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Imago Trinitatis Deus, sabedoria e felicidade

Estudo teológico sobre o

De Trinitate de Santo Agostinho

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

CHANCELER – Dom Dadeus Grings

REITOR – Norberto Francisco Rauch

VICE-REITOR – Joaquim Clotet

CONSELHO EDITORIAL

Antoninho Muza Naime

Antonio Mario Pascual Bianchi

Délcia Enricone

Jayme Paviani

Luiz Antônio de Assis Brasil e Silva

Regina Zilberman

Telmo Berthold

Urbano Zilles (Presidente)

Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS – Antoninho Muza Naime

NihiI obstat

Porto Alegre, 26/02/03

Mons. Urbano Zilles

Imprimatur

Porto Alegre, 6/03/03

Dom Dadeus Grings

Arcebispo de Porto Alegre

EDIPUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33

C.P. 1429 90619-900 Porto Alegre – RS

Fone/Fax: (51) 3320-3523 e-mail: [email protected]

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EVILÁZIO FRANCISCO BORGES TEIXEIRA

lmago Trinitatis Deus, sabedoria e felicidade

Estudo teológico sobre o

De Trinitate de Santo Agostinho

Coleção:

TEOLOGIA – 25

Porto Alegre

2003

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© Copyright de EDIPUCRS, 2003

FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da BC – PUCRS

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização ex-

pressa desta Editora

Capa: Mariana W. Gautério

Diagramação: Isabel Cristina Pereira Lemos

Revisão: O autor

Impressão: Gráfica EPECÊ, com filmes fornecidos

A275T Teixeira, Evilázio Francisco Borges

Imago trinitatis : Deus, sabedoria e felici- dade : estudo teológico sobre o De Trinitate de Santo Agostinho / Evilázio Francisco Borges Teixeira. – Porto Alegre : EDIPU- CRS, 2003.

263 p. – (Coleção teologia; 25)

ISBN: 85-7430-365-8

1. Teologia Dogmática. 2. Agostinho, Santo – Crítica e Interpretação. 3. Trindade. I. Título. II. Série.

CDD 231

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ÍNDICE GERAL

PREFÁCIO / 7

INTRODUÇÃO GERAL / 10

I – Santo Agostinho e o «De Trinitate» / 16

1. Na trilha doutrinal da Tradição precedente / 162. A Teologia do Logos / 193. A obra «De Trinitate» de Santo Agostinho / 274. Método utilizado por Santo Agostinho / 33

II – Revelação do Mistério – «TOTA TRINITAS INVISIBILIS» / 37

1. Em busca da Trindade / 382. Os vestígios da Trindade na criação / 433. As missões divinas / 544. O Pai é o princípio da deidade / 615. Jesus Cristo, único mediador / 636. A Encarnação do Verbo nos dispôe ao conhecimento

da Verdade / 667. O Pai e o Filho, princípio do Espírito Santo / 698. As teofanias divinas / 72

III – Formulação do Dogma – «CREDIMUS IN UNUM DEUM PATREM

OMNIPOTENTEM ET IN UNUM DOMINUM NOSTRUM IESUM» / 82

1. Impropriedade da linguagem humana / 832. Deus, essência imutável / 873. Três Hipóstasis ou pessoas: silêncio das Escrituras / 934. As relações divinas / 1015. Consubstancialidade das Três Pessoas / 1096. A inseparabilidade das Três Pessoas – «Unum Sumus» / 1127. Da multiplicidade à unidade com o uno / 116

IV – Contemplar o Mistério «DEUS CHARITAS EST» / 125

1. A fé conduz ao conhecimento de Deus / 1272. A fé, preâmbulo do amor / 137

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3. Conhecimento de Deus por meio dos conceitos de Verdade, Bondade e Justiça / 1404. «Deus Charitas est» / 1435. Vestígios da Trindade no amor / 148

V – «IMAGO TRINITATIS» – Deus, Sabedoria e Felicidade / 160

1. «Deus Ineffabilis» / 161 2. O ser humano como imagem imperfeita da Trindade / 165 3. Vestígios da Trindade no ser humano exterior / 171 4. No interior da pessoa humana habita a verdade / 175 5. A trindade na mente que se recorda, conhece e ama / 180 6. «Memoria Dei, Intelligentia Dei, Dilectio Dei» / 185 7. O culto de Deus é o amor / 192 8. A Vida Feliz / 194

EPÍLOGO / 202

SIGLAS E ABREVIATURAS / 216BIBLIOGRAFIA / 219

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PREFÁCIO

A Trindade que aparece na obra De Trinitate de Agostinho é o horizonte

do itinerário bíblico, é a única realidade na qual o homem pode gozar-se, e

única «coisa» que o ser humano pode amar por si mesma. O Deus Trinitário é a

aspiração suprema de toda a pessoa humana. Enquanto sabedoria imutável e

mistério insondável, Deus é o fim último em direção do qual todos tendemos.

Agostinho preocupa-se em apresentar os ensinamentos da fé e da

Igreja. O princípio do «Credo», nos recorda que Deus é criador e providente. O

Filósofo de Hipona procurou um caminho possível para chegar a Deus por meio

de uma via intelectual, porém, não se esquece dos elementos que levam ao

conhecimento pela fé. Seu trabalho é um trabalho de síntese onde o caminho

intelectual culmina na confissão de fé. Para Agostinho de Hipona Deus é a

realidade a ser amada, por ser a sabedoria imutável, é a única que satisfaz o

homem: Deus trinitário, criador e providencial. A encarnação e toda a obra

redentora são contempladas em uma perspectiva soteriológica. Esta salvação

que Deus concede às suas criaturas por meio do Verbo, vem articulada através

da humildade. Um Deus que se coloca perto do homem e o cura. Este processo

salvífico prolonga-se na história por meio do Espírito Santo e da Igreja. O mais

importante em Santo Agostinho, não é a meta, senão o caminho a percorrer; e o

caminho a percorrer é Jesus de Nazaré. Por meio dele o Verbo encarnado, que

é Deus, nos transporta a uma outra realidade. Sua missão é reconduzir a

humanidade até o Pai.

Somos templos da Santíssima Trindade. Toda a vida cristã encontra

neste mistério sua verdadeira identidade. Nossa vida de fé, de esperança e de

caridade nada mais é do que um desdobramento, uma vivência do amor do Pai,

do Filho e do Espírito Santo, em nós. Em sua obra magna De Trinitate,

Agostinho de Hipona explora a geografia íntima da alma humana. Não se trata

apenas de examinar a consciência em sentido ético, tampouco chegar ao

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conhecimento de si mesmo em sentido psicológico; trata-se, sobretudo, de

explorar o mistério de Deus. Agostinho postula uma antropologia teocêntrica,

que não anula o valor do humano; ao contrário, é uma antropologia que se

baseia sobre a grandeza e dignidade da condição humana, criada a «imagem e

semelhança de Deus», e em Cristo, esta imagem é recriada e restaurada. Esta

visão de ser humano é fundamental para a teologia e a espiritualidade darem-se

as mãos hoje. A partir de Santo Agostinho podemos fazer uma pergunta à

teologia: não seria tempo de devolver à Teologia sua missão própria? Missão

essa que consiste em comprometer-se nesta apaixonada busca de Deus, no

curso da qual o desejo se transforma em amor, e a graça em alegria de ter

achado aquilo que se busca.

Agostinho mostra-se convencido que, malgrado os esforços humanos, o

mistério da Santíssima Trindade permanece insondável e, consequentemente, é

preciso adorá-lo com toda a simplicidade da fé e na esperança da vida eterna.

Nada melhor que as palavras de Agostinho no final do De Trinitate. O Teólogo

de Hipona compreendeu muito bem, que após ter meditado e escrito sobre um

mistério tão alto, não resta outra coisa a não ser pôr-se de joelhos e rezar.

«Fixa minha atenção nesta regra de fé, te busquei segundo minhas forças e na

medida que tu me fizeste poder. Desejei ver com minha inteligência o que

acreditava a minha fé, e disputei e me afanei em demasia. Senhor e Deus meu,

minha única esperança, escuta-me para que não sucumba ao desalento e deixe

de buscar sempre o teu rosto com ardor. Dá-me forças na busca, tu que fizeste

com que eu te encontrasse e me deste esperanças de um conhecimento mais

perfeito. Diante de ti está minha firmeza e minha debilidade; cura esta, conserva

aquela. Diante de ti está a minha ciência e a minha ignorância; se me abres,

recebe o que entra, se me fechas, abre ao que chama. Faz que me recorde de

ti, te compreenda e te ame (...). Quando chegaremos a tua presença, cessarão

estas muitas coisas que agora falamos sem entendê-las e tu permanecerás

todo em todos, e então entoaremos um canto eterno, louvando-te a um tempo,

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unidos todos em ti. Senhor, Deus uno e Deus Trindade, quanto com teu auxílio

fica dito nestes meus livros, conheça-os teus; se algo há neles de minha

colheita, perdoa-me tu, Senhor, e perdoem-me os teus. Assim Seja».

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INTRODUÇÃO GERAL

A Tradição anterior a Agostinho começa com o Novo Testamento.

Podemos dizer que a Trindade é um mistério que foi somente revelado em sua

plenitude no Novo Testamento. No Novo Testamento, sobretudo na Carta aos

Gálatas, nos deparamos com uma densa manifestação da revelação do mistério

da Trindade. Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu

Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam

sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial. E porque sois filhos,

enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba,

Pai! Encontramos nesta passagem da Carta aos Gálatas os termos básicos que

compõe o mistério: «Deus», «Pai», «Filho», «Espírito». A pessoa do Pai,

certamente, é reconhecida como a primeira pessoa da Trindade. Embora isto

seja um fato segundo Galot, parece que a pessoa do Pai chama menos atenção

na teologia que as pessoas do Filho e do Espírito Santo. É significativo, por

exemplo, que a paternidade divina é estudada sistematicamente pela teologia

somente a partir do século IV com Atanásio.

A teologia contemporânea quando critica o pensamento agostiniano

deve estar atenta para evitar ler Agostinho com uma chave de leitura

escolástica. Embora a teologia contemporânea conserve pelo De Trinitate

aquele apreço do passado, alguns fazem reservas. Uma das ressalvas mais

radicais, por exemplo, é aquela feita por Scheffczyk. Apoiando-se na autoridade

de Schmaus, afirma que Agostinho pagou com um alto preço de renúncia pela

sua explicação teológica. Isto é, com a renúncia à reflexão e à valorização

«econômica» do mistério trinitário. Este autor, não hesita em considerar como

deficiente a pesquisa teológica sobre a Trindade de Agostinho. Como faz notar

Trapé, tal observação não tem um real fundamento na obra agostiniana. Não é

exato dizer que a impostação dessa dependa da filosofia neoplatônica sobre a

doutrina da unidade. S. Agostinho parte do ensinamento da fé, que no Ocidente

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insistia sobre a unidade do ser e na inseparabilidade das operações da

Trindade. Bailleux, em um de seus estudos sobre a Trindade de Agostinho, dá-

se conta de que a insistência do De Trinitate sobre o modo de intervento na

história da salvação a partir da propriedade pessoal de cada uma das Pessoas

divinas não é menor daquela que insiste sobre a unidade inseparável desta

mesma ação.

Santo Agostinho no início de seu livro De Trinitate, obra de rara

penetração, adverte a respeito de alguns pressupostos errôneos que podem

estar presentes nos homens que se colocam a questão de Deus. Adverte que

está vigilante contra as calúnias que se opõem à fé. Desses pressupostos, é

possível distinguir três modos diferentes de conceber Deus. Há aqueles que,

desprezando o princípio da verdadeira fé, deixam-se enganar por um prematuro

e perverso amor à razão. Quer dizer, pretendem medir as substâncias

incorpóreas e espirituais segundo as noções das coisas materiais. Há outros

que raciocinam sobre Deus na perspectiva da natureza e dos afetos da alma

humana. Este erro os arrasta a formar atormentados princípios sobre Deus.

Existe, por fim, um terceiro tipo de homens que se esforçam para superar a si

mesmos, na intenção de fixar a pupila na substância imutável que é Deus.

Porém, sobrecarregados com o fardo de sua mortalidade, aparentam conhecer

aquilo que ignoram e não são capazes de conhecer aquilo que desejam. O De

Trinitate trata-se de uma obra clássica que continua a iluminar a mente, a nutrir

a fé, a saciar o coração humano de um amor ardente que busca, e quanto mais

busca e encontra, tanto mais vem inflamado deste mesmo amor: o único Deus –

o Deus trino. Domine Deus une, Deus trinitas. Santo Agostinho quer, sobretudo,

conduzir seu leitor rumo à contemplação do mistério trinitário: contemplando o

Pai, o Filho e o Espírito Santo, não podemos aspirar nada mais fora de Deus.

Acrescente ainda em Agostinho o desejo profundo de encontrar a verdade.

Rapimur amore indagandae veritatis. Através do motivo psicológico, teológico e

místico, o Bispo de Hipona sintetiza seu pensamento sobre o mistério da

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Trindade e empreende esta obra laboriosa. A obra De Trinitate, portanto,

consiste em um trabalho de síntese, de exposição bíblica, dogmática,

psicológica, e bastante meditada.

O Esquema geral da obra está divido em duas partes. Na primeira parte

que compõe os sete primeiros livros do De Trinitate, o Autor propõe o dogma

trinitário e o defende. Interpreta o dogma à luz das Sagradas Escrituras, contra

as interpretações errôneas sobre o mistério. Nos livros I-IV – escreve sobre a

unidade e igualdade das diversas pessoas; V-VlI – Aparece a defesa do dogma

trinitário e as relações divinas. Nestes livros predominam os argumentos

tomados das Escrituras. A segunda parte (livros VIII – XV), é mais filosófica que

a primeira. Nela está presente, especialmente, o estudo psicológico da alma e

da sua atividade, que revela a veracidade do mistério trinitário. Neste sentido,

diversamente daquilo que alguns intérpretes afirmaram, o Bispo de Hipona não

separa a imanência da economia, tampouco é o responsável por uma visão

estática ou demasiado «ontológica» da Trindade. Agostinho mergulha no

mistério revelado para chegar ao «intelectos fidei», a palavra interior. No Livro

oitavo faz uma introdução ao conhecimento místico de Deus, mediante os

conceitos de verdade, de bondade, de justiça e de caridade. Nos livros nono ao

décimo quarto busca a imagem da Trindade no homem: exterior e interior. O

livro décimo quinto é uma espécie de vôo panorâmico e complemento da obra.

O De Trinitate, portanto, contém duas partes bem diferenciadas e correspondem a

fins distintos. Na primeira parte está presente aquilo que podemos chamar de

«teologia positiva»: caracteriza-se por ser mais dogmática; a fides – abarca os sete

primeiros livros, compondo a primeira parte. Na segunda parte: «teologia

especulativa», que se utiliza, sobretudo, de argumentos da razão. O livro oitavo

representa o elo de ligação entre a primeira e a segunda parte. Nesta segunda

parte, nosso autor faz um caminho rumo à interioridade, lugar onde se ama a Deus

e se conhece a palavra eterna. A este propósito escreve em suas Confissões:

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«Estas palavras tuas, pronunciadas no tempo, foram transmitidas pelo ouvido

exterior à mente prudente, cujo ouvido interior tem aplicado a tua palavra eterna».

A contemporaneidade de Agostinho de Hipona não necessita

demonstração, dada a sua perene relevância. Não é possível aproximar-se de

Agostinho de modo apático e desapaixonado. Chegamos ao crepúsculo do

século vinte, e ao nascer do sol de um novo milênio, com um rosto demasiado

pesado e uma alma carregada de angústia. João Paulo lI numa carta apostólica

sobre Agostinho de Hipona, perguntava: «O que pode ter para dizer ao homem

de hoje este homem extraordinário»? A atualidade de suas intuições sobre os

mistérios do ser humano e do ser divino forma parte da autêntica estrutura da

visão ocidental do mundo. Com Harnack pode-se afirmar que: «Todas as

grandes personalidades que recriaram uma vida nova na Igreja do Ocidente ou

purificaram e aprofundaram a piedade foram, diretamente ou indiretamente,

influenciados por Santo Agostinho e formados na sua Escola».

Este livro quer, sobretudo, aprofundar o mistério trinitário, no qual todo

o cristão é chamado a contemplar o Pai, no seguimento do Filho, iluminado pelo

Espírito. O Pai como origem sem origem da vida intradivina e da história da

salvação, absolutamente distinto e diferente do mundo criado, que restaura o

universo das criaturas mediante a ação redentora no seu Filho Jesus Cristo e o

santifica definitivamente com o Dom escatológico do Espírito Santo. A doutrina

sobre a revelação de Deus Pai é particularmente significativa. Nela vem

explicitado o mistério de Deus que quis revelar a si mesmo e manifestar o seu

desígnio de salvação. Na pessoa do Pai contemplamos o rosto de um Deus

misterioso e invisível, que convida todos a uma misteriosa participação à sua

vida e infinita felicidade. Uma vez explicitado o mistério de Deus Pai a pergunta

dirige-se sobre o mistério do homem: magnum mysterium, conforme Agostinho.

Do ser humano dizemos que ele é o único ser querido por si mesmo. Isto quer

dizer que a pessoa humana, enquanto imagem e semelhança de Deus, é

chamada a uma relação de filiação com o Pai. Filiação esta que consiste em

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tornar-se filho no Filho. O projeto do Pai é a vida do homem. Neste sentido toda

a história humana, pessoal e comunitária é chamada a ser História de Salvação.

O trabalho está dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo, Santo

Agostinho e o «De Trinitate», que é também uma espécie de estudo geral da

obra, faz uma análise acentuando alguns elementos históricos e filológicos como:

origem e motivo do Tratado, método utilizado, o problema da linguagem inerente

à Trindade. O segundo capítulo – revelação do mistério, parte da criação: «Solus

Deus creat etiam illa quae magicis artibus transformantur». Em seguida aborda as

missões divinas (Filius et Spiritus Sanctus non ideo minor quia missus), onde o

Pai aparece como fonte e origem da missão do Filho e do Espírito Santo. Retoma

o tema da mediação, da Encarnação (Filius Dei incarnatus est), da procedência

do Espírito Santo (Pater et Filius unicum principium Spiritus Sancti), finalizando

com o tema das teofanias divinas. O terceiro capítulo trata da formulação do

dogma, afirmado pelo Concílio de Nicéia: «Credimus in unum Deum Patrem

omnipotentem et in unum Dominum nostrum Iesum». Começa abordando sobre a

limitação da linguagem humana (Verius enim cogitatur Deus quam Dicitur), no

que se refere ao mistério de Deus: essência imutável (Deus sola incommutabilis

essentia); a questão das Hipóstasis ou pessoas (Scriptura nullibi dicit tres

personas in Deo), as relações divinas (In Deo nihil secundum accidens dicitur, sed

secundum substantiam, aut secundum reIationem); a consubstancialidade e

inseparabilidade das Três Pessoas. O capítulo quarto – Contemplação do

mistério – trata do conhecimento místico de Deus através dos conceitos de

Verdade, Bondade Justiça, e, principalmente, Amor-Caridade (Deus Charitas est).

O capítulo quinto – «IMAGO TRINITATIS» – Deus, Sabedoria e Felicidade: parte

do Deus Ineffabilis e do ser humano como imagem, ainda que imperfeita, da

Trindade, (Vestigium Trinitatis etiam in exteriore homine); é, sobretudo, no homem

interior (In interiore homine habitat veritas), que devemos buscar a imagem do

Deus Uno e Trino. A vida interior permite a passagem da trilogia: memória –

inteligência – vontade, para uma outra trilogia mais profunda e vital que

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compreende: memoria Dei – intelligentia Dei – dilectio Dei. A vida interior,

portanto, permite a síntese entre sabedoria e ciência, e conduz àquela sabedoria

que consiste em saborear as coisas de Deus que é amor (Inter Sapientiam et

Scientiam quid distet. Cultus Dei, Amor eius), único capaz de satisfazer os

anseios e desejos profundos do coração e proporcionar à criatura humana uma

vida feliz. O Pai, no seu amor e bondade, através de seu Filho unigênito, nos

adota como filhos e filhas e por meio do Espírito Santo nos conduz de volta à

casa paterna. Assim como o Filho Pródigo, todo ser humano é convidado a fazer

a experiência da compaixão divina. Somente assim, poderemos viver na vida

pessoal e comunitária o preceito radical de Jesus: «Sede misericordiosos como o

vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).

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I

SANTO AGOSTINHO E O «DE TRINITATE»

1. Na trilha doutrinal da Tradição precedente

Atanásio é um infatigável defensor do mistério trinitário1. O Filho

procede do Pai por geração e não por criação, e, portanto, pertence à

substância do Pai, do qual é imagem vivente. Ao Espírito pertence a substância

do Filho, e assim como o Filho é no Pai, do mesmo modo o Espírito é no Filho,

daqui se concluí que existe na Trindade uma misteriosa união de natureza, que

em uma substância comum, produz uma comum operação, e que não tem nada

a ver com uma união moral, somente acessível à criatura2. Santo Hilário,

também chamado, «Atanásio do Ocidente», é um escritor eminente pelo seu

caráter, pela sua elegância literária, capacidade de ação e de raciocínio3.

Mesmo que sua obra literária seja menos vasta daquela do doutor alexandrino,

em compensação se distingue pela sua profundidade. Sua obra principal, De

Trinitate, busca mais provar a divindade do Filho do que propriamente expor

toda a doutrina trinitária4. A obra está dividida em 12 livros5

1 Escreve Luis Arias: «Es San Atanasio el hombre providencial de su tiempo, coIumna de la Iglesia

de Cristo, campeón de la fe, maestro incomparable del Oriente, grande como hombre, como escritor y como santo. Su vida y sus trabajos irán siempre vinculados a la historia del arrianismo. (cf. SAN GREGORIO NAZIANZENO, Orat. 21, 26; PG 103, 419); en la cuestión trinitaria es el teólogo de la tradición. Con estilo claro, sobrio, preciso, nervioso y profundo, insiste en dos o tres principious fundamentales. A la triada arriana opone la Trinidad consubstancial. Un Dios en tres personas. Conciliante en la terminología, es inflexible en el contenido doctrinal de su fe. El Hijo es Dios y procede del Padre por generación, no por creación. El Espíritu Santo pertenece también a la sustancia de Dios». L. ARIAS, Introducción, in SANTO AGOSTINHO, Tratado sobre la Santíssima Trinidad. Madrid BAC, vol. V, 1968, p. 9.

: no primeiro, o autor

2 F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, Roma 1936 t. I, pp. 360-361. 3 F. CAYRÉ, op. cit., p. 367. 4 R. J. DE SIMONE, Introduzione alla teologia del Dio uno e Trino da Tertuliano ad Agostino, p. 29. 5 «Seus doze livros são fruto de sua atividade no exílio, e tem por finalidade provar a

divindade do Filho contra Ário e Sabélio. Afirma sua fé na Trindade divina, Pai, Filho e

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fala da sua conversão e determina o seu objetivo que é lutar contra o

sabelianismo e o arianismo; os livros II e III esclarecem a noção das Três

Pessoas e a sua real distinção, insistindo, sobretudo, na diversidade do Pai e do

Filho e a unidade de sua natureza6. A última parte da obra – livros IV – XII –

aprofunda por meio da Sagrada Escritura, a doutrina do hommoousios7.

Referente à processão do Espírito Santo, assim como Atanásio, Hilário afirma

que a Terceira Pessoa da Trindade procede do Pai e do Filho como de um

único princípios8. Conforme Luis Arias: a divindade do Espírito Santo se

compreende na doutrina hilariana, como a conclusão se abarca em suas

premissas9. Hilário será a única autoridade citada por Agostinho em sua obra

De Trinitate10. Hilário, em seu confronto com o arianismo e para separar-se do

sabelianismo, sustenta a distinção das pessoas. Mas, ao mesmo tempo,

mantém intacta a unidade divina afirmando a consubstancialidade do Pai e do

Filho. Hilário foi bastante influenciado por aquela frase do Êxodo, em que

afirma: Disse Elohim à Moises: Eu sou aquele que sou11. Encontrou nesta

revelação a absoluta existência e eternidade de Deus, e isto constitui para ele

uma introdução ao conhecimento de Deus Pai12

Espírito Santo, três nomes que correspondem a três realidades distintas. ( PL 10, 25 – 472). Entre as divinas pessoas não existe união, senão unidade. (cf. 1, 21; 2,5; PL 10, 39, 54); L. ARIAS, Introducción, p. 10.

. Posteriormente tomando Jõao

6 HILÁRIO, De Trin. III, 4. 7 «Fundado en la fórmula bautismal, discurre sobre la generación eterna del Verbo y explica luego

su unidad de naturaleza con el Padre, desarrollando a fondo la doctrina del homoousios niceno y dando solución a las objeciones de sus adversarios. Hilario se apoya en sus especulaciones filosóficas en los Padres griegos, pero con criterio independiente y personal. La unidad de sustancia en la Trinidad suprema es una unidad numérica». L. ARIAS, Introducción, p. 10.

8 Vale a pena a interpretação de F. CAYRÉ, Patrologia e storia della Teologia, p. 373. 9 L. ARIAS, Introducción, p. 11. 10 De Trin. VI, 10, 11. 11 Ex 3, 14. 12 Para um posterior aprofundamento sobre a doutrina do Pai ver: F. A. PASTOR, «lo credo in Dio

Padre», in Catechismo della Chiesa Cattolica (Comm. Teol. A cura de R. FISICHELLA, pp. 657 – 675; «EI discurso del método en teologia»: Gregorianum 76 (1995), pp. 69 – 94; «O discurso sobre Deus»: Atualidade teológica I (1997), pp. 7 – 19; «Principium totius Deitatis»: Gregorianum 79 (1998), pp, 247 – 294; La Lógica de lo Inefabile, Roma 1986; J. GALOT, «Le mystère de la personne du Père»: Gregorianum 77 (1996), pp. 5 – 31; «La paternitè divine: révélation et engagement»: Gregorianum 79 (1998), pp. 687 – 717; J. KONINGS, «Deus, Pai: que significa»? Perspectiva teológico 31(1999), pp. 307 – 322; É. BAILLEUX, «Dieu notre Père, selon De

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1, 1-14, argumenta que esta eternidade e infinita beleza pertencem também ao

Unigênito Deus. Não há pluralidade de deuses, já que o Unigênito é Deus de

Deus, sem diferença de natureza13. Deus é uno, mas não é só14

Embora, Santo Hilário, assim como outros nicenos, atribua algumas

vezes a geração do Filho à vontade

.

15 do Pai – com o intuito de excluir da

divindade qualquer coação – Hilário compreendeu a frase Pater major me est

pronunciada por Jesus enquanto Deus16, não como uma subordinação da parte

do Filho, mas para colocar em relevo o Pai como princípio em relação ao Filho.

Uma fórmula característica no pensamento de Santo Hilário é esta: O Pai e o

Filho unum sunt não unione personae, sed substantiae unitate17. A palavra unio

é usada por Hilário sempre para as pessoas, e unitas para a natureza»18.

Podemos encontrar nos Padres Apostólicos e nos Apologetas a denominação

de Deus como Pai. Tal referencia se fundamenta tanto na obra da criação e

conservação do cosmo, quanto fazendo referimento à relação peculiar que

Jesus tinha com o Pai19. Em Clemente Romano, por exemplo, a paternidade

divina aparece muito fortemente ligada à criação e à conservação do mundo.

«O criador e Pai do universo é o Pai de Jesus e vice-versa»20

Trinitate de S. Augustin»: Revue Thomiste avril – juin (1972), pp. 181 – 197; L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica»: Lateranum 1 (2000), pp. 107 – 128; F. RAURELL, «Dio, Padre nella visione veterotestamentaria una verbalizzazione ambigua»: Laurentianum fasc. 1 – 2 (1999), pp. 167 – 198; Y. SPITERIS, «L’experienza di Dio Padre nel Cristianesimo orientale»: Laurentianum 1 – 2 (1999), pp. 200 – 255.

. Segundo Galot, a

13 HILÁRIO, De Trin. I, 11. 14 HILÁRIO, De Trin. I, 17. 15 HILÁRIO, De Trin. III, 4. 16 HILÁRIO, De Trin. IX, 54. 17 HILÁRIO, De Trin. IV, 42. (PL 10, 128). «Hilário distingue bem entre unio e unitas. A unio entende

a unicidade das pessoas: unitas designa a unidade de natureza do Pai e do Filho. Quando fala de unitas quer expressar que o Pai e o Filho são um não pela unicidade das pessoas mas pela unidade da substância.

18 HILÁRIO, De Trin. III, 4. «Aquele que é Deus de Deus, espírito do espírito, luz da luz, com franqueza diz: O Pai está em mim e eu estou no Pai... Um procede do outro e um e outro são uma unidade; não uma pessoa, mas um é no outro porque não há nada de diferente nos dois... Assim são reciprocamente um no outro, como tudo é perfeito no Pai ingênito, assim tudo é perfeito no Filho unigênito». Ver ainda R. J. DESIMONE, Introduzione alla teologia del Dio Uno e Trino da Tertuliano ad Agostino, p. 32; F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p. 373.

19 Cf. L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica», p. 107. 20 Ibid. p. 109.

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grande novidade é que o nome de Pai diz respeito a uma pessoa divina

singular, que não é tudo da divindade. Dirigindo-se a ele como «Abba», Jesus

se comporta como Filho, que se entretém com o Pai em uma relação muito

familiar21. Apesar de ser diversa, a Paternidade em relação ao Filho e a

Criação, estão vinculadas entre si. Não se pode considerar completamente

independente a geração eterna do Filho de sua mediação na Criação22. Deus é

o Criador, não somente aquele que tudo pode fazer, mas aquele que de fato

governa tudo. O Deus Criador e onipotente é também, e, sobretudo, o Pai de

Jesus. «A paternidade relativa ao Filho unigênito dá o seu verdadeiro sentido à

paternidade cósmica e não o contrário».23

2. A Teologia do Logos

Os apologistas do segundo século formularam a teologia do Logos. O

termo mais apropriado, no entanto, seria teologia da Encarnação24. Como nota

Basil Studer, no segundo século encontramos dois centros de discussões de

cunho exegético25. O primeiro diz respeito à polêmica sempre viva com os

Hebreus, o segundo é aquele anti-gnóstico26. Justino27

21 J. GALOT, «Le mystère de la personne du Père», p. 7. «Ce n’est pas proprement au Dieu de l’Ancien

Testament qu’il s’adresse, comme s’iI était un simple homme face à lui. Lui-même est Dieu, Dieu le Fils, et c’est cette identité de Fils qu’il désire exprimer et révéler. Celui qu’il invoque ou présente sous le nom de Père est une personne divine caractérisée par la paternité, distincte de sa personnalité divine de Fils».

por exemplo, refletindo

22 L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica», p. 112; É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», pp. 189 – 218; «La création et le temps selon saint Augustin»: Mélanges de Science religieuse XXVI (1969); L. ROGRIGUES, «La filosofia de la creación»: Estudio Agustiniano vol. XXIX (1994); J. F. V. NUÑEZ, «La idea de creación según San Agustín»: Augustinus 57 (1970), pp. 19 – 34; «La idea de creación según San Agustín: Escatologia – Teoria y praxis»: Augustinus 134 (1989), pp. 385 – 398.

23 L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica», p. 113 24 B. Studer, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, Roma 1986, p. 83. 25 B. STUDER, I Padri della Chiesa e la Teologia, In dialogo con Basil Studer, Milano 1995, p. 21; Para

uma leitura mais aprofundada sobre o gnosticismo remetemos a F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p 100 – 104.

26 Cf. B. STUDER, / Padri della Chiesa e la Teologia, p. 21. 27 A vida de Justino a conhecemos, sobretudo, pelas notícias que ele mesmo nos fornece em torno a

sua pessoa em seu diálogo com Trifone (Prólogo). GIUSTINO, Dialogo con Trifone, 8. 1 -2. Milano 1995, a cura di Biuseppe Girgenti.

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sobre o Verbo eterno de Deus, o fez devido a uma motivação soteriológica28. A

idéia central desta teologia refere-se a Jesus Cristo que fala e anuncia em nome

de Deus. Revelando o seu Pai, Jesus queria exprimir a unidade da história de

Israel e demonstrar que Deus desde sempre havia falado, não somente por

meio dos profetas, mas também por meio dos sábios do mundo grego29. A

chamada teologia do Logos, no entanto, não deve ser compreendida somente

como uma soteriologia, mas como uma afirmação sobre o Logos mesmo.

Escreve Basil Studer: «Essa inclui antes de tudo a idéia que o Logos revelador

e vitorioso é um ser divino, mas não é simplesmente idêntico com o criador de

todas as coisas: ao contrário é um Deus visível, por isto também originado»30

Justino, e, sobretudo, Teófilo de Antioquia concebem o ato salvífico em

conexão com a criação. Mas é em Irineu que encontramos uma reflexão mais

ampla sobre o que se refere às duas energias criadoras. Em um contexto anti-

gnóstico, o Bispo de Lião, mostra que o criador não havia necessidade de

nenhuma criatura para sua atividade criadora, mas se serviu de suas próprias

forças: do Filho e do Espírito, que são por ele indicados como as mãos

invisíveis de Deus

.

31

28 Sobre este tema sugerimos a obra de Basil Studer Dio Salvatore nei Padri della Chiesa.

. Quando fala das duas mãos de Deus, Irineu não quer falar

de antemão da preexistência do Filho e do Espírito Santo, mas, sobretudo,

opor-se à discussão a cerca do que aconteceu antes da criação. Irineu é o

primeiro a propor uma teologia trinitária, também esta foi profundamente

29 Cf. B. STUDER, «Discurso aIl’inaugurazione dell’Anno Accademico di S. Anselmo»: Mysterium Caritatis, Roma 1999, p. 25; GIUSTINO, Seconda Apologia 10, 1; M. J. LAGRANGE, Saint Justin (Coll. Les Saint), Paris 1914 pp. 134 – 144.

30 B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 80; F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, pp. 126 – 127.

31 Ahaer IV, 7, 4 em IRÉNÉE DE LYON, Adversus haereses, in Sources Chrétiennes (n. 100), ed. Bilingüe, Contre les héresies, livre IV. Ed. Critique d’après les Arménienne et latine sous la directoin de Adelin Rousseau avec la collaborations de Bertrand Hemmerdinger, Louis Doutreleau, Charles Mercier – Les éditions du Cerf, Paris 1965. Irineu acolhe o tema das duas forças criadoras, para explicar que Deus, assim como no início da criação, é operante em toda a história da salvação com o Filho e com o Espírito. Cf. Ahaer IV, 20, 1. «Adest enim ei semper Verbum et sapientia, Filius et Spiritus, per quos et in quibus omnia libere et sponte fecit, ad quos et loquitur dicens: faciamus hominem ad imaginem et similitudinem». Em fim, aparece também uma explicação relativa à salus carnis que fundada na real Encarnação recorda as duas mãos de Deus; Ahaer V, 1, 3.

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marcada por uma dimensão soteriológica. Em sua teologia, Irineu, coloca em

evidência a revelação do Pai através do Filho no Espírito Santo. Todos quantos

vivem no Espírito Santo tornam-se símiles ao Filho e, portanto, verão a glória do

Pai. O Bispo de Lião pressupõe um duplo movimento trinitário: uma linha que

descende do Pai através do Filho até chegar ao Espírito Santo que nos foi

comunicado, e uma linha ascendente que, partindo do Espírito Santo em nós

através do Filho retorna ao Pai32. A influência doutrinária de Irineu foi

importante. Dufourcq a resume em poucas palavras: matou o gnosticismo e

fundou a teologia católica33. Alguns motivos marcaram o progresso na teologia

histórico-salvífica do Bispo de Lião, de modo que seu pensamento teológico

pode ser explicado sobretudo, em base aos seguintes motivos: a polêmica anti-

gnóstica o conduziu a descrever com maior precisão a função reveladora

completada com a encarnação do verbo junto com o Espírito Santo34. E ainda, a

necessidade de deter-se na regula fidei. Irineu viu-se em um período no qual a

polêmica anti-gnóstica conduziu à grande igreja a impor a autoridade de toda a

Bíblia. O Evangelista João forneceu-lhe uma cristologia do alto, e encontrou na

visão do Apóstolo uma tomada de posição ineqüivocável para a salus carnis,

também prescindindo do fato que a defesa da unidade do Antigo Testamento

devia levar ao fortalecimento da consideração histórico-salvífica35

32 Cf. Ahaer IV, 33, 7; J. LEBRETON, Histoire du dogme de la Trinité lI De s. Clément à s. Irénée,

Paris 1928 p. 587ss. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 95. Para um ulterior aprofundamento da teologia de Irineu sugerimos: A. HOUSSIAU, La Christologie de s. lrénée, Louvain 1955; A. BENOÎT, S. lrénée, Introduction à l’étude de sa theologie, Paris 1960; R. TREMBLAY, La manifestation et Ia vision de Dieu selon la théologie d’lrénée de Lyon, Münster 1978; R. BERTHOUZOZ, Liberté et grâce selon Ia théologie d’Irénée de Lyon, Fribourg 1980.

.

33 A. DUFOURCQ, Saint lrénée (Coll. Les Saints), Paris 1904, p. 169. 34 «Sant’Ireneo ha dovuto insistere suIl’unità di Dio, infinitamente santo e perfetto per natura, creatore

d’un mondo in cui è consonanza e armonia, poiché il disordine, che vi si riscontra, non proviene per niente dall’autore dell’universo. Tuttavia questa semplicità e questa unità d’essenza non escludono la Trinità. Ireneo, si badi, non usa mai questa formula, come non usa quella di economia ma nomina di continuo le Tre Persone, mettendole sempre in primo piano. La Pienezza delIa divinità di cui gli gnostici c’intronano le orecchie, si esprime, per mezzo del Padre, nel Verbo e nello Spirito. Dio ha creato il tutto per il Verbo e per lo Spirito Santo (Per Verbum et per Spiritum Sanctum): ma questo Verbo e questo Spirito sono uno con Dio». F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p. 149.

35 Cf. B. STUDER, Dio SaIvatore nei Padri della Chiesa, p. 101; na sua introdução em inglês ao De Trinitate de Agostinho, assim escreve Edmund Hill: «Irenaeus in his work Adversus Haereses he is writing against the Gnostics, not as a philosopher, but as a bishop. He is fighting on the

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A contribuição de Tertuliano tenta dar um reajuste ao problema

trinitário. Ele segue as pegadas de Justino e Irineu afirmando a distinção real do

Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tertuliano defende a monarquia de Deus na

Pessoa do Pai. Mas ele emprega esta idéia na economia para explicar a relação

do Filho e do Espírito Santo para com o Pai36. Basicamente, no que se refere à

salvação, a doutrina de Tertuliano é muito parecida àquela de Irineu. Também

ele considera a criação do homem em vista da encarnação do Verbo. Deus

projetando tudo mediante a palavra interior, exprime exteriormente a sua

palavra para realizar visivelmente o projeto da criação37. Na criação o verbo se

mostra como uma potência ordenada e de ajuda38. Com Tertuliano aparece

com mais força a função redentora da encarnação39. A teologia trinitária de

Tertuliano vem exposta, sobretudo, em sua obra Adversus Praxeam40. Em seu

conjunto esta obra mostra um real progresso em relação aos seus

antecessores, de modo especial, naquilo que se refere ao Espírito Santo.

Tertuliano reconhece que Deus é puro espírito. Reconhece ainda uma

economia em Deus, ou seja, uma certa comunicação do ser divino que sem

romper a unidade, constitui a trindade41. Deus é Unum e não Unus. Em

Tertuliano encontra-se uma distinção entre substantia divina (natureza divina),

de substantiae res que ele chama comumente, personae42

opposite front to Justin, because while Trypho the Jew accepted the Old Testament but not the New Testament, the Gnostics accepted the New Testament, more or Iess, but definitely not the Old Testament. But in order to demonstrate that the God of the Old Testament is the same as the God of the New Testament, it is very much to his purpose to show that The Son of God is scattered (inseminatus) everywhere in the scriptures; sometimes talking to Abraham, sometimes to Noah, giving him the measurements (of the Ark), sometimes Iooking for Adam, sometimes bringing judgment on the men of Sodom; and again when he appeared and guided Jacob on his way, and talked to Moses forrn the bush». E. HILL, Introduction, p. 39 – 40.

, e algumas vezes,

36 Cf. Ibid. p. 42. 37 TERTULIANO, Adv. Prax 6, 3; Adv. Herm. 45, 1; «Dehinc et sermonem prolatum per quem omnia

facta sunt et sine quo factum est nihil». 38 Adv. Prax 6, 3; dv. Adv. Herm. 23, 3; 39 Cf. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 106. 40 Referente a esta obra de Tertuliano vale a pena o comentário de F. CAYRÉ, Patrologia e storia

della teologia, p. 242. 41 Adv. Prax. 3, 4. 42 Adv. Prax. 7.

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species, formae, gradus43. É mérito de Tertuliano ter encontrado a fórmula

clássica: tres personae, una substantia, acenando para a consubstancialidade.

Outras fórmulas apresentadas por Tertuliano nem sempre possuem a mesma

exatidão, de modo que algumas limitações se dão mais na forma de exprimir-se

que no pensamento em si. Como faz notar Cayré: «o subordinacionismo que se

encontra em muitos lugares em Tertuliano concerne menos à natureza

propriamente dita do Filho ou do Espírito Santo que à origem destas Pessoas

ou o mistério que eles se atribuem ad extra»44

O problema de fundo para os apologistas do segundo século, consiste

basicamente em responder de modo satisfatório a três perguntas: como garantir a

universalidade da salvação em uma religião tão jovem como o cristianismo?

Como acolher o escândalo da cruz, no qual o crucificado é ao mesmo tempo

Deus? Como colocar junto o poder do demônio na perseguição dos cristãos com

a providência do único Deus bom? Segundo Studer a resposta para estas

desconcertantes perguntas deverão ser buscadas na Sagrada Escritura, segundo

a qual, existe uma história de salvação que abraça a criação inteira, e na qual o

Logos, por meio do qual Deus criou tudo o que existe, revela Deus mesmo a

todos os homens

.

45. Ao lado das três perguntas colocadas acima poderíamos

acrescentar uma outra: se Cristo é a revelação plena e única da salvação, o que

dizer da humanidade que o precedeu, por que o único salvador de todo o gênero

humano veio assim tão tarde? A resposta a esta divergente pergunta, se encontra

fundamentalmente no inicio da carta aos Hebreus. Deus desde sempre falou aos

homens. Primeiramente por meio dos profetas, finalmente através do Filho46

43 Adv. Prax. 2.

.

Deus criando o mundo através do Filho, o mantém constantemente em ordem por

44 F. CAYRÉ, Patrologia e storia delIa teologia, p. 251. 45 Cf. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 70. 46 Hb 1, 1-3 «Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas, agora,

nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos. É ele o resplendor de sua glória e a expressão do seu ser; sustenta o universo com o poder de sua palavra; e depois de ter realizado a purificação dos pecados, sentou-se nas alturas à direita da Majestade, tão superior aos anjos quanto o nome que herdou excede o deles».

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meio de sua palavra e liberta a cada homem de toda a sua culpa, por meio de

Cristo47. A teologia do Logos, porém, se de um lado, esclareceu a natureza

divino-humana de Cristo, de outro lado, não era isenta de problemas. Além de

fazer pouca referência ao Espírito Santo, e ao batismo de Jesus, onde este é

pleno do Espírito Santo para doar, mais tarde, este mesmo Espírito, a todos os

batizados. A dificuldade mais séria que a teologia do Logos devia

necessariamente encontrar é aquela em que o lógos-sarx do prólogo Joanino

viesse a ser entendido em sentido grego e o Logos fosse mais ou menos

abertamente constituído como princípio vital do homem Jesus48

A teologia do Logos fundada por Justino e demais apologistas

encontrará em Orígines seu complemento. Orígines é o primeiro a elaborar uma

teologia trinitária em sentido pleno

.

49. Em Orígines encontramos, sem dúvida,

uma resposta científica própria às exigências fundamentais dos cristãos do II e

III séculos50. Com o Teólogo de Alexandria, a Cristologia do Logos, com a qual

Justino buscou responder aos questionamentos de seu tempo, e da qual se

serviram substancialmente Irineu e Tertuliano, assume novos traços. O

problema de fundo da filosofia grega é a relação existente entre o uno e o

múltiplo. Na tentativa de resolver o problema, Orígines segue a via

neoplatônica51

47 Os apologistas e de modo especial Justino aprofundam em um duplo aspecto esta resposta

fundamental: de um lado, Justino estende a carta aos Hebreus à história de todos os povos. De um outro lado ele, e com ele os outros apologistas, identificaram claramente e em modo geral Cristo com o Logos. Cf. J. LEBRETON, Histoire du dogme de la Trinité, pp. 434 – 438.

. Para fazer a passagem entre o uno e o múltiplo requer-se uma

mediação que pertença a ambos os âmbitos, ou seja, um elo de ligação capaz

de ligar ambos os pólos. Segundo Orígines, em sua grande obra teológica Peri

48 CF. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 136. Este risco da teologia do Lo gos torna-se evidente pela primeira vez por volta do ano 260.

49 Cf. B. STUDER, «Discorso all’inaugurazione dell’Anno Accademico di S. Anselmo»: Mysterium Caritatis, p. 25.

50 Cf. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della Chiesa, p. 135. 51 É importante salientar que Orígines, assim como seu mestre Amônio Saccas, adota uma filosofia

eclética. Seu método permite um uso bastante largo da filosofia. Orígines não condivide do entusiasmo de Clemente pelos antigos, na qualidade de um filósofo muito perspicaz, Orígines se utiliza da filosofia para especular em torno da fé. Ver ainda, J. DENIS, La Philosophie d’Origene, Paris 1884, pp. 59 – 60; e F. CAYRÉ, Patrologia e storia delIa teologia, p. 208.

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Archón52, esta mediação trata-se do Filho. Ele é imagem do Pai, sabedoria e

palavra. Em comparação com o Pai, o Filho é sabedoria e seu conhecimento53.

Ao invés, em comparação com o mundo, ele é palavra, comunicação daquilo

que contempla e experimenta no Pai54

O Logos, ao externar-se possui uma dupla função. Esta dupla função

diz respeito à criação e à história da salvação. Na criação o Logos une Deus e o

mundo; através dele o mundo foi criado e n’Ele o mundo encontra o fundamento

de sua ordem

.

55. A salvação consiste na conservação do mundo. Assim como a

Encarnação está a serviço da salvação no sentido de conservação56. O Logos,

na história da salvação, novamente está por trás de todos os acontecimentos

humanos, onde nada passa despercebido à mediação do Logos57. Segundo

comentário de Basil Studer: «A mediação do Logos na criação e na história

significa mais precisamente revelação de Deus: participação salvífica da

verdade, introdução na subida em direção à eterna contemplação de Deus»58.

O grande teólogo alexandrino, não se limitou a uma fé comum no Pai, no Filho e

no Espírito Santo, segundo um ponto de vista, no qual, toda multiplicidade

proviesse de um só princípio e retornasse a ele. De modo explícito, Orígines

ensinou que o Pai, o Filho e o Espírito Santo constituem a Trindade divina.

Distintos entre eles e juntos no que diz respeito a todas as criaturas59. A

distinção recíproca das hipóstasis não se refere somente as suas atividades na

história da salvação. O Filho e o Espírito Santo não são apenas potências do

Pai, mas sim, são hipóstasis como o Pai60

52 Peri-Archón estabelece os princípios que são as bases da teologia. Esta grande síntese doutrinal

é a primeira vinda à luz na história da Igreja. Orígines a compõe em quatro livros. Ver F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p. 201.

. Para Orígines, a Trindade torna-se

conhecida em modo pleno com a Encarnação e a efusão do Espírito Santo.

53 PA I, 2, 2. 54 PA I, 2, 3. 55 PA II, 1, 3. 56 Cf. PA II, 6, 3. 57 Cf. PA II, 6, 1. 58 B. STUDER, Dio salvatore nei Padri della Chiesa, p. 121. 59 Cf. PA I, 3, 2; II, 4, 3. 60 Cf. Colo II, 10, 75.

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Com relação ao Espírito Santo, Orígines constata que a sua emanação é

mediada pelo Pai através do Filho (δια), dando assim um caráter de distinção

sobre o modo de proceder do Filho, mas concede ao Espírito Santo todos os

atributos divinos61. O Teólogo Alexandrino manifesta seu interesse pelo único

Deus que no Novo Testamento se revela como Trindade62. Embora o tema da

unidade entre as três pessoas da Trindade não seja tão evidente, apresentando

pontos débeis no que diz respeito ao vocabulário que não é fixo63: ousia,

designa, ordinariamente, a natureza, mas hipóstasis, que freqüentemente é

sinônimo de ousia, é em outros lugares tomado no sentido de pessoa; para

reagir ao modalismo, o Grande Teólogo alexandrino insiste demasiado sobre a

realidade das pessoas, onde a fórmula trés hipóstasis não deixa de ser

equivocada64. Orígines pensa a unidade da Trindade baseada, sobretudo, no

fato que o Pai é a arché, a fonte e a plenitude da vida divina. O Filho e o

Espírito Santo possuem a mesma divindade, mas somente por participação.

Neste sentido o Pai se constitui como único hó theós65. Como faz notar muito

bem Basil Studer, no que se refere ao tema da unidade divina. Orígines não

consegue escapar de um certo suborninacionismo. De um certo modo ele

admite uma graduação em Deus que se confirma tanto pela sua exegese de Is

6, como pela sua concessão do Logos como imagem de Deus, ou seja do Deus

visível e circunscrito66

.

61 PA. I, 3, 1 – 8; 4. As mais antiga tradição oriental não ignorava as duas doxologias: Glória Patri et

Filio et Spiritu Sancto que trionfará com os Nicenos e a outra Gloria Patri per Filium in Spirito Sancto que foi, no período das origens, mais frequentemente. Cf. AYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p. 214.

62 Cf. PA I, 3, 7. 63 G. BARDY, Didyme l’aveugle, Paris 1910, pp. 63 – 64. 64 F. CAYRÉ, Patrologia e storia della teologia, p. 214. 65 Cf. PA I, 2, 13; I, 3, 8. 66 Cf B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri delIa Chiesa, p. 127.

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3. A obra «De Trinitate» de Santo Agostinho

Duas disposições importantes para quem lê o De Trinitate devem ser

aquelas que tinha o próprio Agostinho: um piedoso leitor e um crítico

imparcial67. O Bispo de Hipona adverte, no entanto, que o primeiro, sendo

piedoso, não adira ao Autor. E o segundo, sendo crítico, não adira a si mesmo.

O primeiro não deve amar Agostinho mais que a fé católica, nem o segundo a si

mesmo. Dois defeitos são intoleráveis tanto para quem escreve quanto para

quem lê: a presunção de conhecer a verdade quando esta não é certa e a

presunção de defender o erro uma vez demonstrado a verdade68. Importante

que o primeiro leitor aprove o que lê porque o encontra segundo as Escrituras.

O mesmo diz respeito ao segundo. Que o critique não pelo mero gosto da

polêmica, senão que o critique com a autoridade das Sagradas Letras e com os

argumentos inerentes à razão humana69. Por fim, consciente da obra árdua que

está por empreender, Agostinho sente a necessidade de dizer uma palavra aos

menos providos de seus leitores, aqueles que chegam tarde. Alguém dentre

estes «poderão opinar que eu disse o que não disse ou que não disse o que

disse. Seguindo meus passos, enquanto me vejo obrigado a caminhar em vias

obscuras e perigosas, não compreenderam e caíram no erro»70

A composição da obra De Trinitate é fruto de uma longa história. Em

415 Agostinho escreve ao amigo Evódio: «Neste momento, nem sequer quero

continuar os livros sobre a Trindade que há tempo trago nas mãos e que ainda

não concluí. Dão-me demasiada fadiga, e imagino que são poucos aqueles que

o entenderam, mas segundo minha esperança serão úteis a muitos»

. Conclui o

Santo que estes erros não podem ser imputados a ele, assim como não podem

ser imputados às Escrituras os erros dos hereges.

71

67 De Trin. III, 2.

. Outra de

68 De Trin. II, 1. 69 De Trin. III, Prólogo 2. 70 De Trin. I, 3, 6. 71 Ep. 169, 1, 1.

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suas cartas, a de número 174, endereçada a Aurélio, Bispo de Cartago, assim

expressa o Santo: «jovem comecei e velho acabo de editar uns livros acerca da

Trindade72». Opus tam laboriosum73. A composição do De Trinitate durou

muitos anos e é fruto de um longo e agitado trabalho. A obra foi completada em

dois tempos: livros I – XIl e livros XIII – XV; a primeira parte, precisamente os 12

livros foram publicados sem a permissão de Agostinho74. Podemos indicar o

início do De Trinitate em 399, que segundo Trapé, coincide com o livro 13 das

Confissões, onde acena, pela primeira vez, a uma explicação psicológica da

Trindade e que vai ocupar muitos livros da obra sobre a Trindade. A Carta de

número 143, dirigida a Marcelino75, nos oferece uma preciosa informação sobre

a redação parcial do De Trinitate. Indicar a redação final, porém, é menos

fácil76. Bonnardière77 sustenta que a composição do livro XV seria depois do

ano 420, colocando a redação final entre os anos 420 e 426, acrescentando

alguns anos à data fixada por Hendrikx em 41978. As Retratações de Agostinho

podem esclarecer a questão, e neste sentido a última redação do De Trinitate

oscila entre 420 – 426, dando razão a Bonnardière79

Na origem do De Trinitate estão presentes necessidades polêmicas,

sobretudo, com relação aos arianos

.

80

72 Ep. 174. «De Trinitate, quae Deus summus et verus est, libros iuvenis inchoavi, senex edidi».

, grupo com quem esteve envolvido

polemicamente em torno de 418 e mais tarde nos anos 427-8. Porém, mesmo

respondendo aos argumentos escritos ou racionais dos arianos, a motivação

73 Ep. 174. 74 Ep. 174; Retract. 2, 15, 1. 75 Ep. 143, 4. 76 A redação final compreende o término da obra (uma parte do livro XII e todos os livros XIII – XV),

acrescentada dos prólogos aos primeiros livros e a revisão geral. 77 A. M. BONNARDIÈRE, Recherche de chronologie augustinienne, Paris 1965. 78 E. HENDRIKX, Introduction, p. 13. 79 Cf. TRAPÉ, Introduzione, p. XlII. 80 M. SIMONETTI, «S. Agostino e gli Ariani»: Revue des Études Augustiniennes XIII 1-2 (1967), pp.

55 – 84; L. ARIAS, Introducción, pp. 7 – 18; E. FALQUE, «Saint Augustin ou comment Dieu entre en Théologie. Lecture critique des livres V – VII du DE TRINITATE»: Nouvelle revue théologique 117 (1995), pp. 84 – 111, segundo a conclusão de Sesboüé: uma utilização imediata dos esquemas do pensamento grego conduz em pensar o Filho ao lado das criaturas. Ora, a fé cristã sempre pensou ao lado de Deus». B. SESBOÜE, Jésus – Christ dans la tradition de l’Église, Paris 1982, p. 102.

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mística é a mais importante e também a mais pessoal81. O Tratado De Trinitate

busca uma resposta satisfatória para aquele antigo desejo presente nos

SoIilóquios: «Conhecer a Deus e conhecer a alma»82. Quase todas as páginas

do De Trinitate são perpassadas por duas necessidades do Santo: aprofundar o

conteúdo da fé e subir sempre mais alto rumo à contemplação da verdade

revelada83. Diferente da maioria das suas obras que foram escritas ou por

motivos pastorais, ou por motivos polêmicos, ou ainda, por pedido de amigos84,

o De Trinitate é uma exceção. Agostinho não escreve o De Trinitate por motivos

pastorais porque os livros sobre a Trindade seriam dificilmente compreendidos.

Em suas Confissões escreve: «Rara é a alma que falando da Trindade sabe de

que coisa fala»85. Tampouco escreve por motivos polêmicos, já que a grande

polêmica trinitária fazia parte de um passado relativamente distante86. A origem

do De Trinitate encontra-se no ânimo do próprio Agostinho: psicólogo, teólogo,

filósofo, místico. Profundo conhecedor do ser humano, o Bispo de Hipona busca

mostrar o mistério trinitário através das criaturas e de modo especial do ser

humano imagem da Trindade87

81 A. MANDOUZE, «Saint Augustin et son Dieu: les sens et la perception mystique»: La Vie Spirituelle

50 (1959); A. TRAPÉ, S. Agostino: L’uomo, il pastore, il mistico, Editrice Esperienze, 1976; Introduzione, p. XVIII ss; S. GONZÁLVEZ, Introducción a la contemplación y conocimento místico de Dios en el “De Trinitate de San Agustin, sobretudo a introdução; G. MADEC, Le Dieu d’Angustin, Paris 2000, pp. 92 – 93.

.

82 Sol. I, 2, 7. 83 Cf. ENDRIKX, Introduction, p. 7. 84 Cf. TRAPÉ, Introduzione..., p. XIII, cf. Retract. 2, 15; Ep. 174; E. E. HENDRIKX, Introduction, pp. 7ss. 85 Conf. XIII, 11, 12. «Trinitatem omnipotentem quis intelleget? Et quis non Ioquitur eam, si tamem

eam? Rara anima quae, cumque de illa loquitur, scit quod loquitur». 86 F. BOURASSA, «Théologie trinitaire chez saint Augustin», p. 691; ver também F. A. PASTOR,

«Quaerentes Summum Deum»: Gregorianum 81/3 (2000), pp. 453 – 491; G. MADEC, Le Dieu d’Augustin, B. STUDER, «Discorso alI’inaugurazione deII’Anno Accademico di S. Anselmo, 12 ottobre 1998: Mysterium Caritatis, pp. 23 – 33; «Deus, Pater et Dominus bei Augustinus von Hippo»: Mysterium Caritatis, pp. 265 – 289; «La teologia trinitaria in Agostino d’Ippona»: Mysterium Caritatis, pp. 291 – 310; «THE 1996 SAINT AUGUSTINE LECTURE, History and faith in Augustine’s De Trinitate»: Mysterium Caritatis, pp. 329 – 373.

87 H. SOMERS, «L’image come Sagesse. La genèse de la notion trinitaire de la sagesse»: Recherches Augustiniennes II (1962), pp. 403 – 414; Ch. BOYER, L’image de la Trinité synthèse de la pensée augustinienne: essais anciens et nouveaux de la doctrine de saint Augustin, Milano 1970; «L’image de Ia Trinité. Synthèse de la pensée augustinienne»: Gregorianum 27 (1946), pp. 173 – 199; M. SCIACCA; San Augustín, Barcelona, 1995; W. GUNDERSDORF, «La simplidad de Dios en el pensamiento agustiniano»: Augustinus 73 – 74 (1974), pp. 45 – 52; C. D. LASA,

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As questões teológicas que estão presentes na mente de Agostinho e

que requerem um esclarecimento são, de modo especial, três: a primeira diz

respeito à raiz mesma do mistério, ou seja: porque ao confessar que na

Trindade o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, não podemos

dizer que são três deuses, mas um só, único e verdadeiro Deus88? A segunda

pergunta trata-se das operações ad extra. Se as operações ad extra do Pai, do

Filho e do Espírito Santo são «inseparabiliter» às três divinas pessoas; como

dizemos que apenas o Filho se encarnou? Por que somente se ouve a voz do

Pai? Por que unicamente o Espírito Santo aparece como pomba89? A terceira

interrogação diz respeito ao Espírito Santo. Quais são na Trindade as

propriedades pessoais do Espírito Santo. Por que o Espírito Santo que procede

do Pai e do Filho procede como expiração e não é engendrado por eles90? O

Bispo de Hipona propõe a dificuldade ainda no Livro primeiro: «Como o Espírito

Santo pertence à Trindade, não sendo engendrado pelo Pai, nem pelo Filho,

nem por ambos... Ensaiaremos responder a estas dificuldades»91

«Interioridad y palabra en san Augustín de Hipona»: Augustinus 180/181 (2001), pp. 55 – 84. V. CAPÁNAGA, «La doctrina agustiniana sobre Ia intuición»: Religión y Cultura 15 (1931), pp. 8 – 109. R. FERRI, «Mens, ratio, intellectus, en los diáIogos primeros de Agustín»: Augustinus XLII 168 – 169 (1998): p. 45 – 46; R. JOLIVET, Dieu, soleil des esprits. La doctrine augustienne de l’ilIumination, Paris 1934; M. C. DOLBY, «El hombre como imagem de Dios»: Augustinus 133/134 (1989); M. A TABET, «La expressión imago Dei (Gen. 1, 26 – 27) en la reflexión agustiniana»: Editorial Augustinus 149 (1993), pp. 469 – 479.

. Coloca o

problema no Livro segundo, porém, não dá a solução... «O trataremos em outro

88 De Trin. I, 5, 8. 89 Ibid. 90 De Trin. I, 5, 8. Cf. A. Trapé, Introduzione, p. XlII. Tais questões já estavam mais ou menos

presentes na mente de Agostinho, senão desde a sua conversão, ao menos desde o seu sacerdócio. Remetemos ao que escreve o Santo na Ep. 11, 2 e no De fide et symbolo 9, 19. Segundo GONZÁLEZ: «Para explicar Ia distinción entre el origen del Hijo y del Espíritu Santo, San Agustín acude, de nuevo, como el en el aspecto filosófico, a la semejanza o analogía antropológica. El Hijo procede del Padre como la inteligencia; el Espíritu Santo procede del Padre, como la voluntad de la mente. No solo el Padre, sino también el Hijo es principio del Espíritu Santo. Preocupa al Santo Doctor esta dificultad talvez la más profunda del misterio trinitário – durante toda Ia obra. Hasta el fin del libro quince del “De Trinitate”, se pregunta por que el Espíritu Santo no es Hijo y halla dificultad al responder». S. GONZÁLVEZ, Introducción a la contemplación y conocimiento místico de Dios en el “De Trinitate de San Agustín (Libro Vlll), Valladolid 1989, p. 40.

91 De Trin. I, 5, 8.

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lugar, com a ajuda de Deus e na medida de sua doação»92. Faz um pequeno

aceno no Livro quinto: «Não é leviano problema averiguar se o Pai é também

princípio com relação ao Espírito Santo»93. No Livro nono, com uma certa

abrangência, retoma novamente o problema e aponta uma ligeira solução. «O

que é o amor? É imagem? Palavra engendrada? Por que do Espírito Santo não

se diz engendrado por Deus Pai, nem se chama Filho seu»94? A mente

engendra sua notícia quando se conhece e não engendra seu amor quando se

ama95? E mais adiante escreve: «É evidente que todo objeto conhecido

coengendra em nós sua notícia. Ambos, conhecedor e conhecido engendram o

conhecimento»96. O amor é uma inclinação, não uma expressão. O amor é uma

doação e pode existir ainda antes de ser dado97. O Espírito Santo procede

como amor e por isto não é engendrado, porque o amor não é imagem e sim

peso, dom, comunhão. O Bispo de Hipona no princípio do De Trinitate pretende

estudar minuciosamente a diferença entre geração e processão e o faz

gradativamente. Sua opinião definitiva virá no Livro quinze: «O Espírito Santo

nunca foi definido pelo Filho como engendrado pelo Pai – seria então seu irmão

– mas como procedente do Pai. Sendo Espírito de ambos, à semelhança de

uma comunhão consubstancial ao Pai e ao Filho»98. Segundo o comentário de

Sciacca: «Para constatar que não há geração na Trindade no que diz respeito à

origem do Espírito Santo, porque o Espírito Santo é amor, e o amor como

desejo do conhecimento de sí é “anterior” a geração do auto-conhecimento99

Agostinho pretende começar de onde outros terminaram. A teologia

pós-nicena havia demonstrado contra os arianos duas verdades de fundo: a

divindade do Filho e a divindade do Espírito Santo. Com isto a teologia trinitária,

.

92 De Trin. II, 3, 5. 93 De Trin. V, 14, 15. 94 De Trin. IX, 12, 17. 95 De Trin. IX, 12, 17. 96 Ibid. 97 De Trin. V, 15, 16. 98 De Trin. XV, 27, 50. 99 F. SCIACCA, «Trinité et unité de I’esprit»: Augustinus magister I (1956), p. 531.

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de um certo modo havia esclarecido os termos do mistério. Não havia

esclarecido, no entanto, alguns questionamentos que a razão fazia à fé. O

Bispo de Hipona pretende esclarecer tais questionamentos. Antes de começar

sua obra, Agostinho se pergunta se não bastam aquelas escritas por outros

sobre o assunto100. Ele prefere ler as obras de outros a escrever a sua própria.

Mas confessa de não encontrar, ao menos em latim101, já que não havia muita

prática do grego, de modo que não podia valer-se da língua helênica como

gostaria102. O conhecimento da Trindade que busca Agostinho é, sobretudo, um

conhecimento vivencial e afetivo. Recorda no início do De Trinitate que, quando

se trata do mistério trinitário, nenhum erro é tão perigoso, nenhuma procura tão

cansativa nenhuma descoberta tão frutuosa103. Os frutos são de renovamento

interior, de alegria, de contemplação. O longo itinerário do De Trinitate quer ser

para o leitor não somente um exercício intelectual, mas sobretudo, espiritual104.

Um itinerário de introspeção, purificação e ascese que permita à criatura fazer a

experiência de seu Criador, que lhe permita fazer o caminho da imagem ao

exemplar. É na sabedoria, onde a imagem da Trindade se faz mais luminosa e

autêntica. Sabedoria esta que não é apenas cognição, mas conhecimento e

amor juntos, fruição e louvor. A sabedoria será perfeita na visão imediata de

Deus, quando a semelhança entre imagem, que somos nós, e exemplar, que é

Deus, será perfeita105

100 De Trin. III, 1.

. No fim da obra aparece uma oração que revela a alma

101 Primeiro de Nicéia recordamos as obras de Tertuliano (Adversus Praxeam) e de Novaziano (De Trinitate). Depois de Nicéia escreveram sobre a Trindade, Hilário (De Trinitate libri XlI), Ambrozio (De Spiritu Sancto libri III; De fide ad Gratianum libri V), Eusebio de Verceli (De Trinitate libri VlII). Uma outra obra importante é a de MARIUS VICTORINUS, De Trinitate, in Sources Chrétiens, (nn. 68 – 69), ed. Bilingüe, Traités théologiques sur Ia Trinité commentaire para Pierre HADOT, Les éditions du Cerf, Paris 1960. Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XIII.

102 Cf. De Trin. III, 1. Segundo Trapé: «Os Padres gregos escreveram sobre a Trindade antes e depois de Nicéia. Recordamos aqui nomes como de Atanásio, Dídimo o Cego e dos Capadócios. «In realtà i Padri greci avevano scritto molto intorno alla Trinità; ma neppure te loro opere rendevano superflua quella del vescovo d’Ippona. Tutt’altro! Siamo convinti che se anche le avesse avute tutte a sua disposizione e le avesse potute leggere con la facilità che desiderava, avrebbe scritto ugualmente la sua». Cf. Ibid. p. XI.

103 De Trin. I, 3, 5. 104 Cf. De Trin. XV, 1, 1. 105 De Trin. XIV, 17, 23.

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contemplativa do Bispo de Hipona e a disposição com que sustentara o longo

caminho fatigoso106. Agostinho junta a perspicácia do teólogo e o ardor do

místico. Estes dois aspectos constituem a beleza da obra. Ele está convencido

que o fim último da vida humana é o gozo de Deus Trindade, a cuja imagem

fomos criados107. De modo que tudo quanto vive no homem deve referir-se à

recordação, à visão e ao amor desta Trindade, de modo a fazê-la presente em

si, contemplá-la e deleitar-se nessa108

4. Método utilizado por Santo Agostinho

.

O método do De Trinitate fundamenta-se em quatro elementos

principais que caracterizam a teologia agostiniana109. Agostinho leu todos os

livros que pôde sobre a Trindade que foram escritos por autores católicos. Para

ele um ponto indiscutível é o ensinamento da Igreja. A teologia trinitária do

Bispo de Hipona, parte desta verdade: «Esta é a minha fé, pois é a fé

católica»110. Outro elemento importante é que o ensino da fé emerge do estudo

das Escrituras, daí o apreço do Santo pelas Sagradas Letras, buscando sempre

entender os textos escriturísticos em um modo unitário, evitando sempre

interpretações unilaterais. «O De Trinitate nos oferece um excelente exemplo de

teologia bíblica trinitária»111

106 De Trin. XV, 28, 51.

. O apreço às Escrituras é o primeiro passo na

metodologia teológica agostiniana, que se destaca no conjunto de todas as

suas obras, também no De Trinitate: «Investigar nas fontes da Revelação e não

107 De Trin. I, 8, 17. 108 Cf. De Trin. XV, 21, 40. 109 Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XII; cf. E. HENDRIKX, Introduction, p. 14; Segundo Trapé, em sua

introdução à obra sobre a Trindade assim enumera os passos de Agostinho: a) humildade e firme adesão à fé, e por isto à autoridade de Jesus Cristo, que é única, mas que se manifesta em concreto na autoridade da Escritura, da Tradição e da Igreja: b) ardente desejo de conhecer o conteúdo da fé e portanto, aplicação assídua ao estudo da Escritura, da história, da filosofia; c) sentido profundo do mistério, que quer dizer sentido da transcendência divina e dos limites da nossa razão; d) subordinação constante da ciência teológica à caridade e à contemplação, isto é, íntima união entre teologia e vida. Ibid. P. XII.

110 De Trin. I, 4, 7. «Haec et mea fides est, quando haec est catholica fides». 111 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XII.

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sair nunca. Assim, nosso conhecimento será aquele que Deus nos revelou, e

não meramente um conhecimento que podemos construir à base de nossa

ciência simplesmente humana. Não será uma metafísica da religião, mas sim

uma inteligência da Revelação»112. Esta inteligência da Revelação, no entanto,

não deve ser entendida somente como fruto de uma investigação das fontes

para chegar à certeza da existência do mistério. É importante a fé, por meio

dela obtém-se a segurança, fundada na autoridade divina, de que é assim

mesmo. Ou seja, a inteligência da fé possui um caminho a percorrer, qual seja,

a apreensão do objeto enquanto este se possa dar-se-nos113

A teologia não é somente um trabalho positivo de esforço exegético

literal, mas deve possuir algo mais, sob pena de reduzir-se a um catálogo de

verdades. O método agostiniano postula a síntese entre uma fé que busca a

compreensão dos mistérios e ao mesmo tempo o uso de conceitos obtidos pela

via natural, filosófica. Este segundo passo da metodologia teológica usada por

Agostinho na obra que nos ocupa está expressado do seguinte modo: temos

que evitar que a alma quando crê, finja ser algo irreal

.

114. E porque pretendemos

compreender, quanto é possível, a eternidade, igualdade e unidade da

Trindade, antes de entender é preciso crer e vigiar para que nossa fé não seja

falsa115. O que se busca é isto: por meio de que semelhanças e comparações

conhecidas cremos116. Daí se deduz a importância do sentido analógico. O

Bispo de Hipona emprega a analogia no De Trinitate em muitos sentidos. Cayré

reduz a três grupos as imagens apresentadas por Agostinho: a) refere-se à

«atividade natural» do homem (livros IX, X, XI); b) as que olham à «atividade

moral» do cristão (livros XII e XIII); c) a «sabedoria sobrenatural» (livro XIV)117

112 S. GONZÁLEZ, «El concepto y método de la teología en De Trinitate de San Agustín»: Augustinus

1 (1956) p. 393.

.

113 Ibid. p. 394. 114 De Trin. VIII, 4, 6. 115 De Trin. VIII, 4, 8. 116 DeTrin. VIII, 4, 8. 117 As séries de imagens utilizadas por Agostinho no De Trinitate: 1) ‘Amans, amatus (quod amatur),

amor (De Trin. VIII, 10, 14; IX, 2, 2; 2) ‘Mens, notitia, amor (De Trin. IX, 4, 4); 3) ‘memoria (sui),

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Agostinho aplica diversas classes de analogias; desde a de simples atribuição

extrínseca verbal, até a mais rigorosa e científica, de proporcionalidade

própria118. Todo este trabalho de especulação sobre o mistério, é ascender de

analogia em analogia, suposta a existência de vestígios de Deus nas criaturas.

«É, pois, necessário conhecer o Fazedor pelas criaturas e descobrir nestas, em

uma certa e digna proporção, o vestígio da Trindade»119

Não encontramos em Santo Agostinho um desenvolvimento rigoroso da

teologia como ciência, assim como nos ofereceu Santo Tomás séculos mais tarde.

A racionalidade de Agostinho não é aquela aristotélica. Não devemos supor, no

entanto, que o Bispo de Hipona favoreça um conceito de teologia que poderia ser

chamado exclusivamente místico, e muito menos ainda irracional. É indubitável,

que o Bispo de Hipona põe em movimento a predicação analógica, e assim realiza

um trabalho científico da verdade revelada. Um aspecto característico na

metodologia agostiniana é aquele que se refere ao conhecimento sapiencial e ao

influxo da vontade neste conhecimento

. É por isto que o livro

VI começa a realizar esta ascensão à Trindade através das semelhanças que

vai descobrindo neste mundo, de coisas que são uma e encerram três.

120. A sabedoria da qual fala no De Trinitate

se refere tanto a um conhecimento adquirido pelas próprias forças, como de uma

contemplação concedida por Deus. Em ambos aspectos deste conhecimento,

Agostinho não se esquece da importância da vontade121

intelligentia (sui), voluntas (sui) (De Trin. X, 11, 17); 4) Res (visio), Visio (exterior), intentio (De Trin. Xl, 2, 2); 5) memoria (sensibilis), visio (interior), volitio (De Trin. XI, 2, 6); 6) memoria (intellectus), scientia, voluntas (De Trin. XII, 15, 25); 7) Scientia fidei, cogitatio, amor (De Trin. XIII, 20, 26); 8) memoria Dei, intelligentia Dei, amor in Deum (De Trin. XIV, 12, 15). F. CAYRÉ, La contemplation augustinienne. Principes de spiritualité et de théologie, Paris-Bruges 1974, p. 13.

. Nosso Doutor identifica a

sabedoria com a piedade. «Sempre introduz a esta sabedoria o elemento da

118 Cf. S. GONZÁLEZ, «El concepto y método de la teología», p. 395. 119 De Trin. VI, 10, 12. 120 Cf. S. GONZÁLEZ, «El concepto y método de Ia teología», p. 396. 121 «De aquí que en este último paso del conocimiento divino, tal como lo concibe San Agustín, entre

con mucho el impulso de la voluntad, no sólo ni precisamente porque las verdades de la fe no sean evidentes y precisa un acto de Ia voluntad, que incline a creer; aquí no se trata del asentimiento, sino de la intelligentia, sino porque sólo se conoce bien aquello que se ama. E Para Agustín (es una constante de su vida e de su obra) no hay mejor modo de acercarse a Dios, que el deI amor verdadero». S. GONZÁLEZ, Op. cit., p. 397.

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santidade, da retitude, da obediência e do culto a Deus»122. A sabedoria é

participação da luz suprema, e não por sua própria luz. Neste sentido a sabedoria

do homem é também sabedoria de Deus, somente então é verdadeira: porque se é

humana, é vaidade123

122 Ibid. p. 397.

.

123 De Trin. XIV, 12, 15.

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37

II

REVELAÇÃO DO MISTÉRIO – «Tota Trinitas invisibilis»

Este segundo capítulo trata sobre a revelação do mistério da Trindade.

Já no primeiro livro, do De Trinitate, Agostinho aborda a unidade e a igualdade

da Santíssima Trindade segundo as Sagradas Letras. Este mesmo argumento

persiste nos livros sucessivos1. Os textos Sacros do primeiro livro contêm uma

magnífica profissão de fé: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, de uma mesma e

idêntica substância, insinuam uma inseparável igualdade e unicidade divina, em

conseqüência não são três deuses, senão um só Deus. E ainda que o Pai tenha

engendrado um Filho, o Filho não é o Pai. E mesmo que o Filho tenha sido

engendrado pelo Pai, o Pai não é o Filho. E o Espírito Santo não é nem o Pai

nem o Filho, mas sim, o Espírito do Pai e do Filho, ao Pai e ao Filho co-igual e

partícipe da unidade trina2. No livro segundo o Santo Doutor afronta o problema

da invisibilidade de Deus e das teofanias3. O terceiro livro debate a questão do

sujeito ou dos intermediários das teofanias: trata-se de uma criatura, criada

propriamente para revelar Deus aos olhos do homem, ou de anjos que já

existiam, mandados em nome de Deus4? O livro quarto fornece uma explicação

das missões divinas. Embora no Pai se encontre a origem da missão, a

Trindade sempre opera inseparavelmente. Nas últimas páginas do quarto

capítulo. Agostinho ilustra este fundamental princípio trinitário5

1 De Trin. XV, 3, 5.

.

2 De Trin. I, 4, 7. 3 De Trin. II, 8, 14; III, 10, 21; ver ainda E. BAILLEUX, «Christologie de Saint Augustin dans le De

Trinitate», p. 221; G. MADEC, «La meditación trinitaria de Agustín», pp. 218 – 220; J. LEBRETON, «Saint Augustin théologien de la Trinité. Son exégèse des théophanies»: Miscellanea Agostiniana 2 (1930), pp. 821 – 836; G. LEGEAY, «L’ange et les théophanies, d’après la doctrine des Pères»: Revue Thomiste 10 (1902), pp. 138 – 158; 11(1903), pp. 46 – 69; pp. 125 – 134.

4 De Trin. III, 1, 4. 5 De Trin. IV, 21, 30.

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1. Em busca da Trindade

Algumas vozes claras e fortes dão testemunho de Deus criador e

governador de todo o criado6: uma primeira poderíamos chamar de voz da

natureza, ou ainda, de uma ordem universal presente na natureza. A Segunda,

voz da consciência, que convida e interpela o homem a servir a um Ser

superior, enquanto causa de tudo quanto existe. E por última, a do gênero

humano, ao culto e à prática religiosa. A criação, portanto, vem considerada

como uma doação íntegra e absoluta dos seres com todos os elementos que a

integram. E, olhando a partir do ângulo da criatura, é a recepção total de tudo

quanto se possui. O mundo não foi criado no passado, Deus o cria atualmente,

no sentido que cada criatura é objeto da sua livre vontade e amorosamente

querida por Ele. Por isto que Deus Cria o mundo amando. Segundo Bailleux, «a

criação é uma obra da sabedoria eterna, realmente idêntica ao ser de Deus. A

sabedoria não é somente o princípio desta ordem: é isto que ele conhece em si

mesmo, Deus que escolhe de querer e de amar»7. Deus é o Criador de todas as

coisas, e tudo o que existe é fruto de sua vontade8. É ele a causa suprema de

todas as coisas. «A causa primeira e suprema de todas as formas e moções

corpóreas é sempre a vontade de Deus. Nada acontece visível e sensivelmente

nesta dilatada república da criação que não seja ou permitido, ou imperado

desde o invisível e inteligível alcançar do supremo Imperador, segundo a

inefável justiça dos prêmios e castigos, das graças e retribuições9

6 J. F. V. NÚÑEZ, em um artigo escrito sobre a criação segundo Santo Agostinho afirma que: O

problema da criação coloca os problemas das relações entre o Criador e a criatura, entre o eterno e o temporal, entre a natureza de Deus e a do mundo e, em último caso, entre o saber do homem sobre um e outro, sobre o mundo e sobre Deus. Tal tema não pode, portanto, limitar-se a ser tratado sobre o que foi no princípio, já que ficam implicados de uma maneira ou outra, todos os problemas relativos às relações entre Deus e o mundo. Cf. J. F. V. NÚÑEZ, «La idea de creación según San Agustín», p. 19.

». O universo

agostiniano é um universo inteiramente ordenado segundo um modelo

7 É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 194. 8 Deus Cria o universo e o conserva através de seu Verbo na potência do Espírito. Cf. G. PETERS, I

Padri della Chiesa, Roma 1984, p. 471. 9 De Trin. III, 4, 9.

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harmônico pensado por Deus. Toda a criação foi pensada segundo uma idéia

de ordem, de bondade10, de beleza e de fecundidade que deriva de Deus. É

esta idéia porque criadas por Deus. A idéia de uma lei harmônica e ordenada,

de um cosmos enquanto um conjunto que se move tranqüilamente segundo

determinadas leis está presente em toda a filosofia da Idade Média, e,

conseqüentemente, a filosofia do medievo está carregada de um grande

otimismo metafísico. A experiência da vida, no entanto, nos mostra que ao lado

desta real idade harmônica e ordenada, que chamamos kósmos, muitas vezes

se sobrepõe uma outra realidade, o caos. Diante desta realidade caótica que

incomoda e assola toda a criação, e angustia o ser humano de modo particular,

uma questão é importante e se faz necessária: o problema do mal11 e da morte.

De onde vem o mal12

10 Na Cidade de Deus assim se expressa «Naturae igitur omnes, quoniam sunt, et ideo habent

modum suum, speciem suam, et quandam secum pacem suam, profecto bonae sunt». Civ. Dei. XII, 5.

? Por que existe a morte? Agostinho de fato fez a

11 Cf. Gn 2,17. Ao problema da criação vem relacionado o grande problema do mal. Se tudo provém de Deus, que é Bom, de onde provém o mal? O problema do mal pode ser colocado em três níveis: a) metafísico – ontológico: no cosmo não existe mal, mas existem somente graus inferiores de ser respeito a Deus, que são dependentes da finitude das coisas criadas e dos diferentes níveis desta tinitude; b) mal moral: é o pecado, que depende da vontade má. A vontade má não possui uma causa eficiente, ao contrário, uma causa deficiente. A vontade, pela sua natureza deveria tender ao Bem Sumo. Mas, porque existem muitos bens criados e finitos, a vontade pode tender a estes, e, destruir a ordem hierárquica, preferindo a criatura a Deus, os bens inferiores àqueles superiores. Se assim é, o mal resulta do fato que não existe um único Bem, mas que existem muitos bens, e consiste, precisamente, em uma escolha errada entre estes. O mal moral é, portanto, uma aversio a Deo e uma conversio ad creaturam, é a escolha de um ser inferior, invés do Bem Supremo. O fato de ter recebido de Deus uma vontade livre é um grande bem. O mal é o cativo uso deste grande bem; c) o mal físico: conseqüência do pecado original. Cf. REALE & D. ANTISERI, Storia della Filosofia: Dall’antichità al Medioevo – Filosofia Patristica e Scolastica. Brescia 1997, p. 482.

12 Entre os filósofos antigos o problema do mal, mesmo sendo importante, nunca foi o tema central de suas obras. Cf. F. FlORENTINO, «Il Male in Aristotele e in Platone»: Sapienza 51 (1998), p. 381 – 397. Necessita chegar a Proclo, para termos uma produção deste gênero, que preanuncia o tema do mal já no título, il De malorum subsistentia. Tomás que comentou o de Divinis nominibus do pseudo-Dionisio, inspira-se neste para escrever la Quaestio disputata de Malo. Cf. S. THOMAE AQUINATIS, In librum beati Dionysii De divinis nominibus, traduzido por Ceslao Pera Marietti, Torino – Roma, 1950. Os dois grandes filósofos da antigüidade, Platão e Aristóteles, forneceram à razão as coordenadas fundamentais que, através de Dionisio chegará depois a Tomás, o qual, como a firma Sertillanges, estruturará racionalmente todas estas teses em uma síntese unitária com extrema coerência. A. SERTILLANGES, Le problème du mal, Paris 1948, vol. 1, p. 196. Mas antes de Tomás de Aquino, é importante considerar Agostinho que foi em um certo modo um de seus mestres. «O medievo teve o olhar fixo sobre os pontos chaves que Santo

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experiência da morte em diversas circunstâncias de sua vida. Quando criança,

esteve gravemente doente a ponto de estar à beira da morte13. Mais tarde fez a

triste experiência da morte de seu melhor amigo14. Também a morte de sua

mãe foi uma experiência muito dura para ele15. Os estudiosos de Santo

Agostinho já desde a antiguidade estabeleceram uma série de discursos acerca

da natureza e da importância da filosofia neoplatônica16 como solução ao

problema do mal. Importante ressaltar, no entanto, que o neoplatonismo não foi

a primeira filosofia utilizada por Agostinho. Como afirma Warren Matthews, «Em

sua atitude sofisticada como aluno de Cícero, rechaçava o que ele considerava

uma vulgaridade das Sagradas Escrituras que sua piedosa mãe havia tratado

de inculcar-lhe. E enquanto pôde ter um certo ponto de vista do mundo desde a

influência estóica de Cícero, acreditou que havia encontrado a solução para o

seu problema ao entrar com os maniqueus»17

Agostinho havia indicado no mistério da graça e da liberdade e no mistério do mal e da morte». Cf. J. MARITAIN, Humanisme intégral, Paris 1936, p. 20; ed. Italiana, Borla, Torino, 1962.

. Segundo a opinião agostiniana

acerca da doutrina maniquéia, Deus em parte está livre do mal, e em parte se

vê implicado nele e incapaz de liberar-se. O mal deveria servir de castigo,

porém, o mal e a obscuridade deveriam ser destruídos, de modo que, os

13 Cf. Conf. I, 11, 17. «Tu viste, Senhor, quando eu era ainda criança que um dia improvisadamente tive uma febre por causa de uma oclusão intestinal e estava quase morrendo...».

14 Conf. IV, 3, 5. 15 Conf. IX, 12, 33. 16 Na sua obra de maturidade Civitate Dei, Agostinho reafirma sua grande estima por Platão e pelos

neoplatônicos. Tanto quanto é possível, mostra a harmonia entre platonismo e cristianismo. Por outro lado Agostinho é consciente de que, conforme os princípios mais importantes do Cristianismo como: a encarnação de Cristo, mediador entre Deus e os homens, havia posições distintas entre as duas correntes. Agostinho apoiava-se em Cristo e na sua Igreja, porém, quando as doutrinas platônicas podiam ser-lhe úteis, recorria com prazer a elas. Cf. W. MATHEWS, «El neoplatonismo como solución agustiniana al problema del mal», p. 354. No capitulo oitavo De civitate Dei, afirma claramente que os platônicos são superiores a todos os demais filósofos. Platão sustentava que a vida virtuosa é o fim próprio do homem e falou de Deus mais que das causas do mundo. Em outra passagem do mesmo livro encontra uma grande semelhança entre Platão e o Antigo Testamento e afirma que o filósofo é aquele que atua a Deus. Civ. Dei. VIII, 12. Sobre a influência do pensamento platônico e neoplatônico no Cristianismo sugerimos algumas indicações: È. DES PLACES, Platonismo e tradizione cristiana, Milano 1976; P. LUCENTINI, Platonismo Medioevale. Contributi per la Storia dell’Eriugenismo, Firenze 1979; D. J. O’MERA, Neoplatonism and Christian Thought, Norfolk 1982; W. BEIERWALTES, Platonismo nel Cristianismo, Milano 2000, Introduzione di Giovanni Reale, traduzione di Mauro Falcioni.

17 W. MATTHEWS, op. cit., p. 340.

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habitantes da luz pudessem desfrutar de um descanso eterno18. Decepcionado

com a teoria de Manes, Agostinho abandona o Maniqueísmo, e encontra no

platonismo19 e na leitura de São Paulo uma resposta satisfatória para as suas

dúvidas20. Iluminado pela filosofia platônica, ele compreendeu que o mal não é

um ser, mas falta de ser. O mal consiste em escolher o não ser. O mal então,

consiste em uma privação de bem21. Concebido como um não-ser, o mal é

privado de qualquer consistência efetiva, e sobre ele não se pode predicar além

que o nada22

18 Ibid. p. 340.

. Consequentemente o mal não pode ser considerado uma

substância, porque se fosse tal, seria um bem. O verdadeiro mal, princípio dos

outros males é o pecado que consiste na ausência do amor de Deus. O pecado,

isto é, o mal moral, apresenta duas características no homem: a liberdade e a

vontade. Todavia, o mal é uma conseqüência não da vontade em si, porque

enquanto tal, é boa, mas da falta de orientação, e, portanto, da concupiscência.

A morte e o mal permanecem sempre um mistério insondável. O mais

importante, segundo Agostinho, não é refletir sobre o mal e a morte, e sim

19 A partir da leitura dos livros dos platônicos, Agostinho se sentiu empurrado a buscar a verdade incorpórea. Descobriu que Deus existe, que Deus é, que é infinito, e ainda está no espaço sem por isto ser encerrado nele. Em uma palavra, encontrou-se com um monismo não-corpóreo que substituía o dualismo corporal dos maniqueus que havia-se tornado em algo repulsivo para a mentalidade agostiniana. Cf. W. MATTHEWS, op. cit., p. 344.

20 O neoplatonismo se lhe apresenta como uma filosofia dentro da qual as advertências de São Paulo para viver célibe lhe pareciam completamente racionais. Inclusive pode completar com a mensagem evangélica, segundo a qual a vida feliz não está neste mundo. O platonismo e o neoplatonismo desempenharam um papel muito importante para ajudar a Agostinho a resolver seus problemas, existenciais e teóricos, a cerca do mal. Cf. W. MATTHEWS, op. cit., p. 352; B. STUDER, «Paolo modello di speranza, nella predicazione di Agostino»: Mysterium Caritatis, pp. 159 – 168; «Le lettere paolline nella teologia trinitaria di Agostino»: Mysterium Caritatis, pp. 187 – 198.

21 É assim que, quando com a auxílio da filosofia neoplatônica compreendeu Agostinho que o mal era uma privação de bem e não exigia uma causa positiva própria, fulgurou o universo aos seus olhos, com uma claridade, e formosura nova, resgatado do fantasma do princípio maléfico, que turbava sua reta compreensão. O mundo ficava reintegrado à soberania de um princípio único, essencialmente bom e criador de toda a bondade. Os seres todos podiam já respirar uma atmosfera mais pura e livre, porque estavam nas mãos de Deus e não de um tirano. Assim a bondade do universo é verdade fundamental e primeira do pensamento agustiniano. Cf. V. CAPÁNAGA, Obras de San Agustín. Introducción general y primeros escritos, Madrid BAC, vol. I, 1969, p. 48.

22 Cf. É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, pp. 167 – 168.

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preparar-se para evitar o mal e a «Segunda morte»23. A morte e o mal não

procedem de Deus, que criou boas todas as coisas24. Tudo o que existe,

enquanto existe, é bom na sua singularidade e muito bom na sua totalidade. No

conjunto da criação, nada pode romper ou corromper a ordem imposta pelo

Criador25. Toda a criação está como que marcada pelo hálito criativo do

Criador. Termo agustiniano para appetitus unitatis. «Para explicar a força unitiva

e o caminho em direção à harmonia das coisas, o hálito criativo se exprime no

mais profundo. Às vezes não se sabe o que seja, porém quando se

experimenta, a pessoa fica confundida e estranhada»26

Esta experiência da presença de algo que tem a ver com o eterno,

primo ictus, resulta na pessoa, ainda que por um mínimo espaço de tempo, que

algo desde seu interior se aclara, torna-se sublime e contagia. É um profundo

desejo de abraçar todas as pessoas e gritar que vale a pena ser vivida esta

vida. «O interior se enche de algo que cria na alma um desejo de trabalhar

aquilo que falta na criação»

.

27. Devido a este hálito criativo podemos

compreender aquilo que podemos chamar de a evidência agostiniana presente

no mais profundo de todo o ser humano: «Porque fizeste-nos para ti, o nosso

coração está inquieto até que descanse em ti»28

.

23 A contribuição do neoplatonismo foi importante no que se refere à solução agostiniana do

problema do mal. Por outro lado, seria errôneo considerar este sistema como o único ou como o mais importante. Desde os primeiros contatos com os platônicos. Duas outras áreas importantes influenciam sobre o pensamento de Agostinho: As Escrituras e a Igreja Católica. Importante sublinhar que o Bispo de Hipona não se guia cegamente pelas teorias de Platão. «Agustín no confiaba que el neoplatonismo podía resolver el problema del mal, tanto en su aspecto teórico como en su aspecto existencial. Con todo, era esa filosofía la que más podia ayudarle a aceptar como atractivas y racionales Ias doctrinas cristianas. Los platónicos le mostraran claramente que el problema existía realmente y cuál era el método para llegar a su solución. Peru fue Cristo y su iglesia, y no los filósofos platónicos los que, según la conclusión de san Agustín, dieron una respuesta convincente al problema, en su vida y en sus escritos». W. MATTHEWS, op. cit., p. 355.

24 De Vera. rel. 11, 22. 25 Conf. VII, 13, 19.; cf. De Ver. rel. 55; 112; 113. 26 L. ROGRIGUES, «La filosofia de la creación», p. 160. 27 Ibid. p. 160. 28 Conf. I, 1. «Quia fecisti nos ad te et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te».

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2. Os vestígios da Trindade na criação

Deus é o artífice, a meta de todas as coisas. Ele é o princípio de tudo,

do qual deriva cada realidade. Todas as coisas que existem foram criadas pelo

Criador de modo admirável. A criação participa na perfeição de Deus, por isso

que cada coisa tem sua razão de ser e sua perfeição somente em Deus29.

Agostinho acentua a unidade de ação, pela qual, Deus Trindade opera na

criação. Ele afirma que os Três – Pai, Filho e Espírito Santo – distinguindo-se

entre eles, sem deixar de ser consubstanciais, intervêm diversamente em sua

obra comum: seja na obra criadora como santificadora. O Pai, o Filho e o

Espírito Santo são juntos um só Criador porque eles formam uma única

essência divina que lhes é comum. «Não somente eles operam

inseparavelmente, mais ainda eles são todos os três um só princípio da criação,

assim como eles são um só Deus»30. Agostinho insiste na sua obra sobre a

Trindade que a criação é obra de um só princípio, de um só Deus, de um só

Senhor. O Criador se manifesta à nossa inteligência através de suas obras. É

necessário que por meio de nossa inteligência nos elevemos até a Trindade

cujos vestígios aparecem na criação31. No livro III, capítulo oitavo de sua obra

De Trinitate32, Agostinho fala da criação como obra exclusiva de Deus. Toda a

matéria, assim como todos os seres criados, estão direcionados a Deus e

submetidos à sua vontade. Assim o Criador produziu a água, peixes e aves, e

deu à terra seus primeiros germens segundo sua espécie e os primeiros

animais segundo seu gênero33

29 Cf. Conf. Xl, 4, 6; 7.

. «Gritam os elementos cósmicos todos, ocultos

como sementes de todas as coisas existentes, donde nasce a vida corporal e

30 É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», 190. De Trin. V, 13, 14. 31 Cf. De Trin. VI, 10, 12. 32 Cf. De Trin. III, 8, 13. 33 Cf. Gn 1, 11; De Trin. III, 8, 13.

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visível. Umas são perceptíveis à nossa vista em seus frutos e animais; outras,

mais misteriosas, são como sementes de sementes e animais»34

A causa determinante da criação está no livre querer divino. Superior a

todas as outras causas está a vontade de Deus

.

35. Deus se torna presente no

íntimo de suas criaturas. Não está longe de cada um de nós, pois nele nós

temos a vida, o movimento e o ser36. No De Trinitate, o Bispo de Hipona, busca

a conexão da gênesis do mundo e de toda a criatura que encontra no Deus-

Trindade sua procedência e causa. Tal operação é ao mesmo tempo una e

trina. «Agostinho não somente coloca os Três como princípio da criação, mais

ainda explica como o ato criador, sem cessar de ser um, se diversifica em cada

uma das Três Pessoas da Trindade: o Pai possui como propriedade o poder, o

Filho a sabedoria, o Espírito Santo o amor»37. E estas propriedades não

dividem a consusbstancialidade da Trindade e não impedem aos Três de serem

o mesmo princípio criador38. O Universo encontra na Pessoa do Pai a sua

origem e existência, no Filho a diversidade harmoniosa de suas naturezas

corporais e espirituais, e no Espírito Santo, encontra por fim, ordem e paz39

34 De Trin. III, 8, 13.

. A

criação tem seu primeiro princípio no Pai, que é todo poderoso. Ele ordenou

que todas as coisas sejam feitas segundo a sua vontade, por meio de seu

Verbo, e também do Espírito Santo que é amor. O poder criador não sofre de

nenhuma indigência. O Pai não fez nada que não fosse por meio do Verbo e no

35 De Trin. III, 2, 7. 36 Cf. De Trin. VIII, 3, 5; At. 17, 27 – 28. In illo enim vivimus, et movemur, et sumus. 37 É, BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 198. 38 Mais tarde Tomás de Aquino, insistindo sobre o efeito próprio da criação, enquanto operação ad

extra de toda a Trindade afirma que: «Criar é propriamente causar, isto é, produzir o ser das coisas. Ora, porque cada agente imprime a sua semelhança no efeito, pode-se descobrir o principio da ação considerando o efeito da ação mesma: é o fogo, de fato, que gera o fogo. Por isto criar convêm a Deus segundo o seu ser, que é a sua essência, comum às três pessoas. Portanto, criar não é uma ação própria de uma pessoa determinada, mas é ação comum de toda a Trindade». (STh. 1, q. 45, a. 7).

39 De Trin. VI, 10, 12.

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Espírito Santo. «Eles são, um e outro, mediadores entre o Pai e as criaturas,

segundo uma misteriosa mediação necessária e ao mesmo tempo gratuita»40

Como explicar a função econômica da Terceira Pessoa da Trindade?

Segundo nosso Santo, o Pai ama seu Filho no Espírito Santo, e o ama de tal

modo que o engendra eternamente. «O Espírito Santo se difunde com infinita

liberalidade e abundância por todas a criaturas, na medida em que estas são

capazes, a fim de que observem sua ordem e ocupem seu lugar»

.

41. Podemos

dizer que a Terceira Pessoa da Trindade possui uma função «ponderativa»42, que

não é aquela do Verbo: «formativa». O Pai conhece todas as coisas em si

mesmas e as conhece em seu Filho. O Filho conhece todas as coisas em si como

nascidas da eterna sabedoria do Pai, do qual seu próprio saber é engendrado43.

É importante, no entanto, distinguir a diferença existente entre criatura e Criador.

O Criador, como princípio, é o Pai, por quem todas as coisas foram feitas.

Criador, porém, diz respeito a uma relação com a criatura, assim como, o nome

Senhor implica relação com um servo. E quando chamamos princípio ao Pai, não

significa dizer que o Filho e o Espírito Santo também não sejam princípio. O Pai e

o Filho, juntamente com o Espírito Santo, relativamente à criatura, são um só

princípio, um só criador, um só Deus, e um só Senhor44. Deste modo, Deus-

Trindade se tornaria criador no tempo, abdicando de sua imutabilidade? O mundo

desde sempre existiria como criatura? Conforme Bailleux, o problema se resolve

corretamente a partir de um estatuto muito especial da correlação entre criador e

criatura e mesmo entre Senhor e servidor45

40 É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 196.

. «Ser Senhor não é uma relação

eterna em Deus, de outro modo seriamos obrigados a admitir também a

eternidade das criaturas, já que Deus não seria eternamente Senhor, se os seres

41 De Trin. VI, 10, 11. 42 É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 198. 43 Cf. De Trin. XV, 14, 23; De Trin. II, 1, 3. 44 A operação ad intra diz-se das ações de Deus, dentro do círculo da Trindade, como a geração do

Filho e a expiração do Espírito Santo. A operação ad extra são as ações que a Trindade opera para fora do círculo trinitário. ‘Todas as operações divinas são comuns ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo em harmonia e concórdia’ De Trin. XlII, 12, 15.

45 É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 191.

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criados não possuíssem eternamente a condição de servidor»46. O De Trinitate

nos autoriza a falar de Deus como se houvesse alguma novidade na eternidade

devido as mudanças que se produzem na criatura. É preciso ter presente que a

relação de criador ou de Senhor não é real em Deus quanto o é na criatura sujeita

à mutabilidade47. Estes nomes não se dizem segundo um acidente divino, como

se alguma coisa ocorresse em Deus, eles dizem respeito a um acidente que

ocorre à criatura enquanto correlativa a Deus48. As criaturas existem de modo

distinto de seu Criador. Elas são providas de uma atividade que lhes é própria;

movem-se no tempo. O mundo possui uma história, cujo controle é assegurado

pela divina Providência49. Assim compreendemos que para governar sua obra e a

conduzir a um bom termo, o Criador a faz sem sair de sua eternidade50. Por que

as coisas criadas são mutáveis? Responde Agostinho, porque não são em

sentido absoluto. E por que não são em sentido absoluto? Porque são inferiores

àquele que as criou. Quem as criou? Aquele que é o ser Sumo. Quem é este ser?

Deus, imutável Trindade, que criou todas as coisas mediante sua suma sabedoria

e as conserva com a sua suma bondade. De que coisa as criou? Do nada. Para

Agostinho Deus criou tudo o que existe do nada. Neste sentido, o Bispo de

Hipona rompe com a cultura antiga, excluindo categoricamente que o mundo seja

eterno, dado que Deus criou o mundo, e o criou não de uma matéria já existente,

mas o criou do nada51. Em sua obra as Confissões Agostinho diz que Deus, no

princípio e em sua sabedoria, criou o mundo do nada52

46 De Trin. V, 16, 17.

. «Deus onipotente – o

Princípio, que procede de ti, a sabedoria nascida de tua substância, fizeste algo e

47 Cf. E. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 191. 48 Cf. De Trin. V, 16, 17; Civ. Dei XII, 16; cf. É. BAILLEUX, «Dieu Trinité et son oeuvre», n. 35, p. 19. 49 De Trin. II, 5, 9. «Ordo quippe temporum in aeterna Dei Sapientia sine tempore est». 50 Cf. É, BAILLEUX. 51 De Vera. rel. 11, 21. À luz desta afirmação resulta evidente a diferença que há entre o Cristianismo e

a filosofia antiga, sobretudo aquela neoplatônica. Contrariamente àquilo que está presente no Cristianismo, está ausente no platonismo o conceito de criação, pelo qual encontra dificuldade de dar-se conta da realidade. Não é por acaso que alguns entre os neoplatônicos recorrem à solução de conceber como coeterna com Deus a realidade que dele provém. Cf. A. PIERETTI, Introduzione Generale, in SANTO AGOSTINHO, La Vera Religione, NBA Roma 1994, n. 83, p. 63.

52 Conf. XII, 7, 7. «Dominus, Deus omnipotens, in principio, quod est de te, in sapientia tua, quae nata est de substantia tua, fecisti aliquid et de nihilo».

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do nada fizeste o céu e a terra; porém não de ti, pois seria igual a teu Unigênito e,

por conseguinte a ti, e não seria de modo algum justo que fosse igual a ti, no

sentido de tua substância53». Segundo Núñez, «o ser princípio e o ser sabedoria

não são atributos que Deus possa ter ou não, senão que constituem sua mesma

substância. O mundo, pelo contrário, feito de nihilo, incorpora a seu ser que, mais

que essência é existência e vida, a mutabilidade e a tendência ao nada»54. Criar

é produzir totalmente as coisas do nada55

Santo Agostinho exclui da criação todo o emanacionismo

. 56, toda

intervenção de agente intermediário, toda preexistência de matéria57, «Por isto

somos porque fomos feitos; não éramos antes que existíssemos, para poder

fazer-nos a nós mesmos»58

53 Conf. XII, 7. A nota número 9 do comentário ao Livro XII das Confissões, referente a esta

passagem assim diz: Gibb-Montgomery, seguidos por Labriolle, acreditam verem neste raciocínio de Santo Agostinho um círculo vicioso. Porém, o que há, segundo observa Llovera, é uma falta de compreensão absoluta do modo de falar do Santo, que põe grande cuidado em distinguir bem a dupla operação de Deus: ad intra e ad extra. A frase de te, refere-se sempre à substância divina; a ex te, refere-se às suas operações ad extra. Assim que, na linguagem do Santo pode dizer-se do mundo: factus est ex Deo, porém não factus est de Deo, p. 550.

. Deus não criou o mundo devido a uma

necessidade sua, ou porque precisasse do mundo para ser feliz. Deus criou o

54 J. F. V. NUÑEZ, op. cit., p. 22. 55 A solução criacionista, que para Agostinho é uma verdade de fé e de razão, resulta numa clareza

exemplar. A criação das coisas é ex nihilo, ou seja, não da substância de Deus e nem mesmo de alguma coisa que preexistia. De fato, explica Agostinho que, uma realidade pode ser derivada de uma outra em três modos: a) por geração, e neste caso deriva da substância mesma do generante, como o filho deriva do pai, e constitui alguma coisa de idêntico ao generante: b) por fabricação: a coisa que vem fabricada deriva de alguma coisa que preexiste fora do fabricante (de uma matéria), como sucede com todas as coisas que o homem produz; c) criação do nada: absoluta, ou seja, não da própria substância e não de uma substância externa. Cf. REALE & ANTISERI, op cit., p. 479 – 480; Conforme Bailleux: «Selon saint Augustin, créer c’est surtout former, la martière est seulement concréée». É. BAILLEUX, «La création et le temps selon saint Augustin»: Mélanges de Sciense religieuse XXVI (1969), p. 76.

56 O emanacionismo é uma idéia filosófica neoplatônica, segundo a qual os seres derivam de Deus através de um processo de emanação. Esta consiste na difusão espontânea, comparada a uma irradiação contínua, da potência absoluta de Deus, que faz surgir os entes permanecendo uno e imutável. A emanação da lugar a uma multiplicidade de seres dispostos numa hierarquia. Parte-se da primeira inteligência emanada, Logos, e se chega até a matéria, ou o não ser, que é o limite inferior e último da hierarquia. O emanacionismo foi parcialmente aceitado por alguns pensadores cristãos como Agostinho, Scoto Eriúgena, Eckart. Estes pensadores esforçaram-se para eliminar as afirmações panteístas implicitas na teoria da emanação necessária. Cf Enciclopedia Garzanti di Filosofia. Milano: Garzanti Editore, 1993, p. 305.

57 Conf. Xl, 5; XIII, 33. 58 Conf. XI, 6. «Ideo sumus, quia facta sumus; non ergo eramus, antequam essemus, ut fieri possemus

a nobis».

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mundo porque assim quis a sua bondade. Diz Agostinho que Deus criou o

mundo porque podendo existir, era bom que uma coisa boa existisse. Deus

fazendo o mundo manifesta sua independência com relação a ele. Ao fazer o

mundo, Deus faz algo totalmente diferente de si mesmo59. Conforme o

comentário de Núñez, a bondade da criação significa, por um lado, a gratuidade

absoluta por parte de Deus, por outro lado, bondade significa o aspecto positivo

da criação60

Isto se compreende melhor «si se têm em conta que este esquema

religioso subjaz a uma concepção da criação que por um lado está fortemente

marcada pelo dualismo maniqueu, incompatível com o Deus-uno cristão, que

exige um monismo metafísico, e por outro, pela teologia negativa de Plotino, de

que só pode predicar-se por negação»

.

61. Para Núñez, interpretando Agostinho,

o nada não é um princípio, tampouco um produto de Deus. O primeiro seria

maniqueu e o segundo faria de Deus a origem do mal. A bondade, por sua vez,

tampouco é o fim, no sentido de participação da bondade divina, ao estilo

platônico, pois a separação entre Deus e o mundo é radical. Santo Agostinho

insiste freqüentemente sobre este ponto62. A bonitas e o de nihiIo63

representam uma relação ao interior mesmo da criatura. Deus é uno e

transcendente. Respeito a ele desaparece o problema do ser e do nada, porém,

esta dualidade ou tensão a encontramos agora na criatura64

59 Conf. XIII, 2, 2.

. Em virtude do ato

criativo, todas as realidades criadas, de certa forma, possuem impressa em si

uma ligação com o criador através de uma relação que é simultaneamente de

pertença e de distância. Graças ao ato criativo tudo isto que é, enquanto é, é

60 J. F. V. NUÑEZ, op. cit., p. 24. 61 Ibid. p. 23. 62 Ibid. p. 25. 63 Segundo Nuñez: Por meio do conceito de criação ex nihilo e do quia voIuit, se evita em relação ao

primeiro o problema da dualidade de princípio e se afirma enquanto o segundo, a independência ou transcendência de Deus com respeito ao mundo. O Ser e o Nada como problema inicial, se supera mediante a noção ex nihilo. O nada deixa de ser princípio, porém o reencontramos de novo na criatura que é de nihiIo. O problema não é agora o Ser frente ao Nada, senão o da relação que existe entre Deus e o mundo como relação de ser. Ibid. p. 25.

64 Ibid. 25.

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bom65. Cada coisa traz na sua essência o fato que será sempre um bem que

provém de Deus66. O universo está disposto segundo uma ordem que reflete

em diversos níveis, o grau de participação. Devido à parcialidade da condição

das criaturas mortais, a compreensão e o valor desta ordem escapa à

compreensão do homem que não consegue compreender a totalidade do

conjunto. O universo como obra do poder fecundante de Deus faz d’Ele o

grande maestro desta sinfonia harmônica e ordenada chamada criação. Santo

Agostinho fala de uma conexão causal existente entre as causas superiores e

inferiores. Este conjunto de ordens conexas constituem uma ordem natural, um

curso necessário da evolução do mundo, determinado por leis fixas: chamadas

também de razões seminais67. «O criador dos gérmens invisíveis e o Fazedor

de todas as coisas, que nascendo possui uma existência visível, bebe sua vida,

movimento e grandeza, e inclui a distinção de suas formas, nestas misteriosas

razões seminais regidas por normas perenes e fixas desde a sua criação

primordial»68

65 De vera. rel. 11, 21.

. Segundo Victorino Capanaga, em seu comentário introdutivo das

66 Segundo Pieretti, considerando na ótica da criação, todo o universo aparece marcado de uma insuprível tensão que o empurra além de si mesmo e o abre à transcendência. A sublime harmonia, da qual participa, de fato se revela como princípio pelo qual são movidas a um fim todas as coisas que Deus Criou, segundo um preciso designo providencial. Cf. A. PIERETTI, Introduzione generale, p. XL.

67 Cf. É. BAILLEUX. «Dieu Trinité et son oeuvre», p. 192 – 193. 68 De Trin. III, 8, 13. «Ipsc creator est omnium rerum: quoniam quaecumque nascendo ad oculos

nostros exeunt, ex occultis seminibus accipiunt progrediendi primordia, et incrementa debitae magnitudinis distinctionesque formarum ab originalibus tanquam regulis sumunt». No seu comentário a obra De Trinitate, o Pe. Luis Arias assim se refere: Rapidíssimo esboço da original e profunda teoria agustiniana das razões seminais, se bem que algumas afirmações particulares as rechaçam hoje a ciência. Nesta passagem se fundamentam Jules Martin y Portalié para negar a evolução das espécies em Santo Agostinho. De Trin. Nota g. p. 242. Em outra nota comentativa assim escreve o mesmo autor: as razões seminais desempenham na criação um papel muito diferente do que comumente se acena. Em vez de abocanhar as hipóteses do transformismo, as razões seminais são invocadas por Santo Agostinho para provar a estabilidade das espécies. De un grão de trigo jamais nasce um homem. São, pois, um princípio de inalteralidade específica. Cf. L. ARIAS, Introducción, n. i, p. 244. Vale a pena fazer alusão ao comentário de Marceliano Arranz Rodrigo que afirma: «Agustín defiende la posibilidad de transformar la materia inanimada em materia viva. utilizando las virtualidades latentes en la primera. Por lo tanto no se puede decir que las semillas primigenias sean inactivas, ni que eclosionen una sola vez... En efecto los inteligibles seminales, no solamente germinan más de una vez, sino que esa germinación no parece depender de otra cosa que de la presencia de cirscunstancias favorables. Circunstancias que pueden ser provocadas, incluso por Ia industria humana...existe una enconada y larga polémica

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obras de Agostinho, assim escreve: «As razões seminais não só explicam o

movimento e o desenvolvimento do universo, senão também a constância e

ordem dos fenômenos, a fixidez e segurança com que se realiza o plano

divino»69. Deus é a causa eficiente universal. Uma coisa é dizer que sob o

ponto de vista das causas, criar e governar a criatura, é poder único do Deus

criador; outra é a ação intrínseca das forças e energias por ele criadas, a fim de

que se realize o que Deus cria, neste ou naquele momento, desta ou de outra

maneira. Todos os seres possuem em si a possibilidade de germinar, basta

encontrar um ambiente propício para manifestar-se70. As mães, diz Agostinho,

estão grávidas de seus fetos, o mundo está grávido de causas germinais71, obra

da essência divina, onde nada fenece nem nasce, nada principia nem se

aniquila72

O universo como obra de uma inteligência infinita tem um sentido, um

sentido digno de seu autor. Deus criou o mundo não por uma indigência ou miséria,

mesmo porque Deus não precisa do mundo para realizar-se. O mundo, portanto,

como vontade de Deus, revela uma bondade infinita capaz de difundir-se, de doar-

se no ato generoso da criação. O universo, a natureza, todos os seres criados

estão como direcionados em duas direções: uma dirigida ao Criador e ao seu

.

en torno a esta cuestión. Lo cual indica que, como en otros casos semejantes, lo más probable es que sea un malentendido semántico lo que subyace a todo el asunto… Si por evolucionismo se entienden teorías semejantes a las de Darwin, en las que explícitamente se habIa de la transformación de unas especies en otras, san Agustín no es un evolucionista. Y es que, no solamente no habló nunca de un tal tipo de transformaciones, sino que las excluyó explícitamente… Y es que, aunque Agustín no proponga teorías de corte darwinista, sí propugna una visión dinámica de la cosmogénesis. Según elIa, nuestro universo no surgió acabado de las manos de Dios, más que germinalmente grávido de semillas en espera de circunstancias favorables, solamente el decurso temporal será capaz de mostrar cuáles son sus verdaderas potencialidades». M. ARRANZ ROGRIGO, «Interpretación agustiniana del relato genesíaco de la creacián»: Augustinus XXXIII (1988), pp. 53,54 –55.

69 V. CAPÁNAGA, Introdución general, p. 59. 70 Cf. De Trin. III, 9, 16. 71 Todas las cosas han sido creadas por Dios en una especie de contextura protoplasmática de

elementos seminales; pero sólo cuando se dan condiciones ambientales propicias logram germinar. Esta contextura está integrada por las razones protozoicas latentés en los gérmines. Agustín insitirá en sus Comentarios al Génesis en estos mismos conceptos, encuadrándolos dentro de su teoría de la creación». L. ARIAS, lntroducción, n.j, p. 246.

72 De Trin. III, 9, 16.

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entendimento; outra voltada às criaturas e ao sentido. Aqui se coloca o sentido

pleno da vida do homem como criatura privilegiada, imagem e semelhança do

Criador: descobrir e glorificar a Deus como sendo a maior honra para a razão e

contemplar nas criaturas os vestígios, os signos, reflexos, indícios, anúncios e

retratos da Harmonia incriada73. «A razão única de ser do mundo é de servir de

espetáculo ao homem, para que rasteie pelas coisas criadas a invisível harmonia

do Criador»74. Segundo José Núñez, «a doutrina da criação vem a ser uma

doutrina sobre a estrutura indeterminada e aberta da criatura, quer dizer, sobre a

responsabilidade desta na constituição da realidade e da verdade»75. A criação,

portanto, não é tanto o intento de explicar a realidade do mundo, mas de modo

especial, uma tentativa de colocar o problema da realização de sua identidade, que

em termos teológicos é a salvação do mundo. A criação transforma-se, assim, em

uma soteriologia. Na base do problema da criação em Santo Agostinho está a

pergunta pela realidade do contingente, tal como se manifesta na estrutura

temporal e histórica tipificada no ser humano. A relação do inteligível e do sensível,

do eterno e do temporal, do ser e do nada, se projetam e se transformam em uma

relação da criatura consigo mesma, ou melhor, numa idéia de criatura que encerra

à base ontológica de si mesma uma relação imediata consigo mesma e com seu

futuro, do qual, depende sua verdade ou falsidade, sua salvação ou fracasso76

Agostinho, diferentemente de outros autores medievais, não escreveu

propriamente um tratado da criação. Quando abandona o maniqueísmo e se

predispõe a uma caminhada de conversão, descobre por meio da predicação de

Ambrósio, a importância do hexamerón

.

77

73 De Trin. III, 8, 15.

. Agostinho porém, não mantém a

74 V. CAPÁNAGA, Introdución general, p. 62; ver ainda É. GILSON, La philosophie au moyen âge, Paris 1962, p. 133.

75 J. F. V. NÚÑEZ, op. cit., p. 398. 76 Ibid. p. 398. 77 Cf. A. M. VANNIER, «El papel del hexamerón en la interpretación agustiniana de Ia creación»:

Augustinis 140/143 (1991), p. 343.

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interpretação ambrosiana da Escritura78. O termo hexamerón vem do grego e

foi empregado pela primeira vez por Filão de Alexandria79. – hex e hémera –

quer designar a obra da criação realizada em seis dias. É assim que, Agostinho

encontrou no hexamerón, um modo de refutação da heresia maniqueísta e, ao

mesmo tempo, um meio útil para afirmar as verdades fundamentais da fé cristã,

dentre as quais, está a criação80. O intento do Bispo de Hipona não é tanto o

caráter cosmológico, e sim o aspecto existencial da criação. E esta dimensão

existencial, a quer demonstrar tal como a descobriu durante seu processo de

conversão, ou seja que a criação constitui-se essencialmente como «relação».

A partir deste veio de pensamento, Agostinho introduz o esquema conversio-

creatio-formatio81. Para Vanier, Agostinho viu que a realização da criação é

possível em nossa existência mesma, onde a conversão consiste na condição

de possibilidade de realização do ser82. O acento vem colocado sobre a

antropologia, isto é, sobre a relação criatura – criador. Utilizando o esquema

plotiniano conversio – formatio83 introduz uma outra categoria que é a noção de

creatio, transformando assim de uma categoria binária para uma categoria

ternária. Para o Filósofo de Hipona a criação é eminentemente boa84 e encontra

seu término na conversão ao Criador, caso contrário os seres caem no risco de

dispersarem-se. A analogia utilizada é aquela da luz e das trevas, da manhã e

da tarde85. Esta passagem das trevas à luz é possível graças a Cristo86

78 Com relação aos métodos exegéticos utilizados por Agostinho podemos ver, A. TRAPÉ, «S.

Agostino esegeta: teoria e prassi»: Lateranum 48 (1982), pp. 224 – 37; B. MARGERIE, Introduction à l’histoire de l’exégése, Paris 1983, t. III.

. A

79 Filão de Alexandria possui uma obra sobre o comentário alegórico das leis, na qual emprega o título (metà tén hexaémeron).

80 Cf A. HAMMAN, «L’enseignement patristique sur la création»: Revue des sciences religieuses 42 1968), pp. 65 – 70.

81 Cf. A. M. VANNIER, «El papel del hexamerón en la interpretación agustiniana», p. 344. 82 Ibid. p. 344, na mesma linha segue o pensamento de Ladner, no qual afirma: que a criaçao seria

impensável sem uma chamada imediata de Deus à suas criaturas, e sem a conversão destas a Deus. Cf. G. B. LADNER, The idea of Reform, Cambridge-Harvard 1959, p. 167.

83 Enn 3, 4; 5, 2, 1; 6, 5, 5. 84 Conf. XI, 4 – 5, 6, 7. 85 De Gen. ad lit. 4, 18, 34 – 35. 86 Conf. XIII, 12, 13.

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criação como obra da Trindade87 encontra seu pleno cumprimento no retorno

das criaturas ao Criador. Não quer dizer que a criação seja imperfeita, mas que

está a caminho de sua realização plena. O Criador pacientemente espera a livre

resposta da criatura. Resposta esta que consiste em «viver mais e mais na

fonte da vida, e ver na sua luz a luz e assim aperfeiçoar-se, ilustrar-se e ser

feliz»88. A criação encontra, portanto, sua razão de ser na formatio, que é a

atualização de Deus em todos os seres criados89. Um elemento essencial desta

metafísica é a concepção trinitária de imagem. «O homem é imagem da

Trindade inteira»90. A criatura, quando se afasta do Criador, passa de uma

situação de similitude para dissimilitude91. A questão é: como fazer uma

distinção clara entre imagem e semelhança? Agostinho não estabelece uma

distinção clara. O que interessa é que se a imagem implica a semelhança, a

recíproca é verdadeira. A imagem entranha a semelhança quando está

realmente formada. Esta passagem no De Trinitate é ilustrativa: «nesta imagem

será perfeita a semelhança de Deus, quando seja perfeita a visão de Deus»92.

Ou seja, a imagem se realiza no homem, quando este se reconhece como um

ser que recebe a vida de seu criador. Eis o que expressa Agostinho em outra

passagem: «Se, pois, a trindade da alma é imagem de Deus, não é porque ela

se recorda de si mesma, se compreende e se ama, senão porque pode

recordar-se, compreender e amar aquele por quem foi criada»93

.

87 Conf. XIII, 5, 6. 88 Conf. XIII, 4, 5. 89 De civ. Dei 11, 18. G. B. LADNER, op. cit., 153 – 283; A. G. HAMMAN, L’homme image de Dieu,

Paris 1987, pp. 238 – 277; H. SOMERS, «Image de Dieu et illumination divine»: Augustinus Magister (1954), p. 451.

90 J. E. SULLIVAN, The image of God, Iowa 1953. 91 Conf. XI, 9, 11. 92 De Trin. XIV, 17, 23. 93 De Trin. XIV, 12, 15.

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3. As missões divinas

A doutrina católica sobre a Trindade, baseada nos Textos Sagrados e

na Tradição ensina que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, de uma única e

mesma substância, insinuam, uma inseparável igualdade e unidade. Não são

três deuses, senão um só Deus. O Pai engendrou o Filho, e o Filho não é o Pai,

bem que o Filho é engendrado pelo Pai, e o Pai não é o Filho; e o Espírito

Santo não é nem o Pai e nem o Filho, senão o Espírito do Pai e do Filho, é co-

igual ao Pai e ao filho e pertence à unidade trina94. Agostinho repete

freqüentemente sua fórmula preferida quod Trinitas sit unus et solus et verus

Deus95. Este ponto de partida possui grandes vantagens. Permite evitar a

tentação do subordinacionismo, tentação esta que nem todos os escritores

eclesiásticos primeiro de Nicéia foram capazes de evitar. Contrapõe às

afirmações heréticas de Ário e Macedônio, e por último, evita aquela

imaginação absurda de uma quaternidade em Deus96. Esta fórmula proferida

constantemente por Agostinho afirma de modo ineqüivocável a

consubstancialidade, a coeternidade e a perfeita igualdade das três Pessoas

divinas. Toda a Trindade é incorporea et incommutabilis et sibimet

consubstantialis et coeterna natura97. E é toda invisível98, imortal99,

onipotente100

94 Cf. De Trin. I, 4, 7.

; o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A partir desta verdade de fé

exposta acima surgem algumas perguntas e dificuldades de compreensão.

Como as três pessoas sendo um só Deus e operando inseparavelmente,

executam certas coisas próprias a cada uma? Neste sentido, apesar dos limites

da linguagem, a «substância» é um termo chave para expressar aquilo que o

Bispo de Hipona considera próprio de Deus. Tudo aquilo que se predica de

95 De Trin. I, 2, 4. 96 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XIII. 97 De Trin. I, 8, 15. 98 De Trin. I, 8, 15; II, 17, 32; III, 11, 21. 99 DeTrin. I, 6, 10. 100 De Trin. IV, 21, 30.

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Deus, se predica em singular a cada uma das Pessoas e também de toda a

Trindade. Existe uma unidade substantiva entre o Pai, o Filho e o Espírito

Santo101. «Trata-se de articular a unidade e a multiplicidade, em Deus, salvando

a transcendência divina e sua distinção radical das criaturas, conjurando ao

mesmo tempo o perigo de subordinacionismo entitativo e separatismo

antimonoteísta»102

Mas esta unidade e igualdade da qual parte Agostinho parece ser

contradita por alguns textos da Sagrada Escritura que afirmam que o Filho é

inferior ao Pai. Na tentativa de resolver a questão, o Bispo de Hipona formula

algumas regras que devem ser compreendidas no contexto da Escritura

mesma

.

103. Uma primeira regra diz respeito ao fato de que freqüentemente os

textos bíblicos se referem ao único Deus verdadeiro, que é Trindade, sem

mencionar explicitamente a Trindade: neste sentido deve-se entender não

somente uma pessoa mas todas as pessoas104. A segunda regra refere-se à

economia divina na manifestação da Trindade. A Escritura afirma algumas

coisas que dizem respeito a uma Pessoa específica, separada das outras.

Recordando sempre que Deus é Trindade, insiste Agostinho que tais

afirmações não devem ser entendidas num sentido exclusivo105. Uma terceira

regra e a mais importante, diz respeito à pessoa de Cristo. Com relação aos

textos bíblicos que falam de Cristo deve-se entender que: alguns falam de

Cristo homem, outros de Cristo Deus, de modo a evitar qualquer heresia que

venha a pôr em dúvida o problema da igualdade entre o Pai e o Filho106

101 TRAPÉ, Introduzione, p. XXXIX; cf. De Trin. I, 4, 7; nesta profissão de fé os pontos de partida são dois:

a unidade e a igualdade da natureza da Trindade, e a inseparabilidade das operações ad extra. Sobre estes dois pontos insiste Santo Agostinho.

. Estas

regras, porém, não bastam para esclarecer todos os textos da Escritura e

compreender a manifestação da Trindade na história da salvação. É importante

102 N. BLÁZQUEZ, «EI concepto de substancia según san Agustín: los libros De Trinitate», p. 309. 103 Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XIX. 104 Por exemplo, Rom. 11, 33 – 36; Tim. 6, 16; De Trin. I, 6, 10 – 12. 105 Cf. Jo 14, 15 – 24; De Trin. I, 8, 18 – 9, 19. 106 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XIX.

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aprofundar o conceito de missão. É preciso indagar em que sentido se há de

entender esta missão do Filho, e Agostinho se movimenta em uma linha de

pensamento onde o problema principal consiste na interrogação acerca da

distinção das Pessoas e a unidade de Deus que é dada como pressuposta.

A doutrina sobre a Trindade alcança o seu fim com a geração do Verbo e

a inspiração do Espírito Santo. Para o Bispo de Hipona o problema não está

simplesmente no fato de que Deus é uma substância, ou melhor uma essência. O

que cria problema é a diversidade em Deus. O ponto de partida será, portanto, a

unidade de Deus107. Por isto empenha-se em mostrar como as missões do Filho

e do Espírito Santo na história da salvação não contradizem tal unidade e

igualdade essencial108. Unicamente do Pai não lemos que tenha sido alguma vez

enviado»109. No que diz respeito à Trindade o conceito de missão indica somente

uma ordem de natureza. A Escritura afirma que o Filho é enviado do Pai, «não

porque um é maior outro é menor; mas porque um é Pai o outro é Filho, um é

gerador outro é gerado, um aquele que envia, outro aquele que é enviado»110. A

missão de Cristo possui dois elementos: um visível, sobre o qual Agostinho

dedica praticamente todo o livro IV, insistindo principalmente no conceito de amor,

do qual a Encarnação é a manifestação máxima. O outro elemento: invisível diz

respeito ao fato de que o Filho é enviado a cada um no momento em que cada

um percebe que Ele procede do Pai111

107 G. GRESHAKE, II Dio Unitrino, p. 67.

. Também a missão do Espírito Santo

possui um elemento visível (no dia de Pentecostes), e invisível (no momento da

108 Cf. De Trin. IV, 20, 29. 109 De Trin. II, 5, 8. 110 De Trin. IV, 20, 27. 111 De Trin. IV, 20, 29. «Mitti est filio cognosci quod ab illo [a Patre] sit». Como faz notar Luis Arias em seu comentário sobre o De Trinitate: «Toda misión divina importa dos términos, uno eterno, temporal el outro. Salir del Padre y venir a este mundo. EI Padre es, en Ia fraseologia de Ia Escuela, el término a quo; el mundo, el término ad quem. Sin estos dos extremos la missión es imposible». L. ARIAS, Introducción, n. 138, p. 314.

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justificação). Ele é enviado do Pai e do Filho porque procede como Dom de

ambos. «Na eternidade ele é Dom, no tempo é doado»112

A missão do Filho tem a ver com a ordem da redenção. Podemos

resumi-la assim: O Filho possui a missão de conduzir os crentes à

contemplação de Deus Pai

.

113. A via de acesso a esta revelação é o amor de

Deus Pai por nós. A encarnação por si mesma é o coroamento da criação. Esta

redenção que advém por meio da encarnação se cumpre por meio do sacrifício.

Encarnando-se, o Filho de Deus se torna Mediador entre Deus e os homens:

igual ao Pai pela divindade, igual a nós porque assumiu a condição humana114.

O Filho de Deus, com a encarnação participa da nossa mortalidade, e nos torna

partícipes de sua divindade115. Tudo isto através do sacrifício da cruz que

ofereceu por nós ao Pai; um sacrifício Veríssimo116, liberalíssimo117,

perfeitíssimo118

Agostinho refletindo acerca da onipotência divina se confronta com

algumas questões: como pode ser enviado a um lugar quem já está em todas

as partes? Como e onde é enviado o Filho

. Os Evangelhos dão a entender seguidamente que Deus Pai

enviou o seu Filho e o Espírito Santo. O Novo Testamento chega à conclusão

que ambos Filho e Espírito Santo preexistem em sua missão a este mundo por

parte de Deus Pai. Os primeiros concílios que sucederam definiram a fé da

Igreja a respeito da divindade do Filho e do Espírito Santo, que são um só Deus

com o Pai.

119

112 De Trin. V, 16, 17. Dom e doador se chama ao Espírito Santo na bela seqüência de Pentecostes.

O Dom pode ser essencial, nocional e pessoal. No primeiro sentido é comum às três pessoas; no segundo é próprio das pessoas que procedem, quer dizer, do Filho e do Espírito Santo, e na última acepção é o nome próprio da terceira pessoa da Trindade». Cf. Santo Tomás, STh. 1 q. 38 a. 1 – 2.

? Porque se o Filho foi enviado a

este mundo, pois o Filho saiu do Pai e veio a este mundo e estava neste

113 De Trin. I, 8, 17. 114 De Trin. IV, 8, 12. 115 De Trin. IV, 2, 4. 116 De Trin. IV, 13, 17. 117 De Trin. IV, 13, 16. 118 De Trin. IV, 14, 19. 119 De Trin. II, 5, 7.

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mundo, logo foi enviado onde já se encontrava, já que estava neste mundo e o

mundo foi criado por Ele, porém o mundo não o conheceu120. O mesmo

acontece com o Espírito. «Uma vez que se Deus está presente em todas as

partes, em todo lugar está com seu Espírito Santo. Em conseqüência, o Espírito

Santo foi enviado aonde já se encontrava»121. Por que indagar a respeito da

missão do Filho e do Espírito, se tanto o Filho como o Espírito Santo são

enviados aonde já se encontram? A resposta é que missão deve ser entendida

como manifestação, o fazer-se visível. Trata-se de um novo tipo de presença,

de características distintas daquelas que são próprias da onipotência de Deus.

No caso da encarnação do Filho aparece claramente a novidade que a missão

significa uma manifestação sensível única e irrepetível122. A missão do Espírito

Santo relaciona-se por sua vez com as manifestações visíveis do Filho que

acompanharam a sua manifestação em Pentecostes123

Não somente são distintas as pessoas divinas, como são também

distintas a missão de um e de outro dos enviados. O Pai enviou, porém não é

enviado. Segundo Agostinho, o Pai não pode ser enviado porque não procede

de nenhum outro

.

124. O Filho é enviado e envia. O Espírito Santo é enviado e

não envia. Trata-se da entrada das pessoas divinas na história dos homens,

para realizar a salvação. Esta manifestação visível de Deus constitui um novo

modo de presença das pessoas divinas que tem seu lugar no tempo125.

Conforme comentário de Ladaria, as missões dão a conhecer a unidade e a

distinção em Deus. O fato, portanto, de que Deus Pai enviou ao mundo ao Filho

e ao Espírito Santo mostra-nos que estes vêm de Deus126

120 Jo 1, 14.

. Porém, esta vinda se

121 De Trin. II, 5, 7. 122 Cf. De Trin. II, 5, 9. 123 De Trin. IV, 20, 29; 21, 30. 124 De Trin. IV, 20, 28. 125 De Trin. II, 4, 7ss; Tomás de Aquino STh I 43, 2. 126 L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 243. «Estas misiones divinas no llevan por consiguinte de

Ia mano a la cuestión del origen en Dios mismo del Hijo y del Espíritu Santo, a la ‘generación’ del Hijo y la ‘procesiones’del Espíritu. En el vocabulario teológico tradicional se habla de las ‘procesiones’ divinas, que tienen al Padre como su principio ultimo. Como el Padre há enviado al Hijo y (con el Hijo) há

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nos dá a conhecer que procedem de Deus também enquanto a seu ser mesmo.

Em Jesus se dá uma identidade perfeita entre seu ser mesmo, o cumprimento

da missão e a plena obediência com que a leva a cabo. Esta identidade é

mostra da perfeita co-divindade do Filho com o Pai. Há uma correspondência

perfeita entre o Pai e o Filho. O Filho realiza a obra do Pai e também realiza sua

própria obra127

Esclarecer a missão do Espírito Santo exigirá para o Bispo de Hipona

um maior empenho, porque à diferença da processão do Filho, a processão do

Espírito Santo, requer um estudo apurado, no sentido de reconhecer as

propriedades próprias da Terceira Pessoa da Trindade. «O princípio que guiou

este estudo foi a relação necessária que ocorre entre as processões e as

missões do Espírito Santo, isto é, entre as propriedades pessoais intra-trinitárias

e as manifestações extra-trinitárias»

, que é um reflexo de sua obediência feita carne. A missão do

Filho é revelar o amor incondicional do Pai. Enquanto Deus, o Filho deve ser

igual ao Pai, apesar de provir do Pai. Pelo fato que o Pai colocou no Filho e nele

expressou seu amor sem reservas, o Filho é a perfeita imagem do Pai. Seu

amor manifestado na entrega de si até a morte em obediência ao Pai é um

reflexo do amor do Pai mesmo, que no Filho encontra resposta.

128. O Espírito Santo nos foi doado porque é

Dom do Pai ao Filho e do Filho ao Pai129, e difunde nos corações o amor porque

é amor; santifica porque é santo; constitui a comunhão de todos os fiéis na

Igreja porque é comunhão130

enviado al Espíritu Santo, así el Hijo recibe su ser del Padre, como también de él lo recibe primariamente el Espíritu Santo, aunque com la participación del Hijo». Ibid. p. 244.

. Uma vez que o Espírito Santo diz relação com

aquele que deu e àquele a quem deu, o Espírito Santo é também nosso, já que

o recebemos. Mas não se trata do espírito do homem que lhe garante a

existência. Uma coisa é o que recebemos para ser, outra coisa é o que

127 Cf. Jo 10, 37. Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis em mim; 14, 9 – 10. Quem me vê, vê o Pai... As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras.

128 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XLVII. 129 De Trin. V, 16, 17. «...Sempiterne Spiritus donum, temporaliter autem donatum». 130 Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XLVII.

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recebemos para sermos santos131. O Espírito Santo, portanto, é aquele que nos

santifica por dentro, e nos foi dado a fim que nos tornemos santos. A passagem

do conceito de dom àquele de amor é espontâneo. O maior dom de Deus é a

caridade. O Espírito Santo é chamado Dom por causa do amor132. E como diz o

Apóstolo Paulo o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo

Espírito Santo que nos foi dado133

Um elemento importante no De Trinitate é aquele da purificação. Esta

constitui o pano de fundo da obra

.

134. A purificação deve ser entendida não

como remissão dos pecados, mas como a remoção dos obstáculos que

impedem a liberdade de crescer na caridade. A purificação permite uma

caminhada em direção à contemplação e ao exercício desta última. A

purificação nos vem por meio da fé a quem é prometida a visão. Escreve no

livro IV que: «A mente racional uma vez purificada deve aplicar-se à

contemplação do eterno»135. Para purificar-se deve aderir por meio da fé das

coisas temporais, entendendo por coisas temporais as obras que a Trindade

realizou no tempo para a nossa salvação. Neste sentido cita Platão que afirma

no Timeu que aquilo que a eternidade é em relação ao princípio, assim o é a

verdade em relação à fé136

Quanto mais somos mutáveis mais distanciados estamos da

eternidade. Todavia, nos foi prometido a vida eterna mediante a verdade, da

qual evidência nos mostra a fé, que de um certo modo, está tão longínqua,

assim como está a nossa mortalidade da eternidade. Porém, é necessário crer

nas coisas feitas no tempo para a nossa salvação, pois esta fé nos purifica; nos

conduzindo à visão. Então, assim como à fé toma lugar a verdade, assim à

.

131 Cf. De Trin. V, 14, 15. 132 De Trin. XV, 18, 32. A. TRAPÉ. Introduzione, p. XLVII. 133 Rom. 5, 5. 134 I. QUILES, «Para una interpretación integral de la ‘iluminação agustiniana”»: Augustinus 10 – 11

(1958), pp. 255 – 268; F. CAYRÉ, Initiacion à Ia philosophie de saint Augustin, Paris 1947, pp. 216 – 234; M. F. SCIACCA, S. Agostino, Brescia 1941, t. I pp. 329 – 345; Ed. Española, Barcelona 1955, pp. 253 – 259.

135 De Trin. IV, 18, 24. 136 Cf. PLATONE, Timeo 29c. Milano: Ed. Rusconi. A cura di Giovanni Reale.

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mortalidade tomará lugar a eternidade137. A aproximação entre mutabilidade e

eternidade, fé e verdade, é tipicamente agostiniana138. Esta aproximação entre

estes dois pólos nasce do Evangelho. A vida eterna é esta: que eles te

conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo139

4. O Pai é o princípio da deidade – «Pater totius deitatis principium»

.

Embora invisível, a missão divina é uma presença que se manifesta.

Somente que esta manifestação é puramente interior que se produz no interior da

alma, quando esta se recolhe para se ver como imagem e elevar-se à

contemplação do Verbo. A alma experimenta, então, em si mesma, a presença do

Verbo-Sabedoria. Esta experiência, porém, não é isolada mas sempre está

relacionada com o Pai. Fazer a experiência do Verbo é fazer a experiência da sua

relação com o Pai. O Verbo ao manifestar a si mesmo, manifesta também o Pai. Na

sua missão invisível, Ele mesmo se apresenta como o testemunho do Pai. Para o

Filho, nascer é ser do Pai; ser enviado é conhecer a sua procedência do Pai. O

mesmo se pode dizer do Espírito Santo, ser Dom é proceder do Pai e ser enviado é

reconhecer que procede d’Ele140. O Verbo de Deus é enviado pelo Pai do qual

provém. Um é aquele que engendra, outro o engendrado. Pelo fato de nascer do

Pai não significa afirmar que o Filho tenha sido enviado, senão somente quando

vem a este mundo e se faz carne141. O Filho de Deus se fez homem, enviado pelo

Pai, a fim de dar aos homens o poder de tornarem-se filhos de Deus, de ter com

Deus uma relação de paternidade no Espírito Santo142

137 De Trin. IV, 18, 24.

. O Pai e o Filho possuem

cada um uma maneira pessoal de agir. Ao Filho é apropriada uma função

mediadora. É por meio de seu Verbo que o Pai age ad extra. Explica Agostinho que

somente o Pai permanece invisível e, portanto, vem designado de preferencia como

138 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XLIX. 139 Jo 14, 3. 140 De Trin. IV, 20, 29. 141 Cf. De Trin. IV, 20, 28. 142 De Trin. XIII, 9, 12.

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sendo o princípio da missão. Dizemos, porém, que a manifestação do Filho é obra

do Pai e do Filho, dizemos ainda com pertinência que o Filho é enviado e que se

manifesta na carne. O Pai que o envia não se faz visível corporalmente143. «O Pai

enquanto pronuncia sua Palavra eterna, possui um título especial, a apropriação da

missão do Verbo. Mas Agostinho entende primeiramente, e, sobretudo convence

seus leitores, que o Filho é também o autor de sua própria missão: o Verbo-Deus

envia o Verbo-Homem»144. Como enviou Deus a seu Filho? Segundo nosso autor é

certo dizer que isto ocorreu por meio da palavra, e a palavra de Deus é o mesmo

Filho de Deus. Ou seja, quando dizemos que o Pai enviou o Filho mediante o seu

Verbo, significa afirmar que foi enviado pelo Pai e pelo seu Verbo. Logo o Filho foi

enviado pelo Pai e pelo Filho, já que o Filho é o Verbo do Pai145. Ainda no Livro II,

capítulo 5 do De Trinitate, escreve Agostinho: «Tendo tomado a forma de servo,

retendo a forma imutável de Deus, é manifesto que o Pai e o Filho, ambos

invisíveis, criaram o que é no Filho visível. Quer dizer, o que é visível foi enviado

pelo Pai e o Filho que são invisíveis»146. A missão do Filho pelo Pai, no entanto,

não se realiza sem a participação do Espírito Santo, e isto não somente porque

compreendemos que o Pai, quando envia seu Filho formado de uma mulher, não o

formou sem a participação do Espírito Santo, mas ainda porque está escrito de

modo claro e explícito nas Sagradas Escrituras147. «A concepção e parto de Maria

é obra da Trindade»148

A missão é uma extensão temporal do eterno processo gerador do Pai

enquanto princípio único. O Filho é eternamente gerado pelo Pai, e esta

fecundidade geradora do Pai para com o Filho, não faz do segundo, menor que

o Primeiro, mas um só e mesmo Deus, inseparáveis um do outro. Portanto, «o

Pai possui como princípio uma autoridade sobre o Filho de sua dileção, pois ele

.

143 Cf. De Trin. II, 5, 9; IV, 20, 28; É. BAILLEUX, «La Christologie de Saint Augustin dans le De

Trinitate», p. 236. 144 Ibid. p. 236. 145 Cf. De Trin. II, 5, 9. 146 De Trin. II, 5, 9. 147 Cf. De Trin. II, V, 8. Cf. É. BAILLEUX, «La Christologie de Saint Augustin dans le De Trinitate», p. 236. 148 De Trin. II, 5, 9.

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é engendrado com amor, esta autoridade não comporta nenhuma inferioridade

no Filho»149. O fato de o Filho ser enviado pelo Pai não significa que um seja

maior e o outro inferior, mas sim que um é Pai e o outro é Filho; um é o gerador,

o outro gerado. Um é aquele que envia o outro o que é enviado150. O caminho

da Escritura nos conduz até o Pai e a contemplar nele o início da missão. Neste

sentido, conforme Bailleux, Agostinho supõe, além da atividade eficiente da

ordem divina, o exercício mesmo da fecundidade trinitária, onde, o Pai é a

nascente originária. «À sua geração pelo Pai, o Filho deve sua existência

eterna, ele deve também sua presença temporal no homem assumido por

ele»151. É neste sentido que temos que entender a missão do Filho, pois foi

enviado não somente porque o Verbo se fez carne, mas também porque foi

enviado para que se fizesse carne. Ou seja, o Filho se encarnou, para que se

entenda não apenas que o Verbo é o homem enviado, mas também que foi

enviado para que se encarnasse152

5. Jesus Cristo, único mediador

.

A unicidade de Deus é uma constante fundamental do Novo

Testamento. Junto com esta afirmação, o Novo Testamento nos apresenta

unidos ao Pai, e em sua obra salvífica, o Filho e o Espírito Santo. Jesus Cristo,

o Filho unigênito, é único mediador entre Deus e os homens, aparece unido a

Deus Pai em sua obra criadora. O mesmo se dá com o Espírito Santo que está

intimamente unido ao Pai e ao Filho. Cristo é o único mediador, por meio dele

multiplicidade e unidade se encontram numa relação harmônica. Em Cristo toda

a criatura é convidada, através de suas obras, e à sua maneira, proclamar a

futura chegada do Uno153

149 É. BAILLEUX, «La Christologie de Saint Augustin dans le De Trinitate», p. 239.

. Em Cristo somos justificados pela fé, e reconciliados

150 Cf. De Trin. IV, 20, 27. 151 É. BAILLEUX, «La Christologie de Saint Augustin dans le De Trinitate», p. 240. 152 De Trin. IV, 20, 27. 153 De Trin. IV, 8, 12.

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com Deus. Ele é o Mediador. Através dele «nos uniremos ao Uno, gozaremos

do Uno e no Uno permaneceremos»154. E assim que «o mesmo Filho de Deus,

Verbo de Deus, mediador entre Deus e os homens, Filho do homem, igual ao

Pai pela sua divina unidade, irmão nosso por participação, nosso intercessor

diante do Pai, enquanto homem, não silencia sua unidade com o Pai»155. Jesus

é o único mediador entre Deus e os homens. A partir da vida concreta de Jesus

podemos falar dele como Palavra e imagem do Pai. Somente à luz de sua

existência concreta este título de mediador recebe seu pleno conteúdo156.

Agostinho faz referência ao texto de João157. Como o Pai e o Filho formam uma

mesma essência e unidade de amor, assim também, aqueles de quem o Filho é

mediador diante de Deus, não somente sejam uno em virtude da identidade de

natureza, como também em unidade de amor158

Diversamente dos padres gregos, que começavam a sua exposição

Trinitária com a pessoa do Pai, como fonte do Filho e do Espírito Santo,

Agostinho concebe a Trindade acentuando a natureza divina antes que a

relação das pessoas. Isto não significa afirmar que ambas concepções sejam

inconciliáveis.

.

159

154 De Trin. IV, 8, 11.

De fato os quatro primeiros livros de sua obra De Trinitate têm

155 De Trin. IV, 8, 12. 156 Cf. L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 323. 157 Jo 17, 20-23. Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em

mim, a fim que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um. Eu neles e tu em mim para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim.

158 Cf. De Trin. IV, 9, 12. 159 Isto não significa afirmar que haja uma incompatibilidade entre a teologia grega e aquela de

Agostinho. Ao menos nos últimos anos, renomados intérpretes reagiram contra uma posição restritiva e mesmo negativa com relação à teologia trinitária de Agostinho, sobretudo diante da acusação de ser demasiada ocidental, e ainda às críticas feitas a Agostinho de ter ‘ontologizado’ a Trindade, e mesmo referente a prospectiva econômica do Bispo de Hipona. Ver por exemplo: I. CHEVALIER, Saint Augustin et la pensée grecque. Les relations trinitaires, Friburgo 1940; F. BOURASSA, «Théologie trinitaire chez saint Augustin», pp. 675 – 725. B. STUDER, «La teologia trinitaria in Agostino d’Ippona. Continuità della tradizione occidentale»? Mysterium Caritatis, pp. 291 – 210. Escreve Bourassa: «De même on n’a jamais montré que la démarche dogmatique d’Augustin fut à l’opposé de celle de la théologie grecque, ou que sa théologie trinitaire, dans son ensemble, même sa démarche systématique, soit sans lieu avec l’économie». F. BOURASSA, «Théologie trinitaire chez saint Augustin», p. 676.

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por objetivo demonstrar a unidade e igualdade da Trindade Soberana160. Dedica

todo o capitulo 6 do livro I do De Trinitate para provar através da Sagrada

Escritura que o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai, consubstanciais e

coeternos na unidade da Trindade. A razão de que toda a predicação absoluta

deve fazer-se em singular radica na identidade da essência e dos atributos

divinos. «Para Deus não é uma realidade o ser e outra o ser grande, porque

nele se identificam o ser e a grandeza; e assim como não dizemos três

essências senão uma, assim tampouco dizemos três grandezas, senão uma

grandeza»161. O que intenta Agostinho é iluminar de algum modo o que é

ininteligível, apelando ao conceito de verdade e sua relação com o conceito de

grandeza. A verdade não admite graus. Em Deus a verdade é por essência e

não por participação162. Para explicar a igualdade entre o Pai e o Filho, o

argumento do qual se utiliza Santo Agostinho é o argumento da Iuz163. É

impossível que a luz que emana seja mais tênue que aquela da qual emana, e

possua maior esplendor daquela. Se fosse mais tênue seria obscuridade desta

luz e não seu esplendor; se fosse mais viva, não emanaria daquela, já que não

é possível superar em claridade a luz da qual foi engendrada. Assim que, se

emana da luz, não pode ser mais intensa; e como não é sua obscuridade,

senão seu esplendor, não pode ser menor. Logo são iguais164. Quando dizemos

que o Verbo é igual ao Pai, assegura Agostinho, utilizamos as expressões:

lumen de lumine, sapientia de sapientia, essentia de essentia165. Ou utilizamos

aquilo que é igual substantia de substantia166

.

160 De Trin. XV, 3, 5. 161 De Trin. V, 10, 11. 162 Cf. F. MORIONES, «La Santisima Trinidad, segun San Agustín»: Augustinus enero – junio

(1993), p. 372. 163 De Trin. IV, 20, 27. 164 De Trin. IX, 20, 27. 165 De Trin. XV, 14, 23. 166 De Trin. XV, 20, 38.

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6. A Encarnação do Verbo nos dispôe ao conhecimento da verdade

Nas páginas do livro IV, Agostinho expõe a teologia do Verbo

encarnado. Todas as teofanias fazem referência à encarnação do Filho de

Deus, por quem foram feitas todas as coisas. Não somente aquelas que

existem na atualidade, mas também tudo quanto existiu ou existirá no futuro.

«No Verbo tudo é vida, e tudo é unidade, e quanto maior a unidade mais

perfeita é a vida»167. Assim, pois, tudo que existe foi criado por Ele, e tudo

quanto existe na criação é vida Nele. A sua vida não foi criada, porque no

princípio não foi feito o Verbo, senão que o Verbo estava em Deus, o Verbo era

Deus, e todas as coisas foram feitas por Ele168. A encarnação de Cristo como

Salvador, redentor e único mediador entre Deus e o homem é o ponto central

do dogma cristão da encarnação. Existe uma tensão vital entre o divino e o

humano no mistério de Jesus, no qual Cristo constitui o coração da revelação

cristã169. Santo Agostinho concebe Cristo como o «Sacramentum» do homem

interior, e divinizador do «eu» itinerante. A única morte de Jesus redime o

homem de sua dupla morte: a do pecado e a corporal170

167 De Trin. IV, 1, 3.

. Dizer que Cristo é

Sacramentum, não significa dizer que ele seja somente a fonte dos ritos

sacramentais ou do significado do símbolo, senão que – em verdade – Cristo é

o mistério da presença de Deus na Igreja, enquanto assembléia sacramental.

Cristo é em sua humanidade, para sempre, o modus ou o «caminho», nosso

168 Jo 1, 1 – 3. 169 Segundo Oldfield: mediante suas reflexões sobre o mistério de Cristo, Agostinho esforçou-se em

preservar a regula fidei, a realidade «verdadeiro Deus/verdadeiro homem», que é Cristo. Engrandecer a divindade de Cristo à custa de sua humanidade seria trivializar a ordem temporal e a missão histórica de Jesus; minimizar a divindade de Cristo seria trair sua missão totalmente e anular o ato redentor. Com efeito, se Cristo não é humano, a humanidade não haveria conhecido «o caminho», porém, se não fosse divino, não haveria tido vitória. Cf. J. OLDFIELD, «Las dimensiones cristológicas de la interioridad agustiniana»: Augustinus 135 – 136 (1989), p. 284.

170 Assim escreve Agostinho em seu livro sobre a Trindade: Cristo não foi um pecador ou um ímpio, para que tivesse necessidade de renovar-se segundo o homem interior, como se fosse um espírito morto, nem retornar à vida de justiça pela penitência; porém, vestido de carne mortal, morre somente na carne e ressuscita somente na carne, e assim a harmoniza com nossa dupla morte, sendo sacramento do homem interior e exemplo do exterior. Cf. De Trin. IV, 3, 6.

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homem exterior, o homem temporal e de carne, é em seu próprio caminho uma

encarnação, a imitação de Cristo171. Segundo Pelikan, O Cristo de Agostinho

emerge das considerações trinitárias na tríade clássica de «a beleza, a verdade

e o bem», enriquecida pela tríade evangélica de «o caminho, a verdade e a

vida»172. Gradualmente, a tão apaixonada sabedoria, sinônimo da verdade,

buscada pelos filósofos, converte-se em especial designação para a Segunda

pessoa da Trindade. A encarnação do Verbo dispõe o homem ao conhecimento

da verdade. O Verbo é a luz que brilha nas trevas, mas as trevas não o

acolheram173. Para O Bispo de Hipona, interpretando esta passagem do

evangelho de João, as trevas são a mente obtusa dos homens, cegados pela

concupiscência. Para curar e sanar a concupiscência o Verbo se fez carne e

habitou no meio de nós. A iluminação do homem consiste em participar da luz

do Verbo, ou seja, da vida do Verbo que é luz para todo o mortal174. A

encarnação tem um fim que é a purificação dos homens, devido ao excessivo

apego às coisas temporais. A encarnação do verbo é dada no tempo, pois,

somente através do temporal era possível tal purificação que permite a

contemplação das realidades eternas. É assim que «a mente racional uma vez

purificada, deve aplicar-se à contemplação do eterno»175. Antes da encarnação

o ser humano estava como doente das coisas deste mundo. A Encarnação do

verbo consiste, portanto, no remédio, capaz de curar a enfermidade dos

homens, fruto do pecado. «E se não existisse a enfermidade, não haveria a

necessidade de médico, que em hebreu se denomina Jesus, em grego Sóter, e

no nosso idioma Salvador»176

Por quê Cristo se encarnou? Não teria Deus um outro modo de revelar-se

aos homens, sem para isto ter que expor seu Filho unigênito? Deus, na sua

.

171 Cf. J. OLDFIELD, op. cit., p. 285. 172 J. PELIKAN, Jesús through the centuries: his place in the history of de culture, New Haven (Yale

University Press), 1985, p. 7. 173 Jo 1, 5. 174 Cf. De Trin. IV, 2, 4. 175 De Trin. IV, 18, 24. «Mens autem rationalis sicut purgata contemplationem debet rebus aeternis». 176 De Trin. XIII, 10, 14.

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liberdade, poderia ter usado outro modo de revelar-se aos homens, mas assim o

fez, porque assim o quis177. Crer que a sabedoria divina não teve outro recurso

para salvar o mundo que o decreto da encarnação do verbo, seria uma

loucura178. A encarnação é fruto da bondade e da misericórdia absoluta de Deus.

Pela encarnação pode a natureza humana ser intimamente unida ao mistério,

onde Deus revela o apreço que tem pela pessoa humana. O mistério do Verbo

Encarnado alimenta nossa esperança de imortalidade, e mostra que Deus ainda

confia no homem, elegido seu antes da constituição do mundo179

177 Na encarnação do verbo, a sabedoria de Deus brilha com próprios fulgores, sobre o mar dilatado

de nossa miséria. Santo Tomás dirá mais tarde que a encarnação é necessária ad melius esse reparationis.

. O mistério do

Verbo Encarnado faz compreender ao homem o posto que ocupa na criação. Era

conveniente a Encarnação do Filho, a fim de que, por meio de Cristo nascesse

em nós a fé na verdade. Pelo fato de termos nascidos, não poderíamos alcançar

a eternidade sem a força e a graça daquele que é eterno, e que nasceu como

nós, associando-se à humanidade para comunicar-nos sua mesma eternidade.

«Nossa fé se dirige onde subiu Cristo, objeto de nossa crença, e assim cremos

em seu nascimento, em sua morte, em sua ressurreição, e em sua ascensão.

Destas quatro verdades, duas as experimentamos na vida diária, o fato que todo

178 Santo Tomás trata do mistério da Encarnação na Terça parte de sua Suma de Teologia. Da 1ª questão à 59ª, dividindo o tratado em duas partes principais. Na primeira parte expõe o Mistério em si; na Segunda considera, sobretudo, o fato, isto é, a atuação deste mistério na vida de Jesus Cristo. Seguindo os passos de Agostinho, O Aquinate fala da necessidade, e da conveniência desta união da natureza divina com a natureza humana na única pessoa do Verbo (q. 1, art. 1 e 2). Uma coisa pode ser necessária, como meio para alcançar um fim, em dois modos: ou como um meio sem o qual o fim desejado não se pode realizar, como, por exemplo, quando se diz que o alimento é necessário para a conservação da vida humana, ou, como um meio, com o qual é mais conveniente do que qualquer outro, para se alcançar o fim: por exemplo quando se diz que o cavalo é necessário para viajar. (q.1, art. 2). A encarnação do Verbo não foi totalmente necessária para a reparação do gênero humano. Deus poderia, sem dúvida alguma, reparar com a sua onipotência em mil outros modos a natureza humana. A Encarnação do Verbo foi um meio conveniente para a reparação humana. Mas, acrescenta, Santo Tomás (art. 1), têm ainda um outro argumento racional, pelo qual parece conveniente, da parte de Deus, a obra da Encarnação; é o seguinte: é da essência mesma do bem comunicar-se e expandir-se. bonun est diffusivum sui.

179 Ef. 1, 4.

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o homem nasce e morre. As outras duas, ressuscitar e subir aos céus, fazem

parte do alimento de nossa esperança)180

7. O Pai e o Filho, princípio do Espírito Santo

.

O Espírito Santo em suas características peculiares aparece no Novo

Testamento como sujeito, como centro de atividade. Apesar deste dado, está

presente ao longo da história da Teologia uma certa dificuldade que desde

sempre suscitou o discurso sobre o Espírito Santo181. O Novo Testamento fala

diversas vezes do Espírito Santo como dado que procede do Pai e do Filho e é

envidado pelo Pai e pelo Filho. Nos Atos dos Apóstolos, sobretudo, o Espírito

Santo aparece como Dom182. O Espírito Santo é o Dom de Deus183. Pedro

refere-se ao mesmo dom que os gentios receberam, fazendo uma alusão clara

ao Espírito Santo. Com diferentes expressões o Novo Testamento mostra que o

Pai envia o Paráclito, porque Jesus o pede, ou o envia em nome de Jesus184.

Também Jesus é aquele que envia o Espírito Santo em nome do Pai185. Jesus o

sopra sobre os discípulos186

180 Cf. De Trin. IV, 18, 24.

. Agostinho insiste com freqüência sobre este

caráter do Espírito Santo enquanto procedência, dom e enviado do Pai e do

181José Comblin constata isso especialmente no fazer teológico da América Latina em que a reflexão teológica se dá principalmente em torno da cristologia: «A recente teologia latino-americana dedicou-se sobretudo à teologia fundamental. Tratou de definir a sua identidade sobretudo face à teologia ocidental, particularmente face à teologia política do ocidente. Em seguida desenvolveu uma cristologia renovada, baseada no estudo de Jesus histórico. Para a mediação entre Jesus e os nossos tempos, deu muita atenção aos conceitos sociológicos, mas esqueceu-se do Espírito Santo». J. COMBLIN, «A Teologia do Espírito Santo»: Teocomunicação 108 (1995), p. 275; Luiz Ladaria acentua muito bem em seu livro EI Dios vivo y verdadeiro que, quando se fala do mistério da Trindade, está presente o fato de que a Teologia Trinitária com muita freqüência girou em torno da relação Pai – Filho. Isto porque o caráter «pessoal» de ambos é mais claro que o do Espírito Santo e suas relações recíprocas aparecem nos mesmos nomes. O uso de três pessoas não deixa de ser um problema já em Santo Agostinho. Isto porque o uso de números em Deus não indica nada de positivo, já que em Deus não podemos falar de gênero e espécie. Cf. L. F. LADARIA, EI Dio vivo y verdadero, p. 325ss.

182 At 8, 20. 183 At 2, 38; 10, 45. 184 Jo 14, 16, 26. 185 Jo 15, 26; cf. 16, 7. 186 Jo 20, 22.

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Filho187. Assim como o Pai engendra o Filho, e o Filho é engendrado, assim o

Pai envia e o Filho é enviado, porém engendrador e engendrado são Uno, por

que o Pai e o Filho são a mesma coisa. E com eles, Uno também é o Espírito

Santo, por que os três são unidade. Nascer é para o Filho ser do Pai, e ser

enviado é conhecer sua procedência do Pai. O Espírito Santo, como Deus de

Deus, procede também do Pai, e ser enviado é reconhecer que procede d’Ele.

O Espírito Santo procede também do Filho porque é Espírito do Pai e do Filho.

«Logo uno é o Espírito de Deus, Espírito do Pai e do Filho, Espírito Santo, que

opera todas as coisas em todos»188. Este Espírito Santo é por antonomásia

espírito do Pai e do Filho, que no homem se manifesta enquanto Dom de Deus.

Dom do Pai e do Filho189. Nosso autor parte da unidade divina, onde o Pai é o

princípio da divindade190. A paternidade divina se mostra primeiramente na

plena comunicação da divindade ao Filho e ao Espírito Santo. De acordo com

Ladaria, o fato que o Pai seja o único princípio sem princípio da divindade se

mostra também, paradoxalmente, no ensinamento agostiniano da processão do

Espírito Santo do Pai e do Filho. Mas para o Bispo de Hipona o Espírito procede

«principalmente» do Pai, porque somente do Pai o Filho recebe o ser. Somente

em virtude desta característica do Pai de ser o único princípio pode o Espírito

Santo ser o Espírito dos dois191

187 De Trin. IV, 20, 29.

. À afirmação do Pai como princípio único segue

aquela da igualdade das três pessoas divinas. O Pai é o princípio da Trindade,

enquanto é em relação com o Filho e com o Espírito Santo. E com as outras

duas pessoas divinas é o Deus criador e princípio de todas as coisas. «O Deus

188 De Trin. IV, 20, 29. «Unus enim est Spiritus Dei, Spiritus Patris et Filii, Spiritus sanctus, qui operatur omnia in omnibus».

189 Cf. De Trin. V, 11, 12. 190 De Trin. IV, 20, 29. «Totius divinitatis vel si melius dicitur deitatis principium pater est». 191 Cf. L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica», p. 119. «Sant’Agostino ha

seguito l’interpretazione che Ilario e i Cappadoci hanno dato di Gv 14, 28. ‘il Padre è più grande di me’. II Padre è più grande in quanto genera e invia, ma questo non vuol dire che il Figlio sia minore. (Cf. De Trin. IV, 20, 27).

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Uno pode ser identificado, neste sentido, com o Pai, mas sempre na sua

relação ao Filho e ao Espírito Santo»192

Já tivemos ocasião de referir a questão colocada por Agostinho sobre o

por que se chama o Espírito Santo de dom, sendo que não havia sido dado

antes de um momento determinado, embora tenha sido sempre «donável» pois,

esta propriedade pertence ao ser divino

.

193. Para o Bispo de Hipona, o Espírito

Santo desde a eternidade procede para ser dado, e, como dom está em relação

com a sua processão do Pai e do Filho194. O nome de dom indica doação

incondicional e gratuita. É precisamente o amor que possibilita e comporta tal

doação. «Ainda que o Filho também seja dado, se diz que o Espírito Santo é

dom porque procede do Pai este amor; por ele dom é o seu nome específico,

como o Filho se diz que é imagem porque procede a modo do verbo195

De fato Jesus é a imagem de Deus, por meio dele Deus sai de si

assumindo a própria realidade criada. O Espírito Santo possui esta capacidade de

difundir-se, sobretudo, de aperfeiçoar a criação realizada pela mediação do Filho.

Envia teu sopro e renasce a criação; e renovas a face da terra

. E assim

como o Pai e o Filho, O Espírito Santo é a grandeza, a bondade, a sabedoria e

a santidade por excelência. Por vezes a Sagrada Escritura utiliza o termo

spiritus para designar algumas das partes integrantes da alma, porém, em

sentido próprio se aplica à terceira pessoa da Trindade por sua referência

relativa ao Pai e ao Filho. Deste modo o Pai é Espírito, e Espírito o é também o

Filho, e por esta razão Deus se define como Spiritus.

196. Segundo a carta

de São Paulo aos Gálatas197

192 L. F. LADARIA, «La fede in Dio Padre nella Tradizione Cattolica», p. 125.

, o Dom do Espírito Santo vem associado ao gozo e à

fruição. Em Agostinho o dom comporta: o uso e também o amor, o gozo e a

193 De Trin. V, 15, 16. 194 De Trin. IV, 20, 29. 195 L. F. LADARIA, EI Dios vivos y verdadero, p. 334. 196 SI. 104, 30. 197 Cf. GI 5, 29.

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felicidade198. «O Pai e o Filho se amam, enquanto se amam, «gozam» um do outro

no Espírito Santo que é amor, e nosso gozo de Deus possui semelhança com o

Espírito Santo que é a suavidade do Pai e do Filho»199

8. As teofanias divinas

.

No início do capítulo II do De Trinitate, Agostinho expõe o plano de sua

obra: contestar aquilo que seus adversários ignoram saber, ou seja, «que a

Trindade é um só, único e verdadeiro Deus, e que o Pai, o Filho e o Espírito

Santo são de uma mesma essência e substância divina»200. Esta afirmação

primeira deve ser buscada na autoridade das Sagradas Escrituras. Em seguida

na vontade do próprio Deus que vem ao socorro daqueles que buscam a

verdade201. O Doutor da Graça começa explicando uma série de testemunhos

da Escritura, que contém a prova da perfeita divindade do Filho202 e do Espírito

Santo203

198 De Trin. VI, 10, 11.

. A partir do mesmo livro, capítulo X, faz um vasto comentário sobre as

manifestações do Pai no Antigo Testamento, começando pela aparição a Adão

e a visão de Abraão. No Gênesis está escrito que Deus falou ao homem,

formado do limo da terra. Mesmo que o texto não faça referência explícita, vem-

nos uma pergunta: teria Deus tomado uma aparência humana? Sobretudo,

conforme a linguagem usada pelo Livro das Origens, onde narra que ao

entardecer Adão ouviu a voz de Deus, que passeava pelo jardim, e se

escondeu na sombra. Quando Deus chama e interroga Adão, este diz que ouviu

a voz de Deus que chamava, mas que se ocultou de sua face porque estava nu.

199 Tomás de Aquino STh, I, 39, 8; segundo interpretação de Ladaria: «El Espíritu Santo es por tanto el don de Dios en persona en cuanto por éI gozamos de Dios. Ya desde el Nuevo Testamento aparece com estas características. Es don del Padre y del Hijo vistos en su unidad, sobre todo cuando Jesús, el Fujo encarnado, exaltado a la derecha del Padre, lo envía a los apóstoles y a la Iglesia toda. En el Espíritu, don de los dos, se manifiesta la unión del Padre y del Hijo. Este es el punto a partir del cual podemos considerar la cuestión dei Espíritu como unión y amor del Padre y del Hijo en la Trinidad». L. F. LADARIA, EI Dios vivo y verdadero, p. 337.

200 De Trin. I, 2, 4. 201 Cf. De Trin. I, 2, 4. 202 De Trin. I, 6, 9. 203 De Trin. I, 6, 13.

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Até que ponto pode-se falar de uma epifania do Pai? De um lado a Bíblia

explicita este caráter misterioso de Deus, cuja essência e transcendência estão

além de toda compreensão e razão humanas, e, portanto, inacessíveis. De

outro lado diversas passagens do Antigo Testamento dizem que Deus

conversava com o homem. Como pode Deus conversar com o homem a não

ser através de uma aparência humana? Quem, pois, era este? Pergunta

Agostinho, era o Pai, o Filho ou o Espírito Santo? Ou foi a Trindade indivisa a

que assumiu humana aparência e conversou com o homem204? E se Deus Pai

falou ao primeiro homem e passeou pelo Éden na penumbra do entardecer, e

de seu rosto escondeu-se na floresta o pecador. Por que não admitir que foi Ele

quem também apareceu a Moisés, a Abraão e a todos aqueles a quem houve

por bem se manifestar205? A Trindade opera sempre inseparavelmente206, seja

na criação, onde «o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só princípio, como

são um só criador e um só Senhor»207, seja nas teofanias do Antigo e do Novo

Testamentos. «Toda a Trindade atua na voz do Pai, na carne do Filho e na

pomba do Espírito Santo, embora cada uma destas três ações se refira a uma

Pessoa distinta»208. Conforme faz notar Trapé: «Estas afirmações suscitam uma

séria dificuldade: como se pode dizer que só o Filho se encarnou se a

Encarnação é obra de toda a Trindade»209? Responde Agostinho que de algum

modo a Trindade, inseparável em sua essência pode manifestar-se

separadamente na criatura sensível210

204 De Trin. II, 10, 17.

. Em outras palavras, a natureza humana

205 De Trin. II, 10, 17. 206 De Trin. II, 10, 18. Segundo o Pe. Luis Arias, referente a esta passagem: «Significa um progresso

indiscutível na teologia trinitária esta insistência de Agostinho em fazer toda ação ad extra obra indivisa das três divinas pessoas, se bem que atribui a cada uma delas a operação que melhor se acomoda a seu caráter de origem. Os escolásticos dirão que se trata de uma simples apropriação». L. ARIAS, lntroducción, p. 198. Cf. De Trin. I, 6, 12.

207 De Trin. V, 14, 15. 208 De Trin. IV, 21, 30. 209 A. TRAPÉ. Introduzione, p. XXV. 210 De Trin. IV, 21, 31.

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de Cristo é obra da Trindade, mas pertence somente a pessoa do Filho,

portanto somente o Filho se encarnou211

O mesmo vale para a voz do Pai e para a pomba ou as línguas de fogo

do Espírito Santo; com a diferença que a natureza humana foi assunta para

sempre na unidade da Encarnação do Verbo, ao passo que a voz e a pomba e

as línguas de fogo não se uniram à pessoa do Pai e do Espírito Santo. Foram

usadas provisoriamente para revelar aquilo que a Trindade queria manifestar,

ou seja, o Pai e o Espírito Santo operantes na história da salvação

.

212. A

Trindade atua na voz do Pai, na carne do Filho e na pomba do Espírito Santo,

porém, nós apropriamos a cada uma das divinas pessoas tais ações. Isto

mostra de algum modo como a Trindade, inseparável em sua essência pode

manifestar-se separadamente na criatura sensível213. Segundo Agostinho,

«nada impede que as palavras dirigidas a Adão tenham sido pronunciadas pela

Trindade, manifestando ao mesmo tempo uma pessoa da Trindade»214. Por

exemplo, quando lemos nas Escrituras: Este é meu Filho, o amado215, nos

vemos obrigados a reconhecer a voz do Pai, porque Jesus é o Filho do Pai, não

do Espírito Santo. Outras passagens da Sagrada Escritura que se referem

exclusivamente ao Pai, por exemplo: te glorifiquei e voltarei a te glorificar. Et

clarificavi, et iterum clarificabo. É uma resposta de uma petição do Filho: Pai

glorifica a teu Filho216, onde só se pode aludir ao Pai. No entanto, referente

àquela passagem onde diz: e disse o Senhor Deus a Adão217, não existem

razões de por que não dizer a Trindade218

211 Os escolásticos exprimiam esta mesma doutrina com sua própria terminologia. A Encarnação

efficienter é obra das três Pessoas, terminative somente do Filho. O mesmo para a manifestação – excluindo a manifestação Hipostática – do Pai e do Espírito Santo. Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, n. 48, p. XXV.

.

212 De Trin. II, 6, 11; II, 7, 12; II, 10, 18; IV, 21, 30. 213 De Trin. IV, 21, 30. 214 De Trin. II, 10, 18. 215 Mt 3, 17. 216 Jo 17, 1. 217 Gn 1, 28. 218 Cf. De Trin. II, 10, 18.

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De modo similar sucede com Abraão. Disse o Senhor a Abraão: sai da

tua terra e de tua família e da casa de teu Pai219, aqui não está claro se soou

palavras nos ouvidos de Abraão ou mesmo se este tenha sido beneficiado por

uma visão. «Não se determina de que forma apareceu o Senhor, ou se foi o Pai,

ou se foi o Filho, ou se foi o Espírito»220. De outra parte, não consta com

evidência se apareceu a Abraão uma das pessoas da Trindade ou o Deus

Trindade. Agostinho analisa também os textos que falam da aparição a Moisés,

e a revelação da lei no Sinai. Quanto ao Sinai, não é fácil determinar se foi uma

aparição do Pai, do Filho ou do Espírito Santo. O Teólogo de Hipona sente-se

inclinado a dizer que foi uma aparição do Espírito Santo. «Pois a Lei

promulgada no Sinai diz-se que foi escrita em tábuas de pedra pelo dedo de

Deus, e sabemos que este nome designa no Evangelho o Espírito Santo»221.

Terá visto Moisés a face de Deus? Mas quem viu com os olhos do corpo a Deus

Pai, ou mesmo quem terá visto com os olhos da carne aquele que era já no

princípio o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus, por quem

foram feitas todas as coisas222? Quem terá visto com os olhos do corpo ao

Espírito de Sabedoria? Quem se atreveria a sentenciar que abaixo das referidas

aparências se revelou a essência de Deus aos olhos dos mortais? Toda

missão223, no sentido teológico da palavra, é uma teofania. Agostinho pergunta-

se se nas aparições do Antigo Testamento era o Pai que se revelava, ou era o

Filho, ou o Espírito Santo; ou mesmo se aparecia algumas vezes o Pai, outras o

Filho e algumas o Espírito Santo, ou finalmente, se revelava tão somente a

Trindade indivisa224. Segundo o comentário de Luis Arias ao livro De

Trinitate225

219 Gn 12, 1.

, Agostinho refuta um erro muito em voga, dos que faziam da

220 De Trin. II, 10, 18. 221De Trin. XV, 26. 222Jo 1, 1. 223G. MADEC, «La meditación trinitaria de Agustín»: Revista Católica Internacional 22 (2000), p. 219. 224Cf. J. LEBRETON, «Saint Augustin théologien de la Trinité. Son exégèse de théophanies»: Miscellanea

Agostiniana 11 pp. 821 – 836. 225 L. ARIAS, Introducción, p. 31s.

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invisibilidade atributo exclusivo do Pai. Estes faziam do Filho e do Espírito Santo

mutáveis, e, portanto, criaturas. Como princípio há de estabelecer previamente

a invisibilidade das três divinas pessoas. O Deus invisível por natureza é o

Deus-Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. O Bispo de Hipona fala da

dificuldade de conhecer plenamente a substância imutável de Deus. Ele é o

Criador das coisas transitórias, que sem nenhuma mudança temporal em si, cria

as coisas temporais. «Para poder contemplar inefavelmente o inefável é

fundamental purificar nossa mente»226. Agostinho faz uma exegese das

teofanias de modo objetivo e sem ares de polêmica227. Detém-se ao comentário

do texto sagrado e não vai além do verossímil. Reconhece a dificuldade de

precisar, por exemplo, a pessoa que apareceu ao patriarca Abraão. Em idêntica

perplexidade se encontra diante da aparição de Yahweh ao seu servo Moisés

em meio à sarça ardente que lhe diz: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de

Abraão, Isaac e Jacó228. Não se exclui aqui a teofania do Filho; porém, como

Deus é o Pai, e Deus é o Espírito Santo, e Deus é a Trindade soberana, não é

fácil determinar qual destas três pessoas representava o anjo, dado que seja

um dos espíritos angélicos, ou se representava uma das divinas pessoas, ou a

Trindade229. De qualquer modo, existe no Antigo Testamento uma teofania

evidente do Pai. É aquela do ancião e do Filho do Homem que aparece no livro

de Daniel230

226De Trin. I, 1, 3. Agostinho refere-se aqui na visão intuitiva, em direção a qual peregrinamos pelas vias

luminosas da fé. L. ARIAS, Introducción, n. a, p. 118.

. «Eis aqui um Pai que se dá a um Filho que recebe um império

227 Mais adiante, no seu mesmo tratado De Trinitate assim expressa Agostinho: não obstante, não devemos envolver-nos na nebulosidade da carne até crer que o rosto de Deus é invisível e visível seus ombros. Porque em sua forma de servo ambas partes são visíveis. Porém livremos Deus de pensar outro tanto de sua forma divina. Longe de nós crer que o Verbo de Deus e a Sabedoria de Deus tenham rosto e ombros como o corpo humano, ou que mude de aspecto ou posição no espaço e no tempo. Cf. De Trin. II, 17, 31.

228 Ex. 3, 6. 229 De Trin. II, 13, 23. 230 Dn. 7, 9 – 14. Daniel fala de suas visões noturnas. Vê o profeta um ancião sentado no trono. Suas vestes eram brancas como a neve e os seus cabelos alvos como a lã. Prosseguindo nas suas visões noturnas, ele nota vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de Homem. Ele adiantou-se até o ancião e foi dirigido até a sua presença. A ele foi outorgado o império, a honra e o reino. Para Agostinho o Ancião é o Pai, e o Filho do Homem é o Verbo, e ambos estão presentes na visão do profeta.

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eterno, e ambos se apresentam ao profeta em forma visível. Logo não há

inconveniente em admitir que o Deus Pai apareceu desta maneira aos

mortais»231

No livro III, Agostinho continua a investigar as teofanias divinas, as

quais havia mencionado no livro II. Examina minuciosamente os instrumentos

que utiliza Deus para manifestar-se à criatura: aos primeiros padres e aos

videntes de Israel, fazendo uma frutuosa excursão pelo mundo dos milagres. A

natureza do milagre está na virtude divina que governa todas as criaturas:

espirituais e corporais. Portanto, só Deus pode fazer milagres, pois só ele

possui todo o poder. Para Agostinho, milagre é um fato que acontece de

maneira não natural, tampouco se explica pela natureza. O milagre é uma ação

inusitada de Deus para dar uma lição ou ensinar algo ao homem

. Agostinho possui uma elementar prudência, e proíbe conclusões

prematuras.

232. Deus se

manifestou aos olhos humanos porque julgou oportuno assim fazê-lo. Seja

através de seus anjos, os quais Deus envia para que estes falem em seu nome,

dando-lhes uma forma corpórea de criatura material, ou mesmo outorgando-

lhes formas que exigiam as operações que deviam cumprir, assim mesmo, a

essência de Deus jamais foi vista. A essência divina é invisível. Conclui

Agostinho que as teofanias descritas no Antigo Testamento tiveram lugar por

meio dos anjos233. Deus se serve do ministério angélico para manifestar-se234

231 De Trin. II, 18, 34.

.

232Cf. De Trin. III, 7, 12. 233Cf. De Trin. III, 1, 5; aqui Agostinho faz referência da dificuldade de responder se os anjos,

permanecendo na qualidade espiritual de seu corpo, atuam mediante ela secretamente, servindo-se de elementos inferiores como se vestissem um vestido material e transformando-se em espécies corpóreas e verdadeiras. Segundo o comentário do Pe. Luis Arias: Esta incerteza sobre a espiritualidade dos anjos já está presente em Tito Bostrense, Gregório de Nisa, São João Crisóstomos, e outros escritores orientais que sustentam que os anjos são incorpóreos, asoumátos, no ocidente levantam-se pareceres contrários. De qualquer modo, a espiritualidade dos anjos, segundo insignes teólogos de nossos dias não é demonstrável por argumentos de razão. Cf. L. ARIAS, Introducción, n. b, p. 229.

234De Trin. III, 11, 22. É, pois, manifesto que todos aqueles fenômenos contemplados pelos patriarcas quando Deus lhes aparecia naqueles remotos tempos, segundo a disposição de sua economia tinham seu lugar por mediação da criatura (...). Com toda sobriedade e modéstia proclamo que ditas aparições são obras dos espíritos angélicos, e porque o creio, por isto o falo. Referente a esta passagem do De Trinitate, Legeay faz referência à interpretação quase unânime dos Padres dos quatro primeiros

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Segundo a interpretação de Niceto Blázquez, a noção de substância possui

uma importância decisiva na compreensão do sentido das teofanias do Antigo

Testamento. Está presente também o problema do conhecimento de Deus.

Como se manifestou Deus aos homens? O que de Deus podemos apreciar235?

A tese de Santo Agostinho é esta: «A natureza, substância, essência de Deus,

não pode ver-se corporalmente, não obstante, por intermédio da criatura, a Ele

sujeita, pode aparecer-se aos sentidos dos mortais em espécie ou semelhança

corporal, não somente o Filho e o Espírito Santo, senão também o Pai»236. Quer

dizer que: a substância divina, é aquilo pelo qual Deus é Deus e, enquanto ser

de Deus em si mesmo é inacessível aos olhos mortais. «O aspecto espetacular

das teofanias é somente uma aparência da substância ou realidade divina

presencializada. Admitir o contrário eqüivaleria a confundir a mutabilidade da

substância divina com a mutabilidade da criatura, o qual é indigno e

degradante»237. Agostinho faz referência a São Paulo, onde o Apóstolo

manifesta que todas estas coisas foram feitas pelos anjos em favor nosso. Isto

é, em favor do povo de Deus, a quem é prometido como herança a vida

eterna238. A palavra dirigida pelos anjos no AT é continuada agora pelo Filho no

NT239 e confirmada pelo Espírito Santo240

séculos da Igreja, que não duvidavam em ensinar que o Filho do Pai, nosso Senhor Jesus Cristo, ainda não nascido, foi quem se manifestou através das distintas aparições referidas no Antigo Testamento. Cf. G. LEGEAY, «L’ange et le théophanies, d’après la doctrine des Pêres», p. 407.

. Muitas vezes no AT, faz notar

Agostinho, o Anjo do Senhor é interpretado como o próprio Senhor, ou mesmo

poderíamos perguntar porque está escrito Disse Deus a Moisés, e não «disse o

235Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los libros De Trinitate», p. 321. 236 De Trin. II, 18, 35. 237 N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los libros De Trinitate», p. 321. 238 II Cor. 4, 13. «Tudo isso sucedeu em figura e está escrito para a nossa conversão, na qual na plenitude

dos séculos se cumpriu». 239 I Cor. 10, 11. «Estas coisas lhes aconteceram para servir de exemplo e foram escritas para a nossa

instrução, nós que fomos atingidos pelo fim dos tempos». 240 Hb. 2, 2 – 4. «A palavra promulgada por anjos entrou em vigor, e qualquer transgressão ou

desobediência recebeu justa retribuição, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? Esta começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois, foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus justamente com eles, por meio de sinais, de prodígios e de vários milagres e por dons do Espírito Santo, distribuídos segundo a sua vontade».

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anjo a Moisés». Ou ainda quando disse o profeta entendemos que é Deus

quem fala. Não se trata de silenciar a ação do profeta, mas sim entender quem

é que fala por meio de sua boca241

O De Trinitate é a expressão agostiniana das teofanias e das missões

divinas

.

242. As missões divinas não implicam inferioridade ou subordinação de

uma pessoa divina a outra243. A fé cristã, revelada no Novo Testamento e

afirmada pela Igreja, ao longo da Tradição, sustenta que Jesus é

verdadeiramente Deus, e verdadeiramente homem, ou seja, quando afirma que

Jesus é o Filho unigênito de Deus, coeterno e consubstancial ao Pai, afirma

também que este mesmo Jesus é filho de Maria, a virgem de Nazaré. Com isto

a fé cristã não se intimida em sustentar que na Pessoa do Filho estão presentes

duas naturezas que necessariamente não se contrapõem entre si: natureza

humana e natureza divina. A união da natureza humana e divina em Cristo não

foi uma união puramente acidental, mas sim uma união pessoal, ou ainda,

aquilo que a teologia chama de união hipostática. Ao longo da tradição cristã,

esta afirmação sempre foi motivo de grandes especulações e discussões. De

um certo lado a divindade de Cristo era negada das formas mais diversas e

sutis. Uns defendiam a tese de que não era Deus, outros preferiam dizer que

não se tratava do verdadeiro Deus, ao menos no plano do Pai, outros ainda,

insistiam na sua mutabilidade244

241 De Trin. III, 11, 27.

. Agostinho baseia-se no prólogo de São João e

no prólogo do Concílio de Nicéia, e para traduzir esta doutrina em linguagem

filosófica, da qual utilizam-se seus adversários, carrega uma potência

242 Sobre as missões divinas em Agostinho cf. J. L MAIER, Les missions divines selon saint Augustin, Fribourg 1960, p. 216; R. J. DESIMONE, op. cit., pp. 49 – 61.

243 M. SIMONETTI, «S. Agostino e gli Ariani»: Revue des Études Augustiniennes XIII 1 – 2 (1967), p. 64. 244 Santo Tomás parte da objeção de seus adversários: Deus desde toda a eternidade é imutável,

assim é, tanto na natureza de Deus, quanto na pessoa. Com a Encarnação, em um certo momento do tempo, da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade teria tido uma mudança: Responde o Aquinate (STh. p. III. q.l, a 1). Deus é imutável, quem pode duvidar disso? Mas o mistério da Encarnação, concebido ab eterno; pelo fato de que o Verbo se uniu a uma criatura, ou melhor, porque esta foi a ele unida, não houve nenhuma mudança na substância do verbo de Deus, mas toda a mudança aconteceu na parte do homem, isto é, na natureza humana assunta pelo Verbo divino, a qual primeiro não era unida de modo tão íntima e perfeita com Deus, e na encarnação do Verbo foi unida.

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impressionante sobre o termo substância245. Entre o Pai e o Filho existe uma

identidade entitativa inconfundível, e a fórmula mais apta para explicar

filosoficamente esta identidade é a idéia de consubstancialidade. Em Cristo,

porém, além da substância divina, podemos falar também de sua natureza

humana, sem por isto menosprezar a unidade incorpórea e imutável da

Trindade246. Em Cristo há uma substância eterna, que é seu ser divino, e uma

substância criada, resultado de sua condição humana. «Sendo o Filho Deus

homem, sua natureza humana difere em grau da natureza que o Filho recebe

do Pai, como a carne ao compará-la com minha alma»247. Esta distinção radical

entre a substância Criadora e criada aplica-se também no caso concreto de

Cristo. Este modo de falar provém da conseqüência lógica existente entre a

natureza e a substância248. O importante para Santo Agostinho é que em Cristo

não existe confusão alguma entre o humano e o divino. Os vocábulos têm

pouca importância quando se entende aquilo que se quer dizer. E o que

Agostinho quer dizer é justamente que «a substância ou natureza humana de

Cristo, por sua vez, não compromete a unidade total, do mesmo modo como o

corpo e a alma são duas substâncias ou naturezas de uma unidade superior

que é o homem concreto»249

245 Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los libros De Trinitate», p. 310.

. Deste ponto de vista não há diferença em Cristo

entre o ser e o ter, tudo nele se identifica. «Para o Filho unigênito de Deus, por

quem foram feitas todas as coisas, antes de encarnar-se e assumir a natureza

humana, não é, como para a criatura, uma realidade o ser e outra o ter, senão

246 Cf. Ibid. 311. 247 De Trin. I, 10, 20. 248 A palavra natureza como faz ver Tomás (Sth.q. 2, a. 1) vem da palavra nascer. Num primeiro

momento esta palavra foi usada para designar a reprodução dos viventes, o seu nascimento, a sua fecundidade, de modo que natureza quer dizer nascimento. Em seguida natureza vem usada por extensão para designar qualquer princípio de ação que venha de dentro. Assim dizemos: a natureza faz crescer as plantas, a natureza junto com a medicina cura, etc ...Cada coisa possui elementos internos fundamentais que não podem absolutamente mudar, sem que mude a coisa mesma. Neste sentido, natureza quer dizer, segundo Tomás os elementos essenciais que constituem cada ser na sua própria espécie (STh.q. 2, a 1).

249 N. BLÁZQUEZ, op. cit., p. 312.

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que Ele é o que tem»250. Dizer que em Cristo há duas substâncias ou duas

naturezas distintas significa dizer que em Cristo total e histórico sua divindade e

sua humanidade são igualmente reais. Este é o sentido, segundo o qual, a

substância traduz o conteúdo do dado revelado sobre Cristo251

Assim como, ao Pai pertence a propriedade exclusiva da geração,

assim também, a ele somente pertence o envio do Filho. Agostinho não separa

a teofania cristã da repercussão que esta tem para a vida íntima dos fiéis. De

modo que poderíamos falar de uma intima união entre a missão visível e

invisível «do Filho enviado visivelmente no mundo e da Sabedoria enviada

invisivelmente nas almas. Presume-se que tanto uma quanta outra missão

possui sua origem primeira na influência do Pai»

. De modo

admirável Agostinho predica a unidade da natureza divina: a sua

indivisibilidade, e a consubstancialidade das Pessoas divinas.

252

250 De Trin. I, 12, 26.

.

251 N. BLÁZQUEZ, op. cit., p. 313. 252 É. BAILLEUX, «Christologie de Saint Augustin dans le De Trinitate», p. 240.

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III

FORMULAÇÃO DO DOGMA

– «Credimus in unum Deum Patrem omnipotentem et in unum Dominum

nostrum Iesum»

Os escritores bíblicos sabem que a linguagem sobre Deus não é nunca

adequada, nem mesmo perfeita. De um certo modo, a linguagem sobre Deus é

a linguagem da incompatibilidade. É importante pensar harmonizando conceito

e intuição, experiência e linguagem, sem cair em uma espécie de absolutização

de mitos conceitualizados. A experiência bíblica ensina que o discurso sobre

Deus é determinado pela experiência humana, que é situada historicamente.

Cada conceito sobre Deus vem verbalizado por meio de metáforas fundadas

sobre aquilo que chamamos plural e mutável experiência humana1. Segundo

Raurell, a linguagem bíblica, em quanto linguagem humana que diz respeito a

Deus, não é nunca definida, clara e simples. É uma linguagem ligada a uma

situação, e de um certo modo sempre inadequado para exprimir aquela

realidade da qual se trata2. Nos primeiros quatro livros de sua obra, onde

expressa sua reflexão mais completa sobre o mistério trinitário, Agostinho

apresenta a igualdade das três Pessoas, de modo especial, sob o ponto de

vista da revelação3. O mesmo se pode dizer dos três livros seguintes (5-7), que

também se ocupam deste problema4

1 Cf. F. RAURELL, «Dio, Padre nella visione veterotestamentaria», p. 172.

. Ele insiste, portanto, sobre a unidade

divina como uma conseqüência lógica da aequalitas, da similitude perfeita e

2 Ibid. p. 172. 3 De Trin. I – IV; III, 2, 3; IV, 21, 32; remetemos ao resumo XV, 3, 5. 4 Fora àquilo que se diz de modo relativo, na realidade divina tudo é igual (livro 5); o livro 6 apresenta

de modo sintético os textos bíblicos sobre a igualdade e o livro 7 identifica os atributos divinos a todas a três Pessoas. Cf. De Trin. XV, 3, 5, que é um resumo dos livros V-VII, VI, 1, 1; VI, 5, 7.

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eterna das Pessoas divinas. Dizendo ainda em outros termos, assim como O

Bispo de Hipona expõe a seus fiéis por volta do ano 416/417: o Pai e o Filho

são uma só coisa, unum, porque na sua vida não há nem discrepância, nem

dissonância, mas summa aequalitas e tanta caritas5. Agostinho compreende

que a igualdade das três Pessoas revela a unidade entre elas6.

Freqüentemente, nosso Santo fala de Deus-Trinitas, Unitas-Trinitas7. Isto

porque foi muito influenciado por aquela concessão filosófica, na qual, a

essência suprema, ou summum bonum ocupam uma posição preponderante.

Para Studer, exatamente por isto, segundo Agostinho, as três pessoas são

plenamente iguais, e portanto, inseparáveis tanto no ser quanto no operar, logo

um só Deus8

1. Impropriedade da linguagem humana

.

A linguagem sempre será insuficiente na sua tentativa de expressar o

inefável. E quando a teologia latina diz que há em Deus uma essência e três

pessoas9

5 Serm. 11, 5 (6).

, e os gregos uma essência e três substâncias, ou hipóstasis, ambas

coisas são ditas pela necessidade da linguagem humana de não guardar

silêncio. O inefável do mistério supera toda terminologia humana. Já que

confessamos a fé no Deus verdadeiro, quando se nos perguntam que são estes

três, nos esforçamos por encontrar um nome genérico ou específico, porque a

6 De Trin. I, 4, 7; cf. B. STUDER. «Augustin et la foi de Nicée»: Études Augustiniennes 19 (1984), p. 143.

7 B. STUDER, «Augustin et la foi de Nicée», p. 149. 8 Cf. B. STUDER, Dio Salvatore nei Padri della chiesa, p. 244; Agostinho sustenta assim uma

explicação da fé trinitária que é muito mais próxima à tradição oriental de quanto possa parecer à primeira vista, Cf. B. STUDER, «Augustin el la foi de Nicée», p. 149s.

9 Segundo MORIONES, O termo com que santo Agostinho, segundo o costume dos latinos, expressava o que é distinto em Deus Trino era persona, porém, bem compreendia o quanto inadequado era para o fim que perseguia. Persona é um nome genérico e se aplica também ao homem, apesar da distância existente entre Deus e o homem. Outra dificuldade, que nasce desta terminologia, é que nos poderia conduzir a pensar que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três espécies do gênero essência. Na Trindade não se pode usar os termos segundo gênero e espécie. Cf. F. MORIONES, op. cit., p. 376. Sobre este argumento escreve Agostinho: «Nós empregamos estes termos para indicar uma realidade comum e idêntica, porém, nunca no sentido de gênero e espécie». De Trin. VII, 6, 11.

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excelência infinita da divindade transcende a faculdade da linguagem. Dizemos:

Pai, Filho e Espírito Santo, porém, tratando-se de coisas divinas, as palavras

são sempre inferiores ao pensamento, como o pensamento é sempre inferior à

realidade10. Agostinho faz questão de deixar bem claro que, ao chamar Deus de

substância, a palavra perde a carga significativa própria da substância criada e

se reveste de uma significação misteriosa. O «próprio» da substância divina é o

mistério. De modo que, não tem sentido aplicar a Deus as conclusões

derivantes da idéia de substância, tendo em conta a significação que esta

possui, quando aplicada às criaturas11. No De Trinitate12, Santo Agostinho trata

diretamente o problema da Trindade, procurando uma solução que permita

argumentar sobre o mistério. O Bispo de Hipona começa argumentando que a

categoria de relação, que segundo a ontologia clássica era um acidente, ou

seja, um modo de ser da substância, que é o ser em si, na Trindade não se

comporta mais como um acidente. Nas criaturas tudo o que existe pode reduzir-

se à substância ou acidente, dada sua imutabilidade constitutiva. Pelo contrário,

nada disto é possível em Deus, no qual todo acontecer é impossível13. De fato,

nem tudo o que se predica de Deus, se predica substancialmente. Há também

relações que não afetam a imutabilidade. Logo o que se predica de Deus não é

necessariamente substância ou acidente, como pensavam os arianos, senão

substância ou relação.14

10 De Trin. VII, 4, 7.

Por vezes se fala de Deus a partir da relação, ad

11 Cf. N. BLÁZQUEZ, op. cit., p. 309. Agostinho encontra uma certa reticência em aplicar o termo substância a Deus. Segundo a interpretação de BLÁZQUEZ: o próprio da substância divina é a unidade na Trindade. Porém, se queremos fazer este dado bíblico nos vemos obrigados a servirmos dos vocábulos: unidade, substância, essência e outros mais, os quais serão sempre insuficientes para traduzir exatamente o que propriamente é Deus. Por tudo isto se explica que Santo Agostinho utilize sem reparos o vocábulo substância ao mesmo tempo que mantém sérias reservas contra o mesmo. Ibid. p. 308.

12 De Trin. V, 5, 6. 13 Como observou Nourrison, Ainda que seja certo que Deus é a absoluta bondade, verdade,

beleza, etc., Há que pensar que todas estas determinações se resolvem em uma unidade em que desaparecem todas as diferenças. Em Deus não se distinguem, como entre nós, o ser, o conhecimento e a vontade. Todos estes atributos de Deus são um só e mesma coisa com seu ser. Cf. J. F. NOURRISON, La philosophie de saint Augustin, Paris 1986, p. 284.

14 Cf. De Trin. V, 5, 6.

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aliquid15. «O Pai diz relação ao Filho, e o Filho diz relação ao Pai, e esta relação

não é acidente, porque um sempre é o Pai, e outro sempre é o Filho»16

O problema da relação entre o Pai e o Filho, é que esta não é segundo

a substância, porque cada uma das pessoas divinas não diz a si mesma, senão

a outra pessoa, ou entre si. Pelo fato que estas relações não são de substância,

justifica Agostinho que, «tampouco se há de afirmar que as relações sejam na

Trindade acidentes, porque o ser Pai e o ser Filho são neles eterno e imutável.

Em conseqüência, ainda que sejam coisas diversas, ser Pai e ser Filho, não é

uma essência distinta, porque estes nomes dizem respeito não segundo a

substância, senão segundo o relativo, e o relativo não é acidente, pois, não é

mutável»

. Uma

vez que existe um Filho, este não pode deixar de ser Filho, o mesmo acontece

com o Pai, uma vez que este é Pai, não pode deixar de ser Pai.

17. Segundo Santo Agostinho, a relação exigiria, uma categoria própria

na primeira divisão do ser metafísico. Substância, acidente e relação. Ser

subsistente e ser relativo. Turchi, interpretando Agostinho, escreve que, falando

em outros termos, a relação é um acidente, mas existe uma exceção. Esta

exceção está justamente na Trindade, onde os três estão em relação não

acidental, e sim pessoal. A pessoa, portanto, constituiria uma nova categoria,

que falando em termo filosófico aristotélico estaria entre a substância e o

acidente18

15 Este aliquid implica uma tendência de um ser em direção ao outro. A escola tomista sustenta que

o esse ad das relações divinas em seu sentido formal não expressa perfeição. Assim pensa também Santo Agostinho. Cf. I. CHEVALIER. Saint Augustin et la pensée grecque. Le relations trinitaires, 1940.

. Ainda que usemos uma linguagem especulativa, no sentido de

compreender o mistério de Deus, a Trindade permanece um mistério conhecido

somente pela revelação. O Deus que se revela ao longo das Sagradas

Escrituras, através da experiência histórica de um povo, não é um Deus solitário

e fechado sobre si mesmo. O Deus bíblico se revela como um Deus comunitário

16 De Trin. V, 5, 6. 17 De Trin. V, 5, 6. 18 Cf. A. TURCHI, «Persona divina – persona umana: nota di cristologia e di filosofia»: Angelicum 76

(1999), p. 343.

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e aberto à relação. Segundo Santo Tomás, a pluralidade de pessoas é a razão

pela qual Deus não é solitário. Deus seria solitário caso não existisse a

pluralidade de pessoas. «Porque a solidão não se elimina por associação de

alguém de uma natureza estranha»19. No Gênesis se diz que o homem está em

um grande jardim, e mesmo rodeado de plantas e animais, ainda assim

encontra-se só20

Na unidade da única divindade subsistem o Pai, o Filho e o Espírito

Santo. Distintos um do outro em virtude de suas relações recíprocas. No

entanto, esta distinção não apenas os distingue, como também os une em um

amor infinito e em uma compenetração mútua. Unidade e distinção não se

opõem em Deus. Ao longo do Novo Testamento encontramos algumas

expressões desta unidade: Eu e o Pai somos um

.

21; quem me vê, vê o Pai22; é

ele o resplendor de sua glória e a expressão de seu ser; sustenta o universo

com o poder de sua palavra23. Esta abertura e dimensão comunitária de Deus

têm seu modelo na Trindade. «Não existe um Deus solitário, pois Deus existe

com a deidade que engendrou, sendo o Filho, deidade do Pai, pois é poder e

sabedoria do Pai, e como é o Verbo é Imagem do Pai. Em Deus não é uma

coisa o ser e outra ser Deus, o Filho é essência do Pai, como é seu Verbo e é

sua imagem»24

19 L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 269.

. O Doutor da Graça tem consciência, de que não é possível ao

homem explicar com palavras o mistério de Deus. Deus não se deixa prender

em conceitos gramaticais. Deus é um mistério inefável, e inefáveis são também

seus atributos. O mortal, diante de sua pequenez humana, chega no máximo a

balbuciar quando fala da grandeza divina. O conceito, no fundo, é uma tentativa

frustrada de explicar o inexplicável. «Quando nos perguntam quem são estes

20 Cf. Gn 2, 18ss. 21 Jo 10, 30. 22 Jo 14, 9. 23 Hb 1, 3. 24 De Trin. VII, 1, 1.

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três, temos que reconhecer a extrema indigência de nossa linguagem. Dizemos

três pessoas para não guardar silêncio, não para dizer o que é a Trindade»25

2. Deus, essência imutável

Já tivemos ocasião de referir a importância da filosofia platônica no

pensamento de Agostinho. Uma suspeita formulada, de um lado, pelo

pensamento oriental, pouco inclinado a aderir à teologia agostiniana sobre o

Espírito Santo, sobretudo a teoria filioque, e de outro, levantada por aqueles

que se dedicam ao estudo, e à crítica das fontes. Tal suspeita possui como

ponto de partida a influência que a filosofia neoplatônica exerceu em Agostinho,

de modo especial a influência do neoplatônico Plotino26. De um modo velado,

Agostinho afirma que descobriu o Deus uno e trino graças aos platônicos. Na

Cidade de Deus, felicita a Platão e aos seus discípulos por haverem

reconhecido em Deus o princípio do ser, do saber e do obrar27. Para o teólogo

Olivier du Roy, é um escândalo de que «Uma estrutura fundamental da teologia

de Agostinho tenha nascido da experiência mesmo da conversão, quer dizer,

desta sucessão cronológica que o fez descobrir a inteligência da Trindade cristã

em Plotino somente em continuação a necessidade da Encarnação como via de

humildade em direção a Deus»28

25 De Trin. V, 10, 11; De Trin. VII, 4, 7.

. A argumentação de Du Roy consiste no dado

que os pagãos podiam conhecer a Trindade sem Cristo, ainda que concedamos

26 Cf. Conf. VII, 9, 13. Segundo o comentário do padre Angel Custódio Vega do livro As confissões, nesta passagem em que o Santo faz alusão ao prólogo do Evangelho de São João é quase seguro que esteja se referindo às Enéadas de Plotino. A concepção plotiniana afirma que a primeira substância é o Uno (Enn. V 1,6). Desta substância procede por geração eterna e sem alteração do engendrado a Mente ou Nous, imagem do Uno (Enn. V 1,7). O Nous engendra a alma universal. Segundo Plotino a Mente ou Nous são iguais, distinguindo pela sua decadência de ser, sendo mais perfeito o Uno, em seguida o Nous e finalmente a Alma até terminar na matéria. As Enneadas de Plotino, traduzidas em um sentido católico entusiasmou Agostinho a compará-las com o Prólogo de São João, Porfírio também conheceu uma trindade onde intermédia Uno e o Verbo ou Nous à Alma. É possível que o Bispo de Hipona tenha conhecido Porfírio e possui uma certa inclinação pelas suas idéias. (Civ. Dei. X, 29).

27 Cf. Civ. Dei. VII, 4 – 12. 28 O. DU ROY, L’intelligence de Ia foi, pp. 102 – 103; Vale a pena os questionamentos levantados

por BOURASSA, referentes a esta colocação de Du Roy. F. BOURASSA, «Théologie Trinitaire ches Saint Augustin», pp. 679 – 682.

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que Cristo nos tenha revelado de modo mais claro a Trindade, ao falarmos dela,

já não é possível que nos tenha revelado o mistério de sua vida de Filho junto

do Pai, por meio de sua Encarnação e por sua Páscoa»29. Goulven Madec30

retoma as declarações de Du Roy e afirma que tais afirmações requerem, pelo

menos duas observações. Uma primeira diz respeito que a «inteligência da

Trindade» adquirida nos «livros platônicos», fora apenas um ponto de partida.

Uma Segunda observação a ser ponderada parte da pergunta: por que não era

possível que Cristo, Verbo encarnado, nos revelasse o mistério da Trindade,

sob pretexto de que alguns filósofos tenham tido algum conhecimento da

mesma? A resposta de Madec consiste em que: «Deveríamos dizer que, se a

Encarnação não é o único modo como Deus se revelou, porque Deus se

revelava através de todos os seus atos, através da criação e, de maneira

singular, através da iluminação do espírito que criou à sua imagem»31

Posto que a teoria agostiniana do conhecimento é aquela do Prólogo de

São João, aquela da Palavra como a luz verdadeira que ilumina a todo o

homem

.

32. Não existe uma incompatibilidade entre as duas economias, já que

ambas estão baseadas na única pessoa de Cristo33. De modo que se os

platônicos conheceram o Deus verdadeiro, uno-trino, saibam ou não, foi sob a

ação do Verbo iluminador. As leituras neoplatônicas ajudaram a Agostinho a

chegar ao Verdadeiro Deus, aquele que se revelou no deserto, por meio da

sarça ardente. Não se trata, portanto, de uma espécie de amálgama de

doutrinas ou concepções heterogêneas. Acrescente-se ainda o fato que a

simpatia intelectual de Agostinho com relação ao platonismo é, ademais,

demarcada34

29 O. DU ROY, L’intelligence de la foi, p. 453.

. O De Trinitate é, sobretudo, um comentário às Sagradas

Palavras. Enquanto exercitatio animi, se propõe levar o espírito humano àquela

30 Cf. G. MADEC, «La meditación trinitaria de Agustín», p. 210. 31 Ibid. p. 210. 32 Remetemos ao texto de B. STUDER, pp. 187 – 198. 33 Cf. G. MADEC, «La meditación trinitária», p. 210. 34 G. MADEC, ibid. p. 211.

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experiência espiritual que se sabe de ter sido feito à imagem de Deus – do

Deus Trindade. Não se trata, portanto, de «demonstrar» a Trindade, tampouco

de buscar analogias trinitárias no criado35

Importante destacar que a idéia agostiniana do ser nasce do contexto

neoplatônico, configurado ao criacionismo bíblico. A alma de Agostinho havia

vivido um tempo sob a influência direta dos filósofos principalmente platônicos.

Não cabe dúvida que esta influência foi benéfica para o seu espírito. O

platonismo, principalmente por sua forte contextura religiosa de salvação, foi

para o jovem Agostinho uma espécie de revelação

. A morada do pensamento de

Agostinho é a Sagrada Escritura. Nela vemos revelar-se nosso Deus Trindade:

Pai, Filho e Espírito Santo. O De Trinitate é uma obra de busca na fé. Fé esta

que caracteriza nossa condição de caminheiros errantes. De um trabalho de

inteligência e compreensão da fé, sem pretensões dogmáticas.

36. Com os platônicos

aprendeu a admirar a beleza de uma alma purificada e a felicidade de retornar a

Deus. Porém foi com São Paulo onde conseguiu descobrir o caminho que leva

a este ideal37. Blázquez38

35 G. MADEC, «La meditación trinitária», p. 209. Nas suas Confissões, após ter refletido sobre sua

experiência passada (livros I-IX) e sobre seu estado presente (livros X), propoe-se Agostinho a meditar sobre a lei de Deus e dedicar sobre este tema todas as suas horas livres. No livro XIII, 5, 6.

quer fazer notar que Santo Agostinho não pretende

interpretar ontologicamente a passagem de Ex. 3, 14: Eu sou aquele que sou. O

Bispo de Hipona quer somente traduzir em linguagem da época o dado

revelado. Não seria exato atribuir a Agostinho a pretensão de fazer metafísica

apoiando-se na autoridade da Bíblia. Quando Agostinho se serve da linguagem

plotiniana para falar da natureza de Deus, do ser e do não-ser, da unidade e da

multiplicidade, seguindo o esquema das três hipostásis sempre em relação com

o uno, o conteúdo doutrinal é primeiramente bíblico e não metafísico. O que faz

Santo Agostinho é servir-se da filosofia para ensinar teologia bíblica. A filosofia

36 J. TROUILLARD, La purification plotinienne, Paris: 1955, p. 53. 37 Ch. BOYER, Essai sur la doctrine de saint Angustin. Paris 1932, p. 35; B. Studer em um de seus

escritos sobre este tema: «Le lettere paoline nella teologia trinitaria di Agostino», B. STUDER, Mysterium Caritatis, p. 187.

38 Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín De civitate Dei y Enarrationes in psalmos», p. 370.

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platônica é a que mais se aproxima da revelação, serve-se dela para transmitir

alguma inteligência do dado bíblico39. Afirma Blázquez: «O unum plotiniano em

Santo Agostinho é o Deus uno e trino da Bíblia. Quando aplica a Deus os

conceitos platônicos do sumo ser absolutamente simples e imutável pretende

insinuar algo do mistério da divindade»40. De qualquer modo, conforme Studer,

não é fácil ter sempre presente as interferências entre temas bíblicos e idéias

filosóficas. É difícil estabelecer se Agostinho tenha partido de um dado filosófico

para chegar a uma ilustração bíblica, ou, movido por um texto bíblico tenha

desenvolvido uma temática filosófica41. No De Trinitate a idéia de ser vem

aplicada a Deus. De fato, Deus é o ser segundo a teofania mosaica. Esta

doutrina que aplica a idéia do ser a Deus é considerada por Agostinho como

uma doutrina platônica e Bíblica. Isto que Agostinho conhecia em Platão se

acha também em Parmênides, que ele conhecia em Plotino42. Eu sou o que sou

significa «que Deus é a essência suma. Por esta razão pode criar o ser em

doses de entidade graduada»43

39 Escreve Blásquez: A filosofia platônica é em seu juízo a que mais se aproxima à revelação e por

isso a usa. Porém, não se deve pensar que Agostinho invoca a Bíblia para sancionar a metafísica plotiniana do ser. Unicamente serve-se de seu esquema mental para transmitir alguma inteligência do dado bíblico. Não é a Bíblia que está em função da filosofia, senão que, é a filosofia que está em função da Bíblia. Cf. N. BLÁSQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín De civitate Dei y Enarrationes in psalmos», p. 370.

. Giorgio Santi, em um artigo escrito sobre a

imutabilidade e as relações em Deus, segundo a definição de Santo Agostinho,

escreve que: «A afirmação de Agostinho contida no De Trinitate põe em termos

claros quais são os elementos essenciais da pesquisa filosófica e teológica

sobre Deus: o amor, o conhecimento como ‘visão’ do pensamento, a dimensão

40 Blásquez em um artigo com um título semelhante, escrito vinte anos antes do artigo citado acima diz que: Santo Agostinho não faz outra coisa que traduzir o Unum plotiniano ao Deus da Bíblia. Esta fraternização entre a Bíblia e platonismo é tipicamente agostiniana. Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 320.

41 B. STUDER, «Le lettere paoline nella teologia trinitaria di Agostino», p. 188; cf. Storia della Teologia, Casalle Monteferrato 1993, p. 322 – 436, sobretudo, p. 429 onde vem sublinhado que o ponto de partida para o uso da Bíblia podem ser também dados filosóficos; G. MADEC, La patrie et la voie. Le Christ dans la vie et Ia pensée de saint Augustin, pp. 211 – 214.

42 Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín De civitate Dei y Enarrationes in psalmos», p. 369.

43 Ibid. p. 369.

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trinitária do ser. Segundo esta prospectiva, a compreensão de Deus nasce do

amor e da descoberta das suas razões e das suas reIações»44. O nome do Ser

é imutabilidade, O Deus de Agostinho é imutável, «com um evidente referimento

à filosofia neoplatônica e à sua teologia»45. A pergunta que está em jogo,

segundo Santi46 é justamente esta: na sua definição de Deus como essência

imutável, ele permanece um neoplatônico47, ou o termo pode revestir-se de um

novo significado com relação ao divino? Como faz Agostinho para passar do

Deus imutável e apático do neoplatonismo ao Deus trinitário da revelação

cristã? No pensamento de Agostinho está presente uma constante dialética, e

tal dialética consiste exatamente em proceder por «antinomias». Primeiro de

Deus se deve falar, no entanto, que é inefável e indizível; é conhecível, porém,

é inexprimível. Como superar esta antinomia? «Deus, malgrado a nossa

impossibilidade de dizer alguma coisa digna dele, aceitou a homenagem da

palavra humana e quis que nós louvássemos através de palavras pronunciadas

para louvá-lo»48. Deus recorre à linguagem humana para revelar ao homem, de

modo que este possa exprimir uma linguagem sobre Deus. «A palavra humana

torna-se um signo, além do pensamento, também do divino»49

44 G. SANTI, «L’Immutabile e le sue relazioni: la definizione di Dio in Agostino», p. 483. O autor parte

de uma passagem De Trin. VIII, 8, 12. «Vides Trinitatem si caritatem vides»; G. MADEC, «La meditación trinitaria de Agustín», p. 221. «El problema principal, en el tema de la Trinidad y del conocimiento de Dios, es el problema del amor (VII, 7, 10), ese amor tan celebrado por Ia Escritura en Dios: ‘EI amor o Ia caridad, tan alabado y celebrado e la Escritura, qué es, pues, sino el amor del Bien? Sin embargo, el amor corresponde a alguien que ama, y por el amor ama algo. He aquí tres cosas: el que ama, lo que es amado y el amor’ (VIII, 10, 14)».

.

45 G. SANTI, Ibid. p. 483. 46 Ibid. p. 490. 47 Conforme o comentário de José Luiz Azcona, referente a esta questão afirma que: no capítulo 9

do livro sétimo das Confissões encontramos uma relação das verdades que encontrou no platonismo com aquelas do Evangelho. Agostinho cita o prólogo de São João palavra por palavra, dizendo que tudo inteiro encontrou nos livros dos platônicos, exceto o Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis e ele In propria venit et sui eum non receperunt; quotquot autem receperunt eum, dedit potestatem filios Dei fieri, credentibus in nomine eius. Os filósofos conheceram a divindade imutável e eterna. Porém, não conheceram a humildade de Deus, o caminho da Pátria, o et Verbum caro factum est, o Semetipsum exinanivit, o Mediador. Cf. J. L. AZCONA, «Cristo camino humilde, según San Agustín», p. 350.

48 G. SANTI, op cit., p. 490. 49 Ibid. p. 490.

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Para o Bispo de Hipona, Deus vem entendido como o ser do qual não

se pode pensar nada de maior. Assim afirma em suas Confissões: «Nenhuma

alma pode, nem poderá pensar jamais nada melhor do que tu, sumo e perfeito

bem»50. Agostinho prefere o termo essência para referir-se a Deus, apesar de

que por vezes usa também o termo substância. No livro V, capítulo II de seu

tratado De Trinitate51, começa afirmando que só Deus é essência imutável52.

Deus não pode mudar, porque mudar significa fatalmente tornar-se melhor ou

pior. Ora Deus é perfeito. Toda mutabilidade supõe mortalidade, e tudo o que

muda, deixa de ser uma coisa para ser outra, e o que deixa de ser morre, num

certo sentido, para dar lugar àquilo que lhe sucede. Deus é, sem dúvida,

substância pura53

Segundo nosso Teólogo

, ou usando um nome mais apropriado essência pura, do

grego ousía. Ao longo deste capítulo, este tema será melhor abordado, quando

trabalharmos o conceito de pessoa aplicado a Deus. 54

50 Conf. VII, 4, 7.

, dizer que Deus é uma substância, ou

essência pura, significa dizer que não é susceptível a qualquer mudança. Todas

as demais substâncias ou essências são suscetíveis de mudanças, grandes ou

pequenas, cada qual segundo o seu concurso. Porém em Deus não se pode

pensar em acidentes. Por isso só existe uma essência imutável que é Deus, a

quem com suma verdade convém o ser, de onde se deriva a palavra essência.

Tudo quanto muda não conserva o ser, e tanto quanto seja suscetível de

51 De Trin. V, 2, 3. «Est tamen sine dubitatione substantia, vel si melius hoc appellattur, essentia, quam graeci oυσιαν».

52 Cf. De Trin. V, 2, 3. A imutabilidade é o summe esse, é afirmação da suprema perfeição do ser e como tal se deve considerar como um atributo da substância mesma de Deus: Cf. Sol. 7, 7. Ser é nome que indica imutabilidade. Tudo isto que muda termina de ser aquilo que era e começa a ser aquilo que não era. O ser é. O verdadeiro ser, o genuíno ser, o puro ser não é outro senão aquele que não muda.

53 Segundo Niceto Blázquez: Deus ao contrário de todas as substâncias criadas, incluindo a alma, é a simplicidade absoluta e ausência de qualquer espécie de composição. Pois bem, toda a doutrina vê Agostinho na expressão unum sunt. Porém, para traduzi-la em linguagem usada pelos seus polemizantes adota a idéia de substância para salvar a realidade do ser divino em sua dupla dimensão monotrina. A substância fica assim equiparada ao Unum divino, e como por outra parte, a unidade e o ser, a substância se reduz à categoria do ser. Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 334; De Trin. VI, 9, 10.

54 Cf. De Trin. V, 2, 3.

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mudança, ainda que não varie, pode ser o que antes não era. «A substância

divina é uma substância sem acidentes, o que eqüivale a dizer que é imutável e

eterna»55. Em conseqüência disto, somente aquele que não muda nem pode

mudar é, sem escrúpulo, verdadeiramente o Ser56. Isto é, somente Deus é o Ser

com letra maiúscula. «Podemos afirmar que Deus, porque é o Ser por excelência,

é a suprema essência e por isto mesmo a perfeita imutabilidade»57. Um novo

passo, porém, se faz necessário e que consiste na concepção de Deus como

substância e Trindade58. No livro V de sua obra magna, De Trinitate, Agostinho

demonstra que nem tudo que se diz de Deus, se diz segundo a substância, senão

também segundo a relação, quer dizer, «non ad se, sed ad aliquid quod ipse non

est». Assim, o Pai implica relação com o Filho, assim como o Criador diz relação

com a criatura, que o serve submissa. Em Deus está excluído todo o acidente, e

sua natureza ou essência permanece desde sempre imutável59. Em Deus

essência e existência são inseparáveis. A Primeira é a razão da Segunda. Deus

existe porque é, e é porque existe. Dizer que Deus é imutável significa dizer que

Ele não muda: «nem na sua eternidade, nem na sua verdade, nem na sua

vontade. Em Deus eterna é a verdade e eterno é o amor; verdadeiro o amor e

verdadeira a eternidade; amável a eternidade e amável a verdade»60

3. Três Hipóstasis ou pessoas: silêncio das Escrituras

.

Em Deus há uma substância e três pessoas segundo os latinos, ou uma

essência e três hipóstasis segundo os gregos. Estas duas palavras, utilizadas pelos

latinos e gregos para expressar a realidade de Deus, consiste numa tentativa de

55 N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 326. 56 De Trin. V, 2, 3. «Ac per hoc illud solum quod non tantum non mutatur, verum etiam mutari omnino

non potest, sine scrupulo occurrit quod verissime dicatur esse». 57 É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 241. 58 G. SANTI, op. cit., p. 488; Cf. De Trin. V, 8, 9. Mesmo sendo a substância de Deus imutável, e não

havendo acidentes mutáveis, nihil itaque accidens in Deo, quia nihil mutabile (Ibid. V, 4, 5) a categoria de relação torna-se substancial e mostra a distinção das pessoas, subsistentia personarum.

59 Cf. De Trin. V, 4, 5s. 60 De Trin. IV, 1, 1.

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explicar aquilo que sem palavras entendiam. O ser humano enquanto criatura leva

consigo a imagem do Deus tri-personal61. O conceito de pessoa possui uma

construção estratificada e pluralista. Este conceito aparece através do encontro de

três grandes culturas: aquela hebraica, aquela grega e aquela cristã. Porém, se

seguirmos o desenvolvimento da concepção de pessoa, ao lado daquela trinitária,

no esforço de explicitar adequadamente o mistério trinitário, veremos que o mais

determinante contributo foi dado pela fé cristã62. A palavra pessoa, do latim,

persona e do grego, prósopon, inicialmente, recorda em sua origem os disfarces

teatrais. Santo Agostinho a emprega em sua significação corrente, sem inquirir

nestes termos o falar da personalidade de Deus, seu constitutivo formal. É comum

referir-se à Trindade com o nome de essência, ou como substância, ou pessoa.

Greshake chama atenção, no entanto, que o significado originário e fundamental do

Grego prósopon, assim como o equivalente latino persona não é aquele de

máscara – como foi freqüentemente sustentado – mas significa aquilo que aparece

debaixo dos olhos, que se pode ver63

61 «No puede la persona humana llegar al centro de sí misma, sin unirse o Dios, mas, por outra

parte, no puede unirse a Dios sin palparse a sí misma. Una psicoIogía superior (la psicologia del hombre profundo, no la psicología de los reflejos condicionados y del comportamiento externo) condiciona y, al mismo tiempo es condicionada, por ésta, Ia relación metafísica. No se puede redire in seipsum sin transcendere seipsum, pero tampoco se puedem encontrar Ias vías de Ia transcendencia sin apoyar sólidamente sobre la persona humana el fulcro de Ia palanca que nos levanta». L. STEFANNI, «El problema de la persona en San Agustín»: Augustinus 1 – 2 (1956), p. 142 – 143.

. Palavras como: rosto, face, figura visível do

homem; somente em um sentido sucessivamente derivado indica o papel que um

ator interpreta, ou mesmo a personalidade que ele representa. Agostinho usa uma

terminologia diferente daquela adotada pela língua grega. O gênio grego diz três

hipóstasis e uma essência. Agostinho prefere a terminologia latina, três pessoas e

62 G. GRESHAKE, op. cit., p. 79. Escreve Luigi Stefanni: «Sólo el genio cristiano podía no temer una manifestación del alma en una manifestación de la Verdad. Sólo Agustín era capaz de no asustarse de la autoconciencia y podia tenerla constantemente presente en su coloquio con Dios. Conocerse conociendo es el buen método de Agustín, que en vano lo ha enseñado a los seguidores del lumen siccum a los obstinados secuaces de Ia verdad abstracta e impersonal». L. STEFANNI, op. cit., p. 145.

63 Cf. G. GRESHAKE, op cit., p. 81.

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uma essência ou substância64. A Bíblia não se opõe quando se diz três essências

ou três substâncias, tanto que isto não implique triteísmo. «Este modo de falar de

uns e de outros é completamente legítimo, suposta a sinônima entre ousia e

hipóstasis e excluída a intenção de aplicar a ousia a Deus segundo sua significação

aristotélica65, somente válida plenamente tratando-se das criaturas. Esta palavra

deve sugerir o conteúdo bíblico do mistério trinitário»66

Pessoa é um termo muito genérico. Apesar da distância que existe

entre Deus e todo o mortal, o termo persona não é aplicado somente a Deus,

mas também ao homem, não obstante a distância que medeia entre a realidade

da pessoa divina e humana

.

67. Pergunta-se Agostinho, quando insistimos nesta

expressão genérica, e insistimos que em Deus temos três pessoas, por que não

dizer também três deuses68

64 Segundo a interpretação de Blázquez, referente à terminologia usada pelos gregos e aquela

utilizada pelos latinos, afirma que: todos em definitiva querem dizer o mesmo. Porém, Santo Agostinho não se contenta com afirmar autoritariamente e condescender por razões de compreensão com qualquer modo de falar sobre o mistério, pelo qual raciocina o por que umas fórmulas podem ser mais expressivas que outras e inclusive razoáveis. Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 334.

? Concorde a interpretação de Trapé, nem a

Escritura, nem a «gramática» que estuda a etimologia, o significado e o uso dos

nomes, dão uma resposta para esta questão de Agostinho. Ele nos recorda, no

entanto, a transcendência do mistério e nos adverte de não deixarmo-nos

transportar pela fantasia de conceber as Pessoas divinas como subsistentes da

65 Aristóteles não emprega o conceito de hypóstasis em sentido ontológico, embora se na sua escola peripatética hypóstasis se aproxima muito ao conceito de substância (ousía). Aristóteles distingue entre primeira e segunda ousía: individual individuada, que realiza concretamente aquela essência (substância) universal que é comum a todos os entes de uma mesma espécie. No discurso trinitário a segunda ousía pode ser identificada com hipóstasis, ou mesmo ser distinta desta.

66 N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 323. 67 De Trin. VII, 4, 7. 68 De Trin. VII, 4, 8. Segundo Moriones, não se pode usar o termo essência e pessoa no sentido que

falamos de três estátuas formada do mesmo ouro, pois uma coisa é o ouro, outra coisa é a estátua. Nas coisas aqui de baixo, um homem só, não é o que são três homens juntos, e dois são mais do que um; e as estátuas de igual tamanho e solidez, há mais ouro nas três juntas que em uma delas, e menos em uma que nas outras restantes. Porém, não é assim em Deus, pois a essência no Pai, no Filho e no Espírito Santo juntos não é maior que o Pai só, ou o Filho só, senão que as três pessoas são iguais a cada uma delas em particular. Cf. F. MORIONES, op. cit., p. 376. Cf. De Trin. VII, 6, 11.

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mesma matéria69. Ainda no mesmo Livro VII do De Trinitate nosso autor

questiona: certamente há três pessoas porque o Pai é pessoa, o Filho é pessoa

e pessoa é o Espírito Santo; se o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo

é Deus, por que não há três deuses? E ainda, se em virtude de sua inefável

união, dizemos que os três são um só Deus, por que não uma só pessoa70?

Agostinho sentiu este perigo e para evitá-lo negou que a divindade tenha

alguma realidade distinta da realidade das divinas pessoas. Desenvolveu a

teoria das relações divinas para explicar a distinção na Trindade, apelando ao

princípio de que tudo em Deus é uno, donde não há oposição de relação71. Em

Deus não há nenhuma repetição. A partir de Santo Agostinho está claro o

problema do uso plural «três pessoas». Cada uma se identifica com a essência

divina de modo que Deus não «cresce» com a soma do Pai, do Filho e do

Espírito Santo72. O fato de dizer que cada pessoa não é sem as outras, não

significa dizer que necessite ser completada porque algo lhe falte. Esta é a

razão pela qual não cabe em Deus nenhuma soma ou multiplicação73. Deus

não deixa de ser simples por ser Trindade. Dizer que Deus é um ser

simplíssimo não eqüivale afirmar que na natureza divina subsista só o Pai, ou

só o Filho, ou só o Espírito Santo, ou só a Trindade de nome como pensaram

os sabelianos74. Deus é simples com respeito a si mesmo, não com relação a

outro75

69 Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXVI.

. Agostinho usa o argumento da Sagrada Escritura. As Sagradas

70 De Trin. VII, 4, 8. 71 F. MORIONES. op. cit., p. 374. 72 De Trin. VIl, 6, 11. 73 Sobre este argumento, sugerimos a leitura do livro de LADARIA, EI Dios vivo y verdadeiro,

sobretudo o nono capítulo que trata sobre a vida interna de Deus. 74 Importante notar que no argumento de Agostinho ‘o conceito formal de uma pessoa divina torna-

se um conceito relacional’, o mesmo sugere a possibilidade de fazer do conceito de pessoa humana um conceito relacional. Cf. A. C. LLOYD, On Augustine’s concept of Person, Garden City, N. Y. 1972, p. 203. Como faz notar O’Connor, o De Trinitate ‘Não implica explicitamente o conceito de ser humano como pessoa’; de qualquer modo está presente ‘a posição que os seres humanos são constituídos enquanto personalidade moral em base as suas relações’... com Deus, com os outros e consigo mesmo; a sua doutrina do amor o conduz além dos limites tradicionais da doutrina do eu como substância. Cf. W. R. O’CONNOR, «The Concept of the Person in Augustine’s De Trinitate»: Augustiniam Studies 13 (1982), pp. 138 – 142.

75 F. MORIONES, op cit., p. 374.

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Escrituras jamais mencionaram três deuses. Não pode haver três deuses iguais,

seria cair no triteísmo, onde nenhuma das três pessoas seria o Deus

verdadeiro. Segundo esta hipótese o Pai só ou o Filho só seriam menores que o

Pai e o Filho juntos. E mesmo, continua Agostinho: não é possível conceber

como se possa referir ao Pai só, ou o Filho só, porque o Pai sempre e

inseparavelmente está com seu Filho e este com seu Pai, e não porque os dois

sejam o Pai ou ambos o Filho, senão por que estão sempre unidos e nunca

distanciados76. Porém as Escrituras tampouco mencionam três pessoas.

Quando a Bíblia fala da pessoa do Senhor, não quer dizer necessariamente que

Deus é pessoa. Porque falamos de três pessoas e não de três essências em

Deus? O filósofo de Hipona explica dizendo, que em virtude da união íntima da

Trindade não dizemos três essências, senão uma essência77. Da Escritura se

deduz a existência do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Filho não é o Pai,

nem o Espírito Santo é o Pai e Filho. «Buscou-se na pobreza da linguagem, o

modo de expressar estas três coisas, e se as chamou substâncias ou pessoas,

não querendo significar com estas palavras diversidade alguma, nem tampouco

nada de singular ou concreto, dando a entender a unidade ao pôr em Deus uma

essência, e à Trindade ao distinguir três pessoas78

76 De Trin. VI, 8, 9.

».

77 De Trin. VIl, 4, 8. 78 Cf. De Trin. VII, 4, 9. Segundo Wolfson, nos encontramos diante de três possíveis interpretações

da fórmula ‘uma essência três pessoas’; a) As três pessoas podem ser consideradas como três espécies e única essência como um único gênero. Agostinho refuta esta interpretação pelo fato que a fórmula ‘uma essência três pessoas’ viria usada impropriamente. Três cavalos são chamados três cavalos, ao mesmo modo vêm chamados três animais, porque cavalo é a espécie, animal é o gênero; neste caso, portanto, a espécie não é dita no plural e o gênero no singular, como se dicéssemos que três cavalos são um único animal. Agostinho argumenta que se ‘Deus’ fosse o gênero do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ‘animal’ o gênero de três cavalos, então três cavalos poderiam ser chamados três animais, e o Pai, o Filho e o Espírito Santo poderiam ser chamados três deuses; b) As três pessoas podem ser consideradas como três indivíduos e a única essência como uma espécie. Agostinho refuta também esta interpretação porque ‘como Abraão, lsaac e Jacó podem ser chamados três indivíduos, assim são chamados três homens (cf. De Trin. VII, 6, 11); Agostinho explica se ‘Deus’, de fato, é a espécie do Pai, do Filho e do Espírito Santo, exatamente como ‘homem’ é a espécie de Abraão, lsaac e Jacó podem ser chamados três homens, assim o Pai, o Filho e Espírito Santo deveriam ser chamados três deuses. Mais uma vez nos encontramos diante da heresia do triteísmo: c) As três pessoas são consideradas como um

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Quando Agostinho usa o termo essência como o nome próprio de Deus,

e substância em sentido abusivo79, afirma que ambos conceitos são absolutos e

não relativos. Em Deus essência e substância se identificam, e, por

conseguinte, se a Trindade é uma essência, é também uma substância. É mais

racional falar de três pessoas em Deus que de três substâncias80. «Em Deus é

uma mesma coisa ser e ser pessoa. Se ser é um termo absoluto, pessoa é um

termo relativo»81. Segundo o comentário de Luis Ladaria, Agostinho encontra-se

com uma dificuldade insuperável. Quando disse que a pluralidade de Deus

vinha da relação, e não cabia o plural em todo que se diz «ad se»: não são três

deuses, nem três luzes. Então nos encontramos com um plural que se diz «ad

se»: três pessoas. Os três estão em relação enquanto Pai, Filho e Dom, porém,

não enquanto «pessoas». Agostinho, na verdade, não pôde ir além. Viu

claramente que o plural em Deus vinha das relações, porém o conceito de

pessoa é para ele um absoluto82. Desta aporia não pode sair83

substrato. Agostinho aceita esta terceira interpretação». Cf H. A. WOLFSON, The Phylosophy of the Church Fathers, Cambridge 1956, vol. I, pp. 350 – 351.

. Cabe a Santo

79 De Trin. VII, 5, 10. «Unde manifestum est deum abusive substantiam vocari». 80 De Trin. VIII, 5, 10. 81 De Trin. VII, 6, 11. Este termo agustiniano é traduzido por Santo Tomas em linguagem escolástica

com estas palavras: «Manifestum est quod relatio realiter existens in Deo est idem essentiae secundum rem, et non differt nisi secundum intelligentiae rationem». (STh. 1 q. 28 a.2c). A expressão non aliud est Deo esse, aliud personam esse, indica a simplicidade substancial em Deus. Nossa inteligência vê nestes nomes uma certa distinção. Usando a terminologia da escola, diríamos que pessoa significa in recto a relação e a essência in obliquo. L. ARIAS, Introducción, n.j, p. 397

82 Bernard Sesboüe, em sua História de los dogmas, B. SESBOÜE, Les Dieu du salut, Paris 1994, t. I, pp. 301-302. (edición española: Historia de los dogmas, vol. I: El Dios de la salvación, Salamanca 1995), apresenta as etapas da elaboração da ‘fórmula trinitária’: uma fórmula trinitária eqüilibrada e que se impos a todos em sua confissão do Deus único em três pessoas (B. Sesboüe, op. cit., pp. 281 e 283). Apresenta ainda, de maneira rápida, Agostinho como herdeiro do pensamento grego, e estima que permanece em uma aporia: não chega a reconciliar o ponto de vista absoluto da pessoa com a aspecto das relações (ibid. p. 309). A esta interpretação faz eco a conclusão que chega Ghislain Lafont em seu estudo sobre Gregório de Nissa e Santo Agostinho. O paradoxo patrístico: segundo este autor o pensamento de Agostinho adota de imediato a perspectiva dos Padres Capadócios, e sofre os mesmos fracassos quando trabalha nos mesmos planos de reflexão lógica e metafísica. Em nível de linguagem universal das categorias, Santo Agostinho não consegue situar pessoa e essência entre si em uma relação que supere a do acidente inseparável em respeito à substância tampouco consegue conciliar o significado das palavras essência e pessoa, quando quer dar a ambas uma significação absoluta. G. LAFONT, Peut-on conaître Dieu en Jésus-Christ? Paris 1969, p. 103; G. MADEC, «La meditación trinitaria de Agustín», p. 203.

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Tomás84, retomando Agostinho, andar adiante. Que coisa é a Pessoa? Pessoa

é isto que me distingue de todos os outros. Que coisa em Deus distingue o Pai

– o Filho – e o Espírito Santo? É exatamente a sua relação. Portanto, Deus diz

respeito a pessoa e relação. Eu sou realmente enquanto em relação com os

outros. O ser de Deus, na sua identidade mais profunda é a doação. Não é o

fechamento, e sim a abertura. A doação faz parte do ser mais profundo de

Deus. Relação esta que não quer dizer falta de algo. Tudo o que é teu é meu, e

tudo o que é meu é teu85. Santo Agostinho nega que exista uma distinção real

entre a essência e a pessoa em Deus. «A essência divina não é outra coisa que

a Trindade; contudo, dizemos que as três pessoas são uma essência ou de

uma mesma essência; porém não podemos dizer que estas três pessoas

tenham sido formadas de uma mesma essência, como se na Trindade fosse

uma coisa a essência e outra a pessoa»86

O que temos e o que não temos em Agostinho? Não temos a definição

de pessoa, nem o estudo sobre a analogia que regula a aplicação deste

conceito ao homem e à Trindade. Como mostra Trapé, em sua introdução ao

De Trinitate: «A definição de pessoa amadurecerá mais tarde como fruto das

controvérsias cristológicas: esta definição será dada por Boécio e S. Tomás no

Ocidente e Leôncio de Bizânsio no Oriente»

.

87. O Bispo de Hipona se limita a

mostrar que o termo pessoa indica uma perfeição absoluta, um sujeito concreto,

incomunicável88

83 Cf. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 263.

. E assim pois, «dizemos que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o

Espírito Santo é Deus, que é a Trindade excelsa. Grande é o Pai, grande é o

Filho e grande o Espírito Santo; porém não há três grandes, senão um só é

84 Remetemos ao texto de Ladaria, El Dios vivo y verdadero, sobretudo àquilo que autor escreve sobre o conceito de pessoa como relação subsistente em Tomás de Aquino, pp. 266 – 273

85 Jo 17, 10. 86 De Trin. VII, 6, 11. 87 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXVII; R.J. DESIMONE, Introduzione alla teologia del Dio Uno e

Trino da Tertuliano ad Agostino, pp. 76 – 77. 88 De Trin. VII, 6, 11; A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXVII.

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grande»89. Quando falamos o nome Pai, somente o Pai está incluído, no

entanto, quando pronunciamos a palavra Deus, está incluído também o Filho e

o Espírito Santo, pois na Trindade só há um Deus90. Quanto à natureza de

Deus, dizemos Pai, Filho, Espírito Santo, enquanto Trindade, se deve predicar

em singular de cada uma das três pessoas divinas, e não no plural91. Cristo

insiste no Evangelho de São João sua união com o Pai, para que sejam um,

assim como nós somos um92. Significa que o Pai e o Filho, no Espírito Santo

são uma mesma natureza ou essência, sem diversidade de sentir, nem

diversidade de opiniões. O Pai e o Filho são uno em unidade de essência e um

só Deus grande e sábio. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma única

essência. E como na Trindade se identificam o ser e o ser Deus, Deus é uno:

Pai, Filho e Espírito Santo93

No prólogo do Livro VIII, Agostinho retoma o argumento da igualdade e

unidade de Deus, observando que se trata de uma das questões mais difíceis da fé.

Os nomes usados na Trindade implicam mútua relação e vêm aplicados

distintamente a cada uma das três pessoas divinas. O Pai não é a Trindade, nem o

Filho é a Trindade, nem a Trindade é o Espírito Santo. E pelo contrário, o que cada

um é a respeito de si mesmo não deve ser expresso no plural, pois são uno, pois,

formam a mesma Trindade. Assim que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito

Santo é Deus. E o Pai é bom e onipotente, e bom e onipotente é também o Filho e

o Espírito Santo. Não são, porém, três deuses, nem três bons, tampouco são três

onipotentes, senão um Deus bom e onipotente que chamamos Trindade

.

94

89 De Trin. V, 8, 9.

.

Agostinho insiste que todos estes atributos estão referidos à essência, na qual o ser

se identifica com a grandeza, a bondade e a sabedoria. Tudo o que se diga da

pessoa em si mesma, se pode afirmar da Trindade. A igualdade na Trindade é

90 De Trin. V, 9, 10. 91 Cf. De Trin. V, 9, 10. 92 Jo. 17, 11. 93 De Trin. VII, 3, 6. 94 Cf. De Trin. VIII. prol.

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assim grande que o «Pai sozinho, não é maior do que o Filho, naquilo que se refere

à divindade, e mesmo o Pai e o Filho juntos não são maiores que o Espírito Santo;

nem cada uma das divinas pessoas em particular é inferior à Trindade»95. Quanto

mais repetirmos estas verdades tanto mais serão elas familiares ao nosso

conhecimento. A experiência humana carnal mostra que o homem só compreende,

e ainda como pode, as verdades criadas, mas a verdade mesma, causa eficiente

de toda a criação, não é capaz de compreendê-la. Somente com a graça de Deus a

mente pode intuir a essência daquela verdade imaterial e imutável96

4. As relações divinas

.

Porque não existem dois deuses, embora o Pai seja Deus e o Filho seja

Deus, Agostinho recorre à idéia de relação. O que o Pai é, considerado em si

mesmo, como absoluto (ad se), é Deus, e na sua relação ao Filho, como

relativo (ad FiIium), é Pai. O Filho é considerado em si mesmo, como absoluto,

Deus, e na sua relação com o Pai, como relativo, é Filho. Deus, o Pai, é Pai

relativamente ao Filho, Deus; o Filho, é Filho relativamente ao Pai; a diferença

consiste no fato que eles não formam dois deuses, como um pai e um filho

formam duas pessoas. É esta idéia de relação que permite superar o impasse

da heresia triteísta97

95 De Trin. VIII. Prol. 1.

. O que quer dizer a doutrina católica quando afirma que o

Pai e o Filho e o Espírito Santo são uma só e mesma substância? Quer dizer

que tudo o que o Pai é como Deus, o Filho também é, e o mesmo acontece com

o Espírito que é Deus igual ao Pai e ao Filho. Pai, no entanto, não diz respeito a

si mesmo, mas ao Filho. Deus ao contrário, diz respeito a si mesmo. Se Deus é

substância e o Filho é substância, o Filho sem nenhuma dúvida é Deus. Por

96 De Trin. VIII. Prol. 1. 97 R. J. DESIMONE, op. cit., p. 75; G. MASCIA, La teoria della relazione nel ‘De Trinitate’ di Sant

Agostino, Napoli 1995, pp. 27 – 28.

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outro lado, o Filho não é o Pai porque Pai não é um nome que diz respeito à

substância mas um nome de relação98

Quanto à substância o Filho é o que é o Pai, mas no que diz respeito à

relação o Filho não é o Pai. O Filho não foi engendrado pelo Pai como uma

criatura feita do nada. Ele procede da substância do Pai, fora do tempo. Assim

também o Espírito Santo também não é criado do nada, mas procede do Pai e

do Filho, e todos os três são coeternos. Deus Pai engendra Deus Filho. Pai e

Filho designam não a natureza, e sim a relação

.

99. É necessário compreender a

eternidade não como um devenir perpétuo e sim, como um presente imutável. O

Pai engendra sempre, o Filho nasce sempre através de um ato perfeito. O Pai é

sábio pela sabedoria que ele engendrou. Ser Sábio e ser Deus é a mesma

coisa. Se de um lado o Pai é Deus pela Divindade engendrada, o Filho será a

divindade e a essência do Pai. Assim como o Pai é a sabedoria e o poder, o

Filho é o verbo e a imagem100. O Pai é inteira relação e doação ao Filho101. Se o

Pai não é nada em si mesmo, mas somente como aquilo que é como Pai, quer

dizer que o Pai alguma coisa de relativo ao Filho. Esta hipótese parece destruir

a consubstancialidade, já que a essência se reduziria a uma relação, que

conduziria a uma absurdidade. Agostinho não hesita em livrar-se deste jogo

dialético. O Pai e o Filho são um e outro em uma relação recíproca. Eles são

uma só essência porque o Pai em tudo o que é, é pela essência que ele

engendrou. Ele é todo relação, e toda esta relação é por essência. Como

distinguir aquilo que é essência daquilo que é relação? Assim escreve

Chevalier: «Se a essência é relativa, ela não é mais essência. Mas, sem cessar

de ser ela mesma, ela pode comportar uma relação»102

98 De Civ. Dei. XI, 10, 1.

.

99 Cf. I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 371. 100 I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 353. 101 De Trin. VII, 1, 2. 102 I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 355.

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Agostinho parte de um exemplo103. Eis um homem; esta palavra

«homem» designa a essência. Eis um senhor; esta palavra «senhor» não indica

uma essência, e sim relação a um servo. De modo que uma coisa é a essência,

outra a relação. Assim que, homem – senhor, é homem pela sua essência e

senhor pela sua relação. Se não houvesse o homem, quer dizer uma essência,

não haveria o senhor, isto é, a relação. Aplicando às pessoas divinas, Agostinho

chega a conclusão de que se o Pai, não é alguma coisa de essencial, de algum

modo não poderia ser relação104. O Pai é, portanto, além de sua relação com o

Filho, alguma coisa de absoluto; do mesmo modo o Filho é alguma coisa de

absoluto, além de sua relação ao Pai. Grandeza, poder, sabedoria designam

este absoluto, a substância, mais ainda, designam uma só substância105. O

Filho é a sabedoria do Pai, no sentido que dele procede em tudo o que ele é,

sabedoria da sabedoria e uma só sabedoria; assim como ele é luz da luz. O Pai

e o Filho são uma só essência de uma simplicidade perfeita. O Verbo designa a

relação, sabedoria designa a essência. O Verbo é a sabedoria nascida «nata

sapientia», entendendo a palavra «nata» com aquilo que é relativo, Verbo,

Filho, Imagem; e a palavra «sapientia», que é um absoluto, compreendendo, ao

contrário tudo aquilo que revela a essência. É por isto que o Filho é com o Pai

uma só sabedoria e uma só essência106, e cada um deles é sabedoria de

sabedoria e essência de essência107. Segundo Chevalier, «O Pai e o Filho,

tomados juntos, são uma mesma sabedoria, porque eles são uma mesma

essência; e tomados separados, o Filho é a sabedoria engendrada pela

sabedoria do Pai, essência engendrada pela essência do Pai. Assim que o Pai

não é o Filho, nem o Filho o Pai»108. Boyer109

103 De Trin. VII, 1, 2.

sugere uma solução interessante.

«O Filho é Sabedoria do Pai». A partir desta frase conclui-se uma relação

104 De Trin. VIl, 1, 2. 105 De Trin. VII, 1, 2. 106 I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 361. 107 De Trin. VIl, 2, 3. 108 I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 361; cf. De Trin. VII, 2, 3. 109 CH. BOYER, ldée de vérité dans Ia phiIosophie de saint Augustin. Paris 1921, pp. 91 – 93.

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necessária entre a existência da sabedoria do Pai e a existência do Filho. Mas

esta relação poderia ser concebida de mais de uma maneira. Um dos sentidos

possíveis é que o Pai não é sábio porque ele engendra seu Filho, mas que ele

não pode ser sábio sem engendrar seu Filho e sem lhe comunicar sua

sabedoria. Chevalier critica esta tese de Boyer e afirma que este pensamento

está presente, sobretudo em Tomás e não no Bispo de Hipona110. No De

Trinitate, Santo Agostinho não propôs uma maneira nova de ver, mas ele

somente aprofundou, precisou, e sobretudo, purificou os elementos

heterogêneos de uma doutrina que desde sempre conservou seus traços

essênciais111. É certo que Agostinho declara expressamente que: «O Pai é

sábio pela sabedoria que ele engendrou»112. Boyer substituiu esta frase por

outra que acreditou ler: «O Pai não pode ser sábio sem engendrar seu Filho e

sem lhe comunicar a sabedoria». Afirma Chevalier «que nenhum texto

apresenta esta idéia. A diferença entre o Pai sapiens e o Pai dicens inclina-se a

uma outra concepção: O Pai pode ser sábio sem o Verbo, ele não pode ser

dicens sem o Verbo»113. O Livro VII do De Trinitate, retomado no livro XV,

explica: «Deus que engendrou o Filho, não somente é o Pai de sua virtude e

sabedoria, como também que ele mesmo é a virtude e a sabedoria. O mesmo

deve-se afirmar do Espírito Santo. Não são três poderes e três sabedorias,

senão um poder e uma sabedoria, como um Deus e uma essência»114. Na

Trindade aquele que engendra, o Pai, é princípio da pessoa engendrada, o

Filho115

110 I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 359.

. Agostinho se pergunta se o Pai é também princípio do Espírito Santo,

pois está escrito: Do Pai procede. Procedendo do Pai, por que se diz que o

Espírito Santo não é Filho? O Bispo de Hipona responde que o Espírito Santo

111 Cf. Ibid. p. 361. 112 lbid. p. 359. 113 Ibid. p. 360; De Trin. VII, 1, 1. «Non sapiens quomodo dicens». 114 De Trin. XV, 3, 5. 115 De Trin. V, 14, 15.

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procede do Pai como Dom e não como nascido116. E o Espírito Santo procede

também do Filho que junto com o Pai formam um só princípio117. «Assim o

Espírito Santo se diz Espírito do Pai e do Filho, que o deram, e também nosso

porque o recebemos. Ele se chama saúde do Senhor, e é também nossa

saúde»118. Não se trata do espírito, fonte de nossa existência, pois este é

espírito do homem, e no homem vive como condição de possibilidade de sua

existência. O Espírito Santo, enquanto nosso, só o podemos dizer em sentido

análogo119. Se de um lado o homem possui um espírito que o faz viver, o

Espírito Santo o recebemos para sermos santos120

No Capítulo 3 do livro sétimo Agostinho expõe a teologia do Verbo. A

Sagrada Escritura afirma que «Cristo é a sabedoria de Deus». Para mostrar que

ele é uma sabedoria engendrada desde toda a eternidade, pronunciada pelo Pai

para que o Verbo seja

.

121. Os homens foram criados e formados pelo Verbo à

sua imagem. Ele os ilumina e por meio dele o Pai se revela122. O Pai é em si

mesmo sabedoria. O Filho é o que é o Pai. Ele não se distingue do Pai senão

pela sua relação de origem. Sobre este ponto de vista ele não é aquilo que é o

Pai. O Pai é a luz, a vida, a sabedoria, como fonte. O Filho é a luz, a vida, a

sabedoria como Filho; o Espírito Santo é igualmente a luz, a vida e a sabedoria

porque ele procede como summa charitas utrumque Pater et Filium conjungens

nosque subjungens123

116 Cf. De Trin. V, 14, 15. Desta sentença breve já está presente em gérmen a solução escolástica

do problema que recebeu seu desenvolvimento definitivo com Santo Tomas de Aquino, ao distinguir a processão segundo a vontade e a processão segundo o entendimento». Cf. Sth 1 q.27 a.4.

. É assim que cada um é luz, sabedoria, Deus. E todos

117 De Trin. V, 15, 16. 118 Cf. De Trin. V, 14, 15. 119 De Trin. V, 15, 16. 120 De Trin. V, 15, 16. 121 De Trin. VII, 3, 4. 122 Segundo Chevalier, «Dans ce passage De Trin. VII, 3, 5. Augustin fonde sa doctrine mystique sur

le rôle du Verbe dans la création et la formation des âmes. I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 362.

123 De Trin. VII, 3, 6. Conforme o comentário de Chevalier. O papel do Espírito Santo em relação às criaturas é igualmente notado e introduzido por esta fórmula antitética. Cf. I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», n. 3, p. 362.

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juntos é uma só luz e uma só sabedoria e um só Deus. As reflexões

cristológicas do livro quarto do De Trinitate levaram Agostinho a identificar

Jesus Cristo com a Sabedoria que foi enviada. Em Jesus, Deus se converteu

em criatura; através de sua carne Cristo ensina o significado do tempo,

condição ôntica de toda consciência124

O Filho é Filho em relação ao Pai. Não é grande em si mesmo, senão na

sua relação com o Pai de quem é grandeza. O Filho é sábio juntamente com o

Pai, de quem é sabedoria. Quando se diz relação, significa que não se pode

entender um sem o outro. E se isto é assim «nem o Pai é Deus sem o Filho, nem

o Filho é Deus sem o Pai, mas ambos são Deus»

.

125. E ambos são uma

sabedoria, assim como também o Espírito é Sabedoria. E não são três

sabedorias, mas sim uma sabedoria. O Filho se fez para nós sabedoria de Deus,

justiça, e santificação. E o verbo em um determinado tempo se fez carne e veio

habitar no meio de nós. O Filho é sabedoria da sabedoria do Pai, assim como

também é luz da luz e Deus de Deus126. Convertemo-nos a Ele para

permanecermos com Ele em toda a eternidade. Quando a Escritura fala da

sabedoria insinua principalmente a pessoa do Filho. O que é a sabedoria, senão

uma luz espiritual e imutável? – pergunta-se Agostinho. A sabedoria é como o sol

que nos ilumina e nos enche de luz, porém, o sol é uma luz corporal. Existe uma

outra luz, mais brilhante e mais terna do que a luz do sol, a esta chamamos luz

espiritual, luz de Deus: luz do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Não são, porém,

três luzes distintas e separadas, senão uma só luz. A Sagrada Escritura nos

revela os nomes próprios das três Pessoas divinas que indicam as propriedades

particulares de cada uma. Os nomes próprios da primeira Pessoa da Trindade

são três: Pai, Princípio, Ingênito127

124 De Trin. IV, 19, 25.

. Somente o primeiro é bíblico, os demais

derivam da Tradição, «que quis exprimir, como pode, duas propriedades do Pai:

125 De Trin. VI, 1, 2. 126 De Trin. VII, 3, 4. 127 De Trin. XV, 26, 47.

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ser o princípio da divindade e não proceder de nenhum outro».128 Pai, porém, é

um nome relativo, assim como também Princípio é um nome relativo. Com a

diferença de que Pai se refere ao Filho, e Princípio se refere a tudo isto que

procede dele129. Menos claro quanto ao terceiro nome. Agostinho demonstra

contra os arianos que o termo Gênito é relativo, de modo que Ingênito também o

é. A Diversidade entre ambos não é uma diversidade de substância130

Os nomes da Segunda Pessoa também são três: Filho, Verbo, Imagem.

Todos estes três nomes são bíblicos e abertamente relativos. Filho implica

relação ao Pai, Verbo implica relação à mente da qual é verbo, Imagem diz

respeito à relação da qual é expressão

.

131. O Filho é Filho enquanto é Verbo; O

Verbo é Verbo enquanto é Filho. O mesmo acontece com a Imagem. «Enquanto

é próprio do Filho ser imagem do Pai, é próprio do Verbo exprimir a imagem na

mente da qual procede. Sobre estes três nomes e a sua mútua equivalência se

funda em grande parte a explicação psicológica que dará Agostinho nos últimos

Livros do De Trinitate»132. Também a Terceira Pessoa da Trindade possui três

nomes próprios: Espírito Santo, Dom, Amor. Embora a Escritura fale somente

do nome Espírito Santo, que é um nome comum que pode ser aplicado tanto ao

Pai quanto ao Filho, ou mesmo a toda a Trindade. Este nome – Espírito Santo –,

não diz respeito às relações intratrinitárias, e não havia na época estudos

suficientes133. Agostinho é o pioneiro. Os resultados que obteve assinalam a

estrada para os teólogos posteriores, já que é o contributo mais importante que

foi dado à teologia trinitária, e à teologia espiritual134. As Sagradas Escrituras

não dizem que o Espírito Santo é caridade, e sim, afirmam que Deus é

caridade135

128 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXX.

. De modo que se deve perguntar se é o Pai que é caridade, ou o

129 Cf. De Trin. V, 13, 14. 130 De Trin. V, 6, 7 – 7, 8. 131 De Trin. V, 13, 14. «Item dicitur relative Filius, relative dicitur et Verbum et Imago». 132 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXI. 133 Cf. De Fide et symbolo, 9, 19. 134 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXI. 135 Jo 4, 16.

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Filho, ou o Espírito Santo, ou mesmo o Deus Trindade136. Agostinho insiste,

sobretudo, que o Espírito Santo é a comunhão do Pai e do Filho: «O Espírito

Santo, segundo as Escrituras, não é só do Pai ou só do Filho, mas de ambos; e

por isto insinua a caridade mútua com que se amam o Pai e o Filho»137. A partir

das relações de origem podemos deduzir as propriedades concretas de cada

uma das pessoas da Trindade. É próprio do Pai a inacessibilidade e a

paternidade. É própria do Filho a filiação pelo fato que o Filho procede do Pai. É

próprio do Espírito Santo a processão já que ao Pai e ao Filho juntos pertence a

expiração da terceira Pessoa da Trindade. «Fala-se de apropriação quando as

propriedades essenciais, que convêm a toda Trindade, se aplicam a uma

determinada pessoa devido ao modo como esta pessoa se manifesta»138. O

Doutor Angélico, entre outros exemplos assinala a apropriação da potência ao

Pai, da sabedoria ao Filho e da Bondade ao Espírito Santo. Não se trata de que

cada uma das pessoas divinas possua de modo exclusivo estas

propriedades139. Agostinho demonstra que o Espírito Santo que Deus nos deu,

faz com que nós permaneçamos em Deus e Deus em nós, de modo especial

faz com que perseveremos em seu amor. O Espírito Santo, portanto é amor140.

Espírito Santo vem usado para denominar a Terceira Pessoa da Trindade em

seu significado próprio, mas não exclusivo, porque genericamente poderia ser

usado também para o Pai, como para o Filho. Assim como o nome sabedoria

aplicado ao Verbo141. «Isto constitui uma grande diferença com os nomes

próprios da primeira e da Segunda Pessoa, que não se pode usar senão para a

Pessoa da qual se fala»142

Ao falar da doutrina das relações, cabe recordar que estas encontram

seu fundamento nas processões. A Revelação nos diz que o Filho é o enviado

.

136 De Trin. XV, 17, 27. 137 De Trin. XV, 17, 27. 138 L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 271. 139 Cf. STh. I, 39, 8. 140 De Trin. XV, 17, 31. 141 De Trin. XV, 17, 31. 142 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXII.

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do Pai, afirma também que o Filho procede do Pai. Santo Agostinho não diz

nada de particular sobre a processão do Filho. A Escritura já tinha sido muito

explícita, antes de Agostinho os Padres já haviam dito. Seu contributo, porém é

muito importante no que diz respeito à processão do Espírito Santo. Sobre este

tema houve muitas controvérsias. Não se trata de recordar os argumentos de

Fócio contra a doutrina do Filioque. Tertuliano já conhecia as duas formas: a

Patre per Filium, e a Patre et Filio, das quais a primeira usada no Oriente, ao

passo que a Segunda usada mais no Ocidente143. Agostinho magistralmente

coloca as duas formas juntas: «mostra a razão da primeira e a força da

Segunda»144. Afirma que segundo as Escrituras o Espírito Santo não é somente

do Pai ou do Filho, mas de ambos145. Em seguida declara que o Espírito Santo

procede do Pai e do Filho como de um único princípio146. E por fim, afirma que

procede principalmente do Pai, ou seja, originariamente, fontalmente. Se tudo o

que há o Filho vem do Pai, do Pai há também a procedência o Espírito Santo147.

Daqui conclui-se que o Pai é a fonte primeira da divindade. Não significa dizer

porém, que seja uma procedência exclusiva do Pai148

5. Consubstancialidade das Três Pessoas

.

Somente de Deus se diz que é em si mesmo, porque se identifica com

sua substância. Mas nesta substância estão presentes três relações: Pai – Filho

– e Espírito Santo, onde o ser de cada um é enquanto relação de um com o

outro. Por isto o «ser-Pai» é sempre em relação com o «ser Filho» e o «ser

Espírito Santo» é em relação aos outros dois como inspiração. Se bem que as

três pessoas não são substanciais, se assim fosse, seriam três deuses, todavia

não são acidentais à sua tríplice relação «ser-em-relação» constitui uma única

143 Cf. A. TRAPÉ, ibid. p. XXX. 144 A. TRAPÉ, ibid. p. XXX. 145 De Trin. XV, 17, 27; IV, 20, 29; XV, 26, 45. 146 De Trin. V, 14, 15. 147 De Trin. XV, 26, 47. 148 De Trin. XV, 17, 29.

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natureza149. Agostinho escreve no início do livro V, seções Quinta e Sexta150

que podemos chamar acidente a tudo aquilo que muda, ou seja, tudo quanto

uma coisa pode adquirir ou perder por mutação. Das categorias acidentais faz

parte também a «relação» enquanto «ser em outro». Ora a substância indica o

ente «por si e em si» o acidente indica ser «em outro». Como encontrar um

caminho intermediário onde a relação não seja acidental, já que entre o ser «em

si» e o ser «em outro» não existe uma via de meio, se assim fosse nos

contradiria151. «De fato, ou existe em si e exclui a alteridade, ou existe em outro;

e este outro: ou existe em si ou em outro, o processo iria até o infinito e não nos

faz sair do círculo vicioso, somente o mudamos»152. De qualquer modo

Agostinho afirma que têm uma saída, porque existe aquilo que ele chama de

pessoa, ou melhor, a categoria acidental, aquela da relação nem sempre é

acidental, «pode ser também pessoal, enquanto poderia encontrar, e este é o

caso da Trindade, uma substância da qual essência é determinada das três

relações, que enquanto eternas não são acidentais153

149 Cf. A. TURCHI, op. cit., p. 343.

». Santo Agostinho

contrapõe a substância Dei da substância nostra. Aquela compreende o

150 Tudo o que há nas criaturas pode reduzir-se a substância ou acidente, devido à sua mutabilidade constitutiva. Nada disto porém, é possível em Deus, no qual todo o acontecer é impossível. No entanto, nem todo o que se predica de Deus se predica substancialmente. Há também relações que não afetam sua imutabilidade. Logo o que se predica de Deus não é necessariamente substância ou acidente como pensavam os arianos, senão substância ou relação. Cf. De Trin. V, 5, 6.

151 Escreve Ladaria: «Se da, pues, en Dios, el relativo, y no es accidental. Ahora podemos comprender por qué cuando Agustín há enumerado los accidentes y há negado que fuesen aplicables a Dios en sentido proprio, há omitido la relación. El relativo se aplica a Dios en sentido proprio y no tiene carácter accidental. No se trata de que el relativo, se haya convertido entre la substancia y el accidente. Se Trata más bien de introducir un nuevo criterio de división de los predicamentos: los que se dicen ‘ad se’, e aquí se incluiria la sustancia y los occho accidentes restantes, y los que se dicen ‘ad aliquid’, es decir el relativo. Los demais accidentes, en la medida en que pueden aplicarse a Dios, no se distiguen de la esencia divina. En un cierto sentido podríamos decir que pierden su autonomia, son absorbidos totalmente por la sustancia. La relación, en cambio, cuando se aplica a Dios, deja de ser accidente y por ello conserva frente a la sustancia su caráter proprio. No puede ser absorbida por la substancia porque ésta es por definición lo que se dice ‘ad se’, y el relativo es lo que se dice ‘ad aliquid. Esta irreductibilidad es la única que se mantiene en la suma simplicidad del ser divino. La aplicación a Dios de la categoria de la relación queda así metafisicamente justificada». L. F. LADARIA, «Persona y Relación en el De Trinitate de San Augustín», p. 257 – 258.

152 A. TURCHI, op. cit., p. 344. 153 lbid. p. 344.

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substancial e o relativo, quer dizer, o Uno e o Trino, em um todo único

substancial. A substância nostra entende-se em sentido amplo, ou seja, como

natureza humana em geral, porém, melhor ainda, em sentido concreto de

homem, afetado pela graça154

O problema, de um certo modo continua. Racionalmente substância e

acidente-relação podem dar-se juntos somente ao interno de um gênero, onde a

pessoa constituiria o gênero entre o ser-em-si, ou substância, e o ser em outro,

ou acidente. Somente que isto não é possível já que o conceito de pessoa

indica exatamente o contrário, já que a pessoa é uma indivídua substância de

natureza racional, segundo a definição clássica de Boécio. Portanto, a pessoa

não é um gênero, mas realmente um indivíduo

.

155. Agostinho numa linguagem

teológica, ao contrário, encontra ao menos um modo de falar, o qual podemos

entender. Entre a substância e os acidentes, no campo trinitário, é possível um

tertium quid: a relação pessoal. «Essa, porém não é um gênero, como deixaria

supor o tertium quid, mas uma determinação da substância156». A relação é

acidente respeito à substância, mas não quando tal relação é eterna e contínua:

neste caso é uma determinação da substância. Agostinho sustenta que o Pai é

Pai porque gera eternamente o Filho e o Filho é filho porque é eternamente

gerado. O mesmo diz Jesus: O meu Pai trabalha sempre e também eu

trabalho157 e ainda: eu estou no Pai e o Pai está em mim158

Fazendo uma aplicação desta argumentação especulativa à pessoa

humana, poderíamos dizer que a pessoa humana poderia ser definida de modo

diverso daquela definição clássica: rationalis naturae individua substantia. Claro

que esta definição continua valendo, somente que se poderia acrescentar que a

.

154 Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 330;

cf. De Trin. V 16, 17. 155 A TURCHI, op cit., p. 345. 156 Ibid. p. 345. 157 Jo 5, 17. 158 Jo 14, 11.

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pessoa é: individua substantia spiritualis naturae159. A pessoa se define e se

encontra na sua relação com Deus160

6. A inseparabilidade das Três Pessoas – «Unum Sumus»

. E esta relação pessoal com Deus não é

uma relação acidental. Se por um lado todas as relações no homem são

temporais, por outro lado, somente a relação criatural, que diz respeito a Deus,

constitui eternamente o ser humano na sua essência. Diferente das outras

criaturas que possui com Deus uma relação relativa, o ser humano uma vez

nascido, possui uma relação eterna. E o fato de que assim é, é o fato da

Ressurreição de Jesus. Esta criaturalidade, o homem não a recebe pela

natureza, mas é Dom individual, e assim cada homem entra em relação eterna

com Deus, onde Deus é sempre criador e o homem sempre criatura. Daí que a

relação do ser humano não se dá enquanto gênero, mas é sempre individual,

porque depende da liberdade e da vontade de cada homem, já que Deus não

cria o homem enquanto um conjunto, mas como um singular. E aqui entra o

valor inalienável da pessoa humana enquanto um ser de dignidade. Cada

homem é um valor, porque não deve a sua existência à espécie, mas sua

existência é fruto de uma deliberação de Deus.

O que significa dizer que Deus é simples e múltiplo ao mesmo tempo?

Não seria uma contradição? O ponto de partida deve ser buscado na

unidade161

159 A. TURCHI, op. cit., 346 ss.

. Para Agostinho, tudo o que existe, de certo modo assemelha-se à

unidade, ao menos enquanto princípio. Por exemplo, a unidade de tudo isto que

160 «Lo divino conquistado aglutina al hombre individual a sí mismo, y a Ia profundidad de sua naturaleza de modo tal, que todos los hombres se ven reflejados en el camino recorrido por el único, que no está solitário, y en él cada uno se reencuentra, no en su particularismo y en su individualismo, sino en lo que en cada hombre hay de universal e eterno. Las Confessiones son soliloquio y diálogo com Dios: y por fin, coloquio con toda la humanidad. Puede parecer ocasional el recorrido y desordenado el método. Pero no hay sistematicidad más rigurosa que la que encierra cada momento de la vida, toda instancia de la voluntad, todo problema del pensamiento entre estos diques: yo y Dios, el primer escalón metódico y el primer lógico y ontológico. El itinerario de una mente viene a coincidir aquí com el afán de la humanidad y com el processo regular de la búsqueda filosófica», L. STEFANNI, op. cit., p. 145,

161 E. HENDRIKX, Introduction, p. 27.

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existe e que chamamos criação realiza de algum modo um todo unitário. Na sua

obra De vera Religione, Agostinho afirma que a superioridade do homem

consiste na sua capacidade de julgar. Esta capacidade provém da razão, ou

seja, da vida que não é somente sensível, mas que é também racional162. Não

basta, no entanto, somente a capacidade de julgar as coisas, porque a

percepção da verdade se dá através do juízo do espírito. Para o Bispo de

Hipona, o homem necessita perguntar sobre a essência da arte, que não é isto

que vem da experiência, mas isto que se descobre mediante a reflexão163.

Quando olha as coisas, um dos elementos que mais agrada ao homem é a

harmonia. A partir da harmonia, Agostinho desenvolve o tema da unidade. A

harmonia requer uma correspondência e uma unidade, similitudine parium

partium, seja para a semelhança das partes simétricas, ou pelas graduações

daquelas assimétricas164. Agostinho ainda fala que existe uma lei imutável que

está além do nosso juízo. Esta lei que se chama verdade está acima de nossa

mente, já que a razão, na sua tentativa de compreender, está sempre exposta a

mutabilidade do erro. A procura da verdade é inseparável da procura pela

unidade165. A Verdade eterna é a razão da ordem universal, é o critério que

preside a ordem universal. «Sem isto não seria possível reconduzir à unidade a

plenitude de nenhum ser, nem se poderia subtrair à dispersão o

desenvolvimento de nenhum tempo»166

162 Cf. De vera rel. 29, 53.

.

163 Cf. De vera rel. 30, 54. 164 De qualquer modo, permanece uma pergunta feita pelo próprio teólogo: Mas quem pode encontrar

nos corpos uma perfeita proporção e semelhança, pela qual, depois de uma atenta consideração ouse dizer que um corpo qualquer possui verdadeiramente e simplesmente a unidade, quando todas as coisas mudam, passando de um aspecto a outro, de um lugar a outro, e constam de partes que ocupam postos próprios, pelo qual são diversamente distribuídas no espaço? (De vera rel. 30, 55). Respondendo a esta pergunta, diz Agostinho, que existe uma verdadeira e primeira unidade, esta não se percebe com os olhos do corpo, mas através de um ato de intelecção. Cf. De vera rel. 30, 55; cf. Ibid, 36, 66.

165 Cf. De vera rel. 34, 64. 166 De Vera rel. 43, 81. Continua Agostinho: «Tal critério é a Unidade originária, sem extensão e sem

mudança, tanto em senso finito quanto em senso infinito. Não existe de fato, uma parte aqui e uma lá, ou mesmo uma agora e uma outra depois, porque sumamente um é o Pai da verdade, Pai da sua Sabedoria, que, enquanto o é símile em cada sua parte, vem dita sua imagem e semelhança, já que deriva dele. A bom direito, portanto, é chamado também o Filho que deriva dele, enquanto

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De fato, o Uno é absolutamente simples e constitui o princípio do qual

traz a própria realidade, e, portanto, a própria verdade de cada coisa que existe.

Todavia o Uno, sobre o qual se fala no De Vera Religione, é diverso

ontologicamente de uma entidade abstrata que está na origem e fundamento da

multiplicidade. Coincide com a verdade privada de dissemelhança com o Verbo

que estava desde o princípio junto de Deus167. O corpo e a alma, por exemplo,

embora sendo uno, são substâncias bem distintas que integram o composto

humano168. Deus, ao contrário de todas as substâncias criadas, inclusive a

alma, é a simplicidade absoluta e ausência de qualquer espécie de

composição169. Esta unidade, no entanto, é inalcançável pelo corpo. O único

que conseguiu realizá-la completamente foi o Verbo que desde o princípio

estava junto de Deus. No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus

e o verbo era Deus170. Por isso o Verbo mostra a unidade como ela é. O Verbo,

portanto é a verdade, que é a perfeita semelhança da unidade, enquanto todas

as outras coisas, mesmo sendo verdadeiras, são dissemelhantes a esta

unidade. A Verdade que é ausência de dissemelhança é a semelhança por

excelência. Ao princípio e o princípio de todas as coisas é o Uno171

Retornando ao ponto de partida, e às perguntas feitas no inicio: como

explicar unidade e multiplicidade em Deus? Em que sentido se pode falar que

Deus seja simples e múltiplo ao mesmo tempo? Para explicar esta aparente

contradição, Agostinho faz um longo discurso através do universo corporal que

.

todas as outras coisas são por meio dele» Ibid. Segundo observação de Holte, Cristo é a verdadeira similitudo, o homem é imago, enquanto pode participar da similitudo. HOLTE, Béatitude e sagesse. Saint Augustin et le problème de la fin l‘homme dan Ia philosophie ancienne, Paris 1962, p. 217.

167 De vera rel. 36, 66. 168 Cf. De Trin. VI, 3, 4. 169 Remetemos ao texto de N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros

De Trinitate», p. 334; cf. De Trin. VI, 3, 4. 170 Jo 1, 1. 171 Deus está presente em todas as partes como presença incorpórea. Ademais, e isto é importante,

Santo Agostinho junta a substância divina com os atributos do ser, tais como o verum e o unum, segundo as circunstâncias, inspirados nos atributos do Unum plotiniano. Isto confirma mais ainda a redução da idéia de substância àquela do ser». Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 320.

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experimenta a consciência humana172. A experiência criatural nos mostra que a

criatura é múltipla sempre. O universo corpóreo é feito de suas partes. Nele há

uma parte maior e outra menor, e o todo será sempre maior que suas partes. O

céu e a terra são partes desta mole universal do mundo; e a terra sozinha, ou o

céu sozinho se compõe, por sua vez, de inumeráveis partes. E a experiência

nos adverte de que sempre uma terceira parte é menor de que as outras duas,

e a metade é menor do que o todo. E o universo, vulgarmente conhecido com o

nome destas duas partes, céu e terra, é sempre maior do que o céu, e do que a

terra separadamente. E cada corpo possui também suas diferenças, uma coisa

é a sua magnitude, outra coisa sua cor, outra ainda, a forma. E, pode acontecer

que em um corpo seja diminuída sua magnitude, e mesmo assim, permanecer

sua cor e sua forma, ou mesmo poder alterar sua cor e preservar as demais

propriedades. E pode acontecer também a um corpo de perder todas as suas

propriedades físicas, ou mudar umas sem que as demais se alterem. Todos

estes exemplos provam que a natureza corpórea é múltipla, não simples. O

mesmo acontece com a alma, que embora sendo mais simples que o corpo,

também experimenta uma certa multiplicidade, pois está toda no corpo, e em

cada uma de suas partes. Assim, pois, a alma percebe todas as sensações do

corpo, por mínimas que sejam, já que percebe em sua totalidade. Contudo, uma

coisa é a alma em sua inércia outra em sua atividade: a penetração, a memória,

o desejo, o temor, alegria, a tristeza. Através desta argumentação, Agostinho

afirma que parece evidente que toda a criatura é mutável173

.

172 Cf. De Trin. VI, 6, 8. 173 De Trin. VI, 7, 8. Luis Arias, em seu comentário explicativo referente esta passagem do De Trinitate,

afirma que: «El alma, como sustancia espiritual, excluye toda composición hilemórfica. En este sentido es simple; pero en el ordem metafisico queda muy distanciada de la simplicidad divina, y en su composición es ciertamente múltiple». L. ARIAS, Introducción, p. 365.

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7. Da multiplicidade à unidade com o uno

A multiplicidade deve ser eliminada da natureza divina. Dizemos

Trindade e não triplicidade174. Agostinho defende perfeitamente a unidade e a

simplicidade de Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são inseparáveis, por

esta razão estão sempre um dentro do outro. A Trindade não é um conjunto de

partes dentro de um todo. Se assim fosse, o Pai sozinho, ou o Filho sozinho

seria menos que o Pai e o Filho juntos. Cada uma das pessoas divinas é o

mesmo que toda a Trindade reunida. Pater, porém, designa somente a pessoa

do Pai, não que a pessoa do Pai esteja separada da Pessoa do Filho, mas

porque somente um é o Pai e outro é o Filho175. Para o Bispo de Hipona, a

igualdade perfeita dos três e a identidade de sua substância foram

suficientemente demonstradas176

A revelação ensina a unidade substancial das três pessoas da

Trindade. As processões sendo imanente, a multiplicidade não ofusca a

unidade de essência. Tanto as processões quanto os relativos são reais, mas

ambos se identificam com a única substância. Agostinho admite que o mistério

permanecerá impenetrável, mas o arianismo será dialeticamente vencido.

Segundo Chevalier, este é um dos grandes méritos de Agostinho. Ter dado a

esta doutrina uma eficácia decisiva na discussão da polêmica

. O Pai é só o Pai, mas o Deus verdadeiro não

é Pai somente, é o Pai o Filho e o Espírito Santo. Cada um é Deus, e cada um

não é Deus excluindo os outros. Cada pessoa possui todos os atributos

absolutos, mas não todos os atributos relativos, porque estes são próprios a tal

ou tal pessoa.

177

174 Cf. De Trin. VI, 8, 9.

. Como conciliar

a unidade e a multiplicidade em Deus? Deus na verdade tem muitos nomes.

Dizemos que ele é grande, sábio, feliz, veraz, e tantos outros nomes que

175 Cf. De Trin. VI, 6, 8; cf. I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 348. 176 Remetemos às conclusões que Santo Agostinho expõe no Livro VI de seu Tratado De Trinitate,

sobretudo, VI, 9, 10. 177 Cf. I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne», p. 384.

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possam ser dignos d’Ele. Mas, em Deus, todas estas realidades não vêm

separadas, porque Deus é simplesmente o Ser178. Os Capadócios se tinham

apercebido do quanto era paradoxal falar no mesmo tempo de unidade e de

trindade de Deus179. Segundo Basílio não existem três hipóstasis originárias.

Mas o Pai é a única origem, a única arché180. O Pai possui simplesmente a

divindade, ao passo que o Filho e o Espírito Santo são Deus somente de modo

derivativo181, enquanto procedem do Pai. Basílio acentua, no entanto, a

synousia dos três seres espirituais perfeitos182. Para Basílio no Pai se encontra

a causa originária, no Filho a causa criadora e no Espírito Santo a causa

aperfeiçoadora183. Pela mesma estrada segue Gregório de Nissa quando

explica que a obra divina deriva do Pai, se apresenta por meio do Filho e se

cumpre no Espírito Santo184. Como faz notar Basil Studer, a concessão do Pai

como arché, funda a unidade divina não sem dificuldades. De um lado, a

divindade parece proceder do Pai; do outro, a diferença entre o modo de

proceder do Filho e aquele do Espírito Santo não é esclarecida. Tem-se a

impressão que os dois são irmãos. Com relação à primeira dificuldade, esta é

resolvida pelos Capadócios identificando o Pai com a divindade. No que diz

respeito a Segunda, esta vem remontada ao mistério185

178 Cf. De Trin. VI, 7, 8.

. Se mais tarde, com

Nicéia, vem esclarecido que a diferença intradivina não pode ser entendida em

179 Esta dificuldade já está presente em Basilio. Cf. CEunom I, 13ss. 180 Cf. Basilio, Spir 16, 38; Spir 16, 37; ep. 210, 5; hom. 24, 1, 3. E mesmo Gregorio Naz. Or. 20, 7; 29,

2; 31, 14. Como também Gregorio Niss., Ablab: PG 45, 133 A – C; AdvMAced 13: PG 45, 1317A. 181 Orígines entende a unidade das três hipóstasis fundada, sobretudo, no fato de que o Pai é a arché,

plenitude e fonte da vida divina. O Filho e o Espírito possuem a divindade somente por participação, em modo derivativo. Neste sentido, somente o Pai é hó theós, Deus em tudo e por tudo. Cfr. PA I, 2, 13; I, 3, 5; CeIs V, 37; Colo I, 19, 115. Na prospectiva da unidade divina, Orígenes não conseguiu escapar por completo de um certo subordinacionismo. Com exceção de Atanásio, virtualmente cada teólogo do Oriente, assim como do Ocidente, aceitou alguma forma de subordinacionismo, ao menos até o ano 355; o subordinacionismo pode ser descrito como uma doutrina recebida. O estado das coisas muda somente devido às disputas com o subordinacionismo ariano. Cf. R.P.C. HANSON, The search for Christian Doctrine of God. The Arian Controversy, 318 – 381. Edinburgh 1988, p. 64.

182 Basilio, Hom. 24, 4; PG 31, 609AB. 183 Basilio, Spir 16, 38s; 26, 64. 184 Gregório de Nissa. Ablab: PG 45, 125C. 185 B. STUDER. Dio Salvatore nei Padri delIa chiesa, p. 208.

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sentido subordinacionista, como se o Filho e o Espírito não possuíssem a

divindade em sua plenitude, permanece no entanto, o conceito platônico –

neoplatônico, segundo o qual, o Filho e o Espírito procedem186 da eternidade da

unidade do Pai187: «aquela última e suprema unidade, da qual tudo o resto flui,

vem referida ao Pai»188. Esta unidade é garantida pelo Pai, do qual tudo

provém. Os três participam do mesmo ser que têm no Pai a sua origem. «A

unidade da substância significa também unidade no status e na potestas. Os

três pertencem à mesma ordem divina, compartem um mesmo poder e

possuem o mesmo poder»189

O homem experimenta, uma divisão entre a sua essência e existência, já

em Deus, essência existência estão intrinsecamente unidas. Deus é porque

existe

.

190. O De Trinitate apresenta a simplicidade de Deus sob um aspecto da

unidade. Em termos de eminência divina não há distinção entre a atividade de viver

e a atividade de ser, senão que a vida se identifica com o ser. Tampouco, há no

entendimento primeiro, uma distinção entre o ato de viver e o ato de compreender,

senão que é uma mesma realidade viver, entender e ser, e tudo é unidade191

E, quando dizemos que Deus é Trindade, não devemos imaginar três

deuses. Se assim fosse, o Pai só, ou o Filho só, seriam menores do que o Pai e

o Filho juntos. É inconcebível dizer o Pai ou o Filho como uma entidade isolada,

porque sempre e inseparavelmente está com o Filho, e o Filho com o Pai,

.

186 G. GRESHAKE, op. cit., p. 64. 187 B. SESBOÜÉ, – B. MEUNIER, Dieu peut-il avoir un FiIs? Le débat trinitaire du IVe. siècle, Paris

1993, p. 58. 188 G. GRESHAKE, op. cit., p. 64. 189 L. F. LADARIA, EI Dios vivo y verdadero, p. 151. 190 Segundo Wilma Gundersdorf: a substância e os acidentes são distintos nas criaturas. Os acidentes

são todos contingentes, não necessários como são as perfeições divinas. Mais ainda, os atributos ou acidentes de uma criatura são distintos dos de outra qualquer, enquanto que em Deus suas perfeições e sua essência são uma mesma coisa. Como ser absoluto, Deus é seus atributos. No homem, ser não é o mesmo que ser forte o ser prudente o ser justo ou moderado, já que o homem pode existir e estas qualidades podem faltar-lhe. Porém, em Deus o ser se identifica, são suas qualidades ou modalidades do ser. Cf. W. GUNDERSDORF, «La simplicidad de Dios en el pensamiento agustiniano»: Augustinus 73 – 74 (1974), p. 46.

191 De Trin. VI, 10, 11. «ld quod est intellegere, hoc vivere, hoc esse est, unum omnia... et omnes unum in ea, sicut ipsa unum de uno, cum quo unum».

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ambos estão sempre unidos e nunca distanciados192. Deus não se faz maior do

que cada uma das três Pessoas divinas, pois nada pode acrescentar-se em sua

perfeição. O Pai é perfeito, perfeito é o Filho, e perfeito também é o Espírito

Santo. A esta mútua união entre as três Pessoas da Trindade denominam os

latinos circumincessio e circuminsessio193, perichóresis194 os gregos. O termo

indica inicialmente a dança; um que dança em torno a um outro, outro que

dança em torno ao um195. Pericoresi entende afirmar que Pai, Filho e Espírito

Santo são de modo tal unidos entre si, que compenetram-se e entendem-se

totalmente. «As três Pessoas divinas estão em uma tal comunhão que podem

ser compreendidas metaforicamente somente como dançarinos juntos em uma

mesma dança»196. Na sua essência formal significa a íntima, inseparável e

perpétua presença de uma pessoa da Santíssima Trindade em cada uma das

outras duas. Estas duas expressões indicam que as pessoas divinas não

somente estão em relação uma com as outras, como também estão umas nas

outras. Alguns exemplos claros são ditos pelo próprio Jesus no Evangelho de

João. Eu e o Pai somos um197. Assim sabereis que eu estou no Pai e o Pai está

em mim198

Agostinho acentua a função unificadora do Espírito Santo no seio da

Trindade, como arquétipo do amor sem o qual não há vida cristã. «O Espírito

Santo é uma realidade comum do Pai e do Filho. Esta comunicação é

.

192 Cf. De Trin, VI, 8, 9. 193 Ambos os termos latinos possuem o mesmo significado. O conceito da circumincessio sublinha a

recíproca dinâmica de interpretação, enquanto circuminsessio coloca o acento sobre a permanência de uma Pessoa nas outras. Circuminsessio tematiza o permanecer estático; circumincessio, refere-se ao invés, ao fato que cada uma das Pessoas divinas é um movimento estático em direção à outra, não somente ad aliam, mas também in aliam, e assim também in alias. Cf. H. BARRÉ, Trinité que j’adore, Paris 1965, p. 38.

194 Expressão grega que literalmente significa uma Pessoa conter as outras duas em (sentido estático), ou então, cada uma das pessoas interpenetrar as outras e reciprocamente (sentido ativo); o adjetivo pericorético quer designar o caráter de comunhão que vigora entre as divinas pessoas.

195 G. GRESHAKE, op. cit., p. 98. 196 lbid. p. 99. 197 Jo 14, 10s. 198 Jo 10, 38; cf. 17, 21.

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consubstancial199 e coeterna. Nem o Pai, nem o Filho são a realidade que os

vincula reciprocamente. Pai e Filho são tais não por participação senão pela sua

própria essência; tampouco por Dom de alguém superior, senão por seu próprio

dom ao conservar a unidade200 do espírito como vínculo da paz201. O Espírito

Santo subsiste nesta unidade e igualdade entre o Pai e o Filho. Por vezes é

chamado de união, de amor, ou mesmo de santidade que existe entre ambos. O

Espírito Santo é amor, e é amor porque é santidade202. Nem o Pai, nem o Filho

são a união que a ambos enlaça. Segundo a teologia agostiniana, o Espírito

Santo é o laço de união na Trindade. Para os gregos o é o Filho203. Insiste o

Bispo de Hipona que o Espírito Santo, seja ele o que seja, é algo comum ao Pai

e ao Filho. Esta comunhão é Consubstancial e eterna. «O Espírito Santo é

substância com o Pai e o Filho. Três pessoas que são uma só substância, ou, o

que é igual, três realidades e um só Ser»204. Poderíamos denominá-la amizade

entre o Pai e o Filho, embora para o Santo de Hipona, o nome mais apropriado

seria caridade. «E esta caridade tem de ser substancial, porque Deus é

substância205, e Deus é caridade, segundo as Escrituras»206

199 Para BLÁZQUEZ: A primeira conseqüência da Consubstancialidade do Espírito Santo é sua

espiritualidade e transcendência. Como o Pai e o Filho, o Espírito Santo é invisível e desborda a capacidade significativa da linguagem humana, apesar de sua missão extra mistérica e função santificante. Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 315.

.

200 Segundo comentário de Mary Clark: Esta unidade mandada é o dom do Espírito; dom recebido no batismo. São Paulo ensinou Agostinho este poder unificador, próprio do Espírito, em virtude do qual Ele forma, de pessoas unidas em um coração e uma mente, uma sociedade universal, vinculada na paz e no caminho de sua madurez em Cristo, imagem perfeita do Pai. É importante ver que a espiritualidade agostiniana não se opõe à matéria; mas está aberta ao Espírito de amor e, conseqüentemente, exige usar as coisas materiais a serviço do bem comum, para unificar a humanidade. Cf. M. CLARK, «Agustín y la Unidad»: Augustinus 135 / 136 (1989), p. 299.

201 Ef 4, 3. 202 De Trin. VI, 5, 7. 203 Cf. Santo Atanásio, cont. arian. 3, 24: PG 36, 476. 204 N. BLÁZQUEZ, «EI concepto de substancia según San Agustín: los libros De Trinitate», p. 317. 205 Segundo BLÁZQUEZ, Para traduzir o conteúdo do dado revelado sobre o Espírito Santo

utiliza Santo Agostinho o vocábulo substância. Tudo o que se diz da Segunda Pessoa respeito ao Pai vale igualmente para a terceira respeito do Pai e do Filho. A substância significa a unidade, igualdade e identidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho a nível da substância criadora. Ibid. p. 313.

206 De Trin. VI, 5, 7.

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Unidade e Trindade constituem a essência do mistério trinitário. A fé em

um Deus uno e trino é o centro da fé cristã e espinha dorsal do Credo.

Agostinho fundamenta sua obra na Sagrada Escritura e na unidade de essência

do Concílio de Nicéia207: Credimus in unum Deum Patrem omnipotentem et in

unum Dominum nostrum Iesum. A doutrina cristã sobre Deus viverá sempre

esta busca de um equilíbrio entre a unidade e a trindade divina. Nem um Deus

simplesmente monádico, nem um Deus triteísta são compatíveis com a

revelação cristã208. A formulação do dogma será uma conseqüência lógica e

natural da doutrina das relações. O concílio de Nicéia em 325, juntamente com

o concílio de Constantinopla em 381, representam um marco importante de

discussão do problema trinitário. O trabalho teológico realizado por estes dois

concílios permitiu a formulação do dogma trinitário, verdadeiro e próprio.

Segundo este dogma, Pai, Filho e Espírito Santo são três hipóstasis distintas,

mas, não obstante, são uma só e única divindade209. O Filho é consubstancial

ao Pai, porque é gerado pelo Pai. O Espírito Santo é consubstancial ao Pai

enquanto procede do Pai mediante o Filho210. Todos os Três formam de tal

modo uma unidade que a inteira obra salvífica é a realidade e a ação de um

único Deus211. A doutrina a respeito do único Filho de Deus vem definida por

Nicéia por duas expressões: da ousía do Pai e homooúsios com o Pai212

207 Christu Filium Dei... Es in Spirit um Sanctum. (Palavras do símbolo niceno (325) contra os arianos.

Versão de Santo Hilário, De synodis 29: PL 10, 502 – 503.

. Basil

Studer observa que a doutrina do homooúsios é um dos pontos cruciais da

pesquisa recente sobre Nicéia, e que os estudiosos até hoje não estão de

208 Cf. L. F. LADARIA, El Dios vivo y Verdadero, p. 13. 209 G. GRESHAKE, op. cit., p. 54; vale a pena ler R.P.C. HANSON, The search for Christian Doctrine of

God. The Arian controversy, 318 – 381, Edinbough 1988, 163 – 172; 190 – 202. 210 B. STUDER, «Augustin et la foi de Nicée», p. 141. 211 Este concílio, onde reuniu 318 Padres, convocado pelo imperador Constantino, o Grande, condenou

principalmente, aos arianos. DS 125 – 126: Encontra-se entre as definições de fé mais importantes. O melhor texto é oferecido por Eusébio de Cesaréia, Carta aos seus diocesanos (PG 20, 1540BC); Atanásio de Alexandria, Carta ao imperador Joviano, cap. 3 (PG 26, 817B); De decretis Nicaenae synodi 37 parag. 2. Entre as versões latinas do creio destacam-se pela sua antiguidade as versões de Hilário de Poitiers, entre as quais está a precedente da obra De synodis 84 (PL 10, 536A).

212 DS125.

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acordo sobre a sua origem e sobre o seu significado213. O termo homooúsios

quer dar a entender a plena igualdade do Filho com o Pai. Igualdade esta que é

fundada na geração eterna do Filho214. Este termo grego que em seu sentido

literal significa da mesma e igual natureza, e quer expressar que o Filho e o

Espírito Santo possuem a mesma e igual natureza do Pai, nasce durante a

segunda metade do século III215, sobretudo, devido ao episódio ocorrido entre

Dionísio de Alexandria e Dionísio de Roma graças a uma carta deste último ao

primeiro216, e mais tarde se servem também deste termo Atanásio e Basílio que

acusam o Bispo de Alexandria de separar Pai e Filho um do outro, e de negar a

eternidade do Filho, de falar do Pai sem falar do Filho e de negar o homooúsios,

apresentando o Filho como criatura217

Sem dúvida a fé de Nicéia, proclamada ao longo do IV século,

constituiu o fundamento da fé cristã. Porém, ainda havia estrada a ser feita. O

concílio não esclareceu todas as questões. Neste sentido a solução será

proposta por Agostinho

.

218. Agostinho refletiu toda a tradição nicena. Quando

começou a fazer parte do cenário teológico, encontrou-se diante de uma

doutrina trinitária que já tinha tomado consistência. Quando afirma, no início do

De Trinitate que havia examinado toda a literatura pertinente, significa que o

Bispo de Hipona segue com plena consciência a Tradição219

213 B. STUDER, Dio salvatore nei Padri delIa chiesa, p. 154; «Augustin et la foi de Nicée», p. 141.

. Porém, nem todos

os problemas haviam sido esclarecidos, sobretudo, as questões referentes ao

caráter peculiar da processão do Espírito Santo e da relação recíproca das

Pessoas divinas e sua relação com a única essência divina.

214 Ário refutou o homousios já antes do concílio para excluir assim a geração do Filho, que segundo ele era indigna de Deus, e por este motivo homousios foi introduzido na confissão de fé sinodal e ao símbolo batismal.

215 B. STUDER, «Augustin et Ia foi de Nicée», p. 152. 216 DS 112 – 115 carta (fragmento) a Dionísio, Bispo de Alexandria, escrita por Dionisio de Roma

por volta do ano 260. Esta carta dirige-se contra os triteístas e os sabelianos. Conservou-se parcialmente em Atanásio, De decretis Nicaenae synodi 26.

217 Cf. B. STUDER, Dio salvatore nei Padri della chiesa, p.134. 218 Cf. B. STUDER, Dio salvatore nei Padri della chiesa, pp. 232 – 233. 219 Cf. De Trin. I, 4, 7.

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Um elemento importante que chama a atenção na teologia trinitária de

Agostinho é a sua pneumatologia. Ele se dá conta da diferença entre a doutrina

do Espírito Santo e a Cristologia. Quanto à pneumatologia sente a necessidade

de recorrer sobretudo às Sagradas Escrituras, já que, como ele mesmo

confessa em suas Confissões, os platônicos reconheceram o Verbo de Deus,

mas não conheceram o Espírito Santo. E mesmo sendo capazes de indicar a

Pátria, foram incapazes de indicar a via, pois se envergonhavam da cruz. Paulo

e João foram os que revelaram de que modo o homem pecador pode chegar a

Deus com Cristo no Espírito Santo220. Agostinho elaborou uma exegese

bastante fina sobre o Espírito Santo, a ponto de chamá-lo caridade. Amor

recíproco do Pai e do Filho. O horizonte novo que aparece a partir desta

perspectiva é que a relação do Pai e do Filho vem concebida como um diálogo

de amor221. Na sua obra De Vera Religione, Agostinho faz a sua profissão de fé

e fala qual é a verdadeira religião, a qual crê: «Eu venero um só Deus, princípio

de todas as coisas, sabedoria pela qual é sapiente cada alma sapiente e Dom

pelo qual é beato cada ser beato»222

As pessoas divinas se distinguem na relação. A relação não consiste

em uma separação, mas em uma distinção. «As pessoas divinas são enquanto

se relacionam»

.

223

220 Ver Conf. VII, 9, 13 – 15; VII, 18, 24 – 19, 25; VII, 21, 27. Este encontro entre o Evangelho e Plotino

é citado por Agostinho em sua De Civitate Dei X, 2. «...Conformando-se nisto com a doutrina evangélica, onde diz o Senhor por boca do Evangelista São João: Foi um homem enviado por Deus, cujo nome era João, este veio como testemunho para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem; não era ele a luz, senão testemunho da luz. Era a luz verdadeira, a qual ilumina a todo o homem que vem a este mundo»... E mais adiante: «O mesmo confessa João quando diz: todos recebemos de sua plenitude». Cf. Enn. V, 3, 4.

. A unidade divina não é a unidade do solitário, mas sim, uma

unidade que é fruto de uma comunhão perfeita. As pessoas divinas não são

«antes» de entrar em relação, senão que são enquanto se relacionam. A

palavra que mais caracteriza relação Trinitária é a palavra doação. Hilário de

Poitiers se baseou na inabitação mútua para mostrar a unidade da natureza do

221 B. STUDER, «Discorso all’inaugurazione dell’Anno Accademico di S. Anselmo», p. 31. 222 De vera rel. 55, 112. 223 L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, p. 268.

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Pai e do Filho, e a perfeita geração do segundo a partir do primeiro224. Aquele

que está em Deus é Deus. Porque Deus não habita em uma natureza distinta e

alheia a si mesmo225. Nos seres corpóreos uma coisa só, não é o que são três

juntas, e dois é mais que um. «Na Trindade, uma pessoa é igual às outras duas,

e duas não são maiores que uma sozinha. Cada uma das pessoas está em

cada uma das outras, e todas em uma e uma em todas, e todas em todas, e

todas são unidade»226. Por isto que, junto do Pai e ao Filho, devemos abrir-nos

ao Dom de Deus, que é o Espírito. Deus, Trindade de uma única substância,

único Deus pelo qual somos e no qual somos227

224 Hilário, De Trin. III, 4. «Quod in Patre est, hoc et in Filio est; quod in ingenito hoc et in unigenito...

Non duo unus, sede alius in alio, quia non aliud in utroque. Pater in Filio, quia ex eo Filius; Filius in Patre; Pater in Filius, quia non aliude quod Filius... lta in se inuicem, quia ut omnia in ingenito Patre perfecta sunt, ita omnia in Filio perfecta sunt».

. Ele é o princípio para o qual

retornaremos e a graça na qual seremos reconciliados. Único Deus, que por

meio de sua obra, nos criou; pela qual semelhança somos formados para a

unidade, e por causa de sua paz aderimos a esta unidade.

225 De Trin. IX, 5, 8. Agostinho faz referência sobre a inabitação mútua da mente, a notícia e o amor. 226 De Trin. VI, 10, 12. «lta et singula sunt in singulis, et omnia in singulis, et singula in omnibus, et

omnia in omnibus, et unum omnia». 227 Cf. Rm 11, 36.

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IV

CONTEMPLAR O MISTÉRIO «Deus Charitas est»

A Obra De Trinitate forma um todo homogêneo harmônico. Não é

possível uma separação total dos livros. Está separação, portanto, é muito

mais uma separação formal, que propriamente de conteúdo. O Livro oitavo

representa uma ponte, um elo de ligação entre a regra de fé e a explicação

psicológica, rica em intuições geniais do mundo maravilhoso da alma1. Trata-

se de uma introdução a toda a segunda parte do De Trinitate, e é mais místico

que os outros. Descreve os caminhos do conhecimento afetivo de Deus, que

não exclui o conhecimento teórico2. Agostinho inicia o livro oitavo repetindo o

que já havia afirmado nos livros anteriores. «Dizíamos em outro lugar...»3.

«Dizíamos que nesta Trindade duas ou três pessoas não são superiores a

uma delas»4. As veredas percorridas por Agostinho para conhecer a Deus

são: a verdade, (capítulos primeiro e segundo)5; a bondade, (capítulo

terceiro)6; a justiça, (capítulos sexto e nono); e o amor (capítulos quarto,

quinto, sétimo, oitavo e décimo). Os atributos de verdade, bondade, justiça e

amor são atributos subsistentes em Deus, e, portanto, Deus mesmo. No que

diz respeito à verdade, assevera Agostinho que é preciso buscá-la em toda a

sua pureza e desprendimento de todo pensamento terreno7

1 L. ARIAS. Introducción, p. 54.

. O mesmo modo

de proceder diz respeito à bondade. É preciso conhecer a bondade das coisas

2 A. TRAPÉ, S. Agostino: L’uomo, il pastore, il mistico, Editrice Esperienze, 1976 p. 369. 3 De Trin. VI, 2, 3; VIl, 2, 3; VII, 4, 9; VII, 6, 12. 4 De Trin. VIII, 1, 2. «Dicimus enim non esse in hac Trinitate maius aliquid duas aut tres personas

quam unam earum». 5 De Trin. VIII, 1, 2. 6 De Trin. VIII, 3s. 7 De Trin. De Trin. VIII, 2, 3.

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que são boas, a fim de que se possa através destes bens parciais, elevar-se à

intuição daquele bem que é a Bondade mesmo, e que faz boas todas as

coisas8. «Bom é isto e bom é aquilo; prescinde dos determinativos ‘isto e

aquilo’ e contempla o Bem puro, se podes; então verás a Deus, Bem

imparticipado, Bem de todo o bem»9. Referente à justiça, afirma o Santo que o

único modo de conhecer a justiça é «em nós mesmos, dentro de nós mesmos

e que, portanto, se deve buscar a justiça na interioridade»10. Repete no

capítulo nono que o conceito de justiça tem que ser buscado «no íntimo de

nós mesmos, acima de nós, na mesma verdade»11

A maior parte do livro oitavo, no entanto, é dedicada ao conhecimento

de Deus pelo amor

.

12. O conceito de caridade é o mais importante e o mais

complexo do livro oitavo do De Trinitate. «A Deus, diz-se, que se deve amá-lo

pela fé. De outra maneira o coração não pode ser purificado, nem se fazer

idôneo para a visão»13

8 A. TRAPÉ. Introduzione, p. L.

. O capítulo quinto ventila a possibilidade de amar a

Trindade sem conhecê-la. É imprescindível a fé para um autêntico amor. «Antes

de entender é preciso crer», por isto deve-se «vigiar para que nossa fé não seja

9 De Trin. VIII, 3, 4. «Bonum hoc et bonum illud: tolle hoc et illud, et vide ipsum bonum, si potes; ita Deum videbis, non alio bono bonum, sed bonum omnis boni».

10 De Trin. VIII, 6, 9. 11 De Trin. VIII, 9, 13. 12 Idéias fundamentais que aparecem no livro oitavo, referentes ao amor: Capítulo IV: 1) Orientação

do conceito de amor; 2) Necessidade de um conhecimento prévio; 3) Conhecimento por meio da fé; 4) Definição de amor – Conseqüência: necessidade de amar ao irmão para amar a Deus. Capítulo V: 1) A humildade, centro da cristologia agostiniana; 2) Os primeiros princípios orientam nosso raciocínio; 3) Unicamente a fé é que salva; 4) Valor das analogias e comparações; Capítulo VII: 1) Definição do amor autêntico: Amor aos homens – conseqüências: 1) Amar ao irmão para imitar a Cristo; 2) Idéia fundamental: A Deus se deve buscar no interior – conseqüência: A humildade como o caminho seguro para chegar a Deus. Capítulo VIII: 1) O amor ao irmão como signo do amor a Deus; 2) O amor, vínculo entre os irmãos e com Deus; 3) A Trindade se encontra sempre no amor verdadeiro; 4) O amor fraterno é sempre dom de Deus e é Deus mesmo. – conseqüências: 1) A perfeição radica no amor ao irmão; 2) No amor ao irmão se cumprem os dois preceitos; 3) O amor a Deus dá autenticidade ao nosso amor. Capítulo X: 1) A caridade é o amor do bem; 2) O amor supõe um amante e um objeto amado que se ama; 3) O amor é vida que une duas vidas. Cf. S. GONZÁLEZ, «Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios», pp. 84 – 85.

13 De Trin. VIII, 4, 6. «Beati enim mundicordes, quia ipsi Deum videbunt; nisi per fidem diligatur, non poterit cor mundari, quo ad eum videndum sit aptum et idoneum».

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hipócrita»14. E um pouco mais adiante escreve: «Cremos que existe a

Trindade..., não amamos uma trindade qualquer, senão a Trindade que é

Deus»15. No capítulo sétimo, afirma Agostinho que o amor autêntico: «é viver

justamente aderidos à verdade de deixar todo o que perece por amor aos

homens, a quem desejamos vivam na justiça»16. O amor verdadeiro inclui

necessariamente o amor a Deus. «Se conhece melhor o amor a Deus que incita

ao amor, que o amor ao irmão a quem ama... Deus é mais conhecido porque

está mais presente, porque é mais íntimo em nós... Porque é mais certo»17.

Logo em seguida nosso Santo, ainda no mesmo capítulo, oferece uma definição

que é conseqüência do verdadeiro amor. «É o amor que nos une com vínculo

de santidade a todos os anjos bons e a todos os servos de Deus: nos une uns

aos outros e nos submete a Ele»18. Não se pode falar de amor sem recordar-se

da presença do amor mesmo que é Deus. O conhecimento do amor é o

conhecimento de Deus e o conhecimento da Trindade que é Deus. No capítulo

décimo demonstra que o amor é imagem da Trindade. Finaliza assim o livro

oitavo: «Que isto baste e sirva de exortação a quanto de sucessivo haveremos

de entrelaçar»19

1. A fé conduz ao conhecimento de Deus

. O que irá entrelaçar o nosso autor, para buscar a imagem da

Trindade, será precisamente o objeto da segunda parte do Tratado De Trinitate.

A Teologia tem como objeto Deus. Quando dizemos que a Teologia tem

por objeto Deus, é importante assinalar que a pergunta sobre Deus que

pretende responder a Teologia tem em Deus mesmo a sua iniciativa. Esta

pergunta vem guiada pela sua mão e pela sua providência, ainda que não o

14 De Trin. VIII, 5, 8. 15 De Trin. VIII, 5, 8. 16 De Trin. VIII, 7, 10. 17 De Trin. VIII, 8, 12. 18 De Trin. VIII, 8, 8, 12. 19 De Trin. VIII, 10, 14.

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saibamos20. Quando tratamos de nos confrontar com a pergunta, quem é Deus?

É necessário ter presente dois elementos importantes: De um lado a

experiência cotidiana do «abismo» existente entre finito e infinito, entre o

homem e Deus21. No sentido de que, por mais que o ser humano se pergunte

sobre Deus, a mente humana finita jamais dará conta do mistério absoluto e

infinito que chamamos Deus. De outro lado, o Deus que se revela na história do

povo de Israel é um Deus que se deixa encontrar. Procurai Iahweh enquanto

pode ser achado, invocai-o enquanto está perto22. Este Deus bíblico que pouco

a pouco vai tirando o véu, e estabelece uma relação (aliança) com seu povo,

em outras palavras, revela-se. Mesmo que esta revelação venha sempre

envolta no mistério e muitas vezes não seja compreendida, em termos bíblicos

a revelação é sempre um fato histórico e salvífico23

Apesar da tensão existente entre aquele que busca e aquele que é

buscado, na busca, Deus pode ser encontrado. Por isso, insiste o salmista:

gloriai-vos com seu nome santo, alegre-se o coração dos que buscam a

Iahweh, buscai sempre a sua face

.

24

20 Cf. Sol. I, 1, 3.

. Feliz não é aquele que encontra, senão

aquele que busca. Aqui está a insistência do salmista: Busca sempre seu rosto.

21 Félix Pasor, em um de seus escritos sobre o Deus da Revelação, afirma que: «Entre finito e infinito, entre homem e Deus existem uma tensão máxima e uma correlação profunda: Deus é para o homem fundamento e abismo. Mesmo que se ocupe fundamentalmente do Deus da revelação e da fé, a teologia poderá afrontar de maneira satisfatória a temática da fé somente colocando-se na perspectiva do absoluto e do sacro, que invade o mundo da relatividade e a profanidade, como fundamento do ser e do senso último da realidade. Somente movendo-se do ‘Deus escondido’ se pode afirmar o ‘Deus revelado’, ‘só a partir do Deus da religião se pode entender o Deus da fé». F. A. PASTOR, «II Dio della rivelazione»: Dizionario di Teologia Fondamentale, Assisi 1990, p. 321, edizione italiana a cura di Rino Fisichella.

22 Is. 55, 6. 23 Pastor escreve sobre alguns postulados, os quais ele chama de axiomas, atinentes a lógica de

afirmação de fé e a estrutura de significado na afirmação religiosa. Dentre esses axiomas, o primeiro é o que ele chama de axioma fundamental. Este axioma consiste em que: “O Deus revelado é o Deus escondido”. Tal axioma resolve equivalentemente a antinomia fundamental da linguagem teológica cristã, isto é, a tensão existente entre a revelação divina e o mistério de Deus. Em outras palavras, o Deus que se revela como misericordioso e fiel na «historia salutis» é o mesmo Deus velado e escondido, criador do universo, referente último da realidade contigente, que habita na luz inacessível do mistério. O axioma fundamental formula a equivalência do «Deus revelatus» e do «Deus absconditus». A. F. PASTOR, «II Dio Della rivelazione», p. 325.

24 Sl. 104, 3.

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Por que Deus uma vez encontrado, deve-se continuar buscando. Segundo

Agostinho25, interpretando as palavras do salmista, citado acima, afirma que:

com efeito, assim se hão de buscar as realidades incompreensíveis, e não creia

que não encontrou nada aquele que compreende a incompreensibilidade do

que busca. Por que buscar, quando se compreende que é incompreensível o

que se busca26? Não que Deus seja incompreensível, porque cada dia se faz

melhor o que busca tão grande bem. A busca de Deus é diferente da busca de

um objeto qualquer. É uma busca que se coloca dentro da lógica e da dialética

do peregrino que, encontrando, o busca, e buscando, o encontra. Se o

buscamos é para que sejamos mais santos, se o encontrarmos é para que o

busquemos com mais avidez. «Era já amável antes de amar-se, pois podia

amar-se, como era antes de conhecer-se conhecível, pois podia conhecer-se;

pois se não fosse cognoscível jamais se poderia conhecer, e se não fosse

amável, jamais se poderia amar»27

25 De Trin. XV, 2, 2.

. O homem afana-se inutilmente para

conhecer a verdade dos objetos e das coisas deste mundo que são mutáveis.

Vive a maior parte de sua vida sob o domínio dos sentidos corporais e daquilo

que acontece no seu interior, e não obstante se envaidece e se inflama com

todas estas realidades. O conhecimento de Deus, no entanto, exige e solicita

daquele que o procura, uma outra atitude. Uma atitude de abandono e de

reconhecimento das próprias limitações. «Como poderá o homem compreender

com sua inteligência a Deus, se ainda não compreende sua inteligência, com a

26 Segundo a interpretação de Gilson em sua introdução ao pensamento de Agostinho, assim escreve: Em primeiro lugar, é claro que para Santo Agostinho a idéia de Deus é um conhecimento universal e inseparável do espírito humano. Se nos esforçamos de definir seu caráter essa se oferece a nós sob um aspecto de qualquer modo contraditório, já que o homem não pode ignorar esta idéia, mas ao mesmo tempo não pode compreendê-la, assim que nenhum conhece a Deus como ele é, e todavia, nenhum pode ignorar sua existência. Em tal modo, desde o início, o Deus agostiniano aparece com o seu caráter de Deus que se faz conhecer com suficiente evidência para que o universo não possa ignorá-lo, mas que todavia, se deixa conhecer somente por aquele tanto que é suficiente para que o homem deseje conhecê-lo ainda mais e se empenhe a procurá-lo. Cf. É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 23.

27 De Trin. IX, 12, 18.

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qual quer compreendê-lo»28? O conhecimento de Deus é antes de tudo graça.

Podemos, no entanto, pensar Deus, tanto quanto é possível à concepção

humana «como um ser bom, que abarca todas as coisas; onipresente sem

lugar, eterno sem tempo, imutável e autor de todas as mudanças, sem um

átomo de passividade. Quem assim discorra de Deus, ainda que não chegue a

conhecer o que é, evita no entanto, com piedosa diligência, e tanto quanto é

possível, pensar dele o que não é»29

O fato de Deus ser incompreensível, não significa que seja

incognoscível. O homem, como ser criado, deduz as perfeições do Ser

supremo. Interpretando esta passagem supracitada do tratado De Trinitate, Luis

Arias diz que: «Agostinho insinua aqui dois procedimentos: a via da eliminação

ou negação e a via da eminência. Suprimir em Deus todos os defeitos das

criaturas e atribuir-lhe todas a perfeições elevando-as ao infinito, é o

procedimento para conhecer Deus de uma maneira especular e enigmática»

.

30.

Em sua Suma Teológica, Santo Tomas, enumera cinco vias para demonstrar a

existência de Deus. Conforme Boyer, se pode ilustrar todas elas através dos

textos de Santo Agostinho31, embora o Doutor de Hipona, não tenha distinguido

e separado como fez o Aquinate. Considerando separadamente os diferentes

graus de ascensão ao conhecimento de Deus, assim como fez Agostinho,

devemos falar, segundo Boyer de três vias para se chegar a Deus32: o ser das

coisas, o pensamento humano e o desejo de felicidade. «Tais são as três vias

que conduzem a Deus e que nos faz conhecê-lo como criador do universo,

como fogo da verdade, como fonte de felicidade»33

28 De Trin. V, 1, 2.

. Agostinho descobre a Deus

29 De Trin. V, 1, 2. 30 L. ARIAS, Introducción, n. a, p. 325. 31 Ch. BOYER, «Les voies de Ia connaissance de Dieu selon saint Augustin»: Augustinus 9 (1958),

p. 303. 32 Ibid. p. 303. 33 Ibid. p. 304.

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como uma realidade imutável, descobre também os temas da imago Dei, e do

serviço divino34

A primeira via poderia parecer a menos agostiniana, devido à sua

riqueza de pensamento merece uma especial atenção. Diz respeito ao

argumento cosmológico da insuficiência dos seres neste mundo. Se

interrogássemos a terra e todos os seres que nela habitam sobre quem os

criou? Confessariam em sua só voz que Deus os criou

.

35. Confissão esta que é

júbilo e louvor. Nada passa despercebido aos olhos do Criador, que perscruta,

contempla e faz fecunda toda a terra36. Segunda via diz respeito à natureza do

homem de procurar a razão das coisas. Quando este considera as maravilhas

do universo, percebe que as causas últimas não estão nele mesmo, tampouco

provém dele mesmo a fonte de sua perfeição. Os astros e seus movimentos, os

minerais, as plantas, os animais, todos estes seres, embora sendo inferiores ao

homem, revelam uma harmonia, uma ordem, efeito de uma inteligência

maravilhosa. Isto quer dizer, que esta ordem e harmonia foi realizada por um

Outro, que não pode ser Outro que a Inteligência suprema. Neste processo de

busca de respostas, a inteligência do homem dá-se conta que não é a razão

humana o último fundamento, que não é o sol da verdade, mas que a fonte da

verdade é mais alta. «É preciso, portanto, colocar uma Verdade subsistente da

qual nossas verdades participam, uma primeira Luz que faz nascer nossas

inteligências e as esclarece»37. Este argumento exige no fundo uma iluminação

divina para explicar o fato do conhecimento humano. Nossa inteligência recebe

de um outro a Luz que nos permite, através dela, contemplar nas coisas a

participação das idéias divinas38

34 Conf. Vll, 11, 17; cf. F. A. PASTOR, «Quaerentes summum Deum», p. 458; A. TRAPÉ, «S.

Agostino. Dal mutabile all’immutabile o la filosofia delI’ipsum esse»: Studi tomistici XXVI (1985), 46 – 58; R. TESKE, «Divine Immutability ia Sain Augustine»: The Modern Schoolmann LXIII (1986), pp. 233-249.

. A terceira via de onde parte Agostinho é o

35 Ps. 144, 13. 36 Ps. 144, 13. 37 Ch. BOYER, «Les voies de Ia connaissance de Dieu», p. 305. 38 Uma passagem do De Trinitate ilustra esta teoria. De Trin. XII, 2, 2.

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desejo natural de todo o ser humano de felicidade. Como o termo grego indica

eudaimonia, aquele que possui um espírito bom. Felicidade consiste como um

efeito de destinação ao Bem supremo. «fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto

estará nosso coração, enquanto não repousar em ti»39. Para Charles Boyer,

interpretando a citação acima, o sentido desta frase de Agostinho não é

exatamente «tu nos fizeste para ti», senão, «tu nos fizeste orientados em

direção a ti»40

A partir desta perspectiva pode-se afirmar que Agostinho encontra no

paradigma espiritualista do platonismo a possibilidade de conceber a realidade

espiritual como inteligível e imutável abrindo deste modo o caminho para a

interioridade

.

41. «Admoestado a voltar a mim mesmo, entrei em meu interior guiado

por ti, e pude fazê-lo porque tu foste a minha ajuda42». O Espírito humano é capax

Dei, e Deus é o princípio universal, verdade eterna e felicidade suma, no qual o

homem descobre a dimensão da transcendência. Apesar de Platão e outros

grandes sábios platônicos da Antigüidade terem conhecido a verdade, fizeram sua

filosofia sem mediador, isto é não conheceram Cristo43

39 Conf. I, 1.

, o verdadeiro mediador, que

40 Ch. BOYER, «Les voies de la connaissance de Dieu», p. 306. 41 É GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, pp. 132 – 133. 42 Conf. VII, 10, 16. Segundo nota explicativa n. 52, escrita por Angel Custodio Vega, em sua

interpretação ao livro As Confissões, todo o capítulo X do livro VII é um resumo da teoria da conversão ou regresso da alma, exposta por Plotino nas Ennéadas I, 6, 9 e IV 3, 1 e Porfírio em sua obra De regressu animae. O campo a seguir é o universo da emanação; segundo o qual o Uno engendra na Mens o Nous; o Nous à alma; a Alma à Matéria, e a Matéria, todas as coisas criadas. A alma deve unir-se ao Uno para alcançar sua perfeição; para isto deve ascender a escala da criação, remontando-se do mundo sensível à alma; da Alma ao Nous ou Verbo, e do Verbo, ao Uno.

43 Agostinho escreve em suas Confissões VII, 9, 13, de ter lido o inteiro prólogo do Evangelho de s. João «non quidem his verbis, sed hoc idem omnino» tomado dos platônicos. A interpretação deste texto é difícil. Em primeiro lugar o Logos de Plotino que foi aproximado ao Verbum de Agostinho é totalmente diverso. Como observa E. BREHIER (Enn. III, p. 21), este Logos de Plotino não é uma hipóstase distinta, como é o Verbo cristão, e ele emana contemporaneamente alguma coisa do intelecto e da Alma do mundo, coisa que não faz o Verbo. Mesmo que este Logos fosse uma hipóstase, seria uma quarta pessoa divina, e isto está em contradição com o dogma da Trindade. Na verdade o único parecido ao Verbo cristão é Nous. Este Nous é uma imagem do Uno (Enn.V, 1, 6), o seu primogênito (Enn. V, 2, 1), do qual assemelha-se como ao próprio princípio do qual é o Logos (Enn. V, 5, 10). Agostinho realmente leu em Plotino e no tratado sobre as três substâncias principais que citou formalmente em sua obra (De Civ. Dei X, 23), una doutrina do nous semelhante àquela doutrina de João referente ao Verbo. E mesmo

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faz passar do amor a si mesmo ao amor a Deus, do orgulho à verdadeira

sabedoria. Assim escreve Agostinho: «Os principais filósofos pagãos puderam

compreender o invisível de Deus pela criação; porém como filósofos sem mediador,

isto é sem o nome de Cristo, não acreditaram nos profetas, que anunciaram a sua

vinda, nem aos apóstolos que proclamaram sua chegada»44

Tomás de Aquino segue as pegadas deixadas pelo Bispo de Hipona.

No inicio de sua Suma Teológica, o Doutor Angélico dá algumas descrições

referentes a isto que todos pensam quando falam de Deus: Para Tomás, Deus

é o bem supremo, no qual participam todos os bens finitos e para os quais ele

constitui o fundamento; Deus é o fim último que tudo governa e ordena

.

45. Para

Santo Agostinho, de um certo modo, de Deus somente podemos saber aquilo

que ele não é. Nada daquilo que é mutável se aplica a Deus, e mesmo que do

abismo nos elevemos a coisas tão altas, antes de compreender o que Deus é

podemos saber já o que Deus não é46. Este modo de falar de Deus, chamado

também método apofático, ou ainda, teologia apofática47

estas duas hipóstases, eternamente geradas e co-presentes ao primeiro princípio, diferem profundamente uma da outra. Em primeiro lugar o Verbo não é somente o primeiro gerado do Pai, nem o único, aquilo que não é o naus de Plotino. Em segundo lugar este nous de Plotino não é Deus no mesmo modo do Uno, que está acima da divindade, enquanto o Filho e o Pai são Deus no mesmo sentido. E por fim o nous de Plotino é inferior ao Uno, enquanto que o Filho da Trindade cristã è igual ao Pai. Para encontrar esta passagem de João 1, 1 – 5 em Plotino ocorre portanto, afirmar que Agostinho leu as Enéadas de Plotino como cristão. Ver ainda, É, GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, n. 40, p. 269.

, nasce sobretudo entre

os Padres Capadócios. Era um modo de defender a experiência religiosa

44 De Trin. XIII, 19, 24. 45 STh. 1 q. 2a. 3n. 46 Cf. De Trin. VIII, 2, 3. 47 Remetemos aqui ao livro de Félix Pastor, La Lógica de lo Inefable, sobretudo, ao capítulo IV onde

o autor trabalha a via apofática. Segundo Pastor: A linguagem teológica do teísmo cristão nasce do encontro da mensagem profética evangélica com o mundo da cultura grega, especialmente com a filosofia do platonismo e do estoicismo. Deste modo surge um primeiro intento da recepção do conceito filosófico de Deus, que encontra na via apofática da teologia patrística seu momento culminante (...) Ao encontrar o mundo grego, o cristianismo tinha diante de si a tarefa de demonstrar, que o Deus revelado da aliança era também o Deus desconhecido e misterioso, objeto transcendente do sentimento religioso universal, coincidindo inclusive com o princípio último da realidade (arkhé). Cf. F. A. PASTOR, La Lógica de lo lnefable, Roma 1986, p. 168s.

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revelada, dos filósofos racionalistas, como Eunômio48. Conforme Yannis

Spiteris, o apofatismo encontra seu ápice em Dionísio, o pseudoareopagita.

Dionísio é aquele que mais influenciou a mística bizantina. Ele distingue duas

vias teológicas possíveis: uma procede por afirmação, chamada também

teologia catafática ou positiva, outra por negação, teologia apofática ou

negativa. «A primeira nos conduz a um certo conhecimento de Deus, mas se

trata de uma via muito imperfeita. A via apofática, se bem que nos conduza à

ignorância perfeita, é, todavia a única que é conforme a natureza incognoscível

de Deus»49. A busca de Deus será sempre semelhante ao peregrino que

procura compreender o mistério tateando no escuro. É como um procurar à luz

de velas. Uma vela acesa na escuridão não dá conta de iluminar todo o

ambiente, tampouco clarear todo o horizonte. A vela têm o poder de apontar o

caminho por onde se deve andar. Em outras palavras, conhecer Deus exige a

fé. A fé é esta realidade presente que permite ver algo para além do horizonte

que não se vê. Agostinho chama a fé de preâmbulo do amor50. Pela fé somos

aptos para amar a Deus, através da purificação do coração, e idôneos para a

sua visão51. A fé em Deus nasce no profundo do coração daquele que sabe

escutar o clamor e o grito de todas as coisas criadas. «Não somos nós teu

Deus, procura acima de nós»52

A vida do Doutor de Hipona, apesar de todos os percalços que

conhecemos, foi marcada de um desejo abrasador de conhecer o conteúdo da

fé. Os dois graus do conhecimento de Deus são fé e razão. É famoso o

.

48 A teologia do século IV encontra-se de fronte de um estranho personagem de nome Eunômio

(viveu entre o ano 365 e 385). Este professava um otimismo gnoseológico que lhe fazia dizer nós conhecemos Deus como ‘nós somos conhecidos por Ele’(...). Eunômio representa aquela corrente de pensamento que, junto com a filosofia aristotélica, identificava Deus simplesmente com o ser. Conhecer Deus, portanto, significava conhecer o ser. A experiência religiosa se racionalizava. Cf. Y. SPITERIS, «L’esperienza di Dio Padre nel Cristianesimo orientale», p. 201.

49 Ibid. p. 202. 50 De Trin. VIII, 4, 6. 51 De Trin. VIII, 4, 6. 52 Conf. X, 6, 9. «Non sumus Deus tuus; quare super nos».

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princípio agostiniano crede ut intelligam53. Segundo NelIo Cipriani54, intelligere é

possuir através da razão. A fé consiste no conhecimento da verdade que ainda

não se compreende. Neste sentido Isaías é insistente: se não crerdes não

entendereis55. De fato, para o Teólogo de Hipona a fé é sempre um grau do

conhecimento que, junto com a razão, é uma fonte do conhecimento e

aprofundamento humano. Começa-se pela fé para depois chegar ao

conhecimento racional56. Conforme Émile Gilson57, este axioma gnoseológico

agostiniano: nisi credideritis, non intelligetis, seguirá sendo eternamente a carta

magna da filosofia cristã. Agostinho dá uma certa primazia ao conhecimento

intelectual das verdades eternas sobre o conhecimento racional das realidades

temporais58. Um e outro correspondem respectivamente àquilo que se chama

sabedoria e ciência. O conhecimento pela fé, secundum intentionem não é só

uma alternativa, senão condição de possibilidade da contemplação interior.

«Pela fé o homem subtrai-se não ao tempo, mas à pressão do passado; e não

ao mundo, em uma espécie de fuga interior, senão à quietude (...) Santo

Agostinho afirma que a perfeição da vida consiste em esquecer as coisas que

ficam atrás para voltar-se àquelas que estão acima de nós»59

53 O primeiro progresso, fonte de todos os outros, consistirá que a fé esteja ancorada na verdade. É

certo que a fé não vê com clareza a verdade; essa possui não menos, como uma espécie de olho, que o permite de ver que alguma coisa, é verdade, mesmo não se compreendendo o motivo. Essa não vê isto que crê, mas sabe pelo menos com toda a certeza que não o vê e que mesmo não vendo é verdade. E por fim, esta posse mediante a fé de uma verdade selada, mas certa, que inspirará o desejo de penetrar seu conteúdo e conferir o seu pleno significado ao Crede ut intelligas. Cf. E. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 45.

. Este é o caminho

que só é possível pela fé. «A fé é, portanto, para Santo Agostinho, o contrário

de um conhecimento obscuro, porque à base se encontra o que nomeia com a

54 N. CIPRIANI, Dizionario di Teologia Fondamentale, op. cit., p. 8. 55 Is. 7, 9. «Nisi credideritis, non intelligetis». 56 Cf. De Ord. II, 9, 26. 57 Cf. E. GILSON, «L’avenir de Ia métaphysique augustinienne»: Mélanges Augustinienne Paris,

1931, p. 361. 58 De Trin. XII, 15, 25. 59 J. F. V. NÚÑEZ «La idea de creación según San Agustín», p. 394; cf. Conf. XI, 29, 39.

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palavra securitas. A securitas é a condição para a atualidade e a presença da fé

no homem»60

A verdade pura não se deve esperar do mundo dos sentidos nem do

conhecimento sensível, ainda que este seja digno de crédito. A fé é sempre

condição prévia para o conhecimento do inteligível e do divino. Toda tentativa de

compreender a fé, já pressupõe um ato de fé. E desenvolve-se em base àquele ato

de fé duradouro, nunca sem ele. Um outro aspecto do princípio de Agostinho

consiste no fato de que também um pensamento puramente humano deve

desenvolver-se unicamente no interior da fé. Aqui está em jogo a compreensão do

homem em si mesmo. A autoridade exige a fé, mas a fé prepara a razão e a razão

conduz ao conhecimento intelectual

.

61. Crer, pois, «não é um ato contrário à razão:

pode sê-lo se o conteúdo da fé é absolutamente absurdo ou se se crê com

facilidade, sem a devida ponderação da autoridade»62. A credibilidade da auctoritas

cristã consiste no fato de que se é racional que a fé preceda a razão, ao menos no

que se refere à ordem do tempo, de outra parte é verdadeiro que a razão deve

preceder a fé, quanto aos motivos de credibilidade. Por este motivo se deve crer a

certas pessoas ou livros63. Aqui coloca-se exatamente o papel da teologia enquanto

discurso, lógos, que responsavelmente se faz de Deus, theós. Teologia,

compreende-se, então, como Ciência de Deus e Ciência da fé, «chegamos assim à

definição ontológica clássica da teologia, ao discurso responsavelmente conduzido

sobre Deus. Retomando Agostinho e Anselmo de Canterbury que definem a

teologia como ‘fides quarens intelectum’, como fé que procura compreender.

Segundo esta definição, não significa que se interrogar ou o compreender viriam

associados à fé, mas sim é a fé mesma que é concebida como uma fé que procura

e quer entender»64. Deus é, portanto, o único e unificante tema da teologia65

60 Cf. F. V. NÚÑEZ «La idea de creación según San Agustín», p. 394.

.

61 Cf. De vera rel. 24, 45. 62 N. CIPRIANI, op. cit., p. 8 63 Cf. De vera rel. 24, 45. 64 W. KASPER, op. cit., p. 13.

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Tomada na sua essência «a fé agostiniana é ao mesmo tempo adesão

de espírito à verdade sobrenatural e humilde abandono de todo o homem à

graça de Cristo»66. O que significa, pois, crer em Deus? Significa, crendo n’Ele

amá-lo, penetrar no seu mistério de amor. Quando dizemos e cremos que existe

uma Trindade, sabemos o que é uma trindade porque conhecemos o número

três, mas este, porém, não é objeto de nosso amor já que podemos afirmar uma

trindade qualquer. Mas não amamos uma trindade qualquer, e sim, a Trindade

que é Deus. Esta Trindade, no entanto, só pode ser amada pela fé, já que não

pode ser vista, porque Deus é único e invisível67. Esta fé que é fruto do amor

possui suas exigências. Não é uma fé qualquer, mas exigente. Segundo a

palavra do Apóstolo é uma fé que opera pela caridade68. A fé, no entanto, não é

um fim em si mesmo. Deus não disse que o fim último do homem é crer nele,

mas conhecê-lo. Conhecer Deus é que constitui a vida eterna. Ora, a vida

eterna é esta: que eles conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que

enviaste, Jesus Cristo69

2. A fé, preâmbulo do amor

.

O capítulo quarto faz alusão de alguns conceitos prévios, no sentido de

orientar o verdadeiro amor. A fé é a luz que ilumina o amor. Não se pode

compreender a fé nos escritos de Santo Agostinho segundo um marco de

definição. A fé diz respeito à alma e reside em suas duas faculdades:

entendimento e vontade, que correspondem às duas principais atividades de

homem: o conhecimento e o amor70

65 Para Santo Tomás, o sujeito de uma ciência aquilo do qual nela se trata. Pois bem, na teologia se

trata principalmente de Deus. Por isto a teologia é um discurso sobre Deus, já que tem como sujeito Deus. STh. 1 q. 1 a.7.

. A fé, portanto, possui uma prioridade

lógica sobre a esperança, a justiça, a caridade e sobre as demais virtudes

66 É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 45. 67 De Trin. VIII, 5, 8. 68 GI 5, 6. 69 Jo 17, 3. 70 S. GONZÁLEZ, Introducción a la contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 85.

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morais. Toda a vida interior do homem, e mesmo qualquer possibilidade de

união com Deus, não pode ser prescindindo da fé. E por isto no capítulo quarto

do livro oitavo, antes mesmo de falar da justiça e do amor, que tomarão grande

parte do livro oitavo, Agostinho dedica este capítulo ao tema da fé. Agostinho

quer conduzir o leitor pelo caminho da busca e indica a atitude que se deve

tomar. Precede a fé e segue o entendimento. O entendimento, por sua vez,

iluminado pela graça, vai ao encontro da fé71. O Bispo de Hipona, por meio de

uma argumentação progressiva, quer conduzir-nos ao conhecimento de Deus,

que por sua vez deve conduzir à fé verdadeira e sem fingimento72. Neste

sentido é importante orientar a imaginação já que esta pode desfigurar a fé73.

«Temos que evitar, que a alma quando crê, o que não vê, se finja algo irreal e

espere e ame o que é falso. Pois, segundo esta hipótese, a caridade não

brotaria de um coração puro, de uma consciência reta»74. E mais adiante ajunta

nosso Santo: «Nossa fé não se ocupa dos detalhes da face, tampouco dos

contornos somáticos dos personagens, senão da vida íntima, que com a graça

de Deus levaram a pôr em prática quanto de suas pessoas nos referem as

Escrituras»75

71 Serm. 126, 1. “Aparentemente sería más natural empezar por Ia razón y terminar por la fe; pero

para san Agustín es camino más seguro ‘creer para conocer’. Es imposible Ia misma vida humana sin postulados que se acepten y que sirvan como puntos de partida del pensamiento de la vida misma. ‘Creer, nos dice, es pensar asintiendo’. Es necesario que todo lo que se cree se crea después de haberlo pensado. El fondo del problema incluye las relaciones entre la fe y la razón. Es éste, a mi parecer, un motivo fundamental por el que inserta este capítulo sobre la fe, como orientación pedagógica de nuestra fe en el misterio trinitario. San Agustín confirma la distinción entre Ia fe y Ia razón y excluye la separación entre ellas. Fe y razón han de caminar unidas en esta investigación psicológica sobre el misterio trinitario». S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 89.

. E no que refere-se à fé que temos em nosso Senhor Jesus Cristo;

«O que salva não é a ficção da alma, talvez muito distanciada da realidade, mas

72 Cf. S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, pp. 86 – 87. 73 De Trin. VIII, 4, 7. 74 De Trin. VIII, 4, 7. 75 De Trin. VIII, 4, 7. Santo Agostinho precisa três expressões que vale a pena serem recordadas: a)

«Credere alicui», que expressa a pessoa cuja a palavra se aceita como verdadeira. Assim também cremos em Deus. Este é o primeiro preceito e o princípio da religião. (Serm. 38, 5); b) «Credere aliquem», este princípio expressa as pessoas e as coisas que formam o objeto da fé, ou seja, o corpo das verdades reveladas (De Civ. Dei 4, 20; c). «Credere aliquem», significa uma fé cheia de amor, que eleva a Deus e incorpora o crente aos seus membros. Esta é a fé que justifica.

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nosso pensamento sobre a natureza específica do homem»76. No capítulo

quinto, de um modo mais acentuado, retoma a introdução do amor. Nosso

Santo insiste em centrar os conceitos até chegar ao capítulo décimo, que é o

desfecho final do tema sobre o amor, introduzindo a segunda parte do grande

tratado. Em sua especulação, o Bispo de Hipona repete intencionalmente

muitos conceitos, seguindo o princípio pedagógico do prólogo: «Ficam, pois,

definidas estas verdades e quanto mais em nosso estudo as repitamos, mais

familiar nos será seu conhecimento77

A humildade é a prova por excelência do amor de «Deus feito homem

por nós, para dar-nos exemplo de humildade e prova de seu amor divino»

.

78.

Esta é «a razão da Encarnação e medicina eficaz de nossa soberba»79.

Agostinho insiste sobre a necessidade da humildade, quando se trata do

mistério. O contexto de todo o capítulo quinto – continua de modo implícito o

tema do capítulo anterior sobre a fé. A fé é a única que salva, por meio dela

conhecemos e «amamos a Trindade que é Deus»80. Agostinho acrescenta

diversos exemplos e por meio deles busca demonstrar a fé como a única que

salva. A imaginação nunca, ou muito raramente conhece a verdade das coisas

como elas são. A fé ao contrário não falha nunca. O comentário sobre o

Evangelho de São João nos fala de uma fé cheia de amor, uma fé que nos

conduz a Cristo e nos incorpora a seus membros81

76 De Trin. VIII, 4, 7. Referente esta passagem, escreve Luis Arias: «No es meritoria para la vida del

ciclo la imagem que tenemos de Cristo hombre, sino la fe en la humanidad sacrosanta del Salvador. No salva Ia imagem, sino la fe. La imagem puede ser falsa, la fe sempre es verdadera. Cristo es hombre: he aquí un postulado de nuestra creencia ortodoxa; Cristo, fue alto, moreno, esbelto?: he aquí la incertidumbre de la imagen frente a lo desconocido». L. ARIAS, Introducción, n. e, p. 417.

. A questão latente do livro

77 De Trin. VIII, pról. 1. 78 De Trin. VIII, 5, 7. 79 De Trin. VIII, 5, 7. 80 De Trin. VIII, 5, 8. 81 ln lo Ev. 29, 6.

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quinto consiste em saber de quais analogias e comparações nos servimos

quando cremos em Deus, a quem amamos sem conhecê-lo82

3. Conhecimento de Deus por meio dos conceitos de Verdade,

Bondade e Justiça

.

«A essência da verdade... é a Trindade, Deus único, grande, verdadeiro

e verdade»83. Diversas passagens Agostinho chama a Deus de Verdade e Luz,

e une estas duas palavras em um só significado. «Ela – a Sabedoria – é a

Verdade, ela é Deus... é o Verbo de Deus, e a Sabedoria de Deus, por quem

foram feitas todas as coisas»84. Deus é Luz... uma Luz que o coração intui

quando ouve dizer: Deus é Verdade85. Cristo é a Verdade e Luz do Pai. «O

Verbo é a mesma Verdade, palavra de Deus e sua luz»86. Cristo é a Verdade

por essência87. Tudo quanto foi feito era vida n’Ele... Vida que é luz dos

homens88. Deve-se rechaçar toda a imagem para chegar ao conhecimento da

verdade89. Porque a Verdade não é nada espacial, nem corpóreo90. A

imaginação reveste de figura e de forma as coisas conhecidas91. As

imaginações sensíveis impedem ao espírito o conhecimento de si mesmo.

Pode-se imaginar que o espírito seja uma coisa material, mas não é92

82 Segundo o comentário de González: «Parece plantear aquí san Agustín el verdadero objeto del

libro octavo, introductorio a Ia segunda parte del gran tratado. Las analogías y comparaciones que empleará san Agustín serán tomadas de los seres de Ia creación, que son vestigios, huellas o imagen de Dios, mediante Ias cuales, por analogia, podemos conocer y amar a Dios, que es Trinidad. El processo, profundamente pedagógico, lo comenta el mismo san Agustín al hacer la síntesis de lo expuesto en el libro quince». S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 91.

. A

83 De Trin. VIII, 2, 3. 84 Ps. 33, 2, 6. 85 De Trin. VIII, 2, 3. «Deus lux est... quomodo videt cor, cum audis: Veritas est». 86 De Ver. Rel. 36, 66. 87 Conf. 3, 6, 10. 88 De Trin. IV, 1, 3. «Unum Verbum Dei est, per quod facta sunt omnia, quod est incommutabilis

veritas...». 89 De Trin. VIII, 2, 3. 90 De Trin. VIII, 2, 3. 91 De Trin. XI, 10, 17. 92 De Trin. VIII, 6, 9; X, 5, 7. V. CAPÁNAGA, «La doctrina agustiniana sobre la intuición»: Religión y

cultura 15 (1931), pp. 8 – 109.

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natureza mesma da verdade é espiritual93. A imagem sensível não pode nos dar

um conhecimento real da verdade. Um dos temas vitais na metodologia

agostiniana: «evitar que a alma quando crê, se finja algo irreal»94

Deus, Verdade por essência, contempla-se na interioridade, se conhece

no interior. «Esta verdade velada muito tempo, aparece somente na

interioridade»

.

95. A razão nos adverte desde fora, vale-se de seu raciocínio

sobre as coisas, porém, a verdade nos ilumina a partir de dentro. Diversas

vezes Agostinho chama a atenção para a realidade desta verdade interior96.

Porque existe uma verdade dentro de nós mesmos, então podemos conhecer

as coisas verdadeiras97. Um outro elemento importante, sobre o qual, reflete o

Bispo de Hipona, trata-se do conhecimento místico de Deus através do conceito

de Bondade. O tema da bondade ocupa todo o capítulo terceiro do livro oitavo.

O conceito de Bem segue o mesmo procedimento daquele de verdade.

Bondade e Verdade são conceitos absolutos que se identificam em Deus. São

Deus mesmo98. O ser humano possui inclinação natural para o Bem. Por isto

afirma Agostinho: «Certamente não ama senão o bem, pois boa é a terra com

suas montanhas... Bom é o varão justo... Bons os anjos em sua santidade

etc...»99

93 Escreve Pedro Caba: «San Agustín representa una filosofia que parte del hombre y vuelve al

hombre, pero cargada ya de Ia presencia que el refleja de lo divino. Por eso comienza com la vuelta del espírito a sí mismo, busca la verdad, no la verdad existencial de cada uno, sino la verdad eterna, que nos Ileva en su resplandor a contemplar la presencia de Dios en el hombre. No se queda esta contemplación en el hombre, sino que se trasciende y se eleva a la Verdad misma». P. CABA, «La filosofia del conocimiento en san Agustín»: Augustinus III (1958), pp. 216 – 217.

.

94 De Trin. VIII, 4, 6. «Nimirum autem cavendum est, ne credens animus id quod non videt, fingat sibi quod non est, et speret diligatque quod falsum est».

95 S. GONZÁLVEZ, Introducción a la contemplación y conocimiento mistico de Dios, p. 71. 96 Ps. 130, 12. «Intus est Deus eius, et spiritualiter intus est, et spiritualiter excelsus est». 97 Cf. S. GONZÁLVEZ, Introducción a la contemplación y conocimiento mistico de Dios, p. 72. 98 Agostinho estabelece alguns pontos referentes à Bondade: 1) O homem ama o bem e tende ao

bem; 2) Enumeração de bens e ascensão ao Bem supremo; 3) Deus, Bem supremo, medida de todos os bens; 4) A idéia do Bem se encontra impressa em nossa interioridade; 5) Deus se há de amar por si mesmo e em si mesmo; 6) Deus, Bem simplíssimo; 7) A bondade dos bens mutáveis provém do Bem imutável. Destes sete aspectos decorrem três conseqüências: a) Santo Agostinho quer nos levar ao Bem sumo; b) Felicidade ao contemplar o Bem; c) Contemplação de Deus, Uno e Trino, Verdade e Bem. Ibid. pp. 73 – 74.

99 De Trin. VIII, 3, 4.

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A idéia de bem se encontra impressa em nossa interioridade. O mesmo

acontece com o conceito de verdadeiro. Bondade e Verdade são objeto da

«memória Dei». Não podemos mudar esta idéia que portamos em nós100. Estas

noções de Verdade e Bondade nos são naturais, assim como os primeiros

princípios, dos quais, estas noções procedem101. Nosso Santo insiste em

conduzir seu leitor à conversão em direção ao Bem e a Verdade. A

contemplação e o amor do Bem e da Verdade fará a alma feliz102. Esta

felicidade se realiza na própria interioridade porque no interior brilha com todo o

esplendor, os conceitos de Bem e de Verdade. No que diz respeito à concepção

de justiça, esta vem formulada nos capítulos sexto e nono do livro oitavo do

Tratado De Trinitate. No capítulo sexto desenvolve, sobretudo, o conceito. O

capítulo nono faz uma referência a Deus mesmo como ideal de toda a justiça,

conforme o qual todo o homem deve viver sua própria justiça. Agostinho fala da

justiça como uma forma de amor e caridade. A justiça encontra, primeiramente,

sua raíz na alma103. Por exemplo, a razão de amar o apóstolo é a santidade de

sua alma104. No ser humano somente a alma é justa. Quando se diz que o

homem é justo, se entende segundo a alma, não segundo o corpo105. Um

segundo aspecto da justiça é que ela é uma certa beleza da alma, que faz os

homens formosos, ainda que seus corpos sejam disformes106. Justa é a alma

que pauta sua vida e seus costumes conforme aos ditados da ciência e da

razão, e dá a cada uma aquilo que é seu107

100 De Trin. VIII, 3, 4.

. Segundo Sérgio Gonzáles, «esta

101 De Trin. VIII, 3, 4. 102 De Trin. VIII, 3, 5. «Et si amore inhaeseris, continuo beatificaberis». 103 De Trin. VIII, 6, 9. «Et cum homo iustus dicitur, ex animo dicitur, non ex corpore». 104 De Trin. VIII, 6, 9. 105 De Trin. VIII, 6, 9. «Iustus autem in homine non est, nisi animus; et cum homo iustus dicitur, ex animo

dicitur». 106 De Trin. VIII, 6. 9. «Est enim quaedam puchritudo animi iustitia, qua pulchri sum homines, plerique qui

corpore distorti alque deformes sunt». 107 De Trin. VIII, 6, 9. «lustus est animus qui scientia atque ratione in vita ac moribus sua cuique distribuit».

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definição indica o conceito jurídico de justiça. Agostinho não se conforma com

esta definição. A virtude verdadeira é para ele ordo amoris»108

4. «Deus Charitas est»

.

Tudo aquilo que na Trindade se diz propriamente de cada uma das três

pessoas, implica mútua relação109. Evidentemente estas realidades pertencem à

categoria da relação e não da substância. Assim dizemos que a Trindade é um só

Deus, Bom, Eterno, Todo-Poderoso, o mesmo se pode dizer que este Deus é a

sua própria deidade, bondade, eternidade e grandeza. Embora o Pai seja o

princípio de toda a divindade e para dizer mais exatamente de toda a deidade, a

Trindade não é o Pai, tampouco se pode chamar Filho. Nem mesmo o Espírito

Santo é a Trindade, senão que está na Trindade110. Deus é Espírito, o Pai é

Espírito, e Espírito é também o Filho e o Espírito Santo, e eis que o Pai, o Filho e

o Espírito Santo são um só Deus. Na Trindade, temos, pois, uma relação de amor

que caracteriza cada uma das três pessoas111. No Livro Oitavo do De Trinitate,

Agostinho mostra-se determinado em descobrir a Trindade na caridade112. À idéia

de Deus veritas est113 vai suceder a idéia de Deus charitas est; Bonum, e fonte de

todos os outros bens particulares. «Olha de novo, se podes»114

Passando imediatamente para o capítulo sétimo, o Bispo de Hipona,

começa por mostrar como o amor a Deus e o amor ao próximo se implicam

.

108 S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 79. 109 J. B. ROY, «L’expérience de l’amour et l’intellegence de Ia foi trinitaire selon saint Augustin», p. 420. Cf.

Conf. IV, 16, 28. 110 De Trin. IV, 20, 29. 111 O amor na Trindade pode ter um tríplice sentido: amor essencial, comum às três pessoas divinas;

amor nocional em sentido ação privativa do Pai e do Filho: amor pessoal, exclusivo do Espírito Santo. Cf. Santo Tomás, STh. 1 q.37 a. 1.

112 J. B. DU ROY, «L’expérience de l’amour et I’intellegence de la foi trinitaire selon saint Augustin», p. 431.

113 A fim de esclarecer o imperativo da fé que ele anuncia. Agostinho começa por nos elevar ao plano da verdade em si mesma. À este nível onde a verdade mesma é sua própria grandeza (ubi est ipsa veritas a magnitudo), uma pessoa não é menor que as duas outras, já que ela não é uma verdade menor. A formulação dogmática «uma pessoa não é menor que as três» torna-se apelo a elevar-se ao mundo do espírito que é o mundo da verdade». De Trin. VIII, 1, 2.

114 De Trin. VIII, 3,4. «Ecce iteruin vide, si potes».

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mutuamente115. Aquele que ama a Deus amará também o próximo. Quem ama

o próximo ama o amor mesmo que é Deus, já que: «Deus é amor»116.

Agostinho também indica em que consiste o amor verdadeiro: «É viver

justamente aderindo à verdade, desprezando tudo aquilo que perece por amor

aos homens»117. O amor Cristão encontra seu constitutivo em Deus mesmo que

é amor118. Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e

todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Aquele que não ama

não conheceu a Deus, porque Deus é amor119. Interpretando esta passagem da

Carta de João, afirma Agostinho que: «O contexto declara abertamente que o

amor fraterno – a dileção fraternal e o amor mútuo – não só é dom de Deus,

senão, segundo autoridade tão grave, Deus mesmo. Em conseqüência, quando

amamos ao irmão em caridade, amamos ao irmão em Deus120

Não se trata, porém, de buscar Deus no exterior por meio das potências

do mundo, mas sim, de fazer um caminho de conversão interior por meio da

contemplação, através da qual, Deus está interiormente presente

.

121

115 J. B. DU ROY, «L’expérience de I’amour et l’intellegence de Ia foi trinitaire selou saint

Augustin», p. 436.

. O caminho

que se deve seguir na busca e na orientação do amor é a própria interioridade,

a pessoa mesma, empenhada em observar incondicionalmente a vontade de

Deus. Em Agostinho, presença, interioridade e convicção caminham sempre

juntas e, constituem a espinha dorsal da sua epistemologia. A certeza interior

aparece em primeiro lugar, e, é justamente ela que assegura a verdade de todo

116 De Trin. VIII, 7, 10. 117 De Trin. VIII, 7, 10. 118«Insiste san Agustín en centrar el tema y en aclarar conceptos sobre el amor. ÉI mismo

sintetiza toda la divina Escritura en el amor... entender que Ia esencia y el fin de toda Ia divina Escritura es el amor de la ‘cosa’ que hemos de gozar. La caridad comprendia el contenido de sua teologia y el principio de la moral, porque la moral cristiana se resume en el doble precepto de la caridad. Todo há de estar ordenado al amor, pues en el amor centra san Agustín Ia valoración ética de la misma persona... El amor auténtico va siempre de Dios, al centro, a las criaturas, que tienen su última explicación en Dios». S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 92.

119 1Jo 4, 7 – 8. 120 De Trin. VIII, 8, 12. S. GONZÁLEZ, Introducción a la contemplación y conocimiento místico

de Dios, p. 92. 121 De Trin. VIII, 7, 11.

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o conhecimento122

Uma pergunta, no entanto, faz-se necessária. É possível antever a

Trindade na interioridade do sujeito sem a mediação exterior de Cristo e de sua

história de salvação? Agostinho detém seu olhar sobre a caridade que ele

descobriu por meio do princípio do amor ao outro. Vejo a caridade e a

contemplo enquanto posso, com os olhos de minha inteligência, e dou fé à

Escritura, que diz: Deus é amor e quem permanece no amor, em Deus

permanece. Alguém, no entanto, pode argumentar; vejo a caridade e por isto

vejo Deus, mas não vejo a Trindade. Agostinho argumenta e demonstra que

está presente a imagem da Trindade, pois vemos a Trindade quando vemos o

amor

. A certeza interior é uma espécie de presença a si mesma e

descoberta de Deus como a verdade desta presença. Finalmente, a Verdade

que aparece na certeza interior, por meio de um retorno a si mesmo, revela-se

como aquilo que a transcende e a funda. Certeza interior e conhecimento estão

no mesmo nível que a ordem do amor. Um e outro conduzem ao interior e, por

conseguinte, nos remete ao amor com o qual nos amamos.

123. ‘Se posso te farei ver que a vês’. Vês a Trindade se vês a caridade,

(Vides Trinitatem, si charitatem vides)124. O amor possui uma função mediadora

entre Deus, fonte de todo o amor verdadeiro, e o homem, que participa deste

amor. «O amor imprime seu peso e sua gravitação em direção ao centro de

onde provém»125. Todo o processo psicológico, a partir desta segunda parte do

tratado, centra-se em torno do amor. O Verbo porta consigo o amor em si

mesmo, e o amor, por sua vez, vem iluminado pela luz do Verbo126

122 Conf. III, 6, 10, 11. Tu autem eras interior intimo meo et superior summo meo.

. E o Bispo

de Hipona começa a sua demostração: quando amamos a caridade, pelo fato

de amar, nós amamos alguma coisa. Segundo a interpretação de Du Roy: «Nós

amamos a caridade na sua intencionalidade, nós a amamos na sua ação de

amar (diligentem) e mais ainda porque ela ama alguma coisa (propter hoc). Esta

123 De Trin. VIII, 8, 12. Deus charitas est, et qui manet in charitate, in Deo manet. 124 De Trin. VIII, 8, 12. 125 S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 94. 126 De Trin. IX, 10, 15.

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caridade, parece para Santo Agostinho, Deus mesmo... É, portanto, Deus que

deve amar alguma coisa para que nós possamos amar como caridade»127. Não

se trata somente da interioridade da nossa caridade, mas daquela caridade em

relação ao próximo e que constitui o princípio de nosso ato que deve encontrar

em si mesmo seu objeto para poder ser amor. A caridade possui sempre dois

movimentos: um movimento interior (reflexão), outro exterior (amor ao próximo),

Agostinho a compara com a palavra128

A contemplação será uma antecipação daquela visão do céu, na qual,

mesmo permanecendo criatura, o homem será imutável como Deus mesmo é

imutável no ser, no conhecer, e no amar. Eis o motivo pelo qual Agostinho

dedica todo o livro VIII, no sentido de conduzir o leitor pela via do conhecimento

afetivo de Deus, ou seja, a via contemplativa. O conhecimento místico quer

dizer experiência amorosa de Deus. É fruto de uma vida inteira. O método

teológico empregado por Santo Agostinho, na segunda parte do De Trinitate se

explica pelo fim perseguido, que é menos demonstrar Deus que mostrá-lo. Todo

estudo do grande Tratado está em função do conhecimento místico

.

129. O

homem deve aderir a Deus para que possa participar da eternidade divina. É

uma adesão que deve ser feita através do conhecimento e do amor. Deus é

amor e para conhecê-lo se faz necessário entrar dentro de si mesmo a fim de

encontrar a fonte mesma de todos os nossos amores. Compreender o mistério

da Trindade implica viver o amor mútuo. O modelo deste amor encontra-se no

amor de Cristo por nós. Ele nos revela o amor do Pai por nós e a sua própria

conformidade a este amor. Compreendem-se verdadeiramente este amor, se

nos amamos mutuamente, o Espírito Santo faz morada em nós. Torna-se em

nós a consciência de sermos filhos do Pai através do Filho único130

127 O. DU ROY, «L’expérience de I’amour et I’intellegence de la foi trinitaire selon saint Augustin». p.

435 – 436.

e membros

128 De Trin. VIII, 8, 12. 129 A. TRAPÉ. Introduzione, p. XLIII. 130 Rom 8, 15, 16.

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de um só corpo, já que bebemos de um só Espírito131. Seguindo as palavras de

Du Roy «Por nosso amor mútuo, nós revelamos o mistério trinitário, porque é

neste mistério, e graças a ele, é que nós nos amamos»132

Agostinho centra a questão sobre a alma como sujeito imediato do

amor. Quando a alma se ama a si mesma, a alma e o amor são duas realidades

distintas. O amor, porém, pode chegar a tal grau de identidade que a vontade

adeque totalmente a mente. O amor então é igual ao amante. Daqui concluiu

nosso Santo que o amor é uma substância espiritual, quer dizer, oposto ao

corporal

.

133. O conhecimento de Deus, requer a superação das coisas corpóreas

– Deus não é um corpo, tampouco é mutável – deste modo se pode chegar a

um conhecimento negativo de Deus. Tal conhecimento, embora sendo negativo,

é muito precioso, pois, é consciente que compreender o que Deus é, implica

antes de tudo, saber o que Ele não é134. Isto não significa, porém, que não se

possa conhecer Deus positivamente. O filósofo e o místico possuem a ocasião

de conhecê-lo. A diferença entre ambos é que o primeiro passa a ter um

conhecimento teorético de Deus, ao passo que o segundo, o místico, adquire

um conhecimento experiencial, amoroso e beatificante135

.

131 Icor 12, 13. 132 J. B. DU ROY, «L’expérience de l’amour et l’intellegence de Ia foi trinitaire selon saint Augustin», p.

445. 133 De Trin. IX, 2, 2. Conforme Blászquez: «Por una parte, Ia mente y el amor son un espíritu, una

esencia y no dos esencias. Por outra el amante y el amor, o lo que es igual, el amor y lo que se ama, son dos realidades que forman una cierta unidad al tiempo que se dicen una relación mutua. El que ama, ama por amor, y eI amor pertenece a alguien que ama. No existe amor sin amante, ni amante sin amor. En cuanto que se dicen relación mutua son dos realidades distintas, pero en sí considerados ambos extremos son un solo espíritu». N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los livros De Trinitate», p. 344.

134 De Trin. VIII, 2, 3. 135 Cf. De Trin. VIII, 10, 14. Agostinho pensa aquele conhecimento particular que, segundo a beatitude

evangélica, é reservado aos puros de coração. Importante amá-lo pela fé, de outro modo o coração no pode ser purificado nem fazer-se idôneo para vê-lo.

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5. Vestígios da Trindade no amor

Conforme faz notar Salvador Cuesta, encontramos duas qualidades

fundamentais no modo de pensar de Santo Agostinho: a penetração crítica e a

tendência às explicações simples e universais136. Nosso Santo procura a

imagem trinitária no homem. Esta busca está impregnada de amor.

«Certamente, o amor é algo essencial em Santo Agostinho, em sua vida e em

toda a sua obra, de tal maneira que não se explica sua obra sem considerá-la

centrada no amor»137. Quando se trata de buscar os vestígios da Trindade no

amor, Agostinho chega a uma das alegorias mais belas para expressar o

mistério de Deus. Esta alegoria está presente no ato de amar138. O ato de amar

pressupõe um amante, um objeto que se ama, e o amor. E assim pois, temos

três realidades: «aquele que ama, aquele que é amado e o amor. O que é o

amor, senão vida que enlaça ou deseja enlaçar outras duas vidas, a saber, ao

amante e ao amado»139? Esta dinâmica do amor está presente no amor

humano, e de uma certa forma todo ser humano a experimenta. Quando busco,

quando amo algo, existem três coisas. «Eu, o que amo, e o amor. Não amo o

amor, senão que, amo ao amante; porque onde nada se ama, não há amor.

Logo são três os elementos: aquele que ama, o que se ama, e o amor»140

Após uma breve digressão sobre o amor não reto, continua: «resta-nos

subir mais acima e buscar estas três realidades». Por meio de uma prospectiva

Panorâmica, o Bispo de Hipona vislumbra toda a segunda parte, na qual, a

.

136 S. CUESTA, «La concepción Agustiniana del mundo a través del Amor»: Augustinus Magister I

(1954), p. 347. 137 S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 95. 138 Escreve BLÁZQUEZ: «San Agustín analiza el acto de amor como actividad del alma, tratando

siempre de inducir un paralelismo analógico entre la dinamicidad del amor humano y Ia naturaleza activa intramistérica trinitaria. En el acto de amar puede descubrirse una unidad y trinidad estructural, que evoca la naturaleza de Dios Uno y Trino, de la cual es un reflejo metafísico. En un acto de amor entran en juego en yo amante, el objeto amado y el amor en sí mismo». N. BLÁZQUEZ, «EI concepto de substancia según san Agustín: los libros De Trinitate». p. 344.

139 De Trin. VIII, 10, 14. 140 De Trin. IX, 2, 2.

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sabedoria vem apresentada como a imagem verdadeira da Trindade.

«Agostinho encontra na reciprocidade humana do amor uma analogia trinitária.

A unidade de corações aqui embaixo é, segundo ele, uma figura da unidade

mais perfeita que existe entre as pessoas divinas»141. Em sua análise sobre o

amor142, o Bispo de Hipona começa por um exame pormenorizado dos

elementos que o constituem. Quando um se ama a si mesmo, o que ama e o

que se ama se identificam, como se identificam também o amar e o ser amado

formando uma mesma realidade143

Pelo fato de amante e amado fazerem parte de uma mesma realidade,

e constituírem uma unidade, não significa dizer que o amor e objeto amado

sejam idênticos. Eles formam também duas realidades que se distinguem. Uma

coisa é amar-se a si mesmo, outra coisa é amar o amor com que se ama. Não

se ama o amor a não ser amando, porque, quando não se ama, não há amor.

Quando alguém se ama a si mesmo, há duas realidades nele: o amor e o objeto

amado, e o que ama e o que é amado formam uma unidade. Pergunta-se

Agostinho: o que é amar a si mesmo, senão que, gostar de estar na própria

companhia e gozar de si mesmo? «O amor e o que se ama são duas realidades

que formam uma certa unidade, e ambas dizem relação mútua. O amante diz

relação ao amor e o amor ao amante. Aquele que ama, por amor ama, e o amor

pertence a alguém que ama»

.

144. Aplicando esta dinâmica humana145 a uma

dimensão mais alta, ao plano da Trindade, então temos: «O Pai que é o

amante, o Filho que é o amado, e o Espírito Santo que é o amor»146

141 S. GONZÁLEZ, Introducción a la contempIación y conocimiento místico de Dios, p. 96.

. Por isto

142 Cf. De Trin. IX, 2, 2. 143 «El amor intersubjetivo nos ofrece un vestigio de la Trinidad. De Ia fuerza de caridad que une los

corazones, en un solo corazón, deduce san Agustín cómo será la fuente del amor en la Trinidad, a Ia que quiere ascender en su especulación en la segunda parte del tratado ‘De Trinitate’. ‘EI amante, el amado y el amor’ señala una jerarquización progresiva en las analogías de la Trinidad, que ocupan Ia segunda parte del gran tratado». S. GONZÁLEZ, Introducción a Ia contemplación y conocimiento místico de Dios, p. 96.

144 De Trin. IX, 2, 2. 145 Adverte Agostinho que não podemos cometer o sacrilégio de atribuir à Trindade aquilo que convém

à criatura, e não ao Criador, fruto de um vão engenho da imaginação. De Trin. IX, 1, 1. 146 De Trin. VIII, 10, 14.

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que não existe mais que três pessoas: «uma é aquela que ama o que procede

dela, outra que ama aquele de quem procede, e o amor. Porque se o amor não

existe, como Deus pode ser amor?147». Santo Hilário, referindo-se sobre as

propriedades de cada uma das pessoas da Trindade escreve que, «a

eternidade no Pai, a beleza na Imagem e o uso no Dom»148. Pai, Imagem, Dom,

eternidade, beleza e uso149. Segundo Agostinho, interpretando Hilário,

«eternidade quer dar a entender que o Pai não tem Pai de quem possa

proceder, e que o Filho procede do Pai o ser e é a Ele coeterno»150. Deus tem

das coisas criadas um conhecimento imutável, mesmo que estas tenham sido

feitas mutáveis. Deus conhece toda a sua obra, segundo a sua sabedoria, e

ainda que o tempo passe e as coisas se sucedam, nada passa nem sucede

com a ciência de Deus. Todo este amplexo inefável do Pai e sua Imagem, o

Filho, é pleno de fruição, de amor e de gozo. Todas estas expressões

compreendia Santo Hilário com a palavra Uso, que corresponde na Trindade o

Espírito Santo, não engendrado, mas a suavidade daquele que engendra e do

engendrado. Esta suavidade de Deus se difunde com abundância por todas as

criaturas, na medida que estas são capazes de ocupar seu lugar151. A criação

reflete a Trindade porque manifesta em si uma certa unidade, beleza e ordem.

Importante conhecer o Criador de todas as coisas pelas criaturas, e descobrir

na criação os vestígios da Trindade. Na Trindade radica a origem suprema de

todas as coisas, a beleza perfeita, o gozo completo152

147 De Trin. VI, 5, 7.

. O invisível de Deus se

faz compreensível pelas coisas que foram feitas. Agostinho cita o Livro da

148 Santo Hilário, De Trinitate 2, 1. O texto diz: Infinitas in aeternitate, a infinitude no eterno. Segundo o comentário de Luis Arias é possível que Agostinho tenha citado este texto de memória, ou mesmo que o código por ele consultado dissesse aeternitas in Patre. Usus eqüivale a frui agustiniano e pode traduzir-se por gozo, fruição e amor.

149 Cf. De civ. Dei 11, 25. Ver ainda, R. J. DESIMONE, Introduzione alla teologia del Dio Uno e Trino da Tertuliano ad Agostino, p. 30.

150 De Trin. VI, 10, 11. 151 Cf. De Trin. VI, 10, 11. 152 De Trin. VI, 10, 12.

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Sabedoria153.Todos os seres criados, vivos e mortos, animados e inanimados,

dão testemunho de seu Criador154. O motivo pelo qual recorre ao Livro da

Sabedoria, é para que nenhum fiel o acuse de haver trabalhado em vão e sem

frutos na sua tentativa de buscar nas criaturas certas espécies de trindades,

afim de elevar-se gradualmente, até a mente do homem, e encontrar ali aquela

Trindade suprema que buscamos quando buscamos Deus. «Como criada a

imagem e semelhança de Deus, a alma humana implica uma relação

constitutiva com o Criador, pela qual não pode conhecer-se se não descobre a

intenção divina que preside a criação do mundo»155

O conhecimento de Deus em últimas palavras é possível por meio do

amor. E este amor segundo a noção agostiniana, «consiste em aderir à verdade

para viver na justiça»

.

156. A justiça humana consiste na vontade pela qual o

homem se insere na ordem de Deus. Inserir-se nesta ordem subentende aceitar

sempre a vontade do Pai e engajar-se continuamente no serviço aos irmãos157.

Embora não tenha desenvolvido tanto o tema de Jesus Cristo justo e modelo de

justiça, Agostinho funda a justiça do homem sobre a justiça de Cristo, único

justo neste mundo158. O ser humano por si só é incapaz de viver justamente.

Viver concretamente o ideal da justiça é para o homem um dom e uma graça159

153 Cf. De Trin. XV, 2, 3.

.

A verdadeira justiça não existe a não ser em Deus, que por meio da

154 O Criador, no entanto, é mais que sua criação. O livro da Sabedoria reprova aqueles que: partindo dos bens visíveis não foram capazes de conhecer Aquele que é, nem considerando, as obras, de reconhecer o Artífice. E fascinados pelo fogo, pela abóbada estrelada, e os luzeiros do céu, acabaram por considerarem estes como deuses, regentes do mundo. Se, fascinados por sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quanto lhes é superior o Senhor dessas coisas, pois é a fonte da beleza que as criou. E se os assombrou sua força e atividade, calculem quanto mais poderoso é aquele que as fez, pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor. (Sab 13, 1, 5).

155 T. MANFERDINI, «Pluralidad, según san Agustín»: Augustinus (1974), p 170. 156 De Trin. VIII, 7, 10. 157 Cf. B. STUDER, «Le Christ, notre justice, selou saint Augustin»: Recherches Augustiniennes v. XV

(1980), p. 99. 158 F. J. THONNARD, «Justice de Dieu et justice humaine selon saint Augustin»: Augustinus 12 (1967),

pp. 387 – 402; ver ainda, B. STUDER, «Le Christ, notre justice, selon Saint Augustin», p. 141. 159 L’affirmation centrale de la théologie augustinienne, à savoir que la justice de l’homme ne peut provenir

que de Dieu ou plus exactement, du Dieu-Père qui agit par Jésus-Christ, son FiIs unique, dans Ia grâce de l’Esprit-Saint». B. STUDER, «Le Christ, notre justice, selon Saint Augustin», p. 115.

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Encarnação do Filho único, sabedoria e justiça do Pai, se fez sabedoria e justiça

para nós. Podemos conhecer uma coisa e não amá-la, mas não é possível

amar o que se desconhece160. Ninguém goza do que conhece se não o ama,

assim como, ninguém persevera no conhecimento do que ama senão com o

amor161

O verbo foi engendrado por amor da criatura ou do criador

. É o Espírito Santo que infunde em nós o amor, revela-nos a verdade e

nos torna perseverantes na busca e no conhecimento desta. 162. No amor

o homem toca o coração do próprio Deus. Pelo amor o ser humano conhece

Deus, e torna-se sempre melhor. «Quando conhecemos Deus, nos fazemos

melhores que éramos antes de conhecê-lo»163. O amor da criatura vem

caracterizado pela cupiditas, ou concupiscência, o amor do Criador é caridade;

há, portanto um verbo originado pela cupiditas, e um verbo que procede da

caridade. Quando Agostinho precisa o conceito de cupiditas, não quer dizer que

não se deva amar as criaturas, porém, o amor às criaturas deve ser um amor

feito com retidão, quer dizer, em sua relação com o Criador164. Agostinho insiste

na importância de não se inverter a ordem, ou seja, Deus se deve amar por si

mesmo e gozá-lo no coração. Quando esta ordem se perverte, temos a

cupiditas, amor desordenado. «Chamo concupscência o movimento da alma

que arrasta o homem a gozar de si mesmo e do próximo e de qualquer outra

coisa corpórea sem preocupar-se com Deus»165

160 Cf. De Trin. VIII, 4, 6.

. Quando o amor é ordenado e

quando prevalece esta ordem, temos então, a caritas. É importante recorrer a

noção agostiniana sobre a caridade. Primeiramente a caridade é uma classe de

amor. Pergunta-se Agostinho: como se comporta todo o amor? Acaso não

busca àquele que ama, e se possível, fundir-se com ele? A grande força do

deleite provém da mútua união com a qual se relacionam os amantes entre si.

161 Cf. De fide et symb. 9, 19. 162 De Trin. IX, 8, 13. «Quod verbum amore concipitur, sive creaturae, sive Creatoris». 163 De Trin. IX, 11, 16. 164 J. A. GALINDO RODRIGO, «EI amor cristiano en su perspectiva de gratuidad, según San Agustin»:

Augustinus XLXX 166 – 167 (1997), p. 299. 165 De doc. Christ. III, 10, 16.

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Da separação da unidade deriva a dor perniciosa, e por isto é sempre perigoso

formar união com o que pode separar-se166. No De Trinitate define o amor como

uma vida que une e aspira unir duas realidades; a saber, aquela do amante e

objeto amado167. Assim podemos compreender o conceito agostiniano de

caridade enquanto: um movimento da alma que tende a gozar de Deus por si

mesmo e do próximo por Deus»168. Agostinho utiliza-se do binômio uti-frui e a

partir deste binômio explica a hierarquia das relações que devem existir entre o

amor de Deus e o amor às demais coisas169. Uti diz respeito ao utilizar qualquer

coisa com o escopo de lograr outra. O amor que se baseia somente no reino da

utilidade é um amor relativo e condicionado. Nisto consiste o que em termos

agostinianos se chama processo psicológico do pecado, pode ser estendido a

toda a genealogia dos atos170. Aquilo que o Santo chama uti e frui: o uso e o

gozo. «Gozar das coisas é colocar nelas o último fim do descanso; usá-las é

torná-las para logro de outro fim»171

166 De Ord. 2, 18, 48.

. Usamos daquelas coisas conhecidas e,

sobre as quais, a vontade descansa como um fim; usamos aquelas outras que

ordenamos para alcançar um objeto de fruição. A má vontade consiste em

167 De Trin. VIII, 10, 14. 168 De doc. Christ. 3, 10, 16. Segundo a interpretação de Galindo Rodrigo: «Mientras que Pedro

Lombardo y la tradición teológica en general, incluindo Tomás de Aquino, hablan simplemente de “amor a Dios”. A primera vista parece más exacta la del Maestro de las Sentencias, puesto que eI cumplimiento de la voluntad de Dios, aun sin eI menor gozo, también es amor a Dios. Es, pues, esta definición más realista, mientras que la agustiniana es menos realista y utópica. Sin embargo, se há de observar que Agustín no dice que la caridad consista en “gozar de Dios”, sino en una tendencia del ánimo a ese gozo, es decir, a un amor que tiende a disfrutar del bien sumo, de Dios. El modelo que tiene Agustín de Ia caridad es el de los bienaventurados, porque es consciente de que aquí no se da aún esa caridad; la define como una tendencia hacia ella», J. A. GALINDO RODRIGO, op. cit., pp. 298 – 299.

169 Umas coisas servem para gozar-se delas, outras para usá-las e algumas para gozá-las e usá-las. Aquelas das quais gozamos nos fazem felizes; aquelas que usamos nos ajudam a tender à Bem-aventuraça e nos servem como de apoio para poder conseguir e unir-nos às que nos fazem felizes. Nós que gozamos e usamos nos achamos situados entre ambas porém se queremos das que devemos usar transtornamos nosso ritmo de vida e algumas vezes também o torcemos de tal modo que, amarrados pelo amor das coisas inferiores, nos atrasamos e nos distanciamos da posse daquelas que deviamos gozar uma vez alcançadas. Gozar é aderir a uma coisa por amor dela mesma. Usar é empregar o que está em uso rua conseguir o que se ama, se é que deve ser amado. De doc. Christ. I, 3, 4.

170 J. B. DU ROY, «L’expérience de l’amour et l’intelligence de la foi trinitaire selon saint Augustin», pp. 425 – 426.

171 V. CAPÁNAGA, Introducción general, p. 74.

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gozar mal e usar mal as coisas172. Agostinho escreve em uma de suas obras de

juventude que aquilo que se utiliza não se ama173

Nesta busca e conhecimento do mistério do amor de Deus, o homem

sempre permanecerá criatura e Deus, Criador. Mesmo porque o homem não

ama o suficiente. Seu amor, não é um amor puro como o amor de Deus. O

amor humano pode ser ambíguo: o homem pode amar seja pela

concupiscência, seja pela caridade. Quando este amor está direcionado ao

Criador, chamamos caridade. Concupiscência é quando amamos a criatura

pela criatura

. Somente o que se ama por si

mesmo é o que realmente se ama e nisto consiste a quietude e o fruir do

coração e de toda a pessoa.

174. «Não te comprazas em ti mesmo, senão naquele que te fez; e

o mesmo hás de praticar com aquele a quem amas como te amas a ti.

Gozemos, pois, de nós mesmos e dos irmãos, porém, no Senhor, e não

ousemos nunca abandonar-nos a nós mesmos nem estender nossos desejos

até os bens da terra»175. A centralidade do pensamento Agostiniano sobre o

tema do amor, consiste em amar as pessoas como tais, em uma estreita

vinculação com Deus. Neste sentido, o Bispo de Hipona, supera o conceito de

phília aristotélica176. Eis uma passagem ilustrativa no De Trinitate que diz:

aquele que ama os homens há de amá-los ou porque são justos, ou para que

se tornem justos. Com um amor igual deve-se o amor ao outro e a si mesmo.

Somente assim se pode amar o próximo como a si mesmo, sem perigo177

172 De Trin. X, 10, 13.

.

Conforme interpretação de Galindo Rodrigo pode-se dizer que em termos

173 Sol. I, 13, 22. «Siquidem quod non propter se amatur, non amatur». 174 De Trin. X, 8, 13. 175 De Trin. IX, 8, 13. 176 O conceito de phília aristotélica é superado de várias formas: a) porque en ella sólo se desean y

comparten bienes o valores humanos, mientras que en el amor cristiano es Dios mismo el bien compartido; b) porque sóIo actúa el amor de dos personas humanas, mientras, que según lo que nos acaba de enseñar Agustín, en el amor cristiano Dios se expressa a sí mismo en el ser humano en gracia, lo que hace que su amor sea el que esté amando en el hermano al hermano: expresamos a Dios, el amor de Dios, cuando se ama al hermano, porque le amamos com el amor que es Dios. J. A. GALINDO RODRIGO, op. cit., p. 305.

177 De Trin. VIII, 6, 9.

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modernos, portanto, há de se amar as pessoas de dois modos segundo o que

elas são objetivamente: se não são valiosas, para que elas sejam, e se já o

são, para gozar-se com elas em Deus178

Deus, sendo Pai, não pode agir senão amando. Através da sua vida e

por meio da sua morte Cristo nos revelou seu mistério incondicional de Filho.

Ele nos revelou ainda a sua perfeita dependência do amor do Pai na

radicalidade da doação

.

179. Geralmente, Santo Agostinho reflete o amor

retomando os conceitos gregos de eros180 e ágape181. Eros, segundo o mito

platônico182

178 J. A. GALINDO RODRIGO, op. cit., p. 302; De Trin. VIII, 6, 9; IX, 8, 13.

, é filho de Recurso (riqueza) e Pênia (pobreza), é este dinamismo

179 Jo 10, 17, 18. «Por isso o Pai me ama, porque dou minha vida para retoma-lá. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente. Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la; esse é o mandamento que recebi do Pai».

180 O Eros, em seu sentido mais elevado, é a natural e intensa tendência que possui o homem à bondade, à verdade e à beleza. É o famoso Eros Platônico. Dimana da inteligência e necessidade que o homem padece destes valores. É, portanto, um amor interessado; é egoísta porque busca seu próprio bem, sua realização pessoal. Não obstante, à sua vez, pode ser sublime, se os valores que no ser amado se desejam são elevados, quer dizer, se se trata de valores superiores, tais como os bens que referem-se à pessoa, as verdades que plenificam e a beleza que eleva e dignifica. Cf. J. A. GALINDO RODRIGO, op. cit., p. 301.

181 Agápe é o amor das pessoas que gozam de uma plenitude axiológica: absoluta (Deus), ou relativa (homem cristão, ou bom, melhor, o santo). É um amor que nasce desta plenitude e tende ao aperfeiçoamento e realização da pessoa amacia. É, portanto, um amor desinteressado, oblativo às pessoas. Precisamente por ser oblativo se coloca em nível dos valores superiores, que são aqueles que, aperfeiçoam e realizam a pessoa humana.

182 Platão não hesita em salientar um lado misterioso do amor. A revelação do amor no Banquete é a convicção de que o amor permanece uma revelação misteriosa. Revelação e mistério coincidem. Vejamos a passagem ilustrativa de Platão a respeito da gênese de Eros. “É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar, pois vinho ainda não havia, penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível, mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim

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presente no homem que o impele a buscar o que falta, a buscar a satisfação de

seus desejos. Ágape, ao contrário de Eros, não é um movimento aquisitivo, mas

donativo. É amor de caridade. Significa doação, oblação, gratuidade. Ao

contrário daquilo que alguns pensam, quando afirmam que a espiritualidade

agostiniana se move essencialmente por Eros, pelo puro interesse das

satisfações subjetivas e que Santo Agostinho busca edificar uma casa interior

ampla e rica para viver e desfrutar. Victorino Capánaga afirma que tal

interpretação é unilateral. «A espiritualidade agostiniana e a cristã estão

interiormente animadas por Eros e ágape juntamente. Não é puro interesse,

nem puro desinteresse, senão um interesse desinteressado e um desinteresse

interessado»183

O livro oitavo se encontra no centro do tratado De Trinitate.

Considerando-o um elo de ligação entre a primeira e a segunda parte, é

importante compreender o papel que ocupa este livro no contexto de toda a

obra. Por meio deste esquema pode-se apreciar o desenvolvimento de todo o

tratado, especialmente o progresso feito na segunda parte. O livro oitavo

encontra-se exatamente no meio, quer dizer: após uma parte positiva, os sete

primeiros livros, e uma parte especulativa, os sete últimos livros do grande

tratado. O livro oitavo possui uma grande originalidade. Agostinho por meio

deste livro quer expor o método que seguirá na segunda parte. Coerente com

seu pensamento, orienta sempre a filosofia à teologia e a teologia ao

conhecimento místico de Deus. O prólogo principia como uma espécie de

enlace entre a primeira parte do tratado De Trinitate e o livro oitavo

propriamente dito: «Diximus». O prólogo também faz ver que desde aqui

começa o «modo interior», o modo mais profundo de estudar a presença da

. A concepção fundamental do amor cristão é a do amor

enquanto ágape. Deus é Ágape por excelência, porque Deus é caridade. Seu

amor está acima de qualquer motivo exterior, e de qualquer indigência.

como também está no meio da sabedoria e da ignorância. PLATÃO. O Banqute, 203b – 204a. Universidade Federal do Pará 1980, trad. Carlos Alberto Nunes.

183 V. CAPÁNAGA, Introducción general, p. 117.

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Trindade na alma e como esta especulação psicológica deve ter sempre

presente a «regra de fé». O capítulo segundo: «Imagem da Trindade na alma»,

faz referência a alguns conceitos básicos para compreender como a alma,

sendo espiritual, é imagem de Deus. A orientação mística presente neste

capítulo mostra que Agostinho quer mais mostrar a Deus que demonstrá-lo. E

mesmo a oração final do tratado que aparece no desfecho do livro quinze

mostra a intensidade mística de toda a obra, especialmente da segunda parte.

O conhecimento místico de Deus através dos conceitos de «Verdade, Bondade,

Justiça e Caridade», vem precedido por um esquema específico, que sintetiza

as idéias fundamentais e cada um dos capítulos que estudam os referidos

conceitos. O «conceito de Verdade» possui uma maior extenção do que os

conceitos de «Bondade» e de «Justiça». Este conceito abrange dois capítulos,

primeiro e segundo do livro oitavo. Conforme a mens de Agostinho, a Verdade é

Deus mesmo, é o Verbo, causa eficiente da criação. Deus é verdade e luz.

Explica também que nenhuma imagem é capaz de levar à verdade. Acrescenta

ainda que o conceito de verdade se encontra na interioridade e que não se

pode desconhecê-lo. O tema da «Bondade» ocupa o capítulo terceiro do livro

oitavo. Por meio deste conceito nosso Doutor mostra que Deus é Bem

simplíssimo, que se deve amar por si mesmo. A bondade dos bens criados

procede do bem absoluto. A felicidade última se consegue ao contemplar o Bem

supremo. A «noção de Justiça» vem exposta nos capítulos sexto e nono do livro

oitavo. Para Agostinho, a justiça encontra a sua raiz na alma. A justiça cristã é

uma forma de amor e de caridade; é a santidade que realiza toda a perfeição.

Por vezes o Santo Doutor chega a identificar a justiça com a caridade: «A

caridade perfeita é justiça perfeita». Por este motivo a justiça, em sua plenitude

se realizará somente no céu. A «concepção agostiniana sobre a Caridade», é a

mais importante e também a mais complexa. Ela ocupa a maior parte do livro

oitavo. Agostinho orienta toda a sua reflexão psicológico-teológica ao descobrir

a imagem da Trindade no amor. Este tema vem explicitado nos capítulos

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quarto, quinto, sétimo, oitavo e décimo. O conhecimento místico de Deus

através do «conceito de Caridade», assim como os conceitos antecedentes de

Verdade, Bondade e Justiça são explicitados respeitando uma visão de

conjunto, onde o marco global consiste no conhecimento místico de Deus por

meio do amor. Chama atenção a insistência com que Santo Agostinho

apresenta a interioridade como o lugar privilegiado da contemplação da

Verdade, do Bem e da Justiça. O ideal de justiça encontra sua raiz no interior,

se percebe no interior, o conhecemos em nós mesmos. O Bispo de Hipona quer

mostrar-nos que o ser humano, por sua verdade, bondade, justiça e amor, ainda

que de modo limitado, participa da Verdade Suprema, do Bem, da Justiça e do

Amor que é Deus mesmo. Nesta busca a pessoa humana dá-se conta que deve

orientar toda a sua vida, para imitar a justiça e a santidade de Deus Pai184. A

justiça encontra seu fundamento na economia da Encarnação. Cristo é para

Agostinho «O justo e aquele que justificará; nós somos justificados pela sua

graça»185. Jesus Cristo é para nós o «O exemplo exterior e sacramento de

nossa justificação interior. Cristo mesmo é a justiça de Deus»186

184 Na Carta 120 Agostinho retoma o tema da justiça não meramente em seu sentido jurídico, mas sim,

religioso: santidade de vida, e a aplica a Deus essencialmente e ao homem como participação na vida de Deus. Ep. 120, 4, 19.

. O capítulo

quarto trata da fé como prelúdio do amor. Uma fé reta, não fingida, não falha

nunca. Nenhuma imagem pode representar a Trindade, em contrapartida, a fé

nos leva ao conhecimento e ao amor de Deus Trindade. Finaliza este capítulo

evocando a necessidade de purificar os corações e de preparar-nos para a

visão. A visão é o galardão da fé verdadeira. O capítulo quinto explica como os

nossos raciocínios se orientam sempre pelos primeiros princípios, idéias inatas

na mesma natureza humana. O papel da humildade e da fé no amor à Trindade

são condições prévias para comprender o valor das analogias. O capítulo

sétimo revela, em síntese, como o amor conduz ao conhecimento da Trindade,

a definição do amor autêntico e como Deus se deve procurar, não nos prodígios

185 Ep. 185. 186 De Civ. Dei. 21, 24, 5: B. STUDER, «Le Christ, notre justice, selon saint Augustin», pp. 253 – 282.

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e milagres, mas sim, na intimidade do coração, porque Deus habita em nós. O

capítulo oitavo esclarece como o amor verdadeiro vem de Deus e é Deus

mesmo. O amor a Deus como vínculo de amor aos irmãos. Onde há amor se

encontra a Trindade. Ainda no final do livro oitavo, resume Agostinho como

deve ser nosso amor na prática: «A Deus devemos amá-lo mais que a nós

mesmos; ao irmão como nós amamos a nós mesmos. Quanto mais amamos a

Deus, mais nos amamos a nós mesmos. Com um mesmo amor de caridade

amamos a Deus e ao próximo por Deus»187

187 De Trin. VIII, 8, 12.

. E por fim, o livro décimo, apresenta

os vestígios da Trindade no amor e como o amor supõe um amante, um objeto

amado que se ama e o amor mesmo. O amor, portanto, possui três realidades,

que são vida e que enlaça ou anseia enlaçar outras duas vidas: «O amante, o

amado e o amor», que as une. Ao chegar a este ponto, o Bispo de Hipona

deseja «ascender mais», dar mais um passo na contemplação do mistério.

«Falta-nos subir ainda mais acima», porém detém-se e explica: «Descanse aqui

um momento nossa atenção.... porque nos topamos já com o subsolo onde é

fundamental buscar». Seguirá adiante a busca fatigável, porém, é importante

delongar-se e repousar um pouco antes de continuar a subida.

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V

«IMAGO TRINITATIS»

– DEUS, SABEDORIA E FELICIDADE

A elevação mística é o motivo mais pessoal de Agostinho e de certo modo

explica todo o tratado, sobretudo, a segunda parte do De Trinitate que se concentra

sobre o conhecimento de Deus e o conhecimento de si mesmo. Para o Bispo de

Hipona, perguntar-se pelo problema do homem implica necessariamente levantar a

questão de Deus. Neste sentido o retorno à interioridade é condição indispensável

para conscientizar-se da referência do homem a Deus1. Memoria, intelligentia,

voluntas possuem um duplo objetivo: o homem e Deus. Sobre memoria sui,

intelligentia sui, voluntas sui, trata Agostinho lo livro décimo. A imagem perfeita é

somente aquela que se refere a Deus e é trabalhada no livro quatorze – memoria

Dei, intelligentia Dei, amor in Deum. Dito de um modo mais explícito «evidentior

trinitas». Nisto consiste a imagem de Deus2. Todo o livro quatorze trabalha o tema

da imagem sobrenatural, sobretudo, os capítulos quarto e quatorze. Agostinho

identifica a sabedoria com o culto a Deus, e baseia-se no texto de Jó: «Ecce timor

Domini est sapientia»3. No livro quinze, contempla o caminho percorrido e faz uma

síntese, dando unidade a toda a obra4

1 Cf. C. D. LASA, «Interioridad y palabra en san Agustín de Hipona»: Augustinus 180/181 (2001), p.

60; vale a pena referir ao texto de Isabelle Bochet, onde mostra que esta presença não corresponde para Deus nem defeito, nem dispersão. Pelo contrário, ela é em realidade o signo da dependência da alma respeito a Deus: pela sua presença, Deus o dá o ser – erigis nos – e ele confere a unidade, colligis nos. A noções de ser e de unidade estão, por outra parte, intimamente ligadas. Na filosola plotiniana, a multiplicidade é o signo de um defeito do ser; e ‘somente possuindo a unidade, se possui a si mesma uma coisa’. Esta correlação é mantida na doutrina agostiniana. Cf. I. BOCHET, Saint Augustin e le désir de Dieu, Paris 1982, pp. 182 – 183; cf. Conf. 1, 3; PLOTINVS, Enn. 6, 2 3 – 9 6, 1 – 6.

. Retomando o mistério trinitário, a partir do

espelho de Deus uno e trino, mostra o que é o espírito humano. O capítulo terceiro

2 De Trin. XIV, 12, 15. 3 Jó 28, 28. E disse ao homem: “O temor do Senhor, eis a sabedoria; fugir do mal, eis a

inteligência”. 4 De Trin. XV, 3, 4.

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do livro quinze trata de uma espécie de resumo de toda a obra. No «Verbum

mentis» podemos ver alguma semelhança do Verbo de Deus5. Agostinho, porém,

assinala também a dessemelhança existente, já que, «nossa inteligência é um

trânsito da potência ao ato e nosso verbo é formável antes de ser formado, o verbo

de Deus ao contrário, é a forma das formas, forma de Deus»6. A perfeita

semelhança se dará quando houver lugar à visão perfeita de Deus7

1. «Deus Ineffabilis»

.

A tradição teológica sempre se deu perfeitamente conta do caráter

misterioso que envolve a realidade divina. Desde o início ensinou que Deus é

invisíbilis, incomprehensibilis e ineffabilis8. Dizer que Deus é inefável, significa

admitir que o mistério que envolve a sua pessoa e a sua liberdade não pode ser

expresso por palavras; é indizível9. É falar do tremendum et fascinans, daquilo

que é inebriante e encantador, venerável e augusto. «O Inefável, o ‘Anônimo’,

aquele que não se insere no mundo denominado como um seu momento; o

‘Silencioso’, aquele que sempre presente e que, todavia pode ser não visto, não

ouvido»10. Deus habita em uma luz inacessível. O pensamento humano não

pode compreender Deus na sua totalidade, porque Deus é inefável11

5 De Trin. XV, 10, 19.

. A palavra

6 De Trin. XV, 15, 25. 7 De Trin. XIV, 17, 23. «In hac quippe imagine tunc perfecta erit Dei similitudo, quando Dei perfecta

erit visio». 8 DS. 16; 501; 525; 683; 800; 3001. 9 Félix Pastor fala da Epifania do mistério: «Na religião bíblica a dialética entre revelação e mistério

determina o caráter fascinante e tremendo da viva experiência religiosa (Is 45,15). A experiência teofânica se resolve em uma experiência velada do mistério (2Cor 5,7). A esta tensão religiosa fundamental corresponde a uma que é à base da linguagem do teísmo bíblico, como dialética de um Deus que se revela e se esconde: o Deus no enoteismo primitivo (Ex 6, 2-3), no culto monolótrico (Dt 6,4), no monoteísmo profético (IS 6,3), ou na meditação sapiencial (Sb 13, 5) se manifesta através do mundo como criação e através da história como salvação (At 17, 24, 31). Porém, o Deus «ignoto» (At 17, 23) permanece invisível e inacessível. (Rm 1, 20; Gv 1, 18; 1 Tm 6, 16). A linguagem sobre Deus, portanto, não exprime outra coisa que uma situação religiosa inefável». F. A. PASTOR, «II Dio della Rivelazione», p. 331; La Lógica de lo Inefable, sobretudo o capítulo segundo e o terceiro; DS. 16; 501; 525; 683; 800; 3001.

10 K. RANHER, Corso fondamentale sulla fede, Torino 1990, p. 74. 11 Não deveria-se dizer nem mesmo que Deus é inefável. «Pois dizendo isto, dizemos alguma coisa».

Cf. De doc. Christ. I, 5, 5; G. Madec, Le Dieu D’augustin, n. 19, p. 112.

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humana não dá conta de exprimir o mistério de Deus. Ela pode chegar a uma

certa noção da divindade, não na afirmação daquilo que Deus é no profundo de

seu mistério, mas naquilo que Deus não é12. Deus é a fonte de toda a justiça.

Ele é a sabedoria e a Verdade, o sol que ilumina as inteligências13. A beleza e a

fonte da beleza. Todas estas afirmações, embora sendo múltiplas, não altera

em nada a simplicidade divina. Todos os atributos de Deus, juntamente com

seu ser são uma só e mesma coisa. Já tivemos oportunidade de acenar, ainda

que não exaustivamente, o caráter apofático da teologia presente em

Agostinho. A dimensão apofática do discurso sobre Deus é uma característica,

sobretudo, da teologia oriental, fortemente assinalada pelo «apofatismo», isto é,

pela inefabilidade absoluta do conceito de Deus. Quando falamos de Deus

expressamos aquilo que é absolutamente mistério, o «inteiramente Outro», o

Invisível e radicalmente Transcendente. «As trevas são a imagem mais

freqüente nos Padres para designar este mysterium tremendum que habita em

uma luz inacessível. Todavia a experiência bíblica e mística revela que tudo

deriva amorosamente de Deus»14. Deus é um mistério. O mistério Santo e

absoluto15 por excelência. «Não se trata de um mistério mudo que só se acolhe

em silêncio, mas que é um mistério que fala, interpela o homem e que nós, de

nossa parte podemos interpelar»16

12 Exprimir as coisas de Deus através de palavras humanas, implica na purificação da própria

imperfeição da palavra. De Trin. V, 1, 2.

. No cristianismo, mesmo os anjos não

podem conhecer a natureza de Deus, se este não revela alguma coisa de si

mesmo. O Cristianismo não é um sistema filosófico que busca um conceito

abstrato de Deus, ao contrário, é comunhão com Deus. Conhece-se Deus

13 Cf. Conf. Xl, 8. Ver ainda, I. CHEVALIER, «La théorie augustinienne des relations trinitaires», p. 320. Ver ainda: R. JOLIVET, Dieu soleil des esprits, Paris 1934; É. GILSON, Introduction à l’etude de saint Augustin, Paris 1929, pp. 103 – 125.

14 Y. SPITERJS, «L’esperienza di Dio Padre», p. 222. 15 Na teologia contemporânea, a teologia do mistério foi um mérito de Rahner. O ponto de partida

de Ranher é o homem como ser do mistério. Ele nos faz ver que aquele que não fala do Deus Escondido, não fala de Deus senão de um ídolo. Mas o conhecimento do mistério não é um modo deficiente de conhecer, não é alguma coisa de negativo, não representa um limite, mas é o modo mais originário de conhecer. No fundo a revelação do mistério de Deus é a resposta ao mistério do homem e do mundo. K. RAHNER, Corso fondamentale, p. 71 ss.

16 W. KASPER, op. cit, 173.

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contemplando-o experimentando a sua presença17. Na busca do mistério de

Deus, o ser humano também se percebe como um mistério. Não são dois

mistérios contraditórios, tampouco justapostos, mas se relacionam. Todo

homem que se pergunta seriamente sobre si mesmo será confrontado com o

mistério maior que é Deus. Aqui está o cerne da antropologia agostiniana. Aos

olhos de Agostinho o homem se apresenta como um enigma e grande milagre:

magnum miraculum18

De vários modos, a Bíblia aprofunda este caráter escondido do mistério

que acompanha a revelação de Deus. Nas aparições de Deus nunca se fala de

uma figura visível assumida pela divindade, visível são os sinais desta presença

divina: a sarça que queima

.

19 a coluna de nuvem que mostrava o caminho durante o

dia, e a coluna de fogo que acompanhava o povo à noite durante o êxodo do

Egito20. De Moisés se diz expressamente que não podia ver Deus face a face. Não

poderás ver a minha face, porque o homem não pode ver-me e continuar vivendo21.

Ele podia vê-lo somente pelas costas22

17 Cf. SPITERIS, «L’esperienza di Dio Padre», p. 202.

. É assim que, ao longo do Antigo

Testamento vai crescendo a convicção no povo da revelação de lahweh. O Deus

escondido, mas sempre presente, a quem o povo pode confiar e abandonar-se,

mas que não pode aprisioná-lo nem com imagens, nem retê-lo com um nome.

IAHWEH é um Deus sem nome, é simplesmente aquele que é. Quando em suas

Confissões se coloca a pergunta: quem sou eu, pois, Deus meu? O faz por uma

apaixonada sede de conhecimento do mistério humano. «Duas grandes correntes

de idéias, organizadas pela própria experiência, influenciam a antropologia de

18 Victorino Capánaga, em um de seus artigos sobre a antropologia religiosa de Agostinho, escreve que: «Cuando se trata de la antropología agustiniana, hay que distinguir tres aspectos o campos, en que puede repartirse la reflexión sobre el hombre, o tres estadios sucesivos por los que ha pasado la humanidad en su evolución histórica, conviene a saber, el hombre sano e inocente del paraíso, el hombre caído y el hombre reparado por la obra salvífica de Cristo... Qui sum ergo, Deus meus? Quae natura mea? No pergunta por sí solo: la palabra natura muestra a las claras que através de su persona, busca al hombre, esse hombre que él califica de gran misterio». V. CAPÁNAGA, «Tres adjetivos en la antropología religiosa agustiniana»: Augustinus XXII (1977), p. 5.

19 Ex 3, 2. 20 Ex 13, 14. 21 Ex 33, 20. 22 Cf. Ex 33, 23.

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Santo Agostinho, bem como toda a antropologia ocidental: a corrente bíblica e

paulina, do homem, imagem de Deus, e ser caído pela culpa, e a corrente grega do

homo rationalis, ou animal movido por um verbo interior, em que se configura toda a

sua alteza e dignidade»23

Na base do homo religiosus está um sentimento de dependência frente

a esta superioridade fascinante e dominante que chamamos Deus; essa

transcendência absoluta de todo o espaço e tempo, essa dependência frente a

consciência finita que o percebe como seu criador e seu fim. Este sentimento de

dependência em relação ao criador faz com que a pessoa humana, no mais

profundo de seu ser, experiente uma polaridade de repulsão e atração que faz

parte da essência mesma da vida religiosa. Esta polaridade de repulsão e

atração, podemos chamá-la também de uma polaridade que vai entre o pavor e

o amor

.

24. O pavor da criatura que se dá conta de seu próprio nada, e por outra

parte, a fascinação e atração dessa mesma criatura que provoca o desejo e

interesse de união. Aqui estão presentes os dois aspectos do divino25:

«mysterium tremendum, mirum, o majestático e prepotente, o inefável, o

dissimile, e por outra parte, como fascinosum, porque é a plenitude de todo o

valor, provocam os dois sentimentos de pavor e amor. Se o heterogêneo e o

dissimile nos distancia e retrai, o semelhante e atrativo produz, ao contrário,

movimento de simpatia e de aproximação»26

23 V. CAPÁNAGA, Introducción general, p. 64.

. A alma religiosa não se contenta

24 Pastor chama de axioma ético, no sentido que «o Deus da confiança é o Deus do temor e vice-versa». A verdade divina não somente se revela como absoluta e necessária, transcendente e incondicional, mas também como pessoal e espiritual, inteligente e livre. Este axioma ético, exprime o duplo aspecto do fascinans e do tremendum da experiência do mistério numinoso, enquanto encontro com Deus do «temor e tremor» e com Deus da fidelidade e da esperança. Este axioma, em síntese enuncia num plano prático e pragmático a tensão provocada no crente da polaridade espiritual do amor Dei e do timor Dei (Cf. F. A. PASTOR, “II Dio della rivelazione”, p. 326).

25 Nas confissões, preferentemente, predomina um estado de tensão psicológica em que o divino atua como potência secreta que move, convida, atrai, fascina, assombra, espanta, domina, acossa, flagela, deslumbra. Deus se mostra como causa de uma múltipla energia, com que aspira a alcançar o domínio sobre a criatura, si bem respeitando o kirum interno de seu arbítrio. O nome que melhor determina o duplo aspecto das epifanias e das reações psicológicas conseguintes «é o amor». Cf. V. CAPÁNAGA. lntroducción general, p. 198.

26 lbid. p. 211

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com o Deus dos filósofos, como um ser abstrato: pede um Deus pessoal,

presente, vivo e amante. Mas a experiência deste Deus amoroso significa entrar

em união com ele, tê-lo em conexão com a alma, como uma brasa viva no meio

das cinzas do espírito humano. Segundo o Autor das Confissões, de

transcendente se faz imanente, toca-nos intimamente com sua ação. Ele é o

praesentissimus27. Santo Agostinho deixa transparecer em sua obra, as

Confissões, momentos excelsos de intimidade com Deus. Deus mostra-se

através de uma voz interior, por uma fragrância, por um sabor, um aperto de

mãos que deixa em todo o ser que o experimentou um estremecimento, um

horror honoris e um tremor amoris, onde estão reunidas as emoções mais

sublimes da alma28

2. O ser humano como imagem imperfeita da Trindade

.

Agostinho parte do Gênesis o qual nos revela que o homem é imagem

de Deus29

27 Para Santo Agostinho, segundo a interpretação de Capánaga: O espírito humano é um ser

teofânico, não só em sua estrutura, senão em sua vida, com o qual se realçam e dignificam todos os acontecimentos ainda que privados, nos quais colaboram a providência para o logro de seu destino. Ao mesmo tempo, o Ser divino se matiza com múltipla variedade de reflexos e de atributos. O Deus dos filósofos converte-se no Deus de Abraão, de lsaac e de Agostinho, em algo íntimo e familiar, ligado indissoluvelmente ao destino da própria alma. Cf. Ibid. p. 191.

. O homem como imagem de Deus é um dos temas centrais da

filosofia, da teologia e da doutrina espiritual agostiniana. A partir deste ponto de

partida, o Bispo de Hipona pretende atingir três objetivos no que dizem respeito

a sua filosofia, teologia e mística. Um primeiro objetivo é aquele de demonstrar

a misteriosa trindade que mora no espírito humano, a fim que o homem,

conhecendo a si mesmo, possa acolher com alegria e humildade a revelação do

mistério divino. Um segundo objetivo é o de encontrar um modo capaz de

responder a pergunta que se colocou no início e que diz respeito à diferença

28 Esta passagem das Confissões é um dos exemplos mais conlundenies. Conf. X. 27. 38. 29 Cf. De Trin, XII, 7, 12); De Trin. XIV, 8, 11; XIV, 4, 6; ver ainda A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXIX; Ch.

BOYER. «L’image de Ia Trinité. Synthèse de la pensée augustinienne», pp. 173 – 199; 333 – 352.

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entre geração do Filho e processão do Espírito Santo30. Porque o Espírito

Santo, mesmo sendo consubstancial ao Pai e ao Filho, mesmo procedendo de

um e de outro, não é gerado? O terceiro objetivo é místico. Agostinho quer

exercitar o leitor, a fim que este aprenda a procurar Deus através da imagem da

Trindade que é nele, a fim de que este possa caminhar em direção à

contemplação do mistério mesmo que é Deus: speculum qui in terra, facie ad

faciem nel cielo31. Não se trata que os deuses formem os homens a sua

imagem e semelhança, fazendo destes minideuses e semideuses. Senão que o

Pai, o Filho e o Espírito Santo façam o homem à sua semelhança e imagem,

para que assim subsista no homem a imagem de Deus, e este possa viver

segundo o imperativo e o dever ser desta imagem. E Deus é Trindade.

Certamente que esta imagem não é de todo igual à imagem de Deus, senão

criada por Ele. Façamos o homem a nossa imagem e semelhança. Significa que

o homem não chega à paridade com Deus, mas até um certo ponto possui uma

imagem muito parecida. Por isto que «nos aproximamos e nos distanciamos de

Deus, não mediante intervalos espaciais, senão que nos aproximamos por

semelhança e nos distanciamos pela disparidade»32

Criado à imagem de Deus, o homem é criado à imagem da Trindade

. 33

30 De Trin. V, 12, 13.

.

No De Trinitate, nosso Doutor procurará sistematicamente a imagem da

Trindade no homem: exterior e interior. Estuda os sentidos externos e internos

que também pertencem ao homem exterior. Tomando em consideração,

sobretudo os olhos, encontra uma tríade: realidade, visão intenção; em seguida,

uma segunda: memória (sensitiva), visão interna, vontade. Sobre isto discute

longamente. E depois confessa que falta igualdade dos termos; e identidade da

substância. Não há imagem da Trindade, mas somente um vestígio. Para

encontrar a imagem da Trindade, se deve buscar no homem interior, que intui a

31 Cf. A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXVIII. 32 De Trin. VII, 6, 12. 33 A. TRAPÉ, Introduzione, p. XXXIX.

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verdade eterna e orienta a si mesmo em direção à contemplação dessa

verdade34. É no homem interior portanto que Agostinho procurará e encontrará

está imagem, e a exprime nesta fórmula: mens, notitia, amor. Sobre ela

retornaremos em seguida. No Espírito humano encontramos uma evidentior

trinitas35, que possuem um duplo objeto – consciência de si e a consciência de

Deus – e que por sua vez se dividem em dois: memoria, intelligentia, voluntas

(livro X); e memoria Dei, intelligentia Dei, amor Dei (livros XIV – XV)36

Dizer que conhecemos a Deus seria uma presunção perigosa. No

homem é mais seguro «o desejo de conhecer a verdade que a néscia

presunção daquele que toma o desconhecido como coisa sabida. Busquemos

como se haveríamos de encontrar, e encontremos com o afã de buscar»

.

37. A

intenção, porém, para ser reta deve partir da fé38. Na busca de Deus, quando o

homem crê acabar, então é que começa. E para que o homem não se afane de

haver encontrado, acrescenta o apóstolo: se alguém julga saber alguma coisa,

ainda não sabe como deveria saber, mas se alguém ama a Deus é conhecido

por Ele39. Adverte Agostinho que não se trata de buscar uma Trindade

qualquer, mas a Trindade que é Deus. O homem, enquanto imagem de Deus,

porta dentro se si, no mais profundo de suas entranhas uma certa trindade: a

mente, sua notícia e o amor com que se ama a si mesma e a sua notícia40

34 De Trin. XI, 5, 8; É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 247.

.

Quando a mente se ama há duas realidades: a mente e o seu amor, o mesmo

acontece quando a mente se conhece: temos então, a mente e a sua notícia. A

mente seu amor e seu conhecimento são como três coisas, e formam uma

35 De Trin. XV, 3, 5. 36 A primeira trindade: mens, notitia, amor vem analisada no De Trin. IX, 2, 2-5, 8; a segunda:

memoria, intelligentia, voluntas encontra-se no De Trin. X, 11, 17 – 12, 19; a terceira: memoria Dei, intelligentia Dei, amor Dei no De Trin. XIV, 8, 11 – 12, 16.

37 De Trin. IX, 1, 1. 38 De Trin. IX, 1, 1. A palavra intentio quer significar a concentração da alma em Deus, enquanto

que extensio quer dar a entender como uma projeção até Deus. Cf. Serm. 255, 6. 39 I Cor. 8, 3. 40 Mens, notitia, amor é a primeira trindade que se manifesta no santuário da alma. Para ser a

imagem que buscamos, deve expressar a própria natureza da alma e ser uma vida em três termos. Cf. L. ARIAS, Introducción, pp. 1 – 5.

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unidade. E estas realidades são iguais entre si e de uma mesma essência41.

Existir, conhecer-se e amar-se, três termos em uma essência. A mente, o

conhecimento e o amor possuem uma existência relativa e formam um conjunto

indissociável. Está presente uma unidade substancial entre os três termos e,

por conseguinte, a sua substancialidade e consubstancialidade formam uma

unidade. Quando a mente possui memória de si, e sabe que se recorda, este

saber constitui-se num ato de inteligência que a caracteriza como

autoconsciência42; assim como a autovontade constitui-se no ato primeiro da

vontade. Notitia é consciência de si no sentido ontológico; ato do intelecto pelo

qual a mens se conhece. Como faz notar Sciacca, a mens que se conhece e se

ama, não poderia conhecer-se se não fosse como mente, conclui-se, portanto,

que a autoconsciência é gerada pela mente mesma. A mente não poderia amar-

se, se não se conhecesse; a autovontade enquanto ato primeiro da vontade,

além de sua faculdade, pressupõe a mente e a autoconsciência e procede uma

da outra. De outra parte, como a mens não se identifica com a notícia de si,

assim a autovontade ou «o amor de si» não se identifica com uma e com outra,

tampouco estas duas com essa, embora formando uma unidade43

Mas não basta ter encontrado três elementos distintos e correlativos

para concluir que existe na alma humana uma imagem da Trindade. Faz-se

necessário uma unidade entre os termos, sem identidade. Embora os termos

empregados por Agostinho não sejam em perfeita concordância, mesmo assim,

esclarecem o seu pensamento. Agostinho parte da idéia de que a parte nunca

pode abraçar o todo de cujo é parte: a mente quando se conhece roda, isto é,

quando se conhece perfeitamente, seu conhecimento é total, e quando se ama

com amor de perfeição, totalmente se ama

.

44

41 De Trin. IX, 4, 4.

. Nosso santo, por meio de uma

interrogação, compara a mente, o conhecimento e amor com uma bebida

42 Cf. M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CII. 43 Ibid. XCVIII. 44 De Trin. IX, 4, 7.

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composta de vinho, água e o mel. O vinho, a água e mel embora formem uma

só substância, não são de uma só substância; ao contrário a mente, o

conhecimento e o amor de si: o são, enquanto a mente se conhece e se ama

por essência e não por uma outra coisa. Se fossem uma mistura confusa – de

três substâncias em uma só, como o caso do vinho, água e o mel – não seriam

três termos de uma só substância, tampouco poderiam intrinsecamente

relacionar-se45. Uma segunda comparação utilizada pelo Bispo de Hipona é

aquela do ouro46. É como se de um mesmo pedaço de ouro fossem feitos três

anéis semelhantes, interlaçados entre si e referindo-se mutuamente, porque

iguais. Uma trindade de anéis e um só pedaço de ouro. Porém se os

submetessem à uma fusão e se cada anel se confundisse e se misturasse com

a massa total desaparece a trindade que já não pode subsistir. Pode-se falar da

unidade do ouro, não, porém, de uma trindade áurea, como no exemplo dos

três anéis47

A distinção destes três termos deve ser real, assim como é real aquela

das três pessoas da Trindade. A mente e a notícia de si estão em oposição

como dois termos de uma relação; de um modo símile a mens se opõe ao amor

de si como o termo amado no ato do amante, mas enquanto tal, tanto um como

o outro estão implicados. Não existe amado sem amor, tampouco amante sem

um objeto amado. Portanto, se de um lado, um se distingue do outro, de outro

lado, não podem existir separados. Se for menor o amor com o qual a mente se

ama, esta pára de ser amante de si; se desaparecer a notícia com a qual se

conhece, a mente instantaneamente cessa de conhecer-se

.

48

45 De Trin. IX, 4, 7.

. Cada uma destas

três realidades: mente, notícia, amor, existem por si mesmas e estão

reciprocamente unidas. Estão de um modo maravilhosamente inseparáveis

46 De Trin. IX, 4, 7. Importante notar que a comparação da bebida vem feita de modo de pergunta, enquanto aquela dos três anéis e de um só pedaço de ouro é feita de forma afirmativa.

47 De Trin. IX, 4, 7. 48 De Trin. IX, 4, 6.

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entre si, e são perfeitas com relação a si mesmas49. Formam uma única

essência, embora mutuamente sejam algo relativo50. Santo Agostinho crê que a

alma, o conhecimento e o amor são a mesma substância, sobretudo, quando a

alma se conhece e ama perfeitamente. É necessário que seja assim, pois do

contrário, já não seriam três, nem poderiam relacionar-se entre si51. «Portanto,

quando a alma se conhece e se ama subsiste a trindade, mens, amor, notitia.

Sem mescla nem confusão, mantendo cada um deles sua substancialidade. A

mente em si é substância. Como cognoscente, conhecida e cognoscível diz

relação à notitia. Com respeito ao amor com que se ama diz-se que é amada,

amável e amante»52. A mente aparece, portanto como o ato primeiro (o Pai, na

divina Trindade), do qual procede ao desejo e a vontade de autoconhecer-se,

ou seja, a consciência de si (o Filho ou Verbo). Conhecendo-se,

necessariamente procede também o amor de si, (Espírito Santo), último dos

três termos, unificando os outros dois em uma unidade trina. E, por

conseguinte, o desejo, causa da concepção e nascimento da noticia, converte-

se em amor ao objeto conhecido e sustenta e abrasa a sua prole, e o une ao

seu princípio gerador. Há, portanto, uma certa imagem da Trindade na mente,

sua notícia, Filho e Verbo de si mesma, e em terceiro lugar, o amor; e estas três

realidades formam uma só substância. Nem é menor sua prole quando a mente

se conhece tal como é, nem menor o amor se se ama quando se conhece53

49 Cf. M. F. SCIACCA, Introduzione, p. XCVII.

.

Conforme a concepção agostiniana, o ser humano concebe e engendra um

verbo quando contempla a Eterna Verdade. Com o olhar da alma vemos esta

eterna Verdade, pela qual foram sido criadas todas as coisas temporais, uma

forma que é modelo de nossa existência, e de quanto em nós e nossos corpos

50 Sobre a substancialidade do amor, da notícia e da mente vale a pena ler M. SCIACCA, San Augustín, p. 427s.

51 Cf. N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los Libros De Trinitate». p. 346; De Trin. IX, 5, 8.

52 N. BLÁZQUEZ, «El concepto de substancia según san Agustín: los Libros De Trinitate», p. 346: W. GUNDERSDORF, op. cit., p. 46.

53 De Trin. IX, 12, 18.

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obramos, o atuar segundo a verdadeira e reta razão: por ela concebemos uma

noticia verdadeira das coisas, que é como verbo engendrado em nosso interior

ao falar, e que ao nascer não se distância de nós54

3. Vestígios da Trindade no ser humano exterior

.

A alma, ainda que de modo imperfeito, através de sua memória,

entendimento e vontade traz consigo uma certa imagem da Trindade. A

Trindade que habita no homem interior. Embora, estes três termos se oponham

enquanto termos de relação, não multiplicam a substância. Na divina Trindade

há uma verdadeira união íntima de cada uma das três realidades, com uma

perfeita igualdade dos termos; assim, existe uma maravilhosa analogia entre a

natura do espírito humano e a Trindade55. Agostinho, no entanto, se esforçará

para rastrear o vestígio desta imagem, ainda que de modo tênue, no homem

exterior56

54 De Trin. IX, 7, 12.

. Nos encontramos nos primeiros capítulos do Livro XI do De Trinitate,

onde Agostinho pergunta se é possível encontrar no homem exterior, dotado de

sentidos corporais, algum vestígio da Trindade, sem que essa seja imago Dei

como o é no homem interior, dotado de inteligência. Nosso autor parte de uma

análise do mundo dos sentidos. Os sentidos são como a nossa janela para o

mundo, por meio da qual recebemos as imagens das coisas. Ninguém, por

exemplo, poderia pensar em uma cor ou em uma forma corpórea que jamais

tenha visto, nem em uma melodia nunca escutada, tampouco em um sabor

jamais saboreado, nem em um perfume jamais experimentado. De modo que se

ninguém pode pensar em algo corpóreo sem havê-lo sentido, pois recordamos

55 Cf. M. F. SCIACCA. Introduzione, p. CVI. 56 Segundo interpretação de Tina Manferdini: no livro De Trinitate Agostinho se vê obrigado a

superar, ao menos parcialmente, a distinção entre o verbo interior e sigilo exterior: a necessidade de superar-se está vinculada precisamente à consideração do verbo humano em sua essência manifestativa, como espelho e enigma do Verbo divino. Assim como o tema de nossa reflexão é precisamente esta essência comunicativa do verbo, nos parece legítimo acudir ao texto do De fide et symbolo, que ainda sendo diverso em certos aspectos da posição mantida no De Trinitate, contém a mesma consideração da essência manifestativa e comunicativa do verbo humano. Cf. T. MANFERDINI. op. cit., p. 174.

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de algo material através da sensação. Segue-se como conseqüência, que a

memória é a medida do pensamento, assim como o é a percepção para o

corpo57. O vestígio da Trindade, vestigium Trinitatis, é uma pálida e longínqua

semelhança que nos leva ao conhecimento da Trindade. Toda a criação leva

em si o selo da causalidade divina, e, por conseguinte, o vestígio do Deus

Trindade. Segundo o axioma agustiniano, Trinitas inseparabiliter operatur. O

Filósofo de Hipona utiliza-se preferentemente do testemunho da vista.

Pergunta-se ele: o que é a visão senão o sentido informado pelo objeto que se

percebe? Se prescindirmos do objeto não há visão, porque esta não é possível

sem a existência de um corpo físico. No entanto, o corpo que informa com sua

presença ao sentido da vista, enquanto a visão permanece, não é da mesma

natureza que a imagem impressa na pupila e que chamamos visão58

No homem exterior, de modo especial no sentido da visão, podemos

encontrar uma certa Trindade. Agostinho distingue na visão do corpo três

coisas: o objeto que se vê e que pode existir antes de ser visto; a visão que

começa a existir no momento que se vê e a atenção da alma (intentio), que

mantém a vista no objeto

.

59. Na visão externa, a forma do corpo é como o Pai; a

visão é o Filho; a vontade, que une, insinua, é a pessoa do Espírito Santo.

Somente que seria muito pobre reduzir Deus a esta comparação. Adverte

Agostinho: «Viver segundo a trindade do homem exterior é um mal e uma

deformidade, porque é o uso das coisas sensíveis e corpóreas o que engendra

esta trindade; ainda que a alma as imagine, em seu interior, são sempre

imagens de coisas externas»60

57 De Trin. XI, 8, 15.

. Esta trindade não é imagem de Deus porque

58 De Trin. XI, 2, 2. 59 De Trin. XI, 2, 2. 60 De Trin. XI, 5, 8. Conforme o comentário de Maria Carmen Dolby referente a esta passagem, diz

ela que: Agostinho encontrou duas trindades no homem exterior, em contraposição ao interior que vínhamos analisando, porém que rechaça, ao não reunir os requisitos necessários para constituir uma verdadeira imagem, por ser originadas desde o exterior ou sensível «Hemos hallado la verdadera trinidad que buscávamos? La respuesta de Agustín es negativa. Es verdad que de Ia memoria se engendra Ia inteligencia de sí y que la voluntad las une en abrazo amoroso, procediendo de ambas. Pero, lo que el alma conoce, es a sí misma e no algo inmutable

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surge na alma através do sentido do corpo, e, em comparação com os sentidos

do corpo, a alma é bem mais superior. De qualquer modo a dessemelhança não

é absoluta61. Toda a criatura, segundo a sua medida, possui marcas de

semelhança com Deus, porque o Senhor criou todas as coisas boas: E viu Deus

que tudo era bom. «Enquanto é bom, tudo o que existe, possui uma

semelhança, ainda que imperfeita, com o bem supremo»62. Semelhança sim,

mas uma «semelhança dissimile»63

Agostinho demonstra a diferença que existe entre o Verbo do Pai e o

nosso verbo interior. Nosso verbo é sujeito ao erro, é volúvel, não é substancial

nem sempiterno; não é essência de essência como na Trindade. Conforme o

comentário de Trapé: «Isto permite ao Bispo de Hipona de conservar, não

obstante a especulação árdua e confiante, a transcendência divina e o sentido

do mistério; e por isto lhe permite de evitar o grave erro daqueles, os quais,

mesmo partindo da fé, forçam tanto a indagação teológica, a ponto de reduzir

ao nível da razão o conteúdo do mistério trinitário»

.

64. Existe, no entanto, uma

outra trindade, mais íntima ao homem e que está além dos sentidos e das

coisas sensíveis. Este novo olhar, embora tenha sua origem nos sentidos, os

transcende. É o olhar da alma65. Trata-se de especificar, agora, onde se

encontra o confim, qual é o elo de ligação entre o homem exterior e o homem

interior? O quanto tem de comum a alma humana com a alma dos animais66

y eterno, en el sentido de sin principio y sin finalidad. Por lo tanto, no puede darse en el conocimiento temporal del alma Ia verdadera imagen, porque Dios es eterno y por conseguiente es menester buscarla en algo que perdure. Parece, pues, que nos hallamos en un laberinto especulativo sin salida». M. C. DOLBY. op. cit., p. 146.

?

61 De Trin. Xl, 5, 8. 62 De Trin. XI, 5, 8. 63 Ep. 169, 6. 64 A. Trapé, Introduzione, p. XLI. 65 A inteligência informa o conhecimento e, mediante a reflexão sobre as verdades latentes no

tesouro da memória, expressa o verbo interior, que é como ciência da ciência e visão da visão, reflexo da inteligência virtual que representa a natureza especulativa da alma iluminada por Deus. Cf. Conf. 10, 8, 12; 10, 11, 18.

66 Animus ab anima dictus, diz Cícero. Em um sentido geral, alma é todo princípio interno de vida e movimento. Este princípio já está presente nos vegetais e nos animais. Pouco mais abaixo, animus, significará propriamente a alma humana «Tertium gradum esse animae summum, quod vocatur animus, in quo intelligentia praeeminet». (De civ. Dei 7, 23).

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Ambas, enquanto corpo possui um princípio vital que infunde vigor aos seus

organismos corpóreos e a todos os seus sentidos que lhes permitem perceber

as coisas externas. «Ao homem exterior pertencem também as imagens,

produto de nossas sensações, esculpidas na memória e contempladas na

recordação67». A doutrina agostiniana sobre a sensação, ainda se vista

limitadamente ao De Trinitate, congrega o problema gnosiológico com aquele

ontológico. Através das sensações, o ser humano percebe-se como uma

totalidade: corpo e alma, passividade e atividade. Isto é, o homem integral que é

vitalidade e espiritualidade porque se concebe como um ser que quer, sente,

pensa, recorda, julga68. Conforme interpretação de Sciacca, Agostinho não se

colocou o problema da alma e do corpo e de sua relação com a sensação, mas

sim o outro do homem alma-corpo no ato de sentir. O problema do corpo como

corpo é inexistente, já que não existe o corpo como pura matéria orgânica, mas

sim o corpo vivificado pela alma. O homem é espírito encarnado. O corpo é

animado da presença de toda alma em cada um dos seus órgãos. A sensação,

portanto, não é uma zona obscura, mas o primeiro grau da luz do espírito.

Enquanto ato de vida de toda alma que é sentir, querer e pensar por meio do

corpo, a sensação consistirá em aurora do pensamento. Ela é uma testemunha

e um sinal do outro mundo, do reino de Cristo, que é, segundo Paulo, a

Sabedoria e, segundo João, é a Verdade69. A sensação enquanto ato da alma,

não é mais uma fonte de falsidade, tampouco obstáculo no caminho em direção

ao Inteligível. Sua função é como uma espécie de «convite à contemplação e ao

amor dos bens do espírito»70

67 De Trin. XII, 2, 2.

. Ainda mais explicitamente afirma Agostinho que:

«Aquele que faz um bom uso dos sentidos do corpo para crer e anunciar as

obras de Deus e para promover o amor por Ele, e pela ação ou pela

contemplação reconquista a paz, conhece Deus e entra na alegria de seu

68 Cf. M. F. SCIACCA, Introduzione, p. LXXVI. 69 M. F. SCIACCA, Introduzione, p. LXXVIII. 70 De vera. rel. 54, 106.

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Senhor»71. A diferença da alma humana da dos animais está no fato de que o

corpo humano não está curvado somente para a terra. A alma humana é mais

nobre, porque é capaz de dirigir seu olhar em direção daquilo que é mais

excelso na ordem espiritual. A alma humana é capaz de contemplar os astros e

as estrelas com um amor piedoso de justiça. É na alma racional e intelectiva, o

lugar privilegiado, onde buscar a imagem do Criador. «A alma humana sempre

é racional e intelectiva; e por isto foi criada à imagem de Deus, enquanto pode

usar de sua razão e inteligência para conhecer e contemplar a Deus»72

4. No interior da pessoa humana habita a verdade

.

Agostinho, sem dúvida, pode ser identificado como o «grande

pensador» que pensou o tema da interioridade73. No De Vera Religione, o Bispo

de Hipona faz um apelo para que a alma recupere a sua dimensão interior:

«Não queiras derramar-te fora; entra dentro de ti mesmo, porque no homem

interior reside a verdade»74. No De Trinitate faz uma invocação semelhante:

«conheça, pois, a si mesma e não se busque como ausente; fixe em si a

atenção de sua vontade vagabunda e pense-se, e verá então como nunca

deixou de amar-se e como jamais se ignorou»75

71 Ibid. «Qui vero bene utitur vel ipsis quinque sensibus – corporis ad credenda et praedicanda opera

Dei, et nutriendam caritatem ipsius, vel actione vel cognitione ad pacificandam naturam suam, et cognoscendum Deum, intrat in gaudium Domini sui».

. Étienne Gilson sustenta a idéia

72 De Trin. XIV, 4, 6. 73 «G. MADEC, Petites Études Augustiniennes, Paris 1994 – Collection des Études Augustiniennes

– 142, p. 162. 74 De Ver. Rel. 39, 72. «Entrar en uno mismo’ Agustín no está designando el ingresso a un ámbito

que se desconoce totalmente. Por el contrario, para él, no hay un presentarme que me resulte tan patente como lo es el de mi alma para consigo misma... Según Agustín, el alma aprehende su mismo ser antes que las realidades del mundo corpóreo, de manera tal que el entrar, más que un simple ir adentro, es retornar, volver a considerar aquellas realidades que me son más íntimas que las realidades corpóreas. El entrar es poner dichas realidades incorpóreas ante mi consideración actual. Y no sólo ante la realidad de mi alma, sino ante la realidad tanto de las verdades intuidas por ella cuanto de la Verdad misma, la cual ilumina al alma y asimismo a esas certezas. Esta mayor intimidad que tiene el hombre con las realidades interiores no lo sustrae de la tentación de vivir volcado fuera de sí, de tener el alma preocupada y ocupada en las cosas del efímero mundo corpóreo». C. D. LASA, op. cit., p. 58.

75 De Trin. X, 9, 12.

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que a metafísica agostiniana é uma metafísica da experiência interior. Para o

filósofo francês o domínio próprio da filosofia agostiniana é este imenso território

da observação interior, onde o santo de Hipona não teve rival76. Agostinho

tematizou, sobretudo, no último livro de sua obra De Trinitate, as relações entre

a palavra interior do homem e a exterior. A palavra exterior é um signo daquela

que brilha dentro77. Quando falamos daquilo que sabemos é como se a palavra

nascesse em nós. Há uma palavra que está antes do som. Este esquema se

aplica a Deus. «Assim a palavra de Deus Pai é o Filho unigênito, em tudo igual

ao Pai, Deus de Deus, luz da luz, sabedoria da sabedoria, essência da essência

(...). Ao pronunciá-la engendrou o Pai o Filho, e uma vez que se expressava a si

mesmo, sua palavra em tudo é igual a si mesmo»78

76 É. GILSON, «L’avenir de la métaphysique augustinienne»: Revue de philosophie (1930), pp. 373

– 381. Neste mesmo sentido afirma Cayré: este é o domínio próprio do pensamento agostiniano: a vida da alma sob todas as suas formas, e muito especialmente, dentro da ordem natural, das forças mentais superiores que conduzem à um fim. Neste domínio, que é metafísica, Santo Agostinho teve o poder e a originalidade de um espírito criador. Ele é verdadeiramente filósofo, e filósofo de gênio. Cf. F. CAYRÉ, Initiation à philosophie de Saint Augustin, Paris 1947, p. 60.

. Comecemos pela palavra.

A palavra nasce das idéias, quando esta nos parece agradável, florescem as

palavras. Mas a palavra pode estar inclinada ao bem ou ao pecado. Por tuas

palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado, diz Jesus.

«Entendendo por palavras não o que nossos lábios pronunciam, senão o verbo

77 Agostinho, no capítulo quinto de seu tratado sobre a Dialética, esclarece quatro conceitos: «palabra, dizível, dicção, coisa». Vale a pena a interpretação de Carlos Daniel Lasa, interpretando este texto de Agostinho, escreve: «Agustín sostiene, pues, que la ‘palabra’ es signo, si bien en tanto signo de las cosas, la palabra también es ‘cosa’. Lo ‘decible’ o expressable es aquello que la mente aprehende de la palabra y que luego conserva, y que puede ser expressado y que es, en definitiva, el contenido que es causa inmediata de la palabra, la ‘dicción’ es la combinación de significante y signicado, es dice, la palabra misma y lo pensado. Finalmente la ‘cosa’ es el referente sin el cual desaparecerían los conceptos de signo y de palabra. De estos cuatro significados, nos interesa destacar lo que Agustín nos dice acerca de lo ‘decible’ o expressable. Lo ‘decible’, define, el Santo, es aquello que la mente aprehende de la palabra, y que después conserva. Los estoicos lo denominabam Iektovn. Lo Iektovn es el contenido del pensamiento, incorpóreo de suyo. Agustín afirma de él que es ‘cosa’, ser. Los estoicos, debido a su concepción materialista del ser, no le ven del mismo modo. Pero hay más. No solo Agustín lo considera ‘ser’ sino que, debido a su concepción del ser, le ortoga mayor densidad ontológica. Esta concepción del ser conducirá a Agustín a no concentrar su atención en la articulación sonora por medio de la cual eI que oye es invitado a centrar su atención sobre lo significado, esto es, sobre lo que la mente concibe. La articulación sólo es ‘palabra’ cuando es portadora de sentido, de inteligibilidad. De ahí que aquello que la constituye como tal sea la significación que encierra, que evoca y provoca». C. D. LASA, op. cit., pp. 66 – 67.

78 De Trin. XV, 14, 23.

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secreto e invisível do pensamento e do coração»79. Mais adiante escreve o

Santo: «A palavra que fora ressoa é signo da palavra que dentro resplende, e

convém melhor ao nome de verbo e se denomina verbo por razão de sua

origem»80. E em uma outra passagem afirma: «Ao exterior, quando estas

realidades têm lugar por intermédio do corpo, uma coisa é a palavra e outra é a

visão, mas quando pensamos em nosso interior, ambas são a mesma coisa...

Em consequência a palavra exterior, embora se ouça, permanece invisível, ao

contrário são as palavras interiores, chamadas pensamentos que se vêem,

mas, não se ouvem»81. Para Santo Agostinho, em seu aspecto formal, a palavra

é a imagem de algo que a minha mente intui e vê. O «Verbo possui o mesmo

significado que lmagem»82. É Ele quem sustenta a alma na presença de si

mesma. É n’Ele que a palavra encontra a sua origem. Neste sentido a palavra

humana encontra seu fundamento último na Palavra de Deus. «Trata-se

simultaneamente de uma teofanía e de uma ontofanía, por quanto manifesta a

Deus e os seres participados por Ele». Em realidade, é o verbo, a palavra e o

Maestro interior, a luz inteligível, quem dá condição e possibilidade a toda

criatura humana de falar de Deus, de si mesma e do mundo83

79 De Trin. IX, 10, 15; XV, 10, 18.

. Continua o

Santo: Não se trata dos sons das palavras, mas sim de seu significado que nos

é conhecido, parte pelo sentido do corpo, parte pelo sentido da razão. Porque

não é a primeira vez que ouvimos esta palavra: já a havíamos escutado, e nos

80 De Trin. XV, 11, 20. 81 De Trin. XV, 10, 18. Segundo Santi: Deste modo, Agostinho determina a dialética entre verbum e

vox, entre a palavra e a voz. Aquilo que é proferido materialmente pela boca é voz da palavra. Deste modo, a palavra interior é a linguagem universal do homem; em contrapartida, a palavra exterior se acha sujeita à convencionalidade e a relatividade do signo lingüístico, ao uso determinado das diversas linguagens, dos diversos signos fonéticos e gráficos, por meio dos quais as diversas épocas históricas se significam as coisas e os conceitos. G. SANTI, «lnteriorità e verbum mentis», en lnteriorità e intenzionalità in S. Agostino». Atti del I. e II. Seminario Internazionale del Centro di Studi Agostiniani di Perugia, Roma 1990, p. 134.

82 «En este sentido, aquello que es primero es la realidad: lo segundo, el pensamiento, por el cual se ve la realidad, y lo tercero, la expresión articulada sonora por medio de la cual se transmite aquello que se ve in interiore. De ahí, que Agustín sostenga explícitamente la tríada ‘realidad-pensamiento-lenguage’, en la cual la realidad tiene prioridad ontológica sobre el pensamiento, y el pensamiento, sobre el lenguaje». C. D. LASA. op. cit., p. 72.

83 C. D. LASA, ibid. 73.

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era conhecida não somente pelo som da palavra mesma, mas inclusive seu

significado, e sua recordação que vivia em nossa memória, e é aqui que nós a

reconhecemos84

O amor é um abraço entre a palavra e a mente que a engendra, assim

é o Espírito Santo, um abraço do Pai e do Filho. O Espírito Santo é o amor do

Pai e do Filho. Quando dizemos que o Espírito Santo é este amor entre o Pai e

o Filho, o ponto de partida não é outro que o Novo Testamento, que insiste que

o Espírito Santo é o Espírito do Pai e do Filho. Agostinho fala do Espírito Santo

como a comunhão do Pai e do Filho

. Neste sentido memória e interioridade se confundem.

85. O Espírito Santo relacionado ao amor de

Deus vem referido diversas vezes no Novo Testamento. Paulo em sua cartas

aos Romanos escreve que: a esperança não decepciona, porque o amor de

Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado86.

Em diferentes situações o Espírito Santo é apresentado como um fator

essencial da unidade entre os cristãos, na comunhão entre si e com Deus87.

«Coloca-se em relevo aqui a relação entre a teologia e a economia. O Espírito

Santo, nexo de amor entre o Pai e o Filho, realiza na história da salvação a

união entres os cristãos»88

84 De Trin. XIII, 1, 4.

. A dignidade do homem está justamente em

85 De Trin. XV, 19, 37. 86 Rm 5, 5. 87 Cf. Cor 12, 3ss; 2Cor 13, 13; Ef 2, 18; 4, 3. 88 L. F. LADARIA, EI Dios vivo y verdadero, p. 341. Segundo Catherine Osborne, «Nexus amoris en

el De Trinitate»: Augustinus 140 – 143 (1991), pp 205 – 212; não existe um nexus amoris na Trindade de Santo Agostinho. Por vezes foi afirmado que no De Trinitate, Agostinho identifica o Espírito Santo como o nexus ou vinculum amoris entre o Pai e o Filho. Somente que nosso Santo não emprega nem vinculum, tampouco nexus amoris. O Bispo de Hipona enumera constantemente três elementos: o amante, o amado e o amor, e por vezes o Espírito Santo vem identificado como este terceiro elemento: o amor, (caritas o dilectio. De modo especial De Trin. IX, 12, 17). «Porém, o amor não aparece como um vínculo, e santo Agostinho não identifica o Espírito Santo como ‘vínculo de amor’, com esta expressão verbal» (C. OSBORNE. ibid. p. 205). Santo Tomás escreveu muitíssimo sobre a essência do amor. O Aquinate utiliza algumas vezes a noção de nexus amoris e vinculum amoris e nexus Patris et Filii torna-se uma frase corrente. Tomás atribui ao De Trinitate de Agostinho a idéia de que o amor é um vínculo, embora esta atribuição não seja de todo exata. (STh. 1, 2, 26, 2). Porém, em outros lugares o Aquinate refere-se mais ao Pseudo-Dionisio que Agostinho (STh. 1, 37). Na questão 37 da primeira parte da Summa Theologica, a terceira objeção ao amor como nome próprio para o Espírito Santo é que o amor deve ser nexus ou medium segundo o Pseudo-Dionisio. O amor segundo Santo Agostinho: «É uma vida que une ou ansia enlaçar outras ditas vidas, a saber, ao amante e ao amado».

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reconhecer esse amor que é dom do Espírito Santo e, no rosto de Jesus de

Nazaré, tornar-se filho, no “Filho”. Se em Jesus Cristo recebemos a filiação

divina, pelo Espírito, isso significa dizer que somos chamados a nos relacionar

como irmãos e irmãs. A fraternidade é graça de Deus e construção do homem.

A revelação não é uma comunicação isolada, mas uma auto-comunicação.

Deus que se autocomunica a si mesmo. Para conhecer Cristo precisamos do

Espírito Santo. Acreditar nele quer dizer crer na sua pessoa. Não se pode crer

na pessoa de Jesus Cristo sem crer na pessoa de Pai e do Espírito Santo. Os

fariseus não conhecem Cristo porque não têm o Espírito Santo. Não possuem a

bondade necessária para acolher a pessoa de Cristo – esta se faz pela fé. A

palavra que é Cristo é um Verbo que inspira amor, por isso que o conhecimento

teológico não existe sem o amor, não existe sem o Espírito Santo89

.

Tomás de Aquino tomou o termo copulans, Copulans veI copulare appetens (STh. 1, 2, 28; De Trin. 8, 10, 14), que podemos traduzir por enlaçar e se refere ao nexo emocional, ou seja, união entre o amante e o amado, que é essencial para o amor. Diferentemente de Tomás, Agostinho supõe que o amor possa existir, inclusive se não se dá um nexo atual entre o amante e o indivíduo amado, senão um desejo para esta classe de enlace. Tomás exclui, já que considera o nexo emocional como uma condição necessária ao amor. (Cf. C. OSBORNE, ibid. p. 209). O amor de Deus Pai pelo Filho não é um amor entre indivíduos independentes, mas sim, um amor-de-si-mesmo. As pessoas da Trindade não são substancialmente independentes. O amor originado pelo Pai produz os laços de afeição do Filho, como amante. Como nota Catherine Osborne: «É importante notar que Santo Agostinho não disse que o amor é um nexo que enlaça o amante com o amado, senão que o definiu como uma vida: quaedam vita» (ibid. p. 210). Na sua interpretação acerca do amor em Santo Agostinho, o Aquinate não é livre de condicionamentos. Um deles diz respeito a uma visão aristotélica que se opõe a considerar o amor como externo às relações entre amante e amado. Um segundo condicionamento é sua acepção dogmática da processão do Espírito Santo do Filho e do Pai (ibid. p. 211).

89 Santo Tomás de Aquino fala dos dois nomes do Espírito Santo: amor e dom. Trata primeiro do Espírito como amor que como dom (cf. STh. I. 37). O amor pode ser compreendido ‘essencialmente’ e ‘pessoalmente’. Tomado no sentido pessoal, amor é o nome próprio do Espírito Santo, assim como o Verbo o é do Filho. Enquanto amor o Espírito Santo é o ‘nexus’ do Pai de do Filho, posto que o Pai ama com o mesmo amor ao Filho e a si mesmo, e mesmo o Filho. O Espírito Santo, enquanto amor é o modo de comportar-se do Pai em relação ao Filho e do Filho em relação ao Pai. Segundo a origem, o Espírito Santo é o terceiro na Trindade, já que procede do Pai e do Filho. Porém segundo o modo de comportar-se (habituado) é o nexo que existe entre os dois, ao proceder de ambos (cf. Sth I, 37, 1); cf. L. F. LADARIA, El Dios vivo y verdadero, pp. 339 – 340; B. MARGERIE, «La doctrine de saint Augustin sur l’Esprit-Saint comme communion et source de communion»: Augustinianum v. XlI (1972), pp. 107 – 119; cf. De Trin. XV, 17, 27.

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5. A trindade na mente que se recorda, conhece e ama

Uma terceira metáfora utilizada pelo Bispo de Hipona, e que mostra a

existência de outra trindade na alma do homem, aparece com maior evidência,

na memória, no entendimento e na vontade90. Sobre este tema se faz

necessário penetrar com maior claridade e atenção, mesmo porque esta

imagem se constitui a mais importante, e sobre ela retornaremos

freqüentemente. Ninguém pode amar uma coisa que lhe seja por completo

ignorada. Certe enim amari aliquid nisi notum non potest91. «O amor não é

paixão de uma coisa ignorada, pois já conhece seu gênero. Quando amamos a

um varão bondoso cujo rosto não temos visto jamais, o amamos pela notícia de

suas virtudes, que já conhecemos na mesma verdade»92. A alma humana é

sedenta por conhecimento. Como pode a alma satisfazer esta sede se é para si

mesma desconhecida? Também a mente é desejosa de conhecimento, e por

certo ama93

90 Segundo as palavras do próprio Agostinho: «Chamo inteligência a faculdade que nos faz entender

quando pensamos, isto é, quando nosso pensamento é informado pela recordação na memória presente, porém, no qual não pensamos; e entendo por vontade, dileção ou amor, a faculdade que une este pai e esta prole, comum num certo modo aos dois». De Trin. XIV, 7, 10. Conforme o comentário de Luis Arias: O vocabulário agostiniano se caracteriza sempre por uma riqueza exuberante e uma flutuação de matizes que desorienta o leitor pouco avisado ao estilo do Santo. O sentido das palavras ratio, intelligentia, intellectus. Ratio est mentis motio, e a quae dicuntur distinguendi et connectendi potens. Intelligentia é a parte mais eminente da mens. lntellectus é uma faculdade da mente, iluminada diretamente pela luz divina, faculdade superior à razão, pois pode existir sem a inteligência. Cf. L. ARIAS, Introducción, n. d, p. 629.

. Como pode a mente amar se ainda não se conhece, já que

ninguém pode amar o desconhecido? Talvez não ame a si mesma, senão que

uma idéia que se fez de si mesma. Esta idéia, no entanto, pode ser errada, o

amor então seria uma ilusão. E a mente é capaz de conhecer outras mentes,

mas como é possível conhecer outras mentes se ignora a si mesma? A alma,

quando ainda não se conhece, busca ardentemente conhecer-se. Ou seja, se a

alma busca conhecer-se, quer dizer que não se ignora completamente. A alma,

91 De Trin. X, 1, 2. 92 De Trin. X, 1, 2. 93 De Trin. X, 2, 4.

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portanto, sabe que se conhece, e sabe ainda, o que significa conhecer-se94. A

busca da alma, porém, compreende a sua notícia e a sua ignorância95. A

essência da alma é o seu conhecimento. A alma sabe de ser uma alma,

conhece inteiramente a si mesma. Como a alma pode ignorar-se tanto a ponto

de buscar conhecer-se? Importante explicitar o que significa ignorar-se?

Conforme o comentário de Sciacca: «A alma se conhece pela sua natureza,

enquanto é para si mesma conhecimento e vida: portanto, por natureza não

pode ignorar-se. Se se ignora, quer dizer que está fora da sua natureza, fora de

si mesma: ausente à sua presença, separada de si mesma»96

O olhar da mente é diferente dos olhos do corpo. O olho conhece melhor

o olho alheio que os seus próprios. E sem um espelho, os olhos não poderiam ver

a sua imagem. As coisas incorpóreas não se dão deste modo. A mente não se vê

em um espelho

.

97. De qualquer modo, devido à razão da eterna verdade, a mente

chega a contemplar a formosura do autoconhecimento, e ama aquilo que intui e

suspira pela realização em si mesma. «E se não se conhece, conhece ao menos

por intuição, quanto é belo conhecer-se. Certamente, é muito de admirar o que

não se conheça, e conheça a beleza de conhecer-se»98. Outro elemento que

ajuda a mente nesta busca de conhecer o ignorado, e que não lhe abandona em

sua peregrinação rumo à águas profundas é a memória99. Segundo Agostinho há

uma secreta memória100

94 De Trin. X, 4, 6.

que auxilia a mente a amar o fim conhecido e buscar o

meio ignorado. E, por conseguinte, «É impossível um desconhecimento absoluto

do eu, porque se sabe que não sabe, se conhece e se ignora que se ignora, não

se busca para conhecer-se pelo mero fato de buscar-se, não prova que é para si

95 De Trin. X, 3, 5. 96 M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CX. 97 De Trin. X, 3, 5. 98 De Trin. X, 3, 5. 99 M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CXI. 100Cf. De Trin. X, 3, 5. Per quamdam occultam memoriam. Semelhante expressão aparece nas

Confissões (10, 19, 28). A palavra memória, na acepção psicológica atual recordação do passado, aplica Santo Agostinho à quanto está na alma presente. Para Gilson, um termo equivalente na psicologia moderna será o do inconsciente e subconsciente; Cf. É. GILSON, Introduction à l’etude de Saint. Augustin, n. 2, p. 135.

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mais conhecida que ignorada? Ao buscar-se para conhecer-se, sabe que se

busca e se ignora»101. A memoria, portanto é um saber e autoconhecer-se da

alma. Trata-se, primeiramente, de um conhecimento essencial, obscuro e

implícito, que é a memória do presente102, em segundo lugar, diz respeito a um

conhecimento acidental e manifesto, que o Bispo de Hipona denomina cogitare.

Através do primeiro, a alma conhece a si mesma permanentemente, já que a

noticia de si mesma lhe é conatural103. Por meio do segundo, a alma conhece de

modo contingente porque a notícia não é essencial à sua natureza. A memória ou

o saber essencial coincide com a alma; é sempiternum como a alma. A cogitatio

ou ainda, o saber atual, é temporal; ora de uma coisa, ora de outra. Por isto a

alma não pode subtrair a consciência de si, já que não pode cancelar a memoria

sui104. Existe uma tendência em direção ao mal que atrai a alma para longe de si

mesma, a distrai, alguma coisa com a qual deve-se lutar permanentemente, a

ponto de não se deixar submergir no esquecimento de si105. A memória possui,

portanto, uma função redentora que permite à alma recuperar o «perdido»

através da recordação latente de si106

101 De Trin. X, 3, 5.

. Para tanto, faz-se necessário tornar-se

senhor das próprias sensações e não ser destas escravo. Entra aqui a função da

razão que estabelece uma parte da ordem. A alma julga, domina por meio das

regras da razão as imagens, e torna-se novamente soberana a isto que pertence

ao seu governo. As regras, no entanto, não são verdadeiras em si mesmas, mas

somente enquanto estão em sintonia com a verdade, que é luz que conduz e

ilumina. A alma, portanto, reconhece que a verdade é maior que ela, e não se

atribui as belezas que são de Deus; contenta-se em contemplá-las com um

sentimento de gozo e fruição. A alma se conhece de novo; não apenas se

102 Não se trata somente de uma memória do passado, mas também da memória do presente. De Trin. XIV, 11, 14.

103 De Trin. XIV, 7, 9. 104 As coisas que se ignoram são aquelas sobre as quais ainda não se refletiu. De Trin. XIV, 5, 8.

«lnveniet autem, non quod nesciebat sed unde non cogitabat». 105 M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CXI. 106 Cf. M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CXII.

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recorda, mas sabe. Está presente a si mesma, porque está presente em Deus. É

restaurada a outra parte da ordem107

Para o Filósofo de Hipona, a mente é a alma

. 108. É um absurdo que a

alma toda não sabe o que sabe, isto não significa que o saiba tudo, porém o

que sabe o sabe todo109. Esta mente quando busca conhecer-se, sabe que é

mente, do contrário ignoraria o que busca, e correria a buscar uma coisa por

outra. A mente toda está presente a si mesma, busca o que lhe falta, ainda que

ao buscar-se toda, nada dela mesma lhe falta. «Esta mente é toda mente e toda

vida. Conhece seu viver. Logo se conhece totalmente»110. É impossível a um

homem olhar seu próprio rosto sem um espelho, pois o seu rosto está ausente

para os seus olhos. Porém quando se diz à mente «conhece-te a ti mesma», ao

momento de ouvir «ti mesma» o entende e o conhece, não por outra razão,

senão que, porque está presente a si mesma111

Voltando à metáfora

. 112 citada acima: memória, entendimento e vontade

formam uma unidade essencial e trilogia relativa. As três são unidade, uma

vida, uma mente, uma essência. Porém dizem também relação113

107 Tenhamos presente De Trin. X, 14, 5, 7.

. A memória,

enquanto memória possui um sentido relativo. O mesmo acontece com a

inteligência e a vontade que assim são denominadas, enquanto dizem relação a

108 A alma, para enfrentar-se consigo, necessita pensar-se. A mente é para Agostinho, como uma central elétrica, reguladora da energia anímica, confluência de ações vitais. O juízo é uma das três operações da inteligência, faculdade do conhecer abstrato e universal. Sobre este tema nos remetemos ao artigo de V. CAPÁNAGA, «La doctrina agustiniana sobre la intuición»: Religión y Cultura 15 (1931).

109 Cf. De Trin. X, 4, 6. 110 De Trin. X, 4, 6. Para Luis Arias, referente a esta passagem: problemática com sabor plotiniano. O

autoconhecimento vai implícito no ato de conhecer. Na consciência do eu se identificam objeto e sujeito. O conhecimento da alma pela alma é verdade inconcussa. A mente é para o objeto e sujeito de conhecimento, e, quando se conhece toda, conhece e se conhece também totalmente. Cf. L. ARIAS, Introducción, n. c, p. 476.

111 De Trin. X, 9, 12. 112 Para Luiz Arias Este texto consideram os agostinianos do medievo como decisivo para provar a

identificação absoluta entre a alma e as suas faculdades. Esta unidade essencial o exige a teoria da alma como imagem da Trindade. A constituição do espírito humano é maravilhosamente análoga ao mistério da Trindade divina, e este mistério faz penetrar na constituição do espírito humano. Memória, entendimento e vontade são como termos de três relações reais em uma essência. A semelhança com a Trindade, uma essência e três pessoas: uma essência três faculdades. Cf. L. ARIAS, Introducción, n. 1, p. 490.

113 De Trin. X, 11, 18.

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algo. Todas as operações do espírito encontram sua proveniência no espírito

mesmo por meio da inteligência-razão114, que alcança o sentido do verdadeiro e

da vontade que adere ao bem; a primeira consiste no fundamento e na fonte do

conhecimento; a segunda é o princípio de todos os movimentos interiores. Para

Agostinho inteligência e vontade constituem as faculdades próprias da mente. A

memória é o lugar de onde essas procedem115. São três, segundo as suas

relações recíprocas. Uma diz relação à outra. «Recordo que tenho memória,

inteligência e vontade; compreendo que entendo, quero e recordo; quero

querer, recordar e entender, e ao mesmo tempo recordo toda a minha memória,

inteligência e vontade»116. E assim pois, que, «aquele que engendra e o

engendrado, são enlaçados por um terceiro elemento, o amor, que não é outra

coisa senão a vontade que apetece o gozar. Eis que nestes três nomes –

memória, inteligência e vontade – vemos insinuar uma certa trindade na

mente»117. Somente que esta trindade na mente não é imagem de Deus pelo

simples fato de conhecer-se, recordar-se e amar-se, senão que é imagem

porque pode conhecer, recordar e amar o Criador118

114 Agostinho utiliza-se de alguns termos que são fundamentais para se compreender a sua concepção

de alma. Trata-se de mens, ratio, intellectus. Vale a pena a leitura de Ricardo Ferri: «Se sostiene por exemplo, que la mens es lo más elevado que existe en el alma, y que abarca los otros dos, ratio e intellectus. La ratio seria una faculdad discursiva, de cuyo ejercicio resulta Ia scientia, el conocimiento cierto de las realidades sensibles. El intellectus, denominado também intelligentia, función la más alta de la mente, es al contrario, la faculdad del inteligibile inmutable y puro, de cuyo ejercicio resulta la sabedoria, definida, por oposición a la ciencia o conocimiento discursivo de las realidades sensibles, como conocimiento intuitivo de lo inteligible». R. FERRI, «Mens, ratio, inteIlectus, en los diálogos primeros de Agustín»: Augustinus XLII 168-169 (1998), p. 45 – 46; cf. R. JOLIVET, Dieu, soleil des esprits. La doctrine augustienne de l’illumination, Paris 1934, p. 205 – 208.

. A mente é sábia somente

quando a memória de si não é separada da memória de Deus. A memória de

Deus constitui uma trindade interior: recorda-se de Deus, e o ama. A sabedoria

torna-se então, uma conseqüência da participação da sabedoria de Deus. A

memória, portanto, é também trinitária: sensível, de si, de Deus.

115 Cf. M. F. SCICCA, Introduzione, p. XCVII. 116 De Trin. X, 11, 18. 117 De Trin. XIV, 7, 9. 118 De Trin. XIV, 12, 15.

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6. «Memoria Dei, Intelligentia Dei, Dilectio Dei»

Agostinho utiliza-se de três analogias para explicar o mistério da

Trindade, retornando-as de um modo mais sistemático e circular, dá a entender

que cada uma das analogias está coordenada uma com a outra e Segundo

MulIer119, a analogia principal que do princípio ao fim toma maior atenção do

Santo e, sobre a qual, detém um olhar mais apurado foi a terceira: a da

memória, entendimento e vontade. Tina Manferdini afirma que com esta terceira

imagem trinitária. Santo Agostinho supera uma simples consideração ontológica

do ser espiritual criado e passa a uma ordem mais elevada, na qual a ordem

ontológica encontra seu complemento e justificação120

A Escola Espanhola tendo na sua linha de frente Lope Cilleruelo

. «A terceira imagem se

configura como ‘trindade da sabedoria’, posto que implica uma relação explícita

e consciente da mente ao divino exemplar e Princípio. Define-se, pois, na

tríade: memoria Dei, intelligentia Dei, dilectio Dei». 121,

defende a idéia que a memória Dei122 trata-se de um apriori e, portanto, «um

hábito natural inconsciente»123

119 E. C. MÜLLER, «La unidad de los libros octavo al décimo en el De Trinitate de Agustín»: Augustinus

XLV (1999), p. 183.

. A argumetação de Cilleruelo baseia-se no

120 Cf. T. MANFERDINI, op. cit., p. 166. 121 Remetemos aos textos de L. CILLERUELO: «La memoria Dei según San Agustín»: Augustinus

Magister I pp. 499 – 509; «San Agustín, genio de Europa. La interioridad y Ia reflexión»: Religión y Cultura 9 (1958), pp. 85 – 108; «La noción agustiniana y Ia categoria kantiana»: Religión y Cultura 10 (1959), pp. 605 – 614; «La originalidad de la noética agustiniana in San Agustín»: Estudos y Coloquios, Zaragoza 1960, pp. 179 – 206; «Pro memoria Dei»: Revue Augustinienne 12 (1966), pp. 65 – 84; «La prueba agustiniana de la existencia de Dios»: Archivo Teológico Agustiniano 2 (1967), pp. 515 – 534; Estudio Agustiniano 4 (1969), pp. 239 – 273; «La mística de la Memoria Dei»: Estudio Agustiniano 14 (1979), pp. 413 – 448; outros artigos da mesma linha veja-se; J. MORÁN, «Hacia una comprensión de Ia Memoria Dei según San Agustín»: Augustinus 17 (1972), pp. 233 – 253; V. CAPÁNAGA, «La estructura ontológica de Ia Memoria Dei»: Estudio Augustiniano 12 (1977), pp. 369 – 392.

122 B. L. ZEKIYAN, «llluminazione e Memoria Dei in S. Agostino»: Congresso lnternazionale su S. Agostino nel XVI Centenario della Conversione, Roma 1986 – Atti II – Sezioni di studio II – IV, pp. 404 – 405.

123 Cilleruelo possui como ponto de partida a função metafísica e incosciente da memória, em quanto anamnésia platônica, sobretudo, a partir do De livre arbítrio. 1) Agustín acepta la experiencia deI Menón: saber es recordar, problema de la memoria, como hábito natural inconsciente. Agustín no há desechado aun Ia amnesia platónica. (I, 6, 15); 2) Según Ias úItimas palabras, el tema se relaciona com Ia anamnesia. Ahora bien, Agustín trata de la Ley eterna. (I, 11, 23); 3) La Iey eterna está

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argumento de que Agostinho busca a Deus e o encontra por fim na memória.

Porém o que encontra são as noções elementares: ser, essência, natureza,

verdade, felicidade, etc. Tais noções não são empíricas, não vêm de

experiência alguma. Não as conhecemos, senão que as reconhecemos.

Embora Agostinho tenha renunciado o conceito de anámnesis, continua

conservando o mecanismo platônico: estamos diante de um apriori habitual e

inconsciente, que é chamado memória124. No De Trinitate, Agostinho repele

determinadamente o conceito de anámnesis platônica125. Conserva, porém,

como válida experiência do Mênon para o mundo eterno e inteligível. Somente

que não se trata mais de anamnésia, mas sim subjunctio126. Agostinho faz

então, uma aplicação tanto à memoria sui como à memoria Dei127

Com base no estudo da memoria Dei, Agostinho apresenta a memoria

sui

.

128. A memória da Trindade no homem a podemos expressar assim: memoria

sui, intellectus sui, voluntas sui. Segundo Cilleruelo: Deixando à parte os últimos

dois pontos e retomando o primeiro, conclui-se que a mente recorda-se sempre

de si mesma, embora não pense em si mesma. Não é memória adventicia,

senão uma memória habitual, natural, inconsciente129

‘impressa’ en la mente. No es ‘expressa’ aun. Ya que la ‘expresión’ significa ‘forma’ tenemos: un conocimiento impreso que es incosciente, habitual, natural, o a priori. (I, 6, 15); 4) Los hombres tienen acceso a la ley eterna; 5) Memoria es pues ‘impresíon’, mientras que ‘intellectus’ es ‘expresión’. Memoria es un modo de estar las nociones impresas, como intellectus es un modo de estar Ias nociones expressas. (I, 10, 28); 6) Luego las nociones están en Ia memoria como hábito natural incosciente. AI acabar el párrafo, Pregunta Agustín: tienes voluntad de ser feliz? La felicidad es una noción impresa, un hábito natural incosciente, una memoria. L. CILERRUELO, «Por qué “memoria Dei”?», pp. 289 – 290.

. As pertintentes

124 L. CILERRUELO, «Por qué “memoria Dei”?», p. 292. «Agustín busca a Dios, y ya sabe qué es Dios, como la mujer busca eI dracma y sabe qué es el dracma. Trata-se pues de ‘reconocer’ a Dios. Solo que en lugar de buscar a Dios, busca Ia noción de bienaventuranza y luego Ia de verdad. Es lo mismo? Sin duda aIguna. Dios es pues la zona de lo eterno, esto es, de lo necessario y absoluto, No negamos el aspecto empírico y psicológico, pero afirmamos que hay además un aspecto metafisico, necesario, absoluto, em forma de ‘memoria’.

125 De Trin. XII, 15, 24. «Non omnes in priori vita geometrae fuerunt». 126 De Trin. XII, 15, 24. 127 B. L. ZEKIYAN, «Illuminazione e Memoria Dei in S. Agostino», p. 405. 128 B. L. ZEKIYAN, L’interiorismo agostiniano, Genova 1981, p. 33. 129 L. CILERRUELO, «Por qué “memoria Dei”?», p. 293. «Agustín mismo se propone la objección:

la memoria no tiene por objeto el presente, sino el pasado. Pero el mismo resuelve la objección. Es pues evidente que Ia memoria sui no es adventicia, sino natural; no es actual,

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observações de Madec, chamam a atenção para o fato de uma certa

perplexidade na linha interpretativa de Cilleruelo, e que por sua vez, o Teólogo

espanhol não consegue superar130. O discurso sobre a memoria Dei comporta

antes de mais nada um problema terminológico131

Para Müller

. 132 a assim chamada analogia do amor: amante – amado –

amor – desenvolvida no final do livro oitavo do De Trinitate, não satisfaz a

intenção delimitada por Agostinho, porque precisamente esta envolve o

próximo, que é externo ao amante. Mais ainda esta forma de analogia do amor

não dá conta de compreender porque dois juntos não são mais que um só.

Estes dois fatores forçaram o Teólogo de Hipona a considerar a questão a partir

de dentro, ao exame do amor em si mesmo. Na terceira sessão do capítulo

oitavo, Agostinho fala do reconhecimento de Deus como Verdade, e

sucessivamente na sessão seguinte como Sumo Bem. «A alma tem que buscar

um bem, não o bem que se julga ser, senão o Bem a que se adere amando,

que bem é este senão Deus»133? A questão é: como é possível aderir a este

amor? A adesão é possível precisamente em um estado de alienação. Este

bem, Deus, está posto não longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos

movemos e existimos. Agostinho conduz ao leitor até dentro onde Deus pode

ser achado. E pode ser achado, porque está presente em nós

independentemente de nossa orientação a ele134

sino habitual, anterior a todo acto y condición previa de todo acto; incosciente, que solo por el pensamiento y la atención se hace consciente».

. O problema é que ainda não

130 G. MADEC, «Pour et contre la memoria Dei»: Revue Augustinienne (1965), pp. 89 – 92; 131 G. MADEC, «Pour et contre la memoria Dei»: Revue Augustinienne (1965), pp. 89 – 92. Para

Madec, em sua recensão de um artigo de J. Morán sobre ‘Memoria Dei’ Augustiniana 10 (1960), mesmo afirmando que l’ensemble de la construction paraît solide’ (p. 365), acrescentava: ‘Je m’étonne que ni L. Cilleruelo ni J. Morán ne se soient préoccupés de justifier le choix de l’espression memoria Dei pour désigner cet a priori’ (ibid). E passados dez anos de um frutuoso debate, Madec rebatia: ‘Je persiste dans mes réserves sur l’appellation ‘memoria Dei’, non pas sur la question de fond’ Revue Augustinienne 20(1974), p. 374, não pedia outra coisa ‘qu’une lecture rigoreuse des textes d’Augustin, où si l’on préfère, une justification philologique du choix de l’expression latine’.

132 E. C. MÜLLER, op. cit., p. 185. 133 De Trin. VIII, 3, 4. 134 «Estima el Santo que no hay posibilidad de ‘olvidar a Dios’: tal es Ia condición elementar para que

podamos reconecerlo. Se nos encarga que nos volvamos hacia Dios, como se nos encarga que nos

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vemos Deus, e se não vemos não o conhecemos e se não o conhecemos como

poderemos amá-lo? E se ainda não o amamos nunca o veremos135

O tema da purificação é crucial em Agostinho. Somente os límpidos de

coração são capazes de perceber e ver a Deus

. Temos que

encontrar um meio alternativo de amar a Deus. «Este meio alternativo é a fé».

136. Não se trata, porém de

qualquer fé, já que pode acontecer ao homem de crer naquilo que não se vê e

imaginar algo que não é, e assim amar o que é falso137. Os conteúdos da fé,

portanto, não podem consistir em uma espécie de fórmula mágica acreditada

pelo crente. Agostinho de forma circular retorna ao tema no início da seção

nona e enfatiza a centralidade que a mente humana ocupa quando se trata de

refletir sobre o problema do conhecimento de Deus. Esta se converte no modo,

pelo qual, conhecemos outras mentes, e a Deus, ou seja, através da

«semelhança ou da comparação»138. No princípio da seção nona, o Bispo de

Hipona insiste que são as nossas próprias mentes que conhecemos de modo

mais íntimo. Quando dizemos que amamos uma pessoa justa, o dizemos

porque conhecemos o que é a mente: temos uma. Conhecemos o que é a

justiça, porque embora sejamos injustos, a justiça permanece em nossa mente.

Esta realidade presente na mente, «verdade interior presente na alma139», é

Deus. O Deus uno e trino está presente na mente, ainda que a pessoa não

conheça a Deus. Na seção décima primeira, o Filósofo coloca a questão da

interioridade e da exterioridade. Deus está mais presente no interior do homem

que o homem está a si mesmo, em outras palavras «ele é mais interior que a

interioridade» do homem140

conozcamos a nosotros mismos, no porque nos ignoremos, sino para que cobremos consciencia de nuestro conocimiento metafísico, para que lo ‘expressemos’ y obremos en consecuencia. L. CILLERUELO. «Por qué ‘memoria Dei?», p. 293.

. O amor é uma realidade interior. Esta realidade a

conhecemos melhor que ao irmão que amamos. Dentro desta realidade se pode

135 Cf. De Trin. VIII, 6, 9. 136 Mt 5, 8. 137 Cf. De Trin. VIII, 6, 9. 138 De Trin. VIII, 5, 8, 139 De Trin. VIII, 6, 9. 140 De Trin. VIII, 9, 13.

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achar Deus. Agostinho faz um caminho desde o amor externo, amor ao outro e

a si mesmo e finalmente ao amor de Deus. Segundo a interpretação de Müller:

«a importância deste regresso ao eu deve-se ao fato que só na alma pode

alguém encontrar essa semelhança com Deus, que pode servir de base a um

amor crente que purifica. O resultado claro de tudo isto é que a única forma da

analogia do amor que Agostinho encontrará plenamente aceitável é uma

analogia do amor interior, isto é, a analogia psicológica»141. Algo semelhante

escreve Tina Manferdini referindo-se à doutrina do verbo mental: «A doutrina do

verbo mental pertence ao que se poderia chamar ‘psicologia especulativa’ de

Santo Agostinho, e penetra no desenho teorético das imagens trinitárias que o

filósofo descobre na mens, como reflexos e imperfeitas imitações da divina

Trindade»142. O pressuposto fundamental da mente individual como imagem da

Trindade deve levar em consideração que a mente não é imagem por essência,

e sim, por participação143. A argumentação de Agostinho, no entanto, não pára

aqui. Na seção décima segunda faz algumas repetições enfáticas. Conhecemos

o amor com que amamos o irmão mais que ao irmão, em relação a Deus: «Ele

é mais conhecido, precisamente porque o temos mais presente, mais concebido

porque o temos mais interior, mais conferido porque o temos mais certo»144

141 E. C. MÜLLER, op. cit., p. 187.

.

Pensamos que Deus nos era desconhecido, e na verdade descobrimos que o

conhecíamos desde sempre. Partindo do amor carnal ao irmão, busca

Agostinho uma ascensão ao amor espiritual. Somente que esta ascensão deve

ser buscada fazendo ainda um outro passo mais acima. Ainda não se encontrou

essa ascensão, mas se encontrou onde buscar. «A analogia do amor é só a

primeira estação do caminho que, passando por uma análise do amor a si

mesmo e ao outro, chegará até o amor de Deus, isto fornece o elemento

142 T. MANFERDINI, op. cit., p. 159. 143 Ibid. p. 159. 144 De Trin. VIII, 8, 12.

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terceiro da analogia final, a ação da vontade no amor»145. Retornando ao texto

de Manferdini146, vale a pena salientar, aquilo que escreve a autora, quando diz

que na formulação do nexo íntimo que existe entre vontade e amor, Santo

Agostinho desenvolve todas as implicações da primeira imagem trinitária,

resolvendo também suas ambigüidades. Já com a discussão que aparece no

livro nono, o processo da explicação da Segunda imagem trinitária, que se

origina da primeira, está já iniciado, pode-se dizer que segue seu

desenvolvimento, quando Agostinho pretende esclarecer a conexão-distinção

que há entre notitia e verbum147. O livro nono começa onde parou o oitavo. A

busca ainda esta por terminar. «Certamente buscamos uma trindade, não

qualquer, senão a Trindade que Deus é, o Deus verdadeiro, sumo e único»148.

Agostinho tem que achar um modo de perceber com claridade, dentro da mente

amante mesma, um amante e uma realidade amada. A tríade, porém, corre o

risco de destruir-se na auto-identidade da mente consigo mesma. As seções

seguintes desenvolvem alguns recursos da analogia da mente. A mente não

pode amar-se sem conhecer-se. Isto resolverá o problema do risco de

destruição da mente consigo mesma, e, com efeito, introduz o elemento

segundo da analogia final: o elemento intelectual. É assim que, numa tríade,

Agostinho coloca juntos mente, autoconhecimento e amor de si e mostra

algumas características de igualdade e unidade destes elementos. A

consideração da substancialidade do autoconhecimento e amor de si da mente

realça a semelhança da Trindade149

145 E. C. MÜLLER, op. cit., p. 188; e

. Sucessivas vezes, Agostinho nos recorda

146 T. MANFERDlNI, op. cit., p. 163. 147 Notemos desde logo, que junto à primeira imagem mens, notitia, amor, se dá lugar a outra, mens,

verbum amor que se soma à primeira, duplicando deste modo a tríade, com tendência a substituí-la, fazendo cair a distinção entre a virtualidade e a atualidade do conhecimento. Em segundo lugar, o verbum, enxertando-se na trindade mens, notitia, verbum, amor, como elemento adjunto, rompe o equilíbrio triádico, aumentando o número dos elementos que seriam quatro mens, notitia, verbum, amor (...) Não é possível, e talvez tampouco útil neste aspecto, analisar a conexão entre as imagens trinitárias. Ela é certamente obscura e difícil de entender, porque tampouco Agostinho logrou iluminar plenamente e em forma sistemática». Cf. Ibid. p. 164.

148 De Trin, IX, 1. 149 Cf. E. C. MÜLLER, op. cit., pp.188-189.

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que Deus está sempre presente em nós, e que nos é inerentemente conhecível.

A seção décima sexta é constituída sobre o fato que a consciência estabelece

alguma semelhança com aquilo que é conhecido. O conhecimento se produz na

mente porque a mente faz presente a si mesma a semelhança da realidade

conhecida. Daqui se segue que a mente vem a ser como Deus, na medida em

que o conhece. Importante notar que o Filósofo está buscando colocar os

fundamentos para a sua resposta referente à pergunta colocada no livro oitavo:

mediante que noções genéricas ou específicas conhecemos a Deus, ou melhor,

sobre a base de que noções genéricas ou específicas somos capazes de

fundamentar uma fé em Deus, que não seja uma mera ficção?

O livro décimo está estreitamente unido ao nono. Continua a análise do

desejo com a qual encerrou o livro nono, insistindo que de modo algum pode

alguém amar o que se ignora150. Busca a base do desejo e conclui que presente

na mente há alguma forma que é amacia, e que impulsiona a busca motivada

pelo desejo. Uma afirmação, sob forma de pergunta, feita na seção Quinta, do

mesmo livro décimo é fundamental para entendermos a sua insistência de que

a mente se conhece a si mesma. «Que há tão presente ao conhecimento, como

o que está presente à mente; o que está tão presente à mente como a mente

mesma»151? Para Santo Agostinho, a questão determinante é que a mente se

conhece a si mesma precisamente ao declarar que não se conhece. «Quando o

conhecimento resulta negativo, ele se conhece a si mesmo em sua condição de

ignorante. Tal conhecimento é fundamental e inevitável. Por isso mesmo é o

amor que o segue. Assim mesmo, a presença de Deus na mente é

inevitável»152

150 Cf. De Trin. X, 1, 1.

. Agostinho estabelece a inevitabilidade desta autopresença e

define este fazer presente com a função da memória, que na seção décima

sétima, juntamente com o entendimento e a vontade, recebem uma longa

explicitação. O problema original tratado no livro oitavo ora é encarado de modo

151 De Trin. X, 10, 16. 152 E. C. MÜLLER. op. cit., p.190.

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decisivo. No final do livro décimo, regressa Agostinho àquilo que estava

presente em sua mente desde o começo. O amor do próximo ao mais interior, o

do eu, e o amor mais interior ainda; o amor a Deus. Mas não se sente pronto

ainda, está preocupado em conduzir também aqueles que «chegam tarde», que

custam a compreender, isto exige um outro início que se estenderá do livro

décimo primeiro ao décimo quinto. Neste último, o Teólogo de Hipona

completará aquilo que havia assinalado no final do livro décimo. Iniciado

novamente o discurso no livro décimo primeiro, o livro décimo será novamente

explicitado no livro décimo quarto reassumindo o discurso onde o deixou,

guiando o leitor desde uma consideração da memória, do entendimento e do

amor a uma mesma – imagem de Deus – até a recordação, compreensão e

amor de Deus trino e uno.

7. O culto de Deus é o amor

Nos últimos livros de seu grande tratado sobre a Trindade, o Bispo de

Hipona, aprofunda e aperfeiçoa sua análise sobre a alma humana como

imagem da Trindade Divina. Seu intento é indicar melhor as semelhanças, bem

como assinalar fortemente as diferenças. É importante fazer uma distinção

entre a «ciência» e a «sabedoria»: a primeira se caracteriza por ser um

conhecimento através da razão; daquelas coisas mutáveis e temporais; é o olho

humano sobre o mundo. A segunda é o conhecimento das verdades eternas,

própria da inteligência. Não se trata de duas faculdades separadas, mas são

uma só, distintas em funções diversas153

153 Como faz notar SCIACCA: «Ratio e inteIIigentia non possono essere identificate perché Agostino le

mantiene ben distinte, come ragione inferiore (dall’esercizio della quale proviene la scienza) e ragione superiore, dalla quale proviene la sapienza: la prima si riferisce al mondo, la seconda guarda a Dio» M. F. SCIACCA, Introduzione, p. CVI; De Trin. XII, 12, 17 – XIV, 22, 23.

. Ciência e sabedoria, embora não

separadas, se opõem. Uma é ação temporal do homem no mundo; a outra é

contemplação e diz respeito ao eterno. Neste sentido a sabedoria do homem é

sabedoria de Deus, e somente assim é verdadeira, porque uma sabedoria

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somente humana é vaidade154. Quanto mais perfeita é a nossa ciência de Deus

tanto mais a palavra que exprime assemelha-se ao Verbo Encarnado155. Não

basta simplesmente chegar à uma teoria, mas também a uma prática na vida. A

sabedoria que procura Agostinho é uma regra de vida; aderi-Ia significa praticá-

la156. A sabedoria diz respeito mais à contemplação que a ação. Fixa o olhar

mais em direção ao eterno que o temporal. A ciência em si mesma é uma coisa

boa. O problema é quando esta é vista como um fim em si mesma157. Se de um

lado a sabedoria necessita da ciência para alcançar o seu fim: o conhecimento

do eterno, por outro lado esta última deve estar a serviço da primeira158

E ainda mais, a ciência pode ser não somente um instrumento a serviço

da sabedoria, uma vez alcançado, pode ser um meio para consegui-la

.

Subordinada à sabedoria, da qual é instrumento, a ciência permanece distinta,

mas torna-se boa e necessária.

159.

Agostinho chama a atenção no De Trinitate que não devemos dar a estas

palavras: sabedoria – ciência, um sentido tão limitado como se não fosse lícito

chamar sabedoria à ciência do temporal ou ciência à sabedoria das realidades

eternas. Em um sentido lato ambas se podem denominar ciência e sabedoria160.

Em Cristo encontra-se a verdadeira ciência e a máxima sabedoria161. Ele

colocou em nossas almas a fé das coisas temporais e nos manifesta a verdade

das coisas eternas. Sem afastarmo-nos de sua unidade, por meio dele

caminhamos até Ele e pela ciência nos dirigimos à sabedoria162

154 De Trin. XIV, 12, 15. Desta sabedoria escreve nos Sulilóquios: ‘A ti invoco, Deus Verdade, princípio,

origem e fonte da verdade de todas as coisas verdadeiras, Deus, Sabedoria, autor e fonte da sabedoria de todos os que sabem... Luz espiritual que banhas de claridade das coisas que brilham toda a inteligência (Sol. 1, 1, 3), ver também De Civ. Dei 11, 25.

.

155 De Trin. XV, 11, 20. 156 É. GILSON, Introduzione Allo Studio di Sant’Agostino, p. 269. 157 Cf. De Lib. Arb. II, 16, 43. 158 A sabedoria, evidentemente deve antepor a ciência. O modo de não sacrificar nenhuma das duas é

colocar cada uma em seu devido lugar, salvaguardando a sabedoria e mesmo a ciência. Cf. De Trin. XlI, 15, 25.

159 É. GILSON, Introduzione allo studio di Sant’Agostino, p. 143. 160 De Trin. XIII, 19, 24. 161 Cf. H. SOMERS, «L’image comme sagesse: Ia genèse de Ia notion trinitaire de Ia sagesse», p. 413. 162 De Trin. XIII, 19, 24.

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8. A Vida Feliz

Agostinho parte do fato de que todo o ser humano procura a felicidade.

Apenas ouve referir esta palavra, não importando a língua em que venha

referida, cada uma sabe que se trata de algo excelente163. De modo que cada

homem possui uma idéia, mesmo que confusa, do que seja felicidade.

Refletindo sobre a felicidade nos damos conta que esta é inseparável de um

outro conceito, aquele de verdade. Os homens amam tanto a verdade a ponto

de quererem que tudo aquilo que amam seja a verdade. E mesmo aqueles

homens que vivem no erro, obstinadamente o proclamam como sendo

verdadeiro164. A verdade pura não se deve esperar do mundo dos sentidos nem

do conhecimento sensível, ainda que este seja digno de crédito. A fé é sempre

condição prévia para o conhecimento do inteligível e do divino. Toda tentativa

de compreender a fé, já pressupõe um ato de fé. E desenvolve-se em base

àquele ato de fé duradouro, nunca sem ele. Um outro aspecto do princípio de

Agostinho consiste no fato de que também um pensamento puramente humano

deve desenvolver-se unicamente no interior da fé. Aqui está em jogo a

compreensão do homem em si mesmo. A autoridade exige a fé, mas a fé

prepara a razão e a razão conduz ao conhecimento intelectual165. Mais que

propor propriamente a existência de Deus, o Bispo de Hipona está interessado

em mostrar o caminho da via interior. Os bens materiais não são suficientes

para satisfazer a criatura, já que a concupiscência é insaciável. Consuetudo

satiandae insatiabilis concupiscenstiae166. Aparece na filosofia de Agostinho

uma preocupação eminentemente ética e mística, na qual se concentra,

sobretudo, a pergunta pela felicidade e pela sabedoria. A felicidade consiste em

participar da plenitude do Logos167

163 Cf. Conf.

. E a sabedoria, seguindo a definição

164 Cf. Conf. X, 23, 34. 165 Cf. De ver. rel. XXIV, 45. 166 Conf. VI, 12, 22. 167 Cf. Conf. VII, 9, 14. «Et quia de plenitudine eius accipiunt animae ut beatae sint».

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clássica, é a ciência das coisas divinas e humanas e implica na vivência das

virtudes como prudência, temperança, fortaleza e justiça168. Segundo Pastor,

«Tais premissas levam Agostinho a um novo estilo de vida, abandona a retórica

e abraça a filosofia»169. Ser feliz consistirá em viver segundo aquilo que no

homem é ótimo, ou seja, viver segundo a dimensão espiritual. Portanto a

«garantia de uma vida feliz, somente pode ser Deus, aeternus et semper

manens»170. A conclusão a que chega Agostinho é justamente esta: viver bem e

feliz consiste em realizar a vontade divina, viver castamente e buscar a Deus

acima de todas as coisas, ou seja, com exclusividade171. Agostinho não separa

a felicidade da sabedoria, tampouco separa a felicidade da verdade. Felicidade,

sabedoria e verdade coincidem com a plenitude. Aqui se encontra o ideal do

verdadeiro filósofo. Em termos platônicos, Filosofia é amor a sabedoria. Isso

quer dizer que a sabedoria perfaz o que o filósofo deseja amar. No Fedro,

Platão faz uma referência ao sábio, dizendo que este nome só vai bem com

referência a Deus, amigo da sabedoria172

A Cidade de Deus retoma a definição platônica de filosofia. O nome

filosofia significaria «amor à sabedoria»

.

173. Pois bem, se a sabedoria é Deus, por

quem foram feitas todas as coisas, como demonstraram a autoridade divina e a

verdade, o verdadeiro filósofo é aquele que ama a Deus174

168 De Acad. I, 6, 16. «Non enim nunc primum auditis, sapientiam esse rerum humanarum diuinarumque

scientiam»; De Acad. I, 7, 20. «Illa est humanorum rerum scientia, quae nouit lumem prudentiae, temperantiae decus, fortitudinis robur, justitiae sanctitatem».

. Se, por conseguinte,

o homem foi criado para atingir, pela excelência do ser, o Ser por excelência, quer

dizer, o único Deus verdadeiro, soberanamente bom, sem o qual natureza alguma

169 F. A. PASTOR, «Quaerentes summum Deum», p. 459. 170 ibid. p. 463. 171 Em sua obra De Beata vita, Agostinho desenvolve o tema da vida feliz em contraste com a infelicidade,

sentida como carência, indigência e miséria. cf. De B. vita 4, 23; 4, 24; 4, 25. 172 Cf. Fedro, 278. 173 Agostinho expõe este mesmo conceito em outras obras como: De civ. Dei XVIII, 25; 37 – 39; XIX 1; De

Trin. XIV, 1, 2; Conf. III, 4, 8; De ord. I, 11, 32; II, 5, 16; De mor. Eccl. Cath. I, 21, 38; Ps. 8, 6. 174 Cf. De civ. Dei VIII, 1. Segundo Jose Moran em seu comentário ao Livro VIII da Cidade de Deus,

assim escreve em uma nota explicativa: «La sabedoria es Ia verdad. Y Ia verdad es Cristo, Dios. EI es Ia verdad principal. Luego eI verdadero filosofo es el amador de Dios» n. 2. Cf. De Trin. VIII, 1, 2; De lib. arb. II, 9, 26; 9, 27; Ps. 135, 8; Serm. 28, 5.

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subsiste, nenhuma ciência instrui e nenhum costume convém, busquem-no onde

tudo é segurança, contemplem-no onde tudo é certeza, amem-no onde tudo é

justiça175. A Filosofia, enquanto amor à sabedoria, e conseqüentemente, amor a

Deus, sabedoria plena, implicará por parte do autêntico filósofo a empreender um

caminho em direção à autêntica filosofia, que por sua vez coincide com a

autêntica religião. A vera religio é o anúncio da Trindade divina; único Deus

verdadeiro que restaura toda a humanidade. Daqui se conclui, segundo Pastor

que: «para Agostinho, a verdadeira religião é o caminho, que reconcilia o homem

com Deus, livrando a alma de todo mal e superstitio»176. A verdadeira religião

possui como ponto de partida a sapientia, em relação à verdade e à felicidade177.

É na afirmação e veneração do verdadeiro Deus que o homem pode libertar-se

das paixões, superstições e ambições. Nesta afirmação confluem filosofia e

religião verdadeira178, que consiste em sentir retamente do Deus Pai, de sua

Sabedoria e de seu Dom. O núcleo da fé, portanto, será sempre a afirmação do

Deus Trindade179

Agostinho adverte que, referente à memória, inteligência e vontade,

dois sentidos ou linguagens estão presentes: um absoluto e outro relativo

.

180

175 Cf. De civ. Dei, VIII.

. O

Bispo de Hipona, quando trata do tema sobre a memória, quer sobretudo,

176 F. A. PASTOR, «Quaerentes summum Deum», p. 467. Cf. De ord. II, 5, 16: «Nullumque aliud habet negotium, quae uera, et, ut ita dicam, germana philosophia est»; «Duplex enim est uia quam sequimur, com rerum nos obscuritas mouet, aut rationem, aut certe auctoritatem. Philosophia rationem promittit et uix paucissimos liberat».

177 Cf. Ibid. p. 467. 178 De vera. rel. 5, 8. 179 Ibid. 180 De Trin. X, 11, 18. «En el absoluto, cada uno de esos vocablos ‘memoria, entendimiento y voluntad’

se identifica con el alma y con los otros dos, a los cuales incluye. Unas veces se toma la parte por el todo, por la naturaleza. Así decimos ‘una vitalidad exuberante’ en lugar de ‘un organismo poderoso’, ‘un militar’ en lugar de un ‘hombre consagrado a las armas’, una ‘fortaleza’ en lugar de un ‘castillo’, la ‘Providencia’ o el ‘Padre Eterno’ en lugar de ‘Dios’, un ‘memorión’, un talento, un ‘fanático’ en lugar de ‘um hombre de gran memoria, entendimiento o voluntad’. Otras veces se toma el todo por Ia parte; así decimos ‘carne’ en oposición a los huesos, humores y piel precisamente. En este mismo sentido decimos también ‘carne’, en lugar de ‘cuerpo’, y esa ‘carne’ comprende los huesos, humores y piel. ‘Ver con el alma’ significa ‘ver con el entendimiento’ y ‘ver con el cuerpo’ significa ‘ver con los ojos. En ese sentido argumenta S. Agustín que el Padre Eterno es Sabiduría y Amor, y la memoria entiende y quiere». L. CILLERUELO, «Introducción al estudio de la memoria en San Agustín»: La Ciudad Dios V. CLXIV, 68 (1952), p. 5 – 6.

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salientar aquilo que ele chama de memória-substância e não da faculdade ou

potência, que chamamos memória181. Explica que se fala de três faculdades,

somente quando os termos relacionam-se entre si. Se cada um destes termos

não significasse a alma toda, se não se utilizasse uma linguagem em sentido

absoluto, não se incluiriam as funções de uma faculdade nas outras. Neste

sentido, quando digo que me recordo e que tenho memória, entendimento e

vontade, quem se recorda sou eu, a pessoa, a alma. Conclui Agostinho que

falar da memória, significa falar da pessoa ou da alma, e que estes três

vocábulos denotam simplesmente a vida, a mente, a essência, ou ainda, dito

em outras palavras, o ser182

No livro IX do De Trinitate, Agostinho não fala de memória-faculdade,

senão de memória-natureza. Memória, entendimento e vontade são tão

profundas que vão identificar-se, assim como em seu princípio, com a natureza

mesma, com a substância, com a alma. À semelhança de Deus, o ser humano

possui uma natureza e três relações ad-intra

.

183. É importante, porém,

estabelecer os limites que separa a Trindade Divina daquela humana. Em si

mesmo, a imagem da trindade criada é imperfeita. A mente não é todo o

homem, tampouco toda a alma, é somente a parte superior dela184

181 De Trin. X, 11, 18.

. Eu me

recordo, compreendo e amo usando de minhas faculdades, porém,

simplesmente possuo estas faculdades, não possuo nem minha memória, nem

182 Ibid. 183 Por exemplo: «‘Amor’ es un término relativo (esse ad) y apunta a outra persona o substancia

correlativa, mientras ‘mente’ y ‘espíritu’ son términos absolutos que denominam el ser (essentiam) sin referirlo a ningun otro objeto (esse ad se o esse in). Decir ‘amante’ es referirse a un ‘amor’; quitado el amor, ya no hay amante. Contesta diciendo, que ‘amante’ y ‘amor’ son dos cosas cuando se relacionan entre sí, pero cuando se empleam en sentido absoluto, ambos términos denotan al espíritu, un solo espíritu, una sola miente (De Trin. IX, 2, 2.). Del mismo modo puede hablarse del entendimiento: cuando yo conozco mi mente a la perfección, la noticia que tengo iguala a la mente misma. Puedo conocer otras cosas además de mi mente, y entonces ya no se trata de una relación ‘ad intra’, sino de una relación ‘ad extra’. Y lo mismo diríamos de la voluntad. Deduce Agustín que esas tres ‘facultades’ o relaciones conscientes suponen otras tres propriedades que son anteriores a la función relativa de los tres términos, tal como suele entenderse corrientemente». L. CILLERUELO, «lntroducción al estudio de la memoria en San Agustín», p. 8.

184De Trin. VX, 7, 11. «Illa... excellunt, in homine, non ipsa sunt homo».

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meu entendimento, nem meu amor185. Não se trata, como alguns afirmaram:

«Assim como a Trindade é Deus, assim as três potências são a alma». Trata-

se, neste sentido ter presente o argumento ontológico, sobre o qual vem

construída esta concepção psicológica. O Ser incriado e o ser criado, são antes

de mais nada trinos. Esta relação trinitária em Deus vem expressa com a

fórmula «O Pai pelo Filho no Espírito Santo», nas criaturas é representada com

a regra: «o ser pela forma na ordem». Toda substância contém, portanto, estas

três relações, uma de existência, outra de essência e outra de persistência,

«ser, ser isto e ser permanência em ser isto»186. Agostinho não insiste que

Deus é Deus e ainda mais, um em três pessoas, senão que a natureza divina

consiste em ser Trino. Nestas condições, os vestígios de Deus na natureza

devem testemunhar sua Trindade não menos que a sua unidade187

A primeira diferença decisiva que o Bispo de Hipona coloca entre a

Trindade Divina e a humana é: as três potências são aliquid animae. Sed non

sunt anima

.

188. Outro elemento importante é que Agostinho coloca uma distinção

para as potências entre si, enquanto que em Deus trata-se de meras

atribuições. Quando dizemos que o Verbo é a Sabedoria, ou que o Espírito

Santo é o Amor, no ser humano trata-se de realidades distintas189. Nosso Santo

chama a atenção para o fato de que ao referir-se às potências, estas estão

muito separadas nesta vida pela sua magnitude. Em alguns sujeitos é grande a

memória e em outros é pequena, em outros é maior que a inteligência e em

outros ainda é menor190

185De Trin. «Ego per omnia illa tria memini, ego intellego, ego diligo, qui nec memoria sum, nec

intelligentia, nec dilectio, sed haec habeo».

. Deve-se distinguir sempre o sentido absoluto e relativo

que o Bispo de Hipona coloca em cada termo. Do Pai, por exemplo, podemos

afirmar que é o «engendrador» e «ingênito». O primeiro termo supõe um filho

ao qual diz relação; o segundo nada supõe, e se diz por relação ao mesmo Pai.

186 L. CILLERUELO, «lntroducción al estudio de Ia memoria en San Agustín», p. 21. 187 É. GILSON, Introduction a l’etude de San Agustin, p. 282. 188 De Trin. 15, 17, 28. 189 De Trin. 15, 23, 43. 190 De Trin. 15, 23, 43.

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Isto é precisamente o que podemos afirmar da memória, e outro tanto ocorre

com os outros termos191. É importante ter presente que o título de Pai, segundo

a concepção agostiniana, corresponde ao conceito de memória. A verdade

aparece como engendrada, visto que o Pai é o princípio do Filho que é a

verdade192. A verdade, portanto, não é Princípio Supremo, mas sim reflexo e

semelhança do Princípio, caminho para se chegar a Ele, pois que todas as

coisas procedem do Princípio193. A palavra memória pode designar dois termos:

a alma e a faculdade. No caso da alma indica um termo absoluto, já que indica

a vida, a substância, a mente, o ser. A memória representa a alma, melhor que

o intelecto ou a vontade, porque memória é a faculdade da alma. Agostinho

pode então afirmar: mens – notitia – dilectio e toma o termo mente pela

memória194. A faculdade é o termo relativo às outras duas faculdades, ou ainda

a um «objeto», ainda que este objeto seja a memória mesma, ou a alma em

geral195. No sentido absoluto o Pai é a verdade, o Espírito Santo é a verdade,

tanto quanto o é o Filho196. No sentido relativo, a Verdade é procedência do Pai,

semelhança e manifestação do Pai: este termo aplica-se somente ao Filho197

191 De Trin. 5, 6, 7.

. O

termo Pai corresponde ao Ser ou Modo, assim como o termo Filho corresponde

à Verdade ou Número, e o termo Espírito Santo à natureza ou peso. Agostinho

explica, por exemplo, que a cor não é uma substância e sim um acidente, está

na substância. Não é o caso do conhecimento e do amor. Caso venham

192 De B. Vita, 4, 34; C. Acad. 2, 1, 1; De Ord. 2, 19, 51. 193 De Mus. 6, 17, 56. 194 De Trin. 15, 6, 10. «Cuando Agustín habla de Ia memoria en sentido absoluto, se refiere al alma

o bien al núcleo del alma, a lo más radical que hay en ella. La memoria, aun como potencia, comprende una especie di ciencia ontológica y constitutiva, un saber que, aunque no es el ser, representa al ser. En cambio, el Ilamar al alma ‘razón’ o ‘entendimiento’ alude a la función intelectual derivada, o a la definición de unidades esenciáis. La percepción consciente distingue, no musas caóticas, confusas, gaseiformes, sino esencias precisas y bien delimitadas. Esa es su tendencia, la ‘idea clara y distinta. La voluntad por su parte sigue al entendimiento. Frente a esa percepción y a esa volición está la memoria, la retentiva misteriosa». L. CILLERUELO, «lntroducción al estudio de la memoria en San Agustín», p. 13.

195 De Trin. X, 11, 18- 12, 19. 196 De Lib. Arb. 2, 12, 33 e 15, 39. 197 De vera. rel. 36, 66.

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tomados o amor e conhecimento como acidentes, há de ser de uma outra forma

que a cor, a figura, a quantidade ou a qualidade198. A mente pode amar outras

coisas fora de si com o mesmo amor que se ama a si mesma. Do mesmo modo,

a mente não se conhece somente a si mesma, mas conhece também outras

coisas. Logo, o amor e o conhecimento não radicam na mente como em um

sujeito, senão que são, o sujeito mesmo. Ainda que amor e conhecimento

possuam um sentido de mútua relação, em si é substância. Porque esta relação

não é como a cor de um corpo colorado, pois a cor está no corpo e não tem em

si substância, porque substância é o corpo cobrado, porém a cor está na

substância199. Tomando por exemplo à palavra «amigo». Amigo, ainda que diga

relação a outro amigo, é antes de tudo é um homem em si mesmo, ou seja,

uma substância. Este é também o caso do amor e do amante: termos estes que

podem possuir um sentido relativo, outro absoluto. Por exemplo, quando um

enamorado chama à sua amada «meu amor», este amor está referindo-se a

uma pessoa, a uma substância. Existe, certo, uma relação, o termo, porém,

quer designar em si mesmo uma substância ou natureza. Conclui-se daí que o

vocábulo «amigo» possui um sentido relativo e outro absoluto200

198 De Trin. IX, 4, 6.

. É certo que a

199 De Trin. IX, 4, 5. 200 De Trin. IX, 4, 5. Segundo interpretação de CILLERUELO: «Santo Tomás lo entiende de otro

modo aunque tampoco distingue entre lenguaje absoluto y relativo. Há advertido por lo menos que el lenguaje agustiniano no corresponde al aristotélico. Utilizando el lenguaje aristotélico, entiende que Ia «mente» agustiniana (memoria) no es la memoria aristotélica, pero tampoco el alma, y así cree que es ‘la parte más noble del alma’, cosa que San Agustín afirma textualmente en otras partes. Los otros dos términos ‘noticia y amor’ denotan el hábito de conocer y atuar, hábitos de las potencias aristotélicas. Como se ve, Santo Tomás se acerca mucho más a Agustín que los otros, pero le interpreta también a su modo. Lo cierto es que por debajo de las potencias aristotélicas ha advertido S. Agustín una realidad psicológica y misteriosa que llega a confundirse con el ser mismo del alma. Sería un abuso decir con Schmaus que ‘Agustín no conoce potencia alguna accidental realmente distinta del alma en el sentido aristotélico-tomista’: conoce muchas y de ellas habla citando se expresa en lenguaje relativo. Pero podemos afirmar que no siempre habla de ellas, y aún que le interesan poco en comparación con esas otras potencias subconscientes y ontológicas, en las que se originan los actos de Ias potencias aristotélico-tomistas: así advertimos que esas realidades están ya en el alma como recogidas, y que se van desplegando para que tengamos conciencia de ellas y las distingamos y refiramos a Ia sustancia y, por así decirlo, al ser, viendo que no están en el alma como en un sujeto, al modo del color, figura corporal, cualidad (amigo) o cantidad (anillos de oro). En suma, es el alma inmediatamente operativa? Si queremos hablar lenguaje aristotélico, no lo es. No dice Agustín que las funciones

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concepção de homem para Agostinho assume uma importância excepcional,

como o fim extrínseco de todas as criaturas, a mais nobre de todas elas. Deus

de um modo singular se reflete no homem. Deus é um em três pessoas e o

homem refletirá a Deus sendo também uno e trino a seu modo.

que Aristóteles atribuye a las potencias deban atribuirse a Ia esencia misma del alma». L. CILLERUELO, «lntroducción aI estudio de la memoria en San Agustín». pp. 16- 17.

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EPÍLOGO

A obra agostiniana não pretende dar somente uma resposta racional às

questões que a razão se propõe a respeito do mistério trinitário, mas quer ser

também, uma contemplação da Trindade assim como se manifesta, no plano

salvífico. «A filosofia do De Trinitate está em função da teologia, e a teologia

está em função da mística». Conforme uma expressão bastante utilizada hoje:

da Trindade «econômica» à Trindade imanente. Neste sentido, Agostinho

dedica o livro IV e uma boa parte do livro XIII para ilustrar a missão do Filho na

obra da redenção. Igualmente em relação à Terceira Pessoa da Trindade,

muitas páginas são dedicadas, talvez entre as mais belas, para indicar a missão

do Espírito Santo. O De Trinitate é fruto de um longo e progressivo processo de

amadurecimento. Ao fazer uma avaliação desta obra para a história da teologia,

sobretudo, no que diz respeito à doutrina trinitária, é importante ter presente

alguns pontos principais como: os outros escritos de Agostinho, a patrística, a

escolástica, a teologia contemporânea.

1. No que diz respeito aos demais escritos do Bispo de Hipona,

importante salientar que não se trata dos escritos agostinianos em geral, mas,

«De estabelecer uma relação entre o De Trinitate e as outras obras do mesmo

argumento, porque esta relação nos revela o progressivo processo de

amadurecimento do pensamento agostiniano». Os textos que nos ajudam neste

propósito são dois: A Epístola de número 11 de 389, no período em que

Agostinho recém tornava em África; e o De Fide et symbolo, de 393, escrita

durante seus primeiros tempos de sacerdócio. Nesta carta Agostinho insiste,

segundo o ensinamento católico, a inseparabilidade da Trindade. «Segundo a fé

católica, cremos e esperamos a inseparabilidade desta Trindade, porém são

muito poucos os santos e bem-aventurados que entendem que tudo o que ela

executa é obra do Pai e do Filho e do Espírito Santo». Desta premissa se

poderia «deduzir que toda a Trindade assumiu o homem». Ou seja, que toda a

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Trindade se encarnou. Contra esta conclusão está novamente o ensinamento

católico que afirma ser a Encarnação própria somente do Filho.

2. Respondendo a Nebrídio, confessa o Santo de que se trata de um

argumento difícil e importante, “que não admite uma explicação bastante clara

nem demonstração bastante certa». Ele tenta uma ilustração da inseparável

ação da Trindade através das dimensões ontológicas do ser criado. Cada coisa

possui três dimensões: o ser, a natureza, o permanecer. Há uma natureza que

permanece no ser por quanto pode. «Por isto cada coisa possui uma causa da

qual procede, uma idéia que a imita, uma força que a conserva, isto é uma

causa eficiente, exemplar e final». Assim como estas três dimensões são

inseparáveis nos seres criados, assim as obras são inseparáveis na Trindade

que os cria. Esta explicação vem repetida em outros escritos. Parece, segundo

Trapé, que Agostinho quer concluir a existência mesma da Trindade, oportet

ergo esse Trinitatem, onde a explicação psicológica ainda não existe e o De

Trinitate está ainda longe. E está longe ainda por um outro motivo: aquele que

diz respeito à Encarnação. Agostinho não responde diretamente, como fará no

De Trinitate. Fala da conveniência da Encarnação do Filho que nos deu uma

forma e uma regra de vida que nos permite conhecer o Pai e conquistar: «uma

certa suavidade e doçura para mantermo-nos em tal conhecimento». Como se

vê, «a doutrina da natureza humana de Cristo, obra de toda a Trindade, mas

própria somente do Filho, porque assunta por Ele na unidade da pessoa, assim

como vem exposta no De Trinitate, não se vislumbra ainda». Conforme referido

acima, uma outra obra que manifesta a progressão do pensamento de

Agostinho é precisamente o De Fide et symbolo. Nesta obra encontramos a

afirmação da unidade e da igualdade das Pessoas divinas. Encontramos ainda

o esboço de uma explicação da Trindade, por meio da similitude – na verdade

muito pouco símile – com as coisas corpóreas. Encontramos também algumas

regras para interpretar os passos da Sagrada Escritura que parecem afirmar

que o Filho seja inferior ao Pai – alguns se referem à natureza humana de

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Cristo, outros que o Filho recebe seu ser do Pai. E finalmente, encontramos

uma observação que «os doutos e grandes intérpretes da Escritura» trataram

muito do Pai e do Filho, mas não tão diligentemente do Espírito Santo, em

modo de entender o que na Trindade é próprio a Ele. Uma idéia fecunda do

Bispo de Hipona é aquela de conceber o Espírito Santo como amor-comunhão

do Pai e do Filho. Somente que esta idéia é apresentada de um modo obscuro

e confuso: falta a distinção essencial, sobre a qual insistirão os livros V-VIl do

De Trinitate.

3. Que autores inspiraram Agostinho? Pensa-se em Santo Ambrósio,

mas seu referimento ao Espírito Santo diz muito pouco. Pensa-se ainda em

Mário Vittorino, onde se encontra a indicação do Espírito Santo como cópula,

connexio, complexio do Pai e do Filho. Para Du Roy, Agostinho colocou sob a

autoridade de outros uma doutrina que era sua. O De Trinitate representa uma

grande maturação do pensamento de Agostinho. Um momento desta maturação

se encontra nas Confissões que anunciam, pela primeira vez a explicação

«psicológica», ou ainda se pode dizer, a interiorização da imagem da Trindade.

O De Civitate Dei nos oferece em alguns de seus passos um útil paralelismo

com o De Trinitate. É bastante complexo e difícil estabelecer um estudo

comparativo entre Agostinho e a Patrística, à doutrina trinitária. Antes de tudo é

importante estabelecer um paralelo que permita uma comparação. Para

Agostinho, de um certo modo, este estudo aparece na exposição precedente. A

questão é, e para os outros Padres? Suas doutrinas são tão ricas e diversas.

Pensemos nos Padres orientais; nos Padres pré e pós-nicenos, e dentre estes,

nos Alexandrinos, nos Capadócios e nos Padres de Antioquia. Sabemos que

nem todos os interpretaram do mesmo modo. Na tentativa de fazer um paralelo

comparativo, partimos, sobretudo, de alguns pressupostos como: a revelação

da Trindade na economia salvífica, a fé da Igreja no mistério trinitário, a defesa

deste mistério por parte dos Padres. Partindo destes pressupostos somos de

acordo com Trapé que afirma: «O confronto se resolve em uma afirmação da

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continuidade e do progressivo esclarecimento da teologia trinitária. Escrevendo

o De Trinitate, S. Agostinho foi tradicional e original ao mesmo tempo: duas

qualidades que somente os grandes homens sabem colocar juntas». Agostinho

foi tradicional, antes de tudo, porque toda a sua indagação teológica vem

acompanhada de um sério estudo da Sagrada Escritura, e através desta busca

uma interpretação coerente e unitária do dado revelado. Faz uma profissão de

fé que remonta abertamente à doutrina dos Padres. «Quantos intérpretes

católicos dos livros divinos do Antigo e Novo Testamento que pude ler,

anteriores a mim, na especulação sobre a Trindade, que é Deus, ensinam

segundo as Escrituras...». Sempre que se refere aos Padres, Agostinho o faz

com palavras de respeito, mesmo quando se distancia da opinião de alguns

deles, no caso das teofanias do Antigo Testamento, o faz com muita modéstia.

4. Em suas Confissões, O Bispo de Hipona empenha-se em mostrar a

invisibilidade de Deus. No início do capítulo VIl, descreve o materialismo

filosófico que o conduziu às teorias maniquéias e às categorias de Aristóteles,

em seu tempo de juventude. De uma ou de outra parte via-se devedor de sua

fantasia indisciplinada e ainda não corrigida pelo contrapeso da razão. Libertado

da doutrina maniquéia, nosso Santo experimenta uma grande evolução

intelectual que se transformará com o encontro do cristianismo e platonismo,

em uma esplêndida epifania da verdade integral. Agostinho não demorará em

compreender a invisibilidade de Deus como uma propriedade da natureza

divina, e, por conseguinte, não exclusivamente do Pai, mas também do Filho e

do Espírito Santo. Esta interpretação foi questionada por alguns, mas não lhe

tira o mérito de ter sido assumida pela teologia. Naquilo que diz respeito às

missões e aos nomes próprios, utilizados pela Escritura para indicar as Pessoas

divinas, mesmo a doutrina das relações, Agostinho não recorre explicitamente

aos Padres, isto não significa, porém, que estes não a conhecessem, tampouco

que Agostinho não conhecesse os Escritos dos Padres a respeito deste tema.

Os Padres orientais, por exemplo, a partir da fonte comum que são as

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Escrituras, haviam intuído e utilizado a doutrina das relações. «Fim do primeiro

surgimento do arianismo não faltou quem havia visto nesta doutrina o único

modo de responder à acusação de Ário, segundo a qual, quem afirma a

consubstancialidade do Filho admite dois princípios». Como referimos acima,

Agostinho foi também original. Para poder medir sua originalidade,

primeiramente se deve ter presente que o De Trinitate é uma obra de síntese, e

pela sua profundidade, é a primeira do gênero na história da teologia trinitária.

Conforme P. Hadot: «O De Trinitate de Santo Agostinho é um livro que orientou

de uma maneira nova e decisiva o pensamento teológico e filosófico do

Ocidente». Uma contribuição fundamental do Bispo de Hipona é aquela que diz

respeito ao desenvolvimento da teologia trinitária, ou seja, aquela referente à

teologia das relações. Estudando as Sagradas Letras, e mesmo servindo-se da

teologia aristotélica, Agostinho cria a teologia das relações, que dizem respeito

tanto às relações intra-trinitárias, constituintes das Pessoas divinas, como

também das relações extra-trinitárias, que defendem a imutabilidade de Deus.

Conforme interpretação de Chevalier, existe uma distância que separa os

precursores, que entrevêem uma doutrina e a enunciam somente

acidentalmente, e aquele que expõe sistematicamente com clareza de

consciência de sua originalidade e de seu valor. Outro elemento importante e

que demonstra a fecundidade teológica de nosso Santo é aquele referente ao

estudo bíblico e seu empenho especulativo em estabelecer no coração da

Trindade a propriedade do Espírito Santo. Descobrindo a Terceira Pessoa da

Trindade como amor, o Bispo de Hipona contribuiu para iluminar o mistério

trinitário à luz da salvação e da vida eterna. De todas estas contribuições de

Agostinho que referimos acima, a mais pessoal, no entanto, é a explicação

psicológica que ilumina a compreensão do mistério trinitário e ao mesmo tempo

revela a estrutura e natureza do espírito humano. Embora tenha encontrado

para esta doutrina um ambiente propício no neoplatonismo e de modo especial,

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em Mário Vitorino, a impostação da questão feita pelo Bispo de Hipona é a mais

original, e porque não dizer também, a mais moderna.

5. A teologia Escolástica segue a trilha de Agostinho e o De Trinitate

serviu de alimento e especulação sobre a Trindade. Por meio dos grandes

mestres da Escolástica, o pensamento agostiniano chegou até a nós. Embora a

Escolástica não tenha descoberto nada de totalmente novo, ela deu duas

grandes contribuições no que se refere à teologia trinitária, trabalhada por

Agostinho. Uma das contribuições iluminadoras da Escolástica é o fato de ter

elaborado o conceito de pessoa, e uma outra, diz respeito à distinção na

Trindade entre espiração e geração. Convém, porém, fazer referência àquilo

que Trapé identifica como sendo duas desvantagens do pensamento

escolástico que não desenvolveu o pensamento agostiniano, pelo contrário

contribuiu para o seu empobrecimento ao deixar fora da própria perspectiva

teológica a pesquisa escriturística e o ardor pela ascensão mística. Referente

ao conceito de pessoa, Agostinho o aceita enquanto consagrado pela tradição.

Mas não se mostra tão entusiasta em relação ao conceito de persona como

termo trinitário, já que para Ele o termo persona não implica alguma relação.

Como nota Basil Studer: «Persona deveria exprimir isto que distingue Pai, Filho

e Espírito Santo, o que é somente relativo, que diz respeito somente à relação

recíproca. Persona, ao contrário, é um conceito que parece absoluto». Em

outros termos Agostinho identifica a pessoa com o eu, introduzindo uma

novidade revolucionária na filosofia ocidental. Neste sentido subjetivo, o

significado de persona corresponderia melhor ao único Deus. Na única

divindade não existem três eus, mas modos de ser Deus, como Pai que é sem

princípio, como Filho que deriva do ser do Pai, como Espírito Santo que

procede tanto do Pai que do Filho. Deste modo Agostinho descobriu o

conhecimento de si, a autoconsciência em toda a sua radicalidade. Esta

concepção agostiniana do conceito de pessoa seguirá pela estrada que

conduzirá à subjetividade moderna. Pode-se perguntar, como última

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conseqüência, tal concepção não conduz à concepção de um Deus único que

se pensa e se ama? Utilizando uma expressão de Du Roy «comme un grand

égoiste» ou um «grand célibataire». A Sagrada Escritura, porém, não autoriza

tal concepção. Agostinho, embora considerando a dimensão relacional, é um

grande defensor da dimensão unitária da divindade. Sua reflexão vai,

sobretudo, escrita na linha que evidencia a unidade de Deus. Isto não significa,

porém, que O Bispo de Hipona não tenha levado em conta a dimensão relativa

do conceito de pessoa. Para Greshake tal pensamento, segundo o qual a

unidade de Deus reside na substância divina, isto que em Deus é distinto – em

virtude das diversas processiones – vem entendido como relação, e de fato

conduziu a uma concepção relacional de pessoa. Em base à qual Deus mesmo

é um complexo relacional – em modo menos abstrato – um ser e uma vida

caracterizada pelas relações entre as pessoas, isto é communio.

6. O pensamento cristão medieval se vê envolvido na tarefa de

aprofundar a doutrina trinitária. Diante da reserva de Agostinho com relação ao

conceito de pessoa aplicado à Trindade. Partia-se da unidade de Deus, e a

partir desta se concluía a pluralidade. Na tentativa de compreender a

pluralidade permanecia-se fortemente preso ao conceito agostiniano de

relacionalidade de Três que ao mesmo tempo eram distintos em Deus,

permanecendo assim inadequado o conceito de pessoa. O magistério da Igreja

no que se refere à doutrina trinitária acentua a relacionalidade dos Três, ao

passo que o trabalho teológico conceptual e científico prioriza a unidade

específica e individual das três Pessoas da Trindade. Entre os teólogos

medievais, Boécio coloca-se dentro desta perspectiva ao afirmar a pessoa

como uma substância individual de natureza racional: «Persona est naturae

rationalis individua substantia». A partir deste conceito Boécio chega ao

resultado que a pessoa não é outra coisa que a individualidade de uma

natureza racional, ou seja, a pessoa se caracteriza pela sua autonomia. Para

Boécio, utilizando uma expressão de Auer: «A pessoa vem concebida a partir

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da autocompreensão social do patrício romano, que se sente seguro da própria

independência e unicidade (individua substatia)». 7. O ponto débil desta concessão clássica de pessoa é apontado por

Walter Kasper, ao afirmar que: «A individualidade, porém, é uma determinação

de ‘coisa’, não ainda de ‘quem’; é uma conotação natural de pessoa, não a

pessoa mesma». Ricardo de São Vítor critica a definição de Boécio aplicada à

pessoa, dizendo que esta é inadequada para a Trindade. De fato, a substância

divina é espiritual e individual, mas não é uma pessoa. O conceito de pessoa

aplicado à Trindade deve ser algo que supere o conceito de individualidade da

substantia rationalis naturae. Neste sentido Ricardo de São Vítor constrói sua

própria definição, onde o conceito de existência ocupa um papel fundamental.

Uma Pessoa divina é a incomunicável existência da natureza divina – «Persona

divina est divinae naturae incommunicabilis existentia». Ex-sistere quer

significar «ser em si mesmo a partir de um outro». Ricardo o demonstra partindo

daquilo que em Deus é «propriedade de origem», ou seja, aquele elemento

específico da summa caritas. Partindo de Gregório Magno, ele conclui que Deus

sendo amor supremo precisa como destinatário de um outro, de um amado, que

deve corresponder a tal amor. De outro modo Deus permaneceria só. Por outro

lado, nem mesmo o amor supremo entre dois pode ser a realização suprema do

amor, e por este motivo deve abrir-se a um terceiro. Nesta fenomenologia do

amor perfeito, a partir de um terceiro, segundo Ricardo de São Victor, as

Pessoas divinas se mostram como uma realidade triplamente relacional, como

diligens, dilectus e condilectus. A razão, portanto, se convence de que na

verdadeira divindade não pode faltar uma pluralidade de Pessoas. E

exatamente a partir do terceiro, condilectus, que segundo Ricardo é o Espírito

Santo, que co-amante e co-amado revelam o verdadeiro sentido da gratuidade

e da grandeza do amor, transmitindo a este terceiro a comum felicidade. Aqui

aparece uma idéia diferente daquela do Bispo de Hipona. Para Agostinho o

Espírito Santo é fruto, resultado do agir do Pai e do Filho, é ele que rende

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possível a união de amor entre ambos. Tanto Agostinho quanto Ricardo buscam

esclarecer a relação entre unidade e trindade, entre identidade e diferença. Os

dois pensadores representam dois pólos de reflexão, Agostinho, e com ele

grande parte da teologia do ocidente, acentuam a unidade e a partir desta

unidade fazem referimento à trindade. Ricardo está mais identificado com a

teologia de matriz oriental que parte da trindade para pensar a unidade.

8. Tomás de Aquino, embora em grandes linhas, receba a definição

boeciana de pessoa, contribui com elementos e acentos novos. Aprofundando o

conceito de pessoa, o Aquinate não identifica a substantia presente na definição

de Boécio com essentia ou natureza, mas sim a compreende como suppositum

ou mesmo subsistentia. O nome persona «não se utiliza para significar o

indivíduo como natureza, senão para significar uma realidade subsistente em tal

natureza». E assim a pessoa é um modo de ser singular de suprema dignidade.

A pessoa significa o que de mais nobre existe no universo. Autoconsciência e

liberdade são traços característicos da pessoa, enquanto responsável de si e de

seu agir. Em Tomás já está presente aquela idéia moderna, segundo a qual, o

que caracteriza fundamentalmente a pessoa é a sua consciência e sua

liberdade. No que diz respeito ao conceito de pessoa, considerado à concepção

trinitária, que num primeiro olhar, pode-se aplicar somente ao Deus único que,

enquanto essência divina como tal, é o subsistens distinctum simpliciter, Tomás

coloca como centro da reflexão as Pessoas divinas como relação, respeitando a

pluralidade das Pessoas em Deus sem cair num triteísmo contraditório. E deste

modo ele reformula a tese onde a Persona divina significa uma relação como

subsistente: persona igitur significat relationem ut subsistentem. «Do ponto de

vista histórico ele retoma claramente a intuição agostiniana: a relação é isto que

distingue uma pessoa (divina) da outra e que a constitui como tal na própria

distinção. O elemento novo da concepção de Tomás consiste somente no fato

que as relações vêm entendidas como subsistentes e com idênticas à natureza

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divina». Enquanto relationes subsistentes as Pessoas divinas têm o ser no

actus purus da única essência divina.

9. Um outro elemento importante é que o De Trinitate contém também um

tratado de Cristologia. Um tratado que embora não ofereça um aprofundamento

sobre o modo da união hipostática, ou sobre a psicologia humana de Cristo,

oferece uma ampla doutrina sobre o motivo da Encarnação, sobre a mediação,

sobre a redenção, sobre a centralidade de Cristo, como nossa ciência e nossa

sabedoria. Uma reserva apresentada por Schmaus referente ao De Trinitate de

Agostinho, diz respeito à perspectiva agostiniana, na qual Deus significa antes de

tudo unidade de natureza das três Pessoas. Para o grande dogmático alemão, tal

perspectiva metafísica pode ser útil para belas meditações sobre Deus, mas não

para dirigir-se através da oração a Deus. Na oração – o tu – ao qual nos dirigimos

não pode ser senão uma pessoa. Na concessão agostiniana portanto, não se

pode dirigir a Deus sem hipostatizar de algum modo – contra a explícita doutrina

de Agostinho – a essência divinal. Daqui segue que na vida de piedade tal

perspectiva deve ser colocada à parte. Trapé critica a interpretação de Schmaus,

demonstrando que se esta fosse válida quereria dizer que não podemos rezar

sem ser declaradamente triteístas. Entre uma fé que acredita em um só Deus e a

oração que fala com Deus haveria um insuperável contraste. Pensamos que para

superar este contraste e para evitar aquele perigo o Bispo de Hipona, tantas

orações estupendas dirigiu ao Pai por meio do Filho na unidade do Espírito Santo

– Com tais orações fechava habitualmente os seus discursos. No De Trinitate, o

Bispo de Hipona utiliza-se de duas formas de oração: uma dirigida ao Pai; uma

segunda, com a qual conclui a sua obra orientada ao Deus-Trindade.

10. Dois procedimentos importantes distinguem o método teológico de

Agostinho um primeiro procedimento é aquele da via dogmática ou a

justificação da fé; o segundo diz respeito à inteligência da fé. Esta distinção

encontra-se ainda, não somente, na escolástica, mas também, embora um certo

período de obscurantismo, na teologia moderna. O objetivo deste primeiro modo

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de proceder é justificar a afirmação que: «A Trindade é um só e verdadeiro

Deus... O Pai, o Filho e o Espírito Santo são de uma mesma e única substância

ou essência». A Trindade a ser buscada compreende a Trindade que é Deus,

único e verdadeiro. Não é possível a inteligência do mistério sem um reto

conhecimento de Deus. Agostinho entende como elemento preliminar nesta

busca a «purificação» dos erros do entendimento concernentes à natureza de

Deus. Trata-se de uma verdade de fé corroborada nas Sagradas Escrituras e

professada pela Igreja. Além disso, a via especulativa seguida por Agostinho

para replicar e dar uma resposta adequada aos abusos da filosofia racionalista

constitui de antemão um intellectus fidei. O método da analogia vem em ajuda à

busca da inteligência da fé. Deste modo a relação entre inteligência e fé é uma

distinção sem descontinuidade entre a via dogmática e a busca da inteligência.

Referente às razões que se opõem à doutrina pode-se distinguir duas ordens de

respostas: uma diz respeito à Trindade em si mesma, a outra diz respeito à

economia. A primeira resposta utiliza-se da fórmula dogmática para traduzir a

verdade contida na Escritura e na fé da Igreja: os Três são um equanto à

essência ou substância, porém o poder e a ação no mundo, aquilo que se

distingue entre eles são as relações. As ações ad extra são comuns às Três

Pessoas divinas, mas segundo a ordem de suas relações pessoais. Agostinho

ao condensar esta doutrina, não fez outra coisa que retomar a conclusão dos

debates da teologia grega. Neste sentido, frente àquela concepção, de um certo

modo restritiva, que atribui a Agostinho um conceito demasiado unitário e

estático no De Trinitate e que tem pouco a ver com a história da salvação e a

espiritualidade cristã, estudos recentes demonstram que a teologia de

Agostinho mais que «ocidental» é uma teologia «tradicional». Esta teologia

comporta duas proposições importantes, não somente para a justificação do

dogma, como também para a inteligência da fé. A primeira proposição diz

respeito às missões das Pessoas divinas que são idênticas às processões, as

Pessoas em si mesmas e às suas relações pessoais. A segunda proposição é

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que elas constituem a presença vivificante da Trindade em si mesma no seio da

criação, e por sua vez, todo o mistério de salvação. «Isto afirma claramente a

identidade entre a Trindade em si mesma e a Trindade da economia».

11. Uma elucidação importante da teologia de Agostinho é a

argumentação que desenvolve, no contexto da economia, para estabelecer a

propriedade do Espírito Santo no seio da Trindade como a intimidade recíproca

do Pai e do Filho; comprendendo unidade de natureza e unidade de amor. O

Bispo de Hipona chega à conclusão que o Espírito Santo é «a comunhão

mesma», a intimidade mútua do Pai e do Filho. Esta tese, porém, já havia sido

elaborada antes dele, ele a utiliza, sobretudo, na segunda parte de seu tratado,

para mostrar que o Espírito Santo é, por sua vez, consubstancial ao Pai e ao

Filho e distinto de um e do outro. Conforme a interpretação de Bourassa, esta

doutrina concretiza dois princípios fundamentais do método teológico de

Agostinho: em primeiro lugar a analogia da fé compreende a economia, assim

como a analogia do ser, isto é, as relações entre o homem e Deus, culminam no

amor; em segundo lugar, o axioma fundamental, segundo o qual a Trindade da

economia é a Trindade em si mesma, e reciprocamente. Esta demonstração

dogmática implica a inteligência da fé, síntese viva da fé e do intelecto. Para o

pensador de Hipona a noção de imutabilidade divina revela a plenitude do ser e

da existência de Deus, não entendido em sentido estático e apático, mas no

sentido dinâmico e pessoal. «A dimensão dinâmica do conceito de Deus

manifesta-se, sobretudo, na visão global da revelação, que inicia na criação e

nos seus sinais visíveis, se completa na encarnação e continua na participação

do Espírito». O fato de que Deus seja um só criador, não exclui-se uma certa

ordem entre as três pessoas, na operação criadora. Também a natureza é

comum às três pessoas divinas, mas cada uma a possui segundo a sua

propriedade: o Pai como inacessível e generante, o Filho como gerado e o

Espírito Santo como espirado.

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12. O mesmo podemos dizer da criação, que segundo a concessão

clássica, tudo é criado pelo Pai, é criado para o Filho, no Espírito Santo. De fato

a ação comum criadora está no Pai, sem tê-la recebido de um outro, no Filho

que recebeu do Pai, e no Espírito que recebeu do Pai e do Filho. Referindo a

Criação às várias Pessoas divinas será mais fácil compreender que esta não é

só um fato abstrato, mas um dom pessoal, que faz apelo a uma resposta

pessoal da criatura. A operação ad extra, é, sobretudo, obra do amor divino,

que convida toda a criação à participação da vida divina. Este amor

transbordante, está presente, antes de tudo na relação do Pai com o Filho, e na

afinidade com o Espírito Santificador, que procede pela processão do amor. Ou

seja, em Deus não temos somente uma operação ad extra, mas também uma

operação ad intra. Segundo Santo Tomás, o termo «processão», no sentido

mais geral de que uma coisa proceda de outra, supõe uma ação. Aplicando esta

regra a Deus, enfatiza o Doutor Angélico que nem todas as ações divinas têm

seu efeito em seu exterior. O efeito pode permanecer em Deus mesmo. Ou

seja, não apenas uma operação divina ad extra, no caso da criação, mas

também uma operação divina ad intra, que tem sua origem em Deus e

permanece em Deus mesmo. «Este é um aspecto decisivo da originalidade do

ensinamento cristão sobre o Deus uno e trino. Este tem em si mesmo uma

plenitude de vida para a qual não necessita da criação. Se não conhecemos

esta plenitude de vida intima em Deus, voltamos inevitavelmente ao Deus

simplesmente uno». O erro de Ário e de Sabélio consiste justamente no fato, de

que ambos negam a vida divina ad intra. Ou seja, toda a ação de Deus, deveria

ser em direção ao exterior, já que não cabe, no Deus uno, nenhuma

fecundidade interna. Somente que esta não é a nossa fé. Segundo a fé cristã, a

operação ad extra de Deus, não é uma necessidade. Deus não cria por

necessidade, porque precise da criação para ser aquilo que ele é, Deus cria por

um livre ato de amor e liberdade. Como nota Ladaria, a Trindade imanente não

se realiza nem se desenvolve na economia. Deus tem em si mesmo a plenitude

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independentemente da criação e da obra salvífica. Se assim não fosse, a nossa

própria salvação ficaria comprometida, uma vez que Deus não poderia salvar-

nos, já que também ele deveria chegar a sua plenitude, em outras palavras

«salvar-se».

13. Agostinho utilizou-se de comparações a partir do mundo exterior,

para explicar a relação interna fecunda do Deus uno e trino. O Bispo de Hipona

usou preferentemente a comparação da vida interna da mente humana para

aproximar-se de algum modo da fecundidade interna da vida divina. Para

Agostinho, não se trata de chegar a Deus desde o homem, mas de penetrar na

imagem divina que o Criador, de uma certa forma, imprimiu na alma humana,

uma vez que, a alma humana foi criada à imagem e semelhança de Deus. A

analogia com a alma humana que se conhece e ama não foi a única via usada

ao longo da história da teologia para explicar a fecundidade da vida divina ad

intra. Agostinho falava dos três da Trindade fazendo também analogia com o

amante, o amado, e o amor mesmo, ainda referia-se à mente humana que se

conhece e ama. É importante salientar que a fecundidade ad intra do amor

divino é essencial à concepção cristã de Deus. Deus não se deixa esgotar pelas

nossas imagens, tampouco através de nossos conceitos. Deus é um conceito

que está para além de qualquer conceito. Agostinho é plenamente consciente

da distância que separa a imagem do modelo. Termina o livro XV do De

Trinitate com um sentimento de inadequação e com um forte apelo à oração,

graças a qual, Deus mesmo pode proporcionar a experiência e o conhecimento

de seu mistério. Continuamente retorna ao tema que as semelhanças são

dessemelhantes, similitudo dissimilis. A imagem do Deus Trindade deve ser

buscada na sabedoria, adverte o Filósofo no umbral do livro XIV. Esta sabedoria

identifica-se com a piedade, theosébeia. O desafio que acompanha o nosso

autor é a busca da inteligência daquilo que se crê. Eis o que tenta continuar

fazendo Agostinho, nos livros VIII – XV de seu tratado. Esta imagem da

Trindade deve ser encontrada no espírito humano e na atividade humana. No

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amor todo o ser humano torna-se cada vez mais semelhante e imagem de

Deus. Sim, o homem é imagem de Deus, e se esta imagem estragada pelo

pecado original, foi restabelecida por Cristo, também as forças humanas só

podem ser desenvolvidas em uma forma adequada, a partir de uma adoração

de Deus e de Cristo. Todas as imagens e modelos que a partir da realidade

humana queiram iluminar o acesso ao mistério devem reconhecer o limite

fundamental da infinita superioridade do modelo sobre a imagem e a

impossibilidade de encerrar Deus em nossos esquemas humanos. O modelo

apofático, sem ser absoluto, sempre será uma característica da Teologia. Isto

não quer dizer que devamos ignorar todos os esforços da teologia, ao longo dos

séculos, no seu intento sempre renovado de dar razão à nossa esperança.

Neste sentido, a partir de uma atitude dialogal e eminentemente bíblica, somos

convidados a desenvolver uma teologia trinitária espiritual, na qual todo o

cristão é chamado a imitar a generosidade do Pai, no seguimento do Filho por

meio da caridade do Espírito.

SIGLAS E ABREVIATURAS

I. Obras de Santo Agostinho Acad. Contra Academicos

Conf. Confessiones

De B. Vita De Beata Vita

De civ. Dei. De Civitate DeiCidade de Deus

De doc. Christ. De Doctrina Christiana

De fide et symb. De Fide Et Symbolo

De Gen. Ad. lit. De Genesi ad Litteram

De Lib. Arb. De Libero Arbitrio

De Mus. De Musica

De ord. De Ordine

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217

De Trin. De Trinitate

De vera rel. De vera Religione

Ench. Enchiridion

Ep. Epistolae

Ps. Psalmus

Retract. Retractationes

Serm. De Sermone

Sol. Soliloquia

II. Em geral

Adv. Herm TERTULIANO., Adversus Hermogenes, in Sources Chrétiennes

(n. 439), ed. bilingüe Contre Hermogène, introduction, texte

critique, traduction et commentaire par Fréderic CHAPOT, Les

éditions du Cerf, Paris 1999.

Adv. Prax. TERTULIANO, Adversus Praxeam, in Migne, PL 2, col. 175 – 220.

Ahaer. IRINEU DE LYON., Adversus haereses, in Sources

Chrétiennes (n. 100 e 153), ed. bilingüe, Contre les héresies,

livre IV. Les éditions du Cerf, Paris 1965; livre V. Les éditions

du Cerf, Paris 1969.

AT Antigo Testamento

BAC. Biblioteca de Autores Cristianos

BA Bibliothèque Augustinienne

BTC Biblioteca di Teologia Contemporanea

Cels. ORIGENES., Libros octo contra Celsum, in Migne, PG 11, col.

637 – 1632.

Ceunom. BASÍLIO DE CESARÉIA., Adversus Eunomium, in Sources

Chrétiennes (n. 299), ed. Bilingüe, Contre Eunome, Tome I, Les

éditions du Cerf, Paris 1982.

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218

Cf. Conferir

Colo ORIGENES., Commentaria in Evangelium Joannis, in Migne,

PG 14, col. 21 – 830

Coll. Les Saint Colletions Les Saints

Cont. Arian. ATANÁSIO, Apologia contra Arianos, in Migne, PG 25, col.

239-410

DS. H. DEZINGER – P. HÜNERMANN

EI Magisterio de Ia Iglesia Enchiridion Symbolorum Definitionum

et Declarationum de Rebus Fidei et Morum, Herder 1999.

De Trin. HILÁRIO DE POITIERS., De Trinitate, in Sources Chrétiennes

(n. 443), ed. Bilingüe, La Trinité (tome I – livres I-III; tome II –

livres IV-VIII), texte critique para P. SMULDERS, introduction

para M. FIGURA et J. DOIGNON, traduction par G. M.

DURAND, Charles MOREL et G. PELLAND, notes par G.

PELLAND – Les éditions du Cerf, Paris 1999.

De Trin. MÁRIO VICTORINO., De Trinitate, in Sources Chrétiens, (nn. 68 –

69), ed. Bilingüe, Traités théologiques sur la Trinité commentaire

para Pierre HADOT, Les éditions du Cerf, Paris 1960.

De Trin. RICARDO DE SÃO VÍCTOR., De Trinitate, in Sources

Chrétiennes (n. 63), ed. Bilingüe, La Trinité, texte latin introction,

traduction el notes de Gaston SALET, Les éditions du Cerf,

Paris 1959.

Ed. Edição

Enn. Plotino., Enneadi. Tre volumi. Bari 1947/1949. Prima versione

integra e commentario critico di Vicenzo Cilento.

Fasc. Fascículo

lbid. Ibidem

n. nota

Op. cit., Opus citatum

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219

Orat. GREGÓRIO NAZIANZENO., Orationes, In Migne PG, 35, col.

395 – 1252.

PA. ORÍGENES., Peri – Archón, in Sources Chrétiennes (n. 252), ed.

Bilingüe, Traité des Principes (livres I et II), introduction, texte

critique de Ia versions de Rufin, traductión par Henri CROUZEL et

Manlio SIMONETTI, Les éditions du Cerf, Paris 1978.

PG Patrologiae Cursus completus, Series Graeca, J.- P. Migne, ed.

(Paris 1857ss).

PL Patrologiae Cursus completus, Series Latina, J.- P. Migne, ed.

(Paris 1844ss).

Pról. Prólogo

Spir. BASÍLIO DE CESARÉIA., Sur le Saint-Esprit, éditions du Cerf,

Paris 1968.

STh. SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, ed. Bilingüe

Suma Teologica de Santo Tomas de Aquino. Tomo I, q. 1-26.

Madrid: BAC, 1964, texto latino de la edición crítica leonina.

Traducción Raimundo Suarez; Introducciones generales

Santiago Ramírez, introducciones particulares, anotaciones y

apendices del R. P. Francisco Muñiz. Tercera edición. Tomo II,

q. 27 – 74. Madrid 1959.

BIBLIOGRAFIA

FONTES

OBRAS DE SANTO AGOSTINHO

Contra Academicos, in Obras de San Agustín, ed. Bilingüe Contra los

académicos. Madrid: BAC, vol. III, 1971. Versión, introducciones y notas de los

padres Victorino Capánaga, Evaristo Seijas, Eusebio Cuevas, Manuel Martinez,

Mateo Lanseros.

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220

De Beata Vita, in Obras de San Agustín, ed. Bilingüe De la Vita Feliz. Madrid:

BAC, vol. I,1969. Preparado por el Padre Victorino Capánaga. Cuarta Edición.

De Ordine, in Obras de San Agustín, ed. Bilingüe Del Ordem. Madrid: BAC, vol.

I, 1969. Preparado por el Padre Victorino Capanága. Cuarta Edición.

Soliloquia, in Obras de San Agustín, ed. Bilingüe Los Solilóquios. Madrid: BAC,

vol. I, 1969. Preparado por el Padre Victorino Capanága. Cuarta Edición.

De Libero Arbitrio, in Obras de San Agustín, ed. Bilingüe DeI Libre Albedrío.

Madrid: BAC, vol. III, 1971. Versión, introducciones y notas de los padres Victorino

Capánaga, Evaristo Seijas, Eusebio Cuevas, Manuel Martinez, Mateo Lanseros.

De Vera Religione, in Opere di Sant’Agostino, ed. Bilingüe La vera Religione.

Testo Latino dell’edizione Maurina confrontato con il Corpus Scriptorum

Ecclesiasticorum Latinorum. Roma: NBA, Città Nuova Editrice, 1994.

lntroduzione, traduzioni, note e indici di Antonio Pieretti.

De Fide Et Símbolo, in Opere di Sant’Agostino, ed. Bilingüe La fede e il simbolo.

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