INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA...

21
INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE O VALE DO RIO TIETÊ E A SERRA DA MANTIQUEIRA Daniel Henrique Cândido* Lucí Hidalgo Nunes** *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro do Laboratório de Estudos Climáticos do Instituto de Geociências da UNICAP-LECLIG. E-mail: [email protected] **Docente do Departamento de Geografia da Unicamp e responsável e coordenadora do LECLIG. E-mail: [email protected] RESUMO: A presente pesquisa aborda a relação entre precipitação e altimetria na área situada entre o Vale do Rio Tietê (Depressão do Médio Tietê) e a Serra da Mantiqueira (Planalto de Serra Negra/Lindóia), no estado de São Paulo. A análise foi realizada por meio da elaboração de um Modelo Digital de Terreno (MDT), produzido utilizando-se o software Surfer, interpolando dados referentes à altitude e pluviosidade. Os mapas e os dados avaliados revelam a influência da orografia na intensificação da pluviometria do local em questão, mais marcadamente nos períodos mais chuvosos. PALAVRAS-CHAVE: Chuvas orográficas; Relevo; Orografia; Precipitação; Clima. ABSTRACT: This research shows the relationship between rainfall and altitude in the area located between the Tietê River’s Valley and the Mantiqueira’s Escarpment in São Paulo State, Brazil. In this analysis, a Digital Terrain Model (DTM) was created by using the software Surfer, which interpolated data of rainfall and altitude. The data and maps evaluated reveal the influence of the orography over the precipitation in the local, mainly during the periods witch register higher amounts of precipitation. KEY WORDS: Orographic Rainfall; Relief; Orography; Precipitation; Climate. INTRODUÇÃO Situado em um terreno geologicamente antigo, o estado de São Paulo praticamente não apresenta elevações altimétricas significativas, exceto em alguns setores, como nas serras da Mantiqueira e do Mar. Mesmo assim, a presença de um relevo irregular e acidentado constitui um importante fator intensificador das precipitações nesse estado da federação. Acrescenta-se que climaticamente a região Sudeste é a que apresenta os maiores contrastes do país, em virtude da existência da grande diversidade dos atributos geográficos, além de ser uma área transicional em termos de controles de grande e meso-escala. Monteiro (1976) mostra que: ...os mecanismos da circulação atmosférica regional apontam o primeiro grau de diferenciação climática no território paulista pela co-participação dos elementos básicos do Brasil meridional (amplitude térmica acentuada pelo jogo de sistemas meteorológicos contrastantes e pluviosidade fartamente distribuída o ano todo) e Centro- Oeste/Sudeste (com um período seco definido). GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, pp. 08 - 27, 2008

Transcript of INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA...

Page 1: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTREO VALE DO RIO TIETÊ E A SERRA DA MANTIQUEIRA

Daniel Henrique Cândido*Lucí Hidalgo Nunes**

*Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro do Laboratório de Estudos Climáticosdo Instituto de Geociências da UNICAP-LECLIG. E-mail: [email protected]

**Docente do Departamento de Geografia da Unicamp e responsável e coordenadora do LECLIG. E-mail: [email protected]

RESUMO:A presente pesquisa aborda a relação entre precipitação e altimetria na área situada entre o Valedo Rio Tietê (Depressão do Médio Tietê) e a Serra da Mantiqueira (Planalto de Serra Negra/Lindóia),no estado de São Paulo. A análise foi realizada por meio da elaboração de um Modelo Digital deTerreno (MDT), produzido utilizando-se o software Surfer, interpolando dados referentes à altitudee pluviosidade. Os mapas e os dados avaliados revelam a influência da orografia na intensificaçãoda pluviometria do local em questão, mais marcadamente nos períodos mais chuvosos.PALAVRAS-CHAVE:Chuvas orográficas; Relevo; Orografia; Precipitação; Clima.

ABSTRACT:This research shows the relationship between rainfall and altitude in the area located between theTietê River’s Valley and the Mantiqueira’s Escarpment in São Paulo State, Brazil. In this analysis, aDigital Terrain Model (DTM) was created by using the software Surfer, which interpolated data ofrainfall and altitude. The data and maps evaluated reveal the influence of the orography over theprecipitation in the local, mainly during the periods witch register higher amounts of precipitation.KEY WORDS:Orographic Rainfall; Relief; Orography; Precipitation; Climate.

INTRODUÇÃO

Situado em um terreno geologicamenteantigo, o estado de São Paulo praticamente nãoapresenta elevações altimétricas significativas,exceto em alguns setores, como nas serras daMantiqueira e do Mar. Mesmo assim, a presençade um relevo irregular e acidentado constitui umimportante fator intensificador das precipitaçõesnesse estado da federação. Acrescenta-se queclimaticamente a região Sudeste é a queapresenta os maiores contrastes do país, emvirtude da existência da grande diversidade dosatributos geográficos, além de ser uma área

transicional em termos de controles de grandee meso-escala.

Monteiro (1976) mostra que:

...os mecanismos da circulação atmosféricareg iona l apontam o pr imeiro grau dediferenciação climática no território paulistapela co-participação dos elementos básicosdo Brasi l meridional (amplitude térmicaacentuada pe lo j ogo de s is temasmeteorológicos contrastantes e pluviosidadefartamente distribuída o ano todo) e Centro-Oeste/Sudeste (com um per íodo secodefinido).

GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, pp. 08 - 27, 2008

Page 2: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 9

Em segundo grau, podemos consideraras interferências exercidas pelos fatoresgeomorfológicos, que atuam de modo a atenuara existência dos períodos de precipitaçãoreduzida.

Na Figura 1 podemos observar alocalização da área a ser considerada nesta

pesquisa, que mede 21 mil km 2, estandodelimitada entre as seguintes coordenadas:

A) 48°00’W e 22°00’S;

B) 48°00’W e 23°15’S;

C) 46°30’W e 22°00’S;

D) 46°30’W e 23°15’S.

Figura 1. Localização da área de estudo

O conhecimento da inf luência daorografia na intensificação dos totaisprecipitados é um fator importante para a regiãodeste estudo, pois ela engloba importantesáreas do Estado de São Paulo, entre as quais:

- O município de Campinas, compopulação superior a um milhão de habitantes,que conta com a presença de importantesuniversidades, indústrias e empresas de altatecnologia, além do Aeroporto Internacional deViracopos, que apresenta o maior terminal decargas da América do Sul e movimenta cerca de750.000 passageiros/ano. Atualmente

Viracopos responde por um terço de todas asmercadorias exportadas e importadas no Brasil.1

- A Região Metropolitana de Campinas(RMC), formada por 19 municípios – Americana,Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis,Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia,Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte-Mor,Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbarad’Oeste, Santo Antônio da Posse, Sumaré,Valinhos, Vinhedo – que juntos, apresentam umProduto Interno Bruto equivalente a 25 bilhões

Page 3: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

10 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

de dólares, e possuem uma população deaproximadamente 2,5 milhões de pessoas2.

- Áreas agrícolas, como a região dePiracicaba que é a maior em número defornecedores de cana de açúcar e a segundaem produção, com 10 milhões de toneladas decana, ou 22% da produção do estado de SãoPaulo3; o município de Limeira, que possui umaimportante produção de citrus, além de parteda região de Espír ito Santo do Pinhal,importante produtora de café.

- Diversos reservatórios e áreas demananciais que abastecem vários municípios,dentre os quais algumas das represas dosistema Cantareira, que fornece água para cercade 9 milhões de pessoas na RegiãoMetropolitana de São Paulo.

- Áreas turísticas como o “Circuito dasÁguas”, que inclui os municípios de Águas deLindóia, Amparo, Lindóia, Monte Alegre do Sul,Serra Negra e Socorro.

Ademais, o conhecimento da dinâmicaclimática de um determinado lugar constituiinformação estratégica no que concerne a seuplanejamento, podendo auxiliar nos projetos deuso e ocupação desses locais. Assim, éimportante que se saiba como a intensificaçãoorográfica está atuando, dado o seu efeitodinamizador, que imprime localmenteespecificidades na dinâmica regional do regimede precipitações, diferenciando por vezessignificativamente as alturas pluviométricas emlocais geograficamente próximos.

A agricultura pode ser particularmenteafetada pela variação dos montantesprecipitados, sendo que cada tipo de culturaapresenta uma demanda específica por água,cuja falta ou excesso pode ser prejudicial àplanta. Algumas vezes torna-se necessário ouso de técnicas de irrigação para se evitar aocorrência de stress hídrico. Por outro lado,algumas culturas têm sua floração induzida demaneira mais intensa e maturação dos frutosmais rápida quanto estão sob esta mesmacondição de stress hídrico.

Além disso, a área mapeada apresentaintensa urbanização e diversos modais detransporte, como importantes rodovias,aeroportos e ferrovias, que podem serseveramente afetados pela ocorrência deeventos pluviométricos. Por estar situada àjusante das bacias hidrográficas presentesnesta área, a hidrovia Tietê-Paraná tambémpode ser afetada pela dinâmica dessasprecipitações.

Salienta-se que registros de inundaçõessão relativamente frequentes em diversosmunicípios da área estudada, podento ter suaação intensificada por influência das formas derelevo (CANDIDO, 2007).

MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletados dados de precipitaçãode 89 estações pluviométricas mantidas peloDAEE - Departamento de Águas e EnergiaElétrica do estado de São Paulo - (Figura 2), emum período de 30 anos (1970-1999), conformeas normas da Organização MeteorológicaMundial (OMM – WMO). Tal período possibilitauma abrangência apropriada da variabilidadedos elementos climáticos na escala temporal eevita que algum evento extremo assumaimportância demasiada na caracterização dapluviosidade dos locais, pois acaba diluído emum período temporal mais extenso.

Foi calculada a média aritmética mensal daprecipitação de cada posto. Em seguida, os dadosforam agrupados na escala sazonal, resultando nasinformações constantes na Tabela 1, utilizada comobase na composição das isoietas apresentadas nosmapas presentes neste trabalho. Para composiçãodas estações do ano, o trimestre mais chuvoso(janeiro, fevereiro e março) foi considerado comoverão, servindo como base para a distribuição dosdemais períodos, conforme exibido na Tabela 2. Aindaque não correspondam exatamente ao períodocorrespondente às estações stricto sensu, trata-sede uma aproximação suficiente para a escalatemporal utilizada no trabalho desenvolvido.

Page 4: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 11

Figura 2: Distribuição dos postos pluviométricos utilizados no estudo (coordenadas em quilômetros, no sistema UTM,

fuso 23K. Para conversão em Lat/Long, vide Tabela 1)

Page 5: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

12 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

Para a elaboração do Modelo Digital doTerreno (MDT) que serviu como base à pesquisa,foram obtidos dados altimétricos a partir decartas topográficas em escala 1:50.000,editadas pelo IBGE. A partir das curvas de nívelpresentes nessas cartas, foram coletadas asinformações concernentes à altimetria em todaa extensão da área em questão. Em algunscasos foi necessário incrementar a resoluçãoespacial visando realçar a presença de certasfeições geomorfológicas consideradasimportantes para a compreensão do ambientemapeado, como alguns morros, elevações edepressões, rios e as rupturas de declive maisintensas, presentes em algumas serras.

Em seguida, esses dados e asinformações referentes à pluviometria foramprocessados com o uso do programacomputacional Surfer versão 8.0, utilizando

neste procedimento o método geoestatístico dakrigagem, que interpola o valor de cada pixel daimagem, calculando uma média ponderada detodos os dados situados nas proximidades daárea analisada. Ele avalia a variação estáticaou valores em diferentes distâncias e direçõespara determinar o tamanho e a forma da áreade seleção ao redor do ponto, assim como oconjunto ponderado de fatores que produzemum erro mínimo nos locais estimados, o quepossibi li tou a elaboração de um mapahipsométrico e de um Modelo Digital de Terrenoque se aproximou bastante do terreno real.

Destaca-se que todos os mapasproduzidos foram georreferenciados por meiode coordenadas do sistema de projeção UTM,estando contidas no fuso 23K. O elipsóideconsiderado foi o South América datum, de 1969(SAD-69).

Page 6: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 13

Page 7: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

14 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

Page 8: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 15

O EFEITO DA TOPOGRAFIA SOBRE ASPRECIPITAÇÕES

O efeito orográfico nas precipitações temsido objeto de estudo já há algum tempo (CONTI(1967) esclarece que

...o efeito orográfico sobre as precipitações ébastante conhecido. Ele é, com efeito, notável nasgrandes cadeias do Globo, como por exemplo, nosAndes, nas Montanhas Rochosas, etc. Por outrolado, um fenômeno também bastante freqüenteé o da formação de nuvens orográficas sobremontanhas sensivelmente mais baixas. Seria dese esperar, portanto, a constatação do efeitoorográfico sobre as precipitações em barreirasmontanhosas de pequena escala.

Vários autores já desenvolveramestudos tendo como foco principal a influência dasdiferenças entre altimetria e exposição devertentes nos montantes pluviais, como Conti(1967, 1973), Nunes (1993), Puvaneswaran eSmithson (1991), Blanco e Massambani (2000),Oliveira et al (2000) e Zabot (2000). Em outrosestudos sobre variabilidade da precipitação esseaspecto também foi abordado (NUNES, 1990,SANT’ANNA NETO, 1995, NUNES, 1997 etc.).

É importante ressaltar que as chuvasorográficas não são as únicas gêneses indutorasde precipitação mapeadas neste trabalho, pois aorografia consiste apenas em um agenteintensificador das precipitações, de modo que estetrabalho objetivou a realização de ummapeamento no qual altitude e pluviometria estãorelacionadas, independentemente da origem daprecipitação (convectiva ou frontal, as maisatuantes no setor).

As chuvas orográficas ocorrem quandouma parcela de ar dotada de certo teor deumidade movimenta-se paralelamente àsuperfície até encontrar um obstáculo, como aencosta de uma escarpa ou de uma montanha.Quando isso acontece, o ar tende a continuar seupercurso devido à energia cinética que possui,elevando-se conforme a inclinação do terreno.Como o gradiente médio de decréscimo detemperatura é de 6 a 7°C para cada 1000 metros

de elevação (gradiente pseudoadiabático), o arresfria-se cada vez mais à medida que se elevadevido ao obstáculo. Com isso, essa parcela dear poderá se condensar, o que ocorrerá quandoa temperatura do ponto de orvalho tornar-se igualou maior que a temperatura dessa própriaparcela, formando colunas de nuvens,normalmente situadas sobre esses obstáculos.Dessa forma, nas áreas a sotavento de umobstáculo, como uma cadeia montanhosa, há umaqueda nos totais pluviométricos devido ao fatodo ar já ter perdido parte ou a totalidade de suaumidade ao transpô-lo (descompressãoadiabática). Um exemplo desse fenômeno,conhecido como Chinook, efeito Föhn ou aindarainshadow effect (sombra de chuva), consiste napresença do Deserto da Patagônia, situado asotavento da Cordilheira dos Andes, Deserto deGobi na Mongólia, ou também o Vale da Morte(Death Valley) na Califórnia, que fica a sotaventodas montanhas “Sierra Nevada” (LUTGENS eTARBUCK, 1998; OLIVER e HIDORE, 2002).

No estado de São Paulo as elevações nãosão proeminentes a ponto desse fenômeno serobservado na mesma amplitude dos locaisanteriormente citados, mas é possível notar certaszonas situadas a sotavento de alguns obstáculosonde os totais precipitados são inferiores aosvalores de pontos situados a barlavento, mesmoestando em altitudes equivalentes.

Vários mecanismos podem provocar umaintensificação orográfica dos totais pluviométricosocorridos no local estudado, dentre os quais sedestacam três processos básicos, que podematuar individualmente ou em conjunto:autoconversão, seeder-feeder e convecçãodisparada (BLANCO e MASSAMBANI, 2000).

Na autoconversão (Figura 3), a chuvadesenvolve-se graças à condensação resultanteda ascensão do ar devido à necessidade detranspor um obstáculo natural, sem possuirnenhuma relação com outras nuvens pré-existentes. Existe uma variação desse mecanismochamada tree-drip, na qual as gotículas geradaspela ascensão forçada do ar são removidasdiretamente da nuvem pelas folhas da vegetaçãolocal.

Page 9: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

16 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

No mecanismo seeder-feeder (Figura 4),a chuva que precipita de uma nuvem mais altapré-existente, chamada de nuvem semeadora(seeder), é intensificada quando passa através

de nuvens orográficas, coletando suasgotículas. Muitas vezes essas duas nuvenscombinam-se em uma única formação.

A convecção disparada (Figura 5) ocorrequando nuvens formam-se nas correntes térmicasascendentes originadas pelo lado iluminado pelo solem uma montanha. Ao entrar em contato com a faceaquecida desse obstáculo a parcela de ar tambémse aquece e, consequentemente, torna-se menosdensa e se eleva. Ao atingir maiores altitudes, esse

ar resfria-se devido à perda adiabática datemperatura, condensa a umidade que carregoudurante o processo e origina nuvens do tipocumulonimbus, que são caracterizadas por seuconsiderável desenvolvimento vertical, reflexo dagrande instabilidade das condições atmosféricas.

Page 10: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 17

RESULTADOS

A área de estudo foi dividida em quatrosetores, conforme as caracter ísticasgeomorfológicas apresentadas (Figura 6). OSetor I, situado a Noroeste da carta correspondeao Planalto Residual de São Carlos. O Setor II

indica as Cuestas Basálticas que se situam nocontato entre a Depressão Periférica e o PlanaltoOcidental Paulista. O Setor III, no centro dacarta, corresponde à Depressão Periférica. OSetor IV cobre o Planalto Cristalino Paulista, queinclui os planaltos de Jundiaí e de Serra Negra/Lindóia (Serra da Mantiqueira).

Figura 6. Modelo Digital de Elevação com a divisão dos setores considerados nesta pesquisa (coordenadas emquilômetros, no sistema UTM, fuso 23K)

Page 11: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

18 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

Distribuição das precipitações noinverno

Optou-se por iniciar a análise peloperíodo correspondente ao inverno, pois essaé a estação sazonal que apresenta umadistribuição mais homogênea da precipitação.A pluviosidade média é de 119 mm (Tabela 2),variando entre o mínimo de 80 mm, registradono município de Rio das Pedras, até o máximode 144 mm em Jarinú, sem que se possaobservar grandes alterações induzidas pelaorografia.

Nos Setores I e II a distribuição daprecipitação é relativamente homogênea, comtotais variando entre 100 mm e 120 mm em todaa área. No Setor III observa-se a existência deum pequeno gradiente dos totais, que estãoentre valores menores que 100 mm, ao Norte,até 140 mm, ao Sul. Apesar dessa amplitude

ser praticamente constante, percebe-se aexistência de uma pequena zona situada aocentro da carta, mais precisamente no interflúviodos rios Tietê e Piracicaba, onde se registrapluviosidade total menor que 100 mm. No SetorIV também é possível notar a existência de umgradiente semelhante ao observado no SetorIII.

Conforme evidenciado pela Figura 7, nãose observam grandes alterações nos totaisprecipitados durante o inverno, sendo quedurante essa estação os mecanismos decirculação de meso-escala se sobrepõem aosfatores locais, fazendo com que as precipitaçõesocorram em função da atuação das linhas deinstabilidade que advêm como consequência daação das frentes que surgem devido aodeslocamento do ar polar, ocorrência observadacom frequência maior nesse período do ano.

Figura 7. Distribuição da pluviometria no inverno (coordenadas em quilômetros, no sistema UTM, fuso 23K)

Page 12: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 19

Mesmo nas áreas mais elevadas, não háuma influência bem definida da altimetria. Comoexemplo podemos observar a zona das Cuestasonde, mesmo apresentando altitudes maiores que1000 metros em certos pontos, não observamosalterações significativas nos totais precipitados.

Podemos notar uma diminuição gradativa dapluviometria em todo o norte da área analisada. Issoocorre de forma geral, sem que haja relaçõesaparentes com o diferencial altimétrico, salientandoo predomínio dos sistemas frontais neste período.Por isso, de modo geral, podemos afirmar quedurante o inverno a precipitação varia conforme odeslocamento das massas de ar que, sendo umcontrole de meso-escala atua em grandes porçõesdo território, não imprimindo assim, especificidadeslocais, o que faz com que a influência das variaçõestopográficas observadas nessa área seja poucosignificativa.

Distribuição das precipitações naprimavera

Durante a primavera, observa-se maioramplitude na precipitação total, que certamentesofre inf luência de fatores locais em suadistribuição (Figura 8). A média total para a áreanesse período é de 348 mm (Tabela 2). Os totaisprecipitados variam entre 287 mm registradosem Porto Feliz, até 462 mm, em Itapira.

Os Setores I e II apresentampluviosidade, em média, 20 mm maiores queáreas situadas em latitudes equivalentes, masem cotas menos elevadas. As isoietas indicamligeira elevação na pluviometria a partir da zonadas Cuestas (Setor II), sendo provável que essefenômeno esteja ligado ao fato dessaconfiguração do relevo atuar como agenteintensificador da precipitação.

Figura 8. Distribuição da pluviometria na primavera

Page 13: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

20 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

No Setor III verifica-se que a pluviometriavaria desde montantes abaixo de 310 mm, noVale do Rio Tietê, até acima de 340 mm na zonacentral deste setor. As maiores amplitudespluviométricas estão no Setor IV, onde seobservam desde valores menores que 340 mm,até alturas que superam 430 mm, nasproximidades da Serra da Mantiqueira. Nota-se,ao Sul deste setor, a existência de uma áreaonde ocorre um decréscimo na precipitação.Essa anomalia espacial também pode serobservada durante o outono.

Quando comparamos dois postos emlatitudes semelhantes, mas com altitude emorfologia distintas, notamos claramente quehá uma relação entre altimetria e pluviosidade.Um bom exemplo para esta estação do ano,consiste na variação observada entre o postoinstalado no município de Ipeúna, situado emuma altitude de 630 metros, na latitude 23°05',e o posto de Águas de Lindóia, a 1040 metros,em região serrana, cuja latitude é 22°28'. Oprimeiro apresenta pluviosidade de 348 mm,enquanto no segundo este valor sobe para 395

mm. O município de Socorro (latitude 22°32'),apesar de estar localizado em uma altitudemenos significativa (740 metros), apresentatotais pluviométricos ainda mais elevados,atingindo 433 mm. Isso provavelmente ocorreem consequência da exposição das vertentesem relação ao deslocamento das massas de ar,além da presença de um terreno bastanteacidentado neste local, fatores que podeminduzir o desenvolvimento de precipitaçõesorográficas.

Distribuição das precipitações duranteo verão

O verão é a estação com os maiorescontrastes na precipitação para a área estudada(Figura 9). Os totais precipitados variam de 526mm, registrados no município de Tietê, até omáximo de 871 mm em Itapira. Essa estaçãoapresenta média de 668 mm, ou seja, quase odobro do observado durante a primavera, asegunda estação mais chuvosa (Tabela 2).

Figura 9. Distribuição da pluviometria no verão

Page 14: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 21

O Setor I está situado inteiramentedentro das faixas que delimitam a pluviosidadeentre 700 a 750 mm, quantidade visivelmenteinferior à registrada na porção Norte do SetorII, que apresenta totais acima de 750 mm nesseperíodo. Essa diferenciação possivelmenteocorre em função da dinamização pelo efeitoorográfico induzida pela presença das Cuestas,que atuam como uma barreira ao avanço do ar,provocando a formação de nuvens orográficasquando as parcelas de ar galgam esseobstáculo, resultando no desenvolvimento dosfenômenos descritos como autoconversão eseeder-feeder.

No Setor III, os totais precipitadosaumentam conforme se avança para o Norte,variando desde menos de 550 mm, nasproximidades do Vale do Rio Tietê, até acima de750 mm em sua porção mais setentrional. Porém,ao longo deste setor, observam-se locais comacréscimo ou decréscimo na pluviometria.

A chuva do Setor IV também éamplamente diversificada, com um mínimo de650 mm em sua zona meridional e máximo acimade 850 mm, na Serra da Mant iqueira. Apluviosidade deste setor está intimamenteligada à altimetria e à morfologia do terreno,chegando a existir gradientes superiores a 150mm quando comparamos áreas com latitudesequivalentes, mas altitudes contrastantes.Como exemplo, pode ser considerado o postode Analândia, que, estando situada a 660metros e na latitude 22º08’, apresenta 712 mmde precipitação, enquanto que em Santo

Antonio do Jardim, praticamente na mesmalatitude, porém em setor serrano (altitude de900 metros), a pluviosidade se eleva, chegandoao total de 820 mm, ou seja, uma diferença de108 mm.

Há um gradiente análogo entre ospostos instalados nos municípios de Tietê eJundiaí. O primeiro está situado a uma altitudede 470 metros na latitude 23°06' e apresenta527 mm de pluviometria; no segundo, em umsetor mais acidentado, a 730 metros de altitudee latitude de 23°12', a chuva equivale a 653mm, com uma diferença de 126 mm.

No verão uma parte substancial daprecipitação possui gênese convectiva. Como ainfluência da orografia é mais presente nessaestação, observa-se que a dinamizaçãoorográfica (fator mais pontual) é particularmentefavorecida quando da ocorrência de chuvas maislocalizadas - fator também observável naprimavera.

Distribuição das precipitações nooutono

No outono percebe-se a existência depoucos contrastes, assemelhando-se àestrutura dominante no inverno, ainda que commontantes de precipitação diferentes, conformeevidenciado na Figura 10. Os volumesobservados em toda a área variam entre 251mm em Porto Feliz, até 410 mm em Itapira,tendo por média 315 mm (Tabela 2).

Page 15: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

22 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

Figura 10. Distribuição da pluviometria no outono

A pluviosidade média do Setor I é maiselevada do que nas áreas adjacentes sitas emlatitudes semelhantes, dada a sua altitude. Há umaredução da pluviosidade na porção Setentrional doSetor II, que apresenta altura pluviométrica de 290mm, contra mais de 330 mm em sua porção Sul,portanto, com uma variação superior a 40 mm.

No Setor III percebe-se a existência de certaheterogeneidade na distribuição das precipitações,que são mais intensas na zona de contato entre aDepressão Periférica e o Cristalino, onde chegam aatingir montantes equivalentes a 350 mm. Há umaelevação nos totais no centro deste setor e,novamente, a área menos chuvosa corresponde aoVale do Rio Tietê, onde se registra valores em tornode 270 mm.

No Setor IV há um amplo gradiente dosvolumes observados, que podem variar desde290 mm ao Sul, até valores superiores a 390mm nas proximidades da Serra da Mantiqueira,perfazendo uma diferença superior a 100 mm.As precipitações são bastante influenciadas pelorelevo desse setor, destacando-se a existênciade uma área, em sua porção Sul, onde se notauma queda nos montantes precipitados. Vistoque essa mesma anomalia também pode serobservada durante a pr imavera, podemosconsiderar que, provavelmente, trata-se de umfenômeno semelhante ao efeito Föhn, ainda queem menor intensidade, tendo em vista que asdiferenças alt itudinais não são tãoconsideráveis.

Page 16: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 23

Pode-se notar que a altimetria tambémaparece como importante fator na distribuiçãodas precipitações ocorridas nessa estação.Quando comparamos a chuva entre municípiosem latitudes relativamente próximas, essainfluência fica ainda mais evidente. É o caso davariação observada entre o posto instalado emMogi-Guaçu e o posto de Águas de Lindóia: oprimeiro está situado a 22°28' de latitude ealtitude de 580 metros, registrando 299 mm deprecipitação nesse período; o segundo, nalatitude 22°10' e altitude de 1040 metros, temum total de 351 mm, totalizando uma variaçãode 52 mm.

Distribuição anual da precipitação

Assim como já fora observado na escala

sazonal , os dados re ferentes às médiasanuais também indicam a existência degrande amplitude nas alturas de precipitaçãopara a área estudada, sendo que a orografiainf luenc ia bast ante na d ist r ibui çãogeográfica desse elemento. A precipitaçãomédia anual do local é de 1450 mm (Tabela2); a menor incidência de precipitações éreg ist rada no Va le do R io T ie t ê , maisprecisamente no município de Tietê, onde seobserva um total de 1226 mm, valor quepode se r cons iderado modesto quandocomparado com os 1886 mm medidos emItapira, local que registrou o maior volumede prec ip i ta ção. Ex is te , por tan to, umaampl i tude de 660 mm ent re as médiasdesses dois locais, sendo o relevo um dosprincipais condicionantes para o surgimentode tal contraste.

Figura 11. Distribuição anual da pluviometria

Page 17: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

24 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

O exame da Figura 11 permite observarque o Setor I apresenta distr ibuiçãorelat ivamente homogênea dos totais deprecipitação, que variam entre 50 e 100 mmacima dos observados em áreas de latitudesimilar, mas com menor altitude. Esse setor temsua dinâmica intimamente ligada ao Setor II,sendo que as Cuestas são responsáveis pelaintensificação orográfica no local.

O Setor III apresenta menores alturaspluviométricas em sua porção Meridional, nasproximidades do Rio Tietê. As áreas próximasao contato com o Planalto de Serra Negra/Lindóia, na área Setentrional deste setor, sãoas com registro dos maiores volumes,

provavelmente por receberem a contribuição doterreno acidentado situado nas adjacências.

O local onde se observam as maioresheterogeneidades é o Setor IV, com totaisvariando desde acima de 1800 mm nas áreasmais elevadas (Serra da Mantiqueira), atévalores menores que 1450 mm.

Analisando a configuração dos mapasobtidos, pode-se afirmar que o padrão dedistribuição espacial das chuvas permanecepraticamente o mesmo ao longo do ano, sendoque o que muda são os montantes precipitados,salientando que essa diferenciação tende a sermaior nas áreas com relevos mais elevados eirregulares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A orografia é um importante fatoratuante no estudo da dinâmica dos elementosconstituintes do clima, e na área analisada agede forma a intensificar ou reduzir os montantesde precipitação. Nos locais de relevo maisirregular percebe-se a existência de maioresamplitudes nos totais pluviométricos, sendo quese observa a inf luência não somente daaltimetria, mas também de toda a morfologia.Um relevo irregular pode condicionar aocorrência de precipitações orográficas queatuam em conjunto com outros fatores,intensificando a pluviosidade total desses locais.É o caso da área situada nas proximidades deItapira e da Serra da Mantiqueira, onde foram

registrados valores acima da média em todosos períodos considerados.

De modo geral, a distribuição espacialdas precipitações é mais regular nas áreasmenos elevadas e mais planas, pois amorfologia do terreno exerce pouca influênciana intensificação das chuvas nesses locais. Háuma coincidência entre as altitudes menoselevadas e as menores pluviometrias; é o casodo Vale do Rio Tietê, que apresenta valoresabaixo da média em todos os períodosavaliados.

Também é importante ressaltar aexistência de uma zona de sombra de chuva,situada em um vale encaixado no Cristalino

Page 18: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 25

Notas

Bibliografia

paulista. Essa anomalia aparece, sobretudo, nosperíodos correspondentes ao outono e aoinverno. Somente com os dados obtidos nessetrabalho e na escala aqui utilizada não foipossível desvendar qual a origem dessa sombra,mas é possível formular a hipótese de que elapossivelmente ocorreu devido ao fato da parcelade ar perder umidade ao transpor a Serra daMantiqueira.

Em termos sazonais, a influência daorografia é bastante minimizada no inverno, oque está associado à gênese de precipitaçãoprevalecente nesse período. Elaborando mapasde isoietas sazonais, os trabalhos da Secretariados Serviços e Obras Públicas (1972), Monteiro(1973) e Nunes (1997) ressaltaram que asprecipitações de inverno no estado de São Paulotêm um padrão espacial francamente latitudinal,dado o avanço dos sistemas extratropicais dasaltas para as baixas latitudes. As precipitações

frontais são espacialmente mais abrangentes,perduram por mais tempo e são menosinfluenciadas pela dinamização orográfica. Emcontraste, no verão dominam as precipitaçõesconvect ivas, (conjugação entre maiordisponibi lidade de umidade e altastemperaturas) sendo muito mais efêmeras epontuais e, nesse caso, a influência da orografiaé mais nítida, resultando em totais bastantediferenciados entre os postos.

Outro aspecto a se destacar é que essaanálise evidenciou a maior similaridade dasprecipitações nos semestres outono-inverno everão-primavera. Ainda que esse fato sejaconhecido, sublinha-se aqui que a configuraçãodo relevo como fator importante na dinamizaçãodas precipitações contribui para isso em algumaextensão. O estudo destaca também aimportância da escala local para o entendimentodas especificidades do clima.

1 Fonte: INFRAERO - <www.infraero.gov.br>. Acessoem: 18 de janeiro de 2007

2 Fonte: <www.emplasa.sp.gov.br>. Acesso em: 29de julho de 2006

3 Fonte: União da Agroindústria Canavieira de SãoPaulo – <www.unica.com.br>. Acesso em: 18 dejaneiro de 2007

ATKINSON, B.W.; GADD, A. Weather – A ModernGuide to Forecasting. [S.l]: Mitchell BeazleyPublishers, 1986, 160 p.

BLANCO,C.M.R & MASSAMBANI , O. Processosde Intensificação Orográfica da Precipitação naSerra do Mar em São Paulo. MeteorologiaBrasileira além do Ano 2000 - CD Rom.

CANDIDO, D.H. Relação entre precipitação ealtimetria na área entre o vale do Rio Tietê e aSer ra da Mant i que i ra . Monog raf ia deconclusão de curso, Instituto de Geociências- Unicamp, Campinas, 2003.

CANDIDO, D.H. Inundações no município deSanta Bárbara d’Oeste, SP: condicionantes e

impactos. Dissertação (Mestrado), Institutode Geociências - Unicamp, Campinas, 2007.

CHR ISTOFOLETTI , A. “O est udo dasmudanças no meio ambiente f í s i co”.Geografia, Rio Claro, v. 08, 1983. p.192-194.

CHRISTOFOLETTI, A; FEDERICI, H. A TerraCampineira (Análise do Quadro Natural).Campinas: Mousinho, 1972, 100p.

CONTI, J.B. A Intensidade do Efeito Orográficosobre as Precipitações na Região do Puy-de-Dome (Fr ança) . Bol et im Paul i s ta deGeografia, n 44, 1967. p. 15-38 .

CONTI, J.B. Circulação secundária e efeitos

Page 19: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

26 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 24, 2008 CANDIDO, D. H. & NUNES, L. H.

orográficos na gênese das chuvas na regiãolesnordeste paulista., Tese (Doutorado), SérieTeses e Monografias, IGEOG-USP 18, 82 p. SãoPaulo: 1975.

CONTI, J.B. A Geografia Física e as RelaçõesSociedade/Natureza no Mundo Tropical. São Paulo:Humanitas, 1997, 35p.

DEMILLO, R. Como Funciona o Clima. São Paulo:Quark Books, 1998, 226p.

EBERT, H.D; BUENO, J.M.R. Modelo Digital deTerreno e Geológico da Folha de Rio Claro(1:50.000). Geociências, v. 17, n. 2, 1998. p. 469-486.

KOEPPEN, W. Climatologia. 1ª Edição emEspanhol. México: Fondo de Cultura Economica,1948, 479p.

LOMBARDO, M.A. Ilha de calor nas metrópoles. SãoPaulo: Hucitec, 1985, 244p.

LUTGENS, F.K; TARBUCK, E. J. The Atmosphere - AnIntroduction to Meteorology. 17th Edition. NewJersey: Prentice Hall, 1998, 450p.

MONTEIRO, C.A. de F. A dinâmica climática e aschuvas no Estado de São Paulo (estudo geográficosobre a forma de Atlas). São Paulo: IGEOG-USP,1973, 130p.

MONTEIRO, C.A. de F. O clima e a organização doespaço no Estado de São Paulo: problemas eperspectivas. São Paulo: IGEOG-USP, 1976, 53p.

NASCIMENTO, C.M; PEREIRA, M.A.M.G. AtlasClimatológico do Estado de São Paulo. Campinas:Fundação Cargil, 1988, 93p.

NERY, J.T; THOMAZ, S.L; FRANÇA, V. “Caracterizaciónde la precipitación del estado de San Pablo”.Atmosfera, Universidad Autónoma de Mexico, v.11,n.3, 1998. p. 125-141.

NUNES, L.H. Impacto Pluvial na Serra deParanapiacaba e Baixada Santista. Dissertação(mestrado). FFLCH-Universidade de São Paulo:São Paulo, 1990.

NUNES, L.H. Relação entre precipitação anual ealtimetria no Estado de São Paulo. V SIMPÓSIO

DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, São Paulo:FFLCH/USP, 1993, p.407-413.

NUNES, L.H. Distribuição espaço-temporal dapluviosidade no Estado de São Paulo: variabilidade,tendências, processos intervenientes. Tese(Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade deSão Paulo: São Paulo, 1997.

OLIVEIRA, R.O; HACK, L.P; RIBEIRO, V.F. InfluênciaDo Relevo Na Distribuição Da Pluviosidade Na IlhaGrande, RJ,.In IV Simpósio Brasileiro de ClimatologiaGeográfica, Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.

OLIVER, J.E & HIDORE, J.J. Climatology – anatmospheric science. New Jersey: Prentice Hall, 2002,410p.

PEDRO JÚNIOR, M.J; BRUNINI, O; ALFONSI, R.R;ANGELOCCI, L.R. Estimativa de Graus-Dia em Funçãode Altitude e Latitude para o Estado de São PauloBragantia, Campinas, v.36, n.5, 1977, p. 89-92.

PINTO, H.S; ZULLO,JR. J.; ZULLO, S.A. Oscilaçõespluviométricas temporais no Estado de São Paulo. In:CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROMETEOROLOGIA,Maceió: Maceió ed, 1989.

PUVANESWARAN, K.M.; SMITHSON, P.A. “Precipitation– Elevation Relationships over Sri Lanka”. In:Theoretical and Applied Climatology, Austria: Springer-Verlag, 1991.

ROSS, J.L.S.; MOROZ, I.C. Mapa Geomorfológicodo Estado de São Paulo. Volume 1. São Paulo:FFLCH/USP, 1997.

SALVI, L.L. “Tipologia climática no Estado de SãoPaulo segundo técnicas de quantificação”. Rev.do Departamento de Geografia, n. 3, 1984. p.37-61.

SANT’ANNA NETO, J. L. As chuvas no Estado deSão Paulo: contribuição ao estudo da variabilidadee tendência da pluviosidade na perspectiva daanálise geográfica. Tese (Doutorado) -Departamento de Geografia, Universidade deSão Paulo. São Paulo: 1995.

SANTOS, M.J.Z. “Mudanças Climáticas no Estadode São Paulo”. Geografia, Rio Claro,v.21, n.2,

Page 20: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro

Influência da orografia na precipitação da área entre o valedo rio Tietê e a Serra da Mantiqueira, pp. 08 - 27 27

Trabalho enviado em agosto de 2008

Trabalho aceito em setembro de 2008

1996. p.111-171.

SCHROEDER, R. Distribuição e curso anual dasprecipitações no Estado de São Paulo. Bragantia,Campinas, v.15, n.18, 1956, p. 192-249.

SECRETARIA DOS SERVIÇOES E OBRASPÚBLICAS /DAEE /CTH Atlas pluviométrico doestado de São Paulo. São Paulo, 1972, 17p.

SETZER, J. A distribuição normal das chuvas noEstado de São Paulo. Revista Brasileira deGeografia, v. 8, n.1, 1946, p. 3-26.

SETZER, J. Atlas climático e ecológico do estado

de São Paulo. São Paulo: Comissão Interestadualda Bacia do Paraná-Uruguai, 1966.

TUCCI, C.E.M. Hidrologia: Ciência e aplicação. PortoAlegre: UFRGS, 2000, 943p.

VIANELLO, R.L; ALVES, A.R. Meteorologia Básica eAplicações. Viçosa: UFV, 1991, 449p.

ZABOT, C. As Influências Orográficas das Serrasdo Leste Catarinense no Episódio Pluvial Intensodo dia 11 de Dezembro de 1998 In IV SimpósioBrasileiro de Climatologia Geográfica, Rio deJaneiro: UFRJ, 2000.

Page 21: INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA … · INFLUÊNCIA DA OROGRAFIA NA PRECIPITAÇÃO DA ÁREA ENTRE ... *Doutorando do Departamento de Geografia da Unicampe e membro