Influxo de Vocábulos Estrangeiros Na Comunicação Empresarial

20
ARTIGOS Influxo de vocábulos estrangeiros na comunicação empresarial Elza Contiero 1 Verificamos que a admissão de estrangeirismos no portu- guês brasileiro é cada vez mais recorrente. A ampla manifestação desse fenômeno linguístico pode ser evidenciada em diversos domínios sociais ligados à comunicação, sobretudo no mundo corporativo. O objetivo deste trabalho é perscru- tar a forma como os estrangeirismos estão in- seridos em contextos comunicativos empresariais. Para estudar tal fenômeno linguístico, nos baseamos nos estudos de Alves (1988), Biderman (2001) e também na abordagem laboviana (LABOV, 1972). Trazemos alguns exemplos muito utilizados na linguagem empresarial, além de outros de anúncios encontrados em um corpus do blog Kibeloco. A análise desse corpus constatou que o influxo de vocábulos estrangei- ros no português brasileiro é algo comum e intrínseco às trocas entre diferentes cul- turas. Por conseguinte, a dimensão social, dados históricos, culturais, entre outros, são fundamentais para a compreensão desses estrangeirismos em contextos específicos. Introdução O papel que o léxico exerce em nossas vidas é fundamental para compreendermos como os homens imprimem significados nas ferra- 1 É mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutoranda do programa de pós-graduação em Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ESPAçO ÉTICA EDUCAçãO, GESTãO E CONSUMO REVISTA São Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 66 LÉXICO COMUNICAçãO ESTRANGEIRISMOS COMUNICAçãO CORPORATIVA

description

Este trabalho trata da inserção de palavras estrangeiras na comunicação empresarial

Transcript of Influxo de Vocábulos Estrangeiros Na Comunicação Empresarial

  • Artigos

    Influxo de vocbulos estrangeiros na comunicao empresarial

    Elza Contiero1

    Verificamos que a admisso de estrangeirismos no portu-

    gus brasileiro cada vez mais recorrente. A ampla

    manifestao desse fenmeno lingustico pode

    ser evidenciada em diversos domnios sociais

    ligados comunicao, sobretudo no mundo

    corporativo. O objetivo deste trabalho perscru-

    tar a forma como os estrangeirismos esto in-

    seridos em contextos comunicativos empresariais.

    Para estudar tal fenmeno lingustico, nos baseamos

    nos estudos de Alves (1988), Biderman (2001) e tambm

    na abordagem laboviana (LABOV, 1972). Trazemos alguns exemplos muito utilizados

    na linguagem empresarial, alm de outros de anncios encontrados em um corpus do

    blog Kibeloco. A anlise desse corpus constatou que o influxo de vocbulos estrangei-

    ros no portugus brasileiro algo comum e intrnseco s trocas entre diferentes cul-

    turas. Por conseguinte, a dimenso social, dados histricos, culturais, entre outros, so

    fundamentais para a compreenso desses estrangeirismos em contextos especficos.

    Introduo

    O papel que o lxico exerce em nossas vidas fundamental para

    compreendermos como os homens imprimem significados nas ferra-

    1 mestre em Estudos Lingusticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutoranda do programa de ps-graduao em Lingustica do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 66

    LXico

    comunicA

    oEstRaNGEiR

    isMosc

    omunicA

    o

    corPorAt

    ivA

  • Artigos

    mentas que produzem, ou seja, como organizam seu mundo, formu-

    lando e reformulando os espaos discursivos, histricos e sociais por

    meio do conjunto de palavras que a lngua possui, disposio do

    usurio e que, tradicionalmente, definimos por lxico. Compreendemos

    que o universo lexical um domnio cuja aprendizagem jamais cessa,

    durante a vida toda do indivduo, pois as realidades se modificam, as

    sociedades passam por mudanas de ordem social, cultural, poltica e

    tecnolgica, o que naturalmente reflete no acervo lexical de um povo

    (BIDERMAN, 2001, p. 180).

    Por ser um componente aberto e dinmico, o lxico permite a criao

    de novas palavras na lngua, condio necessria para expressar catego-

    rias cognitivas que construmos no interior dos domnios sociais em que as

    aes da linguagem ocorrem, aos quais, no dizer de Marcuschi (2004, p.

    269), o lxico no pode ser pensado margem da cognio social.

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 67

  • Artigos

    Em tempos de globalizao, a admisso de palavras estrangeiras no

    lxico da lngua portuguesa um fenmeno lingustico cada vez mais evi-

    dente, o que acaba causando certo incmodo para aquelas pessoas que

    ignoram a natureza constitutivamente heterognea e dinmica da lngua.

    Ignoram, por exemplo, que uma lngua no esttica, e que o portugus

    brasileiro se formou e ainda se forma de unidades lexicais provenientes de

    fontes diversas, e que no se pode evitar o influxo de palavras estrangeiras,

    principalmente por ser um dos grandes meios de renovao lexical de uma

    lngua, sem mencionar o bvio: a lngua viva e no h como evitarmos o

    seu processo de evoluo.

    Os falantes esto constantemente criando e renovando o lxico. Basta

    observarmos o que aconteceu com a palavra de origem inglesa backup,

    que no s foi adaptada grfica e fonologicamente, mas incorporou novas

    formaes como becapear, que produto de base verncula do portu-

    gus, derivado do substantivo becape, ou ainda palavras como mer-

    ch, oriunda do mundo corporativo, uma reduo vocabular do substan-

    tivo merchandising (ao de promoo comercial).

    Assim como existem registros formais e informais no portugus bra-

    sileiro, sendo necessrio saber diferenci-los para uma melhor projeo

    social, assim deveria ser com os elementos oriundos de outras lnguas.

    Pois, afinal, quem poder impedir algum, em um contexto corporativo, de

    emitir o seguinte enunciado: Precisamos de mais recursos, mais verbas

    promocionais para fazermos uma grande ofensiva de merch.

    Formaes vocabulares estrangeiras esto nos mais variados usos so-

    ciais, basta observar os veculos de mdia eletrnica, a linguagem jornals-

    tica, publicitria, as redes sociais. Exemplo disso so palavras como tu-

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 68

  • Artigos

    tes, mensagens decorrentes da ao de tuitar2 e que surgem a partir do

    verbo tweet, da rea da informtica, transformando-se no portugus bra-

    sileiro, assim como tantas outras palavras, como deletar, cheesebur-

    guer (x-burguer), night (sair na night), que se modificaram em portu-

    gus, seja semntica, seja morfossintaticamente, evidenciando assim a di-

    namicidade e a criatividade da lngua.

    Quando se trata da presena do ingls no lxico da lngua portu-

    guesa, h uma crena, por parte de alguns falantes, de que os vocbu-

    los da lngua inglesa iro se sobrepor e dominar o pensamento dos fa-

    lantes de lngua portuguesa, ou que esto deletando o nosso idioma,

    como se o ingls estivesse tomando o lugar do portugus, apagando

    a sua posio de lngua nacional. Tal pensamento, do ponto de vista

    lingustico, no tem fundamento e apenas reina na cabea de quem

    v o fenmeno por outro vis que no o lingustico. A ideia de unida-

    de lingustica, que no considera os fatores de variao e mudana,

    uma viso equivocada, calcada em bases de sustentao inconsisten-

    tes, pois esses elementos da lngua inglesa so recorrentes apenas em

    universos muito especficos, como o universo do mundo corporativo, da

    moda, da economia, da informtica. certo que a lngua muito se enri-

    quece com esses elementos estrangeiros que entram para o seu acervo

    lexical. Assim sendo, o posicionamento de no aceitao apenas marca

    um discurso dos que recusam a novidade, daqueles que consideram

    que deveramos utilizar apenas a palavra em portugus apagar, em

    vez de deletar, por exemplo.

    2 Segundo o dicionrio Aurlio, tuitar significa: 1. postar no Twitter comentrios, infor-maes, fotos etc. geralmente de carter pessoal ou institucional; 2. acompanhar os fatos, ideias, informaes etc. registrados por algum em seu Twitter.

    Figura 2

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 69

  • Artigos

    Atualmente, o ingls a fonte de onde se origina a maior parte dos

    emprstimos lexicais absorvidos pelo portugus brasileiro. Isso fica evi-

    denciado pela ampla manifestao de estrangeirismos lexicais nos canais

    miditicos ligados comunicao, sobretudo no universo corporativo.

    muito comum numa fala trivial entre funcionrios de uma empresa o

    emprego de palavras como: deadline, workshop, feedback, merchandi-

    sing, endomarketing, turnover, meeting etc. No entanto, h uma pequena

    parcela de pessoas que se posiciona contra esses estrangeirismos corpo-

    rativos, pois acham que podem trazer um comprometimento comunica-

    o empresarial, levando a mal-entendidos e falta de exatido daquilo

    que se pretende comunicar. H ainda aqueles que acreditam que esses

    jarges so formas lingusticas das quais algumas pessoas fazem uso

    apenas para demonstrar o seu poder e status social pela fala.

    Observando esse panorama, buscaremos fazer uma reflexo acerca dos

    vocbulos estrangeiros oriundos do ingls e inseridos no portugus brasilei-

    ro, mais especificamente aqueles que se encontram bastante arraigados ao

    jargo corporativo, como o caso, por exemplo, da palavra feedback. Discu-

    tiremos tambm se certos vocbulos, como workshop, deveriam ser substi-

    tudos por palavras do nosso vernculo, como a palavra oficina, uma vez que

    ela j faz parte do nosso acervo lexical. Afinal, esses elementos estrangeiros

    estariam contribuindo ou obstruindo a comunicao empresarial?

    1. O uso de unidades lexicais estrangeiras na comunicao

    corporativa

    Geralmente, o discurso desfavorvel em relao aos itens lexicais es-

    trangeiros em uso no portugus brasileiro perpassa pela assero de que

    tais unidades lexicais podem descaracterizar a nossa lngua, sendo assim

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 70

  • Artigos

    consideradas profanas ao sistema lingustico importador, na medida em

    que ameaam a unidade lingustica nacional, alm de colocar o falante na-

    tivo em situaes embaraosas por no saber pronunci-las corretamen-

    te ou por no compreend-las. Ora, esse argumento no mnimo questio-

    nvel, pois nos traz a ideia de que todos compreendem qualquer variante

    de uma lngua. Ser que todo falante brasileiro capaz de compreender

    plenamente todas as palavras da lngua portuguesa? As unidades lexicais

    que aparecem nos contratos, nos receiturios mdicos, nas bulas de rem-

    dio, dentre outros contextos lingusticos, so de fcil compreenso para

    qualquer usurio de uma lngua?

    A compreenso ou no de uma lngua ou de uma variedade dela um

    problema de escolaridade do cidado e de frequncia a discursos, e no de

    nacionalidade da lngua ou de origem de um termo (POSSENTI, 2006, p.

    166). Ou seja, o que torna a comunicao e o entendimento possveis no

    o conhecimento da procedncia de todas as palavras, algo inteiramente

    irrealizvel, mas o conhecimento de mundo compartilhado entre o falante

    e o seu ouvinte.

    Vivemos em um momento em que a comunicao empresarial cada

    vez mais enfatizada como ferramenta primordial para se alcanar metas

    e trazer resultados, j que esses elementos dependem essencialmente de

    uma comunicao clara e objetiva. At a, nenhuma novidade, mas ser

    que podemos afirmar que palavras como business plan, merchandising,

    downsizing estariam de fato comprometendo essa comunicao? Em que

    medida podemos falar da real necessidade de se utilizar ou no palavras

    estrangeiras em uma lngua?

    Primeiro, preciso deixar claro que no existem leis que possam inter-

    vir na deciso dos falantes de usar ou no determinada forma lingustica,

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 71

  • Artigos

    tanto na forma oral quanto na escrita, pois a lngua, alm do seu carter

    pblico como fenmeno histrico-social, tambm particular, um elemen-

    to constitutivo da individualidade do usurio da lngua. Segundo, um

    equvoco pensarmos que h uma avalanche de palavras oriundas do ingls

    que apenas confundem o usurio falante do portugus brasileiro. De acor-

    do com Fiorin (2001, p. 115), este um falso problema porque o lxico

    apreendido em funo das experincias de vida e qualquer pessoa capaz

    de apreender qualquer setor do vocabulrio, se ele tiver algum sentido

    para ela.

    Claro que no se pode negar que questes envolvendo o uso de pa-

    lavras estrangeiras em outra lngua sempre resvalam para uma dimenso

    discursiva e ideolgica. A palavra estrangeira nem sempre adentra o nosso

    sistema lingustico para nomear um objeto ou conceito inexistente aqui.

    Muitas vezes, serve para excluir, para se impor. possvel encon-

    trar pessoas que fazem questo

    de utilizar certos jarges

    corporativos estrangeiros,

    como coffee-break, em vez

    de intervalo, ou meeting, em

    vez de reunio ou, ainda, criaes

    lexicais como merch, apenas

    para impressionar, sem se preocupar

    em verificar se quem as ouve tem o mes-

    mo nvel cultural, tanto do ingls quan-

    to do conceito. No entanto, afirmar que

    um usurio da lngua incapaz de

    entender certas palavras estrangei-

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 72

  • Artigos

    ras utilizadas no portugus se constitui em um grande equvoco, pois a

    compreenso de qualquer variedade lexical estrangeira uma questo de

    exposio, do significado que ela representa para o ouvinte. Nesse sentido,

    concordamos com Possenti (2001) ao dizer que:

    [...] um campons no compreender a palavra printar, por

    exemplo, mas porque no usa computador, e no porque o

    termo vem do ingls ou porque ele campons. Certamente,

    no entanto, saber o que um play off, se for um torcedor

    que ouve jogos no rdio ou os v pela TV (POSSENTI, 2001,

    p. 166).

    Com efeito, a linguagem serve tanto para incluir quanto para excluir, a

    depender do referencial que tomamos. E preciso evidenciar isso, mostrar

    que pelo uso da linguagem, com ou sem estrangeirismos, demarcarmos

    quem de dentro ou de fora do nosso crculo de interlocuo, de dentro ou

    de fora dos grupos sociais aos quais queremos nos associar ou dos quais

    queremos nos diferenciar (GARCEZ; ZILLES, 2001, p. 31).

    Outra questo para refletirmos diz respeito prpria histria do

    nosso pas. O Brasil importou os servios pblicos nas reas de trans-

    porte e comunicao da Inglaterra quando ela estava no auge do poder

    econmico e industrial, sem falar do esporte, entre os quais, o futebol,

    o pquer e o bilhar. No entanto, mudanas polticas e econmicas na

    segunda metade do sculo XX colocaram os Estados Unidos em uma

    posio hegemnica como o pas que mais se desenvolveu nos seto-

    res da indstria, da cincia e da tecnologia. A industrializao tardia

    do Brasil causou uma dependncia tecnolgica e econmica, fazendo

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 73

  • Artigos

    com que as relaes culturais entre esses dois pases se estreitassem,

    por inmeras razes, mas principalmente pela tecnologia de ponta das

    sociedades de consumo.

    A entrada de elementos estrangeiros referentes s cincias e tec-

    nologia no portugus do Brasil maior que a de todas as outras reas, o

    que mostra que esse fenmeno da lngua , antes de tudo, um fenmeno

    sociolingustico, inteiramente atrelado nomeao de novas tecnologias,

    produtos e tambm ao prestgio de que goza a lngua inglesa.

    Alves (1988), em seus estudos sobre os emprstimos de palavras na

    imprensa poltica, j comprovara que os termos tcnicos so, sobretudo,

    de origem inglesa, o que atesta o poder econmico e tecnolgico exercido

    pelos Estados Unidos. Evidentemente essa questo est relacionada com o

    aspecto econmico, que, por sua vez, est diretamente ligado ao prestgio,

    pois consabido que quanto mais poderosa for a economia de um pas,

    maior ser a influncia de sua lngua. E isso se estende tambm influn-

    cia cientfica, tecnolgica, comercial, cultural etc. que esta exerce no ce-

    nrio regional ou universal em que se projeta (FERRAZ, 2010, p. 271).

    Essa influncia se d atravs da importao de bens de consumo, da ex-

    panso das multinacionais, das msicas, dos modismos e dos programas da

    TV, especialmente da TV a cabo. Os jovens de hoje, por exemplo, percebem

    que h lnguas de maior prestgio social e, por isso, preferem utilizar certos

    estrangeirismos que trazem um valor de superioridade, excentricidade.

    O enunciado A tendncia esporte com pegada Hi-Lo3 perfect, reti-

    rado de uma revista juvenil, exemplifica isso.

    3 Hi significa alto e Lo, baixo, uma elegante e sofisticada tendncia que um mix de peas baratas com caras. Disponvel em: .

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 74

  • Artigos

    (Revista Atrevida, 2012, p. 29)

    preciso salientar que o domnio do funcionamento do modo como

    determinada lngua recebe de outras lnguas elementos que a modificam

    um campo do estudo da linguagem complexo, na medida em que resvala

    para um funcionamento da lngua que toca em questes no apenas rela-

    cionadas s terminologias especializadas, mas em campos que dependem

    da imagem que o falante tem da lngua do outro, de seu pas e de seu

    modo de vida. De acordo com Barros (2004), so quatro os campos semn-

    ticos em que os vocbulos de lngua inglesa aparecem:

    novidade, modernidade, avano, desenvolvimento (nas re-

    as das cincias duras e da alta tecnologia); rentabilidade,

    eficincia, preciso, competitividade (nas reas tecnolgicas,

    econmicas, financeiras e esportivas); conforto, ruptura das

    tradies, rebeldia (na msica, nos comportamentos da ju-

    ventude); simplicidade, rapidez, economia de tempo (no cam-

    po da culinria e da moda) (BARROS, 2004, p. 213).

    Portanto, no possvel pensar o fenmeno lingustico do estrangeiris-

    mo dissociado dos componentes sociolingusticos, pois so esses compo-

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 75

  • Artigos

    nentes que iro contribuir para a integrao ou rejeio da unidade lexi-

    cal estrangeira. Verificamos, ento, que o influxo de palavras estrangeiras

    numa dada lngua depende da aceitao, da avaliao dos usurios da

    lngua, e o prestgio que o idioma ingls assumiu no Brasil ao longo do

    sculo XX mostra que fatores socioculturais explicam a frequncia desses

    elementos estrangeiros na lngua portuguesa.

    O lxico de uma lngua tem a capacidade de identificar caractersticas

    de um grupo social. Na verdade, por intermdio do lxico que reatuali-

    zamos os conhecimentos de uma sociedade, j que ele um dos pontos

    em que mais claramente se percebe a intimidade das relaes entre lngua

    e cultura (FARACO, 1991, p. 25). Sendo o lxico constitudo de todas as

    palavras que uma lngua possui, a palavra adquire um papel fundamental

    nas relaes sociais. Na prxima seo, faremos uma breve reflexo acerca

    da palavra, por um prisma da filosofia da linguagem.

    2. A palavra sob uma perspectiva filosfica

    Desde que viemos ao mundo, vamos apreendendo os objetos que nos

    rodeiam pelos usos que fazemos das palavras e, assim, vamos construindo

    nossa bagagem lingustica. O estudo da palavra sob diversos ngulos no

    se confinou apenas s discusses suscitadas pela lingustica, pois o interesse

    sobre a origem, o emprego e o sentido das palavras remonta Antiguidade

    Clssica. Por volta do sculo IV, na ndia, o mais conhecido dos gramticos

    hindus, Panini, ao definir uma sintaxe para a lngua snscrita durante o seu

    projeto de organiz-la segundo os preceitos de uma distino entre a lngua

    falada pelo povo de sua poca e a lngua utilizada pela literatura, definiu ele-

    mentos significativos da lngua como palavras reais (as lexias) e as palavras

    fictcias (os morfemas), sendo de grande importncia para os estudos lexicais.

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 76

  • Artigos

    No Ocidente, alguns filsofos trouxeram importantes reflexes envol-

    vendo as relaes entre a palavra e o ser. Em sua obra Crtilo, Plato apre-

    senta dois pontos de vista baseados em escolas de pensamentos distintos:

    o dos naturalistas, que sustentavam a ideia de que h uma relao intrn-

    seca entre o som e o sentido, evidenciando uma preocupao de relacionar

    ideia e forma; e o dos convencionalistas, que sustentavam ser uma relao

    puramente arbitrria, ou seja, segundo convenes estabelecidas pelo pr-

    prio homem (ULLMANN, 1964).

    O interesse em investigar a relao pensamento e palavra era a mar-

    ca predominante na perspectiva da tradio filosfica clssica. como se

    as palavras pudessem ser associadas diretamente aos objetos aos quais

    se referem em um sistema de correspondncia estvel e imediato. O fi-

    lsofo Wittgenstein mencionava essas questes em sua obra As investi-

    gaes filosficas, quando resumiu a teoria referencial do significado, a

    qual critica, na seguinte frmula: as palavras da linguagem denominam

    objetos frases so ligaes de tais denominaes. Nesta imagem da

    linguagem encontramos as razes da ideia: cada palavra tem uma signi-

    ficao. Esta significao agregada palavra. o objeto que a palavra

    substitui (WITTGENSTEIN, 1999, p. 27).

    Segundo o filsofo, essa concepo de palavra seria insuficiente para

    explicar a totalidade dos fenmenos lingusticos, pois o que se conhece por

    palavra pode desempenhar diferentes funes e abarcar diversas identida-

    des. Wittgenstein critica essa teoria referencialista ao demonstrar, por meio

    de outros exemplos, que nem todas as palavras so nomes de objetos, e que,

    portanto, no se pode elucidar o significado de uma palavra apontando para

    o objeto ao qual se refere. E em um desses exemplos que ele fundamenta

    a sua teoria da linguagem, abarcando, para explic-la, o conceito de uso:

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 77

  • Artigos

    Pense agora no seguinte emprego da linguagem: mando al-

    gum fazer compras. Dou-lhe um pedao de papel, no qual

    esto os signos: cinco mas vermelhas. Ele leva o papel

    ao negociante; este abre o caixote sobre o qual encontra-se o

    signo mas; depois, procura numa tabela a palavra ver-

    melho e encontra na frente desta um modelo da cor; a se-

    guir, enuncia a srie dos numerais suponho que a saiba de

    cor at a palavra cinco e a cada numeral tira do caixote

    uma ma da cor do modelo. Assim, e de modo semelhante,

    se opera com palavras. Mas como ele sabe onde e como

    procurar a palavra vermelho, e o que vai fazer com a palavra

    cinco? Ora, suponho que ele aja como eu descrevi. [...] Mas

    qual a significao da palavra cinco? De tal significao

    nada foi falado aqui; apenas, de como a palavra cinco

    usada (WITTGENSTEIN, 1999, p. 28).

    Este exemplo de Wittgenstein ilustra bem a limitao que os concei-

    tos trazem ao imprimir uma essncia cognoscvel natureza das palavras,

    pois, como definir a palavra cinco se no for atravs das ocorrncias, da

    relao de uso que a palavra cinco imprime com o seu objeto, no caso

    do exemplo, mas? Como bem cita Fann (1999):

    Tal pergunta tem sentido to somente quando se supe que a

    palavra cinco desempenha a mesma funo (ou pertence

    mesma categoria) que mas e vermelho [...] A tendncia

    a perguntar pelo significado de uma palavra, inclusive quando

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 78

  • Artigos

    seu uso est claro, surge do conceito filosfico de signifi-

    cado que repousa em uma ideia primitiva acerca de como

    funciona a linguagem (FANN, 1999, p. 85-86).

    Se o que melhor define o significado de uma palavra s pode ser dado

    no uso que se faz dessa palavra, ento cabe observar melhor os fenmenos

    da lngua em toda a sua dimenso verbal heterognea, constitutivamente

    social e discursiva. Para tanto, preciso reservar um espao de reflexo

    acerca do funcionamento das palavras, pois a partir desse funciona-

    mento que geramos significao e no por meio de palavras dadas como

    prontas, de palavras que parecem ter seus sentidos fixados, tal como

    etiquetas em pedras (ANTUNES, 2012, p. 2).

    3. Influxo de vocbulos estrangeiros em contextos

    comunicativos

    Vivemos num mundo cada vez mais dinmico, onde as relaes so-

    ciais esto cada vez mais suscetveis s trocas culturais, fazendo emer-

    gir novas palavras desses contextos comunicativos, trazendo consigo

    novos sentidos a partir da morfologia do portugus enquanto processo

    de criatividade/trabalho sobre a lngua. Nesse aspecto, os vocbulos

    estrangeiros so altamente eficazes. Basta observar como alguns es-

    trangeirismos de lngua inglesa so empregados no sistema lexical do

    portugus do Brasil com outro funcionamento a partir de um trabalho

    dos falantes em modos de significar bem peculiares. Observamos esses

    tipos de transformao, como vistos nas figuras 1, 2, 3 e 4, na pronn-

    cia de alguns exemplos entre tantos encontrados em um corpus do blog

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 79

  • Artigos

    Kibeloco4: site como sait; shopping como chopem, Trident como Traid e

    Yorkshire como okchai.

    Figura 1 Figura 2

    Figura 3 Figura 4

    De acordo com Alves (1988), o item lexical estrangeiro que adentra o

    nosso sistema lingustico tende a adaptar-se fonologicamente ao nosso

    idioma. o caso da palavra inglesa snooker, um emprstimo adaptado

    fonologicamente ao portugus que se transformou em sinuca, com a

    slaba inicial si.

    A aceitao ou no da palavra estrangeira inteiramente determinada

    por fatores sociais, de modo que os falantes de uma comunidade lingus-

    tica, imbudos de seus valores e de suas concepes de mundo, a tornam

    uma forma prestigiada ou no, resistindo ou no ao seu uso. Para melhor

    compreender isso, necessrio observar componentes sociolingusticos,

    tais como classe social, gnero, faixa etria, pois eles explicam em muito o

    dinamismo do estrangeirismo medida que favorecem a incorporao e a

    estabilidade da unidade lexical estrangeira.

    4 Disponvel em: .

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 80

  • Artigos

    Na viso de Labov (1972), determinadas formas lingusticas refletem

    categorias da estrutura social. A forma como as pessoas se utilizam da ln-

    gua altamente influenciada pelas presses sociais, apesar de, na verdade,

    fatores tanto lingusticos como sociais contriburem para os processos de

    variao e mudana:

    A ocorrncia de variantes est geralmente correlacionada aos

    aspectos do ambiente interno, embora no seja exatamente

    previsvel por esses, e tambm pelos aspectos externos ao fa-

    lante e situao: estilo contextual, status social, mobilidade

    social, etnia, gnero e faixa etria (LABOV, 1972, p. 18, tradu-

    o nossa).

    importante destacar que falantes compartilham atitudes e valores se-

    melhantes em relao lngua, visto que a comunidade de fala mais bem

    definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relao

    lngua (LABOV, 1972).

    Geralmente, valores positivos so relacionados ao grupo de prestgio,

    cuja fala dominante nas esferas sociais, sendo que o nvel que o falante

    tem em relao a determinada varivel est vinculado classificao dos

    elementos variantes da lngua diante da avaliao social a que est suscet-

    vel. Alm de valores conscientes no que diz respeito lngua, os membros de

    uma comunidade de fala compartilham, sem que tomem conscincia disso,

    aspectos fundamentais do sistema lingustico suas regras gramaticais.

    Isso quer dizer que o processo de inovao do lxico se d pela incor-

    porao de novas unidades que surgem nos atos de fala, por meio de va-

    riados processos de formao de palavras novas, os neologismos lexicais,

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 81

  • Artigos

    gerando mudanas, novidade no sistema lingustico de uma lngua. Essa

    renovao no cdigo de comunicao de uma determinada comunidade

    lingustica est alicerada no pressuposto de que as lnguas se renovam

    permanentemente, inovando-se com a incluso de palavras novas que sur-

    gem em virtude de uma necessidade especfica de nomeao.

    Tais fatos nos levam a considerar que o enriquecimento do lxico com

    formas novas resultado de mudanas ao nvel lexical que se materializam

    por meio da fala, no mbito das mudanas sociais. Assim, as unidades ne-

    olgicas devem ser observadas, sobretudo, nas relaes que se instituem

    nas estruturas sociais, pois o neologismo , como assevera Carvalho (1984,

    p. 9-10), um ato e fato social que, quando incorporado ao vocabulrio do

    usurio da lngua, este torna-se cmplice do mundo em que atua, partcipe

    da expanso das reas de conhecimento cientfico e tecnolgico de sua

    poca, instaurador dos valores grupalmente compartilhados, claramente

    observveis a cada transformao social e cultural.

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 82

  • Artigos

    Consideraes finais

    Nossa pergunta inicial era se os elementos estrangeiros estariam con-

    tribuindo ou obstruindo a comunicao empresarial. Refletimos sobre o

    papel do lxico na criao de novas palavras na lngua, condio neces-

    sria para expressar categorias cognitivas que construmos no interior dos

    domnios sociais em que as aes da linguagem ocorrem. Verificamos que

    o mbito da esfera social que circunscreve e motiva as mudanas no l-

    xico de uma lngua.

    Chegamos concluso de que pedir um follow-up, em vez de dizer que

    vai retomar uma conversa sobre determinado projeto, no o que ir de-

    terminar o sucesso das aes organizacionais. Ao falarmos em comunica-

    o, principalmente no meio corporativo, entendemos que o fundamental

    se fazer entender de forma objetiva. E no porque utilizamos determina-

    do jargo estrangeiro que estamos deixando de ser claros ou precisos. Isso

    pode ocorrer com qualquer palavra da lngua portuguesa, uma vez que

    impossvel ter o domnio total de todo o lxico de uma lngua.

    No se trata tambm de afirmar que as palavras estrangeiras so des-

    necessrias porque existem palavras correspondentes para elas no por-

    tugus. preciso deixar claro que quando um estrangeirismo adentra o

    sistema de uma lngua, ele se inscreve num universo de sentidos que lhe

    atribui um valor especfico. Assim, brother no irmo, mas amigo no

    portugus brasileiro.

    Vimos que o influxo de palavras estrangeiras numa dada lngua um

    fenmeno inevitvel, e at mesmo esperado nos intercmbios lingus-

    ticos entre diferentes lnguas, visto que novas palavras surgem desses

    contextos comunicativos. Vimos tambm que o prestgio que o idioma

    ingls assumiu no Brasil ao longo do sculo XX mostra que fatores socio-

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 83

  • Artigos

    culturais explicam a frequncia desses elementos estrangeiros na lngua

    portuguesa brasileira.

    Por fim, conclumos, neste breve estudo, que se faz necessrio obser-

    var os domnios sociais pelas quais as pessoas transitam, bem como as

    redes culturais, tecnolgicas, pois so esses mbitos que circunscrevem e

    motivam a criao de novas palavras no portugus brasileiro, sobretudo

    aquelas que se originam de outros sistemas lingusticos.

    Referncias bibliogrficas

    ALVES, I. M. Emprstimos lexicais na imprensa poltica brasileira. Alfa,

    v. 32, p. 1-14, 1988.

    ANTUNES, I. O territrio das palavras: estudo do lxico em sala de aula.

    So Paulo: Parbola, 2012.

    BARROS, D. L. P. de. Uso dos termos estrangeiros no portugus do Bra-

    sil: imagem do outro e de sua lngua. In: CORTINA; A.; MARCHEZAN, R.

    C. (Org.). Razes e sensibilidades: a semitica em foco. 1. ed. Araraquara:

    Laboratrio Editoria FCL/Unesp, 2004, v. 1, p. 203-221.

    BIDERMAN, M. T. C. Fundamentos da lexicologia. In: ______. Teoria

    lingustica: teoria lexical e lingustica computacional. So Paulo: Martins

    Fontes, 2001.

    CARVALHO, N. O que neologismo. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1984.

    FANN, K. T. El concepto de filosofa en Wittgenstein. Madri: Tecnos, 1999.

    FARACO, C. A. Lingustica histrica. So Paulo: tica, 1991.

    FERRAZ, A. P. Publicidade: a linguagem da inovao lexical. In: ALVES,

    I. M. (Org.). Neologia e neologismos em diferentes perspectivas. So Paulo:

    Paulistana, 2010.

    FIORIN, J. L. Consideraes em torno do projeto de Lei n. 1676/99. In:

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 84

  • Artigos

    FARACO, C. A. (Org.) Estrangeirismos: guerras em torno da lngua. So Pau-

    lo: Parbola, 2001.

    GARCEZ, P. M; ZILLES, A. M. S. Estrangeirismos desejos e ameaas. In:

    ______. Estrangeirismos: guerras em torno da lngua. So Paulo: Parbola,

    2001, p. 15-36.

    LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Filadlfia: University of Pennsylvania

    Press, 1972.

    MARCUSCHI, L. A. O lxico: lista, rede ou cognio social. In: NEGRI, L.

    et al. (Org.). Sentido e significao: em torno da obra de Rodolfo Ilari. So

    Paulo: Contexto, 2004, p. 263-284.

    POSSENTI, S. A questo dos estrangeirismos. In: FARACO, C. A. (Org.)

    Estrangeirismos: guerras em torno da lngua. 3. ed. So Paulo: Parbola,

    2001.

    ______. Sobre o ensino de portugus na escola. In: GERALDI, J. W.

    (Org.). O texto na sala de aula: leitura e produo. 4. ed. So Paulo: tica,

    2006, p. 32-38.

    ULLMANN, S. Semntica: uma introduo cincia do significado. Trad.

    J. A. O. Mateus. 4. ed. Lisboa: C. Gulbekian, 1964.

    WITTGENSTEIN, L. Investigaes filosficas. Trad. J. C. Bruni. So Paulo:

    Nova Cultural, 1999.

    Imagens: www.freeimages.com

    Espao ticaEducAo, gEsto E consumo

    rEvistA

    So Paulo, Ano I, n. 02, mai./ago. de 2014 85