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Informativo 955-STF (16/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 955-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processos não comentados pelo fato não ter tido o mérito analisado ou pelo fato de não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: ADI 3567/MA; RE 817338/DF; RE 636553/RS; MS 35992/RS. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Uma lei que tenha destinatários determináveis continua possuindo caráter abstrato e geral e pode ser impugnada por meio de ADI Mesmo que uma lei seja fruto de acordo homologado judicialmente, ela poderá ser objeto de ADI, não havendo violação da coisa julgada material. MINISTÉRIO PÚBLICO Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO COLETIVO Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS. DIREITO PENAL CORRUPÇÃO PASSIVA Deputado Federal que recebe propina para apoiar permanência de diretor de estatal comete crime de corrupção passiva. LAVAGEM DE DINHEIRO Não configura o crime de lavagem a conduta do agente que esconde as notas de dinheiro recebido como propina nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias. DIREITO PROCESSUAL PENAL COMPETÊNCIA Senador que pratica corrupção passiva que não está relacionada com seu cargo e que não ofende bens, serviços ou interesse da União, deverá ser julgado em 1ª instância pela Justiça comum estadual. NULIDADES O advogado do réu delatado deverá, obrigatoriamente, estar presente no interrogatório do corréu delator. DIREITO TRIBUTÁRIO DIREITO FINANCEIRO É constitucional o art. 9º da Lei 7.990/89, que prevê que os Estados devem repassar a todos os Municípios de seu território 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais.

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Informativo comentado: Informativo 955-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Processos não comentados pelo fato não ter tido o mérito analisado ou pelo fato de não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: ADI 3567/MA; RE 817338/DF; RE 636553/RS; MS 35992/RS.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ▪ Uma lei que tenha destinatários determináveis continua possuindo caráter abstrato e geral e pode ser impugnada

por meio de ADI ▪ Mesmo que uma lei seja fruto de acordo homologado judicialmente, ela poderá ser objeto de ADI, não havendo

violação da coisa julgada material. MINISTÉRIO PÚBLICO ▪ Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCESSO COLETIVO ▪ Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS.

DIREITO PENAL

CORRUPÇÃO PASSIVA ▪ Deputado Federal que recebe propina para apoiar permanência de diretor de estatal comete crime de corrupção

passiva. LAVAGEM DE DINHEIRO ▪ Não configura o crime de lavagem a conduta do agente que esconde as notas de dinheiro recebido como propina

nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA ▪ Senador que pratica corrupção passiva que não está relacionada com seu cargo e que não ofende bens, serviços ou

interesse da União, deverá ser julgado em 1ª instância pela Justiça comum estadual. NULIDADES ▪ O advogado do réu delatado deverá, obrigatoriamente, estar presente no interrogatório do corréu delator.

DIREITO TRIBUTÁRIO

DIREITO FINANCEIRO ▪ É constitucional o art. 9º da Lei 7.990/89, que prevê que os Estados devem repassar a todos os Municípios de seu

território 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Uma lei que tenha destinatários determináveis continua possuindo

caráter abstrato e geral e pode ser impugnada por meio de ADI

Mesmo que uma lei seja fruto de acordo homologado judicialmente, ela poderá ser objeto de ADI, não havendo violação da coisa julgada material

O fato de uma lei possuir destinatários determináveis não retira seu caráter abstrato e geral, tampouco a transforma em norma de efeitos concretos.

STF. 1ª Turma. RE 1186465 AgR/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Foi proposta ADI contra lei municipal. O TJ não conheceu da ação sob o argumento de que a lei impugnada seria fruto de um acordo homologado judicialmente. Logo, não seria possível rediscutir a matéria por meio de ação direta de inconstitucionalidade, considerando que haveria violação à coisa julgada material. O STF concordou com essa conclusão?

NÃO. O fato de a lei ter sido aplicada em casos concretos, com decisões transitadas em julgado, em nada interfere na possibilidade dessa mesma norma ser analisada, abstratamente, em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

Acordos homologados judicialmente jamais podem afastar o controle concentrado de constitucionalidade das leis.

STF. 1ª Turma. RE 1186465 AgR/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Imagine a seguinte situação com adaptações em relação ao caso concreto: O Município de Palmas (TO) editou lei transformando cargos de analista técnico jurídico em Procurador do Município. Confira:

Art. 2º da Lei 1.428/2006: Ficam extintos os cargos de Analista Técnico Jurídico e os servidores efetivos ocupantes deste cargo serão aproveitados na carreira de Procurador do Município, devendo ingressar, inicialmente, no Nível I, Referência A, conforme preceitua a presente Lei.

O Prefeito ajuizou, no Tribunal de Justiça, Ação Direta de Inconstitucionalidade contra esta lei. O TJ não conheceu da ADI proposta. Um dos argumentos foi o de que a norma impugnada seria uma lei de efeitos concretos, de sorte que não poderia ser impugnada por meio de ADI. O STF concordou com essa conclusão? NÃO. O STF tem entendimento consolidado no sentido de que o fato de uma lei possuir destinatários determináveis não lhe retira o caráter abstrato e geral, tampouco lhe transforma em uma lei de efeitos concretos.

O fato de uma lei possuir destinatários determináveis não retira seu caráter abstrato e geral, tampouco a transforma em norma de efeitos concretos. STF. 1ª Turma. RE 1186465 AgR/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Outro argumento invocado pelo TJ para não conhecer da ADI foi o fato de que a lei impugnada seria fruto de um acordo homologado judicialmente. Logo, não seria possível rediscutir a matéria por meio

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de ação direta de inconstitucionalidade, considerando que haveria violação à coisa julgada material. O STF concordou com essa conclusão? NÃO.

O fato de a lei ter sido aplicada em casos concretos, com decisões transitadas em julgado, em nada interfere na possibilidade dessa mesma norma ser analisada, abstratamente, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Assim, acordos homologados judicialmente jamais podem afastar o controle concentrado de constitucionalidade das leis. STF. 1ª Turma. RE 1186465 AgR/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Vale ressaltar que é possível que o Poder Judiciário produza decisões que conflitem com a própria Constituição Federal, gerando a chamada coisa julgada inconstitucional, de modo que não apenas atos do Poder Legislativo têm o condão de ser declarados inconstitucionais. Desse modo, não pode prevalecer a afirmação do TJ no sentido de que a norma tida por viciada não pode ser objeto de ADI, pois se discute aqui a constitucionalidade da lei impugnada, e não o trânsito em julgado dos acordos homologados judicialmente.

MINISTÉRIO PÚBLICO Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS

Importante!!!

Atenção! Ministério Público

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).

Em provas, tenha cuidado com a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Se for cobrada a mera transcrição literal deste dispositivo em uma prova objetiva, provavelmente, esta será a alternativa correta.

Veja comentários em Direito Processual Civil.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCESSO COLETIVO Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS

Importante!!!

Atenção! Ministério Público

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).

Em provas, tenha cuidado com a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Se for cobrada a mera transcrição literal deste dispositivo em uma prova objetiva, provavelmente, esta será a alternativa correta.

FGTS O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa. Atualmente, o FGTS é regido pela Lei nº 8.036/90. O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho. Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”). Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei. Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90). O art. 20 desta Lei prevê as hipóteses nas quais a conta do FGTS pode ser movimentada, ou seja, os casos nos quais o trabalhador poderá levantar (“sacar”) o valor depositado em sua conta do FGTS. A Caixa Econômica Federal – CEF (empresa pública federal) exerce o papel de agente operador do FGTS (art. 4º da Lei nº 8.036/90), sendo ela a responsável por manter e controlar as contas vinculadas do FGTS. Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Procurador da República (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal pedindo para que, havendo as movimentações previstas no art. 20, I, II, IX e X, da Lei nº 8.036/90, seja feita a liberação de todas as contas de titularidade do empregado, e não somente da conta atrelada ao último vínculo de trabalho.

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Arguição de ilegitimidade do MP Em contestação, a CEF alegou que o MP não tinha legitimidade para ajuizar ACP tratando sobre o tema em virtude da vedação contida no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):

Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Além disso, a CEF argumentou que, na referida ação, o Ministério Público está tutelando direitos individuais homogêneos que são disponíveis, de forma que isso não se amolda às funções institucionais conferidas ao Parquet no art. 127 da CF/88. A questão chegou até o STF. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública neste caso? SIM.

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).

Direitos individuais homogêneos de caráter social O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos? 1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor). 2) Se esses direitos forem disponíveis: depende. O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se houver relevância social). Nesse sentido:

(...) 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre

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a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). (...) STF. Plenário. RE 631111, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 07/08/2014.

FGTS tem enorme relevância social O Ministério Público possui legitimidade constitucional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque esta demanda tutela direitos individuais homogêneos, mas que apresenta relevante interesse social. No exemplo dado, o Ministério Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores. Vale ressaltar que o FGTS é um direito social previsto no inciso III do art. 7º da CF/88, constituindo-se em direito fundamental. Mas e a vedação do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/85? É necessário que seja feita uma interpretação conforme a Constituição Federal do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, ou seja, é necessário que esse dispositivo seja lido em conformidade com o texto constitucional. O objetivo desta previsão foi apenas o de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias. Assim, esse art. 1º, parágrafo único não constitui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais homogêneos. Se o Ministério Público está propondo uma ação civil pública tratando sobre direitos individuais homogêneos com relevante interesse social, a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da CF/88. Outros exemplos de direitos individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude de envolverem relevante interesse social • valor de mensalidades escolares (STF. Plenário. RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, julgado em 26/2/1997); • contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (STF. 2ª Turma. AI 637.853 AgR/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 17/9/2012); • contratos de leasing (STF. 2ª Turma. AI 606.235 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22/6/2012); • interesses previdenciários de trabalhadores rurais (STF. 1ª Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 29/9/2011); • aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (STF. 1ª Turma. RE 328.910 AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/9/2011); • diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2ª Turma. RE 514.023 AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 5/2/2010).

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DIREITO PENAL

CORRUPÇÃO PASSIVA Deputado Federal que recebe propina para apoiar permanência de

diretor de estatal comete crime de corrupção passiva

É possível que se configure o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP) na conduta de Deputado Federal (líder do seu partido) que receba vantagem indevida para dar sustentação política e apoiar a permanência de determinada pessoa no cargo de Presidente de empresa pública federal.

STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

A situação concreta foi a seguinte: A Procuradora-Geral da República ofereceu denúncia contra Deputado Federal pela suposta prática do crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal:

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Segundo narrou a denúncia, o parlamentar, na condição de líder de partido, teria recebido, por intermédio de assessor, vantagem indevida visando obter apoio para manter determinada pessoa na Presidência de uma empresa pública federal. A denúncia afirma que o Deputado teria deixado de praticar ato de ofício consistente na fiscalização das atividades do Poder Executivo e da Administração Pública indireta, infringindo deveres funcionais atinentes ao mandato parlamentar. Recebimento da denúncia A 1ª Turma do STF recebeu a denúncia quanto ao crime de corrupção passiva. Os ministros entenderam que havia indícios de participação do denunciado no suposto fornecimento de sustentação política com a finalidade de obter vantagens ilícitas oriundas da aquisição de bens e serviços no âmbito da mencionada sociedade de economia mista. Ficou demonstrada, nos autos, a intensa troca de mensagens suspeitas e de ligações efetuadas entre o assessor do Deputado e o beneficiário que pretendia se manter na Presidência da empresa. Ressaltou que cumpre viabilizar, sob o crivo do contraditório, a instrução processual, para que o tema de fundo da imputação, atinente à omissão de ato de ofício com vistas à obtenção de vantagem ilícita, seja analisado. Em suma:

É possível que se configure o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP) na conduta de Deputado Federal (líder do seu partido) que receba vantagem indevida para dar sustentação política e apoiar a permanência de determinada pessoa no cargo de Presidente de empresa pública federal. STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

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LAVAGEM DE DINHEIRO Não configura o crime de lavagem a conduta do agente que esconde as notas de dinheiro

recebido como propina nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias

Não configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) a conduta do agente que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias.

Também não configura o crime de lavagem de dinheiro o fato de, após ter sido descoberto, dissimular (“mentir”) a natureza, a origem e a propriedade dos valores.

STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Segundo a denúncia do Ministério Público, os fatos teriam ocorrido da seguinte forma: “FC”, Presidente de uma empresa pública federal, teria combinado de pagar dinheiro a “AL” (Deputado Federal e líder do seu partido) com o objetivo de que o parlamentar apoiasse a sua permanência na direção da estatal. O dinheiro teria sido entregue, em São Paulo (SP), para “J”, assessor do Deputado. “J” tentou embarcar em um voo de São Paulo com destino a Brasília utilizando passagens aéreas custeadas pelo Deputado Federal. Durante os procedimentos de segurança no aeroporto, constatou-se que “J” carregava R$ 106 mil em espécie. Ao ser detido para explicações, ele afirmou que a quantia pertencia ao parlamentar. A PGR denunciou o Deputado Federal por corrupção passiva (art. 317 do CP) e por lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98):

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

O Ministério Público narrou que o Deputado, com a finalidade de ocultar a quantia ilícita, determinou que “J” camuflasse as notas de dinheiro na roupa (nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias) e o orientou a dissimular a natureza, a origem e a propriedade dos valores, caso fosse surpreendido. A 1ª Turma do STF recebeu a denúncia por corrupção passiva, mas rejeitou quanto ao delito de lavagem. O crime de “branqueamento de capitais” (sinônimo de lavagem de dinheiro) corresponde a conduta delituosa adicional, a qual se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é própria do exaurimento da infração antecedente. Entretanto, a procuradoria-geral da República limitou-se a expor, a título de conduta reveladora de lavagem de dinheiro, a obtenção da vantagem indevida proveniente do delito de corrupção passiva. O ato de receber valores ilícitos integra o tipo previsto no art. 317 do CP, de modo que a conduta de esconder as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, não se reveste da indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no art. 1º da Lei nº 9.613/98. Também se mostram atípicas as condutas apontadas como configuradoras do delito de lavagem de dinheiro na modalidade de dissimulação da origem de valores, visto que ausente ato voltado ao ciclo de branqueamento. A falta de justificativa a respeito da origem da quantia ou a apresentação de motivação inverossímil estão inseridas no direito do investigado de não produzir prova contra si, sem implicar qualquer modificação na aparência de ilicitude do dinheiro.

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Em suma:

Não configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) a conduta do agente que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias. Também não configura o crime de lavagem de dinheiro o fato de, após ter sido descoberto, dissimular (“mentir”) a natureza, a origem e a propriedade dos valores. STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Senador que pratica corrupção passiva que não está relacionada com seu cargo e que não ofende

bens, serviços ou interesse da União, deverá ser julgado em 1ª instância pela Justiça comum estadual

O crime de corrupção passiva praticado por Senador da República, se não estiver relacionado com as suas funções, deve ser julgado em 1ª instância (e não pelo STF). Não há foro por prerrogativa de função neste caso.

O fato de o agente ocupar cargo público não gera, por si só, a competência da Justiça Federal de 1ª instância. Esta é definida pela prática delitiva.

Assim, se o crime não foi praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (inciso IV do art. 109 da CF/88) e não estava presente nenhuma outra hipótese do art. 109, a competência para julgar o delito será da Justiça comum estadual.

STF. 1ª Turma. Inq 4624 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, Senador da República, teria praticado o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP). Vale ressaltar que esse delito não está relacionado com o cargo de Senador. Diante disso, indaga-se: o STF será competente para julgar João? NÃO.

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Em razão desse entendimento, o STF declinou da competência para a 1ª instância. Surge aí uma segunda indagação: quem será competente para julgar o crime, a Justiça Estadual (Juiz de Direito) ou a Justiça Federal (Juiz Federal de 1ª instância)? Depende. A Justiça Federal somente será competente se estiver presente alguma das hipóteses previstas no art. 109 da CF/88. Se o caso não se amoldar a nenhum dos incisos deste artigo, a competência será da Justiça Estadual, que tem caráter residual.

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O simples fato de o crime ter sido cometido por um Senador da República faz com que a competência seja da Justiça Federal? NÃO. O fato de o agente ocupar cargo público não gera, por si só, a competência da Justiça Federal. Esta é definida pela prática delitiva. No caso concreto, o STF entendeu que o crime não foi praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Além disso, não estava presente nenhuma outra hipótese do art. 109. Logo, a competência para julgar o caso seria da Justiça comum estadual (Juiz de Direito). Em suma:

O crime de corrupção passiva praticado por Senador da República, se não estiver relacionado com as suas funções, deve ser julgado em 1ª instância (e não pelo STF). Não há foro por prerrogativa de função neste caso. O fato de o agente ocupar cargo público não gera, por si só, a competência da Justiça Federal de 1ª instância. Esta é definida pela prática delitiva. Assim, se o crime não foi praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (inciso IV do art. 109 da CF/88) e não estava presente nenhuma outra hipótese do art. 109, a competência para julgar o delito será da Justiça comum estadual. STF. 1ª Turma. Inq 4624 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

NULIDADES O advogado do réu delatado deverá, obrigatoriamente, estar presente

no interrogatório do corréu delator

Importante!!!

O advogado de um réu deverá, obrigatoriamente, estar presente no interrogatório do corréu que com ele responde o mesmo processo criminal?

REGRA: não. A presença da defesa técnica é imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. Assim, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra, facultativa.

EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável. Neste caso, deve-se exigir a presença dos advogados dos réus delatados, pois, na colaboração premiada, o delator adere à acusação em troca de um benefício acordado entre as partes e homologado pelo julgador natural. Normalmente, o delator presta contribuições à persecução penal incriminando eventuais corréus, razão pela qual seus advogados devem acompanhar o ato.

Se o advogado do corréu não comparece ao interrogatório do réu delator, haverá nulidade?

Depende:

• Se o corréu foi delatado no interrogatório e seu advogado não compareceu: sim, haverá nulidade.

• Se o corréu não foi delatado no interrogatório: não. Isso porque não houve prejuízo.

STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/9/2019 (Info 955).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João, Pedro, Tiago, Hugo e Vitor estavam respondendo a um processo penal acusados da prática de inexigência indevida de licitação, falsificação de documento público e peculato. João manifestou interesse em colaborar com o processo criminal, delatando os demais acusados e ajudando a recuperar o produto do crime. Foi designado o dia 11/09 para a realização do interrogatório de João. Os demais corréus foram intimados para comparecerem ao ato, mas apenas Pedro e Tiago, com seus respectivos advogados, fizeram-se presentes. No interrogatório, João delatou Pedro e Vitor, imputando-lhes a participação nos crimes. Ao final do processo, Pedro, Tiago, Hugo e Vitor foram condenados e João recebeu perdão judicial. Hugo e Vitor recorreram, alegando nulidade por ausência de defesa técnica durante o interrogatório de João, o delator. Vamos entender o tema com calma. Se o advogado de um réu foi intimado para o interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer, existe nulidade? REGRA: em regra, não. Se o advogado do réu é intimado previamente a respeito da data e do horário do interrogatório do corréu e, mesmo assim, não comparece, não há, em princípio, nulidade. O interrogatório de corréu é ato do juiz, que propicia à defesa dos demais denunciados mera faculdade de participação. A presença da defesa técnica é imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. Em outras palavras, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra, facultativa. O que o juiz deve fazer é garantir que todas as defesas sejam intimadas das datas dos interrogatórios. Se não houver essa intimação, ocorre nulidade. Isso porque se o processo possui mais de um réu, o advogado de um deles tem o direito de estar presente no interrogatório dos corréus e poderá, inclusive, fazer perguntas ao acusado. No entanto, a presença ou não do advogado do réu “A” nos interrogatórios dos corréus “X”, “Y”, “Z” etc. é uma faculdade, uma estratégia da defesa. O causídico deve ser intimado, mas, a partir daí, é dele a decisão de comparecer ou não ao ato designado. EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável. Excepciona-se a regra da faculdade da participação quando há a imputação de crimes pelo interrogado aos demais réus, como nos casos de colaboração premiada. Nessas hipóteses, deve-se exigir a presença dos advogados dos réus delatados, pois, na colaboração premiada, o delator adere à acusação em troca de um benefício acordado entre as partes e homologado pelo julgador natural. Normalmente, o delator presta contribuições à persecução penal incriminando eventuais corréus. Se o advogado do corréu não comparece ao interrogatório do réu delator, haverá nulidade? Depende: Se o corréu foi delatado no interrogatório e seu advogado não compareceu: sim, haverá nulidade. Se o corréu não foi delatado no interrogatório: não. Isso porque não houve prejuízo. Assim, em nosso exemplo, a condenação de Hugo não será anulada porque ele não foi delatado por João no interrogatório. Por outro lado, a condenação de Vitor poderia ser anulada.

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Em suma:

Se o advogado de um réu foi intimado para o interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer, existe nulidade? REGRA: não. A presença da defesa técnica é imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. Assim, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra, facultativa. EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável. STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/9/2019 (Info 955).

Obs: o exemplo acima foi hipotético, para facilitar a compreensão da matéria. Na situação analisada, não foi reconhecida a nulidade por circunstâncias do caso concreto. Veja a íntegra da notícia divulgada no Informativo sobre este ponto: “O ministro não vislumbrou nulidade pela falta de participação de advogado no interrogatório dos corréus que se limitaram a negar a autoria da acusação e a materialidade dos fatos durantes seus interrogatórios. No entanto, entendeu ser indispensável a presença de defesa técnica no interrogatório do colaborador, que confessou a prática dos crimes e indicou quem seriam os participantes. Este corréu atuou como colaborador premiado. Apesar disso, as peculiaridades do caso levaram o ministro à solução distinta. A primeira particularidade é que o interrogatório do colaborador ocorreu antes da consolidação da jurisprudência no sentido da imprescindibilidade da participação da defesa técnica na inquirição e confronto das declarações do colaborador ou do corréu acusador. A própria colaboração prestada é anterior ao advento da norma que instituiu o procedimento e as cláusulas do acordo de colaboração premiada (Lei 12.850/2013). Portanto, o ato foi praticado consoante o entendimento legal e jurisprudencial da época. Além disso, as imputações do colaborador ocorreram no início do processo. O interrogatório do delator foi realizado antes do advento da Lei 11.719/2008, que transferiu o ato para a parte final da instrução. Isso possibilitou à defesa realizar a devida contraposição das imputações durante toda a fase probatória. Poderia inclusive ter solicitado o reinterrogatório, mas não o fez e somente arguiu a nulidade nove anos após as audiências. O ministro Gilmar Mendes ponderou que, mesmo que se considere a ineficácia absoluta do depoimento prestado em juízo para produzir efeitos sobre a esfera jurídica do apelante, há provas autônomas e independentes que, além de qualquer dúvida razoável, sustentam a acusação. Subsistem elementos suficientes a permitir a condenação, que está amparada em diversos outros elementos de prova material e testemunhal desvinculados das alegações do colaborador. No ponto, destacou que o CPP prevê a admissibilidade de provas decorrentes de fontes independentes, sem nexo de causalidade com eventuais provas ilícitas, a fim de embasar decretos condenatórios (CPP, art. 157, §1º). Ademais, a tese da fonte independente também tem sido acolhida pela jurisprudência do STF como exceção à teoria dos frutos da árvore envenenada. Em conclusão, o ministro reconheceu a nulidade em menor grau, com base nos arts. 563 e 566 do CPP. Aduziu inexistir sentido em se renovar o interrogatório em relação ao recorrente quando inúmeras outras provas justificam a condenação e foram devidamente fundamentadas pelo magistrado de piso.”

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DIREITO TRIBUTÁRIO

DIREITO FINANCEIRO É constitucional o art. 9º da Lei 7.990/89, que prevê que os Estados devem repassar a todos os Municípios de seu território 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais

O art. 9º da Lei nº 7.990/89 previu que os Estados deveriam repassar aos Municípios 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais (petróleo, recursos hídricos para produção de energia elétrica e recursos minerais) em seu território.

De acordo com esse dispositivo, esses 25% seriam divididos entre todos os Municípios do respectivo Estado (e não apenas entre os Municípios onde há exploração desses recursos naturais.

Para o STF, essa previsão é constitucional e está em harmonia com o § 1º do art. 20 da CF/88.

STF. Plenário. ADI 4846/ES, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/10/2019 (Info 955).

Recursos hídricos e minerais Os recursos hídricos e os recursos minerais pertencem à União, conforme prevê o art. 20 da CF/88:

Art. 20. São bens da União: (...) V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; (...) VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

Exemplo de aproveitamento dos recursos hídricos para geração de energia: hidrelétrica. Exemplo de recurso mineral: petróleo. Participação dos Estados/DF e Municípios na exploração dessas riquezas Apesar de pertencerem à União, a CF/88 assegura também aos Estados, DF e Municípios uma participação no resultado da exploração de petróleo, gás natural, recursos hídricos e outros recursos minerais situados no respectivo território ou a compensação financeira por tal exploração. Isso está previsto no § 1º do art. 20:

Art. 20 (...) § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Lei nº 7.990/89 Em 1989, foi editada a Lei nº 7.990 com o objetivo de regulamentar a compensação financeira que seria devida aos Estados, Distrito Federal e Municípios, pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios. Art. 9º da Lei nº 7.990/89 O art. 9º da Lei nº 7.990/89 previu que os Estados deveriam repassar aos Municípios 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais (petróleo, recursos hídricos para produção de energia elétrica e recursos minerais) em seu território:

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Art. 9º Os Estados transferirão aos Municípios 25% (vinte e cinco por cento) da parcela da compensação financeira que lhes é atribuída pelos arts. 2º, § 1º, 6º, § 3º e 7º desta Lei, mediante observância dos mesmos critérios de distribuição de recursos, estabelecidos em decorrência do disposto no art. 158, inciso IV e respectivo parágrafo único da Constituição, e dos mesmos prazos fixados para a entrega desses recursos, contados a partir do recebimento da compensação.

ADI Em 2012, o Governador do Estado do Espírito Santo ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF, contra este art. 9º. De acordo com o art. 9º, esses 25% seriam divididos entre todos os Municípios do respectivo Estado. Para o Governador, isso violaria o princípio federativo e o § 1º do art. 20 da Constituição Federal. A tese defendida é que somente os Municípios “afetados”, ou seja, os Municípios onde houvesse exploração desses recursos é que deveriam receber essas receitas. Nas palavras do autor:

“O artigo 9º da Lei Federal 7.990/89, na medida em que propõe o repasse de parcela dos royalties recebidos pelos estados produtores a todos os municípios é inconstitucional. (...) “A retribuição financeira de que trata esse dispositivo constitucional tem por finalidade compensar (ou indenizar) os estados e municípios afetados pela exploração de recursos naturais (estados e municípios produtores) pelos reflexos dessa atividade econômica sobre suas contas públicas e sobre o modo de vida das suas respectivas populações. (...) Não há espaço para que o legislador distribua parcela dessas receitas a estados e municípios que não são afetados pela exploração de recursos naturais (estados e municípios não produtores). (...) A regra jurídica consignada no artigo 9º da Lei Federal 7.990/89 fará com que, ainda que a título de exemplo, a capital Vitória fique com parte dos royalties de mineração recebidos pelo estado, mesmo não tendo qualquer relação com essa atividade econômica e não sofrendo, por isso, os reflexos do seu exercício por particulares.”

Além disso, o Governador afirmou que a compensação financeira constitui-se em receita originária dos Estados e que, portanto, não poderia ser disciplinada por lei federal, devendo esse assunto ser tratado por meio de leis estaduais. O STF concordou com os argumentos do autor da ADI? O dispositivo impugnado é inconstitucional? NÃO. O STF julgou improcedente o pedido e declarou a constitucionalidade do art. 9º da Lei nº 7.990/89. Royalties O § 1º do art. 20 da CF/88 fala em: • participação no resultado; e • compensação financeira... ... pela exploração de recursos naturais. Veja novamente a redação do dispositivo:

Art. 20 (...) § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo

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ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Assim, o poder constituinte optou por denominar os royalties como “participação no resultado” e “compensação financeira pela exploração de recursos naturais”. Essa segunda modalidade (compensação financeira) possui natureza jurídica de receita transferida não tributária de cunho originário, isto é, decorrente da exploração do próprio patrimônio. Receitas de royalties são receitas originárias da União As receitas de royalties são receitas originárias da União, tendo em vista a propriedade federal dos recursos minerais, e obrigatoriamente transferidas aos Estados-membros e Municípios por força do § 1º do art. 20 da CF/88. Assim, para o Min. Edson Fachin, os royalties não são receitas originárias dos Estados-membros e dos Municípios.* Dessa forma, o art. 9º da Lei nº 7.990/89 não violou o pacto federativo nem a autonomia dos Estados-membros porque essa Lei não tratou sobre repasse de receitas originárias dos Estados, mas sim sobre receitas originárias da União. * Obs: no julgamento da ADI 4606, o Ministro Alexandre de Moraes defendeu posição em sentido contrário. No entanto, para ele, mesmo sendo receitas originárias dos Estados e Municípios, o tema deve ser tratado por meio de lei federal:

(...) 1. Segundo jurisprudência assentada nesta CORTE, as rendas obtidas nos termos do art. 20, § 1º, da CF constituem receita patrimonial originária, cuja titularidade – que não se confunde com a dos recursos naturais objetos de exploração – pertence a cada um dos entes federados afetados pela atividade econômica. 2. Embora sejam receitas originárias de Estados e Municípios, as suas condições de recolhimento e repartição são definidas por regramento da União, que tem dupla autoridade normativa na matéria, já que cabe a ela definir as condições (legislativas) gerais de exploração de potenciais de recursos hídricos e minerais (art. 22, IV e XII, da CF), bem como as condições (contratuais) específicas da outorga dessa atividade a particulares (art. 176, parágrafo único, da CF). Atualmente, a legislação de regência determina seja o pagamento “efetuado, mensalmente, diretamente aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da Administração Direta da União” (art. 8º da Lei 7.990/1989). (...) STF. Plenário. ADI 4606, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/02/2019 (Info 932).

Lei mencionada no § 1º do art. 20 da CF/88 é federal e ordinária O § 1º do art. 20 da CF/88 fala que “É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios...”. Essa lei mencionada pelo § 1º do art. 20, e que deve tratar sobre o rateio federativo das receitas dos royalties, é uma lei federal e ordinária. Votos dos demais Ministros A maioria dos Ministros seguiu o voto do Ministro Relator Edson Fachin. Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, para quem a lei federal não poderia definir a distribuição do resultado da exploração de petróleo aos municípios, tendo em vista a autonomia normativa dos Estados. O Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, e os Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso acompanharam o Relator, com ressalvas de entendimento em relação à titularidade dos royalties.

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Em suma:

O art. 9º da Lei nº 7.990/89 previu que os Estados deveriam repassar aos Municípios 25% dos royalties recebidos pela exploração dos recursos naturais (petróleo, recursos hídricos para produção de energia elétrica e recursos minerais) em seu território. De acordo com esse dispositivo, esses 25% seriam divididos entre todos os Municípios do respectivo Estado (e não apenas entre os Municípios onde há exploração desses recursos naturais. Para o STF, essa previsão é constitucional e está em harmonia com o § 1º do art. 20 da CF/88. STF. Plenário. ADI 4846/ES, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/10/2019 (Info 955).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O fato de uma lei possuir destinatários determináveis retira seu caráter abstrato e geral, fazendo com

que não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. ( ) 2) O fato de a lei ter sido aplicada em casos concretos, com decisões transitadas em julgado, em nada

interfere na possibilidade dessa mesma norma ser analisada, abstratamente, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. ( )

3) O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). ( )

4) É possível que se configure o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP) na conduta de Deputado Federal (líder do seu partido) que receba vantagem indevida para dar sustentação política e apoiar a permanência de determinada pessoa no cargo de Presidente de empresa pública federal. ( )

5) Configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) a conduta do agente que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias. ( )

6) Senador que pratica corrupção passiva que não está relacionada com seu cargo e que não ofende bens, serviços ou interesse da União, deverá ser julgado em 1ª instância pela Justiça comum estadual. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. C 5. E 6. C