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Informativo 598-STJ (29/03/2017) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIÇOS PÚBLICOS É válida a interrupção do serviço público por razões de ordem técnica se houve prévio aviso por meio da rádio. SERVIDORES PÚBLICOS Não se aplica a teoria do fato consumado para remoção realizada fora das hipóteses legais. URV e 11,98%. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Competência para instaurar e julgar PAD relacionado com servidor cedido. DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL Agressões físicas ou verbais praticadas por adulto contra criança geram dano moral in re ipsa. CONTRATO DE SEGURO Não é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O caso o segurado tenha praticado insider trading. DPVAT Sucessores do falecido podem cobrar a indenização DPVAT por invalidez permanente que a vítima deveria ter recebido quando estava viva. DIVÓRCIO Ex-cônjuge que está utilizando o bem comum de forma exclusiva poderá ser condenado a indenizar o outro mesmo que ainda não tenha havido partilha. DIREITO DO CONSUMIDOR VÍCIO DO PRODUTO É válida a prática de loja que permite a troca direta do produto viciado se feita em até 3 dias da compra. DIREITO EMPRESARIAL RECUPERAÇÃO JUDICIAL O juízo da recuperação judicial é o competente para decidir sobre os bens da empresa devedora mesmo que tramite em outro juízo execução cobrando crédito decorrente de relação de consumo. DIREITO PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS PERICIAIS Mesmo que o dispositivo da sentença mencione apenas a condenação em custas processuais é possível incluir a cobrança dos honorários periciais.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIÇOS PÚBLICOS É válida a interrupção do serviço público por razões de ordem técnica se houve prévio aviso por meio da rádio. SERVIDORES PÚBLICOS Não se aplica a teoria do fato consumado para remoção realizada fora das hipóteses legais. URV e 11,98%. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Competência para instaurar e julgar PAD relacionado com servidor cedido.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Agressões físicas ou verbais praticadas por adulto contra criança geram dano moral in re ipsa. CONTRATO DE SEGURO Não é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O caso o segurado tenha praticado insider

trading. DPVAT Sucessores do falecido podem cobrar a indenização DPVAT por invalidez permanente que a vítima deveria ter

recebido quando estava viva. DIVÓRCIO Ex-cônjuge que está utilizando o bem comum de forma exclusiva poderá ser condenado a indenizar o outro

mesmo que ainda não tenha havido partilha.

DIREITO DO CONSUMIDOR

VÍCIO DO PRODUTO É válida a prática de loja que permite a troca direta do produto viciado se feita em até 3 dias da compra.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O juízo da recuperação judicial é o competente para decidir sobre os bens da empresa devedora mesmo que

tramite em outro juízo execução cobrando crédito decorrente de relação de consumo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS PERICIAIS Mesmo que o dispositivo da sentença mencione apenas a condenação em custas processuais é possível incluir a

cobrança dos honorários periciais.

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DIREITO PENAL

EXTORSÃO A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita pelo agente de causar um "mal espiritual" na vítima.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Pagamento da multa tributária não extingue a punibilidade do crime previsto no art. 1º, V, da Lei 8.137/90.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SOLDADOS DA BORRACHA Antes da Lei nº 9.711/98 bastava a justificação para comprovar o exercício da atividade de seringueiro, não sendo

necessário início de prova material. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Incide contribuição do PSS sobre a correção monetária dos valores remuneratórios atrasados recebidos pelo

servidor público por força de decisão judicial.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIÇOS PÚBLICOS É válida a interrupção do serviço público por razões de ordem técnica

se houve prévio aviso por meio de rádio

Em regra, o serviço público deverá ser prestado de forma contínua, ou seja, sem interrupções (princípio da continuidade do serviço público).

Excepcionalmente, será possível a interrupção do serviço público nas seguintes hipóteses previstas no art. 6º, § 3º da Lei n.º 8.987/95:

a) Em caso de emergência (mesmo sem aviso prévio);

b) Por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que o usuário seja previamente avisado;

c) Por causa de inadimplemento do usuário, desde que ele seja previamente avisado.

Se a concessionária de energia elétrica divulga, por meio de aviso nas emissoras de rádio do Município, que haverá, daqui a alguns dias, a interrupção do fornecimento de energia elétrica por algumas horas em virtude de razões de ordem técnica, este aviso atende a exigência da Lei nº 8.987/95?

SIM. A divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.270.339-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 15/12/2016 (Info 598).

Princípio da continuidade dos serviços públicos Os serviços públicos são considerados essenciais ou necessários à coletividade. Por essa razão, eles não devem ser interrompidos. A isso chamamos de princípio da continuidade dos serviços públicos. Lei nº 8.987/95 A Lei nº 8.987/95 dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Em seu art. 6º, essa Lei afirma que a concessão ou permissão deverá ser feita com a prestação de um serviço adequado.

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Serviço adequado é aquele prestado com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6º, § 1º). Assim, para que o serviço público seja considerado adequado, ele não poderá ter interrupções. Deverá ser prestado com continuidade. Exceções em que será possível a interrupção do serviço público A própria Lei nº 8.987/95 prevê, contudo, situações excepcionais em que poderá haver a interrupção dos serviço público (art. 6º, § 3º). Assim, em regra, o serviço público deverá ser prestado de forma contínua. Excepcionalmente, será possível a interrupção do serviço público nas seguintes hipóteses (Lei n.º 8.987/95): a) Em caso de emergência (mesmo sem aviso prévio); b) Por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que o usuário seja previamente avisado. c) Por causa de inadimplemento do usuário, desde que seja previamente avisado. Veja a redação do art. 6º, § 3º:

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Feitos estes esclarecimentos, imagine agora a seguinte situação adaptada: A empresa concessionária de energia elétrica comunicou, por meio de aviso divulgado em três rádios do Município, que haveria, dentro de alguns dias, a interrupção do fornecimento de energia elétrica por algumas horas em virtude de razões de ordem técnica. Determinado consumidor não ouviu o comunicado e sentiu-se prejudicado em virtude da interrupção, motivo pelo qual ingressou com ação de indenização contra a concessionária. O juiz julgou procedente o pedido argumentando que a concessionária não cumpriu seu dever legal de prévio aviso previsto no art. 6º, § 3º da Lei nº 8.987/95. Segundo o magistrado, a divulgação por meio de estação de rádio não é garantia de que todos os consumidores tenham tomado ciência do desligamento, visto que nem todos escutam frequentemente o aparelho ou estavam ouvindo no momento da divulgação. Agiu corretamente o juiz? NÃO.

A divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95. STJ. 1ª Turma. REsp 1.270.339-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 15/12/2016 (Info 598).

Segundo entendeu o STJ, a Lei nº 8.987/95 não explicita a forma como deva ocorrer o aviso de interrupção do fornecimento do serviço, razão pela qual a divulgação em emissoras de rádio com cobertura no Município dias antes da suspensão satisfaz a exigência prevista na lei. O rádio é um dos meios mais populares e o de maior alcance público, e por estas razões há que se reconhecer a ocorrência de aviso prévio válido e apto a produzir efeitos. Em sendo assim, não houve descumprimento legal por parte da concessionária. Assim, considerando que a concessionária atendeu o requisito legal de avisar previamente os consumidores do desligamento temporário da energia elétrica, por motivo de ordem técnica, não há motivo para condená-la a pagar indenização por danos morais.

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SERVIDORES PÚBLICOS Não se aplica a teoria do fato consumado para remoção realizada fora das hipóteses legais

Atenção! Advocacia Pública

A “teoria do fato consumado" não pode ser aplicada para consolidar remoção de servidor público destinada a acompanhamento de cônjuge, em hipótese que não se adequa à legalidade estrita, ainda que tal situação haja perdurado por vários anos em virtude de decisão liminar não confirmada por ocasião do julgamento de mérito.

Em outras palavras, se a pessoa consegue uma decisão provisória garantindo a ela a remoção e, posteriormente, esta decisão é revogada, esta remoção terá que ser desfeita mesmo que já tenha se passado muitos anos.

Não se aplica a "Teoria do Fato Consumado" em relação a atos praticados sob contestação das pessoas envolvidas, que o reputam irregular e manifestam a existência da irregularidade nas vias adequadas, ainda que, pela demora no transcurso do procedimento destinado à apuração da legalidade do ato, este gere efeitos no mundo concreto.

Verificada ou confirmada a ilegalidade, o ato deve ser desfeito, preservando-se apenas aquilo que, pela consolidação fática irreversível, não puder ser restituído ao status quo ante.

Se a Administração Pública, mesmo após a decisão liminar, continuou questionando no processo a legalidade da remoção do servidor/autor, não se pode aplicar a teoria do fato consumado, devendo o ato ser desfeito, salvo se tivesse havido uma consolidação fática irreversível (ou seja, se não fosse mais possível voltar ao "status quo ante").

STJ. Corte Especial. EREsp 1.157.628-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/12/2016 (Info 598).

REMOÇÃO Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede (art. 36 da Lei nº 8.112/90). Modalidades de remoção previstas na Lei nº 8.112/90:

Remoção ex officio: é aquela que ocorre por imposição da Administração Pública (art. 36, parágrafo único, I);

Remoção a pedido do próprio servidor: como o próprio nome indica, é aquela na qual o servidor requer sua mudança (art. 36, parágrafo único, II e III).

Veja a redação dos dispositivos legais:

Art. 36 (...) Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: I – de ofício, no interesse da Administração; II – a pedido, a critério da Administração; III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.

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Remoção para acompanhar cônjuge A Lei nº 8.112/90 prevê que o servidor público federal tem direito subjetivo de ser removido para acompanhar seu cônjuge/companheiro que tiver sido removido no interesse da Administração. Ex: João e Maria, casados entre si, são servidores públicos federais lotados em Recife. João é removido de ofício, no interesse da Administração, para Porto Velho (art. 36, parágrafo único, I da Lei nº 8.112/90). Logo, Maria tem direito de também ser removida para Porto Velho, acompanhando seu cônjuge. Essa regra está prevista no art. 36, parágrafo único, III, “a” da Lei nº 8.112/90:

Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: (...) III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;

Se o cônjuge do servidor público for aprovado em um concurso público e tiver que se mudar para tomar posse, este servidor terá direito à remoção prevista no art. 36, parágrafo único, III, "a", da Lei nº 8.112/90? Ex.: Eduardo e Mônica são casados e moram em Boa Vista. Eduardo é servidor público federal e Mônica estuda para concurso. Mônica é, então, aprovada para um cargo público federal e sua lotação inicial é Fortaleza. Eduardo terá direito de se remover para Fortaleza para acompanhar sua esposa? NÃO. De acordo com o art. 36, III, "a" da Lei nº 8.112/90, a remoção para acompanhamento de cônjuge exige prévio deslocamento de qualquer deles no interesse da Administração, inadmitindo-se qualquer outra forma de alteração de domicílio. O STJ considera que se a pessoa tem que alterar seu domicílio em virtude da aprovação em concurso público, isso ocorre no interesse próprio da pessoa (e não no interesse da Administração). Assim, não há direito subjetivo à remoção do art. 36, III, "a", da Lei nº 8.112/90, considerando que a pessoa estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso da residência do cônjuge. Veja precedente neste sentido:

(...) 2. Dispõe a Lei 8.112/80, em seu artigo 36, inciso III, alínea "a" que a remoção a pedido do servidor para acompanhamento de cônjuge ou companheiro, independentemente da existência de vaga, exige obrigatoriamente o cumprimento de requisito específico, qual seja, que o cônjuge seja servidor público, removido no interesse da Administração, não se admitindo qualquer outra forma de alteração de domicílio. 3. Da leitura dos autos, extrai-se que o pedido de remoção foi motivado pela aprovação de um dos recorrentes em concurso público para o cargo efetivo de Escrivão da Polícia Federal, tendo sido lotado em município diverso do domicílio do casal. 4. No caso, não se configurou aquele requisito - deslocamento no interesse da Administração, pois o cônjuge assumiu cargo em outra localidade de forma voluntária, objetivando satisfazer interesse próprio. Ou seja, o caso dos autos versa sobre assunção de forma originária em cargo público federal, após aprovação em concurso público, e não de remoção por obra da Administração. 5. Inevitável perceber, portanto, que os recorrentes não se enquadram entre as hipóteses taxativas do art. 36 da Lei 8.112/90. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1310531/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 06/11/2012.

Vamos voltar ao exemplo de Eduardo e Mônica: Como vimos, Mônica foi aprovada em um concurso público e lotada em Fortaleza. Eduardo pediu a remoção para a capital cearense a fim de acompanhar sua esposa, tendo isso sido negado pela Administração Pública. Eduardo não se conformou e ingressou com ação judicial. O juiz concedeu a tutela antecipada de urgência

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determinando a remoção do autor para Fortaleza. A Administração Pública cumpriu a decisão interlocutória e efetuou a remoção de Eduardo. Ocorre que, depois de 10 anos exercendo o cargo em Fortaleza, a ação foi julgada improcedente, com trânsito em julgado, tendo a Administração Pública determinado o seu retorno a Boa Vista. Diante disso, Eduardo impetrou mandado de segurança pedindo para que continue lotado em Fortaleza invocando a teoria do "fato consumado", uma vez que já exercia a função há muitos anos naquela localidade. O pedido de Eduardo será aceito pelo STJ? O STJ admite a aplicação da teoria do fato consumado para os casos de remoção determinada por decisão judicial posteriormente revogada? NÃO.

A “teoria do fato consumado" não pode ser aplicada para consolidar remoção de servidor público destinada a acompanhamento de cônjuge, em hipótese que não se adequa à legalidade estrita, ainda que tal situação haja perdurado por vários anos em virtude de decisão liminar não confirmada por ocasião do julgamento de mérito. STJ. Corte Especial. EREsp 1.157.628-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/12/2016 (Info 598).

O que é a Teoria do Fato Consumado? Segundo esta teoria, as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais (STJ. REsp 709.934/RJ). Assim, de acordo com essa posição, se uma decisão judicial autorizou determinada situação jurídica e, após muitos anos, constatou-se que tal solução não era acertada, ainda assim não deve ser desconstituída, para que não haja insegurança jurídica. "A teoria do fato consumado foi construída ao longo dos anos como um mecanismo de estabilização de atos ou decisões, em casos excepcionais, nos quais a restauração da estrita legalidade seria faticamente impossível ou, ainda que possível, causaria danos sociais de grande monta e irreparáveis, com malferimento do postulado da segurança jurídica." (Min. Raul Araújo). Em suma, seria uma espécie de convalidação da situação pelo decurso de longo prazo. Art. 54 da Lei nº 9.784/99 A teoria do fato consumado guarda íntima relação com a convalidação dos atos administrativos, atualmente regulada pelo art. 54 da Lei nº 9.784/99, que dispõe:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Influência do comportamento das partes na aplicação da teoria O comportamento das partes influencia na aplicação ou não da teoria do fato consumado. Veja: 1ª) Se o ato contrário à lei é praticado sem dolo e sem contestação de ninguém, vigorando por anos com aparência de legalidade: neste caso, o ato deverá ser preservado em homenagem à segurança jurídica. Protege-se, com isso, a boa-fé e o princípio da confiança legítima do administrado. 2ª) Se o ato praticado é questionado pela Administração Pública, que, desde o início defende que ele é irregular: neste caso não se deve aplicar a teoria do fato consumado, mesmo que tenha transcorrido muitos anos. Nessa segunda hipótese, verificada ou confirmada a ilegalidade, o ato deverá ser desfeito, salvo se tiver havido uma consolidação fática irreversível (ou seja, não é possível voltar ao "status quo ante").

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No exemplo dado, a Administração sempre apontou a ilegalidade no ato de lotação do servidor. Logo, o caso enquadra-se na segunda situação. Assim, nunca houve em relação à remoção do servidor concordância da Administração Pública, que se manteve em permanente resistência no plano processual. Tampouco houve consolidação de situação fática irreversível. Por outro lado, a remoção de servidor fora das hipóteses legais termina por desbalancear o quadro de lotação dos órgãos públicos, retirando da Administração a discricionariedade que a lei lhe outorgou na distribuição de sua força de trabalho, segundo as reais necessidades do serviço público. Em casos análogos, o STF tem rejeitado a aplicação da teoria do fato consumado:

(...) 1. Lotação inicial em desacordo com as regras do edital. Inexistência de contrariedade ao art. 226 da Constituição da República. Precedentes. 2. Inaplicabilidade da teoria do fato consumado. (...) STF. 2ª Turma. RE 587934 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 12/03/2013.

A teoria do fato consumado não se presta, assim, para mitigar a interpretação do art. 36, III, "a", da Lei 8.112/90, assegurando ao servidor lotação para acompanhamento de cônjuge fora da estrita moldura normativa. Não se deve perder de vista que a teoria do fato consumado é de aplicação excepcional, e deve ser adotada com cuidado e moderação, para que não sirva de mecanismo para premiar quem não tem direito, pelo só fato da demora no julgamento definitivo da causa em que fora deferida uma decisão liminar, cuja duração deve ser provisória por natureza.

SERVIDORES PÚBLICOS URV e 11,98%

O término da incorporação dos 11,98%, ou do índice obtido em cada caso, oriundo das perdas salariais resultantes da conversão de cruzeiro real em URV, na remuneração do servidor, deve ocorrer no momento em que a carreira passa por uma restruturação remuneratória.

STJ. 3ª Seção. EREsp 900.311-RN, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/2/2017 (Info 598).

URV Antes da moeda que atualmente utilizamos, o "real", a moeda no Brasil era o "cruzeiro real". A Lei nº 8.880/94 (fruto da conversão da MP 482/2004) foi que instituiu o Plano real. No entanto, antes de concretizar a troca da moeda do Brasil para o "real", esta Lei previu que iria vigorar, durante certo tempo, a chamada URV (Unidade Real de Valor). Assim, todos os dias o Banco Central dizia o seguinte: 1 URV vale XX cruzeiros reais. Isso perdurou até que o "real" começou a ser emitido, substituindo tanto o cruzeiro real como a URV. Conversão da remuneração dos servidores de cruzeiro real para URV No momento em que a remuneração dos servidores foi transformada de cruzeiro real para URV, houve um erro de cálculo que fez com que milhares de servidores fossem prejudicados e tivessem um decréscimo de 11,98% em seus rendimentos. Isso aconteceu porque a conversão ocorreu adotando-se a URV do último dia do mês, enquanto o pagamento dos servidores ocorria por volta do dia 05, fechando-se a folha de pagamento até o dia 20 de cada mês. Em decorrência disso, utilizou-se um divisor maior para se processar a conversão, provocando uma redução salarial, em grande parte dos casos, de 11.98% Vale ressaltar que, apesar da maioria ter tido prejuízo de 11,98%, esse índice (percentual) era diferente em caso de alguns outros servidores públicos. Diante deste cenário, milhares de servidores ingressaram com ações judiciais e conseguiram incorporar

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em seus vencimentos o acréscimo de 11,98% (ou de outro índice obtido em cada caso concreto). Tais ações tiveram sucesso e os servidores passaram a receber, todos os meses, 11,98% a mais em sua remuneração. Até quando esse pagamento da incorporação dos 11,98% é devido? Ele é para sempre? NÃO. O STF afirmou que o pagamento dessa incorporação deveria durar até o momento em que houvesse uma lei reestruturando a remuneração da carreira. Isso porque, neste instante, são criadas novas regras remuneratórias que não envolvem esses 11,98%. Como explicou o Ministro Luiz Fux:

"Ressoa destacar, por outro lado, que o aludido percentual não pode permanecer incorporado na remuneração do servidor após uma reestruturação remuneratória de sua carreira, sob pena de o agente público ficar indevidamente com o que há de melhor dos dois regimes: o regime anterior e o posterior à reestruturação. Assim, o termo ad quem da incorporação dos 11,98%, ou do índice calculado em processo de liquidação, é a data de vigência da lei que reestruturou a remuneração da sua carreira." (RE 561.836/RN).

Enfim, a incorporação dos 11,98% (ou de outro índice específico) dura até que haja reestruturação na carreira. Havendo reestruturação, não é mais necessário o pagamento mensal deste índice. Veja trechos da ementa do julgado do STF que dirimiu essa questão:

(...) 2) O direito ao percentual de 11,98%, ou do índice decorrente do processo de liquidação, na remuneração do servidor, resultante da equivocada conversão do Cruzeiro Real em URV, não representa um aumento na remuneração do servidor público, mas um reconhecimento da ocorrência de indevido decréscimo no momento da conversão da moeda (...) 3) Consectariamente, o referido percentual deve ser incorporado à remuneração dos aludidos servidores, sem qualquer compensação ou abatimento em razão de aumentos remuneratórios supervenientes. (...) 5) O término da incorporação dos 11,98%, ou do índice obtido em cada caso, na remuneração deve ocorrer no momento em que a carreira do servidor passa por uma restruturação remuneratória, porquanto não há direito à percepção ad aeternum de parcela de remuneração por servidor público. (...) STF. Plenário. RE 561836, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 26/09/2013.

O STJ também aderiu ao entendimento e assim decidiu:

O término da incorporação dos 11,98%, ou do índice obtido em cada caso, oriundo das perdas salariais resultantes da conversão de cruzeiro real em URV, na remuneração do servidor, deve ocorrer no momento em que a carreira passa por uma restruturação remuneratória. STJ. 3ª Seção. EREsp 900.311-RN, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/2/2017 (Info 598).

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Competência para instaurar e julgar PAD relacionado com servidor cedido

Importante!!!

A instauração de processo disciplinar contra servidor efetivo cedido deve ocorrer, preferencialmente, no órgão em que tenha sido praticada a suposta irregularidade.

Por outro lado, o julgamento e a eventual aplicação de sanção só podem ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado.

Ex: João é servidor efetivo (técnico judiciário) do TJDFT e foi cedido para um cargo em comissão

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no STJ. Quando ainda estava prestando serviços no STJ, João praticou uma infração disciplinar. A Instauração do PAD deverá ser feita preferencialmente pelo STJ. Por outro lado, o julgamento do servidor e aplicação da sanção deverão ser realizados obrigatoriamente pelo TJDFT.

STJ. Corte Especial. MS 21.991-DF, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/11/2016 (Info 598).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é servidor efetivo (técnico judiciário) do TJDFT desde 2012. Em junho 2013, ele foi cedido para exercer, por dois anos, um cargo em comissão no STJ. Isso significa dizer que ele continuou sendo servidor do TJDFT, mas foi designado para exercer uma função no STJ por esse período. Em maio de 2015, quando ainda estava prestando serviços no STJ, João, por negligência, perdeu um processo que estava sob sua responsabilidade. Essa sua conduta configura infração disciplinar. Em junho de 2015, terminou a cessão de João e ele retornou ao TJDFT. Será instaurado um processo administrativo disciplinar para apurar a conduta de João. Restou, no entanto, a dúvida: quem deverá ser o responsável por este PAD: o TJDFT (órgão de origem) ou o STJ (órgão no qual o servidor estava quando praticou a infração)?

Instauração do PAD: deverá ser feita preferencialmente pelo STJ (órgão no qual foi praticada a infração).

Julgamento do servidor e aplicação da sanção: deverão ser realizados obrigatoriamente pelo TJDFT (órgão ao qual o servidor está vinculado).

A instauração de processo disciplinar contra servidor efetivo cedido deve ocorrer, preferencialmente, no órgão em que tenha sido praticada a suposta irregularidade. Contudo, o julgamento e a eventual aplicação de sanção só podem ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado. STJ. Corte Especial. MS 21.991-DF, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/11/2016 (Info 598).

O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: 1) instauração: com a publicação do ato que constituir a comissão; 2)inquérito administrativo: que compreende instrução, defesa e relatório; 3) julgamento. Tratando-se de conduta praticada pelo agente público durante o período em que esteve cedido, é legítima a instauração do processo administrativo disciplinar pelo órgão em que foi praticada a irregularidade. Isso se justifica para facilitar a colheita das provas. No entanto, o julgamento e a aplicação da penalidade deverão ser feitas pelo órgão de origem, considerando que é com o órgão cedente que o servidor possui o vínculo jurídico. Esta é a orientação do Manual Prático de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria Geral da União (CGU):

"No aspecto espacial, o processo disciplinar será instaurado, preferencialmente, no âmbito do órgão ou instituição em que supostamente tenha sido praticado o ato antijurídico, facilitando-se a coleta de provas e a realização de diligências necessárias à elucidação dos fatos. No caso de infrações cometidas por servidores cedidos a outros órgãos, a competência é do órgão onde ocorreu a irregularidade para a instauração do processo disciplinar. Todavia, como o vínculo funcional do servidor se dá com o órgão cedente, apenas a este incumbiria o julgamento e a eventual aplicação da penalidade (Nota Decor/CGU/AGU n. 16/2008-NMS)."

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Assim, cabe ao órgão cessionário: instaurar o processo administrativo disciplinar, rescindir o contrato de cessão e devolver o servidor. O julgamento, contudo, deverá ser realizado pelo órgão cedente. Vale ressaltar que o julgamento e a aplicação da sanção são um único ato, que se materializa com a edição de despacho, portaria ou decreto, proferido pela autoridade competente, devidamente publicado para os efeitos legais (arts. 141, 166 e 167 da Lei nº 8.112/90).

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Agressões físicas ou verbais praticadas por adulto contra criança geram dano moral in re ipsa

A conduta de um adulto que pratica agressão verbal ou física contra criança ou adolescente configura elemento caracterizador da espécie do dano moral in re ipsa.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.318-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/2/2017 (Info 598).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em uma festa de aniversário, Beatriz (10 anos) brincava com Júlia (8 anos). Em determinado momento, as duas crianças se desentenderam e começaram a discutir, tendo Beatriz puxado o cabelo de Júlia que, chorando, foi contar o ocorrido para sua mãe. Eduarda, mãe de Júlia, foi até o local onde estava Beatriz e desferiu um tapa no rosto da menor, dizendo-lhe a seguinte frase: "nunca mais rele a mão na minha filha, sua desgraçada”. Beatriz, representada por sua mãe, ajuizou ação de indenização por danos morais contra Eduarda. A ré contestou a demanda afirmando que a autora não demonstrou a ocorrência do alegado dano moral. O argumento da requerida é aceito pela jurisprudência do STJ? No caso narrado era necessária a comprovação do dano moral? NÃO.

A conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, configura elemento caracterizador da espécie do dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.318-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/2/2017 (Info 598).

Crianças, mesmo pequenas, gozam dos direitos da personalidade As crianças, mesmo da mais tenra idade, gozam de proteção irrestrita dos direitos da personalidade. Assim, elas fazem jus à indenização por dano moral em caso de violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF/88 e art. 12, caput, do CC (STJ. 3ª Turma. REsp 1037759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/02/2010). Ainda que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo, a aflição e a angústia. Dano moral in re ipsa Em algumas situações, a doutrina e a jurisprudência afirmam que a demonstração do dano moral não é necessária, bastando se demonstrar que houve a prática do ato. Nesse caso, fala-se em damnun in re ipsa, também conhecido como dano moral in re ipsa. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente introduziram na nossa cultura jurídica uma nova percepção, inspirada pela concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e cuidados especiais.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

O art. 227 da CF/88 determina como dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A Lei nº 8.069/90 (ECA) estabelece, em seu art. 17, que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente”. Assim, é assegurada a primazia do interesse das crianças e dos adolescentes, com a proteção integral dos seus direitos. Diante disso, conclui-se que a agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, gera dano moral independentemente de prova e caracteriza atentado à dignidade dos menores.

CONTRATO DE SEGURO Não é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O

caso o segurado tenha praticado insider trading

O seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance) não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading.

O RC D&O é um tipo de seguro feito por grandes executivos (exs: CEOs) por meio do qual a seguradora assume os custos caso eles sejam responsabilizados por algum ato culposo praticado durante a gestão da empresa.

O insider trading ocorre quando uma pessoa (insider), por força do exercício profissional, possui informações relevantes sobre a empresa e utiliza tais dados para negociar as ações dessa companhia antes que essas informações sejam reveladas ao público em geral.

O administrador que praticou insider trading não tem direito à cobertura securitária do seguro RC D&O por dois motivos:

1) o insider trading não é um ato culposo, mas sim doloso (fraudulento);

2) o insider trading não configura ato de gestão, mas sim um ato pessoal do administrador com o objetivo de gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.601.555-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Seguro de responsabilidade civil D&O Administrar uma empresa de grande porte não é uma tarefa fácil nem segura. Muitas vezes, o administrador toma determinadas decisões que podem, não propositalmente, causar prejuízos a terceiros ou à própria empresa. Nestes casos, as pessoas prejudicadas podem processar o administrador exigindo o pagamento de uma indenização. Algumas vezes esses processos são instaurados por órgãos de fiscalização, como a CVM. Em virtude disso, é comum que tais administradores façam um contrato de seguro por meio do qual pagam um prêmio à seguradora e esta se compromete a arcar com o pagamento da indenização caso o administrador seja responsabilizado por algum ato praticado durante a sua gestão. Alguns desses contratos preveem que a seguradora irá, inclusive, arcar com os custos da defesa do administrador no processo (advogado, custas processuais etc.). Essa espécie de seguro é conhecida como D&O, abreviatura de Directors and Officers Insurance, expressão inglesa que poderia ser traduzida como "seguro para diretores e administradores". Dessa forma, o RC D&O é um tipo de seguro feito por grandes executivos (exs: CEOs) por meio do qual a seguradora assume os custos caso eles sejam responsabilizados por algum ato culposo praticado durante a gestão da empresa.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

Esse tipo de seguro constitui instrumento de preservação do patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), o que acaba por incentivar gestões corporativas inovadoras e mais flexíveis, as quais ficariam comprometidas ou engessadas com a possibilidade sempre reinante de responsabilização civil ou de abertura de processo administrativo sancionador na CVM. Além disso, a natureza dúplice desse seguro também favorece a própria empresa tomadora do seguro e seus acionistas, pois o patrimônio social poderá ser ressarcido de eventuais prejuízos sofridos em razão de condutas faltosas de seus administradores. Insider trading Insider trading é a operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público. Em palavras mais simples, ocorre quando uma pessoa, por força do exercício profissional, possui informações relevantes sobre a empresa e utiliza tais dados para negociar as ações dessa companhia antes que essas informações sejam reveladas ao público em geral. Exemplo de insider trading Em 2006, a Sadia decidiu fazer uma grande proposta para comprar a Perdigão. As reuniões internas na Sadia para decidir o assunto eram confidenciais e somente participavam alguns poucos diretores. A fim de manter o sigilo, a Sadia era chamada pelo codinome blue e a Perdigão era a red. Depois de acertarem os detalhes, ficou decidido que a proposta seria formalizada no dia 7 de abril. João era Diretor de Finanças da Sadia e, em razão de seu cargo, sabia que a proposta seria concretizada naquele dia, quando, então, a ideia deixaria de ser sigilosa e se tornaria de conhecimento público. Diante disso, João, um dia antes que a informação da compra fosse divulgada, comprou, na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), milhares de ações da Perdigão, ao valor de 10 dólares. No dia seguinte, com o anúncio da proposta, o valor das ações da sociedade empresária Perdigão na NYSE passou para 30 dólares. João, que era rico, ficou milionário em um dia. Vale ressaltar que, em razão do cargo que exercia, ele tinha que manter sigilo sobre esta informação. Neste exemplo, João praticou o chamado insider trading. Suponhamos que João foi processado pela CVM pela prática de insider trading, tendo sido condenado a pagar R$ 1 milhão. Ocorre que João havia feito um seguro de RC D&O. Ele poderá acionar a seguradora para que ela pague a indenização? O seguro de RC D&O abrange danos causados pela prática de insider trading? NÃO.

O seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance) não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading. STJ. 3ª Turma. REsp 1.601.555-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

O insider trading é uma prática danosa ao mercado de capitais, aos investidores e à própria companhia, devendo haver repressão efetiva contra o uso indevido de informações privilegiadas por insiders que visam à obtenção ilícita de vantagem patrimonial ao negociar ações da pessoa jurídica. Vale ressaltar, inclusive, que esta conduta configura crime previsto no art. 27-D na Lei nº 6.385/76:

CAPÍTULO VII-B DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS (...) Uso Indevido de Informação Privilegiada Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

O seguro de RC D&O tem por objetivo garantir o risco de eventuais prejuízos causados por atos de gestão de diretores, administradores e conselheiros que, na atividade profissional, agiram com culpa. Dessa forma, esse seguro somente garante cobertura para: - atos CULPOSOS de diretores, administradores e conselheiros - praticados no exercício de suas funções (ATOS DE GESTÃO). Isso significa que atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária. No caso hipotético de João, que praticou insider trading, ele não tem direito à cobertura securitária por dois motivos: 1) o insider trading não é um ato culposo, mas sim doloso (fraudulento); 2) o insider trading não configura ato de gestão, mas sim um ato pessoal do administrador com o objetivo de gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia.

DPVAT Sucessores do falecido podem cobrar a indenização DPVAT por invalidez permanente

que a vítima deveria ter recebido quando estava viva

Determinada pessoa sofreu acidente de trânsito que causou sua invalidez permanente. Ela não requereu indenização DPVAT. Meses depois, ela faleceu por outras razões. Seus herdeiros poderão cobrar a indenização do DPVAT que ela deveria ter recebido quando estava viva?

SIM. Os sucessores da vítima têm legitimidade para ajuizar ação de cobrança de pagamento de indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente ocorrida antes da morte daquela.

O direito à indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente integra o patrimônio da vítima e transmite-se aos seus sucessores com o falecimento do titular. Os sucessores, portanto, têm legitimidade para propor a ação de cobrança da quantia correspondente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.185.907-CE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Em que consiste o DPVAT? O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em via terrestre, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Ex.: dois carros colidem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

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Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei? • no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso a cada vítima. Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a indenização? • no caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios necessários à subsistência. • no caso de invalidez permanente: a própria vítima. • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima. Isso está previsto no art. 4º, caput e § 3º da Lei nº 6.194/74 (Lei do DPVAT). Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: Em 2014, João sofreu um acidente de carro e ficou inválido permanentemente. Na época, ele não sabia que existia a indenização do DPVAT e, por essa razão, não requereu o pagamento da quantia. Em 2015, João pegou uma forte gripe, que se transformou em pneumonia e ele acabou falecendo. Em 2016, Maria, viúva de João, viu uma reportagem na TV que falava sobre o DPVAT. Ela descobriu, então, que seu falecido marido tinha direito de ter recebido indenização de até R$ 13.500,00 por conta da sua invalidez permanente. Diante disso, ela procurou a Defensoria Pública com a seguinte dúvida: ela e seu filho, enquanto únicos herdeiros de João, têm direito de cobrar a indenização do DPVAT que o falecido deveria ter recebido quando estava vivo por ter sofrido acidente de trânsito que o deixou inválido? SIM.

Os sucessores da vítima têm legitimidade para ajuizar ação de cobrança de pagamento de indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente ocorrida antes da morte daquela. STJ. 4ª Turma. REsp 1.185.907-CE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

A indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente, prevista no art. 4º, § 3º, da Lei nº 6.194/74, não é considerada como um direito personalíssimo (intransferível). Ao contrário, trata-se de direito patrimonial e, portanto, passível de ser transferido por sucessão causa mortis. Dito de outro modo, consiste em direito patrimonial que se transfere normalmente para os herdeiros com a morte do titular. A partir do momento em que ficou configurada a invalidez permanente da vítima do acidente de trânsito (em nosso exemplo, João), o direito à indenização DPVAT passou a integrar seu patrimônio jurídico. Com a sua morte, esse direito transformou-se em herança a ser transmitida aos sucessores, que, portanto, têm legitimidade para propor ação de cobrança dessa quantia. Importante deixar claro que os sucessores da vítima irão pedir a indenização DPVAT por causa da invalidez permanente e não por conta da morte. O acidente de trânsito causou apenas invalidez. O óbito foi decorrência de uma causa absolutamente independente. Assim, a indenização a ser paga do DPVAT levará em consideração a invalidez apenas.

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DIVÓRCIO Ex-cônjuge que está utilizando o bem comum de forma exclusiva poderá ser condenado a

indenizar o outro mesmo que ainda não tenha havido partilha

Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.

Ex: João e Maria eram casados e decidiram se divorciar. Maria foi morar com a sua mãe e João continuou no apartamento que pertence ao casal. Vale mencionar que este é o único bem que o casal tem a partilhar. O juiz determinou o divórcio e afirmou, na sentença, que o imóvel deveria ser dividido igualmente entre os dois (50% para cada um dos ex-cônjuges). Apesar disso, a partilha formal do bem ainda não foi feita. Como a partilha ainda não foi realizada, João continuou morando no apartamento. Enquanto a partilha não for concretizada, João poderá ser condenado a indenizar Maria, pagando a ela, mensalmente, a quantia equivalente a 50% do valor arbitrado como sendo o aluguel deste apartamento onde ele está morando. Isso ocorre para evitar o enriquecimento sem causa daquele que está utilizando o bem de forma exclusiva.

Suponhamos que o juiz entenda que Maria tem direito à indenização. Ela terá direito de receber as parcelas pretéritas desde quando? O termo inicial para o ressarcimento deve ser a data da ciência do pedido da parte contrária, ou seja, será a data da citação (caso seja uma ação proposta unicamente para isso) ou da intimação (caso a indenização seja requerida em pedido reconvencional feito pelo réu na contestação).

O fato de João ter sido condenado a pagar esta indenização poderá influenciar no valor pago a título de pensão alimentícia? Ele poderá pedir a revisão do valor da prestação alimentícia?

SIM. A indenização pelo uso exclusivo do bem por parte do alimentante pode influir no valor da prestação de alimentos, pois afeta a renda do obrigado, devendo as obrigações serem reciprocamente consideradas pelo juiz, sempre atento às peculiaridades do caso concreto.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 8/2/2017 (Info 598).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados e decidiram se divorciar. Maria foi morar com a sua mãe e João continuou no apartamento que pertence ao casal. Vale mencionar que este é o único bem que o casal tem a partilhar. Em março de 2015, o juiz determinou o divórcio e afirmou, na sentença, que o imóvel deveria ser dividido igualmente entre os dois (50% para cada um dos ex-cônjuges). Apesar disso, a partilha formal do bem ainda não foi feita e João continuou morando no apartamento. Além disso, o magistrado condenou João a pagar pensão alimentícia de R$ 2 mil em favor de Maria. Passados dois anos, a partilha ainda não foi concretizada. Diante disso, em março de 2017, Maria ajuizou ação contra João pedindo para receber uma indenização (uma espécie de "aluguel") pelo fato de ele estar morando no apartamento que pertence aos dois. João foi citado em 05/04/2017 e contestou o pedido afirmando que, enquanto não for realizada a partilha, não é cabível a fixação de indenização ou aluguel em favor da parte que dele não usufrui. Isso porque o imóvel pertence aos dois. O argumento de João encontra amparo na jurisprudência atual do STJ? NÃO.

Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. STJ. 2ª Seção. REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 8/2/2017 (Info 598).

Se apenas um dos ex-cônjuges utiliza o bem de forma exclusiva, impedindo assim que o outro também se aproveite do bem, aquele que está privado do uso tem o direito de ser ressarcido, sob pena de gerar enriquecimento sem causa daquele que está usando o bem (art. 884 do Código Civil). O fato gerador da indenização não é a propriedade, mas sim a posse exclusiva do bem no caso concreto. Em outras palavras, é certo que o bem ainda pertence indistintamente aos dois pelo fato de não ter sido formalizada a partilha. No entanto, apesar disso, o ex-cônjuge deverá indenizar o outro pela circunstância de estar utilizando sozinho o bem enquanto o outro está privado de seu uso. Assim, em nosso exemplo, João poderá sim ser condenado a indenizar Maria, pagando a ela, mensalmente, a quantia equivalente a 50% do valor arbitrado como sendo o aluguel deste apartamento onde ele está morando. Vale ressaltar que esse direito à indenização não é automático, sendo necessário que o magistrado examine as peculiaridades do caso concreto, podendo haver algum fato que afaste a indenização. Ex: o juiz poderia negar a indenização se verificasse, no caso concreto, que a partilha ainda não foi realizada porque Maria está procrastinando a concretização dessa divisão. Suponhamos que o juiz entenda que Maria tem direito à indenização. Ela terá direito de receber as parcelas pretéritas desde quando? Desde 2015, quando houve a sentença de divórcio? Qual é o termo inicial desse ressarcimento? NÃO.

O termo inicial para o ressarcimento deve ser a data da ciência do pedido da parte contrária, ou seja, será a data da citação (caso seja uma ação proposta unicamente para isso) ou da intimação (caso a indenização seja requerida em pedido reconvencional feito pelo réu na contestação). STJ. 2ª Seção. REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 8/2/2017 (Info 598).

Em nosso exemplo, o termo inicial para ressarcimento será a data da citação (05/04/2017). Seria possível, no entanto, imaginar outra hipótese na qual João tivesse ajuizado uma ação contra Maria e esta, na contestação, houvesse formulado reconvenção, pedindo a indenização. Neste segundo caso, o termo inicial para ressarcimento seria a data da intimação de João sobre o pedido reconvencional. O fato de João ter sido condenado a pagar esta indenização poderá influenciar no valor pago a título de pensão alimentícia? Ele poderá pedir a revisão do valor da prestação alimentícia? SIM.

A indenização pelo uso exclusivo do bem por parte do alimentante pode influir no valor da prestação de alimentos, pois afeta a renda do obrigado, devendo as obrigações serem reciprocamente consideradas pelo juiz, sempre atento às peculiaridades do caso concreto. STJ. 2ª Seção. REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 8/2/2017 (Info 598).

Assim, em nosso exemplo, João poderia ingressar com ação pedindo a redução do valor que ele paga a título de pensão alimentícia.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

DIREITO DO CONSUMIDOR

VÍCIO DO PRODUTO É válida a prática de loja que permite a troca direta do produto viciado

se feita em até 3 dias da compra

Determinada loja adota a seguinte prática: se o produto vendido apresentar algum vício (popularmente conhecido como "defeito"), o consumidor poderá solicitar a troca da mercadoria na própria loja, desde que faça isso no prazo de 3 dias corridos, contados da data da emissão da nota fiscal. Por outro lado, se o consumidor detectar o vício somente após esse prazo, ele deverá procurar a assistência técnica credenciada e lá irão verificar a existência do vício e a possibilidade de ele ser reparado ("consertado").

Essa prática é válida? Sim.

É legal a conduta de fornecedor que concede apenas 3 (três) dias para troca de produtos defeituosos, a contar da emissão da nota fiscal, e impõe ao consumidor, após tal prazo, a procura de assistência técnica credenciada pelo fabricante para que realize a análise quanto à existência do vício.

A loja conferiu um "plus", ou seja, uma providência extra que não é prevista no CDC, não sendo, contudo, vedada porque favorece o consumidor. Vale ressaltar que a política de troca da loja (direito de troca direta do produto em 3 dias) não exclui a possibilidade de o consumidor realizar a troca, na forma do art. 18, § 1º, I, do CDC, caso o vício não seja sanado no prazo de 30 dias. Em outras palavras, a loja concede uma opção extra, além daquelas já previstas no art. 18, § 1º.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.555-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Imagine a seguinte situação: As Lojas Americanas adotam a seguinte prática: Se o produto vendido apresentar algum vício (popularmente conhecido como "defeito"), o consumidor poderá solicitar a troca da mercadoria na própria loja, desde que faça isso no prazo de 3 dias corridos, contados da data da emissão da nota fiscal. Se o consumidor detectar esse vício somente após esse prazo, ele deverá procurar a assistência técnica credenciada e lá irão verificar a existência do vício e a possibilidade de ele ser reparado ("consertado"). O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública contra a empresa alegando que esta conduta seria abusiva, à luz dos arts. 18 e 26 do CDC, que preveem o prazo de 30 dias para o vício ser sanado. O pedido do MP foi acolhido? A prática acima descrita é abusiva? NÃO.

É legal a conduta de fornecedor que concede apenas 3 (três) dias para troca de produtos defeituosos, a contar da emissão da nota fiscal, e impõe ao consumidor, após tal prazo, a procura de assistência técnica credenciada pelo fabricante para que realize a análise quanto à existência do vício. STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.555-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

O art. 18, § 1º do CDC afirma que o vício existente no produto ou no serviço deverá ser resolvido no prazo máximo de 30 dias. Caso isso não aconteça, o consumidor poderá exigir uma das seguintes opções: a) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; c) o abatimento proporcional do preço. Desse modo, em regra, não há no CDC nenhum dispositivo que confira ao consumidor o direito potestativo de

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

ter o produto trocado antes do prazo legal de 30 dias. A troca imediata do produto viciado, portanto, embora prática sempre recomendável, não é imposta ao fornecedor (salvo na hipótese do § 3º do art. 18 do CDC). Assim, o consumidor somente pode exigir a substituição do produto viciado caso o vício não seja sanado no prazo de 30 dias. No caso das Lojas Americanas, ela oferece, antes da providência do § 1º do art. 18, que o consumidor possa trocar diretamente o produto viciado, mas desde que faça isso no prazo de 3 dias depois da compra. Em outras palavras, a loja conferiu um "plus", ou seja, uma providência extra que não é prevista no CDC, não sendo, contudo, vedada porque favorece o consumidor. Vale ressaltar que a política de troca da loja (direito de troca direta do produto em 3 dias) não exclui a possibilidade de o consumidor realizar a troca, na forma do art. 18, § 1º, I, do CDC, caso o vício não seja sanado no prazo de 30 dias.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O juízo da recuperação judicial é o competente para decidir sobre os bens da empresa devedora

mesmo que tramite em outro juízo execução cobrando crédito decorrente de relação de consumo

Depois de ter sido deferido o processamento da recuperação judicial, todas as ações e execuções contra o devedor que está em recuperação judicial ficam suspensas, excetuadas as que demandarem quantia ilíquida (§ 1º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005) e as execuções fiscais (§ 7º).

Além de as ações e execuções contra o devedor em recuperação ficarem suspensas, o destino do patrimônio da sociedade em processo de recuperação judicial não poderá ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele onde tramita o processo de reerguimento, sob pena de violação ao princípio maior da preservação da atividade empresarial. Em outras palavras, qualquer decisão que afete os bens da empresa em recuperação deverá ser tomada pelo juízo onde tramita a recuperação.

O juízo onde tramita o processo de recuperação judicial é o competente para decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo.

Ex: João comprou uma geladeira em uma loja. O produto apresentou vício e o consumidor propôs, no Juizado Especial, ação de indenização contra o fornecedor. O juiz julgou o pedido procedente, condenando a empresa a pagar R$ 10 mil. Como não houve pagamento espontâneo, o magistrado determinou a penhora on line da quantia. Ocorre que, em março de 2017, antes que o dinheiro penhorado fosse transferido para João, o Juízo da Vara Cível deferiu a recuperação judicial da referida loja. Como já foi deferida a recuperação judicial, a competência para decidir sobre o patrimônio do devedor passa a ser do juízo da recuperação judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.702-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/02/2017 (Info 598).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. FASES DA RECUPERAÇÃO

De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases: a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. JUÍZO FALIMENTAR

A Lei nº 11.101/2005, em seu art. 3º, prevê que é competente para deferir a recuperação judicial o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. A falência e a recuperação judicial são sempre processadas e julgadas na Justiça estadual. PLANO DE RECUPERAÇÃO

Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência. Este plano deverá conter: discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); demonstração de sua viabilidade econômica; e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional

legalmente habilitado ou empresa especializada. CRÉDITOS QUE ESTÃO SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas, irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”, a fim de que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando. Assim, os credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”, e cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação. Um dos temas importantes sobre esse assunto é saber quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, quais credores irão ter que receber seus créditos conforme o plano de recuperação e quais poderão seguir com seus contratos como estavam originalmente previstos.

Regra: Em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Ex: a empresa tem que pagar uma dívida com um fornecedor daqui a 9 meses; se o pedido de recuperação foi feito hoje, esse crédito já será incluído nas regras da recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha chegado a data do vencimento.

Consequência dessa regra: Como vimos acima, tendo sido decretada a recuperação judicial, os credores irão receber conforme o plano. Como consequência disso, em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano. Veja:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento

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da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Assim, depois de ter sido deferido o processamento da recuperação judicial, todas as ações e execuções contra o devedor que está em recuperação judicial ficam suspensas, excetuadas as que demandarem quantia ilíquida (§ 1º do art. 6º) e as execuções fiscais (§ 7º):

Art. 6º (...) § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

O art. 49 da Lei nº 11.101/2005, por seu turno, estipula que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Decisões sobre o patrimônio da empresa que está em recuperação deverão ser tomadas pelo juízo onde tramita a recuperação Além de as ações e execuções contra o devedor em recuperação ficarem suspensas, o STJ afirma também que o destino do patrimônio da sociedade em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele onde tramita o processo de reerguimento, sob pena de violação ao princípio maior da preservação da atividade empresarial, insculpido no art. 47 da LFRE. Em outras palavras, qualquer decisão que afete os bens da empresa em recuperação deverá ser tomada pelo juízo onde tramita a recuperação. Nesse sentido:

(...) o destino do patrimônio da empresa em processo de soerguimento judicial ou falimentar, como no presente caso, não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da recuperação ou da falência. STJ. 2ª Seção. CC 137.178/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 28/09/2016.

Trata-se da vis attractiva do juízo universal da recuperação judicial. Vale ressaltar que, mesmo em processos de execução fiscal – hipóteses nas quais a lei expressamente prevê a continuidade de tramitação (art. 6º, § 7º), o STJ tem entendido que, embora as ações não se suspendam, compete ao juízo universal da recuperação dar seguimento a atos que envolvam a expropriação de bens do acervo patrimonial do devedor. Dito de outro modo, depois de deferida a recuperação judicial, as execuções fiscais prosseguem, mas os atos de expropriação deverão ser decididos pelo juízo onde tramita a recuperação judicial. Confira:

(...) A execução fiscal não se suspende com o deferimento da recuperação judicial; todavia, fica definida a competência do Juízo universal para dar seguimento aos atos constritivos ou de alienação. STJ. 2ª Seção. AgInt no CC 140.021/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/08/2016.

Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: João comprou uma geladeira em uma loja de departamentos ("Atacadão dos Eletros"). O produto apresentou vício e o consumidor, como não conseguiu resolver a questão, foi obrigado a propor, em abril de 2016, ação de indenização por danos morais e materiais contra a loja. A ação proposta por João tramita no Juizado Especial. O juiz julgou o pedido procedente, condenando a empresa a pagar R$ 10 mil em favor do autor. Como não houve pagamento espontâneo, o magistrado determinou a penhora on line da quantia, tendo a medida tido sucesso, ou seja, foi localizado e penhorado esse valor em uma das contas bancárias da loja. Ocorre que, em março de 2017, antes que o dinheiro penhorado fosse transferido para João, o Juízo da Vara Cível deferiu a recuperação judicial da "Atacadão dos Eletros".

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Neste caso, o juiz do Juizado Especial poderá determinar a transferência do valor para João? NÃO. Como já foi deferida a recuperação judicial, a competência para decidir sobre o patrimônio do devedor passa a ser do juízo da recuperação judicial. Conforme decidiu o STJ:

O juízo onde tramita o processo de recuperação judicial é o competente para decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.702-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/02/2017 (Info 598).

Uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, fica obstada (proibida) a prática de atos expropriatórios por juízo distinto daquele onde está tramitando o processo recuperacional. Isso vale mesmo para créditos decorrentes de relação de consumo, como no caso do exemplo acima dado. Mesmo já tendo havido penhora, como no exemplo? SIM. Mesmo que a penhora já tenha sido realizada em data anterior ao deferimento do pedido de recuperação judicial, ainda assim os próximos atos de expropriação somente poderão ser decididos pelo juízo da recuperação judicial:

A jurisprudência desta Corte assentou-se no sentido de que, decretada a falência ou deferido o processamento da recuperação judicial, as execuções contra o devedor não podem prosseguir, ainda que exista prévia penhora. Na hipótese de adjudicação posterior levada a efeito em juízo diverso, o ato deve ser desfeito, em razão da competência do juízo universal e da observância do princípio da preservação da empresa. STJ. 2ª Seção. CC 111.614/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/06/2013.

O juízo da recuperação é o que está mais próximo da realidade das empresas em dificuldades, tendo, por isso, maiores condições de definir se as medidas constritivas incidentes sobre seus acervos patrimoniais podem ou não comprometer o sucesso do plano de reerguimento. Admitir a não sujeição de valores objeto de execuções singulares à vis attractiva do foro recuperacional representaria clara afronta aos princípios da universalidade e unidade do juízo e da preservação da empresa.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS PERICIAIS Mesmo que o dispositivo da sentença mencione apenas a condenação

em custas processuais, é possível incluir a cobrança dos honorários periciais

A sentença transitou em julgado condenando a parte a pagar "custas processuais", sem falar sobre os honorários periciais. É possível que esses honorários periciais sejam cobrados da parte sucumbente mesmo não tendo sido expressamente mencionados na sentença?

SIM. É adequada a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.558.185-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/2/2017 (Info 598).

Obs: existe precedente em sentido contrário (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 718.020/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2015). No entanto, em provas de concurso é mais "seguro" adotar o entendimento acima exposto porque se trata de julgado mais recente e que foi divulgado em Informativo.

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Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de indenização contra Pedro. Durante a instrução, foi realizada uma perícia. Ao final, o juiz julgou o pedido procedente. No dispositivo da sentença constou expressamente que Pedro ficava obrigado a pagar: a) R$ 100 mil de indenização; b) honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação; c ) custas processuais. João iniciou o cumprimento de sentença e cobrou de Pedro também o valor dos honorários do perito que o autor teve que pagar durante a fase de conhecimento. Pedro defendeu-se alegando que a sentença em nenhum momento o condenou a pagar os honorários do perito. A condenação ficou limitada ao valor principal, mais as custas processuais e honorários advocatícios. Segundo alegou o executado, os honorários periciais estão dentro do conceito de "despesas processuais", o que não se confunde com "custas processuais". Como o juiz mencionou apenas custas, não se pode cobrar as despesas processuais (ex: honorários do perito). Essa tese de Pedro (devedor) é aceita pelo STJ? Existe certa divergência no STJ.

1ª corrente. Entendendo que não é possível incluir os honorários periciais caso a sentença tenha falado apenas em custas judiciais:

(...) Custas são despesas que, previstas em regimentos próprios, estão relacionadas às atividades cartorárias. Já os honorários periciais dizem respeito à necessária intervenção externa no processo para o encaminhamento processual da causa. Dessa forma, tendo transitado em julgado a decisão no que tange apenas à condenação da parte ao pagamento das custas processuais, é incabível a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação de sentença. (...) STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 718.020/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2015.

2ª corrente. Entendendo que é sim possível incluir os honorários periciais:

É adequada a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.558.185-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/2/2017 (Info 598).

Custas X despesas processuais Realmente custas e despesas processuais não são expressões sinônimas. Existe diferença entre elas. Despesas processuais são todos os gastos necessários que têm que ser realizados pelos participantes no processo para que este se instaure, desenvolva e chegue ao final. Assim, a expressão “despesas processuais” é gênero, abrangendo três espécies: a) custas: taxa paga como forma de contraprestação pelo serviço jurisdicional que é prestado pelo

Estado-juiz; b) emolumentos: taxa paga pelo usuário do serviço como contraprestação pelos atos praticados pela

serventia (“cartório”) não estatizada (as serventias não estatizadas não são remuneradas pelos cofres públicos, mas sim pelas partes);

c) despesas em sentido estrito: valor pago para remunerar profissionais que são convocados pela Justiça para auxiliar nas atividades inerentes à prestação jurisdicional. Exs: honorários do perito, despesas com o transporte do Oficial de justiça prestado por terceiros (ex: empresa de ônibus, táxi etc.).

Dessa forma, os partidários da 1ª corrente invocam essa diferença entre custas e despesas processuais.

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A 2ª corrente, por sua vez, afirma que a interpretação a ser dada tem que superar o apego ao formalismo. O processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito. Se a parte ganhou a causa, ou seja, teve seu pedido julgado procedente, ela não pode ser obrigada a arcar com as custas ou despesas de um processo para cuja formação não deu causa. Surpreender o vencedor da demanda com a obrigação de arcar com os honorários periciais apenas e tão somente porque a sentença condenava o vencido ao pagamento de “custas” e não “despesas” representa medida contrária ao princípio da sucumbência e até mesmo à própria noção da máxima eficiência da tutela jurisdicional justa. Concurso Para fins de concurso, acho mais seguro adotar a 2ª corrente, considerando que se trata da decisão mais recente e que foi divulgada em Informativo.

DIREITO PENAL

EXTORSÃO A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita

pelo agente de causar um "mal espiritual" na vítima

Importante!!!

O crime de extorsão consiste em "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa" (art. 158 do CP).

A ameaça de causar um "mal espiritual" contra a vítima pode ser considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do crime de extorsão?

SIM. Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.299.021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

EXTORSÃO Extorsão (art. 158 do CP) O Código Penal prevê o crime de extorsão nos seguintes termos:

Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

Em que consiste o delito: O agente, usando de violência ou de grave ameaça, obriga a vítima a adotar determinado comportamento, com o objetivo de obter uma vantagem econômica indevida. A vítima é coagida pelo autor do crime a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa. Ex.: “A” exige que “B” assine um cheque em branco em seu favor, senão contará a todos que “B” possui um caso extraconjugal. Ex.2: Golpe do falso sequestro via celular. “A” (de um presídio em SP) liga para “B” (em Brasília) e afirma que sua filha foi sequestrada exigindo, por meio de ameaças, depósito de dinheiro em determinada conta bancária. Obs: o juízo competente é o do local onde estava a pessoa que recebeu os telefonemas (STF ACO 889/RJ).

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GRAVE AMEAÇA: AFIRMAR QUE IRÁ CAUSAR UM PREJUÍZO ECONÔMICO À VÍTIMA Se o agente ameaça causar um prejuízo econômico à vítima, ainda assim haverá extorsão? A "grave ameaça" prevista no art. 158 pode ser econômica? SIM.

A extorsão pode ser feita mediante ameaça de causar um prejuízo econômico. Assim, não se exige que a ameaça se dirija apenas contra a integridade física ou moral da vítima. Ex: o agente estava com o carro da vítima e exigiu que ela fizesse o pagamento a ele de determinada quantia em dinheiro. Caso o pedido não fosse atendido, ele prometeu destruir o veículo. Dessa forma, o STJ decidiu que pode configurar o crime de extorsão a exigência de pagamento em troca da devolução do veículo furtado, sob a ameaça de destruição do bem. STJ. 5ª Turma. REsp 1.207.155-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 7/11/2013 (Info 531).

GRAVE AMEAÇA: AFIRMAR QUE IRÁ CAUSAR UM MAL ESPIRITUAL À VÍTIMA Imagine a seguinte situação hipotética: Francisca estava andando na rua quando viu em um poste um cartaz anunciando os serviços de Maria, uma mulher que alegava fazer trabalhos espirituais para que a pessoa se livrasse de problemas e "encostos" que estivessem atrapalhando a vida. Francisca foi até a casa onde Maria atendia e lhe pagou R$ 300,00 para que esta fizesse um trabalho espiritual a fim de que sua vida melhorasse. Passado um mês, Maria chamou Francisca e disse que tinha um trabalho enterrado no cemitério contra ela e seus filhos, mas que ela já havia resolvido. No entanto, agora ela precisava ser remunerada por isso, tendo cobrado R$ 2.000,00 por ter feito este trabalho de libertação. Francisca recusou-se a pagar. A partir daí, Maria começou a ameaçar sua cliente, dizendo que, se ela não pagasse a quantia exigida, iria refazer o trabalho e que os espíritos malignos iriam acabar com a vida da vítima e de seus filhos. Francisca sentiu muito medo e, por conta disso, pagou à Maria a quantia exigida. Depois de alguns meses, Francisca comentou o caso com seu sobrinho, que estuda para concursos, e ele recomendou que ela procurasse a polícia. Após o inquérito policial, o Ministério Público denunciou Maria pela prática de extorsão (art. 158 do CP). A ré alegou três teses em sua defesa: 1) a ameaça foi fantasiosa e não implicou em mal grave, sério e apto a intimidar o "homem médio", não se podendo cogitar da figura do art. 158 do CP; 2) a CF/88 assegura a liberdade de credo e que ela não pode ser punida por exercitar a sua religião; 3) se houve a prática de algum crime, foi o do art. 284 do CP (curandeirismo). O que o STJ entendeu ao analisar um caso parecido com este? A ameaça de causar um "mal espiritual" contra a vítima pode ser considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do crime de extorsão (art. 158 do CP)? Houve extorsão? SIM.

Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida. STJ. 6ª Turma. REsp 1.299.021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

A vítima sentiu-se intimidada pela ameaça espiritual e, por conta disso, efetuou o pagamento da vultosa quantia exigida pela ré. Logo, percebe-se que a grave ameaça espiritual revelou-se idônea para o fim de atemorizar a vítima e compeli-la a realizar o pagamento da vantagem econômica indevida.

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A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de força ou forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não se podendo falar que tais ameaças não possuem força para constranger o homem médio. Dessa forma, o meio empregado foi idôneo, tanto que ensejou a intimidação da vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão. Sobre o tema, veja o que ensina Cleber Masson: "De fato, o que é ridículo para uma pessoa pode constituir-se em grave ameaça para outrem. Certamente um ateu irá zombar daquele que ordenar a entrega de sua carteira, sob pena de após sua morte queimar no fogo do inferno. Por outro lado, uma pessoa supersticiosa poderá ceder à exigência de um feiticeiro, entregando-lhe dinheiro depois de ouvir que se não obedecê-lo terá contra si rogada uma praga." (MASSON, Cleber. Direito Penal. Vol. 2. Parte Especial. 10ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 431). A liberdade de crença (art. 5º, VI, da CF/88) poderia ser invocada para absolver a ré? NÃO. O trabalho espiritual, quando relacionado a algum tipo de credo ou religião, pode ser exercido livremente, porquanto a Constituição Federal assegura a todos a liberdade de crença e de culto. No entanto, no caso concreto, houve excesso no exercício dessa garantia constitucional, com o intuito de obter vantagem econômica indevida, o que caracteriza o crime do art. 158 do CP. Seria possível desclassificar o crime para o delito de curandeirismo (art. 284 do CP)? NÃO. O crime de curanderismo é previsto nos seguintes termos:

Art. 284. Exercer o curandeirismo: I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III - fazendo diagnósticos: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.

No curandeirismo, o agente acredita que, com suas fórmulas, poderá resolver problema de saúde da vítima. Esta, contudo, não foi a finalidade da ré. A acusada queria obter vantagem ilícita, causando prejuízo ao patrimônio da vítima, tendo, para tanto, feito ameaças contra a sua cliente. A intenção da ré, portanto, foi de enganar a vítima e não de curá-la de mal impossível.

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Pagamento da multa tributária não extingue a punibilidade

do crime previsto no art. 1º, V, da Lei 8.137/90

O pagamento da penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender às exigências da autoridade tributária estadual quanto à exibição de livros e documentos fiscais não se adequa a nenhuma das hipóteses de extinção de punibilidade previstas no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.630.109-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Normalmente, imagina-se que os crimes contra a ordem tributária são apenas aqueles previstos nos arts. 1º e 3º da Lei nº 8.137/90. Trata-se de um engano. Além desse diploma, existem também crimes tributários tipificados no Código Penal. Vejamos os crimes tributários existentes atualmente:

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Na Lei nº 8.137/90:

Sonegação fiscal (art. 1º);

Crimes da mesma natureza de sonegação fiscal (art. 2º);

Crimes funcionais tributários (art. 3º). No Código Penal:

Descaminho (art. 334);

Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A);

Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A);

Excesso de exação (art. 316, § 1º);

Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318);

Falsificação de papeis públicos (art. 293, I e V). LEI 8.137/90 A Lei nº 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária. Os arts. 1º e 2º da Lei trazem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. O art. 3º, por sua vez, prevê crimes funcionais contra a ordem tributária, exigindo que sejam praticados por funcionários públicos e em razão da função. Vamos aproveitar este julgado para fazer um estudo sobre o art. 1º. ART. 1º

O art. 1º da Lei n. 8.137/90 prevê cinco delitos, um em cada inciso. CAPÍTULO I Dos Crimes Contra a Ordem Tributária Seção I Dos crimes praticados por particulares

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

Estrutura do art. 1º: O art. 1º da Lei nº 8.137/90 traz a seguinte estrutura: no caput, ele prevê que é crime suprimir ou reduzir tributo. Já nos seus cinco incisos são previstas as condutas por meio das quais o agente suprime ou reduz o tributo. Assim, para ser crime, o indivíduo deverá praticar uma das condutas dos incisos e por meio delas suprimido ou reduzido o tributo que era devido. Bem jurídico: O bem jurídico protegido é o interesse do Estado na arrecadação dos tributos (ordem tributária). Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. O autor não precisa ser o contribuinte ou responsável Na maioria das vezes, o autor do crime é o contribuinte ou o responsável pelo tributo. No entanto, é possível que outras pessoas também pratiquem o delito. Ex: o contador da pessoa jurídica pode ser o autor do delito mesmo não sendo o sujeito passivo do tributo.

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Pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo Algumas vezes o delito é praticado por meio da pessoa jurídica. Ocorre que a CF/88 não autoriza a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes tributários (isso é possível no caso de crimes ambientais). Logo, nessa hipótese, quem responderá penalmente é o administrador e outras pessoas físicas que tenham tomados as decisões. Teoria do domínio do fato Nos crimes tributários é muito comum a invocação da teoria do domínio do fato. Isso porque na maioria dos casos quem pratica a conduta de suprimir ou reduzir tributo é o empregado, gerente ou contador da pessoa jurídica. No entanto, a orientação para que fosse feito dessa forma partiu de um sócio-administrador da empresa. Pela teoria tradicional, o autor é aquela pessoa que pratica o verbo nuclear do tipo. Logo, o empregado, gerente ou contador seriam os autores do delito. A teoria do domínio do fato, criada na Alemanha em 1939 por Hans Welzel, teve a finalidade de ampliar o conceito de autor. Por força dessa teoria, pode também ser considerado autor aquele que, mesmo não realizando o núcleo do tipo, domina finalisticamente todo o seu desenrolar. Welzel dizia que autor é o “senhor do fato”. Dessa forma, pela teoria do domínio do fato o autor seria o sócio-administrador que decidiu e determinou que fossem praticados os atos necessários à supressão ou redução do tributo. Deve haver prova de alguma conduta do agente O simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de se ter dispensado ao menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada responsabilidade criminal objetiva. STJ. 6ª Turma. HC 224.728/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/06/2014. Sujeito passivo: o Estado (mais especificamente a pessoa jurídica de direito público que tinha o direito de arrecadar aquele determinado tributo que foi sonegado). Em que consiste o crime: - O crime ocorre quando a pessoa não paga nada (suprime) ou paga menos do que deveria (reduz) - o valor do tributo (imposto, taxa, empréstimos compulsórias, contribuição de melhoria ou

contribuições sociais) - ou o do acessório; - mediante uma das condutas fraudulentas previstas nos incisos. Obs: no caso do inciso V, ao contrário dos demais incisos, não se exige prova de que houve supressão ou redução do tributo. Trata-se de crime formal. Tipo objetivo (verbos do tipo): O crime pune a conduta de suprimir ou reduzir o tributo devido. Suprimir: não pagar nada do valor que deveria. Reduzir: pagar menos que era devido. Consumação:

Art. 1º, incisos I a IV: crimes materiais.

Art. 1º, inciso V: crime formal. Tentativa: É possível, apesar de ser de difícil ocorrência na prática. Existe, no entanto, uma peculiaridade interessante. Caso o agente tente suprimir ou reduzir tributo mediante

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conduta fraudulenta, mas não consiga por circunstâncias alheias à sua vontade, ele irá responder pelo crime do

art. 2º, I, da Lei n. 8.137/90 (e não pelo art. 1º da Lei nº 8.137/90 c/c o art. 14, II, do CP). O art. 2º, I é a forma tentada do art. 1º. Em vez de se valer do art. 14 do CP para fazer a adequação típica da tentativa, utiliza-se o inciso I do art. 2º. Crime material e lançamento definitivo: Como visto, os crimes dos incisos I a IV do art. 1º da Lei nº 8.137/90 são materiais. Assim, para que se configurem, é indispensável a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV 24-STF:

Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

A SV 24-STF não se aplica (não se exige constituição definitiva) para os seguintes delitos:

Art. 1º, inciso V.

Art. 2º, em todos os seus incisos. INCISO V

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Em que consiste o crime: a) O agente se nega ou deixa de fornecer nota fiscal (ou documento equivalente) relativa a venda de

mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada. Ex: o comprador pede a nota fiscal e o vendedor se nega (recusa) a fornecê-la.

b) O agente fornece a nota fiscal ou documento equivalente em desacordo com a legislação. Não se aplica a SV 24-STF (crime formal) Chamo atenção novamente para o fato de que, para configurar o crime, NÃO será necessário aguardar a constituição definitiva do crédito tributário. O inciso V do art. 1º NÃO está abrangido pela SV 24-STF. O crime do inciso V é formal:

O delito do art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/90 é formal e prescinde do processo administrativo-fiscal para o desencadeamento da persecução penal, não estando abarcado pela condicionante da Súmula Vinculante nº 24 do STF (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.534.688/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 28/3/2016).

O crime descrito no art. 1º, V, da Lei nº 8.137/90 ostenta natureza formal, ao contrário das condutas elencadas nos incisos I e IV do referido dispositivo, e a sua consumação prescinde da constituição definitiva do crédito tributário. Por consectário, o prévio exaurimento da via administrativa não configura condição objetiva de punibilidade. (STJ. 5ª Turma. RHC 31.062/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 12/8/2016).

PARÁGRAFO ÚNICO

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Em que consiste o crime: Ocorre quando a autoridade fazendária, no exercício da fiscalização tributária, dá uma ordem à pessoa exigindo alguma providência e esta se recusa a cumpri-la. Esse parágrafo único é como se fosse um crime de desobediência específico para ordens da autoridade fazendária no exercício da fiscalização. Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: O Fisco estadual estava fazendo uma fiscalização tributária na empresa Jojo Ltda. O Auditor Fiscal intimou João, sócio-administrador da pessoa jurídica, para que ele apresentasse, no prazo de 10 dias, os livros e documentos ficais das vendas efetuadas pela empresa nos anos de 2014 a 2016. Apesar disso, João não atendeu a exigência imposta. Em consequência, a Administração Tributária Estadual lavrou Auto de Infração, aplicando multa tributária de R$ 30 mil à empresa. Além disso, a SEFAZ encaminhou representação fiscal para fins penais ao Ministério Público para apurar eventual responsabilidade penal. O Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra João imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 1º, inciso V e parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.137/90. Pagamento integral da multa Quando viu que o negócio ficou complicado, João correu na SEFAZ e efetuou o pagamento integral da multa sancionatória aplicada. Depois, apresentou petição ao juiz do processo criminal requerendo a extinção da punibilidade alegando que o pagamento da multa amolda-se à hipótese prevista no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. (...) § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

O juiz deverá acatar o pedido do réu? O pagamento da multa se enquadra na previsão do § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003? NÃO.

O pagamento da penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender às exigências da autoridade tributária estadual quanto à exibição de livros e documentos fiscais não se adequa a nenhuma das hipóteses de extinção de punibilidade previstas no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003. STJ. 6ª Turma. REsp 1.630.109-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

O pagamento da multa sancionatória imposta pelo Fisco não gera a extinção da punibilidade porque se trata apenas de sanção administrativa que não se confunde com tributo e acessórios. O Código Tributário Nacional estabelece o seguinte:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Pela leitura desse dispositivo fica bastante claro que: tributo não é a mesma coisa que multa. Tributo é uma prestação que não constitui sanção de ato ilícito (art. 3º). A multa, por outro lado, possui natureza sancionatória.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Veja agora o que diz o art. 113 do CTN:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

A obrigação do contribuinte de apresentar os livros e documentos fiscais é uma obrigação acessória, consistente que é uma obrigação de fazer (prestação positiva), nos termos do § 2º do art. 113. Quando esta obrigação é descumprida, o Fisco aplica uma multa e esta penalidade pecuniária converte-se em obrigação principal (§ 3º do art. 113). Apesar de se converter em obrigação tributária principal, esta multa continua sem poder ser considerada como tributo. Assim, a penalidade pecuniária (multa) imposta ao contribuinte que deixa de atender a requisição da autoridade fiscal constitui obrigação tributária principal (art. 113, §§ 1º e 3º), mas não configura "tributo", por força do comando expresso contido no art. 3º que exclui do conceito de tributo a sanção decorrente de ato ilícito. Em outras palavras, a sanção pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender a requisição da autoridade fiscal (multa) é uma obrigação tributária principal, mas não é tributo. Interesse arrecadatório A intenção do legislador ao prever a causa de extinção da punibilidade prevista no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003 foi a de gerar maior arrecadação dos tributos. No delito do art. 1º, inciso V e parágrafo único, da Lei nº 8.137/90 não há supressão ou a redução de tributos mas, sim, desobediência das requisições da autoridade fiscal pelo contribuinte que não cumpre com obrigação de fazer, deixando de exibir livros ou documentos necessários à atividade fiscalizatória do Estado. No delito em questão, o bem jurídico tutelado é a preservação da própria função institucional do Fisco. Assim, o pagamento da multa sancionatória imposta ao contribuinte que deixa de atender a requisição da autoridade fiscal não dá ensejo à extinção da punibilidade em relação a dito delito porque isso não se coaduna com a finalidade pensada para a norma do § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SOLDADOS DA BORRACHA Antes da Lei nº 9.711/98, bastava a justificação para comprovar o exercício da atividade de

seringueiro, não sendo necessário início de prova material

Apenas concursos federais!

Os chamados "soldados da borracha" têm direito à pensão mensal vitalícia no valor de 2 salários-mínimos, nos termos do art. 54 do ADCT.

Para ter direito à pensão, o indivíduo deverá comprovar que trabalhou como seringueiro na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos do art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.986/89.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

Como é (era) feita essa comprovação? É necessário que o requerente apresente documentos?

Antes da edição da Lei nº 9.711/98: a comprovação desse trabalho podia ser feita por todos os meios de prova admitidos em direito, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial. Não se exigia início de prova material.

Depois da edição da Lei nº 9.711/98: a comprovação somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material. Assim, se for realizada justificação, administrativa ou judicial, essa prova só produzirá efeitos se for acompanhada de início de prova material. Não se admite prova exclusivamente testemunhal.

Para recebimento do benefício previsto no art. 54 do ADCT/88, a justificação administrativa ou judicial é, por si só, meio de prova hábil para comprovar o exercício da atividade de seringueiro quando requerida na vigência da Lei nº 7.986/89, antes da alteração legislativa trazida pela Lei nº 9.711/98, que passou a exigir início de prova material.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.329.812-AM, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 6/12/2016 (Info 598).

Quem são os chamados “soldados da borracha”? “Soldados da borracha” são as pessoas que, durante a Segunda Guerra Mundial, foram recrutadas pelo Governo brasileiro, em diversas partes do país (em especial no nordeste) para trabalharem nos Seringais da Região Amazônica, extraindo látex natural, que seria utilizado para abastecer a indústria bélica dos Estados Unidos. Na época, o látex era produzido pela Malásia, que o exportava para praticamente todo o mundo. Ocorre que o Japão (adversário dos EUA) conseguiu invadir a Malásia e impedir o fornecimento para as indústrias norte-americanas. Desse modo, os Estados Unidos tiveram que buscar uma alternativa para conseguir o látex e assinaram um acordo com o Brasil se comprometendo a fazer investimentos na retomada da produção da borracha na Amazônia (que já tinha sido a principal produtora do látex anos atrás). O Governo brasileiro, em contrapartida, precisava de mão-de-obra para extrair a seringa (atividade extremamente penosa), razão pela qual recrutou homens para irem até a região desempenhar o trabalho. Esse acordo com Washington ficou materializado pelo Decreto-Lei nº 5.813/43, assinado por Getúlio Vargas. Os soldados da borracha recebem esse nome porque são brasileiros que, de alguma forma, lutaram na II Guerra, não nos campos de batalha propriamente dito, mas sim na difícil e perigosa Floresta Amazônica. Lá tiveram que enfrentar um exército de adversidades, como doenças típicas da região (especialmente a malária), péssimas condições de vida e a distância da família. Nessa batalha, muitos não voltaram para casa com vida. Os “soldados da borracha” recebem algum benefício do Governo? SIM. Os soldados da borracha têm direito a dois benefícios: 1) Indenização de 25 mil reais, em parcela única, prevista no art. 54-A do ADCT da CF/88. 2) Pensão mensal vitalícia no valor de 2 salários-mínimos, nos termos do art. 54 do ADCT:

Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos. § 1º - O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial. § 2º - Os benefícios estabelecidos neste artigo são transferíveis aos dependentes reconhecidamente carentes. § 3º - A concessão do benefício far-se-á conforme lei a ser proposta pelo Poder Executivo dentro de cento e cinquenta dias da promulgação da Constituição.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

O pagamento dessa pensão mensal vitalícia (art. 54 do ADCT) foi regulamentado pela Lei nº 7.986/89, que estabelece, em seu art. 1º:

Art. 1º É assegurado aos seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, que tenham trabalhado durante a Segunda Guerra Mundial nos Seringais da Região Amazônica, amparados pelo Decreto-Lei nº9.882, de 16 de setembro de 1946, e que não possuam meios para a sua subsistência e da sua família, o pagamento de pensão mensal vitalícia correspondente ao valor de 2 (dois) salários-mínimos vigentes no País. Parágrafo único. O benefício a que se refere este artigo estende-se aos seringueiros que, atendendo ao chamamento do governo brasileiro, trabalharam na produção de borracha, na região Amazônica, contribuindo para o esforço de guerra.

Desse modo, para ter direito à pensão, o indivíduo deverá comprovar que: 1) trabalhou como seringueiro recrutado nos termos do Decreto-Lei 5.813/43, durante a Segunda Guerra Mundial, nos seringais da Região Amazônica e foi amparado pelo Decreto-Lei 9.882/46 (art. 1º, caput, da Lei nº 7.986/89); 2) trabalhou como seringueiro na Região Amazônica, atendendo ao chamamento do governo brasileiro, contribuindo para o esforço de guerra na produção da borracha, durante a Segunda Guerra Mundial (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.986/89). Como é (era) feita essa comprovação? É necessário que o requerente apresente documentos?

Redação ORIGINÁRIA da Lei nº 7.986/89 (Antes da edição da Lei nº 9.711/98)

Redação ATUAL da Lei nº 7.986/89 (Depois da edição da Lei nº 9.711/98)

A comprovação desse trabalho podia ser feita por todos os meios de prova admitidos em direito, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial. Não se exigia início de prova material. Assim, podia ser realizada justificação (administrativa ou judicial) utilizando-se apenas prova testemunhal.

A comprovação somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material. Assim, se for realizada justificação, administrativa ou judicial, essa prova só produzirá efeitos se for acompanhada de início de prova material. Não se admite justificação baseada exclusivamente em oitiva testemunhal. Não se admite prova exclusivamente testemunhal.

Art. 3º A comprovação da efetiva prestação de serviços a que alude o artigo anterior far-se-á perante os órgãos do Ministério da Previdência e Assistência Social, por todos os meios de prova admitidos em direito, inclusive a justificação administrativa ou judicial.

Art. 3º A comprovação da efetiva prestação de serviços a que alude esta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal.

Justificação judicial A justificação é uma ação judicial que tem por objetivo justificar (provar) a existência de algum fato ou relação jurídica que o autor alega que exista ou tenha existido. A finalidade da justificação é, portanto, unicamente a de produzir a prova sobre o fato ou a relação jurídica. O autor da justificação quer obter essa prova para que esse fato ou relação jurídica fique documentada ou para utilizar essa prova em um outro processo judicial ou administrativo. A doutrina afirma que o objetivo da justificação é documentar (reduzir a escrito) o depoimento de testemunhas. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária (não há caráter contencioso). Na justificação judicial, é possível que o autor junte documentos, no entanto, o objetivo principal da justificação é colher o depoimento de testemunhas que possam comprovar aquilo que está sendo alegado pelo requerente.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

Não se admite outras provas, como depoimento pessoal do autor, perícia etc. As únicas provas possíveis na justificação são a prova documental e a oitiva de testemunhas. O juiz irá, então, colher o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor e, ao final, lavrará uma sentença. O juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a verificar se foram observadas as formalidades legais para a colheita dos depoimentos. Assim, na sentença da justificação, o juiz não examina a veracidade do fato alegado pelo autor. O juiz, na justificação, atua apenas como um coletor da prova testemunhal, fiscalizando ainda para que o processo obedeça aos trâmites previstos na lei. Caso concreto julgado pelo STJ: Em agosto de 1997 foi proposta justificação judicial para comprovar o trabalho de João como seringueiro durante a Segunda Guerra. Neste processo de justificação, João apresentou apenas testemunhas e não juntou nenhum documento. A justificação foi homologada em 1999. Repare que a justificação foi proposta antes da Lei nº 9.711/98, mas somente foi julgada depois da mudança legislativa. Diante desse cenário, indaga-se: essa justificação judicial de João poderá ser utilizada para a concessão da pensão mensal vitalícia? SIM.

Se a justificação judicial foi protocolizada ainda na vigência da redação original do art. 3º da Lei nº 7.986/89 (ou seja, antes da Lei nº 9.711/98), ela poderá ser utilizada para a comprovação da condição do autor como seringueiro, sem que seja necessária qualquer outra prova material. STJ. 1ª Turma. REsp 1.329.812-AM, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 6/12/2016 (Info 598).

Quem propõe a justificação judicial em favor do "soldado da borracha"? Redação originária da Lei nº 7.986/89 (antes da Lei nº 9.711/98): o MPF. Redação atual da Lei nº 7.986/89 (depois da Lei nº 9.711/98): a DPU. Observações finais Onde é feito o requerimento desses benefícios do "soldado da borracha"? No INSS. Caso a autarquia indefira o pedido, a parte prejudicada poderá ajuizar uma ação, que é de competência da Justiça Federal (art. 109, I), podendo, contudo, ser julgada pela Justiça Estadual se a comarca onde for domiciliado o beneficiário não for sede de vara do juízo federal (§ 3º do art. 109 da CF/88). A pensão e a indenização de que tratam os arts. 54 e 54-A do ADCT são consideradas benefícios previdenciários? NÃO. Apesar de serem administradas pelo INSS, tais verbas possuem natureza jurídica de “benefícios assistenciais”. Isso porque não existem contribuições prévias destinadas ao seu custeio.

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Incide contribuição do PSS sobre a correção monetária dos valores remuneratórios

atrasados recebidos pelo servidor público por força de decisão judicial

Incide contribuição previdenciária sobre os valores recebidos a título de CORREÇÃO MONETÁRIA em execução de sentença na qual se reconheceu o direito a reajuste de servidores públicos.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.268.737-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Por outro lado, não há incidência de contribuição previdenciária sobre os JUROS DE MORA relativos às diferenças remuneratórias pagas aos servidores públicos. Assim, os juros moratórios consectários de condenação judicial que reconheceu a mora da Administração Pública no pagamento de diferenças remuneratórias aos servidores não integram a base de cálculo da contribuição para o PSS, prevista no art. 16-A da Lei nº 10.887/2004.

STJ. 1ª Seção. REsp 1239203/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/12/2012.

Plano de Seguridade Social (PSS) A Lei nº 8.112/90 afirmou que a União deverá assegurar aos servidores públicos federais um plano de seguridade social:

Art. 183. A União manterá Plano de Seguridade Social para o servidor e sua família.

A fim de garantir recursos para esse Plano de Seguridade Social, a Lei determinou que os servidores públicos federais devem pagar, todos os meses, uma contribuição previdenciária de 11% sobre a sua remuneração. Isso é chamado de contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público - PSS. Imagine agora que um servidor público ingressa com ação judicial pedindo o pagamento de determinada gratificação. Suponhamos que a demanda seja julgada procedente. Incidirá contribuição previdenciária sobre o valor que será pago a esse servidor? SIM. Haverá pagamento de contribuição previdenciária sobre essa quantia. Isso porque se o servidor tivesse recebido administrativamente o valor, incidiria a contribuição. Mesmo tendo recebido judicialmente, ainda assim deverá pagar porque continua sendo uma verba de natureza salarial. Vale ressaltar que, neste caso, o valor da contribuição será retido na fonte, ou seja, antes de ser pago ao servidor, já se desconta o montante da contribuição, conforme previsto no art. 16-A da Lei nº 10.887/2004:

Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS), decorrente de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação de acordo, será retida na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou seu representante legal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio da quitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago.

O objetivo deste art. 16-A é facilitar a arrecadação da mencionada contribuição, evitando-se o abarrotamento de processos no Poder Judiciário com ajuizamento de ações de execução sobre eventuais valores devidos a título de contribuição ao PSS, de modo a concretizar os princípios constitucionais da eficiência administrativa, da economia e da celeridade processual. Para que haja essa retenção na fonte da contribuição previdenciária, é necessário que a sentença que determinou o pagamento preveja expressamente?

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

NÃO.

A retenção na fonte da contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público - PSS, incidente sobre valores pagos em cumprimento de decisão judicial, prevista no art. 16-A da Lei nº 10.887/2004, constitui obrigação ex lege e como tal deve ser promovida independentemente de condenação ou de prévia autorização no título executivo. STJ. 1ª Seção. REsp 1196777/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 27/10/2010 (recurso repetitivo).

Ao se calcular a contribuição previdenciária que será retida na fonte, deve-se levar em consideração apenas o valor principal ou também se inclui a correção monetária? Ex: o servidor ganhou, em processo judicial, o direito de receber uma gratificação que não lhe estava sendo paga. O valor principal é R$ 100 mil e a correção monetária corresponde a R$ 5 mil. A contribuição previdenciária incidirá sobre R$ 100 mil ou sobre R$ 105 mil? A alíquota de 11% incidirá sobre R$ 100 mil ou sobre R$ 105 mil? A alíquota de 11% incidirá sobre o principal corrigido, ou seja, valor principal mais correção monetária.

Incide contribuição previdenciária sobre os valores recebidos a título de correção monetária em execução de sentença na qual se reconheceu o direito a reajuste de servidores públicos. STJ. 1ª Turma. REsp 1.268.737-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 14/2/2017 (Info 598).

Isso se justifica porque a atualização (correção) integra o próprio principal. A correção monetária não é um valor a mais (um "plus"), sendo simplesmente a atualização do valor principal. Além disso, o pagamento de verbas salariais, recebidas em atraso, não altera a natureza jurídica dos referidos valores, uma vez que se trata de retribuição por trabalho efetivamente realizado. Logo, incide contribuição previdenciária sobre a quantia recebida a título de correção monetária oriunda do pagamento, em atraso, de verbas salariais. Ao se calcular a contribuição previdenciária que será retida na fonte, deve-se levar em consideração também os juros moratórios? Ex: o servidor ganhou, em processo judicial, o direito de receber uma gratificação que não lhe estava sendo paga. O valor principal é R$ 100 mil e os juros moratórios correspondem a R$ 10 mil. A contribuição previdenciária incidirá sobre R$ 100 mil ou sobre R$ 110 mil? A alíquota de 11% incidirá sobre R$ 100 mil ou sobre R$ 110 mil?

Não há incidência de contribuição previdenciária sobre os juros de mora relativos às diferenças remuneratórias pagas aos servidores públicos. Assim, os juros moratórios consectários de condenação judicial que reconheceu a mora da Administração Pública no pagamento de diferenças remuneratórias aos servidores não integram a base de cálculo da contribuição para o PSS, prevista no art. 16-A da Lei nº 10.887/2004. STJ. 1ª Seção. REsp 1239203/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/12/2012.

(...) 1. O ordenamento jurídico atribui aos juros de mora a natureza indenizatória. Destinam-se, portanto, a reparar o prejuízo suportado pelo credor em razão da mora do devedor, o qual não efetuou o pagamento nas condições estabelecidas pela lei ou pelo contrato. Os juros de mora, portanto, não constituem verba destinada a remunerar o trabalho prestado ou capital investido. 2. A não incidência de contribuição para o PSS sobre juros de mora encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que autoriza a incidência de tal contribuição apenas em relação às parcelas incorporáveis ao vencimento do servidor público. (...) 3. A incidência de contribuição para o PSS sobre os valores pagos em cumprimento de decisão judicial, por si só, não justifica a incidência da contribuição sobre os juros de mora. Ainda que se admita a integração da legislação tributária pelo princípio do direito privado segundo o qual, salvo disposição em contrário, o bem acessório segue o principal (expresso no art. 59 do CC/1916 e implícito no CC/2002), tal integração não pode implicar na exigência de tributo não previsto em lei (como ocorre com a analogia), nem na

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dispensa do pagamento de tributo devido (como ocorre com a equidade). 4. Ainda que seja possível a incidência de contribuição social sobre quaisquer vantagens pagas ao servidor público federal (art. 4º, § 1º, da Lei 10.887/2004), não é possível a sua incidência sobre as parcelas pagas a título de indenização (como é o caso dos juros de mora), pois, conforme expressa previsão legal (art. 49, I e § 1º, da Lei 8.112/90), não se incorporam ao vencimento ou provento. Por tal razão, não merece acolhida a alegação no sentido de que apenas as verbas expressamente mencionadas pelos incisos do § 1º do art. 4º da Lei 10.887/2004 não sofrem a incidência de contribuição social. (...) STJ. 1ª Seção. REsp 1239203/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/12/2012.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (Juiz TJRJ 2016 VUNESP) Pelo princípio da continuidade do serviço público, não podem os serviços

públicos ser interrompidos, visto que atendem a necessidades prementes e inadiáveis da coletividade, e, portanto, não é permitida paralisação temporária de atividades, mesmo em se tratando de serviços prestados por concessionários e permissionários, mediante pagamento de tarifa, como fornecimento de energia, ainda que o usuário esteja inadimplente. ( )

2) (Defensor DPE-PE 2015 CESPE) Segundo o entendimento jurisprudencial dominante no STJ relativo ao princípio da continuidade dos serviços públicos, não é legítimo, ainda que cumpridos os requisitos legais, o corte de fornecimento de serviços públicos essenciais, em caso de estar inadimplente pessoa jurídica de direito público prestadora de serviços indispensáveis à população. ( )

3) (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) Ainda que motivada por situação de emergência, ou após aviso prévio, por motivos de ordem técnica ou de segurança das instalações, a interrupção no fornecimento de serviços públicos fere o princípio da continuidade dos serviços públicos. ( )

4) A divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95. ( )

5) O STJ considera que se a pessoa tem que alterar seu domicílio em virtude da aprovação em concurso público, isso ocorre no interesse próprio da pessoa (e não no interesse da Administração). Assim, não há direito subjetivo à remoção do art. 36, III, "a", da Lei nº 8.112/90, considerando que a pessoa estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso da residência do cônjuge. ( )

6) A “teoria do fato consumado" não pode ser aplicada para consolidar remoção de servidor público destinada a acompanhamento de cônjuge, em hipótese que não se adequa à legalidade estrita, ainda que tal situação haja perdurado por vários anos em virtude de decisão liminar não confirmada por ocasião do julgamento de mérito. ( )

7) A instauração de processo disciplinar contra servidor efetivo cedido deve ocorrer, preferencialmente, no órgão cedente. Por outro lado, o julgamento e a eventual aplicação de sanção devem ocorrer no órgão cessionário. ( )

8) As crianças, mesmo da mais tenra idade, gozam de proteção irrestrita dos direitos da personalidade. Assim, elas fazem jus à indenização por dano moral. ( )

9) A conduta de um adulto que pratica agressão verbal ou física contra criança ou adolescente configura elemento caracterizador da espécie do dano moral in re ipsa. ( )

10) O seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance) não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading. ( )

11) Os sucessores da vítima não têm legitimidade para ajuizar ação de cobrança de pagamento de indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente ocorrida antes da morte daquela. ( )

12) Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento

Informativo 598-STJ (29/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. ( )

13) (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) Será nulo o casamento do divorciado, enquanto não for homologada ou decidida a partilha dos bens do casal, ainda que seja demonstrada a inexistência de prejuízo para o ex-cônjuge. ( )

14) (Juiz Substituto TJDFT 2015 CESPE) É obrigatório que o juiz homologue acordo a respeito da partilha de bens em ação de separação judicial, ainda que o magistrado constate a ocorrência de efetivo prejuízo a um dos cônjuges. ( )

15) É legal a conduta de fornecedor que concede apenas 3 (três) dias para troca de produtos defeituosos, a contar da emissão da nota fiscal, e impõe ao consumidor, após tal prazo, a procura de assistência técnica credenciada pelo fabricante para que realize a análise quanto à existência do vício. ( )

16) (Promotor MP/AM 2015 FMP) Consideram-se produtos essenciais os indispensáveis para satisfazer as necessidades imediatas do consumidor. Logo, na hipótese de falta de qualidade ou quantidade, não sendo o vício sanado pelo fornecedor, assinale a alternativa correta. A) O consumidor tem apenas o direito de exigir a substituição do produto por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso. B) Abre-se, para o consumidor, o direito de, alternativamente, solicitar, dentro do prazo de 7 (sete) dias, a substituição do produto durável ou não durável por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou, ainda, o abatimento proporcional do preço. C) É direito do consumidor exigir apenas a substituição do produto durável por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou, sendo não durável, a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou, ainda, o abatimento proporcional do preço. D) É direito do consumidor exigir a substituição do produto por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou, a seu critério exclusivo, a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou, ainda, o abatimento proporcional do preço. E) É direito do consumidor exigir a substituição do produto durável ou não durável, dentro do prazo de 90 (noventa) dias, por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou, a seu critério exclusivo, a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou, ainda, o abatimento proporcional do preço.

17) (Juiz TJPB 2015 CESPE) Em se tratando de execução fiscal, não são decididos pelo juízo universal os atos que importem em constrição do patrimônio de sociedade empresarial em recuperação judicial. ( )

18) (Defensor DPE-MA 2015 FCC) Sobre direito falimentar, é correto afirmar que a vis attractiva do juízo universal da falência abrange todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas. ( )

19) O juízo onde tramita o processo de recuperação judicial é o competente para decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo. ( )

20) (PGM Goiânia 2015 UFG) O Município de Goiânia ajuizou execução fiscal em face de empresa prestadora de serviços que acumulava débitos relativos a tributos municipais. No curso da execução fiscal houve a falência da empresa devedora. Nesse contexto, (A) a falência superveniente da devedora ocasiona a paralisação do processo de execução fiscal. (B) o produto da alienação dos bens penhorados deve ser repassado ao Juízo universal da falência, para apuração das preferências do crédito. (C) a penhora realizada em momento anterior à falência deve ser desconstituída. (D) a execução fiscal deve ser julgada extinta, sem resolução de mérito, devendo a municipalidade habilitar-se no concurso de credores ante o juízo da falência.

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21) É inadequada a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais considerando que esta expressão não abrange os honorários periciais. ( )

22) Configura o delito de extorsão a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida. ( )

23) (PGM Campinas 2016 FCC) A conduta de deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ao comprador de mercadoria constitui crime contra A) a Administração pública direta. B) as relações de consumo. C) a ordem econômica. D) o consumidor. E) a ordem tributária.

24) (Juiz TJDFT 2016 CESPE) A supressão ou redução de tributo por meio da conduta de negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativo a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou de fornecê-la em desacordo com a legislação, não configura crime contra a ordem tributária, dado que a administração dispõe do processo de execução fiscal para cobrar tais valores. ( )

25) (Juiz TJPB 2015 CESPE) Deixar de fornecer, quando obrigatória, nota fiscal relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço efetivamente realizado é crime cuja conduta típica classifica-se como material, visto que somente se consuma quando há o lançamento definitivo do tributo. ( )

26) (Promotor MP/MG 2013) Segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo, a supressão ou redução deste, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas, EXCETO: A) Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. B) Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal. C) Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável. D) Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato.

27) O pagamento da penalidade pecuniária imposta ao contribuinte que deixa de atender às exigências da autoridade tributária estadual quanto à exibição de livros e documentos fiscais não se adequa a nenhuma das hipóteses de extinção de punibilidade previstas no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.864/2003. ( )

28) Para recebimento do benefício previsto no art. 54 do ADCT/88, a justificação administrativa ou judicial é, por si só, meio de prova hábil para comprovar o exercício da atividade de seringueiro quando requerida na vigência da Lei nº 7.986/89, antes da alteração legislativa trazida pela Lei nº 9.711/98, que passou a exigir início de prova material. ( )

29) Incide contribuição previdenciária sobre os valores recebidos a título de correção monetária em execução de sentença na qual se reconheceu o direito a reajuste de servidores públicos. ( )

30) Incide contribuição previdenciária sobre os juros de mora relativos às diferenças remuneratórias pagas aos servidores públicos. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. C 6. C 7. E 8. C 9. C 10. C

11. E 12. C 13. E 14. E 15. C 16. Letra D 17. E 18. E 19. C 20. Letra B

21. E 22. C 23. Letra E 24. E 25. E 26. Letra A 27. C 28. C 29. C 30. E