INFLUÊNCIAS E MANOBRAS POLÍTICAS: A AGRESSÃO … · dentro do contexto das artes europeias,...
Transcript of INFLUÊNCIAS E MANOBRAS POLÍTICAS: A AGRESSÃO … · dentro do contexto das artes europeias,...
1
INFLUÊNCIAS E MANOBRAS POLÍTICAS: A AGRESSÃO EXPANDIDA
Rodrigo Lourenço dos Santos1
Resumo: Este artigo pretende apresentar aos leitores, uma visão das transformações sociais que
ocorreram na metade do século XIX na França, a partir da relação entre a obra Os Britadores de Pedra de Gustave Courbet e a sua carreira como pintor realista. Compreender o contexto histórico em que a obra foi produzida, analisar a obra em seus aspectos artísticos e representativos e localizar as inter-relações entre a obra e a sociedade, são os pontos estipulados para se alcançar a visão citada acima. A metodologia
empregada dialoga com a Nova História Cultural e também com a História Social da Arte. As influências artísticas e políticas que o artista sofreu ao longo da sua vida, determinaram suas posições ideológicas e fizeram com que a figura do trabalhador rural, emergisse nas suas pinturas de uma forma heroica,
ocasionando um impacto na cultura da sociedade burguesa francesa que se sentiu agredida com tamanha audácia. O mesmo trabalhador rural que sempre esteve ao lado da burguesia nas revoluções que ocorreram na França de 1789-1870 e que teve raros momentos de participação ativa na política, agora estava sendo retratado de forma semelhante aos heróis aristocratas e burgueses do passado. O olhar
atento do historiador pode trazer à tona não só o que os olhos querem ver, indo um pouco mais além. Palavras-chave: Arte. Realismo. Courbet.
Introdução
A obra Os Britadores de Pedra foi executada pelo pintor francês realista
Gustave Courbet e foi exposta pela primeira vez em 1850 em Ornans, na capela do petit
séminaire. A pintura foi realizada em um momento aonde as mutações sociais que
aconteceram não só na França, como em boa parte da Europa, causadas principalmente,
pelas modificações nas estruturas políticas e econômicas, eram visíveis. O Realismo é
um estilo artístico que surgiu na metade do século XIX na Europa e teve na pintura
francesa, um destaque dentro desse período. Os temas que foram mais explorados
nesse momento são as injustiças e as desigualdades e, as classes menos abastadas
estavam em evidência nas pinturas, como uma forma de denunciar as mazelas
cometidas pelas classes dominantes.
A vida de Gustave Courbet enquanto um pintor realista, que teve atuações
políticas e sociais não só no campo do Realismo Social (estilo artístico que foi atribuído
ao artista) como também na esfera política institucional, será interpretada ao longo
deste artigo.
1 Graduado em História/UEL (2015). Cursando Especialização em Religião e Religiosidades.
2
Mudança de foco: o Realismo Social
Sua primeira composição de grandes dimensões e que foi bem recebida
pelos críticos foi a obra Depois do Jantar em Ornans (figura 1).
Figura 1 – Depois do Jantar em Ornans, 1849, Gustave Courbet.
Óleo sobre tela, 195 x 257 cm. Lille, Musée des Beaux-Arts.
Masanès (2007, p. 30) analisa alguns aspectos desse quadro
É em tamanho natural e combina uma atmosfera fortemente rural com um toque de sentimentalismo intencional. Largamente apreciado, foi comprado pelo Estado francês na pessoa de Charles Blanc, director das Belas-Artes. E
valeu a Courbet uma medalha de ouro, o que significava que já não tinha de submeter os seus quadros ao júri do Salon.
A representação de uma vida campestre de forma serena, calma e ao mesmo
tempo musical, pode ter sido um dos fatores que chamaram a atenção da crítica do
Salon. Logo após essa conquista, Courbet retornou para Ornans em 1849. Animado com
seu primeiro grande êxito, iniciou três grandes pinturas que posteriormente o
colocaram no “Olimpo” dos grandes artistas de Paris e que de certa forma, marcaram o
início do Realismo enquanto um estilo de pintura na metade do século XIX. Em um
estúdio improvisado no centro de Ornans (localizado em uma antiga casa na qual residia
3
os avós de Courbet, já falecidos na ocasião) Courbet rapidamente começou a labutar na
primeira grande pintura, Os Britadores de Pedra, que lamentavelmente foi destruída na
Segunda Guerra Mundial em um bombardeio britânico na cidade de Dresden em 1945.
O objetivo que Gustave Courbet se propôs a alcançar em sua obra Os
Britadores de Pedra, foi um objeto de debate muito interessante tanto no momento em
que a tela foi finalizada e exposta, quanto em períodos posteriores, por autores de
diversas áreas do conhecimento. A tentativa do pintor em mostrar uma cena realista,
em que a pobreza salta aos olhos do espectador (figura 2), que na opinião de Courbet,
era difícil de se encontrar, mesmo no ano de 1849, aonde a França passou por diversas
mudanças nas esferas política, econômica e social, que trouxeram importantes
questionamentos acerca da intencionalidade do artista com relação à sua obra.
1 2 3 4 5 A B C D
Figura 2 – Os Britadores de Pedra, 1849, Gustave Courbet.
Óleo sobre tela, 165 x 257cm. Destruído, anteriormente se encontrava na Pinacoteca dos
Mestres Antigos, Dresden, Alemanha
Mal finalizou Os Britadores de Pedra, já iniciou a obra Enterro em Ornans
(figura 3), que contou com a participação de praticamente metade da população de
Ornans enquanto modelos, para ser executada. A obra de grandes dimensões, chama a
atenção pelo fato do pintor ter dado sensações diferentes aos diversos personagens
4
que são retratados. Grande parte dos homens estão moderadamente calmos, enquanto
que as mulheres aparecem transmitindo um sentimento de tristeza e, finalmente, os
padres e os sujeitos que carregam o caixão, aparentemente estão com uma fisionomia
pragmática, denotando que estavam acostumados com aquele tipo de situação.
Figura 3 – Enterro em Ornans, 1849-1850, Gustave Courbet.
Óleo sobre tela, 315 x 668 cm. Paris, Musée d’Orsay.
O terceiro e último trabalho dessa série de grandes dimensões foi intitulado
de Os Camponeses de Flagey Regressando da Feira (figura 4). Como o próprio título nos
diz, se trata de um retrato austero e melancólico do cotidiano da vida em uma aldeia.
Essas características também são encontradas em Os britadores de Pedra e se olharmos
com atenção, veremos que a representação da paisagem, nos mostra provavelmente, o
final de uma longa jornada de trabalho (figura 2, quadro A-5).
5
Figura 4 – Camponeses de Flagey Regressando da Feira, 1850, Gustave Courbet.
Óleo sobre tela, 206 x 275 cm. Besançon, Musée des Beaux-Arts et d’Archéologie.
Isso fica ainda mais claro, quando Masanès (2007, p. 33) nos mostra o que
distinguiu Courbet de outros artistas contemporâneos seus, no que diz respeito a
relação entre as personagens e a natureza que as cercava
A descontinuidade entre as figuras e o plano de fundo rural produz um efeito
estranho, como se Courbet estivesse demasiado concentrado em representá-las e prestasse menos atenção ao que as rodeava e ao lugar que deviam ocupar. Este é um dos aspectos que diferenciam os quadros rurais de Courbet de outros do mesmo período, que representam uma perspectiva harmoniosa
e idealizada da vida nos campos.
Antes de nos atermos as críticas que as suas três grandes obras sofreram no
Salon de 1851, é necessário nesse momento, colocar algumas considerações a respeito
do Realismo enquanto um movimento artístico, com uma ênfase maior no campo da
pintura. Entre o final da década de 1840 e o início da década de 1850, começou a aparecer
dentro do contexto das artes europeias, principalmente na pintura francesa, uma nova
orientação estética intitulada Realismo, que se expandiu paralelamente a uma
sociedade cada vez mais industrializada. Entretanto, Masanès (2007, p.38) pondera que
6
O termo realismo é polissémico, mesmo quando confinado à pintura, e não se
refere necessariamente a uma escola cronologicamente definida. Além disso, nada diz, a não ser a falsidade da pintura, um defeito inerente a todas as estéticas miméticas, dos extremos do Academicismo do século 19 ao Hiper -
Realismo do século 20. O contraste necessário entre modelo e reprodução – a mimese grega – é a condição sem a qual a obra de arte não existe.
O Realismo na pintura tem como uma das suas características mais
marcantes, representar a realidade de forma tão precisa que se assemelharia ao
trabalho de um cientista, que tenta encontrar explicações plausíveis para os fenômenos
da natureza. Contudo, apesar das comparações serem válidas, o estilo de pintura
denominado de Realismo, não pode ser entendido enquanto uma linha de pensamento
no século XIX, pelo fato de que ele estava atrelado ao âmbito das manifestações
artísticas. Já a palavra realismo, caracteriza uma maneira de agir, de decifrar a realidade.
Essa conduta está pautada pela objetividade, por uma postura racional diante do mundo
que está ao redor desse indivíduo e que ocorreu, ocorre e sempre vai ocorrer na história.
Masanès (2007, p.38) atenta para o distanciamento entre a proposta de Courbet em
seus quadros e outras correntes de pensamento vigentes no período “A própria
expressão de Courbet, alegoria real, parece mais precisa se quisermos evitar assimilar o
realismo pictórico à estética positivista”. Burke (2004, p.37) mostra que os historiadores
que defendem a utilização de imagens como fontes, atentam para a problemática da
interpretação de estilos artísticos que buscam representar o mundo real dentro de suas
próprias argumentações e
Nesse debate, os inovadores levantaram alguns pontos importantes em detrimento dos “realistas” ou “positivistas”. Por exemplo, eles enfatizaram a importância das convenções artísticas e observaram que mesmo o estilo artístico conhecido como “realismo” tem sua própria retórica.
Portanto, o pintor realista não devia aprimorar a natureza e nem as
personagens por ele pintadas, pois é justamente enxergando e retratando o mundo tal
como ele é, é que se alcançaria o conceito de beleza real e não ideal. Segundo Courbet
(2007 apud MASANÈS, p. 45) “A imaginação na arte consiste em saber como encontrar
a mais completa expressão de uma coisa existente, mas nunca supor ou criar a própria
coisa.”
7
Foram deixados de lado temas históricos do passado, mitológicos e bíblicos,
apesar de haver algumas incidências de representações desse tipo em alguns artistas,
porém, é nítido que a realidade imaginada sofre um duro golpe no momento em que a
criação das representações no Realismo é pautada por uma realidade imediata. Talvez
essa mutação seja a principal causa do fenômeno da politização, que ocorreu com
alguns artistas não só na pintura como também na literatura. É justamente nesse
momento, que surgiu a pintura social, que tinha como uma de suas características,
denunciar as injustiças e consequentemente as disparidades entre a pobreza dos
trabalhadores e a exuberância da burguesia. Masanès (2007, p.38) mostra que
A pintura da segunda metade do século 19 é sempre mais realista no sentido
em que presta particular atenção à transcrição da classe trabalhadora rural ou do ambiente urbano da sua época. Isso sugere que devemos repensar a noção de pintura histórica em termos destes novos centros de interesse.
Gustave Courbet talvez tenha sido o maior expoente dessa transformação
artística no Realismo, uma vez que iniciou sua carreira fortemente atrelado ao
Romantismo, depois foi um dos precursores do Realismo Social, dedicou um tempo
também para a produção de nus e no fim de sua vida, se tornou um grande paisagista.
Entretanto, é hora de nos atermos a recepção que as suas obras sofreram no Salon de
1851.
As obras foram recebidas de forma fria pela maioria dos críticos de arte,
sendo que o nome de Courbet se quer foi mencionado na cerimônia de premiação.
Entretanto, diferentemente de outras exposições que o artista participou, desta vez, ele
conseguiu chamar a atenção do “público leigo” de uma forma geral e também de alguns
críticos que destacaram uma certa originalidade nas suas propostas.
A história da arte (seja ela de qualquer viés historiográfico) nos mostra que
boa parte dos artistas que ousaram transgredir os cânones impostos pelos estilos de
pintura anteriores a eles, foram inicialmente atacados ferozmente, entretanto, essa
crítica estabelecida, muito mais do que opiniões pessoais e coletivas por parte de um
júri, estava atrelada a toda uma visão de mundo, que era colocada por esses grupos,
afim de que o curso natural tanto das técnicas quanto dos temas por eles estabelecidos,
continuassem a ditar as tendências artísticas. Masanès (2007, p.33) expõe que
8
Seria a rejeição pública das obras de Courbet total e unânime? Não há razão para pensar tal coisa. A hostilidade que enfrentaram fazia parte de um fenómeno mais geral e assumi-lo de outro modo impede a nossa
compreensão, tanto das obras como da sua especificidade no seio da arte do século 19.
Talvez por ter trazido à tona sujeitos pertencentes ás camadas menos
abastadas da sociedade como em Os Britadores de Pedra (figura 2), Courbet acabou, de
certa forma, impactando uma sociedade parisiense que tinha como principais
características, estar cada vez mais distante do campo e parcialmente industrializada.
Esse cenário foi modificado no momento em que algumas obras de Gustave
Courbet, foram compradas por Alfred Bruyas, um rico colecionador, que tinha uma
profunda admiração por Courbet enquanto artista. A partir desse momento, o artista
realista ganhou um novo fôlego na sua carreira. Segundo Masanès (2007, p.43) apesar
dos diversos patronos que apareceram na vida de Courbet “[...] não havia dúvida de que
em Bruyas, Courbet conseguira o patrono e coleccionador culto de que precisava, um
homem que o apoiava financeiramente e que possuía uma colecção em que Courbet
podia orgulhar-se de figurar." A admiração que cada um tinha pelo outro, pode ser vista
na obra O Encontro ou como é mais conhecida Bom Dia, Senhor Courbet (figura 5), aonde
diferentemente das representações tradicionais dos patrocinadores (boa parte deles
eram trazidos à tona na pintura, por meio de retratos individuais e o próprio Bruyas havia
sido pintado por Courbet dessa forma, um ano antes da obra Bom Dia Senhor Courbet)
nesse quadro fica claro que Courbet foi ao encontro de Bruyas e que este está feliz em
vê-lo.
9
Figura 5 – O Encontro ou Bom Dia, Senhor Courbet, 1854, Gustave Courbet.
Óleo sobre tela, 129 x 149 cm. Montpellier, Musée Fabre.
Riat (2007, apud MASANÉS, p.46-47) propõe que
M. Bruyas vem ter com ele a partir da Villa Mey e inclina respeitosamente a cabeça, tirando o chapéu; tem vestido um paletó verde, calças azuis e um boné
preto; o seu fiel criado, Calas, inclina também a cabeça; carrega no braço um xaile vermelho e parece estorvado pelo seu casaco vermelho, enquanto o cão Breton saúda também o artista, a seu modo.
No ano de 1853, a França, juntamente com o Império Otomano, o Reino
Unido, o Reino da Sardenha e o auxílio em menor escala do Império Austríaco, se uniram
para barrar as pretensões expansionistas do Império Russo. Contudo, essas mesmas
nações que tinham um inimigo comum naquele momento, travavam disputas ferrenhas
entre elas, para assegurar suas posições hegemônicas tanto no campo comercial quanto
no campo cultural. Masanès (2007, p.44) mostra a dupla preocupação da França no
momento em que “O jovem Império, já em guerra na Crimeia, procurou afirmar a sua
vitalidade ao lado das velhas monarquias e mostrar que Paris continuava a ser a capital
da arte ao mesmo tempo que mantinha o seu lugar no desenvolvimento da indústria.”
10
A obra Estúdio do Pintor (Alegoria Real de Sete Anos da Minha Vida Moral e
Artística) (figura 6), trouxe uma importante reflexão acerca de como Courbet via não só
o mundo ao seu redor, como também as transformações sociais que ocorriam nesse
mesmo mundo.
Figura 6 – Estúdio do Pintor (Alegoria Real de Sete Anos da Minha Vida Moral e Artística), 1855,
Gustave Courbet. Óleo sobre tela, 359 x 598 cm. Paris, Musée d’Orsay.
Entretanto, segundo Champfleury (2007, apud MASANÈS, p.48) se nos
remetemos a fala do artista, encontramos outras possibilidades de interpretações,
quando o mesmo reflete que
Eu vejo a sociedade, com as suas preocupações e paixões; é o mundo que vai ser pintado... A cena tem lugar no meu atelier em Paris. O quadro está dividido
em duas partes. Eu estou no meio, a pintar. À direita estão os accionistas, isto é, amigos, trabalhadores, devotados à arte mundial. À esquerda, o outro mundo da vida trivial, o povo, a miséria, a pobreza, a riqueza, os explorados e os exploradores, as pessoas que vivem à custa da morte.
Courbet representou através do seu quadro, um balanço da sua vida até
aquele momento em diversas esferas (talvez indo além do aspecto moral e artístico
proposto inicialmente) no momento em que mostrou que ele esteve ligado a ambos os
lados ao longo da sua carreira e que apesar de deixar claro a sua posição em relação as
figuras representadas, acaba deixando a entender para o espectador, que suas fontes
de inspiração formam o conjunto dessa obra. É interessante pensar que Courbet em 6
anos (1849-1855) retratou a figura do trabalhador de diversas formas e
11
consequentemente, foram sendo construídas inúmeras interpretações, sobre o que de
fato para o artista era importante, dentro de um quadro com uma temática social. A
ênfase dada ao trabalhador rural representado em Os Britadores de Pedra (figura 2) não
aparece mais com tanta força em Estúdio do Pintor (Alegoria Real de Sete Anos da Minha
Vida Moral e Artística) (figura 6) sendo esse quadro o símbolo de uma fase do artista.
Um pequeno detalhe como esse, só reforça a célebre fala de Ginzburg (1989, p.145) “[...]
O conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do
quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria.”
Cansado das inúmeras recusas que havia sofrido até então, Courbet decidiu
procurar algumas alternativas para expor suas obras em um número satisfatório. Uma
dessas alternativas acabou dando certo e o “Pavilhão do Realismo” (espaço temporário
destinado a exposição de obras do pintor, composto de uma tenda sobre uma estrutura
de metal) contou com diversas obras do pintor, além de outros atrativos que são
destacados por Masanès (2007, p.53)
Embora alguns artistas exibissem as suas obras nos seus estúdios, nunca houvera nada desta dimensão: era cobrada entrada para uma exposição de obras para venda, estavam disponíveis reproduções impressas e uma lista
impressa das obras com um texto polémico de Champfleury e do pintor.
Apesar do relativo sucesso da exposição, algumas obras não causaram
nenhum tipo de interesse nos visitantes. Posteriormente, Courbet voltou a se deparar
com a dependência do aval do júri do Salon, para expor suas obras em grandes
exposições. Masanès (2007, p.55) expõe que “Em 1857, a Administração procurou
alterar o regime das Belas-Artes e mais particularmente o do Salon. A tentativa foi bem
sucedida e Courbet teve de voltar a submeter as suas obras à apreciação do júri do
Salon.” Justamente naquele momento, Courbet começou a pintar um número cada vez
maior de paisagens não só da França como também de outros países da Europa e as
figuras que são por ele retratadas, são essencialmente, membros da elite europeia. O
fato é que Courbet acabou modificando os olhares com relação aos cânones da
Academia, proporcionando assim, a abertura para o surgimento de novas correntes
artísticas como o Impressionismo e o Expressionismo. Hobsbawm (1979, p.302) enfatiza
12
que “Com o realismo programático, isto é, naturalista de Courbet, a história da pintura
ocidental, complexa mas coerente desde a Renascença italiana, chegava ao seu fim.”
Seja representando as camadas mais abastadas da sociedade europeia ou
retratando trabalhadores rurais de vilas na França, Courbet conseguiu impactar não só
o meio artístico e o público em geral, como também, inseriu novas perspectivas com
relação a representação do sujeito e a natureza que o cerca. Masanès (2007, p.56)
ressalta que
Ao pintar cenas da vida campestre, Courbet reinventou a paisagem com figuras. Herdeiro da tradição da paisagem histórica (elemento importante nos concursos de Belas-Artes), as paisagens povoadas encenaram um confronto
consagrado pelo tempo entre os indivíduos e o ambiente que os rodeava – e entre os dois níveis do quadro.
Apesar de em alguns casos, ser nítida a pouca preocupação que Courbet deu
ao espaço que rodeava suas personagens, as dimensões dos seus quadros que
retratavam o cotidiano dos camponeses, significou um marco na história da pintura,
uma vez que boa parte dos indivíduos representados, foram retratados quase que em
tamanho real, dividindo os olhares do espectador entre a paisagem e os trabalhadores
rurais. Tinterow (2007, apud MASANÉS, p.56-58) afirma que
É certo que ao longo da história as paisagens têm sido povoadas, quer fosse com camponeses contemporâneos, pastores arcadianos, caçadores reais, deuses desportistas ou burgueses que buscam prazeres. Mas até meados do século 19, os pintores tinham sempre subordinado a paisagem às figuras ou as
figuras à paisagem. Uma tinha estado invariavelmente subordinada à outra, até Courbet começar a criar quadros em que as figuras e a paisagem se equiparam, e muitas vezes competem, reclamam a atenção do observador.
Essa característica apareceu em diversos momentos da carreira de Courbet
(desde o início quando o pintor bebeu no Romantismo, passando pela criação do
Realismo e chegando finalmente perto do fim da vida, nas suas obras paisagísticas).
Em 1871, incentivado por Julles Vallès, Courbet adentrou na política.
Rapidamente foi nomeado a vários cargos na Comuna de Paris (presidente da Federação
dos Artistas, membro da Comuna, delegado da Câmara Municipal, delegado da
Instrução Pública). Entretanto, sua proposta relacionada a uma possível reforma geral
13
do sistema artístico na França, algo que já tinha sido cogitado por David no período
revolucionário do governo de Robespierre, não saiu do campo das ideias, uma vez que,
a Comuna durou pouco mais de dois meses e no dia 7 de junho de 1871, Courbet foi preso.
Seu julgamento ocorreu em Versalhes e ele foi condenado a seis meses de reclusão na
prisão de Sainte-Pélagie em Paris. Sua “estadia forçada” em Paris foi retratada na obra
Auto-retrato em Sainte-Pélagie (figura 7), aonde Masanès (2007, p.85) interpreta que
“[...] Courbet mostra-se a si próprio na cela da prisão de Paris, sentado numa mesa, junto
de uma janela meio-aberta, obstruída pelas sólidas grades da prisão. Está vestido com
simplicidade, fato castanho e boina; o lenço vermelho ao pescoço é a única nota de cor
nesta pintura sombria.”
Figura 7 – Auto-retrato em Sainte-Pélagie, 1872, Gustave Courbet. Óleo sobre tela, 92 x 72 cm.
Ornans, Musée Courbet.
Seja retratando sua carreira ou mesmo sua vida particular, Courbet talvez
tenha conseguido por intermédio de seus pincéis e suas telas, mostrar um pouco do que
foi a sua vida. Segundo Gay (1999, p.305)
14
Courbet documentou seu progresso como um rebelde na política e na arte pintando mais de meia dúzia de excelentes auto-retratos – como jovem, fumando cachimbo; um homem ferido; um pintor em seu estúdio, um
violoncelista; um prisioneiro político. Ele contou sua vida da forma como podia fazê-lo melhor: com os pincéis. Mas a contou também com outros quadros: as pretensões dos artistas do século XIX de proporcionar acesso à sua mente eram amplas.
O Estado francês em 1873, sob o regime da Terceira República, determinou a
reconstrução da Coluna Vendôme (monumento dedicado a celebração da vitória de
Napoleão I na batalha de Austerlitz), que havia sido destruída no governo da Comuna
de Paris e Courbet, que foi um dos instigadores desse ato, foi condenado em 1874 a
pagar as despesas da reconstrução. Contudo, não chegou a pagar nem a primeira
parcela da dívida, uma vez que, estava sofrendo de gota e cirrose do fígado em 1877 e
no último dia desse mesmo ano, Courbet morreu ao lado de sua família na Suíça, aonde
estava exilado desde 1873. Étienne Carjat (fotógrafo, ilustrador e escritor francês) tirou
um retrato de Gustave Courbet (figura 8) no exílio.
Figura 8 – Courbet no final da sua vida na Suíça.
15
Mesmo exilado e com graves problemas de saúde, Courbet foi retratado
portando trajes burgueses por um fotógrafo famoso na época, mostrando que ele havia
sido reconhecido como um grande artista.
Considerações Finais
Muito mais do que somente trazer à tona a figura do trabalhador camponês
em grandes dimensões, Gustave Courbet retratou de maneira única, pessoas anônimas,
que muitas vezes passavam despercebidas pelas classes dominantes. Entretanto, não
podemos esquecer que esse trabalhador rural anônimo que emergiu com a pintura
Realista Francesa do século XIX, é produto das mãos de um indivíduo oriundo de uma
aristocracia rural, portanto, alguém que jamais teve que se submeter a um tipo de
trabalho como o de quebrar pedras.
A obra Os Britadores de Pedra, muito mais do que somente um marco na
história da pintura (em especial do estilo de pintura intitulado de Realismo) nos mostra
ainda, que a imagem de uma obra de arte, pode nos dar informações sobre um
determinado momento histórico com o auxílio de um olhar que não busque apenas o
que é dado de bandeja pelo pintor, mas também, os pequenos detalhes, que são
imperceptíveis para aqueles que desconhecem o momento em que a obra foi realizada.
Referências
BURKE, Peter. Fotografias e retratos. In: ______. Testemunha Ocular: história e imagem.
Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004.
GAY, Peter. Imagens da Mente. O coração desvelado: a experiência burguesa da Rainha
Vitória a Freud. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In: ______. Mitos,
emblemas e sinais. Trad. Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
HOBSBAWM, Eric J. As Artes. In: ______. A Era do Capital: 1848-1875. Trad. Luciano Costa
Neto. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1979.
16
MASANÈS, Fabrice. Gustave Courbet. Trad. Maria do Rosário Boléo. Colónia: Taschen.
2007.