Incidência e fatores de risco de contaminação por fungos … · À Prof. Dra. Cristiane Gorgati...
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Adriana Novaes Rodrigues
Incidncia e fatores de risco de contaminao por fungos
filamentosos na mucosa oral de trabalhadores rurais das
culturas de cana-de-acar, laranja e abacaxi da regio de
Frutal-MG
Tese apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. Programa de Patologia Orientador: Prof. Dr. Alfsio Lus Ferreira Braga
EDIO CORRIGIDA
So Paulo 2016
Adriana Novaes Rodrigues
Incidncia e fatores de risco de contaminao por fungos
filamentosos na mucosa oral de trabalhadores rurais das
culturas de cana-de-acar, laranja e abacaxi da regio de
Frutal-MG
Tese apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. Programa de Patologia Orientador: Prof. Dr. Alfsio Lus Ferreira Braga
EDIO CORRIGIDA Original disponvel na Biblioteca USP. (ART. 5 da Resoluo CoPGr 6018 de 13 Outubto 2911)
So Paulo 2016
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
reproduo autorizada pelo autor
Rodrigues, Adriana Novaes
Incidncia e fatores de risco de contaminao por fungos filamentosos na mucosa
oral normal de trabalhadores rurais das culturas de cana-de-acar, laranja e abacaxi
da regio de Frutal-MG / Adriana Novaes Rodrigues. -- So Paulo, 2016.
Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. Programa de Patologia.
Orientador: Alfsio Lus Ferreira Braga.
Descritores: 1.Epidemiologia 2.Fungos filamentosos 3.Trabalhadores rurais
4.Sade ocupacional 5.Patologia bucal 6.Fungos/patogenicidade 7.Infeco fngica
USP/FM/DBD-346/16
DEDICO
minha me Rita Novaes Rodrigues (in memoriam) que agora sabe que a vida
continua - sempre fazemos o melhor que sabemos te amo me! Tudo que sou
devo a voc!
s minhas filhas (Trs Marias):
Maria Luiza (in memoriam), tudo comeou com um pedido de mestrado e
chegamos juntas at aqui. Mar do meu mundo, sol da minha eternidade!
Maria Fernanda, corao generoso, caridoso e afvel, obrigada pelas oraes
nos momentos difceis. Raio de luz vindo de Deus!
Maria Julia, doce, caridosa e determinada, quando eu crescer, eu quero
conseguir rezar como voc. Preciosa harmonia no meu corao!
Ao meu marido Joo Maluf Franco, companheiro de todas as horas, nunca me
deixou desistir, amigo de outras vidas te agradeo por cada momento.
Ao meu querido irmo Joo Ozrio Rodrigues Neto, meu orientador desde
pequena, sem voc eu no teria conseguido, abaixo de Jesus o maior mdico
que j conheci: sbio, simples e dedicado.
minha cunhada Chames Maluf irm que sempre pude contar, mesmo nos
momentos mais loucos.
s amigas eternas - Eunice Marques Silva, Eusamar Antunes Bernardes e
Andreia Ferreira - por no terem medido esforos para me ajudar, muitos risos,
muitas lgrimas, muitas histrias - irms de corao.
Ao Prof. Dr. Sir Arthur Eddington (in memoriam) - Compartilho de sua ideia Sem
Deus no h cincia Hoje podemos provar atravs de suas teorias, que a
mediunidade est diretamente ligada fora eletromagntica.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo Amor incondicional e Pacincia extrema, tornando as dificuldades
insignificantes.
Meu profundo agradecimento ao meu orientador Prof. Dr. Alfsio Lus Ferreira
Braga. Registro aqui em palavras o meu apreo pela oportunidade e apoio, que
sempre me dedicou.
Ao Prof. Dr. Josias Andrade Sobrinho (in memoriam), meu orientador de
mestrado e ao Prof. Dr. Odilon Victor Porto Dedardini, por terem me reintroduzido
na pesquisa.
Prof. Dra. Cristiane Gorgati Guidorene, que alm de decifrar os enigmas mais
difceis desta pesquisa, resumiu a vida de um professor, quando disse ... ensino
porque eu gosto.
Aos voluntrios (annimos) desta pesquisa, que aceitaram deixar um pedacinho
de suas vidas marcadas para a cincia.
Aos amigos Wagner Guidi, Vera Lucia Farias, Rodrigo Hidalgo Mendona e
Alexandre Faria - continuamos a escrever nossa histria.
Ao amigo e funcionrio Thiago Luiz Vieira Rezende, por toda ajuda durante a
execuo desta meta junto a USP. Serei eternamente grata!
Ao editor de layout dos Cadernos UNIFOA, Laert dos Santos Andrade por me
ensinar a preciosa arte dos grficos.
Aos amigos e funcionrios das usinas, dos campos de cana-de-acar, dos
campos de laranja e de abacaxi, que colaboraram para execuo da pesquisa.
Aos amigos e funcionrios da UEMG Campus Frutal.
Aos meus mentores Solano e Meimei - eu sei o quanto deve ser difcil me ajudar
Obrigada a vocs e a todos os irmos espirituais que me auxiliam em minha
jornada pele Terra.
Deus!
...dai ao viajor a Estrela Guia, ao aflito a
consolao, ao doente o repouso...
Prece de Caritas
SUMRIO
Lista de figuras
Lista de tabelas
Resumo
Abstract
1. INTRODUO ............................................................................... 1
1.1 Relevncias e justificativa .................................................................. 7
2 REVISO BIBLIOGRFICA .................................................................. 10
2.1 Cana-de-acar ................................................................................ 10
2.2 Plantio de laranja ............................................................................... 18
2.3 Plantio de abacaxi .............................................................................. 20
2.4 Os fungos ............................................................................................. 22
2.4.1 Alguns gneros de fungos filamentosos de importncia
Clnica ................................................................................... 31
2.5 A cidade de Frutal .............................................................................. 37
3 OBJETIVOS .......................................................................................... 40
3.1 Objetivo geral ..................................................................................... 40
3.2 Objetivos especficos ......................................................................... 40
4 MTODOS ............................................................................................ 41
4.1 Clculo de tamanho de amostra ........................................................ 41
4.2 Fatores de incluso ............................................................................ 43
4.3 Fatores de excluso ........................................................................... 44
4.4 Fatores de encerramento ................................................................... 44
4.5 Condutas aos possveis contaminados .............................................. 44
4.6 Fases da coleta no perodo das culturas ........................................... 45
4.7 Amostras e coletas ............................................................................. 47
4.8 Exame do meio ambiente .................................................................. 49
4.9 Transporte e armazenamento ............................................................ 54
4.10 Identificao de fungos filamentosos ............................................... 54
4.11 Procedimentos para cultura ............................................................. 55
4.12 Anlise esttica dos resultados ........................................................ 56
4.13 Oramento e recursos ...................................................................... 57
5 RESULTADOS ...................................................................................... 58
5.1 Condies climticas ......................................................................... 58
5.2 Caractersticas sociodemogrficas .................................................... 58
5.3 Contaminaes ambientais ................................................................ 60
5.4 Contaminao nos trabalhadores rurais ............................................ 61
5.4.1 Riscos de contaminao nos trabalhadores rurais ............... 64
6 DISCUSSO ......................................................................................... 66
7 CONCLUSO ....................................................................................... 79
8 CONSIDERAES FINAIS .................................................................. 80
9 ANEXOS ............................................................................................... 81
10 BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 87
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Etapas do processo produtivo da cana no setor sucroalcooleiro
17
Figura 2 Plantadeira PMA 1800 Wagner Guidi-2014 21
Figura 3 Mostra esquematicamente o ciclo de reproduo assexuada dos fungos filamentosos
24
Figura 4 Turma do Curso de Aplicao de 1913-1914 do Instituto Oswaldo Cruz
28
Figura 5 Contaminao da cana-de-acar em planta adulta 31
Figura 6 Localizao da cidade de Frutal 38
Figura 7 Localizao da cidade de Frutal na Macrorregio 39
Figura 8 Fluxo do estudo na linha-tempo 46
Figura 9 Produto usado como meio de cultura para fungos 49
Figura 10 Placa de exposio ambiental na cultura de laranja 52
Figura 11 Distribuio das placas de Petri nos campos das culturas
53
Figura 12 Percentagem de placas de Petri contaminadas nos tempos de estudo definidos nesta pesquisa
60
Figura 13 Nmero de colnias encontradas como contaminantes nos trs tempos de anlise nas culturas e no meio ambiente
61
Figura 14 Nmero de trabalhadores que apresentaram contaminao fngica, nos referentes tempos de observao do estudo
62
Figura 15 Placa com Aspergillus niger, aps repique 63
Figura 16 Placas com Frente e Verso de A. niger. 63
Figura 17 Aspergillus niger (X100 LPCB: Nikon) 63
Figura 18 Aspergillus niger (X400 LPCB: Nikon) 64
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Anlise descritiva das caractersticas demogrficas e
renda dos trabalhadores rurais. Teste Kruskal-Walis
na cana-de-acar e abacaxi com p>0,05; 2-Teste
Kruskal-Walis na laranja e abacaxi com p>0,05.
59
Tabela 2 Intervalos de confiana de odds ratio e 95% para
variveis includas nos modelos individuais para
investigar fatores de risco para infeco fngica da
mucosa oral.
65
RESUMO
Rodrigues AN. Incidncia e fatores de risco de contaminaes por fungos filamentosos na mucosa oral de trabalhadores rurais das culturas de cana-de-acar, laranja e abacaxi da regio de Frutal, MG [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2016.
RESUMO: Determinadas espcies de fungos so responsveis por diversas doenas no ser humano. Estudos epidemiolgicos avaliam essas infeces tanto superficiais quanto profundas, e alguns destes avaliam em relao ao trabalho e condio de vida e sade de trabalhadores de diversas reas. Entretanto a contaminao por fungos filamentosos na regio da cavidade oral com relao atividade laboral rural no apresenta referncia. OBJETIVOS: Avaliar a incidncia de contaminao fngica na regio orofaringe normal de trabalhadores agrcolas das culturas de cana-de-acar, laranja e abacaxi do municpio de Frutal, Minas Gerais. MTODOS: Esse um trabalho longitudinal, prospectivo, tipo coorte, no randomizado, em que os participantes eram migrantes vindos para trabalho temporrio nas culturas referidas. Foram selecionados 60 participantes no momento das contrataes aps realizados os exames pr-admissionais. Avaliou-se as caractersticas sociodemogrficas dos participantes. A coleta de material investigativo seguiu a ordem: regio do sulco gengivo labial, prximo regio do freio superior e freio inferior; material da mucosa jugal direita e esquerda, com um swab para cada regio e dispostos na placa de Petri, respeitando a anatomia descrita. A coleta e anlise do material dos trabalhadores e do meio ambiente seguiram os tempos de cada cultura, determinados de (t0), (t1), (t2). Tambm foram usados para caracterizar cada fase de coleta, cultura e anlise das amostras. As amostras foram semeadas em meio Agar Sabouraud Dextrose. Aps o crescimento dos isolados, as culturas filamentosas foram submetidas s tcnicas de colnias gigantes e microcultivo. Os fungos foram identificados no microscpio com objetiva de 40 vezes. RESULTADOS: No houve diferena entre idade e sexo nos trs grupos analisados. Houve predomnio de homens afrodescendentes nas culturas de cana e laranja quando comparados ao abacaxi, que apresentou um predomnio de caucasianos. Trabalhadores de origem oriental foram detectados apenas na cultura de abacaxi. Quanto renda, os trabalhadores de abacaxi recebem salrios mais elevados do que os outros dois grupos de trabalhadores. No houve diferena em relao ao tabagismo e a ingesto de lcool entre os trs grupos analisados. Em relao contaminao do meio ambiente, tanto na planta quanto no ar, encontrou-se um maior ndice de placas de Petri contaminadas nas plantaes de abacaxi e cana-de-acar, respectivamente. Observou-se um predominio de F. moniliforme na cultura de cana-de-acar e de F.subglutians nas culturas de laranja e de abacaxi nos tempos definidos dessa pesquisa. A contaminao dos trabalhadores ocorreu no segundo tempo da pesquisa. A respeito dos voluntrios das plantaes de abacaxi, 13,3% dos trabalhadores foram infectados entre os sessenta analisados; todos os trabalhadores foram contaminados com F.subglutinans. Na cultura de cana-de-acar, 8,3% deles foram encontrados infectados, sendo 5% por A. niger e 3,3% por F.moniliforme. Dois voluntrios infectados pelo A. niger apresentaram
infeco concomitante com C. albicans. Na lavoura de laranja 1,6% foram infectados por F.subglutians. CONCLUSES: Esse estudo demonstrou que trabalhar na cultura do abacaxi se mostrou um fator de risco para infeco fngica na mucosa oral quando comparado s atividades na cultura da laranja. Houve tambm contaminao fngica na cultura de cana-de-acar quando comparado ao grupo de referncia. Outros fatores como idade, ingesto de lcool, tabagismo, renda familiar ou etnia no se mostraram estatisticamente significativos para incidncia da infeco.
Descritores: epidemiologia; fungos filamentosos; trabalhadores rurais; sade
ocupacional; infeco fngica; fungos /patogenicidade.
ABSTRACT
Rodrigues AN. Incidence and risk factors of contamination by filamentous fungi in the oral mucosa of rural workers in sugar cane, orange and pineapple crops in Frutal, MG [thesis]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2016.
ABSTRACT: Certain species of fungi are responsible for several diseases in humans. Epidemiologic studies rate those infections, both superficial and profound, and some of them rate regarding the occupation and life and health conditions of workers from several areas. However, the filamentous fungal infection in the oral cavity regarding laboral activity presents no reference. OBJETIVE: To rate the incidence of fungal contamination in the normal oropharynx of agricultural workers of sugar cane, orange and pineapple crops in the municipal district of Frutal, Minas Gerais. METHODS: This is a longitudinal, prospective and cohort work, in which the participants were migrants to temporary work in the aforesaid crops. Sixty participants were selected in the hiring moment after pre-admission examinations. The participants sociodemographic features were rated. The gathering of investigative materials followed the order: region of the gingival sulcus, close to the upper and lower lip curb region; material from the right and left jugal mucous with a swab for each region and arranged in a Petri dish, respecting the anatomy described. The gathering and analysis from workers and environment material followed the time of each culture, determined of (t0), (t1), (t2). They were also used to feature each stage of gathering, culture and analysis of samples. The samples were sown amid Sabouraud Dextrose Agar. After the growth of the isolates, the filamentous cultures were subjected to the techniques of giant colonies and microcultivation. The fungi were identified in the microscope with a 40x magnification. RESULTS: There was no difference between age and sex in the three groups studied. There was a predominance of African descent men in cane and orange crops compared to pineapple, which showed a predominance of Caucasians. Oriental workers were detected only in pineapple crop. As for income, the pineapple workers receive higher wages than the other two groups of workers. There was no difference regarding smoking and alcohol intake among the three groups analyzed. Regarding the environment contamination, both in the plant and in the air, a higher rate was found in Petri dishes contamined in pineapple and sugar cane crops, respectively. There was a predominance of F. moniliforme in the sugar cane crop and of F.subglutians in orange and pineapple crops in the times defined in this research. Contamination of workers occured in the second half of the research. Regarding the volunteers of pineapple crops, 13,3% workers were infected among the sixty analyzed; all workers were contamined with F. subglutinans. In the sugar cane crop, 8,3% of them were found infected, 5% by A. niger and 3,3% by F. moniliforme. Two volunteers infected by the A. niger presented concomitant infection with C. albicans. A worker of the orange crop was infected (1,6% ) by F. subglutians. CONCLUSIONS: This study demonstrated that working in the pineapple crop showed a risk factor for the fungal infection in the oral mucosa when compared
to the activities in the orange crop. Also, there was a fungal contamination in the sugar cane crop when compared to the reference group. Other factors such as age, alcohol intake, smoking, family income or ethnicity were not statistically significant for the incidence of infection.
Descriptors: epidemiology; filamentous fungi; rural workers; occupational
health; pathology, oral; fungi/pathogenicity; fungus diseases.
1
1 INTRODUO
Os fungos so organismos presentes na maioria dos biomas, tais como a
gua, plantas e animais, alm de se desenvolverem em ambientes inspitos
como na Antrtica (Barato, 2014) ou regies desrticas (Gonalves et al., 2016),
com uma estimativa de cerca de 611.000 mil espcies (Mora et al., 2011), sendo
que menos de 16% so descritos de sua totalidade (Kirk et al., 2008).
Normalmente, os fungos so saprfitos em relao ao homem, porm, as
alteraes do meio ambiente, dos hbitos alimentares, do uso indevido de
medicao, do aumento da expectativa de vida e do estado imunolgico podem
torn-los patognicos (Rosa, 2013). Essa patogenicidade est associada
produo de substncias designadas de micotoxinas, que so metablitos
secundrios produzidos especialmente por espcies de fungos filamentosos dos
gneros Aspergillus, Fusarium e Penicillium (Iamanaka et al., 2013). Com
capacidade mutagnica e carcinognica, as micotoxinas apresentam efeitos
deletrios sobre a sade humana e animal. Mais de 300 tipos de micotoxinas j
foram identificadas, sendo consideradas como problema de sade pblica
devido gravidade das doenas que causam (Pereira et al., 2015).
Os fungos filamentosos fazem parte de microbiomas dos seres vivos
(Clemente et al., 2012), no entanto, na designao de microbioma, est implcito
a referncia aos componentes comensais e bactrias patognicas (Moyses,
Naglik, 2012). A regio da cavidade oral humana abriga o microbioma mais
diversificado do corpo humano, e composto de diversas associaes de
microorganismos incluindo vrus, fungos, protozorios e bactrias com mais de
700 espcies j detectadas (Wade, 2013). A cavidade bucal a principal porta
de entrada dos micro-organismos existentes no meio externo para o interior do
organismo (Ghannoum, Mukherjee, 2013). A contiguidade dessa regio com os
locais vizinhos propicia a probabilidade dos micro-organismos de colonizarem
outras reas, se espalhando atravs das superfcies epiteliais contnuas e
contguas (Palone et al., 2013). Quando se refere aos microbiomas fngicos usa-
se o termo micobioma, usado pela primeira vez em 2010 para expressar a
2
somatria das palavras micologia e microbioma (Underhill e Iliev, 2014;
Ghannoum et al., 2010).
Apesar de serem considerados um componente minor dos microbiomas,
os fungos tm sido reconhecidos como detentores de um papel importante
nessas comunidades, sendo alvo de vrios estudos (Underhill e Iliev, 2014).
Projetos governamentais como o Human Microbiome Project (HMP) nos Estados
Unidos e Metagenomics of Human Intestinal Tract (MetaHit) na Europa tm
fornecido dados importantes (Tremaroli e Backehed, 2012) sobre os micobiomas
normais de vrios locais do corpo humano, entre eles o da cavidade oral. A
cavidade oral o local propcio para o crescimento micobiano (Cui et al., 2013),
e mesmo saudvel pode chegar a apresentar mais de 75 gneros de fungos
diferentes (Ghannoum et al., 2010; CuiI, et al., 2010).
Objetivamente, estudar os micobiomas humanos tem como funo
descobrir o papel que as populaes de fungos desempenham em afetar a
sade. Infelizmente, devido limitao de mtodos, dependentes de cultura em
micologia, estudos mais adiantados so restritos anlise de algumas espcies
como Candida albicans e fungos dimrficos (Perfect e Casadevall, 2006). O
conhecimento das relaes entre o trabalho e o adoecer constitui parte
integrante da cultura da humanidade, e a sade oral est inclusa nesse processo
de adoecimento do ser humano (Alexander et al., 2013). Historicamente, sade
e meio ambiente sempre estiveram intimamente relacionados (Gouveia, 1999).
Contudo somente a partir de 1990 essas relaes vm sendo debatidas de forma
mais intensa (Mangini e Silva, 2007). As condies de trabalho geram problemas
de sade de uma forma complexa, onde apenas os servios especializados nem
sempre so capazes de resolv-los (Vello, 2015). As rpidas e severas
mudanas no equilbrio ambiental determinam direta ou indiretamente muitas
das doenas da atualidade (Brauner e Zaro, 2012; Mangini, 2010). Uma dessas
mudanas pode ser observada com a chegada da cana-de-acar no Tringulo
Mineiro.
A cana-de-acar (Saccharum officinarum ) possui diversas utilidades,
tanto em sua forma in natura como na alimentao animal e humana, e at
mesmo de forma industrializada como na fabricao de rapadura, melado, lcool
3
e acar (Klein 2010; Marafante, 1993). Um subproduto da refinao de acar
o melao, produto escuro e viscoso usado na preparao de xaropes
comestveis e para numerosos produtos industriais. Ele tambm usado para a
alimentao animal como fertilizantes e at mesmo na adio do tabaco para
cachimbo e alguns cigarros (Serra e Arajo, 2011), alm de participar na
produo de rum (De Ferreira et al., 2012). O cultivo da cana estende-se s
regies tropicais e subtropicais de mais de 80 pases, sendo o Brasil seu maior
produtor, com estimativa de 642 milhes de toneladas colhidas em 2015/2016
(Conab, 2015). O aumento de interesse por essa atividade agrcola est ligado
utilizao do etanol como biocombustvel, uma alternativa que gera menos
poluio em relao ao uso de combustveis fsseis como gasolina e diesel.
A safra 2014/15 gerou aproximadamente 28,66 bilhes de litros de etanol,
ou seja, 2,53%, a mais do que os 27,96 bilhes de litros da safra 2013/14. Desse
total, 11,80 bilhes de litros foram de etanol anidro e 16,86 bilhes de litros de
etanol hidratado (Conab, 2015), o que demonstra a expressividade econmica
dessa atividade. De acordo com o levantamento da safra 2013/14 de cana-de-
acar, elaborado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Minas
Gerais foi a segunda maior produtora, em termos de rea ocupada por essa
cultura, perdendo apenas para So Paulo e superando Gois.
A rea destinada ao plantio de cana em 2015, no territrio mineiro, foi
ampliada em 14,7% em todo o Estado e a produo foi de 61,35 milhes de
toneladas, com alta de 19,80% (Conab, 2015). Sua rentabilidade poderia ser
maior, mas a perda econmica nessa atividade rural, principalmente pelas
doenas fngicas e bacteriana da planta, tem onerado os lucros agrcolas
(Embrapa, 2013).
De forma anloga economia brasileira, a economia de Minas Gerais
cresceu com o desenvolvimento de usinas de lcool e aumento significativo da
produo comercial, apresentando com isso transformaes nas condies de
vida da populao diretamente ligadas chegada de migrantes para as safras
dessa cultura (Diawara et al., 2015). Os efeitos dessa expanso repercutiram
tambm no quadro de assoreamento humano. O mercado de trabalho
transformou as relaes e tipos de vnculo empregatcio, originando profundas
4
repercusses sociais tanto na vida cotidiana como no processo sade doena
(Duarte e Oliveira, 2013). Esse processo de mobilidade espacial humana,
apresenta caractersticas e consequncias que vo alm de sua quantificao e,
muitas vezes, no possvel sua estimao (Oliveira, 2014).
Os impactos ambientais causados pela cultura da cana so amplamente
conhecidos, sendo sua principal causa a sua colheita (Dias, 2012). At 2002, ela
ocorria de modo manual com prtica da queima em aproximadamente 60% das
reas plantadas e empregavam quase 500 mil trabalhadores em todo o pas
(Conab, 2015). O resduo gerado dessa prtica atingia cerca de 160 milhes de
toneladas anuais, sendo 70,2 milhes de toneladas de bagao e 87,7 milhes de
toneladas de palha (Embrapa, 2002). No no fim de 2002, a Lei da Queima da
Cana (Lei n 11.241/2002 com vigncia no Estado de Sulo, tambm usada no
Triangulo Mineiro, que trata da queima controlada da cana-de-acar para
despalha e de sua gradual eliminao, teve o objetivo de adequar as reas de
produo ao plano de eliminao de queimadas, sendo que um dos principais
objetivos dessa lei foi a introduo do maquinrio para colheita, diminuindo o
risco sade humana (Silva, 2008). Porm, Vilela et al. (2014) contradiz essa
expectativa afirmando que a maratona dos canaviais herdada do corte manual
se revela mais veloz, e essa nova introduo do maquinrio talvez, seja mais
perigosa para os trabalhadores dos canaviais.
Nos trabalhadores da cana-de-acar, o impacto na sade tem sido
medido principalmente em relao ao esforo fsico intenso, s atividades
repetitivas, intempries climticas, utilizao macia de produtos qumicos, bem
como o meio ambiente relacionado com os efluentes das usinas processadoras
de lcool e acar (Rocha et al., 2010).Observa-se que apesar da introduo do
maquinrio e consequente diminuio de trabalhadores contratados, a
ressuspenso de partculas durante o plantio e da colheita mecanizada mantm-
se como a principal forma de disseminao de alergnicos nos campos dessa
atividade laboral (Murray e Lopez, 2013; Lim, et al., 2012).
Paralelamente ao plantio da cana-de-acar, a produo de frutas no
Brasil significativa, abrangendo uma rea total cultivada de 2,2 milhes de
hectares distribudos pelo pas e emprega em torno de 5,6 milhes de pessoas,
5
correspondendo a 34% da mo de obra rural. Minas Gerais lidera em primeiro
lugar do ranking nacional em relao produo de abacaxi (Guimares, 2014)
e quarto colocado na produo de laranja, com quase 6% da produo nacional
(Epamig, 2015).
A atividade laboral no Tringulo Mineiro tem como caracterstica
predominante o trabalho agrcola nas culturas de abacaxi, com 94% da produo
nacional (Guimares, 2014), e de laranja, com cerca de 17,48 milhes de caixas
produzidas (Fundecitrus, 2016), sendo que o Muncipio de Frutal ocupa o
primeiro lugar na produo do Estado nessas culturas (Ministrio da Agricultura,
2010). Segundo a revista especializada Campo - Negcio (2015), s no perodo
de plantio do abacaxi h uma demanda de cerca de dez trabalhadores por dia
nessa atividade e, em relao cultura da laranja, o perodo de colheita pode
atingir em torno de 120 trabalhadores/dia, dependendo dos hectares plantados,
com contratao de trabalhadores oriundos de diversos locais (Gesto do
Campo, 2015).
Em relao mo de obra empregada no municpio de Frutal na cultura
do abacaxi, a contratao por perodo temporrio quase insignificante pelo
montante do trabalho empregado, sendo que grande parte dos trabalhadores
so de convvio familiar (Mendes, 2005) e o ndice dessas contrataes atingem
menos de 10% do total de mo de obra empregada. Os acidentes de trabalho
so muito frequentes nessa atividade laboral, principalmente ferimentos no corpo
(olhos, mos, barriga, pernas, regio da virilha) provocados pelas folhas e
espinhos do abacaxi (Gonzaga et al., 2014). O contato com as plantaes
constante, sem perodos de longo afastamento dos trabalhadores (Guimares e
Matos, 2012; Mendes, 2005), o que propicia a investigao nesse grupo laboral.
Na cultura de laranja, por sua vez, emprega-se trabalhadores de ambos
os sexos com idade entre 18 a 65 anos. A colheita manual apresenta
caractersticas prprias, utilizando escada de madeira leve e arredondada,
sacolas de colheita feitas de lona com capacidade de 20 kg, tesoura ou alicate
de colheita (lminas curtas e pontas arredondadas) e cestos ou caixas plsticas
com capacidade de 27 kg (Costa, 2013). Cada trabalhador pode colher 10 mil
frutos/dia. Esses trabalhadores permanecem com os membros superiores
6
elevados por longos perodos e um dos acidentes mais comuns so as quedas
das escadas (Koller, 1994).
A rea de coleta da fruta dividida em lotes para cada grupo de
colhedores e o ganho financeiro associado, em muitos casos, produtividade
do grupo. Segundo Rodrigues et al. (2010), existem trs tipos principais de
trabalhadores de laranja: desbrotadeiros, pragueiros e colheitadores. Trabalham
por turnos de oito horas dirias, com possibilidade de mais duas horas extras por
semana. As atividades so realizadas com a utilizao de EPI (Equipamento de
Proteo Individual) fornecido pelo empregador (Costa, 2013; Rodrigues et al.,
2010).
Em relao cana-de-acar na regio do municpio em questo,
somente em 2008 a regio recebeu incentivo Federal para expanso do plantio
(Campos Filho e Santos, 2008), o que gerou um aumento na extenso da rea
plantada dessa gramnea. Frutal foi um dos que mais expandiu em extenso o
plantio da cana, gerando um aumento de migrantes oriundos principalmente do
nordeste brasileiro (Villas-Boas, 2009). Isso acarretou cerca de 27% de aumento
de atendimentos nos ambulatrios, aumento expressivo no atendimento mdico
- odontolgico (Prefeitura Municipal de Frutal, 2010), refletindo tambm no
ambulatrio de dermatologia. O processo de crescimento na regio impactou nas
condies de sade da regio, com um aumento de internaes hospitalares por
doenas diversas. Devido s subnotificaes dos agravos relacionados ao
trabalho na cana-de-acar, no se pode avaliar o real dano sade desses
trabalhadores (Villas-Boas, 2009).
Na clnica geral, as micoses dependem do agente causal, do local da
infeco e da predisposio do hospedeiro. Uma das classificaes prticas
utilizada e baseada na localizao da infeco classifica-as como superficiais,
cutneas, subcutneas e profundas ou sistemicas (Coronado-Castellote e
Jimnez-Soriano, 2013).
Em relao especialidade dermatolgica ambulatorial, as infeces
fngicas superficiais e cutneas so encontradas com frequncia, e em sua
maioria, seus aspectos clnicos so bastante caractersticos, facilitando assim o
7
diagnstico (Pires et al., 2014; Aquino, Constante e Bakos, 2007; Brilhante et al.,
2000). Muitos fatores interferem na incidncia dessas micoses e, entre eles,
podemos citar condies bioclimticas favorveis ao desenvolvimento dos
fungos em vida saproftica, promiscuidade, sudao e contato prolongado com
pequenos animais (Mendes, 2014; Aquino, Constante e Bakos, 2007; Almeida et
al., 2004).
Entre as diversas patologias atendidas no ambulatrio de dermatologia do
Muncipio, observou-se um aumento de leses do tipo afta em regio oral. Essas
leses observadas nos trabalhadores oriundos dos campos de cana-de-acar
j haviam sido observadas em outras culturas tpicas da regio, porm, em
menor ndice. As leses eram de difcil controle clnico havendo, muitas vezes,
a necessidade da realizao de biopsia. Em alguns casos, o resultado
histopatolgico constatou a presena de fungos filamentosos no material
analisado, o que despertou interesse do pesquisador sobre o caso, buscando
uma investigao mais aprimorada.
Baseando-se na literatura referendada, que relata a grande incidncia de
fungos nas plantaes de cana-de-acar e outras culturas associadas a
possibilidade de contaminao fngica humana pelas condies ambientais em
que os trabalhadores esto expostos, questionou-se a existncia de uma relao
entre atividade laboral e contaminao humana em regio oral por fungos
filamentosos.
1.1 Relevncias e Justificativa
Desde a segunda metade do sculo XX observa-se que determinadas
espcies de fungos tm emergido de uma forma crescente, sendo responsveis
por diversas doenas no ser humano (Jesus, 2013; Abu-Elteen e Hamad, 2012;
Fisher et al., 2012). Mesmo com um aumento expressivo de cerca de 200% nas
ltimas dcadas (Robbins et al., 2011), as micoses no so doenas de
notificao compulsria para a Organizao Mundial de Sade e, no Brasil, o
diagnstico ainda mais desfavorvel, especialmente em reas onde no h um
8
mdico com qualificao profissional para diagnostic-las corretamente e trat-
las (Nascimento et al., 2014; Lacaz, 2002).
A atividade rural no pas sempre foi expressiva, mas as condies de
trabalho e de vida sempre foram muito precrias, principalmente nas
monoculturas, o que tm sido fonte de desgaste e adoecimento do trabalhador
mesmo com a modernizao dos campos (Scopinho, 2010).
No agronegcio, os trabalhadores de cana-de-acar so um grupo
especial de atividade laboral realizada ao ar livre, com a exposio do homem
diretamente ligada s condies adversas do meio ambiente, como altas
temperaturas; com roupas inadequadas e equipamentos de proteo mnima
para o trabalho (Villas-Boas, 2009; Rumin, Navarro e Periot, 2008; Scopinho, Eid
e Viana, 2003).
A relao trabalho-condio de vida e sade geram diversos estudos
sobre os danos para a sade de trabalhadores de diversas reas. Quando se
associa essa relao ambiental e humana lavoura de cana-de-acar
(Bittencourt, Ruas e Maia, 2012), alm de que, no Brasil, a sade bucal tem sido
negligenciada, no levando em considerao que qualquer problema de origem
bucal pode provocar desconforto fsico e emocional e prejuzos considerveis
sade geral (Santos e Leite, 2012), obtm-se um cenrio que pode favorecer a
contaminao fngica filamentosa em mucosa oral nessa atividade laboral.
Em relao aos estudos epidemiolgicos, esses mostram a distribuio
dos diversos agentes etiolgicos causadores de infeces fngicas superficiais
e cutneas nos Estados de So Paulo, Gois, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal (Barbosa et al., 2014; Ministrio da
Sade, 2010).
Porm, as infeces de mucosas oral, por serem menos caractersticas,
so menos reportadas, desconhecendo-se dados precisos sobre incidncia e
prevalncia destes quadros (Neme, 2004; Brilhante et al., 2000). As poucas
pesquisas realizadas em relao s mucosas avaliaram somente a mucosa
ocular e nenhuma analisou especificamente quanto possvel influncia fngica
9
filamentosa na regio orofaringe (Dalfr et al., 2007; Novaes 2007; Scopinho,
Eid, Viana, 1999).
Trabalhadores das culturas de abacaxi e laranja j vinham apresentando
leses semelhantes s dos trabalhadores recm-chegados ao municpio. Com o
aumento da migrao para a regio devido ao plantio da cana-de-acar
associado observao emprica de aumento de leses em regio oral, gerou-
se a necessidade de responder ao questionamento da possvel associao da
atividade sucroalcooleira com o quadro dermatolgico, porque no h nenhum
levantamento especfico realizado pelos rgos de sade at o momento. A
comparao de trabalhadores de outras atividades poderia dar uma posio
mais fidedigna na busca dessa resposta, devido falta, na literatura vigente, de
uma anlise sobre a contaminao fngica filamentosa em mucosa oral em
trabalhadores das culturas de cana-de-acar, abacaxi e laranja.
Assim, o presente estudo pretende contribuir para o conhecimento da
exposio profissional a fungos filamentosos potencialmente patognicos
sade dos trabalhadores dos campos de cana-de-acar, comparando-os ao
dos campos de laranja e abacaxi, visando facultar dados para uma adequada
avaliao do risco e vigilncia mdica aos trabalhadores.
10
2 REVISO BIBLIOGRFICA
2.1 Cana-de-acar
Passeando pela histria
A cana-de-acar uma gramnea originria do sudeste da sia onde
cultivada desde pocas remotas, sendo considerada uma planta silvestre e
ornamental (Ribeiro,1997). Ela constituda de um sistema radicular (colmos),
onde predomina o estoque de sacarose; as folhas esto dispostas ao redor da
cana, nos ndulos inter-colmos e tambm na parte superior da planta, onde se
localiza a gema apical (palmito) (Mantelatto, 2005).
Brandes, em 1956, atribuiu Nova Guin o local original da cana-de-
acar, o que mais aceito atualmente (Irvine, 1993; Barnes, 1964).
Tomando como ponto de referncia a Nova Guin, a cana teve trs
principais rotas de disseminao atravs dos tempos: por volta do ano 8000 a.C.,
a cana-de-acar foi levada para as Ilhas Solomon, Nova Calednia, e Novas
Hbridas; dois mil anos depois, aproximadamente, no ano 6000 a.C., seguiu em
direo ao leste a caminho das Filipinas, Indonsia, Bornu, Java, Malsia,
Burma e para a ndia; e, finalmente, entre os anos 550 e 1100 d.C., seguiu o
caminho oeste em direo a Fiji, e de Fiji para Samoa, Taiti e Hava, assim como
para outras regies da Oceania (Innes (Review Blackburn,1985)).
A mais antiga meno escrita sobre a cana-de-acar foi encontrada em
arquivos indianos datados de 1400-1000 a.C. (Irvine, 1993). Ao ser levada para
a ndia foi considerada uma planta dos deuses, como descrito no "Atharvaveda",
o livro dos Vedas (escritura sagrada do povo indiano), atravs da descrio do
deus Kamadeva. Esse deus representado como um jovem bonito e alado que
carrega um arco feito de cana-de-acar e com uma corda feita de mel de
abelhas. J nas Sagradas Escrituras crists, a cana-de-acar reportada para
20.000 a.C., e foi citada em Isaias 42:3: no esmagar a cana quebrada, nem
apagar a torcida que fumega: em verdade, promulgar o direito... (Cesnik e
Miocque, 2004), e nessa poca era usada como alimento e remdio. Era
http://pt.wikipedia.org/wiki/Asahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arco_(arma)http://pt.wikipedia.org/wiki/Cana-de-a%C3%A7%C3%BAcarhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Melhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Abelha
11
totalmente desconhecida no Ocidente e foi difundida atravs de alguns generais
como Alexandre, o Grande, em 327 a.C. e mais tarde, no sculo XI, durante as
Cruzadas, onde recebeu a importncia como previso alimentar nos grandes
deslocamentos militares, sendo plantada nas trilhas de combates. J os rabes
introduziram seu cultivo no Egito no sculo X, pelo Mar Mediterrneo, em Chipre,
na Siclia e na Espanha (Machado, 2003).
At o ano 500 a.C., os persas guardavam o segredo da fabricao do
acar que era comercializado com os romanos, um acar de colorao escura,
com tons de preto e marrom. Atribuiu-se aos egpcios o desenvolvimento do
processo de clarificao do caldo da cana e um acar de alta qualidade para a
poca, mas que manteve segredo por algum tempo (Delgado e Cesar, 1977).
Nas Amricas, a chegada da cana-de-acar ocorreu somente atravs da
segunda expedio de Cristvo Colombo, em 1493, que levou mudas de cana-
de-acar junto s suas provises para serem plantadas em novas terras e
servirem de suprimentos s novas expedies (Cesnik e Miocque, 2004).
A cana foi descrita cientificamente por Linneu em 1753 como Saccharum
officinarum e Saccharum spicatum. Essa classificao sofreu inmeras
modificaes, e a mais aceita atualmente a de Jeswiet, sendo essa: gnero:
Saccharum; espcies: S. barberi, Jeswiet; S. edule, Hask; S. officinarum; S.
robustum, Jeswiet; S. sinensis, (Roxb) Jeswiet e S. spontaneum (Viera, 2002).
Em 1887, em Java, Soltweld realizou o primeiro cruzamento do mundo
entre duas espcies de cana-de-acar: Glagah e Loethers, obtendo somente
toletes frteis da espcie Glagah, iniciando, assim, a viabilidade do
melhoramento gentico da cana-de-acar por intermdio de cruzamentos
controlados (Cesnik, 2004). Dois anos aps, Harrison e Bowell obtiveram
seedlings (mudas) de sementes originrias de cruzamentos, dando origem aos
primeiros programas de melhoramento gentico (Gallo et al., 1988).
12
No Brasil
As primeiras mudas que chegaram ao Brasil foram trazidas da Ilha da
Madeira por Martim Afonso de Souza, responsvel pela instalao do primeiro
engenho denominado de So Jorge, na vila de So Vicente - SP, no ano de 1533
(Castro, Klige, 2001). Muitos outros engenhos se proliferaram pela costa
brasileira e regio nordeste, principalmente nos litorais pernambucano e baiano,
concentrando-se a maior parte da produo aucareira da colnia. A explorao
canavieira era, no incio, exclusivamente sobre a espcie S. officinarum, que
apresentava grande teor de acar, perdurando por mais de um sculo
(Machado, 2003).
A partir do litoral, a cana caminhou em direo ao agreste, chegando s
regies mais midas do serto nordestino, e foi atravs dela que ocorreu a
sustentao do processo de colonizao do Brasil, tendo sido a causa de sua
prosperidade nos dois primeiros sculos (Cotrim, 2005; Botelho e Reis, 1998). O
apoio do governo portugus deu nfase ao plantio da cana-de-acar por
diversas razes, entre elas, podemos destacar a dominao portuguesa das
tcnicas de plantio de cana, pois j haviam exercido tal atividade nas Ilhas
Atlnticas de Madeira e Aores, tambm colnias de Portugal. Outro fator
determinante foi que o acar era um produto de grande aceitao na Europa,
tido como ouro branco e oferecia grande lucro. Por fim, tambm deve-se
destacar o clima e o solo brasileiro como dois fatores naturais que favoreciam
esse tipo de atividade. Isso tudo estava associado necessidade de
cumprimento do Tratado de Tordesilhas, com a ocupao da terra (Fausto,
2006).
A cana-de-acar teve influncia direta nas orientaes socioeconmicas
da poca: para melhor organizar a colnia, o rei dividiu o Brasil em Capitanias
Hereditrias; o territrio foi dividido em faixas de terras que foram doadas a
donatrios que podiam explorar os recursos da terra, mas ficavam encarregados
de povoar, proteger e estabelecer o cultivo da cana-de-acar. As plantaes
ocorriam no sistema de plantation, ou seja, eram grandes fazendas produtoras
de um nico produto, utilizando mo de obra escrava e visando o comrcio
http://www.escolakids.com/as-primeiras-lavouras-de-cana-de-acucar-do-brasil.htm
13
exterior (Fausto, 2006). Com a Abolio da Escravatura, a agroindstria
aucareira precisou remanejar recursos para procurar mo de obra, modernizar
os equipamentos e ampliar as usinas, passando a centrifugar sua prpria
matria-prima, tcnica essa utilizada em Cuba e na Antilhas desde 1870 (de
Oliveira, 2012).
Aps a Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a investir maciamente
nessa produo devido destruio dos canaviais europeus, revigorando assim
a insero dessa produo no mercado internacional (Machado, 2003).
No fim de 1973, o preo do barril de petrleo atingiu 2,94 dlares,
dificultando a economia no terceiro mundo, agravada com a guerra do Yom
Kippur o Dia do Perdo. A crise econmica sofrida pelos pases ocidentais
com a queda do petrleo exigiu da produo mundial um investimento em outras
fontes de energia, fator decisivo para a economia global, o que propiciou ao
Brasil o investimento na tecnologia do lcool (Barros, 2007).
Com o aumento dos investimentos, a agroindstria canavieira passou por
um processo de modernizao e diversificao, expandindo-se de uma forma
intensa na dcada de 70 para alm das regies tradicionalmente produtoras.
Essa expanso foi apoiada por investimentos internacionais e polticas nacionais
que favoreceram o setor (Arbex, 2004).
No final do sculo XX, com o desenvolvimento da indstria do lcool, o
plantio canavieiro se disseminou por vrias regies do pas, com predomnio na
regio sudeste. O Brasil se tornou lder nas tecnologias de produo do etanol
extrado da cana-de-acar no final de 2007, sendo responsvel por 45% da
produo mundial feita em mais de 400 usinas e destilarias naquela poca
(Gonalves, 2009).
No incio do sculo XXI, mais precisamente entre os anos de 2001 e 2005,
a produo canavieira no Brasil cresceu cerca de 21%, impulsionada por fatores
como a demanda do mercado externo por acar e pelo crescente consumo
interno de lcool como combustvel de veculos automotores (Alves, 2007).
A cana-de-acar apresenta vrias doenas causadas por fungos:
14
Carvo Ustilago scitaminea
Ferrugem - Puccinia melanocephala e Puccinia kuehnii
Podrido-Vermelha Fusarium moniliforme e Colletotrichum falcatum
Pokkah Boeng - Fusarium moniliforme
Mancha Parda - Cercospora longipes
Mancha Anelar - Leptosphaeria sacchari
Mancha Ocular - Helminthosporium sacchari
Podrido-Abacaxi - Ceratocystis paradoxa
O que compromete a produtividade da gramnea (Embrapa, 2009).
O gnero Fusarium tem uma importncia relevante no agronegcio
mundial, pois agride vrias culturas, inclusive no Brasil (Embrapa, 2005). Na
cana-de-acar pode ocorrer uma doena denominada de fusariose, cujo agente
principal o Fusarium moniliforme com variao subglutinans, formando uma
espcie anamorfa, Fusarium subglutinans. Caracteriza-se por ser uma doena
sistmica que pode provocar o aparecimento de diversos sintomas durante o
desenvolvimento da planta e est presente em todas as regies produtoras
(Canaoeste, 2012). O Fusarium moniliforme um parasita obrigatrio que infecta
da goma at a planta adulta. Os sintomas da fusariose so variveis e dependem
das condies ambientais, do nvel de resistncia da variedade e do estgio de
desenvolvimento da cultura (Verzignassi, 2009). A fusariose apresenta um
fenmeno denominado Pokkah-boeng, ou deformao do topo da cana-de-
acar, onde as folhas apresentam reas clorticas e enrugadas, tornando-se
torcidas (Vishwakarma et al., 2013). Esse fenmeno mais frequente em
condies de alta temperatura e umidade, quando a planta est em pleno
desenvolvimento. rea colhida sem queima, em solos de boa fertilidade em
regies quentes podem favorecer o aparecimento de Pokkah-boeng,
principalmente pela grande capacidade de produzir esporos que o Fusarium sp
apresenta (Rumora et al., 2002).
15
Cana-de-acar no Tringulo Mineiro
O Tringulo Mineiro est inserido no bioma cerrado, que so formaes
que ocorrem no clima tropical e subtropical. Com uma vegetao variada, frutas
e uma produo pecuria relevante no contexto nacional, o Tringulo Mineiro
uma das regies mais ricas do estado com a economia voltada ao agronegcio.
Essa regio apresenta um extrato de gramneas, havendo interrupes por
rvores e arbustos, constituindo uma rea com boas condies para a prtica da
agropecuria (Roslen, 2007).
As principais indstrias instaladas nesse local relacionam-se aos setores
de processamento de alimentos, madeira, acar, lcool, fumo e fertilizantes.
Nos ltimos anos, o Tringulo Mineiro foi a regio que mais recebeu
investimentos e gerou empregos (Minas Gerais, 2010).
Por ser uma regio estratgica do ponto de vista de escoamento de
produo, iniciou-se em 2008 a implantao e a expanso, em Minas Gerais, de
cinquenta projetos de usinas produtoras de acar e lcool. Os investimentos
alcanaram a ordem de 3,7 bilhes de dlares e a estimativa de crescimento da
moagem de cana de 250% at 2017, com a criao de 56 mil empregos,
colocando o Estado de Minas no terceiro lugar como produtor de cana-de-acar
e de lcool, depois de So Paulo e Paran, e de acar, depois de So Paulo e
Alagoas (Secretaria de Minas e Energia-MG, 2010).
Em meados de 2009, o Tringulo Mineiro concentrava 68% da produo
de cana-de-acar, 79% da produo de acar e 61% do lcool produzido no
Estado, devido implantao do Programa de Acelerao do Crescimento
(PAC), incentivo esse vindo do governo federal, que compreende aes
estaduais e empreendimentos de abrangncia regional nos eixos denominados
de infraestrutura Logstica, Energtica, Social e Urbana, inclusive obras de
saneamento e habitao (Villas Boas, 2009).
Em 2010, aproximadamente 587 milhes de reais de investimentos foram
feitos na regio para a produo etanol nos municpios de Delta, Uberaba,
Uberlndia e Frutal. Juntamente com o Estado do Mato Grosso, o Tringulo
Mineiro recebeu e instalou 67 novas usinas de lcool e mais 20 foram
16
programadas para serem construdas at 2015, um investimento estimado em
15 bilhes de reais. Em um perodo de 19 anos, a safra de cana do Estado de
Minas Gerais cresceu em torno de 400% (nica, 2009).
O crescimento da cultura da cana fez crescer tambm a migrao de
trabalhadores do nordeste do pas para as regies produtoras do sudeste e
centro-oeste (Minas Gerais, 2009).
Cana-de-acar, sade humana e os fungos.
Se voltarmos na histria, pesquisadores como Andreae (1991) atribuiu
como uma das causas do desaparecimento dos grandes rpteis no perodo
Cretceo a mudana do clima causada pelas queimadas e pelas fuligens
produzidas por elas, o que enfatiza a necessidade de se ter uma viso mais
humanista dessa atividade laboral.
Desde o comeo do sculo XXI j era verificada a presena de bactrias
e esporos de fungos, incluindo os gneros Alternaria, Cladosporium, Fusariella
e Curvularia em fumaa proveniente da queima de biomassa (Ribeiro,
2008;Mims e Mims III, 2004).
H uma tendncia de diminuio dos impactos fsicos nos trabalhadores
da cana-de-acar com a mecanizao, mas o ndice de poluio e da biomassa
liberada muito alta devido poeira do trfego de veculos e colheitadeiras na
cultura. Alm disso, h uma associao trmica com temperaturas elevadas,
proporcionando outros danos fsicos (Ripoli, 2005). Com a ressuspenso de
partculas no meio ambiente, h um favorecimento disseminao de esporos
fngicos e micro-organismos. Ao encontrar um substrato propcio ao seu
desenvolvimento, esses micro-organismos proporcionam a produo de
substncias com grande potencial para uso farmacolgico, na agricultura e em
biotecnologia, mas os micro-organismos em associaes com as plantas
produzem metablitos que podem ser de extrema ao patognica aos seres
humanos, podendo apresentar efeitos mutagnicos, estrognicos e
carcinognicos, havendo consequncias futuras (Schimit,1997).
17
A produtividade possui correlao imediata com as condies de trabalho
e os processos de adoecimento do trabalhador, e para cada etapa da produo
de derivados da cana (Figura 1) existem patologias associadas, o que determina
um campo exploratrio bastante expressivo. Como as interaes entre micro-
organismos e plantas so bastante conhecidas, elas constituem um campo de
estudo bastante prolfico devido exposio constante dos trabalhadores dessa
atividade laboral (Faria, 1987).
FONTE: Modificado da Plataforma BNDES. Impactos da indstria canavieira no Brasil. Verso Preliminar. - Modificada por Villas-Boas, 2009.
Figura 1 - Etapas do processo produtivo da cana no setor sucroalcooleiro.
Existe uma boa documentao sobre os efeitos adversos para os
sistemas respiratrio e cardiovascular provocados pela queima da biomassa
(Arbex, 2001) e alguns fungos, como do gnero Alternaria, que so descritos
como responsveis por causarem reaes alrgicas e crises de asma brnquica.
(Ribeiro, 2008 e Mims e Mims III,2004 ). As alergias respiratrias e cutneas tm
em comum a mesma forma fisiopatolgica, assim, as formas fngicas
causadoras de problemas respiratrios tambm podem acarretar problemas
cutneo-mucosa (Godinho et al., 2003). Esses patgenos podem ser
disseminados atravs da fumaa e da poeira de partculas, aumentando, assim,
o alcance da ao dos efeitos adversos deles para alm dos campos de cana-
18
de-acar, o que pode gerar a contaminao de pessoas que no possuem
ligao direta com essa cultura (Arbex, 2001).
Sendo assim, a interao do trabalhador com o ambiente em que exerce
suas atividades, bem como o contato direto com as gramneas, podem trazer
riscos sade, levando em considerao que as infeces fngicas que ocorrem
no homem so adquiridas essencialmente atravs do ambiente em que est
exposto (Villas Boas, 2004).
2.2 Plantio da laranja
A trajetria da laranja pelo mundo conhecida apenas de uma forma
aproximada. Os ctricos teriam surgido no leste asitico, onde a primeira
descrio aparece h 2000 a.C. na literatura chinesa, tendo como nome
cientfico Citrus sinensis. Seu registro foi feito pelo imperador Ta Yu, (Fernades,
2010), e teria sido levada da sia para o norte da frica e de l, para o sul da
Europa, onde teria chegado na Idade Mdia. Da Europa foi trazida para as
Amricas na poca dos descobrimentos, por volta de 1500 (CitrusBr, 2015).
Historicamente, a laranja foi trazida atravs do oceano atlntico em 1493
por Cristvo Colombo. Ele transportou mudas de laranja e limo das Ilhas
Canrias espanholas para o Haiti e Repblica Dominicana. As mudas chegaram
ao Panam atravs dos espanhis em 1516 e no Mxico dois anos depois. Na
mesma poca, os portugueses trouxeram as primeiras mudas de laranjas doces
para o Brasil (CitrusBr, 2015; Afeira, 2015).
A decadncia do cultivo do caf devido s geadas de 1918 e 1929 fez
com que o Estado de So Paulo abrisse espao para outras culturas,
principalmente para o cultivo de citros, dando nfase na laranja (Fernades,
2010). um negcio significativo para a economia brasileira e uma importante
parte da economia de vrios pases e regies europeias, sendo o Brasil o
primeiro produtor mundial (Embrapa, 2011).
O cultivo se d no perodo chuvoso tpico da regio ou em qualquer poca
com auxlio da irrigao, escolhendo-se dias nublados sem ventos e com
19
temperatura amena. Entre o plantio e a primeira florada significativa leva-se em
torno de trs anos, com produo crescente nos anos subsequentes.
Considerando-se o incio de produo, aos quatro anos de vida colhe-se 100
frutos por laranjeira/ano, 150 frutos (5 ano), 200 frutos (6 ano), 250 frutos (7
ano), 300 frutos (8 ano). Ps safreiros (10 anos) podem produzir 350 frutos
(Bahia), 420 frutos (Baianinha) e 580 frutos (Pera) (Embrapa, 2011).
O clima favorvel ao seu plantio est na faixa de temperatura para
vegetao entre 22C e 33C (nunca acima de 36C e nunca abaixo de 12C)
com mdia anual em torno de 25C; sob altas temperaturas a laranjeira emite,
ao longo do ano, vrios surtos vegetativos seguidos de fluxos florais que
possibilitam maturao de frutos em vrias pocas. O ideal anual de chuvas est
em 1.200 mm bem distribudos ao longo do ano; dficit hdrico deve ser corrigido
com irrigao artificial. Devido a estas caractersticas a plantao de laranja no
municpio de Frutal to significativa. (Epamig, 2007)
Em 2014, a produo no Tringulo Mineiro destinada indstria de suco
atingiu cerca de 8,4 milhes de caixas de 40,8 kg, e a produo destinada
mesa foi estimada em 1,5 milhes de caixas de 40,8 kg, totalizando uma
produo comercial de aproximadamente 9,9 milhes de caixas de laranja de
40,8 kg (Conab, 2015).
A colheita se inicia em junho com pico em setembro/outubro, porm, at
dezembro ocorre no municpio a safrinha, segunda grande produo do ano.
Assim, a colheita se d no perodo de junho a dezembro com alguns pomares
tendo a colheita at janeiro, dependendo da idade dos ps (Conab, 2013).
No Estado de Minas Gerais observa-se que os meses de maior colheita
so setembro, outubro e novembro, totalizando 54% da colheita da atual safra
(Conab, 2013).
Dentre as doenas das plantas ctricas, a verrugose a mais frequente
tanto em sementeiras e viveiros como em pomares, afetando somente frutos de
laranjas doces. A doena pode ser causada pelos fungos Sphaceloma fawcetii;
S. fawcetii var. scabiosa, e pelo S. australis. Ela aparece nas sementeiras e
viveiros, afetando os principais porta-enxertos utilizados na citricultura. Os
20
sintomas iniciais nas folhas ainda transparentes so pequenas manchas
pontuais brilhantes e aquosas (Embrapa, 2003).
Outra importante doena da cultura da laranja a gomose de
Phytophthora, causada pelos fungos P. parasitica e P. citrophthora. Em plantas
adultas os sintomas incluem: exsudao de goma, escurecimento dos tecidos
localizados abaixo da casca. Os frutos mais prximos ao solo podem ser
contaminados apresentando podrido seca de clorao marrom-parda que
apresentam forte cheiro acre (Embrapa, 2003).
2.3 Plantio do Abacaxi
O abacaxi uma planta de clima tropical, monocotilednea, herbcea e
perene da famlia Bromelicea, com caule (talo) curto e grosso, ao redor do qual
crescem folhas estreitas, compridas e resistentes, quase sempre margeadas por
espinhos e dispostas em rosetas. A planta adulta, das variedades comerciais,
tem de 1 a 1,20m de altura e 1 a 1,5m de dimetro. No caule insere-se o
pednculo que sustenta a inflorescncia e depois o fruto. Cada planta produz um
nico fruto saboroso e de aroma intenso (Embrapa, 2005).
De acordo com Sampaio (1914), a palavra abacaxi provavelmente
oriunda de ibacaxi, que significa fruto cheiroso, da lngua Guarani. Segundo a
maioria dos naturalistas e historiadores, o abacaxi originrio da Amrica
tropical e subtropical (Medina et al., 1978), na regio das bacias dos rios Paran
e Paraguai (Bertoni, 1919). Foi levado pelas tribos tupis-guaranis para a Amrica
Central e regio do Caribe (Bertoni, 1919). Aps o descobrimento da Amrica,
foi levado para a Europa, sia e frica e se disseminou pelos vrios pases
rapidamente (Ctenas e Quast, 2000).
Historicamente, em 4 de novembro de 1493, ocorreu o primeiro encontro
entre os europeus e o abacaxi quando Cristvo Colombo, em sua segunda
viagem para a regio do Caribe, ancorou em Guadalupe, nas Pequenas Antilhas,
conhecendo os frutos de abacaxi (Simo, 1998).
21
O Brasil o principal produtor mundial da fruta do abacaxi, sendo
responsvel por 53% (IBGE, 2011) da produo mundial, sendo o Estado de
Minas Gerais o que apresenta maior destaque, principalmente no Tringulo
Mineiro. Do total de 7.203 hectares plantados em Minas Gerais, 6.492 hectares
esto naquela regio (Guimares e Matos, 2012). A produo somou 206,2
milhes de frutos contra os 222,28 milhes dos demais estados em 2010 (IBGE,
2010). O municpio de Frutal conta com dois ciclos num perodo de 12 meses nos
campos de abacaxi, com sua colheita nos meses de junho a dezembro (Embrapa,
2005).
A pesquisa de desenvolvimento de maquinrio para plantio, colheita e
pulverizao tem sido desenvolvido por um produtor da regio (Figura 2), no
intuito de melhorar a produo que se encontra em declnio devido fusariose
do abacaxi, responsvel por grandes prejuzos causados aos lavradores de
todos os estados brasileiros onde se cultiva essa fruta (Ventura et al., 1993).
Figura 2 - Plantadeira PMA 1800 Wagner Guidi-2014.
A fusariose considerada a principal doena da cultura do abacaxi no
Brasil, sendo considerada como a doena de maior importncia econmica, com
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=396987867104856&set=a.294907010646276.1073741825.100003809385658&type=1&relevant_count=1
22
uma estimativa de perdas situada em torno de 30% para o caso de frutos e cerca
de 20% para mudas. No abacaxi, a disseminao da fusariose se d atravs de
mudas infectadas, correntes de ar e chuvas, o que dificulta seu controle.
causada pelo Fusarium subglutinans e, atualmente, a doena ocorre
praticamente em todas as regies produtoras do pas, com predomnio nos dois
principais cultivos - prola e Smooth cayenne por serem muito suscetveis
doena (Kimati, 2005). A podrido de fusarium passa ento a ter expresso em
sade pblica pela possibilidade de contgio dos trabalhadores presentes nessa
cultura (Tokeshi, 1997).
2.4 Os fungos
A palavra portuguesa fungo deriva do termo latino fungus, que significa
cogumelo, usado nos escritos de Horcio e Plnio, o Velho. Mas buscando na
histria, fungus derivado do grego sphongos ("esponja"), que se refere s
estruturas e morfologia macroscpicas dos cogumelos e bolores (Simpson,
1979).
Os fungos exercem uma importncia fundamental na vida diria da
populao, sendo introduzidos de uma forma indireta na vida humana atravs
das histrias infantis, como no clssico livro Alice no Pas das Maravilhas,
escrito por Lewis Carroll em 1865 (Moraes, 2012), em jogos como Super Mario
Bros, e no filme Fantasia da Disney de 1940, que descreve o fungo Amanita
muscaria.
Estima-se que cerca de um milho e meio de espcies de fungos existam
no mundo, com apenas sessenta e nove mil espcies descritas dos mais
variados tamanhos. Apresentam uma capacidade em utilizar substratos muito
diferentes e naturais, como a gua, solo e vegetais, alm dos industrializados
pelo homem, incluindo tecidos, couro e produtos derivados do petrleo como
combustveis e lubrificantes (Alexopoulous et al., 1996).
Com a introduo dos mtodos moleculares de anlise filogentica, os
fungos deixaram o reino Plantae por suas caractersticas prprias, sendo criado
https://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Hor%C3%A1ciohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pl%C3%ADnio,_o_Velhohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Grego_antigohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Fungi#cite_note-3http://www.lpm.com.br/autores/go.asp?AutorID=505364https://pt.wikipedia.org/wiki/Super_Mario_Bros.https://pt.wikipedia.org/wiki/Super_Mario_Bros.https://pt.wikipedia.org/wiki/Fantasia_(Disney)https://pt.wikipedia.org/wiki/Disneyhttps://pt.wikipedia.org/wiki/1940https://pt.wikipedia.org/wiki/Filogen%C3%A9tica_molecularhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Plantae
23
um reino exclusivo para eles (Bruns, 2006; Bacon e White Jr., 2000) - o reino
Fungi. grupo de organismos eucariotas, distribudos amplamente pelos
ecossistemas existentes, quer de uma maneira saprfita, comensal ou parasita,
e se apresentam com formas e tamanhos variados. Esses organismos so
aclorofilados e obtm alimento atravs de absoro com acmulo de glicognio
(Schlegel, 1993).
Para que fosse criado esse novo reino, os taxonomistas consideravam
que algumas espcies crescem como leveduras unicelulares, que se
reproduzem por gemulao ou por fisso binria e que os fungos dimrficos
podem alternar entre uma fase de levedura e uma fase com hifas, em funo das
condies ambientais (Ainsworth, 1976), alm de que a sua parede celular
composta por glicanos e quitina, sendo que os glicanos so tambm encontrados
em plantas e a quitina no exosqueleto dos artrpodes (Bowman, 2006). Os
fungos so os nicos organismos que combinam estas duas molculas
estruturais na sua parede celular (Hanson, 2008).
A reproduo efetua-se por germinao de esporos. Os esporos maduros
so liberados dos aparelhos esporferos e disseminados. Um esporo germina e
emite um filamento, ou hifa, que cresce, alonga-se e ramifica-se para dar um
novo miclio. Os esporos assexuados nascem da amputao de pequenos
fragmentos citoplasmticos uni ou multinucleados que se separam na
extremidade das hifas (Figura 3) (Guerra et al., 2012). Na reproduo sexuada,
o zigoto ou uma clula vegetativa passa por uma diviso meitica, seguida de
uma ou vrias divises mitticas, que permitem a formao de esporos sexuados
haplides (Scriban, 1985).
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eukaryotahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Taxonomiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Gemula%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Fiss%C3%A3o_bin%C3%A1riahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Fungo_dim%C3%B3rficohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Glicanohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Quitinahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Exosqueletohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Artr%C3%B3pode
24
Figura 3 - Mostra esquematicamente o ciclo de reproduo assexuada dos fungos
filamentosos (Guerra et al., 2012).
O reino Fungi inclui cinco filos: Chytridiomycota, Zygomycota,
Ascomycota, Basidiomycota e Deuteromycota (Freitas, 2000).
O filo Zygomycota integra os fungos saprfitas do solo e parasitas dos
mamferos e plantas. As hifas so cenocticas; a sua reproduo assexuada faz-
se por aplansporos (transportados pelo vento); a reproduo sexuada, quando
conhecida, faz-se normalmente por fuso de isogametngios, da qual resulta um
zigosporngio contendo um zigsporo (Freitas, 2000).
J o filo Ascomycota, integra fungos saprfitas, simbiontes e parasitas do
Homem, dos animais e plantas, que pode ser unicelular, mas na maioria dos
casos filamentoso e septado. Os septos podem ser fechados por elementos
especiais, denominados corpos de Woronin. Sua reproduo assexuada por
condios e sexuada atravs dos ascsporos produzidos em ascos, estruturas
semelhantes a sacos (Murray, Rosenthal e Pfaller, 2006; Freitas, 2000).
25
Os Basidiomycota, constituda por fungos saprfita, simbiontes e
parasitas, cujo soma pode ser unicelular ou, como sucede na maioria dos casos,
formado por miclio septado. Neste caso, os septos tm a forma especial e
caracterstica de barril. Podem tambm ter estrutura leveduriforme. A sua
reproduo sexuada faz-se por basidisporos, implantados exteriormente em
basdios, cujas formas e tipos so importantes em taxonomia (Murray, Rosenthal
e Pfaller, 2005; Freitas, 2000).
Quando se refere ao filo Deuteromycota, que inclui os fungos que podem
ser saprfita, simbiontes ou parasitas. Seu soma pode ser unicelular ou
filamentosa septado e os poros septais podem ser fechados por corpos de
Woronin. A nica reproduo conhecida, a assexuada e faz-se atravs de
condios provenientes de diferentes clulas conidiogneas. Tanto estas como o
tipo de condios so dois elementos decisivos no posicionamento taxonmico
deste filo (Murray, Rosenthal e Pfaller, 2005; Freitas, 2000).
J o Chytridiomycota uma diviso onde se encontram organismos com
esporos mveis, sem importncia clnica devido ao fato de serem parasitas de
algas, porm, as evidncias que comprovam serem espcies fngicas devem-
se parede celular, enzimas e rotas metablicas (Murray, Rosenthal e Pfaller,
2005; Freitas, 2000).
Alguns historiadores consideram que, no perodo pr-histrico, os fungos
comestveis e venenosos, incluindo os alucinognicos, j eram conhecidos, mas
os primeiros relatos sobre os fungos so datados na Grcia cerca de 3.500 anos
a.C. (Klyve e Oakley, 1989).
Por muitos sculos na poca dos Faras, os cogumelos eram utilizados
como alimento apenas pela divindade maior Faras - e como veneno pelos
sbios e pelos bruxos (Becker, 1997).
Somente nos sculos XVI e XVII o teor mstico dos fungos deu lugar aos
achados cientficos. Foi o alemo Johann Jakob Dillenius (1684-1747) que
catalogou 160 espcies de fungos em 1718, em sua obra Catalogus Plantarum
circa Gissam sponte nascentium. Mas nos trabalhos de Taylor (1996) que a
descrio sobre o registro fssil de fungos e lquens tomaram vulto com o relato
26
de hifas filamentosas intimamente associadas a cianobactrias ou algas; essas
estruturas foram preservadas em fosforita marinha na formao Doushantuo
(entre 551 e 635 milhes de anos) em Weng'an, sul da China. Todos os fsseis
de Doushantuo so aquticos, microscpicos e conservados com grandes
detalhes. Esses fsseis indicam que os fungos desenvolveram parcerias
simbiticas com fotoauttrofos antes da evoluo de plantas vasculares
(Taylor,1996).
Antnio Micheli, em 1729, fez a primeira descrio compreensiva sobre um
fungo na sua obra intitulada Plantarum genera. Christian Hendrik Persoon (1755-
1837) publica Icones pictae specierum rariorum fungorum in synopsi methodica
descriptarum em 1803, determinando uma nova viso e perspectivas para a
micologia. Em 1835, Bassini relacionou pela primeira vez os fungos como
causadores de doenas cutneas, chamadas de muscardines e, dois anos aps,
em 1837, Joseph Henri Lveill (1796-1870) publica Sur Le hymenium des
champignons, definindo basdios e cistdios (Tortora et al., 2002).
Apesar de todos os relatos, Elias Magnus Fries (17941878) considerado
o pai da micologia moderna, descrevendo mais de trs mil formas de fungos com
detalhes de sua reproduo e colocaes em diversos ambientes. Fries publicou
trs volumes de sua obra intitulada System Mycologicum, ponto de partida para
muitos grupos de fungos (Oliveira, 2014).
O ciclo vital desses organismos atribudo aos irmos franceses Charles
Tulasne (18181884) e Louis Ren Tulasne (18151885), que realizaram
desenhos ilustrativos de estruturas microscpicas dos fungos, abrindo condies
para melhor esclarecimento desses ciclos (Hibbet et al., 1997).
Uma grande obra sobre os Ascomycetes foi realizada por Giacomo
Bresadola (18471929), que publicou extensos trabalhos sobre o filo, e sua
exatido das descries mantida at os dias de hoje com acrscimos sem, no
entanto, ter sido modificado nenhum dos seus escritos (Denison e Carrol, 1966).
Nos sculos XVIII e XIX houve um aumento, por toda Europa, de
sociedades iniciadas por amadores da micologia, cujas colees foram base para
estudos cientficos acerca dos fungos. A sociedade Micolgica da Frana foi
27
fundada em 1884, com grande acervo de literatura especializada, sendo um
marco importante para a micologia mundial (Camara, 2008). Os fungos so os
primeiros microrganismos a serem reconhecidos como patognicos, e doenas
como a clera eram suspeitas desses microrganismos. Hoje, sabe-se que a
doena causada por bactria (Ainsworth, 1993).
Entre 1920 e 1929, a micologia norte-americana passou por
transformaes significativas com a criao do primeiro laboratrio de micologia
mdica, estabelecido por dermatologistas e no mais por bacteriologista. (Ana
Espinel-Ingrof, 1996). Em meados do sculo XIX, os avanos obtidos foram
extraordinrios, com desenvolvimento dos mtodos de preciso para o estudo
em laboratrio (Benchimol, 2004, p. 47).
No Brasil, a pesquisa teve incio com pesquisadores estrangeiros, entre
eles o padre jesuta Johannes Rick (1896-1946), que se estabeleceu no Rio
Grande do Sul (Watling, 1988), porm, as pesquisas realizadas no pas eram
encaminhadas a outros centros como americano, francs e alemo. Os relatos
de Fidalgo (1968) descreviam o conhecimento dos ndios brasileiros sobre
alguns tipos de fungos comestveis e alguns alucingenos.
De interesse mais especfico, a micologia brasileira tem Silva Arajo como
o pai da micologia mdica no Brasil. Ele realizou diversos estudos de micoses
do homem e de animais, porm, foram as pesquisas de Adolph Lutz, na mesma
poca, que alavancaram essa rea da micologia em nosso pas (Schoenlein-
Crusius e Paula, 2004).
Os estudos realizados por Lutz tiveram uma influncia direta na
dermatologia brasileira, como descreve Benchimol (2004), quando nos fala sobre
Lutz: ...e colocou seu vasto saber e sua mania de preciso a servio dos que
atuavam, agora mais diretamente na produo de conhecimentos originais sobre
doenas de pele (Benchimol, 2004, p.130-131).
Na dermatologia, os fungos cutneos so denominados fungos
dermatfitos. Sua descoberta foi intensa nas duas primeiras dcadas do sculo
XX, sobretudo na regio norte do pas.
28
Um grande marco na micologia nacional foi a descrio, em 1919, por
Parreiras Horta, da Madurella oswaldoi, o que revolucionou a dermatologia
nacional, mantendo o Brasil como um grande centro de pesquisa em fungos
(Schwartzman, 2001).
No incio de 1913, foi instituda a disciplina de fungos patognicos nas
aulas de aplicao do Instituto, ministrada por Henrique Vasconcellos e
frequentado por Olympio da Fonseca. Em 1922, juntamente com Ara Leo, que
descreveu espcies de fungos e publicou muitos trabalhos com Olympio da
Fonseca, foi criada a seo de micologia do Instituto Oswaldo Cruz (Figura 4)
(Camara, 2008).
Figura 4 - Turma do Curso de Aplicao de 1913-1914 do Instituto Oswaldo Cruz. Olympio da
Fonseca o segundo da primeira fila, da direita para esquerda (Camara, 2008).
Foi durante a gesto de Carlos Chagas (1917-1934) que a coleo de
fungos teve um grande incentivo, sendo que Olympio da Fonseca chefiou o
laboratrio de micologia at 1937, quando foi afastado por problemas polticos
(Camara, 2008). A Seo de Micologia do Instituto Oswaldo Cruz ficou sob a
29
chefia de Ara Leo. A principal atividade do laboratrio nesse perodo consistia
na manuteno das culturas vivas, mtodo esse que, at hoje, consiste na troca
de meio de cultura, que fornece nutrio necessria para a manuteno do fungo
vivo (Camara, 2008).
Em 1950, o V Congresso Internacional de Microbiologia foi realizado no
Rio de Janeiro e contou com a participao de pesquisadores de todas as partes
do mundo, entre eles, Alexander Fleming, e uma vasta produo de artigos. Em
1953 foi publicado um catlogo sobre fungos brasileiros e a produo cientfica
foi mantida at a dcada de 60, at que, em 1970, o Instituto Oswaldo Cruz
enfrentou um dos episdios mais dramticos de sua histria com a perda de
incentivo governamental e perseguio poltica a vrios pesquisadores (Camara,
2008).
Quanto aos fungos filamentos, o Instituto Oswaldo Cruz, em 2005,
recebeu uma coleo destes, onde esto depositadas onze cepas de amostras
do patrimnio gentico nacional, coletadas em dpteros (moscas) na Amaznia
(Camara, 2008).
Em 2012 a coleo de fungos filamentosos completou 90 anos, com um
acervo com 2,1 mil cepas fngicas dividido em 179 gneros e 418 espcies,
dentre elas 35 cepas tipo, algumas delas de grande importncia histrica, como
a cepa original de Alexander Flemining de Penicillium notatum, cedida pelo
Instituto Butant (Fiocruz, 2015).
Em relao s patologias desenvolvidas por fungos filamentosos, a
Organizao Mundial de Sade (OMS) determinou que 150 unidades
formadoras de colnias (UFC) por metro cubico (m3) o limiar do qual pode-se
desenvolver efeitos adversos na sade humana, principalmente quando nos
referimos s espcies patognicas, relao esta que pode se agravar quando
em ambientes de alta produo (Goyer, Lavoie e Lazure, 2001).
Um meio de propagao de fungos patognicos ocorre pela disperso no
meio ambiente atravs do ar atmosfrico ou por outras vias secundrias como
gua, insetos, homem e animais. O elemento fngico disperso atravs do ar
atmosfrico denominado de esporos (propgulos), assim, uma microbiota
30
fngica anemfila pode ser semelhante ou diferente em cada cidade ou regio
(Becker, 1994) A disseminao dos esporos depende de suas dimenses e
caractersticas biolgicas, alm da temperatura do ar, disponibilidade de
oxignio, presena de nutrientes e da textura (Gomes, 2013; Lugauskas e
Krikstaponis, 2004). A transmisso homem a homem no comum, porm
ocorre em aglomerados como creches, asilos, seminrios (Becker, 1994).
Segundo a OMS, os fungos se encontram entre os cinco parasitas
causadores de morte de origem microbiana no mundo, tornando-os um grupo de
expresso nas patologias humanas (Tortora et al., 2002). Existem grupos desse
microrganismo que vivem em meio ambiente vegetal e que podem contaminar a
espcie humana (Esposito e Azevedo, 2010).
Os fungos tambm contribuem de forma positiva para os seres humanos,
atravs de pesquisas de novos antibiticos, imunossupressores,
antineoplsicos, herbicidas, antihelmnticos e inseticidas (; Esposito e Azevedo,
2010;Li et al., 2007).
No Brasil, os trabalhos em relao aos fungos e os seres humanos so
em menor nmero e voltados parte respiratria e em relao ao meio ambiente
(Mezzari, 2003). No setor agropecurio os fungos esto presentes, sendo que
na cana-de-acar eles podem trazer prejuzos expressivos tanto financeiros
como em humanos (Embrapa, 2009).
Entre as doenas fngicas da cana que trazem preocupaes clnicas
esto a Podrido-de-Fusarium e Pokkah-Boeng (Fusarium moniliforme e
Fusarium moniliforme var. subglutinans) (Tokesshi, 1997). Essas patologias
foram registradas em vrias regies do pas e esses fungos podem
eventualmente colonizar a espcie humana, tornando-se importantes agentes
em algumas patologias, principalmente a de fundo alrgico (Figura 5) (Ribeiro,
2008).
31
Figura 5 Contaminao da cana-de-acar em planta adulta.
2.4.1 Alguns gneros de fungos filamentoso de importncia clnica
Considerando apenas os aspectos morfolgicos, os fungos so
separados em leveduriforme e em filamentosos (Murray, Rosenthal e Pfaller,
2006). Nos fungos filamentosos, que so os de interesse desta pesquisa, a
estrutura vegetativa constituda por filamentos ou hifas, que do crescimento
resulta o miclio (Fischer e Cook, 1998). Em meio slido denominam-se hifas
vegetativas, quando em crescimento vertical e quando o crescimento projetado
por cima da superfcie do meio, denominam-se hifas areas. As hifas areas
podem produzir condios (elementos da reproduo assexuada), que so
facilmente transportados pelo ar e servem para disseminarem os fungos (Murray,
Rosenthal e Pfaller, 2006; Esteves, Cabrita e Nobre, 1990; Fischer e Cook,
1998).
32
A microbiota fngica sofre alteraes no campo quantitativo e qualitativo
em funo de vrios fatores e, entre eles, os de mbito ambiental como
industrializao, aumento da densidade demogrfica, desenvolvimento urbano,
fatores geogrficos associados s condies climticas, temperatura, fatores
sociais, observando a higiene, estado nutricional, pr-disponibilidade orgnica e
sistema de sade (Aquino et al., 2007). Atravs da secreo de enzimas no meio
ambiente, interferem nos ciclos biolgicos ambientais sendo responsveis por
deteriorao de vrios materiais naturais, processados ou refinados (Bennett,
1998).
No Estado de Minas Gerais, Faria, em 1987, identificou fungos no meio
ambiente com uma frequncia disposta em: Cladosporium (90,3%), Penicillium
(64,7%), Aspergillus (58,6%), Curvularia (33,3%), Pullularia (31,9%) e
Epicoccum (31%). Mas o fato que mais chamou ateno caracterizou-se quando,
pela primeira vez, se encontrou frequncia elevada de sensibilizao ao gnero
Alternaria (21,1%) fato que, at ento, no havia sido relatado no Brasil (Faria,
1987).
Apesar da exposio aos fungos serem, na maioria das vezes, acidental,
muitos destes organismos desenvolveram mecanismos que facilitam a sua
sobrevivncia e reproduo num ambiente hostil (Sousa, Franco e Rodrigues,
2001). Devido a essa diversidade ambiental, os fungos filamentosos, segundo
Costa et al., (2002), aumentam na populao o risco de contaminao em 15%
de desenvolver alguma patologia fngica durante sua vida. Alguns gneros
apresentam uma prevalncia maior no meio ambiente e, por sua vez, em contato
com a populao, aumentando ainda mais o risco de doenas:
A Fusarium
O gnero Fusarium possui diversidades em todo o planeta, e pode
sobreviver por longos perodos de forma saprfita em material orgnico (Gupta,
Baran e Summerbell, 2000). uma das espcies com maior relevncia, sendo
considerada uma das mais importantes na fitopatologia mundial (Marin et al.,
2004). classificado como fungos mitospricos da classe Hyphomycetes da
33
subdiviso Deuteromicotina, uma vez que no possui o estgio sexuado
identificado, o que necessrio para uma distino taxonmica (Marin et al.,
2004). Possui uma ampla distribuio geogrfica, podendo ser encontrado em
praticamente todos os ambientes. As colnias so geralmente de crescimento
rpido, plido ou coloridos (dependendo da espcie) e podem ou no ter um
cotanilhoso miclio areo. A cor do talo varia de esbranquiada a amarelo,
marrom, rosa, avermelhada ou tons de lils. Espcies de Fusarium normalmente
produzem tanto macro quanto microconidia de filides delgado. Macrocondios
so hialinos, dois a vrios unicelular, fusiform - a forma de foice e, na sua
maioria, com uma clula apical alongada e pedicellate basocelular.
Microcondios so de 1 a 2 unicelular, hialina, piriforme, fusiforme a ovide, em
linha reta ou curva (Domsch et al., 1980).
Caracteriza-se por apresentar um crescimento rpido e colnias com
colorao plida ou colorida (violeta prpura escura ou creme laranja), com
miclio areo e difuso (Domsch et al., 1980). As colnias de Fusarium sp
apresentam colnia filamentosa algodonosa branca e reverso lils. Estes fungos
dispersam seus propgulos no ambiente por ao da gua da chuva, ventos e
insetos. A maior parte das espcies do gnero parasita sementes de cereais,
plantas, colmos e outros frutos do campo, causando danos agricultura (Mills,
1989).
At a dcada de 70 era considerado apenas causador de patologias
superficiais. A partir desse momento, sua importncia aumentou
consideravelmente com a contaminao em pacientes imunossuprimidos
(Guarro e Gene, 1995).
Algumas espcies podem causar infeces em mucosas, onicomicoses e
tambm atingir a camada crnea do olho causando ceratite (Rocha et al., 2014;
Gupta, Baran e Summerbell, 2000; Walsh e Dixon, 1996). Esse gnero tambm
pode produzir uma ampla quantidade de toxinas, sendo que algumas delas so
substncias que tm sido relacionadas a vrios efeitos adversos em animais e
em seres humanos (Rocha et al., 2014; Sweeney e Dobson, 1996), agindo como
neurotoxinas, agentes carcinognicos, estrognicos e uterotrpicos (Sorensen e
Elbaek, 2005). Uma das mais importantes toxinas produzidas por esse grupo
34
a fumonisinas, embora j tenha sido detectada e isolada a partir de fungos do
gnero Alternaria (Soriano e Dragacci, 2004). a mais encontrada como
contaminante natural de produtos alimentcios, causadora de edemas
pulmonares em porcos e pode apresentar efeitos hepatocarcinognicos em
animais e humanos (Rocha et al., 2014; Rumor et al., 2002).
B - Alternaria
O gnero Alternaria consiste do fungo ascomiceto, conhecido por sua
ampla distribuio e por suas caractersticas saprfitas e parasitrias, sendo
associado a vrios tipos de patologias (Pavon et al., 2012). Apresenta colnias
de cores escuras, cinza, olivceos, marrom ou preto. Seus conidiforos so
macronematosos, mononematous, simples ou ramificada, marrom claro ao
escuro. A clula conidiognese integrado, terminal ou intercalar, geralmente
simpodial. Os condios so muito caractersticos por sua forma longitudinal,
transversal ou septados. Sua superfcie pode ser lisa ou spera (Index
Fungorum, 2010).
Dentro desse gnero, a espcie de maior interesse a Alternaria
alternata, considerada um agente patognico comum em safras de alimentos
(Kosiak et al., 2004). A presena desse microrganismo tambm tem sido
considerada um dos fatores etiolgicos para o desenvolvimento de cncer de
esfago em humanos (Kosiak et al., 1996).
Considerado um alergnico importante da parte respiratria, tambm est
associada febre e reaes de hipersensibilidade incluindo pruridos e
dermatites inespecficas. um fungo que atinge com maior freqncia as
mucosas (Pati et al., 2008). Grant, em 1998, descreveu em seus estudos a
contaminao domstica da Alternaria, principalmente na boca, nariz e olhos.
35
C - Cladosporium
O gnero Cladosporium um dos mais comuns, com ocorrncia em todas
as partes do mundo. Possui 734 espcies registradas vlidas na literatura,
apresentando 73 variedades e 40 formas especiais (Index Fungorum, 2010). No
Brasil so conhecidos 26 gneros de Cladosporium (Embrapa, 2010).
Formam colnias de colorao cinza ou marrom, s vezes da cor de
azeitona; aveludadas, flocosas ou peludas. Seus conidiforos so
macronematosos simples ou semimacronematosos ou pouco ramificada, com
uma colorao marrom-esverdeada, e superfcie lisa ou ligeira