garantir que o plástico apresen-

te boa qualidade e maior durabilidade,durante o processo de extrusão — queconsiste basicamente em plastificar ocomposto de PVC, que pode estar na for-ma de grão ou pó, com o auxílio de umcilindro de plastificação equipado comresistências elétricas e uma rosca —, sãoadicionados compostos denominadosaditivos ou estabilizantes. O grande incon-

veniente para as indústrias que extru-dam os plásticos é que, para cada melho-ria na qualidade do material, é necessá-rio um tipo diferenciado de aditivo e, mui-tas vezes, um aditivo que melhore a resis-tência à eletricidade estática pode inter-ferir na maleabilidade do plástico e vice-versa. Além disso, as embalagens plásti-cas para indústrias alimentícias, cosmé-ticas e farmacêuticas sofrem controlesrígidos da dosagem desses aditivos.Assim, se um determinado aditivo esti-ver acima do especificado pela legisla-ção, o órgão fiscalizador responsável (aAnvisa, por exemplo), pode autuar aempresa que sofrerá sérias penalidades.

Preocupada com essa questão e paraatender a um pedido de cliente, a empre-sa química C.H.O Indústria e Comérciodesenvolveu um novo material com oobjetivo de oferecer em um único aditi-vo, redução de viscosidade, proprieda-des antiestáticas, boa transição vítrea(relacionado à boa resistência às intem-péries), maior shelf life e melhor malea-

bidade. O novo aditivo substitui os esta-bilizantes a base de cálcio e zinco, quegeralmente são dissolvidos em solven-te aromáticos (o que não é permitidopelos órgãos vigentes, pois são compos-tos prejudiciais à saúde e ao meio ambien-te). Segundo Ronaldo Dias, responsávelpelo departamento de desenvolvimen-to e pesquisa da companhia, além de umcusto menor e de atender a todos ospadrões de qualidade exigidos pelo mer-cado, o novo material utiliza em sua com-posição insumos atóxicos, que não estãoincluídos na lista da Anvisa de produtosque prejudiquem o meio ambiente.

Para alcançar resultados como este,Dias destaca a importância de investirem P&D. Do faturamento total de 2006,cerca de R$ 12 milhões, 2,5% foram apli-cados no setor de pesquisa. O efeito des-sa visão empresarial tem sido positi-vo: a C.H.O é considerada a segundamaior empresa nacional no setor e temregistrado um crescimento anual naordem de 3%.

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