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Informativo 784-STF (04/05 a 08/05/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: RE 580252/MS; Ext 1354/DF. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL CNMP STF não tem competência para ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. DIREITO PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade da Defensoria Pública. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR CRIME DE DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM) Período de graça e configuração do crime de deserção. DIREITO DO TRABALHO EXECUÇÃO DE SENTENÇA NORMATIVA Execução de sentença normativa e ofensa à coisa julgada DIREITO CONSTITUCIONAL CNMP STF não têm competência para ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ A competência para julgar mandados de segurança impetrados contra o CNJ e o CNMP é do STF (art. 102, I, “r”, da CF/88). Algumas vezes o interessado provoca o CNJ ou o CNMP, mas tais órgãos recusam-se a tomar alguma providência no caso concreto porque alegam que não tem competência para aquela situação ou que não é hipótese de intervenção. Nessas hipóteses, dizemos que a decisão do CNJ ou CNMP foi “NEGATIVA” porque ela nada determina, nada aplica, nada ordena, nada invalida. Nesses casos, a parte interessada poderá impetrar MS contra o CNJ/CNMP no STF? NÃO. O STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Segundo entende o STF, como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, ele não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF. STF. 1ª Turma. MS 33163/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 5/5/2015 (Info 784).

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Informativo 784-STF (04/05 a 08/05/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: RE 580252/MS; Ext 1354/DF.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

CNMP STF não tem competência para ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade da Defensoria Pública.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

CRIME DE DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM) Período de graça e configuração do crime de deserção. DIREITO DO TRABALHO

EXECUÇÃO DE SENTENÇA NORMATIVA Execução de sentença normativa e ofensa à coisa julgada

DIREITO CONSTITUCIONAL

CNMP STF não têm competência para ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ

A competência para julgar mandados de segurança impetrados contra o CNJ e o CNMP é do STF (art. 102, I, “r”, da CF/88).

Algumas vezes o interessado provoca o CNJ ou o CNMP, mas tais órgãos recusam-se a tomar alguma providência no caso concreto porque alegam que não tem competência para aquela situação ou que não é hipótese de intervenção. Nessas hipóteses, dizemos que a decisão do CNJ ou CNMP foi “NEGATIVA” porque ela nada determina, nada aplica, nada ordena, nada invalida.

Nesses casos, a parte interessada poderá impetrar MS contra o CNJ/CNMP no STF?

NÃO. O STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Segundo entende o STF, como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, ele não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF.

STF. 1ª Turma. MS 33163/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 5/5/2015 (Info 784).

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De quem é a competência para julgar mandados de segurança impetrados contra o CNJ e o CNMP? Do STF, nos termos do art. 102, I, “r”, da CF/88. Decisões “negativas” do CNJ ou CNMP Algumas vezes o interessado provoca o CNJ ou o CNMP pedindo a revisão disciplinar de algum ato administrativo praticado por membro do Judiciário ou do MP, mas tais Conselhos rejeitam o pedido e recusam-se a tomar qualquer providência no caso concreto porque alegam que: a) não têm competência para aquela situação; ou b) que o ato atacado não possui qualquer vício ou ilegalidade que mereça ser reparado. Nessas hipóteses, dizemos que a decisão do CNJ ou CNMP foi “negativa” porque ela nada determina, nada aplica, nada ordena, nada invalida. Nesses casos, a parte interessada poderá impetrar MS contra o CNJ/CNMP no STF? NÃO. O STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Se a parte impetrar MS neste caso, o STF não irá conhecer da ação. Segundo entende o STF, como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, ele não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF. Na deliberação negativa, o CNJ/CNMP não substitui nem desconstitui qualquer ato administrativo. Assim, se existe algum ato a ser atacado é o originário (e não o do Conselho). Veja as seguintes ementas que bem explicam esse entendimento do STF:

(...) O pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça que consubstancie recusa de intervir em determinado procedimento, ou, então, que envolva mero reconhecimento de sua incompetência, ou, ainda, que nada determine, que nada imponha, que nada avoque, que nada aplique, que nada ordene, que nada invalide, que nada desconstitua, não faz instaurar, para efeito de controle jurisdicional, a competência originária do Supremo Tribunal Federal. – O Conselho Nacional de Justiça, em tais hipóteses, considerado o próprio conteúdo negativo de suas resoluções (que nada proveem), não supre, não substitui nem revê atos ou omissões eventualmente imputáveis a órgãos judiciários em geral, inviabilizando, desse modo, o acesso ao Supremo Tribunal Federal, que não pode converter-se em instância revisional ordinária dos atos e pronunciamentos administrativos emanados desse órgão de controle do Poder Judiciário. Precedentes. (...) STF. 2ª Turma. MS 31453 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 28/10/2014

(...) A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as deliberações negativas do Conselho Nacional de Justiça não estão sujeitas a revisão por meio de mandado de segurança impetrado diretamente no Supremo Tribunal Federal. (...) STF. Plenário. MS 28202 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/03/2011

Neste caso, o que a parte deverá fazer? A parte terá que impugnar na Justiça o ato originário que gerou seu pedido no CNJ/CNMP. Ex: a parte ingressou com pedido de providência no CNMP contra ato administrativo praticado pelo Procurador-Geral de Justiça. O CNMP entendeu que não cabia sua intervenção no caso, julgando improcedente o pedido. O CNMP proferiu, portanto, uma decisão “negativa”. Contra este pronunciamento do CNMP não cabe MS. Somente restará à parte propor um MS contra o ato do Procurador-Geral de Justiça, ação esta que será de competência do TJ.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade da Defensoria Pública

A Defensoria Pública pode propor ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

É constitucional a Lei nº 11.448/2007, que alterou a Lei 7.347/85, prevendo a Defensoria Pública como um dos legitimados para propor ação civil pública.

STF. Plenário. ADI 3943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6 e 7/5/2015 (Info 784).

DEFENSORIA PÚBLICA E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Defensoria Pública pode ajuizar ação civil pública? SIM. Trata-se, inclusive, de previsão expressa da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: II — a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448/2007).

A inclusão da Defensoria no rol de legitimados para ajuizar ACP foi determinada pela Lei nº 11.448/2007. Antes da Lei nº 11.448/2007, a Defensoria tinha legitimidade para propor ACP? SIM, considerando que o art. 5º, da LACP e o art. 82, II, do CDC já previam que a ACP poderia ser proposta pela União e pelos Estados. Logo, como a DPU é um órgão da União e a DPE é um órgão do Estado, a jurisprudência majoritária entendia que as Defensorias já possuíam legitimidade para a ACP mesmo antes

da Lei n. 11.448/2007. Confira um precedente do STJ neste sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES. A Turma, por maioria, entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no art. 82, III, do CDC. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.

A alteração promovida pela Lei nº 11.448/2007 foi, no entanto, muito importante porque reforçou ainda mais essa legitimidade:

(...) 2. Este Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. (...) STJ. 1ª Turma. REsp 912849/RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/02/2008.

ADI 3943 proposta pela CONAMP Nem todos, no entanto, ficaram satisfeitos com a importante novidade legislativa. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizou Ação Direta de

Inconstitucionalidade contestando a constitucionalidade da Lei n. 11.448/2007, que acrescentou no art.

5º da Lei n. 7347/85 o inciso que legitima a Defensoria Pública a propor ACP. A CONAMP alegou que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ACP “afeta diretamente” as atribuições do Ministério Público.

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Para a entidade, a inclusão da Defensoria Pública afrontaria também os arts. 5º, LXXIV e 134, caput, da CF/88, considerando que a função constitucional da instituição seria a de prestar assistência jurídica integral e gratuita apenas aos hipossuficientes e, no bojo de uma ACP, não teria como ter certeza se a ação estaria beneficiando apenas pessoas carentes ou também indivíduos economicamente ricos. Assim, a CONAMP pediu que esta inclusão fosse declarada inconstitucional ou, então, que o STF dissesse que a Defensoria Pública não pode ajuizar ACP em matéria de direitos difusos ou coletivos. Segundo a tese da autora, a Defensoria, se pudesse propor ACP, somente poderia fazê-lo quanto a direitos individuais homogêneos e desde que ficasse individualizada e identificada a presença de pessoas economicamente hipossuficientes. Segundo a autora, a Defensoria Pública foi criada para atender, gratuitamente, aqueles que possuem recursos insuficientes para se defender judicialmente ou que precisam de orientação jurídica, de modo que seria impossível a sua atuação na defesa de interesses difusos e coletivos em razão da dificuldade de identificar quem é carente. No seu entendimento, os atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis, para que se saiba se a pessoa atendida pela Instituição não possui recursos suficientes para o ingresso em juízo. O STF concordou com os argumentos da ADI proposta? É inconstitucional a previsão de que a Defensoria Pública pode ajuizar ACP na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos? NÃO. Não há qualquer inconstitucionalidade na previsão da Lei nº 11.448/2007. Ao contrário, essa lei já era compatível com o texto originário da CF/88 e isso ficou ainda mais claro quando o Congresso Nacional aprovou a EC 80/2014, que alterou a redação do art. 134 da CF/88 prevendo expressamente que a Defensoria Pública tem legitimidade para a defesa de direitos individuais e coletivos (em sentido amplo). Veja:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014)

Desse modo, seja antes da EC 80/2014 e com maior razão depois, a Defensoria Pública possui sim legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Segundo pontuou a Ministra Cármen Lúcia, em um país como o nosso, marcado por graves desigualdades sociais e pela elevada concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Somente se conseguirá promover políticas públicas para reduzir ou suprimir essas enormes diferenças se forem oferecidos instrumentos que atendam com eficiência às necessidades dos cidadãos na defesa de seus direitos. Nesse sentido, destaca-se a ação civil pública. Dessa feita, não interessa à sociedade restringir o acesso à justiça dos hipossuficientes. A interpretação sugerida pela CONAMP restringe, sem fundamento jurídico, a possibilidade de utilização da ação civil pública, que é instrumento capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais de pobres e ricos a partir de iniciativa processual da Defensoria Pública. Exigir que a Defensoria Pública, antes de ajuizar a ACP, comprove a pobreza do público-alvo não é condizente com os princípios e regras norteadores dessa instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da CF/88. Vale ressaltar que no momento da liquidação e execução de eventual decisão favorável na ação coletiva, a Defensoria Pública irá fazer a assistência jurídica apenas dos hipossuficientes. Nesta fase é que a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente.

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Além disso, deve-se lembrar que a CF/88 não assegura ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para o ajuizamento de ação civil pública. Em outras palavras, a Constituição em nenhum momento disse que só o MP pode propor ACP. Ao contrário, o § 1º do art. 129 da CF/88 afirma que a legitimação do Ministério Público para as ações civis não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. Em suma:

É constitucional a Lei nº 11.448/2007, que alterou a Lei n. 7.347/85, prevendo a Defensoria Pública como um dos legitimados para propor ação civil pública. Vale ressaltar que, segundo o STF, a Defensoria Pública pode propor ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. STF. Plenário. ADI 3943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6 e 7/5/2015 (Info 784). APROFUNDANDO: Vou agora aprofundar um pouco mais o tema, tratando de alguns tópicos mais polêmicos e que ainda podem suscitar divergências. A legitimidade da Defensoria para a ACP é irrestrita, ou seja, a instituição pode propor ACP em todo e qualquer caso? Apesar de não ser um tema ainda pacífico, a resposta que prevalece é que NÃO. Assim, a Defensoria Pública, ao ajuizar uma ACP, deverá provar que os interesses discutidos na ação têm pertinência com as suas finalidades institucionais. Por que se diz que a legitimidade da Defensoria não é irrestrita? Porque a legitimidade de nenhum dos legitimados do art. 5º é irrestrita, nem mesmo do Ministério Público. O STJ já decidiu, por exemplo, que “o Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (REsp 1109335/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2011). Qual é enfim o parâmetro para a legitimidade da Defensoria na ACP? A doutrina majoritária tem defendido que a Defensoria só tem adequada representação se estiver defendendo interesses relacionados com seus objetivos institucionais e que se encontram previstos no art. 134 da CF. Em outras palavras, a Defensoria Pública somente poderia propor uma ACP se os direitos nela veiculados, de algum modo, estiverem relacionados à proteção dos interesses dos hipossuficientes (“necessitados”, ou seja, indivíduos com “insuficiência de recursos”). Esse foi o entendimento sustentado pela 4ª Turma do STJ no REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014. Segundo a posição tranquila no STJ, a Defensoria Pública só tem legitimidade ativa para ações coletivas se elas estiverem relacionadas com as funções institucionais conferidas pela CF/88, ou seja, se tiverem por objetivo beneficiar os necessitados que não tiverem suficiência de recursos (CF/88, art. 5º, LXXIV).

A própria Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar n. 80/94) nos faz concluir dessa forma:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela LC 132/2009). VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e

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dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela LC 132/2009). X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela LC 132/2009). XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela LC 132/2009).

No julgamento da ADI 3943, acima explicada, diversos Ministros manifestaram esse mesmo entendimento. A Min. Cármen Lúcia, em determinado trecho de seu voto, afirmou: “Não se está a afirmar a desnecessidade de a Defensoria Pública observar o preceito do art. 5º, LXXIV, da CF, reiterado no art. 134 — antes e depois da EC 80/2014. No exercício de sua atribuição constitucional, é necessário averiguar a compatibilidade dos interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis beneficiários de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública.” O Min. Roberto Barroso corroborou essa conclusão e afirmou que o fato de se estabelecer que a Defensoria Pública tem legitimidade, em tese, para ações civis públicas não exclui a possibilidade de, em um eventual caso concreto, não se reconhecer a legitimidade da Instituição. Em tom descontraído, o Ministro afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, por exemplo, no caso concreto, para uma ação civil pública na defesa dos sócios do “Yatch Club”. E dando outro exemplo extremo, afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, no caso concreto, para ajuizar uma ação civil pública em favor dos clientes “Personnalité” do Banco Itaú. O Min. Teori Zavascki segue na mesma linha e afirma que existe uma condição implícita na legitimidade da Defensoria Pública para ações civis públicas que é o fato de ela ter que defender interesses de pessoas hipossuficientes, sendo esta uma condição imposta pelo art. 134 da CF/88. A Min. Rosa Weber também deixou claro que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações civis públicas, mas que o juízo poderá aferir, no caso concreto, sua adequada representação. Atenção. Não confunda: não se está dizendo que a Defensoria Pública só pode propor ACP se os direitos discutidos envolverem apenas pessoas “pobres”. Essa era a tese da CONAMP, que foi rechaçada pelo STF. O que estou afirmando é que, para a Defensoria Pública ajuizar a ACP aquele interesse discutido na lide tem que, de algum modo, favorecer seu público-alvo (hipossuficientes), ainda que beneficie outras pessoas também. Análise da legitimidade da Defensoria Pública segundo a natureza do direito tutelado:

Direitos DIFUSOS

Direitos COLETIVOS

Direitos INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

A legitimidade da Defensoria Pública é ampla. Assim, a DP poderá propor a ação coletiva tutelando direitos difusos, considerando que isso beneficiará também as pessoas necessitadas.

No caso de ACP para a tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos, a legitimidade da DP é mais restrita e, para que seja possível o ajuizamento, é indispensável que, dentre os beneficiados com a decisão, também haja pessoas necessitadas.

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Se o interesse defendido beneficiar pessoas economicamente abastadas e também hipossuficientes, a Defensoria terá legitimidade para a ACP? SIM, considerando que, no processo coletivo, vigoram os princípios do máximo benefício, da máxima efetividade e da máxima amplitude. Dessa feita, podendo haver hipossuficientes beneficiados pelo resultado da demanda deve-se admitir a legitimidade da Defensoria Pública. É o caso, por exemplo, de consumidores de energia elétrica, que tanto podem abranger pessoas com alto poder aquisitivo como hipossuficientes:

LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA. A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil coletiva em benefício dos consumidores de energia elétrica, conforme dispõe o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985, com redação dada pela Lei nº 11.448/2007. (...) REsp 912.849-RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/2/2008 (Info 346).

Exemplo em que o STJ reconheceu não haver legitimidade, no caso concreto, para a Defensoria Pública propor ACP: Segundo decidiu o STJ, a Defensoria Pública não tem legitimidade para ajuizar ACP em favor de consumidores de plano de saúde particular. Para a Corte, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de um consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, presume-se em condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo que se falar em hipossuficiência. Assim, o grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil. STJ. 4ª Turma. REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014 (Info 541).

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

CRIME DE DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM) Período de graça e configuração do crime de deserção

Eventual equívoco na lavratura do Termo de Deserção apenas tem o condão de afastar a tipicidade da conduta quando, a partir dele, as forças armadas excluírem o militar durante o período de graça.

A literalidade do art. 452 do CPPM deixa claro que o Termo de Deserção tem o caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal, não significando prova definitiva, que será formada durante a instrução, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

STF. 2ª Turma. HC 126520/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 5/5/2015 (Info 784).

Crime de deserção O Código Penal militar prevê o crime de deserção em seu art. 187:

Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.

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Desse modo, o crime só se consuma quando completar o 9º dia de ausência do militar. Esse prazo de 8 dias é chamado pela doutrina de “período de graça”, ou seja, um tempo em que se o militar retornar, não terá cometido crime. Imagine agora a seguinte situação adaptada: João, militar do Exército, não compareceu à formatura matinal do dia 21/06. Logo, o período de graça começou a correr à zero hora do dia seguinte (22/06), nos termos do art. 451, § 1º do CPPM:

Art. 451 (...) § 1º A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á a zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar.

O período de graça terminará, por sua vez, à zero hora do dia 30/06. Nesta data (30/06), haverá a consumação do crime.

Em nosso exemplo, tão logo completou o dia 30/06, o oficial lavrou um termo declarando que João havia desertado (termo de deserção), conforme previsto no art. 451 do CPPM:

Art. 451. Consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo, imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura.

No caso concreto, a defesa questionava a lavratura do termo de deserção, afirmando que ele teria sido lavrado antes do prazo, o que não aconteceu na realidade, já que o último dia do período de graça foi 29/06 e o termo lavrado em 30/06. O que aconteceria se o termo de deserção tivesse sido lavrado antes do prazo, ou seja, durante o período de graça? Neste caso, o crime de deserção não teria se consumado. Haveria um fato atípico porque se a autoridade lavrou o termo de deserção antes do final do prazo de graça, o acusado deixou de ser militar neste instante e não haveria motivo para ele retornar ao serviço. Logo, antes de se completar os 8 dias, a autoridade acabou “desobrigando” o ex-militar a voltar ao “quartel”. Antes de consumar o delito de deserção, o acusado deixou de ter a obrigação de retornar ao serviço. Há precedentes do STF nesse sentido:

(...) O crime de deserção é próprio e, por isso, somente pode ser praticado por militar. A sua consumação opera com a ausência injustificada por mais de oito dias (art. 187 do CPM). 2. A lavratura antecipada e equivocada do termo de deserção acarreta a perda da condição de militar, antes de findar o oitavo dia de ausência, passando a ostentar o Paciente a condição de civil, situação impeditiva da consumação da figura delitiva, ressaltando-se que a retificação do termo de deserção não pode produzir efeitos pretéritos prejudiciais ao administrado. 3. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, restabelecida a decisão do Juízo da Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar. STF. 2ª Turma. HC 121190, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 01/04/2014.

O entendimento do STF é baseado na lição da doutrina: “o ato de exclusão do militar interrompe o prazo de graça e o crime não se consuma porque seu agente tornou-se civil” (ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar: comentários, doutrina, jurisprudência dos tribunais militares e tribunais superiores e jurisprudência em tempo de guerra. 8ª ed., Curitiba: Juruá, 2014, p. 567).

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Outra alegação da defesa foi a de que o termo de deserção tinha vícios formais e que isso inviabilizaria a condenação do réu. Esse argumento foi aceito? NÃO. Eventual irregularidade do termo de deserção apenas tem o condão de afastar a tipicidade da conduta quando, a partir dele, as Forças Armadas excluírem o militar durante o período de graça. Em outras palavras, o vício que poderia levar à atipicidade da conduta seria a lavratura antecipada do termo, o que, no caso concreto, não aconteceu. Logo, não há que se falar em atipicidade. Além disso, o termo de deserção não é prova única e definitiva. O art. 452 do CPPM deixa claro que o termo de deserção “tem o caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal”, não significando “prova definitiva, que será formada durante a instrução, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Militar Comentado. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 484). Assim, cabia ao juízo natural da causa penal, com observância ao princípio do contraditório, colher as provas e examinar se existiam elementos suficientes para condenar o réu além do termo de deserção. No caso concreto, o juiz militar entendeu que havia provas suficientes de que o acusado praticou a deserção.

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

EXECUÇÃO DE SENTENÇA NORMATIVA Execução de sentença normativa e ofensa à coisa julgada

Não ofende a coisa julgada decisão extintiva de ação de cumprimento de sentença normativa, na hipótese em que o dissídio coletivo tiver sido extinto sem julgamento de mérito.

A extinção da sentença proferida em ação de cumprimento, quando decorrente da perda da eficácia da sentença normativa que a ensejou, não implica violação da coisa julgada. Essa modalidade de ação é ajuizada visando ao cumprimento de cláusula de acordo coletivo.

STF. Plenário. RE 428154/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 7/5/2015 (Info 784).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: Houve um dissídio coletivo envolvendo o Sindicato dos Trabalhadores e a empresa, tendo, ao final, o TRT prolatado sentença normativa em favor do sindicato. A empresa recorreu da sentença normativa e o sindicato ajuizou ação de cumprimento na 1ª instância (1ª Vara do Trabalho). Isso foi possível porque o ordenamento jurídico processual trabalhista permite a propositura de ação de cumprimento antes do trânsito em julgado do dissídio coletivo. Ocorre que uma peculiaridade acabou gerando um impasse. Veja: A ação de cumprimento ajuizada na 1ª instância (1ª Vara do Trabalho) transitou em julgado e entrou na fase de execução. No entanto, no julgamento do recurso ordinário interposto pela empresa no dissídio coletivo, o TST concordou com os argumentos da recorrente e extinguiu o feito sem resolução do mérito. Em outras palavras, o TST extinguiu a sentença do dissídio coletivo. A empresa informou isso ao juízo da 1ª Vara do Trabalho que, por conta deste fato, extinguiu a ação de cumprimento (que já havia transitado em julgado e estava em fase de execução!).

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O sindicato não concordou e recorreu contra esta decisão do juiz, inicialmente, para o TRT (que manteve a sentença extintiva do magistrado) e depois para o TST (que também concordou com a extinção da execução da sentença de cumprimento). O sindicato não desistiu e, contra a decisão do TST, interpôs recurso extraordinário ao STF alegando que a execução da sentença da ação de cumprimento não poderia ter sido extinta pelo juiz porque a sentença de cumprimento já havia transitado em julgado. O STF concordou com o argumento do sindicato? NÃO. O STF entendeu que foi correta a decisão. Isso porque a execução instaurada com base em título exequendo que foi posteriormente excluído do mundo jurídico pela extinção do dissídio coletivo em sede recursal deve ser também extinta. Para o Min. Luís Roberto Barroso, as duas ações estão atreladas, e a possibilidade de propositura de ação de cumprimento antes do trânsito em julgado do dissídio coletivo tem um caráter condicional, sujeito à confirmação da sentença normativa. Diante disso, a extinção da sentença normativa acarreta, logicamente, a extinção da execução que tinha por fundamento (título executivo) a sentença que foi excluída do mundo jurídico. O STF possui jurisprudência consolidada neste sentido:

(...) A ação de cumprimento destina-se a assegurar a realização em concreto das regras fixadas na sentença normativa. Esta possui natureza singular e excepcional, projetando no mundo jurídico normas de caráter genérico e abstrato, por meio de ato jurisdicional praticado na solução de conflito coletivo de trabalho submetido à deliberação do Poder Judiciário, sujeito, dessa forma, a recurso e posterior alteração. 2. A superveniente extinção definitiva do processo de dissídio coletivo implica o total esvaziamento da coisa julgada formada na ação de cumprimento, que, assim, perde seu poder impositivo em relação à parte vencida. Afastada a eficácia da sentença normativa que constituía o elemento essencial da res judicata, não tem mais sentido prosseguir na execução. 3. A imutabilidade material da sentença normativa é relativa, ostentando idêntica natureza a decisão proferida na ação destinada a garantir o seu cumprimento. Extinta a primeira por decisão transitada em julgado, igual sorte atinge a segunda, se ainda não ultimada sua execução, sem que haja violação à coisa julgada formada na fase de conhecimento da ação de cumprimento. Recurso extraordinário não conhecido por ausência de violação ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal. STF. 2ª Turma. RE 331099, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 20/05/2003.

No mesmo caminho, mais recentemente: RE 394051 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/03/2014.

OUTRAS INFORMAÇÕES

C L I P P I N G D O D JE 4 a 8 de maio de 2015

ADI N. 3.477-RS

RED P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PREVIDENCIÁRIO. LEI Nº 8.633/2005 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INCIDENTE SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÕES. DISPENSA NA REFORMA DA CARTA ESTADUAL PARA INSTITUIÇÃO DA EXAÇÃO EM TELA, A QUAL PODE PERFEITAMENTE SER CRIADA PELA LEI ESTADUAL. A CRFB/88, EM SEU ARTIGO 40, COM REDAÇÃO CONFERIDA

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PELA EC Nº 41/2003, ESTABELECE REGRA GERAL A SER OBSERVADA PELOS ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL. PARÁGRAFO 1º DO ART. 149 DA CRFB/88. IMPOSIÇÃO AOS ESTADOS DE OBRIGATORIEDADE DE INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA CUSTEIO DO REGIME PREVIDENCIÁRIO DE SEUS SERVIDORES. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 3º DA LEI HOSTILIZADA. INTERPRETAÇÃO À LUZ DO PARÁGRAFO 21 DO ART. 40 DA CRFB/88, SEGUNDO A TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

*noticiado no Informativo 776

HC N. 103.310-SP

RED P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES

EMENTA: Habeas corpus. 2. Emendatio libelli (art. 383, CPP) em segunda instância mediante recurso exclusivo da defesa. Possibilidade, contanto que não gere reformatio in pejus, nos termos do art. 617, CPP. A pena fixada não é o único efeito que baliza a condenação, devendo ser consideradas outras circunstâncias para verificação de existência de reformatio in pejus. 3. O redimensionamento da pena-base pelo Tribunal de Apelação em patamar para além daquele fixado no Juízo originário, embora reduza a reprimenda total em apelação exclusiva da defesa, reconhecendo vetoriais desfavoráveis não veiculadas na sentença (art. 59, CP), gera reformatio in pejus. 4. Ordem concedida. *noticiado no Informativo 776

Acórdãos Publicados: 371

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Vereador - Discurso na Tribuna da Câmara Municipal - Imunidade Parlamentar Material - Inviolabilidade Penal e Civil (Transcrições)

(v. Informativo 775)

RE 600.063/SP*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

VOTO: Peço vênia ao eminente Ministro MARCO AURÉLIO para conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário, pois entendo incidir, na espécie, em favor do ora recorrente, que é Vereador, a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, que se traduz na inviolabilidade a que alude o inciso VIII do art. 29 da Constituição da República.

Com efeito, reconheço que o discurso parlamentar que o ora recorrente proferiu da própria tribuna da Casa Legislativa local acha-se

abrangido pela cláusula constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, apta a exonerá-lo de qualquer responsabilidade

eventualmente resultante de tais declarações, eis que inafastável, na espécie, a constatação de que tais atos resultaram de contexto claramente vinculado ao exercício do ofício legislativo, tal como tem decidido o Supremo Tribunal Federal:

“‘HABEAS CORPUS’ – VEREADOR – CRIME CONTRA A HONRA – RECINTO DA CÂMARA MUNICIPAL – INVIOLABILIDADE (CF, ART. 29, VIII,

COM A RENUMERAÇÃO DADA PELA EC Nº 1/92) – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – PEDIDO DEFERIDO.

ESTATUTO POLÍTICO-JURÍDICO DOS VEREADORES E INVIOLABILIDADE PENAL. – A Constituição da República, ao dispor sobre o estatuto político-jurídico dos Vereadores, atribuiu-lhes a prerrogativa da imunidade

parlamentar em sentido material, assegurando a esses legisladores locais a garantia indisponível da inviolabilidade, ‘por suas opiniões,

palavras e votos, no exercício do mandato e na circunscrição do Município’ (CF, art. 29, VIII). Essa garantia constitucional qualifica-se como condição e instrumento de independência do Poder Legislativo local, eis que projeta,

no plano do direito penal, um círculo de proteção destinado a tutelar a atuação institucional dos membros integrantes da Câmara Municipal.

A proteção constitucional inscrita no art. 29, VIII, da Carta Política estende-se – observados os limites da circunscrição territorial do Município – aos atos do Vereador praticados ‘ratione officii’, qualquer que tenha sido o local de sua manifestação (dentro ou fora do recinto

da Câmara Municipal).

…......................................................................................................

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA. – O Vereador, atuando no âmbito da circunscrição territorial do Município a que está vinculado, não pode ser indiciado em inquérito

policial nem submetido a processo penal por atos que, qualificando-se como delitos contra a honra (calúnia, difamação e injúria), tenham

sido por ele praticados no exercício de qualquer das funções inerentes ao mandato parlamentar: função de representação, função de

fiscalização e função de legislação. A eventual instauração de ‘persecutio criminis’ contra o Vereador, nas situações infracionais estritamente protegidas pela cláusula

constitucional de inviolabilidade, qualifica-se como ato de injusta constrição ao ‘status libertatis’ do legislador local, legitimando, em

conseqüência do que dispõe a Carta Política (CF, art. 29, VIII), a extinção, por ordem judicial, do próprio procedimento penal

persecutório.”

(HC 74.201/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não constitui demasia assinalar, considerada a própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no tema ora em exame, que

os discursos proferidos na tribuna das Casas legislativas (inclusive nas Câmaras Municipais) estão amparados, quer para fins penais, quer para efeitos civis (RE 210.917/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), pela cláusula da inviolabilidade, pois nada se reveste de caráter mais

intrinsecamente parlamentar do que os pronunciamentos feitos no âmbito do Poder Legislativo, a partir da própria tribuna do Parlamento, neste

compreendidas as próprias Câmaras de Vereadores (AI 631.276/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 140.867/MS, Red. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA – RE 278.086/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional (Inq

1.958/AC, Red. p/ o acórdão Min. AYRES BRITTO, Pleno), como resulta, de forma bastante clara, da expressiva lição ministrada por eminentes

doutrinadores (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 597, 12ª ed., 1996, Malheiros; PINTO FERREIRA,

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“Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/273, 1990, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 763, 11ª

ed., 1994, Saraiva; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 451/452, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros; JOSÉ NILO DE

CASTRO, “Direito Municipal Positivo”, p. 86, 2ª ed., 1992, Del Rey; DIOMAR ACKEL FILHO, “Município e Prática Municipal à Luz da

Constituição Federal de 1988”, p. 28, 1992, RT, v.g.), como faz certo ROSAH RUSSOMANO DE MENDONÇA LIMA (“O Poder Legislativo na

República”, p. 140/141, item n. 2, 1960, Freitas Bastos), cujo magistério é bastante preciso a respeito da matéria:

“Em conseqüência de tal determinação, o congressista usufrui de uma proteção ampla, integral, ininterrupta, sempre que atua no

exercício do mandato. Sua palavra é livre, desconhece peias e limitações. Vota pelo modo que lhe parecer mais digno e que melhor se coadune com os

reclamos de sua consciência. Emite opiniões desafogadamente, sem que o atormente o receio de haver incidido em algum crime de calúnia,

de injúria ou de difamação. …...................................................................................................

Há, pois, em verdade, uma ampla irresponsabilidade, que não tem outros limites, senão aqueles traçados pela Constituição.

Deste modo, se o congressista ocupar a tribuna, diga o que disser, profira as palavras que proferir, atinja a quem atingir, a

imunidade o resguarda. Acompanha-o nos instantes decisivos das votações. Segue-o durante o trabalho árduo das comissões e em todas as

tarefas parlamentares, dentro do edifício legislativo. Transpõe, mesmo, os limites do Congresso e permanece, intangível, a seu lado, quando

se trata do desempenho de atribuições pertinentes ao exercício do mandato.” (grifei)

Impõe-se reconhecer, ainda, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material também estende o seu manto protetor (1) às

entrevistas jornalísticas, (2) à transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas

(RTJ 172/400-401, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) e (3) às declarações feitas aos meios de comunicação social (RTJ 187/985, Rel. Min. NELSON

JOBIM), eis que – tal como bem realçado por ALBERTO ZACHARIAS TORON (“Inviolabilidade Penal dos Vereadores”, p. 247, 2004, Saraiva) – esta Suprema Corte tem reafirmado “(...) a importância do debate, pela mídia, das questões políticas protagonizadas pelos mandatários”, além de

haver enfatizado “a idéia de que as declarações à imprensa constituem o prolongamento natural do exercício das funções parlamentares, desde

que se relacionem com estas” (grifei). Vale destacar, neste ponto, por oportuno, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Inq 579/DF, Rel. Min. CÉLIO BORJA

(RTJ 141/406, 408), pôs em evidência, de modo bastante expressivo, no voto vencedor proferido pelo eminente Ministro PAULO BROSSARD, o

caráter absoluto da inviolabilidade constitucional que protege o parlamentar, quando expende suas opiniões da tribuna da Casa legislativa: ‘

“(...) para palavras ditas da tribuna da Câmara dos Deputados, Pontes de Miranda diz que não há possibilidade de infração da lei penal, porque a lei não chega até ela. O parlamentar fica sujeito à advertência ou à censura do Presidente dos trabalhos, mas falando na

Câmara, não ofende a lei penal.” (grifei)

Esse mesmo entendimento foi perfilhado pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO, quando do julgamento do RE 140.867/MS, Red. p/

o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, também decidido pelo Plenário desta Suprema Corte:

“(...) se a manifestação do Vereador é feita da tribuna da Câmara, a inviolabilidade é absoluta. Indaga-se se não haveria corretivo para os excessos praticados da tribuna. Há sim. Os excessos resolvem-se no âmbito da Câmara. Pode vir até a perder o mandato, por falta

de decoro e outras transgressões regimentais. Certo é que, se a manifestação ocorreu da tribuna, repito, a inviolabilidade é absoluta.”

(grifei)

Essa orientação jurisprudencial foi expressamente consagrada em julgamento emanado do Plenário do Supremo Tribunal Federal, cujo

acórdão está assim ementado:

“INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA,

COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS

CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO.

A palavra ‘inviolabilidade’ significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou

contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra,

prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguirem as situações em que as supostas ofensas são

proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada ‘conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar’ (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das

Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da

inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.

No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado,

as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.

Denúncia rejeitada.”

(Inq 1.958/AC, Red. p/ o acórdão Min. AYRES BRITTO, Pleno – grifei)

Cabe enfatizar, por relevante, que a jurisprudência desta Suprema Corte firmou diretriz, nesse mesmo sentido, a propósito da extensão e abrangência da cláusula de inviolabilidade de Vereadores, fundada no art. 29, inciso VIII, da Constituição da República, e que foi bem definida

no julgamento do AI 818.693/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, assim ementado:

“VEREADOR. IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL: INVIOLABILIDADE (CF, art. 29, VIII). DISCURSO

PROFERIDO POR VEREADOR NA TRIBUNA DA CÂMARA MUNICIPAL À QUAL SE ACHA VINCULADO. IMPOSSIBILIDADE DE

RESPONSABILIZAÇÃO PENAL (E CIVIL) DO MEMBRO DO PODER LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO. PRESSUPOSTOS DE

INCIDÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRÁTICA ‘IN OFFICIO’ E PRÁTICA ‘PROPTER

OFFICIUM’. RECURSO IMPROVIDO. – A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 29, VIII, c/c o art. 53, ‘caput’) exclui a

responsabilidade penal (e também civil) do membro do Poder Legislativo (Vereadores, Deputados e Senadores), por manifestações, orais ou

escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática ‘in officio’) ou externadas em razão deste (prática ‘propter officium’). – Tratando-se de Vereador, a inviolabilidade constitucional que o ampara no exercício da atividade legislativa estende-se às opiniões,

palavras e votos por ele proferidos, mesmo fora do recinto da própria Câmara Municipal, desde que nos estritos limites territoriais do

Município a que se acha funcionalmente vinculado. Precedentes. AI 631.276/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

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– Essa prerrogativa político-jurídica – que protege o parlamentar (como os Vereadores, p. ex.) em tema de responsabilidade penal -

incide, de maneira ampla, nos casos em que as declarações contumeliosas tenham sido proferidas no recinto da Casa legislativa,

notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. Doutrina. Precedentes.”

Impõe-se registrar, finalmente, a seguinte observação: se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso de tal prerrogativa, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence, tal como

assinala a doutrina (RAUL MACHADO HORTA, “Direito Constitucional”, p. 562, item n. 3, 5ª ed., atualizada por Juliana Campos Horta, 2010,

Del Rey; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. II/49, item n. 297, 5ª ed., 1954, Freitas Bastos, v.g.) e acentua, com particular ênfase, a jurisprudência constitucional firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 140.867/MS, Red. p/ o acórdão

Min. MAURÍCIO CORRÊA – Inq 1.958/AC, Red. p/ o acórdão Min. AYRES BRITTO).

Concluindo: a análise dos elementos constantes destes autos permite-me reconhecer que o comportamento do ora recorrente – que era, então, à época dos fatos, Vereador – subsume-se, inteiramente, ao âmbito da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade

parlamentar material, em ordem a excluir, na espécie, a responsabilidade penal do parlamentar municipal em referência, eis que incidente, no

caso, a cláusula de inviolabilidade inscrita no art. 29, inciso VIII, da Constituição da República, considerada a circunstância de que o questionado discurso parlamentar foi proferido no exercício do mandato legislativo, no próprio recinto da Câmara de Vereadores e “na circunscrição do

Município”.

Por tais razões, e acompanhando o dissenso, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário.

É o meu voto.

*acórdão publicado no DJe de 15.5.2015

OUTRAS INFORMAÇÕES 4 a 8 de maio de 2015

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Prazo Processual - Prorrogação - Expediente Forense - Atendimento ao público - Secretaria Portaria nº 98, de 5.52015 - Comunica que fica suspenso o expediente da Secretaria do Tribunal no dia 4.6.2015

(quinta-feira) e que os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesse dia ficam automaticamente

prorrogados para o dia 5 subsequente (sexta-feira). Publicada no DJE, n. 84, p. 245, em 7.5.2015.

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

[email protected]