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  • 7/28/2019 Importncia da teoria

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    IMPORTNCIA DA TEORIA (Huerta Grande)

    Para entender o que acontece (a conjuntura) preciso poder pensar corretamente. Pensarcorretamente significa ordenar e tratar adequadamente os dados que se produzem, em quantidade, sobre arealidade.

    Pensar corretamente a condio indispensvel para analisar corretamente o que acontece em umpas em um momento dado da Histria desse pas ou de qualquer outro. Isso exige instrumentos. Esses

    instrumentos so os conceitos. Para pensar com coerncia necessrio um conjunto de conceitoscoerentemente articulados entre si. Se exige um sistema de conceitos, uma teoria.

    Sem teoria se corre o risco de pensar cada problema s em particular, isoladamente, a partir depontos de vista que podem ser diferentes em cada caso. Ou em base a subjetividades, palpites, aparncias,etc.

    O partido pode evitar graves erros porque pensou a si mesmo a partir de conceitos que tm um grauimportante de coerncia. Tambm cometeu erros graves por um insuficiente desenvolvimento de seupensamento terico enquanto Organizao.

    Para propor um programa preciso conhecer a realidade econmica, poltica, ideolgica de nossopas. O mesmo vale para se formular uma linha poltica suficientemente clara e concreta. Com pouco e malconhecimento no haver programa e s poder haver uma linha muito geral, muito difcil de concretizar emcada lugar em que o partido trabalhe. Se no h uma linha clara e concreta no h poltica eficaz. A vontadepoltica do partido corre ento o risco de diluir-se. O "voluntarismo" se converte em fazer com boa vontade oque vai aparecendo. Mas no se incide de modo determinado sobre os acontecimentos, na base de suapreviso aproximada. Acaba-se determinado por eles e perante eles se atua espontaneamente.

    Sem linha para o trabalho terico, uma Organizao, por maior que seja, confundida por condiesque ela no condiciona nem compreende. A linha poltica pressupe um programa, ou seja, as metas que sequer alcanar em cada etapa. O programa indica que foras so favorveis, quais so os inimigos e quem soos aliados circunstanciais. Mas para saber isso preciso conhecer profundamente a realidade do pas. Porisso, adquirir agora esse conhecimento a tarefa prioritria. E para conhecer preciso teoria.

    O partido necessita de um esquema claro para poder pensar coerentemente o pas e a regio (AmricaLatina) e as lutas do movimento operrio internacional atravs da Histria. Precisamos ter um cabedal eficazpara ordenar a massa crescente de dados referentes nossa realidade econmica, poltica e ideolgica.

    Precisamos ter um mtodo para tratar esses dados. Para ver quais so os mais importantes, quais se precisaprimeiro e quais depois. Para poder assim administrar corretamente nossas foras disponveis para cadafrente de trabalho. Um esquema conceitual que permita vincular umas coisas com outras, seguindo umaordem sistemtica, coerente e que nos sirva para o que queremos fazer como militncia de partido. Que nosaproxime exemplos de como trabalhar com esses outros esquemas conceituais que atuam em outrasrealidades.

    Mas este trabalho de conhecer nosso pas teremos que fazer ns mesmos, porque ningum vai fazerpor ns.

    No iremos inventar esquemas tericos a partir do zero. No vamos criar uma nova teoria em todosos seus termos. E assim por causa do atraso geral do nosso meio e suas instituies especializadas e nossaescassa disponibilidade para empreender essa tarefa.

    Teremos, ento, que tomar a teoria conforme vamos elaborando, analisando-a criticamente. No

    podemos aceitar qualquer teoria de olhos fechados, sem crtica, como se fosse um dogma.Queremos estudar e pensar o pas e a regio como revolucionrios. Ento, entre os elementos que

    incluem as diferentes tendncias da corrente socialista, tomaremos sempre os elementos que melhor nossirvam para isso: para pensar e analisar de forma revolucionria o pas, a regio ou outras regies eexperincias.

    No iremos adotar uma teoria para p-la em um "cartazinho de moda". Para viver repetindo"citaes" que outros disseram em outros lugares, em outro tempo, a propsito de outras citaes eproblemas. A teoria no para isso. Para isso a usam os charlates.

    A teoria um instrumento, uma ferramenta, serve para fazer um trabalho, serve para produzir oconhecimento que necessitamos produzir. A primeira coisa que nos interessa conhecer o nosso pas. Se nonos serve para produzir novos conhecimentos teis para a prtica poltica, a teoria no serve para nada, seconverte em mero tema de palestra improdutiva, de estril polmica ideologizante.

    Quem compra um grande torno moderno e, ao invs de tornear fica falando do torno, faz um malpapel, um charlato. Da mesma forma aquele que, podendo ter um torno e us-lo, prefere tornear mo,porque era assim que se fazia antes...

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    Algumas diferenas entre teoria e ideologia

    Cabe aqui pontuar algumas diferenas entre o que habitualmente se chama teoria e ideologia.A teoria aponta para a elaborao de instrumentos conceituais para pensar rigorosamente e conhecer

    profundamente a realidade concreta. neste sentido que se pode falar da teoria como equivalente cincia.A ideologia, em troca, composta de elementos de natureza no cientfica, que contribuem para

    dinamizar a ao, motivando-a, baseada em circunstncias que, ainda que tendo relao com as condiesobjetivas, no derivam dela, no sentido estrito. A ideologia est condicionada pelas condies objetivas,ainda que no seja determinada mecanicamente por elas.

    A anlise profunda e rigorosa de uma situao concreta, em seus termos reais, rigorosos, objetivos,ser assim uma anlise terica de carter o mais cientfico possvel. A expresso de motivaes, a propostade objetivos, de aspiraes, de metas ideais, isso pertence ao campo da ideologia.

    A teoria torna precisa, circunstancializa as condicionantes da ao poltica: a ideologia motiva-a e aimpulsiona, configurando-a em suas metas "ideais" e seu estilo.

    Entre teoria e ideologia existe uma vinculao estreito, j que as propostas destas se confundem e seapoiam nas concluses da anlise terica. Uma ideologia ser tanto mais eficaz como motor da ao poltica,quanto mais firmemente se apoie nas aquisies da teoria.

    Os alcances do trabalho terico

    O trabalho terico sempre um trabalho que se sustenta e se baseia nos processos reais, no queacontece na realidade histrica. Sem dvida, como trabalho, se situa inteiramente no campo do pensamento:no h conceitos que sejam mais reais que outros.

    A respeito disso cabe pontuar duas proposies bsicas:

    1 - A distino entre a realidade existente, concreta, os processos reais, histricos e por outro lado osprocessos do pensamento, apontados ao conhecimento e compreenso daquela realidade. necessrio, paradizer em outros termos, afirmar a diferena entre o ser e o pensamento, entre a realidade tal como e oconhecimento que sobre ela se pode ter.

    2 - A primazia do ser sobre o pensamento, da realidade sobre o conhecimento. Dito de outra maneira, maisimportante, pesa mais como determinante do curso dos acontecimentos o que se passa na realidade, do que oque sobre esses fatos se possa pensar ou conhecer.

    A partir destas afirmaes bsicas, cabe realizar certos apontamentos para precisar os alcances dotrabalho terico, ou seja, o esforo do conhecimento guiado por propsitos de conhecimento rigoroso,cientfico.

    O trabalho terico sempre realizado a partir de uma matria prima determinada. No parte do realconcreto, da realidade propriamente dita, seno que parte de informaes, de dados e noes sobre estarealidade. Este material primrio tratado, no processo de trabalho terico, por meio de certos conceitosteis, de certos instrumentos do pensamento. O produto deste tratamento o conhecimento.

    Dito em outros termos: s existem, propriamente falando, objetos reais, concretos e singulares(situaes histricas determinadas, em momentos determinados). O processo do pensamento terico tem porfim conhec-los.

    s vezes o trabalho de conhecimento aponta para objetos abstratos, que no existem na realidade,que s existem no pensamento, mas que so instrumentos indispensveis, condio prvia para poderconhecer os objetos reais (por exemplo o conceito de classe social, etc.). No processo de produo deconhecimento, portanto, se transforma a matria prima (percepo superficial da realidade) em um produto(conhecimento rigoroso, cientfico, dela).

    O termo "conhecimento cientfico" deve se tornar preciso no que diz respeito realidade social.Aplicado a esta realidade, alude sua compreenso em termos rigorosos, o mais aproximado possvel darealidade tal como ela .

    Fica dito com isso que o processo de conhecimento da realidade social, como o de toda realidade

    objeto de estudo, suscetvel de um aprofundamento terico infinito. Assim como a fsica, a qumica eoutras cincias podem aprofundar infinitamente o conhecimento das realidades que constituem seusrespectivos objetos de estudo, a cincia social pode aprofundar indefinidamente o conhecimento da realidade

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    social. Por isso inadequado esperar um conhecimento "acabado" da realidade social para comear aatuar sobre ela tratando de transform-la. No menos inadequado tentar transform-la sem conhec-la afundo.

    O conhecimento rigoroso, cientfico, da realidade local, de nossa formao social, s se conquistatrabalhando sobre informaes, dados estatsticos, etc., por meio dos instrumentos conceituais mais abstratosque proporcionam e constituem a teoria, Atravs da prtica terica busca-se a produo desses instrumentosconceituais, cada vez mais precisos e mais concretos, que conduzam ao conhecimento da realidade especfica

    de nosso meio.Somente a partir de uma compreenso terica adequada, ou seja, profunda e cientfica, podem

    desenvolver-se elementos ideolgicos (aspiraes, valores, ideais, etc.) que constituem os meios adequadospara a transformao de tal realidade social com coerncia de princpios e eficcia na prtica poltica.

    A prtica poltica e o conhecimento da realidadeUma prtica poltica eficaz exige, portanto, o conhecimento da realidade (teoria), a postulao

    harmnica com ela de valores objetivos de transformao (ideologia) e meios polticos concretos paraconquist-la (prtica poltica). Os trs elementos se fundem em uma unidade dialtica que constitui umesforo pela transformao social que o partido postula.

    Pergunta-se: devemos esperar um desenvolvimento terico acabado para comear a atuar? No. Odesenvolvimento terico no um problema acadmico, no parte do zero. Se fundamenta, se motiva e sedesenvolve a partir da existncia de valores ideolgicos, de uma prtica poltica. Mais ou menos corretos,mais ou menos errneos, estes elementos existem historicamente antes que a teoria, e motivaram seudesenvolvimento.

    A luta de classes existiu muito antes de sua conceituao terica. A luta dos explorados no esperoua elaborao do trabalho terico que desse razo para ela desencadear-se. Seu ser, sua existncia, foi anteriorao seu conhecimento, anlise terica de sua existncia.

    Por isso, a partir dessa comprovao bsica que surge como fundamental e prioritrio a atuao, aprtica poltica. Somente a partir dela, em sua existncia concreta, nas condies comprovadas de seudesenvolvimento, pode chegar a elaborar-se um pensamento terico til. Que no seja uma gratuitaacumulao de postulaes abstratas com mais ou menos coerncia e lgica interna, mas sem coerncia como desenvolvimento de processos reais. Para teorizar com eficcia imprescindvel atuar.

    Podemos prescindir da teoria em nossas urgncias prticas? No. Pode existir, admitimos, umaprtica poltica fundamentada somente em critrios ideolgicos, ou seja, no fundamentada ouinsuficientemente fundamentada em adequadas anlises tericas. Isso o habitual em nosso meio.

    Ningum poder sustentar que existe, em nossa realidade e ainda na regio americana, uma anliseterica adequada; uma compreenso conceitual suficiente, menos ainda. Esta comprovao extensiva, poroutra parte, ao conjunto da realidade. A teoria esboada em uma etapa apenas inicial de desenvolvimento.Apesar disto, h muitos decnios se combate, se luta. Esta comprovao no deve conduzir ao desdm daimportncia fundamental do trabalho terico.

    pergunta formulada antes cabe responder ento: o prioritrio a prtica, mas na condio deeficcia desta radica no conhecimento o mais rigoroso da realidade.

    Em uma realidade como a nossa, com a formao social de nosso pas, o desenvolvimento tericotem que partir, como em todas as partes, de um conjunto de conceitos tericos eficazes, operando sobre uma

    massa o mais ampla possvel de dados, que se constitua a matria prima da prtica terica.Os dados por si s, tomados isoladamente, sem um tratamento conceitual adequado, no do noo

    da realidade. Simplesmente adornam e dissimulam as ideologias a cujo servio se funcionalizam aquelesdados.

    Os conceitos abstratos, em si mesmos, sem se encaixar em uma base informativa adequada, noaportam tampouco ao conhecimento das realidades.

    O trabalho no campo terico que se desenvolve em nosso pas, flutua habitualmente entre ambosextremos errneos.

    Documento FAU

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    ANARQUISMO E CINCIA

    O anarquismo uma aspirao humana, que no se funda sobre nenhuma necessidade natural,verdadeira ou suposta, e que poder se realizar segundo a vontade humana. Aproveita os meios que a cinciaproporciona ao homem na luta contra a natureza e contra as vontades contrastantes; pode tirar proveito dosprogressos do pensamento filosfico quando estes servem para ensinar os homens a raciocinar melhor e a

    distinguir com mais preciso o real do fantstico; mas no se pode confundir, sem cair no absurdo, nem coma cincia nem com nenhum sistema filosfico.

    Eu sou anarquista porque me parece que o anarquismo responde melhor que qualquer outro modo deconvivncia social o meu desejo ao bem de todos, a minha aspirao at uma sociedade que concilie aliberdade de todos com a cooperao e o amor entre os homens, e no porque se trate de uma verdadecientfica e de uma lei natural.

    Basta-me que no contradiga nenhuma lei conhecida da natureza para consider-lo possvel e lutarpara conquistar a vontade necessria para sua realizao.

    Pode-se ser anarquista com qualquer sistema filosfico preferido.Existem anarquistas materialistas, e tambm existem outros que, como eu, sem nenhum prejuzo

    sobre os possveis desenvolvimentos futuros do intelecto humano, preferem se declarar simplesmenteignorantes.

    O cientificismo que eu rechao e que, provocado e alimentado pelo entusiasmo que seguiu osdescobrimentos verdadeiramente maravilhosos realizados naquela poca no campo da fsico-qumica e dahistria natural, dominou os espritos na segunda metade do sculo passado, a crena em que a cincia sejatudo e tudo possa, aceitar como verdades definitivas, como dogmas, todos os descobrimentos parciais; oconfundir a Cincia com a Moral, a Fora no sentido mecnico da palavra, que uma entidade definvel emensurvel, com as foras morais, a Natureza com o Pensamento, a Lei natural com a Vontade. Tal atitudeconduz, logicamente, ao fatalismo, isto , negao da vontade e da liberdade.

    A cincia a coleta e a sistematizao do que se sabe ou se acha saber: enuncia o fato e trata dedescobrir a lei deste, isto , as condies nas quais o fato ocorre e se repete necessariamente.

    A cincia satisfaz certas necessidades intelectuais e , ao mesmo tempo, eficiente instrumento depoder. Enquanto indica nas leis naturais o limite ao arbtrio humano, faz aumentar a liberdade efetiva do

    homem ao lhe proporcionar a maneira de usufruir essas leis em vantagem prpria.A cincia igual para todos e serve indiferentemente ao bem e ao mal, para a libertao e para aopresso.

    A filosofia pode ser uma explicao hipottica do que se sabe, ou um intento de adivinhar o que nose sabe. Coloca os problemas que escapam, pelo menos at agora, da competncia da cincia e imaginasolues que por no serem suscetveis de prova, no estado atual dos conhecimentos, variam e secontradizem de filsofo a filsofo.

    Quando se transforma em um jogo de palavras um fenmeno de ilusionismo; pode servir deestmulo e de guia para a cincia, mas no cincia.

    Portanto, no somos anarquistas porque a cincia nos diga que sejamos; somos por outras razes,porque queremos que todos possam gozar das vantagens e alegrias que a cincia procura.

    Em todo caso me contento de haver podido escapar da minha poca e, portanto, de todo dogmatismo

    e pretenso de possuir a verdade social absoluta.Na cincia, as teorias sempre hipotticas e provisrias, constituem um meio cmodo para vincular e

    reagrupar os fatos conhecidos, e um instrumento til para a investigao, o descobrimento e a interpretaodos fatos novos: mas no a verdade.

    O cientificismo (no digo a cincia) que prevaleceu na segunda metade do sculo XIX, produziu atendncia a considerar como verdades cientficas, isto , como leis naturais, e por tanto necessrias e fatais, oque s era o conceito, correspondente aos diversos interesses e as diversas aspiraes que cada um tinha dajustia, do progresso, etc., do qual nasceu o socialismo cientfico e tambm o anarquismo cientfico, queainda que professados por nossos maiores, a mim sempre pareceram concepes barrocas, que confundiamcoisas e conceitos distintos por sua prpria natureza.

    Eu s acredito nas coisas que podem ser provadas; mas sei muito bem que as provas so algo relativoe podem ser superadas e anuladas continuamente mediante outros fatos provados, coisa que na verdade acaba

    acontecendo, e penso, portanto, que a dvida deve ser a posio mental de quem aspira se aproximar cadavez mais da verdade, ou, pelo menos, dessa poro de verdade que possvel alcanar.

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    vontade de crer, que no pode ser mais que a vontade de anular a prpria razo, oponho avontade de saber, que deixa aberto entre ns o campo ilimitado da investigao e o descobrimento. Mas,como j tenho dito, s admito o que pode ser provado como modo de satisfazer minha razo, e s admitoprovisoriamente, relativamente, sempre em espera de novas verdades, mais verdadeiras que as adquiridas atagora.

    Tambm eu digo as vezes que necessria a f, que na luta pelo bem se requerem homens de fsegura que se mantenham firmes como uma torre cujo alto nunca oscila com o sopro dos ventos. (...) Nesse

    contexto, f significa vontade firme e forte esperana e no tem nada em comum com a crena cega emcoisas que parecem incompreensveis ou absurdas.

    Para que os homens tenham f, ou pelo menos esperana de poder fazer uma tarefa til, necessrioadmitir uma fora criadora.

    Mas como concilio esta incredulidade na religio e esta dvida, que chamaria sistemtica, a respeitodos resultados definitivos da cincia, com uma norma moral e com a firme vontade e a forte esperana derealizar meu ideal de liberdade, de justia, de fraternidade humana? que eu no ponho a cincia onde acincia no tem nada o que fazer. A misso da cincia descobrir e formular as condies nas quais o fatonecessariamente se produz e se repete: isto , dizer o que e o que necessariamente deve ser, e no o que oshomens desejam e querem. A cincia se detm onde termina a fatalidade e comea a liberdade. Serve aohomem porque impede que se perca em quimeras impossveis, e a sua vez proporciona os meios para ampliaro tempo que corresponde a livre vontade: capacidade de querer que distingue os homens, e talvez em grausdiversos a todos os animais, das coisas inertes e das foras inconscientes.

    Nesta faculdade de querer onde tem que ser buscadas as fontes da moral, as regras da conduta.Eu protesto contra a qualificao de dogmtico, porque pese estar firme e decidido no que quero,

    sempre sinto dvidas no que sei, e penso que, pese a todos os esforos realizados para compreender eexplicar o universo, no temos chegado at agora, no digamos certeza, mas nem sequer a umaprobabilidade dela; e no sei se a inteligncia humana poderia chegar alguma vez.

    Mentalidade cientfica a que no se engana nunca achando ter encontrado a verdade absoluta e secontenta em se aproximar dela incansavelmente, descobrindo verdades parciais, que considera sempre comoprovisrias e revisveis.

    O cientfico, tal como deveria ser em minha opinio, o que examina os fatos e extrai asconseqncias lgicas destes, quaisquer que sejam, em oposio com aqueles que para conseguir essa

    confirmao elegem inconscientemente os que lhe convm, passando por cima dos outros e forando edesfigurando as vezes a realidade para constrange-la e faz-la entrar nos moldes de suas concepes.O homem de cincia emprega hipteses de trabalho, isto , formula suposies que servem de guia e

    de estmulo em suas investigaes, mas no vtima de seus fantasmas tomando suas suposies porverdades demonstradas, a fora de se servir delas, e generalizando e elevando a categoria de lei, com induoarbitrria, todo fato particular que convenha a sua tese.

    Ao contrrio, sabemos que coisa formosa, grande, poderosa e til a cincia; sabemos em quemedida serve a emancipao do pensamento e o triunfo do homem em luta contra as foras adversas danatureza: E queramos por isso que ns mesmos e todos nossos companheiros tivssemos a possibilidade defazer da cincia uma idia sinttica e de aprofund-la pelo menos em um de seus inumerveis ramos.

    Em nosso programa est escrito no s po para todos, mas tambm cincia para todos. Mas nosparece que para falar utilmente de cincia seria necessrio formar primeiro um conceito claro de suas

    finalidades e funo. Conhecemos os fatos, mas no a razo deles, e por mais que nos esforcemos, chegamossempre a um efeito sem causa, a uma causa primeira, e se para explicar os fatos temos necessidade de causasprimeiras sempre presentes e sempre ativas, aceitaremos sua existncia como uma hiptese necessria, oupelo menos cmoda.

    Em concluso, o que sustento que a existncia de uma vontade capaz de produzir efeitos novos,independentes das leis mecnicas da natureza, pressuposto necessrio para quem sustenta a necessidade dereformar a sociedade.

    lamentavelmente certo que os interesses, as paixes, os gostos dos homens, no so naturalmenteharmnicos e que, como estes devem viver juntos em sociedade, necessrio que cada um trate de se adaptare conciliar seus desejos com os demais e chegar a uma maneira possvel de satisfazer a si mesmo e aosoutros. Isto significa limitao da liberdade, e demonstra que a liberdade, entendida em sentido absoluto, nopoderia resolver a questo sem uma voluntria e feliz convivncia social.

    A questo s pode ser resolvida mediante a solidariedade, a irmandade, o amor, que fazem que osacrifcio dos desejos inconciliveis com os demais se faa voluntariamente e com prazer.

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    Reclamamos simplesmente o que poderia se chamar a liberdade social, isto , a liberdade igual paratodos, uma igualdade de condies que permita a todos os homens realizar sua prpria vontade como o nicolimite imposto pelas inelutveis necessidades naturais e pela igual liberdade dos demais.

    A evoluo humana marcha no mesmo sentido em que impulsiona a vontade dos homens e no h

    nenhum direito natural que deva fatalmente levar liberdade melhor que a diviso da sociedade em duas

    castas permanentes, quase direi em duas raas, a dos dominadores e a dos dominados.

    Como a burguesia vai remediando aquelas tendncias naturais em que certos socialistas esperavam

    sua morte em curto prazo.

    Extratos de E. Malatesta.

    SOBRE ALGUMAS DEFINIES METODOLGICAS

    Definimos a sociedade como um sistema, isto , como um todo dinmico composto de elementosinterrelacionados que se afetam mutuamente de maneira varivel, autotransformando-se constantemente, emforma gradual e global. Como tal, este conceito inclui nele a mudana, o que no implica a mudana dele, amudana qualitativa do todo.

    No entanto no sistema, suas partes componentes esto regidas por um determinado ordenamento queno tem necessariamente sempre que ser igual, a isto chamamos de estrutura. Portanto dizemos que asociedade est estruturada.

    Para a caracterizao da estruturao da sociedade utilizaremos os conceitos e categorias que cremosmais relevantes afim de brindar um marco terico a uma posterior anlise conjuntural.Se enchemos de contedo a esses elementos tericos que cremos relevantes diramos que a estrutura social a configurao do conjunto de relaes sociais, estveis e concretas que implicam dominao e/ouparticipao, presentes em um sistema social.

    Antes de continuar o desenvolvimento necessrio esclarecer algumas definies aqui implicadas:entendemos por dominao a probabilidade de encontrar obedincia a um mandato de determinadoscontedos entre pessoas dadas. Isto , poder institucionalizado no contexto de relaes sociais concretas ecom determinadas faculdades.

    Esta definio implica bilateralidade (dominante-dominado), pelo que a dominao sempre uma

    relao de dominao onde entra em jogo a legitimidade que esta relao tenha. Legitimidade que vai ser talsomente atravs da mesma dinmica da relao de dominao que requer sua constante atualizao por meiode seu exerccio. A dominao ao ser relacional encontra sua contrapartida: a participao.

    Para completar esta noo de dominao faltaria mencionar que esta relao encontra sua obedinciaatravs do que chamamos tipo de dominao. So estes tipos os que do conta do carter, da especificidade,da relao de dominao. Por ltimo sobra por dizer que a configurao sistemtica desta relao, constituium sistema de dominao.

    Seguindo com o desenvolvimento dizemos que a estruturao da sociedade ao encontrar nadominao sua relao fundamental se baseia sobre uma assimetria, que ao nvel mais geral de explicaoesta assimetria representa os dois plos da relao de dominao: dominantes e dominados.

    A idia clssica indicaria que estes dois plos assimtricos correspondentes a dois rols antagnicosda relao tenderiam ao reconhecimento de interesses objetivos prprios contrapostos entre as duas partes.

    A afirmao deste tendncia algo que cremos, a partir de transformaes sucedidas no sistemacapitalista nas ltimas dcadas, que necessrio por em tela de juzo para reconsider-la e analisar de quemaneira se tem modificado.

    O que sim podemos afirmar que a relao de dominao dinmica, e se atualiza com seuexerccio e a resistncia (dominao VS. participao), desenvolvendo o constante conflito que o prprioexerccio da dominao e resistncia participativa implicam.

    O conflito social permanente, constantemente resoluto e reativado em cada instncia, sem soluode continuidade. O conflito social to ativo como a mesma dominao e participao. E seu prprioprocessamento e renovao constitui o motor de mudana social.

    Aqui novamente vemos conveniente referirmos em especial ao conceito de conflito social, pelo queentendemos toda relao de oposio manifesta entre atores sociais que se traduza em aes concretasorientadas em contraposio mtua. Isto quer dizer que no necessariamente o conflito desemboca na

    mudana qualitativo de todo (sistema) que o produz. Esta definio fala tambm da capacidade de sistemade dar resposta ao conflito para dentro dele sem mudar qualitativamente sua estruturao.

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    O que cremos importante ressaltar por sobre o que sustenta a idia clssica do conflito que ofeito de que seu prprio processamento e renovao constitui o motor de mudana social, no implicanecessariamente que o conflito social adquira mudana social em sentido revolucionrio.

    Estamos nos referindo aqui ao conceito de luta de classes a partir de uma relao de dominao, nonvel mais geral de explicao, mas luta de classes no no sentido estritamente teleolgico (para a mudanasocial revolucionria) e sim simplesmente como uma categoria geral para a explicao do ordenamento dasociedade. Por esta categoria ser to geral, ainda que necessria, que por si s pode dar conta da existncia

    de uma estrutura de classes mas no de como se realiza essa relao de dominao nos distintos nveis dasociedade. Da a idia dos tipos de dominao por quais se leva a cabo esta relao. E se nos referimos aostipos de dominao clssicos, o que esto presentes ao longo da sociedade moderna, podemos nomear oeconmico, poltico, militar, cultural, etc. Claro que geralmente no aparecem na sociedade em estado puro,e sim de maneira combinada, isto , que dificilmente possa falar-se de uma relao de dominao puramenteeconmica. Isso no exclui que no momento de dar conta de um processo, um tipo de dominao tenhaprimazia sobre os demais.

    Os tipos de dominao no so mais que um conjunto de mecanismos que configuram o sistema dedominao, e se levam a cabo a nvel de esferas ou sub-sistemas do sistema: o econmico, o poltico, omilitar o cultural, etc. Em cada uma destas esferas que se pode considerar relevantes, segundo a sociedade eo momento histrico em que esteja, se levam a cabo relaes de dominao que como anteriormentehavamos dito, constituem um antagonismo objetivo que de sua dinmica dominao-participao dependeraque este antagonismo se manifeste como conflito social.

    No dado que todo antagonismo objetivo a partir de uma relao de dominao se manifeste comoconflito social e eis aqui o invento democrtico do consenso. O consenso habilita a relao de dominaosem question-la, a faz legtima. O consenso o que garante, sobre uma relao antagnica objetiva, a nomanifestao do conflito, o aparente no-conflito. E a ausncia ou deterioramento do consenso pe em telade juzo o acionar habitual do tipo de dominao. Chegado esta deteriorao ao limite, existe a fora, acoao fsica, ainda tambm ela se deteriora.

    Ento existem os que se ocupam em promover e manter o consenso garantindo, desta maneira, a nomanifestao de potenciais conflitos; e por outro lado os que atuam sobre o potencial conflito para desfazero consenso e produzir uma determinada resoluo do conflito.

    Podemos dizer que esta relao de oposio existe pelo menos durante toda a histria do capitalismo.

    Mas o que no existiu sempre, da mesma maneira, so os mecanismos, instrumentos ou formas que fazempossvel o consenso. O consenso uma construo que habilita uma relao de dominao sem question-la.A pergunta : como possvel isto?

    Extratos de Sociologia de la Dominacin.

    Alfredo Errandonea

    MTODO DE ANLISE DE CONJUNTURA

    Categorias Fundamentais:

    Conflito: Choque entre foras sociais pelo controle de um ou de alguns objetos de disputa (alvos, interesses,

    espaos, algo para conquistar). Os objetos podem ser bem variados: dinheiro, recursos naturais, opiniopblica, alimentos, energia...etc.

    Poder: a relao que as foras (agentes + sujeitos sociais) estabelecem na disputa pelos: postos-chave dasestruturas, formas de organizar as prprias estruturas e os recursos que a elas alimentam. Esta relao o queconstri e poder dar ou no estabilidade e consistncia para as mesmas (quaisquer estruturas de qualquer tipode sociedade). O poder sempre se origina de uma relao de fora. Desta forma, numa sociedade de classe,poder o ato de imposio da vontade que pode gerar resistncia contra esta imposio, das intenes de umagente sobre o outro.

    Estrutura: So as partes mais consistentes e estveis de um sistema social. So as formas que organizam onosso convvio coletivo. Da que podemos dizer que a sociedade est estruturada, gerando assim uma srie

    de instituies fundamentais gerando assim uma srie de postos-chave nas relaes de poder. a correlaode foras entre os agentes antagonistas que tornam estveis (ou no) as estruturas de um determinado sistemasocial.

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    Conjuntura: Manifestao da estrutura e dos agentes sobre esta, em uma determinada realidade durante umperodo de tempo estipulado (geralmente as anlises conjunturais so feitas no momento exato em que sevive).

    Cenrios Conjunturais: o momento vivido, a partir de um tema conjuntural eleito para a anlise, como: arepresso aos catadores de rua, a crise poltica, as eleies, entre outros temas de interesse. preciso definir

    o lugar da anlise: na nossa cidade, micro-regio, Estado, Regio, Federao, etc. Aps isto, definir a anliseno tempo, ou seja, descrever quais os acontecimentos que foram se sucedendo no tempo at configurar asituao em que se encontra a conjuntura que vamos analisar.

    Objetos em disputa: o que est em jogo, sendo disputado a partir do interesse dos agentes, sujeitos ouatores. Estes objetos podem ser: recursos (financeiros, naturais ou humanos) pblicos ou privados, opiniopublica, votos, leis, meios de produo, etc.

    Agentes: So as associaes de pessoas que incidem no nvel poltico (agentes polticos) e poltico-social(agentes sociais) para atingir a seus objetivos e vontades polticas alm dos interesses materiais. Uma idiamais ampla pode classificar como agente, em diversos nveis: social, poltico, militar, econmico, jurdico,religioso, cultural, entre outros Estes mbitos ou nveis de anlise no so totalmente separados e o recorte apenas para interveno.

    Sujeitos Sociais: So os setores e segmentos da classe como um todo. Dentro destes, incidindo sobre ossujeitos sociais, esto os agentes que os tentam organizar ou controlar.

    Ator(es): Podem atuar em vrios nveis (ex: poltico, poltico-social, militar, etc.). So os indivduos queincidem mais que nada a partir de sua perspectiva individual/pessoal. Exemplo clssico uma lideranacristalizada, tipo chefe poltico.

    Mecanismos de poder: so as tticas empregadas pelos agentes e atores, ou seja a forma como eles jogamem uma determinada conjuntura e expressa os objetivos a serem alcanados naquele tempo sobre o tema

    conjuntural em questo.

    Fazendo uma anlise de conjuntura:Primeiramente se verifica alguns aspectos estruturais que condicionam uma determinada conjuntura

    em uma etapa do processo histrico. Como, por exemplo, o carter de predomnio capitalista na produo ena circulao de mercadorias, ou a centralizao do poder poltico nas mos do Estado. Ou seja, como foi seformando determinada situao e porque ela ficou desse jeito, atualmente?

    Identificado o cenrio, parti-se para a anlise do conflito propriamente dito. O conflito se constitui apartir do que perceptvel aos olhos, sentido na carne ou divulgado pela mdia. O conflito se constitui com aluta, a disputa por alguns objetos determinados. Para a compreenso do conflito necessrio identificar quaisso estes objetos (o que est em disputa?) e quais so os agentes sociais, polticos ou atores (quem?) que osdisputam.

    Com isso, realizamos, por fim, a anlise dos mecanismos utilizados para o aperfeioamento e/ouampliao da fora social (conceitos, procedimentos e atitudes), ou seja, os mecanismos de poder, atecnologia dos acontecimentos.

    Por ltimo, classifica-se os acontecimentos conjunturais de acordo com os nveis fundamentais davida em sociedade como o nvel econmico, poltico, ideolgico, militar, social, jurdico e nas diferentesdimenses: municipal, estadual, nacional, internacional, global, etc. Dessa forma, uma anlise de conjunturapoder ser recortada de acordo com o nvel e a dimenso que se deseja analisar, podendo, assim, servir desuporte para previso(visualizao) de novos fatos e acontecimentos conjunturais e como um pano defundo para o planejamento de aes para interveno em conjunturas histricas da luta de classes.