Imposto Sobre Grandes Fortunas

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7/24/2019 Imposto Sobre Grandes Fortunas http://slidepdf.com/reader/full/imposto-sobre-grandes-fortunas 1/3 Imposto sobre grandes fortunas: se não agora... quando? Washington Araújo, em 04/07/2013 A ordem do dia é ouvir o clamor das ruas. A presidenta Dilma Rousseff diz que ouviu e vem pontuando gestos, atitudes e ações em consonância com o que se escuta do meio-fio. Destes sobressai a reforma política, sendo resgatado até mesmo a convocação de consulta  plebiscitária. O mesmo acontece com o Congresso Nacional, onde projetos que tramitavam a  passo de tartaruga ganharam a agilidade de coelhos e vêm sendo aprovados ao ritmo tic-tac das ruas. O Supremo Tribunal Federal também não se faz de morto e já foi expedito em mandar  prender o deputado federal de Rondônia Natan Donadon, por corrupção. Por enquanto, dois gritos ainda não tomaram forma de gritos unânimes por mudanças: a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e a regulamentação que trata da democratização dos meios de comunicação. Longe de ser “mais um” imposto, o IGF poderia estipula r parâmetros visando excluir com robusta folga as classes média e média alta, como também um conjunto de famílias que  podem ser consideradas ricas, mas não milionárias. A regulamentação do IGF pode definir com clareza cristalina que sua incidência atinja tão somente aqueles que apresentam grandes fortunas, estimados em cerca de 10 mil famílias e, principalmente, dentro desse universo de contribuintes, as cinco mil famílias que teriam um patrimônio equivalente a 40% do PIB. A colocação da tributação da riqueza novamente na agenda política nacional reflete a tomada de consciência gradativa de que as iniqüidades geradas pela adoção de políticas que glorificam o Deus-Mercado, acentuadamente de extrações neoliberais, nas últimas décadas, agora se defrontam com o clamor crescente das ruas. A cobrança de imposto sobre grandes fortunas, prevista no artigo 153 da Constituição de 1988 e nunca regulamentada, voltou ao debate nacional após as manifestações de rua exigindo melhorias na qualidade de vida da população. É uma demanda antiga. E nunca conseguiu eficácia por sempre esbarrar nos velhos corporativismos: - A classe política não tem interesse em regulamentar porque, quando não alcançaria  boa parte da riqueza dos senhores parlamentares e chefes dos executivos estaduais e municipais, abocanharia parte dos rendimentos dos empresários que em grande medida financiam as campanhas políticas no país ao longo de sua história. Constatação: os titulares de grandes fortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que exercem. - Os meios de comunicação, dentre estes, aqueles com maior audiência televisiva e maior número de tiragem impressa  –  revistas e jornais  –  nunca demonstraram permeabilidade ao reclame da sociedade por uma singela motivação  –  qual seja, dado o grau de extrema concentração da propriedade dos veículos de comunicação (canais de tevê, canais de tevê a cabo, revistas semanais, jornais diários, emissoras de rádio, e portais na Internet), eles próprios integrariam um público-alvo de 907 indivíduos e empresas que detêm patrimônio igual ou superior a R$ 150.000.000,00 e, além de levar a própria carne ao corte, iria contrariar frontalmente interesses de suas principais fontes de receita publicitária, o cobiçado mercado  publicitário, que inclui conglomerados financeiros, grupos econômicos transnacionais diversos. indústria da construção civil, agronegócio, segmento automotivo; - Os principais nós a serem desatados tem a ver com a definição para “grande fortuna”, a base de cálculo e a alíquota por faixa de riqueza patrimonial. É fato que se trata de um imposto de grande impacto para a realização de justiça social no Brasil, pois sua existência e regulação possibilita a redistribuição de renda em favor dos segmentos da população mais vulneráveis social e economicamente. A própria inclusão deste artigo em nossa Constituição Cidadã de 1988 está colocada de forma cristalina e assertiva nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias que, em seu art. 80, inciso III, estipula: "Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...] III  –  o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição".

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Imposto sobre grandes fortunas: se não agora... quando?

Washington Araújo, em 04/07/2013

A ordem do dia é ouvir o clamor das ruas. A presidenta Dilma Rousseff diz que ouviu evem pontuando gestos, atitudes e ações em consonância com o que se escuta do meio-fio.

Destes sobressai a reforma política, sendo resgatado até mesmo a convocação de consulta plebiscitária. O mesmo acontece com o Congresso Nacional, onde projetos que tramitavam a passo de tartaruga ganharam a agilidade de coelhos e vêm sendo aprovados ao ritmo tic-tac dasruas. O Supremo Tribunal Federal também não se faz de morto e já foi expedito em mandar prender o deputado federal de Rondônia Natan Donadon, por corrupção.

Por enquanto, dois gritos ainda não tomaram forma de gritos unânimes por mudanças: aregulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e a regulamentação que trata dademocratização dos meios de comunicação.

Longe de ser “mais um” imposto, o IGF poderia estipular parâmetros visando excluircom robusta folga as classes média e média alta, como também um conjunto de famílias que podem ser consideradas ricas, mas não milionárias. A regulamentação do IGF pode definir comclareza cristalina que sua incidência atinja tão somente aqueles que apresentam grandes

fortunas, estimados em cerca de 10 mil famílias e, principalmente, dentro desse universo decontribuintes, as cinco mil famílias que teriam um patrimônio equivalente a 40% do PIB.

A colocação da tributação da riqueza novamente na agenda política nacional reflete atomada de consciência gradativa de que as iniqüidades geradas pela adoção de políticas queglorificam o Deus-Mercado, acentuadamente de extrações neoliberais, nas últimas décadas,agora se defrontam com o clamor crescente das ruas.

A cobrança de imposto sobre grandes fortunas, prevista no artigo 153 da Constituiçãode 1988 e nunca regulamentada, voltou ao debate nacional após as manifestações de ruaexigindo melhorias na qualidade de vida da população.

É uma demanda antiga. E nunca conseguiu eficácia por sempre esbarrar nos velhoscorporativismos:

- A classe política não tem interesse em regulamentar porque, quando não alcançaria boa parte da riqueza dos senhores parlamentares e chefes dos executivos estaduais e municipais,abocanharia parte dos rendimentos dos empresários que em grande medida financiam ascampanhas políticas no país ao longo de sua história. Constatação: os titulares de grandesfortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que exercem.

- Os meios de comunicação, dentre estes, aqueles com maior audiência televisiva emaior número de tiragem impressa –  revistas e jornais –  nunca demonstraram permeabilidade aoreclame da sociedade por uma singela motivação  –   qual seja, dado o grau de extremaconcentração da propriedade dos veículos de comunicação (canais de tevê, canais de tevê acabo, revistas semanais, jornais diários, emissoras de rádio, e portais na Internet), eles própriosintegrariam um público-alvo de 907 indivíduos e empresas que detêm patrimônio igual ousuperior a R$ 150.000.000,00 e, além de levar a própria carne ao corte, iria contrariar

frontalmente interesses de suas principais fontes de receita publicitária, o cobiçado mercado publicitário, que inclui conglomerados financeiros, grupos econômicos transnacionais diversos.indústria da construção civil, agronegócio, segmento automotivo;

- Os principais nós a serem desatados tem a ver com a definição para “grande fortuna”,a base de cálculo e a alíquota por faixa de riqueza patrimonial.

É fato que se trata de um imposto de grande impacto para a realização de justiça socialno Brasil, pois sua existência e regulação possibilita a redistribuição de renda em favor dossegmentos da população mais vulneráveis social e economicamente.

A própria inclusão deste artigo em nossa Constituição Cidadã de 1988 está colocada deforma cristalina e assertiva nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias que, em seu art.80, inciso III, estipula:

"Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza:

[...] III  –  o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, daConstituição".

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A discussão e também a adoção do Imposto sobre Grandes Fortunas não é nossa primazia nem possui o ineditismo da nossa jabuticaba. Com o chamado Éden do capitalismomundial em crise acentuada, o fato é que a tributação sobre grandes fortunas voltou à agenda dediscussão dos povos de que nunca o adotaram, como os EUA, ou em países que o revogaram eagora discutem sua reintrodução, como a Alemanha.

Existe em alguns países, como os Estados Unidos e alguns países europeus. No exterior,tem sido comum que este IGF passa a ser exigido apenas sobre os ganhos auferidos no ano,enquanto que no Brasil todos os debates apontam para a necessidade de se regulamentar o IGFde forma a que este incidiria sobre a totalidade do patrimônio dos indivíduos.

A fragilidade argumentativa dos que se opõem ao IGF é gritante:- a sonegação fiscal no Brasil seria incentivada, ao fazer com que contribuintes não

declarassem seu patrimônio por receio do imposto;- seria uma forma de o governo criar mais um imposto, diminuindo o patrimônio dos

contribuintes, sem garantias que o dinheiro seria usado diretamente na saúde (como a CPMFtambém não era integralmente aplicada na saúde);

- seria injusto optar por incidir sobre a totalidade do patrimônio já acumulado, algo queatingiria indivíduos que já haviam pagado todos os impostos para sua acumulação.

A contraargumentação parece-nos sólida, robusta. E madura. Se não, vejamos:- sonegadores contumazes existirão sempre, assim como existem os sonegadoreshabituais do Imposto de Renda, portanto, com a criação do IGF neste momento, a ReceitaFederal detêm todos os meios necessários para acessar dados e cifras do patrimônio real de cada brasileiro, de forma estabilizada, mas ainda assim, parece-nos óbvio que os donos de grandesfortunas a serem tributados - e que viessem a sonegar o pagamento do IGF - há muito vêmsonegando também o Imposto de Renda; portanto, a existência ou não do IGF teria impactonulo no aspecto sonegação fiscal;

- inferir que a existência de um imposto  –  qualquer que seja - tenha relação direta comsua correta aplicação é não mais que diversionismo tosco e instrumentos de fiscalização precisam ser aprimorados - ou criados - para assegurar a aplicação dos recursos de acordo com oque prevê o texto constitucional; no caso do IGF seriam aplicados para fortalecer políticas

 públicas de erradicação da pobreza.- não seria injusto, sob quaisquer aspectos, que o IGF incida sobre o patrimônioacumulado do indivíduo e não sobre os ganhos anuais destes, porque é até do conhecimentovegetal a falta de lisura, a corrupção e o mau uso do próprio poder econômico visando auferir eacumular ao longo do tempo tanto ganhos de capital quanto ganhos patrimoniais.

Economistas e tributaristas informam que caso seja criado esse imposto o país teráaporte adicional de, pelo menos, R$ 14 bilhões, dinheirama que poderia ser facilmentedirecionado para a saúde. E recursos que viriam, em grande parte, de apenas 907 contribuintescom patrimônio superior a R$150 milhões.

Resta saber se a imprensa que tanto se diz alinhada na missão de amplificar o grito dasruas, estádios, avenidas, praças e também das redes sociais, estaria disposta a encampar em suaseletiva agenda noticiosa a criação do IGF, assim como fez com a demanda por uma reforma

 política e o arquivamento da PEC 37/2013.Caso nossos principais defensores da liberdade de expressão, guardiães autonomeados

da liberdade de imprensa, optem por uma sintonia realmente fina com os anseios populares,logo nos habituaremos a ver a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas nas capas darevista Veja, carro-chefe do conservadorismo; matérias alentadas na revista Época; editoriaisinflamados nos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e o Estado de São Paulo. E também, nãoficaremos surpresos se ao mudarmos de canal de tevê em uma tarde de domingo qualquer nosdepararmos com a voz rouquenha e os olhos esbugalhados do global Faustão clamando pelaimediata existência do Imposto Robin Hood. E daí será um passo para ouvirmos os sermões emforma de vitupérios e sandices do Arnaldo Jabor, além das habituais gracinhas cínicas do JôSoares.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, temlivros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México.

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Imposto sobre Grandes Fortunas: de volta à cena com a força das ruas

Cristiano Lange dos Santos e Marcelo Sgarbossa, em 22/01/2014

As jornadas de junho, movimento que inflamou a cidadania em 2013, nos permitiram

sonhar com o desengavetamento de questões pontuais esquecidas no Congresso Nacional háanos. É o caso da Reforma Política, que se transformou numa piada com a aprovação de um projeto que não melhora em nada o atual sistema eleitoral.

Outro ponto importante das manifestações diz respeito à implementação do chamadoImposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Afinal, o grito que entoava das ruas era “os ricos vão pagar”.

Embora o IGF esteja previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, até agoraessa norma ainda não foi regulamentada. Esta medida tem como fato gerador a taxação degrandes fortunas, consideradas o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, apurado anualmente,cujo valor ultrapasse determinado limite. Seria cobrado de forma progressiva, e bem que poderia ajudar a custear o passe livre ou subsidiar o valor das tarifas do transporte público.

Vale lembrar que essa é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, se

está discutindo a sua implementação numa iniciativa do presidente Obama. A Alemanha, queaboliu o IGF na década passada, também debate a sua reedição para conter a crise econômica. Na França, recentemente foi aprovado um imposto especial de 75% sobre os altos rendimentos, por um período de dois anos, relacionado ao produto do capital superiores a um milhão de euros por ano como forma de recuperar a economia do país que está em recessão econômica. NaAmérica do Sul, Argentina, Uruguai e Colômbia são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza.

Já no Brasil, a instituição do IGF prevê uma arrecadação de R$ 10 bilhões com acobrança de tributos sobre a fortuna de apenas dez mil famílias. Dentro desse universo, aestimativa é de que cinco mil famílias teriam um patrimônio equivalente a 40% do ProdutoInterno Bruto (PIB). Ou seja, o percentual de famílias afetadas pela metade e que teria de pagaro imposto corresponde a 0,04% do total que declara o Imposto de Renda no País.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que 2,5% dasfamílias mais ricas do mundo, isto é, inseridas no grupo de 1% com as maiores fortunas, sãofamílias brasileiras. O dado demonstra o potencial de arrecadação do IGF, já que em paisescomo França, Argentina e Uruguai este grupo social representa 1,6%, 1,5% e 6,3%,respectivamente.

Temos a convicção de que a criação do IGF asseguraria maior justiça tributária, aoaplicar o principio constitucional da capacidade contributiva, que propõe distribuir a cargatributária global entre os contribuintes de acordo com a sua aptidão em pagá-la. Assim, atributação da riqueza representa a aplicação direta do caráter distributivo do sistema, ao taxarquem tem mais como um princípio de justiça social.

Até porque o atual sistema tributa o consumo, onerando as classes menos privilegiadas por meio dos impostos indiretos e cumulativos, tal como o ICMS, que não tem o critério daequidade como objetivo final para desconcentrar a riqueza.

Diante disso, é fundamental implementar o IGF de modo que a Constituição não setransforme em mera folha de papel, haja vista estar aguardando a sua regulamentação pelo“silencioso” Congresso Nacional há 25 anos. 

Portanto, cumpra-se a Constituição!

Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professorde Direito Constitucional na Faculdade de Direito. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais –  LAPPUS.

 Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS.