Influencia Deputados Nomeacao Rj Tese Doutorado

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança Felix Garcia Lopez Junior Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA – do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia). Orientadora: Elisa Pereira Reis Rio de Janeiro Outubro de 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança

Felix Garcia Lopez Junior

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA – do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Orientadora: Elisa Pereira Reis

Rio de Janeiro Outubro de 2005

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L864 Lopez Jr., Felix Garcia. A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança / Felix Garcia Lopez Junior 199f.: il Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2005. Orientadora: Elisa P. Reis 1. Nomeações para cargos de confiança 2. Poder Legislativo Estadual 3. Sociologia Política – Teses. I. Reis, Elisa Pereira (Orient.). II . Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III . Título

CDD 328.3455

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A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança

Felix Garcia Lopez Junior

Orientadora: Elisa Pereira Reis

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Aprovada em 18/10/2005

______________________________________________ Presidente, Drª. Elisa Pereira Reis, UFRJ

_____________________________________________ Profª. Drª Beatriz Maria Alasia de Heredia, UFRJ

_____________________________________________ Profª. Drª Celina Maria de Souza Motta, UFBA

_____________________________________________ Prof. Dr. Charles Freitas Pessanha, UFRJ

_____________________________________________ Prof. Drª. Eli Roque Diniz, UFRJ

Rio de Janeiro Outubro de 2005

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram, em diferentes momentos, para que esta tese tomasse

forma.

À minha orientadora, Elisa P. Reis, que também me orientou na graduação e no

mestrado, e colaborou permanentemente durante a pesquisa de campo e nas sugestões ao

longo do processo de redação, agradeço de modo especial. Seu rigor analítico e seriedade

profissional continuarão a ser exemplo e fonte de estímulo.

Os professores Peter Fry e Argelina Figueiredo fizeram importantes sugestões ao

projeto que deu origem a esta tese. A eles agradeço.

Sou grato ao professor Richard Locke, que cordialmente me recebeu e orientou

durante o período de estudos no Departamento de Ciência Política do MIT.

Pamela Price fez sugestões bibliográficas indispensáveis ao capítulo sobre a Índia.

Rose May Andrade, do Centro de Documentação dos Cargos de Confiança,

sempre gentil, prestou grande ajuda disponibil izando dados oficiais que constituíram parte

do material de pesquisa que resultou no capítulo sobre a Secretaria Estadual de Educação.

Registro meus agradecimentos à CAPES pela bolsa que financiou meus estudos

no doutorado, além da bolsa de pesquisa para estudos no exterior.

Meus irmãos, Juan e Rafael, amigos Dimas e Maria e, acima de tudo, meus pais,

Felix e Stella foram muito importantes em toda a trajetória.

Viviane, a quem agradeço especialmente, experimentou e partilhou das

dificuldades e percalços que uma tese impõe. Ela é, sempre, meu arrimo de afeto.

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"To the victor belong the spoils of the enemy."

Senador William Marcy (NY), 1832.

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RESUMO

LOPEZ JR., Felix Garcia. A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.

Neste trabalho, analiso as percepções dos deputados estaduais do Rio de Janeiro sobre indicações de funcionários para cargos de confiança na burocracia pública estadual, bem como o processo de preenchimento desses cargos na Secretaria Estadual de Educação. Antes, discuto brevemente alguns clássicos da li teratura sobre processos históricos que ajudam a compreender a gênese da importância dos cargos de confiança na administração pública brasileira. Por fim, apresento uma comparação entre o processo brasileiro de indicação para cargos, ilustrado na análise do Rio de Janeiro, e o sistema de transferência de funcionários na burocracia pública da Índia, ressaltando semelhanças e diferenças.

Um dos principais resultados da pesquisa mostra que o cargo de confiança é percebido como um instrumento legítimo e indispensável de representação dos políticos na burocracia pública, além de servir como estratégia de defesa contra ameaças de traição. Argumento, ainda, que estes aspectos se explicam pela conjugação do desenho das instituições políticas e eleitorais atuais com valores culturais que se consolidaram historicamente.

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ABSTRACT

LOPEZ JR., Felix Garcia. A política de espólio dos deputados estaduais do Rio de Janeiro: estudo sobre as indicações para cargos de confiança. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. In this work, I analyze perceptions of Rio de Janeiro State Representatives with respect to personalistic nominations for positions (cargos de confiança) within the state bureaucracy, as well as the actual distribution of administrative positions in the State Secretary for Education. I start from a brief discussion of the literature on the historical processes important for understanding the genesis of the centrali ty ascribed to personalistic nominations and appointments in the Brazil ian public administration. Next, I move to the analysis of perceptions, and then to the case study of appointments in Education. Finally, I brief compare the process of nominations in Rio de Janeiro to the transfer system used in India's bureaucracy, stressing both differences and similarities. One of the main research results shows that the personal nominations and appointments are perceived as a legitimate and indispensable instrument to politician's representation in the public administration. In addition, it works as a defense strategy against threats of betrayal. I suggest that to explain the Brazilian appointment system il lustrated in my study of the Rio de Janeiro State Assembly one has to look at the interplay of contemporary poli tical and electoral institutional design with cultural values historically consolidated.

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SIGLAS PARTIDÁRIAS E ABREVIATURAS

Partidos Políticos Brasileiros PSL – Partido Social Liberal PDT – Partido Democrático Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira PPS – Partido Popular Socialista PSB – Partido Socialista Brasileiro PT do B – Partido Trabalhista do Brasil Partidos Políticos Indianos BJP – Bharatiya Janata Party CPIM – Communist Party of Indian (Marxist) INC – Indian National Congress Party Outras Abreviaturas AIS – All-Indian Service ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro IAS – Indian Administrative Service ICS – Indian Civil Service MC – Ministro-Chefe MLA – Member of Legislative Assembly SEE – Secretaria Estadual de Educação

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadros Quadro 1 – Secretários de Educação de 1999 a 2004: vinculação partidária, p. 90. Quadro 2 – Mudança nos cargos das Coordenadorias Regionais como reflexo da substituição do Secretário de Educação ou do partido político, p. 104. Quadro 3 – Coordenadorias Regionais e a origem das indicações, p. 109. Quadro 4 – IAS: padrões de deslocamento, 1976-86, p. 142. Figuras Figura 1 – Organograma da Coordenadoria Regional de Educação, p. 93. Figura 2 – As influências políticas nas Coordenadorias Regionais e nas escolas estaduais, p. 122. Figura 3 – Estrutura formal do quadro administrativo dos estados e as competências legais para realizar transferências, p. 140.

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SUMÁRIO

Introdução____________________________________________________________11 Capítulo I - Patronagem e distribuição de cargos em perspectiva histórica __________24 Capítulo II – As percepções dos deputados estaduais sobre os cargos de confiança_________________________________________________47 Capítulo III – A lógica do preenchimento de cargos na Secretaria Estadual de Educação (1999-2004)______________________________________81 Capítulo IV – O carrossel burocrático na Índia e a política de espólio no Rio de Janeiro: breves notas comparativas_____________________129 Conclusão ____________________________________________________________172 Apêndice A – Organograma da Secretaria Estadual de Educação e as alterações nos cargos entre (1999-2004)_______________________187 Apêndice B – Roteiro de perguntas para as entrevistas com os deputados estaduais_________________________________________189 Referências ___________________________________________________________191

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INTRODUÇÃO

Em 11 de novembro de 2002, alguns dias após a vitória do presidente Lula nas

eleições, o jornal Folha de S. Paulo noticiava:

O presidente Lula nem sentou ainda na cadeira presidencial, mas já se diz ‘espantado’ com a pressão por posições no governo que vem recebendo desde que venceu a eleição. Lula fez essa confissão [ ...] ao atual presidente Fernando Henrique Cardoso [ ...] . A demanda por postos é maior, constatou Lula, do que a possibil idade de atendimento. Folha de S. Paulo. “Lula se ‘espanta’ com demanda por cargos” , 11/11/2002, p. A5.

A surpresa do presidente recém-eleito frente à “demanda por postos” não

surpreende o leitor atento às páginas políticas dos jornais. Refletindo a agitação que toma

conta do meio político após as eleições, a imprensa especula sobre potenciais nomeados,

listas de indicados e motivações para as nomeações de cada integrante dos cargos de alto

escalão do governo. As cogitações sobre as nomeações para cargos no período pós-

eleitoral tornam-se quase que um esporte nos meios jornalísticos e políticos, como

observou, com alguma ironia, Ben Schneider (1994).

O processo de costura e negociação para definir os quadros de um novo governo

envolve disputas tão acirradas entre partidos, grupos e facções políticas que tais disputas

servem como um dos indicativos da relevância da luta pelo controle dos cargos no

ordenamento da política do país, em todas as esferas de governo. Entretanto,

curiosamente, este continua a ser um tema pouco explorado na literatura brasileira.

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Visando a contribuir para sanar a lacuna sobre o tema, este estudo tem por

objetivo compreender os valores e percepções dos deputados estaduais do Rio de Janeiro

sobre a prática de indicar pessoas para cargos de confiança no governo. Também analiso o

processo de preenchimento dos cargos de confiança em uma Secretaria Estadual de

governo, a fim de observar como operam, na prática, as discussões e disputas em torno

das indicações de nomes para aqueles cargos.

As nomeações1 para cargos são determinantes para entender as relações de poder

entre os atores políticos, em diversos sentidos. Um deles diz respeito à dinâmica interativa

dos poderes Executivo e Legislativo, às alianças verticais do Executivo com os

Legislativos estaduais e federais, prefeitos e vereadores. Uma segunda maneira de enfocar

o tema refere-se à relação entre indivíduo, partido e instituições políticas.

Adicionalmente, pode-se analisar o impacto que a lógica das nomeações tem sobre a

eficácia da formulação e implantação das políticas públicas.

As relações entre o Executivo estadual e a Assembléia Legislativa do Estado do

Rio de Janeiro (ALERJ) refletem, em grande parte, o grau de sucesso das negociações em

torno da distribuição dos cargos de governo. Diversos estudos já demonstraram a

relevância das negociações em torno da divisão de pastas do governo para que o

Executivo possa ter apoio parlamentar. Contudo, ter acesso ao conteúdo da “caixa preta”

das discussões, negociações e das redes que vinculam os indicados aos seus “padrinhos”

políticos é uma tarefa difícil de ser levada a cabo. Este não foi o objetivo deste estudo,

1 Apesar de util izar de forma intercambiável os verbos indicar e nomear, é preciso ter claro que apenas o

Chefe do Executivo (prefeito, governador ou presidente da República) tem atribuição formal para nomear.

Os demais políticos podem indicar nomes. Em sendo aceitas, de acordo com trâmites, caminhos e disputas

que constituem a essência mesma da disputa por cargos, as indicações se transformam, então, em

nomeações realizadas pelo Chefe do Executivo.

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apesar de ter discutido parte das indicações para a Secretaria Estadual de Educação. Mas o

fato de as discussões em torno dos cargos serem cercadas de algum segredo entre os

políticos revela que a questão merece um esforço de análise.

Quando se discute anali ticamente as nomeações de um governo, é possível

argumentar que a divisão de cargos é um processo natural na esfera política, próprio a

qualquer sistema representativo. Ela expressaria a divisão de poder indispensável para

qualquer governo pôr em prática seus programas políticos. Na verdade, poder-se-ia dar

um passo atrás e perguntar se haveria partidos políticos para os quais a conquista de

cargos não seria uma dimensão relevante da sua orientação programática2. Mas este

argumento não elide a legitimidade de se analisar a lógica específica e os valores que

sustentam a prática das nomeações para cargos, que pode variar muito.

Como Weber ressaltou, é possível identificar variações significativas nas

motivações idealtípicas dos partidos; assim, ele distingue os partidos ideologicamente

orientados e aqueles orientados para a aquisição de cargos, os “partidos de patronagem”

(Weber, 1997:229 e 1.078-93). Enquanto para os primeiros os cargos são um “ fim

acessório” , um meio para pôr em prática “ ideais de conteúdo político” , os partidos de

patronagem colocam os programas partidários a serviço da conquista do poder, para

conseguir cargos e distribuí-los entre correligionários e o séqüito dos líderes partidários.

2 A. Downs e uma fatia considerável de teóricos inscritos na teoria da escolha racional seriam categóricos

em responder negativamente à pergunta. Ao explicitar um dos postulados de seu modelo teórico, Downs

observa que “ os políticos no nosso modelo nunca buscam o poder como meio de executar políticas

específicas; seu único objetivo é colher as recompensas de ocupar um cargo público per se” (Downs,

1999:50). Sobre este aspecto, ver a discussão de Weber a seguir. 3 Incluído no Economia e Sociedade como parte da sociologia do Estado, este texto foi originalmente

publicado em 1917, sob o título Parlamento e governo na Alemanha reordenada (WEBER, 1993).

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Os partidos de patronagem são constituídos por “caçadores de postos” (Weber, 1997:

867).

Para Weber, é da natureza dos partidos perseguir o poder, recurso sine qua non

para levar à frente “objetivos ideais ou materiais” de seus membros ou líderes. Os partidos

ideológicos, entretanto, podem mirar seus interesses apenas na aplicação do programa

partidário, enquanto os partidos de patronagem se orientam à “conquista de poder para o

chefe e a ocupação dos postos administrativos em benefício de seus próprios quadros”

(Weber, 1997:229). Qualquer formulação programática serve a este fim, pois sendo

“puros partidos à caça de cargos, eles modificam seu programa segundo as probabili dades

[de aumentar a] captação de votos” (Weber, 1997:1.079).

Identificar as motivações dos atores políticos e partidos que negociam as coalizões

de governo (cargos per se ou programas políticos) é um dos interesses de parte dos

estudos sobre a formação das coalizões nos governos parlamentares multipartidários da

Europa4.

Seguindo a tipologia apresentada por Schofield & Laver (1998), há quatro

postulados diferentes nas teorias sobre a formação dos governos de coalizão, derivados da

questão sobre as motivações dos políticos para disputarem eleições. Eles podem almejar

a) aos cargos como um fim em si; b) aos cargos como meio de implementar policies; c) as

policies como um fim em si; e d) as policies como um meio de conquistar cargos.

4 Para trabalhos que ao mesmo tempo revisam a literatura sobre o tema e tentam avançar os modelos

teóricos, podem ser consultados, entre outros, N. Schofield & M. Laver, 1998 (especialmente o cap. 3) e

1985; I. Budge & M. Laver, 1986; Thies, 2001; Martin & Stevenson, 2001.

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Se a ênfase incide sobre as opções b e c, a tendência é compreender o jogo político

e a formação da maioria governamental a partir de acordos entre partidos com orientações

programáticas semelhantes. Quanto maior a proximidade programática e ideológica,

maior a probabilidade de formação da coalizão. As coalizões de governo tenderiam a ser

as que conjugassem maioria numérica com a menor divergência ideológica possível. A

distribuição proporcional de pastas ministeriais (portfolios) seria menos relevante para

explicar os resultados da coalizão5 porque as policies teriam mais peso nas decisões sobre

a formação do governo.

Uma variação na lógica formativa da coalizão seriam os partidos que, conseguindo

influir nos rumos das policies, abrem mão de ocupar pastas no governo. “ In the extreme

case, we may consider parties to be concerned with nothing else but policy outputs,

caring not at all about whether or not they hold office.” (Schofield & Laver, 1998:45). Ao

validar empiricamente esta hipótese, os autores negam a idéia de que obter cargos é

decorrência inevitável da participação no governo6.

5 Quando um partido é majoritário no parlamento, o cálculo deixa de ser aplicado, já que ele detém todas as

pastas. 6 Como destacaram Budge & Laver (1986:489), “not al l parties that support a government in a vote of

confidence may wish to joint it, while even those that oppose it may gain by seeing some policies they

support put into effect” . Contudo, como lembram Laver & Schofield, “ the desire to affect more detailed

matter of policy, [ ...] , may provide a strong incentive for parties concerned not at all with the intrinsic

rewards of office none the less to slug it out for a seat at the cabinet table […] ” (1998:54-5). Por fim, é útil

mencionar que, diferentemente das coalizões executivas (ou coalizões de gabinete), nas quais os partidos

que apóiam o gabinete no parlamento também integram o Executivo, as coalizões legislativas são aquelas

nas quais os partidos que apóiam o gabinete no parlamento não dividem a responsabili dade com este e

ficam sem representação no gabinete (Strøm, 1995). A idéia de que ter cargos no governo é indispensável

para caracterizar a participação nele, ver-se-á, é bem consolidada entre os deputados estaduais do Rio de

Janeiro.

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A outra perspectiva, apresentada nas opções a e d, explica as coalizões como o

resultado das estratégias partidárias para maximizar cargos. A estratégia dominante é

assegurar maioria no parlamento com o menor número possível de parlamentares, para

que os espólios da vitória sejam maiores para cada membro da coalizão. Essa lógica tem

formulação genérica na conhecida teoria da minimal winning coalition. Desta perspectiva,

qualquer coalizão majoritária que não seja mínima é excêntrica. Nos termos de Schofield

& Laver (1998:69),

Minimal winning coalitions are coalitions which have the property that, if any member leaves, then the coalition ceases to control a majority in the legislature. Once more, when theorists were not concerned with policy motivations, this approach was understandable. If there are only the fixed rewards of office to be shared out, why share these with people whose legislative support is not needed in order to secure them? On these assumptions, what became known as ‘surplus majority’ coali tions were treated as pathologies that deviated from the norm in the same way as minority governments.

Como se pode notar, postulados diferentes sobre as motivações dos políticos

(policies ou cargos) nas negociações produzem explicações diferentes sobre a lógica

formativa dos governos de coalizão. Para Schofield & Laver, qualquer perspectiva teórica

que considere apenas uma daquelas motivações produz um retrato menos fiel da lógica

efetiva de composição dos governos7, pois tanto os cargos quanto as policies são

determinantes para compreendê-la.

Martin & Stevenson (2001) sustentaram com maior vigor esta posição. A partir da

análise das coalizões de governo formadas em 14 países europeus no período do pós- 7 Cf., especialmente, Schofield & Laver (1998, cap. 5).

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guerra, concluíram que tanto as policies quanto a busca por cargos são indissociáveis para

compreender as coalizões no sistema parlamentar8. Adicionalmente, os autores

acentuaram o papel importante que as variáveis institucionais – regras e normas formais

do processo de negociação9 –, desempenhavam no processo de formação do gabinete.

No que diz respeito à lógica da divisão dos cargos de governo – e não mais o

interesse que motiva a formação das coalizões –, o debate gira em torno da distribuição

das pastas de governo, procurando relacioná-la ou ao poder de barganha do partido que

integra a coalizão de governo ou ao número de cadeiras que ele conseguiu ocupar no

parlamento. Como concluem Brownie & Franklin (1973), corroborados posteriormente

por Schofield & Laver (1985), a divisão das pastas do gabinete segue quase exatamente a

proporcionalidade das cadeiras obtidas pelos partidos da coalizão ou, quando isto não se

aplica, ao poder de barganha que cada partido possui na negociação10. Enquanto a divisão

baseada na proporcionalidade reflete um tipo de princípio de justiça e eqüidade na divisão

de poder, a divisão com base na capacidade de barganha dos partidos pode produzir uma

situação menos “ justa”, pois partidos “pivotais” – partidos determinantes para a formação

8 “ [...] both policy and office benefits play a significant role in government formation” (Marin & Stevenson,

2001:41). 9 Esta dimensão é negligenciada no estudo de Schofield & Laver. Entre as variáveis institucionais que

interferem na lógica da formação das coalizões o autor cita, por exemplo, o voto de investidura (a

necessidade de aprovação prévia do parlamento à coalizão antes de esta tomar posse), prerrogativa do

partido majoritário iniciar a discussão da formação de governo, l imites de prazo curtos para formação da

coalizão (o que pode ensejar negociações e acordos potenciais antes das eleições) etc. 10 Quando, por exemplo, o apoio de um partido pequeno se torna indispensável para obtenção da maioria.

Este partido terá um poder de barganha na divisão das pastas que pode ser proporcionalmente maior que seu

número de parlamentares.

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da maioria – podem impor exigências que refletem um poder de barganha superior àquele

derivado do número de cadeiras conquistadas no parlamento11.

As divergências nas formas de dividir o espólio da vitória não negam, contudo,

que os cargos constituem o bem principal a ser distribuído entre os partidos da coalizão12.

Há uma relação muito forte entre o peso relativo do partido e o número de portfolios que

ele recebe dos parceiros da coalizão

A mesma perspectiva de análise foi adotada por Amorim Neto (2002)13 para

analisar o caso brasileiro. Seu estudo mensurou a relação entre o tamanho das bancadas

partidárias que integram a coalizão de apoio ao Executivo federal, o número de pastas

ministeriais destinadas a cada uma e seu grau de apoio ao Executivo.

O resultado mostra que no presidencialismo de coalizão brasileiro a adesão à regra

da proporcionalidade tende a produzir um gabinete com alto grau de coalescência e

estabili dade, que assemelha o comportamento legislativo dos partidos que integram a

coalizão aos padrões observados nos regimes de coalizão nos regimes parlamentares.

(Amorim Neto, 2002:75).

Ainda no campo comparativo entre o nosso presidencialismo e os regimes

parlamentares, Figueiredo & Limongi (2001) argumentaram que os dispositivos presentes

11 O estudo de Brownie & Franklin encontrou um R2 = 0.93 para a regra da proporcionalidade, o que retrata

uma relação inegavelmente alta entre portfolios e número de representantes. 12 É preciso notar que tais estudos sempre se l imitam a tratar da divisão de pastas do gabinete, sem qualquer

referência à divisão relacionada aos cargos “de patronagem”, de segundo e terceiro escalões. Para Schofield

& Laver (1998:166) “ there has been no systematic analysis of the distribution of patronage payoffs in

European coalition systems, so the evidence on this matter is at best anecdotal” . 13 Ames (2003, cap. 6) também realizou um estudo neste sentido.

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no processo decisório das votações na Câmara dos Deputados tornam o regime brasileiro

não muito diferente do regime parlamentarista. Na visão dos autores, a prerrogativa

conferida aos líderes partidários para centralizar decisões sobre a agenda legislativa inibe

e contrapesa estratégias de indisciplina partidária decorrentes das regras eleitorais e da

legislação partidária. Outro fator importante, argumentam, é o poder de agenda do

Executivo, i.e., o poder de decidir as matérias que são votadas em plenário14. Somados,

tais dispositivos estruturam as relações entre os poderes Executivo e Legislativo, que são

marcadas por expressiva preponderância do primeiro e por uma organização partidária

cujos níveis de fidelidade à coalizão são bastante altos15. Por isso, concluem os autores,

“deve-se abandonar a perspectiva analítica segundo a qual o presidencialismo e o

parlamentarismo são regidos por lógicas radicalmente diversas” , assim como a tese de

que o Congresso brasileiro seria uma instância que, por sua instabilidade e incentivos para

o comportamento parlamentar indisciplinado, estaria em permanente conflito com o

Executivo16. “A análise da recente experiência presidencialista no Brasil revela que o

Congresso não é uma instância institucional de veto à agenda do Executivo” (Figueiredo

& Limongi, 2001: 9).

Outra discussão sobre a importância dos cargos nas estratégias de ação dos

deputados federais foi feita por Pereira (2000). Sua análise estimou os determinantes do

voto dos deputados levando em conta os recursos institucionais que o Executivo possui

para impor fidelidade à sua base de apoio, a importância da ideologia partidária e dos 14 O poder de agenda do Executivo deriva de sua prerrogativa para solicitar urgência para seus projetos; da

capacidade de, exclusivamente, propor legislação em algumas matérias; ou da edição de Medidas

Provisórias. 15 Fidelidade que decorre da forte central ização decisória na mão das l ideranças partidárias. 16 “A disciplina partidária está bem acima daquela suposta pela literatura. Os partidos contam, e a fi liação

partidária é ótimo preditor do voto do parlamentar” (Figueiredo & Limongi, 2001:12).

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partidos políticos, o desenho institucional do sistema eleitoral, partidário e do regimento

interno do Congresso e a “conexão eleitoral” entre os deputados e os eleitores. O

resultado apresenta deputados bastante fiéis às orientações dos líderes partidários,

motivados pelo interesse em obter benefícios do Poder Executivo, entre os quais se

incluem os cargos.

Com base nas evidências estatísticas, o autor ressalta a importância da distribuição

de cargos para o Executivo construir e manter maioria parlamentar estável na Câmara.

Nas suas palavras:

It is not enough for the president to build a national coalit ion on the base of party's representation in Congress in order to accomplish his preferred policies. The president needs to consider the satisfaction of regional demands, especially from governors. This of course forces the president to appoint and carefully distribute cabinet and other high-ranking positions following state and regional interests. (Pereira, 2000:57)

Ao lado da distribuição de verbas – que, no caso federal, ocorre principalmente

por meio das emendas individuais ao orçamento da União17 – os cargos são

17 O modelo de Pereira confirma o que é amplamente sugerido pela imprensa e pela li teratura política no

Brasil, ou seja, “ the President rewards those legislators who most vote for his interests by executing their

individual amendments on the annual budget and, at the same time, punishes those who vote less for his

preferences, simply by not executing their individual amendments.” (Pereira, 2000:134; cf., também, pp.

157, 170-1). Ainda segundo Pereira, “ the individual legislator votes according to his/her party leader

indication in order to have access to polit ical and financial benefits control led by the executive, which

he/she can use in the electoral arena to maximize his/her chances and strategies of poli tical survival.

Among these strategies, reelection in one of the most important. […] this is exactly how the Brazili an

electoral connection works” (Pereira, 2000:162). A relação direta entre a execução das emendas individuais

ao orçamento e as chances de reeleição são apresentadas por Pereira (2000:180-1) e por Pereira & Rennó

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indispensáveis à manutenção da ascendência do Executivo sobre o Legislativo18. O

incentivo à adesão ao Executivo provém da importância que a distribuição de benefícios

realizada pelos deputados em suas bases eleitorais tem para ampliar suas chances de

reeleição. As verbas e os cargos são os principais meios de atender as demandas das

“bases” (cf. Pereira & Rennó, 2001).

A discussão prévia permite observar que nos sistemas políticos representativos a

distribuição de cargos é muito importante para estruturar as relações de poder e explicar o

desempenho dos governos em seus diversos aspectos. Entretanto, os estudos existentes

adotam uma perspectiva de análise que privilegia sempre a relação entre os poderes

Executivo e Legislativo e a distribuição de pastas ministeriais. Pouco se discutem os

(2001). Recentemente, a imprensa noticiou que o governo federal reiniciou o inventário dos cargos

distribuídos na administração federal, pois havia “perdido o controle sobre os cargos de confiança,

provavelmente por causa da troca de partidos e das mudanças na estrutura governamental. [ ...] Com a li sta

de afilhados na mão, o governo poderá cobrar lealdade de parlamentares e até puni-los por atos de

infidelidade. A intenção é descobrir se líderes partidários estão monopolizando cargos destinados às

bancadas” (Folha de S. Paulo, 16/5/05, A6). No governo federal existem pouco mais de 21.000 cargos de

confiança. 18 Interessante apresentar a justificativa do autor para excluir a distribuição de cargos da mensuração

estatística: “ [ ...] although the process of appointing public jobs in the government’ s second and third ranks

is largely known as one of the most important piece of negotiation among political parties which give

support for the executive in the Congress, unfortunately data are unavailable. This information has been

dealt with executive as well as by the legislators as a truly black box. When this kind of information comes

into the public sphere it is usually fragmented, partial, and the media tend to consider immoral. Although

each party or individual members of Congress have information concerning his or her particular

appointment to a specific public job, they do not have the entire set of poli tical appointment in the public

sector. Only the executive, more precisely, the President’ s General Secretary has this data in a systematic

fashion” (Pereira, 2000:110). Estas não são as únicas variáveis de que o Executivo dispõe para manter seu

poder de agenda ou conseguir o apoio do Congresso. Todo o esforço do autor é mostrar o peso relativo das

“variáveis presidenciais” (habil idades pessoais e popularidade do presidente), “ variáveis congressuais”

(composição partidária e ideológica do Congresso) e “ variáveis institucionais” (organização interna do

Congresso e a legislação eleitoral). Cf. Pereira (2000:97).

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aspectos valorativo ou cultural que envolvem as negociações por cargos ou a percepção

dos políticos sobre tais aspectos. Este estudo procura dar uma contribuição nesse sentido,

ao analisar as percepções dos políticos sobre os cargos de nomeação e os valores que os

orientam nas indicações para estes cargos. Ao mesmo tempo, conforme já indicado,

interessa também analisar o processo mesmo das nomeações, que realizei por meio de um

estudo de caso.

Visando os objetivos acima, o texto a seguir está organizado da seguinte forma: o

primeiro capítulo discute, a partir da alguns estudos históricos e sociológicos, processos

sociais que estiveram na origem e na consolidação da importância das disputas por cargos

de nomeação na política brasileira. O objetivo é mostrar que a história passada é

fundamental para entender as instituições contemporâneas, e que as decisões dos atores

não são satisfatoriamente explicadas se olharmos apenas para o desenho das instituições

atuais.

O Capítulo II analisa, a partir das entrevistas realizadas com os deputados

estaduais, seus valores e percepções sobre as indicações para cargos de confiança no

governo.

O Capítulo III descreve a política de nomeações na Secretara Estadual de

Educação entre 1999 e 2004, e analisa a lógica, os procedimentos e as rotinas que a

estrutura. Complementar ao Capítulo II , este descreve e analisa como opera, na prática, a

política de espólio no preenchimento dos cargos daquela Secretaria.

O quarto capítulo compara a lógica das nomeações e outros aspectos correlatos no

Rio de Janeiro e na burocracia dos estados da Índia. A escolha deste país para a

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comparação deve-se ao fato de que tem lugar ali um imenso sistema de rotatividade dos

funcionários da burocracia, muitas vezes similar à lógica de espólio da política

fluminense. Igualmente importante nesse exercício comparativo é o exame das diferenças

existentes entre os dois países. Neste capítulo apresento os valores presentes na interação

da burocracia com deputados estaduais e argumento que a interação da tradição histórica

da Índia com o desenho das instituições políticas contemporâneas é fundamental para

explicar o comportamento dos deputados e sua relação com os cargos da burocracia.

O último capítulo sintetiza os argumentos e apresenta algumas considerações

teóricas, à guisa de conclusão.

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CAPÍTULO I

Patronagem e o poder de nomeação para cargos em perspectiva histór ica

As indicações e nomeações para cargos públicos são cruciais para entendermos

como se estruturam as instituições políticas, como interagem os poderes estabelecidos e

como se comportam as pessoas que dele participam. Isto se aplica aos âmbitos municipal,

estadual e federal. Um estudo comparativo sobre o número de nomeações para cargos de

confiança na administração pública em diversos países indicaria a grande magnitude

dessa prática no Brasil . No Estado do Rio de Janeiro, os dados oficiais mostram que o

número de cargos preenchidos por nomeação nas administrações direta e indireta estadual

é de aproximadamente 11.00019.O número torna-se mais relevante se levarmos em conta

que uma fração expressiva destes cargos muda com a alternância dos governos. Os novos

nomeados são indicados pelos que pertencem ao(s) partidos(s) que chegam ao poder,

colaboraram com estes ou colaboram com seus colaboradores, em uma rede de vínculos

que pode ser bastante extensa. A numerosa troca de funcionários da burocracia provocada

pela alteração de partidos no poder é o que caracteriza os cargos como o principal espólio

da vitória.

A política de espólio pode ser definida como a prática de preencher uma ampla

parcela dos cargos públicos por meio de nomeações de natureza política, em oposição aos

critérios baseados no mérito, na quali ficação técnica e na promoção da carreira dentro da

instituição. Uma nomeação de natureza política pode derivar de interesses pessoais ou

19 SARE (2000).

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partidários de quem indica. Há, sem dúvida, nomeações que resultam da conjugação de

diversos critérios. Existem cargos, por exemplo, cuja natureza é definida, por quem

indica, como técnica, política ou técnico-política – para util izar três tipos ideais. Mas,

acima destas distinções, o traço comum entre eles é que são cargos de livre nomeação,

com um nível de rotatividade que tende a seguir a periodicidade das mudanças de governo

ou as alterações na balança do poder dentro dos grupos políticos que compõem o governo.

De acordo com a definição de Schlesinger (1995:1.177), um sistema de espólio se

caracteriza “pela concessão da maior parte dos cargos públicos aos que apoiaram [nas

eleições] o partido político vencedor” 20. White (1937:303) agrega, ao lado da distribuição

de cargos para os correligionários, o favorecimento destes na disputa por contratos de

serviços realizados pelo governo. Contudo, este último aspecto não é objeto de análise

neste trabalho, a não ser de forma tangencial, no terceiro capítulo.

O termo spoils system começou a ser util izado pela Ciência Política norte-

americana para descrever a lógica de formação dos governos eleitos desde o início do

século XIX. O primeiro registro do uso do termo spoil é atribuído ao senador pelo estado

de Nova York, Willi an Marcy, em 1832. De acordo com a descrição de White

Patronage appeared in some American states, notably New York and Pennsylvania, as early as 1800. In 1821 the New York Council of Appointment filled directly 8287 military and 6663 civil offices. Fish reports that by 1828 in every state throughout the north and west the spoils system was either already established or was likely to be introduced. (White, 1937:303)

20 Definição similar está em Weber (1997:1.088) e Etzioni-Halevy (1985:238-9, nota 4).

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Com o estabelecimento do sistema de espólio em nível federal, e impulsionados

pela alternância de poder entre Whigs e Democratas ou entre Democratas e Republicanos,

a maior parte dos estados da federação adotou a política de espólio, que se transformou

em “hábito político” nacional (idem). Fish (1905), que analisa a evolução histórica do

sistema de espólio americano, destaca a última quadra do século XVIII como o período de

formação do sistema. Naquele momento, a idéia da rotação no cargo tinha o objetivo de

educar as pessoas no exercício da vida pública. Ao longo da primeira metade do século

XIX, a alternância daqueles que ocupavam os cargos começou a ter seu motivo original

transformado e a prática passou a significar a substituição de pessoas em cargos por

motivos alheios à "educação para a vida pública". Foi o início da consolidação do sistema

de espólio, que fincou raízes sólidas no governo, especialmente a partir dos dois mandatos

do presidente democrata Andrew Jackson (1829-1837).

O conceito de sistema de espólio tem alguma correlação com os conceitos de

máquina política e patronagem, que serão brevemente discutidos para esclarecer a

terminologia utili zada ao longo do texto.

O uso do termo máquina política costuma ser empregado para descrever um tipo

de organização político-partidária cuja busca e/ou manutenção do poder político resulta da

concessão de favores, cargos e outros benefícios materiais parcelados. A política de

máquina, na definição quase tautológica de Wolfinger (1972)21, é o tipo de política

praticada pelas máquinas, ou seja, que se baseia na distribuição de benefícios tangíveis e

divisíveis. Estes benefícios são o que ele implicitamente define como patronagem. Assim,

21 Cf., também, Diniz (1982, cap. 1).

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a máquina política distribui recursos de patronagem para conquistar apoio político. Os

cargos, nesta acepção, são um dos recursos de patronagem (patronage jobs). A menção é

importante porque algumas vezes a li teratura util iza o termo patronagem como sinônimo

de distribuição de cargos. Por isso, se por patronagem entendermos a prática da

distribuição de cargos em troca de apoio político (Weingrod, 1977), o conceito se

aproxima do conceito de sistema de espólio. O que difere um do outro é que, neste último,

a prática está associada à troca de governo e ao uso das nomeações políticas em grande

escala, no momento da composição do governo.

Uma observação adicional diz respeito aos diferentes usos do conceito de

patronagem na Antropologia e na Ciência Política. Na Antropologia, ele costuma

descrever um tipo de relação social, enquanto na Ciência Política o conceito geralmente

se refere a uma característica ou estilo de governar, o que o circunscreve à esfera política

(Weingrod, 1977:324). Carolyn Warner, por exemplo, utilizou o conceito neste sentido ao

defini-lo como “o uso dos recursos do governo para conseguir votos. [ ...] Isto inclui

desde acordos de longo prazo a benefícios distribuídos no dia da eleição. A patronagem

não precisa ser em termos monetários: empregos, licenças, intervenções burocráticas –

são todas ferramentas que um partido pode utili zar para obrigar os eleitores” (Warner,

1997: 534)22.

Em uma acepção ainda mais específica, como mencionado, patronagem pode se

referir à distribuição de cargos de governo aos correligionários. Este o sentido empregado

por Schofield & Laver (1998) quando se referem às “patronage appointments” .

22 Pode-se consultar Lemieux (1977, cap. 1) para uma discussão adicional sobre os usos do termo

patronagem na Ciência Política e na Antropologia.

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Doravante, sempre que mencionar o termo patronagem, será no sentido mais específico,

ou seja, como distribuição de cargos.

A prática da patronagem é mencionada com freqüência na imprensa. O expressivo

espaço que ocupa na pauta jornalística, sobretudo em períodos pré e pós-eleitorais, não

deixa dúvidas de que é uma dimensão determinante para compreender o funcionamento

das instituições políticas brasileiras e a lógica que orienta a distribuição de poder. A

variedade vocabular de que dispomos para nos referirmos à questão é indicativa de sua

importância: fisiologismo, apadrinhamento, loteamento de cargos, cabide de empregos,

trem da alegria, entre outros.

Se a disputa pelo controle dos cargos é uma vertente das disputas por poder nos

regimes representativos, sua importância, as regras que as orientam, os valores e

percepções que permeiam os interesses e estratégias dos políticos podem variar. Nesse

sentido, um estudo comparativo seria relevante, para mostrar simili tudes e diferenças na

dinâmica da distribuição de cargos no Brasil 23, com outros contextos nacionais.

Levando-se em conta a importância da distribuição de cargos na política brasileira,

é surpreendente descobrir que existem poucos estudos sobre o tema. A rigor, Ben

Schneider (1994) foi o único a tratar especificamente do assunto24, fato curioso, já que seu

estudo é circunscrito ao regime autoritário instituído em 1964. Mas, outros textos da

li teratura política brasileira, mesmo sem o objetivo específico de analisar a lógica das

nomeações para cargos, são fontes importantes de interpretações sobre processos

históricos que estiveram na base de desenvolvimento desta prática no país. Ao longo deste

23 Esse será o objetivo do quarto capítulo, que compara brevemente a lógica das nomeações aqui com as

nomeações na burocracia indiana. 24 Apesar de seu estudo enfocar principalmente o ponto de vista dos burocratas.

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capítulo analiso alguns destes processos, baseando-me em alguns estudos clássicos da

sociologia política brasileira e, adicionalmente, em um texto que discute a importância

dos cargos no período imperial.

Oliveira Vianna é um dos autores cujos estudos ajudam a compreender a gênese

da importância dos cargos como espólio político no Brasil. Parte de sua obra é dedicada à

análise dos fundamentos históricos e sociais da política brasileira (Almeida, 2001: 295).

Em Instituições Políticas Brasileiras, Oliveira Vianna retraça o desenvolvimento de

valores constituintes da cultura política brasileira gestados nos três primeiros séculos de

colonização que se enraizaram nas práticas políticas, estas mesmas muito destoantes dos

preceitos normativos estabelecidos nas Constituições liberais, a partir de 1824 (Vianna,

1987 [1949]). A ênfase na dimensão cultural para explicar a política brasileira resulta da

percepção do autor de que a cultura possui uma força reprodutiva ao longo das gerações,

que só lenta e gradualmente vai se transformando, como resultado de mudanças na

organização social e da estrutura legal das instituições do Estado. Sua teoria da formação

dos “complexos culturais” da sociedade brasileira é uma importante via de compreensão

da lógica das indicações para cargos em nossas instituições.

A gênese do comportamento político orientado para a conquista de cargos, diz

Vianna, remonta ao processo de formação dos primeiros povoados e vilas durante o

período colonial. Engenhos reais e fazendas de criação eram loci de atração da população

não-escrava existente, porque ofereciam meios de subsistência. Isso enfraqueceu o

processo de constituição de centros urbanos em povoados e vilas, que se tornaram “meros

pontos de passagem, de pouso ou de aprovisionamento de utili dades e virtualhas”

(Vianna, 1987:105). Por outro lado, os engenhos e fazendas tornaram-se unidades sociais

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e econômicas autárquicas. Este era um resultado não desejado no processo de povoamento

planejado pela metrópole portuguesa, cujo objetivo era fundar povoados e vilas. Ao

conceder vastas sesmarias, que estimularam a dispersão, a Coroa fomentou o

desenvolvimento dos engenhos e fazendas como “autarquias agrárias” .

A dispersão populacional ocorrida nas primeiras décadas da colonização,

paralelamente à fixação de famílias patriarcais em seus engenhos, atraiu e fixou toda sorte

de moradores mais pobres, como artesãos, oficiais do engenho, plantadores de cana e

lavradores. Ao lado destes, os escravos. Este processo é fundamental para entender a

gênese dos “complexos culturais” que se transformaram em “usos” , “costumes” e

“ tradições” (Vianna, 1987:108). Eles formam o parâmetro cultural a partir do qual as

instituições políticas pós-Independência foram apropriadas e representadas por políticos e

eleitores.

A sociabili dade dentro dos engenhos agrários – que se tornaram verdadeiras

“autarquias” da colônia – marcada pelo “mais extremado individualismo famil iar” ,

formou esse “traço cultural tão nosso, caracterizado pela despreocupação do interesse

coletivo, pela ausência de espírito público, de espírito do bem comum, de sentimento de

solidariedade comunal e coletiva e pela carência de instituições corporativas em prol do

interesse do ‘ lugar’ , da ‘vila’ , da ‘cidade’ ” (Vianna, 1987:110)25.

A autarquização dos engenhos e fazendas também foi estimulada por suas

estratégias defensivas contra ataques potenciais de grupos agressores, como as populações

25 Esta ausência de espírito público é mais bem compreendida se contrastada com as “aldeias agrárias” que

se desenvolveram na Europa e que, com administração própria e eletiva, estimularam valores como

coletivismo e espírito público (cf. Vianna, 1987:112).

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indígenas. Estas estratégias, por outro lado, ampliaram a associação entre engenhos

controlados por famílias diferentes, para que pudessem aumentar sua autoproteção.

O processo de autarquização dos engenhos gerou os “clãs parentais” (que eram a

objetivação da solidariedade da família senhorial), i.e., um complexo cultural26 baseado

na solidariedade intrafamiliar em que os parentes são os membros do grupo com os quais

se mantém as mais fortes relações e para os quais se orientam os interesses sociais e

econômicos dos demais membros do clã, especialmente o senhor de engenho. Os clãs

feudais eram uma variante dos clãs parentais, e resultaram da união do clã parental com

todos os membros subordinados e/ou dependentes do engenho. A pequena sociedade

formada entre a família, os dependentes e os subordinados baseava-se em valores

permeados por obrigações morais derivadas dos laços de dependência pessoal e dos

compromissos engendrados entre os subordinados e o senhor de engenho.

Este processo se desenvolveu nos três primeiros séculos de colonização. Os

complexos culturais produzidos penetraram e enraizaram-se nas práticas políticas do

período pós-Independência. A partir daí, o argumento de Vianna é mais conhecido. As

instituições políticas formais, cujo marco inicial é a Constituição de 1824, derivada de

modelos das instituições políticas européias, eram pouco compatíveis com os traços

culturais gestados no seio da sociedade durante o período colonial. Por isso, a prática

política, por parte dos políticos, e a concepção sobre a atividade política, por parte dos

eleitores, era tão distante dos modelos institucionais que as leis apresentavam.

A interpretação culturalista do autor é clara:

26 Para Vianna, um complexo cultural é “um conjunto objetivo de fatos, signos ou objetos que, encadeados

num sistema, se correlacionam a idéias, sentimentos, crenças e atos correspondentes” (Vianna, 1987:62).

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[ ...] estes usos, estes costumes, estes tipos, estas instituições, formando o complexo da nossa culturologia política [ ...] não são criações improvisadas e individualizadas, saídas da cabeça de alguns homens, ou sábios, ou corrompidos. Formaram-se lentamente, sob a ação de séculos, têm uma história social e coletiva, uma gênese cientificamente determinável e, na sua maioria, buscam a sua origem num passado remoto: muitos deles vêm desde o período colonial; mesmo alguns têm uma existência assinalável desde o I século, desde a época dos Donatários. [ ...] É toda uma trama densa e viva de fatos sociais que se anastomosaram em costumes, instituições, tipos, praxes, usos – [ ...] – formando um sistema puramente costumeiro de motivações e atitudes e determinando, por fim, a conduta real, efetiva, dos homens e dos cidadãos. (Vianna, 1987:209, grifos no original)

O processo de consolidação das instituições políticas no período posterior a 1824

representou a apropriação destas por atores sociais marcados por valores personalistas e

familistas. A burocracia pública passou a ser utili zada como instrumento de manutenção

do poder dos proprietários rurais frente aos subordinados, e como instrumento de defesa e

ataque às famílias rivais, agora rivais políticos.

Com a fundação de povoados e vilas e o posterior estabelecimento das Câmaras

municipais, o processo de formação das burocracias nunca estimulou a participação das

populações locais. Ao contrário, o cargo de vereador ou cargos locais de quali ficação

eram honrarias, cuja posse só era permitida aos que eram “nobres da terra”, a elite

agrária27. Os grandes senhores de engenho controlavam as corporações municipais, seus

poderes administrativos, legislativos e judiciais, e as utili zavam como instrumento de

manutenção de seu poderio econômico e social junto aos seus subordinados, ou contra as

famílias rivais. Assim se desenrolou a “política personalista de potentados” (Vianna,

1987:128, grifo no original). Consolidados os clãs parentais e feudais, a autonomia que a

27 “Para que os elementos do povo-massa chegassem às Câmaras e aos cargos locais de qualificação era

preciso que eles adquirissem antes a condição de nobreza, mesmo que esta nobreza fosse simulada ou

falsificada” (Vianna, 1987:119).

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Coroa concedeu às Câmaras municipais abriu caminho para sua apropriação por estes

clãs, que utili zavam os cargos como meio de reprodução de seu poder e prestígio junto

aos seus dependentes e clãs rivais.

A solidariedade do clã parental influiu profundamente no processo de formação

das instituições políticas do Império. A partir da institucionalização das eleições no

período pós-colonial, o clã parental e o clã feudal foram a base de constituição dos clãs

eleitorais, cujo poder residia no controle partidário em âmbito local. Os próprios partidos

políticos nacionais eram a soma das lideranças dos clãs políticos locais. Não tinham, por

isso, orientação político-ideológica nacional28, sendo, em sua essência, a reunião de

interesses locais. O processo eleitoral era o momento de afirmação ou constituição do

poder da família senhorial no município, que se objetivava no controle dos cargos das

instituições políticas, judiciárias e policiais, e que permitiam a manutenção ou ampliação

deste poder frente aos clãs parentais competidores.

Com a transposição da lógica cultural que organizava o funcionamento dos clãs

parentais e feudais no período colonial para um novo arranjo institucional, no qual o

sufrágio universal e a monarquia constitucional eram os dados novos, o controle dos

cargos, vistos como espólio do clã eleitoral vencedor, se tornou fundamental. A

descentralização liberal pós-Independência em uma ordem social cujos valores eram

fundamentalmente privatistas, famil istas e clânicos conduziu à avidez pela conquista dos

28 Como observa Graham (1997:237), “as facções paroquiais e municipais estavam na base da divisão

política do Brasil do século XIX, e a instabili dade dos alinhamentos partidários entre os deputados

derivava, logicamente, dessa realidade” . Para Queiroz (1976:80) “ao contrário [ ...] dos gabinetes ‘ fazerem

a maioria’ , como se dizia, eram na verdade os fazendeiros, a maioria, que faziam os gabinetes” . Estes dois

autores eu discuto adiante.

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cargos públicos. As posições de autoridade nos municípios eram posições a conquistar,

para manter ou ampliar a autoridade local ou para satisfazer os interesses do clã eleitoral.

Costumes nascidos de nossa mentalidade clânica, que a definem e especificam – como o sinecurismo parlamentar; o burocracismo orçamentívoro, que cria tipos extranumerários ‘encostados’ e sem função; as derrubadas dos adversários dos ‘cargos de confiança’; o incondicionalismo e as famosas injunções partidárias têm levado nossos políticos, [ ...] , a muita falta de coerência, de decência e mesmo de vergonha.... (Vianna, 1987:155, grifos no original)29

Impregnados da cultura política colonial, os partidos políticos imperiais foram se

adaptando àquela lógica cultural e seu funcionamento foi marcado por isso.

O ensaio de Oliveira Vianna nos mostra como as instituições políticas são sempre

passíveis de apropriações culturais diferentes daquelas idealizadas no momento de sua

arquitetura. Isto será tanto mais verdadeiro quanto maior for a diferença entre o que

denomina o “direto-lei” e o “direito-costume”. Se as instituições políticas influem, no

longo prazo, nos valores individuais, elas próprias adaptam-se às formas culturais

específicas30 (cf. Bezerra, 1999 e Kushnir, 1998 para uma discussão recente sobre este

aspecto).

29 Em outra passagem, o autor diz que “o partido do coronel, tornado uma seção ou fragmento municipal do

‘partido do coronel’ , constituía um conjunto muito unido de clãs feudais e parentais, associados a

explorarem em seu favor os cargos públicos locais” (Vianna, 1987:246). 30 Para o autor, “estes costumes, estes usos, estas tradições, estas ‘ representações coletivas’ , estes

‘complexos culturais’ , já preexistentes na estrutura social do povo-massa, são forças imensas e incoercíveis,

forças que influem decisivamente e determinam o êxito ou o fracasso destas Cartas, destes Códigos, destas

Constituições ‘ importadas’ , ‘emprestadas’ ou exóticas” (Vianna, 1987:28, vol. II).

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Outro estudo que atribui importância ao processo histórico iniciado no período

colonial para a consolidação dos cargos como espólio político é o de Maria Isaura Pereira

de Queiroz. Apesar de O mandonismo local na vida política brasileira (Queiroz, 1976),

não ter os cargos de nomeação como principal tema de discussão, esta é uma de suas

questões de fundo sobre a sociogênese do “espírito de localismo” e do municipalismo no

Brasil .

Para Queiroz, a colonização baseada no fracionamento do espaço territorial em

capitanias hereditárias e sesmarias, aliada à autonomia administrativa concedida aos seus

administradores, fomentou nos proprietários de terra um comportamento marcado por

disputas e rivalidades econômicas e políticas com seus pares. A lógica da rivalidade que

se desenvolveu entre as famílias das unidades territoriais vizinhas, cujo patriarca era o

chefe rural, foi herdada pelas instituições políticas e administração pública de forma mais

ampla, marcando-as, desde o momento inicial de seu desenvolvimento, pela fusão entre

disputas familiares e questões políticas, interesses privados e controle da administração

pública. Preencher os cargos com famili ares e amigos leais era uma estratégia de defesa e

ataque contra os chefes políticos rivais e suas famílias.

O preenchimento dos cargos políticos e administrativos com base nesta lógica –

que Oliveira Vianna chamaria de lógica “clânica” – teve seu momento histórico mais

marcante no Ato Adicional de 1834. Por meio deste, os postos administrativos existentes

desde o final do período colonial, então ocupados por funcionários portugueses, foram

preenchidos por parentes e afilhados dos proprietários rurais, como decorrência das

mudanças na estrutura administrativa. O Ato foi o momento culminante de toda a história

social e política desenvolvida ao longo do período colonial, que já havia sedimentado

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instituições sociais como o familismo político, o nepotismo e o privatismo, que

continuariam a marcar a feição da administração pública no Brasil. Ele cristalizou

processos sociais pregressos, que foram consolidando a autoridade política em torno dos

proprietários rurais, os quais subordinavam a administração pública aos seus interesses

pessoais (Queiroz, 1976:66 et seq).

O desenvolvimento das instituições políticas representou a tradução gradual, no

plano institucional, de uma orientação valorativa resultante de processos sociais

específicos da história colonial e das estratégias de colonização do território levados a

termo por Portugal. As “acomodações sucessivas” entre os interesses dos proprietários

rurais no âmbito local (municipal) e a autoridade metropoli tana (no período colonial), e o

governo central (no período imperial) foram consolidando a autoridade daqueles, assim

como a prática de se apropriar dos cargos públicos como instrumento de poder econômico

e político. A relevância contemporânea daquela fase do desenvolvimento político no

Brasil é que as mudanças nas instituições políticas que ocorreram em períodos

subseqüentes, no Império e na República, foram reatualizações, sem mudanças bruscas,

de um conjunto destes valores produzidos ao longo da época colonial e do início do

período imperial. Nas suas palavras, “a linha de continuidade interna de nossa política se

evidencia, por exemplo, no aparecimento de um novo tipo de coronelismo, o coronelismo

urbano, para integrar na política brasileira elementos novos; assim os fenômenos que vão

aparecendo adotam formas já conhecidas para se incorporarem no que já existem”

(Queiroz, 1976:29, grifos meus).

A passagem a seguir ilustra que, para a autora, as mudanças na lógica de operação

do sistema político foram sempre graduais, sem mudanças essenciais.

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[...] todo o sistema municipal se desenvolvera apenas no sentido de divisão do trabalho, necessidade imposta pelo crescimento demográfico e pelo progresso brasileiro, que tornara impossível aos chefes municipais desempenharem pessoalmente todos os papéis que lhes tinham cabido durante a Colônia. O processo de divisão principiara a desabrochar quando, pela primeira vez, elegiam os vereadores; atingira o florescimento na República com os três poderes, legislativo, executivo e judiciário, existentes e funcionando dentro do município. Quanto ao princípio básico, não se modificara, e o processo político brasileiro continuava girando em torno do coronel, cujos parentes e afilhados, representantes obediente do seu clã, ocupavam postos nos diferentes ramos do serviço público. (Queiroz, 1976:121)

As instituições políticas resultaram da adaptação à estrutura de poder vigente na

sociedade, cuja fração mais poderosa era formada por fazendeiros. Por mais que as

Assembléias Provinciais e o Senado (no período imperial) fossem compostos por homens

ilustrados (os bacharéis), formados em universidades européias, eles representavam a

força política e econômica do município, cuja origem eram os proprietários de terras. O

município era o epicentro de onde emanavam os interesses que afetavam as decisões nas

demais esferas políticas.

A compreensão da dinâmica do jogo político ia além do entendimento da

organização formal das instituições políticas. A estrutura das relações historicamente

desenvolvidas entre os grupos de poder na sociedade articulava a forma pela qual o jogo

entre os grupos era jogado, bem como seus resultados. A composição e queda dos

gabinetes imperiais deviam-se às disputas econômicas e conflitos entre grupos de

interesses. As instituições políticas – aqui entendidas como as regras formais que

estruturam as decisões entre atores nas instituições legislativas e executivas do país –

entram na análise como adendo, ou seja, são mencionadas para dar inteligibili dade ao

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processo social que se desenrola, sem terem participação decisiva ou mesmo relevante nos

desdobramentos das interações dos atores.

Ao lado das perspectivas de cunho culturalista acima mencionadas, que permitem

compreender alguns processos que marcaram o desenvolvimento dos cargos como espólio

político, o estudo sobre o funcionamento da política no Segundo Império, realizada por

Graham (1997), é um exemplo adicional importante neste sentido. Nele, o autor apresenta

valores, percepções e práticas que estiveram associados ao exercício da política e ao uso

dos cargos públicos durante o Segundo Império que, apesar das transformações estruturais

da sociedade e da distância temporal, ainda guarda importantes semelhanças com a

orientação e as formas de interação dos políticos nas instituições políticas

contemporâneas.

Graham descreve o funcionamento do sistema político clientelista no Segundo

Império e mostra que a distribuição dos cargos públicos constituía seu principal pilar,

além de ser uma prática em sintonia com as relações sociais e as experiências culturais

que permeavam o sistema.

Um de seus argumentos é que as disputas entre as lideranças políticas locais – os

chefes rurais – confluíram para moldar um sistema político cuja lógica de funcionamento

enredava a todos em um circuito de trocas de favores que tinha nos cargos o principal

recurso para a sustentação dos acordos políticos. As lideranças políticas locais só

conseguiam manter ou ampliar seu poderio se indicassem seus subordinados ou

dependentes para os cargos locais. Isso dependia, acima de tudo, da vitória nas eleições

municipais, após as quais se seguiam enormes esforços pessoais para construir e manter

redes de relações pessoais com autoridades políticas das esferas provinciais e do governo

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central, cuja tendência sempre foi dar a preferência nas nomeações locais aos chefes

vitoriosos. As indicações para cargos oficiais,

[ ...] ajudavam a ampliar o círculo do chefe, e esse fato impelia-o a fazer pedidos às autoridades provinciais, aos membros do Congresso nacional, e ministros de Gabinete e até ao presidente do Conselho de Ministros. Para demonstrar seu mérito para tais indicações, tinha de vencer nas eleições, de forma que, de uma maneira circular, mas real, ele era uma liderança por ganhar a eleição, e ganhava por ser uma liderança[ 31] . Por conseguinte, o próprio chefe local estava enredado num sistema que o fazia cliente de outra pessoa, a qual também dependia de outras, numa série que ia até a capital nacional. (Graham, 1997:18)

O volume da clientela refletia a capacidade de distribuir favores e cargos, além de

ser o padrão de medida do prestígio da liderança. A “ lealdade dos outros” era o capital

mais valorizado pelas lideranças. Todo o sistema de dependência vertical entre lideranças

locais e seus subordinados, e entre aquelas e os políticos das outras esferas era soldado

por um amplo sistema de indicações e nomeações para cargos.

[...] os líderes locais precisavam de nomeações para cargos de autoridade, a fim de estender sua clientela e avançar na escala de poder e status. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro dependia da influência desses homens, mesmo na mais remota vila dos sertões, para reforçar o poder do governo central [...]. (Graham, 1997:101)

A conquista de cargos era tão decisiva para o político, que preencher os cargos

com os clientes, amigos e parentes constituía “a essência mesma da política nacional”

31 Para o autor, “as eleições testavam e ostentavam a l iderança do chefe local” (Graham, 1997:16).

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(idem). Eles cumpriam a dupla função de manter ou ampliar a clientela e retribuir, aos

aliados e parentes, a ajuda prestada nas disputas eleitorais.

Para um protetor, a procura de cargos e a luta eleitoral formavam dois lados de um único esforço: ampliar a clientela. Assegurar indicações resultava em seguidores leais, que demonstrariam sua fidelidade votando como lhes mandavam; a vitória eleitoral comprovava sua autoridade local e ajudava a lhes garantir nomeações públicas. Após uma eleição, os líderes políticos usavam regularmente as nomeações como recompensas aos que haviam sido fiéis ao partido e aos seus parentes. (Graham, 1997:130-1)

O sistema de distribuição de cargos, percebido como o cerne da atividade política,

relegava ao ostracismo os que não aceitassem as regras sociais. Não participar do jogo de

indicações representava fraqueza política.

Os cargos públicos no período imperial foram a principal moeda de troca das

concessões mútuas entre Gabinete, chefes provinciais e locais32. As políticas nacional e

local estavam inteiramente entrelaçadas. A lealdade ao Gabinete era conseguida por meio

de acordos clientelistas, em dois sentidos: primeiro, havia a ligação intrapartidária dos

níveis local e nacional, que só ocorria mediante a concessão de cargos à facção local.

Segundo, o governo central util izava-se da distribuição de cargos como meio para

32 “Um deputado dependia do Gabinete para garantir nomeações para o chefe local e seus clientes,

nomeações que reforçariam o poder do chefe em época de eleição. Ao mesmo tempo, o Gabinete tinha que

deixar claro para o chefe paroquial que os cargos de autoridade local para ele e seus clientes exigiam seu

apoio para eleger um certo deputado” (Graham, 1997:209; cf., também, Uricoechea, 1978. Neste l ivro, o

autor argumenta que o patrimonial ismo, que tinha na aquisição de cargos públicos para fins privados um de

seus traços definidores, foi se consolidando como tipo de dominação que, associado à lógica da dominação

burocrática incipiente na primeira metade do século XIX, deu a tônica da organização administrativa no

período imperial).

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apadrinhar e angariar o apoio incondicional das facções políticas locais vitoriosas. Assim,

conseguia um parlamento sempre cooperativo com os interesses do gabinete. Já que um

grande número de deputados federais era obediente, leal e subordinado aos chefes locais,

que haviam apoiado e sustentado suas candidaturas, o Gabinete conseguia o apoio dos

deputados fazendo concessões aos chefes locais. A principal concessão era a prerrogativa

de nomear para postos públicos no âmbito local.

As redes de trocas e concessões de cargos oficiais é que davam inteligibili dade ao

sistema político imperial:

[ ...] era tão provável que os Conservadores fizessem aprovar leis liberais quanto os próprios liberais. Pois o eleitorado do deputado votara não no defensor de um programa, ou mesmo num obediente agente do partido, mas num homem que podia garantir colocações do Gabinete. Em qualquer lugar, se havia os que estavam ‘por dentro’ , tinha de haver os ‘de fora’ , e a questão essencial, [ ...] , girava em torno de quem conseguiria os cargos oficiais. Mesmo depois da reforma no sistema eleitoral, esta foi a questão soberana durante todo o Império, e de fato manteve sua importância no século XX adentro. (Graham, 1997: 238, grifos meus)

A análise da rede clientelista entre os políticos e entre estes e sua clientela revela

três aspectos constitutivos de sua lógica operativa: o nepotismo, a confiança interpessoal e

a criação de novos cargos para contemplar interesses de aliados insatisfeitos.

O nepotismo era socialmente imposto e, talvez por isso, habitual. Graham observa

que um terço da correspondência entre políticos que analisou “esforçava-se em apontar o

parentesco entre o missivista e quem procurava a colocação [nos cargos]” (Graham,

1997: 302). Ao contrário da percepção atual, a prática do nepotismo não encerrava

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nenhuma idéia negativa na opinião pública33. Mais que isso, os ocupantes de cargos

públicos sentiam a obrigação social de ajudar os parentes. Recusar ajuda, que muitas

vezes significava negar um cargo ao parente, era violar uma regra básica da vida social34.

Vinculado à mesma questão está a noção de confiança, cara ao político brasileiro.

Uma estratégia importante dos políticos no período imperial era construir redes de

amizades, redes de vínculos pessoais na esfera política, que iam além do círculo famil iar.

As redes de amizade construídas pela concessão de favores era um termômetro que

permitia aferir as chances políticas dos candidatos. Quanto maiores as redes de amizade,

maiores as chances políticas. Os aspectos mais relevantes na definição das indicações aos

cargos eram a confiança e a lealdade dos indicados ao seu “padrinho” político. A

concepção de que a política é uma esfera marcada por traições e inimizades era vigorosa.

Essa visão demandava confiança e lealdade prévia dos indicados, que, por seu turno,

tornava quase imperativa a necessidade do conhecimento pessoal e de relações pessoais

prévias entre quem indicava e o indicado. Não é à toa que as relações de parentesco e a

amizade eram evocadas como qualificações acima de qualquer outra na hora de decidir

quem nomear.

Ao fim, Graham nos mostra que, “grande parte da história política do Império

pode ser explicada levando-se em consideração essa base fundamental da vida

partidária, segundo a qual os votos eram trocados por cargos públicos” (Graham,

1997:346). O circuito de troca e concessão de cargos vinculava, por intermédio dos

deputados, os chefes locais, presidentes de província e Gabinete. “O deputado assegurava

33 Pelo menos do ponto de vista da imprensa e da sociedade civi l. Como discuto no próximo capítulo, o

nepotismo é vigorosamente defendido pelos atuais deputados estaduais do Rio de Janeiro. 34 “O nepotismo não constituía uma prática vergonhosa; não havia nada a esconder” (Graham, 1997:303).

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o fluxo de cargos de autoridade aos notáveis locais e simultaneamente transmitia ao

Gabinete o instável equilíbrio de forças entre os chefes rurais, dos quais, em último caso,

ele dependia” (idem).

Uma via alternativa e complementar ao entendimento da importância do controle

de cargos é o argumento desenvolvido em Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes

Leal (1997), que trata o comportamento político de uma perspectiva mais institucional e

menos cultural.

Seu argumento é que o sistema de compromisso coronelista resultou da

superposição de um regime eleitoral e representativo que ampliou o direito de voto e o

estendeu, inclusive, às populações rurais, bastante dependentes da autoridade e das

benesses dos proprietários de terras. Essa mudança político-institucional esteve na base de

constituição do sistema coronelista, pois os proprietários de terras tinham grande

ascendência sobre amplas parcelas do eleitorado rural – empregados, meeiros, agregados

etc. – e podiam util izá-la como moeda de troca com o poder público estadual e federal. Os

coronéis recebiam benefícios em troca do apoio político prestado às lideranças estaduais,

o que se traduzia, especialmente, em votos dos subordinados e dependentes (voto de

cabresto) às lideranças políticas estaduais. Em troca da influência política para os

candidatos do situacionismo estadual, o governo do estado reconhecia a influência dos

coronéis no âmbito municipal, outorgando-lhes “carta branca”35. Além de reconhecer a

35 Leal sintetiza os fundamentos do sistema coronelista na seguinte passagem: “ [ ...] a superposição do

regime representativo, em base ampla, a essa inadequada estrutura econômica e social, havendo

incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente

desempenho de sua missão política, vinculou os detentores de poder público, em larga medida, aos

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influência local, o governo estadual concedia favores de toda sorte, que incluíam os

empregos públicos do estado existentes na localidade, cujo controle era um dos principais

recursos de poder do senhoriato rural.

O empreguismo, o famili smo e o nepotismo na política municipal tinham pouco a

ver com inclinações culturais e mais com a estrutura de organização (a) do sistema

político, com regime representativo amplo e altamente inclusivo; e (b) uma organização

econômica ainda amplamente apoiada no latifúndio monocultor. Exatamente porque o

coronel controlava os votos de seus dependentes, podia barganhar com o governo

estadual. Contudo, era o elo fraco da cadeia de dependências recíprocas, pois a ampliação

dos braços do poder público nos municípios do interior tenderia a subtrair aos chefes

rurais o papel de intermediador de favores entre o Estado e as populações rurais, favores

possibilitados pela prerrogativa de gerir os recursos estaduais, entre os quais estavam os

empregos públicos.

Esta perspectiva difere da perspectiva culturalista, porque retira da cultura o papel

explicativo do comportamento clientelista, coronelista e, em decorrência, a forma de gerir

a distribuição de cargos nas instituições públicas. Para Oliveira Vianna, as circunstâncias

sociais e práticas fomentaram o desenvolvimento de complexos culturais que se

enraizaram nas instituições políticas. Para Leal, o comportamento de políticos e eleitores

é, antes, uma resposta coerente ao funcionamento precário dos serviços públicos – cujo

acesso depende do chefe rural – que uma suposta inclinação cultural a agir de forma

personalista e parternalista.

condutores daquele rebanho eleitoral. Eis aí a debil idade particular do poder constituído, que o levou a

compor-se com o remanescente poder privado dos donos de terra no peculiar compromisso do

‘coronelismo’ ” (Leal, 1997:279).

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A análise da história da evolução legal da autonomia municipal – desenvolvida no

segundo capítulo de seu livro –, do princípio da eletividade nas administrações municipais

– no capítulo três – e das receitas municipais – quarto capítulo –, avalia como a

organização institucional, no relacionamento entre os poderes estaduais e os municípios,

interferiam no tipo de relação entre os atores, sobretudo entre os presidentes provinciais e

governadores com os prefeitos, no âmbito municipal36. O comportamento do atores

políticos refletia as mudanças no “pêndulo político-institucional” (Lamounier, 1999:286)

dos municípios. O empreguismo e o controle dos cargos públicos aparecem, na análise de

Leal, como um recurso instrumental, utilizado por chefes locais para manter suas posições

de poder, e que não poderiam ser negados pela situação estadual, sob pena de perda de

apoio político dos chefes locais. O uso dos cargos públicos como moeda de troca foi a

resposta a uma organização institucional que, aos poucos, foi se transformando com a

ampliação do poder público no meio rural. Isso reduz a dependência dos eleitores rurais

em relação ao chefe local e, gradualmente, desobriga o governo do estado a conceder

“carta branca” ao senhoriato rural. Os cargos vão deixando de ser recursos de poder

político pessoal para se tornarem cargos públicos de fato. Eles deixam de ser espólio

político do chefe local, já que as instituições do estado ampliam sua entrada nos

municípios e a oferta dos serviços, minando a interferência e a intermediação do chefe

local.

Leal nos mostra que a dimensão institucional – neste caso, a estrutura formal de

relacionamento entre estados e municípios – representa uma variável importante a

36 O fato de os municípios terem exígua participação na distribuição dos recursos entre os entes federados

(no período Republi cano) – que é, de resto, característica também do período imperial – acentua a

dependência política dos líderes locais em relação aos governadores.

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considerar para compreender como se processam as decisões relacionadas à política

cotidiana e, no que interessa aqui, ao preenchimento dos cargos na burocracia. Pode ser

inferido de sua análise que, ao sopesar cultura e instituições na explicação da política de

espólio dos cargos da administração pública nos municípios, as instituições são mais

importantes se comparadas às tradições culturais, que seriam um fator residual para

explicar as mudanças gradativas na relação dos políticos locais e estaduais com os cargos

públicos.

A análise dos autores acima procurou mostrar que a dinâmica política orientada

para o controle de cargos, bem com sua relevância na estruturação das relações políticas,

tem lastro histórico. A persistência deste aspecto ao longo da história ressalta que sua

relevância atual é, em grande medida, tributária de valores que foram produzidos ao longo

destes processos de longo prazo e sedimentados na prática cotidiana dos atores políticos.

Estes valores orientam e impactam as discussões sobre as transformações das instituições

políticas, já que estas são sempre influenciadas por concepções valorativo-cognitivas dos

atores responsáveis por seu desenho, como os autores de tradição mais culturalista

enfatizam. Por outro lado, as instituições formais também são fontes de alteração nos

valores e percepções e, por mais influenciadas que elas sejam por valores culturais,

também definem padrões de interação que interferem nos valores e os transformam no

longo prazo, como argumentou Victor Nunes Leal.

Apesar de o próximo capítulo dar prioridade analítica à dimensão dos valores e

das percepções dos deputados estaduais, é sempre necessário considerar tanto a dimensão

cultural quanto a dimensão institucional, seu processo de alteração e o desenho das

instituições atuais para compreender a política de espólio no Rio de Janeiro.

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CAPÍTULO II

As concepções dos deputados estaduais sobre os cargos de confiança

No capítulo anterior discuti a li teratura sobre processos históricos e sociais que

contribuíram para moldar percepções culturais associadas à disputa por cargos da

administração pública. Estas percepções são determinantes para explicar a própria lógica

institucional, pois se conjugam ao sistema eleitoral e à legislação partidária na definição

das ações e estratégias de cada agente político. Os incentivos decorrentes do desenho

institucional, do sistema eleitoral ou da legislação partidária não são variáveis abstratas na

definição de estratégias; eles se articulam com os valores, atitudes e cognições para

explicar a dimensão dos cargos na política.

Não contesto que as variáveis institucionais desempenham um papel central na

formação das preferências. Mas o próprio desenho não se produz em um vazio cultural,

ainda que o formato institucional estimule padrões de relacionamento que, no longo

prazo, podem sedimentar novos valores. A persistência histórica da importância da

distribuição dos cargos em nosso sistema político demonstra que o desenho das

instituições não é suficiente para explicar a lógica da alocação de cargos na política

brasileira.

Ao abrir mão da história abdica-se de uma importante dimensão explicativa da

política de espólio. Por isso, uma maneira alternativa e mais convencional de olhar a

questão é conceber o formato institucional como o desdobramento de nossa história

política e social, que foi moldando e sedimentando, no plano dos valores, as percepções e

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estratégias por trás da questão dos cargos de governo. Ao analisar as concepções dos

deputados sobre a indicação para os cargos de confiança no governo, procuro

compreender os aspectos normativo-valorativos que estão associadas a esta prática.

O estudo das percepções associadas às nomeações para os cargos da burocracia

permite entender, de um novo ângulo, como se estruturam as relações de poder entre os

políticos e entre estes e os burocratas, que é também uma forma de analisar as relações de

poder dentro das instituições do governo. Como se sabe, as nomeações para cargos na

administração configuram um aspecto de um sistema no qual todos ou quase todos os

cargos de primeiro e segundo escalões da burocracia do governo são preenchidos por livre

escolha dos governantes. Esse grau de discricionariedade permite que se construam

estruturas de poder burocrático a partir de acordos político-partidários ou individuais que

podem alterar radicalmente a organização da burocracia em determinados setores do

governo, já que decisões de promoção na carreira dos funcionários, derivadas do mérito e

competência funcional – tal como delineado no modelo burocrático ideal weberiano –, são

débeis37.

Na interação das esferas política e burocrática, a influência da primeira sobre a

última, por meio da nomeação para cargos, é tão forte que a independência (ou

insulamento) da burocracia para formular políticas públicas, ou mesmo para representar

os próprios interesses, está sempre em xeque38.

37 De acordo com Santos (2003), no âmbito federal 35% dos cargos de direção e assessoramento do governo

eram providos por indivíduos sem vinculação permanente com o serviço público no ano de 2003. 38 Mas existe grande variação da autonomia ou insulamento das instituições de governo de acordo com o

setor. Esta não foi, no entanto, a preocupação deste estudo. Uma análise das formas de relacionamento entre

governo, burocracia e sociedade no Brasil está em Nunes (1997).

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Um bom ponto de partida para discutir a percepção dos deputados sobre as

nomeações para cargos é a análise de Schneider (1994) sobre as motivações e estratégias

de carreira da burocracia estatal brasileira ao longo das décadas de 70 e 80. Apesar de

analisar tal questão da ótica dos burocratas, e não dos políticos, algumas questões e

resultados apresentados são oportunos para entender o ponto de vista dos deputados sobre

indicações para cargos na burocracia fluminense.

Schneider salienta que uma das principais particularidades da burocracia brasileira

é ter as principais posições de poder sempre preenchidas por cargos de livre nomeação.

Esse dado, por si, evidencia que a política de nomeações e a lógica que a permeia têm

implicações no funcionamento da administração pública, pois os critérios de nomeação

determinam o funcionamento da burocracia, que pode assumir formas bem distintas.

Uma característica importante de parte das instituições de governo, e que deriva da

amplitude dos cargos de livre nomeação, é, diz Schneider, que “a representação [ ...] é

não-responsável: o nomeado depende de quem o nomeou, e não possui uma base externa

de poder” (Schneider, 1994:118). Isso cria uma forte inclinação nos políticos para

fazerem da burocracia um espaço de representação política, por meio das indicações para

a formação dos quadros de governo39.

Como as indicações pessoais criam laços de dependência pessoal entre os

funcionários e os políticos, ocorrem freqüentes confli tos entre as hierarquias formal e

informal que operam na instituição, pois, ao responder aos interesses dos políticos que o

39 Discuto esse argumento de forma mais detida a partir da análise do preenchimento dos cargos na

Secretaria Estadual de Educação, no próximo capítulo.

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indicaram, o funcionário não se vê obrigado a submeter-se às hierarquias oficiais,

tornando-as parcialmente inócuas em favor da estrutura informal de funcionamento.

Quando Schneider estudou as nomeações para as empresas estatais, seu interesse

analítico dirigiu-se às motivações, estratégias e interesses dos burocratas no desempenho

de suas funções. A partir daí, dividiu anali ticamente a burocracia em quatro “ tipos

sociais” , cada qual com visões distintas sobre a política industrial e com diferentes

estratégias de progressão na carreira40: a) políticos; b) militares; c) técnicos; e d) técnico-

políticos. Mesmo tratando da política industrial, a tipologia que utilizou e parte de

conclusões a que chegou serão úteis na interpretação do ponto de vista dos deputados

fluminenses. Por isso, descrevo sucintamente os tipos acima mencionados.

Os burocratas políticos caracterizavam-se por usar o cargo como meio de

promoção de ambições políticas pessoais, desenhando políticas que lhe trouxessem apoio

político e eleitoral no futuro. Os cargos executivos que ocupavam na burocracia serviam

com trampolins para suas carreiras, que seriam desenvolvidas na política, não na

burocracia.

Os burocratas mili tares orientavam suas carreiras para questões relacionadas à

segurança nacional; esse tipo social tornou-se inexpressivo na organização burocrática

brasileira após a redemocratização do país.

40 Schneider opta por uti li zar o termo carreira porque ele permite “estruturar os vários interesses que os

burocratas buscam e que os orientam ao longo do tempo” (Schneider, 1994:32). Além disso, o termo “situa

o voluntarismo dentro de limites e as oportunidades dentro de estruturas” (idem).

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Os técnicos pautavam suas condutas por eficiência e tecnicidade nas decisões. As

decisões de caráter político, com o intuito de atender a interesses de políticos ou de

grupos políticos específicos, quase sempre estavam excluídas de seu leque decisório.

Por fim, o tipo técnico-político era o tipo social que fundia a técnica e a política na

formulação e execução das políticas públicas.

No modelo de Schneider, o burocrata operava entre dois extremos típico-ideais: a

completa dependência de quem o nomeou para o cargo e a completa independência para

tomar decisões. No primeiro caso, que se dá com mais freqüência nos cargos de

nomeação, ocorre a já mencionada representação “não-responsável” . No segundo caso, há

o insulamento burocrático (Schneider, 1994:118-9; Nunes, 1997).

As nomeações não-responsáveis podem provir de (a) nomeações pessoais, ou (b)

de nomeações de grupos políticos ou grupos de interesse mais amplos. No primeiro caso

incluem-se as nomeações de confiança; no segundo, as nomeações representativas.

No outro extremo do modelo – completa independência decisória –, os cargos são

preenchidos por funcionários com conhecimento e quali ficações técnicas para o

desempenho das funções, sem vínculos externos com forças políticas. Estas são as

nomeações técnicas, seguindo a terminologia de Schneider. Mesmo podendo ser nomeados

“de fora”, sem terem cumprido uma carreira na instituição, no insulamento burocrático os

funcionários de carreira são alçados aos postos-chave da instituição por meio das

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promoções derivadas do mérito41. Os cargos de nomeação não são utilizados como espólio

político.

Uma diferença entre as nomeações representativas e as nomeações de confiança é

que estas últimas, na maioria das vezes, resultam de relações pessoais passadas entre

quem indica e o indicado; o grau de dependência entre nomeado e quem nomeia é maior.

Nas nomeações representativas “os nomeados trocam o apoio de seu ‘eleitorado’ pela

completa liberdade no uso do cargo” (Schneider, 1994:129).

Nas nomeações de confiança o nomeado atende aos interesses de quem o nomeia;

isso pode aumentar o grau de insulamento dos nomeados em relação a qualquer outro

grupo de interesse, mas eles continuam inteiramente dependentes das orientações de quem

os nomeou. Por isso, as nomeações de confiança na administração têm um papel

importante no controle das incertezas, pois, “em seu tipo puro, a troca é completamente

pessoal e o nomeado, absolutamente dependente” (idem).

Para Schneider, o predomínio dos “ laços pessoais” nos principais cargos da

burocracia não reflete uma visão tradicionalista da política; é uma resposta racional ao

ambiente de incerteza que permeia as relações sociais na esfera política. A relação pessoal

permite controlar com maior segurança o comportamento dos subordinados. No mesmo

sentido, Grindle, em seu estudo sobre a burocracia mexicana, observou que

41 Como observou Schneider, “a insulação eficaz exige a derrota desses candidatos de fora. Em última

instância, cabe ao presidente [ou ao governador, no caso aqui analisado] fazer valer a insulação, embora

em alguns casos outros grupos façam campanha em favor da nomeação de gente de dentro ou técnicos.”

(Schneider, 1994:119).

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[ ...] do ponto de vista do administrador, esse é o modo mais eficaz de assegurar-se de que as ordens serão cumpridas, que os erros serão evitados ou encobertos discretamente, se cometidos, e que os subordinados cumpriram suas obrigações, mesmo quando não supervisionados diretamente. (Grindle, 1977:59)

Paradoxalmente, a existência de laços pessoais por todos os escalões da burocracia

aumenta a necessidade das nomeações de confiança, pois elas servem para contrabalançar

as ameaças que as lealdades pessoais dos outros funcionários pode produzir. O resultado é

o baixo grau de lealdade à instituição e a baixa institucionalização de rotinas

administrativas.

Em um cenário em que as nomeações fossem por indicação de confiança, mas os

nomeados fossem funcionários de carreira, os laços pessoais seriam menos relevantes na

estruturação da burocracia e das relações de poder em seu interior. Como isto não ocorre,

e os cargos de nomeação são quase sempre associados às nomeações a partir de relações

pessoais, cria-se um sistema de retroalimentação em que os laços pessoais estimulam a

necessidade de confiança dos indicados que, por sua vez, requer laços pessoais.

Como mencionei, para Schneider a fraqueza das instituições, que resulta da força

das lealdades pessoais em seu interior, é uma resposta racional à incerteza, e não o

resultado de um valor cultural. As nomeações não-técnicas e as relações pessoais na

burocracia estatal são meios eficazes de contrabalançar a fluidez dos membros da

burocracia na instituição e reduzir as incertezas dos políticos.

Concordando em parte com Schneider, creio, contudo, que ao desconsiderar a

cultura em favor de variáveis mais específicas para analisar o comportamento e as

estratégias dos indivíduos, deixa-se de captar as visões de mundo que orientam as

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decisões dos atores, cruciais na definição do leque de estratégias e orientações possíveis

desempenhadas na administração.

Assim, por exemplo, a concepção segundo a qual a burocracia é um espaço

também de representação de interesses – antes que de neutralidade – constitui uma visão

sobre a burocracia que, mesmo com grandes variações, é bastante sólida entre os

políticos.

Tentar enquadrar todas as estratégias dos atores como respostas racionais a

contextos institucionais dados não exclui o fato de que a racionalidade e as preferências

são moldadas pela cultura, que é parte do ambiente das escolhas (Reis, 1984).

As formas pelas quais as instituições políticas e burocráticas são desenhadas e,

sobretudo, apropriadas pelos atores que por elas transitam são inteligíveis e fazem sentido

dentro de percepções e visões que derivam, em grande medida, da lente que a cultura

impõe aos atores. No capítulo anterior ressaltei como esta apropriação particular da

burocracia e das instituições políticas foi se consolidando a partir de processos históricos

de longo prazo, perspectiva que a análise institucional da escolha racional tende a

descartar de antemão. Para esta, ao contrário, os indivíduos operam em um mundo no

qual, nos termos de F. W. Reis, “não há instituições [no sentido sociológico] , não há

história, não há vínculos intergeracionais, não há lealdades, mas apenas indivíduos

capazes de calcular em função de interesses individuais que interferem uns com os

outros” (Reis, 1984:135).

Toda ação é interessada, e aqui não se contesta que os funcionários e os políticos

têm seus interesses bem estabelecidos e definidos e operam com estratégias racionais para

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alcançá-los. Mas, para utilizar uma expressão de Weber citada por Schneider, as imagens

de mundo que os informam servem para mostrar que os interesses e as estratégias são

orientadas por visões de mundo específicas.

A conduta dos homens não é governada por idéias, mas por interesses materiais e ideais. Contudo, com muita freqüência, as ‘ imagens de mundo’ que foram criadas pelas ‘ idéias’ determinaram, tal como o manobrista da ferrovia, os trilhos pelos quais a ação foi empurrada pela dinâmica do interesse. (Weber apud Schneider, 1994: 86)

O próprio Schneider, sem reconhecer, leva em conta este aspecto ao mencionar em

sua análise o papel que as idéias desenvolvimentistas tiveram na definição das

preferências dos formuladores da política industrial brasileira nos anos 70. Se, como ele

menciona, “o desenvolvimentismo [nos 70] explica pouco em termos de preferências em

competição e resultados possíveis precisamente porque é amplamente compartilhado” ,

isto não significa que ele não seja o fundamento sobre o qual se ergueram as preferências

e os resultados específicos da política industrial brasileira no período. Esta mesma idéia

pode ser aplicada à análise das visões de mundo e às percepções que orientam os

deputados em suas indicações para cargos.

Deve-se considerar, também, que a divergência expressa no debate sobre cultura

ou instituições, ou entre cultura e racionalidade estratégica, é, muitas das vezes, uma

divergência apenas aparente, que decorre da orientação do foco analítico para diferentes

níveis da análise. Enquanto a análise cultural recai quase sempre em níveis mais residuais,

menos específicos das decisões que os atores tomam nas diferentes esferas de ação, a

análise da teoria da escolha racional e do institucionalismo das escolhas racionais vincula

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as decisões e as estratégias aos condicionantes dados por parâmetros institucionais. As

visões de mundo que estiveram por trás da definição destes parâmetros não são discutidas,

a não ser em versões mais sociológicas do neo-institucionalismo, que mesmo atribuindo

importância aos parâmetros institucionais no horizonte decisório do ator, enfatizam a

importância das visões de mundo e dos esquemas cognitivos que precondicionam os

arranjos institucionais dos atores. Por isso, ao olhar apenas para o desenho das instituições

formais se perde este outro nível da análise, precisamente aquele no qual a dimensão

cultural se mostra relevante, em que se pode perceber a existência de um consenso prévio,

não-discutido, “naturalizado” , que está na base das escolhas e estratégias dos atores42.

Um exemplo desse consenso na esfera política é a percepção de que as nomeações

são percebidas como um instrumento de representação política. A idéia de confiança é

outro exemplo que estrutura as visões dos deputados estaduais sobre as indicações para

cargos na burocracia. Estes aspectos são discutidos a seguir.

As entrevistas

Para discutir os valores e normas associadas às indicações para cargos de

confiança na administração estadual, a principal fonte de informações foram trinta

entrevistas semi-estruturadas com deputados estaduais do Rio de Janeiro, cinco

entrevistas com funcionários da ALERJ e Chefes de Gabinete dos deputados43.

Secundariamente, utilizo textos e reportagens publicados na imprensa.

42 Realizou uma discussão um pouco mais detida na conclusão deste trabalho. 43 A maioria das entrevistas levou aproximadamente 40 minutos e foi realizada no próprio gabinete do

deputado, na ALERJ. A primeira entrevista foi realizada em março de 2002 e a última em março de 2005. É

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Sempre que os entrevistados autorizaram, as entrevistas foram gravadas mediante

o compromisso de preservação do anonimato44. As perguntas do questionário (que consta

no Apêndice B) estavam direta ou indiretamente relacionadas às indicações para cargos.

Elas foram formuladas de modo a inquirir como os deputados avaliavam os diversos

aspectos relacionados aos cargos, como, por exemplo, a relação entre confiança pessoal e

capacidade técnica, as possibilidades de uso eleitoral dos cargos, a relação entre indicação

para cargos e apoio ao Executivo, as percepções sobre nepotismo, as hierarquias de poder

entre os políticos e seus reflexos na possibilidade de controlar postos na burocracia e

outras questões correlatas.

O fato de as entrevistas excluírem perguntas sobre aspectos mais específicos do

mandato do entrevistado e sua relação com os cargos – se os possuem ou não, quantos

possuem, para onde indicaram, quem indicou etc. – e optar por perguntar questões não

diretamente vinculadas a sua situação pessoal é um dado, em si, interessante, na medida

em que ressalta a penumbra que recobre as discussões sobre indicações, tratadas quase

como um tabu pelos deputados.

Um tipo de pergunta formulada nas primeiras entrevistas, mas logo descartada, por

ser ineficaz, indagava o parlamentar sobre se ele havia indicado para cargos no governo.

Quando não eram evasivas, as respostas eram negativas. Mesmo quando deixei de fazer a

pergunta diretamente, a maioria dos entrevistados procurava deixar claro que não tinham

uma tarefa difícil conseguir entrevistar um deputado quando não se pertence a órgãos de imprensa.

Sobretudo porque o tema da entrevista (distribuição de cargos) não era convidativo e interessante para os

entrevistados. No período de três anos de pesquisa, aproximadamente 80% das vezes as entrevistas foram

canceladas e/ou remarcadas. 44 Os nomes de todos os entrevistados citados ao longo deste e do próximo capítulo são, pois, fictícios e

masculinos.

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funcionários indicados por eles no governo. A negativa recorrente sobre a indicação para

cargos está relacionada a dois aspectos: o primeiro é a percepção do cargo como um bem

cuja conquista resulta de uma troca entre o parlamentar e o Executivo, e que é vista de

forma negativa pelos deputados, inclusive aqueles que participam da bancada de apoio ao

governo. Há uma associação natural entre ter o cargo e votar, obrigatoriamente, a favor

das matérias do Executivo; o segundo aspecto é a percepção de que a indicação pessoal de

nomes para cargos no governo torna quem indica responsável pela conduta do indicado, e

isso aumenta as preocupações de que erros de conduta – os casos de corrupção, por

exemplo – sejam diretamente associados ao político que indicou o funcionário. Passemos

à discussão, em maior detalhe, destes dois aspectos.

A contrariedade em discutir indicações para cargos

No amplo espectro de percepções e opiniões individuais sobre a indicação para

cargos no governo, alguns aspectos são recorrentes. A visão dominante é que ter cargos

no governo é a principal forma de participar dele. Mas, por outro lado, indicar para

cargos reduz a liberdade do parlamentar em relação ao Executivo, porque o obriga a

apoiá-lo nas questões discutidas em plenário.

A associação entre indicar para cargos e participar do governo é nítida quando os

deputados respondem sobre se é “legítimo não apoiar um governo que não permita indicar

para cargos, mesmo quando seu partido faz parte da coalizão de apoio?” . Como

mencionou um dos entrevistados, apoiar o governo e indicar para cargos são coisas que

devem caminhar juntas,

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[ ...] porque [ao indicar] se passa a ter uma parcela de responsabil idade dentro do governo. A pessoa que [o deputado] indicar tem que ser uma pessoa técnica, tem que ser uma pessoa que saiba o que está fazendo, e tem que ser uma pessoa que vai ali dignificar o nome de quem o indicou, no caso o parlamentar. [ ...] É um auxílio que [o parlamentar] está prestando. (Dep. Est. Armando Silva, PSL. Grifos meus.)

Se o deputado não tem cargo no governo, ele até pode ser do partido da base, mas não faz parte da base, porque simplesmente o governo o está ignorando. Afinal, se eu participo da campanha contigo, dentro do mesmo partido, da mesma coligação, nós ganhamos o governo, democraticamente, você, Executivo, eu, Legislativo, nós ganhamos e, no momento de coordenar, você me exclui, você não permite que eu participe do governo?! Eu quero participar, eu quero indicar pessoas da minha confiança para que contribuam efetivamente para o crescimento do governo. (Dep. Est. Leonardo Ribeiro, PMDB. Grifos meus.)

Como é que você vai se sentir contemplado em participar de uma administração se você não tem ninguém [ indicado por você] na administração? (Dep. Est. Francisco Vieira, PSB)

Necessariamente, para você apoiar, tem que ter algum cargo no governo. (Dep. Est. João Botelho, PMDB)

Muitas vezes, a idéia de que o cargo é a forma de consolidar a participação no

governo tem relação com o papel de mediação que o deputado supõe desempenhar entre

os eleitores e o Poder Executivo45:

45 Kushnir (1996; 1993) argumentou que o papel de mediador cultural é um dos traços principais da

representação dos vereadores cariocas em suas funções parlamentares. A idéia expressa aqui não é

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Eu estou votando com o governo. Não sou do partido do governo e estou votando com o governo. Voto hoje, voto amanhã e estou votando sempre com o governo, por achar que as propostas são boas. Mas chega um momento da política – e aí seu eleitor te cobra uma situação, por exemplo, pedindo obras para sua região, ou pra onde você teve uma votação mais expressiva – em que você passa a ser um veículo do povo junto ao Executivo – o que eu acho uma coisa legal. Então, não é o cargo em si [que importa] , mas a necessidade de você se tornar esse veículo do povo [que torna o cargo necessário] . (Dep. Est. João Botelho, PMDB)

Esse ano eu solicitei à governadora que eu gostaria de ter a Agência de Desenvolvimento Local da Ilha [do Governador, bairro carioca] . Para quê? Porque eu achei que nós podíamos fazer um trabalho lá na Ilha ajudando a população. (Dep. Est. Jair Silva, PT do B).

Paradoxalmente, quando uma parte dos entrevistados avalia as razões para as

discussões em torno das indicações para os cargos serem sempre travadas nos bastidores e

não no proscênio da política, a associação entre cargos e dependência/subordinação ao

Poder Executivo é clara. Quanto maior o número de cargos, menor a liberdade para o

deputado se contrapor às preferências do Executivo. Entretanto, o apoio que o deputado

presta ao governo pode resultar ou da pressão que este exerce sobre o deputado ou do

dever que o deputado experimenta em votar no governo, por ter nomes indicados. Desta

última perspectiva, ter os cargos significa necessariamente obrigar-se a votar a favor do

Executivo. Outra parte dos deputados ressalta que este apoio é o produto não de um

sentimento de dever intrínseco aos detentores de cargos, mas o resultado puro e simples

propriamente a de mediador cultural, mas a mediação de interesses de grupos e regiões específicas,

geralmente "bases eleitorais" dos deputados, junto ao Executivo.

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das ameaças de retaliação – perda dos cargos – que o Executivo dirige aos parlamentares

que votam contra suas matérias em plenário.

Em resumo, o que assemelha os deputados que têm e não têm cargos é a opinião,

amplamente partilhada entre eles, de que há uma relação inversamente proporcional entre

o número de cargos no governo e a liberdade para votar matérias. Os cargos obrigam o

legislador a votar no Executivo, em qualquer circunstância.

[O governo do estado] tem milhares de cargos e eu não tenho nenhum. Estou totalmente independente, voto da minha maneira e voto com minha consciência. Eu não tenho obrigação de votar com o governo. (Dep. Est. Damião Mota, PMDB; os grifos são meus)

Eu, graças a Deus, não tenho cargo nenhum no governo. Voto com ele quando eu acho que é bom para o estado, voto contra ele quando eu acho que tenho que votar. (Dep. Est. Armando Silva, PSL)

Se você é governador do estado e eu te faço oposição na ALERJ, como é que pode? Eu te faço críticas contundentes na área de segurança, na área de saúde, no setor de educação e em uma dessas áreas eu vou ter meu indicado lá trabalhando! Como é que eu posso te criticar se eu tenho pessoas indicadas por mim? (Dep. Est. Francisco Vieira, PSB)

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Quem tem e quem não tem [cargos] , você identifica a partir do momento em que tem a votação [das matérias do Executivo, em plenário] 46. (Dep. Est. João Botelho, PMDB)

A noção de participação pode ser entendida em dois sentidos: participação

político-partidária e participação pessoal. Na primeira, participar significa apenas ter

influência na formulação das políticas públicas do governo, e isso é possível por meio da

gestão de algumas Secretarias de governo pelo partido. Participação pessoal significa

conquistar um “espaço” em algum setor da administração para interferir pessoalmente e

não a possibili dade de influir na formulação das políticas públicas. O último tipo de

participação é o mais freqüente, pois os deputados concebem as indicações como algo de

sua competência, e escolhem indicados que os representem na administração; por isto a

proximidade pessoal e a confiança são fatores importantes. Sendo representantes do

deputado na administração, os funcionários carregam o nome e o prestígio deste no seu

desempenho.

[ ...] pra que você não passe vergonha você não vai indicar uma pessoa despreparada para que depois você seja chamado lá e a pessoa diga: ‘você me indicou uma pessoa aqui que...’ , e também tem que ter critérios de honestidade, porque você não vai indicar uma pessoa que você vai se expor. (Dep. Est. Francisco Vieira, PSB)

46 Não mensurei a relação entre fil iação partidária, acesso aos cargos e apoio ao Executivo. Mas é provável

que a relação encontrada fosse expressiva, a crer nas observações dos próprios deputados. Em âmbito

estadual opera o mesmo controle minucioso que ocorre no âmbito federal, por parte do Executivo – o

Gabinete Civil –, dos cargos que são distribuídos e para quais deputados. Com estes dados, o Executivo

controla as votações e exerce retaliações por meio da exoneração dos funcionários indicados por deputados

que votam contra o governo. Isso significa que um estudo estatístico mostraria altas taxas de fidelidade

partidária – sem que isso signifique alta taxa de coesão partidária. Cf. nota 17. (Cf. Tavares, 2001, para uma

discussão sobre fidelidade e coesão partidária).

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Para um deputado, cujo cônjuge é vereadora,

Se [você] indica o diretor do [hospital municipal do Rio de Janeiro] [ ...] e o hospital não atende como é necessário, o vereador está queimado. A mesma coisa acontece na hora que você indica. Tem o lado bom, que é de você ter o acesso aos hospitais com mais facili dade, mas tem o lado ruim, porque, às vezes, é melhor ser o amigo do rei do que ser o rei. Porque quando você indica o diretor do Detran, e o Detran não funciona, dá um estouro [ i. e., descobre-se casos de corrupção] pode nem ter sido ele lá [o indicado] , pode ter sido o funcionário lá embaixo, mas quando o escândalo explode, resvala onde? Em você e na pessoa que você indicou. Tem sempre esse problema, que é exatamente saber quem você vai indicar. Tem que ter confiança absoluta, porque senão, amanhã você está sujo. (Dep. Est. Jair Silva, PT do B)

[ ...] quando você indica uma pessoa, se ela não tem competência, e ela não tem seriedade no que ela faz, a responsabilidade é toda sua, porque na hora da cobrança, vão falar: ‘ isso aí é indicação de quem?’ . Tem lá no mapa do Executivo, tem lá, cargo X, fulano de tal, indicação do deputado tal. Então, é uma responsabil idade muito grande quando nós indicamos alguém para o nosso cargo, porque, na verdade, se você deu seu aval para aquela pessoa, você passa a ser responsável por ela. (Dep. Est. Leonardo Ribeiro, PMDB; os grifos são meus)47

Conforme acima ilustrado, indicar para cargos apresenta riscos. Os principais são a

ineficiência e a corrupção. Neste caso, tanto para encobrir quanto para evitar condutas

indevidas é necessário que o indicado tenha relações pessoais e confiança no indicado.

Sob a ótica partidária, existem algumas variações nas percepções que os deputados

têm sobre o papel que o partido desempenha na divisão das fatias de cargos que cabem a

47 Conferir também a observação do deputado Armando Silva, citado na p. 55.

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cada parlamentar. Os partidos mais à esquerda do espectro político tendem a ter uma

visão um pouco mais moderada do cargo como forma de representação pessoal do político

no governo. Estes partidos (PDT e, sobretudo, PT) tendem a dar mais importância às

correntes, facções e movimentos sociais que existem em seu interior, ao passo que em

partidos como PMDB esta característica é pouco visível e os cargos são discutidos em

termos individuais por deputados estaduais que integram o partido. O PT e o PDT, por

exemplo, quando preencheram os cargos na Secretaria de Educação, realizaram

discussões mais amplas com setores e correntes partidárias antes de definir a indicação

dos nomes para os cargos; no PMDB a discussão foi restrita aos deputados do partido.

De forma geral, predomina o que Mainwaring (2001) denominou “ fusão

patrimonial” entre partido, Estado e poder pessoal, que caracteriza sistemas partidários

pouco institucionalizados, como é o caso do Brasil . Em lugar de o partido ser a instituição

que desempenha o papel de agregar e representar interesses de grupos da sociedade, esta

função é atributo de cada parlamentar individual, que persegue seus próprios nichos de

representação nos setores do governo que cabem a seu partido. A soma dos objetivos

individuais dificulta a formulação de políticas públicas em termos partidários, ou seja,

objetivos e metas comuns a alcançar definidas por programas previamente estabelecidos.

Entretanto, a legenda partidária é sempre o melhor signo de orientação da

distribuição dos cargos e a variável mais importante para explicar o acesso a eles. Mesmo

que o pertencimento a um partido não obrigue os deputados a seguir sua orientação

programática, é indispensável estar fil iado a um partido da base de apoio ao governo para

estar em condições de “pleitear cargos”, para utilizar o jargão político. Exceto casos

excepcionais, sem estar filiado aos partidos da base do governo, não há cargos.

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Cr itér ios de indicação para cargos de confiança

Avaliar os motivos que levam os deputados a definir seus indicados para cargos de

confiança é difícil . Os deputados têm pouco interesse em discorrer sobre o tema. Quando

o fazem, parte das vezes recorrem ao discurso socialmente aceitável, que pode não

corresponder à motivação efetiva do político ao tomar sua decisão. O problema pode ser

minorado alterando o foco da análise. Em vez de compreender a lógica das nomeações

por meio da análise das redes de relações na administração, as entrevistas orientaram-se

para a análise das percepções dos deputados sobre as indicações para os cargos, a relação

entre nomeações de confiança e nomeações técnicas, as opiniões sobre nepotismo,

clientelismo e neutralidade burocrática. Com isso é possível entender parte do universo de

valores que orienta os parlamentares em suas decisões sobre participação no governo e na

escolha de seus indicados.

Os incentivos e motivações para indicar e nomear funcionários da burocracia do

governo são variados. Retribuições por ajuda prestada em campanha, vínculos de

amizade, interesses de formação de aliança futura, interesses econômicos, laços

familiares, interesses eleitorais ou interesses públicos, são motivações possíveis e que

podem vir entrelaçadas. Mas, acima destas, dois quali ficativos são importantes na

decisão: confiança pessoal e conhecimento técnico.

A noção de confiança tem um sentido lato e se presta a muitas funções. A

principal delas é o uso da confiança para se proteger das traições. Visto que para os

políticos a política é o terreno da desconfiança, das traições e articulações veladas, não se

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pode prescindir da prerrogativa de nomear pessoas cujas ações no governo tenham alta

previsibilidade para quem as indicou. As relações de confiança derivam do conhecimento

passado e, quase sempre, de relações pessoais entre o político e o indicado.

Existem três usos típicos dos cargos de confiança: uso para fins eleitorais de quem

indica, para fins de enriquecimento e para fins público-administrativos. Qualquer que seja

o fim, os deputados não descartam a prerrogativa da confiança pessoal que costuma

precondicionar as indicações a qualquer posto.

Do ponto de vista de um dos entrevistados,

[ ...] não dá para separar [ técnica e confiança] , porque a pessoa pode ser técnica, uma ótima técnica; eu como prefeito ou como governador [ele havia sido prefeito de um município do Sul Fluminense] , se eu não confiar nessa pessoa eu vou ficar sempre de olho nas atividades, mesmo técnicas, dela. Porque ela pode utili zar o cargo - por não confiar em mim, ou ter outro projeto [político] - para formular projetos [administrativos] tecnicamente errados, de propósito, para me derrubar politicamente. Então, eu não consigo separar, sinceramente. (Dep. Est. Edgar Soares, PT)

Pra mim, cargo de confiança é só um título. [ ...] . Dentro do meio político eu só confio em mim mesmo e no meu pai [o entrevistado é filho de um influente prefeito da Baixada Fluminense] . Então, não posso dizer: ‘ah, fulano de tal eu vou colocar nesse cargo, porque é o meu cargo de confiança’ , porque confiança só existe no título. (Dep. Est. Lúcio Campos, PSDB)

No seu lar, você tem que colocar uma pessoa para tomar conta de sua casa. Existe uma pessoa que é muito boa, mas você não sabe de onde veio e existe uma que não tem todas aquelas habili dades, mas você sabe quem é intimamente. Você não tem dúvida por quem vai optar. Assim é no setor público. Você tem que ter alguém que você possa estar

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governando lá em cima sabendo que lá embaixo as coisas estão funcionando, e que a pessoa que está exercendo aquele cargo lá embaixo é uma pessoa que, em momento nenhum, vai faz nada que venha te desagradar, não vai colocar nenhuma casca de banana para você. (Dep. Est. Leonardo Ribeiro, PMDB)

Na política você precisa muito de capacidade e confiança. Não adianta você, para fazer política, ter alguém apenas capaz. A coisa mais importante na política é a confiança. (Dep. Est. Antônio Macedo, PSB)

Os trechos acima ilustram que a confiança pessoal serve como escudo contra a

traição. A idéia de confiança como pré-requisito ao funcionamento do sistema político e

administrativo tende a ser natural, pois as relações interpessoais dos atores políticos estão

profundamente assentadas no princípio da desconfiança mútua.

A quali ficação técnica também sobressai como quesito importante para as

indicações. Em parte, a técnica é indispensável não só porque torna a administração mais

eficaz, mas porque, ao fazê-lo, o político que indicou o técnico ganha prestígio e não está

sujeito a acusações relacionadas à ineficiência de seu indicado.

Na relação entre confiança, técnica e hierarquia administrativa há uma associação

direta entre a confiança e as posições de direção na administração. A necessidade de

confiança vai se ampliando na medida em que se tratam de funcionários para posições de

comando. Por outro lado, a técnica ganha maior peso relativo à medida que se desce na

hierarquia funcional. Na hipótese de terem de optar por indicações técnicas ou indicações

de confiança, a opção preferencial é por esta última. A receita ideal para os deputados é

nomear um técnico no qual se confia, mas há técnicos que são confiáveis e outros que não

o são. Assim, a confiança pode vir sem a técnica, mas o contrário não é admissível.

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Na maior parte dos casos, no entanto – e isso é sempre enfatizado nas entrevistas –

as duas coisas caminham juntas. O trecho a seguir ilustra essa percepção.

Suponha que eu tenha um chefe e um subchefe. Se eu puder indicar os dois, indico um chefe de confiança e um subchefe com competência técnica. Sendo o chefe da minha confiança, ele teria a possibili dade de observar qualquer desvio. Se fosse o contrário, não seria possível. (Dep. Est. Leonardo Ribeiro, PMDB)

Por fim, a importância atribuída à confiança também se vincula à idéia de que ela

torna mais fácil que os indicados adiram às políticas públicas de governo. A maioria dos

deputados ressalta que, para além dos usos pessoais que um cargo possa permitir, as

nomeações de confiança são indispensáveis à formação de quadros burocráticos afinados

com as orientações programáticas do governo. Os deputados tendem a discordar da idéia

de que o funcionário pode aderir às políticas de governo, sem necessariamente estar

fil iado a algum partido ou ter relações pessoais com os políticos.

O governante tem que ter, como em qualquer democracia, a possibili dade de levar consigo pessoas para ocupar uma função, deve ter o direito de ter uma equipe, porque senão ele fica isolado. Deve haver um equil íbrio entre os cargos que são ocupados por técnicos e os cargos de confiança.

[ ...] Se eu formulei o programa de governo em uma determinada linha, na hora de montar o governo devo colocar técnicos, mas que sejam da minha confiança. [ ...] Você pode ter dois técnicos com visões políticas distintas, por isso é importante ter esses cargos ocupados por pessoas de confiança daquele grupo que chegou ao poder . (Dep. Est. Robson Chaves, PMDB)

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Deve-se deixar claro que parte dos deputados – principalmente os fili ados aos

partidos de esquerda – ao destacar o que consideram ser um traço fisiológico, interesseiro

e clientelista da política fluminense, expressam uma visão negativa dos usos dos cargos e

do número de cargos de livre-nomeação existentes. Mas não contestam a necessidade de

cargos de confiança para a organização de qualquer governo.

[ ...] as escolhas políticas que o governo vai fazer depende de uma equipe que vai além de 20 ou 30 cargos. [ ...] Mas não precisa na quantidade e nas funções que existem atualmente. (Dep. Est. Alexandre Marques, PT)

[ ...] os cargos de confiança em um governo são legítimos. A forma de se apropriar deles é que está errada. Se usa isso de uma maneira extremamente fisiológica, interesseira. Mas você não pode matar um cachorro por causa da pulga! Você tem que tentar matar a pulga preservando o cachorro. (Dep. Est. Pedro Alves, PSB)

Laços pessoais e nepotismo

O resultado da grande demanda por confiança que a desconfiança e ameaça de

traição nas relações políticas cria é fomentar a importância dos laços pessoais nas redes de

indicação que cada político possui para realizar sua política cotidiana. Uma indicação

pessoal terá mais probabilidades de encontrar o seu indicado em um círculo de pessoas

com as quais se manteve vínculos pessoais pretéritos do que por meio da busca de pessoas

cujo distintivo seja a qualificação técnica. Na verdade, o técnico só se habilita ao cargo,

do ponto de vista do político, se for um técnico de confiança.

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No argumento de Schneider “os fortes laços pessoais que permeiam a

administração brasileira são menos vestígios do Brasil tradicional do que respostas

perfeitamente racionais à complexidade e à incerteza” (Schneider, 1994:123). Mas é

igualmente sustentável que outras respostas possam surgir para fazer frente à

complexidade e à incerteza. Como quer que seja, o desdobramento inevitável e bem

conhecido deste sistema é a construção de uma burocracia cuja estrutura e distribuição do

poder está trespassada por laços pessoais entre políticos e burocratas e tornam a

compreensão do funcionamento da burocrática indecifrável, a não ser por meio dos

modelos de redes múltiplas de vinculação48.

A defesa quase consensual do nepotismo é perfeitamente enquadrável nesta lógica,

além de motivada por interesses econômicos em prover renda para os famili ares. Este

último motivo, no entanto, fica no terreno do não-discutido, e não é mencionado nas

entrevistas.

Os argumentos em favor do nepotismo apóiam-se sempre na necessidade de

confiança que se requer na esfera política. Em um desses argumentos, o deputado Mota,

em momentos diferentes da entrevista, vai apresentando, em seqüência, a lógica e os

argumentos que justificam o nepotismo:

Em cargos de confiança você bota alguém próximo a você. Alia-se a isso a competência técnica de cada pessoa [ ...] .

48 Veja-se, por exemplo, a análise de Marques (2000) sobre a lógica do desenvolvimento institucional da

Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro – CEDAE.

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[No momento de indicar] tem que ver primeiro o critério técnico, ver se a pessoa tem realmente condições [de desempenhar a função] . Depois você vê alguém que seja próximo a você, para você poder reivindicar. Já que vai ter a oportunidade de reivindicar, você tem que colocar alguém próximo a você.

Sou a favor do nepotismo. Primeiro que você não coloca ninguém que não tenha competência para exercer. Segundo, que, se um famili ar teu não gostar ou não puder fazer um trabalho bom pra você, não vai ser outro que vai fazer isso. Terceiro, se você olhar para todas as instituições e todas as classes, todo mundo quer ter um parente próximo. (Dep. Est. Damião Mota, PMDB)

Um deputado do PT do B apresenta argumento similar:

Se eu tiver que escolher entre o meu irmão e o vizinho, eu vou escolher o meu irmão, se para o cargo ele for capaz. [ ...] Mas se meu irmão ou meu tio não têm capacidade, eu vou contratar alguém capaz. (Dep. Est. Jair Silva, PT do B)

Mais à frente,

Se o cargo é pra ser de uma pessoa com aquela capacidade técnica – que ela tem – então serve. Se não tem [capacidade] , então vamos contratar outra pessoa. Mas tem que ser sempre do seu círculo. Porque você não vai botar do teu lado cobra para te picar. Até porque não se justifica. Muito menos na política. É pior ainda. (Dep. Est. Jair Silva, PT do B)

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As nomeações de parentes precisam atender a alguns critérios. Quanto maior a

complexidade da função, menos se pode abrir mão do conhecimento técnico; a indicação

será tanto melhor se for de parente-técnico. Por outro lado, quando mais simples as

funções, maior a liberdade para contratar os parentes. A opinião dominante sobre a

indicação de funcionários com vínculos de parentesco para cargos no governo mostra que

os deputados são a favor do nepotismo moderado, quando a nomeação de um número

limitado de parentes é legítima e justificável. Defendem o nepotismo, mas dentro de

critérios de "razoabil idade", que aqui significa moderação quantitativa. Por exemplo:

Não tenho nenhuma restrição em relação ao nepotismo. Inclusive, acho que se você tem uma pessoa competente na tua família, que tem tradição e que está no setor, ela não vai ser rejeitada pelo fato de você ser governador de estado, deputado etc. Mas é lógico que tudo tem limites. Você não vai colocar tua família inteira dentro do governo! (Dep. Est. Carlos Nobre, PPB)

[ ...] eu acho que nepotismo não tem nada de mais; só acho que não deve ser uma coisa abusiva, como, por exemplo, colocar no meu gabinete só os meus parentes. (Dep. Est. Lúcio Campos, PSDB49)

49 Em 2000, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP) saiu em defesa do sistema

de cotas para o nepotismo, argumentando que, no bojo da reforma do Judiciário, a proibição completa do

nepotismo faria com que a ela não fosse aprovada. Por isso, diz o deputado, “Se for derrubada a proposta, o

que acontece? A Câmara será, com muita razão, achincalhada. A minha preocupação é preservar a

imagem da Câmara e é melhor que saia desde já uma restrição, uma restrição violentíssima. Quer dizer

que em vez de permitir a contratação de 15 ou 20 parentes, que se permita um ou dois” (O Globo,

“Nepotismo por cotas”, 8/2/2000, p. 3).

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Três justificativas confluem para legitimar o nepotismo: a) o cargo de confiança

requer confiança, e o parente é aquele em quem se pode confiar plenamente; b) se o cargo

requerer qualificações técnicas, o parente só pode ser nomeado se as possuir; c) neste

caso, não há razão para preteri-lo em favor de outro indicado. Por isso, os que defendem a

prática consideram “hipocrisia” se opor ao nepotismo, já que ele é visto como uma

escolha lógica e natural, quando há competência para o desempenho da função. Por fim, o

nepotismo cumpre a função de responder às obrigações sociais experimentadas pelo

político; entre estas, empregar os parentes economicamente necessitados assoma com uma

das principais.

Não é surpreendente observar que o nepotismo goze de grande legitimidade entre

os deputados, pois ele se enquadra na lógica mesma do sistema fundado na necessidade de

confiança estrita, nas obrigações sociais com os membros da família50 e nos interesses

econômicos que estão apensos a ele.

Adam Bellow (2003) analisou as práticas de nepotismo ao longo da história,

comparando-as entre diferentes sociedades. Seu interesse era compreender a

particularidade do nepotismo contemporâneo na sociedade norte-americana, mas o livro

guarda interesse para a discussão desta prática sob a ótica dos deputados estaduais

fluminenses.

50 As obrigações sociais com os famil iares não parecem ser de menor importância. As pressões que provêm

das famíl ias para que os políticos empreguem sua parentela poderia mesmo fazer com que a proibição da

prática tivesse seu lado positivo, ao permitir que os políticos evitem a pressão de famil iares em busca de

emprego. Lembro, aqui, a observação do deputado federal Jackson Barreto (PTB-SE) que declarou apoiar

regras que proíbam o nepotismo: “ Essa proibição vai ser uma barreira de defesa para o próprio deputado.

Contra a pressão da sociedade e da família, que é a mais terr ível. A pressão da sociedade a gente discute

politicamente, a família não aceita discussão política nessa questão” (Folha de S. Paulo, 22/5/05, p. A6).

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O ressurgimento do nepotismo na política americana, argumenta Bellow, pode

indicar que sua persistência, apesar da ênfase nos valores meritocráticos – aos quais o

nepotismo, em princípio, seria contraposto –, expressa características intrínsecas à

natureza humana. Contudo, salienta o autor, o nepotismo norte-americano contemporâneo

é qualitativamente distinto das formas de nepotismo existentes no passado ou em outras

sociedades.

Na acepção de Bellow, nepotismo descreve todo tipo de favorecimento que deriva

de vínculos de parentesco. Favorecimento, neste caso, refere-se à decisão que não se

baseia exclusivamente em critérios meritocráticos. Ao longo da história política

americana as discussões sobre nepotismo espelham os conflitos entre mérito pessoal e

nascimento. O desenvolvimento da democracia moderna foi acompanhado por valores

morais, argumentos e leis em favor dos princípios do mérito, ao passo que as

prerrogativas associadas à descendência consangüínea ou parentesco por afinidade

reduziram sua importância no plano legal e valorativo, perdendo espaço na organização

do sistema administrativo e político.

Para Bellow, o que caracteriza o “velho nepotismo” , que seria o tipo de nepotismo

socialmente condenado na sociedade americana atual, é a atribuição de direitos e posições

administrativas e políticas aos parentes, independente das competências e quali ficações

pessoais. Por isso, ele foi sendo estigmatizado à medida que os valores meritocráticos se

fortaleciam.

The Old Nepotism involved parents hiring their children outright or pulling strings on their behalf. It was also highly coercive-obedient

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daughter marr ied according to their parents’ whishes, and dutiful sons allowed their fathers to chart their careers and often to select suitable brides for them as well . (Bellow, 2003:14)

O “novo nepotismo” é singular porque agora são os filhos que definem as suas

próprias carreiras, não os seus pais. Além disso, as novas formas de nepotismo combinam

critérios de nascimento com os critérios de mérito, de modo que a trajetória da carreira

dos descendentes se torna muito mais compatível com os modernos critérios

democráticos, o que aumentou sua legitimidade na sociedade americana contemporânea:

Americans increasing feel that there is nothing wrong with hiring a relative, so long as he or she is quali fied. We even say that when we hire a relative or pull strings to help relatives who are qualified, that is not really nepotism. But this leaves us in the logically inconsistent position of saying that hiring a relative is or is not nepotism depending on the relative’s performance. (Bellow, 2003:15)

O “novo nepotismo” distingue-se do velho porque incorpora o mérito e o

desempenho profissional como critérios de atribuição de posições. Assim, ele tem

aceitação no sistema social norte-americano porque conseguiu conciliar um impulso

biológico51 – promover os seus descendentes –, e um valor moral – o sistema de mérito. O

51 “ [ ...] deeply ingrained habits and impulses that induce us to favor our kin” . Os argumentos biológicos

sobre a prática do nepotismo Bellow discute no instigante capítulo 2, "From biology to culture – a natural

history of nepotism” , no qual argumenta que à pergunta sobre se o nepotismo está ou não em nossos genes

uma resposta objetiva pode ser dada: “The short answer is yes, and there is plenty of evidence to support the

idea. Since humans are the social animal par excellence, it would be more surprising to biologists if

humans didn’ t practice nepotism. Yet nepotism in humans is not simple, fixed, or static: unlike animal

nepotism, it does not remain operative solely at the biological level but has a second li fe in culture. This is

what makes human nepotism different from that of other social species: the capacity to create kinlike

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resultado é o nepotismo meritocrático, no qual se permite que uma fração expressiva das

posições-chave do sistema social continue a ser ocupada pelos herdeiros biológicos, que

carregam não só os genes, mas as quali ficações indispensáveis às posições que ocupam.

“Every society therefore evolves a formula geared to its needs and conditions. America

has developed a formula that represents a historical accommodation between our need

for biological and social continuity and our liberal ideals” (Bellow, 2003:17). Esta é a

distinção entre o contemporâneo nepotismo norte-americano e o nepotismo das

oligarquias gregas e romanas, das castas indianas ou das tribos africanas.

Não importa, aqui, debater os argumentos de natureza biológica que o autor

apresenta para justificar a persistência do nepotismo norte-americano, mas, sim, comparar

a relação que há entre a definição de nepotismo meritocrático e a percepção dos

deputados estaduais fluminenses sobre nepotismo na administração pública.

Antes, porém, é preciso destacar que quando Bellow se refere ao nepotismo na

política americana, pensa principalmente nos herdeiros dos cargos políticos executivos e

menos nos cargos administrativos. No caso fluminense, a idéia de nepotismo está

associada à nomeação para cargos na administração. Esta é uma diferença importante,

porque não soa negativo, e muito menos indevido ao político fluminense – e à sociedade

brasileira – tornar seus descendentes biológicos herdeiros políticos. A prática não é

considerada nepotismo aqui, ao menos do ponto de vista das percepções sociais.

attachments by extending the benefits of altruism to people who are not biological relatives. Thereby

nepotism grows and twists l ike the strands of a tenacious vine through human history” (Bellow, 2003: 52-

3).

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A noção de nepotismo meritocrático é semelhante às percepções dominantes dos

deputados do Rio de Janeiro. Como mencionei, eles não vêem problemas em nomear

parentes competentes para os cargos52. O parente competente não pode ser punido por

vínculos de parentesco. No caso de funções que exigem pouca quali ficação, o nepotismo

se justifica, contanto que o parente trabalhe.

Nos trechos a seguir os argumentos são em defesa do nepotismo meritocrático.

Se a pessoa é parente, mas tem uma participação partidária, participou da campanha ativamente e tem competência técnica, não vejo porque não nomear. Ela não vai ter um privilégio a mais por ser parente. O problema é quando a pessoa não tem competência técnica, não participa da vida política, não tem experiência política e você só nomeia por ela ser parente, aí é que eu acho que é nepotismo. (Dep. Edgar Soares, PT)

Se você tem uma pessoa que é de confiança, que é competente, e se ela é mais próxima, é melhor para você. Mas se ela não tem competência, aí é outra história. (Dep. Est. Antônio Macedo, PSB)

Se ele é meu irmão, é competente e coadjuvando a causa que eu defendo, [ ...] eu acho que é normal nomeá-lo para ser secretário, para ser assessor, para ser qualquer coisa, entendeu? (Dep. Est. Pedro Alves, PSB)

52 Em discurso, pronunciado na tribuna do Senado Federal, o senador Roberto Requião disse que “o

nepotismo é uma mal na política do Brasil e no mundo quando é o nepotismo da proteção, da vantagem, dos

recursos públicos e do desvio de trabalho. Porém o parentesco não é cláusula infamante. Há mais de 20

cargos em meu gabinete: preenchi um cargo com um irmão, ex-Deputado Federal de extraordinária

competência, porque precisava dele” (Anais do Senado Federal, 3/08/1999).

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Vê-se que nepotismo não significa toda e qualquer nomeação de parentes para

cargos públicos, mas a nomeação de parentes sem qualifi cações para o cargo.

A relação entre nepotismo e confiança, mencionada no início desta seção, deriva

da necessidade que os deputados têm de controlar setores da administração contra o uso

político de adversários ou para evitar a corrupção. Em todo caso, é nos parentes que se

deposita a extrema confiança. Nenhuma passagem é tão expressiva sobre essa visão que o

parecer emitido ao projeto de Lei n° 33/99, que “vedava a nomeação de parente para

cargos e funções comissionadas”. O parecer do relator, contrário ao projeto, é sintomático

e significativo, pois expressa o ponto de vista dominante entre os deputados:

Ao deputado, ou à autoridade interessada, compete a avaliação daqueles que ocuparão os cargos e funções comissionadas, que são cargos de confiança. Tratando-se de uma cargo de confiança, as indicações, fundamentalmente, devem recair em parentes e pessoas muito chegadas à autoridade indicadora. O fato não se reveste de qualquer laivo de imoralidade, visto que, nos dias atuais, a confiança é aplicável, especialmente, aos parentes53. (Dep. Est. José Cláudio, PMDB)

Ao deixar de lado a discussão sobre os interesses econômicos que estão associados

ao nepotismo não quero dizer que esta seja uma dimensão menos importante; apenas não

foi discutida nas entrevistas. Sociologicamente, é interessante mencionar que o interesse

53 Parecer ao projeto de Lei n° 33/99 de autoria do deputado Carlos Minc (PT-RJ). O Tribunal de Contas da

União (TCU) recentemente apresentou, na figura do relator Benjamin Zymler, argumento semelhante para

negar a representação contra as nomeações de parentes na Câmara dos Deputados. Para o relator do

processo, “a atividade político-partidária, talvez mais que nenhuma outra, pressupõe, entre superior e

subordinado, relação de confiança, lealdade, compromisso. Daí, não ser incomum, no parlamento federal,

a nomeação de parentes para a ocupação de cargos de natureza especial, cujos atributos, [ ...] , são

extremamente genéricos e amplos” (Folha de S. Paulo, 20/5/05, p. A14).

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econômico por trás do nepotismo só é mencionado como parte dos argumentos de

acusação daqueles (poucos) que se opõem à prática. Da mesma forma que os que

defendem o nepotismo acusam os demais de “hipócritas” , os opositores util izam o

nepotismo como uma categoria de acusação.

O sistema de relações baseado na confiança pessoal que se instaura, estimula e

impõe ao político lutar por seus espaços pessoais de representação nos nichos da

burocracia que são de seu interesse ou que sua posição nas relações de poder lhe permite

disputar. Algumas Secretarias de governo podem ser pensadas como um somatório de

nichos de representação política particular – conforme ilustra o caso analisado no próximo

capítulo –, que impõem ao político o conhecimento das redes individuais e estratégias de

montagem de suas próprias redes pessoais. Esse é um meio eficaz de aumentar as chances

de atendimento aos “pleitos” das “bases” eleitorais, que representam a parte mais

expressiva da “política do cotidiano” para a maioria dos deputados (Kushnir, 1998). Por

isso, a cordialidade entre os atores que convivem na ALERJ é importante e se expressa

nas repetidas ações de deferências recíprocas que os deputados estabelecem entre si.

Como observa um dos entrevistados,

O carro da CEDAE na Ilha está quebrado, o chefe da CEDAE não consegue, já pediu ao seu superior e ele não consegue. A gente liga para a diretoria da CEDAE, vê quem é amigo de quem: ‘Fulano, quem é que está lá na diretoria? É teu indicado? Pô, pede a ele. Diz que estamos sem carro [na CEDAE da Ilha] ’ . Na Secretaria de Saúde, a gente pergunta: ‘Quem está na direção do hospital tal. É amigo de quem? É indicado por quem?’ Aí falamos [para quem indicou] : ‘Fulano, olha, estou precisando de uma cirurgia de ortopedia neste hospital. (Dep. Est. Jair Silva, PT do B)

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Se não tiver a amizade é impossível fazer qualquer tipo de trabalho, porque a amizade gera a parceria. A política, na minha visão, é uma troca. Por exemplo, eu fiz questão de visitar um ex-deputado que assumiu um cargo importante no governo federal, claro, pela amizade [ ...] , mas não posso esquecer que eu sou político, então, eu me coloquei à disposição dele e, é claro, também já fui levar questões que com certeza vão precisar [do apoio] dele. [ ...] A política não tem como existir sem essa parceria. (Dep. Est. Lúcio Campos, PSDB)

A necessidade de manter boas relações e a “parceria” com os demais políticos é

imperiosa porque os níveis mais altos e intermediários da burocracia se estruturam a partir

das indicações pessoais. Afinal, cada deputado (governista) controla “espaços” 54

determinados na administração, e para que todos possam ingressar em espaços alheios e

aumentar as probabili dades de atendimento aos “pleitos” que lhes chegam é preciso não

quebrar os laços com os outros políticos, não “ implodir as pontes” que abrem caminhos

na administração. Como os deputados costumam mencionar, “o adversário de hoje pode

ser o aliado de amanhã” .

54 Os políticos fluminenses costumam util izar a palavra “espaço” como sinônimo de cargos no governo.

Assim, quando dizem que alguém “ tem muito espaço no governo”, querem dizer que esta pessoa tem muitos

de seus indicados nomeados pelo governador. A substituição da palavra cargo por espaço parece ser um

mecanismo adicional que os deputados encontram para, no plano do discurso, não falarem de forma direta e

objetiva sobre os cargos que, como mencionei no início, é tratado de modo circunspecto, ao menos nas

referências públicas.

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CAPÍTULO III

A lógica do preenchimento de cargos na Secretar ia Estadual de Educação

(1999-2004)

Neste capítulo descrevo e analiso a lógica efetiva do preenchimento dos cargos de

confiança em uma Secretaria estadual de governo, a Secretaria Estadual de Educação

(SEE).

A escolha da SEE deve-se ao fato de ser a maior Secretaria de governo do estado

em recursos orçamentários55 e em número de funcionários56 e, por isso, palco de intensa

disputa política. A SEE também caracteriza-se por ter alta rotatividade do cargo de

secretário, o que, do ponto de vista analítico, ajuda a compreender as questões discutidas

neste trabalho, pois a mudança neste cargo permite observar seus desdobramentos na

organização administrativa da Secretaria.

Por fim, considerei o fato de a Educação ser uma área de atuação do governo

menos sujeita aos obstáculos práticos para a realização da pesquisa, tais como

dificuldades de realizar entrevistas, acesso a dados e informações ou obstáculos derivados

de questões relacionadas à corrupção, desvios de verbas e irregularidades, que com

55 O volume de despesas previstas para a Pasta da Educação no orçamento de 2005 foi de pouco mais de 4

bilhões de reais, bem acima do valor gasto pela segunda Secretaria mais dispendiosa do governo, a

Secretaria de Segurança Pública, cuja despesa prevista foi de 3,5 bi lhões de reais para o ano fiscal de 2005

(cf. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 5/1/2005, p. 66). 56 Ao todo, estão sob a administração da SEE aproximadamente 100.000 funcionários, entre professores,

assistentes, auxili ares etc.

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alguma freqüência emergem do noticiário político e inevitavelmente criam problemas à

realização de pesquisas relacionadas ao tema deste trabalho.

O período de análise recobre o governo de Anthony Garotinho (1999-2002), eleito

pelo PDT, e o governo atual, de Rosinha Garotinho (2003-2004), esposa do ex-

governador, eleita pelo PSB, atualmente filiada ao PMDB. A pesquisa perfaz um período

de seis anos (1999-2004).

As fontes de informação foram um conjunto de entrevistas realizadas com

funcionários que ocuparam cargos na Secretaria ao longo do período em questão e a

relação das nomeações que ocorreram ao longo do período, compulsadas no Diário

Oficial do Estado.

Este capítulo dá uma dimensão mais concreta à pesquisa no que diz respeito à

dinâmica de preenchimento dos cargos de confiança e permite contrabalançar o social

desirabili ty bias dos discursos apresentados nas entrevistas dos deputados, que é o

discurso que os deputados julgam ser publicamente aceitável, mas não corresponde à

prática efetiva das suas decisões sobre a indicação para cargos de confiança. Mas, por ser

restrita a um período de apenas seis anos e analisando somente uma fatia da administração

estadual, a análise é limitada.

Apesar disso, acredito que a SEE tem uma dinâmica política que reproduz parte da

lógica de negociação dos cargos entre os poderes Executivo e Legislativo do estado.

Ademais, seu exemplo é indicativo de como ocorrem os processos de montagem da

burocracia estadual em outras Secretarias e o papel de intermediação dos agentes

políticos, especialmente os deputados, neste processo.

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A SEE foi criada pelo Decreto n° 605, de 9 de novembro de 1938, a partir do

desmembramento da Secretaria de Governo, quando passou a ser denominada Secretaria

de Estado de Educação e Saúde. Ao longo dos anos, uma série de leis, decretos e

resoluções foram alterando sua estrutura administrativa, bem como a competência

funcional de seus órgãos e departamentos. Somente em 1983, por meio da lei n° 689, a

secretaria passou a ser denominada unicamente Secretaria Estadual de Educação.

Em 1997, a estrutura administrativa da SEE era composta por 515 cargos

comissionados, que são cargos com funções gratificadas e oficialmente preenchidas por

meio de nomeações do governador do estado.

Alterações graduais na estrutura de cargos reduziram seu número e em agosto de

2003 o total de cargos de confiança preenchidos na SEE era de aproximadamente 42057.

Isto não significou redução no número de cargos de confiança do governo, pois é comum

que cargos extintos em uma Secretaria sejam transferidos para outra, ou para uma nova

Secretaria a ser criada. Ao longo do período estudado, por vezes ocorreram

remanejamentos de cargos na estrutura do governo, e aqueles que pertenceram à SEE

foram transferidos para outros órgãos e Secretarias, criadas para atender novas demandas

administrativas, burocráticas ou políticas.

Rotina um pouco distinta é suprimir cargos na Secretaria e deixá-los à disposição

do Gabinete Civil para uso futuro. Como a legislação veda a criação de cargos novos sem

57 Dados levantados na Coordenação de Controle de Cargos em Comissão e Funções de Confiança da SEE.

De acordo com SARE (2000), cujos dados mais atualizados são de 2000, o número de cargos em comissão

da SEE era de 620. Destes, 423 estavam ocupados e 197 cargos estavam vagos.

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que se definam fontes adicionais de receita no orçamento estadual, aquele é um

expediente eficaz para facili tar mudanças na estrutura administrativa do estado.

Há, por exemplo, uma prática que permeia a dinâmica política de diversos

governos no Rio de Janeiro relacionada à criação de novos cargos administrativos para

atendimento das demandas de grupos políticos que não foram contemplados com a

estrutura vigente. Em muitos casos, o remanejamento dos cargos serve à criação de

“Secretarias Extraordinárias de Governo” . Estas são, na maioria das vezes,

extraordinárias58, porque cumprem o papel de atender a demanda por cargos feitas por

aliados que não foram atendidos pelo governo no processo inicial de distribuição dos

cargos de governo. “Daí [as Secretarias Extraordinárias] não possuírem nem mesmo

estrutura administrativa” , relata uma funcionária da Secretaria de Estado e Reforma do

Estado.

Um ex-deputado, à época integrante da base parlamentar de apoio ao governo

Garotinho, discorre sobre este processo:

58 O que não quer dizer que a criação de Secretarias ordinárias não seja motivada por interesses políticos

semelhantes. Para dar um exemplo, em novembro de 2000, o jornal O Globo noticiava que “o governador

Anthony Garotinho já traçou a estratégia para acomodar e manter sua base política, agora que está fora

do PDT. [ ...] o governador decidiu criar duas pastas para alçar o PMDB ao primeiro escalão.

Desenvolvimento Urbano e Defesa do Consumidor são as duas novas secretarias que deverão ser

comandadas pelos peemedebistas [...] ” (O Globo, 19/11/2000, p. 8). O jornal O Dia, de 3/01/2004,

apresentava a matéria “Secretaria é criada para acabar com briga interna do PMDB” em que ressaltava que

“com a criação da Secretaria de Estado da Infância e da Juventude, [a governadora] Rosinha conseguiu

solucionar uma briga interna no PMDB de São Gonçalo [município da área metropolitana do estado do

Rio] . Para ganhar o comando da pasta, o deputado estadual Altineu Cortes abriu mão de sua candidatura

à Prefeitura de Niterói em favor da deputada Graça Matos, aliada de Rosinha” .

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[ ...] você elege uma prioridade (porque você não tem como resolver todos os problemas, certo?), por exemplo: ‘ a minha prioridade é remover esse morro aqui.’ Só que pra ver esse morro removido você precisa de gente. E, às vezes, é uma força política que você precisa ter para apoiar o processo de remoção desse morro e, às vezes, você tem que dar um espaço político pra esse segmento para que ele dê a base de apoio político para que você possa remover esse morro. Às vezes, você cria uma Secretaria extraordinária. Na verdade, ela está contemplando ali um segmento, algo que, no mérito, em si, não seria prioritário. (Dep. Est. Antônio Macedo, PSB)

Outro deputado ressalta que a criação de novos cargos e órgãos de governo

É uma prática recorrente, que acontece muito, em diversos níveis. Se você pegar o jornal verá que o Garotinho, assim que perdeu as eleições, em novembro e dezembro do ano passado [2004] desmembrou e criou uma série de Secretarias para abrigar os candidatos à prefeitura derrotados. (Dep. Est. Alexandre Marques, PT)

Esta lógica de “acomodações políticas” tem implicações também na organização

da estrutura de funcionamento interno das próprias Secretarias, como discuto adiante.

As mudanças político-partidár ias na SEE

A SEE é uma Secretaria marcada por descontinuidades administrativas. Desde a

fusão entre os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, ela teve vinte

secretários. De 1994 a 2004, o ocupante do cargo mudou doze vezes.

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A história política da SEE desde o período da fusão é fragmentária e não há textos

que façam uma análise específica nesse sentido. A análise das políticas públicas

formuladas para a Educação, bem como as sucessivas alterações a que estiveram

submetidas do período da fusão ao governo de Marcello Alencar (1995-1998) é feita por

Santos (2003, cap. 2).

O objetivo desta seção é tão-somente descrever, de forma breve, as composições

político-partidárias que estiveram à frente da administração da SEE a partir de 1999, para

dar inteligibilidade à dinâmica das nomeações em seu interior. O partido político é uma

variável fundamental para o entendimento não apenas dos nomes que ocupam os

principais cargos da Secretaria, mas da forma pela qual eles são preenchidos.

Em 1999, o governador Anthony Garotinho se elegeu em coligação partidária que

incluía PT, PCdoB, PCB, PSB e o próprio partido do governador, PDT, sucedendo o

governador Marcelo Allencar (PSDB). Nas negociações em torno da divisão política das

Secretarias de governo, PDT e PT ficaram com a pasta da Educação, mas o PDT foi o

partido hegemônico, indicando o Secretário e os principais cargos da Secretaria. O PT

indicou alguns subsecretários e para alguns cargos responsáveis por políticas públicas nas

quais o partido já tinha experiência de outras administrações, como o programa para

alfabetização de adultos e um programa social denominado bolsa-escola. Ao todo, o

partido indicou nomes para nove cargos.

O Secretário se manteve no cargo por apenas dez meses e foi sucedido pelo então

Subsecretário de Educação, também filiado ao PDT e alçado ao posto em outubro de

1999. Permaneceu pouco mais de quinze meses no cargo. Neste período, o governador

mudou-se para o PSB e carregou consigo 15 mil novos fili ados, entre os quais, dois

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secretários de governo, prefeitos, vereadores. Uma das condições impostas por ele para a

permanência dos funcionários dos principais cargos da Secretaria era a filiação destes ao

seu novo partido. Alguns dos fili ados ao PDT migraram de partido e permaneceram nos

cargos. Outros não se fili aram ao PSB e por isso entregaram ou perderam seus cargos. O

caso mais expressivo e sintomático do papel que a legenda partidária desempenha como

sinalizador das redes de aliança que vinculam o Executivo aos deputados e estes aos

funcionários foi o do próprio Secretário de Educação. Com a fil iação do governador ao

PSB, o secretário licenciou-se do PDT por sessenta dias, mas se recusou a mudar de

partido e foi exonerado assim que sua licença expirou, o que pode ser interpretado como

uma punição do governador por não tê-lo acompanhado na filiação ao novo partido. Isto

ocorreu em janeiro de 2001. Em abril de 2000, o PT já havia se retirado da coalizão de

governo e entregado os cargos que ocupava.

Com o governador no PSB e seu rompimento com o PDT e PT na Assembléia

Legislativa, a composição política na ALERJ mudou, alterando também o comando

político da própria SEE.

Em janeiro de 2001, a pasta passou a ser controlada pelo PMDB, com PSB tendo

papel coadjuvante no preenchimento dos cargos. O novo secretário era indicação do

PMDB – indicação pessoal de um cacique do PMDB estadual e presidente da ALERJ – e

a subsecretaria era ocupada por um quadro do PSB. Uma vasta mudança na composição

dos principais cargos pôde ser observada, como mostra o organograma no Apêndice A.

Quinze meses após o preenchimento dos cargos pelo PMDB/PSB, novas

circunstâncias político-partidárias alteraram a composição partidária na Secretaria. Para

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concorrer à presidência da República, o governador Garotinho (PSB) deixou o governo do

estado e o transmitiu à vice-governadora Benedita da Silva, do PT.

Nas discussões sobre a distribuição dos cargos do novo governo, o PT negociava

com o PMDB um acordo de sustentação política na ALERJ, para ter maioria parlamentar.

Em reunião conjunta, as lideranças dos dois partidos não entraram em acordo

sobre a que partido caberia o controle da SEE59. O confli to irresoluto terminou por

impedir a aliança (institucional) entre estes partidos. O controle da SEE passou para o PT.

O novo secretário tomou posse em abril de 2002 e permaneceu no cargo pelos nove meses

subseqüentes, quando terminou o mandato da governadora Benedita da Silva. Neste

mesmo ano, foram realizadas as eleições para os governos estaduais e a candidata do PT

foi derrotada pela candidata do PSB, Rosinha Garotinho. Em janeiro de 2003, com a

posse do novo governo, o PMDB retomou o controle da SEE e indicou o mesmo

secretário que anteriormente havia indicado na primeira gestão. O PSB também participou

do preenchimento dos cargos, mas de forma minoritária. Em janeiro de 2004, o secretário

foi substituído após sofrer críticas relativas à falta de professores nas escolas estaduais. O

novo secretário, novamente indicado pelo PMDB60, tomou posse e permanece no cargo.

Em agosto desse mesmo ano, o ex-governador Garotinho e a governadora Rosinha

migraram para o PMDB. Esta mudança, no entanto, não teve desdobramentos importantes

no preenchimento dos cargos da SEE, pois esta já era controlada pelo PMDB.

59 Em 4/4/2002, ocorreu uma reunião entre os dois partidos, em que participaram lideranças políticas do PT

e três lideranças do PMDB estadual. De acordo com a imprensa, “o ponto da discórdia foi a Secretaria de

Educação, atualmente ocupada pelo PMDB. Como as duas partes não abriam mão de controlar a pasta, as

conversas foram encerradas” (O Globo, 5/4/2002). 60 Esta foi uma indicação conjunta da governadora e dois deputados do PMDB, um dos quais rivalizava com

o deputado que havia indicado o secretário anterior.

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De forma resumida, o quadro abaixo precisa um pouco mais a evolução política da

SEE, desde 1999. Ela foi controlada por três partidos políticos isoladamente ou em

coligação: PDT, PT e PMDB.

Quadro 1. Secretários de Educação de 1999 a 2004: vinculação partidária

1/1/99 a 4/10/99 – PDT (Secretário Emir Lima)

4/10/99 a 15/1/01 – PDT (Secretário Marcelo Lourenço, licenciado do PDT em 11/00)

15/1/01 a 6/4/02 – PMDB (Secretário Celso Machado)

6/4/02 a 31/12/02 – PT (Secretário Carlos Nogueira)

1/1/03 a 31/12/03 – PMDB (Secretário Celso Machado)

1/1/04 até o presente – PMDB (Secretário Paulo Rodrigues)

Fonte: Compilação do autor a partir do Diário Oficial do Rio de Janeiro.

Se do ponto de vista da continuidade administrativa e da implementação bem-

sucedida das políticas públicas as alterações sucessivas provocam conseqüências

deletérias, do ponto de vista da análise da lógica de preenchimento dos cargos tais

alterações permitem observar com maior nitidez o impacto que as mudanças político-

partidárias têm na organização dos quadros administrativos da SEE e as discussões

efetivas entre os atores políticos que precedem o preenchimento dos cargos.

Em pelo menos três momentos houve grande alteração nos cargos. Na transição do

governo do PSDB (1994-1998) ao PDT; no momento em que a SEE deixa de ser

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administrada pelo PDT/PT/PSB e passa para o PMDB, e no momento em que este deixa a

Secretaria, por conta da posse do breve governo do PT, a partir de abril de 2002. Estes

momentos tornaram nítida a dimensão e o escopo da política de espólio. Os organogramas

da SEE apresentados no Apêndice A detalham as mudanças de cargos que decorreram

das alterações no controle político desta. Por meio da análise dos cargos preenchidos e das

cores dos nomes que ocuparam cada função pode-se observar no organograma como as

mudanças vão se processando ao longo do tempo. A lógica que orientou as nomeações

será discutida em seções subseqüentes.

A estrutura administrativa da Secretaria Estadual de Educação

Antes de apresentar a estrutura administrativa da SEE, é importante esclarecer

termos que são fundamentais da estrutura dos cargos de governo. De acordo com o artigo

37 da Constituição Federal, a administração pública brasileira dispõe de dois tipos de

cargos públicos: os cargos efetivos, cuja ocupação ocorre por meio de concurso público, e

os cargos de confiança (ou cargos em comissão), que são cargos de livre nomeação e

exoneração por parte daqueles que têm a prerrogativa para tal61. O mesmo artigo

61 O artigo 37, inciso II da Constituição Federal dispõe que “a investidura em cargo ou emprego público

depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a

natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para

cargos em comissão declarado em lei de l ivre nomeação e exoneração” . Entre a palavra cargo e emprego,

há uma distinção. De acordo com Di Pietro, “ quando se passou a aceitar a possibi lidade de contratação de

servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser util izada ,

paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se da

outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor ao Estado” (Di Pietro apud Bergue, s/d). Portanto, enquanto o

cargo público se refere aos cargos cujo vínculo empregatício é de tipo estatutário, o emprego público se

refere à ocupação cujo vínculo é regido pela CLT.

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menciona que as funções de confiança só podem ser exercidas por servidores ocupantes

de cargos efetivos. E os cargos em comissão “devem ser preenchidos por servidores de

carreira, nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei” (art. 37, V62). Mas

não se estabelecem distinções entre o que são funções de confiança e cargos em comissão,

a não ser o fato de estes últimos poderem ser preenchidos por pessoas de fora do quadro

efetivo de funcionários do estado. Tanto as funções de confiança quanto os cargos em

comissão “destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”, sendo

cargos de nomeação ad nutum. Cargo e função podem, aqui, ser utili zados como

sinônimos.

A estrutura administrativa da SEE pode ser dividida em três grandes blocos. O

primeiro se refere aos cargos de Secretário (1) ao qual se subordinam o subsecretário (1) e

as subsecretarias adjuntas (5). Subordinadas às subsecretarias adjuntas se encontram os

cargos de superintendência (7). Ao lado das subsecretarias e diretamente subordinado ao

secretário encontra-se a chefia de gabinete e a assessoria jurídica. Estes cargos compõem

o que se pode chamar de primeiro escalão da SEE.

Abaixo dos cargos de secretários, subsecretários e superintendentes estão algumas

dezenas de cargos de diretoria, coordenação, assessoria e assistência. Somados estes aos

cargos de primeiro escalão, o total é de 213 cargos.

O segundo conjunto de cargos são as coordenadorias regionais. Elas estão

distribuídas espacialmente por todo o Estado do Rio de Janeiro e são responsáveis por

62 Este inciso ainda não foi regulamentado.

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implantar as orientações administrativas e pedagógicas produzidas na cúpula da SEE,

funcionando como elo entre a cúpula da Secretaria e as diretorias das escolas estaduais63.

As coordenadorias têm diferentes abrangências geográficas e número de escolas

supervisionadas. A coordenadoria regional da Região Noroeste Fluminense I, por

exemplo, se estende por quatro municípios daquela região do estado e é responsável por

25 unidades escolares. A coordenadoria da Região Metropoli tana III compreende bairros

da Zona Norte e Zona Suburbana da cidade do Rio de Janeiro, sendo responsável por 144

escolas. Estas diferenças criam hierarquias entre as coordenadorias, que se traduzem em

disputas mais ou menos acirradas em torno do controle político de cada uma delas.

Todas as coordenadorias possuem a mesma estrutura administrativa, reproduzida

no organograma abaixo:

63 Criadas em 1997, em número de 15, as coordenadorias regionais passaram a ser 29 a partir de 2000. De

acordo com o decreto nº 25.956, as atribuições das Coordenadorias regionais eram:

“ I – implantar e implementar a política de educação da Secretaria de Estado de Educação, nos

órgãos educacionais da área de abrangência da Coordenadoria Regional;

II – promover a interação entre órgãos públicos e privados no contexto regional;

III – atender as necessidades de informações pedagógicas e administrativas a nível local e nível

central;

IV – coordenar, orientar, acompanhar e avaliar as ações das unidades escolares da área de sua abrangência”.

(Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 10/1/2000).

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Coordenador ia Regional deEducação - DA S 10

Gerência de AdministraçãoDAS 7

Gerência de Ensino. Gestãoe Integração

DAS 7

AssessorDAS 8

Assistente - DAS 6Equipes Técnico-

Pedagógica de EducaçãoBásica, Gestão, Finanças e

de Matrícula

Equipe de Acompanhamento e de AvaliaçãoAssessor - DAS 7

01 (um) componente para cada quinze escolas

Assistente - DAS 6Equipes de Protocolo, dePessoal, de Suprimento e

de Patrimônio

Unidades Escolares

Fonte: Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 10/01/2000, p. 8

FIGURA 1. ORGANOGRAMA DAS COORDENADORIAS REGIONAIS DEEDUCAÇÃO

Com 29 coordenadorias, cada qual com pelo menos sete cargos de nomeação, este

segundo bloco da estrutura administrativa da SEE possui 203 cargos.

O último conjunto de cargos que compõem a SEE, maior de todos, se refere aos

diretores de escola e todo o quadro de funcionários que pertencem ao seu quadro

funcional, tais como professores, orientadores, técnicos educacionais, merendeiras,

serventes etc. O número de funcionários efetivos, contratados e terceirizados, é de

aproximadamente 97.000.

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A diretoria escolar é um cargo de nomeação, porém os diretores são escolhidos

por meio de eleições diretas nas escolas. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça

reconheceu, a partir de uma representação apresentada por um partido político, que o

diretor de escola é um cargo de confiança e que pode, portanto, ser de livre nomeação do

governador. A solução intermediária, atualmente em vigor, é o sistema baseado na

existência de uma lista tríplice de candidatos à diretoria da escola, que é submetida à

escolha da governadora.

É surpreendente descobrir que o organograma apresentado no Apêndice A não

existia, de forma completa, na própria SEE. Em algumas circunstâncias a SEE operou

com organogramas paralelos, que orientavam as nomeações em Diário Oficial. Por mais

que os funcionários que ocupassem as posições-chave da Secretaria tivessem controle do

seu setor específico, ou mesmo o conhecimento de diversos setores, a visão global de toda

a estrutura de cargos não era do seu conhecimento, como mostraram as entrevistas.

Por outro lado, o organograma oficial não correspondia à estrutura de

funcionamento e subordinação hierárquica efetiva na Secretaria. Havia inúmeros

assessores e assistentes, oficialmente vinculados a setores específicos, mas oficiosamente

alocados em setores bastante diferentes. Ao longo do tempo, as mudanças administrativas,

reordenações de funções e nomeações sucessivas, todas resultantes de mudanças, ou do

Secretário de governo, ou dos próprios governos no poder, acabaram por produzir um

organograma oficial que destoava muito do funcionamento prático da SEE. Estas

alterações resultaram tanto da necessidade de reestruturar algumas funções quanto das

contínuas demandas por cargos, provenientes de diversos políticos. Como mencionou um

ex-secretário,

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[ ...] cada vez que se entra no balcão de negócios, você tem que arrumar 30 cargos, 50 cargos, 100 cargos. Então, você tem que mudar a estrutura [administrativa da SEE] para caber todo mundo, todos os grupos dos deputados. (Marcelo Lourenço, ex-secretário de Educação)

Você tem, da fusão [do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, ocorr ida em 1975] até agora, remendos de organogramas que são feitos para atendimento principalmente para questões políticas no sentido de dar acomodação dos cargos e nunca em relação a um planejamento educacional. [ ...] o critério para a montagem dos organogramas foi primeiro o critério político de atendimento dos cargos. (Rogério Ventura, ex-subsecretário de Educação)

A política de preenchimento dos cargos na SEE

Já que um estudo sobre as motivações que levaram ao preenchimento dos

principais cargos da Secretaria, no âmbito individual, era difícil , analisei a dinâmica das

discussões relacionadas ao preenchimento dos cargos de forma mais ampla: que atores

influenciaram? Como ocorrem as discussões dentro dos partidos? Qual o papel do

governador? Qual o papel do secretário? Como se estabelece o jogo de forças entre os

atores que participam das indicações? Acima de tudo: que impacto a mudança nas forças

políticas – grupos políticos, partidos e governos – tem na alteração dos quadros da

burocracia em particular, e nas políticas públicas, de forma geral?

O processo de montagem dos quadros da SEE, a partir de 1999, foi levado a termo

por dois partidos: PT e PDT. Escolhido o Secretário, começa o processo de montagem dos

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quadros do primeiro escalão de cargos da SEE. O Apêndice A mostra que os principais

cargos, que incluem subsecretarias e superintendências, mudam inteiramente com a

chegada do novo governo.

Ao lado da análise do número de funcionários substituídos, é interessante analisar

o processo de tomada de decisão sobre essas substituições, pois aqui se pode avaliar de

modo mais detalhado, como se preenchem os quadros da burocracia na SEE, cuja lógica

muda de acordo com o partido que a controla poli ticamente.

Neste primeiro caso, em que PDT, como partido hegemônico, e PT foram os

responsáveis por preencher os cargos, o processo transcorreu por meio de reuniões

realizadas em conjunto entre setores do partido que selecionava nomes potenciais para os

cargos a ocupar. Membros dos dois partidos ligados ao setor da Educação, além de grupos

políticos e representantes de alguns movimentos da sociedade civil estabeleceram rodadas

de discussão e negociação para definir nomes para ocupar os cargos e políticas públicas

para executar.

As discussões foram delineando os nomes dos indicados. Indicações eram

apresentadas por membros do partido, por deputados estaduais e, no caso do PT e PDT,

uma fração minoritária dos cargos derivava de indicações feitas por movimentos sociais

com vínculos no partido. As reuniões e discussões entre os membros do partido são

momentos de disputa e conflito, em que as facções e grupos políticos, ou os políticos

individualmente, tentam exercer pressão para alocar seus indicados em cargos. O

Secretário muitas vezes faz esse papel de mediar a relação entre os políticos e grupos que

indicam e o governador. Mas todas as escolhas sempre levam em conta critérios político-

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partidários na definição dos indicados, mesmo os cargos mais técnicos. Os nomes

indicados, em regra, precisam vir acompanhados por “apoios políticos” 64.

Há uma variável circunstancial – o grau de autonomia conferido ao Secretário para

preencher os cargos –, mas ela é limitada por pressões que incidem de todos os setores

dos partidos que são responsáveis pelo comando político da SEE. O caso extremo, que

ocorreu com o primeiro secretário indicado pelo PMDB, é o do secretário que faz um

papel de figuração, apenas mediando e coordenando as disputas políticas e econômicas

que se estabelecem na SEE. Indicado por um deputado estadual do PMDB, este secretário

afirmava ser uma pessoa de partido, o que significava para seus interlocutores que ele

estaria pronto a atender aos pedidos de cargos e outros recursos provenientes dos políticos

do partido, especialmente os deputados da ALERJ. Um ex-chefe de gabinete observou

que

64 Um exemplo para i lustrar: em fevereiro de 1999, diversos ofícios foram expedidos do município de Laje

do Muriaé, sugerindo a indicação de uma pessoa para a Coordenadoria Regional de Educação do Noroeste

Fluminense II. Em um dos ofícios, encaminhado ao Secretário de Educação e ao governador, o prefeito, o

ex-prefeito, um vereador e o delegado local pediam a nomeação. Em favor desta mesma pessoa, enviaram

ofício ao governador o presidente da Câmara Municipal, um deputado estadual do PT e o presidente do

diretório municipal do PDT. Estes dois últimos enviaram ofício ao deputado e Secretário de Meio ambiente

Amarildo Sousa, ao subsecretário de Justiça do interior, ao secretário de Estado de Administração e

Reestruturação do Estado e ao Deputado Estadual Roger Bilate (cuja base eleitoral nesta região e

proximidade pessoal com o governador do Estado são bem conhecidas) “esperando apoio e empenho para a

nomeação de [nome do indicado] junto ao governador do Estado do Rio de Janeiro” (Ofício 006/99 –

Diretório Municipal do PDT de Laje de Muriaé). Ofícios de fili ados ao diretório municipal do PT foram

enviados à vice-governadora (PT) expressando apoio à mesma pessoa. A probabil idade de nomeação é

sempre maior quanto mais amplos forem os “apoios” que o indicado conseguir arregimentar.

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Há o secretário que vai ‘cumprir tarefa’ . Quem define, em última instância, o que ele vai fazer ou é o governador, ou é o deputado, o grupo que o indicou etc. (Marcos Oliveira, ex-chefe de gabinete da SEE)

O governador estabelece algumas condições para preenchimento dos cargos e, a

partir daí, pode haver um grau maior de autonomia para a discussão, no âmbito partidário,

dos nomes que vão compor a Secretaria.

Em 1999, na montagem dos quadros da SEE,

O governador Garotinho recomendou logo duas coisas, [após definir o secretário] : que aguardasse a indicação do PT para a subsecretaria, pois cabia a ele fazer a indicação [ ...] a outra recomendação foi que se que incorporasse o prof. X na equipe da secretaria, o que foi aceito por mim de imediato. Atendidas essas precondições, o processo que se seguiu foi de uma composição que procurava ser técnica e política, para manter o equilíbrio entre os dois partidos (PT e PDT) e atribuindo características técnicas e não apenas características políticas. (Emir Lima, ex-secretário de Educação)

A separação entre nomeações técnicas e políticas na composição dificilmente

ocorre em termos práticos. Dentro do primeiro escalão, todas as nomeações têm um

componente político, que pode ou não estar acompanhado dos aspectos técnicos. A

nomeação de um subsecretário ou superintendente requer, quase invariavelmente,

vínculos com o partido que “comanda” a secretaria, relações pessoais (de amizade,

sobretudo) ou profissionais com pessoas que mantêm esses vínculos.

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Em muitos casos, a variável técnica é indispensável. Contudo, o pêndulo

técnico/político pode oscilar completamente para o lado político, mas nunca

completamente para o lado técnico.

Ainda que a relação partidária seja importante para explicar grande parte das

nomeações, sua importância pode variar, dependendo do partido que controla a SEE. A

importância dos vínculos com o partido perdeu parte de sua importância quando a

Secretaria passou ao comando do PMDB.

Do ponto de vista da relação entre burocracia e partido político, quando PDT e PT

estavam à frente da SEE, a simbiose entre burocracia e militância partidária era mais

forte, pois além de ter a prerrogativa para nomear, os políticos destes dois partidos

nomeavam pessoas que tinham vínculos com o partido, como políticos municipais,

membros das administrações em governos municipais ou mil itantes políticos.

Em todo caso, o partido sempre foi um meio de acesso aos cargos, pois é por meio

dele que os políticos ganham a prerrogativa para ter acesso a recursos de grande valor, do

ponto de vista político, eleitoral ou econômico.

A SEE é uma Secretaria que, na prática, não tem unidade de comando. A idéia

segundo a qual há uma hierarquia de funções e subordinações, com órgãos e setores que

cumprem tarefas e aplicam projetos determinados e interligados apresenta uma visão

irreal e que ocorre apenas de forma parcial no funcionamento cotidiano da Secretaria.

O preenchimento de cargos por meio de nomeações políticas cria vínculos de

lealdades com as pessoas que indicam (cf. Capítulo II ). Estes vínculos muitas vezes são

mais importantes que a subordinação aos superiores hierárquicos da instituição. Como a

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hierarquia administrativa formal nem sempre se aplica, os laços de dependência entre

funcionários-chave e seus padrinhos fracionam os espaços administrativos e acentuam a

falta de coordenação administrativa.

A experiência vinha me mostrando que o deputado colocava o seu na sua área. Ele tem a sua área e aquele deputado colocava ali o seu ou a sua. Esta pessoa, por toda a vida, obedecia muito mais ao deputado do que seguia as nossas políticas da Secretaria de Educação. Tinha pessoas que eram, inclusive, de posições absolutamente antagônicas [ ...] . Eu cansei de ouvir de outros secretários de educação, por exemplo, da Fátima Cunha no governo Moreira Franco, da própria Yeda Linhares, no governo Brizola, que uma das piores coisas que acontecia era ter esse picadinho que era feito do estado com interesses políticos. (Ivan Cassapis, ex-subsecretário adjunto da SEE)

A lógica de fatiar poli ticamente e preencher os cargos por indicação de setores do

partido ou de indicações políticas pessoais estão no cerne da ausência de coordenação ou

superposição de tarefas e funções. Se, por um lado, a legenda é um forte indicativo das

pessoas que podem indicar nomes para burocracia, por outro, as indicações são

fragmentadas e obedecem a lógicas múltiplas, díspares e contraditórias, o que deixa a

unidade de comando da Secretaria em constante xeque65. Esse é uma das razões para a

alta rotatividade que o cargo de Secretário de Educação apresenta.

65 Em sua análise do funcionamento da máquina política chaguista no Rio de Janeiro, Diniz destacou que as

indicações políticas para as Regiões Administrativas do estado muitas vezes apresentavam problemas

similares. Para a autora “ lealdades cruzadas e relações de confiança incompatíveis entre si imobili zam o

administrador, esvaziando sua margem de manobra” (Diniz, 1982:166). A autora transcreve, ainda, o

depoimento de um funcionário público, que integrava a máquina política de Chagas Freitas, e apresenta os

confli tos de lealdade que costumavam existir nas Regiões Administrativas: “Dentro da área, diz o

funcionário, quase todos os cargos estão sendo ocupados por pessoas de confiança dele (do deputado). São

cargos de confiança [ ...] . Mas nem todos os órgãos são indicados por ele. [ ...] O deputado daqui fez o

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Um importante indicador da fragmentação interna é a inexistência de um quadro

organizado de funções. Quando, por exemplo, mudam os secretários, há uma mudança

intensa não apenas nos cargos de subsecretaria, superintendência, coordenação e diretoria,

mas também um ativo trânsito de assessores e assistentes, que são remanejados entre

setores e departamentos da SEE. Esse remanejamento interno reflete a descontinuidade

das funções que marcam a Secretaria.

Um dos subsecretários entrevistados, ao mencionar sua primeira percepção ao

iniciar a coordenação administrativa da SEE, nos dá um bom exemplo do processo efetivo

de composição dos cargos nos escalões inferiores.

[quando chegamos à Secretaria] começamos a tentar montar alguma coisa, até pra gente se entender direito. Ninguém sabia quem trabalhava com quem. Quem fazia o que pra quem. Até que chegamos à conclusão que seria o Secretário, abaixo dele seria a Solange, abaixo, o Márcio. Abaixo, quatro subsecretarias. E, a partir daí, percebemos que havia uma porção de cargos que foram perguntados um a um. [ ...] Cargos com DAS-1, DAS-2. Esses DAS nada tinham a ver com o espaço em que as pessoas trabalhavam. Nada! [ ...] Aí começamos a perguntar e nos disseram que primeiro eles colocam os subsecretários, depois os superintendentes. A partir daí começa a ver quantos DAS tem e, então: ‘Ah, eu vou botar aqui no fulano e esse aqui no sicrano; agora ele vai trabalhar contigo, ela vai trabalhar com ele [ ...] ’ . (Ivan Cassapis, ex-subsecretário de Educação)

Quando os partidos, grupos políticos ou políticos isoladamente terminam as

rodadas iniciais de discussões sobre as indicações, estas vão sendo recebidas pelo

delegado fiscal, fez o diretor do posto de saúde, da conservação e alguns outros. Então, por isso é que nós

temos esse bom relacionamento. [ ...] Mas, quando se esbarra num órgão que é de outro deputado, você já

tem difi culdade...” (Diniz, 1982:116). Os secretários de Educação, em sua esfera de competência,

enfrentam problemas muito similares.

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secretário e encaminhadas para aprovação e nomeação do governador. Já foi mencionado

que existiram, ao longo da administração dos cinco secretários, diferenças no grau de

discricionariedade de cada um. Enquanto alguns tinham mais autonomia concedida pelo

governador para recusar ou propor novos nomes, outros cumpriam um papel de mediação

entre os políticos e o governador. Um dos secretários de Educação menciona que,

recebidas as indicações de políticos (sobretudo deputados) e dos setores do partido, ele

recolhia, agregava às suas próprias sugestões e se dirigia ao governador:

Eram apresentados, nos despachos com o governador as indicações do secretário e as outras indicações, ou seja, ou os apoios políticos de deputados ou os partidos que estavam apoiando. (Emir Lima, ex-secretário de Educação).

Os deputados estaduais e a Secretar ia Estadual de Educação

O preenchimento dos cargos na SEE é muito influenciado por pressões políticas

dos deputados estaduais. Elas ocorrem para o preenchimento de cargos em todos os

escalões.

Um conjunto de cargos especialmente cobiçado pelos deputados são as

Coordenadorias Regionais de Educação. O processo de nomeação para as coordenadorias

é um bom exemplo da dinâmica de funcionamento da SEE, as relações entre burocracia e

política e como esta relação incide sobre a formulação e aplicação de políticas públicas na

área de Educação do Estado do Rio de Janeiro.

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Para entender melhor estes aspectos, o quadro abaixo apresenta as nomeações para

o cargo de coordenador regional das 29 CRs existentes. Nele, estão listadas as sucessivas

nomeações para as coordenadorias e sua relação com a mudança de secretário ou partido

na SEE. Pode ser observada com nitidez a intensidade das mudanças no preenchimento

destes cargos como reflexo da alteração no quadro partidário.

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SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃOEmir Lima (PDT)

Marcelo Lourenço (PDT; PSB)Celso Machado (PMDB)

Carlos Nogueira (PT)Celso Machado (PMDB)Paulo Rodrigues (PMDB)

Noroeste Fluminense ICleverson Rufino Araújo 14/2/00

Maria da Cruz Xavier 2/5/2Cleverson Rufino Araújo 31/1/04

Noroeste Fluminense IIMaria Inez Almeida da Silva 16/3/99

Rosana de Matos Moura 25/4/02Maria Inez Almeida da Silva 26/2/03

Noroeste Fluminense IIISandra Maria Souto da Rocha 14/2/00

Maria Cynira Toscano Menezes 11/6/01Yolanda Linhares 2/5/02

Rosimeire Utrini Vieira 31/01/03Darcy Annibal 29/6/04

Maria Cynira Toscano Menezes ??/??

Norte Fluminense IKátia Macabu de Souza Soares 3/2//99

Odisséia Pinto 19/4/02Joilza Rangel Abreu 31/1/03

Norte Fluminense IILucia Maria Coelho de Lacerda Gama

Laura Campos Bacelar 24/4/2Raquel Tavares Pereira 01/01/03

Norte Fluminense IIILigia Sueth Assumpção 14/2/00

Polyana Sardenberg de A. Silva 19/7/1Maria Aparecida Moreira 2/5/02

Ana Lúcia Soares Ribeiro 31/01/03

Serrana IAryene da Silva de Jesus 8/3/99

Maria Catarina Fellows Fontes 14/2/00Fernanda de Carvalho 19/7/01

Joselito das Chagas 25/4/2José Augusto Siqueira 01/01/03

Fernanda Mello de Carvalho ??/??

Serrana IIJelcy Rodrigues Correa 16/3/99Aryene da Silva de Jesus 14/200Manoel Expedito da Silva 19/4/02Aryene da Silva de Jesus 11/2/03

Ângela Maria Gomes Fernandes 3/2/04

Serrana IIIJelcy Rodrigues Correa 14/2/00

Ruy Monteiro 21/1/02Maria de Fátima Lavrador 25/4/2

Ruy Monteiro 19/2/03

Centro Sul IJoyce Cyntia Gepp F. de Barros 4/6/99Dalvanícia Maia de Azevedo 14/2/00

Jorge de Oliveira 17/5/02Regina Elmor Rodrigues 31/1/03

Centro Sul IIJoyce Gepp Ferraz de Barros 14/2/00

Alexandre Jensen 25/4/02Fabíola Freitas Assed 31/01/03

Serrana IVCristóvão Alves Pequeno 14/2/00

Sônia Regina Scaldini 16/8/01Antônio César Carvalho 17/5/02

Robson Pereira de Melo ??Cristóvão Pequeno ??/??

Médio Paraíba ILenita Maria da Silva 14/2/00Zeny Manhães Prates 9/5/02

Carlos Roberto Ferreira 11/2/03

Médio Paraíba IIJoselita Marta Adler

Gilma Silvério Ribeiro 18/0/00Áureo Guilherme Mendonça 14/6/00

Joselita Murta Adler 31/01/03

Médio Paraíba II IDalva Helena Florenzano 14/2/00

André Petrucci Terra 25/4/02Maria Helena de C. Moreira 31/01/03

Metropolitana IEliane da Silva Peixoto 16/3/99

Marli Câmara de Freitas 19/4/02Eliane da Silva Peixoto 31/1/03

Maria Marcondes Rosestolato 14/09/04

Metropolitana I IJosé Augusto Abreu Nunes 8/3/99Maria Helena Santos Vieira 16/6/00

José Augusto de Abreu Nunes 3/04/01Paulo Roberto Antunes 25/4/02

Rejane de Santana Adriano 31/01/03Helena Santos vieira 26/11/03

Metropolitana I IIJanete Laureano dos Santos 15/4/99

Rosaura Modesto 27/4/01Elson de Paiva 2/5/02

Maria das Graças de Araújo 13/03/03

Metropolitana IVDulce Mendes de Vasconcelos 16/3/99

Nilza Lima 6/6/00Dulce Mendes de Vasconcellos 1/12/00

Paulo Gomes Cout inho 7/5/02Miriam Ribeiro Brum 20/2/03

Denise Antonia Schiavo 16/3/04

Metropolitana VAna Lúcia da Silva Santana 26/1/99Nelson Guedes de Medeiros 14/2/00

Edna Maia Nunes 25/4/02Iracy Martins Areas Pardal 01/01/03Maria José Vieira Fernandes 10/3/04

Metropolitana VIDulce da Silva Figueira 14/2/00

Fioravante Antonietti 27/6/00Maria Cláudia Cicarino Pinto

Fátima Barroso 19/4/02Maria Cláudia Cicarino Pinto 31/1/03

Metropolitana VIIRosélio Vitório de Andrade 1/6/00Claudemir Rosa Marques 9/5/01

Luiz Pires Filho 6/12/1Lúcio Bitarães 19/4/02

Ana Lúcia da Silva Santana 11/2/03Mario Pinto Neves 17/2/04

Metropolitana VIIILaura Ribeiro de Andrade 14/2/00Linda Barzhouni Bader Sab 6/6/00

Maria Ilka Silveira 16/8/01Maria Natividade Costa 19/4/02

Djanira Tostes de Barros 11/2/03

Metropolitana IXNilcéia da Silva Sales 14/02/00

Eurídice Ribeiro 27/4/01Creuza Pereira da Silva 6/6/02

Célia Maria da Rocha Souza 11/2/03Sueli Nunes de Oliveira 23/11/03

Metropolitana XCláudio Lacerda e Silva 14/02/00Luiz Sérgio Guerra Diniz 8/201

Francisco Gentile 25/4/02Lúcia Ferreira Pinto 16/9/02

Glorinha Igidia de Paiva 31/1/03Maria de FátimaC. Santágueda 16/03/04

Glorinha Igidia de Paiva 22/6/04

Metropolitana XIZenaide Machado Sacic 14/2/00

Maria do Carmo Baião Diniz 6/6/00Maria da Penha Silva Barros 11/4/01

Glória Felix 19/4/02Robson de Oliveira Lage 31/01/03

Maria da Silva Penha Barros 07/11/03

Baía da Ilha GrandeDulce da Silva Figueira 17/6/99

Gilberto Dias Lucas 14/2/00Maria Rabha de Souza 25/4/02

Marinilza G. Rocha Graziano 11/02/03

Baixadas Litorâneas IIVera Maria Pinto Figueiredo 14/2/00

Diony dos Santos 28/5/01Jorge Luiz de Aguiar 25/4/02

Diony Fernandes dos Santos 01/01/03

Baixadas Litorâneas IAlfredo Luiz da Rocha Barreto 16/3/99

Eliete da Silveira Pereira 1/6/00Márcia Quaresma 10/1/02

Orminda de Azevedo Luz 25/4/02Márcia da Silva Quaresma 31/01/03

COORDENADORI AS REGI ONAI S DE EDUCAÇÃ O

No quadro acima, cada Secretário é definido por uma cor que também identifica osnomeados durante a sua gestão. As datas ao lado dos nomes dos coordenadoresindicam o dia em que a nomeação foi publicada em Diário Oficial.

Quadro 2Mudança nos cargos das Coordenadorias Regionais como reflexo da substituição do Secretário de Educação ou do partido político

Fonte: Compilação do autor a partir do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.

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Em termos numéricos, as coordenadorias, criadas em 1997, eram 15 até o mês de

janeiro de 2000. A partir daquele mês foram criadas outras 14. Pode-ser ver no quadro

que no início do governo Garotinho as coordenadorias tiveram 14 novos coordenadores

nomeados. Apenas um coordenador se manteve no posto, porém isso ocorreu mediante

um acordo para que o deputado que havia indicado para esta coordenadoria se fil iasse a

um partido da base de governo.

Quando o Secretário Emir Lima (PDT) deixou o cargo, em outubro de 1999, dez

meses após assumir, foi substituído interinamente pelo subsecretário Marcelo Lourenço

(PDT). Como foram criadas 14 novas coordenadorias no primeiro mês desta gestão, 14

novos coordenadores foram nomeados. Dos 15 coordenadores nomeados pelo secretário

anterior, sete foram substituídos e sete permaneceram no posto. Destes sete

remanescentes, seis foram, até o início do governo petista, indicações pessoais do

governador Garotinho, que tem base eleitoral nas regiões compreendidas pelas

coordenadorias Norte Fluminense I, Norte Fluminense II e Noroeste Fluminense I66. Os

dados mostram que mesmo sendo do mesmo partido do secretário anterior, o novo

secretário realizou um amplo número de nomeações nas coordenadorias, e o mesmo

ocorreu nos postos-chave do primeiro escalão da secretaria (cf. Apêndice A).

66 Um dos entrevistados, diretamente responsável pela montagem dos quadros das coordenadorias, relatou

que “na região do Norte do Rio, aquela região de Campos, aquela região toda que é do próprio Garotinho,

aí tinha sempre uma influência grande das prefeituras locais e do próprio Garotinho em função do

conhecimento da região. Então, algumas indicações, eu nem me atrevia a propor [r isos] . Eu chegava e

dizia: governador, para essas aqui qual é o nome que o senhor sugere. Então, em certas coordenadorias

nós tínhamos que aceitar, obviamente, as indicações do governador” .

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Em janeiro de 2001, o governador Garotinho saiu do PDT e ingressou no PSB. No

mesmo mês, a SEE passou ao controle conjunto do PMDB e PSB, mas os principais

cargos da Secretaria foram indicados pelo PMDB. O novo secretário foi indicação direta

de um deputado estadual do partido no estado. O mesmo deputado indicou para outros

cargos e para um dos cargos mais importantes na Secretaria, a Subsecretaria Adjunta de

Infra-Estrutura. O PSB indicou o subsecretário de Educação.

A influência da alteração dos partidos nas coordenadorias regionais parece, à

primeira vista, menor que as mudanças anteriores. Quando o Secretário Marcelo Lourenço

(que corresponde à cor azul no quadro acima) iniciou sua gestão de 15 meses, 15

coordenadores foram substituídos. Porém, é preciso considerar que a migração do

governador para o PSB produziu a migração subseqüente de políticos e um número

expressivo de filiados do PDT ao PSB67. Entre os políticos estavam deputados estaduais

que seguiam as orientações do governador e, com isso, mantiveram seus indicados nos

postos de coordenadoria anteriormente ocupados.

A gestão do PMDB foi a mais influenciada por indicações de deputados. Neste

momento, como seria o caso da segunda gestão do partido à frente da SEE, a

“ feudalização” da SEE e, sobretudo, das coordenadorias, foi a mais acentuada do período

aqui analisado. Na primeira gestão do partido, antes do comando da SEE passar ao PT68,

15 novos coordenadores foram indicados. Considerando que seis coordenadores são

sempre indicações da cota pessoal do governador (e não foram alteradas), além de

67 Dados da imprensa indicam que o governador atraiu para seu novo partido 15 mil novos fil iados. Para

relembrar, um dos expedientes util izados pelo governador foi precisamente ameaçar de exoneração dos

cargos os nomeados que estavam fil iados ao PDT e não migrassem para o PSB. 68 Cf. o quadro 2.

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algumas que continuaram sob o comando dos mesmos deputados que, em troca, migraram

para o PSB ou PMDB, nenhuma coordenadoria deixou de ser controlada poli ticamente

por algum deputado estadual ou pelo governador.

Quando o novo governo petista assumiu, todos os coordenadores regionais foram

substituídos. Ao menos 24 nomeações foram oriundas de indicações de políticos do PT.

Destas, seis foram indicações de dois deputados estaduais do partido, oito vinculadas a

dois deputados federais e quatro são indicações de vereadores do partido.

As nomeações durante a gestão petista da SEE seguiram uma lógica distinta das

duas anteriores (PDT e PMDB). Enquanto nestas as nomeações se basearam em critérios

mais personalistas, na gestão petista ela foi mais partidária, no sentido de que as

nomeações sopesaram as tendências políticas que existiam dentro do PT fluminense e

nacional. Enquanto a corrente Articulação, majoritária dentro do partido, teve a

prerrogativa de realizar a maior parte das indicações, a corrente política denominada

Coletivo Socialista, grupo político pouco expressivo no partido e mais próximo ao

sindicato dos professores, pôde indicar para apenas uma Coordenadoria. Deve ser

destacado, contudo, que o atendimento à proporcionalidade das correntes partidárias não

diminuiu a natureza política das indicações.

Ao terminar o curto governo petista de Benedita da Silva, a nova governadora

eleita, Rosinha Matheus, esposa do ex-governador Garotinho, iniciou seu mandato.

Ambos continuaram filiados ao PSB. A SEE voltou ao controle do PMDB, e o mesmo

secretário, anteriormente indicado por este partido, reassumiu a pasta. Uma mudança

completa nos quadros do primeiro escalão e das coordenadorias ocorreu novamente.

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Nestas últimas, 28 novos coordenadores foram nomeados, apesar de uma parte destes já

ter ocupado o cargo na primeira gestão do partido.

A segunda administração do secretário do PMDB durou doze meses. Um conjunto

de denúncias na imprensa, relacionadas à ausência de vagas e aos problemas nas

matrículas escolares, contribuíram para a substituição daquele por um secretário que tinha

proximidade pessoal com a governadora, com um deputado estadual que o havia

projetado poli ticamente (liderança do governo na ALERJ à época) e outro cacique

político do PMDB, deputado estadual, que rivalizava em poder com o presidente da

ALERJ (que havia indicado o secretário anterior). Mesmo sem mudanças no comando

político-partidário da Secretaria, ou na coalizão de apoio ao Executivo, nove

coordenadores regionais foram substituídos. No primeiro escalão da SEE também

ocorrem algumas mudanças, mas pequenas, se comparadas às mudanças prévias.

Esta breve descrição das alterações nos cargos, decorrentes das mudanças na

gestão da administração tem o propósito de dar maior inteligibili dade ao processo de

preenchimento dos cargos. Se já foi difícil conseguir identificar a origem da nomeação

dos membros das coordenadorias regionais ao longo deste período, foi impossível avaliar

os motivos que explicam as nomeações de cada indicado. Mas os quadros a seguir

apresentam um panorama da relação que se mantém entre o preenchimento do quadro de

burocratas, os partidos políticos e os políticos.

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SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃOEmir Lima (PDT)

Marcelo Lourenço (PDT)Celso Machado (PMDB)

Carlos Nogueira (PT)Celso Machado (PMDB)

Paulo Rodrigues (PMDB)

Noroeste Fluminense ICleverson Rufino Araújo 14/2/00

Maria da Cruz Xavier 2/5/2Cleverson Rufino Araújo 31/1/04

Noroeste Fluminense IIMaria Inez Almeida da Silva

Rosana de Matos MouraMaria Inez Almeida da Silva

Noroeste Fluminense IIISandra Maria Souto da Rocha

Maria Cynira Toscano MenezesYolanda Linhares

Rosimeire Utrini VieiraDarcy Annibal

Maria Cynira Toscano Menezes

Norte Fluminense IKátia Macabu de Souza Soares

Odisséia PintoJoilza Rangel Abreu

Norte Fluminense IILucia Maria Lacerda Gama

Laura Campos BacelarRaquel Tavares Pereira

Norte Fluminense IIILigia Sueth Assumpção

Polyana Sardenberg SilvaMaria Aparecida Moreira

Ana Lúcia Soares Ribeiro

Serrana IAryene da Silva de Jesus

Maria Catarina Fellows FontesFernanda de Carvalho

Joselito das ChagasJosé Augusto Siqueira

Fernanda Mello de Carvalho

Serrana IIJelcy Rodrigues Correa

Aryene da Silva de JesusManoel Expedito da SilvaAryene da Silva de Jesus

Ângela Maria Gomes Fernandes

Serrana IIIJelcy Rodrigues Correa

Ruy MonteiroMaria de Fátima Lavrador

Ruy Monteiro

Serrana IVCristóvão Alves Pequeno

Sônia Regina ScaldiniAntônio César CarvalhoRobson Pereira de Melo

Cristóvão Pequeno

Médio Paraíba ILenita Maria da Silva

Zeny Manhães PratesCarlos Roberto Ferreira

Médio Paraíba IIJoselita Marta Adler

Gilma Silvério RibeiroÁureo Guilherme Mendonça

Joselita Murta Adler

Médio Paraíba IIIDalva Helena Florenzano

André Petrucci TerraMaria Helena de C. Moreira

Metropolitana IEliane da Silva Peixoto

Marli Câmara de FreitasEliane da Silva Peixoto

Maria Marcondes Rosestolato

Metropolitana IIJosé Augusto Abreu NunesMaria Helena Santos Vieira

José Augusto de Abreu NunesPaulo Roberto Antunes

Rejane de Santana AdrianoHelena Santos Vieira

Metropolitana IIIJanete Laureano dos Santos

Rosaura ModestoElson de Paiva

Maria das Graças de Araújo

Metropolitana IVDulce Mendes de Vasconcelos

Nilza LimaDulce Mendes de Vasconcellos

Paulo Gomes CoutinhoMiriam Ribeiro Brum

Denise Antonia Schiavo

Metropolitana VAna Lúcia da Silva Santana

Nelson Guedes de MedeirosEdna Maia Nunes

Iracy Martins Areas PardalMaria José Vieira Fernandes

Metropolitana VIDulce da Silva Figueira

Fioravante AntoniettiMaria Cláudia Cicarino Pinto

Fátima BarrosoMaria Cláudia Cicarino Pinto

Metropolitana VIIRosélio Vitório de AndradeClaudemir Rosa Marques

Luiz Pires FilhoLúcio Bitarães

Ana Lúcia da Silva SantanaMario Pinto Neves

Metropolitana VIIILaura Ribeiro de Andrade

Linda Barzhouni Bader SabMaria Ilka Silveira

Maria Natividade CostaDjanira Tostes de Barros

GovernadorGovernadorGovernador

Subsec. Adjunto SEE (PT)

GovernadorGovernadorDep. Est. PMDB - Presid. ALERJCorrente dominante no partido: Articulação

Dep. Est. PMDB - Presid. ALERJ)Gov.+Dep. Est.PMDB+Dep. Est. PMDB

GovernadorDep. Fed. PSDB-RJGovernador

Dep. Fed. PT-RJ

Dep. Fed. PT-RJ

Dep. Fed. PDT-RJ

Dep. Fed. PT-RJ

PT

Dep. Fed. PT-RJ

Dep. Est. PT

Dep. Est. PDT*

Dep. Est. PMDB*

Dep. Est. PSB*Dep. Est. PT

Dep. Est. PTDep. Est. PMDB

Dep. Est. PDT e PSB

Dep. Est. PTDep. Est. PDT*

Dep. Est. PMDB*Dep. Est. PSB*

Dep. Est. PDT*Dep. Est. PDT

Dep. Est. PMDB*Dep. Est. PSB*

Dep. Est. PSB*Vereador PT-Niterói

Dep. Est. PSDB*

Dep. Est. PMDB*

Dep. Est. PSDB* Coletivo Socialista - PT

Movimento Negro - PDT

Políticos da Zona Oeste - PT

Dep. Est. PSB*Dep. Est. PDT*

Vereador PT-RJ

Dep. Fed. PT*

Dep. Est. PDT

Dep. Est. PT

Dep. Est. PMDB + Dep. Est. PPS

Vereador PT-Niterói

Governador

Governador

GovernadorGovernador

GovernadorGovernador

Governador

GovernadorGovernador

Governador

Governador

PDT

PDTPDT

Dep. Est. PDT*Dep. Est. PDT*

Dep. Est. PDT ?

Dep. Est. PDT

Dep. Est. PSB

Dep. Est. PDT

Quadro 3. Coordenadores regionais e a origem das indicações

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Dep. Fed. PT-RJ

Movimento Negro - PDTMovimento Negro - PDT

Dep. Est. PMDB + Dep. Est. PPS

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110

Centro Sul IJoyce Cyntia Gepp de Barros

Dalvanícia de AzevedoJorge de Oliveira

Regina Elmor Rodrigues

Centro Sul IIJoyce Gepp de Barros

Alexandre JensenFabíola Freitas Assed

Metropolitana IXNilcéia da Silva Sales

Eurídice RibeiroCreuza Pereira da Silva

Célia Maria da Rocha SouzaSueli Nunes de Oliveira

Metropolitana XCláudio Lacerda e Silva

Luiz Sérgio Guerra DinizFrancisco Gentile

Lúcia Ferreira PintoGlorinha Igidia de Paiva

Maria de FátimaGlorinha Igidia de Paiva

Metropolitana XIZenaide Machado Sacic

Maria do Carmo Baião DinizMaria da Penha Silva Barros

Glória FelixRobson de Oliveira LageMaria da Silva P. Barros

Baía da Ilha GrandeDulce da Silva Figueira

Gilberto Dias LucasMaria Rabha de Souza

Marinilza Gonçalves Graziano

Baixadas Litorâneas IIVera Pinto Figueiredo

Diony dos SantosJorge Luiz de Aguiar

Diony Fernandes Santos

Baixadas Litorâneas IAlfredo Luiz Barreto

Eliete da Silveira PereiraMárcia Quaresma

Orminda de Azevedo LuzMárcia Silva Quaresma

Ver. PT - Niterói

Dep. Fed. PT-RJ

Dep. Est. PTDep. Est. PMDB*

Dep. Est. PMDB

Dep. Est. PT

Dep. Fed. PT-RJ

Dep. Est. PT

Dep. Est. PDT*

Dep. Est. PDT

Deliberação técnica para resolverproblemas administrativos

Prefeito local - PDT

Ex-Vice-Prefeito PT

Secr. EducaçãoDep. Est. PMDB

Dep. Est. PDT*

Dep. Est. PDT

PT (“pressão de deputados e de setores do partido junto ao

governador e a vice-governadora”

PT

PDTPDT

PT

Dep. Est. PMDB*Dep. Est. PMDB*Dep. Est. PMDB*

Fonte: Diário Oficial do Rio do Estado do Rio de Janeiro e entrevistas com funcionários da SEE

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Os Secretários de Educação e os Coordenadores nomeados durante sua gestão estão indicados pelas mesmascores. As setas apontam para a origem política da indicação. Pontos de interrogação aparecem quando nãoconsegui identificar quem indicou o nome. Os * indicam que o deputado já havia indicado um nomeanteriormene, mesmo pertencendo a outro partido. Na maioria das vezes, as mudanças de partidos, queacompanhava as mudanças de legenda do próprio governador, ocorreram precisamente para que osdeputados preservassem o direito de indicar cargos.

Quadro 3. Coordenadores regionais e a origem das indicações - continuação

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Nos quadros acima pode-se ver que o controle partidário é estrito sobre os nomes

indicados para as coordenadorias regionais. À exceção de algumas coordenadorias, todas

as indicações provêm ou do governador, ou de políticos do partido do secretário. O

controle político é maior nas coordenadorias do que nos demais cargos da SEE, já que

aquelas são mais importantes do ponto de vista eleitoral. Contudo, mesmo fora das

coordenadorias, as indicações para os cargos-chave na administração são para pessoas

vinculadas ao partido ou indicações pessoais dos parlamentares, prefeitos ou vereadores

do partido, com poucas exceções.

Na administração do primeiro secretário pedetista, Emir Lima, foram nomeados

14 novos coordenadores, das 15 Coordenadorias que existiam à época. O governador

nomeou os três coordenadores das CRs situadas em sua base eleitoral. Deputados

estaduais indicaram para sete Coordenadorias e uma Coordenadoria teve seu cargo

preenchido por indicação de um deputado estadual. Entre os deputados estaduais que

indicaram, cinco coordenadores foram indicados por deputados do PDT e dois foram

indicados por deputados estaduais do PT, que havia assumido a Secretaria em coalizão

com o PDT.

Na gestão petista, o secretário Carlos Nogueira nomeou 29 novos coordenadores.

Pelo menos 17 foram indicados por deputados estaduais e federais do partido.

Quando o PMDB substituiu o PT, os 29 coordenadores foram novamente

substituídos. Apesar de os dados sobre as indicações neste período serem poucas, as

entrevistas com os funcionários não deixam dúvidas quanto ao fato de todos os

coordenadores serem indicações de deputados estaduais. A tabela mostra que muitos

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nomeados já haviam ocupado a função na primeira administração do partido, anterior ao

PT. A razão é que os mesmos deputados realizaram a indicação nas duas administrações.

Se acompanharmos as nomeações de algumas coordenadorias, como a Médio

Paraíba II , Metropolitana I, II e III , pode-se notar a intensa troca de partidos por parte do

deputado que nomeia para elas. O motivo para as sucessivas filiações foi a mudança de

partido do próprio governador. A migração partidária é fundamental para estes deputados

porque precondiciona o direito de continuar indicando para cargos na administração, entre

os quais se inclui a própria Coordenadoria.

Apesar de a legenda partidária condicionar, na maior parte das vezes, as chances

de indicação para cargos pelos políticos do partido, ela não é indicador da existência de

orientações programáticas homogêneas aos indicados. Ocorre um tipo de acordo implícito

no qual algumas rotinas, exigências administrativas e experiência de trabalho na área – o

fato de quase todos os coordenadores regionais serem professores, por exemplo – são

cumpridas. Afora isso, a relação estabelecida com o partido se retrai para dar espaço à

relação de subordinação direta com o deputado que indicou o funcionário. Por isso a

noção de feudalização administrativa neste setor da SEE é apropriada, já que as

coordenadorias têm forte tendência a funcionarem como feudos independentes dentro da

estrutura da própria Secretaria.

Nas administrações passadas, anteriores ao período que analisei, a lógica era

semelhante. Antes da criação das Coordenadorias existiam núcleos municipais da SEE,

que desempenhavam parte das funções que foram posteriormente incorporadas pelas

Coordenadorias. As indicações eram feitas por políticos de um ou dois partidos – no caso

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de acordo entre eles69. A situação de quase-monopólio partidário na hora de indicar

caracteriza as secretarias cujas nomeações o jargão político fluminense denomina

“nomeações com a porteira fechada”.

Secretarias como a de Educação, Saúde, e Habitação têm os cargos preenchidos

mais ou menos com a mesma lógica da delegação partidária70, que é diferente da lógica

aplicada às “Secretarias da Casa” , tais como Finanças e Planejamento, nas quais as

intervenções políticas são menos freqüentes e o Poder Executivo reluta em abrir mão da

escolha de seus funcionários71. Nestas secretarias, o insulamento da burocracia frente às

pressões políticas tende a ser um pouco maior.

Outro traço importante é a divisão dos cargos por critérios geográficos. Se

levarmos em conta a área de atuação de cada Coordenadoria Regional e compararmos a

votação obtida pelos políticos que indicaram os coordenadores, a divisão dos cargos tende

69 Como foi o caso da gestão Emir Lima (PDT-PT) ou na primeira gestão de Celso Machado (PMDB-PSB). 70 Inúmeros exemplos são atestados pela imprensa a este respeito. Uma das empresas do governo mais

atravessadas por nomeações de natureza política, responsável por incessantes desavenças entre seu corpo

técnico e o governo é a Companhia de Águas e Esgotos do Estado (CEDAE). Um dos presidentes da

empresa, ao apresentar sua carta de demissão alegou que o governador havia prometido “condições mínimas

necessárias para conduzir e planejar a CEDAE de forma profissional, livre da ingerência de interesses

meramente político-partidários de qualquer origem, e das pressões dos interesses privados que sempre

dominaram a gestão da companhia” , mas “a gestão profissional foi inviabili zada pelas nomeações –

encaminhadas pelo seu gabinete [do governador] – da maioria dos superintendentes e demais gerentes,

subvertendo a hierarquia da empresa” (O Globo, 21/5/1999). 71 Isso precisa ser sopesado à luz das investigações levadas a cabo pelo Ministério Público, que mostraram a

forte vinculação de fiscais da Secretaria de Fazenda com esquemas de propinas e deputados da ALERJ.

Havia na ALERJ uma espécie de divisão da prerrogativa de indicar fiscais para as inspetorias de ICMS.

Entrevistas pessoais atestam que a prática sempre foi corrente no governo. O mesmo processo de

loteamento de cargos ocorre nas chefias de Batalhões da Política Mil i tar (e outras polícias). Isso faz com

que tanto as inspetorias da Secretaria de Fazenda como os Batalhões da Política Mili tar sejam cargos

altamente cobiçados por parte dos parlamentares da ALERJ, provavelmente por motivações financeiras.

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a seguir as bases eleitorais dos deputados que indicam. Como observou um ex-secretário,

nas discussões sobre as indicações,

[ ...] a influência era dos deputados estaduais que têm base na região. Por exemplo, na Baixada Fluminense, não passava nada sem ter a opinião do deputado regional da Baixada Fluminense.72

O forte apego à noção de territorialidade é um traço marcante da representação

política brasileira, em que a “distritalização informal” das candidaturas de deputados

federais, estaduais e vereadores reflete um aspecto característico da representação social

dos eleitores, segundo a qual o voto deve ser dado ao político que tem vínculos com sua

região73. Assim, por exemplo, em municípios do interior é condenável, nos valores que

orientam a maior parte dos eleitores, votar em candidatos que não são “da região” . Basta

observar que na ALERJ uma fração significativa dos deputados é formada por ex-

72 A título de comparação, pode-se mencionar o depoimento do ex-deputado estadual pelo PMDB, Paulo

Duque, que era amigo e participou de forma ativa no governo de Chagas Freitas (70-75 e 79-82), articulador

de uma poderosa máquina política no antigo Estado da Guanabara e no período após a fusão entre este

estado e o Estado do Rio de Janeiro. Duque ressalta que para manter o controle sobre os deputados e o

controle sobre a máquina política, as nomeações para cargos seguiam sempre uma lógica distrital e,

sobretudo, eleitoral, na qual o espaço geográfico e o número de votos são variáveis determinantes nas

divisões dos cargos: “ [Chagas Freitas] sabia exatamente onde cada deputado tinha influência, quais eram

as lideranças de fato em determinados municípios ou determinados bairros do Rio de Janeiro. Assim,

permitia que o deputado, na sua área de influência, sugerisse todas as nomeações importantes. Um

exemplo bem objetivo desse tipo de conduta aconteceu em Macaé, onde não se nomeava um contínuo, um

servente, um chefe, um diretor disso ou daquilo que não fosse por intermédio do deputado Cláudio Moacir.

Isso porque ele era o deputado mais votado na cidade” (Sarmento, 1998:135). Um estudo do

funcionamento da máquina política chaguista é encontrado em Diniz (1982). 73 Conferir, entre outros, Bezerra (1999), para o âmbito federal, e Lopez (2001), para uma análise do âmbito

municipal.

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prefeitos, que concebem seu mandato como o exercício de representação dos interesses de

seus municípios junto ao governo do estado.

A gestão petista é a que apresenta menor relação entre a sede da Coordenadoria e a

base eleitoral do deputado que indica o coordenador, apesar de este continuar sendo o

fator mais importante para explicar a divisão do direito de indicar para as Coordenadorias.

Cargos, votos e recursos financeiros – dando inteligibili dade à disputa pelas Coordenador ias

Um dos entrevistados, ao tratar das discussões sobre a montagem dos quadros da

Secretaria, observou que, comparadas às disputas pela indicação para outros cargos da

Secretaria, as Coordenadorias Regionais são mais complexas: "Ali é que a coisa

complica!"74.

As Coordenadorias desempenham um papel de mediação entre a cúpula da SEE e

as escolas. A idéia original de sua criação foi tornar o processo de aplicação e regulação

das políticas educacionais que deveriam vigorar nas escolas mais descentralizado. As CRs

supervisionariam os procedimentos nas escolas sob sua responsabilidade e seriam

responsáveis por difundir e fiscalizar normas que fossem definidas pelo governo, ao

mesmo tempo em que seriam responsáveis por dirimir querelas internas a cada escola,

74 Mais à frente o entrevistado descreve a dificuldade de conseguir escolher o coordenador no meio da

disputa política pela indicação. Ele diz: “A [escolha do] Zenon [para o cargo de coordenadora regional da

região Médio Paraíba I] foi uma guerra. Uma guerra! Edgar tinha candidato. Bernardo Alves tinha

candidato. Articulação [corrente política do partido] tinha candidato. Diogo Fernandes tinha candidato.

Todo mundo tinha candidato. Era uma guerra danada. Aí, esse nome foi mais levantado por mim mesmo.

[ ...] Por incrível que pareça, acabaram com a briga colocando esse moço independente [das forças

políticas] ” (Olívio, ex-subsecretário adjunto de Educação).

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evitando que estas chegassem aos níveis superiores da administração da SEE. Em suma,

por meio de uma rede descentralizada de coordenadorias, a SEE procurava desafogar suas

próprias rotinas administrativas.

Mas o que torna as Coordenadorias Regionais uma arena de disputas políticas

acirradas para os deputados da ALERJ são os ganhos políticos e econômicos potenciais

que cada Coordenadoria pode oferecer.

O mecanismo utilizado é a tradicional política de clientela. Benefícios são

concedidos em troca de apoio político. Ao lado do ganho político podem estar associadas

vantagens econômicas. Analisar como a política de clientela se desenvolve na ponta da

burocracia da Secretaria, i.e., nas escolas, permite entender as formas de interação do

político, do cargo de confiança e do nomeado, é dá inteligibilidade à própria idéia de

confiança, noção que atravessa todo o sistema político e une as diferentes visões e

percepções (culturais) que os políticos têm sobre a atividade política e as nomeações para

cargos.

O que se ganha ao indicar um coordenador regional para o cargo? Em primeiro

lugar, a possibilidade de acesso aos recursos de que a Coordenadoria dispõe. Esta

possibilidade de uso potencial dos recursos sobre os quais o coordenador influi resulta

precisamente da lógica do compromisso que vincula o indicado ao seu padrinho. O

indicado obriga-se, sendo uma indicação pessoal do político, a retribuir, franqueando

acesso a toda sorte de recursos (materiais e imateriais) do interesse do político. A mesma

lógica está presente no discurso dos deputados sobre as razões da recusa em se discutir

publicamente indicações para cargos confiança. Portanto, a lógica da dádiva, que submete

o deputado ao Executivo que lhe franqueia os cargos, torna implacável a necessidade de

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apoiar incondicionalmente o governador, o que do ponto de vista dos deputados os

desquali fica na função de fiscais do Poder Executivo.

A Coordenadoria é responsável por coordenar a estrutura de ensino nas escolas

sob sua jurisdição. Matrículas, vagas, transferências de alunos e professores são todos

triados pelas Coordenadorias. A descentralização ocorre apenas no âmbito administrativo,

já que os programas pedagógicos e os métodos de aplicação são uniformes para todas as

escolas.

Esta dimensão, no entanto, não é do nosso interesse. Interessa discutir como a

Coordenadoria pode servir a fins políticos, clientelísticos e como microcentro de

distribuição de patronagem.

Em regra, todos os funcionários conhecidos como “pessoal de apoio” , que abrange

serventes, merendeiras, vigias etc., são funcionários "terceirizados", contratados por

empresas privadas. Apesar de serem oficialmente vinculados à empresa terceirizada, na

maioria das vezes, estes funcionários são escolhidos pelo político que controla

poli ticamente a Coordenadoria.

Imagine como a coisa é feita quando abre terceirização. Abria [contratações] em um período em que já se começava a falar em eleição e o deputado da área fazia a l ista de pessoas para entrarem nos contratos. Então, se dava o emprego em troca do voto. (Ivan Cassapis, ex-subsecretário de Educação)

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Isso é ampliado para a contratação de professores. Os professores contratados,

categoria que se refere aos professores não-concursados, também são indicações do

político que controla a Coordenadoria e tem influência na direção da escola.

Ao lado da distribuição de empregos, que é estritamente política, há um conjunto

de atividades que são realizadas pela escola e podem servir a diversos usos. Destes, o

principal são os materiais para as escolas, principalmente a merenda escolar. O controle

sobre o processo de compra da merenda escolar com o objetivo de diminuir a corrupção

avançou muito, e uma das formas pelas quais isso ocorreu foi descentralizando as

compras, que agora estão sob a responsabilidade das escolas. Entretanto, a

descentralização transferiu para os diretores das escolas parte dos recursos de poder, que

derivam de sua prerrogativa de realizar as compras para a escola.

[ ...] quando você compra determinada merenda em determinado local, é claro que isso abre o espaço para você chegar lá depois e dizer: ‘ olha, eu compro tanto de vocês, eu tenho aqui meu amigo que é candidato a deputado. Você não pode dar uma ajuda financeira?’ Que não é ilegal! Eu estou falando apenas o mais light. Normalmente não é isso que acontece; é pressão política mesmo, é negociação: ‘ olha, eu vou comprar em você, mas você já sabe, você vai dar [de volta] 15% do valor da compra. (Marcos Oliveira, ex-chefe de gabinete da SEE)

Não menos importante – do ponto de vista político-eleitoral – é a possibilidade de

conseguir vagas nas escolas, num contexto em que não apenas a escassez de vagas é um

problema, mas, especialmente, a obtenção de vagas em escolas espacialmente próximas à

residência dos alunos é sempre objeto de disputas.

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Por fim, os próprios coordenadores, pela natureza da sua função, ganham

influência nas comunidades locais e se tornam lideranças.

Os coordenadores têm um papel de atuação política dentro dos espaços que eles gerem muito grandes. [ ...] Essas pessoas se tornam lideranças. Obviamente que estas lideranças, na hora de fazer campanha eleitoral para quem lhe colocou, têm uma possibil idade muito maior. E muitos acabaram se elegendo vereadores. Então, ele é um vereador ligado àquele deputado que o colocou naquele momento, e que na hora certa vai fazer campanha para ele. (Ivan Cassapis, ex-subsecretário de Educação)

Não se trata aqui de atribuir qualquer propensão à corrupção por parte dos

diretores de escola. O que se deve considerar é que os diretores são escolhidos com forte

influência dos políticos, criando vínculos de dependência pessoal dos indicados àquele

que o indicou, subordinando-os ao poder pessoal deste. O controle se exerce diretamente

sobre as pessoas, tornando a subordinação institucional à SEE menos importante. Como

os diretores de escolas têm, na maior parte das vezes, relações com os políticos, e estes

têm interesses em manter relações com o diretor, o secretário de governo encontra

dificuldade para impor determinadas políticas públicas, mesmo com poder institucional

para isso, pois, como menciona um ex-subsecretário de Educação,

[ ...] o diretor, [ ...] , vira um elo de articulação política para interesses partidários independentes. Em que sentido, independentes? No sentido de que não estão vinculados ao partido do secretário ou governador. São corpos independentes de articulação política. Estão apenas formalmente vinculados. (Luiz Alves, ex-subsecretário de Educação).

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As tentativas de despolitizar a administração da SEE e torná-la uma secretaria

mais técnica enfrentam resistências que só com forte apoio do Executivo podem ser

vencidas. A questão é que o próprio Executivo está preso à necessidade de utili zar a SEE

como instrumento de barganha política para reunir apoio político na ALERJ.

Muitas vezes, o secretário é obrigado a encontrar novas articulações institucionais

para contornar obstáculos que as indicações políticas impõem. A passagem abaixo retrata

um exemplo que se multiplica em outros setores da administração da Secretaria de

Educação:

Havia uma orientação para que a coordenadoria regional procurasse o secretário municipal de Educação e estabelecesse uma forma de abrir vagas nos CIEPs [Centro Integrado de Educação Pública] para crianças que estavam fora da escola. [ ...] E na Baixada Fluminense, a pessoa que estava na direção da coordenadoria freqüentemente tinha dificuldade em contatar [os secretários municipais] , ela não entendia bem o que era o SIEB [Sistema Integrado de Educação Básica] . Então, num determinado momento, nós acabamos passando por cima mesmo da coordenadora. Estabelecemos um comitê da SEE, que foi direto ao município e negociou com o prefeito local. (Emir Lima, ex-secretário de Educação)

Como usos políticos da SEE passam pelas próprias escolas, não só as

Coordenadorias, mas as diretorias de escolas são alvos de disputas. Se nas

Coordenadorias o controle político é mais fácil , pois o cargo é de confiança e, portanto,

fruto da decisão pessoal do governador, os cargos de diretoria eram, até recentemente,

cargos eletivos. A eleição para diretores diminui, mas não exclui a influência política, que

ocorre, por exemplo, ao se conceder direito de voto na eleição para diretores aos

funcionários terceirizados e professores contratados (todos, lembre-se, em grande parte

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indicações políticas). Há, também, o apoio explícito dos políticos a determinadas

candidaturas que se traduz em apoio às campanhas ao cargo dentro das escolas. Portanto,

mesmo a eleição direta não elimina a forte ingerência política nas administrações

escolares. Estas reproduzem, em menor escala, o conjunto de ações poli ticamente

orientadas acima discutidas em relação às Coordenadorias. Um diretor escolar é, no

mínimo, um importante cabo eleitoral.

Você imagina uma diretora de um CIEP, uma boa diretora, que tenha uma inserção dentro da comunidade, trabalhando. São mil famílias!75 (Marcos Oliveira, ex-chefe de gabinete da SEE)

A recente adoção da lista tríplice para escolha dos diretores de escola aumenta as

probabilidades de interferência política.

Tivemos eleições nas escolas agora e os que ganharam não entraram porque o deputado João Botelho é o dono dessa área aqui. Quem tinha que entrar era uma indicada por ele. Então, desqualificaram o primeiro por algum motivo e deram um jeito de colocar o terceiro colocado. Mas, sabe-se muito bem, era uma indicada do João. (Marcos Oliveira, ex-chefe de gabinete da SEE)

75 Erasmo Martins Pedro, ex-deputado federal pelo MDB, ex-vice-governador do estado e colaborador

próximo a Chagas Freitas lembrou, em depoimento pessoal, que “ a diretora de escola sempre foi uma

figura muito importante na política. Se eu era amigo de uma diretora de escola, eu arranjava uma

matrícula para aluno, uma transferência para professora... Em troca eu podia conseguir pequenas obras

para a escola” (Pedro, 1998:56). A importância política da diretoria de escola continua a ser tão grande

quanto foi no período chaguista.

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O esquema a seguir representa a rede de vínculos entre políticos, Coordenadorias

Regionais, escolas e os serviços que se relacionam às escolas e que dão sentido à disputa

que existe pelo controle das indicações nas Coordenadorias Regionais.

Secretaria de Educação(Escolha do Secretário)

Coordenador Regional

Deputados (sobretudo)Prefeitos

Vereadores

Diretores de Escolas

FuncionáriosTerceirizados

ProfessoresContratados

Fornecedores deMaterial

Governador oupartido político dabase de apoio ao

governo

Além do Coordenador Regional, os diretores de escola arregimentados, funcionários terceirizados, professores contratados e fornecedores de material atuam, cada qual a sua maneira, em favor do deputado ou político que o indicou para o cargo.

O partido político da base de apoio ao governoou o partido do governador indica o secretário.A indicação do secretário resuta da relação deforça entre os deputados do partido, nasnegociações individuais (PMDB e PDT) oufaccionais (PT).

=

Os deputados têm influência direta nanomeação dos coordenadores einfluência indireta na eleição dosdiretores de escolas. Com a introduçãoda lista tríplice, a tendência é que ainfluência política seja tão forte nasescolas quanto é nas coordenadorias.

Figura 2. As influências políticas nas coordenadorias regionais e nas escolas estaduais

=

=Influência indireta

Influência direta

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Nomeações, confiança, traição e cor rupção

A discussão anterior permite compreender melhor porque a confiança é importante

na interação da burocracia com deputados e como ela se liga à noção de traição. Entre as

duas, as questões relacionadas à corrupção política servem como um elo que dá

inteligibilidade a esta representação social que vincula a necessidade de confiança à

prática das nomeações políticas.

Há, aqui, pelo menos três argumentos que integram a lógica de justificação da

confiança como base de organização dos cargos mais importantes dos órgãos de governo.

Do ponto de vista dos políticos e dos funcionários que ocupam posições de comando na

Secretaria Estadual de Educação, os cargos de confiança são sempre considerados

indispensáveis. As diferenças de opinião residem mais no número de cargos que na sua

necessidade em setores do governo.

O primeiro argumento evocado pelos entrevistados, já o mencionei anteriormente,

é que sem a possibilidade de indicar pessoas confiáveis não há garantia de cumprimento

das orientações de políticas públicas e de que programas de governo possam ser seguidos.

Para que adiram às orientações programáticas é preciso nomear para os quadros da

burocracia pessoas que tenham afinidade com os programas do governo. Estes mesmos

indicados geralmente são pessoas com as quais já se manteve contato prévio, com as quais

já se tem conhecimento e amizade. Sintomaticamente, na maioria das entrevistas com

funcionários da SEE, uma das preocupações iniciais dos entrevistados era descrever a

longa cadeia de eventos passados que criaram as relações pessoais com determinadas

pessoas que estavam na Secretaria, e que explicavam suas próprias nomeações.

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Em segundo lugar, a noção de confiança ganha mais sentido quando se observa o

terreno dos bastidores da política, locus da traição. A atividade política é marcada, do

ponto de vista dos políticos, pelo alto risco de que ocorra deslealdade e traição dos aliados

e correligionários; a nomeação de funcionários de confiança é a forma mais eficaz de

reduzir essa taxa de risco. A partir dos juízos formulados pelos deputados estaduais, é

possível perceber o quão importante é a confiança como critério de seleção dos indicados,

porque é o desdobramento natural e lógico de um sistema de relações sociais – entre

políticos e entre políticos e funcionários – que está fundado na desconfiança.

Por fim, a relação entre confiança e corrupção é fundamental para o entendimento

da natureza das decisões no momento das indicações e nomeações para cargos. A

confiança tem a dupla função de diminuir as chances de corrupção dos funcionários

nomeados ou encobrir as práticas corruptas que realizam em favor dos que o indicaram.

O interesse econômico que reveste parte expressiva das disputas por cargos,

apesar de difícil captação, muitas vezes é uma motivação fundamental para entender a

dinâmica das negociações, escolhas e decisões relacionadas aos cargos de confiança. O

interesse por trás dos cargos pode derivar da pura necessidade de prover fonte de renda

para algum correligionário, aliado, cabo eleitoral etc.76 Pode, ainda, provir da apropriação

pessoal de parte das rendas dos indicados, ou o recebimento de parte das propinas

amealhadas por estes. Por fim, o interesse econômico das nomeações pode derivar da

intenção de montar esquemas mais sofisticados de corrupção na administração pública,

como aqueles destinados a arrecadar recursos de campanha para partidos eleitorais.

76 E, aqui, a idéia de gratidão por ajuda prestada é fundamental.

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Esses exemplos não esgotam as possibilidades, sobretudo porque há sempre uma

complexa relação entre condutas moralmente aceitáveis, mas legalmente corruptas,

fronteiras não muito nítidas entre interesses econômicos e interesses político-eleitorais,

como argumentei ao discutir as redes políticas nas coordenadorias regionais.

Consideremos uma das modalidades de interesse econômico por trás do direito de indicar

para cargos no governo: a apropriação de parte dos salários dos indicados. Pode-se servir,

aqui, do exemplo de uma entrevista concedida ao jornal O Globo pelo vereador carioca

Jorge Pereira. De acordo com o vereador, a política é terreno marcado pelo interesse

econômico. Para aqueles que querem “entrar no mundo da corrupção” , diz, “uma das

coisas a fazer é você se aliar ao governo e ser detentor de cargo onde tem ordenação de

despesa”. Adiante, ressaltando a importância da dimensão econômica dos cargos, o

vereador menciona que “o cara para ocupar o cargo público tem que [dar] uma comissão

para quem deu o cargo para ele” . Depois ele descreve de forma objetiva a lógica dos

acordos em torno dos cargos:

Então você faz um acordo com o governo. A primeira coisa que ele te pergunta é qual o cargo que você quer. Eu quero uma secretaria. Aí eu vou indicar meu irmão, meu primo, meu chefe de gabinete, alguém que seja l igado a mim. Aí é que começa a vir o recurso. Não tem outro caminho. É o caminho natural. (grifos meus).

O jornalista indaga se as coisas se resumem a isso, ao que o vereador responde: “Eu estou

em política há 20 anos e sei que o esquema é esse”77. Esta concepção da atividade política

voltada para os ganhos econômicos é uma das motivações primordiais para grande parcela

77 O Globo, 19/7/04. Entrevista com o vereador Jorge Pereira, PT do B, p. 11.

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dos políticos, e é sempre importante levá-la em conta para entender parte das disputas por

cargos. Como disse o vereador Pereira, os cargos em que há ordenação de despesa78

sempre foram objeto de intensa disputa política, e isso não é diferente na SEE. Um ex-

subsecretário de Educação, ao avaliar este aspecto, observa que

[ ...] o problema todo é quando você ordena todas as despesas, ou, se não, se você é um coordenador de nutrição escolar. Esse cargo é disputado porque rola muita grana, mas é muita mesmo! [ ...] Se você checar as sindicâncias abertas pelos secretários, pelos coordenadores, você pode notar que tem sempre uma obra envolvida, uma merenda comprada, uma articulação complicada [dos políticos] com fornecedores [ ...] . (Luís Ferreira, ex-subsecretário de Educação)

Grande parte das disputas pelo direito de indicar para as CRs e o interesse nas

eleições para diretoria de escolas passam por interesses econômicos, que se aliam aos

interesses políticos e eleitorais, e compõem o trio de variáveis que se articulam, em cada

caso específico de nomeação. Somadas às motivações derivadas do interesse público, elas

retratam uma das lógicas dominantes por trás das nomeações nas Secretarias e órgãos do

governo do estado.

Uma análise das relações entre deputados, compra de materiais e empresas

fornecedoras da SEE, mostraria como aquelas são imbricadas. Há inúmeros exemplos de

empresas privadas responsáveis pela venda de material para as escolas e para as 78 Era o caso da Subsecretaria Adjunta de Infra-Estrutura da SEE. Um relato das pressões por nomeações e

sua relação com a formação de "caixas eleitorais" é realizada pelo ex-Ministro de Estado da Previdência e

Assistência Social (hoje, INSS), Raphael de Almeida Magalhães. Para o ex-Ministro "o grau de despudor

das comissões para 'caixas eleitorais' chegou a tal ponto que tudo se faz às claras. 'Preciso nomear o diretor

do hospital para ter a minha caixinha eleitoral'. Tal desembaraço demonstra que esta prática não é vista

como um procedimento desonesto. Faz parte da regra do jogo." (1988:18)

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Coordenadorias, cuja propriedade tem participação dos próprios políticos, que indicam

parte dos funcionários que decidem pelas compras. Os mecanismos que permitem a

corrupção são complexos e tornam a lisura na administração e o combate à corrupção um

tema sempre em pauta. Curiosamente, a prática da corrupção e a tentativa de combatê-la

constituem poderosos estímulos para que a política de espólio continue e mantenha seu

vigor. Pois é precisamente em nome do combate à corrupção que se constrói parte da

justificativa para a necessidade de nomear pessoas que, como menciona o vereador,

“sejam ligadas” ao político.

No âmbito das disputas que os políticos travam por cargos, há um tipo de

“competição política regulada” por valores que se inserem em “ regras pragmáticas”, e que

são diferentes das “ regras normativas”, tal como discutido por Bailey (2001 [1969]).

Como este autor ressaltou “values both create and regulate polit ical competition. The

restraint upon manoeuvre which distinguishes a competition from a fight entails that the

contestants have some values in common: they agree not only about prizes but also about

legitimate tactics” (Bailey, 2001:21).

Não há bases para argumentar que a homogeneidade de valores não implique

conflitos relacionados à legitimidade de determinadas práticas. Ao contrário, os confli tos

sempre existem. Mas parece haver uma nítida matriz de práticas, amplamente

compartilhadas pela maioria dos deputados estaduais. Uma delas é a centralidade da

confiança interpessoal nos critérios de nomeação; outra, é o fato de os parlamentares

retratarem o ato de preencher cargos como o ato de conquistar um nicho particular de

influência pessoal dentro do setor do governo em questão. Essa percepção impõe

obstáculos à consolidação da noção de neutralidade burocrática e serve como

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denominador comum das práticas socialmente aceitas pelos próprios políticos, à esquerda

e à direita do espectro ideológico. Essa forma de perceber o preenchimento dos cargos é

que parece caracterizar as “ regras pragmáticas” da “competição política regulada” entre

os deputados estaduais do Rio de Janeiro, na Secretaria Estadual de Educação.

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CAPÍTULO IV

O car rossel burocrático indiano e a política de espólio no Rio de Janeiro: breves

notas comparativas

Neste capítulo comparo as formas de interação de deputados estaduais e

funcionários da administração indianos com aquelas que ocorrem no Rio de Janeiro,

discutida nos dois capítulos precedentes. A comparação permite observar as semelhanças

e as especificidades da interação dos deputados da ALERJ e parte da burocracia pública

com aquelas que ocorrem entre os deputados estaduais indianos – em diferentes estados –

e os funcionários públicos. Para tanto, apresento como se organiza o sistema político e

administrativo indiano, descrevo brevemente alguns processos históricos importantes da

administração civil na Índia e, em seguida, discuto as relações entre deputados estaduais

com os funcionários públicos do serviço civil indiano.

Um dos traços mais notáveis da burocracia estatal indiana é a existência de um

vasto sistema de transferência dos ocupantes de cargos na administração e seu

entrelaçamento com o sistema político. O sistema de transferência só faz sentido ao

considerarmos o processo histórico-administrativo que esteve na base de formação do

Estado indiano, o sistema de valores culturais que permeiam a maior parte dos grupos na

sociedade e a organização institucional do sistema político atual. Nesse sentido, a Índia é

um bom exemplo de como história, cultura e instituições políticas se articulam na

definição das relações sociais existentes na esfera política.

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O sistema político indiano

A Índia é uma República Federativa com sistema parlamentar de governo,

formada por 25 estados e 7 territórios. Sua constituição foi muito influenciada por

tradições institucionais britânicas, o que tornou o desenho de suas instituições, em alguns

aspectos, muito similar àquelas. No sistema indiano, o parlamento federal é composto

pelo presidente, a Câmara Baixa (Lok Sabha) e o Conselho de Estados (Rajya Sabha). O

presidente é o chefe de Estado e nomeia o primeiro-ministro, responsável por montar o

Gabinete, que é o núcleo decisório do governo. Os membros do Gabinete são escolhidos

da coalizão dos partidos que formam o governo. O presidente é eleito por membros de um

colégio eleitoral formado por membros do Rajya Sabha, do Lok Sabha e deputados das

assembléias estaduais. As eleições parlamentares para o Lok Sabha são distritais e

majoritárias. O país está dividido em 543 distritos eleitorais, definidos de acordo com o

número de eleitores e as fronteiras dos estados.

Nos estados, o sistema político se estrutura de forma similar. Cada estado tem um

governador, que é indicado pelo primeiro-ministro indiano. Os governadores têm pouco

poder político, pois este está concentrado nas mãos do ministro-chefe (MC), que é o

equivalente ao primeiro-ministro no âmbito estadual, e nas mãos dos membros do

conselho de ministros, que são como o Gabinete de governo nos estados79.

79 Ressalto, contudo, que existem confli tos sobre a interpretação da norma constitucional quanto à

autonomia dos governadores vis-à-vis o conselho de ministros. Tais divergências só começaram a ganhar

força no debate público quinze anos depois da promulgação da Constituição indiana, em 1950 (cf.

Hanumanthaiya, 1986:115).

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Legalmente, o Poder Executivo está nas mãos dos governadores, cujo mandato é

de cinco anos. Entretanto, o primeiro-ministro pode pedir sua substituição quando desejar.

O governador tem a atribuição pro forma de escolher o MC, o qual lhe sugere,

posteriormente, a nomeação das pessoas que vão integrar o conselho de ministros. Este é

formado por membros da Assembléia Legislativa estadual, que é eleita por voto popular.

A composição do conselho de ministros tende a seguir a proporcionalidade das cadeiras

obtidas pelo(s) partido(s) que forma(m) o governo no estado.

O governador pode dissolver a Assembléia estadual a qualquer tempo. Estas

atribuições formais do governador, no entanto, não lhe dão muito poder político no

estado, pois ele está, quase sempre, subordinado ao conselho de ministros. Em geral, as

sugestões feitas por este conselho são obrigatórias na prática e o governador apenas

empresta seu nome para as ordens executivas e medidas legislativas.

Quando o primeiro-ministro indiano define a indicação dos governadores dos

estados, costuma seguir as preferências dos MCs estaduais. Mas esta não é uma obrigação

formal e não é raro que os primeiros-ministros façam escolhas mais discricionárias, que

levem em conta interesses puramente partidários80. Além disso, o primeiro-ministro pode

recorrer à indicação de governadores com os quais tem vínculos pessoais81 como

instrumento de controle político nos estados.

De forma geral, nos estados o MC e o conselho de ministros são a substância do

governo e o governador o figurehead do sistema parlamentar estadual (cf.

80 A manipulação na indicação dos governadores pelos primeiros-ministros e a util ização desta prerrogativa

para desestabil izar alguns governos estaduais de oposição ao governo central é discutida por Dua (1985). 81 O auge deste processo foi durante o governo de Indira Gandhi (1980-1984) tal como descrito em Dua

(1985).

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Hanumantahaiya, 1991:118)82. No termos de A. Ray, “ the governor shall always act on

ministerial responsibility except in particular or specific cases where he is empowered to

act in his discretion” (Ray, 1986:112).

O papel constitucionalmente atribuído ao governador é servir de mediador entre o

governo estadual e a União. O direito de indicá-los é um instrumento ao dispor do

primeiro-ministro para manter relações harmônicas entre o centro e os estados. Por isso,

como expressou um dos constituintes indianos, a Constituição pressupõe que o

governador deve ser “aquele que não se envolve em disputas partidárias ou faccionais

nas províncias, mas que serve de vínculo estreito entre o centro e as províncias” 83. Este

instrumento permite ao centro concil iar a complexa segmentaridade da sociedade, cujas

divisões de classe, castas, religião, línguas e tribos tornam a possibilidade de confli tos

políticos ou religiosos entre estados e União uma ameaça à unidade territorial e política

do país.

Um pré-requisito que deve acompanhar os governadores, e que demonstra a

imparcialidade política ao qual deveria estar submetido, é que eles devem provir de

estados diferentes dos estados para os quais são indicados. O objetivo é evitar a

preexistência de laços pessoais, raízes políticas ou qualquer tipo de vínculos com partidos

ou facções políticas locais, aumentando as chances de neutralidade e imparcialidade na

relação com o governo estadual.

82 Devido à falta de poder político, os governadores receberam a alcunha de “carimbos”, uma vez que

apenas davam chancela às decisões do MC e do conselho de ministros (Hanumanthaiya, 1986: 119). A levar

em conta o número de confli tos institucionais entre os governadores, MCs e conselho de ministros, a partir

da década de 70, quando o Partido do Congresso Nacional Indiano começou a perder a hegemonia nos

estados, a alcunha parece indevida. 83 Citado em Ray (1986:111).

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O MC é sempre escolhido a partir da Assembléia estadual. Mas quando não há

partidos ou coalizões majoritárias, o governador por interferir no processo e escolher um

MC à revelia dos partidos (cf. Fadia, 1991: 211).

O conselho de ministros (State Council of Ministers) é escolhido pelo governador,

após ouvir as sugestões do MC84. Ele é composto pelos ministros do gabinete, por

ministros do estado e os deputies ministers. Os primeiros formam um corpo separado que

é o próprio Gabinete, o núcleo do conselho de ministros. É o setor com maior poder

dentro do governo.

De forma geral, como assinala Fadia, o conselho

[…] is the Chief Executive Body. It formulates policies, initiates legislation and coordinates the work of the various agencies of the Government. It guides, directs and controls the public administration and implements the policies of the state assisted by the bureaucracy. The quality of the state administration is largely conditioned by the leadership and direction provide by the ministers. (Fadia, 1991: 255)

Não há um número predefinido de ministros que devem integrar o conselho, que

pode variar conforme a fragmentação partidária na Assembléia. O governador e o MC

podem escolher tantos ministros quanto julgarem necessários, seja para contemplar a

maioria parlamentar, seja para atender a grupos de interesses e facções políticas. Por isso,

84 Fadia observa, em primeiro lugar, que o governador pode não seguir as recomendações do ministro-chefe.

Quanto ao conselho de ministros, o autor menciona que, “ o ministro-chefe [ ...] não é tão l ivre para escolher

sua equipe [de ministros] quanto a convenção nos faria crer. Existem muitos constrangimentos, tais como

pressões políticas, demandas por diferentes representações de interesses, facções etc., que restringem sua

liberdade de escolha” (Fadia, 1991: 255).

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o tamanho do Conselho varia de acordo com os interesses e as necessidades de

acomodação política dos aliados85.

O MC é quem detém maior poder de nomeação e patronagem nos estados. Ele

sugere a indicação dos juízes da Suprema Corte estadual, nomeia o Advogado Geral do

Estado e os membros da Comissão de Serviços Públicos Estaduais, responsáveis por

recrutar, mediante provas de qualificação, os funcionários da burocracia estadual.

A maioria dos legislativos estaduais é bicameral, composta pela Assembléia

Legislativa e pelo Conselho Legislativo. A primeira é formada por deputados eleitos em

eleições distritais (Members of Legislative Assembly, doravante, MLAs). Cada distrito

elege um membro e seus mandatos são de cinco anos.

O Conselho Legislativo é formado por uma fração dos deputados eleitos para a

Assembléia que costumam se escolhidos proporcionalmente ao tamanho das bancadas nas

Assembléias. O Conselho tem função basicamente consultiva. Seu poder máximo, do

ponto de vista legislativo, é vetar matérias da Assembléia Legislativa por, no máximo,

quatro meses. Esta, por seu turno, concentra quase todos os poderes legislativos do estado.

Suas principais atribuições são controlar e supervisionar o Conselho de Ministros

estadual, legislar sobre todas as questões que não são vedadas pela Constituição federal e

controlar as finanças estaduais (Fadia, 1991: 269-70).

85 “The Council Of Ministers has of late been expanding in all the states irrespective of the administrative

needs in order to accommodate communal and regional claims and satisfy personal ambitions” (Fadia,

1991: 260). Este aspecto lembra o processo de criação de novas Secretarias no governo do Rio de Janeiro

para atender novas demandas por cargos de facções ou grupos políticos aliados, como discuti no Capítulo II.

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A maioria dos deputados que compõem a Assembléia Legislativa despende seus

maiores esforços na atividade clientelística e na distribuição de patronagem do que nas

tarefas parlamentares associadas à produção legislativa e às atividades em plenário. Uma

das funções principais da atividade cotidiana do MLA é intermediar favores para

indivíduos ou grupos em relação à burocracia, o que os torna, ao lado de funcionários que

ocupam posições-chave na administração, os principais mediadores políticos dos estados.

Em um texto antigo, mas que preserva atualidade, Bailey assinalou que o típico deputado

estadual do estado de Orissa

[…] is not the representative of a party with a policy which commands itself to them, not even a representative who wil l watch over their interests when policies are being framed, but rather a man who will intervene in the implementation of policy and in the ordinary day to day administration. He is there to divert the benefits in the direction of his constituents, to help individuals to get what they want out of Administration, and to give them a hand when they get into trouble with officials. (Bailey, 1963: 121)

Quatro décadas adiante, Fadia fez observações semelhantes, ao dizer que

Most MLAs have strong ties with their constituencies and it is through them that localism has come to dominate state polit ics. The ‘ legislative li fe’ of the MLA is secondary to his role as a political broker. The average MLA come into his own not on the floor of the Assembly but in helping his constituents to get places in colleges, permits, li censes, and jobs. It is this kind of work that occupies most of his time and this that plays the greatest electoral dividends. (Fadia, 1991: 278)

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As passagens ilustram que a maioria dos parlamentares estaduais se apóia em

práticas clientelísticas na política do dia-a-dia, o que torna o controle sobre cargos ou

sobre o destino de seus ocupantes um recurso de poder especialmente valorizado nos

estados indianos.

Por fim, antes de voltar a atenção para o sistema de transferência de funcionários

da burocracia, é preciso mencionar a lógica da organização partidária nos estados

indianos. Os partidos na Índia podem ser estaduais ou nacionais. Os primeiros se

caracterizam por ter representação política em pelo menos quatro estados da federação.

Os demais são partidos estaduais. Há partidos nacionais com poder mais centralizado na

cúpula nacional e partidos menos centralizadores, mais flexíveis nas estratégias de

alianças políticas estaduais. Devido às diferenças na organização partidária em cada

estado, há sempre forte pressão sobre os partidos nacionais para que concedam liberdade

nas negociações partidárias e faccionais estaduais, pois a lógica das disputas partidárias e

das coalizões governamentais nos estados, na maioria das vezes, reflete parte das

clivagens sociais, econômicas e culturais que são específicas a cada um86. Os três partidos

86 E. Sridharan (2004) discute as teorias que tentam explicar a grande fragmentação partidária na Índia. Elas

se situam entre dois extremos teóricos: o primeiro explica a fragmentação partidária como reflexo da

clivagem social; o segundo explica a fragmentação como reflexo das regras eleitorais, especialmente o

tamanho dos distritos eleitorais, o número de candidatos eleitos por distrito, o sistema de votação (li stas

abertas ou fechadas). Para o autor, apesar de a clivagem social ser uma variável relevante para explicar a

fragmentação partidária, o segundo modelo é mais eficaz para dar conta da evolução do padrão de confli tos

partidários nos planos federal e estadual. Palshikar (2004:1.477), apesar de apresentar alguns argumentos

semelhantes aos apresentados por Sridharan, atribui maior peso às alterações nas cl ivagens sociais da Índia

atual para explicar as transformações nas coalizões partidárias no país.

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nacionais mais importantes são o Indian National Congress Party (INC), o Bharatiya

Janata Party (BJP) e o Communist Party of Indian (Marxist) (CPI-M)87.

Sridharan (2004) divide a recente história partidária e eleitoral indiana em quatro

momentos. O primeiro, entre 1947 e 1967, foi de completa hegemonia eleitoral do INC

tanto em nível federal quanto estadual. A sólida hegemonia deste partido eliminava as

expectativas de alternância do poder em âmbito federal, apesar de as eleições ocorrerem

de forma regular e haver competição partidária formal. Mas a competição era mais intensa

entre as facções do INC do que entre este os partidos adversários.

O segundo período vai de 1967 a 1989. O ano de 1967 marcou o início do fim da

hegemonia do INC na política nacional e estadual. Seu percentual de votos para o Lok

Sabha nas eleições daquele ano caiu para 40%, enquanto alguns partidos de oposição

começaram a rivalizar em poder com o INC, especialmente o BJP, que conseguiu, dez

anos depois, nas eleições de 1977, 40% das cadeiras. Apesar de o INC restaurar parte de

sua expressão eleitoral no início dos 80 – em grande parte como reflexo da fragmentação

interna do BJP – um padrão de bipolaridade entre INC e outros partidos nacionais,

liderados pelo BJP se consolidou. Esta mudança ocorreu pari passu às transformações

sociais mais amplas na sociedade indiana. As eleições de 1977, 80 e 84 foram marcadas

pela incorporação das massas ao debate político e a valorização da representação de

interesses como fundamento da política representativa.

87 Os três partidos conquistaram, respectivamente, 28,3%, 23,8% e 5,4% das cadeiras do Lok Sabha

(Câmara Baixa) nas eleições parlamentares de 1999 (Sridharan, 2004:478). As eleições de 2004

demonstraram a clara polaridade entre a coligação liderada pelo BJP e a coligação liderada pelo INC. As

duas conquistaram respectivamente, 185 e 219 das 513 cadeiras no Lok Sabha. (Dados coletados em

http://www.indian-elections.com/resultsupdate/index.html#bjp).

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"Voters became more assertive and competitive, and their appetites for resources from politicians grew. Interest groups crystallized and came increasingly into conflict, so that it became harder to operate a political machine that could cater to every organized interest, as the Congress had very nearly done in the Nehru years” (Manor, 2000:104).

O terceiro período da evolução partidária indiana, situado entre 1989 e 1999, foi

marcado pela consolidação da polaridade eleitoral em âmbito federal e da “bipolaridade

múltipla” nos estados, para utilizar o termo de Sridharan (2004), que o util iza para

descrever o declínio do INC e ascensão do BJP e dos partidos regionais como forças

políticas regionais ou estaduais. No novo padrão de “bipolaridade múltipla”, o INC

polariza nas eleições estaduais com o BJP ou com os diversos partidos estaduais. Cabe

lembrar que, ao contrário do âmbito federal, os estados apresentam polarizações diversas,

pois têm fragmentações partidárias e coalizões muito mais díspares, pelo fato mesmo de

inúmeros partidos serem apenas estaduais88.

O Serviço Civil na Índia e o carrossel burocrático

O Serviço Civil na Índia é organizado de forma hierárquica, com atribuição de

competências técnicas e estruturado em torno do ideal de neutralidade burocrática. A

estrutura da administração indiana é tripartite. O All-Indian Service é o serviço público

nacional indiano, composto por três instituições. A mais importante é o Indian

Administrative Service (IAS), criado em substituição ao Indian Civil Service (ICS) do

período colonial, e que possui a maior parte do funcionalismo público. O IAS se organiza

88 “Barring few states [...], all the states now have their political space divided between the all-India parties

and some state level party or parties” (Palshikar, 2004: 1.477).

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em um sistema no qual o tempo de serviço e o mérito são os principais critérios de

promoção na carreira. Apesar de os funcionários do IAS serem funcionários do governo

central (como nossos funcionários federais) eles provêm sempre dos estados. Uma parte

dos funcionários trabalha na capital para o governo federal e a maior parte trabalha nos

estados, servindo ao governo central ou aos governos estaduais. Pelo menos metade dos

quadros do funcionalismo do IAS lotado em um determinado estado deve ser formado por

funcionários provenientes de outros estados.

A escolha dos quadros do IAS ocorre por meio de avaliações competitivas que se

baseiam no mérito e são realizadas por uma instituição do governo central indiano, a

Union Public Service Comission. Os State Services são os serviços públicos dos estados.

Eles estão divididos em secretarias, órgãos com funções técnicas e serviços relacionados

ao governo local (no âmbito dos distritos eleitorais). Geralmente a administração do

serviço público estadual é subordinada ao secretário-chefe do governo do estado, cujas

funções são similares à de chefe do Gabinete Civil nos nossos estados. Os estados têm sua

própria agência para recrutar seus funcionários, a State Public Service Comission.

No quadro do funcionalismo dos estados, ao lado do já mencionado quadro de

funcionários pertencentes ao IAS, há o quadro administrativo estadual, divido em quatro

classes de funcionários, I, II, III , IV. O ministro-chefe e o secretário-chefe têm a

prerrogativa de transferir e nomear os funcionários do IAS dentro dos seus respectivos

estados. Os ministros estaduais – que compõem o Conselho de Ministros – são

responsáveis pela transferência dos funcionários classe I e II que se encontram dentro de

seus respectivos ministérios. Os secretários subordinados aos ministros (que são classe I)

podem transferir funcionários classe III. No âmbito dos governos locais dentro dos

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estados (districts Panchayat) os políticos locais e os funcionários classe I têm a

prerrogativa de autorizar e realizar as transferências do quadro administrativo local.

Quadro de funcionários dosestados

Funcionários do IAS(recrutados pelo governo

central mas subordinados aogoverno estadual) ½ destes

funcionários provêm deoutros estados

Funcionários que compõem oserviços públicos estaduais

(secretarias, diretorias,órgãos técnicos). Divididos

em quatro classes, sãorecrutados por um órgão do

próprio estado, com base emprova de qualificação e

conhecimento

Funcionários que formam oserviço público local (dos

District Panchayat)

Transferências são dacompetência do ministro-chefe, com

auxílio do secretário-chefe

Classe IFuncionários do IAS

Funcionários Recrutadospelo State ServiceCommission (SSC)

Nomeados Técnicosrecrutados pelo SSC ou

promovidos por senioridade

Classe IVOffice-boys, assistentes,

auxiliares etc.

Classe IIIQuadro de pessoal interno

dos ministérios

+ +

Min

istro

s sã

o re

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sáve

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or tr

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cias

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Secretários dos m

inistros e chefesde departam

ento (classe I) podemtransferir funcionários classe III

Classe IIFuncionários dos ServiçosPúblicos de Competênciaexclusivamente estadual

São transferidos por políticos do Panchayat em colaboração com

os funcionários classe I

Figura 3. Estrutura formal do quadro administrativo dos estados e as competências legais para realizar transferências

Fonte: Compilação do autor

A entrada dos funcionários na administração pública – tanto no IAS quanto nos

State Services ocorre sempre por exames de qualificação. A indicação de funcionários de

fora do quadro permanente para ocupar funções públicas não ocorre nem mesmo nos mais

altos escalões burocráticos, ao contrário do caso brasileiro. Os critérios de promoção na

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carreira também são diferentes dos nossos. Na Índia, as promoções seguem a regra da

senioridade, que se juntam aos critérios de mérito e critérios políticos. À medida que os

funcionários cumprem tempo de serviço na administração, sobem na hierarquia. Mas estas

promoções também sofrem influências políticas, pois como os mais altos escalões têm um

número menor de vagas, as decisões sobre os que serão promovidos na hierarquia passam

a depender mais de critérios políticos. “Once the process of empanelment starts, the

polit ical whims and fancies come into the picture, supersessions become a routine matter

and the merit may often go ignored” (Mishra, 1997)89.

Um traço importante na definição da organização administrativa indiana é que

mesmo os mais altos escalões da burocracia mantêm-se no posto quando os governos

mudam. O princípio de funcionamento é o de que os funcionários devem aderir às

políticas partidárias vigentes, mas não ao partido. Contudo, por razões que apresentarei,

os funcionários da administração são submetidos a transferências de localidade

intercaladas por espaços de permanência que variam de acordo com a hierarquia do cargo.

O resultado é um imenso processo de rotação nos cargos e pouca estabilidade dos

funcionários. “Many officers have made a vivid note of this in their writings, mentioning

that their lives have been one of packing and unpacking” (Mishra, 1997). A tabela abaixo

mostra a freqüência das transferências dos funcionários do IAS em uma década.

89 A interferência política na administração é consideravelmente maior no âmbito dos estados que no nível

central da administração. Para Banik (2000:112) “ there is general agreement among IAS officers that

serving at the Centre is very different from that of working in the districts or in a State capital. In the words

of a senior civil servant, ‘At the Centre, the level is much higher. One is mainly formulating policy and is

much more shielded from numerous political pressures. At the State level, one is always an implementing

officer directly, has increased contact with poli ticians of all parties and is answerable to everyone’ ” .

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Quadro 4. IAS: padrões de deslocamento, 1976-86

Tamanho do quadro do IAS Tempo de Permanência no Posto (em %)

Ano (Janeiro)

Número Menos de um ano 1-2 anos 2-3 anos Mais de 3 anos

1977 2901 54 28 11 7

1978 3084 58 26 10 6

1979 3236 55 30 10 5

1980 3404 49 32 13 6

1981 3373 60 22 11 7

1982 3539 52 31 9 8

1983 3734 51 29 13 7

1984 3797 56 26 12 7

1985 3910 51 31 11 7

1986 3970 58 25 12 6

1991 4497 58 25 10 6

1992 3951 56 27 11 6

1993 3991 49 31 13 8 Fonte: David Potter, “ IAS Mobil i ty Patterns”. Indian Journal of Public Administration. New Delhi, Oct-

Dec., 1987.

O quadro 4 mostra que mais de 50% do quadro do IAS permanece menos de um

ano no posto. As cifras são similares para funcionários lotados nos estados ou na capital.

A maioria destas transferências se deve às mudanças de localidade, não

promoções na carreira. Quando os funcionários são nomeados para um cargo,

permanecem, em caráter definitivo, trabalhando dentro do mesmo estado para o qual

foram originalmente nomeados. As transferências são sempre intraestatais, mas ocorrem

em todos os níveis e escalões da administração. Professores, enfermeiras, assistentes

administrativos etc., por exemplo, que ocupam escalões mais baixos – funcionários de

nível IV –, são transferidos com menor freqüência, mas seu tempo médio de permanência

no cargo não excede quatro anos. Estas transferências, entretanto, não são decididas pelos

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próprios funcionários. Na maioria das vezes, são os políticos ou funcionários do topo da

hierarquia os responsáveis pelas decisões. Apesar de os funcionários transferidos

exercerem pressões por meio de contatos para conseguir transferências que lhes são

pessoalmente mais vantajosas, dependem, em última instância, daqueles políticos ou

funcionários.

Funcionários do primeiro e segundo escalões da burocracia devem permanecer, no

mínimo, três anos e, no máximo, cinco anos no cargo. A partir do terceiro escalão, não há

tempo mínimo ou máximo de permanência no posto. Esta possibilidade de transferência é

estabelecida contratualmente e todos os funcionários assumem suas funções cientes de

que podem ser transferidos de localidade em algum momento. Existe grande dificuldade

em estimar o número de transferências dos funcionários dos serviços estaduais – ao

contrário do IAS -, por não haver obrigatoriedade de registros formais. Nas entrevistas

que De Zwart (1994) realizou com políticos do estado de Gujarat, dos 300.000

funcionários públicos existentes, as estimativas sobre o número de transferências

ocorridas em um ano variaram entre 20.000 e 150.000.

Não obstante as normas que regulam o funcionamento da administração pública

estabelecerem que seus funcionários devam permanecer ao menos dois anos no posto

antes de qualquer transferência, a norma não é seguida. A freqüência com que elas

ocorrem é consideravelmente maior do que o permitido.

O sistema de transferências se tornou, nas mãos dos políticos em geral e dos

deputados, em particular, um importante mecanismo de manipulação política. Esta é

facili tada pela ausência de normas definidas, já que as disposições oficiais são

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minuciosas em relação a quem e como as transferências devem ocorrer, mas são vagas

quanto aos motivos que as justificam.

Os estados são os responsáveis pela organização de sua própria burocracia e o

grau de manipulação das regras e da prática das transferências é consideravelmente

maior se comparada ao serviço público central. A burocracia pública nos estados

indianos é, pois, caracterizada por altos índices de mobili dade espacial de seus

funcionários e esta passou a ter forte associação com a esfera política e com os

deputados estaduais90.

A origem e as razões oficiais do sistema de transferências na burocracia da Índia

A transferência regular de funcionários da administração é uma prática que

remonta ao século XVI, durante a dominação do império Mongol (1526-1857). A partir

do reinado do imperador Akbar (1556-1605), que fundou e desenvolveu o serviço civil no

território que viria a constituir a Índia, os príncipes mongóis obrigaram seus funcionários

mais importantes, os mansabdars, a migrarem continuamente de posto91. O principal

intuito dos príncipes era evitar a formação de coalizões entre os funcionários ou com

invasores estrangeiros, o que poderia ameaçar a estabili dade do reino92. Os mansabdars

eram funcionários que controlavam um corpo de funcionários a eles subordinados (amils)

90 De Zwart (1994: 2) menciona que os servidores civis indianos “do not […] decide themselves where they

will work. State ministers and some top civil servants can transfer them within the boundaries of the state at

any time and do that often enough to make them one the most mobile groups in society” . 91 A prática foi iniciada em 1569. 92 “Mogul princes were continually threatened by conspiring mansabdars, and their control over the state

was partly dependent on their abil i ty to prevent such cooperation” , observa De Zwart (1994: 18).

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e tinham um exército pessoal. Permanecer muito tempo em uma mesma localidade

permitia aos mansabdars construir redes de relações sociais potencialmente perigosas. Ao

lado dos mansabdars e seus amils, havia ainda os village accountants (karnams), que

eram funcionários menos suscetíveis às transferências, dado seu conhecimento técnico

local, porém igualmente propensos à formação de redes corruptas que poderiam, em

alguns casos, desafiar a autoridade política e administrativa do reino (Frykenberg, 1968).

As transferências regulares eram eficazes para evitar isso. A preocupação maior era com

os funcionários mili tares, para os quais a dispersão territorial e rotatividade geográfica

foram os meios encontrados para evitar potenciais sedições destes contra os príncipes.

Paralelamente, as transferências dos mansabdars também tinham motivação

financeira. As transferências começaram a se consolidar como um instrumento de

extração de recursos dos transferidos, que recebiam em troca algo similar a um direito de

uso do cargo para extrair rendas pessoais. Este processo resultou em um incipiente

sistema de compra de transferências que, curiosamente, se tornaria bastante similar a parte

da lógica das transferências de funcionários administrativos na Índia contemporânea.

Com o início do domínio britânico na região, as transferências continuaram. De

Zwart descreve que,

Just like the Mogul princes, the first British Governors-General found it difficult to ensure the loyalty of their personnel. And they too tried to promote the one-sided loyalty of their officials by regularly transferring them and, in so doing, to create a gap between civil servants and the local population (De Zwart, 1994:30-1).

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Desde o período de domínio da Companhia das Índias Orientais (1600-1857), as

questões relacionadas à separação entre a esfera administrativa (pública) e os negócios

privados estiveram presentes. Quando o governo britânico começou a se apossar do

território indiano, a partir de 1760, os administradores das possessões da Companhia

foram transformados em governadores das províncias. Na mesma época, o governo

britânico emitiu uma série de disposições administrativas para regular a conduta dos

novos administradores e separar assuntos comerciais de assuntos relacionados à

administração civil. Levas crescentes de funcionários britânicos foram substituindo os

funcionários indianos nos postos centrais da administração da Companhia. Este foi um

dos primeiros passos da Coroa Britânica nas diversas tentativas de consolidar um aparato

administrativo – ao menos no âmbito central – que fosse relativamente autônomo de

pressões políticas e pressões sociais provenientes do sistema social indiano (Misra, 1986;

Marshall , 1998).

Durante o domínio britânico, a partir de 1860, o serviço civil britânico foi

introduzido, mas grande parte dele ainda pertencia exclusivamente ao aparato coercitivo

inglês. Houve tentativas de padronização das condutas, mas não existiam códigos que

unificassem os procedimentos entre as províncias e os funcionários britânicos podiam

nomear seus subordinados de acordo com interesses e preferências pessoais. Ainda assim,

este período marca o início do desenvolvimento de um serviço civil indiano em moldes

mais burocráticos, ao menos na administração central. Com todos os funcionários ingleses

ou indianos sendo treinados na Inglaterra, a unificação das práticas e o controle da

corrupção foram relativamente bem-sucedidos, apesar de no âmbito provincial a realidade

estar longe das aspirações da metrópole. Nas províncias, o serviço público teve um

histórico de corrupção que nunca foi seriamente desafiado.

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O serviço público no âmbito central – ICS – apresentava níveis de corrupção

relativamente baixos comparados às províncias. Isto se deveu, principalmente, aos

esforços britânicos para minorá-la, a partir de 1855, quando a Comissão Macaulay

eliminou o antigo sistema de patronagem util izado por diretores da Companhia das Índias

Orientais para indicar os funcionários de alto escalão na Índia. Mas no nível provincial o

sistema de transferências de cargos e seu entrelaçamento com a corrupção assemelhavam-

se aos processos de compra e venda de cargos do período medieval, quando estes eram

negociados como possessões hereditárias.

B. B. Misra (1986) argumentou que o período de administração britânica foi

relativamente bem-sucedido em controlar o processo de corrupção relacionado às

transações com cargos no âmbito do governo central porque implantou um sistema de

preenchimento de cargos que exigia altas quali ficações e treinamento dos nomeados.

Entretanto, quando o governo britânico começou a aumentar o controle sobre a

administração autônoma dos administradores provinciais da Companhia das Índias

Orientais, por razões econômicas93, os interesses dos parlamentares britânicos estiveram

indissociavelmente marcados pelos interesses em controlar a patronagem na Índia como

meio de atender parte de seus interesses políticos na Inglaterra. De acordo com o

historiador Kumar Ghosal “ [ ...] the immediate tightening of parliamentary control over

the Company's affairs in India was the eagerness of the British party leaders to capture

the large patronage at the disposal of the Company to consolidate their own position in

home politi cs” (Ghosal apud De Zwart, 1994:39).

93 No final do século XVIII, a Companhia passou por severas crises econômicas, incompatíveis com a

riqueza pessoal de seus administradores na Índia, conhecidos como nabobs. O contraste entre a penúria da

Companhia e a riqueza dos nabobs ensejou medidas administrativas para aumentar o controle do governo

britânico sobre aqueles. Cf. De Zwart (1994: 36-38).

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Na segunda metade do século XIX, a corrupção administrativa entre os

funcionários britânicos tinha sido consideravelmente reduzida, mas as transferências de

funcionários continuavam. A razão disso foi a mudança na percepção dos funcionários

britânicos, que passaram a estigmatizar a ocupação de cargos na Índia e pressionavam por

retornar à Inglaterra. Estas pressões resultaram em maiores concessões do governo

britânico que, para atrair funcionários à Índia, ampliou os períodos de licença e o número

de vezes que podiam retornar à Inglaterra, aumentando a necessidade de transferências

para cobrir as brechas criadas pelos funcionários ausentes. O aumento na rotação dos

funcionários civis passou a ser o resultado não pretendido do relaxamento nas regras de

licença para os funcionários administrativos ingleses.

A primeira metade do século XX foi marcada por alterações nas regulações sobre

as transferências de funcionários. Em 1919, por exemplo, concedeu-se maior autonomia

às províncias na gestão das transferências dos funcionários, fruto das pressões dos

próprios ministros provinciais, que contestavam a centralização burocrática da

administração inglesa. Em 1923, com o estabelecimento de eleições de representantes das

províncias e o crescimento dos serviços provinciais, a influência dos políticos sobre os

funcionários da administração cresceu vertiginosamente, já que as transferências dos

funcionários eram um dos recursos de poder mais importantes dos políticos sobre a

burocracia provincial.

Quando o Indian Administrative Service foi criado, em 1946, para substituir o

Indian Civil Service do período colonial, foi estruturado como uma agência de regulação

do funcionalismo em âmbito federal, sem interferências políticas. Tanto o recrutamento

quanto o controle sobre as condutas dos funcionários deveriam ser baseados em

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avaliações profissionais que mensurassem o mérito, disciplina, eficiência, honestidade e a

diligência. Vínculos partidários ou qualquer outra consideração política estariam ausentes.

Porém, estes objetivos encontraram circunstâncias desfavoráveis antes mesmos da sua

criação, no período da Segunda Guerra Mundial, pouco antes de a Índia conseguir

independência formal e constituir seu próprio sistema administrativo.

O primeiro obstáculo foi a rápida expansão, provocada a partir da Segunda Guerra

Mundial, das oportunidades de contratos e suprimentos de guerra ou serviços correlatos,

aumentando as oportunidades de negociações fraudulentas, que decorreu da

impossibilidade de aumentar, na mesma proporção, o aparato de controle e fiscalização

sobre as negociações. As práticas corruptas na administração sofreram um grande impulso

neste período. “The War was won, but the moral fabric of society and administration was

shaken to its very foundations” (Misra, 1986:273).

O segundo obstáculo foi a retirada dos funcionários ingleses da administração

indiana, logo após a independência, em 1946. Sem meios de preencher todos os cargos

com funcionários indianos de mesma qualificação, o governo rebaixou os níveis de

exigência para a contratação.

Em terceiro lugar, no período pós-independência ocorreu um rápido aumento da

demanda por milhares de funcionários para preencher as novas funções econômicas

incorporadas pelo novo governo, o que ampliou a necessidade de novos quadros de

pessoal para os novos setores, novamente, com quali ficações rebaixadas.

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Por fim, a forte compressão salarial do funcionalismo nos anos que se seguiram à

independência deu estímulo adicional para o desenvolvimento da corrupção

administrativa.

Ao lado das circunstâncias históricas de longo e de curto prazos, a cultura da

sociedade indiana é uma variável indispensável para compreender a lógica de organização

do sistema administrativo e sua interação com o sistema político. Uma burocracia

organizada nos moldes weberianos sempre encontrou forte resistência na sociedade, e isto

era tanto mais visível quanto mais se descia nos níveis da administração. Já foi

mencionado que o estabelecimento de um sistema administrativo mais impessoal só foi

possível no nível central.

Nos estados – antigas províncias – os cargos da administração estiveram mais

suscetíveis às manipulações políticas decorrentes de conflitos entre facções políticas – dos

quais o MC participa ativamente – dos interesses de grupos com lealdades atribuídas ou

adquiridas e mesmo por necessidade de atender ao chamado “princípio da reserva

comunal”, que estabelece uma cota de vagas na administração para as “scheduled castes” ,

“scheduled tribes” e “backward classes” , grupos historicamente excluídos social e

economicamente.

O "princípio da reserva comunal" tornou os baixos escalões da burocracia ainda

mais suscetíveis a receber influências pessoais, porque os funcionários que entraram por

meio de cotas tinham formação e qualificação menor, o que se traduzia em maior

tendência ao favorecimento dos cidadãos da própria casta ou tribo. A parcialidade em

favor das castas já era informalmente aplicada em muitos setores da administração. A

introdução formal do princípio da reserva comunal fortaleceu este aspecto, apesar de ter

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sido criado com o objetivo ser ampliar a inclusão de setores economicamente excluídos.

O revigoramento da casta como princípio de solidariedade na administração e na política

estimulou uma mudança gradual da patronagem laica para a patronagem fundada no

princípio da casta. Nos termos de Vithal,

[...] during an earlier period, an officer wishing to use political influence would go to the minister with whom he worked or had previously worked, or who belonged to his district. But, since the 1970s and 1980s this situation has changed radically. Officers now go to ministers belonging to the same castes. Each minister, whose appointment owes much to his importance as leader of his caste, considers himself to be the protector of godfather of all the officials in the government who belong to his caste. The civil servants, for their part, reciprocate such a sentiment, though there are rare cases of choice running counts to such a practice. (Vithal, 1997:225-6)

Ao lado dos vínculos verticais de autoridade na hierarquia administrativa e nas

relações entre políticos e administradores, os vínculos horizontais de casta contribuíram

para tornar mais complexa a lógica das adesões e, naquilo que aqui nos interessa, para

explicar o sistema de transferências e indicações para cargos da burocracia nos diversos

escalões das administrações estaduais.

Na sociedade indiana os fracionamentos religiosos, lingüísticos, de castas e classes

constituem grande obstáculo ao desenvolvimento de regras e comportamentos impessoais

e ao enraizamento do princípio da neutralidade burocrática na percepção de parte dos

funcionários da administração, dos políticos e da sociedade. Por mais que os princípios

formais de igualdade e impessoalidade, em grande medida derivados do período da

administração inglesa e reforçados por princípios administrativos modernos em favor da

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profissionalização da administração, vigorem, sempre houve usos políticos e eleitorais

dos cargos da administração. Nos estados e distritos, correm paralelas duas éticas

burocráticas: a ética da impessoalidade e a ética dos vínculos primordiais – de castas, de

parentesco, religiosos e tribais.

Os princípios burocráticos da administração dos estados indianos foram, em

grande parte, reapropriados e transformados por valores sociais que conformam parte das

relações sociais na sociedade indiana. As clivagens sociais, religiosas, lingüísticas e de

castas impedem o fortalecimento da cultura meritocrática e da neutralidade na

administração sobretudo porque a esfera política, que interfere na administração, tende a

espelhar a lógica da organização social e dos valores socialmente compartilhados.

Os usos políticos da transferência de funcionár ios

A motivação oficial para o sistema de transferências é evitar a formação de redes

de clientela e corrupção na administração. Mas os políticos e funcionários autorizados a

realizar as transferências podem utili zar as transferências com interesses políticos e

econômicos, construindo ou dissolvendo redes potenciais de poder e influência criadas

pelos próprios funcionários ou por facções políticas adversárias.

As redes políticas e as redes de clientela na burocracia indiana ocorrem em todos

os níveis da administração, mas nos estados elas têm maior densidade. Estas redes já

foram analisadas por Brass (1965) e Bailey (2001). Eles mostraram que elas são formadas

por políticos que almejam construir círculos de poder com fins eleitorais e econômicos ou

por funcionários dos altos escalões que, quando não estão subordinados aos interesses

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desses políticos, podem articular redes pessoais de poder com as mesmas finalidades. Na

Índia, é relativamente comum que funcionários que permaneçam em seus postos por um

tempo longo desenvolvam redes sociais densas e extensas, das quais se util izam no futuro

para iniciar a carreira política94. De Zwart menciona um exemplo:

In Gujarat [estado indiano] there was a member of the Legislative Assembly who was previously a senior police official, in which position he had built up a clientele big enough to allow him to start a poli tical career. Transferred against his will , he resigned and successfully entered politics. (De Zwart, 1994:4)

Parte dos funcionários dos altos e médios escalões da burocracia são brokers em

potencial, que podem utilizar redes de influência e o monopólio parcial sobre a

distribuição de alguns serviços como instrumentos de poder pessoal95.

A conjugação entre interesses privados dos burocratas e os interesses dos políticos

em se associar àqueles para usufruir destas redes ou para quebrá-las – em casos de

rivalidades de poder com adversários – tornaram a burocracia dos estados indianos uma

das mais corruptas do mundo. Para S. K. Das “corruption in India is entrenched – it is

pervasive, organized and monopolistic. Even more disturbing is how patrimonial politics

has colonized the entire public bureaucracy” (Das, 2001:3).

94 De resto, este é um processo bastante famil iar também ao Brasil . 95 Cf. Silverman (1977), Scott (1977) e Graziano (1977), para uma análise da importância do monopólio da

distribuição de bens e serviços na construção do poder dos brokers, em particular, e das relações

clientel istas, em geral.

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Apesar da implantação de um sistema meritocrático ter sido tentado desde meados

do século XIX, quando atos normativos da administração britânica limitaram a

patronagem, substituindo-a pelo mérito nas provas de admissão, a burocracia pública

continua a seguir uma lógica que só exclui a interferência política no momento de entrada

na carreira. Ademais, o princípio da progressão por tempo de serviço (senioridade) é um

dos elementos adicionais que inibem as promoções por desempenho. “The promotion

system in the state governments is not related to merit and performance-indication at all ,

and in the central government […] the situation is marginally better” (Das, 2001:129).

A transferência contínua e maciça de funcionários da administração por

motivações político-eleitorais – que De Zwart (1994) denominou carrossel burocrático –

é tão importante na administração e também aos olhos da população, que os indianos

utili zam o termo “ indústria das transferências” para descrevê-lo.

Transfers of government functionaries have in many states, virtually assumed the status of an industry. Officials at all levels are repeatedly shifted from station to station in utter disregard of the tenure policies or any concern about the disruption of public services delivery and the adverse effect on the implementation of development programs. (Ex-funcionário público indiano, citado em Das, 2001:130)

No nível estadual, existem três importantes modalidades de transferências: a)

aquelas anteriores às eleições locais ou nacionais; b) transferências massivas logo após as

eleições; e c) transferências de funcionários “ indesejáveis” . As transferências pré-

eleitorais são remanejamentos de funcionários em postos, setores ou localidades (distritos)

de modo que os políticos do(s) partido(s) possam conceder favores especiais e conseguir

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financiamento para suas campanhas eleitorais. Funcionários são transferidos para levar à

frente projetos e obras com objetivos eleitorais. Ao mesmo tempo, espera-se dos

funcionários que têm vínculos com os políticos dos partidos que canalizem recursos e

investimentos para atender a programas que favoreçam a estes políticos. Estas

negociações costumam ser acompanhadas de acordos sobre propinas a serem pagas para

que os políticos intercedam nas transferências ou sobre taxas de arrecadação de propinas

arrecadadas nos cargos que os funcionários ocupam com o objetivo de amealhar fundos

de campanha para os políticos e partidos.

A Comissão Eleitoral Indiana tentou criar normas para proibir ou controlar as

transferências pré-eleitorais com objetivos políticos. A tentativa teve pouca eficácia

porque os políticos no poder podem antecipar a convocação de novas eleições e iniciar o

processo de transferências antes do prazo legal. Alternativamente, as transferências

também podem ter datas retroativas, o que torna as manipulações dos cargos formalmente

legais.

O segundo grande volume de transferências de funcionários ocorre em períodos

pós-eleitorais, em um processo semelhante às alterações nos cargos da burocracia

observado no caso brasileiro. Quando há alteração de partido no poder, a primeira medida

do MC é transferir o secretário-chefe e o diretor geral da polícia, ambos considerados as

figuras mais próximas e leais ao MC. O secretário-chefe é oficialmente o responsável

oficial por realizar transferências no âmbito estadual. As mudanças continuam pela

alteração dos collectors dos distritos e os superintendentes da polícia. Funcionários que

demonstram pouco empenho em favor da coalizão vitoriosa também são punidos com

transferências. Há, ainda, as transferências oriundas das fil iações de castas e religiosas, e

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que atendem às pressões dos próprios funcionários por posições que lhes são mais

favoráveis.

Muitos funcionários, insatisfeitos com suas posições, tentam constantemente

mobili zar os políticos para conseguir melhores posições. Quando ocorrem mudanças de

posições, detona-se um processo de rearranjo cíclico, e os funcionários que perdem boas

posições começam sua luta para conseguir suas transferências para postos melhores. A

institucionalização das transferências em massa é tanto maior quanto mais freqüente é a

alternância de poder nos estados. O estado de Uttar Pradesh, que teve doze governos entre

1977 e 1999, é um bom exemplo.

Por fim, as “ transferências punitivas” são a terceira razão para a alta rotatividade

dos funcionários nas administrações estaduais. Não há uma categoria específica de

funcionários que se enquadrem neste tipo de transferência, mas as principais motivações

para que elas ocorram se relacionam à dissidência política ou aliança com partidos

adversários, à recusa em participar de esquemas de corrupção ou sua denúncia e à recusa

em atender pedidos de favor feitos por políticos influentes (cf. Bandik, 2001; Pinto,

199696).

96 Marina Pinto observou que as transferências punitivas são um dos importantes fatores que contribuíram

para o desenvolvimento do que ela chamou de "yes Minister syndrome", que retrata a forte incl inação dos

funcionários públicos atenderem aos desejos e interesses de seus chefes políticos. Um exemplo dado pela

autora, ainda que excêntrico, ilustra como as transferências punitivas constituem um dos traços

característicos da relação entre políticos e burocratas na Índia: "P. K. Kochar, Assistant Comissioner in the

Maharashtra Food and Drugs Administration (FDA), was transferred thrice in a year because his action of

penalising a drug producer who tried to sell a veterinary preparation for human consumption did not

plesase his minister. In another case, Arun Bathia of the FDA was transferred because he puled up a

multinational for permitting rejected drugs to find their way into the market. T. N. Seshan has the unique

distinction of being transferred in 1962, six times between 10.30 a.m. and 5 p.m. – all i n a day!" (Pinto,

1996: 275)

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A indústria das transferências se consolidou a tal ponto nos estados, que os novos

governos empossados consideram só ter assumido o poder de fato depois de terminadas as

transferências em massa de parte dos funcionários – isto, lembre-se, apesar das repetidas

exortações dos manuais de organização administrativa do governo contra a prática97. Em

regra, os partidos políticos vitoriosos nas eleições se desdobram, por meio de seus

políticos e correligionários, para reordenar as redes de poder, quebrando as preexistentes e

consolidando novas redes mais afeitas aos seus interesses.

Desenvolvendo-se nesse sentido, o processo de transferências passou a ser

utili zado com finalidades distintas das funções originais, com as quais está entrelaçada.

As transferências tornaram-se um instrumento de manipulação política, um meio de

extrair vantagens econômicas e políticas ou atender obrigações sociais dos políticos.

Gradualmente, os motivos originais das transferências fundiram-se com as demandas

impostas pelo sistema político cujas exigências eleitorais e econômicas pressionavam à

utili zação dos cargos da administração com finalidades políticas, eleitorais e econômicas.

O “carrossel burocrático” terminou por criar um mercado de cargos informal, que

converte os cargos em algo similar a um título de posse, a partir de um sistema de preços

de mercado e exigências de propinas diferentes para cada um, de acordo com a taxa de

retorno esperada98. No mercado de cargos, uma parte dos políticos cobra para conseguir

97 Como observa Das, “ the guidelines take pains to stress the norms that the right job should go the right

person, that there should be an unbroken tenure of at least three to five years in a post, and that the

consideration for transfer should be non-ascriptive and free from political pressure. But the guidelines

remain on paper as pious exhortations, and the transfers of civil servants are not linked to considerations of

competence, suitability of the incumbent for the job, or the need of the organization” (Das, 2001:129). 98 Ao lado da rentabil idade esperada, outros fatores que contribuem para majorar a atratividade do cargo são

a quantidade de recursos que ele movimenta, a faci lidade relativa para desviar recursos e as condições de

vida da localidade (se área urbana ou rural, por exemplo). Cf. Wade (1982:302-3).

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as transferências e o valor é proporcional à rentabilidade esperada das propinas extraídas

no posto a ser preenchido; os funcionários se dispõem a pagar porque utili zam o mesmo

cálculo da rentabili dade. O interesse dos políticos em obter dinheiro transacionando

cargos se associa à necessidade de conseguir dinheiro para campanhas eleitorais. Não é

raro que uma parte das propinas continue a fluir para o político que indicou o funcionário.

A rede de comissões sobre as propinas recebidas muitas vezes se estendem da base ao

topo da hierarquia administrativa. Por isso, o mercado de cargos faz parte de um amplo

circuito de propinas e trocas, nas quais políticos e funcionários repartem os espólios da

vitória política99.

The corruption network in India is so perfectly orchestrated that there is a thriving internal economy linking principal and agents. The principals (ruling politicians) provide the opportunity and protection, while the agents (civil servants) pay for their spoils by sharing the bribe. (Das, 2001:195)

99 Este processo é muito similar ao esquema de propinas existentes em diversos cargos públicos das

empresas estatais brasileiras. As investigações sobre a corrupção na Empresa de Correios e Telégrafos,

iniciadas em meados de 2005, revelaram que postos-chave da burocracia federal, sobretudo em empresas

estatais, eram usados para gerar recursos para sustentar partidos políticos e financiar as campanhas eleitorais

de seus candidatos. Sintomaticamente, departamentos e repartições de algumas estatais e órgãos da

administração federal são conhecidos no meio político como “ fabriquinhas de dinheiro” . Como relatou o

jornal O Globo, “as chamadas ‘ fabriquinhas’ estariam espalhadas pela administração pública. São

classificados como tal os órgãos da administração direta e estatais que movimentam grande volume de

recursos, trabalham com grandes contratos ou realizam grandes compras. O comando desses órgãos é

disputado entre os políticos da base do governo pelo potencial para gerar recursos para os partidos. As

contribuições são chamadas de ‘pedágio’ e pagas por empresas que têm negócios com o governo” (O

Globo, 12/6/05. “As ‘ fabriquinhas’ de dinheiro” , p. 3).

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Como Robert Wade (1982; 1989) demonstrou, a partir da análise de um projeto de

irrigação na região sul da Índia, há o reconhecimento tácito de que as transferências de

funcionários, a corrupção e as propinas estão vinculadas à acumulação de recursos para

financiar campanhas eleitorais ou para a distribuição de recursos clientelísticos100. No

mesmo viés, Akil Gupta argumentou que as práticas corruptas nos níveis superior e

inferior da burocracia se encontram de forma tão articulada com os políticos que se pode

falar em um sistema estruturado de corrupção.

Poli ticians raise funds through senior bureaucrats for electoral purposes, senior bureaucrats squeeze this money from their subordinates as wells as directly from projects that they oversee, and subordinates follow suit. The difference is that whereas higher-level state officials raise large sums from the relatively few people who can afford to pay it to them, lower-level officials collect it in small figures and on a daily basis from a very large number of people. (Gupta, 1995:384)

100 “Everyone knows that corruption is common [ ...] . Everyone knows that public officials are being

transferred from post to post very frequently […] . And everyone knows that huge amounts of money are

typically required to compete for legislative office […] ” (Wade, 1989:75). Em outra passagem o autor

menciona: “ transfer is the poli ticians’ basic weapon of control over the bureaucracy, and thus the lever for

surplus-extraction from the clients of the bureaucracy. With the transfer weapon not only can the politicians

raise money by direct sale; they can also remove someone who is not being responsive enough to their

monetary demands or to their request for favors to those from whom they get money and electoral support –

in particular, the contractors. One is thus led to visualize a special circuit of transactions, in which the

bureaucracy acquires the control of funds […] then passes a portion to MLAs [Members of Legislative

Assembly] and especial ly Ministers, who in turn use the funds for distributing short-term material

inducements in exchange for electoral support. These funds, it should be noticed, do flow through the public

domain; but they are neither open to public scrutiny nor available for public expenditure programmes”

(Wade, 1989:101).

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Apesar de a corrupção política e administrativa estimular as transferências, estas

continuam a ser fundamentais como rotina administrativa e princípio organizacional do

aparato burocrático nos estados e um meio de prevenir a formação de redes sociais

fundadas nos princípios de solidariedade étnica e de casta. Daí a legitimidade que o

sistema possui. O paradoxo é que, surgido para evitar redes de clientela e corrupção na

administração, as transferências se tornaram um instrumento de manipulação política, de

patronagem e acumulação de recursos financeiros, ao mesmo tempo em que se justificam

oficialmente como instrumento de combate à corrupção.

Mesmo que políticos, funcionários e a sociedade indiana reconheçam que uma

ampla parcela das transferências está associada à corrupção, as ações para combatê-las

são pouco eficientes. Isso se deve à resistência que os políticos estaduais, em aliança com

funcionários, apresentam às mudanças. As vantagens que as transferências têm para o

político são dissimuladas, no discurso oficial, por argumentos associados às “necessidades

administrativas” ou o “ interesse público” , o que permite transferir um servidor civil a

qualquer momento. A fronteira turva entre transferências que se justificam por

motivações administrativas, as que resultam de vínculos primordiais e aquelas com

interesses político-eleitorais ou econômicos torna difícil a imposição de regras que evitem

as transferências injustificadas do ponto de vista administrativo sem criar obstáculos para

aquelas que de fato são necessárias.

A distinção que Scott (1972:88-9) estabeleceu entre “corrupção paroquial” e

“corrupção política” ajuda a compreender como as transferências são, ao mesmo tempo,

justificadas como instrumento de controle e meio de fomento da corrupção política.

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A corrupção paroquial descreve o favorecimento de parentes, amigos ou qualquer

pessoa com vínculos primordiais (religiosos, casta, tribais e étnicos). Foi contra este

prática que o sistema de transferências surgiu, baseado na lógica de que a rede de laços

pessoais ganha espaço à medida que o funcionário permanece mais tempo em seu posto. E

que relações pessoais são a base para práticas de favorecimento. Na Índia, é comum que

as pessoas sempre estabeleçam uma relação direta entre o tempo de permanência no posto

e as chances de surgimento de práticas corruptas.

Corruption is seen as a virtually inevitable by-product of all possible sorts of personal, diffuse relationships. Building up such relationships, however, takes time. And that is where transfers come in. If care is taken that civil servants are always placed outside the boundary of their personal network, then those among them with corrupt intentions are permanently handicapped, both because they have less time to build extensive networks of contacts and because the time that they do have must be devoted to establishing new networks to replace the old ones. (De Zwart, 1994:63)

A “corrupção de mercado” refere-se aos negócios envolvendo a venda direta de

benefícios, entre os quais se incluem os cargos. Como a venda de cargos assumiu

crescente importância a ponto de se organizar em torno de um mercado, a distinção da

natureza da corrupção – de mercado e paroquial – é apropriada neste contexto.

Curiosamente, a rotatividade nos cargos surgiu para controlar a corrupção paroquial e se

tornou um dos principais estímulos à corrupção de mercado101.

101 Stirl ing (1963) analisou a natureza das práticas de favoritismo nas organizações burocráticas dividindo-

as em três tipos. O primeiro é o favorecimento de pessoas com as quais se tem obrigações pessoais. Ele se

insere na corrupção paroquial de Scott. O segundo e terceiro tipos de favorecimento seriam (a) a troca de

favores com estranhos em forma de dinheiro ou outros favores (o que importa aqui é que a outra parte é um

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Aliado a isto encontra-se o fato de a burocracia indiana estar submetida às

constantes pressões de indivíduos ou grupos que recorrem às relações pessoais para levar

à frente seus objetivos. As obrigações morais que os funcionários experimentam, à

medida que constroem laços pessoais no desempenho cotidiano de suas funções, são

fundamentais para entender por que, em relação à eficácia administrativa, o sistema de

transferência não pode deixar de existir. O recurso às relações como meio de obter

serviços pode ser uma estratégia eficaz, mas também é uma forma de agir socialmente

imposta nas relações entre cidadãos e burocratas, políticos e burocratas e políticos e

eleitores. Por vezes, demandas que passam por relações pessoais são mais ineficazes que

as rotinas oficiais, mas ainda assim são postas em prática porque estão inscritas na lógica

da ação social dos indivíduos.

In a certain sense one is socially compelled to make use of personal contacts. No one who has a friend, or a friend of a friend, working at the railway station buys train tickets at the booking-office even if it would be quicker and easier than to suffer the obligatory rituals (drinking tea) and indebtedness that the help of a friend inevitably entails. And for the friend (or friend of a friend) it would be improper not to help with a ticket, even if it cost him time and led to complaints from his boss. Often both parties feel uncomfortable, but the situation is somehow unescapable. (De Zwart, 1994:111-2)

Já que as relações sociais de amizade ou de parentesco são suficientes para

transformar um pedido de favor em uma obrigação de prestá-lo por parte do funcionário,

as transferências periódicas para evitá-las fazem sentido do ponto de vista

estranho) e (b) o beneficiamento pessoal (“granting favors to oneself”). Estas duas formas, que Stirling

distingue, entram indistintamente naquilo que Scott definiu como corrupção de mercado.

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administrativo102. Muitos dos pedidos de transferências são oriundos de funcionários que

querem se livrar das obrigações sociais contraídas por sua longa permanência em um

mesmo cargo. "It is particularly difficult for civil servants to escape in an acceptable way

the attempts of people in their vicinity to bind them in personal and obliging

relationships. [...] This dilemma sometimes produces the wish to leave that place, in

which case a transfer is often the solution” (De Zwart, 1994:111).

A própria noção de corrupção, em uma de suas interpretações sociais, alude mais

ao fato de o funcionário manter relações pessoais do que ter praticado corrupção.

“Usually people understand corruption in the sense not of a set of concrete transactions

but of a network of personal, diffuse relationships that, in general view, inevitably lead to

illegal transactions” (De Zwart, 1994:113)103.

Os estados indianos, por plurais que sejam do ponto de vista de sua composição

social, econômica, religiosa e política104, têm uma lógica de organização dos cargos

102 Sabedores de que os laços pessoais, de qualquer natureza, são importantes critérios para obter serviços

públicos ou favores na Índia, as pessoas tentam sempre estabelecer vínculos pessoais com os funcionários.

Na descrição de De Zwart, “ the clients who continually approach civil servants always try to create an

informal situation. And the smaller the social distance between them and the civil servant, the easier it is for

them to do so, for they can appeal to common friends, family relationships, or geographical provenance,

which provide the client with good grounds for requesting a special favour. It is extremely difficult for a

civil servant, as it is for everyone else in India, to ignore such requests” (De Zwart, 1994: 65). 103 Para uma discussão sobre as modalidades de práticas corruptas arraigadas na administração e na política,

assim como os motivos que as explicam, ver Bhatnagar & Sharma (1991), especialmente os textos de Kohli

(1991), Bhatnagar (1991) e Bhayana & Singh (1991). Cf., também, Dutt (1975). 104 Como menciona Harriss, “although the majority of the labour force across the country remains

agricultural, there are important regional differences and differences between states in terms of the

organization of agriculture, the level of development of capitalism, and of agrarian class structures. There

are differences between states in terms of the extent of industrial development, and hence in the

development of both the industrial bourgeoisie and the working class. These differences may then be

reflected, in turn, in variation in the nature and the extent of political mobilization, and of organization in

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burocráticos – e suas transferências – similares entre si. A relação entre MLAs e as

transferências só apresenta distinções essenciais em estados administrados pelo

Communist Party of the Indian Marxism (CPMI) (Chopra, 1996; Bandik, 2001).

O ministro-chefe tem papel primordial, pois é o responsável, em última instância,

por autorizar as transferências, podendo delegar este poder aos MLAs como forma de

atraí-los à sua rede política pessoal.

Apesar de oficialmente o governo federal combater as transferências poli ticamente

motivadas e mesmo orientar alguns MCs a se oporem às demandas dos MLAs, as

pressões destes últimos se sobrepõem a qualquer articulação contrária bem-sucedida,

apesar de os parlamentares assumirem que o carrossel burocrático assumiu proporções

inaceitáveis. Mas a lógica da competição os impede de, individualmente, abrir mão da

luta política por transferências que atendam as suas demandas pessoais.

Tanto o primeiro-ministro, no nível central, quanto os ministros-chefes estaduais

dependem do apoio dos membros das assembléias legislativas estaduais. E estes têm todo

interesse na manutenção do sistema, seja como meio de financiar suas próprias

campanhas, seja para controlar funcionários em seus distritos que sirvam aos seus

interesses clientelísticos, ou como forma de atender demandas de grupos com os quais

eles têm lealdades primordiais105.

civil society, both of which are li kely to be very significantly influenced, in the Indian context, by cast and

other ethnic identities. These political differences may exercise a significant influence on the functioning of

the various (state-level) ‘state-systems’ ” (Harriss, 1999:3.368). 105 “Local poli ticians, MLAs, and senior administrative functionaries who decide about transfers often make

use of lobbyists from the civil service. For a politician who has an electoral constituency to maintain and

who is in a position to force his superior to allow him to make transfers, civil servants who request a certain

post are a welcome group. He can put them under an obligation to him and in exchange demand special

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De outro lado, há uma parcela dos funcionários que está sempre em busca de sua

própria transferência e que realizam pressões constantes sobre os políticos, apesar de estas

não serem visíveis, pois ocorrem quase sempre nos bastidores. No agregado, elas são um

forte incentivo à continuidade das transferências e, aliadas aos interesses dos políticos,

mantêm o sistema em vigor.

A sociedade civil aceita a corrupção de forma resignada. Em regra, as pessoas

sabem que a maior parte do sistema administrativo e político opera com base nas propinas

(Chai-Pani), dos contatos e conexões pessoais (lagvag), que agili zam o funcionamento da

burocracia. A resignação da sociedade deriva da percepção de que tanto os funcionários

quanto os políticos lucram com a corrupção e que o sistema de transferências faz parte

dela.

O car rossel burocrático na Índia e as indicações para cargos no Rio de Janeiro

A alta rotatividade dos funcionários na administração dos estados indianos

apresenta muitas simil itudes com os processos de preenchimento dos cargos de confianças

da burocracia pública no estado do Rio de Janeiro.

Como mostrei, a razão oficial da existência do sistema de transferência de

funcionários na Índia é se contrapor aos valores culturais que se apóiam em laços pessoais

atribuídos (família, casta) ou adquiridos (amizade, conhecimento, clientela) e que tendem

favours for his voters, or simply line his own purse” (De Zwart, 1994:96). A busca por transferências por

parte dos funcionários estimulou o surgimento de brokers que se especializaram em estabelecer contatos

entre os funcionários interessados nas suas transferências e o político que tem “ influência” no setor ou

departamento do governo para o qual o funcionário deseja ser transferido.

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a fomentar o desenvolvimento de favorecimentos prejudiciais ao funcionamento de um

quadro administrativo apoiado no princípio da impessoalidade e da neutralidade. As

transferências emergem como um antídoto para a corrupção paroquial. "Most people in

India are convinced that without regular transfers, corruption and the abuse of power

would become more or less universal” (De Zwart, 1994:126). Esse grau de legitimidade

social torna as transferências uma rotina administrativa que se aplica a quase todos os

setores da administração e que esteve presente desde os primórdios da constituição do

serviço civil no que hoje é a Índia, sendo amplamente utilizada no período da

administração colonial inglesa. Simultaneamente, as transferências são realizadas com

interesses econômicos ou político-eleitorais. Exatamente porque não há fronteiras claras

entre rotina administrativa e manipulação político-econômica, torna-se difícil atacar os

problemas associados às transferências.

No caso fluminense, a lógica é semelhante. A indefinição das fronteiras que

existem nas nomeações de confiança impede a separação das indicações que servem às

finalidades puramente eleitorais ou econômicas dos deputados e aquelas que derivam dos

interesses em montar um quadro administrativo afinado com as políticas públicas do

governo no poder. As indicações podem ocorrer por todos estes motivos. Mas é sempre

possível recorrer ao discurso da necessidade política ou do interesse público para

justificar as nomeações, na origem motivadas por interesses privados de quem nomeia.

O que há de comum nos dois casos é o fato de o interesse pessoal estar fundido às

necessidades administrativas e ambos se legitimarem por visões de mundo sobre a

atividade política que dão sentido àquelas práticas. No caso do Rio de Janeiro, o interesse

em indicar para cargos é duplamente sustentado por pressões do sistema político e

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eleitoral e por percepções sobre a atividade política que associam a participação no

governo à indicação de nomes para cargos de confiança. A própria percepção,

amplamente compartilhada por deputados, da burocracia como um espaço de

representação política – que se objetiva por meio da distribuição dos cargos – demonstra

que a lógica das nomeações não se resume a uma racionalidade transcendental invariável

e não-mediada pela cultura. Isso se deve, como argumentei nos dois primeiros capítulos, à

interação de valores que foram se consolidando no processo de formação das instituições

políticas brasileiras e sua contínua interação com o desenho das instituições políticas e

eleitorais. Nesta interação, as instituições importam porque definem padrões de

relacionamento que, ao se repetirem, vão se consolidando como um valor. Por outro lado,

o próprio desenho institucional é influenciado pelos valores que orientam os atores

políticos e interferem nas suas decisões e disputas que se relacionam às questões sobre

organização institucional.

Nesse sentido, o grande número de cargos de confiança que está ao dispor das

manipulações políticas na burocracia brasileira fica no plano do não questionado. Pode-se

mesmo argumentar que eles estão tão integrados ao modo de fazer política no país, que

fazem parte dos esquemas cognitivos e normativos que definem a concepção da atividade

política e o comportamento cotidiano de uma parte importante dos atores políticos. O que

não significa que, por estarem arraigados, não sejam mutáveis; mas talvez as mudanças só

ocorram como desdobramento de processos de crises institucionais e políticas profundas,

que possam fomentar alterações na lógica de preenchimento dos cargos na burocracia.

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Na Índia, as pressões dos MLAs sobre o ministro-chefe e sobre funcionários do

alto escalão da burocracia, responsáveis por transferências de seus subordinados, resulta

de uma conjugação de interesses políticos, eleitorais e econômicos, medidas orientadas

por necessidades administrativas e a percepção dos MLAs de que é intrínseco à atividade

do político responder às demandas de grupos da sociedade com os quais ele mantém

vínculos primordiais, o que justifica parte das transferências que contribuem para a

reprodução do carrossel burocrático.

Without the support of a considerable number of the rank-and-file politicians of his own party in the state parliament, a Chief Minister will be unable to keep his post. So he must enter into transactions with an eye at consolidating his support; and in that process transfers are among the object of exchange. MLAs who have to maintain an electoral constituency and run expensive election campaigns demand among other things a quota of transfers in exchange for supporting a political leader. (De Zwart, 1994:127)

Adicionalmente, as motivações políticas e eleitorais vêm sempre acompanhadas

das pressões de casta, religiosas e tribais. Somados, estes fatores nos mostram que a

capacidade de influir sobre decisões relacionadas às transferências é um importante

recurso de poder. Nenhum dos atores pode abrir mão destes recursos porque são levados

pelas pressões eleitorais, econômicas e sociais e sabem que todos adotam estratégias

similares. Apesar de os atores políticos (ao lado da burocracia e da sociedade civil)

reconhecerem que as transferências de cargos na Índia assumiram dimensões maiores que

as razoáveis, é difícil romper a lógica da competição que os leva a persistir no sistema. A

descrição que um deputado estadual indiano faz de seu trabalho político cotidiano, que se

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pode tomar como bastante representativa da atividade parlamentar em âmbito estadual,

mostra que as transferências para cargos estão no cerne da política do dia-a-dia:

We are ineffective in personal as well as official lif e. Personal l i fe has no time, and work-wise, at our constituency we are hassled with police, tehsil (revenue district), and thana (another term for police station) we are inundated with jobs and transfers requests. This is our main function. (MLA do estado de Uttar Pradesh, citado em Chopra, 1996: 332)

Isso acaba por tornar a concepção de neutralidade burocrática entre os políticos

pouco consolidada, pois ela é constantemente posta em questão por aquilo que Paul

Stirling (1963) chamou de “moralidade personalista” .

Em uma análise mais recente sobre o sentido das mudanças na lógica das

coalizões de governo e suas diferenças entre os estados, Harriss (1999) observou que

apesar de a patronagem ser um padrão de organização de apoio político historicamente

importante no sistema indiano pós-independência, recentemente ganhou maiores

proporções e tende a ser mais mercantil. Isto tende a majorar a corrupção política a

administrativa e, ao mesmo tempo, a aumentar a instabil idade política dos estados. Para

Harriss,

[ ...] increasingly, through the history of independent India, poli tical office has been sought in order to derive rents in various forms. One of the concomitants of these general features of the Indian poli tical system is that there is competition for ‘ the spoils of office. Large majorities are often not a guarantee of stable and secure government, because it is then more difficult for those in power to satisfy the aspirations of all their supporters. There is a built -in tendency towards factionalism […] . And there is no major state which has not experienced periods of instabili ty as

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a result of factional in-fighting in ruling parties. Changes of government, […] often mean nothing more than a reshuffling of personnel, and have absolutely no ideological or policy implications. (Harriss, 1999:3.370)106

Um último aspecto que mostra como a lógica das transferências nos estados

indianos e as indicações no caso fluminense se cruzam é que entre nós a noção de

confiança passou a ser evocada como escudo protetor para a defesa das indicações

políticas, já que só por meio daquela se poderia ter a garantia da afinidade entre as

preferências do político e do indicado na execução de suas tarefas. Na Índia, a afinidade

entre indicados para a burocracia e os políticos só não tem a mesma importância porque a

figura do indicado não existe lá. Mas, substituindo-a pela noção de transferido, as

percepções são muito similares.

Em termos explicativos, o modelo administrativo indiano e sua interação com os

políticos mostra que a história pregressa é sempre fonte importante de compreensão da

dinâmica do presente. Diversos autores ressaltaram as continuidades entre a organização

do período colonial e a organização atual do sistema burocrático indiano. Ao mesmo

tempo, a cultura indiana, marcada pelas divisões de castas, religiosas, lingüísticas e de

classes, é uma variável fundamental para entender aquela interação, pois somente levando

em conta a importância dos vínculos primordiais (atribuídos ou adquiridos) se pode dar

sentido à forma assumida pela organização administrativa.

106 Os próprios políticos têm clara percepção de que a corrupção política contemporânea é maior que no

passado. Chopra mostrou que à pergunta sobre se "a política é mais corrupta agora do que no passado?", a

média dos deputados estaduais – em cinco diferentes estados – que responderam afirmativamente foi de

88%. Além disso, 68% dos entrevistados achavam que a corrupção política ia aumentar no futuro (Chopra,

1996:270-4).

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O processo histórico, os valores culturais e as instituições políticas e eleitorais

contemporâneas se conjugam na explicação da lógica que organiza a relação dos

deputados estaduais na maior parte dos estados indianos com sua burocracia, tornando a

relação daqueles com a transferência de cargos algo inequivocamente marcado por

interesses pessoais imediatos, mas cuja inteligibil idade não pode prescindir dos caminhos

trilhados pela história daquele país.

Assim, a própria forma pela qual o sistema político se estrutura ganha maior

sentido se o inserimos na estrutura de valores que foram se articulando com o processo de

consolidação do Estado nacional indiano. Basta ver que o tema das transferências esteve

em pauta dede o império mongol, atravessou todo o período colonial britânico e é a

espinha dorsal de funcionamento da burocracia atual indiana, com as virtudes e vícios que

carrega.

De modo similar, argumentei nos capítulos precedentes que as percepções dos

deputados estaduais fluminenses sobre as indicações para cargos, bem como os processos

de montagem dos quadros da burocracia, fundem as ações pragmaticamente orientadas

pela racionalidade eleitoral e a estrutura das instituições políticas e eleitorais com as

percepções culturalmente sedimentadas pelo processo histórico que se transladaram para

as instituições e interagem na explicação da política de espólio realizada pelos

parlamentares estaduais do Rio de Janeiro.

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CONCLUSÃO

A política brasileira não faz sentido sem referência às disputas pela indicação de

nomes para os cargos de confiança. Apesar disso, as discussões públicas que os políticos

realizam sobre este tema não costumam ocorrer com freqüência. Na maioria das vezes, a

questão é um assunto confinado aos bastidores. A contrariedade em discutir abertamente

as indicações para os cargos é sintomática da percepção que eles têm sobre o tema,

analisado nos Capítulos II e III .

Em períodos recentes, a discussão dos políticos sobre seu interesse por cargos

parece ter adquirido maior publicidade e o interesse em controlar indicações é expresso de

forma mais franca, o que não quer dizer que mudaram as motivações para as indicações.

Um dos exemplos destas menções aos interesses por cargos de forma mais explícita foi a

declaração de um líder partidário que, ao expressar os interesses de sua bancada (PMDB),

disse desejar um novo Ministério do governo federal com “caneta, tinta e caixa cheio”,

aludindo aos interesses em controlar um Ministério com grande poder de patronagem. As

constantes referências que os deputados fazem à necessidade de “ter espaço” no governo é

uma forma um pouco mais suave de tornar mais clara a questão.

Os confli tos que ocorrem entre parlamentares, facções, partidos, ou entre os

poderes Executivo e Legislativo, em qualquer esfera de governo, são boas oportunidades

para avaliar como a luta pelo direito de indicar é um dos móveis fundamentais da política

cotidiana dos parlamentares. Momentos de crise política são especialmente importantes

para trazer à luz esta dimensão da atividade política, já que as crises servem para

explicitar estruturas implícitas ou subentendidas da relação entre os grupos (Simmel,

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1964). O que tentei foi discutir, em termos sociológicos, esta dimensão da atividade

política.

No primeiro capítulo, argumentei que a existência de um vasto número de cargos

de confiança na administração pública fluminense e nacional, e as finalidades a que se

prestam é, em parte, o desdobramento de um processo histórico de constituição das nossas

instituições políticas, processo que teve início no período colonial, atravessou o Império e

perdurou ao longo do período republicano. Uma análise do papel dos cargos de confiança

na política deve levar isso em conta, conquanto se deva considerar que a tradição histórica

não opera no vazio, se reproduzindo e se transformando a partir das decisões e disputas

entre os atores sociais e políticos em cada momento histórico. O que ressaltei, no entanto,

foi que, em relação aos cargos de confiança, a herança história continua a influenciar as

instituições do presente, ainda que uma análise sob novo prisma pudesse igualmente

mostrar as mudanças ao longo da história.

No segundo capítulo, apresentei a percepção e os valores dos deputados estaduais

relativos à existência dos cargos de confiança e aos critérios de indicação. Do ponto de

vista daqueles parlamentares, as indicações se revestem de especial importância e

constituem um aspecto básico da atividade política. A prática de indicar chega mesmo a

ser o equivalente à participação no governo. Esta percepção, aliada à necessidade de

confiança requerida pelo sistema político, são fortes estímulos à reprodução da política de

espólio, pois as indicações pessoais são um instrumento de resguardo das potenciais

traições dos funcionários ou das articulações dos adversários políticos. Ademais, é esta

percepção que supervaloriza o critério de confiança em relação ao critério técnico nas

decisões sobre indicações.

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Nesta mesma lógica se insere o nepotismo. Sua legitimidade é compatível com a

demanda por confiança que os políticos experimentam, sobretudo porque estes atribuem

aos parentes os maiores níveis de confiança interpessoal.

A análise do preenchimento dos cargos na Secretaria Estadual de Educação, no

capítulo III , mostrou, tal como o capítulo anterior já havia indicado, que os postos na

burocracia são vistos como espaços e instrumentos de representação política dos

parlamentares. As disputas entre os deputados e as negociações entre si traduziam uma

luta pelo direito de realizar indicações nos diversos setores da Secretaria.

Como resultado das indicações privativas dos deputados, que no caso dos partidos

mais à esquerda assumiam, algumas vezes um tom um pouco mais faccional, a burocracia

era marcada por lealdades pessoais cruzadas que lhes conferiam alto nível de

retalhamento e dificultava a execução eficaz das políticas públicas. Esta, contudo, não é a

percepção de quem disputa as indicações, que as vêem como um instrumento legítimo de

atuação junto ao governo para levar à frente as demandas de seus grupos.

As entrevistas revelaram uma adesão alta dos parlamentares à idéia de que os

cargos de confiança são indispensáveis. As contestações, quando há, não se dirigem aos

cargos de confiança em si, mas ao número de cargos existentes, especialmente aos

escalões inferiores da burocracia. De qualquer modo, no caso analisado as indicações

ocorreram do topo à base da Secretaria de Educação, e são, na maior parte, provenientes

dos deputados estaduais.

Ainda no terceiro capítulo argumentei que há um forte entrelaçamento de

interesses públicos e privados na administração da SEE. A falta de nitidez entre

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indicações motivadas por interesses eleitorais, econômicos ou públicos, motivações que

igualmente justificam a necessidade de confiança dos indicados, tornam fluidas as

fronteiras entre aqueles interesses. Essa dificuldade é majorada pelo fato de a maioria das

nomeações de fato fundirem os dois interesses na pessoa de um nomeado.

No Capítulo IV, comparei o sistema de transferência de funcionários das

administrações estaduais na Índia com a política de espólio no Rio de Janeiro e mostrei

que aquele país apresenta um processo similar ao nosso. Originalmente justificadas para

aumentar a neutralidade burocrática e minorar as chances de corrupção, uma parcela

expressiva das transferências de funcionários que atualmente ocorrem nos estados

indianos resultam de transferências demandadas por deputados estaduais como

instrumento de obtenção de vantagens políticas e econômicas.

Estes interesses têm fortes vínculos com os estímulos conferidos pelo desenho da

legislação eleitoral e instituições políticas indianas, mas estas não os explicam

inteiramente. O sistema de transferência de funcionários nos estados indianos é o

resultado de uma fusão complexa entre a história social e política do país e os valores que

se consolidaram, aliados aos incentivos conferidos pelo desenho das instituições políticas

e eleitorais contemporâneas. Nestas, a necessidade de amealhar recursos privados para as

campanhas eleitorais e os interesses eleitorais que acompanham as transferências são dois

grandes estímulos à reprodução do secular carrossel burocrático indiano.

Argumentei que a tradição histórica é um fator importante a explicar a reprodução

da prática no presente. Em parte, porque constituiu valores que associavam uma parcela

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da atividade política à aquisição de cargos de governo. A observação de Graham de que

tal distribuição de cargos constituía a pedra angular da política imperial preserva, ainda,

atualidade na política contemporânea.

A tradição histórica sedimenta valores, mas só sobrevive reatualizada

periodicamente. Este papel é desempenhado pelas instituições políticas e eleitorais que

estruturam as percepções, valores e normas de ação dos parlamentares. Pode-se enfeixar o

conjunto de percepções, valores e normas que orientam a ação no conceito de cultura

política.

O conceito de cultura política pode ser utilizado no sentido que Lane o util izou,

i.e., como “a complex structure of linked beliefs variables, shared by most of group’s

members, about what motivates people; how the group is organized; who should get what,

when and how; what roles each person is allowed or forced to assume; and how, overall ,

the group is to be organized” (Lane, 1992:364). A definição ressalta a importância das

crenças e valores compartilhados na orientação das ações dos indivíduos em determinado

contexto.

Apesar de ter recebido críticas107, o conceito mantém valor heurístico. Ele pode

ser empregado para mostrar que, na esfera política, há um campo de decisões possíveis no

leque de escolhas dos atores políticos que se estrutura por percepções sociais partilhadas.

107 De acordo com Rennó (1998:74), tomadas em conjunto, são três as principais críticas que incidem sobre

o conceito: “ 1) as definições sobre os conteúdos das culturas políticas; 2) controvérsias sobre a separação

entre cultura política e estrutura política; e 3) dúvidas sobre o caráter causal dessa relação” . De fato, há

sempre grande dificuldade em separar ações que podem ser atribuídas à cultura política daquelas que

eventualmente derivam de variáveis estruturais (econômicas ou sociais), institucionais ou psicológicas.

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O conceito não exclui a racionalidade estratégica e o papel do desenho

institucional na estruturação dos padrões de interação dos atores, já que recobre uma

dimensão da análise que é anterior ao momento da escolha das alternativas e das decisões

individuais. Na verdade, a cultura política define quais estratégias podem ser adotadas,

funcionando, portanto, como parâmetro definidor das estratégias de ação. Essa posição é

similar à de Elkins & Simeon (1979:131), ao ressaltarem que “polit ical culture defines the

range of acceptable possible alternatives from which groups or individuals may, other

circumstances permitting, choose a course of action. […] . Its explanatory power is

primarily restricted to ‘setting the agenda’ over which polit ical contests occur” .

Ao definir os parâmetros decisórios no plano valorativo e cognitivo, não se

questionam a importância do cálculo e da racionalidade estratégica no comportamento

político e, de forma específica, nas percepções e decisões relacionadas às indicações para

cargos. Não seria plausível abdicar da racionalidade estratégica maximizadora de votos

nesta esfera de ação. Mas esse cálculo ocorre dentro de determinadas condições, dadas

pela cultura.

Se, por um lado, a cultura importa, por outro, a estrutura de oportunidades e os

padrões de interação estimulados pelo formato das instituições políticas e eleitorais têm

um papel-chave na formação das estratégias e, em decorrência disso, na alteração ou

perpetuação de valores. As instituições, ao criarem incentivos e efetivamente estruturarem

Schwartzman criticou as explicações baseadas no conceito de cultura política, porque “o resultado tende a

ser um tipo de explicação que recorre à ‘unicidade’ ou ‘especificidade’ da cultura política de um país,

deixando pouco espaço, assim, para explicações mais estruturais” (Schwartzman, 1988:29).

Os críticos do conceito de cultura política argumentam, em geral, que ele mascara as razões últimas que

definem o comportamento dos indivíduos, como, por exemplo, as variáveis estruturais, institucionais e da

personalidade individual.

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as relações sociais em um sentido determinado produzem, no próprio processo de

continuidade destas relações, valores que tendem a se consolidar no longo prazo.

Entretanto, é preciso considerar que a relação entre cultura política e instituições é

de influência mútua. As regras e os procedimentos definidos pelas instituições fomentam

a criação de novos valores no longo prazo, mas as próprias regras institucionais sofrem a

influência da cultura, já que os atores, ao definirem o desenho institucional ou suas

alterações, não abdicam de seus valores, percepções e esquemas cognitivos que os

informam neste processo. Este aspecto costuma ser ignorado nas discussões teóricas sobre

reforma institucional realizadas no âmbito da teoria neo-institucional da escolha racional

(Reis, 1984; Scott, 1995; Peters, 1999; Hall , 2003), que não levam em conta os aspectos

sociológicos das “ interações estratégicas” dos atores. Explicar o desenho das instituições

como desdobramento de um acordo consensual entre as partes para maximizar benefícios

requer uma visão contratualista "dessociologizada", que desconsidera não só a cultura,

mas desvaloriza a importância das relações de força e poder entre os atores, individuais ou

coletivos, que se enfrentam na arena política.

As entrevistas com os deputados mostraram haver uma relativa homogeneidade na

percepção sobre a importância dos cargos de confiança na política e sobre os critérios que

devem pautar as indicações. Estas percepções e valores são amparados por instituições

que os estimulam e os reforçam. Isso torna o cargo de confiança ao mesmo tempo um

instrumento indispensável para levar adiante políticas de governo e uma forma do

parlamentar levar à frente projetos pessoais, políticos ou econômicos108.

108 O sistema de transferência na burocracia da Índia e a ambigüidade das motivações nas transferências de

funcionários são similares. Eles são transferidos tanto para aumentar a neutralidade burocrática quanto para

atender a interesses políticos ou econômicos pessoais de parlamentares ou funcionários do alto escalão.

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Desse modo, o conceito de cultura política é empregado não para explicar as

decisões concretas e específicas dos atores, mas para descrever os esquemas de ação e

decisão que comportam algumas escolhas possíveis e descartam outras, ou, seguindo o

exemplo de Elkins & Simeon, para explicar porque os atores decidiram entre A ou B, mas

sequer cogitaram C e D. Pode-se dizer, de modo análogo, que entre os deputados

estaduais há divergências sobre o número de cargos de confiança que um governo deva

ter, mas não se cogita abrir mão deste recurso para a montagem de um governo, pelo

menos nos primeiro e segundo escalões das Secretarias. As divergências sobre a

legitimidade de indicar parentes, ou mesmo util izar o cargo para auferir vantagens

pessoais, não questionam a necessidade de indicar pessoas de confiança. Os deputados

também discordam sobre quais cargos deveriam ser preenchidos por técnicos, mas há

pouco desacordo sobre o fato de que a confiança pessoal deve acompanhar sempre as

nomeações, mesmo as técnicas.

A interação da cultura com a racionalidade foi discutida sob uma ótica similar por

Ann Swidler (1986), cujo argumento é o de que há uma fusão entre cultura e

racionalidade instrumental na orientação das ações individuais. Por mais instrumental e

estratégica que sejam as ações dos indivíduos, por mais explicitamente que seja

formulado um plano de ação entre meios e fins, a cultura sempre media e fornece os

parâmetros das “estratégicas de ação” .

De acordo com a teoria da escolha racional, as preferências e os objetivos podem

ser derivados da cultura, mas as estratégias derivam de um cálculo que é comum aos

indivíduos, e que não sofre interferência da cultura. As estratégias se pautam por sua

eficácia em alcançar metas predefinidas e estão, portanto, fora da cultura; a racionalidade

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é transcendente, por assim dizer. Swidler questiona esta concepção, sustentando que a

cultura, além de definir objetivos e metas, também estrutura as estratégias de ação para

alcançá-las.

[ ...] people do not, indeed cannot, build up a sequence of actions piece by piece, striving with each act to maximize a given outcome. Action is necessarily integrated into larger assemblages, called here ‘strategies of action’ . Culture has an independent causal role because it shapes the capacities from which such strategies of action are constructed. […] strategies are the larger ways of trying to organize a life […] within which particular choices make sense, and for which particular culturally shaped skil l and habits are useful. (Swidler, 1988:276)

Mas a cultura não é uniforme. Ao atribuir à cultura o papel originário da

formulação das estratégias, não se pode descartar a diversidade de percepções,

comportamentos e ações. Esta diversidade permite, por meio de sua combinação em

momentos diversos, e de acordo com situações específicas, que os indivíduos tenham

estratégias de ação. A noção de estratégia não se refere à racionalidade meio-fim,

unívoca e similar para todos os indivíduos que interagem no mesmo contexto – políticos

dentro das instituições políticas, por exemplo –, mas ao repertório possível de ações que o

indivíduo seleciona nas ações cotidianas.

People [ ...] construct chains of action beginning with at least some pre-fabricated links. Culture influences action though the shape and organization of those l inks, not by determining the ends to which they are put […] . Culture is not a unified system that pushes action in a consistent direction. Rather, it is more like a ‘ tool kit’ or repertoire from which actors select differing pieces for constructing lines of action. (Swidler, 1986: 277)

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As entrevistas com os deputados e a análise do processo de preenchimento dos

cargos na SEE mostraram que os políticos agem motivados por interesses pragmáticos e

pela racionalidade eleitoral, em grande parte definida por parâmetros institucionais. Mas,

ao mesmo tempo, há um conjunto de concepções e percepções associadas à indicação

para cargos que ultrapassa o simples cálculo imediato eleitoral, que é onde entra a

dimensão da cultura.

A relação entre cultura, racionalidade e instituições na explicação da conduta dos

indivíduos é objeto de debate entre as principais vertentes teóricas neo-institucionais que,

para Hall & Taylor (2003), se organizam em três linhagens: o neo-institucionalismo

histórico, o neo-institucionalismo sociológico e o neo-institucionalismo das escolhas

racionais.

As três perspectivas apresentam vias possíveis para explicar a importância dos

cargos de confiança na política. O neo-institucionalismo sociológico, no entanto, mais que

qualquer outra perspectiva, incorpora a cultura como variável determinante na explicação

das ações e concebe as próprias instituições a partir dos valores e percepções que

orientam a ação dos atores.

A ênfase que o institucionalismo sociológico atribui à cultura não o impede de

pressupor que os indivíduos tenham um comportamento racional e orientado para

objetivos específicos, mas atribui aos valores culturais – percepções, normas, esquemas

cognitivos – um papel crucial na formação das preferências e estratégias dentro das

instituições; estas mesmas avalizadas pela cultura.

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Ao atribuir peso maior à dimensão valorativa e cultural da ação dos indivíduos, o

neo-institucionalismo sociológico não contesta, mas também não necessariamente

postula, o princípio da racionalidade dos atores, ou o interesse em maximizar as chances

de alcançar uma meta. O que se contesta é que as instituições – instituições políticas e

eleitorais, no nosso caso específico – sejam um conjunto de regras, objetivos e resultados

de um acordo contratual entre as partes interessadas (Hall & Taylor, 2003: 207) que não

conjugam dimensões outras a não ser o pragmatismo eleitoral. Ao contrário, há

procedimentos que devem ser vistos como produtos de crenças culturais enraizadas nas

visões de mundo dos atores e que só mudam de forma gradual.

Assim como a cultura explica a maior parte de nossas ações cotidianas, na esfera

política uma parte substancial do comportamento resulta destas mesmas práticas, que

estão na base do desenho das instituições políticas e na coordenação das expectativas que

os atores têm das estratégias recíprocas109.

Um exemplo é o que Samuels (1998; 2001) define como “ambição progressiva”

dos parlamentares brasileiros, em oposição à “ambição estática” dos parlamentares norte-

americanos. A primeira descreve o comportamento orientado pela perspectiva futura de

ocupar uma posição executiva (prefeito, governador e presidente); a segunda, o objetivo

de continuar a carreira no parlamento. Se, por um lado, os indivíduos definem estratégias

109 O caráter de racionalidade das crenças culturais não é intrínseco às crenças, mas ao fato de que, ao

compartilharem crenças semelhantes, que definem o leque de possibi lidades de ações possíveis, os atores

util izam "cálculos estratégicos" porque as crenças culturais padronizam, em grande medida, o

comportamento daqueles, permitindo a montagem de estratégias. Estas não são, pois, resultados da

"racionalidade" transcendente, mas da racionalidade dada por esquemas cognitivos produzidos pelas

próprias crenças culturais. Nesse sentido, estas últimas influenciam as interações estratégicas dos atores.

Para uma discussão nesse sentido, cf. Greif (1998).

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racionais para maximizar as chances de alcançar seu objetivo – um cargo executivo –, por

outro, é preciso considerar que as diferenças de orientação dos parlamentares brasileiros e

americanos têm grande influência da cultura. Se a cultura não se sustenta sozinha, pois se

mantém ou transforma a partir dos incentivos institucionais – como a regra da senioridade

no Congresso norte-americano e sua ausência no parlamento brasileiro, que podem ser

estímulos para fomentar estratégias distintas –, ela própria também confere bases para a

definição dos parâmetros institucionais.

Como postula o neo-institucionalismo sociológico, as instituições e a cultura não

são dois aspectos dissociados.

A influência dos valores nas interações dos indivíduos está presente na própria

definição de instituição para esta vertente do neo-institucionalismo, que a define como um

conjunto de normas e regras formais que circunscrevem e delimitam a ação dos atores,

além dos símbolos, valores morais e esquemas cognitivos que informam suas condutas110.

110 Essa perspectiva parece estar no centro da teoria de D. North sobre o desempenho econômico. Para

North, “ belief structures get transformed intro societal and economic structures by institutions – both

formal rules and informal norms of behavior. The relationship between mental models and institutions is an

intimate one. Mental models are the internal representations that individual cognitive systems create to

interpret the environment; institutions are the external (to the mind) mechanisms individuals create to

structure and order the environment” (North, 1998:251). Vemos que não apenas as crenças que existem na

sociedade incidem sobre a organização institucional, como a própria definição de instituição é similar

àquela util izada no institucionalismo sociológico e histórico. North define, ainda, as instituições como "the

humanly devised constraints that structure human interaction. They are made up of formal constraints (for

example, rules, laws, constitutions), informal constraints (for example, norms of behavior, conventions, self-

imposed codes of conduct), and their enforcement characteristics” (North, 1998:248). Supondo, como faz

North, que a estrutura de crenças socialmente existentes condiciona em parte as instituições e as práticas

efetivas – “norms of behavior, conventions” – vê-se que sua análise incorpora uma dimensão sociológica

maior que o institucionalismo da escolha racional.

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Nas Assembléias Legislativas, por exemplo, não apenas o regimento interno, e a

legislação partidária e eleitoral são determinantes para explicar os resultados agregados da

ação individual. Valores associados à concepção do que é a atividade política, nepotismo,

as fortes associações entre representação parlamentar e representação espacial

(geográfica) podem ser aspectos adicionais indispensáveis para o entendimento da lógica

da interação dos indivíduos. Todos estes aspectos, que interagem continuamente ao longo

da história, contam nas ações cotidianas e na própria lógica do desenvolvimento

institucional.

Ao atribuir uma fração importante das ações dos parlamentares à cultura não se

supõe que esta seja unívoca. Ao contrário, as concepções que os atores têm sobre as

nomeações para cargos são, muitas vezes, distintas entre os parlamentares, grupos de

parlamentares e mesmo no discurso do mesmo parlamentar. Os próprios arranjos

institucionais111 estão submetidos aos confli tos de valores que existem entre os deputados.

Ocorre que algumas visões, valores e interesses se impõem sobre outros, e isso ressalta a

importância das relações de força e as disputas por poder que acompanham os processos

de construção ou reforma institucional. Há uma disputa pela imposição da “ legitimidade

cultural” de determinados grupos sobre outros112, precisamente porque o conflito entre

percepções é constante.

A discussão em torno do nepotismo ilustra este aspecto. Periodicamente ressurgem

na pauta de discussões da ALERJ projetos de lei que visam a proibir a prática dentro da

111 De acordo com a definição de Kiser & Ostron (1983: 191), os arranjos institucionais “are the set of rules

governing the number of decision makers, allowable actions and strategies, authorized results,

transformations internal decision situations, and linkages among decision situations” . 112 Cf. Klaus Eder (1997).

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Assembléia Legislativa e na administração pública estadual. As entrevistas com os

deputados revelam que o nepotismo tem expressiva legitimidade entre eles, mas isto não

significa ausência de dissensão. Na relação de forças, os grupos dominantes, que apóiam

o nepotismo, impõem suas preferências que se reproduzem enquanto a desigualdade de

forças se mantiver, ou pressões contrárias da sociedade civil não ocorrerem.

Portanto, as disputas em torno da legitimidade cultural na esfera política estão

sempre presentes. Ao apresentar as percepções em termos de normas, valores e esquemas

cognitivos que sustentam as opiniões e ações dos deputados em relação aos cargos, me

referi ao conceito de cultura política no singular, mas é adequado utili zá-lo sempre no

plural, culturas políticas. Tanto na esfera política quanto na sociedade há, ao lado das

percepções e valores que homogeneízam as opiniões, os conflitos de visões, as diferentes

culturas políticas que se apresentam discerníveis em cada grupo. Se há valores

dominantes, isso não significa que inexistam disputas entre valores competidores. Apesar

de haver a cultura política dominante, há um “mercado de culturas políticas” (Eder, 1997)

que se retratam nas diferenças de opinião dos deputados.

Este mercado reflete as alterações dos valores que resultam da própria evolução

histórica da nossa sociedade, e que coloca lado a lado antigos e novos valores presentes

nas relações de força entre grupos, partidos, ou facções políticas.

A luta pela imposição legítima de determinados valores se apresenta, no plano

político, como disputas por mudanças no desenho institucional. Em relação aos cargos de

confiança, apresentei as percepções e os valores dominantes entre os deputados estaduais

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do Rio de Janeiro. Outros valores competidores estão presentes, já que a luta político-

partidária é também uma luta pela imposição de valores113.

O mercado de culturas políticas permite, a partir das disputas por poder endógenas

às próprias instituições, dos interesses pessoais dos parlamentares, das pressões de

diferentes setores da sociedade civil e das eventuais crises que trazem à tona as diferentes

visões em conflito sobre a forma de organização do sistema político que as mudanças

institucionais pairem sempre no horizonte, como possibil idade. No que diz respeito aos

cargos de confiança, a legitimidade e a solidez de que desfrutam entre os parlamentares

permite supor que, mesmo ocorrendo eventuais contestações de grupos políticos, terão

vida longa entre nós.

113 Isso pode ser observado nas já mencionadas disputas sobre a proibição do nepotismo, sobre as discussões

relacionadas à redução do número de cargos de confiança, sobre as alterações nas regras eleitorais, entre

outras.

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APÊNDICE A

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APÊNDICE B. Roteiro de perguntas para orientar as entrevistas com os deputados estaduais (última versão)

Obs.: O roteiro a seguir é um modelo que serviu apenas como orientação para a realização

das entrevistas. Nestas, procurei tratar de todas as questões formuladas de modo menos

formal do que as perguntas redigidas. Não era incomum o entrevistado (e o entrevistador)

enveredarem por conversas fora deste esquema. Na verdade, foi sempre muito proveitoso

conseguir com que os entrevistados discorressem livremente sobre as questões

relacionadas às indicações para cargos, mesmo que isso implicasse utili zar o tempo que

me fora concedido em apenas algumas questões e descartar as demais. Se o questionário

contém muitas perguntas com pressupostos embutidos é porque julguei mais adequado

assim fazê-lo, para minorar as chances de respostas que expressassem apenas opiniões

compatíveis com as expectativas sociais (social desirability bias), e não o ponto de vista

pessoal do entrevistado.

1) Por que, apesar de as disputas por indicações para cargos ser algo tão importante

na política, não se costuma discutir publicamente o assunto?

2) Por que os cargos comissionados são tão importantes na política brasileira e, em

particular, na política do Rio de Janeiro?

3) O senhor acha importante que existam cargos de confiança?

4) Por que é preciso haver confiança nos indicados?

5) No seu partido, como é feita a divisão dos cargos entre os deputados?

6) Qual sua posição sobre apoiar um governo que não lhe permite indica nomes para

o governo?

7) Qual seria a forma mais adequada do governo prestigiar os deputados com cargos?

Quais critérios ele deveria levar em conta?

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8) É importante possuir cargos no governo? Por quê?

9) Há diferença na forma como partidos maiores e menores discutem a indicação de

cargos com o Executivo?

10) Como o senhor decide quem indicar para um cargo?

11) Se tivesse que escolher entre técnica ou confiança, o que escolheria na hora de

indicar?

12) O que faz um deputado ter maior trânsito e mais acesso aos setores da

administração?

13) Que fatores determinam a hierarquia dos deputados dentro de um partido político?

14) Do ponto de vista do Poder Executivo, que fatores dão mais prestígio e poder ao

deputado junto a ele?

15) O que é mais importante par definir as chances de conseguir bons cargos no

governo: pertencer a determinado partido ou ter boa relação pessoal com o

Executivo?

16) Por que alguns deputados têm mais cargos que outros, mesmo pertencendo ao

mesmo partido?

17) Que cargos são mais disputados?

18) Algumas pessoas são contra e outras são a favor da nomeação de pessoas com

vínculos de parentesco. Qual a sua opinião a respeito?

19) O Executivo cria órgão e secretarias novas para atender demandas não

contempladas por cargos? Por que ele precisa fazer isso?

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