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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 645-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO A candidata que está amamentando (lactante) na época do curso de formação para o cargo de agente penitenciário tem direito de fazer o curso em um período posterior. DIREITO CIVIL DIREITOS DA PERSONALIDADE Não se exige que o indivíduo tenha deixado um documento escrito dizendo que desejava ser submetido à criogenia, podendo essa vontade ser provada por outros meios, como a declaração do familiar mais próximo. PROPRIEDADE A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, por si, não opera a transferência da propriedade do bem para a sociedade empresarial. DIREITO EMPRESARIAL RECUPERAÇÃO JUDICIAL Os créditos decorrentes do pensionamento fixado em sentença judicial podem ser equiparados àqueles derivados da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial. DIREITO PROCESSUAL CIVIL SUSPENSÃO DO PROCESSO A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o nascimento ou adoção, não sendo necessária a comunicação imediata ao juízo HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Honorários devem seguir regra objetiva; equidade é critério subsidiário. AÇÃO RESCISÓRIA Quando o inciso VII do art. 966 do CPC/2015 fala que é possível o ajuizamento de ação rescisória com base em “prova nova”, isso abrange também a prova testemunhal. AGRAVO DE INSTRUMENTO Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens. É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral. PRECATÓRIOS Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório. EXECUÇÃO FISCAL Juiz pode deferir consulta ao CCS na execução fiscal em busca de bens do devedor.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO A candidata que está amamentando (lactante) na época do curso de formação para o cargo de agente penitenciário

tem direito de fazer o curso em um período posterior.

DIREITO CIVIL

DIREITOS DA PERSONALIDADE Não se exige que o indivíduo tenha deixado um documento escrito dizendo que desejava ser submetido à criogenia,

podendo essa vontade ser provada por outros meios, como a declaração do familiar mais próximo. PROPRIEDADE A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio,

por si, não opera a transferência da propriedade do bem para a sociedade empresarial.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Os créditos decorrentes do pensionamento fixado em sentença judicial podem ser equiparados àqueles derivados

da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

SUSPENSÃO DO PROCESSO A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o nascimento

ou adoção, não sendo necessária a comunicação imediata ao juízo HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Honorários devem seguir regra objetiva; equidade é critério subsidiário. AÇÃO RESCISÓRIA Quando o inciso VII do art. 966 do CPC/2015 fala que é possível o ajuizamento de ação rescisória com base em

“prova nova”, isso abrange também a prova testemunhal. AGRAVO DE INSTRUMENTO Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos

da partilha dos bens. É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do

ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral. PRECATÓRIOS Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório. EXECUÇÃO FISCAL Juiz pode deferir consulta ao CCS na execução fiscal em busca de bens do devedor.

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DIREITO PENAL

FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica antes do recebimento da denúncia não é causa de

extinção da punibilidade. CRIME DO ART. 218-B DO CP Cliente pode ser punido sozinho; a vulnerabilidade é relativa; o tipo penal não exige habitualidade, comportando a

aplicação da continuidade delitiva.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS O aproveitamento, pelo adquirente, do ICMS destacado na nota fiscal de compra de mercadorias de contribuinte

incluído no Regime Especial de Fiscalização sujeita-se à prova da arrecadação.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR É válida a exigência de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar

para fazer jus à pensão por morte.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO A candidata que está amamentando (lactante) na época do curso de formação para o cargo de

agente penitenciário tem direito de fazer o curso em um período posterior

Importante!!!

É constitucional a remarcação de curso de formação para o cargo de agente penitenciário feminino de candidata que esteja lactante à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público.

STJ. 1ª Turma. RMS 52.622-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: Maria inscreveu-se no concurso Agente de Polícia Federal. Foi aprovada nas fases anteriores do certame e convocada para o teste físico. Ocorre que Maria encontrava-se temporariamente incapacitada para realizar atividades físicas em virtude de doença (epicondilite gotosa no cotovelo esquerdo), comprovada por atestado médico. Maria formulou requerimento administrativo solicitando que fosse designada nova data para a realização do teste físico, o que foi indeferido pela Administração Pública com base em uma previsão no edital que negava esta possibilidade. Diante disso, Maria impetrou mandado de segurança. Segundo a jurisprudência do STF, Maria terá direito de fazer a prova de segunda chamada? O(a) candidato(a) doente no dia do teste físico tem direito de fazer prova de segunda chamada? NÃO.

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Os candidatos em concurso público NÃO têm direito à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo se houver previsão no edital permitindo essa possibilidade. STF. Plenário. RE 630733/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/5/2013 (repercussão geral) (Info 706).

Principais argumentos do STF para decidir assim: • o princípio da isonomia estaria violado se a Administração Pública beneficiasse determinado indivíduo em detrimento de outro nas mesmas condições; • o princípio da isonomia não possibilita que o candidato tenha direito de realizar prova de segunda chamada em concurso público por conta de situações individuais e pessoais, especialmente porque o edital estabelece tratamento isonômico a todos os outros candidatos; • além disso, a análise da presente questão não se limita ao exame do princípio da isonomia, devendo ser considerados outros princípios envolvidos; • o concurso público é um processo de seleção que deve ser realizado com transparência, impessoalidade, igualdade e com o menor custo para os cofres públicos. Dessa maneira, não é razoável a movimentação de toda a máquina estatal para privilegiar determinados candidatos que se encontrem impossibilitados de realizar alguma das etapas do certame por motivos exclusivamente individuais; • ao se permitir a remarcação do teste de aptidão física nessas circunstâncias, está se possibilitando que o término do concurso seja adiado inúmeras vezes, sem limites, considerando que, naquele determinado dia marcado, algum candidato poderia ter problemas de ordem individual, o que causaria tumulto e dispêndio desnecessário para a Administração; • assim, não é razoável que a Administração fique à mercê de situações adversas para colocar fim ao certame, de modo a deixar os concursos em aberto por prazo indeterminado. E no caso da GESTANTE? E se Maria estivesse GRÁVIDA no momento do teste físico e, por conta disso, não pudesse fazer a prova. Neste caso ela teria direito à prova de segunda chamada? A candidata gestante tem direito à remarcação do teste de aptidão física? SIM. O STF afirmou que a candidata que esteja gestante no dia do teste físico possui o direito de fazer a prova em uma nova data no futuro. Mesmo que o edital proíba expressamente isso? Mesmo que o edital diga que não haverá remarcação do teste físico em nenhuma hipótese? SIM. Mesmo que o edital proíba expressamente a gestante terá direito à remarcação do teste. Foi o que decidiu o STF, fixando a seguinte tese:

É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. STF. Plenário. RE 1058333/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21/11/2018 (repercussão geral).

E se a candidata já tivesse tido filho, mas ainda estivesse em licença-maternidade, ela também teria direito à prova de segunda chamada? Imagine a seguinte situação hipotética: Gisele inscreveu-se no concurso para o cargo de Agente de Segurança Penitenciário Feminino. A candidata foi aprovada em todas as provas. Gisele, que estava grávida, deu à luz uma menina em 24 de fevereiro. Algum tempo depois, a Administração Pública convocou Gisele e os demais aprovados para o curso de formação, que foi marcado para iniciar no dia 20 de março. Gisele formulou requerimento administrativo argumentando que estava amamentando e, em razão disso, pediu que fosse designada nova data para que ela realizasse o curso, considerando que este exigia também esforço físico. O pleito foi indeferido pela Administração Pública com base em uma previsão no edital que negava esta possibilidade.

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Diante disso, Gisele impetrou mandado de segurança. Gisele terá direito à remarcação do curso de formação? A candidata que está amamentando (lactante) na época do curso de formação para o cargo de agente penitenciário tem direito de fazer o curso em um período posterior? SIM.

É constitucional a remarcação de curso de formação para o cargo de agente penitenciário feminino de candidata que esteja lactante à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. STJ. 1ª Turma. RMS 52.622-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Apesar de a hipótese não ser exatamente igual ao que decidiu o STF no RE 1058333/PR, o STJ entendeu que as premissas estabelecidas naquele julgamento são plenamente aplicáveis ao caso concreto. Com efeito, a candidata, ao ser convocada para o Curso de Formação, encontrava-se em licença maternidade, com apenas um mês de nascimento da sua filha, período em que sabidamente todas as mulheres estão impossibilitadas de praticar atividades físicas, estando totalmente voltadas para amamentação e cuidados com o recém-nascido. Também nessa hipótese devem ser observados os direitos destacados pelo STF no RE 1058333/PR e que são constitucionalmente protegidos (saúde, maternidade, família e planejamento familiar), merecendo a candidata lactante o mesmo amparo estabelecido pelo Supremo para as gestantes.

DIREITO CIVIL

DIREITOS DA PERSONALIDADE Não se exige que o indivíduo tenha deixado um documento escrito dizendo que desejava ser

submetido à criogenia, podendo essa vontade ser provada por outros meios, como a declaração do familiar mais próximo

Importante!!!

Não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à vontade manifestada em vida.

A criogenia (ou criopreservação) é a técnica de congelamento do corpo humano após a morte, em baixíssima temperatura, a fim de conservá-lo, com o intuito de reanimação futura da pessoa caso sobrevenha alguma importante descoberta científica que possibilite o seu retorno à vida. Em outras palavras, a criogenia consiste no congelamento de cadáveres a baixas temperaturas, com a finalidade de que, com os possíveis avanços da ciência, sejam, um dia, ressuscitados.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.693.718-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: João faleceu, deixando duas filhas: Carla e Larissa. Carla morava em Porto Alegre (RS) e Larissa vivia no Rio de Janeiro (RJ) com o pai (João). Logo após a morte, Larissa avisou sua irmã que o desejo de João era o de que seu corpo fosse submetido ao procedimento de congelamento (criogenia). Por isso, Larissa explicou que já havia providenciado os

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preparativos para a realização da criogenia, por intermédio da empresa Rio Pax, localizada na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para posterior traslado do corpo aos Estados Unidos, onde ficaria congelado. Carla não concordou e afirmou que essa ideia não fazia sentido. Disse, ainda, que o pai nunca lhe contou isso e que não deixou nada assinado manifestando esse suposto desejo. Diante disso, Carla ajuizou ação ordinária contra Larissa com o objetivo de impedir a realização da criogenia, buscando, em consequência, o sepultamento do corpo de seu pai ao lado de sua ex-esposa no cemitério. Larissa contestou afirmando que seu pai era uma pessoa aficionada por tecnologia e sempre acreditou na criogenia. Argumentou também que a autora não tinha muito contato com o genitor e que ele não deixou seu desejo por escrito porque nunca acreditou que pudesse haver algum empecilho por parte da outra filha. A discussão jurídica travada neste caso reside, portanto, no seguinte ponto: para que um morto seja submetido à criogenia, é necessário que ele tenha deixado uma declaração escrita informando esse seu desejo? É necessária alguma formalidade específica? NÃO.

Não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à vontade manifestada em vida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.693.718-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Vamos entender os argumentos jurídicos, fazendo abaixo um resumo do brilhante voto do Min. Marco Aurélio Bellize. Hipóteses mais comuns de destinação dos restos mortais No Brasil, a forma mais comum de destinação dos restos mortais de um ser humano é o sepultamento em túmulo, com o respectivo enterro (inumação) no cemitério. Existem, contudo, outras formas de destinação do corpo após a morte do indivíduo. Como exemplos mais comuns, podemos citar: a) a cremação (incineração do cadáver com posterior entrega das cinzas aos familiares em urna apropriada), regulada pelo art. 77, § 2º, da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos):

Art. 77 (...) § 2º A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 2 (dois) médicos ou por 1 (um) médico legista e, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária.

b) a destinação gratuita do próprio corpo, após a morte, para fins científicos ou altruísticos, nos termos do art. 14 do Código Civil:

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

c) a destinação do cadáver não reclamado às escolas de Medicina, hipótese disciplinada pela Lei nº 8.501/92, cujo art. 2º preconiza:

Art. 2º O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico.

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Hipóteses menos tradicionais Existem também algumas situações mais diferentes das tradicionais, verificadas em diversas partes do mundo, e que não são previstas expressamente na legislação brasileira: • a “resomação” ou “biocremação”: processo em que, utilizando-se água superaquecida e hidróxido de potássio, o cadáver é liquefeito, sobrando apenas os ossos, os quais são cremados e devolvidos aos familiares em uma urna:

• os “recifes eternos” (eternal reefs): procedimento em que se misturam os restos mortais de um indivíduo com cimento ecológico para criar formações de recifes artificiais no fundo do mar;

• a “plastinação”: procedimento que, semelhante à mumificação, consiste em preservar o corpo em uma forma semirreconhecível. Segundo informações obtidas no site www.hypescience.com, essa técnica foi inventada pelo anatomista Gunther von Hagens, sendo “usada em escolas de medicina e laboratórios de anatomia para preservar amostras dos órgãos para a educação. Mas von Hagens tomou o processo um passo adiante, e criou exposições de corpos plastinados como se estivessem congelados no meio de suas atividades cotidianas. Segundo o Instituto de Plastinação, milhares de pessoas se inscreveram para doar seus corpos para a educação ou exposição”.

Criogenia Outra forma de destinação do corpo humano para depois da morte não prevista em nossa legislação que vem ganhando muitos adeptos no mundo todo é a criogenia. A criogenia (ou criopreservação) é a técnica de congelamento do corpo humano após a morte, em baixíssima temperatura, a fim de conservá-lo, com o intuito de reanimação futura da pessoa caso sobrevenha alguma importante descoberta científica que possibilite o seu retorno à vida.

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Em outras palavras, a criogenia consiste no congelamento de cadáveres a baixas temperaturas, com a finalidade de que, com os possíveis avanços da ciência, sejam, um dia, ressuscitados. Assim, quando o paciente é declarado morto, os médicos tentam evitar a deterioração do corpo, injetando-lhe medicamentos específicos, e se utilizando de máquinas que mantém a circulação do sangue e a oxigenação do corpo. O corpo é envolto em uma manta térmica especial, que ajuda a mantê-lo frio, e transportado até a clínica em temperaturas baixas, que fazem com que o cérebro exija menos oxigênio e mantenha os tecidos vivos por mais tempo. Na clínica, o sangue do paciente é retirado ao mesmo tempo em que, por outro tubo, é inserido o líquido crioprotetor, uma substância química à base de glicerina. O líquido substitui outros compostos intracelulares, evitando que cristais de gelo se formem dentro das células. Depois de injetadas as substâncias, o corpo é direcionado para uma cabine com gás nitrogênio circulante. Lá, fica esfriando por cerca de três horas para assegurar que todas as partes do corpo serão congeladas por igual. No final do processo, o paciente estará completamente vitrificado. Em seguida, o corpo é colocado em um saco plástico protetor e imerso em um cilindro de nitrogênio líquido, onde é monitorado. O corpo, então, repousará em tal cilindro, podendo ser visitado pela família até que a ciência descubra um modo de recuperá-lo.

Vale ressaltar que os familiares do falecido que está em criogenia podem visitar o corpo no instituto onde ele fica armazenado (Cryonics Institute), havendo, inclusive, um local para depósito de flores, como em um cemitério. Há, atualmente, cerca de 250 pessoas congeladas em tubos de nitrogênio, conforme informações da Alcor Life Extension Foundation, fundação destinada à pesquisa e realização da criogenia, bem como do Cryonics Institute, instituto que realiza o procedimento de criopreservação, ambos localizados nos Estados Unidos.

Criogenia: lacuna normativa O ordenamento jurídico pátrio não possui previsão legal sobre a utilização da criogenia em corpo humano post mortem. Também não há qualquer vedação no nosso sistema jurídico em relação à adoção desse procedimento. Trata-se, assim, de verdadeira lacuna normativa.

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Nessas hipóteses, para viabilizar a integração da norma jurídica, o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB (Decreto-lei nº 4.657/42) estabelece a seguinte regra:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Direito ao cadáver O ordenamento jurídico confere certa margem de liberdade à pessoa para dispor sobre seu patrimônio jurídico após a morte, assim como protege essa vontade e assegura que seja observada. Existe, portanto, uma autonomia para que a pessoa indique, em vida, o que deve ser feito com seu corpo após a sua morte. Esse direito que a pessoa tem é chamado de “direito ao cadáver”. O direito ao cadáver é uma vertente do direito ao próprio corpo, sendo considerado, portanto, como um desdobramento do direito de personalidade. Nesse sentido:

“Como prolongamento do direito ao corpo, e em nosso entender, sob a mesma base, encontra-se o direito da pessoa de dispor quanto ao destino do próprio cadáver, devendo ser respeitada a sua vontade pela coletividade, salvo se contrária à ordem pública.” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7ª ed. Atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 85-86)

Por força do direito ao cadáver, a pessoa tem a possibilidade de dizer de qual modo deseja que seu corpo seja sepultado (ex: se cremado, enterrado etc.), bem como pode autorizar a doação do seu corpo morto, no todo ou em partes. Criogenia está protegida pelo direito ao cadáver Com isso, conclui-se que o procedimento da criogenia encontra proteção jurídica, na medida em que o indivíduo tem autonomia para escolher a destinação de seu corpo e não há, na lei, uma proibição quanto à escolha por esse procedimento. Vale ressaltar, ainda, que, além de não haver proibição na lei, a criogenia não ofende a moral e os bons costumes. Direito ao cadáver não é de titularidade dos herdeiros do falecido, mas pode ser por estes defendido Os familiares ou herdeiros do morto não são os titulares do direito ao cadáver. No entanto, possuem capacidade jurídica de fato para exercer a sua proteção considerando a impossibilidade do falecido de defender esse seu direito. Em casos envolvendo a tutela de direitos da personalidade do indivíduo post mortem (direito ao cadáver), o ordenamento jurídico legitima os familiares mais próximos a atuarem em favor dos interesses deixados pelo de cujus. São exemplos dessa legitimação as normas insertas nos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil. Assim, a filha do falecido tem legitimidade para defender a vontade manifestada por seu pai no sentido de ser submetido à criogenia. Ok. É possível que o indivíduo declare em vida que deseja que seu corpo seja submetido à criogenia. No entanto, a pergunta que vem em seguida é a seguinte: é necessário que o indivíduo, em vida, tenha feito uma manifestação escrita nesse sentido? NÃO. Embora seja recomendável, a fim de evitar futuros litígios entre os familiares, não se exige que a pessoa tenha deixado por escrito a vontade de ser cremada após a morte, isto é, não há exigência legal de que essa manifestação de vontade seja formalizada por meio de escritura pública, testamento ou outro documento correlato, sobretudo porque na nossa cultura não é de praxe deixar formalizado esse tipo de última vontade.

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Com base em que se conclui que não é necessária manifestação escrita neste caso? Com base naquilo que a Lei dos Registros Públicos prevê a respeito da cremação:

Art. 77 (...) § 2º A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 2 (dois) médicos ou por 1 (um) médico legista e, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária.

A LRP não exige que o indivíduo tenha deixado um documento escrito dizendo que desejava ser cremado. Dessa maneira, como a Lei não exige uma forma especial, deve-se concluir que é possível aferir a vontade do indivíduo, após o seu falecimento, por quaisquer outros meios de prova legalmente admitidos (ex: testemunhas). Esse mesmo raciocínio da cremação deve ser aplicado para a criogenia. Em caso de ausência de manifestação expressa, deve-se dar prevalência à palavra dos familiares próximos ao morto Na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida acerca da destinação de seu corpo após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela apresentada por seus familiares mais próximos. Os familiares mais próximos podem traduzir a expressão da vontade da pessoa no sentido de ser submetida ao procedimento da criogenia após o seu falecimento. Voltando ao nosso exemplo: Tanto a autora como a ré possuem o mesmo grau de parentesco com o falecido (são filhas). No entanto, Larissa morava sozinha com seu pai há muitos anos, sendo razoável concluir, diante das particularidades fáticas do caso, que a sua manifestação é a que traduz a real vontade de seu genitor em relação à destinação de seus restos mortais.

PROPRIEDADE A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, por si, não opera a transferência

da propriedade do bem para a sociedade empresarial

O registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos propugnada pela lei civil não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial.

O contrato social que estabelece que a integralização do capital social será feita por meio da transferência de um imóvel pelo sócio, depois de ser devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis (da Junta Comercial), torna-se um título translativo, ou seja, um título que serve para transferir a propriedade imóvel, mas desde que seja levado a registro no cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o caput do art. 1.245 do CC.

Enquanto não for feito o registro do título translativo (contrato social) no Cartório de Registro de Imóveis, o bem com o qual se deseja fazer a integralização não compõe ainda o patrimônio da sociedade empresarial.

Ex: o contrato social previu que um dos sócios integralizaria o capital social transferindo imóvel de sua propriedade para a sociedade empresária; mesmo após esse contrato social ser registrado na Junta Comercial, o bem ainda não foi transferido; exige-se ainda o registro desse contrato social no Cartório de Registro de Imóveis.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.743.088-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/03/2019 (Info 645).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João e Pedro decidiram montar uma loja de sapatos. Para isso, resolveram constituir uma sociedade limitada, cada um com 50% do capital social (JP sapatos Ltda.). O contrato social previu que o capital da sociedade seria de R$ 200 mil. No instrumento, ficou acertado que João integralizaria parte do capital social em dinheiro, ou seja, transferiria R$ 100 mil para a conta corrente da empresa. O contrato social previu ainda que Pedro integralizaria a outra parte transferindo para o patrimônio da empresa um imóvel seu (sala comercial nº 320, do edifício Empresarial), avaliado em R$ 100 mil. O referido contrato social foi registrado na Junta Comercial do Estado. Vale ressaltar que a transferência do imóvel para a sociedade limitada não foi registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Execução contra Pedro Cerca de um ano depois da constituição da sociedade, a ex-mulher de Pedro ajuizou contra ele uma execução cobrando débitos de pensão alimentícia. O juiz determinou a penhora do imóvel (sala comercial nº 320 do edifício Empresarial). A JP sapatos Ltda. apresentou embargos de terceiro alegando que o imóvel penhorado é seu, tendo sido objeto de integralização de seu capital social feita por um de seus sócios e que, portanto, foi incorporado em seu patrimônio. Os embargos de terceiro deverão ser julgados procedentes? A constituição da sociedade empresarial, registrada na Junta Comercial, com a estipulação de integralização do capital social por meio do imóvel indicado pelo sócio é suficiente para operar a transferência da propriedade? NÃO. O registro na Junta Comercial dos atos constitutivos da empresa, com a integralização do capital social por meio do imóvel, não é causa suficiente para a transferência da propriedade imobiliária. A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel devidamente individualizado, indicado pelo sócio, por si, não opera a transferência de propriedade do bem à sociedade empresarial. Capital social Capital social é a soma dos recursos que os sócios se comprometem a transferir do seu patrimônio particular para a formação do patrimônio da sociedade. Na sociedade empresária, os sócios podem se comprometer a transferir dinheiro ou outros bens (ex: imóveis, joias etc.) para a formação do capital social. O contrato social deverá prever o capital da sociedade, a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la (art. 997, III e IV, do CC). Subscrição x integralização • Subscrição do capital social: é o ato por meio do qual o indivíduo se compromete a contribuir com determinado valor (em dinheiro ou bens) para a formação do capital social, recebendo da sociedade, em contrapartida, uma participação societária. • Integralização do capital social: é o ato por meio do qual o sócio efetivamente transfere para a sociedade o valor pelo qual se comprometeu na subscrição. O sócio que não integraliza, parcial ou integralmente, o capital é chamado de sócio remisso (art. 1.004, parágrafo único, do CC). Integralização deve ser feita segundo as regras da lei civil Para que haja uma integralização de bens válida e eficaz, é necessário que se observem as regras previstas na lei civil para a transferência da propriedade. Isso significa que, em se tratando de bem imóvel, a

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incorporação do bem à sociedade empresarial terá que seguir, obrigatoriamente, aquilo que determina o art. 1.245 do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. (...)

Desse modo, a lei civil exige, como condição imprescindível para que ocorra a transferência da propriedade do imóvel, que seja feito o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Essa providência não pode ser substituída pelo mero registro do contrato social na Junta Comercial. A inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, destina-se à constituição formal da sociedade empresarial, fazendo com que ela adquira personalidade jurídica própria. Não serve, contudo, como forma de transmissão da propriedade imobiliária. Contrato social registrado é título translativo que deve ser levado a registro no cartório de RI O contrato social que estabelece que a integralização do capital social será feita por meio da transferência de um imóvel pelo sócio, depois de ser devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis (da Junta Comercial), torna-se um título translativo, ou seja, um título que serve para transferir a propriedade imóvel, mas desde que seja levado a registro no cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o caput do art. 1.245 do CC. É o que prevê também o art. 64 da Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

Portanto, enquanto não for feito o registro do título translativo (contrato social) no Cartório de Registro de Imóveis, o bem com o qual se deseja fazer a integralização não compõe ainda o patrimônio da sociedade empresarial. Em suma:

O registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos propugnada pela lei civil não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.743.088-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/03/2019 (Info 645).

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DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Os créditos decorrentes do pensionamento fixado em sentença judicial podem ser equiparados àqueles derivados da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de

sociedade em recuperação judicial

O pensionamento fixado em sentença judicial, decorrente de ação de indenização por acidente de trânsito, pode ser equiparado ao crédito derivado da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial.

Os créditos de natureza alimentar, ainda que não decorram especificamente de relação jurídica submetida aos ditames da legislação trabalhista, devem receber tratamento análogo para fins de classificação da ordem de pagamento nos processos de execução concursal.

Ex: João recebe pensão mensal vitalícia da sociedade empresária “X” em virtude de ter sido atropelado pelo veículo da empresa; após vários meses de atraso nos pagamentos, a empresa ingressou com pedido de recuperação judicial; o crédito de João será equiparado a crédito trabalhista para fins de pagamento prioritário.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.041-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: O ônibus da empresa Pluma Turismo, ao dar ré, atropelou João, que estava passeando de bicicleta. O acidente resultou na perda definitiva da capacidade para o trabalho da vítima. João ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa, tendo o juiz condenado a ré a pagar pensão mensal vitalícia em favor do autor no valor de 2 salários-mínimos, nos termos do art. 950 do Código Civil:

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

A empresa vinha pagando normalmente essa pensão mensal, até que começou a enfrentar inúmeras dificuldades financeiras e tornou-se inadimplente. João ficou tentando receber, mas sem sucesso. Cerca de 1 ano depois, a empresa ingressou com pedido de recuperação judicial. Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Logo, em vez de a empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores.

Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases:

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a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Habilitação dos créditos Depois que a recuperação judicial é decretada ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos pela empresa recuperanda. Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber da empresa em recuperação deverão apresentá-los ao administrador judicial, na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005. A verificação dos créditos será realizada, então, primeiro pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e nos documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores. A partir desse trabalho inicial, confecciona-se um edital, cujo teor pode ser alterado por novas habilitações ou divergências quanto aos créditos ali relacionados. Classificação dos créditos Os créditos sujeitos à recuperação judicial deverão ser agrupados em classes previstas no art. 83 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. V – créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI – créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo; VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

Esse crédito de João será classificado em qual inciso do art. 83 da Lei nº 11.101/2005? No inciso I do art. 83 (equiparado a crédito trabalhista).

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O pensionamento fixado em sentença judicial, decorrente de ação de indenização por acidente de trânsito, pode ser equiparado ao crédito derivado da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.041-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

Créditos de natureza alimentar são equiparados a créditos trabalhistas A Lei nº 11.101/2005 prevê que os credores titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho, tanto na recuperação judicial quanto na falência, formam uma classe específica, detentora de preferência sobre os demais. É o que dispõem os arts. 41 e 83 do referido diploma legal. O STJ, por seu turno, tem entendido que créditos de natureza alimentar, ainda que não decorram especificamente de relação jurídica submetida aos ditames da legislação trabalhista, devem receber tratamento análogo para fins de classificação em processos de execução concursal. Crédito trabalhista possui natureza alimentar, devendo haver uma uniformidade de tratamento Existem várias espécies de verbas de natureza alimentar (exs: salários, aposentadoria, pensão alimentícia etc.). Para o STJ, essas diversas espécies de verbas de natureza alimentar, por possuírem afinidade ontológica, devem receber o mesmo tratamento para fins de falência e recuperação judicial. Assim, mesmo que o inciso I do art. 83 fale apenas em “créditos derivados da legislação do trabalho”, deve-se interpretar essa expressão de forma ampla, abrangendo os demais créditos de natureza alimentar, dentre eles a pensão decorrente de indenização por ato ilícito. Pensão vitalícia do art. 950 do CC possui natureza alimentar A pensão vitalícia prevista no art. 950 do CC consiste em prestação de alimentos decorrentes da prática de um ato ilícito, devendo corresponder aos ganhos que a vítima obteria caso sua capacidade para exercer a profissão que desempenhava não tivesse sido tolhida pela conduta antijurídica imputada a seu causador. Tendo isso em mente, não há dúvidas de que tal crédito detido ostenta natureza alimentar, considerando que corresponde ao montante fixado à título de reparação pelo dano que ensejou a inaptidão para o trabalho. Tema correlato: créditos de honorários advocatícios são equiparados a créditos trabalhistas

Os créditos resultantes de honorários advocatícios (sucumbenciais ou contratuais) têm natureza alimentar e são equiparados aos créditos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, estando, portanto, enquadrados no art. 83, I da Lei nº 11.101/2005. STJ. Corte Especial. REsp 1152218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014 (recurso repetitivo) (Info 540).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

SUSPENSÃO DO PROCESSO A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo

ocorra o nascimento ou adoção, não sendo necessária a comunicação imediata ao juízo

Importante!!!

Novo CPC

O art. 313, X, do CPC/2015 prevê que o advogado que se tornar pai tem direito à suspensão dos prazos processuais desde que:

a) seja o único patrono da causa; e

b) tenha notificado seu cliente sobre esse fato.

O período de suspensão será de 8 dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção.

Para que esse prazo de suspensão do processo se inicie, é necessário que o advogado informe ao juízo que nasceu o seu filho? Somente após a comunicação ao juízo é que o processo será suspenso?

NÃO. A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o fato gerador (nascimento ou adoção), independentemente da comunicação imediata ao juízo.

Obs: a mesma conclusão acima exposta pode ser aplicada para o inciso IX do art. 313 do CPC.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.166-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

Lei nº 13.363/2016 A Lei nº 13.363/2016 alterou o Estatuto da OAB e o CPC prevendo novos direitos e garantias para: • a advogada gestante, lactante, que tiver dado à luz ou adotado uma criança; e • ao advogado que se tornar pai.

Veja abaixo um quadro-resumo dos direitos que foram assegurados:

ADVOGADA(O) DIREITOS DURAÇÃO

- gestante

1) Pode entrar nos tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios X. Isso poderia prejudicar a saúde do feto. 2) Possui vaga reservada nas garagens dos fóruns dos tribunais.

Estes direitos perduram durante toda a gravidez.

- lactante, - adotante ou - que der à luz

Tem acesso a creche, onde houver, ou a local adequado ao atendimento das necessidades do bebê.

Perdura até 120 dias depois do parto ou da adoção. No caso de advogada lactante, o direito persiste enquanto ela estiver amamentando.

- gestante, - lactante, - adotante ou - que der à luz

Tem preferência na ordem: - das sustentações orais e - das audiências a serem realizadas a cada dia.

Perdura durante toda a gravidez e até 120 dias depois do parto ou da adoção. No caso de advogada lactante, o direito persiste enquanto ela estiver amamentando.

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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

- adotante ou - que der à luz

Tem direito à suspensão dos prazos processuais desde que: * seja a única patrona da causa; e * haja notificação por escrito ao cliente.

O período de suspensão será de 30 dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção.

- advogado que se tornar pai

Tem direito à suspensão dos prazos processuais desde que: * seja o único patrono da causa; e * haja notificação ao cliente.

O período de suspensão será de 8 dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção.

Suspensão do processo pelo nascimento do filho do único patrono da causa O julgado que analisaremos agora está relacionado com essa suspensão dos prazos processuais explicada nas duas últimas linhas da tabela acima e que se encontra prevista nos incisos IX e X do art. 313 do CPC/2015:

Art. 313. Suspende-se o processo: (...) IX - pelo parto ou pela concessão de adoção, quando a advogada responsável pelo processo constituir a única patrona da causa; (Incluído pela Lei nº 13.363/2016) X - quando o advogado responsável pelo processo constituir o único patrono da causa e tornar-se pai. (Incluído pela Lei nº 13.363/2016)

A duração da suspensão está disciplinada nos §§ 6º e 7º do art. 313:

Art. 313 (...) § 6º No caso do inciso IX, o período de suspensão será de 30 (trinta) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente. (Incluído pela Lei nº 13.363/2016) § 7º No caso do inciso X, o período de suspensão será de 8 (oito) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente. (Incluído pela Lei nº 13.363/2016)

Os incisos IX e X do art. 313 têm por objetivo dar concretude aos princípios constitucionais da proteção especial à família e da prioridade absoluta assegurada à criança, na medida em que permite aos genitores ou adotantes prestar toda a assistência necessária – material e imaterial – ao filho recém-nascido ou adotado, além de possibilitar o apoio recíproco em prol do estabelecimento da nova rotina familiar que se inaugura com a chegada do descendente. Resumindo a hipótese do inciso X do art. 313: O advogado que se tornar pai tem direito à suspensão dos prazos processuais desde que: • seja o único patrono da causa; e • haja notificação ao cliente. O período de suspensão será de 8 dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção. Assim, para gozar dessa verdadeira “licença-paternidade”, deverá o advogado responsável pelo processo notificar o seu cliente e apresentar ao Juízo a respectiva prova do nascimento ou da adoção. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro ajuizou ação de obrigação de fazer contra uma empresa. Dr. João é o único advogado de Pedro habilitado no processo.

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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Em 02/02, Dr. João foi intimado da decisão interlocutória que negou o pedido de tutela provisória formulado pelo autor. Isso significa que Pedro possui 15 dias de prazo para interpor agravo de instrumento contra a decisão. Em 14/02, nasceu João Júnior, filho de Dr. João. No mesmo dia, Dr. João notificou Pedro informando sobre o nascimento do filho. O advogado não informou, contudo, o juízo. Em 23/02, após o término do prazo do § 7º do art. 313 do CPC, Dr. João apresentou a certidão de nascimento do filho ao juízo e, em seguida, interpôs o agravo de instrumento contra a decisão interlocutória, demonstrando, também no recurso, que houve a suspensão do processo durante 8 dias, razão pela qual o agravo era tempestivo. Apesar disso, o agravo foi considerado intempestivo porque, na visão do Tribunal de Justiça, a referida causa suspensiva do processo deveria ter sido noticiada e requerida ao juízo dentro do prazo recursal. Em outras palavras, o advogado deveria ter pedido a suspensão do processo tão logo a criança nasceu. Agiu corretamente o TJ? Para que esse prazo de suspensão do processo se inicie, é necessário que o advogado informe ao juízo que nasceu o seu filho? Somente após a comunicação ao juízo é que o processo será suspenso? NÃO.

A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o fato gerador (nascimento ou adoção), independentemente da comunicação imediata ao juízo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.799.166-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

A lei concede ao pai a faculdade de se afastar do trabalho para, tranquilamente, acompanhar o filho nos seus primeiros dias de vida ou de convívio familiar. Logo, não é razoável lhe impor o ônus de atuar no processo durante o gozo desse nobre benefício apenas para comunicar e justificar aquele afastamento. O intuito do legislador, evidentemente, não é outro senão o de permitir que o genitor, durante aquele período, possa se dedicar, exclusivamente, às necessidades da criança e, ao fim e ao cabo, da própria família que se amplia. Logo, se o advogado tiver condições de comunicar ao juízo assim que o seu filho nascer, isso será recomendável, como um ato de presteza. No entanto, a lei não impõe essa conduta ao advogado como sendo um ônus. Por força da lei, a suspensão do processo pela paternidade tem início imediatamente à data do nascimento ou adoção, ainda que somente depois o advogado comunique o juiz sobre o nascimento. Essa é a posição também da doutrina:

“(...) o termo inicial da suspensão não é a decisão do juiz a deferindo ou homologando o pedido do advogado da parte, mas do nascimento de seu filho, de forma que mesmo sendo depois desse momento comunicado o juízo tal fato, a suspensão dar-se-á de forma retroativa, ou seja, desde o fato descrito no § 7° do art. 313 do CPC.” (NEVES, Daniel Assumpção Neves. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 580).

Se o(a) advogado(a) não informou ao juízo o nascimento e no período da “licença” ocorreu algum ato processual relevante, o(a) causídico(a) irá simplesmente explicar que o processo estava suspenso e pedirá a repetição do ato, conforme explica Fredie Didier Jr.:

“Assim como nas hipóteses de suspensão por convenção das partes, morte, perda da capacidade e força maior, a paralisação do processo dar-se-á imediatamente após ocorrência do fato gerador - o parto com nascimento do filho com vida ou concretização da adoção - e independentemente da apresentação de qualquer documentação ou de decisão judicial. E não poderia ser diferente. Basta imaginar o caso do rompimento da barragem da Samarco em 2015, em Minas Gerais (evento extraordinário): os processos somente ficariam suspensos após a decisão judicial, certamente proferida muitos dias ou meses depois do evento? Evidentemente que não.

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Se no curso da "suspensão por maternidade" correr algum prazo ou for praticado algum ato que pressupunha sua atuação (ex.: audiência), ao fim do período de suspensão bastará que a advogada peticione nos autos, pedindo a devolução do prazo ou a repetição do ato, comprovando a ocorrência do parto (com certidão de nascimento ou documento similar). Nesse caso, a decisão do juiz que acolha o seu pleito terá eficácia retroativa, pois o processo já estaria suspenso desde a data em que ocorreu o fato jurídico que deu ensejo à suspensão. A suspensão deve retroagir à data do evento imprevisto. Deve-se considerar o processo suspenso desde então. Ao juiz cabe reconhecer a existência do fato jurídico processual e de seu efeito suspensivo do processo desde a data da sua ocorrência. Partindo-se dessa premissa, há muito estabelecida pela doutrina e jurisprudência para as causas de suspensão do processo, nada impede que a advogada peticione nos autos em momento posterior, informando a suspensão ocorrida quando do nascimento do seu filho.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1., 20ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 863).

Obs: o caso concreto enfrentado pelo STJ envolvia o inciso X, no entanto, a mesma conclusão acima exposta pode ser aplicada também para o inciso IX do art. 313 do CPC.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Honorários devem seguir regra objetiva; equidade é critério subsidiário

Os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, ou seja:

• quando não for possível o arbitramento pela regra geral; ou

• quando for inestimável ou irrisório o valor da causa.

Assim, o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.746.072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 13/02/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa CDM Ltda. ingressou com cumprimento de sentença contra o Banco do Brasil cobrando R$ 3 milhões. O banco executado apresentou impugnação alegando que haveria excesso de execução (art. 525, § 1º, V, do CPC). Foi realizada perícia e constatou-se que o valor correto do débito era de R$ 1 milhão. Com base no laudo pericial, o juiz acolheu a impugnação apresentada pelo Banco, reduzindo a execução. Cabe a condenação em honorários advocatícios? SIM. O juiz, ao acolher a impugnação, deverá condenar a empresa exequente ao pagamento de honorários advocatícios em favor da instituição financeira. O que fez o juiz? Condenou a empresa a pagar R$ 5 mil reais de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do banco. O magistrado arbitrou os honorários neste valor com base na equidade, prevista no art. 85, § 8º do CPC:

Art. 85 (...)

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§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

O juiz explicou que, se ele condenasse a empresa ao pagamento dos honorários com base no § 2º do art. 85, essa condenação violaria os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, considerando que a exequente seria obrigada a pagar 10% de R$ 2 milhões (proveito econômico obtido pelo banco). Logo, a exequente seria condenada a pagar R$ 200 mil de honorários advocatícios para uma execução de R$ 1 milhão. Agiu corretamente o juiz? NÃO. O CPC/2015 estabeleceu três importantes vetores interpretativos que buscam conferir maior segurança jurídica e objetividade na fixação dos honorários advocatícios: • Em primeiro lugar, estatuiu que os honorários serão pagos ao advogado do vencedor, ainda que este também litigue em causa própria, pois constituem direito autônomo do profissional, de natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. • Em segundo lugar, reduziu as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade para quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º). Percebe-se que o CPC/2015 sinaliza ao intérprete o desejo de objetivar o processo de fixação do quantum da verba honorária. • Em terceiro lugar, introduziu autêntica e objetiva “ordem de vocação” para fixação da base de cálculo da verba honorária, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria. Regra geral e obrigatória Desse modo, o § 2º do art. 85 do CPC/2015 traz uma regra geral e obrigatória. A regra geral e obrigatória é a de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, conforme previsto no § 2º do art. 85:

Art. 85 (...) § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Esse percentual de 10% a 20% deverá incidir: 1ª opção: sobre o valor da condenação; 2ª opção: sobre o proveito econômico objetivo; ou 3ª opção: sobre o valor atualizado da causa (caso não seja possível mensurar o proveito econômico). Exceção: equidade O § 8º do art. 85 prevê a fixação dos honorários com base na equidade. Trata-se, contudo, de regra excepcional, de aplicação subsidiária, que somente incidirá nas causas em que: • o proveito econômico obtido for inestimável ou irrisório; ou • quando o valor da causa for muito baixo.

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Assim, repetindo: a equidade prevista pelo § 8º do art. 85 somente pode ser utilizada subsidiariamente, quando não possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa. A incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do art. 85, § 2º, impede que o julgador prossiga com sua análise a fim de investigar eventual enquadramento no § 8º do mesmo dispositivo, porque a subsunção da norma ao fato já se terá esgotado. Inestimável valor econômico Quando o legislador utilizou a expressão “inestimável valor econômico” ele quis se referir às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, nas causas de estado e de direito de família. Não é possível aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Diante da existência de norma jurídica expressa no novo CPC, não pode o juiz negar vigência ao § 2º do art. 85 valendo-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Em suma:

Os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, ou seja: • quando não for possível o arbitramento pela regra geral; ou • quando for inestimável ou irrisório o valor da causa. Assim, o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC. STJ. 2ª Seção. REsp 1.746.072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 13/02/2019 (Info 645).

Ordem de vocação (ordem de preferência) na fixação dos honorários:

1º) quando houver condenação em valores... Os honorários serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação.

2º) quando não houver condenação em valores, mas for possível mensurar o proveito econômico obtido pelo vencedor...

Os honorários serão fixados entre 10% e 20% sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor.

3º) quando não houver condenação em valores e não for possível mensurar o proveito econômico...

Os honorários serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor atualizado da causa.

4º) quando: • o proveito econômico obtido for inestimável ou irrisório; ou • o valor da causa for muito baixo.

Os honorários serão fixados por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º do art. 85.

Dessa feita, no caso concreto, os honorários sucumbenciais devem ser fixados realmente em 10% sobre o proveito obtido pela instituição financeira.

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AÇÃO RESCISÓRIA Quando o inciso VII do art. 966 do CPC/2015 fala que é possível o ajuizamento de ação rescisória

com base em “prova nova”, isso abrange também a prova testemunhal

Importante!!!

Novo CPC

O art. 966, VII, do CPC/2015 prevê que cabe rescisória quando o autor obtiver, posteriormente ao trânsito em julgado, “prova nova” cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.

Quando esse inciso VII fala em prova nova, engloba não apenas a prova documental, mas qualquer outra espécie de prova, inclusive a prova testemunhal.

Assim, no novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.123-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2016, João ajuizou ação de usucapião buscando adquirir a propriedade de determinado imóvel. O pedido foi julgado procedente e a sentença transitou em julgado em 2018. Cerca de 1 ano depois (em 2019), Pedro ajuizou ação rescisória pedindo a desconstituição da decisão sob o argumento de que, após o trânsito em julgado, surgiram três testemunhas (cuja existência se ignorava) que sabem que João não teve a posse do imóvel pelo tempo exigido pela lei para a usucapião. A ação rescisória foi fundamentada no art. 966, VII, do CPC/2015, que prevê o seguinte:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

O Tribunal de Justiça não conheceu da ação afirmando que testemunha nova não se amolda no conceito de “prova nova” de que trata o inciso VII. A “prova nova” mencionada no inciso VII seria apenas o documento novo. A interpretação adotada pelo TJ está correta? NÃO. A prova testemunhal é uma espécie de prova admitida no nosso ordenamento jurídico, de modo que deve ser incluída no conceito de “prova nova” a que se refere o art. 966, VII, do CPC/2015 para todos os efeitos. Se compararmos a redação do CPC/2015 com a do Código passado, iremos constatar facilmente que a intenção do legislador foi a de ampliar a abrangência da hipótese de cabimento descrita no inciso VII. Veja:

Como é atualmente (CPC/2015) Como era no CPC/1973

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;

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Logo, de acordo com o novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Nesse sentido são as lições da doutrina abalizada:

“(...) Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. (...)”. (NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.060).

“(...) A segunda alteração diz com a substituição da expressão documento novo por prova nova. Doutrina e jurisprudência já vinham admitindo tal amplitude à regra anterior. Assim, não apenas a prova documental nova autorizará o ajuizamento da ação rescisória, como também a descoberta de uma nova testemunha - desde que impossível sua oitiva antes do trânsito em julgado da decisão rescindenda - ou a possibilidade de realização de perícia antes indisponível para a parte". (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 984).

“(...) O CPC/2015 ampliou a abrangência da prova, não apenas para admitir documento ou prova que, em princípio, poderia fornecer igual ou maior grau de segurança quanto à demonstração do acerto da afirmação da parte (algo que se poderia obter com a prova pericial, frente a documental), mas admitiu a rescisória com base em prova nova, sem exceção. É possível, portanto, o ajuizamento de ação rescisória com base em prova testemunhal nova, desde que presentes as condições previstas no art. 966, VII, do CPC/2015 (...)” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.304-1.305)

Em suma:

No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.123-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/03/2019 (Info 645).

Vale ressaltar, por fim, que o prazo de 2 anos da ação rescisória com base no inciso VII somente se inicia quando é descoberta a prova nova. Confira o que diz o CPC/2015:

Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. (...) § 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Este novo termo inicial para a rescisória em tais casos é uma outra novidade do CPC/2015.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que fixa

data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens

Importante!!!

Novo CPC

Cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC/2015, contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens.

Trata-se de decisão parcial de mérito, considerando que é uma decisão que resolve uma parcela do pedido de partilha de bens.

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

II - mérito do processo;

STJ. 3ª Turma. REsp 1.798.975-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados. O relacionamento não deu mais certo e houve a separação de fato, ou seja, eles deixaram de viver como marido e mulher, passando a morar em casas diferentes e perdendo o contato. Cerca de 4 anos depois, João decidiu “regularizar” essa situação e ajuizou ação de divórcio e partilha de bens. O juiz proferiu decisão interlocutória fixando o dia 30/08/2015 como sendo a data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens. Maria não concordou com essa fixação porque isso iria lhe prejudicar na partilha dos bens. Diante disso, ela interpôs agravo de instrumento contra a decisão. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão elencadas taxativamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não há previsão de agravo contra decisão interlocutória que fixa a data da separação de fato do casal para efeitos da partilha de bens:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Agiu corretamente o Tribunal? NÃO. Decisão parcial de mérito O CPC/2015, inspirado no princípio da razoável duração do processo e no direito que as partes possuem a um processo sem dilações indevidas, passou a reconhecer, expressamente, a possibilidade de que o juiz

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profira decisões parciais de mérito, ou seja, um ou alguns pedidos podem ser decididos antes da sentença pelo fato de já estarem maduros para decisão. Isso pode ocorrer: • quando não houver controvérsia sobre a questão (é um ponto incontroverso, ou seja, as partes não discordam entre si); ou • em virtude da desnecessidade de dilação probatória para resolução daquela matéria. Veja a previsão do CPC/2015:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

Vale ressaltar que essa decisão parcial de mérito tem aptidão para a formação de coisa julgada material. Decisão parcial pode ocorrer em caso de vários pedidos ou mesmo dentro de um só pedido que é desmembrado O art. 356 fala em “um ou mais dos pedidos” ou “parcela deles”. Isso significa que esse dispositivo pode ser aplicado em caso de: • cumulação de pedidos que podem ser resolvidos separadamente (ex: danos morais e materiais); ou • um único pedido que é suscetível de fracionamento para julgamento imediato de parte dele. Ex: pedido para pagamento de R$ 100 mil; réu já admitiu na contestação que deve R$ 30 mil; esses R$ 30 mil já podem ser objeto de decisão parcial de mérito. Essa é a lição da doutrina:

(...) 3. Fracionamento do mérito pode se referir a alguns pedidos ou parcela deles. O juiz decidirá de forma parcial o mérito quando alguns dos pedidos formulados (na demanda originária ou na reconvencional) se enquadrar nas hipóteses indicadas nos incisos do texto legal em destaque. O importante é que os pedidos em condições de imediato julgamento sejam independentes dos demais, não podendo haver, por exemplo, cumulação sucessiva de pedidos, sendo aquele que ainda depende de outras provas pressuposto lógico para o acolhimento do outro pedido, que já estaria em condições de ser apreciado. Assim, por exemplo, se o autor deduziu pedidos de indenização por danos morais e materiais, mas se apenas o primeiro está em condições de imediato julgamento, o juiz decidirá conclusivamente o pleito relativa aos danos morais, determinando o prosseguimento do processo quanto à indenização por danos materiais, para que outras provas sejam produzidas. 3.1. O fatiamento pode se dar dentro de um mesmo pedido. Assim, por exemplo, em ação de cobrança em que se postula o pagamento de cem mil reais, se o réu admite ser devido o valor de cinquenta mil reais, esse montante se torna incontroverso e poderá o juiz apreciar conclusivamente essa parcela, prosseguindo o processo para a fase instrutória, relativamente à diferença controvertida.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 163).

Fixação da data da separação de fato é decisão sobre parcela do pedido de partilha A fixação da data da separação de fato do casal é uma questão que versa sobre o mérito do processo, mais especificamente sobre uma parcela do pedido de partilha de bens, de modo que a decisão proferida em 1º grau de jurisdição é, na verdade, uma verdadeira decisão parcial de mérito proferida nos estritos termos do art. 356, II, do CPC/2015. A definição da data da separação de fato é uma parcela do pedido de partilha.

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Em suma:

Cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC/2015, contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens. STJ. 3ª Turma. REsp 1.798.975-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

AGRAVO DE INSTRUMENTO É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a

distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral

Importante!!!

O CPC/2015 prevê que:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

Esse inciso XI abrange também as decisões interlocutórias que determinem a inversão da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC?

SIM. O art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei.

Para o STJ, a hipótese do inciso XI do art. 1.015 do CPC deve ser lida em sentido amplo de sorte que:

É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÔNUS DA PROVA

Se, ao final do processo, o juiz entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá fazer? Qual deve ser a sua decisão neste caso? O juiz terá que analisar qual das partes tinha o ônus de provar esse fato. A parte que tinha esse ônus e que não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas. Em outras palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no resultado do processo. Daí a importância de se estudar e analisar o ônus da prova.

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Ônus da prova Ônus da prova é a regra que atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um determinado fato. Ônus x obrigação Repare que, em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de produzir a prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças?

DEVER OBRIGAÇÃO ÔNUS

É a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo ordenamento jurídico.

É um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não fazer). A obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.

É a necessidade de adotar determinada conduta para defender um interesse próprio. Se a pessoa não adotar essa conduta, não há uma sanção contra ela. No entanto, deixará de ter uma vantagem.

É possível exigir que a parte cumpra o dever.

É possível exigir que a parte cumpra a obrigação.

Não é possível exigir que a parte cumpra o ônus.

Ex: dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).

Ex: em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o preço.

Ex: o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC).

Ônus imperfeito Vimos acima que, se a parte tinha um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma desvantagem, perderá alguma coisa. No caso do ônus da prova, contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos autos a prova que deveria), existe a mera possibilidade (mas não certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela. Dessa forma, mesmo que a parte não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato pode ser provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda. Ex: o autor não faz prova de suas alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado documento que prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a prova, ele não sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda. Essa realidade existe em razão do princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do processo, não interessando quem produziu. Aspectos subjetivo e objetivo O ônus da prova pode ser analisado sob dois prismas:

a) Aspecto subjetivo: Consiste em analisar o instituto sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de conduta das partes). Trata-se de informar as partes quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu. Ex: o art. 373, I, do CPC prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre o fato constitutivo de seu direito. b) Aspecto objetivo: Quando se fala em o ônus da prova sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma regra de julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no momento da prolação da sentença.

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Ao decidir, o magistrado irá analisar se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os fatos controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o requerido argumenta que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido produzidas provas suficientes e não seja possível elucidar a controvérsia por outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não demonstrado. A parte que tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e perderá a demanda neste ponto. Os dois aspectos estão umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não tem tanta relevância na prática forense essa distinção. Aplicação subsidiária As regras do ônus da prova são regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais como produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida. A razão de existir das regras do ônus da prova é “evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127-130). Em outras palavras, o juiz deve sempre tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros elementos de convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art. 373 do CPC e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova. Prova diabólica Um tema intimamente ligado ao que estamos estudando diz respeito à prova diabólica. Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida. Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica. Outro bom exemplo “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137). Ainda segundo as lições de Didier, Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies:

Prova unilateralmente diabólica Prova bilateralmente diabólica

Ocorre quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la (segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de ser juntada pela outra parte.

Ocorre quando a prova é diabólica para ambas as partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para ambas as partes.

Neste caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está previsto no § 1º do art. 373.

Neste caso, não haverá inversão do ônus por conta da prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra.

§ 1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

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Distribuição estática do ônus da prova As regras gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC:

Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na distribuição estática do ônus da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não esclarecido. Inversão do ônus da prova O cotidiano forense demonstrou, ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar todas as situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de que seria necessária a criação de algumas regras de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei. Surgiu, assim, o consenso de que, em determinados casos, haveria a necessidade de modificar (redistribuir, inverter) as regras gerais do ônus da prova. O CPC denomina isso de “distribuição diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as regras gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC. Essa distribuição diversa pode ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial. Assim, temos três espécies de inversão do ônus da prova: a) Convencional; b) Legal; c) Judicial. Inversão convencional do ônus da prova Ocorre quando as partes combinam entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373, adotando um outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual. Trata-se de hipótese de difícil ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC: Em regra, a lei admite a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem, contudo, três exceções. Assim, não cabe a inversão convencional do ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte; b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. c) a inversão for estabelecida em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC). Inversão legal do ônus da prova Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova. Ocorre quando a lei determina que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do art. 373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do art. 373 do CPC. Na inversão legal do ônus da prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato.

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É o que acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC:

Art. 12 (...) § 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14 (...) § 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Inversão judicial do ônus da prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz) Ocorre quando o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos do art. 373 do CPC. A redistribuição judicial do ônus da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício. Inversão judicial do ônus da prova no CPC/2015 Encontra-se disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 373. Vejamos, de forma organizada, o que dizem esses dois dispositivos. O juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em três situações: 1) nos casos previstos em lei. Ex: art. 6º, VIII, do CDC. 2) quando for impossível ou extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373. Trata-se da inversão do ônus da prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova unilateralmente diabólica. Em outras palavras, quando a regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica, o juiz deverá inverter o ônus. Obs: a decisão de inversão não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode gerar para a parte que recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC). 3) quando a inversão gerar maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Ex: o autor alega determinado fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto, as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu trazer essa prova. Nesta hipótese seria possível a inversão. A lei exige que essa inversão seja feita por decisão fundamentada do magistrado. Além disso, a decisão que determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Pela sua importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC:

Art. 373 (...)

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§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Obs: este § 1º do art. 373 do CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim, o caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica. Obs2: a doutrina afirma que o § 2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não pode implicar uma situação que torne impossível ou excessivamente oneroso à parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 148). Inversão judicial do ônus da prova no CDC O art. 6º, VIII, do CDC permite a inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses: a) quando for verossímil a alegação do consumidor; ou b) quando o consumidor for hipossuficiente. Algumas observações sobre o tema: • as duas situações acima são alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente; • trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou seja, não se trata de inversão automática por força de lei (ope legis); • pode ser concedida de ofício ou a requerimento da parte; • a inversão sempre ocorre em benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele. • a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos (STJ. 2ª Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti julgado em 29/2/2012). Aprofundando. Inversão do ônus da prova x distribuição dinâmica do ônus da prova É comum falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova como sendo expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema iremos encontrar alguns doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos.

Inversão do ônus da prova Distribuição dinâmica do ônus da prova

É uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.

É uma mudança das regras de ônus da prova que se dá no caso concreto, com base na análise de quem está em melhores condições de produzir a prova.

O juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.

Há uma ingerência mais ampla do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente.

Ex: art. 6º, VIII, do CDC. Ex: hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja novamente acima).

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Como leciona Eduardo Cambi:

“Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor). Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333).

Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente:

“3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271)

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”. Vale ressaltar, no entanto, que você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria) afirmando que a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova. RECURSO CONTRA A DECISÃO QUE DELIBERA SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de indenização contra a Volvo do Brasil Veículos Ltda., alegando que adquiriu um veículo 0km dessa marca e que, no entanto, o automóvel apresentou inúmeros vícios de qualidade (“defeitos”) que não foram consertados pela concessionária autorizada.

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O juiz proferiu decisão interlocutória determinando a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;

Assim, o magistrado determinou que a Volvo provasse que o vício (“defeito”) não existia e que o carro estava funcionando perfeitamente. A Volvo não se conformou com a decisão e interpôs agravo de instrumento afirmando que esse recurso seria cabível com base no inciso XI do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

João apresentou contrarrazões afirmando que não cabe agravo de instrumento nesta hipótese. Isso porque a decisão proferida pelo juiz inverteu o ônus da prova com fundamento no CDC e não com base no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova previsto no § 1º do art. 373 do CPC/2015. Assim, para João, não se pode aplicar o art. 1.015, XI, do CPC, que é específico para impugnar a decisão que trata sobre a redistribuição dinâmica do ônus prova do art. 373, § 1º do CPC. O recurso será conhecido? Cabe agravo de instrumento nesta hipótese? SIM. É cabível a impugnação imediata (é cabível agravo de instrumento) da decisão interlocutória que tenha tratado sobre quaisquer das exceções mencionadas no § 1º do art. 373 do CPC/2015. Assim, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral. Conforme vimos acima, o art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei:

Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade (....)

Em suma, decidiu o STJ que:

É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).

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PRECATÓRIOS Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório

Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório.

STF. Plenário. RE 579431/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/4/2017 (repercussão geral) (Info 861).

STJ. Corte Especial. QO no REsp 1.665.599-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/03/2019 (recurso repetitivo) (Info 645).

Obs: cuidado para não confundir com a SV 17: Durante o período previsto no parágrafo 1º (obs: atual § 5º) do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos. O período de que trata este RE 579431/RS é anterior à requisição do precatório, ou seja, anterior ao interregno tratado pela SV 17.

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra a Fazenda Pública. Foi prolatada sentença condenando o Poder Público a pagar R$ 300 mil. Essa sentença transitou em julgado em 04/04/2016. Em 10/04/2016, o credor pediu ao juiz, nos termos do art. 534 do CPC, o cumprimento de sentença, apresentando o cálculo da dívida atualizada. Segundo entende o STF, a partir do momento em que forem apresentados os cálculos, começa a incidir juros da mora contra a Fazenda Pública:

Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição de pequeno valor (RPV) ou do precatório. STF. Plenário. RE 579431/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/4/2017 (repercussão geral) (Info 861). STJ. Corte Especial. QO no REsp 1.665.599-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/03/2019 (recurso repetitivo) (Info 645).

O que acontece a agora? A Fazenda Pública poderá impugnar ou não o cumprimento de sentença. Suponhamos que o Poder Público não impugnou. Neste caso, deverá ser expedido, por intermédio do Presidente do Tribunal, precatório em favor do exequente. Confira o que diz o art. 535, § 3º do CPC:

Art. 535 (...) § 3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada: I - expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição Federal; II - por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

Neste caso, o juízo da execução elabora o precatório e o encaminha ao Presidente do Tribunal. Este, por sua vez, irá expedir o precatório, ou seja, repassá-lo ao ente devedor para que seja incluído no orçamento. Ex: se a execução era contra a União, o juiz federal responsável pela execução irá elaborar o precatório e encaminhá-lo ao Presidente do TRF; este irá expedir o precatório determinando que a União inclua no orçamento para pagamento.

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Suponhamos que, em nosso exemplo, a Fazenda Pública concordou com os cálculos do credor. Diante disso, o juiz encaminhou ao Presidente do Tribunal que expediu, em 30/05/2016, o precatório em favor de João. Assim, deverá haver a incidência dos juros da mora referente ao período de 10/04/2016 (data da realização dos cálculos) e a data do precatório. Existe um prazo para que o ente pague o precatório? SIM. Os pagamentos requisitados até 01/07 de cada ano deverão ser pagos até o final do exercício do ano seguinte. Isso está previsto no § 5º do art. 100 da CF/88:

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Em nosso exemplo: o precatório foi apresentado pelo Presidente do Tribunal em 30/05/2016; logo, ele deverá ser pago pelo Poder Público até o dia 31/12/2017 (último dia do ano seguinte). Abrindo um parêntese: se o precatório tiver valor muito alto (valor superior a 15% do montante dos demais precatórios apresentados até o dia 01/07 do respectivo ano), então, neste caso, deverá ser pago 15% do valor deste precatório até o dia 31/12 do ano seguinte e o restante em parcelas iguais nos 5 anos subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária. A CF/88 permite também que o credor faça um acordo com o Poder Público (§ 20 do art. 100 da CF/88, incluído pela EC 94/2016). Período de suspensão dos juros moratórios Entre o dia 01/07 de um ano até o dia 31/12 do ano seguinte (em nosso exemplo: de 01/07/2016 até 31/12/2017), não haverá incidência de juros de mora porque o STF entende que esse foi o prazo normal que a CF/88 deu para o Poder Público pagar seus precatórios, não havendo razão para que a Fazenda Pública tenha que pagar juros referentes a esse interregno. Existe, inclusive, uma súmula vinculante sobre o tema:

SV 17-STF: Durante o período previsto no parágrafo 1º (obs: atual § 5º) do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Obs: neste período, não há incidência de juros moratórios, mas deverá ser paga correção monetária, conforme prevê a parte final do § 5º do art. 100. E se passar o dia 31/12 e o ente devedor não efetuar o pagamento do precatório, neste caso, voltará a incidir juros de mora? Em nosso exemplo, se passar o dia 31/12/2017, começa novamente a incidir juros moratórios? SIM. Isso porque terá se esgotado o prazo dado pela Constituição para que o ente devedor pague o precatório. Logo, o ente encontra-se em mora. Assim, por exemplo, se o precatório foi inscrito até o dia 01/07/2016, este precatório deverá ser pago até o dia 31/12/2017. Se o pagamento for realizado neste período, não haverá incidência de juros de mora porque não houve inadimplemento por parte da Fazenda Pública. No entanto, se passar o dia 31/12/2017 sem pagamento, haverá a incidência de juros moratórios, que serão computados a partir de 01/01/2018 até a data em que ocorrer a quitação do precatório. Confira as palavras do Min. Edson Fachin:

“A não incidência de juros de mora nesse período ocorre justamente porque nele não existe mora, em decorrência de norma constitucional, e isso se mantém independentemente de quando ocorrer o pagamento do precatório.

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No caso de o pagamento ocorrer após o prazo estabelecido pela Constituição, haverá a incidência de juros de mora, mas só no período em que houver mora, ou seja, depois do prazo estabelecido para o pagamento.” (Voto na Rcl 15906 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 18/08/2015)

Obs: como estes juros moratórios não estavam previstos no precatório, considerando que se presumia que ele seria pago na data fixada pela CF/88 (até o dia 31/12), para que o credor receba o valor dos juros, será necessária a expedição de um precatório complementar. Depois que o precatório está expedido, não se pode acrescentar novos valores a ele. Voltando ao nosso exemplo: - Sentença transitada em julgado: 04/04/2016. - Início dos juros moratórios: 10/04/2016 (data da realização dos cálculos). - Dia em que o precatório foi apresentado para pagamento: 30/05/2016. - Suspensão dos juros moratórios: 01/07/2016 (SV 17-STF). - Prazo máximo para a Fazenda Pública pagar: 31/12/2017 (§ 5º do art. 100 da CF/88). - Se a Fazenda não pagar até o prazo máximo: voltam a correr os juros moratórios a partir de 01/01/2018. Repare, portanto, que o entendimento do STF definido no RE 579431/RS não invalida a SV 17 porque o que foi decidido neste recurso é um período anterior ao de que trata a súmula. Observação final complementar O que foi explicado acima é suficiente para fins de concurso. Irei, contudo, agora fazer uma observação complementar a respeito da súmula vinculante 17. A SV 17 foi editada em 29/10/2009 e continua sendo atualmente aplicada pelo STF. Nesse sentido: RE 577465 AgR-ED-ED-EDv-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 23/09/2016. Contudo, tem crescido entre os Ministros a ideia de que esta súmula foi superada pelo § 12 do art. 100 da CF/88, acrescentado pela EC 62, de 10/12/2009, ou seja, posteriormente à edição do enunciado. Para muitos Ministros, o § 12 determina a incidência de juros moratórios independentemente do período. Confira a redação do dispositivo:

Art. 100 (...) § 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

Em provas de concurso, a SV 17 continua válida, devendo ser assinalada como correta. Somente se manifeste sobre esta crítica ao enunciado caso você seja expressamente indagado acerca disso, como no caso de uma prova oral, por exemplo.

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EXECUÇÃO FISCAL Juiz pode deferir consulta ao CCS na execução fiscal em busca de bens do devedor

É legítimo o requerimento do Fisco ao juízo da execução fiscal para acesso ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) como forma de encontrar bens que sejam capazes de satisfazer a execução de crédito público.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.464.714-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: O IBAMA ajuizou execução fiscal cobrando multas da empresa “Terranova”. No curso do processo, como não foram encontrados bens penhoráveis, o exequente pediu ao juízo que consultasse o nome da empresa no Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS). O que é o CCS? O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CSS) é um sistema informatizado, mantido pelo Banco Central, que mostra onde os clientes das instituições financeiras possuem contas correntes, poupanças, depósitos e outros bens, direitos e valores. “O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) é um sistema de informações de natureza cadastral que tem por objeto os relacionamentos mantidos pelas instituições participantes com os seus correntistas ou clientes.” (Min. Benedito Gonçalves). O CCS contém as seguintes informações: • identificação do cliente e de seus representantes legais e procuradores; • identificação das instituições financeiras nas quais o cliente mantém seus ativos e/ou investimentos; • datas de início e, se houver, de fim de relacionamento (ex: abriu a conta no dia X e encerrou no dia Y). O CCS não mostra valores, movimentação financeira nem os saldos das contas ou aplicações. Esse cadastro foi criado por determinação da Lei nº 10.701/2003, que acrescentou o art. 10-A à Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro):

Art. 10-A. O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores. (Incluído pela Lei nº 10.701/2003)

Voltando ao nosso caso concreto: O juiz negou o pedido argumentando que o CCS é um cadastro que tem por objetivo unicamente auxiliar nas investigações de crimes de lavagem de dinheiro, não sendo permitida a sua utilização na execução fiscal. O argumento invocado pelo magistrado está correto? NÃO. Segundo decidiu o STJ:

É legítimo o requerimento do Fisco ao juízo da execução fiscal para acesso ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) como forma de encontrar bens que sejam capazes de satisfazer a execução de crédito público. STJ. 1ª Turma. REsp 1.464.714-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/03/2019 (Info 645).

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CCS é mero cadastro informativo e não se confunde com o BACENJUD Conforme já explicado, o CCS não contém dados de valor, de movimentação financeira ou de saldos de contas ou aplicações, mas apenas informações sobre a identificação cadastral. Diante disso, o acesso ao CCS representa uma providência que não se confunde com a penhora de dinheiro mediante BACENJUD, mas que pode servir como subsidio. Em outras palavras, descobre-se que o devedor possui contas bancárias ativas e, então, pede-se a penhora on line (pelo sistema do BACENJUD). O BACENJUD é um sistema eletrônico de comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, por intermédio do Banco Central, que possibilita à autoridade judiciária encaminhar requisições de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores, bem como realizar consultas referentes a informações de clientes mantidas em instituições financeiras, como existência de saldos nas contas, extratos e endereços (http://www.tjpa.jus.br). A consulta ao CCS não representa uma constrição ao patrimônio do devedor. Trata-se apenas de uma forma de obter informações para uma eventual constrição futura. É um meio para o atingimento de um fim, que poderá ser a penhora de ativos financeiros por meio do BACENJUD. O acesso às informações do CCS serve, portanto, como medida que poderá subsidiar futura constrição, alargando a margem de pesquisa por ativos. Se a execução fiscal admite o mais (BACENJUD) não tem motivos para impedir o menos (CCS) A penhora on line por meio do BACENJUD é perfeitamente possível na execução fiscal. Logo, não se mostra razoável permitir a penhora on line (BACENJUD) e negar uma simples pesquisa exploratória no CCS, que é um mero cadastro informativo. Isso porque o resultado do acesso ao CCS não será mais gravoso do que o deferimento de medida constritiva mediante utilização do BACENJUD. Vale ressaltar que o sistema do BACENJUD tem sido ampliado para acessar e aproveitar as informações do CCS. CCS é previsto em lei penal, mas que também possui dispositivos sobre apurações administrativas O CCS encontra-se previsto no art. 10-A da Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro). Apesar de estar em uma lei que trata principalmente sobre aspectos penais, não se pode dizer que o CCS só se aplique para investigações de crimes de lavagem de dinheiro. A Lei nº 9.613/98, além de tipificar o crime de lavagem, também trouxe institutos de caráter eminentemente administrativo, especialmente a partir do art. 9º. Portanto, a Lei nº 9.613/98 possui institutos de natureza de direito administrativo, dentre os quais o CCS.

DIREITO PENAL

FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica antes do

recebimento da denúncia não é causa de extinção da punibilidade

Importante!!!

Atualize o Info 622-STJ

No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade.

O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao

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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

arrependimento posterior (art. 16 do CP). Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/1995 e nº 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal.

Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.

Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/1995 e no art. 9º da Lei nº 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.

STJ. 3ª Seção. RHC 101.299-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi preso em flagrante e denunciado em razão da prática do crime de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º, do Código Penal):

Art. 155 (...) § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Antes do recebimento da denúncia, João pagou toda a dívida cobrada pela concessionária de energia elétrica referente aos meses em que houve “gato”. Em razão disso, a defesa pediu a extinção da punibilidade, com base no art. 9º da Lei nº 10.684/2003. Será que esse pedido de João será acolhido? Vamos entender com calma. Pagamento integral do débito e extinção da punibilidade O pagamento integral do débito fiscal realizado pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade, conforme previu a Lei nº 10.684/2003:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. (...) § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

No mesmo sentido, veja a redação do art. 34 da Lei nº 9.249/95:

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

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Lei nº 12.382/2011 Em 2011, foi editada a Lei nº 12.382, que alterou o art. 83 da Lei nº 9.430/96 e passou a dispor sobre os efeitos do parcelamento e do pagamento dos créditos tributários no processo penal. Veja o que diz a Lei:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350/2010) (...) § 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. (Incluído pela Lei 12.382/2011) § 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. (Incluído

pela Lei 12.382/2011)

§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Incluído pela Lei

12.382/2011)

Repare, portanto, que o furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) não está listado nessas leis. Mesmo sem o furto de energia elétrica estar previsto, é possível aplicar essas regras por analogia em favor do réu? O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do recebimento da denúncia é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003 (art. 34 da Lei nº 9.249/95)? NÃO.

No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade. STJ. 3ª Seção. RHC 101.299-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019 (Info 645).

Não é possível a aplicação do instituto da extinção de punibilidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia. Existem três razões para essa impossibilidade: 1) A diversa política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária A política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio é diferente daquela que incide em relação aos delitos contra a ordem tributária. O crime de furto de energia elétrica mediante fraude praticado contra concessionária de serviço público situa-se no campo dos delitos patrimoniais. Neste âmbito, o Estado ainda detém tratamento mais rigoroso. O desejo de aplicar as benesses dos crimes tributários ao caso em apreço esbarra na tutela de proteção aos diversos bens jurídicos analisados, pois o delito em comento, além de atingir o patrimônio, ofende outros bens jurídicos, tais como a saúde pública, considerados, principalmente, o desvalor do resultado e os danos futuros. O furto de energia elétrica, além de atingir a esfera individual, tem reflexos coletivos e, não obstante seja tratado na prática como conduta sem tanta repercussão, se for analisado sob o aspecto social, ganha

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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40

conotação mais significativa, ainda mais quando considerada a crise hidroelétrica recentemente vivida em nosso país. A intenção punitiva do Estado nesse contexto deve estar associada à repreensão da conduta que afeta bem tão precioso da humanidade. Desse modo, o papel do Estado, nos casos de furto de energia elétrica, não deve estar adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve coibir ou prevenir eventual prejuízo ao próprio abastecimento elétrico do país, que ora se reflete na ausência ou queda do serviço público, ora no repasse, ainda que parcial, do prejuízo financeiro ao restante dos cidadãos brasileiros. 2) Impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 (ou do art. 9º da Lei nº 10.684/2003) aos crimes contra o patrimônio Não se pode fazer a aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 (ou do art. 9º da Lei nº 10.684/2003) aos crimes contra o patrimônio, porque existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia nos crimes patrimoniais. Trata-se do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal:

Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Ainda que se pudesse observar a existência de lacuna legal, não nos poderíamos valer desse método integrativo, uma vez que é nítida a discrepância da ratio legis entre as situações jurídicas apresentadas, em que uma a satisfação estatal está no pagamento da dívida e a outra no papel preventivo do Estado, que se vê imbuído da proteção a bem jurídico de maior relevância. Nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/95 e nº 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal. 3) A tarifa ou preço público tem tratamento legislativo diverso do imposto No caso dos crimes tributários, estamos falando do inadimplemento de tributos. Já na hipótese de furto de energia elétrica, a discussão envolve tarifa ou preço público, que tem tratamento legislativo diverso. A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no art. 34 da Lei nº 9.249/95 e no art. 9º da Lei nº 10.684/03 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos. Logo, não se pode equiparar o tratamento para institutos que possuem natureza jurídica distintas. Veja outro precedente bem elucidativo:

O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao arrependimento posterior (art. 16 do CP). Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/1995 e nº 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal. Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia. Em tais

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hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena. Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/1995 e no art. 9º da Lei nº 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos. STJ. 5ª Turma. HC 412.208-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 20/03/2018 (Info 622).

CRIME DO ART. 218-B DO CP Cliente pode ser punido sozinho; a vulnerabilidade é relativa; o tipo penal não exige

habitualidade, comportando a aplicação da continuidade delitiva

Importante!!!

O “cliente” pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta. Assim, ainda que o próprio cliente tenha negociado o programa sem intermediários, haverá o crime Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º). STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645). A vulnerabilidade no caso do art. 218-B do CP é relativa No art. 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência. STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645). O tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição para que se configure o crime O crime previsto no inciso I do § 2º do art. 218 do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. Em outras palavras, é possível que haja o referido delito ainda que tenha sido um único ato sexual. Logo, como não se exige a habitualidade para a sua consumação, é possível a incidência da continuidade delitiva, com a aplicação da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação adaptada: João (maior de idade) conheceu Pedro (16 anos) em uma praça e ofereceu R$ 50,00 e mais um lanche para que o adolescente fizesse sexo com ele no seu apartamento. Pedro, garoto muito pobre, aceitou e João praticou ato libidinoso com o adolescente em troca de dinheiro. Essa situação se repetiu por mais sete vezes, todas elas envolvendo sexo em troca de dinheiro. Os pais de Pedro descobriram o fato e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime previsto no inciso I do § 2º art. 218-B, do CP em continuidade delitiva (art. 71):

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

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Informativo 645-STJ (26/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (...) § 2º Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (...)

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

A defesa argumentou que a conduta praticada por João seria atípica considerando que tipo penal somente puniria a terceira pessoa que insere o menor na prostituição. Assim, esse crime apenas puniria o “cafetão” e não o indivíduo que, sem intermediário, combina o sexo com o adolescente. Essa tese da defesa é acolhida pela jurisprudência? NÃO.

Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º). STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Em outras palavras, este tipo penal incrima o: • “proxeneta” (vulgarmente conhecido por “cafetão” ou “rufião”), este punido pelo caput do art. 218-B; • e também o “cliente” da prostituição do menor, sancionado pelo § 1º do art. 218-B. O “cliente” pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta. Assim, ainda que o próprio cliente tenha negociado o programa sem intermediários, haverá o crime. Nesse sentido:

(...) O inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que, ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma, enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos. 2. A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso. (...) STJ. 6ª Turma. REsp 1490891/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/04/2018.

A defesa poderia ter sucesso se conseguisse provar que Pedro (adolescente de 16 anos) já tinha discernimento para a prática do ato e, portanto, não era vulnerável? O tema é polêmico, mas o STJ respondeu que sim. Segundo decidiu o STJ, a vulnerabilidade no caso do art. 218-B do CP é relativa. Assim, diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.

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No art. 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência. STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

O STJ, apesar de ter fixado essa tese acima em abstrato, considerou que, no caso concreto, Pedro se entregou à prostituição em razão de sua péssima situação econômica, motivo pelo qual a sua imaturidade em função da idade associada à sua péssima situação financeira o torna vulnerável. Em outras palavras, a defesa não conseguiu afastar a presunção relativa e Pedro foi considerado vulnerável, razão pela qual houve o crime. Por fim, a defesa alegou que não houve continuidade delitiva. Veja o raciocínio. A defesa argumentou que esse crime do art. 218-B só se consuma se houver reiteração de atos, ou seja, não haveria o delito se o ato sexual fosse praticado só uma vez. Logo, se o tipo penal exige obrigatoriamente pluralidade de atos, não se pode falar em punição maior pela continuidade delitiva já que a continuidade é algo que sempre deve existir. Essa tese foi acolhida pelo STJ? NÃO. O crime se consuma mesmo que haja apenas uma relação sexual. O tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição para que se configure o crime. No art. 218-B, § 2º, I, pune-se a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição.

O crime previsto no inciso I do § 2º do art. 218 do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. Em outras palavras, é possível que haja o referido delito ainda que tenha sido um único ato sexual. Logo, como não se exige a habitualidade para a sua consumação, é possível a incidência da continuidade delitiva, com a aplicação da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS O aproveitamento, pelo adquirente, do ICMS destacado na nota fiscal de compra de mercadorias

de contribuinte incluído no Regime Especial de Fiscalização sujeita-se à prova da arrecadação

O creditamento pelo adquirente em relação ao ICMS destacado nas notas fiscais de compra de mercadorias de contribuinte devedor contumaz, incluído no regime especial de fiscalização, pode ser condicionado à comprovação da arrecadação do imposto.

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.241.527-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II — operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Principais características do imposto: • plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade; • real: as condições da pessoa são irrelevantes; • proporcional: não é progressivo; • fiscal: tem como função principal a arrecadação. Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061): • circulação de mercadorias; • prestação de serviços de transporte intermunicipal; • prestação de serviços de transporte interestadual; • prestação de serviços de comunicação. Regra da não cumulatividade O art. 155, § 2º, I, da CF/88 determina que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. Ricardo Alexandre explica a regra da não cumulatividade:

“A cada aquisição tributada de mercadoria, o adquirente registra como crédito o valor incidente na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte (“ICMS a recuperar”), que pode ser abatido do montante incidente nas operações subsequentes. A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos estaduais (ou distritais) ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do “ICMS a recolher”). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos

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determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 580).

Imagine agora a seguinte situação hipotética: A distribuidora “Alfa2 Ltda” é uma empresa que compra e revende mercadorias no Estado do Rio Grande do Sul, sendo, portanto, contribuinte de ICMS. A distribuidora comprou diversas mercadorias da empresa “Beta3 Ltda”. A empresa “Beta3 Ltda” emitiu nota fiscal na qual constou que o preço das mercadorias foi R$ 100 mil e que o valor do ICMS incidente sobre a operação foi de R$ 20 mil. A “Alfa2” tentou utilizar esses R$ 20 mil como crédito, mas o Fisco estadual disse que ela só teria direito ao creditamento depois que ficasse comprovado que a “Beta3” pagou efetivamente o ICMS. Isso porque a “Beta3” possui diversos débitos de ICMS e, por essa razão, foi incluída em um regime especial de fiscalização. A “Alfa2” impetrou, então, um mandado de segurança alegando que essa exigência é abusiva e viola o princípio constitucional da não cumulatividade. Isso porque o adquirente tem o direito de creditar-se do imposto incidente na operação anterior, a teor do art. 155, § 2º, I, da CF/88, independentemente de ter ou não sido recolhido. O STJ acolheu os argumentos da “Alfa2”? Essa exigência do Fisco estadual é abusiva? NÃO.

O creditamento pelo adquirente em relação ao ICMS destacado nas notas fiscais de compra de mercadorias de contribuinte devedor contumaz, incluído no regime especial de fiscalização, pode ser condicionado à comprovação da arrecadação do imposto. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.241.527-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

O que o Fisco fez foi exigir que a nota fiscal emitida pela empresa submetida ao regime especial de fiscalização (devedora contumaz) seja acompanhada pelo comprovante de arrecadação (pagamento) do ICMS, garantindo, assim, que o tributo destacado seja pago à vista. Com isso, implementa-se uma vigilância diferenciada a quem reiteradamente cobra o ICMS do adquirente e não repassa o valor cobrado. Não se trata de uma punição a quem é considerado devedor contumaz, mas sim de não lhe conferir um prêmio (pagamento diferido do ICMS e compensação de um crédito ficto, recolhido ou não). Desse modo, não há que se falar em violação do princípio da não cumulatividade, muito menos aos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade. Caso fosse afastada essa exigência do Fisco, o contribuinte submetido ao regime especial de fiscalização, além de não recolher o tributo, geraria um crédito para o comprador da mercadoria. A finalidade desse procedimento especial, portanto, é a de evitar que sejam assegurados créditos de ICMS a empresas identificadas como devedoras reincidentes, alertando ao adquirente de mercadorias, fornecidas por esses devedores, que tenha cautela em relação ao creditamento de ICMS que seja ou venha a ser recolhido. Igualmente, por meio desse procedimento, os devedores contumazes autorizam que o Fisco se acautele contra uma prática que transformava a nota fiscal em um artifício de captação de dinheiro nas operações com débito de ICMS a ser gerado, lesando interesses da coletividade. Vale ressaltar, por fim, que essa exigência do Fisco estadual não configura sanção política (Súmulas 70, 323 e 547 do STF), porque se trata apenas de afastar um prêmio ao devedor contumaz, não havendo que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR É válida a exigência de pagamento de joia para inscrição de beneficiário

no plano de previdência complementar para fazer jus à pensão por morte

É válida a exigência de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar para fazer jus à pensão por morte.

Joia é uma espécie de “pedágio”, um valor que deve ser pago pela pessoa que deseja aderir ao plano de previdência complementar. Este valor é calculado a partir de estudos atuariais que levarão em consideração a idade do participante, o salário de participação, o tempo de serviço prestado pelo beneficiário original ao patrocinador etc. A joia é necessária para que possa manter as reservas do plano e o equilíbrio atuarial.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.605.346-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/02/2019 (Info 645).

Previdência complementar Previdência complementar é um plano de benefícios feito pela pessoa que deseja receber, no futuro, aposentadoria paga por uma entidade privada de previdência. A pessoa paga todos os meses uma prestação e este valor é aplicado por uma pessoa jurídica, que é a entidade gestora do plano (ex: Bradesco Previdência). É chamada de “complementar” porque normalmente é feita por alguém que já trabalha na iniciativa privada ou como servidor público e, portanto, já teria direito à aposentadoria pelo INSS ou pelo regime próprio. Apesar disso, ela resolve fazer a previdência privada como forma de “complementar” a renda no momento da aposentadoria. O plano de previdência complementar é prestado por uma pessoa jurídica chamada de “entidade de previdência complementar” (entidade de previdência privada).

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, ex-funcionário da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), foi aposentado e passou a receber a aposentadoria privada complementar oferecida àqueles que trabalham na referida empresa. Este plano de previdência complementar é administrado pela Fundação Coelba de Previdência Complementar (FAELBA), entidade fechada de previdência privada patrocinada pela COELBA. Alguns anos depois, João faleceu e deixou uma única herdeira, Maria, sua esposa. Maria formulou requerimento administrativo pedindo a concessão da pensão por morte por ser a única dependente do assistido. A entidade de previdência respondeu afirmando que ela poderia ter direito ao benefício, mas desde que fizesse o pagamento da joia, conforme está previsto no regulamento do plano.

O que é joia, no que se refere à previdência complementar? Joia, também chamada de doação admissional, é uma espécie de “pedágio”, um valor que deve ser pago pela pessoa que deseja aderir ao plano de previdência complementar. É comum que os planos de previdência exijam o pagamento de joia para incluir um dependente. Este valor é calculado a partir de estudos atuariais que levarão em consideração a idade do participante, o salário de participação, o tempo de serviço prestado pelo beneficiário original ao patrocinador etc. A joia é necessária para que possa manter as reservas do plano e o equilíbrio atuarial. Normalmente o regulamento prevê que o pagamento pode ser à vista ou parcelado.

Essa exigência prevista no regulamento é válida? É possível que o regulamento exija o pagamento de joia para a inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar de modo a habilitá-lo a se tornar elegível ao benefício de previdência complementar post mortem? SIM.

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É válida a exigência de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar para fazer jus à pensão por morte. STJ. 4ª Turma. REsp 1.605.346-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/02/2019 (Info 645).

Regime de capitalização x regime de repartição simples (regime de caixa) O regime de capitalização pressupõe que o plano de previdência faça a constituição de reservas que garantam o benefício contratado, mediante o prévio recolhimento das contribuições vertidas pelo participante e pelo patrocinador, bem como os rendimentos auferidos com os investimentos realizados. Pelo regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos, não podendo haver, portanto, o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios, sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio econômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão que custear os prejuízos daí advindos. Assim, ao contrário do regime financeiro de caixa ou de repartição simples – em que as contribuições dos trabalhadores ativos ajudam a financiar os benefícios que estão em gozo, como ocorre no RGPS –, o regime de capitalização, adotado na previdência complementar, tem como princípio a impossibilidade de haver benefício sem prévio custeio. Dessa forma, para cada plano de benefícios, deve-se formar uma reserva matemática que, de acordo com os cálculos atuariais, possibilitará o pagamento dos benefícios contratados.

Previdência complementar adota o regime de capitalização As entidades de previdência privada adotam o chamado regime de capitalização. É o que determina o art. 202 da CF/88 ao estabelecer que a previdência privada será baseada na constituição de reservas:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

Assim, o art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. No mesmo sentido, veja o que preconiza o art. 18, § 1º da LC 109/2001:

Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador. § 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas. (...)

Constituição de reserva na previdência privada é feita por cálculos atuariais A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Assim, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É constitucional a remarcação de curso de formação para o cargo de agente penitenciário feminino de

candidata que esteja lactante à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. ( )

2) (MP/PR 2019) É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, desde que haja previsão expressa no edital do concurso público. ( )

3) Não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à vontade manifestada em vida. ( )

4) (TJ/MG 2018) A cremação do cadáver somente poderá ser feita se o falecido houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 1 (um) médico ou por 2 (dois) médicos legistas e no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária. ( )

5) O registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos propugnada pela lei civil não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial. ( )

6) O pensionamento fixado em sentença judicial, decorrente de ação de indenização por acidente de trânsito, não pode ser equiparado ao crédito derivado da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial. ( )

7) (MP/PR 2017) No que toca à classificação dos créditos na falência, assinale a alternativa correta: a) Os créditos tributários precedem aos créditos derivados da legislação do trabalho limitados a 150 salários mínimos por credor. b) Os créditos quirografários precedem aos créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado. c) Os créditos com privilégio geral precedem aos créditos com privilégio especial. d) Os créditos tributários precedem aos créditos decorrentes de acidentes de trabalho. e) Os créditos decorrentes de acidentes de trabalho precedem aos créditos com garantia real.

8) A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o fato gerador (nascimento ou adoção), independentemente da comunicação imediata ao juízo. ( )

9) O juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC. ( )

10) Qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória. ( )

11) (DPE/MA 2018 FCC) A ação rescisória que tenha por fundamento a existência de prova nova, cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, somente é admitida quando a prova for documental. ( )

12) Cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC/2015, contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens. ( )

13) É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal. ( )

14) (DPE/AM 2018 FCC) A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6o, VIII, do CDC, não ocorre ope judicis, mas ope legis, vale dizer, é o juiz que, de forma prudente e fundamentada, aprecia os aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência. ( )

15) (DPE/RS 2018) A distribuição diversa do ônus da prova pode ocorrer por convenção das partes, antes ou durante o processo. ( )

16) Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório. ( )

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17) (PGE/AM 2018 CESPE) Não incidem juros de mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos de liquidação e a da expedição do precatório. ( )

18) É legítimo o requerimento do Fisco ao juízo da execução fiscal para acesso ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) como forma de encontrar bens que sejam capazes de satisfazer a execução de crédito público. ( )

19) No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade. ( )

20) Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º). ( )

21) No art. 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência. ( )

22) O crime previsto no inciso I do § 2º do art. 218 do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. ( )

23) O creditamento pelo adquirente em relação ao ICMS destacado nas notas fiscais de compra de mercadorias de contribuinte devedor contumaz, incluído no regime especial de fiscalização, não pode ser condicionado à comprovação da arrecadação do imposto. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. C 4. E 5. C 6. E 7. Letra E 8. C 9. C 10. C

11. E 12. C 13. C 14. E 15. C 16. C 17. E 18. C 19. C 20. C

21. C 22. C 23. E