Influxo de Vocábulos Estrangeiros Na Comunicação Empresarial
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Influxo de vocbulos estrangeiros na comunicao empresarial
Elza Contiero1
Verificamos que a admisso de estrangeirismos no portu-
gus brasileiro cada vez mais recorrente. A ampla
manifestao desse fenmeno lingustico pode
ser evidenciada em diversos domnios sociais
ligados comunicao, sobretudo no mundo
corporativo. O objetivo deste trabalho perscru-
tar a forma como os estrangeirismos esto in-
seridos em contextos comunicativos empresariais.
Para estudar tal fenmeno lingustico, nos baseamos
nos estudos de Alves (1988), Biderman (2001) e tambm
na abordagem laboviana (LABOV, 1972). Trazemos alguns exemplos muito utilizados
na linguagem empresarial, alm de outros de anncios encontrados em um corpus do
blog Kibeloco. A anlise desse corpus constatou que o influxo de vocbulos estrangei-
ros no portugus brasileiro algo comum e intrnseco s trocas entre diferentes cul-
turas. Por conseguinte, a dimenso social, dados histricos, culturais, entre outros, so
fundamentais para a compreenso desses estrangeirismos em contextos especficos.
Introduo
O papel que o lxico exerce em nossas vidas fundamental para
compreendermos como os homens imprimem significados nas ferra-
1 mestre em Estudos Lingusticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutoranda do programa de ps-graduao em Lingustica do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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mentas que produzem, ou seja, como organizam seu mundo, formu-
lando e reformulando os espaos discursivos, histricos e sociais por
meio do conjunto de palavras que a lngua possui, disposio do
usurio e que, tradicionalmente, definimos por lxico. Compreendemos
que o universo lexical um domnio cuja aprendizagem jamais cessa,
durante a vida toda do indivduo, pois as realidades se modificam, as
sociedades passam por mudanas de ordem social, cultural, poltica e
tecnolgica, o que naturalmente reflete no acervo lexical de um povo
(BIDERMAN, 2001, p. 180).
Por ser um componente aberto e dinmico, o lxico permite a criao
de novas palavras na lngua, condio necessria para expressar catego-
rias cognitivas que construmos no interior dos domnios sociais em que as
aes da linguagem ocorrem, aos quais, no dizer de Marcuschi (2004, p.
269), o lxico no pode ser pensado margem da cognio social.
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Em tempos de globalizao, a admisso de palavras estrangeiras no
lxico da lngua portuguesa um fenmeno lingustico cada vez mais evi-
dente, o que acaba causando certo incmodo para aquelas pessoas que
ignoram a natureza constitutivamente heterognea e dinmica da lngua.
Ignoram, por exemplo, que uma lngua no esttica, e que o portugus
brasileiro se formou e ainda se forma de unidades lexicais provenientes de
fontes diversas, e que no se pode evitar o influxo de palavras estrangeiras,
principalmente por ser um dos grandes meios de renovao lexical de uma
lngua, sem mencionar o bvio: a lngua viva e no h como evitarmos o
seu processo de evoluo.
Os falantes esto constantemente criando e renovando o lxico. Basta
observarmos o que aconteceu com a palavra de origem inglesa backup,
que no s foi adaptada grfica e fonologicamente, mas incorporou novas
formaes como becapear, que produto de base verncula do portu-
gus, derivado do substantivo becape, ou ainda palavras como mer-
ch, oriunda do mundo corporativo, uma reduo vocabular do substan-
tivo merchandising (ao de promoo comercial).
Assim como existem registros formais e informais no portugus bra-
sileiro, sendo necessrio saber diferenci-los para uma melhor projeo
social, assim deveria ser com os elementos oriundos de outras lnguas.
Pois, afinal, quem poder impedir algum, em um contexto corporativo, de
emitir o seguinte enunciado: Precisamos de mais recursos, mais verbas
promocionais para fazermos uma grande ofensiva de merch.
Formaes vocabulares estrangeiras esto nos mais variados usos so-
ciais, basta observar os veculos de mdia eletrnica, a linguagem jornals-
tica, publicitria, as redes sociais. Exemplo disso so palavras como tu-
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tes, mensagens decorrentes da ao de tuitar2 e que surgem a partir do
verbo tweet, da rea da informtica, transformando-se no portugus bra-
sileiro, assim como tantas outras palavras, como deletar, cheesebur-
guer (x-burguer), night (sair na night), que se modificaram em portu-
gus, seja semntica, seja morfossintaticamente, evidenciando assim a di-
namicidade e a criatividade da lngua.
Quando se trata da presena do ingls no lxico da lngua portu-
guesa, h uma crena, por parte de alguns falantes, de que os vocbu-
los da lngua inglesa iro se sobrepor e dominar o pensamento dos fa-
lantes de lngua portuguesa, ou que esto deletando o nosso idioma,
como se o ingls estivesse tomando o lugar do portugus, apagando
a sua posio de lngua nacional. Tal pensamento, do ponto de vista
lingustico, no tem fundamento e apenas reina na cabea de quem
v o fenmeno por outro vis que no o lingustico. A ideia de unida-
de lingustica, que no considera os fatores de variao e mudana,
uma viso equivocada, calcada em bases de sustentao inconsisten-
tes, pois esses elementos da lngua inglesa so recorrentes apenas em
universos muito especficos, como o universo do mundo corporativo, da
moda, da economia, da informtica. certo que a lngua muito se enri-
quece com esses elementos estrangeiros que entram para o seu acervo
lexical. Assim sendo, o posicionamento de no aceitao apenas marca
um discurso dos que recusam a novidade, daqueles que consideram
que deveramos utilizar apenas a palavra em portugus apagar, em
vez de deletar, por exemplo.
2 Segundo o dicionrio Aurlio, tuitar significa: 1. postar no Twitter comentrios, infor-maes, fotos etc. geralmente de carter pessoal ou institucional; 2. acompanhar os fatos, ideias, informaes etc. registrados por algum em seu Twitter.
Figura 2
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Atualmente, o ingls a fonte de onde se origina a maior parte dos
emprstimos lexicais absorvidos pelo portugus brasileiro. Isso fica evi-
denciado pela ampla manifestao de estrangeirismos lexicais nos canais
miditicos ligados comunicao, sobretudo no universo corporativo.
muito comum numa fala trivial entre funcionrios de uma empresa o
emprego de palavras como: deadline, workshop, feedback, merchandi-
sing, endomarketing, turnover, meeting etc. No entanto, h uma pequena
parcela de pessoas que se posiciona contra esses estrangeirismos corpo-
rativos, pois acham que podem trazer um comprometimento comunica-
o empresarial, levando a mal-entendidos e falta de exatido daquilo
que se pretende comunicar. H ainda aqueles que acreditam que esses
jarges so formas lingusticas das quais algumas pessoas fazem uso
apenas para demonstrar o seu poder e status social pela fala.
Observando esse panorama, buscaremos fazer uma reflexo acerca dos
vocbulos estrangeiros oriundos do ingls e inseridos no portugus brasilei-
ro, mais especificamente aqueles que se encontram bastante arraigados ao
jargo corporativo, como o caso, por exemplo, da palavra feedback. Discu-
tiremos tambm se certos vocbulos, como workshop, deveriam ser substi-
tudos por palavras do nosso vernculo, como a palavra oficina, uma vez que
ela j faz parte do nosso acervo lexical. Afinal, esses elementos estrangeiros
estariam contribuindo ou obstruindo a comunicao empresarial?
1. O uso de unidades lexicais estrangeiras na comunicao
corporativa
Geralmente, o discurso desfavorvel em relao aos itens lexicais es-
trangeiros em uso no portugus brasileiro perpassa pela assero de que
tais unidades lexicais podem descaracterizar a nossa lngua, sendo assim
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consideradas profanas ao sistema lingustico importador, na medida em
que ameaam a unidade lingustica nacional, alm de colocar o falante na-
tivo em situaes embaraosas por no saber pronunci-las corretamen-
te ou por no compreend-las. Ora, esse argumento no mnimo questio-
nvel, pois nos traz a ideia de que todos compreendem qualquer variante
de uma lngua. Ser que todo falante brasileiro capaz de compreender
plenamente todas as palavras da lngua portuguesa? As unidades lexicais
que aparecem nos contratos, nos receiturios mdicos, nas bulas de rem-
dio, dentre outros contextos lingusticos, so de fcil compreenso para
qualquer usurio de uma lngua?
A compreenso ou no de uma lngua ou de uma variedade dela um
problema de escolaridade do cidado e de frequncia a discursos, e no de
nacionalidade da lngua ou de origem de um termo (POSSENTI, 2006, p.
166). Ou seja, o que torna a comunicao e o entendimento possveis no
o conhecimento da procedncia de todas as palavras, algo inteiramente
irrealizvel, mas o conhecimento de mundo compartilhado entre o falante
e o seu ouvinte.
Vivemos em um momento em que a comunicao empresarial cada
vez mais enfatizada como ferramenta primordial para se alcanar metas
e trazer resultados, j que esses elementos dependem essencialmente de
uma comunicao clara e objetiva. At a, nenhuma novidade, mas ser
que podemos afirmar que palavras como business plan, merchandising,
downsizing estariam de fato comprometendo essa comunicao? Em que
medida podemos falar da real necessidade de se utilizar ou no palavras
estrangeiras em uma lngua?
Primeiro, preciso deixar claro que no existem leis que possam inter-
vir na deciso dos falantes de usar ou no determinada forma lingustica,
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tanto na forma oral quanto na escrita, pois a lngua, alm do seu carter
pblico como fenmeno histrico-social, tambm particular, um elemen-
to constitutivo da individualidade do usurio da lngua. Segundo, um
equvoco pensarmos que h uma avalanche de palavras oriundas do ingls
que apenas confundem o usurio falante do portugus brasileiro. De acor-
do com Fiorin (2001, p. 115), este um falso problema porque o lxico
apreendido em funo das experincias de vida e qualquer pessoa capaz
de apreender qualquer setor do vocabulrio, se ele tiver algum sentido
para ela.
Claro que no se pode negar que questes envolvendo o uso de pa-
lavras estrangeiras em outra lngua sempre resvalam para uma dimenso
discursiva e ideolgica. A palavra estrangeira nem sempre adentra o nosso
sistema lingustico para nomear um objeto ou conceito inexistente aqui.
Muitas vezes, serve para excluir, para se impor. possvel encon-
trar pessoas que fazem questo
de utilizar certos jarges
corporativos estrangeiros,
como coffee-break, em vez
de intervalo, ou meeting, em
vez de reunio ou, ainda, criaes
lexicais como merch, apenas
para impressionar, sem se preocupar
em verificar se quem as ouve tem o mes-
mo nvel cultural, tanto do ingls quan-
to do conceito. No entanto, afirmar que
um usurio da lngua incapaz de
entender certas palavras estrangei-
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ras utilizadas no portugus se constitui em um grande equvoco, pois a
compreenso de qualquer variedade lexical estrangeira uma questo de
exposio, do significado que ela representa para o ouvinte. Nesse sentido,
concordamos com Possenti (2001) ao dizer que:
[...] um campons no compreender a palavra printar, por
exemplo, mas porque no usa computador, e no porque o
termo vem do ingls ou porque ele campons. Certamente,
no entanto, saber o que um play off, se for um torcedor
que ouve jogos no rdio ou os v pela TV (POSSENTI, 2001,
p. 166).
Com efeito, a linguagem serve tanto para incluir quanto para excluir, a
depender do referencial que tomamos. E preciso evidenciar isso, mostrar
que pelo uso da linguagem, com ou sem estrangeirismos, demarcarmos
quem de dentro ou de fora do nosso crculo de interlocuo, de dentro ou
de fora dos grupos sociais aos quais queremos nos associar ou dos quais
queremos nos diferenciar (GARCEZ; ZILLES, 2001, p. 31).
Outra questo para refletirmos diz respeito prpria histria do
nosso pas. O Brasil importou os servios pblicos nas reas de trans-
porte e comunicao da Inglaterra quando ela estava no auge do poder
econmico e industrial, sem falar do esporte, entre os quais, o futebol,
o pquer e o bilhar. No entanto, mudanas polticas e econmicas na
segunda metade do sculo XX colocaram os Estados Unidos em uma
posio hegemnica como o pas que mais se desenvolveu nos seto-
res da indstria, da cincia e da tecnologia. A industrializao tardia
do Brasil causou uma dependncia tecnolgica e econmica, fazendo
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com que as relaes culturais entre esses dois pases se estreitassem,
por inmeras razes, mas principalmente pela tecnologia de ponta das
sociedades de consumo.
A entrada de elementos estrangeiros referentes s cincias e tec-
nologia no portugus do Brasil maior que a de todas as outras reas, o
que mostra que esse fenmeno da lngua , antes de tudo, um fenmeno
sociolingustico, inteiramente atrelado nomeao de novas tecnologias,
produtos e tambm ao prestgio de que goza a lngua inglesa.
Alves (1988), em seus estudos sobre os emprstimos de palavras na
imprensa poltica, j comprovara que os termos tcnicos so, sobretudo,
de origem inglesa, o que atesta o poder econmico e tecnolgico exercido
pelos Estados Unidos. Evidentemente essa questo est relacionada com o
aspecto econmico, que, por sua vez, est diretamente ligado ao prestgio,
pois consabido que quanto mais poderosa for a economia de um pas,
maior ser a influncia de sua lngua. E isso se estende tambm influn-
cia cientfica, tecnolgica, comercial, cultural etc. que esta exerce no ce-
nrio regional ou universal em que se projeta (FERRAZ, 2010, p. 271).
Essa influncia se d atravs da importao de bens de consumo, da ex-
panso das multinacionais, das msicas, dos modismos e dos programas da
TV, especialmente da TV a cabo. Os jovens de hoje, por exemplo, percebem
que h lnguas de maior prestgio social e, por isso, preferem utilizar certos
estrangeirismos que trazem um valor de superioridade, excentricidade.
O enunciado A tendncia esporte com pegada Hi-Lo3 perfect, reti-
rado de uma revista juvenil, exemplifica isso.
3 Hi significa alto e Lo, baixo, uma elegante e sofisticada tendncia que um mix de peas baratas com caras. Disponvel em: .
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(Revista Atrevida, 2012, p. 29)
preciso salientar que o domnio do funcionamento do modo como
determinada lngua recebe de outras lnguas elementos que a modificam
um campo do estudo da linguagem complexo, na medida em que resvala
para um funcionamento da lngua que toca em questes no apenas rela-
cionadas s terminologias especializadas, mas em campos que dependem
da imagem que o falante tem da lngua do outro, de seu pas e de seu
modo de vida. De acordo com Barros (2004), so quatro os campos semn-
ticos em que os vocbulos de lngua inglesa aparecem:
novidade, modernidade, avano, desenvolvimento (nas re-
as das cincias duras e da alta tecnologia); rentabilidade,
eficincia, preciso, competitividade (nas reas tecnolgicas,
econmicas, financeiras e esportivas); conforto, ruptura das
tradies, rebeldia (na msica, nos comportamentos da ju-
ventude); simplicidade, rapidez, economia de tempo (no cam-
po da culinria e da moda) (BARROS, 2004, p. 213).
Portanto, no possvel pensar o fenmeno lingustico do estrangeiris-
mo dissociado dos componentes sociolingusticos, pois so esses compo-
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nentes que iro contribuir para a integrao ou rejeio da unidade lexi-
cal estrangeira. Verificamos, ento, que o influxo de palavras estrangeiras
numa dada lngua depende da aceitao, da avaliao dos usurios da
lngua, e o prestgio que o idioma ingls assumiu no Brasil ao longo do
sculo XX mostra que fatores socioculturais explicam a frequncia desses
elementos estrangeiros na lngua portuguesa.
O lxico de uma lngua tem a capacidade de identificar caractersticas
de um grupo social. Na verdade, por intermdio do lxico que reatuali-
zamos os conhecimentos de uma sociedade, j que ele um dos pontos
em que mais claramente se percebe a intimidade das relaes entre lngua
e cultura (FARACO, 1991, p. 25). Sendo o lxico constitudo de todas as
palavras que uma lngua possui, a palavra adquire um papel fundamental
nas relaes sociais. Na prxima seo, faremos uma breve reflexo acerca
da palavra, por um prisma da filosofia da linguagem.
2. A palavra sob uma perspectiva filosfica
Desde que viemos ao mundo, vamos apreendendo os objetos que nos
rodeiam pelos usos que fazemos das palavras e, assim, vamos construindo
nossa bagagem lingustica. O estudo da palavra sob diversos ngulos no
se confinou apenas s discusses suscitadas pela lingustica, pois o interesse
sobre a origem, o emprego e o sentido das palavras remonta Antiguidade
Clssica. Por volta do sculo IV, na ndia, o mais conhecido dos gramticos
hindus, Panini, ao definir uma sintaxe para a lngua snscrita durante o seu
projeto de organiz-la segundo os preceitos de uma distino entre a lngua
falada pelo povo de sua poca e a lngua utilizada pela literatura, definiu ele-
mentos significativos da lngua como palavras reais (as lexias) e as palavras
fictcias (os morfemas), sendo de grande importncia para os estudos lexicais.
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No Ocidente, alguns filsofos trouxeram importantes reflexes envol-
vendo as relaes entre a palavra e o ser. Em sua obra Crtilo, Plato apre-
senta dois pontos de vista baseados em escolas de pensamentos distintos:
o dos naturalistas, que sustentavam a ideia de que h uma relao intrn-
seca entre o som e o sentido, evidenciando uma preocupao de relacionar
ideia e forma; e o dos convencionalistas, que sustentavam ser uma relao
puramente arbitrria, ou seja, segundo convenes estabelecidas pelo pr-
prio homem (ULLMANN, 1964).
O interesse em investigar a relao pensamento e palavra era a mar-
ca predominante na perspectiva da tradio filosfica clssica. como se
as palavras pudessem ser associadas diretamente aos objetos aos quais
se referem em um sistema de correspondncia estvel e imediato. O fi-
lsofo Wittgenstein mencionava essas questes em sua obra As investi-
gaes filosficas, quando resumiu a teoria referencial do significado, a
qual critica, na seguinte frmula: as palavras da linguagem denominam
objetos frases so ligaes de tais denominaes. Nesta imagem da
linguagem encontramos as razes da ideia: cada palavra tem uma signi-
ficao. Esta significao agregada palavra. o objeto que a palavra
substitui (WITTGENSTEIN, 1999, p. 27).
Segundo o filsofo, essa concepo de palavra seria insuficiente para
explicar a totalidade dos fenmenos lingusticos, pois o que se conhece por
palavra pode desempenhar diferentes funes e abarcar diversas identida-
des. Wittgenstein critica essa teoria referencialista ao demonstrar, por meio
de outros exemplos, que nem todas as palavras so nomes de objetos, e que,
portanto, no se pode elucidar o significado de uma palavra apontando para
o objeto ao qual se refere. E em um desses exemplos que ele fundamenta
a sua teoria da linguagem, abarcando, para explic-la, o conceito de uso:
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Pense agora no seguinte emprego da linguagem: mando al-
gum fazer compras. Dou-lhe um pedao de papel, no qual
esto os signos: cinco mas vermelhas. Ele leva o papel
ao negociante; este abre o caixote sobre o qual encontra-se o
signo mas; depois, procura numa tabela a palavra ver-
melho e encontra na frente desta um modelo da cor; a se-
guir, enuncia a srie dos numerais suponho que a saiba de
cor at a palavra cinco e a cada numeral tira do caixote
uma ma da cor do modelo. Assim, e de modo semelhante,
se opera com palavras. Mas como ele sabe onde e como
procurar a palavra vermelho, e o que vai fazer com a palavra
cinco? Ora, suponho que ele aja como eu descrevi. [...] Mas
qual a significao da palavra cinco? De tal significao
nada foi falado aqui; apenas, de como a palavra cinco
usada (WITTGENSTEIN, 1999, p. 28).
Este exemplo de Wittgenstein ilustra bem a limitao que os concei-
tos trazem ao imprimir uma essncia cognoscvel natureza das palavras,
pois, como definir a palavra cinco se no for atravs das ocorrncias, da
relao de uso que a palavra cinco imprime com o seu objeto, no caso
do exemplo, mas? Como bem cita Fann (1999):
Tal pergunta tem sentido to somente quando se supe que a
palavra cinco desempenha a mesma funo (ou pertence
mesma categoria) que mas e vermelho [...] A tendncia
a perguntar pelo significado de uma palavra, inclusive quando
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seu uso est claro, surge do conceito filosfico de signifi-
cado que repousa em uma ideia primitiva acerca de como
funciona a linguagem (FANN, 1999, p. 85-86).
Se o que melhor define o significado de uma palavra s pode ser dado
no uso que se faz dessa palavra, ento cabe observar melhor os fenmenos
da lngua em toda a sua dimenso verbal heterognea, constitutivamente
social e discursiva. Para tanto, preciso reservar um espao de reflexo
acerca do funcionamento das palavras, pois a partir desse funciona-
mento que geramos significao e no por meio de palavras dadas como
prontas, de palavras que parecem ter seus sentidos fixados, tal como
etiquetas em pedras (ANTUNES, 2012, p. 2).
3. Influxo de vocbulos estrangeiros em contextos
comunicativos
Vivemos num mundo cada vez mais dinmico, onde as relaes so-
ciais esto cada vez mais suscetveis s trocas culturais, fazendo emer-
gir novas palavras desses contextos comunicativos, trazendo consigo
novos sentidos a partir da morfologia do portugus enquanto processo
de criatividade/trabalho sobre a lngua. Nesse aspecto, os vocbulos
estrangeiros so altamente eficazes. Basta observar como alguns es-
trangeirismos de lngua inglesa so empregados no sistema lexical do
portugus do Brasil com outro funcionamento a partir de um trabalho
dos falantes em modos de significar bem peculiares. Observamos esses
tipos de transformao, como vistos nas figuras 1, 2, 3 e 4, na pronn-
cia de alguns exemplos entre tantos encontrados em um corpus do blog
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Kibeloco4: site como sait; shopping como chopem, Trident como Traid e
Yorkshire como okchai.
Figura 1 Figura 2
Figura 3 Figura 4
De acordo com Alves (1988), o item lexical estrangeiro que adentra o
nosso sistema lingustico tende a adaptar-se fonologicamente ao nosso
idioma. o caso da palavra inglesa snooker, um emprstimo adaptado
fonologicamente ao portugus que se transformou em sinuca, com a
slaba inicial si.
A aceitao ou no da palavra estrangeira inteiramente determinada
por fatores sociais, de modo que os falantes de uma comunidade lingus-
tica, imbudos de seus valores e de suas concepes de mundo, a tornam
uma forma prestigiada ou no, resistindo ou no ao seu uso. Para melhor
compreender isso, necessrio observar componentes sociolingusticos,
tais como classe social, gnero, faixa etria, pois eles explicam em muito o
dinamismo do estrangeirismo medida que favorecem a incorporao e a
estabilidade da unidade lexical estrangeira.
4 Disponvel em: .
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Na viso de Labov (1972), determinadas formas lingusticas refletem
categorias da estrutura social. A forma como as pessoas se utilizam da ln-
gua altamente influenciada pelas presses sociais, apesar de, na verdade,
fatores tanto lingusticos como sociais contriburem para os processos de
variao e mudana:
A ocorrncia de variantes est geralmente correlacionada aos
aspectos do ambiente interno, embora no seja exatamente
previsvel por esses, e tambm pelos aspectos externos ao fa-
lante e situao: estilo contextual, status social, mobilidade
social, etnia, gnero e faixa etria (LABOV, 1972, p. 18, tradu-
o nossa).
importante destacar que falantes compartilham atitudes e valores se-
melhantes em relao lngua, visto que a comunidade de fala mais bem
definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relao
lngua (LABOV, 1972).
Geralmente, valores positivos so relacionados ao grupo de prestgio,
cuja fala dominante nas esferas sociais, sendo que o nvel que o falante
tem em relao a determinada varivel est vinculado classificao dos
elementos variantes da lngua diante da avaliao social a que est suscet-
vel. Alm de valores conscientes no que diz respeito lngua, os membros de
uma comunidade de fala compartilham, sem que tomem conscincia disso,
aspectos fundamentais do sistema lingustico suas regras gramaticais.
Isso quer dizer que o processo de inovao do lxico se d pela incor-
porao de novas unidades que surgem nos atos de fala, por meio de va-
riados processos de formao de palavras novas, os neologismos lexicais,
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gerando mudanas, novidade no sistema lingustico de uma lngua. Essa
renovao no cdigo de comunicao de uma determinada comunidade
lingustica est alicerada no pressuposto de que as lnguas se renovam
permanentemente, inovando-se com a incluso de palavras novas que sur-
gem em virtude de uma necessidade especfica de nomeao.
Tais fatos nos levam a considerar que o enriquecimento do lxico com
formas novas resultado de mudanas ao nvel lexical que se materializam
por meio da fala, no mbito das mudanas sociais. Assim, as unidades ne-
olgicas devem ser observadas, sobretudo, nas relaes que se instituem
nas estruturas sociais, pois o neologismo , como assevera Carvalho (1984,
p. 9-10), um ato e fato social que, quando incorporado ao vocabulrio do
usurio da lngua, este torna-se cmplice do mundo em que atua, partcipe
da expanso das reas de conhecimento cientfico e tecnolgico de sua
poca, instaurador dos valores grupalmente compartilhados, claramente
observveis a cada transformao social e cultural.
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Consideraes finais
Nossa pergunta inicial era se os elementos estrangeiros estariam con-
tribuindo ou obstruindo a comunicao empresarial. Refletimos sobre o
papel do lxico na criao de novas palavras na lngua, condio neces-
sria para expressar categorias cognitivas que construmos no interior dos
domnios sociais em que as aes da linguagem ocorrem. Verificamos que
o mbito da esfera social que circunscreve e motiva as mudanas no l-
xico de uma lngua.
Chegamos concluso de que pedir um follow-up, em vez de dizer que
vai retomar uma conversa sobre determinado projeto, no o que ir de-
terminar o sucesso das aes organizacionais. Ao falarmos em comunica-
o, principalmente no meio corporativo, entendemos que o fundamental
se fazer entender de forma objetiva. E no porque utilizamos determina-
do jargo estrangeiro que estamos deixando de ser claros ou precisos. Isso
pode ocorrer com qualquer palavra da lngua portuguesa, uma vez que
impossvel ter o domnio total de todo o lxico de uma lngua.
No se trata tambm de afirmar que as palavras estrangeiras so des-
necessrias porque existem palavras correspondentes para elas no por-
tugus. preciso deixar claro que quando um estrangeirismo adentra o
sistema de uma lngua, ele se inscreve num universo de sentidos que lhe
atribui um valor especfico. Assim, brother no irmo, mas amigo no
portugus brasileiro.
Vimos que o influxo de palavras estrangeiras numa dada lngua um
fenmeno inevitvel, e at mesmo esperado nos intercmbios lingus-
ticos entre diferentes lnguas, visto que novas palavras surgem desses
contextos comunicativos. Vimos tambm que o prestgio que o idioma
ingls assumiu no Brasil ao longo do sculo XX mostra que fatores socio-
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culturais explicam a frequncia desses elementos estrangeiros na lngua
portuguesa brasileira.
Por fim, conclumos, neste breve estudo, que se faz necessrio obser-
var os domnios sociais pelas quais as pessoas transitam, bem como as
redes culturais, tecnolgicas, pois so esses mbitos que circunscrevem e
motivam a criao de novas palavras no portugus brasileiro, sobretudo
aquelas que se originam de outros sistemas lingusticos.
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