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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001549 1 INICIAÇÃO À FLAUTA DOCE:UMA PRÁTICA DE ENSINO SIGNIFICATIVA Thelma Nunes Taets – UFRJ Maria Judith Sucupira da Costa Lins – UFRJ Thelma Nunes Taets - Mestranda em Educação Musical pela Escola de Música da UFRJ (2012). Licenciada em Música pela UFRJ (1978). Bacharel em Piano pela UFRJ (1976). Professor I – Educação Musical na Escola Municipal Silveira Sampaio. Maria Judith Sucupira da Costa Lins - Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pesquisa sobre a prática de ensino coletivo de iniciação à Flauta Doce em um núcleo de extensão escolar, situado em escola municipal de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro cujo objetivo foi avaliar as possibilidades de aplicação da Prática de Ensino a partir da nota Mi como condutora da aprendizagem motora na performance instrumental e facilitadora da compreensão da grafia musical no ensino coletivo da Flauta Doce nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação numa proposta descritivo-explicativa com abordagem qualitativa. Resultados: em relação à grafia novas contribuições são desenvolvidas: o uso de partituras em diferentes níveis de conhecimento, a visualização das notas em estudo dentro de um contexto melódico, não de forma isolada e o uso de canetas coloridas, tipo marca texto; em relação à execução instrumental, o uso das bases instrumentais, das notas guias e do posicionamento articulado da técnica do queixo. Esta pesquisa gerou conhecimentos para a Prática de Ensino visando a solução de problemas de compreensão da grafia musical e da execução instrumental da Flauta Doce. As conclusões mostram desenvolvimento técnico específico do instrumento e interação no contexto sócio histórico, ao considerar os vínculos pessoais, presente nas aulas, que se estabelecem e qualificam a performance musical. Nas atividades relatadas nesta pesquisa, a abordagem inicial dos conceitos musicais a partir da nota Mi se traduz em Prática de Ensino que atende às necessidades do cotidiano da sala de aula e que, no futuro, poderá enriquecer as práticas musicais. Palavras-chave: Flauta doce; ensino coletivo; leitura e escrita; execução musical; aprendizagem motora. 1. Introdução A experiência como professora de música em escolas de Educação Básica – Educação Infantil e Ensino Fundamental – da rede pública e privada, e em instituições de Organizações Não Governamentais (ONGs) por mais de 30 anos, traz à reflexão sobre o espaço ocupado pela educação musical e as práticas desenvolvidas em sala de aula. Jovens e crianças que decidem estudar um instrumento estão freqüentemente motivados por gostarem de música, mas isso não é suficiente. A motivação desses alunos tem que ser estimulada continuamente.

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Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001549

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INICIAÇÃO À FLAUTA DOCE:UMA PRÁTICA DE ENSINO SIGNIFICATIVA

Thelma Nunes Taets – UFRJ Maria Judith Sucupira da Costa Lins – UFRJ

Thelma Nunes Taets - Mestranda em Educação Musical pela Escola de Música da UFRJ (2012). Licenciada em Música pela UFRJ (1978). Bacharel em Piano pela UFRJ (1976).

Professor I – Educação Musical na Escola Municipal Silveira Sampaio.

Maria Judith Sucupira da Costa Lins - Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Trata-se de uma pesquisa sobre a prática de ensino coletivo de iniciação à Flauta Doce em um núcleo de extensão escolar, situado em escola municipal de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro cujo objetivo foi avaliar as possibilidades de aplicação da Prática de Ensino a partir da nota Mi como condutora da aprendizagem motora na performance instrumental e facilitadora da compreensão da grafia musical no ensino coletivo da Flauta Doce nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação numa proposta descritivo-explicativa com abordagem qualitativa. Resultados: em relação à grafia novas contribuições são desenvolvidas: o uso de partituras em diferentes níveis de conhecimento, a visualização das notas em estudo dentro de um contexto melódico, não de forma isolada e o uso de canetas coloridas, tipo marca texto; em relação à execução instrumental, o uso das bases instrumentais, das notas guias e do posicionamento articulado da técnica do queixo. Esta pesquisa gerou conhecimentos para a Prática de Ensino visando a solução de problemas de compreensão da grafia musical e da execução instrumental da Flauta Doce. As conclusões mostram desenvolvimento técnico específico do instrumento e interação no contexto sócio histórico, ao considerar os vínculos pessoais, presente nas aulas, que se estabelecem e qualificam a performance musical. Nas atividades relatadas nesta pesquisa, a abordagem inicial dos conceitos musicais a partir da nota Mi se traduz em Prática de Ensino que atende às necessidades do cotidiano da sala de aula e que, no futuro, poderá enriquecer as práticas musicais. Palavras-chave: Flauta doce; ensino coletivo; leitura e escrita; execução musical; aprendizagem motora.

1. Introdução

A experiência como professora de música em escolas de Educação Básica –

Educação Infantil e Ensino Fundamental – da rede pública e privada, e em instituições

de Organizações Não Governamentais (ONGs) por mais de 30 anos, traz à reflexão

sobre o espaço ocupado pela educação musical e as práticas desenvolvidas em sala de

aula.

Jovens e crianças que decidem estudar um instrumento estão freqüentemente

motivados por gostarem de música, mas isso não é suficiente. A motivação desses

alunos tem que ser estimulada continuamente.

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Ausubel (2001) afirma que o processo de aprendizagem não se trata de simples

ajuntamento de saberes, mas implica uma maneira de pensar e aferir atribuição de

significado ao que vai ser ensinado e na forma como vai ser ensinado.

A Flauta Doce é um instrumento tradicionalmente utilizado nas classes de

Educação Musical no Ensino Fundamental do ensino público e privado de Educação

Básica, nas séries iniciais e intermediárias.

Dos métodos tradicionais e popularizados dentro da literatura da Flauta Doce,

que trazem a nota Si como posição inicial podemos concluir que ela que não favorece a

aprendizagem motora e a grafia musical. Quanto à aprendizagem motora: (a) a nota Si é

uma nota de posição aberta; (b) uso somente da mão esquerda, polegar e dedo

indicador; (c) mão direita não tem posição definida; (d) não proporciona ao aluno

iniciante o sentido real de peso e equilíbrio do instrumento; e (e) o desconforto do aluno

para segurar o instrumento. Quanto à grafia, destacamos a dificuldade do aluno iniciante

para a compreensão do processo de leitura e escrita que começa a se estabelecer ao se

deparar com o símbolo colocado na terceira linha do pentagrama.

Nesse contato inicial o aluno está desconfortável entre muitas novidades que se

seguem: (a) encontrar o equilíbrio para segurar o instrumento; (b) colocar os dedos e

mãos na posição correta; (c) emitir e ouvir o som que se produz; e (d) observar a relação

linha-espaço do pentagrama com o som que se produz.

Podemos observar o quão mais fácil é perceber o símbolo escrito na primeira

linha da pauta, a partir da nota Mi. A notação gráfica da nota Mi, seguida da nota Fá é

favorecida visualmente pela posição na 1ª linha da pauta e apresenta outras

possibilidades para o processo de ensino e aprendizagem da flauta doce, o que justifica

o empenho em pesquisar e avaliar essa contribuição. No estudo que se apresenta, opta-

se pela nota Mi seguida da nota Fá por meio da posição fechada para iniciar o ensino e

aprendizagem da flauta doce e o processo de aquisição da leitura-escrita musical.

Neste estudo procuramos apresentar os símbolos como um conhecimento em

construção e dentro de contextos enriquecidos pelo sentido musical, articulando sempre

o conhecimento de um som novo ao conhecimento que o aluno já sabe. Na

hierarquização, sistematização e construção do conhecimento musical integrou-se

corpo, movimento e som nas inúmeras possibilidades para propiciar a interação com o

universo sonoro e destacar que a aprendizagem abrange o físico, o cognitivo e o afetivo.

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Devemos considerar a importância da relação música-corpo-instrumento desde o inicio

do processo de ensino-aprendizagem como destaca Pederiva (2004).

2. Questão problema

Observamos que bons alunos, interessados na aprendizagem musical,

demonstraram dificuldades na percepção e compreensão da relação de altura dos sons e

sua grafia. Por que não compreendiam? No intuito de responder a essa indagação é que

esta pesquisa foi desenvolvida propondo uma nova metodologia, um novo olhar para o

ensino coletivo da flauta doce.

Nesse contexto de inquietação de um professor, observador e estudioso na área

de educação musical, nasceu a questão para pesquisa em educação musical. Pergunta-

se: a abordagem inicial por meio da nota Mi – posição fechada - pode ser considerada

facilitadora da compreensão da leitura-escrita musical e condutora do sentido sensório-

motor, quando aplicada ao ensino coletivo da Flauta Doce em alunos das séries iniciais

e intermediárias da Educação Fundamental, em experimentação, numa unidade escolar

de extensão – Núcleo de Arte – da cidade do Rio de Janeiro?

3. Objetivo

Avaliar a nota Mi como condutora da aprendizagem motora no desempenho

instrumental e facilitador da compreensão da grafia musical no ensino coletivo da

Flauta Doce a partir das séries iniciais do Ensino Fundamental.

4. Metodologia

Trata-se de uma pesquisa-ação do tipo descritivo-explicativa com abordagem

qualitativa dos dados buscando identificar e explicar possíveis estratégias que

determinassem ou contribuíssem para um aprimoramento do ensino e aprendizagem da

flauta doce como instrumento musicalizador.

A técnica escolhida para a coleta dos dados foi a observação participante que,

segundo Gil (1999), é aquela em que o observador assume, pelo menos até certo ponto,

o papel de membro de um grupo. Então se pode definir observação participante como a

técnica pela qual se chega ao conhecimento das características de um grupo a partir do

interior dele mesmo.

Os materiais usados para a coleta de dados foram: (a) flautas doce soprano; (b)

teclado Yamaha PSR 540; (c) acompanhamento pré gravado; (d) estantes de partituras;

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(d) duas mesas para execução de atividades; (f) cadeiras para alunos; (g) folhas

pautadas; e (h) partituras manuscritas pela autora.

Os dados foram coletados durante as aulas ministradas por três meses

consecutivos num total de doze semanas, em 24 oficinas de Flauta Doce com duração

de oitenta minutos cada uma e com o uso de um repertório específico de doze músicas,

uma música para cada semana.

O acompanhamento das aulas de Flauta Doce foi previamente gravado em

formato MIDI – Musical Instrument Digital Interface, ou Interface Digital para

Instrumentos Musicais que é uma tecnologia padronizada de comunicação entre

instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos – planejado para enriquecer a

vivência musical da sala de aula e dar significado às notas e canções que o aluno está

estudando. O acompanhamento pré-gravado veio proporcionar uma disponibilidade

maior de ação no atendimento aos alunos durantes as aulas. Segundo Willems (apud

FONTERRADA, 2008) os elementos sonoros se apresentam em favor de uma

construção musical, tecendo uma teia para a afetividade através da memória, da

imaginação e da audição interior, igualmente presentes na escuta sensível.

Procedimentos pedagógicos para coleta de dados

As estratégias de ação que consideramos como propostas interativas foram levar:

• o aluno a sentir o ritmo da canção através de movimentos corporais, em

roda ou em dupla através da realização de passos, do andar, do bater

palmas, do estalar os dedos;

• o aluno a cantar a letra da canção ao som do acompanhamento

vivenciando o ritmo da canção com movimentos corporais;

• o aluno a cantar as notas musicais da canção ao som do

acompanhamento;

• o aluno a tocar as notas musicais em estudo, de cada canção, por meio da

utilização da técnica do queixo. Destacamos que o aluno mantém a flauta

doce apoiada no queixo enquanto realiza toda a movimentação do

dedilhado sem se preocupar com a emissão do sopro. Primeiramente, ao

som do acompanhamento e depois sem acompanhamento. Dessa forma,

empenham-se à obtenção dos resultados viso-tátil-espacial e motor, que

fundamentam a aprendizagem motora e, portanto, contribuem para

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fundamentar a nossa proposta de ensino e aprendizagem de iniciação à

Flauta Doce a partir da nota Mi.

Das duas aulas semanais, com duração de 80 minutos cada, uma foi

exclusivamente dedicada a atender os alunos iniciantes e a outra contou com a presença

dos alunos mais adiantados. Nesta última, os alunos demonstram as habilidades

adquiridas e participam ativamente do processo de ensino-aprendizagem como

mediadores do conhecimento através das trocas mútuas e da prática social do fazer

música.

Em nossa proposta utilizamos atividades musicais do cotidiano infantil, de forma

interativa e fundamentada na importância destacada à afetividade como função

desencadeadora do agir e do pensar humanos, para motivar os alunos. Vygotsky apud

Souza e Costa (2004) identificou na afetividade o seu caráter social, amplamente

dinâmico e construtor da personalidade humana e elo entre as interações sociais na

busca do saber. Small (1995) ampliou esse pensamento ao destacar que o significado

encontrado pelo aluno no que faz, está diretamente ligado às relações interpessoais e à

qualidade dos relacionamentos daqueles que estão envolvidos nessa prática musical

promovendo, dessa forma, um sentido de pertencimento e de identidade.

Repertório utilizado

A escolha do repertório é significativa e pode fomentar uma metodologia,

apresentando por meio das partituras os vários níveis de conhecimento musical.

Musica 1 Criança 2000, autor Pe. Zezinho, adaptada para Criança 2010

atendendo o ano em que ocorreu esta pesquisa; Música 2 Eu conto pra você, autora Jael

Santana; Música 3 O trem de ferro, canção folclórica brasileira.; Música 4 Pega no

ganzê, canção folclórica brasileira em forma de Cânone; Música 5 Chorinho, autora

Maria Meron; Música 6 Kamalondo, canção tradicional africana; Música 7 Sinos de

Natal, do original Jingle Bells, autor James Pierpont; Música 8 É Natal, autor Marco

Antonio Hailer; Música 9 Noite Feliz, autor Franz Gruber; Música10 Aleluia, autor

William Boyce;Música 11 Asa branca, autor Luiz Gonzaga; Música 12 Tema da

Vitória, autor Eduardo Souto Neto. Músicas extras: Minha Canção, autor Chico

Buarque de Holanda e o tema do filme Titanic, My heart will go on, autor James

Horner.

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Todo o repertório foi pré gravado e apresentado aos alunos por meio de um

acompanhamento instrumental durante as aulas da prática de ensino de flauta doce.

Dessa forma possibilitou ao aluno, segundo Vygotsky (1989) a antecipação dos passos

futuros do seu desenvolvimento, o que foi importante para a construção e fixação dos

conceitos.

Resultados e Discussão

Nos gráficos 1 e 2, em anexo, apresentamos os resultados que foram encontrados

e registrados nos contatos iniciais e finais, na 1ª e na 12ª semana.

Cada atividade foi avaliada usando o seguinte critério: Regular (R) o aluno não

atingiu os objetivos; Bom (B) o aluno atingiu os objetivos e Muito Bom (MB) o aluno

superou as expectativas. Os resultados apurados nas três atividades podem ser

observados nos quadros de 1 a 8 a seguir, representando, cada um deles, uma semana de

aula.

Procuramos evidenciar um ensino que estimulasse a criança a atingir um nível

de compreensão e habilidade que ainda não dominava completamente no decorrer das

doze semanas, tendo como fundamental o papel do ensino e do professor.

Na primeira semana – 24 e 26 de agosto de 2010 - foram trabalhados os

conceitos Mi-Fá – Posição fechada e, para tanto foi utilizada a canção Criança 2010,

adaptada para Criança 2010, atendendo ao ano da realização da pesquisa.

Em relação à execução verificou-se que 36% obtiveram o conceito regular e

64% dos alunos obtiveram o conceito bom (B). Por sua vez, no aspecto de participação,

os alunos tiveram conceitos mais elevados, uma vez que todos se envolveram. Portanto,

a nenhum deles foi atribuído o conceito regular, 43% dos alunos tiverem o conceito

bom (B) e, a maioria (57%), o conceito muito bom (MB).

Desde o primeiro contato do aluno com a flauta doce a proposta interativa se fez

ação por meio do cantar e tocar, do ouvir e tocar, dos gestos expressivos e dos

movimentos corporais tanto para sentir a música, como para adequar os materiais e

móveis da sala. Para Small (1995) a performance musical, tem início na preparação dos

espaços para a realização das atividades relacionadas à natureza de uma performance. É

o que observamos com a arrumação inicial das cadeiras em círculo e a distribuição das

flautas, pois a maioria dos alunos utiliza o material fornecido pelo professor. Podemos,

portanto, destacar que o pensamento de Small (1995) condiz com o que aconteceu nas

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nossas aulas: um ritual no espaço escolar. E com Vygotsky (1989), Small (1995) e

Ausubel (2001) dois fatos se estabeleceram em paralelo: (a) nos encontros e nas

relações interpessoais, no sentido de pertença entre os participantes, o valor social e a

identidade cultural; (b) nas aulas, com a evolução das aprendizagens, o sentido entre o

conhecimento prévio e o novo.

Nesses primeiros momentos não houve preocupação com a grafia impressa e sim

com a produção do som, com o equilíbrio do instrumento e com o movimento das mãos

e dedos no instrumento para estabelecer o uso da posição fechada na condução da nossa

proposta.

Ausubel (apud LINS, 2004, p. 632), afirma que é importante criar um vínculo a

um conhecimento prévio para ancorar a nova informação e “é a partir do que o aluno já

aprendeu que todas as experiências acontecerão e todas as aprendizagens propostas pelo

professor poderão ser adquiridas.”

Fundamentada nessa afirmação foi utilizado o recurso da numeração relacionada

às posições das notas Mi e Fá, o que pode ter contribuído para a fixação do dedilhado e

um bom índice na execução instrumental dos alunos.

Na 12ª semana de atividades - 30 de novembro e 2 de dezembro de 2010 - a

música Tema da Vitória foi trabalhada com os alunos. Os alunos já haviam vivenciado

toda a escada, das notas graves às notas agudas, isto é de Dó médio ao Dó agudo.

Com a música Tema da Vitória, os alunos tiveram outra oportunidade para

aplicar os conhecimentos aprendidos, em novo contexto. Segundo Ausubel (2001)

houve a aplicação de uma diferenciação progressiva, onde passo a passo os alunos

foram destacando as semelhanças e as diferenças entre os sons. Observaram as notas de

posição aberta e fechada, as notas de linha e de espaço e foram estabelecendo novas

relações entre os conceitos. Dessa forma obtiveram uma melhor fixação dos

conhecimentos.

Os resultados da iniciação à flauta doce, realizada em 12 semanas e em período

correspondente a três meses de aulas, proposto no estudo, apresentaram um

desenvolvimento real e significativo. A partir de uma prática musical escolar sócio

interativa que viabilizou uma imersão em ambiente musical, trocas interpessoais

(VYGOTSKY, 1989) e o estabelecimento de um fazer musical na construção de uma

performance (SMALL,1995), constatou-se um exemplo de aprendizagem que gerou o

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desenvolvimento das habilidades musicais referentes ao aprendizado da flauta doce e

que puderam ser comprovadas pelos resultados obtidos.

Em relação à música Tema da Vitória, os resultados apurados quanto à

execução, leitura e grafia e participação dos alunos foram de 100% para o conceito MB.

Dessa forma considerou-se não só o que o aluno realizou de forma independente, mas

tudo o que o aluno realizou com a mediação do grupo e do próprio professor

(VYGOTSKY, 1989), como foram observados, principalmente, nos alunos mais novos

do grupo, os alunos de oito anos e naqueles que tiveram algumas faltas no início do do

processo de iniciação.

Ausubel (2001) afirma que conceitos bem aprendidos e assimilados ajudam o

aluno a estabelecer novas conexões fazendo com que víssemos que, por meio desse

conceito inicial de posição fechada relativo às notas Mi e Fá, o aluno desenvolvesse as

outras posições para o aprendizado da flauta doce, chegando ao domínio de toda a

escala de Dó.

Vimos pelo exposto, que algumas estratégias se destacaram durante a evolução

da aprendizagem de Flauta Doce. Podemos citar, no tema grafia, o uso das canetas

coloridas, tipo marca texto e a forma como e porque foram utilizadas; no tema execução

e aprendizagem motora, o uso da técnica do queixo e quando foi aplicada. As notas

destacadas são relacionáveis à escuta, portanto são notas guias ou guides notes – notas

que fazem parte da harmonização da música utilizadas pela professora / pesquisadora,

como recurso para guiar a execução dos alunos iniciantes. Apontamos essas estratégias

pelo seu ineditismo e porque essas ferramentas poderão instigar e fundamentar outras

discussões sobre novas maneiras de proceder em prol do conhecimento.

Em toda nossa prática de sala de aula, nos questionamos de quê forma ensinar

que encontrasse ressonância na vida dos alunos? Lembramos que “como ser social, os

alunos não são iguais, constroem-se nas vivências e nas experiências sociais” (SOUZA,

2004, p.10) e por meio das oficinas de instrumento musical, em específico, as aulas de

flauta doce realizadas em um espaço vivo, a escola, poderão “articular a inserção dos

alunos em seu meio sociocultural, contribuindo para tornar a relação com o ambiente

mais significativa e participante (PENNA, 2010, p.44).

Observamos o envolvimento e o sentido de pertencimento evidenciado nas

relações entre os participantes do grupo durante o período de doze semanas, onde o

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crescimento dos conhecimentos musicais foram comprovados nas aulas e na

apresentação ocorrida após a oitava semana.

Em relação à música Tema da Vitória, estudada nessa última semana de aula e

apresentada pelo grupo no encerramento das aulas, os procedimentos usados foram os

anteriormente apresentados e discutidos ao longo do processo de iniciação à flauta doce,

que desenvolvemos e descrevemos nesta dissertação. Foram eles:

(a) partituras diversificadas em duas versões básicas: uma versão adaptada para

o uso da flauta doce em Mi para atender os alunos iniciantes e aqueles que estão em

processo de desenvolvimento, outra mais complexa, envolvendo mais conhecimentos e

mais habilidades. Essa necessidade de partituras com níveis diferentes de conhecimento

foi observada no decorrer das aulas e visamos atender, de um lado, àqueles que

apresentaram uma evolução mais rápida em menor tempo e de outro lado, àqueles que

ainda precisavam de mais tempo naquele conhecimento. Dessa forma pretendemos

alcançar a diversidade que se apresentou no grupo.

Com o uso das canetas coloridas do tipo marca texto, fizeram o reconhecimento

das notas, tanto na partitura mais simples, como na mais complexa. Em seguida tocaram

cada um segundo as suas possibilidades, integrados ao grupo. Na segunda opção, o

aluno observou um contexto musical maior, envolvendo mais notas, conhecidas e

desconhecidas e abrindo perspectivas futuras de aprendizagem;

(b) audição da música, sentir, cantar e movimentar-se, uso de gestos

expressivos, apreensão sensório-motora;

(c) escuta com acompanhamento viso-tátil e uso da partitura;

(d) uso da técnica do queixo, utilizado para vencer as dificuldades apresentadas.

Os alunos posicionaram a flauta doce no queixo e guiados pela audição da base

instrumental acompanharam, no instrumento, as posições da música em estudo.

Praticaram o solfejo rítmico e melódico, isto é, falaram ou entoaram o nome das notas,

numa atividade de reconhecimento dos sons, auditivo e viso-tato-espacial para a

compreensão integral da execução musical. É, portanto, uma ferramenta de apoio.

Nesta situação foi possível constatar e utilizar, em vários momentos, a sugestão dos

próprios alunos para sua aplicação. Essas ações se constituíram no que Small (1995)

chamou de ritual de aprendizagem, o que vimos no cotidiano das nossas aulas de Flauta

Doce.

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Observamos que música Tema da Vitória tão freqüente nos meios de

comunicação à época de Ayrton Senna, permaneceu na memória dos admiradores de

corridas de carros da Fórmula I. Esse fato ficou evidenciado na relação dos alunos com

a música e com o meio, demonstrando a interdependência das ações entre sociedade,

música e educação (SMALL, 1995).

A familiarização com eventos automobilísticos - a escola fica próxima do

Autódromo - proporcionou o entrelaçamento cultural e facilitou significativamente a

aprendizagem. Constatamos esse fato por meio da receptividade manifestada pelo grupo

e por seus familiares, bem como por alunos da escola, externos ao grupo de Flauta

Doce, ao demonstrarem entusiasmo e apoio aos alunos participantes das aulas de Flauta

Doce. Observamos dessa forma, a importância de um repertório contextualizado sócio

historicamente na vivência e nas expectativas do aluno.

Lembramos que, durante o desenvolvimento do processo de iniciação musical

aplicado à Flauta Doce, a partir da nota Mi, contamos com a colaboração de dois

estagiários graduandos em música. Os alunos tiveram desse modo, uma ampliação

maior no direcionamento das aprendizagens e um engajamento em uma atividade, que

consideramos socialmente relevante.

Em uma “oficina, a música não é tomada pronta, a ser aprendida e repetida, mas

a ser construída pela ação do aluno” (PENNA, 2010, p.27), fato que pudemos observar

no cotidiano das nossas aulas, visto que trouxe em si, a possibilidade do novo.

Conclusões/recomedações

No ensino coletivo de Flauta Doce foram reunidos alunos e professores de

universos diferentes e esses alunos e professores tiveram que lidar com situações novas

e muitas vezes imprevisíveis sejam elas em relação aos materiais disponíveis, às

questões pertinentes ao desenvolvimento das aprendizagens, ao conteúdo trabalhado ou

à chegada de outros alunos. Isto significou que o desafio foi sempre uma presença

constante no cotidiano da sala de aula.

Apresentamos e experimentamos outro conjunto de idéias, exemplos e

seqüências pedagógicas que trouxeram uma nova perspectiva para o ensino e

aprendizagem da flauta doce. Além de continuar a exercer a função de ferramenta nas

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aulas de musicalização, a Flauta Doce também pôde assumir uma postura de

instrumento autônomo inserido num contexto dinâmico.

Esperamos que, dessa forma a Flauta Doce venha a contribuir significativamente

nos processos de aprendizagem musical e instrumental, bem como nos de socialização e

permanência escolar.

Nas atividades relatadas nesta pesquisa, a abordagem inicial dos conceitos

musicais a partir da nota Mi vem se traduzir em respostas pedagógicas para as

necessidades que encontramos no cotidiano da nossa sala de aula e que, no futuro,

poderá ser a resposta para outras salas de aula.

Diante dos resultados evidenciados de 100% para o conceito MB na execução,

na leitura e grafia e ainda na participação integral dos alunos, bem como das análises

feitas possibilitamos aos futuros professores destacarem os pontos positivos,

examinarem e eliminarem os aspectos negativos e ainda apontarem o que pode ser

melhorado destes processos de aprendizagem musical realizados, por suas próprias

interpretações.

A partir desse ensino coletivo de flauta doce na educação básica da escola

regular é possível afirmar, fundamentados em Small , Vygotsky e Ausubel, a

importância de se estabelecer esta nova metodologia de ensino e aprendizagem da

Flauta Doce e com ela, outras possibilidades de ensino e pesquisa virão.

Referências bibliográficas

ÁLVARES, Sergio Luis de Almeida. Teorias do desenvolvimento cognitivo e considerações sobre o aprendizado da música. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS. 2005, Curitiba. Anais... 2005, p. 63-71.

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FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2. Ed. São Paulo: UNESP, 2008.

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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001559

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AnexosGráfico 1 – 1ª Semana – conceito Mi-Fá – Posição fechadaFonte – dados apurados pela pesquisadora

Gráfico 2 – 12ª Semana– conceitos Ré4-Mi4; Si-Ré 4;Si-Dó4.

Fonte – dados apurados pela pesquisadora

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001560