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Influência de Agentes de Reticulação nas Propriedades de Tecidos para Biopróteses Cardíacas Alessandra Poço Barge Dissertação submetida à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto para candidatura à obtenção do grau de mestre em Engenharia Biomédica Faculdade de Engenharia Universidade do Porto 2007

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Influência de Agentes de Reticulação nas Propriedades de Tecidos para Biopróteses Cardíacas

Alessandra Poço Barge

Dissertação submetida à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto para candidatura à obtenção do grau de mestre em Engenharia Biomédica

Faculdade de Engenharia

Universidade do Porto 2007

Esta tese teve a orientação de: Doutor José Carlos Magalhães Fonseca INEB - Instituto Nacional de Engenharia Biomédica, Divisão de Biomateriais Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

A parte experimental descrita nesta dissertação foi realizada no INEB - Instituto Nacional de Engenharia Biomédica

Ao Filipe, ao Vasco, aos meus pais, à Sílvia

… e a todos os amigos que me deram motivação para a conclusão deste projecto

v

AGRADECIMENTOS

Neste trabalho tive o apoio incondicional dos meus pais, do Filipe e do Vasco, sem eles

seria impossível frequentar o Mestrado em Engenharia Biomédica. Ao professor Mário Barbosa que me deu a oportunidade de realizar este trabalho no

INEB. Ao meu supervisor Dr. Carlos Fonseca a quem devo todo o trabalho desenvolvido.

Sempre optimista, acessível, disponível para qualquer dúvida ou problema, sempre pronto a

ajudar a ultrapassá-los com as suas ideias de génio, que o é, sempre incansável, compreensivo,

enfim, um chefe e tanto. A realização deste trabalho só foi possível com a colaboração de todos os meus amigos

do INEB: À Susana Sousa, por toda a sua imprescindível colaboração na digestão ácida das

membranas, na realização da absorção atómica e apoio para a realização da microscopia óptica. À

Manuela Brás, por toda a disponibilidade na absorção atómica. À Ana Cordeiro e ao Rui

Azevedo, pela ajuda que me deram nas experiências de Potencial Zeta. À Sandrinha (Sandra

Teixeira), a amiga a quem devo muito, quer pela bibliografia cedida, discussões sobre o trabalho,

e também por alguns almoços. Ao Sidónio Freitas, o companheiro diário dos almoços, das

dificuldades, dos desabafos, o amigo a que se pode recorrer. À Ana Ribeiro, que tantos miminhos

deu à minha barriga, durante a gravidez, e tanto me ajudou a vários níveis. Ao Hugo Lopes, à Ana

Ribeiro e à Silvia Bidarra, pela ajuda que me deram na realização da cadeira de Biomateriais. À

Cristina Ribeiro, pela disponibilidade para a realização do FTIR. À Paula Sampaio, pela ajuda na

observação das membranas através da Microscopia Confocal. Ao Hugo Lopes, pelo apoio

prestado durante o trabalho experimental. À Cristina Martins, por me ter facultado o suporte com

vi

inclinação, nos ensaios de digestão. À Maria Ascensão Lopes, pela ajuda no tratamento estatístico

dos resultados. À Patrícia Cardoso e à Eliana Vale, por todo o apoio técnico e a nível de

encomendas. Quero também agradecer à Alis Mateus, pelo companheirismo e ajuda em alguns

trabalhos. À Dulce Carqueijo, a amiga de longa data, à Ana Paula Filipe, a nossa mãezinha e ao

professor Fernando Jorge, pela sua sempre boa disposição. À Dona Rosa, pelas conversas e apoio

com a lavagem do material, em particular, para a absorção atómica.

A todos os membros do INEB o meu muito obrigada.

“ Em momentos de crise, a imaginação é mais importante que o conhecimento” Albert

Einstein

vii

RESUMO

As propriedades físicas dos biomateriais colagenados são influenciadas pelo método e

extensão do tratamento de reticulação. Neste estudo a influência de vários tratamentos de

reticulação nas propriedades físicas de membranas tratadas de pericárdio bovino.

Três agentes de reticulação, Ga, DPPA e Aga (0,6% e 1%) foram usados para estabilizar

o tecido.

O grau de inchamento, a resistência à degradação pela pronase foi determinado com o

objectivo de avaliar as propriedades físicas do tecido.

O DPPA e o Ga foram os agentes de reticulação mais efectivos.

O tecido tratado com Aga 1% foi o mais resiatente à degradação pela pronase (com 38%

de solubilização em 96 horas) enquanto que o Nat foi o menos resistente (com 62% de

solubilização no mesmo período).

A determinação do coeficiente de difusão, do potencial zeta e a microscopia óptica

foram realizados para determinar a carga superficial do tecido tratado e não tratado.

O tecido tratado com Aga1% revelou ser o mais resistente dos tecidos à degradação com

pronase (com 39% de degradação) enquanto que o Nat foi o menos resistente (com 69% de

degradação).

O menor valor de coeficiente de difusão foi observado par o tecido não tratado e a

permeabilidade do mesmo tecido foi máxima enquanto que o máximo valor de coeficiente de

permeabilidade foi observado para o Ga e a sua permeabilidade foi mínima.

Os resultados mostraram que o Ga apresenta uma carga eléctrica mais negativa (-

4,87262) enquanto o Nat e o DPPA exibiram as cargas menos negativas (-1,9462 mV e -1,94717

mV respectivamente).

Neste trabalho, o melhor agente para uso em folhetos de biopróteses de válvulas

cardíacas foi o Aga 1%.

viii

ABSTRACT

The physical properties of collagen-based biomaterials are influenced by the method and

extent of cross-linking. In this study, the influence of various cross-linking treatments on the

physical properties of reconstituted bovine pericardial membranes was assessed. Three cross-

linking agents, Ga, DPPA and Aga (0,6% and Aga1% ) were used to stabilize the pericardial

tissue.

The swelling ratio, resistance to pronase digestion, were determined to evaluate the

physical properties of the tissue. DPPA and Ga were the most effective cross-linking agent.

Aga1% treated tissue were the most resistant to pronase degradation (38% of degradation in 96

hours) while the Nat was the least resistant (62% of degradation in the same period).

Diffusion coefficient, zeta potential and optical microscopy were studied to determine

the superficial charge of the treated and no treated tissue.

The lowest value of diffusion coefficient was observed for the untreated tissue and the

permeability of the same tissue was maximum while the highest diffusion coefficient was

observed for the Ga treated tissue and this permeability was minimum.

The results showed that the Ga treated tissue has the most negative charge (-4,87262)

while Nat and DPPA exibited the least negative charges (-1,9462 mV and -1,94717 mV

respectively).

In this work the best agent for use in leaflets of bioprosthetic cardiac valves was Aga

1%.

ix

ÍNDICE

Agradecimentos v

Resumo vii

Abstract viii

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO 1

1. As válvulas cardíacas 1

1.1. As próteses mecânicas 4

1.2. As biopróteses 7

1.2.1. Materiais bioprotésicos dos folhetos 9

1.2.2. Calcificação em substitutos de biopróteses de válvulas cardíacas 10

1.2.2.1. Calcificação fisiológica e calcificação patológica 12

1.2.3. Mecanismo da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas 14

1.2.4. Facctores que provocam a calcificação 16

1.2.4.1. Factores relacionados com o paciente 16

1.2.4.2. Factores relacionados com o próprio implante 18

1.2.4.3. Factores relacionados com stress mecânico 23

1.3. Prevenção da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas 23

1.4. Extensão de inibição necessária em biopróteses de válvulas

cardíacas 24

1.5. Estratégias para a inibição da calcificação em biopróteses de

válvulas cardíacas 24

1.6. Inibição da calcificação em biopróteses pré tratadas com

glutaraldeído 25

x

1.7. Considerações gerais 26

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO DO TRABALHO 29

CAPÍTULO III –MATERIAL E MÉTODOS 32

3. Preparação das Membranas 32

3.1. Grau de inchamento 32

3.2. Degradação enzimática 33

3.3. Potencial zeta 34

3.4. Difusão 37

3.5. Microscopia óptica 39

3.6. Mineralização in vivo 40

CAPÍTULO IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO 41

4.1. Grau de inchamento 41

4.2. Degradação enzimática 41

4.3. Potencial zeta 42

4.4. Difusão 44

4.5. Microscopia óptica 45

4.6. Mineralização in vivo 48

CAPÍTULO V - CONCLUSÕES 49

BIBLIOGRAFIA 50

INTRODUÇÃO

1

1. As válvulas cardíacas

O sangue, o fluído vital da vida, circula no corpo através de uma bomba especial - o

coração. O coração é um órgão altamente especializado do sistema circulatório. É constituído por

4 compartimentos, a aurícula e o ventrículo esquerdos e a aurícula e o ventrículo direitos [3]

(figura 1). O lado direito lança o sangue para os pulmões, para ser oxigenado; o lado esquerdo

lança o sangue para a circulação sistémica. A circulação pulmonar é uma circulação de baixas

pressões, e a circulação sistémica é uma circulação de altas pressões [5].

Figura 1. Imagem do coração.

Aorta

Artéria pulmonar

Veias pulmonares

Válvula aórtica

Válvula bicúspide ou mitral

Septo interventricular

Veia cava inferior

Válvula tricúspide

Válvula pulmonar

Veia cava superior

INTRODUÇÃO

2

Existem 4 válvulas no coração, a válvula aórtica e a mitral do lado esquerdo e a

pulmonar e a tricúspide do lado direito [3]. As válvulas auriculoventriculares - A tricúspide e a

mitral – uma vez abertas permitem a passagem do sangue da aurícula para o ventrículo. Quando

estão fechadas impedem o retrocesso do sangue dos ventrículos para as aurículas. A válvula

aórtica, por exemplo, durante a expulsão do sangue está aberta, mas depois, durante a diástole

está fechada, impedindo o retorno do sangue das artérias para os ventrículos [5].

Todas as válvulas, excepto a mitral, possuem três folhetos. A válvula mitral é

constituída por 2 folhetos com uma espessura menor do que os folhetos da válvula aórtica.

Os folhetos são as partes móveis da válvula [3]. E possuem o mesmo peso específico do

sangue de modo que qualquer pequeno fluxo de sangue faz mover os folhetos das válvulas. Além

disso, para fecharem bem, as válvulas auriculoventriculares estão ligadas aos músculos papilares

por meio das cordas tendinosas, o que impede que a válvula abra para o interior da aurícula,

quando o ventrículo está a contrair [5].

Uma válvula, no seu estado normal e com uma óptima dinâmica abre e fecha cerca de

103000 vezes por dia e cerca de 3,7 biliões de vezes durante a sua vida. Uma válvula suporta

pressões variáveis, sofre uma curvatura completa e reversível e é sujeita a uma grande quantidade

de flexões por biliões de ciclos a ainda “sobrevive” [4].

A eficiência do coração para bombear é perdida em condições de doença das válvulas.

As doenças mais comuns são doenças reumáticas ou congénitas, obrigam a uma intervenção

cirúrgica por [13].

As válvulas são constituídas por um tecido conectivo não vascularizado e denso [3],

formado por proteínas estruturais – o colagénio e a elastina, e estas estão intimamente ligadas a

proteoglicanos e glicosaminoglicanos, criando uma estrutura que consegue sustentar facilmente

milhões de ciclos. O colagénio que é o mais abundante componente da matriz, é fundamental para

manter a integridade estrutural e funcional das válvulas.

Um corte da secção transversal de um folheto da válvula aórtica mostra as suas 3

INTRODUÇÃO

3

camadas distintas, a fibrosa, a esponjosa e a ventricular (Figura 2).

Figura 2. Esquema da secção transversal de um folheto de uma válvula aórtica,

A camada fibrosa está em contacto com a aorta e a camada ventricular está em contacto

com o ventrículo.

A camada fibrosa: é uma camada densa, composta por uma série extensa de fibras

paralelas. As fibras de colagénio são essencialmente orientadas numa direcção radial. Esta

camada confere a principal sustentação do folheto.

A camada esponjosa: é uma camada de tecido frouxo e conectivo, com espessura

variável, constituída por fibras, glicosaminoglicanos e células. As fibras de colagénio e as células

apresentam uma orientação radial. Esta camada possui uma resistência estrutural insignificante,

mas parece desempenhar um papel essencial na minimização das interacções mecânicas entre as

duas camadas fibrosas e na dissipação de energia durante a oclusão da válvula.

A camada ventricular: é uma camada elástica superficial com 2 ou mais camadas de

espessura. Esta camada é menos organizada que a fibrosa, e permite que o folheto tenha uma área

superficial mínima quando abre, e máxima (estica para formar uma vasta área) quando a pressão é

novamente aplicada, e a válvula fecha [4].

Os substitutos valvulares cardíacos têm significativamente aumentado as perspectivas

dos pacientes com desordens a nível das válvulas cardíacas. Têm ocorrido consideráveis

evoluções nas técnicas cirúrgicas e no desenho das próteses valvulares, desde a primeira

substituição da válvula aórtica por Harken et al. e da válvula mitral por Starr [14].

INTRODUÇÃO

4

Existe uma variedade de processos patológicos que podem levar ao mau funcionamento

de uma válvula cardíaca, o qual é geralmente associado a mudanças degenerativas do próprio

tecido, tornando-se então necessário, recorrer a uma correcção cirúrgica ou à substituição com

uma prótese. As próteses cardíacas têm sido usadas com sucesso desde 1960. Os tipos de próteses

mais comuns são as próteses mecânicas e as de tecido. Um novo grupo de próteses de válvulas é

o grupo das próteses com três folhetos, manufacturadas com polímeros sintéticos como o

poliuretano ou o politetrafluoretileno. O interesse pelos poliuretanos é baseado nas suas

propriedades físicas, que são ideais para o uso em biopróteses como componentes dos folhetos.

Quase 30 anos após a introdução das próteses valvulares, entre 100000 a 200000

pacientes do mundo recebem substitutos de válvulas cardíacas, por ano. Das válvulas cardíacas

existentes no mercado, 70% são mecânicas, embora existam variações nos tipos de próteses, nos

diferentes países. Os outros 30% dizem respeito a válvulas de tecido.

Após a substituição cirúrgica, o paciente pode levar uma vida quase normal. As válvulas

ideais devem: ter boas características para o fluxo sanguíneo, ter durabilidade, ser compatíveis

com o sangue, ser de fácil inserção em cirurgias, ser facilmente esterilizáveis, estar disponíveis

numa variada gama de tamanhos e não devem ser demasiado dispendiosas [3].

1.1. As próteses mecânicas

As próteses mecânicas introduzidas em 1960 foram fabricadas com folhetos para imitar

as válvulas verdadeiras [3]. As válvulas mecânicas, geralmente são fabricadas com componentes

de biomateriais rígidos e não fisiológicos, (constituem nas gaiola-bola, gaiola-disco e disco

basculante) [4]. Na válvula de gaiola-bola (figura 3), a bola é constituída por silicone ou por um

metal oco, movendo-se para cima e para baixo dentro da gaiola, permitindo com este movimento

a passagem ou não do sangue [15]. Por sua vez nas válvulas de gaiola-disco (figuras 4, 5 e 6), o

disco articula-se de um lado para o outro no interior da gaiola para dar ou não passagem ao

sangue [16]. As válvulas de disco pivotante (figuras 7, 8 e 9), podem ter 1 ou mais folhetos [12].

Nas válvulas com 2 folhetos dois fragmentos de metal são articulados quer para um lado quer

para outro, abrindo e fechando tal como as asas de uma borboleta [17].

INTRODUÇÃO

5

As primeiras válvulas não conseguiam resistir à fadiga por mais do que 3 anos e por

essa razão, foram fabricadas válvulas com vários designs de modo a aumentar as suas

performances e durabilidade. As maiores desvantagens do uso de válvulas mecânicas são a sua

enorme taxa de tromboembolismo e a necessidade de terapia permanente com anticoagulante.

Devido a estas limitações, associadas às válvulas mecânicas, estão a ser feitos enormes esforços

para preparar substitutos valvulares com enxertos de porco e de pericárdio bovino [3].

Figura 3 Válvula gaiola-bola de Starr-Edwards.

Figura 4 – Válvula de gaiola-disco de Harken (válvula fechada)

Figura 5 – Válvula de gaiola-disco de Harken (válvula aberta)

INTRODUÇÃO

6

Figura 6 – Válvula de gaiola-disco de Harken (válvula aberta)

Figura 7 – Válvula de disco basculante com 1 folheto de Bjork-Shiley.

Figura 8 – Válvula de disco basculante com 1 folheto de Bjork-Shiley

INTRODUÇÃO

7

Figura 9 – Válvula de disco basculante com 2 folhetos de St. Jude.

1.2. As Bio-próteses

As maiores vantagens das válvulas de tecido relativamente às próteses mecânicas são o

fluxo central pseudo-anatómico e a ausência relativa de superfície percursora da formação de

trombos, usualmente sem terapia com anticoagulante [4].

Existem dois tipos de bio-próteses, as de tecido animal (hetero-enxertos) e as de

transplantes humanos (homo-enxertos ou auto-enxertos). Os hetero-enxertos podem ser de tecido

valvar de suíno ou de tecido não valvar de pericárdio bovino. Os homo-enxertos são transplantes

de tecido de outro indivíduo, enquanto que os auto-enxertos são auto-transplantes, ou seja tecido

transferido de um local para outro no mesmo indivíduo, por exemplo, o procedimento mais

comum é o procedimento de Ross e consiste na substituição da válvula pulmonar pela aórtica

[12].

Neste trabalho as válvulas de interesse são os hetero-enxertos.

As próteses de tecido animal podem ser subdivididas em válvulas com e sem anel,

figura 10.

INTRODUÇÃO

8

Figura 10 - À esquerda, válvulas sem anel; no centro, válvulas de suíno com anel; à

direita válvulas com anel de pericárdio (St. Jude Medical Inc.) [12].

As válvulas com anel são montadas num anel de polipropileno, e têm uma estrutura,

geralmente de dracon. Esta estrutura tem um anel de sutura que rodeia o orifício da válvula na

base. As válvulas sem anel contêm usualmente uma parte de tecido na parede da aorta à qual os

folhetos estão fixados e além disso possuem um ligeiro revestimento de dracon. Estas válvulas

promovem uma hemodinâmica superior [4].

Com apenas 1 único fragmento de pericárdio é possível obter 3 folhetos similares, figura

11.

Figura 11. Bioprótese cardíaca aórtica de pericárdio bovino - Sorin™.

folhetos

revestimento

Estrutura ou anel de poliéster

INTRODUÇÃO

9

Figura 12. Bioprótese cardíaca aórtica de porco - Medtronic™.

♦A bioprótese da aórtica de suíno nativa (figura 12) é extraída da válvula aórtica e é

montada numa estrutura polimérica flexível. É constituída por 3 folhetos, sendo um deles de

maior dimensão.

Figura 13. Bioprótese cardíaca aórtica de suíno - Medtronic™.

♦A cor azul do tecido (figura 13) deve-se a um tratamento químico adicional de

reticulação.

1.2.1. Materiais bioprotésicos dos folhetos

Como já foi referido anteriormente, o tecido usado para a construção de folhetos pode

INTRODUÇÃO

10

ser um homo-enxerto usando tecido retirado de um cadáver ou hetero-enxerto usando tecido

retirado de um animal. A dura-máter humana ou as válvulas aórtica ou mitral de vítimas, não

doentes, podem ser utilizadas como substitutos valvulares. Correntemente, os folhetos das

válvulas bioprotésicas, disponíveis no mercado, são constituídos por válvulas aórticas de porco e

de pericárdio bovino. O colagénio é o principal componente estrutural destes dois materiais.

A estrutura do pericárdio humano parietal é basicamente similar à do pericárdio bovino.

A principal diferença é que a espessura do tecido do pericárdio bovino é maior do que a espessura

do pericárdio humano. O pericárdio bovino é um material relativamente isotrópico, constituído

por camadas quase semelhantes de colagénio denso, disposto em lâminas, paralelamente à

superfície. O arranjo do colagénio na camada fibrosa do pericárdio é caracterizado por dois

traços, nomeadamente feixes com orientação multidireccional e ondas de fibrilas de colagénio em

cada feixe.

O insucesso prematuro das biopróteses é a maior desvantagem das válvulas protésicas

feitas através de válvulas aórticas de porco e de pericárdio bovino. Os factores que contribuem

para este rápido insucesso incluem factores biológicos e metabólicos designadamente reacções

imunológicas, invasão por macrófagos e reacção de corpo estranho. Factores metabólicos tais

como a insudação da proteína plasmática, deposição de fibrina, calcificação e infecção também

podem acelerar o rápido insucesso [3].

1.2.2. Calcificação em substitutos de biopróteses de válvulas cardíacas

A calcificação é a principal causa das falhas das válvulas cardíacas.

A degeneração do tecido de válvulas aórticas de porco ocorre devido à calcificação.

Vinte a vinte e cinco por cento dos adultos, e mais de 50% das crianças (que têm estes problemas)

requerem uma segunda cirurgia ou morrem, num período entre 7 a 10 anos [3].

Os pontos-chave para a ocorrência da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas

estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1. Calcificação de biopróteses de válvulas cardíacas – características-chave

INTRODUÇÃO

11

Substrato Tecido de colagénio tratado com glutaraldeído

composto de cálcio Hidroxiapatite pouco cristalina

localização Áreas de flexão do folheto, imperfeições da superfície

determinantes Idade, tipo de reticulação, stress mecânico

locais de nucleação Células mortas, espaços entre as fibras de colagénio

eventos 1. Nucleação

2. Deposição do cálcio

3. Acumulação de cálcio até à ruptura

modelos de animais utilizados para

estudar a calcificação

Subcutâneos (ratos, coelhos, ratinhos)

Circulatório (carneiros, vitelos)

A calcificação geralmente resulta na estenose (constrição) da bioprótese, quer pelo

aumento da espessura do folheto, quer pela diminuição da sua flexibilidade. Os depósitos de

cálcio também são responsáveis pela fragmentação do folheto, com rasgões, resultando na

regurgitação da válvula [3].

Biopróteses de pericárdio bovino também se comportam da mesma forma e a

calcificação ocorre frequentemente (Figura 14).

Figura 14. Biopróteses cardíacas calcificadas (Fotos gentilmente cedidas por EJ

Herrero).

INTRODUÇÃO

12

1.2.2.1. Calcificação fisiológica e calcificação patológica

A calcificação consiste na deposição de cálcio, sob a forma de apatite mineral. Este

fenómeno pode ser fisiológico ou patológico (figura 15).

A calcificação fisiológica é um processo normal que ocorre durante a formação do osso,

da dentina e do esmalte dos dentes. Por vezes, a acumulação de cálcio, sob a forma de apatite,

ocorre no tecido necrótico, doente ou alterado, e este tipo de calcificação é chamada calcificação

patológica. Estes dois tipos de calcificação têm algumas semelhanças. Em ambos, os depósitos de

apatite mineral, formados inicialmente, são pouco cristalinos e altamente insolúveis nos fluidos

do corpo, a um pH fisiológico. Estes cristais são capazes de se desenvolver em concentrações de

cálcio e fosfato iguais às do soro fisiológico, com a precipitação de novos cristais, promovida

pelos depósitos iniciais.

Calcificação

Fisiológica Patológica

formação do osso, Acumulação de cálcio dentes e dentina no tecido necrótico,

doente ou alterado

Distrófica Metastática (calcificação de biopró- teses de válvulas cardíacas)

Figura 15 - Esquema dos diferentes tipos de calcificação

INTRODUÇÃO

13

Em todas as formas de células percursoras da calcificação ocorre a formação de cristais

na membrana celular, geralmente sob a forma de vesículas da matriz extracelular. As vesículas da

matriz acumulam elevados níveis de cálcio, através da ligação entre o cálcio e os fosfolípidos. No

desenvolvimento ósseo a formação da parte mineral resulta na deposição de cristais de apatite

através das vesículas da matriz. O processo de calcificação patológica conduz à degeneração de

válvulas aórticas envelhecidas por calcificação e mineralização da placa aterosclerótica está

também associada a fragmentos celulares tais como as vesículas da matriz (Figura 16) [18]e[19].

A calcificação patológica pode ser distrófica ou metastática. A calcificação distrófica é

definida como um processo em que o cálcio é depositado em tecidos desvitalizados do corpo,

mesmo em níveis normais de cálcio no sangue [3].

Na calcificação metastática, os sais de cálcio são depositados mesmo em tecidos vivos,

Fase intracelular Fase extracelular

Calcificação de uma válvula cardíaca

Deposição de cálcio nas fibrilas de colagénio

Vesículas da matriz calcificadas

Vesículas da matriz não calcificadas

Figura 16. Representação esquemática da calcificação biológica.

INTRODUÇÃO

14

ocorrendo apenas quando os níveis de cálcio no sangue se encontram acima dos valores normais.

A calcificação de válvulas cardíacas artificiais é descrita como sendo do tipo distrófico e pode ser

um processo intrínseco ou extrínseco ao biomaterial envolvido [3].

1.2.3. Mecanismo da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas

O mecanismo da calcificação é ainda mal compreendido e várias teorias têm sido

postuladas para explicar a calcificação distrófica de biopróteses de válvulas cardíacas (Tabela 2).

Embora a iniciação da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas ainda não seja

bem conhecido, existe uma forte evidência que sugere que o processo pode ter origem ao nível da

vesícula da matriz. Boskey, [20] e [21] realizou experiências que evidenciam que os fosfolípidos,

que são constituintes da membrana celular, promovem a precipitação do fosfato de cálcio,

sugerindo que este e outros factores relacionados, podem iniciar e promover a formação de

hidroxiapatite na matriz extracelular; isto é baseado na presença de fosfolípidos em aortas

calcificadas.

Tabela 2. Mecanismo de calcificação proposto

S. No. Agentes indutores Mecanismos de calcificação

1 Fosfolípidos Precipitação do fosfato de cálcio

2 Tecido danificado Células mortas como locais de nucleação do cálcio

3 Acido γ-glutâmico Ligações com o cálcio

4 Glutaraldeído Criação de espaços no tecido expondo locais activos para a

biocalcificação

Outra hipótese para a nucleação da calcificação, é a danificação do tecido já que a

calcificação distrófica geralmente ocorre em tecidos que se tornam fibrosos e necrotizados.

A calcificação em xeno-enxertos, tal como uma normal mineralização, é provavelmente

regulada por proteínas ligantes do cálcio. Uma série de proteínas contendo cálcio ligado a um

aminoácido, o ácido carboxi-γ-glutâmico (GLA), tem sido encontrado em depósitos calcificados

de válvulas de aorta de porco irreparáveis, em modelos de animais. O GLA é também encontrado

INTRODUÇÃO

15

em válvulas de porco calcificadas extraídas de pacientes, o que sugere que esta proteína está

associada ao processo de calcificação. O GLA é também encontrado em locais de calcificação

patológica tal como as pedras renais, placa aterosclerótica, válvulas aórticas estenóticas e homo-

enxertos aórticos calcificados. O GLA, contendo proteínas que possam estar associadas às

válvulas, podem desempenhar algum papel no processo de calcificação. A origem destas

proteínas não é clara, mas pensa-se que a origem possa estar nos macrófagos circulantes que

invadem os folhetos [3].

Embora o mecanismo não seja muito conhecido, outros factores, de maior relevância,

têm sido identificados para a calcificação do material das biopróteses de válvulas cardíacas

(Figura 17). Os factores ligados ao próprio implante e ao paciente ( figura 18) levam à deposição

de cálcio nas fibras de colagénio e por sua vez os factores mecânicos em simultâneo com a

calcificação conduzem à degeneração estrutural do tecido por rompimento das fibrilas de

colagénio.

Degeneração estrutural

Moléculas de colagénio

Factores mecânicos

Bioprótese cardíaca

Deposição de cálcio

Factores ligados ao próprio implante e

hospedeiro

Fibrilas de colagénio Calcificação intrínseca

INTRODUÇÃO

16

Figura 17. Mecanismo possível para a falha de biopróteses de válvulas cardíacas.

1.2.4. Factores que provocam a calcificação

Os factores essenciais agrupam-se em 3 importantes categorias (Figura 15). Estes são:

1. factores relacionados com o paciente,

2. factores relacionados com o implante,

3. factores relacionados com o stress mecânico.

1.2.4.1. Factores relacionados com o paciente

O principal factor é a idade do paciente, as condições do metabolismo do cálcio e a

medicação.

Factores que causam a calcificação

Hospedeiro Implante mecânicos

Idade Metabolismo Medicação

do cálcio

alterado

proteoglicanos fosfolípidos glutaraldeído Colagénio

Figura 18. Factores que causam a calcificação de biopróteses de válvulas cardíacas

INTRODUÇÃO

17

- Idade do paciente

A ocorrência da calcificação é acelerada em pacientes mais jovens. O tecido de válvulas

explantadas de animais jovens são mais calcificadas do que as de animais mais velhos, devido à

maior actividade metabólica naqueles indivíduos.

A degeneração do tecido devido à calcificação necessita de re-operação ou causa morte

em 20 a 25% dos adultos, em 7 a 10 anos e em 50% das crianças em igual período. As razões

atribuídas para a calcificação acelerada de biopróteses em animais jovens e crianças são os

elevados níveis de fosfato e osteocalcina no soro, aumentando a hormona paratiróide e o

metabolismo da vitamina D. Odell [22] , sugeriu que o aumento do stress mecânico pode ser um

factor responsável pela aceleração da calcificação em biopróteses de válvulas em crianças.

- Alteração do metabolismo do cálcio

Outro factor importante responsável pelo aumento da calcificação de biopróteses é a

alteração do metabolismo do cálcio durante a gestação e em pacientes com distúrbios renais.

Durante a gravidez, a calcificação de biopróteses de válvulas cardíacas aumenta devido à

alteração dos níveis de cálcio no sangue. A calcificação também aumenta em situações de doença,

tal como problemas renais, onde a concentração de cálcio no sangue não é mantida nos níveis

normais.

- Medicação

A administração intravenosa de cálcio provoca o aumento da calcificação. Terapias

hormonais que afectam o metabolismo do cálcio e a administração de vitaminas, como por

exemplo a vitamina D, que é responsável pela absorção do cálcio, podem influenciar a

calcificação nas biopróteses de válvulas cardíacas.

INTRODUÇÃO

18

1.2.4.2. Factores relacionados com o próprio implante

Os principais factores relacionados com o implante são o pré-tratamento com

glutaraldeído, o colagénio, os fosfolípidos e os proteoglicanos [3].

O tecido de colagénio, obtido de um animal num matadouro não pode ser directamente

usado em biopróteses porque este é degradado muito rapidamente porém, existe o interesse em

prolongar a estrutura original do tecido e manter a sua integridade mecânica. É necessário

remover, ou pelo menos, neutralizar as propriedades antigénicas atribuídas a este tipo de material.

Estão a ser estudadas ligações adicionais, entre as moléculas de colagénio, de modo a tornar o

tecido mais resistente, preservando a sua forma original. Idealmente, o tratamento de biomateriais

deve manter, tanto quanto possível, as características originais do tecido, tais como a flexibilidade

e as propriedades mecânicas [4].

a) Fosfolípidos

Implantes subcutâneos de tecido, sem lípidos, implantados em ratos, revelaram muito

menores níveis de cálcio do que o tecido controlo. Alguns autores associam a fosfotidil serina, a

qual está presente no pericárdio bovino, com certos tipos de calcificação in vivo. A acumulação

do cálcio devido à presença de fosfolípidos pode ter uma origem essencialmente electrostática.

b) Proteoglicanos

Estabelecem ligações covalentes com a proteína central dos proteoglicans através de

estruturas oligossacáridas específicas. com uma dimensão elevada, sintetizadas no tecido

conectivo. São constituídos por uma proteína, em que as cadeias de glicosaminoglicanos são

ligadas covalentemente. Devido ao elevado número de grupos sulfato nesta estrutura, os

glicosaminoglicanos apresentam um carácter ácido. O mecanismo de acção primário dos

proteoglicanos, na inibição da formação de hidroxiapatite é devido à elevada extensão da

configuração espacial destas macromoléculas, interferindo com a formação de cristais de

hidroxiapatite [60]. A remoção de proteoglicanos produz alterações morfológicas significativas,

com a desintegração do tecido, o que leva à formação de espaços vazios, áreas de potencial

INTRODUÇÃO

19

formação e aglomeração de hidroxiapatite. Os proteoglicanos são removidos do tecido durante o

processo de comercialização [3].

c) Pré-tratamento com glutaraldeído

O agente químico que tem sido primordialmente investigado para o tratamento de

tecidos colagénicos é o glutaraldeído [7], [24], [34] e [35].Este agente dá origem a materiais com

um elevado grau de reticulação, quando comparado com outros, tais como o formaldeído,

compostos epoxi, cianamida e acil azida [24], [36], [37] e [38].

Por outro lado, tem-se verificado que o glutaraldeído manifesta efeitos citotóxicos.

Além disso, é sabido que o pré-tratamento com glutaraldeído leva à calcificação de tecido

bioprotésicos e ainda que a calcificação é proporcional ao grau de reticulação. Existem evidências

de que as válvulas da aorta do porco e de pericárdio bovino tratadas com glutaraldeído, são

mineralizados quando implantados a nível da subderme, em ratos. Já no caso de implantes

frescos, sem fixação, estes são sujeitos ao ataque inflamatório e à digestão parcial, sem

mineralização. Tem-se verificado que a calcificação do colagénio tipo I, em implantes

subcutâneos, é proporcional ao grau de reticulação.

As reacções bioquímicas do glutaraldeído com o tecido de colagénio são complexas e

ainda não foram totalmente compreendidas [3]. Uma solução aquosa de glutaraldeído contém

uma mistura de aldeídos livres e glutaraldeído mono e di-hidratado e hemiacetais monoméricos e

poliméricos. Devido à complexidade das reacções em solução, muitas reacções podem ocorrer,

durante a reacção de reticulação. Cheung et al. [25], sugere que a impregnação das moléculas de

glutaraldeído no tecido, que é denso, como o caso do pericárdio bovino, é lenta e inicialmente

este fixa-se à superfície das fibras. Em geral, os grupos aldeído reagem com os grupos amina dos

resíduos (hidroxi) da lisina do colagénio, formando as bases de Schiff [23].

O mecanismo pelo qual o reticulação entre colagénio e o glutaraldeído promove a

calcificação de implantes ainda não é conhecido. Pensa-se que a reticulação com glutaraldeído de

tecidos provoca a ruptura no mecanismo regulador do cálcio, a nível celular. As células vivas

intactas têm baixa concentração de cálcio livre, enquanto o nível de cálcio extracelular livre é

INTRODUÇÃO

20

muito maior. O nível de cálcio na célula viva é mantidoenergeticamente, requerendo um processo

metabólico. No caso de células desvitalizadas pelo glutaraldeído, o processo metabólico não se

verifica, e deste modo, a difusão passiva do cálcio ocorre sem impedimento. Então, o cálcio reage

ligando-se ao fósforo presente na célula, conduzindo à formação de apatite. Por isso, estas células

servem como locais de nucleação para a calcificação.

Por outro lado, a relação entre a quantidade de glutaraldeído incorporado, o número de

ligações cruzadas e a estabilidade do tecido também ainda não está completamente

compreendida.

A figura 19 apresenta um esquema da reticulação com glutaraldeído.

Figura 19 – Esquema do tratamento do tecido com Glutaraldeído.

Contudo, o aparecimento de depósitos de mineral em biopróteses de válvulas cardíacas

Glutaraldeído

INTRODUÇÃO

21

também envolve fibrilas de colagénio. Um colagénio acelular do tipo I, que é a mais abundante

proteína no tecido de pericárdio bovino, está sujeito à calcificação. Assim, torna-se evidente que a

reticulação com glutaraldeído afecta não só as células, mas também o próprio tecido, o qual

apresenta locais de afinidade para a calcificação sob a forma de hidroxiapatite [3].

Tem-se também verificado que a despolimerização das ligações poliméricas de

glutaraldeído, libertam monómeros de glutaraldeído altamente citotóxicos [4].

Outro postulado é que a reticulação com glutaraldeído cria espaços vazios no tecido,

expondo os locais activos ou nichos para a biocalcificação. (Os grupos aldeído livres também

estão envolvidos no processo da biocalcificação).

Outros estudos indicam que a significativa redução na quantidade de aminoácidos

alcalinos, devido à reacção com glutaraldeído, resulta num balanço ímpar entre aminoácidos com

carga positiva e negativa no colagénio, expondo locais do grupo carboxilo carregados

negaivamente que atraem os iões Ca2+.

Qualquer que seja o mecanismo envolvido, o papel da reticulação com glutaraldeído tem

sido aceite, como um dos principais factores responsáveis pela calcificação de tecido, utilizado

em substitutos de válvulas cardíacas [3].

d) O Colagénio

As cadeias individuais polipéptidicas de colágeno contêm 20 aminoácidos diferentes e a

sua composição varia entre os vários tipos de tecido. A variação na sequência específica de

aminoácidos dá lugar aos diferentes tipos de colagénio, como Tipo I, Tipo II, até XIX. Os mais

abundantes são do tipo I e III. O colagénio tipo I é o colagénio mais abundante na pele, tendões e

osso. As fibras de colagénio apresentam elevada resistência. O colagénio possui baixa

extensibilidade, antigenicidade mínima, é um bom substrato para o crescimento celular e a sua

estabilidade é controlável, através de reacções de reticulação, quer químicas quer físicas.

Durante aplicações in vivo, o colagénio é sensível ao ataque enzimático o que pode

resultar na rápida degradação do material, e por essa razão, os materiais colagénicos são

INTRODUÇÃO

22

frequentemente estabilizados através da reticulação, de modo a minimizar a biodegradação.

Adicionalmente, a reticulação é efectiva na supressão da antigenicidade do colagénio e, por outro

lado, pode melhorar as suas propriedades mecânicas.

Contudo, tecidos colagénicos com tratamentos de reticulação possuem uma maior

tendência para calcificar e a calcificação é a principal causa das falhas das válvulas cardíacas [4].

Strates e Neuman [26] e [27], Strates, Neuman e Levinskas [28] e Glimcher, Hodge e

Schmiff [29], demonstraram que o colagénio pode actuar como um núcleo para a formação de

apatite em solução não saturada de cálcio e fosfato. As fibras de colagénio reconstituídas são

locais de nucleação heterogénea catalizada por cristais de apatite em solução de cálcio e fosfato

metastável, em condições fisiológicas. E que o colagénio pode desempenhar um papel na

nucleação de cristais de apatite. [4].

Para a realização deste trabalho, pensou-se estudar se essa influência estaria ou não

relacionada com a carga eléctrica superficial do próprio tecido. E se essa carga fosse

electricamente negativa, poderia promover a atracção dos iões cálcio, electricamente positivos,

que por sua vez atrairiam os aniões fosfato, dando origem a sais de fosfato de cálcio ou

hidroxiapatite.

Além da carga eléctrica do tecido não tratado, existe a carga eléctrica conferida ao

tecido pelo agente de reticulação. E deverá ser estudado se existe diferenças nas cargas de tecidos

tratados com diferentes agentes de reticulação.

Um dos objectivos deste trabalho é estudar a carga superficial do pericárdio bovino

nativo e do mesmo tecido reticulado com três agentes químicos diferentes, para utilização em

folhetos de biopróteses de válvulas cardíacas, relacionando este parâmetro com a tendência para a

mineralização dos tecidos.

INTRODUÇÃO

23

1.2.4.3. Factores relacionados com stress mecânico

O stress mecânico tem sido envolvido na calcificação de válvulas cardíacas artificiais.

Não é muito claro se, os danos causados pelo stress mecânico potenciam a iniciação da

calcificação, ou se, a calcificação provoca o aumento do stress, resultando na ruptura do tecido,

ou se ambos os processos estão envolvidos neste fenómeno. Tem sido demonstrado que a

calcificação ocorre em regiões de elevado stress – a tensão que provoca a quebra do colagénio

pode ser desencadeada pelo excessivo desgaste causado pelo stress mecânico. A relação entre o

stress mecânico e a calcificação é suportada ainda por relatos de que, implantes no lado direito do

coração, são menos sujeitos à calcificação do que implantes do lado esquerdo [30]e [31] e, que os

níveis de stress em válvulas fechadas são maiores na válvula mitral, do que na aórtica [32] [33].

Tem-se verificado ainda que a calcificação se concentra mais em áreas em que os folhetos da

válvula são submetidos ao esforço de compressão nas fibras de colagénio. Em geral, todas as

partes mais móveis dos folhetos calcificam mais do que as áreas mais estáticas, indicando

portanto, a importância da tensão no processo de calcificação [3].

1.3. Prevenção da calcificação em biopróteses de válvulas cardíacas

Geralmente considera-se que a calcificação de biopróteses de válvulas cardíacas de

tecido colagénico fixadas com glutaraldeído, não pode ser prevenida em pacientes jovens. Mas

esforços constantes estão a ser feitos, para manipular os factores que conduzem à biocalcificação

de tecidos nos implantes. Alterações no desenho e no fabrico têm sido feitas para aumentar a

durabilidade das válvulas cardíacas. Outras aproximações incluem a preservação dos grupos não

aldeídos, supressão da iniciação por sais metálicos [39] e [40], extracção dos fosfolípidos [41],

[42] e [43], tratamento com inibidores da calcificação [44], [45] e [46] e terapia com agentes anti-

calcificantes [47] e [48]. Outra aproximação é bloquear potenciais locais de ligação com space

fillers (enchimento), reduzindo deste modo o número de potenciais locais de nucleação para a

calcificação [3].

INTRODUÇÃO

24

1.4. Extensão de inibição necessária em biopróteses de válvulas cardíacas

Antes da discussão dos vários métodos de tratamento de anticalcificação, é

indispensável conhecer a extensão da inibição necessária. As biopróteses de suíno implantadas

num período entre 3 a 4 anos são totalmente calcificadas, mas a extensão da calcificação varia

largamente entre diferentes indivíduos. Válvulas calcificadas têm em média 113µg de cálcio/mg

de tecido seco, após 87 meses de duração. Quase todas as válvulas removidas, tanto com folhetos

calcificados e endurecidos, como com rupturas secundárias devido à mineralização têm mais do

que 34 e 67 µg de cálcio/mg de tecido seco na válvula mitral e aórtica, respectivamente. Embora

a completa prevenção da calcificação seja desejável, a inibição da mineralização abaixo destes

valores terá um grande impacto no prognóstico dos doentes [3].

1.5. Estratégias para a inibição da calcificação em biopróteses de válvulas

cardíacas

Está claramente estabelecido, que o pré-tratamento com glutaraldeído facilita a

calcificação do tecido bioprotésico. Parece haver uma relação íntima entre o grau de reticulação

com glutaraldeído e a biocalcificação. O caminho mais óbvio para prevenção da calcificação de

biopróteses de válvulas cardíacas será a substituição do glutaraldeído por outro agente de

reticulação. Por esse motivo, existe uma procura contínua de agentes de reticulação alternativos

para a preservação de materiais para biopróteses. Compostos epoxy [49] e[50] ácido amino oleico

[51], difenilfosforil azida [52], acil azidas [53] e cianamida [54] têm sido estudadas como

agentes alternativos de reticulação. Métodos físicos tal como a irradiação ultravioleta e a

desidratação também são novos métodos de estabilização. Os métodos físicos têm a vantagem de

que não se recorrer ao uso de substâncias estranhas, mas estes métodos, geralmente promovem

uma baixa densidade de reticulação [55].

Têm sido feitos esforços, por alguns grupos de investigação, no sentido de utilizar certos

iões metálicos para a prevenção da calcificação em materiais fixados com glutaraldeído para

biopróteses. Levy et al. [56], reportaram que existe uma redução da biocalcificação do tecido de

INTRODUÇÃO

25

pericárdio, fixado com glutaraldeído (TPFG) através de soluções de AlCl3 e FeCl3. Estes

investigadores descobriram também que a iniciação da calcificação é prevenida pela inibição da

actividade da fosfatase alcalina, pelo tratamento com estes sais metálicos. Barnacca et al. [57],

estudaram as propriedades de anticalcificação do TPFG tratado com citrato de Ferro (III).

Contudo, o uso de iões metálicos como agentes de reticulação para a estabilização de materiais

bioprostéticos, ao invés do glutaraldeído, não tem sido muito estudado. Uma tentativa foi feita

usando catiões de metais pesados, tais como o Al (III), o Fe (III) e o Zr (III) como agentes de

reticulação. Contudo, alguns destes iões metálicos não são considerados bons agentes de

reticulação, quando comparados com o glutaraldeído. Por esta razão, existe a necessidade de

mascarar estes iões metálicos, para estabilizar a reticulação com o pericárdio. O mecanismo de

reacção que envolve a estabilização do tecido de colagénio pelos iões metálicos encontra-se

descrito na literatura [58] e [59].O crómio (III) é o metal mais usual para a produção de

revestimentos (leather) de válvulas e outros metais iónicos tais como o Al (III), Zr (IV) e Ti (IV)

também são usados, embora com uma menor frequência e com algumas modificações. Pensa-se

que estes iões metálicos conferem estabilidade ao tecido colagénico pela reacção de complexação

com as cadeias dos grupos carboxilos [58].

Contudo, as vantagens do glutaraldeído como agente de reticulação são muitas. E a sua

solubilidade em água, a sua reactividade com o tecido de colagénio e a estabilidade das reacções

de reticulação formado a pH fisiológico, têm favorecido a sua continuada utilização como agente

de reticulação, na preparação de biopróteses de válvulas cardíacas. Por isso, o controlo da

calcificação em tecidos biológicos tratados com glutaraldeído, continua a ser uma opção

preferencial, relativamente a qualquer outro produto, em biopróteses de válvulas cardíacas [3].

1.6. Inibição da calcificação em biopróteses pré tratadas com glutaraldeído

A maior parte das estratégias de anticalcificação envolvem terapia sistémica ou

localizada, com agentes farmacológicos ou tecido pré-tratado, de forma a modificar as

características químicas, físicas ou ambas, dos folhetos. Reacções de reticulação com

glutaraldeído com pré-tratamento prévio com SDS (Sodium Dodecyl Sulfate) tem revelado inibir

INTRODUÇÃO

26

a calcificação, embora incompletamente, no sistema circulatório de modelos animais, a nível da

subderme. Embora o mecanismo de anticalcificação com detergente como o SDS ainda não esteja

totalmente compreendido, o mesmo efeito pode ser obtido através da extracção de fosfolípidos ou

da modificação de carga superficial.

Uma estratégia alternativa emprega inibidores da calcificação tanto no pré-tratamento

do biomaterial como através da administração sistémica ou administração controlada e localizada

ou da combinação dos dois tipos. Os difosfonatos são considerados inibidores potentes da

calcificação [3]. Estudos in vitro revelam que estes inibem a precipitação do fosfato de cálcio,

inibem a transformação do fosfato cristalino amorfo em hidroxiapatite e crescimento, agregação e

dissolução da hidroxiapatite [3].

1.7. Considerações gerais

Embora a mineralização seja um fenómeno normal e fisiológico da formação do osso,

dentina e esmalte do dente, a calcificação em tecidos funcionais moles não é usual. A calcificação

é a principal causa das falhas de uma vasta gama de dispositivos médicos quer cardiovasculares

quer não-cardiovasculares. As causas para a calcificação não são claras mas uma origem

multifactorial deve ser considerada. Alguns dos factores importantes a ter em conta são a

composição química do tecido, os tratamentos químicos a que o tecido é sujeito, a resposta imune

do paciente, o stress mecânico e a deposição de proteína e células circulantes. Os proteoglicanos e

os lípidos têm sido directamente implicados como substâncias indutoras da mineralização

fisiológica. O pré-tratamento com glutaraldeído facilita a mineralização do tecido bioprotésico,

mas a explicação bioquímica para a dependência das ligações cruzadas entre as fibras colagénio e

a mineralização ainda é desconhecido. Várias hipóteses têm vindo a ser testadas para controlar a

biocalcificação, contudo nenhum método isolado é ainda perfeito para eliminar completamente

este fenómeno. Para seleccionar os agentes anticalcificantes é necessário ter em consideração

alguns aspectos.

As modificações do implante podem alterar a resistência mecânica ou afectar a

biocompatibilidade das próteses. No caso da inibição da calcificação através de difosfonatos, uma

quantidade insuficiente de difosfonato de droximetiledina em vez de parar o crescimento de

INTRODUÇÃO

27

cristais pode conduzir à rápida acumulação de cálcio. Devido ao problema associado ao uso de

fosfonatos, várias tentativas foram feitas para identificar novos inibidores da calcificação [3]. A

remoção de proteoglicanos e glicosaminoglicanos pode provocar o aumento da calcificação. Os

glicosaminoglicanos são inibidores naturais da calcificação. A remoção selectiva de fosfolípidos

da matriz parece ser muito eficaz na redução da calcificação. E a remoção de todas as substâncias

celulares resulta na quase prevenção completa da calcificação [4]. Polímeros sintéticos tal como

os poliacrilatos e outros materiais polianiónicos foram estudados [3]. Além disso, os biopolímeros

e os polímeros sintéticos biocompatíveis parecem ser melhores candidatos do que os fosfonatos.

Os biopolímeros tais como o quitosano e o alginato apresentam actividades favoráveis como

substâncias reguladoras da cristalização e também oferecem outras vantagens, como por exemplo

não serem tóxicos e além disso, serem biocompatíveis.

É possível preencher os espaços entre as moléculas de colagénio com polímeros

sintéticos e naturais. E pensa-se que estas macromoléculas não têm nenhum efeito adverso nas

propriedades mecânicas das próteses de válvulas modificadas. Embora existam vários agentes de

reticulação alternativos tais como a radiação UV, tratamento dehidrotermal, reacção com

cianamida, tratamento de reticulação com acil diisocianida [3]. Estes métodos não produzem as

ligações cruzadas desejadas, não resultam em próteses duradouras, estáveis nem com boas

propriedades mecânicas. Mediante estes factos pensa-se que uma hipótese possível será tratar as

biopróteses de válvulas cardíacas com glutaraldeído e subsequentemente fazer reagir os resíduos

de aldeído com vários reagentes. É também possível usar agentes de reticulação metálicos tais

como o alumínio, o zircónio e o ferro e subsequentemente tratar o material com polímeros

sintéticos para reforçar o tecido da prótese. Alternativamente, é possível usar biopolímeros como

agentes de reticulação tal como o alginato e subsequentemente fixar com um polímero sintético.

Também é possível incorporar difosfonatos nestes polímeros e provocar a sua libertação lenta.

Biopolímeros tais como o quitosano também podem ser introduzidos [3].

A fixação com glutaraldeído resulta na formação de grupos aldeído reactivos livres que

parecem ser os propulsores iniciais para a calcificação. A fixação do tecido também provoca

alterações a nível da morfologia e das cargas das moléculas de colagénio, o que podem ser

parâmetros importantes para a complexação dos iões cálcio [4].

INTRODUÇÃO

28

Finalmente é evidente que o conhecimento ganho acerca dos mecanismos fundamentais

envolvidos na calcificação do tecido seja agora aplicado com sucesso para a investigação de

tratamentos anticalcificantes [3].

ENQUADRAMENTO DO TRABALHO

29

2. Enquadramento do trabalho

Neste trabalho, utilizou-se tecido de pericárdio bovino não tratado ou nativo (Nat) e

tecido modificado com 3 tipos de agentes de reticulação, Difenilfosforil azida (DPPA),

Glutaraldeído (Ga) e Acil azida a concentrações diferentes, 0,6% e 1% (Aga 0,6% e 1%).

Os tratamentos químicos ao tecido foram efectuados por Eduardo Jorge Herrero, em

Madrid (Espanha), na Clínica Puerta de Hierro, que teve a gentileza de facultar para este trabalho

os esquemas que se seguem.

Tratamento com Ga:

Figura 20 – Esquema do tratamento do tecido com Glutaraldeído.

Glutaraldeído

ENQUADRAMENTO DO TRABALHO

30

Tratamento com Aga:

Acetais de Glutaraldeído

Figura 21- Esquema do tratamento do tecido com Aga.

Este tratamento, representado no esquema da figura 21, tem uma dupla estratégia de

protecção, a reacção do glutaraldeído com o etanol forma acetais, ocorrendo ainda a protonação

da lisina devido às condições ácidas, pela formação do acetal. Desta forma evita-se a

polimerização imediata permitindo que o acetal se difunda até ao interior do tecido, criando-se

assim condições para uma reticulação homogénea. Como se pode ver na última parte do esquema,

tem-se a reacção: Ga + colagénio (NH2 da lisina), o mesmo que se obtém no tratamento com Ga.

Tratamento com DPPA:

Neste caso, utiliza-se um ajuste de reticulação alternativo ao Ga. A reacção ocorre entre

um aminoácido (Asp ou Glu) e um grupo COOH livre. O DPPA formará uma acil azida que

HC

CH2

H2C

CH2

HC

O O

glutaraldehído

H2C

CH3HO

etanol

4 H H

OCH2

OCH2

OCH2

OCH2

CH3

CH3CH3

CH3

1,1,5,5-Tetraetoxi-pentano

H+

H H

OCH2

OCH2

OCH2

OCH2

N

CH2

H3C

H2C CH3

H2C

H3C

trietilamina

+

HC

CH2

H2C

CH2

HC

O O H2N

COLAGENO

CH3 CH3

CH3 CH3

+

Glutaraldeído etanol 1,1,5,5-tetraetoxi-pentano

Colagénio

ENQUADRAMENTO DO TRABALHO

31

reagirá com o NH2 do colagénio. Neste caso, obtém-se um grupo amida CONH (ao invés

de um grupo amina ou uma base de Schiff do Ga + NH2) (figura 22).

Figura 22 - Esquema do tratamento do tecido com DPPA.

Aminoácido Asp ou Glu

L-Lis ou HO-Lis

Acil azida

Reticulação

Colagénio

Colagénio

Colagénio

Colagénio Colagénio

Colagénio

MATERIAL E MÉTODOS

32

3. Preparação das membranas

As membranas foram conservadas em glicerol e antes de iniciar cada experiência foi

necessário a sua remoção, para isso foi feita uma lavagem com NaCl 0,9%. As amostras foram

mergulhadas em gobelés, com 40 mL de solução de NaCl 0,9%, durante 2 horas, com agitação,

período durante o qual a solução foi trocada várias vezes. A água utilizada foi água analítica de grau tipo II. As espessuras das membranas foram determinadas em 5 pontos.

3.1. Grau de inchamento Estes ensaios permitem estudar, de uma forma qualitativa, o grau de reticulação das

amostras. A reticulação reduz a % de líquido que pode ser incorporada [8]. Foram estudadas 4

amostras para estes ensaios. PROTOCOLO - Grau de inchamento As amostras foram colocadas a equilibrar numa solução de PBS (pH = 7,4), durante 2

horas, à temperatura ambiente, com agitação.

Foi retirado o excesso de solução à superfície das membranas. Os tecidos foram

pesados imediatamente a seguir, numa balança analítica centesimal. Para remoção dos sais, colocou-se em água durante 10 minutos. Depois foram retiradas

e secas ao ar até o peso ficar constante. As 2 últimas pesagens deverão ter uma diferença de peso

menor que 5%. O grau de inchamento foi calculado pela razão entre o peso da membrana mais líquido

por peso seco de membrana.

MATERIAL E MÉTODOS

33

3.2. Degradação enzimática A influência das reacções de reticulação na degradação do colagénio têm sido estudadas

in vitro e in vivo. A degradação do colagénio é promovida por enzimas químicas e de origem

bacteriana. A colagenase (proveniente de culturas de Clostridium histolyticum) é aplicada para

determinar a estabilidade dos materiais após reticulação, enquanto que as enzimas não específicas

como a pronase e a tripsina têm sido ocasionalmente utilizadas [4]. A pronase foi a enzima

utilizada neste trabalho, pela sua não especificidade para com os tecidos, ou seja é uma protease

não específica. Foram estudadas 5 amostras de cada tratamento. PROTOCOLO – Degradação enzimática A enzima utilizada para estes ensaios foi a pronase (protease, colhida de culturas S.

griseus), proveniente da Sigma-Aldrich.

Por cada 15 mg de tecido foram utilizados 6 mL de solução enzimática. Preparação de 25 ml de solução enzimática: Pesou-se 13,9 mg de CaCl2, 1,3 mg de NaN3, 151.4 mg de Tris Base e juntou-se 1 ml

de HCl 1M. Adicionou-se a alíquota de pronase, contendo 3,3 mg de pronase/ml de solução

enzimática [7]. Ajustou-se o pH a 7,4. Transferiu-se a solução para um gobelé e acertou-se o pH

[2]. Acertou-se o volume a 25 mL. Colocou-se a solução a incubar durante 1 hora, a 37ºC.

Removeu-se a água superficial do tecido com ajuda de papel de filtro. Em seguida

pesou-se numa balança analítica centesimal. Colocou-se 1 membrana por cada recipiente contendo a quantidade correspondente de

solução de enzima e incubou-se a 37ºC, com uma agitação de 175 r.p.m..

Os recipientes foram colocados num suporte com inclinação, para uma agitação mais

eficaz e uniforme.

MATERIAL E MÉTODOS

34

Ao fim das 24, 48, 72 e 96 horas retiraram-se as membranas, removeu-se o excesso de

solução de acordo com o procedimento habitual e pesaram-se. 3.3. Potencial Zeta Os sólidos em contacto com uma solução electrolítica possuem uma distribuição de

cargas à superfície diferente das fases sólidas e líquidas no seu interior. O excesso de uma espécie

iónica e a escassez de outra leva à formação da dupla camada electroquímica (figura 23). A dupla

camada é constituída por:

♦Uma camada de carga na superfície do material;

♦Uma camada de carga de sinal contrário do lado da solução. Esta camada é formada

por:

- uma camada imóvel ou rígida – onde as cargas estão fixas à interface sólido/líquido;

- uma camada móvel ou difusa – onde as cargas são sujeitas a um movimento térmico.

Figura 23- Representação esquemática do Potencial Zeta [61].

Em que:

Potencial no plano intermédio

Camada difusa

Cam

ada

imóv

el

Distância da partícula à superfície

1 2

3

MATERIAL E MÉTODOS

35

1 – potencial à superfície;

2 - potencial na camada imóvel

3 – potencial zeta

Quando é aplicada uma força externa, paralela à interface sólido/líquido, um

movimento relativo entre as fases sólida e líquida ocorre. Enquanto as camadas imóveis se

mantêm na superfície sólida e na fase líquida, a camada móvel é varrida juntamente com o seio da

solução. A posição do plano intermédio entre as 2 camadas, difusa e imóvel, é determinado pelo

equilíbrio entre as forças de atracção externas e as forças da superfície.

O potencial no plano intermédio (interface entre as camadas móvel e imóvel) é

conhecido como potencial electrocinético ou potencial zeta.

A acumulação de carga na interface sólido/líquido (formação de uma dupla camada

electroquímica) é baseada na adsorção de iões ou polielectrólitos na superfície sólida, na

dissociação de grupos moleculares à superfície, por exemplo grupos ácido/base, e na dissolução

de iões de certos sólidos inorgânicos.

A extensão deste processo depende da composição química e da estrutura física do

sólido e da composição do líquido envolvente. A formação da dupla camada e a magnitude e o

sinal do potencial zeta é, no entanto, determinada tanto pelas propriedades do sólido quer do

líquido.

Numa superfície, a dissociação de grupos funcionais provoca uma acumulação de

cargas. A dissociação de grupos ácidos numa superfície carregada negativamente provoca o

aumento das cargas negativas. A dissociação de grupos alcalinos dá origem ao aparecimento de

cargas positivas.

É obvio que o grau de dissociação e o potencial zeta são fortemente dependentes do pH

da solução aquosa.

Neste trabalho, a determinação do potencial zeta é feita através do Electro Kinetic

Analyser (EKA) da Anton Paar e é baseado no método da queda de potencial electroquímico.

Este método é classificado como um método para análise das propriedades da interface de um

material sólido em contacto com um líquido, em que existe movimento do líquido em contacto

com a superfície.

A solução electrolítica é bombeada através da célula contendo a amostra a analisar,

provocando uma queda de pressão. A amostra sólida é colocada na célula entre 2 eléctrodos e,

havendo movimento de cargas, vai existir também uma queda de potencial. O potencial zeta é

MATERIAL E MÉTODOS

36

dado pela equação de Smoluhowski, a qual relaciona a queda de pressão com a queda de

potencial na passagem pela amostra.

ζ = dU/dP × η/(ε×ε0) × L/(Q×R)

em que:

ζ = potencial zeta

dU = queda de potencial electroquímico

P = queda de pressão na célula

η = viscosidade da solução electrolítica

ε = constante dielétrica da solução electrolítica

ε0 = permitividade no vácuo

L = comprimento da amostra

Q = corte de secção da amostra

R = resistência na célula

Desde que sejam utilizadas soluções aquosas diluídas para determinação da queda de

potencial electroquímico, a viscosidade e a constante dieléctrica da água são aceitáveis.

O EKA permite medir a queda de potencial electroquímico, e alternativamente a

corrente de potencial electroquímico, a diferença de pressão, a condutividade do electrólito e a

resistência da amostra. Os valores de viscosidade e as constantes dieléctricas são obtidos através

de tabelas contidas no software do equipamento. Além disso, a temperatura e o pH do electrólito

também são determinados pelo EKA.

Para a determinação do potencial zeta é essencial usar um electrólito diluído, com

efeito, uma baixa concentração corresponderá à camada difusa que se estende mais para o interior

do electrólito, obtendo-se então valores de potencial zeta mais correctos. Com o aumento da

concentração do electrólito, a camada difusa é comprimida, e ocorre um acelerado declínio do

MATERIAL E MÉTODOS

37

potencial com a dupla camada electroquímica. A diferença entre os valores de potencial zeta é

reduzida e verifica-se uma diminuição na sensibilidade das medições [11].

Foram estudadas 6 amostras de Ga, 8 amostras de Nat e 5 amostras de DPPA, de Aga

0,6 % e Aga 1%.

PROTOCOLO - Potencial zeta

As membranas ficaram a equilibrar numa solução de PBS diluída de 1:100, durante 2

horas com agitação. Depois foram cortadas em pedaços, o mais pequenos possível, de modo a

simular um pó.

Após as 3 lavagens com água da torneira e as 4 lavagens com água destilada o

equipamento foi lavado 2 vezes com o electrólito, o PBS 1:100.

A célula utilizada foi a célula cilíndrica que é constituída por eléctrodos de disco

perfurados de Ag/AgCl.

3.4. Difusão

Nestes estudos utilizou-se a célula de difusão com dois compartimentos de igual

volume [10]. Uma hipótese para um dos passos mais importantes da calcificação de válvulas

bioprotésicas de pericárdio bovino tratadas com glutaraldeído é o fluxo de iões cálcio para o

interior do tecido bioprotésico imediatamente a seguir à cirurgia.

Foi estudada a difusão dos iões cálcio através de amostras de tecido tratado e não

tratado.

O coeficiente de permeabilidade foi calculado a partir da Lei de Fick:

Coef. de permeabilidade = (dm/dt)/A . x/C

em que:

dm/dt = Variação de massa por unidade de tempo (mg/min)

A = Área de difusão (constante) = 90,8mm2

x = espessura ao centro da membrana (mm)

MATERIAL E MÉTODOS

38

C = Concentração inicial de cálcio na solução dadora (constante) = 100 mg/L [9].

Foram estudadas 6 amostras de Ga e de DPPA e 3 amostras de Nat, Aga 0,6% e Aga

1%.

PROTOCOLO – difusão

Preparou-se uma solução de CaCl2 a 0,2% (18 mmol/L).

Numa célula de difusão (figura 24) constituída por 2 compartimentos separados pela

amostra em estudo (membrana com dimensões 2×2 cm), foram colocados 35 mL de solução de

CaCl2 a 0,2%, e no outro foram colocados 35 mL de água.

Os ensaios decorreram numa estufa orbital a 37ºC e com uma agitação de 150 r.p.m. e a

célula de difusão foi sempre colocada com a mesma disposição.

As amostras foram retiradas nos intervalos de tempo seguintes (em minutos): 0, 10, 20,

30, 40, 60, 80, 100 e 120, sendo retirados em cada tempo, 10 mL de solução do compartimento

que inicialmente continha apenas água. Esse volume retirado é rectificado com 10 mL de água

destilada.

Figura 24 - Fotografia esquemática da célula de difusão.

Ca2+ Água

MATERIAL E MÉTODOS

39

Depois seguiu-se a determinação do teor de Ca das soluções. Para isso foi utilizado um

espectrofotómetro de absorção atómica, com atomização por chama de protóxido/acetileno, da

marca GBC, modelo 904AA [2] e [10].

As soluções foram analisadas directamente, sem qualquer outro tratamento adicional,

procedendo-se a diluições quando necessário. O branco e os padrões possuíam matrizes idênticas

às das amostras.

Depois efectuaram-se os respectivos cálculos para as diluições efectuadas.

3.5. Microscopia óptica

Com o objectivo de avaliar a permeabilidade do tecido recorreu-se à microscopia

óptica.

Efectuaram-se cortes longitudinais e perpendiculares ao tecido de modo a visualizar a

estrutura das fibras e a permeabilidade do tecido das camadas mais externas às camadas mais

internas. O tecido não requer o uso de corantes, já que este possui auto-fluorescência.

PROTOCOLO – Microscopia óptica

As membranas foram fixadas durante 5 horas em formaldeído a 4%.

Depois efectuou-se a desidratação que consiste na imersão do tecido em séries

crescentes de etanol (1 hora em etanol 70º, 1 hora em etanol a 96º e 3 vezes durante 1 hora em

etanol absoluto).

Após a desidratação, o etanol é removido e substituído por xilol, que tem a capacidade

de tornar o tecido mais translúcido, e prepará-lo para a impregnação posterior em parafina. Esta

etapa é efectuada colocando-se o tecido 2 vezes, durante 45min em xilol (São 2 vezes para que a

remoção seja total e não reste nenhuma mistura de etanol que não é miscível em parafina.

Finalmente a impregnação é efectuada através de 3 banhos consecutivos de parafina fundida, cujo

ponto de fusão é de cerca de 56-58ºC. (Os 3 banhos serve para que o xilol acabe por ficar

dissolvido nas primeiras parafinas e a impregnação seja só feita com parafina). A parafina com

vestígios de xilol impede a correcta solidificação da parafina após o arrefecimento e impede o

MATERIAL E MÉTODOS

40

corte das amostras. Após a impregnação, as amostras são colocadas em moldes que são

preenchidos com parafina fundida que após o arrefecimento forma blocos que são posteriormente

cortados em cortes com 4 micra de espessura, num micrótomo rotativo Mícron HM325. Os cortes

são colocados em lâminas de vidro, para serem posteriormente observados ao microscópio (a

espessura é a adequada para tecido impregnado em parafina). As lâminas são secas durante 1 h a

60ºC para que a parafina se funda e ao mesmo tempo os cortes adiram à lâmina. A parafina é

posteriormente removida (impede a observação) com 2 banhos de 5min em xilol. Dada a

autofluorescência das amostras em causa, as lâminas (com os cortes) são apenas montadas com as

lamelas e observadas ao microscópio de fluorescência - Olympus, BX 61.

3.6. Mineralização in vivo

A calcificação in vivo foi avaliada por implantação das amostras na parede abdominal,

em ratos, durante 30 e 60 dias. Foram estudadas 24 amostras de Ga, 12 amostras de DPPA, 9

amostras de Aga 0,6%, 5 amostras de Aga 1% para 1 mês e 7 amostras de Aga 1% para 2 meses.

Estes ensaios in vivo foram realizados por Eduardo Jorge Herrero na Clínica Puerta de

Hierro, Madrid (Espanha) e os resultados foram gentilmente enviados para comparação e

fundamentação dos resultados obtidos neste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

41

4.1. Grau de inchamento Os resultados do grau de inchamento encontram-se apresentados na figura 26.

A reticulação reduz o grau de equilíbrio de inchamento do tecido colagénico [8], como

é o caso das membranas de pericárdio bovino.

Grau de inchamento

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

Aga 1% Aga 0,6% Ga DPPA Nat

Tecidos

(Pes

o m

olha

do-P

eso

seco

)/Pes

o se

co

Figura 26 - Resultados do Grau de inchamento.

Uma comparação entre o grau de inchamento de todos os tecidos tratados revelou que o

DPPA e o Ga apresentaram os menores valores (1,49 e 1,47) respectivamente, enquanto que o

Aga 1% apresentou o maior valor (1,84) seguido do Aga 0,6% (1,70). Sendo os agentes de

reticulação mais efectivos o Ga e o DPPA, ou seja estes agentes revelaram um maior grau de

reticulação.

4.2. Degradação enzimática

Os resultados obtidos nos ensaios de digestão com pronase encontram-se na figura 27.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

42

Digestão Pronase

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120tempo (horas)

peso

res

idua

l méd

io (%

)

Ga

Aga0,6%

Nat

Aga 1%

DPPA

Figura 27 - Resultados da degradação enzimática.

Nestes ensaios foi determinada a susceptibilidade à degradação com pronase das

membranas tratadas e não tratadas.

Durante as experiências, in vitro, de digestão, as membranas de pericárdio foram

expostas à pronase em diferentes períodos de tempo e verificou-se que o tecido não tratado foi

significativamente mais susceptível ao ataque enzimático do que o tecido tratado, sendo o AGA

1% o mais resistente. Ao fim de 96 horas o tecido tratado com Aga1% apresentou 38% de

degradação, enquanto que o tecido não tratado (Nat) apresentou 62% de degradação, no mesmo

período de tempo. Ao fim das 120 horas o tecido não tratado apresentou uma solubilização de

69%, o Ga e o DPPA apresentaram uma degradação semelhamte 47% e de 47,3%,

respectivamente, e o Aga 0,6% e 1% tiveram solubilizações de 32,4% e 39% respectivamente.

Em todos os intervalos de tempo até às 96 horas, e pela observação do gráfico da figura 27,

podemos concluir que as membranes de Aga 1% foram as menos degradadas pela pronase,

seguido da DPPA, depois da Aga 0,6% e da Ga, sendo a Nat a mais susceptível ao ataque pela

pronase.

4.3. Potencial Zeta

Os resultados de potencial zeta estão na figura 28.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

43

Potential Zeta (mV)

-5,6

-4,6

-3,6

-2,6

-1,6

-0,6

GA Nat DPPA Aga 0,6% Aga 1%Tecidos

PZ (m

V)

Figura 28 - Resultados do Potencial Zeta.

Várias teorias têm sido propostas para explicar a formação de hidroxiapatite (neste caso

concreto o que está em estudo é a calcificação de biopróteses). Uma das hipóteses para a

formação de fosfato de cálcio é a carga superficial do material. Esta superfície com carga

electricamente negativa pode ser capaz de atrair os catiões Ca2+ e consequentemente os aniões

HPO42- e OH- dissolvidos em solução (neste caso o sangue).

O potencial zeta tem sido tradicionalmente medido por electroforese, porque todas as

partículas inorgânicas assumem uma carga quando dispersas em água. Através da inserção de

eléctrodos na suspensão e aplicando uma voltagem DC, as partículas com carga são atraídas para

o ânodo (eléctrodo positivo). A velocidade das partículas depende da carga superficial da

partícula ou potencial zeta e da voltagem aplicada [6].

O objectivo da utilização desta técnica foi a determinação da carga superficial eléctrica

do tecido de pericárdio bovino não tratado e tratado com agentes de reticulação.

Os resultados obtidos revelam uma carga eléctrica substancialmente mais negativa para

o caso do Ga comparativamente os outros tecidos. O tecido tratado com Ga possui a carga mais

negativa (-4,873 mV) enquanto o Nat e o DPPA exibiram as menos negativas (-1,946 mV e -

1,947 mV respectivamente. O tecido tratado com Aga 0,6 e 1% apresentaram potenciais zeta de -

2,216 mV e -2,207 mV. Podemos concluir que a reticulação com DPPA confere o valor de

RESULTADOS E DISCUSSÃO

44

potencial zeta menos negativo e que as membranas tratadas com Aga 0,6% ou 1% dão origem a

valores ligeiramente mais negativos do que com DPPA.

4.4. Difusão

Os resultados relativos à difusão de cálcio através da membrana estão representados na

figura 29.

Coeficiente de Permeabilidade mm2/min( Lei de Fick)

0

0,02

0,04

0,06

0,08

0,1

0,12

0,14

GA Nat DPPA Aga 0,6% Aga1%

Tecidos

Coe

ficie

nte

de p

erm

eabi

lidad

e

(mm

2 /min

)

Figura 29 - Resultados do coeficiente de permeabilidade.

Após 2 horas de difusão, a quantidade crescente de cálcio que se difundiu através do

tecido foi determinada.

O coeficiente de difusão mais elevado verificou-se para o tecido tratado com Ga (0,125

mm2/min), seguido do Nat com (0,086 mm2/min) e do Aga 1% com (0,079 mm2/min), enquanto

que os valores mais baixos foram para o Aga 0,6% (0,059 mm2/min) e para o DPPA (0,062

mm2/min). Estes resultados estão em concordância com os valores de potencial zeta, pois os

menores valores de coeficiente de permeabilidade são para o DPPA e Aga0,6% e 1%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

45

4.5. Microscopia óptica

A visualização de cortes transversais das membranas permitiu fazer uma análise

qualitativa à permeabilidade dos tecidos.

Figura 30 - Nat, camada interna, corte transversal, ampliação 10×. Ver se aparece a

escala na imagem

Figura 31 - Ga, camada interna, corte transversal, ampliação 10×.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

46

Figura 32 - Aga 0,6%, camada interna, corte transversal, ampliação 10×.

Figura 33 - Aga 1%, camada interna, corte transversal, ampliação 10×.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

47

Figura 34 - DPPA, camada interna, corte transversal, ampliação 10×.

As imagens obtidas do tecido tratado com diferentes tratamentos encontram-se

apresentados nas figuras 30, 31, 32, 33 e 34, e dizem respeito a cortes transversais de uma

camada interna da membrana, com uma ampliação de 10×.

Estes resultados mostram um maior desmembramento das fibrilas e colagénio em

algumas partes da superfície do tecido, no caso do tecido tratado com DPPA (figura 34) e no caso

do tecido não tratado (Nat) (figura30).

As membranas tratadas com GA e Aga 0,6% e 1% apresentaram uma estrutura mais

compacta das fibrilas de colagénio, sendo por isso menos permeáveis (figuras 31, 32 e 33).

Embora o tecido tratado com DPPA seja relativamente mais permeável em algumas

áreas, apresentou um coeficiente de difusão muito baixo, o que sugere que o coeficiente de

permeabilidade não está relacionado com a permeabilidade do tecido mas com outros factores,

possivelmente com a carga superficial eléctrica do tecido.

É aceitável dizer-se que os tratamentos dos tecidos de pericárdio bovino tratados com

Aga 0,6%, 1% e DPPA possam ser mais favoráveis à prevenção da calcificação do que com Ga,

pois para além de terem apresentado valores de potencial zeta mais baixos, também apresentaram

coeficientes de difusão mais baixos. O tecido tratado com Ga apresentou os maiores valores de

potencial zeta assim como de coeficiente de difusão sendo a permeabilidade deste tecido também

baixa quando comparada com o Nat e o DPPA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

48

Isto pode ser uma razão para a calcificação que se verifica com a reticulação com o

glutaraldeído, podendo significar que o tratamento com Ga interage com os iões cálcio por

atracção de cargas eléctricas.

4.6. Mineralização in vivo

Os resultados in vivo disponibilizados por Jorge Herrero encontram-se na figura 35.

Calcificação em pericárdio bovino

020

406080

100120140160

Ga

DP

PA

Aga

0,6

%

Aga

1% Ga

DP

PA

Aga

0,6

%

Aga

1%

30 dias 60 diasTecido tratado

Cal

cific

ação

mg

Ca2+

/g d

e pe

so

seco

de

teci

do

Figura 35 - Resultados da mineralização in vivo.

A calcificação é a principal causa das falhas das válvulas cardíacas, e esta conclusão foi

tirada a partir de experiências em modelos circulatórios e a nível da subderme [62] e [63].

A viabilidade deste método para estudar a calcificação de tecido de pericárdio bovino

com diferentes agentes de reticulação é um método para avaliar a propensão destas membranas

para calcificarem.

Existem inúmeras limitações do modelo in vitro comparativamente ao modelo in vivo

em condições de implantação subcutâneas. Contudo, corpos em hemostase geram quantidades

relativamente ilimitadas de fosfato de cálcio a nível da subderme [10].

CONCLUSÕES

49

Nestes estudos in vivo, os tecidos tratados com Aga 0,6%, Aga 1% parecem retardar o

significativamente o transporte de iões cálcio através da membrana.

Em conclusão, este estudo sugere a possibilidade da utilização de Aga 0,6% e 1% como

agentes de reticulação do pericárdio bovino e o seu efeito na inibição da calcificação, sendo o

Aga 1% o melhora agente, por não ser tão susceptível ao ataque enzimático.

Embora o papel exacto do processo de anticalcificação seja ainda obscura, com este

trabalho coloca-se a hipótese de que a carga superficial eléctrica to tecido possa ter uma forte

influência na atracção dos iões Ca2+.

Como hipótese, o tratamento com Aga em tecido de pericárdio bovino talvez modifique

a carga nos potenciais locais de ligação com o cálcio, tornando a carga electricamente menos

negativa.

O tratamento com DPPA talvez seja menos eficaz para algumas aplicações,

nomeadamente em aplicações que requeiram maior actividade mecânica, já que o DPPA parece

ser muito mais permeável e também mais frágil do que o tecido tratado com Aga e GA.

Quanto ao ataque enzimático também se pode concluir que o tratamento com Aga1% é

o que sofre menor degradação pela pronase.

BIBLIOGRAFIA

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