IMIGRANTES AFRICANOS NO BRASIL, ORIGEM E DESTINO:...
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IMIGRANTES AFRICANOS NO BRASIL, ORIGEM E DESTINO: NOTAS
PRELIMINARES
LIMA, Cássio. F 1
REZENDE, Filipe 2
FERNANDES, Duval3
PUC MINAS
RESUMO:
O presente artigo irá abordar um estudo sobre os imigrantes estrangeiros no Brasil, por
meio da base de dados do Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros –
SINCRE da Polícia Federal no período de 2000 a 2015. Essas informações são de
extrema importância, pois nos dá uma dimensão de como esse contingente populacional
se encontra distribuído no território nacional e principalmente quais seriam os
municípios de entrada e de residência desses estrangeiros. O enfoque desse trabalho
destinou a uma discussão sobre Migração, principalmente dos Africanos que
estabeleceram residência no Brasil, provenientes de Senegal, Gana, República
Democrática do Congo e República do Congo. Os dados trabalhados são referente ás
informações do SINCRE da Polícia Federal. Esses contêm um banco de informações
com 810.071 registros.
Palavras Chave: Migração, Africanos, Estrangeiros, Fluxos.
ABSTRACT:
This article will cover a study of foreign immigrants in Brazil , through the National
System database Register and Alien Registration - SINCRE the Federal Police from
2000 to 2015. This information is extremely important, because in it gives a dimension
of how this population group is distributed in the country and especially what are the
input and municipalities of residence of these foreigners. The focus of this work
destined to a discussion of migration , particularly of Africans who have established
residence in Brazil , from Senegal , Ghana , Democratic Republic of Congo and
Republic of Congo. The data discussed are related ace SINCRE information from the
Federal Police. These contain an information bank with 810,071 records.
Keywords: Migration , African , Foreigners, Flows.
1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial e
bolsista FAPEMIG. 2 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial e
bolsista CAPES. 3 Professor adjunto III da Pontifícia Universidade Católica e do de Minas Gerais e do programa de Pós-
graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo irá abordar um estudo sobre os imigrantes estrangeiros no
Brasil que declaram ser natural de Gana, Senegal, República Democrática do Congo e
República do Congo, por meio da base de dados do Sistema Nacional de Cadastro e
Registro de Estrangeiros – SINCRE da Polícia Federal no período de 2000 a 2015.
Essas informações são de extrema importância, pois nos dá uma dimensão de como esse
contingente populacional se encontra distribuído no território nacional e principalmente
quais seriam as UFs de entrada e os municípios de residência desses estrangeiros. O
enfoque desse trabalho destinou a uma discussão sobre Migração, principalmente dos
Africanos que estabeleceram residência no Brasil, cuja nacionalidade de origem
senegalesa, ganesa, congolesa (Rep. Do Congo e Rep. Democrática do Congo).
Ressaltamos que esses dados foram disponibilizados no âmbito do projeto MT
Brasil – Migrações Transfronteiriças: fortalecendo a capacidade do Governo Federal
para gerenciar novos fluxos migratórios, executado pelo ICMPD4 em parceria com o
Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e Previdência Social.
A primeira parte do trabalho irá apresentar uma breve discussão sobre Migração,
palco de várias discussões e polêmicas entre os estudiosos na área, principalmente se o
que está acontecendo é um processo migratório ou não. O nosso objetivo não cristalizar
ou fechar a discussões teóricas sobre a Migração, mas mostrar a diversidade desse tema
e como ele dialoga com outras áreas do conhecimento.
No aspecto metodológico a priori foi realizado um trabalho de filtragem das
informações do banco de dados da Polícia Federal, que por apresentar a necessidade de
algumas correções, foi destinado um bom tempo para tornar a base com uma margem de
erro mínima para não comprometer os resultados que aqui serão divulgados. Esses
resultados serão apresentados num segundo momento na contextualização da migração,
mostrando a distribuição do total de imigrantes estrangeiros, acompanhado pelos países
africanos como já citados anteriormente. Por fim a abordagem dos fluxos desses
imigrantes espacializando os fluxos com as UFs de entrada que tiveram um maior
destaque e os principais municípios de residência, com a finalidade também de criar
políticas públicas para tender essa demanda que cresce constantemente.
4 Internacional Center for Migration Policy Development.
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METODOLOGIA
Os dados trabalhados são referentes o Sistema Nacional de Cadastro e Registro
de Estrangeiros – SINCRE da Polícia Federal. Esses contêm um banco de informações
com 810.071 registros, separados pelas seguintes classificações, em que foram
discriminados em: Asilado, Fronteiriças, Permanente, Temporário e Provisório; Sexo;
País de Nascimento; Estado Civil; Profissão; Município de Residência; Unidade de
Federação por Residência; Amparo Legal, dividido em 255; Unidade de Federação de
Entrada; Meio de Transporte; Cidade de Nascimento; Código do Órgão; Idade; Mês do
Registro e Ano do Registro no período de 2000 a outubro de 2015. Sendo que as
informações são sobre os residentes registrados. Tal base não inclui os solicitantes de
refúgio, os que estão em situação irregular e também aqueles que, mesmo estando em
uma situação regular não necessitam de fazer o registro na PF, por exemplo, assistência
técnica de curta duração.
Apesar dos dados possuírem uma diversidade muito grande de variáveis na
tentativa de detalhar o imigrante estrangeiro, algumas apresentaram codificações e
nomenclaturas não precisas, o que dificultou bastante à análise das informações e uma
margem de erro de aproximadamente 2,7%. As informações não precisas dizem respeito
ao “Município de Residência” em que aparecem números que não condizem com os
códigos de município do Brasil (Código do Município – IBGE) e o mesmo município
aparece várias vezes com nomenclaturas diferentes, a exemplo de Porto Velho, que é
representado de diversas formas como “1PORTOVELHO41” ou “1PORTOVELHO42”
e assim por diante. Além disso, foi também constatado que algumas UFs não condizem
com os municípios, ou seja, temos o mesmo município com UFs diferentes. Diante de
tais desafios tornaram-se necessárias algumas medidas para reduzir essa margem de erro
e aproveitar o máximo possível às informações disponibilizadas pela Polícia Federal.
O primeiro passo foi realizar uma filtragem das informações, buscando os erros
e os separando do restante do banco de dados. Feito isso os registros que antes eram de
805.071 caiu para aproximadamente 784.000, uma perda de 2,7% das informações. Em
seguida foi feita uma tentativa de buscar os códigos numéricos referentes aos
municípios no próprio banco de dados e ao encontra-los foi realizado uma codificação
de acordo com os das malhas digitais em formato Shape, disponíveis no sítio do IBGE,
o que iria facilitar futuramente a espacialização das mesmas. Num segundo momento
foi rodada uma frequência no software SAS (Statistical Analysis System) 9.3 para
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realizar a conferência das informações, e foram recuperados 792.000 registros
reduzindo a margem de erro para 1,7%5.
Com o banco de dados ajustado, fidelizando ainda mais as informações, partiu-
se para a espacialização, em que alguns critérios foram estabelecidos. No mapa
referente ao “Número de Imigrantes Estrangeiros” foram considerados os 107 países
com maior expressão de imigrantes, com a Bolívia, liderando com 96.223,
acompanhada por Estados Unidos, Argentina, China, Portugal e ficando em último
lugar, com um contingente de 106 imigrantes registrados, Omã. Já numa análise mais
avançada do banco de dados ajustado, foram realizados mapeamentos dos imigrantes
nascidos no exterior com registro ativo na Polícia Federal, por município de residência
no Brasil em 2015. Foi possível espacializar o contingente populacional de imigrantes
residentes em 275 municípios brasileiros, dando destaque para São Paulo e Rio de
Janeiro com 240.262 e 109.965 respectivamente. Diante de tais informações foram
criados mapas com a distribuição dos imigrantes nascidos nos países que se destacaram,
já citados anteriormente.
Após analisaremos a distribuição dos estrangeiros no Brasil, o foco foi mostrar
os fluxos dos Senegaleses, Ganeses e Congoleses, esses últimos provenientes da
República do Congo e República Democrática do Congo.
A seguir iremos abordar uma síntese sobre os conceitos de Migração, que são
sempre polemizados entre os estudiosos das mais diversas áreas e em seguida alguns
resultados serão apresentados, dissecando o banco de dados de registros de estrangeiros
da Polícia Federal.
A seguir propomos em apresentar um resumo das principais teorias de Migração
e como elas contribuem para compreensão do tema desse artigo, e posteriormente
abordaremos e detalharemos alguns resultados, que foram extraídos do banco de dados
de registros de estrangeiros da Polícia Federal.
ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE MIGRAÇÃO
A migração é um fenômeno que ocorre há muito tempo, contudo foi somente em
1885 um importante trabalho que sistematizou, analisou e aprofundado, sobre o que
5 Os dados continuam em processo de reparo, na tentativa de recuperação no máximo possível
dos registros de Município de Residência, para que futuros trabalhos sejam publicados com o menor índice de erro possível e constante atualização.
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leva as pessoas a migrarem. O alemão Ernst Georg Ravenstein, em 1885, de posse dos
resultados censitários de 1871 e 1881 para a Inglaterra, Escócia e Irlanda, ele analisou
as informações e essas levaram à formulação das Leis da Migração. Em princípio,
Ravenstein (1980) identificou quatro tipos de migrantes:
a) o migrante local, no qual “é aquele cujo deslocamento limita-se de uma a outra parte
da mesma cidade”;
b) o migrante de curta distância, que somente se desloca para cidades fronteiriças;
c) o migrante por etapas, no qual é aquele que, por exemplo, busca emprego de cidade
em cidade e;
d) o migrante temporário, constituído da população flutuante, por exemplo,
“estrangeiros temporários, trabalhador rural temporário, migração por obrigação, como
nas forças armadas e cidades estudantes” (p. 43, 44 e 45).
A partir dessas formulações foram elaboradas sete leis para a migração, são elas:
a) Grande parte dos migrantes se desloca a curta distância.
(migração local);
b) O processo de absorção ocorre, quando uma cidade cresce e
atrai migrante. Os vazios deixados na origem são preenchidos por
migrantes de outras áreas mais distantes, que mais cedo ou mais tarde
também irão migrar para a cidade em crescimento, (migração por
etapa);
c) O processo de dispersão é o inverso do de absorção e apresenta
características semelhantes;
d) Cada corrente migratória principal produz uma corrente inversa
compensatória;
e) As pessoas que migram a longas distâncias se dirigem,
preferencialmente, para grandes centros comerciais ou industriais;
f) Os naturais das cidades migram menos do que os naturais das
áreas rurais de um país; e
g) As mulheres migram mais do que os homens (RAVENSTEIN,
1980, p. 57).
Contudo, esse estudo foi duramente criticado, mas foi uma importante
contribuição para o início dos estudos sobre migração.
Em seguida, somente em 1962, ou seja, 77 anos depois de Ravenstein, Sjaastad
elaborou um estudo sobre Os custos e retorno da Migração. Nesse pretendeu-se
“determinar os retornos advindos do investimento migratório e não apenas relacionar as
taxas migratórias ao diferencial de renda prevalente” (SAASTAD, 1980, p. 121). Então,
quando se aumenta a renda diminui-se a saída de migrantes e aumenta a entrada,
principalmente da população economicamente ativa jovem (SJAASTAD, 1980, p. 124).
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Existem, em conformidade com Saastad (1980), dois tipos de custos da migração, os
monetários e os não-monetários. Os monetários dizem respeito ao quanto um migrante
dispõe para migrar, isto é, o valor da: distância entre origem e destino; o numero de
dependentes; alimentação; moradia e o transporte (SJAASTAD, 1980, p. 127). Já os
não-monetários são os custos de oportunidades, por exemplo, remuneração, duração e
aprendizagem e os custos psicológicos, no caso a família e os amigos (p. 128 e 129).
Logo, é necessário equalizar os retornos monetários e os não-monetários. Para os
retornos monetários temos maiores e mais variadas possibilidades de ocupação,
educação e investimento em capital humano. Enquanto nos retornos não-monetários
têm-se o deslocamento para locais de suas preferências. Portanto, o indivíduo que quer
migrar deve balancear os custos e retornos da migração.
Posteriormente, em 1966, Everestt Lee produziu um trabalho sobre a teoria da
migração, ou simplesmente a teoria do Push – Pull. O trabalho de Lee intitulado “Uma
teoria sobre a Migração” tenta desenvolver uma estrutura geral para posicionar os
movimentos espaciais em certa “quantidade de conclusões com respeito ao volume das
migrações, o desenvolvimento das correntes e contra correntes e as características dos
migrantes”. (LEE, 1980, p. 99). Em vista de ser difícil identificar os exatos fatores que
move as pessoas a migrarem, ou o contrário, Lee (1980) evidência que “geralmente só é
possível expor alguns que parecem ser de especial importância” (p. 100). São eles: os
fatores relacionados ao local de origem, os fatores associados ao local de destino, os
obstáculos intervenientes e os pessoais. No entanto, “alguns fatores afetam a maioria
das pessoas praticamente da mesma maneira, enquanto que outros afetam pessoas
distintas de maneiras diferentes” (LEE, 1980, p. 100).
Lee apresenta à imigração como uma relação custo-benefício que os emigrantes
avaliam o que mais vantajoso, sua Teoria fundamenta-se no princípio que há variáveis
que empurram determinado grupo de pessoas e, variáveis que atraem esses grupos, além
dos obstáculos intervenientes que serviram “para peneirar alguns dos débeis e
incapazes”, fato que as migrações são sempre seletivas (LEE, 1980; SANTOS et al
2010).
Em seguida, em 1969, Todaro criou um modelo de migração, seu trabalho
voltou-se para migração em países subdesenvolvidos. Seus objetivos eram “formular
um modelo econômico de comportamento da migração rural – urbano” (TODARO,
1980, p. 152) e de forma probabilística, “concernentes aos determinantes da demanda e
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da oferta de mão de obra urbana” (TODARO, 1980, p. 152). Segundo Todaro (1980) a
migração, então, ocorre em dois estágios, o primeiro é o migrante, advindo do setor
rural que chega ao meio urbano, no qual, geralmente, não qualificado e com isso ele irá
inserir-se no mercado de trabalho urbano tradicional (empregos ocasionais, bicos,
subemprego e serviços informais) (p. 153). Com o passar do tempo, o migrante tende a
encontrar um emprego no setor urbano moderno, isto é, na indústria. Aliado a isso,
Todaro (1980) elencou quatro pressupostos para a migração: a) o diferencial entre as
rendas no meio rural e urbano; b) um planejamento igual para todos os trabalhadores
migrantes; c) os custos, fixos, da migração são iguais para todos os trabalhadores; e d) o
fator de desconto também é igual para todos (p. 157).
Adiante, em 1971, o geógrafo Zelinsky relacionou a Transição Demográfica
com a migração e formulou a Transição da Mobilidade. A Transição Demográfica,
segundo Zelinsky (1971), tem início, com a anulação dos altos níveis de mortalidade
por altos níveis fecundidade e assim entrando em equilíbrio (p. 219). Contudo, com o
aumento de alguns limiares de desenvolvimento socioeconômico existe uma baixa na
fecundidade, mas que coincide com uma baixa na mortalidade (ZELINSKY, 1971, p.
219). Zelinsky parte de quatro hipóteses para confirmar a Transição da Mobilidade. A
primeira é a limitação, física e social, para a migração, no qual as comunidades com
altas taxas de modernização tendem a ter altas taxas de movimento. Como a Transição
da Mobilidade segue de perto a Transição Demográfica existe uma mudança na
frequência, duração, periodicidade, distância, rotas e categorias de migrantes na origem
e no destino (ZELINSKY, 1971, p. 222). E assim, encontra-se uma mudança na
intensidade e movimento da informação que exerce força na opção do migrante em
relação à mudança de residência (ZELINSKY, 1971, p. 222). A partir disso, ele
formulou sua teoria em cinco fases. Na primeira fase existe pouca migração residencial
(a sociedade tradicional pré-moderna), na segunda ocorre um grande volume de
migração rural – urbano (a sociedade de transição precoce), na terceira intercorre uma
desaceleração da migração, mas ainda significativa do rural para o urbano (a sociedade
de transição tardia), na quarta a migração se estabiliza, particularmente, pela
diminuição da migração rural – urbano, entretanto há uma intensa migração cidade –
cidade (a sociedade avançada), por fim, na quinta fase existirá um declínio da
migração residencial com o predomínio da migração interurbana e intra-urbana (um
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futuro da sociedade super avançada) e um maior “controle político tanto da
mobilidade interna como externa de migrantes” (ZELINSKY, 1971, p. 230).
Por fim, nesta retrospectiva, temos Singer, em 1976, que ponderou sobre as
migrações internas dos países e relacionou a migração ao capitalismo. De acordo com
Singer (1980),
(...) o processo de industrialização, implica numa ampla transferência
de atividades (e, portanto de pessoas) do campo para as cidades. Mas,
nos moldes capitalistas, tal transferência tende a se dar a favor de
apenas algumas regiões em cada país, esvaziando as demais (p. 222).
Singer estabeleceu dois fatores de expulsão que levam a migração: os de
mudança e os de estagnação. O de estagnação se manifesta, por meio da pressão
populacional na disponibilidade de áreas cultiváveis já o de mudança é a expulsão de
agregados e parceiro que leva ao aumento da produtividade do trabalhador (SINGER,
1980, p. 223 e 224). Ou seja, é simplesmente a expulsão de pessoas do campo para
trabalhar na cidade, onde ela necessita dessa força de trabalho. Ainda, o autor coloca
que o mais importante fator de atração é a demanda por trabalho, basicamente pela
indústria e o comércio e os serviços (SINGER, 1980, p. 226), tanto públicos como
privados. Assim sendo, os principais obstáculos para migrar são: qualificação, bagagem
cultural e insuficiência de recursos, no destino (SINGER, 1980, p. 226). Não obstante,
esses migrantes que chegam à cidade, geralmente não se inserem de forma integral na
economia urbana e “(...) reproduzem na cidade certos traços da economia de
subsistência sob a forma de atividades autônomas, geralmente serviços como:
ambulantes, carregadores, serviços de reparação, etc.” (SINGER, 1980, p. 231,
TODARO, 1980, p. 153).
A Teoria do Duplo Mercado ou como é mais difundido, Mercado Dual do
Trabalho, compreende que a migração internacional é provocada por uma demanda
permanente de trabalhadores migrantes, essencial à estrutura econômica das nações
desenvolvidas, tendo como princípios determinantes dessa demanda: I- a inflação
estrutural; II - o dualismo econômico (SOARES, 2002; NUNAN, 2006; DURAND,
LUSSI, 2015).
A questão estrutural se sustenta por um gama de fatores econômicos relevantes,
tais como: salários, hierarquia profissional, desinteresse dos trabalhadores locais por
certos trabalhos, organização dos diferentes setores de trabalho e sua relação com o
capital, entre outros. A teoria destaca que a origem da migração está nos fatores
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estruturais das modernas economias capitalistas, as que possuem contradições
estruturais que afetam o mercado de trabalho aonde os migrantes irão se inserir. Tais
contradições são provocadas pela grande demanda de trabalhadores não qualificado e
possivelmente irregular, o trabalho informal e com a total ausência de segurança e
garantias, a ampla aceitação de imigrantes irregulares, passiveis de exploração
trabalhista que barateia os custos e a alimenta a indústria de migração contrabandeada
ou fruto de tráfico de migrantes. O mercado de trabalho segmentado faz parte das
problemáticas, alguns setores não admitem os migrantes e enquanto outros setores
ficam aguardando os mesmos (DURAND, LUSSI, p.86, 2015).
Em razão disso, atrair trabalhadores nativos pouco qualificados,
durante períodos de escassez de trabalho, pelo aumento dos salários de
entrada, é caro e dirruptivo, o que fornece aos empregadores forte
incentivo para buscar soluções mais fáceis e baratas, tal como a
importação de trabalhadores que aceitam baixos salários e não se
incomodam com as implicações negativas, para o status e prestígio, de
ocupar um emprego de baixa qualificação (SOARES, p.15, 2002).
A teoria do mercado de trabalho é marcada pela dualidade do trabalho
segmentado que sustenta os fluxos migratórios internacionais devido à constante
demanda de trabalhadores, que é inerente à estrutura econômica dos países
desenvolvidos. Enquanto os trabalhos nativos ficam reservados aos setores que
oferecem salários melhores, com ampla segurança de emprego e com perspectivas de
melhoria profissional. Em contrapartida os motivos de expulsão dos países de origem
seriam irrelevantes aos fins de justificar os movimentos migratórios. Mas ele é usado
para explicar as dinâmicas do mercado de trabalho dual onde insere a maior parte dos
imigrantes trabalhadores. Especialmente aos não qualificados profissionalmente ou
àqueles que possuem pouca qualificação, a qual é ofertada por baixos salários, sem
segurança e a sem nenhuma expectativa de melhoria social (SOARES, 2002; NUNAN,
2006; DURAND, LUSSI, 2015).
O valor negativo que o povo atribuía empregados de baixos salários em
países industrializados, por exemplo, pode abrir mais oportunidades de
emprego para trabalhadores estrangeiros. Assim aumentamos lucros por
estes esperados, ampliando sua habilidade em superar riscos e restrições
no crédito e permitido às famílias alcançar maior renda, com o envio de
alguns membros ao exterior. (MASSEY apud DURAND, LUSSI, p.87,
2015).
Essa teoria não se fundamenta em fatores de expulsão nos países de origem, ou
pela falta de emprego ou salários baixos. Alguns teóricos afirmam que uma única razão
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não explica o fenômeno migratório, e, na combinação de motivos diversos, os fatores de
expulsão do lugar de origem vêm registrando maior peso que os motivos de atração nos
países de destino (SOARES, 2002; NUNAN, 2006; DURAND, LUSSI, 2015).
A migração não é, por conseguinte, causada por fatores de expulsão
nos países de origem (baixos salários ou alto desemprego), mas por
fatores de atração nos países de destino. A explicação para o início do
fluxo migratório encontra-se na maneira pela qual a demanda de
trabalhadores imigrantes é satisfeita: práticas de recrutamento são
utilizadas por empregadores das sociedades desenvolvidas ou por
governos, para atender aos interesses desses mesmos empregadores.
Fica patente que as diferenças internacionais de salário não constituem
condição suficiente para que a migração ocorra, o que aponta a
mudança de percepção na causalidade do fenômeno: a causa dos
fluxos migratórios internacionais não está na esfera da
racionalidade/esforço puramente individual, mas, sim, no predomínio
da crônica e inevitável demanda de trabalhadores estrangeiros (força
de atração) e na primazia de fatores econômicos de natureza estrutural
(SOARES, p.16, 2002).
Esses são os clássicos da migração, todavia hoje existem algumas tendências
relacionadas à migração que não se pode deixar de pontuar, ou seja, os fatores
demográficos focados na questão etária, os fatores ambientais, a migração fronteiriça e
as feitas por meio de pedido de refugio.
A DISTRIBUIÇÃO DE ESTRANGEIROS NO BRASIL: alguns resultados
preliminares
Após a discussão sobre os aspectos teóricos da Migração, alguns resultados
serão apresentados, levando em consideração a distribuição dos estrangeiros no Brasil.
Primeiramente não foi discriminada a classificação desses estrangeiros, mas sim como
eles estão espacializados no território nacional, nos dando uma orientação para os
estudos migratórios (mapa 1).
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Mapa 1: Número de imigrantes estrangeiros com registro ativo no SINCRE por país de nascimento 2000-
2014
No mapa 1, que diz respeito aos Imigrantes estrangeiros com registro ativo no
SINCRE por país de nascimento 2000-2014, podemos observar que os países que mais
contribuíram para os imigrantes estrangeiros no Brasil foram: Bolívia, Estados Unidos,
Argentina, China e Portugal, com 96223, 65341,45669,37417 e 33284 respectivamente.
O próximo passo é mostrar a distribuição dos imigrantes africanos pelo território
brasileiro. Essa organização foi feita por município de residência, que nos dá uma
dimensão mais exata, inclusive para investimentos em políticas públicas voltadas para
esses estrangeiros, já que o município é a unidade mínima de observação quando se
trata de processos migratórios.
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A DISTRIBUIÇÃO DOS IMIGRANTES AFRICANOS NO TERRITÓRIO
BRASILEIRO: origem e destino por UFs de entrada e município de residência
Coleção de mapas 1: Distribuição total dos imigrantes africanos no Brasil 2000 - 2015
Ao observar a coleção de mapas os Senegaleses lideram com um contingente
populacional de 1628, onde as UFs preferenciais de entrada foram: São Paulo com 406,
Ceará 311, Acre 272, Rio de Janeiro 259 e Rio Grande do Sul 143. Os municípios que
apresentaram o maior número de residência dos mesmos foram: Caxias do Sul, Passo
Fundo, São Paulo, Santa Maria.
Já com relação aos Ganeses, que representaram um total de 534, entraram
preferencialmente por São Paulo, com registros de 362, e os municípios que
apresentaram os maiores números de residência foram nessa ordem: Brasília, Rio de
Janeiro, São Paulo e Criciúma.
Os provenientes da República Democrática do Congo representaram o segundo
maior contingente populacional de africanos que entraram no Brasil, com um total de
1069. As UFs que apresentaram as maiores entradas foram São Paulo e Rio de Janeiro
com valores de 771 e 265 respectivamente. Os municípios que apresentaram os maiores
números de residentes foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Duque de
Caxias. Os que vieram da República do Congo também mantiveram as mesmas
preferências pelas UFs de entrada, porém com relação aos municípios de residência se
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assemelharam com relação a São Paulo e Rio de Janeiro, porém se diferenciaram ao
estabelecerem residência em Niterói e Belém.
Em seguida iremos abordar cada caso separadamente, enfocando os municípios
que apresentaram os maiores números de residentes para nos dar a impressão exata da
distribuição espacial desses imigrantes.
SENEGALESES:
Coleção de Mapas 2: Origem e destino dos Senegaleses no Brasil – UF de entrada e município de
residência 2000-2015
Com relação aos Senegaleses a UF que apresentou o maior número de entrada
foi São Paulo, com 406 no total. Desses São Paulo, Passo Fundo, Caxias do Sul, Santa
Maria e Brasília, foram os municípios que apresentaram os maiores números de
residentes. Isso demonstra que a maior parte dos Senegaleses que entraram por São
Paulo, a maioria, 65 permaneceram no município, e no total de 159 se direcionaram
para os municípios do Rio Grande do Sul. Já os que entraram pelo Ceará, totalizando
311 senegaleses, Passo Fundo, Santa Maria e Caxias do Sul se mostraram como
destinos preferências, com 147 imigrantes residindo nesses municípios, ficando São
Paulo em 4º lugar com 22.
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O Acre foi a Unidade de Federação que ficou em 3º lugar com relação à entrada
desses imigrantes, com um total de 272. O município de Caxias do Sul foi o que mais
apresentou número de residentes com 103 senegaleses, se distanciando bastante do 2º
lugar, que ficou com Porto Alegre, seguido por Passo Fundo e São Paulo, com 20, 17 e
17 respectivamente. Com os que entraram pelo Acre ficou claro a preferência pelo
município de Caxias do Sul, não apresentando um equilíbrio como anteriormente.
Por fim o Rio de Janeiro com 259 entradas de senegaleses os destinos foram
Passo Fundo com 48 residentes, seguido pelo município do Rio de Janeiro com 40,
Caxias do Sul e Santa Maria.
O que pode ser percebido através da análise desses dados preliminares é que
existe uma preferência indiscutível pelos senegaleses em residirem nos municípios do
Rio Grande do Sul, o que cabe uma investigação mais minuciosa de o porque os
mesmos se sentirem atraídos para essas localidades, mesmo com entradas tão distintas.
Em seguida será feito um levantamento sobre os ganeses, para ver se essa tendência
continua, ou se teremos grandes alterações sobre os destinos.
GANESES:
Mapa 2: Distribuição dos Ganeses no Brasil com entrada por São Paulo 2000 - 2015
Com relação aos ganeses a UF de entrada que apresentou grande destaque foi
São Paulo com 362, num total de 534 dos que entraram no Brasil no período de 15 anos.
Já com relação aos municípios de residência os nascidos em Gana já se diferenciam
bastante com relação aos Senegaleses. Enquanto esses últimos procuravam mais
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municípios no estado do Rio Grande do Sul para estabelecerem as suas residências, os
ganeses que entraram por São Paulo estabeleceram domicílios nos municípios de
Brasília, São Paulo, Criciúma, Rio de Janeiro, Guarulhos, Porto Alegre e Belo
Horizonte, em que somatório totalizou 204. Isso demonstra uma preferência dos
imigrantes ganeses por municípios de maior porte, com grande desenvolvimento
econômico e infraestrutura.
CONGOLESES (REPÚBLICA DO CONGO)
Coleção de mapas 3: Distribuição dos congoleses da República do Congo por UF de entrada e município
de residência 2000 -2015
Os congoleses foram divididos em aqueles provenientes da República do Congo
e os da República Democrática do Congo. Essa análise se dá com os primeiros que
apresentaram como principais UFs de entrada São Paulo com 495 e Rio de Janeiro com
108. Como pode ser avaliada através dos dados, a distância dos números, coloca São
Paulo como principal rota de chegada desses imigrantes e que após a entrada se dirigem
para outros municípios. Em se tratando de distribuição desses imigrantes, os congoleses
da República do Congo estabeleceram residência preferencialmente no município de
São Paulo, com um valor de 138. Porém outros residiram em regiões bem distintas do
país. Além do Rio de Janeiro, que se assemelha aos demais africanos analisados nesse
trabalho, os republicanos do Congo procuraram estabelecer os seus domicílios em
Belém, Niterói, Recife, Brasília, João Pessoa e Curitiba. Mostrando uma distribuição
interessante com relação às regiões brasileiras, em que todas foram contempladas. Com
relação aqueles que entraram pelo Rio de Janeiro a distribuição já não foi tão farta
assim, ficando restritos aos municípios do Rio de Janeiro, São Paulo e Duque de Caxias.
Mas será que os que vieram da República Democrática do Congo tiveram os mesmos
destinos? Iremos em seguida demonstrar os dados bem como a distribuição.
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CONGOLESES (REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO)
Coleção de mapas 4: Distribuição dos congoleses da República Democrática do Congo por UF de
entrada e município de residência 2000 -2015
Os congoleses oriundos da República Democrática do Congo, também entraram
preferencialmente pelas UFs de São Paulo e Rio de Janeiro, também com valores bem
distintos, 771 e 265 respectivamente. Com relação àqueles que entraram por São Paulo
a maior parte se direcionou para as capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Brasília e Curitiba o que já diferencia bastante do destino dos que vieram da
República do Congo, que se espalharam bastante pelo território, se instalando também
nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Os que entraram pelo Rio de Janeiro, os principais destinos foram mais restritos
as proximidades, como já acontecido com os da República do Congo, em que os
municípios preferenciais para constituírem suas residências foram: Rio de Janeiro, São
Paulo e Duque de Caxias.
CONSIDERAÇÕES:
Constatamos que o fluxo migratório africano em direção ao Brasil, vem se
intensificando nos últimos anos, conforme gráfico (1)6 do período de 2010 a 2015.
Observa-se que grande parte desses imigrantes tem ingressado pelos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro.
6 Ressaltamos que essas informações são obtidas através da declaração que os imigrantes realizam junto
a Polícia Federal, o que podem refletir regularizações feitas no passado.
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Gráfico 1:
Fonte: DICRE/PF
No caso dos senegaleses uma curiosidade é a presença dos estados do Ceará e
Acre, o que nos leva a crer certa ilegalidade nessas entradas, mas que acarreta uma
maior investigação. Quanto à distribuição desses grupos de imigrantes são heterogenias,
os senegaleses têm se nos estados do Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul
e São Paulo; os ganeses se concentram no Distrito Federal, São Paulo e Santa Catarina;
e o congolês observou a maior para deles se localizam no estado de São Paulo.
Importante ressaltar que esses estudos são preliminares, mas de tamanha
importância para dar prosseguimento aos estudos migratórios dos africanos, mas
também haitianos, bolivianos, argentinos entre outras que contribuem para os fluxos
migratórios internacionais para o Brasil.
Os dados da Divisão de Cadastros e Registros de Estrangeiros – DICRE da
Polícia Federal já se encontram totalmente formatados e corrigidos com 100% de
aproveitamento, inclusive com os dados do IBGE, para facilitar a espacialização por
códigos de municípios. Além do mais a base já se encontra preparada para receber
futuras atualizações, que no momento consta com registros de até outubro de 2015, para
contribuir ainda mais com os estudos sobre estrangeiros e migrações internacionais no
Brasil.
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REFERÊNCIAS
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