_Implicacoes Da Interdisciplinaridade

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AMatos E, Pires DEP, Gelbcke FL. Implicações da interdisciplinaridade na organização do trabalho da enfermagem: estudo em equipe de cuidados paliativos. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2012 abr/jun;14(2):230-9. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.13237.. Implicações da interdisciplinaridade na organização do trabalho da enfermagem: estudo em equipe de cuidados paliativos Implications of interdisciplinarity in the organization of nursing work within a palliative care team Implicancias de la interdisciplinaridad en la organización del trabajo de enfermería: estudio en equipo de cuidados paliativos Eliane Matos I , Denise Elvira Pires de Pires II , Francine Lima Gelbcke III I Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Universitário (HU), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected]. II Enfermeira, Doutora em Ciências Sociais. Professor Associado, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem (PEN), UFSC. Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected]. III Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, PEN, UFSC. Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected]. RESUMO Este trabalho trata-se de estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa, realizado com equipe interdisciplinar que presta cuidados paliativos a pessoas portadoras de câncer de uma instituição pública no sul do Brasil. Teve como objetivo identificar a influência da prática interdisciplinar na organização do trabalho da enfermagem. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com catorze profissionais de diversas categorias, observação sistemática e estudo documental. Os resultados mostraram que a perspectiva interdisciplinar propicia a participação no processo de tomada de decisão; contribui

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interdisciplinaridade.

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  • Incio

    Atual

    Expediente

    Instrues aos autores

    Sistema de submisso

    AMatos E, Pires DEP, Gelbcke FL. Implicaes da interdisciplinaridade na

    organizao do trabalho da enfermagem: estudo em equipe de cuidados paliativos.

    Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2012 abr/jun;14(2):230-9. Available

    from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.13237..

    Implicaes da interdisciplinaridade na organizao do

    trabalho da enfermagem: estudo em equipe de

    cuidados paliativos

    Implications of interdisciplinarity in the organization of

    nursing work within a palliative care team

    Implicancias de la interdisciplinaridad en la organizacin del

    trabajo de enfermera: estudio en equipo de cuidados

    paliativos

    Eliane MatosI, Denise Elvira Pires de PiresII, Francine Lima GelbckeIII

    I Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Universitrio (HU),

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianpolis, SC, Brasil. E-mail:

    [email protected].

    II Enfermeira, Doutora em Cincias Sociais. Professor Associado, Programa de Ps-

    Graduao em Enfermagem (PEN), UFSC. Florianpolis, SC, Brasil. E-mail:

    [email protected].

    III Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, PEN, UFSC.

    Florianpolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected].

    RESUMO

    Este trabalho trata-se de estudo exploratrio-descritivo de natureza qualitativa,

    realizado com equipe interdisciplinar que presta cuidados paliativos a pessoas

    portadoras de cncer de uma instituio pblica no sul do Brasil. Teve como

    objetivo identificar a influncia da prtica interdisciplinar na organizao do

    trabalho da enfermagem. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas

    semiestruturadas com catorze profissionais de diversas categorias, observao

    sistemtica e estudo documental. Os resultados mostraram que a perspectiva

    interdisciplinar propicia a participao no processo de tomada de deciso; contribui

  • para a integrao das aes realizadas pelos diferentes profissionais e pelo

    conjunto dos profissionais de enfermagem; promove a valorizao do trabalho de

    diversos integrantes da equipe, contribuindo para diminuir o conflito interno na

    enfermagem, promovendo melhorias na ateno aos usurios. Concluiu-se que os

    pressupostos orientadores da interdisciplinaridade contribuem para reorganizao

    do trabalho de enfermagem em uma perspectiva mais colaborativa, satisfatria e

    integradora.

    Descritores: Comunicao Interdisciplinar; Equipe de Assistncia ao Paciente;

    Enfermagem; Cuidados Paliativos.

    ABSTRACT

    The present exploratory-descriptive study, using a qualitative approach, was

    performed with an interdisciplinary team that provides palliative care to cancer

    patients in a public institution in southern Brazil. The objective of the study was to

    identify the influence of interdisciplinary practice on the organization of nursing

    work. Data collection was performed using semi-structured interviews with fourteen

    professionals (several categories), systematic observation, and a documental study.

    Results showed that the interdisciplinary perspective promotes participation in the

    decision-making process; contributes with the integration of actions performed by

    the various professionals and by the group of nursing professionals; and promotes

    the valorization of the work performed by the team members, thus helping to

    reduce internal conflicts in nursing, which has the potential to improve the care

    provided to the clients. In conclusion, the guiding principles of interdisciplinarity

    contribute with the reorganization of nursing work from a more collaborative,

    satisfactory, and integrating perspective.

    Descriptors: Interdisciplinary Communication; Patient Care Team; Nursing;

    Hospice Care.

    RESUMEN

    Estudio exploratorio, descriptivo, cualitativo, realizado en equipo interdisciplinario

    que brinda cuidados paliativos a pacientes con cncer de institucin pblica del sur

    de Brasil, objetivndose identificar la influencia de la prctica interdisciplinaria en la

    organizacin del trabajo de enfermera. Datos recolectados mediante entrevistas

    semiestructuradas con catorce profesionales de diversas disciplinas, observacin

    sistemtica y estudio documental. Los resultados expresaron que la perspectiva

    interdisciplinaria facilita la participacin en el proceso de toma de decisiones;

    contribuye a la integracin de acciones realizadas por los diferentes profesionales y

    por el conjunto de profesionales de enfermera; promueve la valorizacin del

    trabajo de los diversos integrantes del equipo, contribuyendo en la disminucin del

    conflicto interno de enfermera, y demuestra potencial para promover mejoras de

    atencin al paciente. Se concluye en que los presupuestos orientadores de la

  • interdisciplinaridad contribuyen a reorganizar el trabajo de enfermera con una

    perspectiva ms colaborativa, satisfactoria eh integradora.

    Descriptores: Comunicacin Interdisciplinaria; Grupo de Atencin al Paciente;

    Enfermera; Cuidados Paliativos.

    INTRODUO

    A enfermagem reconhecida internacionalmente como uma profisso da rea da

    sade desde a metade do sculo XIX, quando Florence Nightingale articulou o

    reconhecimento social deste trabalho com formao profissional e produo de

    conhecimentos. O modelo de Nightingale foi influenciado pela lgica da organizao

    capitalista do trabalho, que instituiu a diviso entre trabalho intelectual e manual, a

    fragmentao e a hierarquizao das tarefas. A enfermagem nightingaleana

    influenciou fortemente a profisso no mundo(1-3), e tambm no Brasil, onde, at

    hoje, exercida por profissionais de formao e atribuies legais diferenciadas(3).

    Neste modelo ao/a enfermeiro/a atribuda a funo de gerente centralizador/a do

    saber e a concepo do processo de trabalho de enfermagem, o qual delega

    atividades parcelares aos demais trabalhadores de enfermagem. O/a enfermeiro/a

    coordena as atividades da equipe e o planejamento da assistncia de enfermagem,

    que prestada, principalmente, pelos/as tcnicos/as e auxiliares de enfermagem(1-

    2).

    Este modelo, influenciado pelas teorias clssicas da administrao, tem sido

    apontado como um dos fatores de insatisfao e desmotivao no trabalho,

    especialmente pelos tcnicos/as e auxiliares de enfermagem, que consideram seu

    trabalho e seu saber desvalorizado. Neste sentido, tende a gerar descompromisso

    com a assistncia e com as necessidades dos usurios dos servios de sade, bem

    como tem sido associada aos frequentes conflitos existentes na equipe de

    enfermagem, especialmente entre tcnicos/as e auxiliares de enfermagem e

    enfermeiros/as(1,5).

    A enfermagem constitui o grupo majoritrio de profissionais nas instituies

    hospitalares e responsvel pelo cuidado direto s pessoas internadas nas 24

    horas do dia. Alm das aes de cuidado, o seu trabalho envolve a administrao

    da assistncia de enfermagem e do espao assistencial, e atividades de educao

    em sade e de produo de conhecimentos(6). No mbito da assistncia direta, as

    aes de enfermagem so realizadas pelo conjunto dos/as trabalhadores/as de

    enfermagem e incluem a prestao de cuidados decorrentes de avaliaes e

    prescries feitas pelos enfermeiros/as e pelos mdicos/as, tanto na ateno bsica

    como em mbito hospitalar(1).

    O resultado da assistncia em sade, no entanto, produto do trabalho coletivo de

    diversos profissionais de sade e de um grupo amplo de outros profissionais e

    trabalhadores que exercem mltiplas aes necessrias para o funcionamento

    institucional(1). Na organizao do trabalho em sade, majoritariamente, as

  • diversas profisses atuam isoladamente, embora esse trabalho tenha

    caractersticas complementares. Ao atuarem separadamente, os diversos

    profissionais perdem a oportunidade de realizar a integrao e articulao

    interdisciplinar, que poderia melhorar a qualidade da assistncia e a interao com

    os usurios(1,7-8), assim como enriquecer o trabalho, tornando-o mais motivador e

    satisfatrio(3).

    Para enfrentar as limitaes da fragmentao disciplinar, do modelo cartesiano de

    cincia, a perspectiva interdisciplinar apresenta-se como possibilidade na pesquisa,

    na prtica e no ensino. A interdisciplinaridade aqui entendida como a interao

    entre uma ou mais disciplinas, sendo que essa interao pode variar desde a

    simples comunicao de ideias at a integrao mtua de conceitos.

    Interdisciplinaridade implica em ultrapassar as fronteiras das disciplinas e das aes

    de cada uma das profisses, implica, ainda, em articulao dos processos de

    trabalho(9).

    Nos ltimos 30 anos, no Brasil, tem crescido a identificao da interdisciplinaridade

    como caminho para diminuir a fragmentao do cuidado em sade e fortalecer a

    possibilidade de prestar cuidados na perspectiva da integralidade(8,10). A

    interdisciplinaridade tem sido entendida como um caminho promissor para a

    reorganizao do trabalho em sade um jeito novo de ver a sade e o cuidado

    com o outro, em funo da complexidade dos problemas de sade(10), por articular

    princpios/valores, saberes e fazeres e por propiciar as trocas disciplinares(3,10). A

    articulao interdisciplinar na prtica de sade, tambm pode contribuir para a

    mudana nas relaes de trabalho das equipes e, ao mesmo tempo, favorecer que,

    cada profisso, internamente, repense a sua prtica no sentido de superar a

    fragmentao e os conflitos existentes no trabalho em sade(11).

    A interdisciplinaridade no contexto do trabalho em sade um processo em

    construo em que esto envolvidas as diversas disciplinas/profissionais em busca

    de um objetivo comum a assistncia integral aos usurios dos servios. Neste

    processo alguns elementos so indispensveis: a comunicao autntica, o dilogo,

    o respeito e o reconhecimento do saber e do fazer de cada um dos profissionais e a

    possibilidade de participao na tomada de deciso. A equipe interdisciplinar

    constitui-se em um espao privilegiado para o estabelecimento de relaes mais

    igualitrias entre os envolvidos, uma vez que pressupe a construo de outros

    modos de vivenciar a gesto e organizao do trabalho em sade com a

    participao de todos no planejamento, execuo e avaliao global da

    assistncia(11).

    Os valores e concepes orientados pela organizao interdisciplinar do trabalho,

    representam uma perspectiva oposta ao modelo da biomedicina e fragmentao

    taylorista, presente no trabalho em sade. Considerando-se que a organizao do

    trabalho da enfermagem tem sido fortemente influenciada pelo modelo taylorista

    da fragmentao capitalista, questionou-se se a atuao em equipe interdisciplinar

    poderia contribuir para minimizar a fragmentao da assistncia e para a

    valorizao de todos/as os/as integrantes da equipe de enfermagem.

    Neste sentido o presente estudo teve por objetivo identificar, na dinmica de

    atuao de uma equipe interdisciplinar de ateno sade de pessoas portadoras

  • de cncer, em cuidados paliativos, as influncias deste modo de organizao do

    trabalho no trabalho da enfermagem.

    METODOLOGIA

    Estudo exploratrio descritivo de natureza qualitativa, desenvolvido em uma

    unidade de ateno a pessoa com cncer em cuidados paliativos de uma instituio

    pblica do sul do Brasil, que organiza seu trabalho na perspectiva interdisciplinar

    integrando a ateno ambulatorial, hospitalar e domiciliar.

    A equipe e os sujeitos do estudo foram escolhidos intencionalmente, considerando:

    composio multiprofissional da equipe e reconhecimento do trabalho

    interdisciplinar, incluso de profissionais de enfermagem - enfermeiros e tcnicos

    de enfermagem - na composio multiprofissional da equipe; incluso de

    representantes de todas as profisses de sade que compem a equipe e

    profissionais que atuassem nas diversas atividades desenvolvidas pela equipe

    interdisciplinar.

    Os dados foram coletados no ano de 2006, por meio de estudo documental,

    entrevistas semiestruturadas com os profissionais e observao sistemtica das

    atividades realizadas pela equipe. A equipe interdisciplinar era composta por 33

    profissionais de sete categorias. Foram entrevistados, 42% da equipe, incluindo:

    quatro mdicos/as, trs enfermeiros/as, uma farmacutica, uma nutricionista, uma

    assistente social, uma fisioterapeuta, um terapeuta ocupacional e duas tcnicas de

    enfermagem.

    As entrevistas abordaram aspectos relativos: ao trabalho coletivo (diviso,

    organizao, condies e relaes de trabalho) e prtica interdisciplinar

    (integrao e interao na equipe, trocas interdisciplinares). As entrevistas foram

    gravadas, com o consentimento dos entrevistados, e depois de transcritas, foram

    apresentadas aos mesmos para validao dos dados. A observao sistemtica

    constou de cerca de 80 horas de observao, incluindo a diversidade de atividades

    realizadas pela equipe.

    A anlise dos dados coletados nas entrevistas e na observao sistemtica foi

    realizada separadamente. O material foi organizado de modo a contemplar a

    totalidade de comunicaes dos atores sociais, estabelecendo-se, a partir da,

    conjuntos homogneos de comunicaes ou unidades temticas. A seguir realizou-

    se a leitura transversal destas comunicaes (tanto das entrevistas como das

    observaes), agrupando os dados em categorias analticas.

    O estudo passou pela aprovao do Comit de tica em Pesquisa com Seres

    Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina e foi aprovado, sob nmero

    173/05 em 03/06/2005 e seguiu as diretrizes e normas que regulamentam a

    pesquisa envolvendo seres humanos. Para manter o anonimato dos participantes, e

    o sigilo das informaes, os entrevistados foram identificados pela letra inicial da

    profisso, ou combinao de letras, quando necessrio, seguidas de uma

  • numerao quando da existncia de mais de um profissional de uma mesma

    categoria. Foi garantido o direito a no participao no estudo, assim como de

    retirar-se a qualquer momento.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A apresentao dos resultados inicia com uma caracterizao da instituio e da

    equipe interdisciplinar estudada, seguida dos dados organizados nas duas

    categorias analticas definidas: Organizao do trabalho na perspectiva da

    interdisciplinaridade e Implicaes da interdisciplinaridade na organizao do

    trabalho da enfermagem.

    Caracterizao da instituio e da equipe interdisciplinar estudada

    O estudo dos documentos institucionais e os dados obtidos no perodo da

    observao possibilitaram caracterizar a equipe interdisciplinar onde foi realizado o

    estudo, sua localizao na instituio, bem como a caracterizao da instituio na

    rede de servios de sade do municpio estudado.

    Trata-se de uma instituio pblica de sade que presta assistncia a pessoas com

    doenas oncolgicas no mbito hospitalar, ambulatorial e domiciliar. Configura-se

    como um complexo institucional, com sede na capital de um estado da regio sul

    do Brasil, que conta com uma unidade hospitalar de pequeno porte, uma unidade

    de transplante de medula ssea, alm de prestar assistncia ambulatorial e

    domiciliar, contando, ainda, com duas unidades ambulatoriais descentralizadas no

    interior do estado.

    Atuam na instituio cerca de 400 trabalhadores nas reas assistenciais e de apoio,

    incluindo diversas equipes de sade que prestam assistncia nos diferentes

    servios. A equipe de cuidados paliativos foi escolhida para a realizao do estudo

    por ser a nica equipe de sade da instituio que atua na perspectiva

    interdisciplinar e por ser referncia na regio nesta concepo de organizao do

    trabalho. Fazem parte da equipe: trs mdicos/as, nove enfermeiros/as, 16

    tcnicos/as de enfermagem, uma assistente social, uma farmacutica, uma

    fisioterapeuta, um terapeuta ocupacional e uma nutricionista. Os profissionais de

    enfermagem representam 76% da equipe.

    No que diz respeito ao gerenciamento, a instituio adota a Qualidade Total como

    modelo gerencial e a gesto do trabalho est organizada em gerncias

    ambulatorial, hospitalar e de transplante de medula ssea. As gerncias abrangem

    todas as categorias profissionais envolvidas em cada rea e a direo das mesmas

    exercida por enfermeiras. A gesto da qualidade adota o gerenciamento por

    processos de trabalho, sendo que o Processo de Cuidados Paliativos rene os

    profissionais da rea ambulatorial e hospitalar que atuam com as pessoas

    portadoras de cncer que esto em cuidados paliativos. Neste processo h um

    coordenador geral do Servio de Cuidados Paliativos, cargo ocupado por um

  • profissional mdico e coordenadorias setoriais de enfermagem na rea hospitalar e

    ambulatorial.

    Hierarquicamente, os coordenadores e a equipe de enfermagem so subordinados a

    sub-gerncias hospitalar e ambulatorial, respectivamente. Porm, o Processo de

    Cuidados Paliativos, institudo pelo programa de Qualidade Total, realiza a

    coordenao desse processo, atravessando a estrutura vertical. A equipe de

    enfermagem, assim como os demais profissionais de sade, mantm uma ligao

    com o coordenador do processo de cuidados paliativos, j que a avaliao realizada

    pelo programa de qualidade feita sobre o conjunto das atividades da equipe.

    A gesto pelo modelo da Qualidade Total adotada por toda a instituio, no que

    diz respeito ao estabelecimento de metas de qualidade, satisfao do cliente,

    controle dos processos de trabalho, porm os diversos servios realizam o trabalho

    em consonncia com os modelos hierarquizados, verticais, tradicionalmente

    adotados nas instituies hospitalares, com influncia da biomedicina e da

    fragmentao taylorista. A equipe responsvel pelo servio de cuidados paliativos

    diferencia-se das demais pela realizao do trabalho orientada pela

    interdisciplinaridade.

    Organizao do trabalho na perspectiva da interdisciplinaridade

    O Servio de Cuidados Paliativos envolve e integra, a ateno ambulatorial,

    domiciliar e hospitalar, bem como articula e integra, as aes dos diversos

    profissionais de sade que compem a equipe.

    Neste sentido foi possvel observar, durante a coleta de dados, o modo como so

    planejadas e realizadas as diferentes atividades assistenciais, identificando a sua

    aproximao com os princpios da organizao taylorista do trabalho ou com os

    pressupostos da interdisciplinaridade - compartilhamento de objetivos, cooperao,

    trocas de saberes, integrao entre os agentes e articulao de saberes(7,9). A

    articulao interdisciplinar na equipe facilitada pela atuao conjunta de

    profissionais de diferentes categorias nas atividades realizadas.

    As atividades a serem desenvolvidas durante a semana, a definio de tratamentos

    e dos exames que sero realizados, assim como das famlias que sero abordadas,

    as visitas domiciliares a serem realizadas so decididas pelo conjunto dos

    profissionais aps amplo debate. No perodo entre uma e outra reunio, mudanas

    de planos de cuidados aos usurios do servio acontecem apenas em funo de

    intercorrncias. Estas so justificadas e debatidas na reunio seguinte pelo grupo

    (Nota de Observao).

    Na maioria dos outros servios de sade que eu conheo no h um vnculo muito

    grande entre o paciente e a equipe. At porque estes locais quase no trabalham

    em equipe. s vezes o paciente s tem vnculo com o seu mdico, mas no forma

    vnculo com a equipe. A enfermagem troca o tempo inteiro, no tem como fazer um

    vnculo. Esse o motivo de a gente manter uma equipe de enfermagem mais coesa

    e homognea possvel, [...] pra poder manter esse vnculo. Quando a gente recebe

    um paciente novo, normalmente a gente informa que o trabalho em equipe, que

    tem vrios mdicos, tem enfermagem, tem residente, tem a nutricionista, tem a

  • assistente social. A gente acaba tendo um relacionamento um pouco mais saudvel

    entre profissionais e pacientes. [...] Uma boa comunicao e uma boa confiana

    mtua (m2).

    Este modo de organizao do trabalho distancia-se da hierarquizao e

    fragmentao taylorista, aproximando-se do dilogo entre disciplinas e profisses

    proposto pela interdisciplinaridade. Possibilita, ainda, um acompanhamento

    diferenciado dos usurios dos servios, aproximando-se da proposta de

    integralidade(12). No que diz respeito s relaes profissionais facilita as trocas entre

    os distintos saberes, a construo do dilogo e a comunicao mais horizontal entre

    as diversas profisses, aproximando-se de propostas potencialmente capazes de

    romper com o tradicional modelo hierrquico em sade.

    Implicaes da interdisciplinaridade na organizao do trabalho da

    enfermagem

    A equipe de enfermagem do Servio de Cuidados Paliativos composta por uma

    enfermeira e dois tcnicos/as de enfermagem que atuam na rea ambulatorial e

    oito enfermeiras/as e 14 tcnicos/as de enfermagem que atuam na rea hospitalar.

    Os dois grupos, embora tenham atribuies e atividades especficas, interagem

    sistematicamente, participam das reunies da equipe interdisciplinar que

    acontecem semanalmente na instituio hospitalar; realizam visita aos usurios do

    servio internados na unidade hospitalar e dividem a tomada de deciso sobre

    tratamentos, exames diagnsticos, internao e alta, transferncias,

    acompanhamento ambulatorial e domiciliar com os demais profissionais da equipe.

    A equipe ambulatorial presta, tambm, assistncia em internao domiciliar.

    O grupo que atua no servio de internao presta assistncia de enfermagem nas

    24 horas em uma enfermaria com 12 leitos de internao e um leito de isolamento.

    A organizao interdisciplinar da equipe permite a integrao entre as esferas de

    trabalho ambulatorial e hospitalar favorecendo o conhecimento e o reconhecimento

    do trabalho do outro, aproximando as diversas profisses e, tambm, os/as

    trabalhadores/as com diferentes graus de formao que compem a fora de

    trabalho da enfermagem. Propicia, ainda, o acompanhamento do usurio nas vrias

    esferas de ateno e o conhecimento, pela articulao com as demais profisses

    das demais dimenses da vida deste sujeito, possibilitando uma assistncia mais

    prxima da integralidade, ultrapassando a viso centrada apenas nos aspectos

    biolgicos e na doena.

    [A integrao] mais com a enfermagem, os outros vem se agregando, como o

    servio social que preciso ver uma dieta, preciso saber se eles podem conseguir;

    saber como em casa, pra ver como vou fazer. s vezes o assunto com o mdico

    [...]. Por exemplo, a enfermagem, ela no chama para passar [a visita], mas eu sei

    o horrio que elas vo e eu vou. Eu vou porque eu sei que uma coisa que boa

    para o paciente e vai beneficiar muito para eu fazer o meu trabalho. E elas gostam

    tambm, eu sinto (nt).

    Faz diferena porque eles se sentem assistidos por todos os profissionais. No s

    pela equipe de enfermagem, por aquele mdico. Ele se sente mais seguro. Tem a

  • nutrio que cuida da alimentao, a fisioterapeuta que trabalha com o paciente

    (te2).

    Tanto no trabalho ambulatorial/domiciliar como no trabalho hospitalar, os/as

    enfermeiros/as, pelas atribuies da Lei do Exerccio Profissional(4), coordenam e

    organizam as aes de enfermagem realizadas pelos demais agentes da equipe de

    enfermagem, bem como gerenciam os espaos assistenciais, organizando o

    ambiente e fazendo as interlocues com os demais servios da instituio.

    Realizam os cuidados considerados complexos, que exigem maior preparo

    profissional, fazem o planejamento e a avaliao diria dos usurios do servio sob

    seus cuidados, a educao em sade, bem como avaliam os resultados dos

    cuidados prestados pela equipe de enfermagem(13).

    Os curativos complexos, como tambm estes procedimentos de sonda so os

    enfermeiros que fazem. Ns trabalhamos em duas pessoas, em equipe. Geralmente

    vo duas pessoas - o enfermeiro e o tcnico, que auxilia em uma passagem de

    sonda (te2).

    A organizao e diviso do trabalho da enfermagem na equipe estudada, em que

    h pessoal de nvel superior e nvel mdio, contribui para a anlise dos efeitos da

    atuao em equipe interdisciplinar neste segmento profissional. No modelo

    tradicional de organizao do trabalho, o/a enfermeiro/a coordena o trabalho

    assistencial desenvolvido pelos/as tcnicos/as e auxiliares de enfermagem(2,4,13). A

    composio da equipe de enfermagem dificulta a diviso do trabalho entre iguais,

    e acentua a diviso entre os que pensam e os que executam o trabalho(3,11).

    A diviso do trabalho na equipe de enfermagem estudada no segue nem o modelo

    funcional de cuidados, caracterstico do trabalho fragmentado, nem a alternativa

    de cuidados integrais, referida como mais integradora para a prestao dos

    cuidados de enfermagem(1), mas combina parte do chamado modelo de cuidado

    integral e parte do modelo funcional.

    Ns no dividimos pacientes. tudo junto. [...] um dando apoio ao outro. [...] J

    vai l e faz o curativo, o outro vai preparando as outras tarefas, as medicaes.

    Ns trabalhamos tudo em conjunto. A gente trabalha unida. muito dividido (te2).

    A combinao desses modelos deve-se caracterstica da equipe de enfermagem

    na realidade brasileira, formada por pessoal com diferentes nveis de formao e

    diferente capacitao para a realizao da assistncia. O trabalho nas equipes de

    enfermagem, tradicionalmente organizado pela diviso de tarefas ou distribuio de

    cuidados pelo modelo funcional, no qual o/a enfermeiro/a coordena, programa os

    cuidados ao usurio e distribui parcelas do trabalho a diferentes trabalhadores,

    resulta que cada trabalhador/a, exerce o que lhe delegado e, no conhece a

    totalidade do plano de cuidados e dos resultados obtidos na ateno aos usurios(1).

    O modelo de cuidados integrais na enfermagem tem sido defendido como

    alternativa ao modelo funcional, por seu potencial para propiciar um trabalho

    mais criativo e motivador ao trabalhador, para melhorar a interao com o usurio

    e a responsabilizao pelo trabalho, embora a concepo do projeto assistencial, a

    prescrio dos cuidados e a avaliao dos resultados permaneam como

  • responsabilidades do/a enfermeiro/a. Neste modelo, em cada turno de trabalho, um

    trabalhador de enfermagem presta todos os cuidados a uma ou mais pessoas com

    carncia de sade(1-2).

    Embora a diviso do trabalho na equipe estudada conserve a lgica de distribuio

    de cuidados por competncia profissional, na prtica diria, observou-se que a

    dinmica da equipe possibilita que ambos, enfermeiros/as e tcnicos/as de

    enfermagem, integrem em suas atividades o pensar e o fazer. H maior

    participao dos/as tcnicos/as de enfermagem nos espaos decisrios da equipe

    interdisciplinar e essa participao traz reflexos, tambm, para a dinmica das

    relaes interpessoais, internamente categoria.

    Eu comecei a cuidar e comecei a estudar [os cuidados com a boca] at que ns

    formamos uma equipe: a farmacutica, a nutrio, a enfermeira e eu. Comeamos

    a pesquisar teorias comprovadas pra trabalhar neste projeto. At hoje estou

    trabalhando. Ento boca hoje, tu podes me apresentar qualquer coisa que eu sei o

    que . E sei tratar tambm. avaliado primeiro por mim, depois eu comunico ao

    enfermeiro, ao mdico e o mdico faz este tratamento. Quando uma coisa mais

    simples eles do essa autonomia pra mim. Eu trato com o ch de camomila [...],

    ele ajuda a diminuir a monilase (te2).

    O modo como o trabalho organizado permite uma viso mais integral do ser

    humano que assistido pelo grupo, com consequncias positivas, tanto para os

    usurios como para os/as trabalhadores/as. Os/as integrantes do estudo percebem-

    se mais valorizados/as e respeitados/as em seu saber e fazer, e entendem que h,

    na instituio, espao para exerccio de um trabalho mais criativo.

    Eu me sinto valorizada. Respeitada pelo menos, isto legal. [...]. Eu me sinto

    muito bem como pessoa, como profissional no grupo (te1).

    O sentimento de valorizao no trabalho difere de achados em estudos que

    abordam as relaes na equipe de enfermagem e organizao do trabalho pelo

    modelo de cuidados funcionais e at nas experincias de cuidados integrais, mas

    sem a integrao interdisciplinar(14-15). A perspectiva interdisciplinar construda na

    equipe estudada tem contribudo para a enfermagem repensar seu objeto de

    trabalho em bases mais amplas, ampliando a interao com o usurio do servio e

    a viso profissional deste sujeito(3). O modelo assistencial de enfermagem adotado

    pela equipe diminui a separao entre concepo e execuo do cuidado, pois o

    planejamento considera as aes e contribuies dos/as tcnicos/as de

    enfermagem e as necessidades do usurio e famlia, que interferem no processo

    decisrio relativo aos cuidados que recebem.

    A interao com o usurio est presente, por exemplo, no modo como se

    estabelece os intervalos e as quantidades de analgsicos, a utilizao de sondas

    nasoenterais ou nasogstricas para alimentao. Na utilizao de sondas,

    procedimento a que os usurios resistem mesmo na fase final da doena, quando j

    no tem mais possibilidade de alimentar-se, sendo esclarecidos sobre os benefcios

    dessa alternativa de tratamento, podem fazer suas escolhas. Proporciona-se a

    convivncia com outros usurios que j adotaram o procedimento, porm quando a

    pessoa opta pela no utilizao esta condio respeitada (Nota de Observao).

  • Percebeu-se, tambm, entre os usurios do servio, tranquilidade no que diz

    respeito s condutas de analgesia, pois sabem que, a qualquer momento, podem

    solicitar a medicao sem serem questionados sobre a existncia real de dor.

    Esse dado difere de estudo que aponta como uma das preocupaes dos usurios

    os questionamentos da equipe de enfermagem sobre a intensidade da dor e os

    intervalos entre os analgsicos, sob o argumento de que esto tomando medidas

    para evitar viciar o paciente(14). Sobre este aspecto, estudos atuais tem discutido

    a questo do manuseio da pessoa em cuidados paliativos, reforando a atuao

    interdisciplinar como uma necessidade, quando se pensa em uma ateno que

    englobe as mltiplas necessidades deste sujeito, as especificidades colocadas

    quando se pensa na qualidade de vida como alternativa para queles que

    enfrentam o fim de sua existncia, incluindo o debate multidisciplinar sobre a

    autonomia destes sujeitos(16).

    A prtica de participao e respeito aos desejos e necessidades dos usurios

    beneficiam tambm os/as trabalhadores/as; possibilitam, ao grupo de profissionais,

    planejarem e avaliarem suas aes, o que praticamente inexiste no modelo

    tradicional de ateno sade. Pela participao no planejamento/execuo e

    avaliao do projeto assistencial, os/as trabalhadores/as vem a conhecer os

    sentidos das condutas adotadas, portanto, passam tambm a responsabilizarem-se

    pelo resultado do trabalho.

    A organizao e a diviso do trabalho na equipe estudada sinalizam que a

    perspectiva interdisciplinar contribui para a realizao de um trabalho mais

    cooperativo entre as diversas profisses e tambm entre os agentes da equipe de

    enfermagem, assim como contribuem para um melhor atendimento ao usurio do

    servio. Os conflitos existentes nas equipes de enfermagem, principalmente entre

    enfermeiros/as e tcnicos/as de enfermagem, parecem diminuir nesta forma de

    organizao do trabalho.

    No entanto, percebeu-se na observao sistemtica que a participao dos/as

    tcnicos/as de enfermagem da unidade hospitalar nas atividades da equipe

    interdisciplinar restrita. Durante as entrevistas esse fato problematizado por

    alguns profissionais, especialmente pelos profissionais mdicos/as, que questionam

    a pequena participao dos/as tcnicos/as de enfermagem na reunio semanal da

    equipe interdisciplinar; quando so realizadas a avaliao dos casos e o

    planejamento da assistncia. As reunies da equipe acontecem no turno matutino,

    horrio mais intenso das atividades de enfermagem e uma parcela dos/as

    tcnicos/as de enfermagem, no consegue estar presente. As reunies da equipe

    interdisciplinar so consideradas espaos privilegiados para a construo da

    democracia interna, uma vez que nela so estabelecidos os planos assistenciais

    para os usurios, assim como tomadas outras decises referentes atuao da

    equipe.

    A ausncia dos/as tcnicos de enfermagem aparentemente aceita com

    naturalidade pelos/as enfermeiros/as, uma vez que a maioria dos/as

    entrevistados/as no se mostrou incomodado/a com a situao. J a equipe

    mdica demonstra uma preocupao maior com essa ausncia, com o que se

    perde de contribuio pela no participao desses profissionais, bem como sobre

  • os efeitos da sua no participao no processo decisrio nas aes que,

    posteriormente, tero que ser praticadas por eles.

    [...] s vezes a gente faz uma reunio l em cima pra discutir um caso clnico, seria

    fundamental que todos os tcnicos de enfermagem estivessem, porque eles tm

    sentido os mesmos problemas que ns e eles no podem vir, porque esto na

    assistncia. [...]. Ento tem pessoas que esto sempre margem e isso me

    incomoda. Eu gostaria que todos estivessem inseridos, porque eles enriquecem,

    trazem coisas novas que s vezes a gente no percebe, porque no esta ali no dia a

    dia (m1).

    A aceitao dos/as enfermeiros/as quanto a no participao dos/as tcnicos/as de

    enfermagem em algumas etapas do processo de trabalho tem a ver com o modo

    como a profisso foi estruturada em sua trajetria histrica. A diviso do trabalho

    na equipe de enfermagem assenta-se em uma rgida hierarquia, na diviso entre

    trabalho intelectual e manual, o que aceito e reproduzido pelos/as enfermeiros/as

    acriticamente(1-2,14).

    Na equipe estudada, algumas barreiras na organizao do trabalho no foram at o

    momento solucionadas de modo a permitir uma maior participao dos/as

    tcnicos/as de enfermagem nas reunies da equipe interdisciplinar. A ampliao da

    participao desse segmento na tomada de deciso pode ser ajustada a partir de

    iniciativas de representao, de rodzio de profissionais nas reunies e de

    alternativas a serem inventadas pelo prprio grupo. As contribuies para tornar

    essa participao uma possibilidade concreta pode vir de fora da enfermagem, pelo

    olhar dos demais integrantes da equipe interdisciplinar, um olhar mais isento e

    distanciado das dificuldades histricas das relaes internas construdas na equipe

    de enfermagem.

    Por outro lado, alguns/as tcnicos/as de enfermagem, mesmo diante dessas

    limitaes, esto presentes na maioria das reunies emitindo opinies, fornecendo

    informaes sobre o usurio, questionando, colocando suas opinies. Esta situao

    demonstra que as oportunidades so aproveitadas de modo diferente pelos

    sujeitos.

    Outro aspecto da organizao do trabalho da enfermagem, que tem provocado o

    distanciamento entre tcnicos/as de enfermagem e enfermeiro/as, a utilizao de

    teorias e modelos assistenciais sistematizados, no obstante sua importncia para a

    qualidade da assistncia e o desenvolvimento de um corpo terico de enfermagem.

    Na instituio estudada, a enfermagem utiliza a sistematizao da assistncia na

    programao e avaliao dos cuidados de enfermagem prestados aos usurios do

    servio, baseando-se na teoria do autocuidado de Dorotheia Orem e Hildegard

    Peplau. Os/as enfermeiros/as prescrevem os cuidados e registram a evoluo diria

    da condio do usurio e os/as tcnicos/as de enfermagem realizam uma anotao

    inicial quando da internao.

    A gente faz prescrio e evoluo diria do paciente nas 24 horas [e] so

    acrescentadas as intercorrncias. Os tcnicos de enfermagem s escrevem na

  • admisso Eles registram os sinais vitais, mas quem faz a evoluo so os

    enfermeiros (e2).

    A sistematizao da assistncia, realizada pela enfermagem, independente da

    teoria utilizada, formulada de acordo com a lgica dominante de diviso entre

    concepo e execuo do trabalho. O/a enfermeiro/a realiza a evoluo de

    enfermagem, de acordo com suas observaes e com os registros de cuidados e

    tratamentos realizados pelo pessoal tcnico. Atravs dessa avaliao, planeja as

    aes de enfermagem e controla as tarefas e atividades realizadas pelo profissional

    de nvel mdio. Os tcnicos de enfermagem, que utilizam o pronturio para retirada

    de medicaes, cuidados e checagem destes, no costumam ler a evoluo

    realizada pelo enfermeiro e pouco conhecem a respeito das teorias; cumprem as

    atividades que lhes so destinadas, sem participao na sua definio(13,15-16).

    No caso da equipe estudada, os tcnicos de enfermagem realizam anotaes na

    admisso do usurio ao servio e estas integram o pronturio. A partir da utilizam

    o pronturio para checagem e retirada de prescries. Leem as anotaes dos

    demais profissionais quando possvel. Porm, no se percebeu nas observaes,

    e nem foram citados nas entrevistas, conflitos resultantes desse modo de

    organizao do cuidado. O resultado das aes que realizam no turno de trabalho

    agregado s anotaes dos/as enfermeiros/as na folha de anotaes para

    passagem de planto. Enfermeiros/as e tcnicos/as escrevem nessa folha e, uma

    vez ao dia, um/a dos/as enfermeiros/as sintetiza as anotaes e, com suas

    observaes diretas, realiza a evoluo diria da condio do usurio. frequente

    observar durante o turno de trabalho, tcnicos/as e enfermeiros/as trocarem

    informaes sobre o estado dos sujeitos internados, sobre cuidados prestados e

    outras intercorrncias. Considerando a dinmica do trabalho da equipe e o pequeno

    nmero de leitos nessa unidade de internao, parece que a comunicao e o

    planejamento da assistncia so facilitados, as trocas profissionais acontecem

    naturalmente durante o turno de trabalho no espao assistencial e h conhecimento

    do projeto assistencial por todos os envolvidos.

    Os/as enfermeiro/a planejam a assistncia no posto de enfermagem onde esto

    os/as tcnicos/as de enfermagem. Com isso, acontece uma interao contnua

    entre os profissionais. A sntese da evoluo do usurio, a prescrio de cuidados

    no pronturio permeada pelo dilogo entre eles, h questionamentos sobre os

    resultados dos cuidados realizados pela equipe e sobre a necessidade de

    implementao de novos cuidados (Nota de Observao). Essa postura dos/as

    enfermeiros/as parece contribuir para a integrao do contedo mais intelectual do

    trabalho do/s tcnicos/as de enfermagem ao trabalho, com isso favorecendo a

    melhoria das relaes interpessoais na equipe e a satisfao profissional.

    A utilizao de teorias para a sistematizao da assistncia pelos/a enfermeiros/a

    tem sido analisada como uma contribuio para a construo de corpo especfico de

    conhecimentos de enfermagem, no sentido de aproximao do estatuto de

    cincia(16). A utilizao da sistematizao da assistncia de enfermagem contribui

    para a qualificao do trabalho profissional de enfermagem, mas dependendo do

    modo como utilizada, pode constituir-se em instrumento de controle sobre as

    atividades dos tcnicos e auxiliares de enfermagem, uma vez que essa aparece

  • como um elemento de identidade para os/as enfermeiros/as, mas no para

    tcnicos/as e auxiliares(14).

    Sobre este aspecto, a legislao de enfermagem refora a diviso do trabalho entre

    enfermeiros/as e pessoal tcnico e auxiliar, de modo que independente do modelo

    de prestao de cuidados adotado, o gerenciamento do trabalho e o planejamento

    das aes assistenciais so sempre realizados pelos/as enfermeiros/as(4). A

    legislao no impede, no entanto, a formulao e experimentao de relaes

    mais democrticas, nem a realizao de um trabalho mais integrador(1). Na equipe

    estudada a atuao interdisciplinar tem contribudo para melhorar as relaes

    internas na enfermagem.

    CONSIDERAES FINAIS

    Pelo modo como operam as equipes interdisciplinares, possvel afirmar que a

    participao nas mesmas tem reflexos positivos na prtica profissional de

    enfermagem, fazendo com que os profissionais repensem suas relaes, buscando

    mudanas significativas para a organizao do trabalho da equipe e para uma

    assistncia de qualidade.

    Nos pressupostos da interdisciplinaridade destaca-se a percepo de objetivos

    comuns, cooperao, trocas de saberes, integrao entre os profissionais e

    articulao dos saberes, aspectos presentes nas prticas da equipe estudada e que

    contribuem para pensar a ateno em sade em uma perspectiva mais prxima da

    integralidade.

    No que diz respeito organizao do trabalho de enfermagem, em muitos

    aspectos, a perspectiva de atuao interdisciplinar aponta para a possibilidade de

    mudanas importantes, em outros casos, porm, apresenta ainda fragilidades.

    Internamente s equipes, a atuao interdisciplinar parece influenciar

    positivamente as profisses com um histrico de organizao do trabalho mais

    prxima da viso taylorista, como o caso da enfermagem. A atuao

    interdisciplinar gera movimentos internos, permitindo profisso rever a sua

    prpria prtica, possibilitando um novo olhar para o trabalho assistencial e

    potencializando a realizao de uma ao mais cooperativa entre os diversos

    agentes da equipe de enfermagem, com resultados positivos para os/as

    trabalhadores/as e para o usurio. Ainda com muitas limitaes, surgem, dessa

    prtica, indicativos potenciais para o rompimento com o tradicional modelo

    hierrquico da enfermagem e a constituio de novas formas de organizao do

    trabalho.

    O espao de participao resultante da atuao interdisciplinar sinaliza para a

    possibilidade de construo de um modelo de cuidados que contempla a assistncia

    de enfermagem na perspectiva da integralidade e na qual os diversos trabalhadores

    participam no planejamento, execuo e avaliao do plano assistencial. Um

    modelo cuja proposta de aproximao entre o saber e o fazer, dentro dos limites

    impostos pela atual composio da equipe de enfermagem da realidade brasileira.

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    Artigo recebido em 17/02/2011.

    Aprovado para publicao em 14/03/2012.

    Artigo publicado em 30/06/2012.