Impacto da composição celular do enxerto hematopoiético no...
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Sérgio Manuel Bernardo Machado Lopes
Impacto da composição celular do
enxerto hematopoiético no sucesso
do alotransplante
Orientadora: Prof. Doutora Isabel Leal Barbosa
2008
Porto
DISSERTAÇÃO DE CANDIDATURA AO GRAU DE
MESTRE APRESENTADA AO INSTITUTO DE
CIÊNCIAS BIOMÉDICAS ABEL SALAZAR E À
THOMAS JEFFERSON UNIVERSITY
Agradecimentos
À Prof. Doutora Isabel Leal Barbosa, responsável pela orientação desta dissertação,
pela disponibilidade, apoio e incentivo demonstrados.
À Dra. Alzira Carvalhais, directora do Departamento de Imuno-Hemoterapia, pela
confiança e amizade sempre presentes.
Ao Dr. Fernando Campilho e ao Prof. Doutor Mário Dinis, cuja colaboração e
orientação foram fundamentais para a realização desta tese.
Ao Dr. Laranja Pontes, director do IPO-Porto, e seus antecessores, pelo apoio
concedido ao Mestrado em Oncologia.
Ao Prof. Doutor João Amado, ao Prof. Doutor Carlos Lopes e à restante comissão
coordenadora, assim como a todos os docentes do Mestrado em Oncologia, pelo
empenho demonstrado.
À Dra. Susana Roncon, directora do Serviço de Terapia Celular, por me ter aceite no
Serviço e por todo o apoio.
À D. Alcina Ávila e à Dra. Helena Coelho, pela disponibilidade com que me acolheram
e integraram no Serviço e na Instituição. À Sara e à Fátima pelo bom ambiente de
trabalho no Seviço.
Às bolseiras, que passaram pelo Serviço de Terapia Celular, que me acompanharam e
apoiaram no decurso desta tese, em particular à Elsa e à Carla por todo o apoio.
À Beatriz, à Rosa Maria, ao Rui, à Helena, à Conceição, ao Paulo e ao Milton, por me
pouparem uma hora de viagens para um minuto de trabalho!
Ao Dr. António Campos Jr., director do Serviço de Transplantação de Medula Óssea
por me facultar os dados clínicos dos doentes e à Rute, pela paciência e preciosa
ajuda a reuni-los.
A todos os elementos do Departamento de Imuno-Hemoterapia, que de uma forma ou
de outra contribuíram para a minha formação profissional.
À Liga Portuguesa Contra o Cancro, pelo apoio financeiro prestado.
Ao IPO-Porto, onde foi realizado o trabalho conducente a esta tese.
Aos meus pais e aos pais da Joana, pelo constante incentivo, apoio, paciência,
amizade e compreensão demonstrados em todos os momentos.
À Joana, por toda a ajuda, incentivo, sugestões e conselhos, …um obrigado,
simplesmente por TUDO!!!
Abreviaturas e símbolos 15
Resumo 19
Summary 25
Introdução 31
1. Células estaminais e transplantação 33
1.1. Historial da transplantação de MO 34
1.2. Outras fontes de células progenitoras hematopoiéticas 35
1.3. Mobilização e colheita de células progenitoras hematopoiéticas 37
1.3.1. Principais factores de mobilização 39
1.3.2. Colheita por aférese 40
2. Imunobiologia do transplante 41
2.1. Composição celular do enxerto hematopoiético 41
2.2. Doença enxerto contra hospedeiro, efeito enxerto contra tumor
e imunovigilância
45
3. Condicionamento dos doentes 49
3.1. Condicionamento mieloablativo 49
3.2. Condicionamento não mieloablativo 50
4. Avaliação dos doentes pós-transplante 51
4.1. Avaliação hematológica 51
4.2. Avaliação clínica 51
5. Influência da composição do enxerto no sucesso do transplante 52
5.1. Efeito imunomodulador do G-CSF 52
5.2. Influência da composição celular 53
Objectivos 55
Material e métodos 59
1. População em estudo 61
1.1. Mobilização e colheita dos dadores 61
1.2. Avaliação dos doentes 62
2. Avaliação da colheita de células progenitoras hematopoiéticas 62
2.1. Avaliação hematológica 62
2.2. Imunofenotipagem 63
2.2.1. Marcação de superfície 63
2.2.2. Aquisição e análise 64
3. Detecção e quantificação de citocinas intracelulares 69
3.1. Isolamento e criopreservação das MNC 69
3.2. Descongelação das amostras 69
3.3. Determinação da viabilidade 70
3.4. Estimulação celular 70
3.5. Preparação dos reagentes 71
4. Análise estatística 72
Resultados 73
1. Composição celular dos enxertos de CPSP colhidos a dadores saudáveis 75
2. Células infundidas e condicionamento dos doentes 76
3. Seguimento dos doentes após o TPH 79
4. Influência da composição do enxerto no resultado do TPH 80
4.1. Composição do enxerto e arranque dos doentes 80
4.2. Ratio entre populações e arranque dos doentes 80
4.3. Recuperação de linfócitos e arranque hematológico 81
4.4. Influência das populações infundidas no desenvolvimento de GVHD 81
4.5. Avaliação da sobrevivência dos doentes 82
5. Influência das células produtoras de IFN-γ e IL-4 no arranque hematológico 91
5.1. Quantificação de linfócitos T produtores de citocinas 91
5.2. Influência no arranque dos doentes 92
Discussão 93
1. Enquadramento do estudo 95
2. Limitações do estudo 96
3. Condicionamento e arranque hematológico dos doentes 96
4. Influência da composição do enxerto no resultado do TPH 97
4.1. Composição do enxerto e arranque dos doentes 97
4.2. Ratio entre populações e arranque dos doentes 98
4.3. Recuperação de linfócitos e arranque hematológico 99
4.4. Influência das populações infundidas no desenvolvimento de GVHD 99
4.5. Avaliação da sobrevivência dos doentes 102
5. Influência das células produtoras de IFN-γ e IL-4 no arranque hematológico 105
Conclusões 108
Referências bibliográficas 112
Abreviaturas e símbolos
AA Anemia aplástica
ADCC Antibody dependent cellular citotoxicity
ALC Linfócitos em circulação por μl de sangue
ALC d15 ALC 15 dias após o transplante
APC Aloficocianina
APC Células apresentadoras de antigénios
ATG Globulina anti-timocitária
BFA Brefeldina A
CEH Células estaminais hematopoiéticas
CD Cluster de diferenciação
CPH Células progenitoras hematopoiéticas
CPSP Células progenitoras do sangue periférico
D500 linf Recuperação de linfócitos (em dias)
D500 Neut Arranque de neutrófilos (em dias)
D20 PLT Arranque de plaquetas (em dias)
DC Células dendríticas
DH Doença de Hodgkin
DLI Infusão de linfócitos do dador
DMSO Dimetil sulfóxido
FITC Isotiocianato de fluoresceína
FSC Forward Scatter
G-CSF Granulocyte Colony Stimulating Factor
GM-CSF Granulocyte Macrophage Colony Stimulating Factor
GVHD Doença enxerto contra o hospedeiro
aGVHD Doença enxerto contra o hospedeiro aguda
cGVHD Doença enxerto contra o hospedeiro crónica
GVT Efeito enxerto contra o tumor
HLA Antigénios leucocitários humanos
HPN Hemoglobinúria Paroxística Nocturna
IFN Interferon
IL Interleucina
kg Quilograma
LMA Leucemia miéloide aguda
LMC Leucemia miéloide crónica
LLA Leucemia linfoblástica aguda
LLC Leucemia linfoblástica crónica
17
Abreviaturas e símbolos
LNH Linfoma não Hodgkin
min Minutos
ml Mililitro
MM Mieloma Múltiplo
MNC Células mononucleares
MO Medula óssea
NK Natural Killer
NKT Linfócitos T Natural Killer
PC5 Ficocianina
PE Ficoeritina
PerCP Peridinin chloropyll protein
PMA Phorbol 12-Myristate 13-Acetate
rpm Rotações por minuto
SDF-1 Stromal Derived Factor-1
SMD Síndrome mielodisplásico
SSC Side Scatter
Tc Linfócitos T citotóxicos
TCR Receptor das células T
TGF Transforming growth factor
Th Linfócitos T auxiliares
TNF Factor de necrose tumoral
TPH Transplante de Progenitores Hematopoiéticos
Treg Linfócitos T reguladores
μl microlitro
18
Resumo
A transplantação de progenitores hematopoiéticos (TPH) é uma prática
corrente no tratamento de muitas doenças oncológicas, principalmente de foro
hematológico. Os principais objectivos de um alotransplante são a eliminação da
doença residual e a substituição do sistema imunitário do doente pelo do dador. As
células utilizadas podem ser colhidas directamente da medula óssea ou do sangue
periférico, após mobilização com factores de crescimento, por aférese. O factor mais
utilizado na mobilização de células para transplantação é o G-CSF.
Além das células progenitoras CD34+, o enxerto hematopoiético é constituído
por uma grande variedade de populações celulares, capazes de desenvolver uma
resposta imune competente, sendo as mais importantes os linfócitos T, as células NK,
NKT e as células dendríticas.
Antes do TPH é administrado ao doente quimioterapia (e/ou radioterapia) com
objectivo de eliminar as células tumorais, globalmente designado por regime de
condicionamento. Consoante a agressividade e grau de mielossupressão induzido, o
condicionamento pode ser mieloablativo (MA) ou não mieloablativo (NMA).
Um dos perigos do transplante de células imunocompetentes surge quando
estas reconhecerem as células do doente como patogénicas, podendo-se desenvolver
a doença enxerto contra o hospedeiro (GVHD), que pode assumir uma forma aguda
(aGVHD) ou crónica (cGVHD).
O sucesso do transplante está dependente de vários factores, nomeadamente
a dose de células infundida, o tipo de condicionamento e a idade do doente.
Neste estudo foram avaliados os enxertos hematopoiéticos de 78 dadores
adultos saudáveis, colhidos por aférese após 5 dias de mobilização com uma mediana
de 13μg/kg/dia de G-CSF. Nos enxertos avaliou-se a dose de cada população
infundida e o ratio entre as populações. Estudou-se a influência da composição do
enxerto na recuperação de linfócitos, arranque hematológico, desenvolvimento e grau
de aGVHD, extensão da cGVHD, assim como na sobrevivência global (OS) e livre de
doença (DFS) dos doentes após TPH. Uma vez que o tipo de condicionamento induz
21
Resumo
diferentes estados de imunossupressão os doentes com um condicionamento MA ou
NMA foram avaliados separadamente.
A correlação entre a composição do enxerto e o resultado do transplante foi
avaliada com o teste de Pearson ou Spearman no caso de variáveis contínuas
paramétricas ou não paramétricas, respectivamente. As variáveis categóricas foram
analisadas pelo teste t ou uma tabela ANOVA e a sobrevivência estimada pelo método
de Kaplan-Meier com o teste de Log rank e de Breslow. As correlações foram
consideradas significativas para p<0,05.
Apesar dos doentes com um condicionamento NMA apresentarem um
arranque hematológico mais rápido do que os doentes com um condicionamento MA,
não se observaram diferenças significativas na sobrevivência de ambos os grupos.
Independentemente do condicionamento, os doentes mais novos (idade inferior a 45
anos) apresentaram melhor sobrevivência. Em ambos grupos o arranque
hematológico estava associado à recuperação de linfócitos.
Nos doentes com um condicionamento MA o arranque hematológico foi tanto
mais rápido quanto maior a dose de linfócitos Tc e de DC1 infundida. A rápida
recuperação de linfócitos estava associada com o aumento da dose de células
NKdimCD16+ infundida e com a diminuição da dose de DC2 infundida. Os doentes
mais velhos e os transplantados com doses mais altas de DC1 desenvolveram maior
grau de aGVHD. Os doentes com maior grau de aGVHD apresentaram pior
sobrevivência.
Nos doentes com um condicionamento NMA a recuperação de linfócitos foi
tanto mais rápida quanto maior a dose infundida de leucócitos e de linfócitos T. O
arranque hematológico foi mais rápido nos doentes transplantados com maior dose de
células CD34+, de linfócitos Tc e de células NKdimCD16+. O aumento da dose
transplantada de células NK, NKbright, NKdim, NKT, linfócitos T, Tc e Th traduziu-se no
aumento do grau de aGVHD desenvolvida. Neste grupo, os doentes transplantados
com doses de leucócitos superiores a 19x108/kg, assim como os que recaíram,
22
Resumo
apresentaram pior sobrevivência. Os doentes transplantados com doses de células
CD34+ superiores a 5,5x106/kg, com melhor recuperação de linfócitos ou com um
arranque de plaquetas mais rápido, apresentaram uma melhoria na sobrevivência.
Foi utilizado o ratio entre populações infundidas na avaliação do impacto da
composição do enxerto no resultado TPH, tendo-se obtido resultados semelhantes aos
encontrados para a dose respectiva de cada população.
Num grupo independente de 16 dadores e respectivos doentes, foi avaliado o
impacto da dose infundida de linfócitos T produtores de IFN-γ e produtores de IL-4 no
arranque hematológico dos doentes. Observou-se que quanto maior a dose infundida
de ambas as populações mais rápido foi o arranque de neutrófilos dos doentes.
Pode-se concluir que a composição celular do enxerto efectivamente influencia
o resultado do TPH. Nos doentes com um condicionamento NMA essa influência é
mais notória (maior número de associações encontradas), reflexo do estado de
imunossupressão dos doentes.
23
Summary
Haematopoietic stem cell transplant is a current treatment in a variety of
oncological diseases, mainly of haematological origin. The main goals of an
allotransplant are residual disease elimination and replacetment of the patient’s
immune system with that of the donor. The stem cells used can be harvested directly
from the bone marrow or from the peripheral blood, following mobilization with growth
factors, by apheresis. The growth factor more commonly used in cell mobilization for
transplantation is the G-CSF.
Apart from the CD34+ stem cells, aphaeresis collected haematopoietic grafts
are composed of a large variety of cell populations, capable of starting an effective
immune response, the more relevant being T lymphocytes, NK, NKT and dendritic
cells.
Prior to the transplant, the patient is given a course of chemotherapy (with or
without radiotherapy) in order to eliminate tumour cells, generally refered to as
conditioning. According to the aggressiveness and degree of myelosuppression, the
conditioning can be either myeloablative (MA) or nonmyeloablative (NMA).
One of the dangers of transplanting imunocompetent cells comes from the
possibility of the recognisment of donor cells as pathogenics, leading to the
development of graft versus host disease (GVHD), which can take either an acute
(aGVHD) or chronic (cGVHD) form.
The outcome of the transplant depends on various parameters, namely the cell
dose infused, the type of conditioning and the patient’s age.
For this study we evaluated the haematopoietic grafts of 78 healthy adult
donors, harvested by aphaeresis after 5 days of mobilization with a median dose of
13μg/kg/day of G-CSF. The infused cell dose of each population and the ratio between
populations were evaluated. The impact of the graft composition on the patient’s
haematological engraftment, lymphocyte recovery, development and degree of aGVHD
and cGVHD extension, overall survival (OS) and disease free survival (DFS), after
27
Summary
transplant was evaluated. Since the type of conditioning induces a different state of
immunossupression, patients with a MA or NMA conditioning were evaluated
separately.
Correlations between graft composition and transplant outcome were calculated
with either the Pearson or the Spearman test, for continuous parametric or non-
parametric variables, respectively. Categorical variables were analysed with the t-test
or an ANOVA table, and survival was estimated by the Kaplan-Meier method, with the
Log rank and Breslow tests. Correlations were considered significant for a value of
p<0,05.
Although patients with a NMA conditioning presented a faster haematological
engraftment than those with a MA conditioning, there was no significant differences in
the survival of both groups. Regardless of the type of conditioning, younger patients
(below 45 years) had a better survival. In both groups the patient’s haematological
engraftment was associated with the lymphocyte recovery.
Patients with a MA conditioning infused with a higher dose of Tc lymphocytes
and DC1 had a faster haematological engraftment, while a faster lymphocyte recovery
was associated with an increase in the NKdimCD16+ cell dose infused and a decrease
in the DC2 dose infused. Older patients and those transplanted with higher DC1 doses
developed a higher degree of aGVHD. Patients with a higher degree of aGVHD
present a worse survival.
Within patients with a NMA conditioning the lymphocyte recovery was faster in
patients receving higher doses of leucocytes and T lymphocytes. The haematological
recovery was faster in patients transplanted with higher doses of CD34+ cells, Tc
lymphocytes and NKdimCD16+ cells. An increase in the infused cell dose of NK, NKbright,
NKdim and NKT cells and T, Tc and Th lymphocytes was associated with an increase in
the degree of aGVHD developed. In this group, patient receiving more than 19x108
leucocytes/kg and those with disease relapse had a worse survival, while patients
28
Summary
receving more than 5,5x106 CD34+ cells/kg, with faster lymphocyte recovery or with
faster haematological engraftment showed an improved survival.
The use of the ratio between populations in the evaluation of the impact of graft
composition in the transplant outcome was evaluated, producing similar results to
those obtained with cell doses.
In an independent group of 16 donors and respective patients, we evaluated the
impact of the IFN-γ and IL-4 secreting T lymphocytes dose infused on the patient’s
haematological engraftment. For both populations, an increase of the infused cell dose
led to a faster neutrophil engraftment.
We can conclude that the graft cell composition does influence the outcome of
haematopoietic cell transplants. This influence is best shown in patients with a NMA
conditioning (more correlations found), derived from the immunosuppression of the
patients.
29
Introdução
1. Células estaminais e transplantação
As células estaminais representam uma população de células indiferenciadas
com uma elevada capacidade de auto-renovação, podendo uma única célula originar
milhares de células idênticas, mantendo o estado indiferenciado. Apresentam também
um elevado potencial de diferenciação, podendo originar uma grande variedade de
células adultas diferenciadas.1
Durante a vida embrionária as células estaminais encontram-se em grande
número em circulação e no fígado fetal, sendo a extracção do sangue do cordão
umbilical (SCU) e da placenta a principal forma de acesso a estas populações
celulares. Nos adultos e nas crianças, a medula óssea (MO) é a principal fonte de uma
variedade de células estaminais e progenitoras (Figura 1). As células progenitoras
hematopoiéticas (CPH) têm a capacidade de se diferenciarem em todas as linhagens
celulares hematopoiéticas, mielóide (incluindo a eritróide) e linfóide.2
Caracteristicamente estas células exprimem à superfície o antigénio CD34 à
superfície, sendo por isso designadas como células CD34+. As células CD34+ mais
imaturas podem exprimir ainda o receptor para o stem cell factor (SCF) (CD117ou c-
kit) e o antigénio CD133.3
A transplantação de CPH é uma prática corrente no tratamento de muitas
doenças oncológicas, principalmente de foro hematológico, podendo as células
utilizadas serem provenientes do próprio doente (transplante autólogo ou
autotransplante) ou de um dador saudável compatível com o doente (transplante
alogénico ou alotransplante).5 Os principais objectivos de um alotransplante são, além
de destruir a doença residual, substituir o sistema imuno-hematopoiético do doente
pelo do dador. O alotransplante é uma verdadeira forma de imunoterapia celular
adoptiva, facto que tem sido cada vez mais explorado, recorrendo, em casos
seleccionados, a esquemas de quimioterapias menos agressivos, essencialmente
imunosupressores.5
33
Introdução
Figura 1 – Células progenitoras presentes na medula óssea e respectivo potencial de diferenciação
(www.stemcells.nih.gov).
1.1. Historial da transplantação de medula óssea
O conceito de transplantação de células hematopoiéticas já existe há muito
tempo, tendo tido como pioneiros Brown-Sequard e D’Arsonaval, que em 1891
administraram MO por via oral, na tentativa de tratar doentes com anemia secundária
à leucemia. Passados 45 anos, Schretzenmayr começou a administrar MO por via
intramuscular e, em 1940, Marisson e Samwick relataram que doentes com anemia
aplástica se encontravam curados após 3 injecções intramedulares de apenas 13 ml
de MO proveniente de irmãos.
Inspirados por estes bons resultados começaram a surgir vários estudos bem
sucedidos, com ratinhos e humanos, a demonstrar o efeito protector de células da MO
em indivíduos sujeitos a radiação. Apesar do sucesso obtido em laboratório, as
décadas de 50 e 60 foram marcadas por desilusões clínicas, em grande parte devido a
terem sido realizados em doentes terminais, e ao desconhecimento do sistema dos
antigénios humanos leucócitarios (HLA Human Leukocyte Antigens). Os primeiros
transplantes com sucesso foram realizados no final dos anos 60.6
34
Introdução
Nos anos 70, devido a um aumento dos conhecimentos teóricos da imunologia
e desenvolvimento de novas drogas, começaram a ser realizados os primeiros
alotransplantes de MO bem sucedidos. Com a padronização de protocolos,
cooperação internacional e aumento do número de centros de transplantação, o
número de transplantes efectuados aumentou largamente (Figura 2).
Nº d
e tra
nspl
ante
s re
aliz
ados
Ano do transplante
Figura 2 – Evolução do número de alotransplantes realizados na Europa (adaptado de European Group
for Blood and Marrow Transplantation).
1.2. Outras fontes de células progenitoras hematopoéticas
Apesar de ser conhecida a existência de células estaminais em circulação, só a
partir dos anos 90 é que o transplante de células progenitoras obtidas do sangue
periférico (CPSP) foi efectuado de um modo crescente. Actualmente a colheita de
CPSP ultrapassa, em número, a colheita de MO (Figura 3).
Como já foi referido, um alotransplante utiliza células provenientes de um dador
saudável. A procura de um dador compatível começa nos familiares directos, que
apresentam maiores probabilidades de compatibilidade. Como nem sempre é possível
encontrar um familiar compatível, foram criados registos de dadores voluntários não
aparentados.
35
Introdução
Nº d
e tra
nspl
ante
s re
aliz
ados
Ano do transplante
Figura 3 – Evolução do número de alotransplantes realizados nos EUA, de acordo com a fonte das
células (adaptado de National Marrow Donor Program).
As bases de registos nacionais foram integradas em grandes registos
internacionais, o que permitiu aumentar largamente a probabilidade de encontrar um
dador não aparentado compatível (Figura 4). Adicionalmente à actividade de manter
registos dos haplotipos dos dadores inscritos, as redes de registo internacionais
também produzem dados e estatísticas relativamente ao tipo e volume de transplantes
efectuados anualmente. As principais redes internacionais são a European Bone
Marrow Transplant (EBMT) e o Center for International Bone & Marrow Transplant
Research (CIBMTR), Norte-americano.
.
36
Introdução
Nº d
e tra
nspl
ante
s re
aliz
ados
Ano do transplante
Figura 4 – Número de alotransplantes realizados por ano, em função do tipo de dador (adaptado de
Center for International Blood and Marrow Transplant Research).
1.3. Mobilização e colheita de células progenitoras hematopoiéticas
A MO actua como nicho para as células estaminais, fornecendo-lhes suporte
físico e biológico. As células de estroma que revestem internamente a cavidade
medular produzem moléculas de adesão, responsáveis pela retenção das células
estaminais hematopoiéticas (CEH) e factores solúveis que lhes permitem manterem-se
num estado indiferenciado.2 Estas células de suporte aparentam ser osteoblastos que
se especializaram em função de suporte, com uma morfologia ovalada e elevados
níveis de expressão de n-caderinas, sendo designadas por “Spindle shaped N-
cadherin expressing Osteoblasts” (SNO).7
As CEH e CPH distribuem-se na medula óssea de acordo com o grau de
diferenciação, estando as CEH, mais imaturas, localizadas junto dos osteoblastos, na
interface osso-MO (endósteo) e as CPH, mais diferenciadas, no lúmen do osso, em
contacto com elementos fibroblastóides (Figura 5).2 Estudos demonstraram que outras
células progenitoras têm igualmente nichos preferenciais.8
37
Introdução
Figura 5 – Distribuição das células estaminais hematopoiéticas (CEH) e células progenitoras
hematopoiéticas (CPH) na medula óssea (adaptado de Levesque et al., 2007).
A interacção entre osteoblastos e células estaminais é mediada por vários
factores. Durante o processo de formação do osso, caracterizado pelas actividades
antagónicas de osteoblastos e osteoclastos, ocorre a libertação de cálcio solúvel
(Ca2+), formando um gradiente que atrai as CEH, por acção dos seus receptores de
Ca2+.9 Os osteoblastos produzem ainda elevados níveis de SDF-1 (ou CXCL12) que é
um potente quimiotáctico de CEH, por acção do seu receptor CXCR4. A par de
produção desta citocina, os osteoblastos expressam uma grande variedade de
moléculas de adesão, nomeadamente Vascular Cell Adhesion Molecule-1 (VCAM-1) e
SCF transmembranar, que se ligam aos respectivos receptores na membrana das
CEH. 2
Em situações de stress, lesão de tecidos ou estimulação da medula, parte
destas células imaturas passa para a circulação periférica, num processo denominado
mobilização (Figura 6). Para que as CPH possam ser recolhidas no sangue periférico
é necessário proceder à sua mobilização. A mobilização pode ser efectuada
recorrendo a quimioterapia ou ao uso de factores de crescimento.
38
Introdução
Figura 6 – Mobilização de CPH da medula óssea para a periferia, por acção do G-CSF
(www.rndsystems.com).
1.3.1. Principais factores de mobilização
Existem várias moléculas, produzidas naturalmente no organismo, capazes de
induzir a mobilização de CPH, nomeadamente o Granulocyte-Colony Stimulating
Factor (G-CSF), o Granulocyte Macrophage – Colony Stimulating Factor (GM-CSF), a
interleucina-13 (IL-13), a IL-18 e o SCF.
O factor mais utilizado na mobilização é o G-CSF, que aumenta em mais de 10
vezes o número de leucócitos em circulação, e em até 50 vezes o número de CPSP.5
Apesar de identificado inicialmente como indutor da diferenciação de progenitores em
granulócitos, este factor tem uma acção pleiotrópica, por mecanismos não
inteiramente identificados. Alguns autores defendem que a mobilização de CPSP pelo
G-CSF ocorre devido à degradação do SDF-1, expresso pelas células de estroma
medular, por enzimas produzidas pelos neutrófilos, em particular a elastase.10
A interacção entre o SDF-1, e o seu receptor, o CXCR4 está envolvida, tanto
na mobilização induzida, como no normal tráfico de células progenitoras. As células
progenitoras residentes na medula exprimem níveis significativamente superiores de
CXCR4 do que as células mobilizadas para a periferia.11 Moléculas antagonistas do
CXCR4 têm sido estudadas como agentes de mobilização, o plerixafor (AMD3100) em
39
Introdução
particular tem apresentado resultados promissores quando utilizado em conjunto com
o G-CSF, em maus mobilizadores.12
Além de ser um eficaz mobilizador de CPH, o G-CSF provoca menos efeitos
secundários do que outros agentes, podendo no entanto ocorrer náuseas, tonturas,
dores nos ossos e em casos raros efeitos mais graves.13 A mobilização de CPH é
efectuada pela injecção subcutânea diária de G-CSF, cerca de 10μg/Kg/dia, podendo
este ser administrado em casa pelo próprio doente ou dador.
1.3.2. Colheita por aférese
Apesar do enorme aumento do número de CPSP após mobilização, estas
continuam a ser uma população minoritária (normalmente inferior a 1% do total de
leucócitos), pelo que a colheita é realizada por aférese, que permite fazer uma colheita
selectiva de células. A colheita do enxerto hematopoiético por aférese é normalmente
iniciada ao quinto dia de mobilização, repetindo-se nos dias seguintes, se necessário,
até ser atingida a dose celular pretendida. A aférese é normalmente realizada em
separadores celulares automáticos de fluxo contínuo, que separam a fracção celular
de interesse em função da sua densidade, sendo os restantes componentes
sanguíneos devolvidos ao próprio dador/doente.
Ao contrário da colheita de MO, qualificada como um acto cirúrgico e efectuada
num bloco operatório, normalmente sob anestesia geral, a aférese pode ser realizada
numa sala de colheitas normal, não necessitando de condições de esterilidade
específicas. A aférese demora cerca de 3 horas e é um procedimento pouco invasivo,
podendo os dadores/doentes retomar a actividade normal pouco tempo após o
procedimento, ao passo que para a colheita de um volume de MO que contenha
células suficientes para um transplante, é necessário efectuar múltiplas aspirações
(cerca de 2 a 5 ml cada), pelo que a intervenção pode ter uma recuperação algo
dolorosa.
40
Introdução
2. Imunobiologia do transplante
O enxerto hematopoiético, colhido por aférese, é constituído por uma grande
variedade de populações celulares, capazes de desenvolver uma resposta imune
competente.
2.1. Composição celular do enxerto hematopoiético
As populações mais importantes, e as mais estudadas, no contexto do
transplante de células progenitoras hematopoiéticas (TPH) são as células CD34+, os
linfócitos T, as células NK, as células NKT e as células dendríticas (DC dendritic cells).
O linfócito T é a principal célula efectora do sistema imunitário e,
consequentemente, a mais estudada. Esta população é caracterizada pela expressão
de CD3 e receptores de células T (TCR) na membrana, que através da ligação a
moléculas de HLA das células apresentadoras de antigénios (APC), reconhecem
péptidos apresentados por estas. O TCR é incapaz de reconhecer moléculas solúveis,
estando a acção dos linfócitos T restrita a HLA. Os linfócitos T dividem-se em duas
grandes subpopulações, os linfócitos T auxiliares (Th) e linfócitos T citotóxicos (Tc).14
Os linfócitos Th caracterizam-se pela expressão de CD4, molécula que
reconhece a região não polimórfica de moléculas HLA classe II, apenas expressas
pelas APC. São designadas auxiliares porque não actuam directamente nos alvos do
sistema imunitário, mas coordenam e potenciam a acção de elementos efectores.
Esta subpopulação produz uma grande variedade e quantidade de citocinas,
que vão coordenar a resposta imunitária, pela atracção e estimulação de determinadas
células efectoras, e inibição de outras.15 Consoante o perfil de citocinas segregadas e,
consequentemente o tipo de resposta desencadeado, as células Th podem ser
divididas em Th1 e Th2.
As células Th1 desencadeiam uma resposta do tipo celular, ou tipo 1,
caracterizada pela estimulação do potencial citotóxico e proliferação de macrófagos,
41
Introdução
células NK e linfócitos Tc. As células Th1 produzem interferon-γ (IFN-γ), factor de
necrose tumoral β (TNF-β) e IL-2. O IFN-γ estimula a produção de IL-12 pelas células
dendríticas e macrófagos; esta citocina por sua vez estimula a produção de IFN-γ por
linfócitos T. A produção de IFN-γ vai também inibir a produção de IL-4 (característica
das Th2), funcionando como regulação autócrina na manutenção de um perfil Th1.
As células Th2 desencadeiam uma resposta do tipo humoral, ou tipo 2,
caracterizada pela activação de linfócitos B e consequente produção de anticorpos.
Estas células produzem caracteristicamente IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e IL-13. A IL-4 vai
estimular a produção de citocinas Th2 (incluindo a própria) e a IL-10 vai inibir a
produção citocinas, particularmente IL-2 e IFN-γ. A produção de IL-10 vai também
diminuir a secreção de citocinas pelas Th2, mas estimula a produção de anticorpos
pelos plasmócitos.16
Os linfócitos T reguladores ou Treg compõem uma população heterogénea de
linfócitos, cuja principal função é atenuar ou potenciar a resposta imunitária.17,18
Os linfócitos Tc expressam caracteristicamente CD8, que reconhece a região
não polimórfica de moléculas HLA classe I, molécula expressa por quase todas as
células do organismo.
Após processarem antigénios internos, as APC vão apresentá-los através de
moléculas HLA classe I, pelo que os linfócitos Tc respondem principalmente a auto-
antigénios.
As células NK (Natural Killer) são uma população linfócitária distinta, que
apresenta uma extensa acção citolítica e funções na regulação da hematopoiese e da
resposta imune.19
Estas células representam ente 10 e 30% dos linfócitos em circulação,
expressam caracteristicamente CD56 e não expressam CD3 nem TCR.20 A
intensidade de expressão de CD56 permite identificar duas subpopulações distintas.
As células com menor intensidade de expressão são denominadas células NK
CD56dim, ou NKdim, sendo as mais frequentes em circulação (cerca de 90%), as
42
Introdução
restantes 10% são denominadas células NK CD56bright, ou NKbright, devido à expressão
de elevados níveis daquela molécula. As subpopulações bright e dim não só diferem
nos níveis de expressão de CD56, como apresentam funções biológicas distintas.21
Os principais alvos desta população são células infectadas com patogénios
intracelulares, em especial vírus, e células tumorais.22 O reconhecimento de alvos
pelas células NK é independente de antigénios apresentados por moléculas HLA; no
entanto, as moléculas HLA actuam como inibidores da activação das células NK. As
células tumorais apresentam normalmente uma diminuição da quantidade de
moléculas HLA expressas, tornando-se assim potenciais alvos para a lise pelas
células NK. Neste contexto as células NK têm um papel complementar aos linfócitos
Tc cuja acção está restrita a células com um número de moléculas HLA normal,
exprimindo antigénios anormais.
Se por um lado as células NK conseguem lisar células infectadas e tumorais,
desempenhando um importante papel na defesa inata, através das citocinas
produzidas conseguem estimular e polarizar a resposta dos linfócitos T, estabelecendo
uma ligação entre resposta inata e imunidade adaptativa.23 Estudos recentes
demonstraram que as células NK podem assumir funções de APC, reforçando assim a
importância da sua interacção com os linfócitos T no desenvolvimento de uma
resposta imunitária.24
As células NKT são um grupo heterogéneo de células T, que expressa um TCR
semi-invariante restrito para CD1d, que é uma molécula não polimórfica, relacionada
com HLA classe I, expressa por várias APC, responsável pela apresentação de
antigénios lipídicos, tanto endógenos como exógenos.25,26 Mesmo quando isoladas do
SCU, as células NKT apresentam um fenótipo característico de células activadas ou
de memória, o que sugere que respondem principalmente a antigénios endógenos na
periferia.27
As células NKT apresentam características comuns a células NK e linfócitos T,
nomeadamente a expressão de TCR, CD3, CD56. 25
43
Introdução
Após activação, estas células produzem grandes quantidades de citocinas, do
tipo 1 e do tipo 2, estimulando células envolvidas tanto na resposta inata como
adaptativa, estabelecendo uma ligação entre os dois tipos de resposta.28 Um dos
modelos propostos para a regulação destas células defende que o perfil de citocinas
produzidas pelas células NKT é função das citocinas existentes no microambiente e da
afinidade do seu TCR para o ligando de activação.24 Esta população desempenha um
papel muito importante na indução de tolerância, desenvolvimento de autoimunidade e
vigilância antitumoral. 28
As DC consistem num grupo heterogéneo de APC profissionais, especializadas
no processamento e apresentação de antigénios, com capacidade de estimular
directamente linfócitos T näive, assumindo assim um papel crucial no desenvolvimento
de uma resposta imunológica (Figura 7). Além de activar os linfócitos, as DC polarizam
o tipo de resposta (Th1 ou Th2) desencadeada e conseguem “dirigir” os linfócitos para
a origem do sinal inflamatório, permitindo uma resposta específica para órgãos.29
Figura 7 – Polarização da resposta imune pelas células dendríticas (adaptado de www.accp.com).
44
Introdução
As DC tanto podem apresentar antigénios internos, através das moléculas HLA
classe I, como antigénios externos, através de moléculas HLA classe II. Esta
capacidade, associada à expressão de níveis variáveis de moléculas co-
estimulatórias, permite às DC induzir uma resposta imunitária ou tolerância,
assumindo um papel central na manutenção do equilíbrio imunológico.30
As DC podem ser divididas em duas grandes subpopulações, as DC mielóides
(mDC) ou DC1, e as DC plasmocitóides (pDC) ou DC2 que apresentam várias
diferenças estruturais e funcionais.
2.2. Doença enxerto contra hospedeiro, efeito enxerto contra tumor e
imunovigilância
O TPH alogénico consiste na substituição do sistema imuno-hematopoiético do
doente pelo de um dador, levando a coexistência de duas linhas celulares distintas.
Sendo a principal função dos linfócitos Tc a identificação e destruição de
células não-próprias, caso haja incompatibilidade de HLA entre o dador e o receptor,
as células podem ser identificadas como patogénicas. Mas, mesmo existindo
compatibilidade HLA pode ocorrer o reconhecimento das células do dador pelos
linfócitos do receptor e das células do receptor pelos linfócitos do dador. Se os
linfócitos do receptor reconhecerem o aloenxerto como não próprio pode ocorrer a
rejeição do enxerto. Caso os linfócitos do enxerto reconheçam as células do receptor
como estranhas, principalmente por acção das APC do receptor, pode ocorrer doença
enxerto contra o hospedeiro (GVHD graft versus host disease).31 A GVHD é uma
complicação importante após o alotransplante, sendo uma das principais causas de
mortalidade do mesmo. No entanto, pode ocorrer uma reacção semelhante à GVHD
em alguns autotransplantes.32
Classicamente nos primeiros 100 dias após o transplante e por vezes na
primeira semana pode surgir uma GVHD de desenvolvimento rápido. Apesar de variar
entre indivíduos, atinge principalmente a pele e mucosas, o fígado e o tracto
45
Introdução
gastrointestinal. Devido ao rápido desenvolvimento e gravidade das lesões é
denominada GVHD aguda (aGVHD), podendo ser letal se não tratada. A idade
representa um importante factor de risco, tendo doentes mais velhos uma maior
probabilidade de ocorrência de GVHD.
A patofisiologia da aGVHD, estabelecida através de modelos animais, está
dependente do tratamento. A quimioterapia e a radioterapia provocam uma reacção
inflamatória, com uma grande produção de citocinas, potencialmente responsáveis
pela activação de linfócitos T autoreactivos.33 As APC do receptor, resistentes ao
tratamento, são capazes de desencadear aGVHD devido à apresentação de
autoantigénios aos linfócitos Tc transplantados34 (Figura 8).
Figura 8 – Diagrama da patofisiologia da doença enxerto contra hospedeiro (GVHD) (Adaptado de
www.ojrd.com).
A especificidade dos alvos da aGVHD está associada aos locais de maior
densidade de APC e de contacto com microrganismos (capazes de activar as DC). As
DC destes locais são particularmente eficazes em dirigir linfócitos para o seu lugar de
maturação, podendo sequestrar células T aloreactivas da periferia para locais
específicos.35
46
Introdução
A partir dos 100 dias, e por vezes meses após o transplante, pode surgir uma
GVHD de desenvolvimento mais lento, com um espectro mais largo de acção,
designada de GVHD crónica (cGVHD). O tratamento passa igualmente pela
imunossupressão. A apresentação clínica da cGVHD é semelhante a várias doenças
autoimunes. Esta forma de GVHD pode surgir como progressão da forma aguda ou de
novo.33 A patofisiologia desta doença não está completamente esclarecida, mas
parece estar associada à apresentação de autoantigénios por DC de origem do
dador.36
A depleção dos linfócitos dos enxertos pré transplante, com o fim de minimizar
a ocorrência e severidade da GVHD, além de aumentar a taxa de falências de enxerto
pode levar a um aumento na taxa de recaída, constituindo um dos argumentos de que
os linfócitos do dador são capazes de eliminar células tumorais, denominado efeito
enxerto contra tumor (GVT graft versus tumor). Estratégias para maximizar o efeito
GVT sem ocorrência de GVHD têm sido desenvolvidas.37 Os dois fenómenos
partilham no entanto grande parte da sua biologia, pelo que são difíceis de separar.38
A infusão de linfócitos do dador (DLI Donor Lymphocyte Infusion) após o TPH tem sido
utilizada quer como tratamento de recaídas quer como tentativa, em casos
seleccionados, de diminuição da probabilidade de recaída. O sucesso da DLI é
dependente da doença, de acordo com a imunogenicidade das células tumorais e
capacidade das APC do receptor em apresentar antigénios apropriados (Figura 9).39,40
Figura 9 – Magnitude do efeito enxerto contra tumor inferido pela taxa de resposta à DLI, por doença
(adaptado de Hart et al., 2007).
47
Introdução
Estudos demonstraram que células NK aloreactivas são capazes de eliminar
DC e linfócitos T do hospedeiro, minimizando a ocorrência de GVHD e rejeição do
enxerto, e de eliminar células tumorais (Figura 10). Protocolos para a utilização de
células NK aloreactivas pré-transplante, de modo a permitir aumentar a dose de
linfócitos T infundida (e portanto de GVT), prevenindo a ocorrência de GVHD, estão a
ser desenvolvidos.41
Uma resposta do tipo 1 é a mais adequada para a eliminação de células
tumorais, pelo que o balanço entre o número de células Th1 e Th2 infundidas,
determinado pela quantificação de células produtoras de IFN-γ e IL-4 respectivamente,
poderá afectar o sucesso do transplante. Por outro lado um ambiente inflamatório no
doente pós transplante é favorável ao desenvolvimento de GVHD.42
Figura 10 – Potencial benefício do transplante de células NK aloreactivas (adaptado Ruggeri et al.,
2008).
As células NKT, através da produção de IFN-γ e polarização de uma resposta
do tipo 1, exercem um importante efeito antitumoral. Estudos demonstraram que estas
células podem eficazmente mediar a eliminação de vários tipos de tumor.
Paradoxalmente podem também eliminar linfócitos Tc específicos para tumores,
facilitando recaídas.27
48
Introdução
As DC além de polarizarem o tipo de resposta desencadeado pelos linfócitos T,
como principais coordenadoras da resposta imune, assumem um papel central na
defesa antitumoral, sendo capazes de desencadear GVT e GVHD, potenciar células
activadas ou induzir anergia e tolerância.~
3. Condicionamento dos doentes
A combinação de quimioterapia e TPH, com ou sem radioterapia, é um
tratamento potencialmente curativo para várias doenças onco-hematológicas. Este
tratamento administrado antes da infusão das CPH do dador, com objectivo de
eliminar as células tumorais, é globalmente designado por regime de condicionamento.
São também administrados agentes imunossupressores para minimizar a rejeição do
enxerto e a ocorrência de GVHD.43
3.1. Condicionamento mieloablativo
O TPH foi desenvolvido para acelerar a recuperação da severa
mielossupressão induzida em doentes pelo tradicional condicionamento com altas
doses de quimioterapia, superiores ao limite de toxicidade para a MO, sendo por isso
designado condicionamento mieloablativo (MA). Apesar de reduzir a taxa de recaída,
esta combinação não altera a sobrevivência global dos doentes transplantados devido
ao aumento do número de mortes associadas ao tratamento.44 Devido à elevada
toxicidade, o condicionamento MA é pouco tolerado por doentes com idades
superiores a 55 anos, receptores de um segundo transplante ou doentes com co-
morbilidades, pelo que exclui uma grande parte dos doentes oncológicos.43
O controlo da doença pelo TPH está dependente de vários factores,
nomeadamente a carga tumoral, a intensidade do condicionamento e a fonte e
composição do enxerto hematopoiético. O acumular de dados clínicos demonstrou que
em muitas doenças o principal benefício do TPH é devido ao efeito GVT, notoriamente
49
Introdução
exemplificado pela indução de remissão em doentes em recaída através da DLI, o
menor risco de recaída em doentes com GVHD e o aumento do risco de recaída e
persistência de doença residual em receptores de enxertos depletados de células T.44
3.2. Condicionamento não mieloablativo
O reconhecimento da importância do efeito GVT levou ao desenvolvimento do
condicionamento de intensidade reduzida ou não mieloablativo (NMA), de menor
toxicidade.45 Este tipo de condicionamento induz um estado de imunossupressão, com
o objectivo de aumentar a tolerância do receptor para o enxerto, permitindo o
estabelecimento da hematopoiese num estado de quimerismo misto, e através da DLI
eliminar a doença residual e estabelecer quimerismo completo do dador (Figura 11).46
Devido à menor toxicidade, o desenvolvimento de condicionamentos NMA permitiu
alargar a acessibilidade do TPH a doentes mais velhos ou com mau estado geral.31
Apesar da redução na toxicidade, o condicionamento NMA está associado a um maior
risco de recaída da doença, o que afecta o potencial benefício na sobrevivência.47
A escolha do tipo de condicionamento vai depender da idade e condição física
do doente, do tipo de doença e da disponibilidade de dadores capazes de exercer
aloreactividade (e consequentemente GVT) 40
Figura 11 – Mecanismo de acção do condicionamento não mieloablativo seguido de infusão de
linfócitos do dador (DLI) (www.edoc.hu-berlin.de).
50
Introdução
4. Avaliação dos doentes pós-transplante
4.1. Avaliação hematológica
O arranque hematológico do doente após o transplante, que traduz o
estabelecimento da hematopoiese, é definido pelo tempo em dias até à obtenção de
valores de neutrófilos em circulação superiores a 0,5x109/L (D500 Neut) e de
plaquetas superiores a 20 x109/L (D20 PLT) durante três e sete dias consecutivos sem
recurso a transfusões, respectivamente. Para a recuperação imunológica não existem
marcadores globais; no entanto, alguns autores correlacionaram o sucesso do TPH
com o total de linfócitos (ALC) em circulação após transplante.48,49 O tempo até à
obtenção de contagens de ALC em circulação superiores a 0,5x109/L (D500 linf) e o
valor de ALC no 15º dia após transplantes (ALC d15) podem ser utilizados como
indicadores da recuperação imunológica.
4.2. Avaliação clínica
Os principais parâmetros analisados na avaliação do resultado do TPH são a
ocorrência e grau de GVHD, o tempo para o arranque hematológico, a progressão livre
de doença (DFS), considerada como a sobrevivência em remissão completa contínua,
a mortalidade associada ao transplante (TRM), definida como as mortes ocorridas em
remissão completa, normalmente por infecção ou GVHD, e a sobrevivência global
(OS) que traduz o número de doentes que se encontram vivos num dado período de
tempo.50
Consoante os tecidos atingidos e a gravidade da doença, a aGVHD é dividida
em 4 graus, sendo os graus I e II doença ligeira e moderada, e os graus III e IV
doença severa a potencialmente fatal. A cGVHD divide-se em doença limitada ou
extensa.
51
Introdução
5. Influência da composição do enxerto no sucesso do transplante
O tipo de condicionamento vai influenciar o resultado do transplante, uma vez
que determina o estado de imunocompetência do receptor.
Apesar do elevado número de células efectoras, em particular linfócitos T
maduros, o TPH com CPSP mobilizadas com G-CSF está normalmente associado a
uma taxa de aGVHD surpreendentemente baixa, segundo alguns estudos até inferior a
TPH com enxertos de MO.51 Esta observação levantou a hipótese de o G-CSF exercer
um efeito imunomodulador nas células colhidas.52
5.1. Efeito imunomodulador do G-CSF
O G-CSF tem um potente efeito na modulação da resposta imune, por vários
mecanismos complementares. A administração de G-CSF leva a um aumento do
número de linfócitos Tregs e de células produtoras de IL-10, à indução de DC
tolerogénicas e desvio do balanço Th1/Th2 para uma resposta do tipo 2. A acção
conjunta desta modulação traduz-se na supressão da actividade dos linfócitos T
(Figura 12).53,54,52 Esta imunomodelação é provavelmente responsável pela taxa de
GVHD inferior ao inicialmente esperado nos TPH com CPSP.
O G-CSF induz a mobilização preferencial de DC2, sendo o número de DC1
em circulação pouco afectado, o que promove a manutenção de um perfil Th2.54,55
Apesar do desenvolvimento da aGVHD estar associado a uma resposta do tipo
1, o paradigma Th1/Th2 não é aplicável a todos os aspectos de aloreactividade.56
52
Introdução
Figura 12 – Indução da supressão de linfócitos T por acção do G-CSF (Rutella et al., 2007).
5.2. Influência da composição celular
Apesar da imunomodulação induzida pela mobilização com G-CSF, as células
transplantadas continuam a ser competentes. Como tal vários grupos estudaram a
interacção entre células infundidas e o resultado do TPH.
A relação entre a dose de células CD34+ infundida e o arranque hematológico
é provavelmente a mais estudada, havendo no entanto estudos para a relação entre
linfócitos56, células NK57, DC58 e outras populações presentes no enxerto e os
restantes indicadores de sucesso do transplante.
Os dados disponíveis na literatura são muitas vezes contraditórios, com alguns
grupos a descreverem um efeito protector associado a altas doses de uma população
e outros grupos a descreverem um efeito adverso. Uma explicação possível será
diferenças no condicionamento e no estado de activação das células do enxerto.
A dose mínima de células CD34+ capaz de reconstituir eficazmente a
hematopoiese é consensualmente aceite como 2x106 células/Kg de peso do
receptor.5,60 A definição de uma dose máxima recomendada origina mais controvérsia.
Após vários estudos com doses muito altas de CD34+ não terem demonstrado uma
53
Introdução
melhoria na sobrevivência, a dose utilizada no contexto de alotransplante pela maioria
dos centros foi fixado entre 4 e 5x106 células/kg. Neste tipo de estudo é difícil separar
a influência das células CD34+ da acção das outras populações presentes no enxerto.
Os enxertos de CPSP podem conter até 10 vezes mais linfócitos T e 19 vezes mais
células NK que colheitas de medula, o que parece afectar o sucesso do transplante,
desenvolvimento de GVHD e GVT, e até a sobrevivência.59
Apesar do efeito dos linfócitos T estar bem demonstrado, uma correlação entre
o número de células infundidas e o sucesso do transplante nem sempre é evidente. O
papel das células NK na transplantação ainda não está completamente esclarecido,
por um lado têm a capacidade de eliminar células tumorais, contribuindo para o efeito
GVT, e eliminar APC do receptor, prevenindo a aGVHD.61 Por outro lado alguns
estudos apontam para uma acção prejudicial das células NK em casos particulares de
alotransplantes.62 As células NKT e as DC, como principais iniciadores e reguladores
da resposta imune, são igualmente candidatas a influenciarem o resulta do TPH.
Uma vez que cada população celular presente no enxerto parece afectar (quer
positiva, quer negativamente) o resultado do TPH, e que estas populações são
altamente interactivas, necessitando umas das outras nos processos de activação e
regulação, a definição da dose de cada população a infundir, que resulte num maior
sucesso do transplante, é de grande importância. Sendo o estado de
imunossupressão diferente nos doentes com um condicionamento MA ou NMA, a
interacção entre células infundidas e resultado do TPH pode ser diferente nos dois
casos, e consequentemente a dose ideal de uma dada população ser diferente
consoante o tipo de condicionamento a que o doente foi submetido.
54
Objectivos
Este estudo teve como principais objectivos:
1. Avaliar a composição celular de enxertos de progenitores hematopoiéticos e
determinar a sua influência no sucesso do TPH alogénico.
2. Avaliar a utilidade do ratio entre populações na avaliação do sucesso do TPH.
3. Comparar o impacto da composição do enxerto na resposta ao TPH dos doentes
com um condicionamento MA e NMA.
4. Avaliar a influência da dose infundida de infócitos T produtores de IFN-γ e IL-4 no
arranque hematológico dos doentes.
57
Material e métodos
1. População em estudo
Para a realização deste estudo foram analisados os enxertos de CPSP
colhidos a 78 dadores adultos saudáveis no IPO – Porto entre Maio de 2003 e
Dezembro de 2006. Após o transplante, os respectivos doentes transplantados foram
acompanhados, e a sua evolução clínica avaliada. As principais características dos
dadores e dos doentes estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 – Características dos dadores e doentes
Doentes Dadores Género, nº masculino/feminino 39/39 46/32 Idade (anos), mediana (intervalo) 45 (17-66) 43 (19-75) Peso (kg), mediana (intervalo) 70 (42-96) 71 (43-110) Diagnóstico, nº (%)
LMA 20 (26) LNH 16 (21) LLA 10 (13) MM 6 (8) SMD 5 (6) LMC 5 (6) DH 4 (5) AA 4 (5) LLC 2 (3) L bifenotípica 2 (3) Outros* 4 (5)
Condicionamento mieloablativo 26 não mieloablativo 52
* inclui síndrome de Sézary, HPN e metaplasia miéloide.
1.1. Mobilização e colheita dos dadores
Os dadores foram mobilizados com a injecção diária de G-CSF (Filgrastrim®,
Amgen), numa dose média de 13μg/kg/dia. A colheita de CPSP foi iniciada ao quinto
dia de mobilização, tendo a maioria dos dadores, 57 (73%), obtido um número de
células suficiente em apenas uma colheita. Dos restantes dadores, 18 (23%)
necessitaram de dois dias de colheita e 3 dadores (4%) precisaram de três dias de
colheita para obter a dose alvo de células CD34+.
Todos os dadores tinham um genótipo HLA compatível com o doente, e
excepto em um caso, todos eram familiares.
61
Material e métodos
1.2. Avaliação dos doentes
Os dados da avaliação clínica dos doentes foram obtidos pelo Serviço de
Transplante de Medula Óssea (STMO) do IPO – Porto. Aos doentes foi colhido sangue
periférico diariamente após o TPH, o que permitiu a determinação do arranque
hematológico, definido como o tempo em dias até ao primeiro de três dias
consecutivos com contagens superiores a 500 neutrófilos/μl (D500 Neut) e o primeiro
de sete dias consecutivos com contagens superiores a 20x103 plaquetas/μl (D20 PLT),
sem suporte transfusional. A recuperação de linfócitos, definida como o tempo em dias
até à obtenção de contagens superiores a 500 linfócitos/μl (D500 linf), e a contagem
de linfócitos no 15º dia após transplante (ALC d15) foram igualmente estudadas.
A incidência e o grau da aGVHD e extensão da cGVHD foram determinados de
acordo com os critérios adoptados pela instituição.
A DFS e OS dos doentes foram calculadas como o tempo, em dias, desde o
transplante até à ocorrência de recidiva ou morte, respectivamente.
2. Avaliação da colheita de células progenitoras hematopoiéticas
2.1. Avaliação hematológica
A concentração de leucócitos em cada colheita de CPSP foi determinada com
um contador hematológico automático, sysmex XE-2001 ou XT-1800-i. O número total
de células no enxerto foi calculado pelo produto da concentração pelo volume colhido.
A partir do número de células totais infundidas e da percentagem, calculada
por imunofenotipagem e citometria de fluxo, foi calculada a dose de cada população
presente no enxerto infundida.
62
Material e métodos
2.2. Imunofenotipagem
2.2.1. Marcação de superfície
Para a imunofenotipagem utilizaram-se anticorpos monoclonais conjugados
com os fluorocromos isotiocianato de fluoresceína (FitC), ficoeritrina (PE), Peridinin
chloropyll protein (PerCP), ficocianina (PC5) e aloficocianina (APC).
Para cada população ou subpopulação estudada foi elaborado um painel de
anticorpos apropriado. A combinação e volume de anticorpos utilizados estão
apresentados na Tabela 2.
Para a marcação, 100 μL de amostra (com concentração entre 20 e 50x106/ml)
foram incubadas com os respectivos anticorpos durante 15 min no escuro e à
temperatura ambiente, de modo a permitir a ligação do anticorpo ao antigénio. De
seguida os eritrócitos foram lisados pela incubação com 2 ml de FACS Lysing
solution® (BD Biosciences) durante 10 min nas condições anteriores. A amostra foi
centrifugada a 1500 rprm durante 5 min, o sobrenadante rejeitado (para remover o
excesso de anticorpo, plaquetas e restos celulares) e as células ressuspensas em 300
μL de FACS Flow® (BD Biosciences).
Tabela 2 – Painel de anticorpos utilizado na caracterização do enxerto
População alvo FitC Volume (μL) PE Volume (μL) Perc-P Volume (μL) APC Volume (μL)
C – - - - -
Células CD34+ CD45 10 CD34 10 - -
Linfócitos T CD4 5 CD3 5 CD8 10 CD45 5
NK e NKT CD16 5 - CD56* 4 CD3 3
DC Lin** 25 CD123 10 HLA-DR 10 CD11c 4
* conjugado com PC5 ** CD3 (5µl), CD14 (5µl), CD19 (5µl), CD56 (10µl)
63
Material e métodos
2.2.2. Aquisição e análise
Após a marcação, as amostras foram adquiridas num citómetro de fluxo
(FACSCalibur, BD Biosciences) com dois lasers, um de árgon e um de néon. Foi
utilizado o software Cell Quest Pro. Para a análise de células CD34+, NK, NKT e DC
foram adquiridos 150.000 eventos e para a análise de linfócitos T foram adquiridos
apenas 30.000 eventos, uma vez que constituem uma população muito frequente.
Com excepção das DC, cada população foi analisada e a sua proporção
calculada, com o programa Cell Quest Pro. As DC foram analisadas e quantificadas
com o programa Paint-a-Gate.
As células CD34+ foram quantificadas de acordo com as directrizes da
International Society for Hematotherapy and Graft Engineering (ISHAGE). Primeiro
seleccionam-se as células CD45+ (Figura 13A), de seguida fez-se um gate alargado
nas células CD34+ (Figura 13B), seleccionando-se por fim as células com intensidade
de expressão de CD45+ (Figura 13C) e dimensão características (Figura 13D).
64
Material e métodos
A B
C D
Figura 13 – Análise das células CD34+ segundo as indicações da ISAHGE, (A) selecção das células
positivas para CD45; (B) selecção das células positivas para CD34; (C) selecção das células com
expressão caracteristica de CD45; (D) selecção das células com dimensão característica.
Os linfócitos T foram seleccionados através de um gate na região característica
no plot CD45 vs side scatter (SSC) (Figura 14A), seguida da quantificação de células
CD3+ (Figura 14B). Para diferenciar os linfócitos Th e Tc, foram seleccionadas as
células CD4+ (Figura 14C) e CD8+ (Figura 14D) respectivamente.
65
Material e métodos
A B
C D
Figura 14 – Análise das linfócitos T, (A) selecção das células positivas para CD45; (B) selecção das
células positivas para CD3; (C) selecção das células positivas para CD3 e CD4; (D) selecção das células
positivas para CD3 e CD8.
Para a análise de células NK foi efectuado um gate na região característica dos
linfócitos no plot FSC vs SSC (Figura 15A), seleccionaram-se as células negativas
para CD3 (Figura 15B). De acordo com a intensidade de fluorescência do CD56 as
células foram divididas em células NK CD56bright e CD56dim (Figura 15C). Foi realizado
um gate em cada subpopulação e calculado o número de células positivas para CD16
(Figuras 15D e 15E).
66
Material e métodos
A B
C
D E
Figura 15 – Análise das células NK, (A) selecção da região dos linfócitos; (B) selecção das células
negativas para CD3; (C) selecção das células CD56dim e CD56bright; (D) selecção das células CD56dim
positivas para CD16+; (E) selecção das células CD56bright positivas para CD16.
As NKT foram analisadas a partir da região dos linfócitos no plot FSC vs SSC
(Figura 16A), seleccionando as células simultaneamente positivas para CD3 e CD56
(Figura 16B).
67
Material e métodos
A B
Figura 16 – Análise das células NKT, (A) selecção da região dos linfócitos; (B) selecção das células
positivas para CD3 e CD56.
As DC foram identificadas pelas suas propriedades de FSC e SSC (Figura
17A), positividade para HLA-DR e negatividade para antigénios de linhagem (Figura
17B). No plot CD123 vs CD11c foram identificadas as DC1 (CD123-CD11c+) e as DC2
(CD123+CD11c-) (Figura 17C).
Figura 17 – Análise das DC, (A) selecção da região característica; (B) selecção das células negativas
para linhagem e positivas para HLA-DR; (C) selecção das células positivas para CD11c ou positivas para
CD123.
A B
A B C
68
Material e métodos
3. Detecção e quantificação de citocinas intracelulares
A detecção e caracterização do perfil de citocinas produzidas foram realizadas
em células mononucleares (MNC) isoladas da citaférese dos dadores, congeladas no
dia de colheita e posteriormente descongeladas. Num grupo independente de 16
dadores saudáveis de CPSP foi realizado o mesmo ensaio, tendo as células sido
estimuladas a fresco, sem separação prévia, no dia da colheita.
3.1. Isolamento e criopreservação das MNC
A solução de congelação foi preparada pela diluição de DMSO em albumina
(numa concentração de 20% de DMSO) e mantida no frigorífico. Para isolar as MNC
diluiu-se a amostra com RPMI 1:6 (para uma concentração entre 20 e 50x106/ml) e
dividiu-se por 2 tubos de fundo redondo com cerca de 5 ml de Ficoll (Lymphoprep®,
Axis Shield). Após 20 min de centrifugação a 1600 rpm foi recolhida a camada de
MNC, que se encontra entre o plasma e o Ficoll, para um tubo de fundo cónico.
Adicionou-se cerca de 12 ml de RPMI, centrifugou-se 10 min a 1100 rpm, o
sobrenadante foi rejeitado, para remover restos de ficoll e plasma, e as células
ressuspensas em albumina, ajustando a concentração. Para a criopreservação
retiraram-se 0,9 ml de células para um criotubo, adicionou-se igual volume da solução
de congelação (perfazendo uma concentração final de 10% de DMSO) e colocou-se
em azoto líquido.
3.2. Descongelação das amostras
Cada amostra foi retirada do azoto e colocada no banho entre 37º e 39ºC,
agitando-se até a maioria da amostra descongelar. Lavou-se com RPMI à temperatura
ambiente e centrifugou-se durante 10 min a 1100 rpm, rejeitou-se o sobrenadante e as
células foram ressuspensas em 1 ml de albumina. Determinou-se a viabilidade e a
concentração.
69
Material e métodos
3.3. Determinação da viabilidade
A viabilidade das células foi determinada pela capacidade de exclusão de um
corante tóxico, o azul de tripano. As células viáveis apresentam membranas intactas,
capazes de impedir a entrada do corante, permanecendo incolores, enquanto que as
células mortas ou não viáveis são incapazes de o fazer, apresentando-se coradas de
azul.
Diluiu-se a amostra em FACS Flow®, retiraram-se 20 μl de amostra diluída aos
quais se adicionou igual volume de azul de tripano. Preparou-se a câmara de
Neubauer, pipetaram-se 10 μl da diluição anterior e contou-se no microscópio o
número de células viáveis (transparentes) e não viáveis (azuis). A viabilidade da
amostra foi determinada pela proporção de células viáveis.
3.4. Estimulação celular
As células foram ressuspensas em meio RPMI completo (cRPMI) numa
concentração de 6x106/ml e mediram-se 170μL da suspensão para cada um de 4
poços (poços 1 a 4) de uma placa de 96 poços de fundo em V (Nunc®), de modo a
obter um total de 1x106 células por poço.
Nos poços 1 e 2 adicionou-se 1 μl de anti-CD28, 1 μl de PMA e 1 μl de
ionomicina e a placa foi incubada numa estufa a 37ºC e atmosfera com 5%CO2
durante uma hora, ao fim da qual foram adicionados 2 μl de BFA aos poços 1, 2 e 3. A
placa foi incubada nas condições anteriores por 5 horas e colocada no frigorífico
durante a noite.
Na manha seguinte a placa foi centrifugada 5 min a 1400 rpm, o sobrenadante
rejeitado, as células lavadas com 180 μl de cRPMI frio e ressuspensas em 180 μl de
PBS+0.02%EDTA frio e colocadas na estufa (37ºC, 5%CO2) durante 10 min. As
células foram de novo lavadas com 180 μl de cRPMI, centrifugadas e os eritrócitos
70
Material e métodos
lisados por incubação com 200 μl de solução de lise (BD Biosciences) durante 10 min
no escuro.
Após nova centrifugação e rejeição do sobrenadante as células foram
ressuspensas em 100 μl de cRPMI. Retiraram-se 40 μl do poço 1 para um poço vazio
(poço 5) e adicionaram-se os anticorpos de superfície, Nos poços 1,2 e 3 adicionaram-
se 3 μl de CD3 APC e no poço 5 a marcação de linfócitos T (Tabela 2), e incubou-se
durante 15 min no escuro à temperatura ambiente. As células foram centrifugadas, os
poços 1, 2 e 3 ressuspensos em 100 μl de solução A (Dako®) e os poços 4 e 5
ressuspensos em 100 μl de cRPMI e incubou-se mais 15 min no escuro. Centrifugou-
se de novo, ressuspenderam-se os poços 1, 2 e 3 em 100 μl de solução B (Dako®) e
adicionaram-se os anticorpos intracitoplasmáticos (10ul de anti IFN-γ e IL-4), os poços
4 e 5 foram ressuspensos em 100 μl de cRPMI e incubou-se por mais 15 min no
escuro. Após nova centrifugação as células de cada poço foram transferidas para
tubos de citómetro em 300 μl de Cell Fix®.
3.5. Preparação dos reagentes
O cRPMI foi preparado pela adição de 10 ml de antibiótico/antimicótico 10x
(Gibco) e albumina humana (Octapharma) numa concentração final de 20% a um
frasco de RPMI com glutamax (Gibco 61870). O cRPMI foi armazenado no frigorífico.
Para a preparação da PMA (Sigma P8139), dissolveu-se 1mg de PMA em 2 ml
de DMSO [0,5mg/ml], diluiu-se imediatamente em RPMI (1:10) [50μg/ml] e
armazenaram-se aliquotas de 50 μl e 1 ml a -20ºC. Para a solução de trabalho,
descongelou-se uma aliquota e ressuspendeu-se em RPMI (1:10) [5μg /ml].
Para a preparação da BFA (Sigma B6542), dissolveram-se 5mg de BFA em 1
ml de etanol puro [5mg/ml] e armazenaram-se aliquotas de 100 μl a -20ºC. Para a
solução de trabalho, descongelou-se uma aliquota e ressuspendeu-se em cCRPMI
(1:5) [1mg/ml = 1μg /μl].
71
Material e métodos
A Ionomicina (Sigma I3909) foi fornecida em 1 ml pronta a utilizar. Dividiu-se
em aliquotas de 50 μl e armazenaram-se a -20ºC. Para utilizar, descongelou-se à
temperatura ambiente.
4. Análise estatística
Para cada doente foi calculado o número total de células infundidas e a dose
de cada população e subpopulação, definida como o número de células infundidas por
kg de peso. Para cada população foi calculada a mediana e o intervalo de valores,
entre o mínimo e o máximo ou a média e o desvio padrão, consoante correspondam a
variáveis não paramétricas ou normais, respectivamente.
Os dados foram tratados com o programa SPSS. O peso e a idade dos
doentes, a composição do enxerto (dose infundida de cada população e
subpopulação), o ratio entre cada população e a dose de células CD34+ infundidas e o
ratio entre linfócitos Th e Tc, células NKbright e NKdim, DC2 e DC1 e células NKT e NK
infundidas foram correlacionados com os dados obtidos para o arranque hematológico,
a recuperação imunológica, o grau de aGVHD, a extensão de cGVHD, a OS e a DFS.
A normalidade da distribuição de variáveis contínuas foi avaliada pelo teste de
Kolgomorov-Smirnov. Para variáveis contínuas e paramétricas foi utilizado o teste de
Pearson e para variáveis contínuas não paramétricas o teste de Spearman, sendo as
correlações consideradas significativas para um valor de p inferior a 0,05 (p<0,05).
A análise de variáveis categóricas foi realizada com teste t ou uma tabela
Anova, consoante o número de categorias, e igualmente as correlações consideradas
significativas para p<0,05.
As curvas de sobrevivência (OS e DFS) foram realizadas pelo método de
Kaplan-Meier e a diferença entre as curvas analisada com o teste de Log rank e de
Breslow. As correlações foram consideradas significativas para p<0,05.
72
Resultados
1. Composição celular dos enxertos de CPSP colhidos a dadores saudáveis
Foi avaliada a dose de leucócitos e células CD34+ em 78 (100%), de células
NK e de linfócitos T em 77 (99%), de células NKT em 75 (96%) e de DC em 43 (55%)
num total de 78 enxertos colhidos a dadores adultos e saudáveis.
A proporção de cada população no total de leucócitos no enxerto foi estimada
numa mediana de 23% de linfócitos T, 2.8% de células NK, 1.2% de células de NKT,
0.5% de células CD34+ e 0.1% de DC (Figura 18). Os restantes 72.5% do enxerto são
constituídos por populações celulares fora do âmbito deste estudo, nomeadamente
neutrófilos, monócitos e linfócitos B.
0,5%
2,8%
1,2%0,1%
23,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
CD34 NK NKT DC LinfT
Pro
porç
ão n
o to
tal d
e le
ucóc
itos
(em
%)
lPopulação ce ular
Figura 18 – Composição do enxerto em percentagem de cada população estudada.
A dose de leucócitos presente no enxerto correlacionou-se com a dose de
linfócitos T (p<0,001, r2=0,30), células NK (p=0,026, r2=0,06), e DC (p<0,001, r2=0,30).
A dose de células NKT e de células CD34+ não se correlacionaram com nenhuma
outra população.
75
Resultados
2. Células infundidas e condicionamento dos doentes
O esquema de condicionamento utilizado foi fludarabina com bussulfano em 45
doentes, bussulfano com ciclofosfamida em 22 doentes, e outros, nos restantes 11
doentes.
Dos 78 doentes estudados, 26 (33%) receberam um condicionamento
mieloablativo (MA) e 52 (67%) receberam um condicionamento não mieloablativo
(NMA). Ambos os grupos apresentavam pesos semelhantes, mas os doentes
submetidos a um regime de condicionamento NMA eram mais velhos que os doentes
com um condicionamento MA (mediana de 47 vs 39 anos, respectivamente,
p=0,0004). As doses celulares infundidas aos doentes são apresentadas na tabela 3.
Tabela 3 – Medianas das doses celulares infundidas aos doentes, de acordo com o seu
condicionamento.
MA NMA
Leucócitos (x108/kg) 12,5 (4,93-26,93) 16,2 (3,69-34,66)
Linfócitos T (x108/kg) 3,08 (1,2-8,21) 3,76 (0,99-7,62)
Células CD34+ (x106/kg) 6,81 (2,01-9,86) 5,99 (2,05-10,5)
Células NK (x106/kg) 42,1(13,0-113,1) 38,4 (6,60-101,1)
Células NKT (x106/kg) 17,3(3,1-71,3) 17,0 (4,45-861,4)
DC (x106/kg) 1,43 (0,92-2,16) 2,43 (0,71-4,38)
Estudou-se ainda o ratio entre populações celulares infundidas, como
alternativa no estudo da influência da composição do enxerto no resultado do TPH. Os
valores obtidos para os ratios entre as populações infundidas aos doentes são
apresentados na tabela 4.
76
Resultados
Tabela 4 – Valores obtidos para o ratio entre populações infundidas, consoante o tipo de
condicionamento, apresentados em mediana (mínimo – máximo).
MA NMA
NKbright/NKdim 0,04 (0,01-0,013) 0,06 (0,02-0,23)
NKT/NK 0,43 (0,07-1,16) 0,43 (0,09-1,84)
DC2/DC1 0,89 (0,11-2,91) 0,76 (0,10-3,55)
Th/Tc 1,47 (0,45 - 4,33) 2,0 (0,5-8,0)
Compararam-se as doses de cada população infundida aos doentes com um
condicionamento MA ou NMA e apenas se encontraram diferenças significativas entre
a dose infundida de leucócitos e DC (p=0,04 e p=0,001 respectivamente) (Figura 19).
B
A
Figura 19 – Dose de leucócitos e linfócitos T (A) e células CD34+, NK, NKT e DC (B) infundida aos
doentes com um condicionamento mieloablativo (MA) e não mieloablativo (NMA).
Relativamente ao arranque hematológico e à recuperação de linfócitos, o grupo
com condicionamento MA demonstrou um atraso na recuperação de plaquetas (D20
PLT) face ao grupo com condicionamento NMA (11 vs 6 dias, respectivamente)
(Figura 20). Entre doentes com um condicionamento MA e NMA, não se observaram
diferenças significativas entre o arranque de neutrófilos (D500 Neut) (11 e 12 dias
respectivamente), a recuperação de linfócitos (D500 linf) (12 e 13 dias
77
Resultados
respectivamente) e a contagem de linfócitos ao 15º dia após transplante (ALC d15)
(780 vs 660 linfócitos/μl, respectivamente).
Figura 20 – Comparação entre o arranque hematológico e a recuperação de linfócitos após o
transplante dos doentes com um condicionamento mieloablativo (MA) e não mieloablativo (NMA).
Não se observaram diferenças estatisticamente significativas na sobrevivência
dos doentes de ambos os grupos, quer na OS (p=0,449) (Figura 21), quer na DFS
(p=0,5) (Figura 22).
Figura 21 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento (MA) e não mieloablativo
(NMA).
Tempo (dias)
78
Resultados
Tempo (dias)
Figura 22 – Sobrevivência livre de doença dos doentes com um condicionamento (MA) e não
mieloablativo (NMA).
3. Seguimento dos doentes após o TPH
Os doentes foram seguidos, em média, durante 626 dias (entre 14 e 1699
dias), tendo as informações clínicas sido actualizadas em Março de 2008.
Foi possível avaliar o tipo de condicionamento nos 78 doentes estudados. O
arranque de neutrófilos foi avaliado em 77 (99%) e o arranque de plaquetas em 71
(91%). O total de linfócitos no 15º dia após transplante (ALC d15) foi avaliado em 76
(97%) doentes e a recuperação de linfócitos em 72 (92%). A aGVHD foi avaliável em
77 doentes (99%) e a cGVHD em 67 (86%). Foi possível avaliar a OS em 74 doentes
(95%) e a DFS em 77 (99%).
Um doente não chegou a atingir os 500 neutrófilos/μl, acabando por morrer 14
dias após o transplante. Dois doentes não atingiram as 20000 plaquetas/μl, tendo um
morrido 29º e outro ao 94º dia após o transplante.
79
Resultados
4. Influência da composição do enxerto no resultado do TPH
4.1. Composição do enxerto e arranque dos doentes
Avaliou-se a relação entre a composição do enxerto, o arranque hematológico
e recuperação de linfócitos dos doentes.
Nos doentes com condicionamento MA as doses de leucócitos, linfócitos T e
células CD34+ infundidas não se correlacionaram com nenhum parâmetro de
recuperação hematológica ou de linfócitos (p>0,05). A dose de células NKdimCD16+ e
DC1 infundida correlacionou-se negativamente com o D500 linf (p=0,011, r2=0,28 e
p=0,043, r2=42 respectivamente) enquanto o D20 PLT correlacionou-se com a dose de
DC2 infundidas (p=0,001, r2=0,74) e negativamente com a de linfócitos Tc infundidos
(p=0,034, r2=0,22).
No grupo de doentes com um condicionamento NMA observou-se correlação
entre a dose de leucócitos e de linfócitos T infundida e a ALC d15 (p=0,002, r2=0,18 e
p=0,007, r2=0,14 respectivamente). A dose de células CD34+ infundida correlacionou-
se inversamente com o D20 PLT (p=0,049, r2=0,08) e o D500 Neut (p=0,0006,
r2=0,24). A dose de células NKdimCD16+ correlacionou-se negativamente com o D20
PLT (p=0,044, r2=0,10) e a dose de linfócitos Tc infundida correlacionou-se
negativamente com o D500 Neut (p=0,006, r2=0,15).
4.2. Ratio entre populações e arranque dos doentes
Nos doentes com condicionamento MA o ratio entre as DC2 e DC1 infundidas
correlacionou-se com o D500 linf (p<0,001, r2=0,88) e com o D20 PLT (p=0,030,
r2=0,46). O ratio entre células NKbright e NKdim infundidas correlacionou-se apenas com
o D500 linf (p=0,032, r2=0,21). O ratio entre os linfócitos Th e Tc infundidos
correlacionou-se com o D20 PLT (p=0,041, r2=0,20), enquanto o ratio entre os
linfócitos Tc e as células CD34+ infundidas se correlacionou negativamente com D20
PLT (p=0,044, r2=0,20).
80
Resultados
No grupo de doentes com condicionamento NMA apenas se observou uma
correlação entre o tempo até o arranque de neutrófilos e o ratio entre os linfócitos Th e
Tc infundidos (p=0,029, r2=0,10). Nenhum dos ratios ente as diferentes populações e
células CD34+ infundidas se correlacionou com o arranque hematológico ou a
recuperação imunológica dos doentes transplantados (p>0,05).
4.3. Recuperação de linfócitos e arranque hematológico dos doentes
A recuperação de linfócitos e o arranque hematológico dos doentes estão
correlacionados. Nos doentes com um condicionamento MA a recuperação de
linfócitos dos dadores correlacionou-se com o arranque de neutrófilos (p=0,031,
r2=0,21) e de plaquetas (p=0,034, r2=0,23). O arranque de neutrófilos e o de plaquetas
estão correlacionados (p=0,003, r2=0,362).
Nos doentes com condicionamento NMA observou-se que a ALC d15 se
correlacionou negativamente com o D500 linf (p=0,008, r2=0,15) e o D500 Neut
(p=0,028, r2=0,10). A recuperação de linfócitos correlacionou-se com o arranque de
neutrófilos (p<0,001, r2=0,26) e de plaquetas (p=0,023, r2=0,12). O tempo do arranque
de neutrófilos correlacionou-se com o de arranque de plaquetas (p=0,045, r2=0,09) e
com a idade (p=0,007, r2=0,08).
4.4. Influência das populações infundidas no desenvolvimento de GVHD
O grau da aGVHD desenvolvida pelos doentes com condicionamento MA
correlacionou-se com a idade (p=0,022) e com a dose de DC1 infundida (p=0,008). A
extensão da cGVHD correlacionou-se com o arranque de neutrófilos (p=0,049).
Nos doentes com condicionamento NMA o grau de aGVHD desenvolvida
correlacionou-se com a dose infundida de células NK (p=0,043), NKdim (p=0,041),
NKbright (p=0,016), NKT (p=0,042), linfócitos T (p=0,022), Tc (p=0,043) e Th (p<0,001).
Correlacionou-se ainda com o ratio entre a dose células NKT (p=0,042), linfócitos T
81
Resultados
(p=0,022), Th (p<0,001), Tc (p=0,03) e a dose de células CD34+ infundidas. O
arranque de plaquetas correlacionou-se igualmente com o grau de aGVHD (p=0,02).
A dose de células NK e NKdim infundidas correlacionaram-se ainda com a
extensão da cGVHD (p=0,04).
4.5. Avaliação da sobrevivência dos doentes
No grupo dos doentes submetidos a um condicionamento MA, a idade e o grau
de aGVHD correlacionaram-se com a OS. A idade utilizada como cutoff foi 45 anos,
tendo os doentes mais novos apresentado melhor sobrevivência (p=0,025) (Figura 23).
Tempo (dias)
Figura 23 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento mieloablativo de acordo com a
idade dos doentes em anos (cutoff de 45 anos).
Os doentes foram agrupados por grau de aGVHD, sendo um grupo até grau II
(doença ligeira ou moderada) e o outro composto pelos graus III e IV (doença severa),
tendo os doentes do primeiro grupo apresentado uma melhor sobrevivência (p<0,001)
(Figura 24).
82
Resultados
Tempo (dias)
Figura 24 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento mieloablativo em função do
grau de aGVHD desenvolvida (cutoff de grau 0 a 2 e 3 a 4).
Nos doentes com condicionamento NMA, as únicas populações cuja dose
infundida se correlacionou com a sobrevivência foram os leucócitos e as células
CD34+. Doentes transplantados com doses altas de leucócitos (>19x108/kg)
apresentaram uma pior sobrevivência relativamente aos que receberam doses
inferiores (p=0,015) (Figura 25). Pelo contrário, os doentes transplantados com doses
altas de células CD34+ (>5,5x106/kg) tiveram uma melhor sobrevivência que os
transplantados com doses mais baixas (p=0,03) (Figura 26).
83
Resultados
Tempo (dias)
Figura 25 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
da dose de leucócitos infundida (cutoff de 19x108 leucócitos/kg).
Tempo (dias)
Figura 26 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
da dose de células CD34+ infundida (cutoff de 5,5x106 células/kg).
84
Resultados
Separando os doentes pela idade, observou-se que os doentes com idade
inferior a 45 anos apresentaram uma melhor sobrevivência que os doentes mais
velhos (p=0,018) (Figura 27). Analisando a sobrevivência dos doentes em função da
ocorrência de recaída da doença, os doentes com recaída tiveram uma pior OS
(p=0,04) (Figura 28).
Tempo (dias)
Figura 27 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo de acordo
com a idade em anos (cutoff de 45 anos).
85
Resultados
Tempo (dias)
Figura 28 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
da ocorrência de recaída da doença.
Separando os doentes entre aqueles que obtiveram uma ALC d15 inferior ou
superior a 1000 linfócitos/μl observou-se que os doentes que obtiveram contagens
mais altas apresentavam melhor sobrevivência (p=0,027) (Figura 29). Relativamente
ao arranque de plaquetas, os doentes foram separados entre os que não
experimentaram trombocitopenia, os que recuperaram nos primeiros 12 dias e os que
demoraram mais que 12 dias após o transplante, sendo a sobrevivência tanto melhor
quanto mais rápido for o arranque (p=0,018) (Figura 30).
86
Resultados
Figura 29 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
da ALC d15 (cutoff de 1000 linfócitos/μl).
Tempo (dias)
Tempo (dias)
Figura 30 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
do tempo até ao arranque de plaquetas (D20 PLT) (cutoff de 12 dias e doentes sem trombocitopenia).
87
Resultados
Dos ratios estudados apenas o ratio entre linfócitos T e células CD34+
infundidas (Figura 31) e entre células NK e células CD34+ infundidas (Figura 32) se
correlacionaram com a sobrevivência (p=0,019).
Figura 31 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
do ratio entre linfócitos T e células CD34+ infundidas (cutoff de 0,75).
Figura 32 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
do ratio entre células NK e células CD34+ infundidas (cutoff de 0,12).
Tempo (dias)
Tempo (dias)
88
Resultados
O ratio entre as DC2 e DC1 infundidas correlacionou-se com a sobrevivência
dos doentes, sendo que doentes com um ratio superior a 0,9 apresentaram uma
melhor OS (p=0,011) (Figura 33).
Tempo (dias)
Figura 33 – Sobrevivência global dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em função
do ratio entre DC2 e DC1 infundidas (cutoff de 0.9).
Neste grupo de doentes a DFS correlacionou-se com a dose de DC infundida
(p=0,013) e o desenvolvimento de cGVHD (p=0,013 e p=0,012 para o teste de Log
Rank e Breslow respectivamente). Os doentes transplantados com uma dose de DC
superior a 0,02x108/kg apresentaram uma melhor DFS (Figura 34) e os doentes que
desenvolveram cGVHD apresentaram uma melhor DFS que aqueles que não
desenvolveram cGVHD (Figura 35)
89
Resultados
Tempo (dias)
Figura 34 – Sobrevivência livre de doença dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em
função da dose de DC infundida (cutoff de 0,02x108DC/kg).
Tempo (dias)
Figura 35 – Sobrevivência livre de doença dos doentes com um condicionamento não mieloablativo em
função do desenvolvimento de cGVHD.
90
Resultados
5. Influência dos linfócitos T produtores de IFN-γ e IL-4 no arranque
hematológico
5.1. Quantificação dos linfócitos T produtores de citocinas
Os ensaios realizados com MNC descongeladas não produziram resultados
reprodutíveis, pelo que os respectivos dados não foram utilizados. Foi estudado um
grupo independente de 16 dadores e respectivos doentes transplantados. A dose de
leucócitos, células CD34+, linfócitos T, células NK, NKT e DC infundida foi avaliada,
assim como a dose linfócitos T produtores de IFN-γ e IL-4. Neste grupo, o perfil de
produção de citocinas foi estudado após estimulação das células a fresco, no próprio
dia da colheita.
Observou-se que os enxertos continham uma mediana de 5.45% de linfócitos T
produtores de IFN-γ (entre 0.92 e 14.24%) e uma mediana de apenas 0.14% de
linfócitos T produtores de IL-4 (entre 0.04 e 0.45%), que correspondem
respectivamente a 19.44% (entre 3.76 e 37.48%) e a 0.56% (entre 0.25 e 1.21%) do
total de linfócitos T colhidos (Figura 36). Observou-se correlação entre o número de
linfócitos T produtores de IFN-γ e de IL-4 colhidos e o total de leucócitos, células
CD34+, células NK e células NKT colhidas. Os linfócitos T produtores de IL-4 colhidos
correlacionaram-se adicionalmente com os linfócitos T colhidos. O valor de p e de r2
para cada correlação são apresentados na Tabela 5.
91
Resultados
19,44%
0,56%0%
5%
10%
15%
20%
25%
IFN-γ IL-4
% n
os li
nfóc
itos
T co
lhid
os
Figura 36 – Linfócitos T produtores de citocinas colhidos, em percentagem no total de linfócitos T
colhidos.
Tabela 5 – Correlações encontradas entre linfócitos T produtores de citocinas e restantes populações colhidas Leucócitos Linfócitos T Células CD34+ Células NK Células NKT
p<0,001 p=0,021 p=0,013 p<0,001 Linfócitos T produtores
de IFN-γ r2=0,62 r2=0,32 r2=0,37 r2=0,64
p<0,001 p<0,001 p=0,021 p=0,001 p<0,001 Linfócitos T produtores
de IL-4 r2=0,65 r2=0,82 r2=0,33 r2=0,55 r2=0,73
5.2. Influência no arranque hematológico dos doentes transplantados
Por se tratar de um grupo pequeno de doentes, estes não foram separados
pelo tipo de condicionamento, estando incluídos doentes tanto com um
condicionamento MA como NMA. Apesar do tamanho, a dose infundida de linfócitos T
produtores de cada citocina foi correlacionada com o arranque hematológico dos
doentes.
A dose de linfócitos T produtores de IFN-γ infundida correlacionou-se
negativamente com o arranque de neutrófilos (p=0,024, r2=0,31). A dose de linfócitos T
produtores de IL-4 infundida correlacionou-se com o arranque de plaquetas (p=0,027,
r2=0,37) e negativamente com o arranque de neutrófilos (p=0,011, r2=0,38).
92
Discussão
1. Enquadramento do estudo
Nos últimos 10 anos a área da transplantação hematopoiética tem sofrido
grandes mudanças. Desde o desenvolvimento de condicionamentos NMA, que
permitiu alargar a possibilidade de transplante a doentes mais idosos, à manipulação
dos enxertos, assumindo-se assim o TPH como uma verdadeira forma de terapia
celular. O tipo de condicionamento ao qual o doente é submetido antes do transplante
afecta o seu estado de imunossupressão e assim o impacto das diferentes variáveis.
Estudos realizados no sentido de prever o resultado do TPH identificaram que
as populações celulares co-transplantadas com as células CD34+ desempenham um
papel importante nesse resultado. A maioria destes estudos foi efectuada em doentes
com condicionamento MA. A enorme variação na dose de células CD34+ infundida
pelos diferentes grupos (desde 2,0x106/kg até mais de 20x106/kg) resultou numa
discrepância de resultados, que levou à padronização da dose a infundir. A dose de
linfócitos T é apenas controlada em casos de transplante com enxertos purificados em
células CD34+, aos quais são posteriormente adicionados linfócitos. Para as restantes
populações celulares não existem valores aceites como dose ideal a transplantar.
Nos últimos anos, com a crescente utilização de condicionamentos NMA,
surgiram alguns estudos sobre o impacto da composição do enxerto no sucesso do
transplante, mas em menor número e em relação a menos populações do que para
doentes com condicionamento MA. É assim importante definir qual a importância de
cada população infundida, padronizar a dose ideal a infundir, e comparar o seu
impacto em doentes com um condicionamento MA e NMA.
95
Discussão
2. Limitações do estudo
Uma vez que se tratou de um estudo com dados retrospectivos, a dimensão do
grupo não foi calculada em função do poder do estudo. A dimensão da amostra foi, no
entanto, sobreponível a estudos semelhantes, não permitindo contudo a realização de
análises mais detalhadas da interacção de várias variáveis. Agrupando os doentes por
patologias poder-se-iam obter resultados diferentes, manifestação da imunogenicidade
das células tumorais e agressividade da doença, à custa no entanto da perda de poder
estatístico.
Dentro de cada tipo de condicionamento, os agentes utilizados não foram tidos
em conta uma vez que 86% dos doentes receberam bussulfano com ciclofosfamida ou
fludarabina. O uso de globulina anti-timocitária (ATG) no condicionamento pode
afectar a recuperação de linfócitos e o desenvolvimento de GVHD. No grupo estudado
apenas 4 doentes receberam ATG (3 com condicionamento MA e 1 com
condicionameno NMA), não apresentando uma recuperação de linfócitos fora da
mediana.
3. Condicionamento e arranque hematológico dos doentes
Neste estudo, o grupo de doentes submetidos a um condicionamento NMA
apresentou uma mediana de idades superior à dos doentes submetidos a um
condicionamento MA. Este resultado está de acordo com o esperado, uma vez que o
primeiro foi desenvolvido precisamente para poder abranger doentes idosos (e com
comorbilidades) uma vez que apresenta uma menor toxicidade aguda.
O arranque hematológico dos doentes compreende o arranque de neutrófilos e
de plaquetas. Apesar de o grupo de doentes com um condicionamento MA apresentar
um atraso no arranque hematológico, mais concretamente no arranque de plaquetas,
(face aos doentes com um condicionamento NMA), como reflexo da maior toxicidade
96
Discussão
do primeiro, a sobrevivência foi semelhante nos dois grupos. Kim et al. (63)
observaram igualmente um atraso no arranque hematológico, mas apenas para os
neutrófilos, no condicionamento MA, num grupo de doentes com idade sempre inferior
a 50 anos. O mesmo grupo numa série independente de doentes com doença
avançada, observou um arranque hematológico, quer de neutrófilos, quer de
plaquetas, mais rápido nos doentes com condicionamento NMA.64 Em ambos os
estudos não foi encontrada diferença na sobrevivência. Alyea et al. (65), em doentes
com idade superior a 50 anos, também não encontraram diferenças na sobrevivência
após condicionamento MA e NMA.
4. Influência da composição do enxerto no resultado do TPH
4.1. Composição do enxerto e arranque dos doentes
A dose de leucócitos, células CD34+ ou linfócitos T infundida não influenciou o
arranque hematológico ou a recuperação de linfócitos dos doentes com um
condicionamento MA, o que está de acordo com os resultados obtidos pelos grupos de
Vela-Ojeda et al. (59), Yamasaki et al. (66) e Cao et al. (67). Observou-se, no entanto,
que doentes infundidos com doses mais altas de linfócitos Tc apresentaram um
arranque de plaquetas mais rápido. Kim et al. (57) concluíram que doses altas de
linfócitos T, particularmente Tc infundidas estão associadas à rápida recuperação de
neutrófilos.
Nos doentes com um condicionamento NMA a recuperação de linfócitos foi
tanto mais rápida quanto maior a dose de leucócitos e de linfócitos T infundida,
enquanto que a rápida recuperação de neutrófios acompanhou o aumento da dose de
linfócitos Tc infundida. O arranque hematológico foi tanto maior quanto maior a dose
de células CD34+ infundida, contrariamente à generalidade dos estudos realizados.
Por exemplo, Perez-Simon et al. (68) estudaram 86 doentes alotransplantados após
97
Discussão
um condicionamento NMA e não encontraram nenhuma correlação entre a dose de
células CD34+ e a de linfócitos T infundida e o arranque hematológico.
Nos doentes com um condicionamento MA, o aumento da dose de células
NKdimCD16+ infundida traduziu-se na rápida recuperação de linfócitos, mas não
influenciou o arranque hematológico. Yamasaki et al. (66) também não encontraram
relação entre células NK nem NKCD16+ e arranque hematológico. Kim et al. (57,58)
concluíram que o transplante com doses altas de células NK está associado a um
rápido arranque hematológico. Os doentes com um condicionamento NMA
transplantados com doses altas de células NKdimCD16+ apresentaram um arranque
mais rápido de plaquetas.
Nos doentes com um condicionamento MA o transplante com doses altas de
DC1 e doses baixas de DC2 traduziu-se num arranque de plaquetas e recuperação de
linfócitos mais rápido. De acordo com o nosso conhecimento, este foi o primeiro
estudo a avaliar a influência da dose de DC infundida no arranque hematológico e na
recuperação de linfócitos dos doentes transplantados.
4.2. Ratios entre populações e arranque dos doentes
Uma outra forma de analisar os resultados foi através do ratio entre as
populações infundidas.
Verificou-se que quanto maior a proporção de DC2 (e consequentemente
menor a de DC1) infundida pior o arranque de plaquetas e a recuperação de linfócitos
dos doentes com um condicionamento MA, o que está de acordo com os resultados
obtidos para a dose de cada subpopulação. De igual modo, os doentes transplantados
com uma proporção elevada de células NKbright em relação às células NKdim infundidas
apresentavam uma pior recuperação de linfócitos, o que corrobora a associação
encontrada com a dose de células NKdimCD16+. Pelo contrário, os doentes
transplantados com uma proporção elevada de linfócitos Tc em relação aos linfócitos
98
Discussão
Th e também em relação às células CD34+ apresentaram um arranque de plaquetas
mais rápido, reflectindo a correlação encontrada para a dose de linfócitos Tc infundida.
Os doentes com condicionamento NMA transplantados com uma maior razão
de linfócitos Tc em relação aos linfócitos Th apresentaram um arranque de neutrófilos
mais rápido, resultado concordante com a associação entre dose de linfócitos Tc e
rápido arranque de neutrófilos.
Em ambos os grupos observou-se que a razão entre populações produz as
mesmas associações que as obtidas com as doses infundidas das mesmas
populações. Uma vez que o ratio entre as populações pode ser calculado utilizando os
resultados obtidos pela análise de citometria de fluxo, sob a forma de percentagem,
torna-se um método mais simples.
4.3. Recuperação de linfócitos e arranque hematológico dos doentes
Tanto nos doentes com condicionamento MA como NMA, observou-se que o
arranque hematológico estava associado à recuperação de linfócitos. Observou-se
ainda que o arranque de neutrófilos se encontra associado com o arranque de
plaquetas, pelo que o arranque hematológico pode ser inferido através de cada
parâmetro.
Nos doentes com condicionamento NMA, verificou-se ainda que os doentes
com contagens mais elevadas de linfócitos ao 15º dia após o transplante (outro
indicador da recuperação de linfócitos) apresentaram um rápido arranque de
neutrófilos. Os doentes mais novos apresentaram também um arranque de neutrófilos
mais rápido que doentes mais idosos
4.4. Influência das populações infundidas no desenvolvimento de GVHD
O desenvolvimento de GVHD é um acontecimento complexo, dependente da
interacção de diversos factores e de um equilíbrio delicado entre células activadas e
tolerogénicas.
99
Discussão
A idade apenas influenciou o desenvolvimento de aGVHD nos doentes com um
condicionamento MA, tendo os doentes mais velhos desenvolvido maior grau de
aGVHD, provavelmente devido à diminuição da actividade imunológica que
acompanha o envelhecimento. O grau de aGVHD foi também maior nos doentes com
um condicionamento MA transplantados com doses altas de DC1, o que reflecte a
importância da apresentação de autoantigénios pelas DC como evento iniciador da
GVHD. Vela-Ojeda et al. (59) concluíram que doses de DC2 infundidas superiores a
6,0x106 células/kg estão associadas a uma maior incidência de aGVHD. No nosso
grupo a dose máxima infundida desta população foi três vezes inferior, não sendo
possível comparar este resultado.
Em doentes com condicionamento MA, Vela-Ojeda et al. (59) e Urbini et al.
concluíram que o transplante com doses de altas de células CD34+ (até 26x106/kg)
estava associado a um aumento da incidência de aGVHD, e que estes enxertos
apresentavam doses elevadas das restantes populações. Barge et al. (39), após
depleção in vitro dos linfócitos T, infundiram uma mediana de 15,4x106 células
CD34+/kg com uma ocorrência mínima de GVHD, tanto aguda como crónica. Michallet
et al. (70) descreveram, pela primeira vez em doentes com um condicionamento NMA,
uma associação entre a dose de células CD34+ infundida e incidência de aGVHD.
Remberger et al. (71) concluíram que o transplante com doses altas de células CD34+
superiores a 17,0x106/kg está associado ao aumento de aGVHD grau II-IV. Estes
resultados permitiram concluir que no transplante com “megadoses” de células CD34+
o potencial beneficio não compensa os riscos associados, levando à padronização da
dose a infundir. Levantaram ainda a hipótese de as correlações encontradas serem
função de outras populações infundidas.
Neste estudo, os doentes foram transplantados com doses padrão de células
CD34+, não se tendo encontrado associação entre a dose infundida e o
desenvolvimento de GVHD, tanto nos doentes com um condicionamento MA como
NMA, confirmando os estudos de Yamazaki et al. (66), Cao et al. (67) e Kim et al. (57)
100
Discussão
em doentes com condicionamento MA, e de Perez-Simon et al. (68) em doentes com
condicionamento NMA.
No grupo de doentes com um condicionamento MA a dose infundida de
linfócitos T e de células NK não influenciou o desenvolvimento de GVHD, o que está
de acordo com o descrito por Kim et al. (57), Vela-Ojeda et al. (59), Yamasaki et al.
(66), Cao et al. (67) e Zaucha et al. (72). No grupo de doentes com um
condicionamento NMA observou-se que quanto maior a dose infundida de células
NKT, células NK e linfócitos T (e respectivas subpopulações, células NKbright, NKdim,
linfócitos Th e Tc) maior o grau de aGVHD desenvolvida pelos doentes. Esta
associação pode ser devido à produção de citocinas pró-inflamatórias pelas células
NK e NKT, que induzem a activação dos linfócitos T aloreactivos infundidos. Os
doentes transplantados com doses altas de células NK, particularmente de células
NKdim, apresentaram ainda uma maior extensão de cGVHD, possivelmente pela
eliminação das APC do receptor e consequente substituição por APC do dador,
responsáveis pelo desenvolvimento de cGVHD.33 Poucos grupos estudaram a
influência da composição do enxerto no resultado do transplante em doentes com
condicionamento NMA, Perez-Simon et al. (68) não encontraram associação entre a
dose de linfócitos T e o desenvolvimento de aGVHD.
Nos doentes com um condicionamento NMA, mas não com um
condicionamento MA, verificou-se a associação entre a dose infundida de linfócitos T,
de células NK e de células NKT e o desenvolvimento de aGVHD. Esta diferença
confirma que a imunossupressão induzida por condicionamentos NMA permite uma
maior interacção entre populações celulares do enxerto e do doente, e a manifestação
de disparidades de HLA.
Os doentes com condicionamento MA e um rápido arranque de neutrófilos
apresentaram maior extensão de cGVHD. Os doentes com um condicionamento NMA
e um arranque de plaquetas mais rápido desenvolveram menor grau de aGVHD, o que
está de acordo com o descrito por Kim et al. (73).
101
Discussão
Nos doentes com um condicionamento NMA verificou-se que quanto maior o
ratio entre linfócitos T (e de Th e Tc) e células CD34+ infundidas e o ratio entre células
NK e células CD34+ infundidas maior foi o grau de aGVHD desenvolvido, o que
confirma as associações descritas anteriormente.
4.5. Avaliação da sobrevivência dos doentes
A sobrevivência dos doentes após um alotransplante está dependente de
múltiplas variáveis, nomeadamente o tipo de doença e seu estádio, a idade e condição
física do doente, a origem do enxerto hematopoiético, sua composição e
compatibilidade de HLA com o dador e ainda do tratamento utilizado e
imunossupressão dos doentes.
Os doentes com idade superior a 45 anos, independentemente do tipo de
condicionamento, apresentaram pior sobrevivência global, resultado concordante com
o descrito por Michallet et al. (70) em doentes com um condicionamento NMA.
A sobrevivência dos doentes submetidos a um condicionamento MA foi melhor
nos doentes com ausência de aGVHD ou doença ligeira (grau I e II),
comparativamente com os doentes que desenvolveram aGVHD de grau III e IV. Os
doentes com um condicionamento NMA que experimentaram recaída da doença
apresentaram uma pior OS. Estes resultados comprovam o descrito para a
semelhança na sobrevivência dos dois grupos; um condicionamento MA está
associado a uma maior toxicidade e desenvolvimento de aGVHD (iniciada pela
inflamação a nível dos tecidos e libertação de citocinas), ao passo que um
condicionamento NMA está associado a um aumento do risco de recaída.47
No grupo com um condicionamento NMA observou-se que os doentes com
contagens altas de ALC d15 apresentaram uma melhor sobrevivência, o que está de
acordo com o descrito por Kim et al. (48). Os doentes que não experimentaram
trombocitopenia apresentaram igualmente uma melhor OS, e dentro dos que
experimentaram trombocitopenia a sobrevivência foi tanto melhor quanto mais rápido o
102
Discussão
arranque, o que corrobora os estudos de Kim et al. (73) relativamente a influência do
padrão de recuperação de plaquetas na sobrevivência dos doentes. Estes resultados
demonstram que, nos doentes com um condicionamento NMA, a recuperação de
linfócitos e arranque hematológico estão associados à sobrevivência dos doentes,
podendo ser utilizados como indicadores.
Nos doentes com um condicionamento MA a sobrevivência não foi afectada
pela dose infundida nem de células CD34+, nem de linfócitos T, nem de células NK,
nem de DC, resultados igualmente obtidos por Zaucha et al. (72), Yamasaki et al. (66)
e Cao et al. (67). Kim et al. (57,58) também não encontraram associação com a dose
de células CD34+, mas concluíram que o transplante com doses altas de linfócitos Tc
(até 9,87x108/kg) e de células NK (até 5,25x108/kg) está associado a uma melhor OS.
Vela-Ojeda et al. (59) concluíram que o transplante com doses de células CD34+
inferiores a 8,0x106/kg, doses de DC1 inferiores a 3,0x106/kg e com doses de DC2
inferiores a 1,70x106/kg está associado a uma OS favorável. No nosso grupo de
doentes a dose máxima de linfócitos Tc infundida foi de 3,18x108/kg, a de células NK
foi de 1,13x108/kg, a dose máxima de DC1 e DC2 infundidas foi de 2,0x106/kg para
ambas e apenas um doente recebeu uma dose de células CD34+ superior a
8,0x106/kg, pelo que os resultados de Vela-Ojeda e Kim não são comparáveis. Tal
como nos últimos anos a padronização da dose de células CD34+ permitiu obter
resultados mais reprodutíveis, a definição de dose padrão (ou intervalo de doses a
infundir) para as restantes populações presentes no enxerto permitirá uma melhor
comparação de estudos, e a preparação de um enxerto “feito à medida” para cada
doente, aumentando a probabilidade de sucesso. Heimfeld (74), em alotransplantes
não aparentados, concluiu que doses altas de CD34+ estão associadas a uma melhor
sobrevivência. Urbini et al. (69), pelo contrário, concluíram que o aumento da dose de
células CD34+ infundida está associado a uma pior OS. A discordância encontrada por
estes dois grupos pode ser explicada pela não padronização da dose infundida, mas
103
Discussão
também pela influência de outros factores, como o desenvolvimento de GVHD ou a
idade dos doentes.
Nos doentes com condicionamento NMA, as únicas populações estudadas cuja
dose infundida afectou a sobrevivência foram os leucócitos e as células CD34+.
Observou-se que doentes transplantados com doses altas de leucócitos apresentaram
uma pior sobrevivência relativamente aos que receberam doses inferiores. Apesar de
terem sido utilizadas doses padronizadas de células CD34+, os doentes
transplantados com doses de células CD34+ superiores a 5,5x106/kg apresentaram
uma melhor sobrevivência. Tanto quanto sabemos, este foi o primeiro estudo a
descrever a influência da dose de células CD34+ na sobrevivência de doentes com um
condicionamento NMA. Os grupos de Perez-Simon et al. (68), Panse et al. (75), Baron
et al. (76) e Cao et al. (77) não encontraram associação entre a dose de células
CD34+ (nem de linfócitos T) e a sobrevivência dos doentes. A influência da
composição do enxerto em doentes com um condicionamento NMA foi pouco
estudada (comparativamente a condicionamentos MA), sendo no entanto de esperar
que a dose infundida das diferentes populações afecte a sobrevivência dos doentes,
principalmente pelo controlo da recaída da doença
Apesar de não se ter encontrado associação entre a dose infundida de DC,
DC1 e DC2 e a sobrevivência, os doentes com um condicionamento NMA
transplantados com uma dose de DC2 semelhante ou maior que de DC1 (ratio>0,9)
apresentaram melhor OS, possivelmente como reflexo da importância das DC2 na
activação de linfócitos T e células NK, potenciando o efeito do enxerto contra o tumor
(GVT). Neste grupo de doentes, quanto menor o ratio entre linfócitos T e células
CD34+ infundidas e entre células NK e células CD34+ infundidas (e
consequentemente maior a dose de células CD34+) melhor a sobrevivência dos
doentes, confirmando o concluído para a dose de células CD34+.
Observou-se que os doentes com um condicionamento NMA que
desenvolveram cGVHD apresentaram uma melhor DFS, o que está de acordo com o
104
Discussão
descrito por Perez-Simon et al. (68). Os doentes transplantados com uma maior dose
de DC apresentaram igualmente uma melhor DFS. O desenvolvimento de cGHVD está
normalmente associado ao efeito do GVT, ambos dependentes da apresentação de
antigénios pelas DC de origem do dador, o que diminui o risco de ocorrência de
recaída.
5. Influência das células produtoras de IFN-γ e IL-4 no arranque hematológico
A quantificação das células produtoras de IFN-γ e IL-4 é o método padrão
utilizado na avaliação do tipo de resposta desencadeada (entre Th1 e Th2).78
A metodologia utilizada (em placa) apresenta vantagens relativamente a
ensaios realizados em tubo, nomeadamente a utilização de um menor volume de
amostra e a obtenção de produtos mais concentrados.
No contexto do TPH, este balanço determina o estado de activação do enxerto,
podendo influenciar a rejeição do enxerto e o desenvolvimento de GVHD e efeito GVT.
Os valores de células produtoras de IFN-γ e IL-4 presentes nos enxertos estão
de acordo com o descrito por Duramad et al. (78) e Rebordão et al. (79), em sangue
total de dadores após estimulação com PMA. A produção de IL-4 é mais difícil de
detectar, uma vez que demora normalmente mas tempo a ser secretada que o IFN-γ.
A mobilização com G-CSF está associada à diminuição da produção de IFN-γ, mas
não necessariamente ao aumento da produção de IL-4.80
Quanto maior a dose de linfócitos T produtores de IFN-γ e de IL-4 infundida,
mais rápido foi o arranque de neutrófilos dos doentes. O aumento da dose infundida
de linfócitos T produtores de IL-4 traduziu-se, adicionalmente, num atraso no arranque
de plaquetas.
Tanto quanto sabemos, este foi o primeiro estudo do impacto de células
produtoras de citocinas infundidas no arranque hematológico dos doentes após
alotransplante, pelo que não existe termo de comparação. Apesar da não separação
105
Discussão
dos doentes em função do tipo de condicionamento, ambas as populações infundidas
parecem estar associadas com arranque hematológico dos doentes, logo poderão
igualmente influenciar outros parâmetros após transplante, nomeadamente o
desenvolvimento de GVHD e a sobrevivência dos doentes.
106
Conclusões
As principais conclusões deste trabalho são:
1. Os diferentes parâmetros do sucesso do TPH (arranque hematológico,
recuperação de linfócitos, desenvolvimento de GVHD e sobrevivência) são
influenciados pela dose infundida de células CD34+, NK, NKT, DC, linfócitos T, e
respectivas subpopulações.
2. O ratio entre populações infundidas, apesar de ser uma alternativa pouco
explorada, é concordante com a determinação da dose infundida, como factor
predictivo do sucesso do transplante.
3. O tipo de condicionamento pré-transplante determina o impacto da composição
celular do enxerto no sucesso do transplante, sendo necessário avaliar os doentes
separadamente. Este impacto é mais evidente nos doentes com um
condicionamento NMA.
4. A dose infundida de linfócitos T produtores de IFN-γ e IL-4 influenciam o arranque
hematológico dos doentes, e possivelmente outros parâmetros pós-transplante,
justificando a sua avaliação nos enxertos.
109
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