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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Esta é uma obra de ficção de autor baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade ou fatos históricos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações será mera coincidência [email protected] www.marcador.pt facebook.com/marcadoreditora Artwork © 2014 Showtime Networks, Inc. A CBS Company. All Rights Reserved. Homeland™ & © 2014 Twentieth Century Fox Film Corporation. All Rights Reserved. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer forma sem permissão por escrito, exceto no caso de breves citações incluídas em artigos críticos e resenhas Publicado por acordo com William Morrow, uma editora da HarperCollins Publishers © 2014, Direitos reservados para Marcador Editora uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena Título original: Homeland Título: Homeland: Segurança Nacional – A Origem Autor: Andrew Kaplan Tradução: Ana Beatriz Manso Revisão: Silvina de Sousa Paginação: Maria João Gomes Arranjo de capa: Vera Braga Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-754-072-1 Depósito legal: 380453/14 1.ª edição: outubro de 2014

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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Esta é uma obra de ficção de autor baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade ou fatos históricos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações será mera coincidência

[email protected]/marcadoreditora

Artwork © 2014 Showtime Networks, Inc. A CBS Company. All Rights Reserved.Homeland™ & © 2014 Twentieth Century Fox Film Corporation. All Rights Reserved.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer forma sem permissão por escrito, exceto no caso de breves citações incluídas em artigos críticos e resenhas

Publicado por acordo com William Morrow, uma editora da HarperCollins Publishers

© 2014, Direitos reservados para Marcador Editorauma empresa Editorial PresençaEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 Barcarena

Título original: HomelandTítulo: Homeland: Segurança Nacional – A OrigemAutor: Andrew KaplanTradução: Ana Beatriz MansoRevisão: Silvina de SousaPaginação: Maria João GomesArranjo de capa: Vera BragaImpressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-754-072-1 Depósito legal: 380453/14

1.ª edição: outubro de 2014

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Ao meu filho, Justin, que torna tudo melhor, e aos homens e mulheres dos serviços secretos norte-americanos,

que na sombra perseguem o bem mais arredio do mundo: a verdade.

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Nota do Autor

Para os leitores interessados em informações adicionais acerca das personagens, organizações e agências descritas neste romance, é for-necido um glossário e uma listagem de personagens no final do livro.

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Prólogo

Sabes como são as coisas em Princeton numa escura madrugada de inverno, às cinco da manhã, antes de todos os outros acordarem? Sair do 1915 Hall

em calças de fato de treino, porque nunca fui a miúda glamorosa. Eu era a miúda séria, aquela que não seduzia os rapazes mas que talvez viesse a fazer alguma coi-sa. Dava início à minha corrida sem tocar no cronómetro. O campus em silêncio, ninguém em lado nenhum, o ar tão frio que fazia doer ao respirar. Correr o caminho todo até à Nassau Street, as lojas fechadas, a iluminação pública refletida no pavi-mento coberto de gelo. Depois direita à Washington e de volta ao campus, passando pela Woodrow Wilson e pela Frist até chegar à pista do Weaver.

»Depois parava, com o hálito a sair em vapor, o céu a ficar cinzento, premia o botão do cronómetro e corria os mil e quinhentos metros como se a minha vida dependesse disso, tentando manter a passada, mas, Saul, eu juro que houve alturas, mesmo quando já estava aflita nos últimos duzentos metros, em que achei que have-ria de conseguir correr para sempre.

– O que queres, Carrie? Que diabo queres tu verdadeiramente?– Não sei. Ser outra vez aquela miúda. Sentir a puridade, esta palavra exis-

te? Ele esconde alguma coisa, Saul. Juro por Deus.– Toda a gente esconde alguma coisa. Somos humanos.

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– Não. Alguma coisa má. Algo que vai fazer-nos mesmo mal. Não podemos permitir que isso aconteça de novo.

– Vamos ser claros: tu não estás apenas a pôr em risco a tua vida e as nossas carreiras. É uma questão de segurança nacional, da própria Agência. Tens a certe-za de que queres fazer isto?

– Acabei de me aperceber de uma coisa. Nunca mais serei aquela miúda, pois não?

– Não estou certo de que tenhas chegado a ser.

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2006

antes de Brody

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Capítulo 1

Achrafieh, Beirute, Líbano

O Rouxinol estava atrasado.Sentada na sala de cinema obscurecida, no segundo banco da

quarta fila a contar de trás, Carrie Mathison tentava decidir se devia ou não abortar a missão. A ideia era ser apenas um contacto inicial. «É ver e seguir em frente», como dissera Saul Berenson, o seu chefe e mentor, durante a formação que fizera na Quinta, o centro de treino da CIA na Virgínia. Ver de perto um tal Taha al-Douni, a quem haviam dado o nome de código Rouxinol, deixá-lo olhar rapidamente para ela para a conhecer na ocasião seguinte, sussurrar a hora e o local do próximo encontro e partir. Estritamente como mandam as regras.

Se o contacto se atrasasse, o protocolo da Companhia era aguar-dar entre quinze e vinte minutos, para depois abortar e reagendar ape-nas no caso de o contacto apresentar um bom motivo para não ter aparecido. Uma desculpa corriqueira, como a diferença horária no Médio Oriente, que podia provocar desde uma demora de meia hora a um atraso de meio dia, ou a habitual confusão de trânsito de final de tarde no Bulevar Fouad Chehab durante o cinq à sept, o período entre as cinco e as sete da tarde durante o qual os empresários se encontravam

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com as amantes nos pequenos apartamentos da zona de Hamra, não servia o propósito.

A questão é que Carrie queria aquele contacto. De acordo com a sua fonte, Dima, uma bela libanesa promíscua que pertencia ao grupo político cristão maronita 14 de Março e que podia ser encontrada todas as noites no bar do terraço do Le Gray, no centro de Beirute, havia duas coisas que tornavam Al-Douni uma pessoa a quem a CIA ado-raria deitar a mão: primeiro, pertencia à DSP, a Direção de Segurança Política, a brutal agência de serviços secretos da Síria, o que lhe dava acesso direto ao regime de Assad em Damasco; e segundo, precisava de dinheiro. Uma sensual namorada egípcia com gostos refinados andava a sugar-lhe o tutano, segundo dizia Dima.

Carrie olhou novamente para o relógio. Vinte e cinco minutos. Onde diabo andava ele? Observou toda a sala de cinema. A capacidade estava a mais de três quartos. Não tinha entrado ninguém desde o início do filme. No ecrã, Harry Potter, Ron e Hermione encontravam-se na aula do Moody Olho-Louco, vendo-o a lançar uma maldição Imperius sobre um inseto voador de aspeto letal.

Sentia-se tensa como a corda de um violino, embora isso não quises-se dizer nada. Nem sempre ela podia confiar no que sentia, porque havia ocasiões em que achava que a parte elétrica do seu sistema fora instalada pelos mesmos idiotas encarregados da construção da rede de energia de washington, DC. Doença bipolar, chamavam-lhe os médicos. Um distúr-bio psiquiátrico caracterizado por episódios de hipomania alternados com episódios depressivos, como o descrevera um psiquiatra recomendado em tempos pelo centro de saúde universitário de Princeton. A sua Maggie ti-nha uma definição melhor: «Alterações de humor que vão do “Sou a rapa-riga mais inteligente, mais gira e a mais fantástica do universo” ao “Quero matar-me.”» Ainda assim, tudo naquele contacto parecia errado.

Não podia esperar mais, disse a si mesma. Na tela, Hermione gri-tava com Moody, implorando-lhe que travasse a maldição que torturava o pobre inseto até à morte. Sentido de oportunidade perfeito; imensos barulhos e efeitos especiais. Ninguém daria por ela, concluiu, levantando--se para se encaminhar para o átrio do cinema.

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Saiu para a rua, sentindo-se conspícua, exposta. De certa maneira, era sempre assim que uma mulher ocidental se sentia no Médio Orien-te. Dava nas vistas. A única forma de se disfarçar era usando uma abaya que cobrisse todo o corpo e um véu, na esperança de que ninguém se aproximasse o suficiente para a ver bem. Mas com a sua constitui-ção esguia, o cabelo louro comprido e liso e as feições completamente americanas, Carrie não enganava ninguém, a não ser ao longe, e, fosse como fosse, isso não resultaria no norte de Beirute, onde as mulheres vestiam de tudo, de hijabs a calças de ganga de marca justas ao corpo, quando não as duas coisas ao mesmo tempo.

Escurecera enquanto ela estivera no cinema. O trânsito estava compacto na Avenida Michel Bustros, onde os faróis dos carros e as janelas iluminadas dos prédios altos de escritórios e apartamentos for-mavam um mosaico de luzes e sombras. Ela perscrutou a rua em busca de vigias. Os contactos quebrados eram sempre potencialmente peri-gosos. E foi então que quase lhe parou o coração.

O Rouxinol encontrava-se sentado a uma mesa de café no outro lado da rua, olhando para ela. Completamente errado. Ele não podia ter interpretado mal as instruções que Dima lhe fornecera na noite anterior no Le Gray. Estaria louco? E depois piorou ainda mais a situação. Fez--lhe sinal com um gesto de mão que na América significa «vai-te em-bora», mas que no Médio Oriente quer dizer «anda cá». As peças encai-xaram num instante, como num daqueles caleidoscópios que se agitam e de repente as peças caem todas no lugar certo. Era uma emboscada. Al-Douni pertencia supostamente à DSP. Era um experiente profis-sional dos serviços secretos. Não podia agir de modo tão amador.

Nem a DSP nem o Hezbollah punham de parte a hipótese de ma-tar uma agente da CIA, ou, melhor ainda, de a fazer refém para servir os seus propósitos. Para eles, apanhar uma espia da CIA loura e atraente seria o mesmo que ganhar a lotaria. Ela já conseguia visualizar mental-mente o circo mediático que iria instalar-se enquanto a faziam desfilar diante da câmara, denunciando o aumento da interferência americana no Médio Oriente ao mesmo tempo que a mantinham trancada num roupeiro durante anos, torturando-a e violando-a, porque, afinal de

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contas, ela era uma espia. Já para não falar que muitos dos homens do Médio Oriente acreditavam que as mulheres orientais eram todas umas pegas. O Rouxinol fez-lhe novamente sinal e, nesse momento, ela dete-tou, pelo canto do olho, dois homens árabes a saírem de uma carrinha do lado da rua onde se encontrava e caminhando na sua direção.

Era um sequestro. Tinha de tomar uma decisão imediata; dali a poucos segundos, seria feita prisioneira. Virou costas e regressou ao cinema.

– Esqueci-me de uma coisa – balbuciou em árabe, mostrando o seu billet ao arrumador. Desceu pela coxia, semicerrando os olhos para os adaptar ao escuro. No ecrã, Hermione apagava a memória a um dos atacantes no café, ao mesmo tempo que Carrie usava a saída de emergência que ia dar a um beco. Eles haveriam de entrar ali atrás dela, pensou, encaminhando-se de volta à avenida. Espreitou da parte lateral do edifício. O Rouxinol já não se encontrava no café. Os dois homens deviam ter entrado no cinema.

Saiu a correr para a avenida, dobrou a esquina e desceu uma rua estreita afastada do trânsito. Quantos seriam?, indagava-se, amaldi-çoando-se por estar de saltos altos. Fazia parte do disfarce. A menos que estivesse de abaya, nenhuma mulher de Beirute que se desse ao res-peito seria apanhada de saltos rasos. Não deveriam ser apenas aqueles dois homens, pensou, parando para descalçar os sapatos. Pelo menos se aquilo fosse a sério.

A rua estava escura, ensombrada por árvores. Não havia muita gente por perto, se bem que não seria a presença de pessoas que os iria travar. Os dois árabes da carrinha apareceram ao virar da esquina. Um deles tirou qualquer coisa do casaco. Parecia uma pistola com um si-lenciador incorporado. Ela começou a correr. Haviam-na subestimado, pensou. Tinha sido corredora. Conseguia correr mais do que eles.

Foi nesse instante que ouviu um tinido metálico e sentiu algo a espetar-lhe a perna. Olhou de relance para baixo e viu no passeio uma marca branca feita por uma bala. Estavam a disparar contra ela. Esqui-vou-se para a esquerda, depois para a direita e tocou na perna, sentindo um rasgão nas calças de ganga e uma mancha. Sangue. Devia ter sido

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atingida por um pedaço de passeio que fizera ricochete, pensou, en-quanto corria para salvar a vida, sentindo o betão rijo debaixo dos pés descalços. Depois de virar a esquina, desceu a correr uma rua vazia. Tinha de fazer alguma coisa, e depressa. À sua esquerda encontrava- -se uma grande casa com portão e vedação de ferro forjado; do outro lado da rua, uma igreja ortodoxa grega com o teto em cúpula, cuja cor branca se destacava na escuridão.

Apressou-se até à porta lateral da igreja e puxou a maçaneta. Estava trancada. Ao olhar para trás, com o coração acelerado, viu os dois ára-bes a correr. Ambos tinham pistolas com silenciador e encontravam-se cada vez mais perto. Mais à frente, ao virar da esquina, um carro Mer-cedes parou com um guincho. Quatro homens saíram dele ao mesmo tempo. Merda!, pensou, correndo o mais depressa que conseguia até à porta principal da igreja. Abriu-a com um puxão e entrou de rompante.

Haveria talvez umas doze pessoas na igreja, quase todas mulheres vestidas de negro. Andavam de um lado para o outro, acendendo ve-las e beijando imagens, ou contemplavam apenas o altar, com os seus arcos e imagens em retábulos de ouro. A descer a coxia na sua direção vinha um jovem de barba, um sacerdote com vestes negras.

– Cristo está no meio de nós – disse ele em árabe.– Claro que está, padre. Preciso de ajuda. Há alguma saída nas

traseiras? – perguntou ela em árabe.De modo instintivo, ele olhou de esguelha para o ombro. Ela correu

nessa direção, no preciso instante em que a porta principal se abriu com estrondo e os quatro homens do Mercedes entraram a correr, dois com espingardas automáticas. Uma mulher gritou e toda a gente começou a dispersar. À exceção do padre, que se encaminhou para os homens.

– Bess! – gritou ele. – Parem! Esta é a casa do Nosso Senhor! Um dos homens empurrou-o para o lado enquanto descia a coxia

em direção ao nicho por onde Carrie tinha desaparecido por trás de uma cortina que conduzia a uma porta.

Ela fugiu para a rua. Havia um passadiço que ia dar a uma avenida, ou que podia ser atravessado para aceder a um parque de estaciona-mento cercado por uma sebe. Correu pelo parque impelida pelo som

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abafado de um tiro atrás de si, depois esquivou-se por uma brecha na sebe e saiu para a Avenida Charles Malek, uma larga avenida principal cheia de trânsito e de gente. Foi a correr para o meio da rua, desviando- -se de carros e ouvindo buzinadelas. O semáforo passou a verde e o trânsito começou a andar à volta dela. Pelo canto do olho, olhou para trás, para a rua perpendicular, e viu três dos homens do Mercedes no pas-seio à procura dela. Haveriam de a localizar em segundos.

Estava no meio do trânsito, entre duas faixas de automóveis sepa-rados por pouco mais de vinte centímetros. Sentiu um apalpão no rabo de uma mão saída de um carro que circulava em sentido contrário. Não perdeu tempo a tentar ver quem fora; precisava de fazer rapidamente qualquer coisa para sair do campo de visão dos homens.

Estava prestes a passar por ela um táxi em serviço. Havia um lugar disponível na parte de trás. Fez sinal com a mão à frente do para-brisas, diante do rosto do motorista, e gritou: «Hamra!» O táxi já estava a fazer serviço naquela direção, oeste, e a CIA tinha uma casa segura no bairro de Ras Beirut, não muito longe de Hamra, se conseguisse chegar lá sem ser detetada. O táxi parou no meio do trânsito, com buzinas a estron-dearam lá atrás, e ela saltou para o banco de trás.

– Salaam alaikum – murmurou aos outros passageiros, tornando a calçar os sapatos que trazia na mão e tirando do bolso um hijab preto que colocou na cabeça para ajudar a transformar a sua imagem. Ati-rou uma ponta do lenço para cima do ombro, enquanto olhava rapi-damente em redor. Um dos homens no passeio apontava para o táxi e dizia qualquer coisa. Ela recostou-se, para ficar oculta pelos outros dois passageiros: uma mulher mais velha de fato cinzento que a fitava com sincero interesse e um jovem de fato de treino, talvez estudante univer-sitário. No banco da frente, ao lado do motorista, seguia uma jovem que ignorava toda a gente e falava com alguém ao telemóvel.

– Wa alaikum salaam – murmuraram em resposta o estudante e a mulher mais velha.

– Hamra, aonde? – perguntou o motorista, pisando o acelerador e guinando para uma aberta entre os carros da frente a fim de avançar alguns metros.

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– Banco Central – disse ela, não querendo revelar a verdadeira localização da casa segura, sobretudo se os homens ainda estivessem a segui-la. Era suficientemente perto do sítio para onde queria ir. Entre-gou ao motorista duas mil libras libanesas em notas e tirou da mala um estojo de maquilhagem, tentando pôr o espelho num ângulo em que conseguisse ver pelo vidro de trás. Não se via nada a não ser trânsito. Se a carrinha ou o Mercedes viessem no seu encalço, estariam demasiado longe para se verem. Mas ainda a perseguiam. Tinha a certeza. Por sua causa, todas as pessoas naquele táxi corriam perigo. Tinha de sair assim que fosse possível, pensou. Afastando dos olhos uma madeixa de cabe-lo e olhando em volta, guardou o estojo.

– Não devia fazer isso – disse a mulher mais velha. – Meter-se assim no meio do trânsito.

– Há muita coisa que eu não devia fazer. – Ao aperceber-se de que a mulher mostrava muito interesse nela, acrescentou: – É o que o meu marido me diz sempre – assegurando-se de que a mulher reparava na aliança que ela usava sempre nos encontros com contactos, apesar de não ser casada, para ajudar a prevenir aquilo a que Virgil, o seu homem das engenhocas, chamava «sexo Evereste». Sexo indesejado ou com os parceiros errados ou como subir o Evereste, «porque ela está lá, Carrie».

Encontravam-se agora no Bulevar General Fouad Chehab, a rua principal que atravessava o norte de Beirute de este para oeste, e o trânsito deslocava-se um pouco mais depressa. Se queriam atacá-la no táxi, aquela seria a melhor ocasião, pensou, dardejando em redor com o olhar. Por toda a parte havia carros e carrinhas, e a adolescente que seguia à frente dizia ao telemóvel: «Eu sei, habibi. Tchau.» A rapariga desligou e começou logo a mandar mensagens.

Perto do edifício alto e retangular Al-Mour, o motorista virou para o Bulevar Fakhreddine. Todas as construções daquela zona eram re-centes. As antigas haviam sido destruídas durante a longa guerra civil. Mais acima no bulevar, ela viu gruas altas no sítio onde começavam a erguer-se mais prédios novos. O táxi virou à esquerda e, depois de alguns quarteirões, o motorista abrandou para encontrar um sítio para deixar sair alguém.

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Carrie olhou de relance pelo vidro de trás. Ainda vinham atrás dela. No meio do trânsito, no Mercedes que seguia quatro carros atrás, esperavam para avançar. Aguardavam que ela saísse, para a apanha-rem antes que conseguisse andar cinco metros. Que podia fazer?O táxi abrandou e parou perto de um prédio alto de apartamentos. Carrie ficou tensa. Iriam atacá-la nesse momento? Podiam parar ao lado do táxi, bloqueando-o de modo a que não tornasse a arrancar para o meio do trânsito. Ela ficaria encurralada. Tinha de fazer alguma coisa, e depressa.

A mulher mais velha fez um aceno de cabeça aos outros passagei-ros e saiu. Um segundo depois, Carrie saiu para o lado da rua, deu a volta ao carro e pegou-lhe no braço.

– Pensava que ia para o Banco Central – disse a mulher.– Estou metida em apuros. Por favor, madame – pediu Carrie.A mulher olhou para ela. – Que tipo de apuros? – perguntou, enquanto se encaminhavam

para a entrada do prédio. Carrie olhou de relance por cima do ombro. Assim que o táxi arrancou, o Mercedes parou no mesmo lugar na berma do passeio.

– Do pior tipo. Temos de fugir, senão eles matam-na a si tam-bém, madame – disse Carrie, começando a correr e arrastando a mulher. Apressaram-se para dentro do prédio, dirigiram-se para os elevadores e premiram o botão.

– Não carregue no botão para o seu andar – aconselhou Carrie. – Escolha um piso mais alto e desça a pé. Tranque a porta e não a abra a ninguém durante pelo menos uma hora. Peço imensa desculpa – disse, tocando-lhe no braço.

– Espere – disse a mulher, vasculhando a carteira. – Tenho um Renault vermelho no parque de estacionamento. – Estendeu-lhe as chaves.

– Espere uma hora e depois dê-o como roubado – disse Carrie, aceitando as chaves. – Conhece a Crowne Plaza, ao lado do centro comercial?

A mulher respondeu que sim com a cabeça.

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– Se puder, deixo-o lá – afirmou Carrie, já a correr para a porta lateral perto do parque de estacionamento. – Shokran – gritou à mulher quando esta entrou no elevador.

Saiu para o parque. O Renault vermelho estava estacionado numa fila perto de um muro baixo. Dirigiu-se para lá a correr, destrancou o carro, entrou e ligou-o. Enquanto ajustava os espelhos, viu os dois ho-mens. Os mesmos que a haviam perseguido na igreja. Engatou marcha atrás, recuou e conduziu em direção à saída. Os homens foram atrás a correr, com o que tinha disparado contra ela a pôr-se em posição de abrir fogo, apontando ao carro. De modo instintivo, ela baixou-se en-quanto guinava para a rua, fazendo uma curva apertada e acelerando ao máximo. Uma bala estilhaçou-lhe o vidro traseiro, irradiando do buraco rachas semelhantes a uma teia de aranha.

Guinou novamente, olhando na direção do parque, onde o ati-rador fazia pontaria. Teria de se posicionar mesmo ao lado dele. No último instante, travou de rompante e bateu com a cabeça no encosto superior do banco. Uma outra bala atravessou a janela lateral, riscando o ar diante do seu rosto. Pisou de novo o acelerador, enquanto um car-ro buzinava ruidosamente atrás de si, e acelerou rua abaixo, em busca de uma aberta no meio do trânsito. Ao olhar pelo espelho retrovisor, percebeu que o Mercedes continuava parado na berma. Alguém corria pelo passeio em direção ao carro. Céus!, só esperava que não tivessem feito mal à mulher mais velha. Porque a teriam alvejado? O que se pas-sava? Uma refém da CIA era valiosa para o Hezbollah, ou para a Síria, ou para o diabo de quem estivesse por trás daquilo. Uma mulher morta, mesmo sendo da CIA, não valia grande coisa.

De repente, sem fazer sinal, meteu-se para a direita e virou na esquina, com os pneus a chiar enquanto subia velozmente a rua estreita. Mais à frente, um homem atravessava no meio da rua, e ela, em vez de travar, deu-lhe uma buzinadela, sem abrandar um segundo, e conseguiu contorná-lo, ao mesmo tempo que ele lhe erguia um polegar, o equivalente no Médio Oriente ao dedo do meio. Ela não reduziu a velocidade e virou na primeira à esquerda, olhando mais uma vez para o espelho retrovisor. Naquele momento não tinha ninguém atrás de si.

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Virou de novo à esquerda para a Rome e voltou para a Hamra, a rua estreita pejada de carros e pessoas. Se fossem atrás dela, no Mercedes ou noutro carro, não teriam forma de a apanhar no meio do trânsito. Nos passeios onde se aglomeravam pessoas de todas as idades, muita gente na moda e algumas mulheres com hijabs, os cafés e restaurantes reluziam com os seus anúncios de néon e da porta aberta de um bar ouviam-se sons de música hip-hop.

Carrie seguiu na direção oeste pela Rua Hamra, olhando para os espelhos enquanto a cidade e todas as suas cores rodopiavam em redor. Abriu uma janela e ouviu os sons de pessoas e música e sentiu o cheiro da shoarma assada e do fumo de tabaco de maçã proveniente dos cafés de shisha. Nenhum sinal de estar a ser seguida. Eles podiam ter trocado o Mercedes ou a carrinha, mas, pelo que ela podia perceber, já os despis-tara. Ainda assim, não conseguia relaxar. Eles iriam vasculhar a cidade à sua procura. Se tivessem capturado o motorista do táxi, ele ter-lhes-ia dito que ela se dirigia para a Hamra. Podiam estar em qualquer lado. E ela só podia esperar que não tivessem apanhado a mulher mais velha. Estava na hora de se livrar do carro.

Localizou o edifício alto do Hotel Crowne Plaza mais à frente, com as letras em luzes vermelhas no cimo. Passou pelo hotel e entrou para o centro comercial, onde, depois de andar quinze minutos às voltas, encontrou um lugar para estacionar. Deixou as chaves no tapete, saiu do carro e dirigiu-se para o centro, onde se fundiu na corrente de gente às compras, usando saídas diferentes e tornando a entrar, olhando para espelhos e subindo e descendo escadas, de modo a assegurar-se de que não era seguida, verificando uma última vez antes de sair do centro e se afastar do mar de gente, para começar a subir a Rua Gemayel em direção ao campus da Universidade Americana.

Deu duas voltas ao quarteirão, depois contornou outro quarteirão na direção oposta, para garantir com toda a certeza que não estava a ser seguida. Através daquele método, mesmo que eles se alheassem da perseguição, ela quase sempre conseguia detetar os perseguidores. Co-meçou a respirar um pouco mais descontraidamente. Até ali, parecia--lhe tê-los despistado. Mas não tinha ilusões. Eles haveriam de varrer

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Hamra à sua procura. Ela precisava de se dirigir de imediato para a casa segura.

O essencial era manter-se afastada das multidões da Rua Hamra. Eles podiam ter sorte e encontrá-la. Em vez disso, dirigiu-se para a universidade. Para disfarçar, aproximou-se de um grupo de estudantes que tagarelavam acerca de onde ir comer manaeesh, uma espécie de piza. As duas raparigas eram libanesas e um dos rapazes era da Jordânia, e por um segundo foi como se tivesse voltado à faculdade. Convidaram--na a juntar-se a eles numa montra meio escondida, mas ela encolheu os ombros e seguiu caminho. A casa segura não ficava longe. Passados vinte minutos, já se encontrava na Adonis, uma rua residencial estreita ladeada por árvores, subindo no elevador até ao apartamento da casa segura no oitavo andar.

À saída do elevador, esquadrinhou o corredor e a escadaria, ouvindo o elevador a subir antes de se aproximar da porta do apar-tamento. Analisou a maçaneta e a ombreira em busca de quaisquer sinais de tentativa de arrombamento. Parecia tudo bem. Ela sabia que no óculo existia uma câmara. Olhou para lá e fez o combinado, duas batidas duplas, preparada para fugir caso acontecesse alguma coisa. Não obteve resposta. Bateu de novo, depois tirou a chave da carteira e abriu a porta.

O apartamento parecia vazio. Aquilo não batia certo. A ideia era estar lá sempre alguém. Que diabo se passaria? Depois de confir-mar que os cortinados estavam corridos, trancou a porta atrás de si e explorou os dois quartos, um cheio de camas de campanha, o outro, de equipamento. Dirigiu-se para a cómoda onde guardavam uma grande variedade de armas. Tirou de lá uma pistola Glock 28 e quatro carre-gadores. Era perfeita para ela. Pequena, leve, com pouco recuo, e as balas de calibre .380 trespassavam qualquer coisa. Carregou a pistola e guardou-a na carteira, juntamente com os carregadores.

Dirigiu-se à janela e espreitou pelo rebordo do cortinado para a rua em baixo, iluminada por um único candeeiro público. Se houvesse alguém de vigia, estaria escondido nas sombras das árvores e dos carros estacionados na rua escura.

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– Preciso de uma bebida, que diabo! – disse em voz alta para si mesma, dirigindo-se ao armário das bebidas da sala de estar, enquanto olhava de relance para o computador portátil sobre a mesa de centro que mostrava múltiplos ângulos das câmaras de segurança do óculo da porta, do corredor e da rua vista do telhado. Parecia tudo em ordem. No armário descobriu uma garrafa de vodca Grey Goose meio cheia e encheu um quarto de copo, ciente de que provavelmente não deveria fazê-lo e pensando que, no ponto em que as coisas se encontravam, na verdade ela já se estava nas tintas. Tirou da mala de mão um dos seus comprimidos de clozapina – precisava de arranjar mais na farmácia de mercado negro em Zarif, pensou, franzindo o sobrolho – e emborcou--o com a vodca. Olhou para o relógio: 19h41. Quem estaria a controlar a central telefónica na Divisão de Beirute àquela hora?, perguntou-se. Linda, calculou. Linda Benitez, de serviço até à meia-noite.

Mas, antes de telefonar, precisava de pensar bem. O que acabara de acontecer não batia certo. O contacto com o Rouxinol tinha sido preparado por Dima. A miúda da noite não era um dos pombos, os agentes que Carrie recrutara desde a sua chegada a Beirute. Fora-lhe passada por Davis Fielding, o chefe da divisão da CIA em Beirute. Fazia parte da equipa dele. Iria ser um sarilho dos diabos, pensou, furiosa. Mas não conseguia saber com certeza se Dima jogaria dos dois lados ou se também ela fora enganada pelo Rouxinol. Na verdade, Dima podia estar em perigo, ou até mesmo morta.

Só que Carrie não tinha maneira de a contactar. Não podia sim-plesmente telefonar. Os dois telefones da casa segura eram de utiliza-ção restrita. O normal era apenas para receber chamadas. O encriptado servia estritamente para comunicar com a altamente segura central da Embaixada dos Estados Unidos em Aoukar, na zona mais a norte da cidade. E utilizar um telemóvel poderia denunciar a sua posição, no caso de estarem a seguir-lhe o rasto através de GPS. Descobre, disse a si mesma. Parte do princípio de que ou é a DPS ou é o Hezbollah que estão por trás disto. Como tinham dado com ela? Só podia ter sido Dima, e isso podia significar que havia algo que Fielding não sabia. Fora ele que a incentivara a estabelecer o contacto.

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– Nós seríamos capazes de matar para termos alguém infiltrado na DPS – dissera-lhe ele. E também lhe dissera que ela não iria precisar de apoio. – A Dima é de confiança. Não nos disse muita coisa, mas o que nos dá é de altíssima qualidade.

Que grande filho da mãe, pensou. Andaria a comê-la? Seria o sexo a altíssima qualidade que ela lhe estava a dar? Carrie quisera levar consi-go Virgil Maravich, o génio das engenhocas residente da divisão, o me-lhor técnico para vigilância, escutas e arrombamentos que ela já conhe-cera, mas Fielding respondera que precisava de Virgil para outra coisa.

– Além do mais – dissera-lhe –, já és uma menina crescida. Dás conta do recado – dando a entender que, se não conseguisse, o seu lugar não era em Beirute, nos campeonatos principais.

– Beirute dita as regras – observara-lhe Fielding naquele primeiro dia no seu gabinete no último piso da Embaixada americana, refastelado numa cadeira de cabedal, com uma janela atrás de si que dava para o edi-fício da câmara, com janelas e pórtico em arco. Era um homem alto, de cabelo claro, que começava a engordar. Tinha um toque de rosácea no na-riz, via-se que gostava de comer e beber. – Não existem segundas oportu-nidades. E ninguém se importa que sejas uma mulher no Médio Oriente. Se fizeres asneira, se cometeres um erro, a probabilidade de morreres é de cem para uma. Mesmo que isso não aconteça, tens de sair daqui. Isto pa-rece uma cidade civilizada, imensos bares, mulheres bonitas com roupa de marca, ótima comida, as pessoas mais sofisticadas do planeta, mas não te deixes enganar. Não deixa de ser o Médio Oriente. Se deres um passo em falso, eles matam-te, e passado um minuto seguem para a farra seguinte.

Que diabo estaria a acontecer?, pensava. Tinha sido um fulano de Fielding a organizar o encontro, fora Fielding que a incentivara a alinhar na jogada e que se assegurara de que ela o fazia sem qualquer tipo de apoio. Mas Fielding era chefe de divisão em Beirute há muito tempo. Tratava-se de um primeiro contacto convencional. Ele não esta-va à espera de que algo corresse mal. Quase fora raptada ou morta. Era evidente que ele não queria isso. Respirou fundo. Aquilo era de doidos. Estaria a sentir-se um pouco inebriada? Será que a clozapina, a medica-ção que tomava para a doença bipolar, não estava a dar resultado?

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Pôs-se de pé. Sentiu que precisava de fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas não sabia bem o quê. Sentiu um formigueiro na pele. Oh, Deus, isso não. Não ia começar com um dos seus «voos» – como cha-mava à fase maníaca da sua doença bipolar –, pois não? Começou a andar em torno da sala, depois encaminhou-se para a janela, sentindo um irresistível ímpeto para abrir os cortinados de rompante e olhar lá para fora. Vá lá, força, olhem para mim, seus sacanas! Não sejas estúpi-da, Carrie, disse a si mesma. Tu estás bem, tens de esperar uns segun-dos até que a clozapina e a vodca façam efeito. Se bem que talvez fosse loucura misturar os dois. Esticou-se para o cortinado. Cautela, cautela, continuou. Puxou o canto do cortinado e espreitou para a rua.

O Mercedes que a perseguira estava estacionado em segunda fila diante do prédio da casa segura. Três homens dirigiam-se para a entrada.O medo assolou-a como se fosse um choque elétrico. Sentiu uma von-tade terrível de urinar e teve de apertar as coxas para a controlar.

Era impossível. Estava numa casa segura. Como é que a tinham encontrado? Não fora seguida. Tinha a certeza. Despistara-os com o Renault vermelho e certificara-se duplamente disso ao percorrer as ruas da cidade em Hamra. Ninguém a pé; ninguém de carro. E que haveria ela de fazer? Estavam a entrar no edifício. Só dispunha de alguns segun-dos para fugir. Pegou no telefone seguro para a embaixada e marcou o número. Atenderam ao segundo toque.

– Gabinete dos Serviços de Cultura dos Estados Unidos, boa noi-te – disse uma voz. Apesar da leve distorção devido à encriptação da linha, Carrie reconheceu a voz de Linda Benitez. Não a conhecia bem, apenas o suficiente para lhe dizer olá.

– Amarillo – disse Carrie, usando a palavra de código da semana. – O Rouxinol era uma cilada.

– Confirma oposição?– Não tenho tempo. Houve uma rutura na segurança de Aquiles.

Está a ouvir, caraças? – quase gritou Carrie. Aquiles era a casa segura.– Confirme Aquiles. Qual é a sua localização e posição? – per-

guntou Linda, e Carrie percebeu que ela não só estava a gravar, como a seguir um texto decorado e a anotar cada palavra, perguntando-lhe se

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ainda se encontrava em movimento e operacional ou se estava a ligar sob coação ou em cativeiro.

– Estou em trânsito. Diga a você-sabe-quem que eu falo com ele amanhã – atirou Carrie, desligando em seguida. Por um instante, man-teve-se em bicos de pés como uma bailarina, tentando decidir o cami-nho a tomar. Tinha de sair dali depressa, mas como? Eles eram três. Mais um, pelo menos, lá fora, no Mercedes. Usariam não só as escadas como o elevador para subirem.

Como haveria de sair dali? Não havia plano de contingência para uma coisa daquelas. Aquilo não devia acontecer numa casa segura.

Não podia ficar ali. Eles arranjariam forma de entrar. Se não fosse por uma porta, seria por uma janela, uma varanda ou até mesmo uma parede de um apartamento do lado. Se efetivamente entrassem, avan-çariam aos tiros. Ela talvez conseguisse alvejar um, possivelmente até dois, mas nunca três. Não haveria ali tiroteio. Mas ela também não po-dia ir para o corredor, para tentar fugir pelas escadas ou pelo elevador. Eles haveriam de estar à espera. A verdade é que provavelmente iriam aparecer à porta a qualquer instante, pensou, dirigindo-se para a porta do apartamento e fazendo correr a lingueta da fechadura.

Restavam-lhe a janela e a varanda. Enquanto se encaminhava para o quarto, sentiu um choque ao ouvir sons no corredor. Foi até ao portá-til. Os três árabes estavam no corredor, avançando de modo metódico e escutando à porta de cada apartamento com uma espécie de mecanis-mo. Dentro de segundos estariam à porta dela.

Voltou a correr para o roupeiro do quarto, onde estava guardado o equipamento. Abriu-o e começou e vasculhá-lo, à procura de corda ou qualquer coisa que pudesse usar para se fazer descer. Corda não havia. Só mudas de roupa de homem. Alguns fatos, sapatos e cintos de cabe-dal. Cintos! Agarrou em três e prendeu-os uns aos outros, para fazer um único cinto comprido. Depois apressou-se a regressar ao portátil.

O ecrã mostrava os três homens do lado de fora do apartamento da casa segura. Fixavam qualquer coisa à porta. Explosivos!, pensou. Foi a correr para o quarto e abriu a porta da varanda, enlaçando o cin-to no gradeamento de ferro forjado. Espreitou pela beirinha. O Mercedes

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continuava no mesmo sítio, mas lá de dentro não tinha saído ninguém, nem ninguém olhava para cima naquela direção. Ela olhou para a va-randa do piso de baixo, sem perceber se estava alguém nesse aparta-mento ou não. Que diferença fazia?, gritou interiormente. Eles iam rebentar com a porta e talvez com o apartamento inteiro. Ela podia morrer a qualquer instante.

Apertou o cinto no gradeamento e deu-lhe um puxão com força. Dava a sensação de que iria aguentar. Teria de aguentar. Trepou para o rebordo e foi descendo, com uma mão de cada vez a deslizar pelo cinto. A porta envidraçada da varanda do apartamento do piso de baixo esta-va escura. Não havia ninguém em casa. De braços esticados, conseguiu chegar com os dedos dos pés ao gradeamento da varanda. Não olhes para baixo, disse a si mesma quando os pés tocaram no gradeamento. Deu um impulso, soltando-se ao cair para a frente na varanda. Por cima dela, uma explosão ensurdecedora abanou o prédio.

Tinham estourado a porta da casa segura. Com os ouvidos a tinir, ela estilhaçou o vidro da porta da varanda com a Glock e meteu a mão pelo buraco cortante para abrir a porta.

Calçando novamente os sapatos para não pisar estilhaços, correu para a porta da frente do apartamento, destrancou-a e saiu a correr para o corredor, descendo depois as escadas até ao rés do chão. Passados alguns segundos, saiu pela porta de serviço para um beco nas traseiras. Desceu o beco com cautela até chegar a uma rua perpendicular. Parecia desimpedida. Não havia vigias do Mercedes ao virar da esquina. Depois de descalçar mais uma vez os saltos altos, correu o mais depressa que conseguiu, fazendo a sua figura esguia desaparecer na escuridão.