Inicio Das Ideias Sociailistas No Brasil_Daniela O.R. Passos

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115 cadernos cemarx, nº5 – 2009 O início das idéias socialistas no Brasil Daniela Oliveira R. Passos 1 Resumo: O presente trabalho procura analisar como se deu a organização das idéias socialistas no Brasil no final do século XIX e início do século XX (1889-1922) e como estas ideologias marcaram o movimento operário da “República Velha”. Para tanto, será conceituado os termos usados pelos movimentos sociais trabalhistas do período, além de especificar cronologias e tentar perceber como o contexto mundial da época influenciava em terras nacionais. Palavras-chaves: socialismo, anarquismo, social democracia, Estado, trabalhadores. Abstract: The present text seeks to analyse how socialist ideas were organized in Brazil at the end of the nineteenth century and early twentieth century (1889-1920) and how these ideologies marked the labour movement in the “Old Republic”. Therefore, the terminology used by the social labour movements will be denominated, and chronologies will be specified. Besides, we will try to understand how the word context of the time influenced Brazil as a nation. Keywords: socialism, anarchy, social democracy, State, workmen. Os Ideais reformistas (1889 - 1905) O socialismo, tal como é entendido hoje, entra na história em meados do século XVIII. Seu contexto histórico é marcado pela Revolução Industrial, que traz consigo, além do progresso capitalista, uma jornada de trabalho de 14 horas, as conseqüências do cercamento (enclosures) 2 , os salários baixos, o trabalho explorador de mulheres e 1 Mestranda pela Universidade Federal de Ouro Preto. Correio eletrônico: [email protected] 2 “A Lei das Cercas” (enclosure act) foram as demarcações realizadas no antigo “sistema de campos abertos” (open field system) ingleses e se tornaram um dos elementos fundamentais para a Inglaterra iniciar a Revolução Industrial. Com as cercas, desaparece a lavoura e se desenvolve a pecuária, sobretudo a criação de ovelhas, sendo estas as fornecedoras de matéria-prima para as máquinas industriais. Para Iglesias (1987, p. 49) é neste período que se alterou o modo de produção existente. Surgiu o capitalismo, decorrente da grande indústria.

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Socialismo no Brasil

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  • 115cadernos cemarx, n5 2009

    O incio das idias socialistas no BrasilDaniela Oliveira R. Passos

    1

    Resumo: O presente trabalho procura analisar como se deu a organizao das idias

    socialistas no Brasil no nal do sculo XIX e incio do sculo XX (1889-1922) e como

    estas ideologias marcaram o movimento operrio da Repblica Velha. Para tanto,

    ser conceituado os termos usados pelos movimentos sociais trabalhistas do perodo,

    alm de especicar cronologias e tentar perceber como o contexto mundial da poca

    inuenciava em terras nacionais.

    Palavras-chaves: socialismo, anarquismo, social democracia, Estado, trabalhadores.

    Abstract: The present text seeks to analyse how socialist ideas were organized in

    Brazil at the end of the nineteenth century and early twentieth century (1889-1920)

    and how these ideologies marked the labour movement in the Old Republic.

    Therefore, the terminology used by the social labour movements will be denominated,

    and chronologies will be specied. Besides, we will try to understand how the word

    context of the time inuenced Brazil as a nation.

    Keywords: socialism, anarchy, social democracy, State, workmen.

    Os Ideais reformistas (1889 - 1905)

    O socialismo, tal como entendido hoje, entra na histria em meados do sculo

    XVIII. Seu contexto histrico marcado pela Revoluo Industrial, que traz consigo,

    alm do progresso capitalista, uma jornada de trabalho de 14 horas, as conseqncias

    do cercamento (enclosures)2, os salrios baixos, o trabalho explorador de mulheres e

    1 Mestranda pela Universidade Federal de Ouro Preto. Correio eletrnico: [email protected] A Lei das Cercas (enclosure act) foram as demarcaes realizadas no antigo sistema de campos abertos (open eld system) ingleses e se tornaram um dos elementos fundamentais para a Inglaterra iniciar a Revoluo Industrial. Com as cercas, desaparece a lavoura e se desenvolve a pecuria, sobretudo a criao de ovelhas, sendo estas as fornecedoras de matria-prima para as mquinas industriais. Para Iglesias (1987, p. 49) neste perodo que se alterou o modo de produo existente. Surgiu o capitalismo, decorrente da grande indstria.

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    crianas e a inexistncia das mnimas condies de sobrevivncia. Portanto, segundo

    Spindel (1995, p. 15), as idias socialistas so conseqncias da misria reinante, so

    os apelos de uma populao a procura de sua dignidade humana. Para Engels (1971,

    p. 47) ele fruto dos antagonismos de classe que reinam na sociedade moderna entre

    possuidores e despossuidos, capitalistas e operrios assalariados.

    Pianciola (2000, p. 1196-7) refere-se ao socialismo como um conjunto de

    doutrinas que se prope a promover o bem comum pela transformao da sociedade,

    ou seja, mudana nas ordens jurdica e econmica. A proposta socialista que o

    direito de propriedade seja limitado, os principais recursos econmicos estejam sob o

    controle da classe trabalhadora e seu comando tenha por meta a igualdade social.

    Assim, dentro deste conjunto de doutrinas encontramos uma gama de

    solues, conceitos e propostas diferenciados, mas que procuram o mesmo m.

    No Brasil, a grande esperana da classe trabalhadora3 surgiu com o advento

    da Repblica (1889) que, segundo o operariado organizado, trazia a igualdade dos

    direitos polticos e sociais. Dentro deste regime de ordem e progresso o trabalho

    no era mais sinal de atraso e infortnio, como acontecia no perodo monrquico com

    a mo-de-obra escrava. O trabalho e aqueles que trabalhavam o proletrio eram

    a fora essencial da sociedade, seu elemento de prosperidade, riqueza e progresso

    (GOMES, 2005, p. 40).

    Porm, esta expectativa do trabalhador foi quebrada, na medida em que

    o regime republicano se mostrou incapaz de atender aos anseios da classe operria,

    sugerindo projetos pouco ntidos de igualdade e democracia.

    Esta desesperana, segundo Batalha (2003, p. 174) ocasionou duas respostas

    dadas pelo movimento operrio brasileiro: a primeira, (no contexto dos anos de 1890 a

    1905), propunha a conquista dos direitos sociais aliada aos direitos polticos, ou seja,

    visava mudana do sistema pela participao no processo eleitoral4. Esta resposta partia da premissa de que a ao poltica era o principal meio

    de luta, tendo como instrumento o partido operrio, j que a revoluo pregada pelos

    3 Trabalharemos o conceito de classe utilizado por Thompson, que arma que: (...) quando alguns homens, como resultado de experincias comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opem) dos seus. A experincia de classe determinada, em grande medida, pelas relaes de produo em que os homens nasceram ou entraram involuntariamente. A conscincia de classe a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais: encarnadas em tradies, sistemas de valores, idias e formas institucionais (THOMPSON, 1989, p. 10).4 O programa do partido operrio brasileiro de 1893 justica seu lanamento no seguinte argumento: a emancipao econmica da classe trabalhadora inseparvel de sua emancipao poltica (MORAES FILHO,1998, p. 404).

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    anarquistas era vista como estril e derramaria sangue intil em jornadas de muita

    luta.

    O operrio devia ser poltico mesmo reconhecendo que a Repblica no fora geradora

    do progresso e da igualdade que ele esperava. Por isso era necessrio ter representantes

    no Parlamento, os quais, mesmo em minoria, trariam maior respeito e ateno para os

    reclamos operrios (GOMES, 2005, p. 68).

    Assim, segundo os operrios, se eles se organizassem em torno de um

    partido, sua ao nas urnas deveria ser mais benca do que tentar utopicamente

    mudar, atravs da fora, as instituies ento estabelecidas. Portanto, no terreno

    poltico que os operrios tinham que dar batalha (BATALHA, 1995, p. 16).

    Estas idias so caractersticas do aumento no nmero de votos dos partidos

    operrios e socialistas europeus, que eram vistos como um prenncio da instaurao

    do socialismo.

    Na Alemanha, o partido socialista j era, em 1890, o maior partido com 19,7% dos

    votos e em 1912 atingiu o dobro relativo ao segundo maior partido, 34,8%. Na Finlndia,

    em 1907, quando da primeira eleio com sufrgio universal, os social-democratas

    conseguiram a maioria relativa, com 37% dos votos. Assim tambm ocorreu na Blgica,

    na religiosa Holanda, na Dinamarca, na Sucia e na Noruega (ALMEIDA, 2003, p.

    190.).

    Batalha (2003, p. 175) ainda cita que os socialistas brasileiros transportavam

    para a Repblica o mesmo raciocnio empregado pelos socialistas europeus para a

    Revoluo Francesa, o de que tanto uma como a outra seriam processos iniciados,

    porm incompletos, cabendo ao socialismo lev-los adiante.

    Um dos precursores deste ideal o francs Graco Babeuf que, liderando

    a Conspirao dos Iguais5, pregava no s a igualdade poltica, mas tambm a

    econmica. Ele armava que era essencial que o povo se organizasse e lutasse para que

    a Liberdade, Igualdade e Fraternidade - ideais da Revoluo Francesa - existissem

    para todos.

    (...) a natureza conferiria a cada homem o direito igual de desfrutar de tudo o que

    5 Movimento dos sans-culottes que ocorreu em 1796, dentro da fase do Diretrio (Revoluo Francesa).

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    bom, e o objetivo da sociedade era defender esse direito; que a natureza impusera a

    cada homem o dever de trabalhar, e quem dele se esquivava era um criminoso; que o

    objetivo da Revoluo (Francesa) fora acabar com todas as desigualdades e estabelecer

    o bem-estar de todos; que a Revoluo, portanto, no estava terminada, e os que haviam

    abolido a Constituio de 1793 (Ano I) eram culpados de lesa-majestade contra o povo

    (WILSON, 1986, p. 73-4).

    Desta forma, os reformistas brasileiros buscavam no s os direitos sociais,

    mas tambm a emancipao nos direitos polticos. Batalha (2003, p. 174) relata que

    no sistema vigente, aps a proclamao da Repblica, votavam apenas homens,

    brasileiros, maiores de vinte e um anos, alfabetizados. J os programas dos partidos

    operrios brasileiros propunham a eleio direta para todos os cargos e o sufrgio

    universal.

    Os partidos de gnero socialista/comunista se multiplicaram neste perodo.

    Houve mais ou menos vinte partidos de cunho social, entre os anos de 1890 e 1920,

    sem razes: criados, viviam meses, um ou dois anos e desapareciam. De fato, a

    sociedade no os compreendia e nem ajudava na sua criao e permanncia, pois os

    partidos no tinham muito a ver com o real, representando mais desejos utpicos ou

    simples inuncia de leitura do que estava acontecendo na Europa (IGLSIAS, 1993,

    p. 219).

    O motivo de os ideais socialistas, na virada do sculo XX no Brasil, serem

    de cunho socialdemocrata se explica, segundo GOMES (2005, p. 36), pelo contexto

    histrico brasileiro da poca (governo provisrio) ser de instabilidade poltica, pois com

    o advento da Repblica houve a possibilidade de uma nova constituio dos atores

    polticos e uma redenio dos instrumentos formais de participao. Era como se o

    poder estivesse aberto s novas idias e s novas propostas de organizao.

    Portanto, o fundamento na formao de um partido operrio se pautava na

    valorizao do trabalho e do trabalhador e na crena da possibilidade de os direitos

    operrios serem denidos dentro das regras do sistema representativo (GOMES,

    2005, p. 41).

    Assim, o momento poltico em que se vivia era o mais propcio para que

    as classes operrias zessem valer seus direitos e estabelecessem sua pretenso de

    representao junto a futuros governos.

    Para os trabalhadores do nal do sculo XIX, as reformas sociais desejadas

    somente poderiam vir atravs das leis e estas s se fariam com a existncia de mais

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    representantes das classes trabalhadoras.

    As reivindicaes e o programa adotado pelo partido operrio brasileiro

    girava em torno da diminuio da jornada de trabalho (para oito horas dirias), m do

    trabalho feminino e infantil, criao de juntas arbitrrias para mediar os conitos

    entre empregados e empregadores, o amparo velhice e a invalidez, alm de reformas

    no Estado, como a educacional, scal e eleitoral.

    Por partidos operrios devem ser entendidos tanto as mltiplas organizaes

    socialistas que surgem e desaparecem durante toda a Primeira Repblica, quase sempre

    em funo de alguma disputa eleitoral, como o conjunto dos socialistas que se situam

    no terreno da luta poltica. at plausvel que a prpria instabilidade e vida curta

    das organizaes criadas contribuam para que a designao de partido operrio

    seja empregada frequentemente para um campo poltico ao invs de remeter a uma

    organizao especca; mesmo na Frana de ns de sculo XIX, o termo partido

    operrio designava o conjunto das correntes socialistas divididas em vrias organizaes

    e grupos. (BATALHA, 1995, p. 17).

    A evoluo natural para o socialismo, tambm no eliminava a ao

    organizativa, como greves e procedimentos por vezes conitantes com o patronato

    em geral e com o governo republicano e suas medidas econmico-sociais nada

    democrticas. Porm, o ponto central dos reformistas brasileiros do nal do sculo

    XIX, eram as vitrias graduais no parlamento e dentro de um esprito de moderao

    (GOMES, 2005, p. 69).

    Conclui-se que o ideal socialista do movimento operrio brasileiro entre os

    anos de 1890 a 1905 era o de lutar contra a Repblica instaurada e o mandonismo do

    patronato. No h um iderio (pelo menos no primeiro momento) de uma revoluo e

    da conseqente derrubada do Estado, como pregavam Marx e Engels.6

    A fora do anarquismo (1906-1917)

    A perspectiva de um movimento socialista de mudana pela via

    parlamentar foi perdendo fora medida que greves no interior de algumas fbricas

    6 Num primeiro momento, atravs da revoluo que ocorreria por causa do fatal processo histrico (modo de produo feudal, relaes capitalistas de produo, socialismo e comunismo) e da gradual conscincia de classe por parte dos trabalhadores - seria instalado o controle do Estado pela ditadura do proletariado e a socializao dos meios de produo, eliminando a propriedade privada. Numa etapa posterior, a meta seria o comunismo, que representaria o m das desigualdades sociais e econmicas, inclusive o prprio Estado (SPINDEL, 1995, p. 39-40).

  • 120 O incio das idias socialistas no Brasil

    se generalizaram. Eram movimentos espontneos, como a greve dos sapateiros (1902-

    1903) e a greve dos industriais txteis (incio 1903), ambas ocorridas na cidade do Rio

    de Janeiro. Estes operrios reivindicavam melhores condies de trabalho, aumento

    salarial, reduo da jornada de labor, habitaes operrias e escolas, auxlio aos

    desempregados e o combate ao uso de bebidas alcolicas e ao jogo (GOMES, 2005,

    p. 72). A cidade do Rio presenciou uma grande greve, que aconteceu em agosto e

    setembro de 1903 e mobilizou os operrios txteis, pedreiros, alfaiates, estivadores,

    sapateiros, chapeleiros, pintores, entre outros.

    Desta forma, as greves tiveram incio por questes especcas de cada setor.

    A generalizao dos protestos, para outras fbricas (no txteis) e para ocinas de

    gnero diverso, ocorreu devido insatisfao de alguns trabalhadores com a no

    concretizao das propostas dos partidos operrios7 e descrena com o poder

    pblico.

    Alm disso, outro fator apresentado por Gomes (2005, p. 74) a conjuntura

    poltica. Aps 1906, o quadro poltico-administrativo foi denitivamente

    estabelecido no pas, atravs da poltica dos governadores, montada pelo ento

    presidente Campos Sales. Assim, o poder j no estava mais disposto a se abrir para

    novos ideais.

    Portanto, a segunda resposta dada pelo movimento operrio brasileiro

    Repblica ento instaurada (nada democrtica e igualitria) foi a negao da

    poltica institucional, adotando a ao direta8 como forma de presso para obter as

    conquistas necessrias. Estes operrios socialistas dos anos de 1906 a 1922 no viam

    nas prticas eleitorais e parlamentares a possibilidade de transformar a sociedade.

    Para eles, seria seguindo o mtodo da ao direta, particularmente expressa em

    movimentos grevistas, que o sindicalismo operrio poderia alcanar a emancipao

    dos trabalhadores (BATALHA, 2003, p. 179).

    O anarquismo, num sentido amplo, prega que a liberdade e a igualdade

    s seriam conseguidas quando o capitalismo e o Estado que o defende fossem

    7 Lembrando que os partidos operrios da Primeira Repblica tinham durao efmera e quase sempre eram expressivos apenas em mbito local.8 A ao direta um conceito de maturidade frente a um conceito de infantilismo, pelo qual o homem desiste de suas responsabilidades e a delega a outros, a seus representantes, abstendo-se de fazer pensar por sua conta e risco (COSTA, 1980, p. 20). Portanto, a ao direta aceitar todas as responsabilidades com todas as conseqncias, sem deleg-las a um terceiro; auto gerir-se; rejeitar os intermedirios, os mediadores. Dentro do contexto brasileiro da primeira Republica, rejeitar os partidos polticos, ou representantes do governo.

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    destrudos. Como o socialismo, o anarquismo considera a propriedade privada como a

    fonte principal dos problemas sociais. Argumenta ainda que todos os recursos naturais

    da terra pertencem a todos os homens. Assim, a palavra anarquista, em sentido

    cientco signica valorizar o indivduo, este sem representantes, sem delegaes,

    sem Estado. Liberdade seu principio.

    O dio visceral de todos os anarquistas contra este Leviat da sociedade moderna,

    este organismo imenso e todo poderoso, a sntese da autoridade e da centralizao (...), o

    Estado (COSTA, 1980, p. 17).

    No Brasil, os anarquistas acreditavam que a nica forma do movimento operrio

    conquistar seus direitos era afastar a poltica de carter eleitoral, partidria, e

    parlamentar, de seu interior, pois a considerava totalmente indiferente aos seus

    propsitos (GOMES, 2005: 83). Os trabalhadores anarquistas rejeitavam o partido

    poltico e as suas propostas. A estratgia revolucionria anrquica pregava a luta

    poltica atravs das greves e da educao da classe trabalhadora. Para eles, a revoluo

    somente ocorreria se houvesse uma transformao profunda no homem trabalhador. O

    que os anarquistas almejavam era uma revoluo social e no poltica, da privilegiar a

    educao, para formar sujeitos scio-culturais e conscientes de seus direitos.

    Desta forma, o que distingue os anarquistas das demais correntes que lutavam

    pela libertao dos trabalhadores a sua ao. Um dos mtodos de luta anarquista

    era a admisso do emprego da fora como resistncia violncia capitalista, incutida

    no governo e no patronato em geral. Contudo, segundo arma Gomes (2005, p. 90),

    aceitar o emprego de aes violentas no signicava rejeitar a utilizao de aes

    paccas e, sobretudo, no signicava utilizar somente o terrorismo. Uma greve

    poderia ser empregada tanto como um expediente de resistncia e defesa pacca

    como uma forma mais impositiva e violenta de realizar conquistas (IDEM, p. 91).

    Portanto, a prtica dos anarquistas no se pautava apenas pelo uso da fora,

    que por ventura empregavam, mas pelo repdio pelos processos polticos, por via

    de partidos parlamentares ou aes eleitorais. A organizao, segundo eles, surgia

    in locus, e ali se enfrentavam face a face, patres e empregados, sem necessitar de

    interlocutores.

    Os trabalhadores anarquistas brasileiros se espelhavam no que estava

    ocorrendo na Europa para reetir sobre as aes eleitorais. Na Alemanha e em Portugal

    j se observava que os socialistas reformistas acabaram sujeitos ao parlamento e

  • 122 O incio das idias socialistas no Brasil

    muitos terminavam at criticando o prprio iderio socialista.

    Em decorrncia de sua situao de minoria parlamentar, as reformas propostas pelos

    partidos socialistas eram apenas aquelas que garantiam a continuidade do funcionamento

    da economia nos moldes capitalistas e que no alteravam o equilbrio poltico das foras

    sociais (ALMEIDA, 2003, p. 192)

    Assim, a fora poltica anarquista se restringia a pressionar diretamente

    os dominadores, atravs de conversas, debates, boicotes, sabotagens, denncias,

    greves e levantes, realizados atravs da ao direta, ou seja, o intuito era atuar mais

    prximo aos operrios.

    O marco da ascenso anarquista entre os trabalhadores brasileiros o I

    Congresso Operrio, realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1906. As resolues

    desse Congresso rejeitavam a formao de um partido poltico e condenavam as

    foras de organizao como cooperativas. No Brasil, a opo anarquista privilegiava

    o sindicato, ou seja, aqui prevaleceu o anarco-sindicalismo. Os anarco-sindicalistas

    acreditavam que os sindicatos poderiam ser utilizados como instrumento para

    mudar a sociedade, substituindo o capitalismo e o Estado por uma nova sociedade

    democraticamente auto-gerida pelos trabalhadores.

    Porm, mesmo tendo graves defeitos, como o autoritarismo (pois quanto

    mais forte e burocrtico mais conservador tendia a car), o sindicato foi considerado

    pelos anarquistas brasileiros o meio mais propcio para realizar reunies, preparar e

    ampliar o nmero de trabalhadores conscientes e preocupados com seus direitos.

    O sindicato prossional era um campo frtil para semear idias e permitir que os

    anarquistas entrassem em contato com os trabalhadores, ganhando assim sua conana e

    adeso. Esta proximidade era essencial para afastar o proletrio dos parasitas da poltica

    e, atravs da ao orientada sobre o terreno econmico, conduzi-los a revoluo social, e

    no somente a revoluo poltica (GOMES, 2005, p. 94.).

    Assim, os anarco-sindicalistas apoiavam o sindicato, mas no pretendiam

    que ele fosse o microcosmo da sociedade, pois o anarquismo, em sua doutrina,

    arma que em uma sociedade todos so livres, porque participam de forma igualitria

    de um projeto associativo, cumprindo-se a promessa de harmonia entre a vontade de

    todos e a vontade de cada um.

    As reivindicaes e o programa adotado pelo Congresso de 1906 (ano em

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    que os anarquistas se propuseram a criar os sindicatos) previam a reduo das horas de

    trabalho, que tem inuncia direta sobre a necessidade do bem-estar do trabalhador,

    facilitando ainda o estudo, a educao e a emancipao intelectual; o combate ao

    alcoolismo, que era fruto do excesso de trabalho; a abolio das multas nas ocinas e

    fbricas; o direito de reunio, a m de defender os direitos dos trabalhadores; criao

    de escolas; indenizao por acidentes de trabalho; criao de asilos ou meios para

    beneciar operrios invlidos; regulamentao do trabalho feminino e construo de

    casas operrias (PINHEIRO & HALL, 1979, p. 51-54).

    Segundo Gomes (2005: 118) a ascenso do movimento dos libertrios

    (anarquistas) se dividiu em duas fases. Num primeiro momento (1906-1917), os

    militantes anarquistas se envolveram em uma srie de aes, nas quais as greves no

    predominavam, mas sim ampla propaganda sobre formas de mobilizao e ideologia

    do movimento anarquista; propaganda que era divulgada atravs de crescente nmero

    de peridicos anarquistas, numerosas campanhas sobre o movimento com o intuito

    de inuenciar as associaes operrias j existentes e a criao de novas associaes

    sindicais anarquistas. Houve ainda a organizao de ligas anticlericais e antimilitaristas,

    alm da criao do Centro de Estudos Sociais (1914), que se constituiu num foro de

    debates entre socialistas e anarquistas.

    A partir de 1917 at 1920, h um nmero maior de greves e menor de

    propaganda sobre a ideologia anarquista. Isto devido ecloso da Primeira Guerra

    Mundial, que afetou profundamente a economia do pas e a vida dos trabalhadores,

    devido escassez dos produtos industrializados vindos da Europa, o que ocasionou a

    conseqente falta de alimentos no mercado interno, a elevao dos preos dos gneros

    de primeiras necessidades e o aumento dos aluguis.

    Nota-se tambm um nmero maior de anarquistas dentro das organizaes

    de trabalhadores e a mudana signicativa de associaes em sindicatos. Neste

    perodo, percebe-se ainda que os libertrios colocam mais fora em suas propostas

    e passam a ganhar maior espao pblico e a entrar em confronto aberto com a polcia

    e o patronato9.

    9 Os anarquistas passaram a promover grandes reunies, voltadas para a propaganda de seu iderio, como comcios e festivais realizados ao ar livre. Nestas festas havia o discurso doutrinrio, recreaes, bailes e partidas de futebol. O carter ldico atraia um pblico maior com o objetivo de conseguir recursos para o nanciamento dos jornais anarquistas ou para o auxlio a famlias de lideres presos (HARDMAN, Francisco Foot, Nem ptria, nem patro: vida operria e cultura anarquista no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1984 apud GOMES, 2005, p. 122-23).

  • 124 O incio das idias socialistas no Brasil

    O socialismo de inuncia Russa: O Estado e o movimento operrio

    (1918-1922)

    Os anos de 1919 a 1921 so usualmente apontados como o momento de

    declnio do movimento libertrio. A conjuntura poltica que se abria era a de combate

    ao anarquismo. Dentro deste contexto houve um amadurecimento do conjunto de

    alianas contrrias ao movimento que reuniu polcia, patres, elite poltica e intelectual

    e Igreja. Houve tambm a concorrncia com associaes prossionais patrocinada

    pelos empresrios e pelo governo. Segundo Munakata (1981, p. 22), os sindicatos

    no anarquistas mantinham servios regulares de benecncia com a participao

    do Estado. Eram prestados servios mdicos, auxlios farmacuticos e penso para

    os invlidos; e em 1919 alguns empregadores privados anunciavam a concesso

    espontnea da jornada de trabalho para oito horas.

    O governo j fazia uma mudana no discurso, reconhecendo que era preciso

    aperfeioar a legislao social de forma a harmonizar os interesses do capital e do

    trabalho, como pode ser percebido na segunda candidatura de Rodrigues Alves, em

    1918 (MARAM, 1979:, p.139). Assim, a interveno estatal comeou a ser solicitada,

    ou seja, as reivindicaes como a jornada de trabalho de oito horas, a regulamentao

    do trabalho feminino e infantil, entre outras, apontam para a elaborao de leis sobre

    o assunto. Tambm havia o medo da revoluo (como a ocorrida na Rssia em 1917)

    e a ameaa de uma outra guerra (como a Primeira Guerra Mundial, 1914-1918) que

    zeram com que as idias liberais perdessem fora. Para Munakata (1981, p.32), em

    nome da harmonia social e da paz entre os povos, as leis trabalhistas deveriam ser

    reguladas, coordenadas e scalizadas pelo Estado.

    A competio ideolgica com o socialismo tambm se tornou mais acirrada,

    devido vitria socialista na Revoluo Russa (1917), fazendo com que essa doutrina

    voltasse a ter inuncia sobre os movimentos operrios no Brasil. importante frisar

    que o socialismo que passou a disputar a hegemonia com o anarquismo do ps-1920

    era qualitativamente diferente do socialismo anterior, empregado pelo evolucionismo

    reformista. O socialismo deste contexto procede da teoria marxista-leninista, que busca

    o exerccio direto do poder poltico atravs de um partido operrio revolucionrio e

    da conseqente ditadura do proletrio como forma de passagem para o comunismo.

    O Estado, neste caso, no seria abolido, mas extinto. Neste ponto, o conito com a

    doutrina anarquista era total e claramente denido.

    Nesta conjuntura, o anarquismo foi eleito o perigo da dcada. Aliado aos

  • 125cadernos cemarx, n5 2009

    estrangeiros10 e ateus, eram eles os inimigos a serem combatidos. Portanto, no houve

    um declnio de militncia anarquista nos sindicatos, mas uma forte presso ideolgica

    e no caso policial, prtica para por m aos libertrios. O anarquismo havia sido

    denido como uma ameaa a ordem constituda, devendo assim, ser eliminado por

    ao policial11.

    Desta forma, devido situao de crise nos meios sindicais do pas,

    precria situao da imprensa anarquista e ao Estado de Stio, decretado pelo presidente

    Arthur Bernardes para tentar pr m s reivindicaes operrias e ao movimento

    tenentista, o iderio anarquista tornou-se insustentvel.

    Em 1922 fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que logo passou

    para a ilegalidade. Mas antes de se tornar clandestino, segundo Munakata (1981,

    p. 42), ele conseguiu ter inuncias em alguns sindicatos cariocas. A proposta do

    partido girava em torno de uma organizao sindical centralista, capaz de por m

    as divergncias dentro do movimento operrio12, o que se diferenciava do modelo

    descentralizado de sindicato proposto pelos anarquistas, cujo princpio era a

    autonomia.

    Atravs de uma srie de normas rigorosas e determinadas, o PCB organizava

    a luta dos trabalhadores. Lembrando que o partido sofria fortes inuncias do

    marxismo-leninismo, que alm da utilizao do poder de um Estado revolucionrio

    para ns revolucionrios, tambm:

    esteve ativamente comprometido com a rme crena na superioridade da

    centralizao sobre a descentralizao ou federalismo e (especialmente em sua verso

    leninista) comprometido com a convico de que liderana, organizao e disciplina

    so indispensveis, sendo inadequado qualquer movimento apoiado em mera

    espontaneidade. (HOBSBAWM, 1982, p. 68).

    Alm disto, mesmo tendo sido essencialmente repressiva, sob a presidncia

    de Arthur Bernardes (1922-1926), os trabalhadores tiveram algo a comemorar.

    10 Lei Adolfo Gordo, ou Lei de Expulso de Estrangeiros (Decreto n 4.247 de 6.1.1921) o projeto aprovado considerava o Lei Adolfo Gordo, ou Lei de Expulso de Estrangeiros (Decreto n 4.247 de 6.1.1921) o projeto aprovado considerava o anarquismo crime e permitia legalmente deportao de estrangeiros envolvidos em associaes e distrbios que fossem considerados prejudiciais a ordem pblica.11 Associaes operrias passaram a ser invadidas por policiais; comcios anarquistas foram proibidos e agentes policiais Associaes operrias passaram a ser invadidas por policiais; comcios anarquistas foram proibidos e agentes policiais comearam a encontrar bombas espalhadas no centro da cidade do Rio de Janeiro e a atribu-las a atos anarquistas (GOMES, 2005, p. 135).12 Criao da Confederao Geral do Trabalho (CGT). Ele era o topo da pirmide que abrangia tanto as federaes Criao da Confederao Geral do Trabalho (CGT). Ele era o topo da pirmide que abrangia tanto as federaes sindicais territoriais (por Estado) como as federaes nacionais de acordo com a categoria (MUNAKATA, 1981, p. 43).

  • 126 O incio das idias socialistas no Brasil

    A plataforma poltica apresentada em 1921 agregava medidas legais de melhorias

    operrias como construo de casas populares, a regulamentao das condies de

    higiene e segurana no local de trabalho, entre outras.

    Portanto, a signicante presena do Estado, atravs das leis que protegiam

    os trabalhadores (ou como uma espcie de ponte para o comunismo, isto de acordo

    com o socialismo marxista), tornou as lutas anarquistas incoerentes; anal, seria um

    contra-senso empregar o mtodo anarquista de luta para fazer cumprir as leis. Sendo

    este um dos motivos da crise do movimento anrquico: eles no compreenderam a

    importncia da conquista de uma legislao social, j que eram contra a interveno

    estatal nas relaes entre operrios e patres.

    Tambm importante salientar que, durante o Governo do presidente Arthur

    Bernardes, a mobilizao dos trabalhadores se tornou reduzida, tendo desaparecido

    inmeras associaes de classe e escasseado as greves operrias (GOMES, 2005, p.

    144).

    Iniciou-se, assim, um perodo de grande represso aos movimentos dos

    trabalhadores e ao mesmo tempo uma interveno estatal mais ampla nos direitos e

    deveres do operariado.

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