Infografia 1 2010

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54 Infografia Criação & Design Por Denise Ouriques* O design gráfico na era da informação só pode resultar em algo apaixonan- te: infografia. A palavra conduz ao desenho de notícias e novos dados, utilizados quando a informação precisa ser explicada de forma mais dinâmica, como em reporta- gens, mapas, manuais técnicos etc. É sobre isso que falaremos nesta e nas próximas duas edições da revista Publish. A ideia é apresen- tar um panorama completo sobre infografia, desde os primórdios, com mapas representa- dos em pedra, argila e peles de animais, até as representações atuais, que complementam matérias jornalísticas, além das últimas ten- dências, como mapas interativos. À primeira vista, a infografia pode fazer ligação direta a imagens de chatos diagra- Acompanhe a história da infografia, uma parte importante do trabalho do designer gráfico edição 111 2010 www.publish.com.br mas, tabelas e planilhas em apresentações cansativas de escritório. Nada disso! Con- ceitualmente, infografias são representa- ções visuais de informação. Philip Meggs, em seu clássico História do Design Gráfico, chama de infografia tudo que é condizente com este conceito, mas que surge a partir da geometria analítica (de coordenadas ou cartesiana), ou seja, a partir de René Des- cartes (cerca de 1637). Este francês, pai da teoria dos vórtices, declarou em seu livro Regras para a Direção do Espírito: “... a aritmética e a geometria são muito mais certas que as outras disciplinas: são efeti- vamente as únicas que lidam com um obje- to tão puro e simples que não têm de fazer suposição alguma que a experiência torne incerta, e consistem inteiramente em con- sequências a deduzir racionalmente.” Apesar de toda essa busca por exatidão e pela enorme influência no nosso modo de pensar, este cartesianismo já deixou brechas para pensadores como Buckminster Fuller re- formularem o mundo e a geometria de outra forma – mas isso já é tema para outra matéria. Mapas A interpretação acerca dos territórios ou domínios do ser humano sempre esteve presente em desenhos gravados em pedra, argila, pele de animais e outras estruturas. A apreensão do espaço e a elaboração de estruturas abstratas para representá-lo têm sido marca da vida em sociedade. Campanha publicitária da agência FCB, de Portugal Infográficos O visual da informação – parte 1

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Primeiro artigo de três produzido por Denise Ouriques Medeiros sobre infografia para a Revista Professional Publish, 2010

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InfografiaCriação & DesignPor Denise Ouriques*

O design gráfico na era da informação só pode resultar em algo apaixonan-te: infografia. A palavra conduz ao

desenho de notícias e novos dados, utilizados quando a informação precisa ser explicada de forma mais dinâmica, como em reporta-gens, mapas, manuais técnicos etc. É sobre isso que falaremos nesta e nas próximas duas edições da revista Publish. A ideia é apresen-tar um panorama completo sobre infografia, desde os primórdios, com mapas representa-dos em pedra, argila e peles de animais, até as representações atuais, que complementam matérias jornalísticas, além das últimas ten-dências, como mapas interativos.

À primeira vista, a infografia pode fazer ligação direta a imagens de chatos diagra-

Acompanhe a história da infografia, uma parte importante do trabalho do designer gráfico

edição 111 • 2010 • www.publish.com.br

mas, tabelas e planilhas em apresentações cansativas de escritório. Nada disso! Con-ceitualmente, infografias são representa-ções visuais de informação. Philip Meggs, em seu clássico História do Design Gráfico, chama de infografia tudo que é condizente com este conceito, mas que surge a partir da geometria analítica (de coordenadas ou cartesiana), ou seja, a partir de René Des-cartes (cerca de 1637). Este francês, pai da teoria dos vórtices, declarou em seu livro Regras para a Direção do Espírito: “... a aritmética e a geometria são muito mais certas que as outras disciplinas: são efeti-vamente as únicas que lidam com um obje-to tão puro e simples que não têm de fazer suposição alguma que a experiência torne

incerta, e consistem inteiramente em con-sequências a deduzir racionalmente.”

Apesar de toda essa busca por exatidão e pela enorme influência no nosso modo de pensar, este cartesianismo já deixou brechas para pensadores como Buckminster Fuller re-formularem o mundo e a geometria de outra forma – mas isso já é tema para outra matéria.

MapasA interpretação acerca dos territórios ou domínios do ser humano sempre esteve presente em desenhos gravados em pedra, argila, pele de animais e outras estruturas. A apreensão do espaço e a elaboração de estruturas abstratas para representá-lo têm sido marca da vida em sociedade.

Campanha publicitária da agência FCB, de Portugal

InfográficosO visual da informação – parte 1

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O Átlas do espaço eletromagnético, trabalho de José Luis de Vicente, Espanha, exposto no File 2010

Plano de Nippur é considerado por alguns o primeiro infográfico

Mapa de madeira dos Inuit

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci

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PercepçãoHá muitas maneiras de se experimentar o espaço. A Dimensão Oculta, livro escrito nos anos 60 pelo professor de Antropolo-gia, Edward T. Hall, aborda a utilização do espaço nos âmbitos público e privado, com-parando animais e indivíduos humanos em suas relações mais simples e em diferentes culturas. Estes comportamentos e territo-rialidades podem ser bastante úteis, por exemplo, na organização de espaços comer-ciais, de exposições, de quaisquer apresen-tações onde esteja inserido um percurso.

Leonardo Da Vinci também estudou a questão espacial humana, mais especialmen-te dentro da ideia da Geometria Sagrada – baseada em relações de proporções áureas. Seu homem vitruviano, elaborado a partir do trabalho do arquiteto romano Marcus Vi-truvio Pollio, descreve um homem em duas combinações de posições, ambas inseridas em um círculo e em um quadrado. Esta figu-ra nos remete à ideia da bolha interpessoal, do espaço territorial de cada um – que deve servir de referência. Fosse pouco, Da Vinci também foi precursor de outros interessan-tes diagramas, que podem ser considerados a aurora da infografia.

Jun Okamoto, em seu excelente livro Percepção Ambiental e Comportamento, entra no assunto dos sentidos, pois é a par-tir de nossas percepções que poderemos descrever o que vemos, deduzimos ou que-remos mostrar de forma bidimensional. Ele cita, por exemplo, que a tendência humana,

ao entrar em qualquer espaço fechado é o movimento da esquerda para a direita, no sentido horário, em direção à periferia do ambiente – você fazia ideia disto?

Por que estas informações podem ser úteis? Ora, quem quer comunicar-se pre-cisa entender de que modo a maioria das pessoas vai portar-se aqui no ambiente externo para saber como adequar melhor as informações. Às vezes, elas precisam ser sistematizadas ou seguir um roteiro.

Orientação espacial e wayfinding são expressões usadas para tratar de rotas de destino de usuários e de sua localiza-ção no espaço. Englobam processos per-ceptivos, cognitivos e comportamentais. Wayfinding é a habilidade mental da pes-soa se imaginar e se configurar espacial-mente nessa configuração.

Visual thinking intuitivoVoltando atrás no tempo, percebemos que o ser humano já vem se comunicando de forma bem elaborada há bastante tempo. Represen-tação é a base da comunicação; e representar é apresentar novamente. Isso porque, men-talmente, nós já processamos os objetos – em categorias e diferentes graus de abstração.

Na história da escrita há algo que se desta-ca: culturalmente nem todos os povos expres-saram-se da mesma maneira. Assim como os índios Ianomâmis, que não conhecem os números, uma tribo de aborígenes australia-na não expressa distâncias através deles, por exemplo, mas através de canções. Eles não

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conhecem os números, apenas o 1 e o ‘muito’. Então, da mesma forma, o dia não é marcado por horas, mas pela posição do sol no céu.

Um outro exemplo curioso é o dos Inuit, mais conhecidos por nós como es-quimós, e narrado por Victor Papanek em The Green Imperative. Habilidosos na escultura de pequenos objetos, eles car-regam uma escultura em madeira com o recorte do litoral onde vivem. Práticos de serem levados, estes mapas portáteis flu-tuam se caírem na água. Interessante é a comparação do mapa feito de forma intui-tiva pelos Inuit com o mapa feito tecnolo-gicamente pelos cartógrafos da atualida-de. Praticamente se sobrepõem!

Para alguns, o plano de Nippur, na an-tiga Mesopotâmia, do século XIII ou XIV a.C., é considerado o primeiro infográfico.

Mas isso é questionável, se levarmos em consideração imagens de diferentes cultu-ras e o fato dos mapas terem surgido mes-mo antes da escrita. Na China e no Egito os mapas do céu eram usados para calcu-lar distâncias e para orientação.

Depois de GutenbergO escocês William Playfair converteu da-dos estatísticos em gráficos simbólicos. Em 1786 publicou seu Atlas Comercial e Político: com 44 diagramas, introduzia o gráfico em linha e o diagrama de barras. Mais tarde, introduziu também o diagra-ma do círculo fatiado (gráfico de pizza).

Imagem marcante no filme Guerra e Paz, o ataque de Napoleão à Rússia em 1812, teve suas estatísticas projetadas visualmente pelo engenheiro civil aposentado Charles Joseph

Mapa interativo do grupo Stamen

O ataque de Napoleão à Rússia teve estatísticas projetadas em infográficos

Minard. Numa única imagem, ele informa seis tipos de informação: a geografia, o tempo de-corrido, a temperatura, o curso e a direção do movimento do exército e, finalmente, o núme-ro de soldados restantes. De uma tropa de 422 mil soldados saídos da Polônia, apenas 100 mil chegaram a Moscou e 10 mil retornaram.

Em mobilidade e transporte, um dos ca-sos de maior sucesso é o do metrô de Lon-dres (Inglaterra). Ali, a usabilidade fica clara no uso das relações funcionais. Henry Beck, autor do trabalho, baseou-se nos diagramas para os quadros de eletricidade. Este sistema de informação, esquematizado e padroniza-do, foi adotado nos Estados Unidos, Alema-nha, Holanda, Japão etc.

É só nos anos 1980 que começa de fato a revolução no jornalismo visual, com a entrada dos computadores com programas de intera-ção visual nas agências e redações. Um marco disso é o mapa do tempo de George Rorick, para o USA Today, nos Estados Unidos.

Muito divulgado pela cauda longa da internet, o trabalho supostamente apresen-tado por Charung Gollar, diplomata norue-guês, mostra estatísticas usando as bandei-ras dos países representados – e teria até concorrido ao Nobel de Marketing Político! Na realidade, a excelente série foi uma cam-panha publicitária da agência FCB, de Por-tugal, para a revista Grande Reportagem, do mesmo país. Foi a quinta campanha de im-prensa mais premiada do mundo em 2005.

Há muito por virInfográficos são sistemas híbridos de comuni-cação. Foram usados e vão continuar sendo, adaptando-se às novas possibilidades midiáticas. Os novos exemplos incluem a música e a intera-tividade, como em alguns dos trabalhos expostos no Festival Internacional de Linguagem Eletrô-nica (File) deste ano. Também está começando a despontar o uso informacional em realidade aumentada. Isso porque nem deu tempo de todo mundo conhecer trabalhos fantásticos, como os mapas interativos do grupo Stamen.

Tudo isso não diminui a enorme criati-vidade existente em tudo que já foi feito até agora. Não foi à toa que a Amazon elegeu o livro The Visual Display of Quantitative In-formation, de Edward Tufte um dos 100 mais importantes do século XX. Até a próxima.

*Denise Ouriques Medeiros é jornalista, arquiteta e docente da área de design.

Para falar com a autora, escreva para:[email protected]