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Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 651-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, o prazo prescricional do processo administrativo será aquele que for previsto no art. 109 do CP, esteja ou não esse fato sendo apurado na esfera penal. DIREITO URBANÍSTICO O art. 40 da Lei 6.766/79 prevê um poder-dever do Município de regularizar os loteamentos irregulares ou clandestinos. DIREITO CIVIL PRESCRIÇÃO Prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços de telefonia fixa não contratados: 10 anos. CLÁUSULA PENAL Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. DAÇÃO EM PAGAMENTO Determinada empresa deu ao credor um terreno como pagamento da dívida (dação em pagamento); se não foi feita nenhuma ressalva, presume-se que a transferência do imóvel incluiu a plantação ali existente. LOCAÇÃO COMERCIAL É possível que empresa de telefonia celular proponha ação renovatória (art. 51 da Lei nº 8.245/91) para renovar a locação de imóvel onde está instalada a sua antena (ERB) considerando que isso também compõe seu fundo de comércio. CONDOMÍNIO Não se pode proibir o condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio. SUCESSÃO A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICAS COMERCIAIS É válida a cláusula do contrato de “clube de turismo Bancorbrás” que prevê que o consumidor perde o direito às diárias do hotel caso não as utilize no prazo de 1 ano. COMPRA DE IMÓVEIS Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. Prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, o prazo prescricional do processo administrativo

será aquele que for previsto no art. 109 do CP, esteja ou não esse fato sendo apurado na esfera penal. DIREITO URBANÍSTICO O art. 40 da Lei 6.766/79 prevê um poder-dever do Município de regularizar os loteamentos irregulares ou

clandestinos.

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO Prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços de telefonia

fixa não contratados: 10 anos. CLÁUSULA PENAL Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. DAÇÃO EM PAGAMENTO Determinada empresa deu ao credor um terreno como pagamento da dívida (dação em pagamento); se não foi

feita nenhuma ressalva, presume-se que a transferência do imóvel incluiu a plantação ali existente. LOCAÇÃO COMERCIAL É possível que empresa de telefonia celular proponha ação renovatória (art. 51 da Lei nº 8.245/91) para renovar a

locação de imóvel onde está instalada a sua antena (ERB) considerando que isso também compõe seu fundo de comércio.

CONDOMÍNIO Não se pode proibir o condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio. SUCESSÃO A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência

sucessória híbrida.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS COMERCIAIS É válida a cláusula do contrato de “clube de turismo Bancorbrás” que prevê que o consumidor perde o direito às

diárias do hotel caso não as utilize no prazo de 1 ano. COMPRA DE IMÓVEIS Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. Prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do

consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento.

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DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Plano de recuperação judicial pode prever que os credores serão pagos parceladamente e que o saldo devedor será

corrigido pela TR mais 1% ao ano. Aprovação do plano suspende os protestos tirados contra a empresa em recuperação, mas ficam mantidos os

protestos tirados contra eventuais coobrigados (ex: avalistas). Se houve a migração da concordata para recuperação judicial, o crédito em moeda estrangeira será calculado com

base no câmbio do dia do processamento da concordata.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Em caso de decisões interlocutórias complexas, qual critério será adotado para saber se cabe ou não agravo de

instrumento?

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS É ilícita a prova obtida em revista pessoal feita por agentes de segurança particular.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, o prazo prescricional do processo

administrativo será aquele que for previsto no art. 109 do CP, esteja ou não esse fato sendo apurado na esfera penal

Importante!!!

Mudança de entendimento!

Atualize o Info 502-STJ

O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor.

Para se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial).

Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência.

STJ. 1ª Seção. MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, servidor público federal, desviou, em proveito próprio, dinheiro de que tinha posse em razão do cargo. Esse fato pode ser analisado sob três aspectos: o penal, o administrativo e o civil. • Sob o aspecto penal: o agente pode responder a processo penal e ser condenado pelo crime de peculato-desvio (art. 312, 2ª parte, do CP). • Sob o aspecto administrativo: o servidor pode responder a processo administrativo disciplinar e ser condenado a sanção de demissão (art. 132, I, da Lei nº 8.112/90).

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• Sob o aspecto cível: João pode ser réu em ação de improbidade, estando sujeito às sanções previstas no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92). Vamos nos concentrar aqui no aspecto administrativo e, mais especificamente, na prescrição. Prescrição da infração administrativa As infrações disciplinares, assim como as infrações penais, também estão sujeitas à prescrição. Logo, se a Administração Pública demorar muito tempo para apurar uma falta cometida pelo servidor, ela perderá o direito de punir. A prescrição da pretensão punitiva é um direito fundamental do ser humano e está baseado na segurança jurídica. Somente a Constituição Federal pode declarar que determinada infração (penal ou administrativa) é imprescritível (exs.: art. 5º, XLII, XLIV; art. 37, § 5º). Quais os prazos prescricionais aplicáveis às sanções administrativas? O art. 142 da Lei nº 8.112/90 prevê os prazos de prescrição disciplinar:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I — em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II — em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III — em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência. (...) § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Veja, de forma mais didática, o tema nesta tabela abaixo:

Tipo de infração Prazo prescricional

Se a sanção prevista para essa infração administrativa for DEMISSÃO, CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA ou DISPONIBILIDADE e DESTITUIÇÃO de cargo em comissão.

5 anos

Se a sanção for SUSPENSÃO. 2 anos

Se a sanção for ADVERTÊNCIA. 180 dias

Se a infração administrativa praticada for também CRIME. Será o mesmo prazo da prescrição penal (art. 109, CP)

Qual é o termo inicial dos prazos de prescrição das infrações administrativas? Em outras palavras, quando se iniciam os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/90? Na data em que o fato se tornou conhecido. É o que diz expressamente o § 1º do art. 142:

Art. 142 (...) § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

Esse tema é também objeto de um enunciado do STJ:

Súmula 635-STJ: Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.

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Prazo prescricional da infração administrativa se o fato praticado for também crime Como vimos acima, o § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 afirma que se o servidor público cometeu infração disciplinar que também é tipificada como crime, o prazo prescricional para apuração desta infração administrativa não será o da Lei nº 8.112/90, mas sim o prazo prescricional previsto no art. 109 do CP para aquele respectivo crime. Veja novamente a redação do dispositivo:

Art. 142. (...) § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Assim, em nosso exemplo, o prazo para que a Administração Pública apure a infração disciplinar praticada por João será de 16 anos, com base no art. 109, II c/c art. 312 do CP:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Exigência de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal para se aplicar o prazo prescricional do art. 109 do CP (superada) O STJ adotava uma intepretação não literal do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90. O STJ dizia o seguinte: o § 2º do art. 142 somente deve ser aplicado quando o fato, objeto do processo administrativo, também estiver sendo apurado na esfera criminal. Assim, somente se aplicava o prazo prescricional previsto na legislação penal quando houvesse sido proposta denúncia ou ao menos houvesse sido instaurado um inquérito policial para apurar o fato. Se não houvesse apuração na esfera penal, deveria ser aplicado o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art. 142, I, da Lei nº 8.112/90. A mera presença de indícios de prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia obstava a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, devendo ser utilizada a regra geral prevista no inciso I desse dispositivo. Desse modo, com base na antiga orientação do STJ, no caso de João, o prazo prescricional para apurar a infração administrativa iria depender: • Se já tivesse havido oferecimento de denúncia ou instauração de IP: o prazo prescricional seria de 16 anos (com base na prescrição penal); • Se não houvesse propositura de ação penal nem instauração de IP: o prazo prescricional seguia a regra geral, ou seja, seria de 5 anos (com base na legislação administrativa). Esse entendimento ainda é adotado pelo STJ? NÃO. Não há mais essa exigência de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal. O STJ agora entende que:

O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor.

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Para se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial). Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência. STJ. 1ª Seção. MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019 (Info 651).

Esse novo entendimento do STJ está baseado na independência das esferas administrativa e criminal. Em razão dessa independência de instâncias, a existência de apuração criminal não pode ser um pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. Além disso, “o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica.” (Min. Gurgel de Faria). Em outras palavras, geraria uma enorme insegurança jurídica se o prazo prescricional da infração administrativa fosse “decidido” com base na existência ou não de apuração criminal. Também é a posição do STF Vale ressaltar que esse entendimento mais recente do STJ é também adotado pelo STF:

(...) LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO NA ESFERA CRIMINAL. (...) STF. 1ª Turma. MS 35631 ED/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 22/11/2018.

(...) Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. (...) STF. 1ª Turma. AgRg no RMS 31.506/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 26/3/2015.

DIREITO URBANÍSTICO O art. 40 da Lei 6.766/79 prevê um poder-dever do Município

de regularizar os loteamentos irregulares ou clandestinos

Importante!!!

Atenção! PGM

Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares. Esse poder-dever, contudo, fica restrito à realização das obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, caput e § 5º, da Lei nº 6.799/79).

Após fazer a regularização, o Município tem também o poder-dever de cobrar dos responsáveis (ex: loteador) os custos que teve para realizar a sua atuação saneadora.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.164.893-SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/11/2016 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era proprietário de uma grande extensão de terra, não edificada (“sem nada construído”), localizada em área urbana. Ele, então, teve uma “ideia”: decidiu lotear esse terreno e vender esses lotes.

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Para fazer isso, João deveria ter cumprido uma série de providências previstas na Lei nº 6.766/79 (que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano). Tais exigências, contudo, são difíceis e trabalhosas e, por isso, João não as cumpriu. Em resumo, João fez um loteamento irregular e passou a firmar com as pessoas compromissos de compra e venda dos lotes.

Loteamento clandestino Loteamento irregular

Loteamento clandestino é aquele que não foi aprovado pela administração pública municipal.

Loteamento irregular: é aquele que foi aprovado pela administração pública municipal, mas que: • não foi inscrito ou • não foi executado em conformidade com o plano e as plantas aprovadas.

Ação proposta pelo MP O Ministério Público, ao tomar conhecimento, ajuizou ação civil pública contra João e o Município pedindo que: a) João seja condenado a promover a aprovação do loteamento perante o Município, devendo, para tanto, atender as exigências da legislação municipal e federal; b) o Município seja condenado, nos termos do art. 40 da Lei nº 6.766/79, a executar as obras de infraestrutura necessárias para a regularização do loteamento irregular, caso o loteador, depois de notificado, não tomar as medidas adequadas:

Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

O Município contestou a demanda afirmando que não teria esse dever e que o art. 40 acima transcrito é muito claro ao dizer que o Município “poderá” regularizar. Logo, a regularização do loteamento é um ato discricionário do poder público. É possível condenar o Poder Público neste caso? O Município possui uma faculdade ou um dever de regularizar o loteamento? SIM. Não se trata de uma mera faculdade. O Município possui o poder-dever de regularizar o loteamento. Para o STJ, o art. 40 da Lei nº 6.766/79 prevê o poder-poder do Município de regularizar loteamento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, configurando, portanto, ato vinculado da municipalidade. O art. 30, VIII, da CF/88 afirma que:

Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano, o Município não pode eximir-se do dever de regularizar loteamentos irregulares se os loteadores e responsáveis, devidamente notificados, deixam de proceder com as obras e melhoramentos indicados pelo ente público. Desse modo, o procedimento previsto no art. 40 da Lei nº 6.766/79 é obrigatório (vinculante) para o Município, não sendo meramente facultativo. O Município tem, assim, o dever de promover o asfaltamento das vias, a implementação de iluminação pública, redes de energia, água e esgoto, os calçamentos etc.

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Mas o Município fará isso com recursos públicos? SIM. O Município deverá, ele próprio e às suas expensas, fazer as obras necessárias, cobrando depois, do loteador, o ressarcimento pelos custos que teve com a regularização. A regularização feita pelo Município deve obedecer à legislação Vale ressaltar que o dever do Município, segundo a redação do art. 40, tem por objetivo “evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes”. Isso significa que não se exige do Município que faça a regularização de loteamentos clandestinos (não aprovados pelo Município) em terrenos que ofereçam perigo imediato para os moradores lá instalados, assim como os que estejam em Áreas de Preservação Permanente, de proteção de mananciais de abastecimento público, ou mesmo fora do limite de expansão urbana fixada nos termos dos padrões de desenvolvimento local. A ordem judicial, nesses casos, deve ser apenas para exigir que o Poder Público faça a remoção das pessoas alojadas nesses lugares insalubres, impróprios ou inóspitos, assegurando-lhes habitação digna e segura (o verdadeiro direito à cidade). Nesse sentido, veja o que afirma o § 5º do art. 40:

Art. 40 (...) § 5º A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei, ressalvado o disposto no § 1º desse último.

Os arts. 3º e 4º da Lei nº 6.766/79, citados no dispositivo acima transcrito, são exatamente aqueles que definem os requisitos mínimos para a implementação dos loteamentos e impõem, como não poderia deixar de ser, observância à legislação urbanística local. Mesmo na hipótese de loteamentos irregulares (aprovados, mas não inscritos ou executados adequadamente), a obrigação do Poder Público restringe-se à infraestrutura necessária para sua inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, iluminação pública etc., de modo a atender aos moradores já instalados, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora. Assim, por óbvio que o art. 40 da Lei nº 6.766/79 não autoriza que o Município descumpra a sua própria legislação urbanística. Em suma:

Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares. Esse poder-dever, contudo, fica restrito à realização das obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, caput e § 5º, da Lei nº 6.799/79). Após fazer a regularização, o Município tem também o poder-dever de cobrar dos responsáveis (ex: loteador) os custos que teve para realizar a sua atuação saneadora. STJ. 1ª Seção. REsp 1.164.893-SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/11/2016 (Info 651).

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DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO Prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a

serviços de telefonia fixa não contratados: 10 anos

A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.

STJ. Corte Especial. EAREsp 738.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2019 (Info 651).

Repetição de indébito Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente. A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao Direito Tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC). Imagine agora a seguinte situação hipotética: João percebeu que a empresa de telefonia fixa lhe cobrou durante 7 anos por vários serviços que não foram contratados. Diante disso, ele propôs uma ação de repetição de indébito por essa cobrança indevida. A empresa de telefonia contestou a demanda alegando que João propôs, na verdade, uma ação de enriquecimento sem causa. Logo, o prazo prescricional para essa pretensão seria de 3 anos, com base no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: (...) IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

A tese da empresa foi aceita pelo STJ? NÃO. Requisitos da ação de enriquecimento sem causa A pretensão que busca o ressarcimento em razão de enriquecimento sem causa (também chamada de ação in rem verso) possui os seguintes requisitos: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento correspondente de outra pessoa; c) relação de causalidade entre esse enriquecimento e o empobrecimento; d) ausência de causa jurídica para esse enriquecimento e empobrecimento; e) inexistência de outra ação específica que tutele essa pretensão. Assim, pode-se dizer que a ação de enriquecimento sem causa tem caráter subsidiário (art. 886 do CC). Previsão legal A proibição do enriquecimento sem causa está prevista nos arts. 884 a 886 do Código Civil:

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Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

Razões pelas quais essa pretensão não pode ser qualificada como ressarcimento em razão de enriquecimento sem causa Existem duas razões que justificam o não enquadramento desta pretensão como ação de enriquecimento sem causa: 1) neste pedido de repetição de indébito (ressarcimento) existe uma causa jurídica, qual seja, uma relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança; 2) a ação de repetição de indébito é uma ação específica, de forma que não se deve buscar a ação subsidiária (art. 886 do CC). Orlando Gomes explicou, de forma certeira, que, se não fosse o caráter subsidiário, todas as ações seriam absorvidas pela de ação in rem verso, ou seja, tudo seria ação de enriquecimento sem causa:

“A ação de enriquecimento cabe toda vez que, havendo direito de pedir a restituição do bem obtido sem causa justificativa de aquisição, o prejudicado não dispõe de outra ação para exercê-lo. Tem, portanto, caráter subsidiário. Só se justifica nas hipóteses em que não haja outro meio para obter a reparação do direito lesado. A esta conclusão, aceita pela maioria dos escritores, chegou o direito italiano no qual não cabe quando o prejudicado pode obter por meio de outra ação, indenização do dano sofrido. Se não fora assim, todas as ações seriam absorvidas pela de in rem verso, convertido o princípio condenatório do enriquecimento sem causa numa panaceia*.” (GOMES, Orlando. Obrigações, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 252)

* Na mitologia grega, Panaceia era a “deusa da cura”. Atualmente, a palavra panaceia é utilizada quando queremos dizer que aquela coisa é o “remédio para todos os males”. Desse modo, o prazo prescricional estabelecido no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil deve ser interpretado de forma restritiva, somente sendo aplicado para os casos subsidiários de ação de in rem verso. Mas, afinal de contas, qual será então o prazo prescricional para essa pretensão? Não existe um dispositivo específico no Código Civil tratando exatamente dessa situação. Em razão disso, aplica-se o prazo de 10 anos, conforme preconiza o art. 205 do CC:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Em suma:

A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos. STJ. Corte Especial. EAREsp 738.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2019 (Info 651).

Por que não se aplica o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 27 do CDC? Vamos relembrar o que diz o art. 27 do CDC:

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Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

O prazo do art. 27 do CDC se aplica para as pretensões relacionadas com danos causados por fato do produto ou do serviço. O art. 27 do CDC está, portanto, intimamente ligado ao art. 14 do mesmo Código, tratando, assim, da responsabilidade do fornecedor pelo fato do serviço. No caso apreciado, a pretensão não está relacionada com “defeito” na prestação de serviços, mas sim com a restituição de valores de serviços cobrados indevidamente.

CLÁUSULA PENAL Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes

Importante!!!

Mudança de entendimento!

Atualize os informativos 513 e 540 do STJ

A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. A cláusula quinta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância). Ocorre que a construtora, por mora imputável unicamente a ela, somente entregou o imóvel em 11/01/2013. Diante disso, João ajuizou ação pedindo a condenação da construtora ao pagamento: • da multa de 1% ao mês prevista no contrato (multa contratual); e • dos lucros cessantes, correspondente à quantia que o adquirente poderia obter se estivesse alugando o imóvel (valor do aluguel do imóvel atrasado). O pedido era para que, tanto o valor da multa como dos lucros cessantes fossem pagos no período de 01/10/2012 até 11/01/2013 (quando ocorreu a efetiva entrega das chaves). Em que consiste essa multa contratual? Qual é a sua natureza jurídica? Trata-se de uma cláusula penal moratória. O que é cláusula penal? Cláusula penal é... - uma cláusula do contrato - ou um contrato acessório ao principal - em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga - pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação.

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A cláusula penal também pode ser chamada de multa convencional, multa contratual ou pena convencional. A cláusula penal é uma obrigação acessória, referente a uma obrigação principal. Pode estar inserida dentro do contrato (como uma cláusula) ou prevista em instrumento separado. Espécies de cláusula penal Existem duas espécies de cláusula penal:

MORATÓRIA (compulsória):

COMPENSATÓRIA (compensar o inadimplemento)

Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora.

Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.

Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva).

Funciona como uma prefixação das perdas e danos.

Aplicada para o caso de inadimplemento relativo. Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto.

Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega.

Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente.

Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Multa moratória = obrigação principal + multa Multa compensatória = obrigação principal ou multa Em caso de atraso na entrega do imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes? NÃO. Para o Min. Luis Felipe Salomão, a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória), possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo ao descumprimento). Tanto isso é verdade que a maioria dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia que o imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador. Assim, como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma de ressarcimento). Diante desse cenário, havendo cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não cabe a sua cumulação com lucros cessantes.

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Em suma:

A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Mudança de entendimento Vale ressaltar que a decisão acima explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia que: A cláusula penal moratória não era estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exigisse a cláusula penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes. Desse modo, no caso de mora, existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513). Se não houver cláusula penal, continua sendo possível a condenação por lucros cessantes Nem sempre os contratos de promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula penal e se houve efetivamente o atraso, será possível, em tese, condenar a construtora ao pagamento de lucros cessantes:

O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Vale ressaltar, no entanto, que essa hipótese será cada vez mais rara na prática, considerando o que decidiu o STJ no REsp 1.631.485-DF:

No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Ampliando um pouco o debate: em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos? Também não. Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação. A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos.

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Entendimento atual do STJ: Em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos? NÃO. Isso tanto em caso de cláusula penal moratória como também compensatória. Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:

Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega. Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente: • a resolução do contrato; • a devolução de todo o valor que pagou; e • o pagamento da multa estabelecida. A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A:

§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel. Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A:

§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.

Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato).

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O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso). Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A:

§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.

Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência? NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência. A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“(...) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.”

O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma. Assim, podemos fixar as conclusões: • contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018. • contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.

DAÇÃO EM PAGAMENTO Determinada empresa deu ao credor um terreno como pagamento da dívida (dação em

pagamento); se não foi feita nenhuma ressalva, presume-se que a transferência do imóvel incluiu a plantação ali existente

Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.567.479-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária Refloral Ltda. é especializada em atividades de reflorestamento. A empresa estava devendo João, seu antigo diretor. Como forma de quitar a dívida, a Refloral transferiu para João a propriedade da fazenda “Areia Preta”, uma extensa área de terra que era utilizada pela empresa para atividades de reflorestamento. O que a empresa fez foi uma dação em pagamento. Dação em pagamento é o ato pelo qual o devedor quita uma dívida vencida entregando ao credor uma prestação diferente daquela que era a prevista inicialmente, desde que o credor concorde com isso (art. 356 do Código Civil).

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Ocorre que, logo depois de efetivada a doação, a empresa quis retirar do terreno as árvores que estavam ali plantadas. A empresa alegou que transferiu por dação em pagamento a João exclusivamente o imóvel, mas não a plantação ali existente e que constitui o produto do seu negócio. A tese da empresa foi acolhida pelo STJ? NÃO. Acessão A acessão é um modo originário de aquisição da propriedade, em virtude da qual fica pertencendo ao titular tudo quanto se une ou se incorpora ao bem. A acessão pode ocorrer de duas modalidades: a) a natural, que se dá quando a união ou incorporação advém de acontecimentos da natureza, como a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e o abandono de álveo; e b) a artificial, resultante do trabalho do homem, como no caso das construções e plantações. Transferência englobou a terra nua e as plantações A empresa Refloral, mediante escritura pública de dação em pagamento, transferiu a João – sem ressalvar as árvores ou os projetos de reflorestamento – a propriedade do imóvel. Como não houve qualquer ressalva na dação em pagamento quanto à cobertura vegetal lenhosa plantada no imóvel, a transferência englobou, além da terra nua, as plantações, em razão da máxima jurídica de que o acessório segue o principal. Devem ser aplicados aqui os arts. 79 e 92 do Código Civil:

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

Assim, conforme os arts. 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel. Isso porque são acessórios do bem principal. Logo, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada. Vale ressaltar que, em tese, seria possível considerar a cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte como bem móvel por antecipação. No entanto, para isso, seria indispensável que houvesse uma anotação/observação no momento da dação em pagamento. Como não houve essa ressalva, deve-se aplicar a presunção legal de que o acessório segue o principal, de forma que se deve concluir que as árvores foram transferidas juntamente com a terra nua. Em suma:

Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.567.479-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

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LOCAÇÃO COMERCIAL É possível que empresa de telefonia celular proponha ação renovatória (art. 51 da Lei nº

8.245/91) para renovar a locação de imóvel onde está instalada a sua antena (ERB), considerando que isso também compõe seu fundo de comércio

A “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei nº 8.245/91.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.074-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/06/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário/locador) celebrou contrato de locação comercial com a Claro S/A (empresa de telefonia móvel celular). Por meio deste ajuste, João alugou, pelo prazo de 5 anos, um imóvel para que a Claro instalasse uma antena de telefonia móvel, ou seja, para que no local funcionasse uma “estação rádio base” (ERB). A estação rádio base (ERB) serve para fazer a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica. Veja como funciona uma ERB:

Locador não queria mais manter o contrato Terminado o prazo do contrato, João anunciou que não mais queria renová-lo. Diante disso, a Claro ajuizou uma ação renovatória pedindo a renovação compulsória do contrato. Ação renovatória A ação renovatória garante ao locatário o direito de renovar o contrato de locação empresarial, mesmo contra a vontade do locador, desde que presentes certos requisitos. Desse modo, a ação renovatória tem por finalidade a renovação compulsória, obrigatória, do contrato de locação empresarial, estando prevista na Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). Requisitos da ação renovatória Segundo o art. 51 da referida Lei, nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos cumulativos: I - o contrato de locação a ser renovado deve ter sido celebrado por escrito; II - o contrato de locação a ser renovado deve ter sido celebrado por prazo determinado;

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III - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos deve ser de cinco anos; IV - o locatário deve estar explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. Ponto comercial Algo muito importante na atividade empresarial é o “ponto comercial”. Ponto comercial é a localização do estabelecimento empresarial. Pensando nisso, o direito protege o ponto comercial. Uma das formas de proteção ocorre por meio da ação renovatória. Assim, a principal finalidade da ação renovatória é a proteção do fundo de comércio que foi desenvolvido pelo empresário locatário. Isso porque durante um longo período o locatário desenvolveu sua atividade empresarial naquele local, investindo na formação de uma clientela, na publicidade do ponto comercial e na valorização do imóvel locado. Por isso, o Estado reconhece ao locatário de imóvel comercial que busca a proteção do seu fundo de comércio o direito à renovação compulsória do seu contrato de locação, uma vez atendidos os requisitos elencados no art. 51 da Lei de Locações. Voltando ao nosso exemplo: O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito sob o argumento de que a ação proposta seria inadequada, tendo em vista que não haveria fundo de comércio a ser protegido. Para o magistrado, a ação renovatória tem por objetivo proteger o fundo de comércio do empresário e a “estação rádio base” (ERB) não poderia ser considerada como fundo de comércio da empresa de telefonia móvel celular. A ação renovatória tem por objetivo proteger o locatário da perda da clientela. Na opinião do julgador, a instalação de equipamentos de transmissão de telefonia não precisaria de localização específica, podendo ser feita em outro local dentro da mesma área geográfica. Agiu corretamente o juiz? NÃO. Segundo decidiu o STJ, a “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza sim fundo de comércio da empresa de telefonia móvel celular. Fundo de comércio O fundo de comércio é “um complexo de bens, cada qual com individualidade própria, com existência autônoma, mas que, em razão da simples vontade de seu titular, encontram-se organizados para a exploração da empresa, formando, assim, uma unidade, adquirindo um valor patrimonial pelo seu todo” (CAMPINHO, Sergio. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 302). O fundo de comércio é formado por bens corpóreos e incorpóreos e todos eles, considerados em sua totalidade, são objeto da proteção legislativa. Dentre os bens incorpóreos destaca-se o ponto empresarial, que é o espaço físico eleito pelo empresário para exercer sua atividade. Conforme já explicado, por sua relevância econômica e social para o desenvolvimento da atividade empresarial, e, em consequência, para a expansão do mercado interno, o fundo de comércio mereceu especial proteção do legislador. Justamente por isso, o art. 51 da Lei nº 8.245/91 prevê que, para os contratos de locação não residencial por prazo determinado, é possível o ajuizamento de ação renovatória como medida destinada a proteger a empresa contra a decisão do locador de retomar, injustificadamente, o imóvel onde ela se encontra instalada há muitos anos.

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Natureza jurídica da ERB A Estação Rádio Base (ERB) serve para fazer a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica. São popularmente conhecidas como “antenas” e nelas são emitidos os sinais que viabilizam as ligações por meio dos telefones celulares que se encontram em sua área de cobertura (célula). A formação de uma rede de várias células – vinculadas às várias ERBs instaladas – permite a fluidez da comunicação, mesmo quando os interlocutores estão em deslocamento, bem como possibilita a realização de várias ligações simultâneas, por meio de aparelhos situados em diferentes pontos do território nacional e também do exterior. De forma simplista, é como se o celular se conectasse à ERB mais próxima, que encaminha a chamada telefônica para a Central de Comutação e Controle (CCC), a qual, por sua vez, a depender do destino da ligação, a encaminhará para outra CCC ou para uma ERB, que se comunica com o telefone celular a que se destina a chamada. Observada essa dinâmica, se uma das antenas for desligada, o aparelho se conectará automaticamente a outra ERB, mais distante (http://www.telebrasil.org.br/panorama-do-setor/mapa-de-erbs-antenas). Isso significa que se uma ERB for desativada, não haverá, em tese, interrupção do serviço. No entanto, provavelmente haverá uma perda de qualidade, já que a conexão terá que ser feita com uma mais distante. Desse modo, as ERBs são estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora, e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio. Ação renovatória não serve apenas para proteger o local onde o empresário recebe os clientes O mais comum é que a ação renovatória sirva para proteger o imóvel onde o empresário recebe seus clientes, ou seja, a localização em que o locatário desenvolveu sua atividade empresarial, investindo na formação de uma clientela, na publicidade do ponto comercial e na valorização do imóvel locado. Contudo, essa não é a sua única finalidade. Assim, o cabimento da ação renovatória não está adstrito ao imóvel para onde converge a clientela, mas se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, porque, ao fim e ao cabo, contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela. Conforme explica Sylvio Capanema de Souza ao dar o exemplo do depósito de uma empresa:

“Também sempre se questionou se o locatário que mantém fechadas as portas do imóvel, transformando-o apenas em depósito, sem acesso dos fregueses, poderia valer-se da ação renovatória. Entendemos que sim, desde que a prova produzida revele, extreme de dúvidas, que o depósito é indispensável ao desenvolvimento da atividade empresarial do locatário, exercida em outro local, próximo ou distante. Neste caso, o depósito seria um prolongamento natural e necessário do estabelecimento empresarial, a ele se estendendo a proteção especial, em obediência ao princípio de que o acessório segue o principal.” (A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 229)

Em suma:

A “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei nº 8.245/91. STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.074-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/06/2019 (Info 651).

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CONDOMÍNIO Não se pode proibir o condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio

Importante!!!

O condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer.

Assim, é ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João mora no condomínio de apartamentos “Viva la Vida”. Em virtude de dificuldades financeiras, ele se encontra devendo três meses da cota condominial. Diante disso, o síndico proibiu que João e seus familiares utilizem o centro recreativo do condomínio (piscina, brinquedoteca, salão de jogos, entre outros itens). João foi reclamar com o síndico e este mostrou o regimento interno do condomínio que, expressamente, proíbe os condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns. Não satisfeito, João propôs ação declaratória de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com indenização por danos morais. Indaga-se: o regimento interno poderá determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as áreas comuns do condomínio? Esta previsão é válida? NÃO.

O condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer. Assim, é ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588). STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 651).

Direito ao uso das áreas comuns decorre do direito de propriedade O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre de ele estar ou não adimplente com as despesas condominiais. Este direito provém do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange não apenas uma fração ideal no solo (unidade imobiliária), mas também as outras partes comuns. Veja o que diz o Código Civil:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. (...) § 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Art. 1.335. São direitos do condômino:

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(...) II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

Em outras palavras, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. O proprietário do apartamento também é “dono” de parte das áreas comuns. Dessa forma, a proibição de que o condômino tenha acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação) viola o que se entende por condomínio, limitando, indevidamente, o direito de propriedade. Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, os condôminos têm o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum. Punições para o condômino inadimplente Os condôminos possuem o dever de contribuir para as despesas condominiais, conforme determina o art. 1.336, I, do CC. No entanto, as consequências pelo seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais. No caso de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária. Em um primeiro momento, a lei determina que o devedor seja obrigado a pagar juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito:

Art. 1.336 (...) § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Se o condômino reiteradamente, apresentar um comportamento faltoso (o que não se confunde com o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), será possível impor a ele outras penalidades, também de caráter pecuniário, nos termos do art. 1.337:

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Dessa forma, a lei confere meios coercitivos legítimos e idôneos à satisfação do crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as pecuniárias expressa e taxativamente previstas no Código Civil para o específico caso de inadimplemento das despesas condominiais. Em outros termos, não existe margem discricionária para a imposição de outras sanções que não sejam as pecuniárias estipuladas na Lei. Ausência de pagamento restringe o direito de votar O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente, como no caso do art. 1.335, III, do CC:

Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

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Por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa. Vedar acesso às áreas comuns viola o princípio da dignidade da pessoa humana Além das sanções pecuniárias, a lei estabelece em favor do condomínio instrumentos processuais efetivos e céleres para se cobrar as dívidas condominiais. A Lei nº 8.009/90, por exemplo, autoriza que a própria unidade condominial (apartamento, casa etc.) seja penhorada para o pagamento dos débitos, não podendo o condômino devedor alegar a proteção do bem de família. O CPC/2015, por sua vez, prevê que as cotas condominiais possuem natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), permitindo, assim, o ajuizamento direto de ação executiva, tornando a satisfação do débito ainda mais célere. Desse modo, diante de todos esses instrumentos colocados à disposição pelo ordenamento jurídico, percebe-se que não há razão legítima para que o condomínio se valha de meios vexatórios de cobrança. A proibição de que o devedor tenha acesso e utilize as áreas comuns do condomínio pelo simples fato de que ele está inadimplente acaba expondo ostensivamente a sua condição de inadimplência perante o meio social em que reside, o que, ao final, viola o princípio da dignidade humana.

SUCESSÃO A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil,

não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida

Importante!!!

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida.

Concorrência sucessória híbrida ocorre quando o cônjuge/companheiro estiver concorrendo com descendentes comuns e com descendentes exclusivos do falecido. Ex: José faleceu e deixou como herdeiros Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos também de Paula e 2 de um outro casamento anterior de José. Paula e cada um dos demais herdeiros receberá 1/6 da herança.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Assim, essa reserva de um quarto da herança, prevista no art. 1.832 do CC, não se aplica em caso de concorrência sucessória híbrida. A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

Se a pessoa morrer e for casada, o cônjuge terá direito à herança? O cônjuge é herdeiro? SIM. O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC). O cônjuge será considerado herdeiro necessário mesmo que ele e o falecido fossem casados sob o regime da separação de bens? SIM. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845).

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Exceção: o cônjuge não será herdeiro se, quando houve a morte, o casal estava separado há mais de dois anos, nos termos do art. 1.830 do CC:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O cônjuge irá herdar se o falecido deixou descendentes? Depende. Aí teremos que analisar o regime de bens. A regra está no art. 1.829, I, do CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Esse inciso é muito confuso e mal redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e jurisprudência. O que se pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário, mas há situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do morto. Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não terá direito à herança, ficando esta integralmente com os descendentes. Vejamos:

I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os descendentes

II – Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com os descendentes

Regime da comunhão parcial de bens, se existirem bens particulares do falecido.

Regime da separação convencional de bens (é aquela que decorre de pacto antenupcial).

Regime da participação final nos aquestos.

Regime da comunhão parcial de bens, se não havia bens particulares do falecido.

Regime da separação legal (obrigatória) de bens (é aquela prevista no art. 1.641 do CC).

Regime da comunhão universal de bens.

Se o cônjuge for herdar em concorrência com os descendentes (lado esquerdo do quadro acima), quanto ele receberá de herança?

Como é feita a divisão da herança entre o cônjuge herdeiro e os descendentes do falecido?

Se o cônjuge estiver concorrendo com filhos, netos ou bisnetos do falecido que também

sejam seus descendentes (o cônjuge está concorrendo apenas com herdeiros comuns)

Se o cônjuge estiver concorrendo com filhos, netos ou bisnetos do falecido que não sejam

seus descendentes (o cônjuge está concorrendo com herdeiros comuns e com

herdeiros exclusivos do falecido)

Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão igual ao que for recebido pelos herdeiros que sucederem por cabeça.

Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão igual ao que for recebido pelos herdeiros que sucederem por cabeça.

Mesmo que sejam muitos herdeiros para dividir, o cônjuge não poderá receber menos que 1/4 da herança.

Não existe essa previsão de que o cônjuge deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança.

Ex1: João faleceu e deixou Maria (cônjuge) e dois filhos. Significa que Maria e cada um dos filhos terá direito a 1/3 da herança.

Ex1: Rui faleceu e deixou Laura (cônjuge) e dois filhos fruto de outro casamento. Significa que Laura e cada um dos seus enteados terá direito a 1/3 da herança.

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Ex2: Pedro faleceu e deixou como herdeiros Rosa (cônjuge) e 5 filhos. Rosa receberá 1/4 da herança e os outros 3/4 serão divididos entre os 5 filhos.

Ex2: José faleceu e deixou como herdeiros Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos também de Paula e 2 de um outro casamento anterior de José. Paula e cada um dos demais herdeiros receberá 1/6 da herança. Trata-se daquilo que Giselda Hironaka chama de “concorrência sucessória híbrida”.

Essa previsão de que o cônjuge deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança caso esteja concorrendo unicamente com herdeiros que sejam seus descendentes encontra-se prevista no art. 1.832 do CC:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Vale ressaltar, portanto, que:

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Francisco vive em união estável com Amanda. Eles tiveram um filho. Antes deste relacionamento, Francisco foi casado com Rosângela, com quem teve seis filhos. Desse modo, Francisco possui um total de sete filhos, sendo que 6 são fruto do relacionamento com Rosângela (sua ex-esposa, já divorciados) e um deles é filho de Amanda. Francisco faleceu e deixou, como herança, R$ 800 mil de bens particulares. Amanda terá direito à herança? Qual é o dispositivo que rege essa situação? O art. 1790 do CC prevê o seguinte:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

É possível aplicar o art. 1.790 do CC? NÃO. Isso porque o art. 1.790 do CC foi declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo STF, quando do julgamento do RE 878.694, sendo determinado que se apliquem também para a união estável as regras do regime sucessório do casamento:

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864).

Assim, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002.

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Logo, a situação acima descrita envolvendo os herdeiros de Francisco deverá ser resolvida com base no art. 1.829 e demais dispositivos do CC que tratam sobre a sucessão envolvendo cônjuges. E quanto Amanda receberá neste caso? Qual é o quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança? O STJ, interpretando o art. 1.829, I, do CC, entende que o cônjuge/companheiro, que vivia sob o regime da comunhão parcial (que é a regra na união estável), somente irá concorrer com os descendentes do morto quando o falecido tiver deixado bens particulares e essa divisão será somente sobre os referidos bens particulares:

Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. STJ. 2ª Seção. REsp 1368123/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 22/04/2015.

Voltando ao nosso exemplo, o falecido deixou: • R$ 800 mil de herança (bens particulares). • herdeiros: companheira; 1 filho comum; 6 filhos exclusivos. Como fazer essa divisão? Divide-se a herança por igual entre os herdeiros, tratando-se todos os filhos como exclusivos. Assim, a companheira e cada um dos sete filhos receberá 1/8 da herança. Atribui-se a cada um dos filhos e à companheira R$ 100 mil. Não há reserva de 1/4 da herança para a consorte supérstite. Isso porque, conforme já dito, essa reserva de 1/4 da herança, prevista no art. 1.832 do CC, NÃO se aplica em caso de concorrência sucessória híbrida. A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3). Nesse sentido é o enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil do CJF: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.”

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS COMERCIAIS É válida a cláusula do contrato de “clube de turismo Bancorbrás” que prevê que o consumidor

perde o direito às diárias do hotel caso não as utilize no prazo de 1 ano

É possível a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo.

Mesmo em contratos de consumo, é possível a convenção de prazos decadenciais, desde que respeitados os deveres anexos à contratação: informação clara e redação expressa, ostensiva e legível.

Caso concreto: Bancorbrás é uma pessoa jurídica que presta um serviço chamado de “Clube de Turismo Bancorbrás”. Por meio dele, o cliente paga um valor mensal (ex: R$ 500) e, depois de 1 ano, pode utilizar 7 diárias em um dos milhares de hotéis que a Bancorbrás tem convênio,

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no Brasil e no exterior. Ocorre que o contrato prevê que o cliente deverá utilizar essas diárias no prazo de até 1 ano. Caso o consumidor não as utilize nesse interregno, ele perde esse direito. O STJ afirmou que essa cláusula é válida, sendo razoável, não podendo ser reputada como abusiva.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.778.574-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Bancorbrás Bancorbrás é uma pessoa jurídica que presta um serviço chamado de “Clube de Turismo Bancorbrás”. Por meio dele, o cliente paga um valor mensal (ex: R$ 500) e, depois de 1 ano, pode utilizar 7 diárias em um dos milhares de hotéis que a Bancorbrás tem convênio, no Brasil e no exterior. É a chamada “rede conveniada”.

Cláusula do contrato que prevê a perda das diárias se não utilizadas em determinado período de tempo O contrato celebrado entre o consumidor e a Bancorbrás prevê que o cliente adquire o direito de utilizar as 7 diárias após 1 ano pagando a mensalidade. Essas diárias devem ser utilizadas dentro do prazo de 1 anos após serem “adquiridas”. Caso o consumidor não utilize nesse prazo de 1 ano, ele perde esse direito. Ex: João assinou o contrato em fevereiro de 2012, iniciando o pagamento das prestações; em fevereiro de 2013, ele adquire o direito de utilizar as 7 diárias; ocorre que o contrato prevê que o cliente tem até fevereiro de 2014 (1 ano) para gozar dessas diárias; caso não as utilize, perderá esse direito. Assim, pode-se dizer que contrato estipula um prazo decadencial para a utilização das diárias.

Essa cláusula contratual é válida ou abusiva? É válida.

CDC não proíbe toda e qualquer cláusula que restrinja o direito do consumidor O CDC prevê uma série de normas destinadas à proteção contratual do consumidor. Contudo, o legislador não revogou a liberdade contratual. O que ele estabeleceu foi apenas a necessidade de que exista a preocupação em se manter um maior equilíbrio entre as partes, já que a relação de consumo é naturalmente mais desequilibrada em favor do fornecedor. Assim, o que se quer dizer é que proteção contratual não é sinônimo de impossibilidade absoluta de imposição de cláusulas restritivas de direito. A proteção contratual do CDC significa que as cláusulas restritivas de direito deverão ser razoáveis e proporcionais, sempre se tomando em consideração a natureza do serviço ou produto contratado.

Referida restrição é proporcional e o consumidor é previamente informado O STJ entendeu que essa previsão é proporcional ao serviço em questão, além de terem sido atendidos o dever de informação e a boa-fé na contratação.

Código Civil também permite Embora o CDC regule a relação jurídica entre as partes, não há regramento especial neste diploma que discipline os prazos decadenciais relativos às prestações voluntariamente contratadas, devendo-se observar as regras gerais do Código Civil para o deslinde da controvérsia. O Código Civil, por sua vez, permite a convenção de prazos decadenciais nos contratos, desde que respeitados os deveres anexos à contratação: informação clara e redação expressa, ostensiva e legível.

Em suma:

É possível a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo. Mesmo em contratos de consumo, é possível a convenção de prazos decadenciais, desde que respeitados os deveres anexos à contratação: informação clara e redação expressa, ostensiva e legível. STJ. 3ª Turma. REsp 1.778.574-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

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COMPRA DE IMÓVEIS Prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir em reprimenda do fornecedor, caso seja

deste a mora ou o inadimplemento

Importante!!!

No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.

As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MB empreendimentos imobiliários. A cláusula sexta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 07/12/2013 (já considerando o prazo de tolerância de 180 dias). Ocorre que a construtora entregou o imóvel com um atraso de 10 meses. Pedro pegou o contrato para ler novamente, mas não encontrou nenhuma cláusula fixando multa para o caso de atraso da construtora. No ajuste existe apenas a previsão de multa contra o adquirente na hipótese de ele atrasar o pagamento das parcelas. Explicando melhor: o contrato prevê um valor de juros e multa caso o comprador seja inadimplente. Por outro lado, este pacto não estipula qualquer cláusula penal na hipótese da construtora/incorporadora incorrer em mora. Diante desse cenário, indaga-se: é possível a inversão da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos casos de inadimplemento da construtora em virtude de atraso na entrega de imóvel? É possível aplicar contra a construtora/incorporadora a cláusula penal fixada contra o adquirente? SIM. É abusivo o contrato que estipula penalidade apenas ao consumidor para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal previsão o fornecedor. Assim, se o contrato prevê multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, essa mesma multa deverá incidir contra a construtora caso esta incorra em mora ou inadimplemento. Segundo o CDC, as relações entre consumidores e fornecedores devem ser equilibradas (art. 4º, III). Além disso, é direito básico do consumidor a “igualdade nas contratações” (art. 6º, II). O art. 51 do CDC, ao enumerar algumas cláusulas tidas por abusivas, deixa claro que, nos contratos de consumo deve haver reciprocidade de direitos entre fornecedores e consumidores:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

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XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

De igual modo, a Portaria nº 4, de 13/3/1998, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) prevê que são abusivas as cláusulas que:

6 - estabeleçam sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor.

Essa Portaria (ato infralegal) pode ser aplicada para esses contratos de compra e venda de imóveis envolvendo consumidores porque o art. 7º do CDC prevê que os direitos previstos no Código não excluem outros decorrentes de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes. Desse modo, seja por força dos princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no CDC, ou, ainda, com base no imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de estipular cláusula penal exclusivamente ao adquirente para a hipótese de mora ou de inadimplemento contratual absoluto, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor em situações de análogo descumprimento da avença. Em suma: Prevendo o contrato a incidência de multa para o caso de inadimplemento por parte do consumidor, ela também deverá ser considerada para o arbitramento da indenização devida pelo fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento absoluto. Esta é a “primeira parte” da tese fixada pelo STJ:

No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

É equívoco inverter a multa contratual sem observar a técnica própria O STJ fez, contudo, uma ponderação. Em alguns casos, não se pode simplesmente inverter a multa sem que sejam feitas algumas adaptações. Conforme explica a Min. Maria Isabel Gallotti:

“Devem ser consideradas, porém, as peculiaridades do caso, e se adequada e equitativa a forma como está sendo determinada a inversão. Por exemplo, a multa moratória fixada para caso de atraso do consumidor incide apenas sobre a prestação não paga no vencimento. A inversão, para determinar a incidência do mesmo percentual sobre o valor total do imóvel, incidindo a cada mês de atraso, parece não constituir uma mera inversão da multa moratória, podendo representar valor divorciado da realidade de mercado, desestabilizador da relação contratual, ou ser considerado razoável se entendido, cumulativamente, como sanção moratória e compensatória da privação do uso do imóvel no período de atraso na entrega do empreendimento.”

Assim, é um equívoco simplesmente inverter, sem observar a técnica própria, a multa contratual referente à obrigação do adquirente de dar (pagar), para, então, incidir em obrigação de fazer, resultando em indenização pelo inadimplemento contratual em montante exorbitante, desproporcional, a ensejar desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa, em indevido benefício do promitente comprador. Explicando de forma mais simples: • a multa prevista no contrato para o adquirente é relacionada com uma obrigação de dar (pagar). • assim, o contrato prevê uma multa para o fato de o consumidor deixar de pagar a prestação.

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• esta multa prevista em desfavor do consumidor é um percentual que incide sobre o valor da prestação não quitada a tempo (ex: 1% da parcela que não foi paga). • a obrigação da construtora/incorporadora, por outro lado, é uma obrigação de fazer (entregar o imóvel). • logo, são obrigações heterogêneas, ou seja, de espécies diferentes. • isso faz com que não seja possível determinar a incidência do mesmo percentual sobre o preço total do imóvel, incidindo a cada mês de atraso. Não é possível aplicar, por exemplo, 1% de multa sobre o preço total do imóvel, mensalmente, sob pena de gerar um valor divorciado da realidade de mercado, ensejando enriquecimento sem causa. O que fazer, então? Nos casos de obrigações de natureza heterogênea (por exemplo, obrigação de fazer e obrigação de dar), impõe-se a sua conversão em dinheiro, apurando-se valor adequado e razoável para arbitramento da indenização pelo período de mora, vedada sua cumulação com lucros cessantes. Assim, o juiz irá converter a obrigação de fazer da construtora/incorporadora em uma obrigação de pagar, aplicando a multa. Essa cálculo da conversão em dinheiro deve ser feito mediante liquidação por arbitramento. Essa é a “segunda parte” da tese fixada pelo STJ:

As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Duas observações finais: • A multa compensatória fixada contra a construtora/incorporadora não poderá, por questão de simetria, incidir sobre todo o preço do imóvel que deveria ter sido entregue (obrigação de fazer). • Essa multa fixada contra a construtora/incorporadora não poderá ser cumulada com lucros cessantes. Em outras palavras, o consumidor não pode receber a multa e mais a indenização por lucros cessantes (STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019). Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:

Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega. Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente: • a resolução do contrato; • a devolução de todo o valor que pagou; e • o pagamento da multa estabelecida.

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A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A:

§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel. Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A:

§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.

Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato). O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso). Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A:

§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.

Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência? NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência. A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“(...) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.”

O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma. Assim, podemos fixar as conclusões: • contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.631.485-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018. • contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.

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COMPRA DE IMÓVEIS Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes

A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Veja comentários em Direito Civil.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Plano de recuperação judicial pode prever que os credores serão pagos parceladamente e que o

saldo devedor será corrigido pela TR mais 1% ao ano

É válida a cláusula no plano de recuperação judicial que determina a TR como índice de correção monetária e a fixação da taxa de juros em 1% ao ano.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.932-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Plano de recuperação Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência. Este plano deverá conter: • discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); • demonstração de sua viabilidade econômica; e • laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Os credores analisam o plano apresentado, que pode ser aprovado ou não pela assembleia geral de credores.

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Atualização do saldo devedor por meio de TR + 1% ao ano Imagine agora a seguinte situação hipotética: Braga Indústria Ltda. é uma sociedade empresária que pediu recuperação judicial. O plano de recuperação judicial previu que os credores desta empresa seriam pagos em um prazo de até 14 anos. Durante esse período, o saldo devedor seria atualizado por meio do índice TR (Taxa Referencial) de correção monetária, acrescido de juros de 1% ao ano. Veja a cláusula do plano de recuperação que trata sobre o tema: “7.5 JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA Os créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, inclusive os trabalhistas, serão atualizados e remunerados pela TR – Taxa Referencial, criada pela Lei n° 8.177/91, 01.03.1991, e Resoluções CMN - Conselho Monetário Nacional - nº 2.437, de 30.10.1997, acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao ano e, que começarão a incidir a partir da Data Inicial.” Um dos credores questionou esse índice de correção monetária afirmando que a TR já foi declarada inconstitucional pelo STF por não conseguir manter o poder aquisitivo. Desse modo, pediu para que essa cláusula fosse declarada ilegal. A alegação do credor foi acolhida pelo STJ? É ilegal a previsão contida no plano de recuperação judicial no sentido de que a atualização do saldo devedor será feita por meio de TR + 1% ao ano? NÃO. O STJ não declarou ilegal essa cláusula. Poder Judiciário só faz o controle de legalidade do plano de recuperação judicial Antes de tudo, é importante esclarecer qual é o controle judicial que se faz em relação ao plano de recuperação judicial. O plano aprovado pela assembleia de credores possui índole predominantemente contratual, sendo, por isso, vedado ao Poder Judiciário se imiscuir (“intrometer”) nas especificidades do conteúdo econômico aprovado entre a empresa devedora e os credores, desde que, obviamente, sejam observados os quóruns previstos no art. 45 da Lei nº 11.101/2005. Assim, a concessão de prazos e descontos para o adimplemento dos débitos faz parte das tratativas, ou seja, das negociações travadas pelas partes envolvidas. Conforme já decidiu o STJ:

Se o plano cumpriu as exigências legais e foi aprovado em assembleia, o juiz deve homologá-lo e conceder a recuperação judicial do devedor, não sendo permitido ao magistrado se imiscuir (intrometer) no aspecto da viabilidade econômica da empresa. A aprovação do plano pela assembleia representa uma nova relação negocial que é construída entre o devedor e os credores. Se os credores aceitaram a proposta e ela preenche os requisitos legais, não cabe ao juiz indeferir a recuperação judicial. Além disso, o magistrado não é a pessoa mais indicada para aferir a viabilidade econômica do plano de recuperação judicial. Isso porque a análise do possível sucesso ou não do plano proposto não é uma questão jurídica propriamente dita, mas sim econômica, e que está inserida na seara negocial da recuperação judicial, o que deve ser tratado entre devedor e credores. STJ. 4ª Turma. REsp 1359311-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/9/2014 (Info 549).

Sobre o tema, vale relembrar os enunciados 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ:

Enunciado 44: A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade.

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Enunciado 46: Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.

Utilização da TR como índice de correção monetária e a fixação da taxa de juros em 1% ao ano não constituem ilegalidades Iniciando pela análise dos juros. Não há norma geral no ordenamento jurídico pátrio que estabeleça um limite mínimo, um piso, para a taxa de juros (quer moratórios, quer remuneratórios). Além disso, também não há uma norma que proíba a periodicidade anual. Logo, não há nada de ilegal no plano de recuperação judicial que fixa a taxa de juros em 1% ao ano. Examinando agora a questão da TR. TR é a sigla para “Taxa Referencial”, um índice de correção monetária que é utilizado para a correção dos valores depositados na poupança. A TR é um índice muito criticado. Isso porque, segundo os economistas, ele não consegue evitar a perda de poder aquisitivo da moeda. Esse índice (TR) é fixado ex ante, ou seja, previamente, a partir de critérios técnicos não relacionados com a inflação considerada no período. Em outras palavras, a TR é calculada antes de a inflação ocorrer. Assim, a remuneração da caderneta de poupança – diferentemente de qualquer outro índice oficial de inflação – é sempre prefixada. Essa circunstância deixa claro que existe uma desvinculação entre a remuneração da poupança e a evolução dos preços da economia, isto é, a TR não capta a variação da inflação. Observe-se, por exemplo, que a TR permaneceu em 0% ao longo de todo o ano de 2018. Por essa razão, diz-se que todo índice definido ex ante é incapaz de refletir a real flutuação de preços apurada no período em referência. É o caso da TR. Esses foram os motivos que levaram o STF a declarar a TR inconstitucional como índice de correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública: RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20/11/2017. Vale ressaltar, no entanto, que não se pode dizer que essa decisão do STF valha para toda e qualquer obrigação. Dito de outro modo, a TR não será sempre inconstitucional ou ilegal. Assim, em princípio, a utilização da TR como indexador, por si só, não configura uma ilegalidade. O STJ possui, inclusive, três súmulas afirmando que a TR é um indexador válido para algumas situações:

Súmula 295-STJ: A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada. Súmula 454-STJ: Pactuada a correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice aplicável à caderneta de poupança, incide a taxa referencial (TR) a partir da vigência da Lei n. 8.177/1991. Súmula 459-STJ: A Taxa Referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador mas não repassados ao fundo.

Logo, para esses contratos acima, o STJ já afirmou que a TR é válida. Outro exemplo é no caso do FGTS. O STJ já decidiu que a TR é um índice válido para a remuneração das contas vinculadas ao FGTS. Nesse sentido: STJ. 1ª Seção. REsp 1614874-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 625). Por outro lado, existem contratos nos quais não se pode realmente utilizar a TR. Há contratos cuja natureza jurídica, ou cuja lei de regência, exigem a utilização de um índice que efetivamente expresse o fenômeno inflacionário. Com relação a esses tipos de contrato, o STJ entende que é inválida a previsão da TR como índice de correção monetária. TR pode ser utilizada no plano de recuperação judicial O plano de recuperação judicial possui natureza jurídica de um negócio jurídico plurilateral, na medida em que se forma a partir da manifestação de vontade dos diversos credores reunidos em assembleia, todos

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eles em prol de interesses comuns, quais sejam, a recuperação da empresa em crise e o pagamento dos credores. Vale ressaltar que a aprovação do plano exige, necessariamente, alguma disposição de direitos por parte dos credores. Em outras palavras, eles terão que renunciar (“perder”) um pouco para que a empresa em crise consiga pagar. O grau de renúncia é que será negociado. Pode-se renunciar muito ou pouco a depender das negociações. Se a maioria dos credores se recusar a dispor, ao menos em parte, de seus direitos creditícios, insistindo em exigir o cumprimento da obrigação nas mesmas condições em que pactuadas, a recuperação judicial da empresa se tornará inviável e será decretada a sua falência. Ora, se o plano de recuperação pressupõe a disponibilidade de direitos por parte dos credores, nada impede que os credores façam concessões também quanto à forma de atualização monetária de seus créditos, aceitando a TR e assumindo os “prejuízos” decorrentes das perdas inflacionárias em prol da recuperação da empresa. Assim, em tese, os credores poderiam até mesmo abrir mão totalmente de qualquer índice de correção monetária. Trata-se de um direito disponível, de forma que cabe aos próprios credores avaliar, segundo sua análise econômica, se vale a pena aceitar ou não aquele índice de correção monetária, mesmo que ele seja insuficiente para corrigir a contento a inflação do período. Em suma:

É válida a cláusula no plano de recuperação judicial que determina a TR como índice de correção monetária e a fixação da taxa de juros em 1% ao ano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.932-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Aprovação do plano suspende os protestos tirados contra a empresa em recuperação, mas ficam

mantidos os protestos tirados contra eventuais coobrigados (ex: avalistas)

No plano de recuperação judicial é possível suspender tão somente o protesto contra a recuperanda e manter ativo o protesto tirado contra o coobrigado.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.932-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial.

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Plano de recuperação Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência. Este plano deverá conter: • discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); • demonstração de sua viabilidade econômica; e • laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Os credores analisam o plano apresentado, que pode ser aprovado ou não pela assembleia geral de credores. Suspensão das ações e execuções Tendo sido decretada a recuperação judicial, as ações e execuções que tramitavam contra a empresa em recuperação serão suspensas. Veja:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do PROCESSAMENTO da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o PROCESSAMENTO da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...) III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

Segundo explica o Min. Luis Felipe Salomão, a razão dessa norma que determina a pausa momentânea das ações e execuções (stay period) na recuperação judicial é a de permitir que o devedor em crise consiga negociar de forma conjunta com todos os credores (plano de recuperação) e, ao mesmo tempo, preservar o patrimônio do empreendimento, que ficará livre, por um determinado período de respiro, de eventuais constrições (ex: penhora) de bens necessários à continuidade da atividade empresarial. Com isso, minimiza-se o risco de haver uma falência. Além da suspensão das ações e execuções, o mero deferimento do PROCESSAMENTO da recuperação judicial acarreta também a retirada do nome da empresa do SPC, SERASA e demais cadastros negativos? A empresa em recuperação judicial tem direito de tirar seu nome dos serviços de restrição de crédito e tabelionatos de protesto pelo simples fato de ter sido deferida a recuperação judicial? NÃO. O deferimento do processamento de recuperação judicial, por si só, não enseja a suspensão ou o cancelamento da negativação do nome do devedor nos cadastros de restrição ao crédito e nos tabelionatos de protestos. O deferimento do processamento de recuperação judicial suspende o curso das ações e execuções propostas em face do devedor. Como vimos acima, isso está expressamente previsto no art. 6º, caput e § 4º, da Lei nº

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11.101/2005. Contudo, essa providência (suspensão das ações e execuções) não significa que o direito dos credores (direito creditório propriamente dito) tenha sido extinto. A dívida continua existindo. Assim, se a dívida continua existindo (e apenas a execução é que está suspensa), não se pode aceitar a retirada do nome da empresa em recuperação dos serviços de proteção ao crédito e tabelionato de protesto.

Enunciado 54 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: O deferimento do processamento da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protestos.

Obs: deferimento do processamento da recuperação é diferente de concessão da recuperação judicial. E haverá algum momento a partir do qual será possível retirar o nome da empresa dos cadastros restritivos? SIM. Com a aprovação do plano. Quando o plano de recuperação judicial for aprovado, será possível providenciar a baixa dos protestos e a retirada do nome da empresa dos cadastros de inadimplentes em relação às dívidas que estiverem sujeitas ao referido plano. Isso porque, havendo a aprovação do plano, ocorre a novação dos débitos, ou seja, as dívidas anteriores serão substituídas pelas novas condições firmadas no plano, nos termos do art. 59 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

Ressalte-se, no entanto, que essa baixa dos protestos e retirada do nome dos cadastros ficará sob condição resolutiva, devendo a empresa cumprir todas as obrigações previstas no acordo de recuperação judicial uma vez que, se desatendê-las, será possível reincluí-la nos referidos cadastros. Diante disso, uma vez homologado o plano de recuperação judicial, os órgãos competentes devem ser oficiados a providenciar a baixa dos protestos e a retirada dos cadastros de inadimplentes do nome da recuperanda e dos seus sócios, por débitos sujeitos ao referido plano, com a ressalva expressa de que essa providência será adotada sob a condição resolutiva de a devedora cumprir todas as obrigações previstas no acordo de recuperação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.260.301/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/08/2012 (Info 502). Imagine agora a seguinte situação hipotética: Braga Indústria Ltda. é uma sociedade empresária que pediu recuperação judicial. O plano de recuperação judicial estabeleceu que os credores desta empresa seriam pagos em um prazo de até 10 anos, ou seja, todas as dívidas foram obrigatoriamente parceladas, respeitada a regra do art. 54 da Lei nº 11.101/2005. O plano de recuperação judicial previu também que todos os protestos que tinham sido tirados contra a Braga (empresa recuperanda) e contra eventuais coobrigados deveriam ficar suspensos. Ex: a Braga estava devendo R$ 100 mil a um fornecedor; esse débito estava materializado em uma duplicata; como a empresa não pagou essa dívida na data do vencimento, o fornecedor levou o título (duplicata) para ser protestado no tabelionato de protesto; vale ressaltar que João (pessoa física) foi avalista desta duplicata, ou seja, ele é um coobrigado. Desse modo, utilizando o exemplo acima, o plano de recuperação previa que o protesto tirado tanto contra a Braga como contra João deveria ficar suspenso. Durante esse novo prazo de pagamento, é como se esse protesto não existisse (retira-se a publicidade deste protesto). Só se a empresa recuperanda descumprir o plano é que o protesto voltaria a produzir efeitos. Veja a cláusula do plano de recuperação: “12. PUBLICIDADE DOS PROTESTOS

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Uma vez aprovado o Plano de Recuperação Judicial, com a novação de todos os créditos sujeitos ao mesmo, pela decisão que conceder a recuperação judicial, todos os credores concordarão com suspensão da publicidade dos protestos efetuados contra a recuperanda e contra os coobrigados, enquanto o Plano de Recuperação Judicial estiver sendo cumprido. Após o pagamento integral dos créditos nos termos e formas estabelecidas neste Plano, os respectivos valores serão considerados integralmente quitados e o respectivo Credor dará a mais ampla, geral, irrevogável e irretratável quitação, para nada mais reclamar a qualquer título, contra quem quer que seja, sendo inclusive obrigado a fornecer, se o caso, carta de anuência/instrumento de protesto para fins de baixa definitiva dos protestos.” Agravo de instrumento de um credor O plano foi aprovado pela assembleia geral de credores. Diante disso, o juiz decretou a recuperação judicial da empresa. O Banco Itaú, um dos credores da Braga, interpôs agravo de instrumento contra esta decisão pedindo a revogação do plano de recuperação judicial para que outro fosse submetido à assembleia, ou para que a recuperação fosse convolada em falência:

Art. 59 (...) § 2º Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.

Alegou, como fundamento para a revogação do plano, que é ilegal a previsão de que o protesto tirado contra os coobrigados também deverá ficar suspenso. Em outras palavras, o banco disse o seguinte: olha, eu concordo que o protesto fique suspenso contra a empresa recuperanda; no entanto, a Lei nº 11.101/2005 não autoriza que o protesto contra os coobrigados também fique suspenso; isso é ILEGAL!!!!! A tese do Banco foi acolhida pelo STJ? SIM. Essa cláusula do plano de recuperação judicial viola o art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, segundo a qual “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Assim, ao contrário do que ocorre com a empresa recuperanda, a obrigação dos coobrigados não se submete aos efeitos da novação especial prevista no art. 59, caput, da Lei nº 11.101/2005. Em suma:

No plano de recuperação judicial é possível suspender tão somente o protesto contra a recuperanda e manter ativo o protesto tirado contra o coobrigado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.932-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Os protestos tirados contra a empresa em recuperação judicial e contra os coobrigados são suspensos com a recuperação judicial?

Com o deferimento do processamento da recuperação judicial:

NÃO

Com a aprovação e homologação do plano de recuperação judicial:

DEPENDE

O deferimento do processamento da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protestos.

• O protesto é suspenso com relação à empresa recuperanda. • O protesto é mantido ativo com relação aos coobrigados.

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RECUPERAÇÃO JUDICIAL Se houve a migração da concordata para recuperação judicial, o crédito em moeda estrangeira

será calculado com base no câmbio do dia do processamento da concordata

Crédito em moeda estrangeira que deveria ter sido ou foi habilitado em concordata preventiva (Decreto-Lei nº 7.661/45) que posteriormente vem a migrar para a recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005) deve ser convertido em moeda nacional pelo câmbio do dia em que foi processada a concordata preventiva.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.319.085-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/05/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2004, a Parmalat do Brasil Ltda. pediu concordata. A concordata era um processo previsto na antiga Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45) por meio do qual se tentava “salvar” a sociedade empresária que estava em risco de quebrar (ir à falência). Em 2005, entrou em vigor a Lei nº 11.101/2005, que revogou o DL 7.661/45 e acabou com a figura da concordata, criando um novo instituto “parecido” (mas não idêntico), chamado de “recuperação judicial”. O que acontece com falências ou concordatas que haviam sido decretadas na vigência do DL 7.661/45 e, em seguida, antes que elas fossem concluídas, entrou em vigor a Lei nº 11.101/2005? Como regra geral, os processos de falência e de concordata ajuizados antes da vigência da Lei nº 11.101/2005 continuaram regidos pelo DL 7.661/45. Foi o que previu o caput do art. 192 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

Possibilidade de migração para a recuperação judicial O § 2º do art. 192 trouxe a possibilidade de a empresa que estava em concordata pedir a recuperação judicial. Fala-se, neste caso, que há uma migração para a recuperação judicial:

Art. 192 (...) § 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.

Essa possibilidade é interessante porque a recuperação judicial trouxe regras mais favoráveis ao soerguimento da empresa. Voltando ao exemplo: Como já dito, em 2004, a Parmalat pediu a concordata, regida pelo DL 7.661/45. Depois que entrou em vigor a Lei nº 11.101/2005, a Parmalat pediu a migração para a recuperação judicial. Um dos credores da Parmalat era um banco suíço para quem a empresa devia 5 milhões de dólares, dívida que venceu em 30 de julho de 2004. Vale ressaltar que esse banco não pediu a habilitação de seu crédito na concordata. Em 2005, depois da edição da nova lei, o juiz deferiu a recuperação judicial da Parmalat. Nesse momento, ou seja, depois que houve a migração da concordata para a recuperação judicial, o banco pediu a habilitação do crédito. Como a dívida com o banco era em dólar, foi necessário fazer a conversão em moeda nacional (real).

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Surgiu, então, a dúvida: essa conversão deverá considerar o câmbio de qual dia? Do dia em que foi processada a concordata preventiva, conforme previa o art. 213 do DL 7.661/45:

Art. 213. Os créditos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda do país, pelo câmbio do dia em que for declarada a falência ou mandada processar a concordata preventiva, e só pelo valor assim estabelecido serão considerados para todos os efeitos desta lei.

O § 2º do art. 50 da Lei nº 11.101/2005 traz regra diferente, prevendo:

Art. 50 (...) § 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

Como houve a migração da concordata preventiva para a recuperação judicial, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão incluídos na recuperação judicial no seu valor original, como o montante primitivo e de acordo com a legislação de regência à época. É o que prevê o art. 192, § 3º da Lei nº 11.101/2005:

Art. 192 (...) § 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei. § 3º No caso do § 2º deste artigo, se deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário.

Logo, deve ser aplicada a regra do art. 213 do DL 7.661/45. Em suma:

Crédito em moeda estrangeira que deveria ter sido ou foi habilitado em concordata preventiva (Decreto-Lei nº 7.661/45) que posteriormente vem a migrar para a recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005) deve ser convertido em moeda nacional pelo câmbio do dia em que foi processada a concordata preventiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.319.085-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/05/2019 (Info 651).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Em caso de decisões interlocutórias complexas, qual critério será adotado

para saber se cabe ou não agravo de instrumento?

Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo, é possível estabelecer como critérios para a identificação do cabimento do recurso:

a) o exame do elemento que prepondera na decisão;

b) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas;

c) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.797.991-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, José, Joaquim, Maria, Mônica e Miriam ajuizaram, em litisconsórcio ativo facultativo, ação contra a Sul América Seguros discutindo um seguro de mútuo habitacional. A ação foi distribuída para a 3ª Vara Cível de Curitiba (PR). A Caixa Econômica Federal interveio no feito e manifestou interesse em integrar a presente demanda, na qualidade de assistente da Sul América, mas somente em relação aos pedidos formulados pelos autores João, José e Joaquim. Diante disso, como a CEF é uma empresa pública federal (art. 109, I, da CF/88), o Juiz de Direito desmembrou o processo em relação aos autores João, José e Joaquim e declinou a competência para a Justiça Federal, permanecendo com o processo no que tange a Maria, Mônica e Miriam. Relembre o que diz o art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

João, José e Joaquim desejam recorrer contra a decisão alegando que a CEF não teria interesse jurídico de intervir no feito e, consequentemente, o feito deveria continuar tramitando na Justiça Estadual. Qual é o recurso cabível neste caso? Agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, IX, do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

Pronunciamento judicial de natureza complexa Vale ressaltar que, no caso concreto, estamos diante de um pronunciamento judicial de natureza complexa. Isso porque o juiz, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro (no caso, a CEF), também se pronuncia sobre a necessidade ou não de modificação da competência em virtude da referida intervenção. São, portanto, duas decisões em uma só. Em caso de decisões interlocutórias complexas, qual critério será adotado para saber se cabe ou não agravo de instrumento? Qual das duas “decisões” contidas nessa única decisão é que irá servir de parâmetro para se definir se cabe ou não agravo de instrumento?

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O STJ propôs os seguintes critérios:

Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo é possível estabelecer como critérios para a identificação do cabimento do recurso: a) o exame do elemento que prepondera na decisão; b) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; c) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.797.991-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/06/2019 (Info 651).

Vejamos cada um desses critérios com base no exemplo dado acima: a) o exame do elemento que prepondera na decisão O primeiro critério que se pode fixar diz respeito à preponderância de carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante. No nosso exemplo, a decisão sobre a intervenção ou não de terceiro (da CEF) exerce relação de dominância sobre a competência. A definição sobre a intervenção prepondera. Isso porque somente se pode cogitar de uma alteração de competência se – e apenas se – houver a admissão do terceiro. b) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas Consiste em verificar se a primeira matéria (ex: intervenção de terceiro) influencia o modo de se decidir a segunda matéria (ex: competência). No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado. Assim, se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual. c) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada Por fim, deve-se examinar o foco da irresignação da parte agravante em suas razões recursais para que se conclua pela incidência do art. 1.015, IX, do CPC/15, ou seja, se a impugnação se dirige precipuamente para a questão da intervenção de terceiro ou para a questão da competência. Em nosso exemplo, o objeto principal do recurso interposto é alegar que a CEF não teria interesse jurídico para intervir no feito. Desse modo, no exemplo dado, a identificação do cabimento do recurso é feita com base na análise do acerto ou não da admissão da intervenção de terceiros (no caso, a CEF).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS É ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada

Importante!!!

Caso concreto: o homem passava pela catraca de uma das estações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) com uma mochila nas costas, quando foi abordado por dois agentes de segurança privada da empresa. Os seguranças acreditavam que se tratava de vendedor ambulante e fizeram uma revista, tendo encontrado dois tabletes de maconha na mochila do passageiro. O homem foi condenado pelo TJ/SP por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

O STJ, contudo, entendeu que a prova usada na condenação foi ilícita, considerando que obtida mediante revista pessoal ilegal feita pelos agentes da CPTM.

Segundo a CF/88 e o CPP, somente as autoridades judiciais, policiais ou seus agentes estão autorizados a realizarem a busca domiciliar ou pessoal.

Diante disso, a 5ª Turma do STJ concedeu habeas corpus para absolver e mandar soltar um homem acusado de tráfico de drogas e condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com base em prova recolhida em revista pessoal feita por agentes de segurança privada da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

STJ. 5ª Turma. HC 470.937/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/06/2019 (Info 651).

Imagine a seguinte situação hipotética: João passou pela catraca de uma das estações de metrô com uma mochila nas costas, quando foi abordado por dois agentes de segurança privada da sociedade de economia mista que administra esse meio de transporte no Estado de São Paulo (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM). Os seguranças afirmaram que o indivíduo demonstrou “certa preocupação” ao passar por eles e, acreditando que se tratava de vendedor ambulante (atividade proibida dentro dos vagões), os agentes de segurança realizaram revista pessoal e localizaram no interior da mochila dois tabletes de maconha. João foi denunciado e condenado por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), sentença mantida pelo TJ/SP. Diante disso, a defesa impetrou habeas corpus dirigido ao STJ alegando que a apreensão da droga foi ilícita porque realizada em revista pessoal feita por agentes de segurança particular. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? SIM. A busca pode ser domiciliar ou pessoal (art. 240 do CPP). O Código de Processo Penal, ao disciplinar a busca domiciliar e pessoal, preconiza:

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Para o STJ, somente as autoridades judiciais, policiais ou seus agentes, estão autorizados a realizarem a busca domiciliar ou pessoal. Segundo o inciso II do art. 5º da Constituição Federal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Na hipótese, o agente (João) não tinha a obrigação de se sujeitar à revista pessoal. Isso porque não existe lei autorizando que esse ato seja feito pelos seguranças privados do metrô.

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Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42

Vale ressaltar que esses agentes de segurança não podem nem sequer ser equiparados a guardas municipais, já que são empregados de uma sociedade de economia mista operadora de transporte ferroviário no Estado de São Paulo, sendo regidos, portanto, pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Em suma:

É ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada e todas as provas decorrentes desta. STJ. 5ª Turma. HC 470.937/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/06/2019 (Info 651).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional

previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência. ( ) 2) Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares restrito às

obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local, sem prejuízo do também poder-dever da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer a sua atuação saneadora. ( )

3) A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 5 (cinco) anos. ( )

4) A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. ( )

5) Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação. ( )

6) A “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado não caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular para fins de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei nº 8.245/91. ( )

7) É lícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente, desde que se refira às áreas de lazer. ( )

8) A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. ( )

9) É abusiva a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo. ( ) 10) No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de

cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. ( )

11) É válida a cláusula no plano de recuperação judicial que determina a TR como índice de correção monetária e a fixação da taxa de juros em 1% ao ano. ( )

12) No plano de recuperação judicial é possível suspender tão somente o protesto contra a recuperanda e manter ativo o protesto tirado contra o coobrigado. ( )

13) Se houve a migração da concordata para recuperação judicial, o crédito em moeda estrangeira será calculado com base no deferimento da recuperação. ( )

14) Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo é possível estabelecer como critérios para a identificação do cabimento do recurso: (i) o exame do elemento que prepondera na decisão; (ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; (iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. ( )

15) É ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada e todas as provas decorrentes desta. ( ) Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E 7. E 8. C 9. E 10. C

11. C 12. C 13. E 14. C 15. C